Sexta-feira 10 Setembro 2010 www.ipsilon.pt

Só mais um Verão e crescemos Best Coast e : duas faces de uma pop gloriosa ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7463 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE DO PÚBLICO, EDIÇÃO Nº 7463 INTEGRANTE DA PARTE FAZ ESTE SUPLEMENTO ROGER KISBY/GETTYIMAGES KISBY/GETTYIMAGES ROGER

Adrián Biniez António Jorge Gonçalves Maria João Luís Benoît Lachambre Gabriel Abrantes Os 100 anos da morte de Tolstoi d‹o vida a uma edi‹o comemorativa e inŽdita de ÒGuerra e PazÓ. ovembro. Limitado ao stock existente. ovembro.

Edi‹o comemorativa com ilustra›es de Jœlio Pomar e pref‡cio de Ant—nio Lobo Antunes ÒGuerra e PazÓ, o maior dos romances pelo maior dos escritores. Por ocasi‹o do 100¼ anivers‡rio da morte de Liev Tolstoi, o Pœblico traz de volta uma das maiores obras da literatura universal, numa edi‹o comemorativa em 10 volumes, traduzidos directamente do russo (por Filipe Guerra e Nina Guerra), com pref‡cio do renomado escritor Ant—nio Lobo Antunes e ilustra›es de Jœlio Pomar, um nome maior da pintura portuguesa. N‹o perca todas as Quintas, a partir de 23 de Setembro, por mais Û8,95. Colec‹o 10 volumes. PVP: 8,95Û. Preo total da colecc‹o: 89,50Û. Periodicidade semanal (Quintas). a 25 de N De 23 Periodicidade de Setembro total da colecc‹o: Preo Colec‹o 89,50Û. PVP: 8,95Û. 10 volumes. Este espaço vai ser sobre ele, concordando seu. Que fi lme, peça de ou não concordando Espaço teatro, livro, exposição, com o que escrevemos? Público disco, álbum, canção, Envie-nos uma nota até concerto, DVD viu e 500 caracteres para gostou tanto que lhe [email protected]. E apeteceu escrever nós depois publicamos.

Walter Salles está na estrada com o livro de Kerouac na mão desde Agosto: as rodagens decorrem entre o Canadá, os EUA

PAULO PIMENTA PAULO e a América do Sul

“On the adaptação ao ousadas, em “ménage à trois”. investissem no filme. Ao jornal “O cinema desde Garrett Hedlund interpretará Dean Globo”, Salles disse que ao cruzar road” já está 1979). A rodagem Moriarty, o alter-ego de Neal os EUA de ponta a ponta, seguindo na estrada do filme, cuja estreia Cassady, e Sam Riley, o Ian Curtis os passos de Jack Kerouac, está marcada para 2011, do filme “Control”, será Sal encontrou “não só as personagens O brasileiro Walter Salles, realizador está a decorrer desde o início Paradise, narrador e personificação do livro que ainda estão vivas, mas de “Diários de Che Guevara”, de Agosto entre o Canadá, os do escritor Jack Kerouac. também os poetas da sua geração”: terminou a primeira fase da Estados Unidos e a América do Sul. Salles está a trabalhar neste “Acabei percebendo que esses rodagem do seu próximo filme, “On Num dos principais papéis está a projecto há cinco anos. Só depois homens e mulheres que tiveram a the Road”, adaptação da obra de actriz Kristen Stewart (a Bella de de ter feito o documentário “À coragem de abrir essas janelas nos Jack Kerouac ao grande ecrã com “Crepúsculo”), que pintou o cabelo Procura de ‘On the Road’” é que o anos 50 e 60 são muito mais jovens produção de Francis Ford Coppola de loiro para interpretar Marylou, realizador de “Central Brasil” do que muitos jovens de hoje em (que detinha os direitos da personagem que terá cenas de sexo conseguiu que várias produtoras dia”.

Flash Agora

Thurston NELSON GARRIDO Moore Sumário é editor Best Coast e Wavves 6 As duas faces de uma pop livreiro que não quer envelhecer A Ecstatic Peace Library, John Adams 12 editora fundada em 2009 A Ecstatic Escreveu a ópera que Joana por Thurston Moore, lança- Peace Library, Carneiro sempre quis dirigir se verdadeiramente no editora que mercado este Outono, com Thurston Maria João Luís 14 livros do próprio ou do Moore fundou em 2009, É a “Hedda” de Jorge Silva fotógrafo James Hamilton. lança-se Melo “Um consórcio defi nitiva- ‘underground’ que mente no Patrícia Portela 20 silenciosamente toma conta mercado Acácio Nobre nunca existiu do mundo”, graceja a co- este Outono fundadora Eva Prinz. a um catálogo que reúne indústria livreira rói as unhas obscuras, a dupla Thurston Benoît Lachambre Ser guitarrista e vocalista livros de arte, design, de ansiedade, sem certezas Moore-Eva Prinz refere com e Louise Lecavalier 22 de uma das bandas-chave fotografia ou poesia, quanto ao futuro do livro, entusiasmo uma edição Dois em um em “Is You Me” da música popular urbana pensando também novas Thurston Moore não está marcada para Novembro, das últimas três décadas formas de explorar o preocupado: “A edição “James Hamilton: You Adrián Biniez 24 seria suficiente, mas “e-book”. Até agora, o independente é uma tradição Should Have Heard Just O cinema sul-americano Thurston Moore há muito trabalho centrava-se em que por vezes pode ser What I Seen”. Hamilton, continua a mostrar-se que não é apenas isso. pequenas edições numeradas agradável para nós e outras fotógrafo da “Village Voice” Verdadeiro actor cultural, e feitas à mão. No Outono, vezes espiritual.” Daí a que acompanhou não só os António Jorge artista multifacetado, ou tudo se tornará mais sério. E, diversidade de um catálogo principais músicos jazz e Gonçalves 28 não tivesse sido formado na como não podia deixar de onde encontramos, por rock das décadas de 60 e Deu a volta ao mundo fervilhante cena nova- ser, a música terá um papel exemplo, “Fly Me”, de Yoko 70, mas também as de metro iorquina da década de 70, fundamental: “Três dos sete Ono (livro e caixa de convulsões da época, abriu Moore edita desde 2001 o títulos [editados] são papagaios, com instruções de o seu arquivo pela primeira Gabriel Abrantes 32 “Ecstatic Peace Poetry embalados com discos de voo e mensagens de Ono), vez e Moore mergulhou Prémio em Locarno, Journal” e gere desde 1983 a vinil”, referiu Moore à “Style um catálogo de paisagens e nele com afinco para retrospectiva em Guimarães Ecstatic Peace, editora Magazine” do “New York retratos do fotógrafo Justine descobrir coisas como uma independente que se tem Times”. Entre as novas Kurland, apanhados durante foto de Rod Stewart a ser Ficha Técnica revelado particularmente edições estão “In Silver Rain uma viagem de comboio entrevistado por Patti activa nos últimos anos, With A Paper Key”, que junta pelos EUA, ou “The Noise Smith, então Directora Bárbara Reis lançando bandas como os textos, fotografias e poesia de Paintings”, com colaboradora da revista Editor Vasco Câmara, Inês Nadais (adjunta) Hush Harbors ou os Thurston Moore a dois assinatura de Kim “Crawdaddy!”. “Rod e Conselho editorial Isabel Awesome Color. singles de sete polegadas Gordon, baixista dos Patti tinham Coutinho, Óscar Faria, Cristina Em Outubro de 2009, com inéditos do guitarrista, Sonic Youth e mulher exactamente o Fernandes, Vítor Belanciano Moore decidiu expandir o ou “Party With Me Punker”, de Moore, que vem mesmo corte de Design Mark Porter, Simon “império” Ecstatic Peace, livro de fotografias de Dave com uma cassete. cabelo”, brinca Eva Esterson, Kuchar Swara Directora de arte Sónia Matos alargando-o ao universo Markey e Jordan Schwartz Interessada em Prinz. Designers Ana Carvalho, editorial. À sua maneira, que fixa a cena hardcore explorar obras Mário Lopes Carla Noronha, Mariana Soares claro. A Ecstatic Peace californiana do início da Editor de fotografi a Library que fundou com a década de 80. O arquivo de James Hamilton, fotógrafo que acompanhou o rock e o jazz das décadas de 60 e 70, vai dar um livro Miguel Madeira editora Eva Prinz, dedica-se Num momento em que a E-mail: [email protected] em Novembro, “You Should Have Heard Just What I Seen”

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 3 Flash

da arte moderna”, disse Eleanor Cayre ao “Independent”. Só em 2012 o projecto deve entrar em fase BETTMANN/ CORBIS BETTMANN/ de produção, com elenco e estúdio associados. Para já, fica o potencial da história: uma mulher emancipada do início do século XX, nascida Os fi lmes vêm, numa família rica, perde o ela ainda está pai quando este decide por confi rmar embarcar (com a amante e um séquito de empregados) na viagem inaugural e fatídica do Titanic e recebe uma herança avultada que lhe permite, entre outras coisas, viver livremente e Sandrinne Bonnaire fazer uma plástica ao nariz a na Festa do Cinema que chamava a “batata Francês Guggenheim”. Ruma à Europa e tem as De 7 a 9 de Novembro: Festa do Cinema Francês, em seis cidades do “experiências” que país, Lisboa, Almada, Porto, procurava e documenta na Guimarães, Faro e Coimbra. sua autobiografia. Casa-se Programa a anunciar no dia 21 de Peggy é a arte com um artista, tem dois Setembro. Mas podemos antecipar do século XX filhos, conhece Isadora já alguma coisa: retrospectiva da em pessoa: obra, burlesca, de Pierre Étaix, jogou ténis Duncan, joga ténis com Ezra “clown”, realizador, mágico, com Ezra Pound, tem um caso com nascido em 1928; uma integral Pound, teve Samuel Beckett, é amiga de dedicada a André Téchiné, a quem um caso Duchamp e funda uma foi dada carta branca para escolher com Samuel galeria em Londres. Casa-se alguns dos seus filmes de eleição - Beckett, foi um ciclo em colaboração com a mecenas de outra vez, compra arte Cinemateca Portuguesa; uma Mark Rothko contemporânea às braçadas selecção de filmes premiados no e casou com – uma só lista de compras festival de curtas de Clermont- Max Ernst consta de dez pinturas de Ferrand, e a presença de uma Picasso, 40 de Max Ernst, grande actriz francesa, Sandrinne Bonnaire – da presença física ainda oito de Miró, uns quantos se aguarda a confirmação, mas Magritte, Man Ray ou Dali. virão filmes da sua carreira que ela “biopic”. O filme ainda está Vem a ser mecenas de escolheu. Onde estão, por exemplo, Peggy Guggenheim em desenvolvimento, nas Pollock, Mark Rothko ou do os dois momentos que captaram a então marido e surrealista sua brutal virgindade mãos da conselheira de arte cinematográfica – “Aos Nossos vai ter um “biopic” Eleanor Cayre e da produtora Max Ernst. Pelo meio, acaba Amores”, de Pialat, e “Sem Eira vencedora de Emmy Nikki por ajudar a desenvolver e nem Beira”, de Varda –, um Peggy Guggenheim, filha de românticas ou sexuais, Silver. “Sempre fui fascinada promover o expressionismo momento de coração “como actriz”, “La cérémonie”, de Claude Benjamin, vítima do mulher “embedded” no pela colecção e pela história abstracto, o primeiro grande movimento artístico norte- Chabrol, ao lado de Isabelle naufrágio do Titanic, e circuito mundial da cultura de vida de Peggy Huppert (prémio de interpretação sobrinha de Solomon, da primeira metade do Guggenheim. Era uma figura americano a transcender as em Veneza, ex-aequo), ou ainda o fundador do império século XX – Marcel Duchamp, excêntrica, que não só fronteiras dos EUA, filme que realizou sobre a sua irmã artístico e museológico Jackson Pollock, James Joyce, defendia como tinha relações antes de morrer em 1979, autista: “Elle s’appelle Sabine”. aos 81 anos. homónimo, foi uma Max Ernst eram seus amigos, íntimas com algumas das O novo edifício do Royal Shakespeare Theatre coleccionadora mitificada protegidos, coleccionados. mentes mais criativas da terá o melhor auditório alguma vez construído pelas suas aventuras Agora, a vida dela vai dar um história para interpretar Shakespeare

Guardian”. O teatro esteve eventos da inauguração inclui O Royal Shakespeare fechado durante três anos e uma versão de sonetos de Theatre reabre meio e foi remodelado com um Shakespeare pelo encenador orçamento de quase 113 milhões Peter Brook, que entre 1950 e como novo de libras (134 milhões de euros) 1970 fez algumas das mais pelo gabinete de arquitectura célebres produções do Royal O Royal Shakespeare Theatre, de Bennetts Associates. Agora Shakespeare Theatre. Para em Stratford-upon-Avon, vai haverá um restaurante como Fevereiro já estão agendadas reabrir em Novembro com “o nos velhos tempos, mais espaço as produções “Romeu e melhor auditório alguma vez nos lavabos femininos, uma Julieta”, de Rupert Goold, e construído para se interpretar nova loja e um bar. O teatro “Rei Lear”, de David Farr, Shakespeare”, disse o director abrirá ao público no dia 24 de com Greg Hicks no papel artístico Michael Boyd, ao “The Novembro para visitas e um dos principal.

4 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre

AO VIVO MIKE BRAMBLE Um projecto ambicioso, com canções sobre cenários da vida, apelando à consciência e à positividade de sentimentos e atitudes, que mistura o pop com jazz e o soul.

11.09. 17H00 FNAC NORTESHOPPING 11.09. 22H00 FNAC BRAGA PARQUE 12.09. 17H00 FNAC GUIMARÃESHOPPING

AO VIVO FERNANDO TORDO Por Este Andar Fernando Tordo, músico de reconhecido mérito e a voz de muitos dos poemas de Ary dos Santos, apresenta o seu mais recente trabalho com arranjos de Pedro Duarte.

12.09. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING

AO VIVO FEROMONA Desoliúde Com Desoliúde recentemente editado e Selvagem Tosco em rotação nas rádios nacionais, estes rapazes lisboetas prometem colocar o país em tronco nu.

12.09. 17H00 FNAC LEIRIASHOPPING

AO VIVO IVAN LINS Intimate Ivan Lins, apenas com a sua voz, o seu teclado e o seu carisma, transforma a FNAC num espaço íntimo e repleto de sucessos de uma vida.

16.09. 18H30 FNAC CHIADO

EXPOSIÇÃO UMA FOTO DE CADA VEZ Fotografias de Gonçalo Cadilhe O mais determinado viajante português da actualidade apresenta as fotografias que tirou aquando das viagens que acompanharam as histórias dos seus livros.

12.08. - 12.10.2010 FNAC COIMBRA

Consulte todos os eventos da Agenda Fnac, assim como outros conteúdos culturais em http://cultura.fnac.pt

Apoio: Não se pode deixar de amar a menina Cosentino Porque é que este conjunto de canções esgalhadas à guitarra em três acordes e com a voz de Bethany Cosentino, um disco todo refracção brilhante do sol na chapa cimeira da água, nos comove tanto? Porque esta música representa um último Verão, uma última adolescência quando o Verão já acabou e a adolescência já passou. Mas “Best Coast” vai durar mais de uma estação. João Bonifácio

6 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon ROGER KISBY/ GETTY IMAGES KISBY/ ROGER Capa

Há um cliché que diz assim: a internet racional: “Quando escrevi as canções fez com deixasse de haver tempo para não andava feliz”. Houve ali uma ligei- reflectir, toda a gente reage instanta- ra pausa, como que para reflectir, em- neamente, o mundo está perdido. bora possivelmente tenha sido para Bem, o mundo está perdido desde afagar o seu gato, ostentado na capa, que o primeiro homem assolou à cos- e enfim a frase: “Andava confusa, a ta e demorou semanas a convencer a sentir que estava a ser manipulada serpente a pôr uma palavrinha por ele numa relação, a pensar nas minhas junto à primeira mulher. E o diabo da relações passadas, a pensar o que fa- bicha internáutica pode ser irritante, zer com a vida”. sim senhor. Mas numa pequena par- Ela diz isto com a mais absoluta in- cela do universo binário, aquela rela- teireza, sem pose. Não é um tratado tiva à música em mp3s descarregados ontológico, é um símbolo: daquilo a à má fila, a internet deu-nos mais tem- que o psicólogo americano Jeffrey Jen- po. sen Arnett chamou “Emerging Adul- Parece estranho? Não é: os discos thood”, a ambiguidade entre ser ado- saem cá para fora antes de serem edi- lescente e ser adulto, aquela sensação tados oficialmente e ouvimo-los du- de que aos quase trinta ainda não se rante meses antes de chegarem às assentou como se esperava de nós, e lojas. Na maior parte dos casos já nos que mesmo quando se assume uma cansámos deles quando têm preço e responsabilidade há sempre o quarto etiqueta. Numa ou outra excepção dos pais à espera. ficaram-nos na cabeça e tivemos opor- Arnett tem estudado o caso e defen- tunidade de pensar sobre eles, como de que os vintes deviam ser vistos co- tínhamos antigamente, quando nos mo uma nova faixa etária. A seu favor juntávamos à volta da fogueira do vinil tem a obra do cineasta Wes Anderson para ouvir cantar histórias. – e os maravilhosos Best Coast. É isso No intervalo de tempo entre des- que esta música representa: um últi- carregarmos ilegalmente o disco de mo Verão, uma última adolescência estreia dos Best Coast e a saída oficial quando o Verão já acabou e a adoles- do disco, uma pergunta assolou-nos: cência já passou: aquilo lá fora é o In- porque é que este conjunto de can- verno e isto que é nada é a tua conta ções esgalhadas à guitarra em três bancária. Mas enquanto não cortarem acordes e com uma voz feminina a a electricidade, pode-se ouvir os Best lembrar as girls bands dos anos 60, Coast. um disco tão escrito para ser todo su- perfície, refracção brilhante do sol na Nostalgia chapa cimeira da água, nos alegra e Até ao início de 2010 ninguém tinha (quase) comove tanto? Fomos alinha- ouvido falar deles. Depois, uma can- vando hipóteses: nostalgia, similitude ção aqui uma canção ali, à moda dos com outras bandas que gostamos. Mas singles, houve palminhas primeiro, nostalgia de quê, se não éramos nas- rumores a seguir e há meses, quando cidos quando surgiu o surf-rock e as o disco todo fugiu pelas frinchas da girl-bands? E de que vale a semelhan- legalidade, uma enorme vaga de cla- ça quando temos o original? mores. De repente os Best Coast esta- Depois Bethany Cosentino (vocalis- vam em todo o lado, com um simples ta, guitarrista, compositora e letrista truque: Ramones sem a droga e com dos Best Coast) fez-nos uma simples uma “afilhada” de Ronnie Spector ao confissão cuja essência é um mote ge- microfone. Beth recorda o momento em que a bola de neve se tornou demasiado grande: “A banda existia há um ano quando tocámos no South By Sou- thWest. Mas no festival as coisas co- meçaram a rolar e a partir daí come- çámos a tocar muito ao vivo. Aí sim, “Para ser honesta não foi tudo rápido. Não esperávamos por isto”. consigo relacionar-me Não são como a maior parte das ou- tras bandas: não são quatro amigos de com bandas como os infância que eram maltratados no li- ceu e quiseram vingar-se, não são um Radiohead de forma trio que quer papar garotas (apesar íntima porque é tudo de isso ser respeitável). São um rapaz e uma rapariga, só. demasiado Mesmo no processo de escrita não funcionam como a normal banda pós- metafórico. adolescente que se reúne numa gara- gem e ensaia até à morte: “Escrevo as Eu posso escrever canções em casa, gravo para o pc, mando ao Bobb [Bruno], digo-lhe ao sobre acordar com que quero que soe e ele depois faz as limões na boca, mas harmonias e arruma as canções. É tão simples quanto isto”, remata. não ia acreditar no Um ano antes, quando ela começou a banda, “queria soar às Ronettes e às que estava a cantar. Crystals”, vontade que se devia “à [mi- nha] condição emocional da altura”. Eu canto sobre Mas depois “a guitarra e o Bobb inter- puseram-se e as coisas seguiram o seu línguas na boca” caminho natural”.

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 7 Wavves Não era incrível tomar o mund Não é novidade que o indie americano anda fascinado com o sol e com memórias de infância. Os Wavves de Nathan Williams, namorado de B são esse espírito e a sua subversão. Ele é o “loser” que encarna a decadência boçal da cultura “trash” mas, no magnífi co “King Of The Beach”, o f

A fi gura de culto a caminho de no nosso estúpido novo disco”. estrela está a dar uma entrevista E como reagiu o povo? Com e não está feliz. “Porra, estou euforia, claro. Abrindo o mosh-pit a ser atropelado neste jogo. É e saltando tudo o que havia para embaraçoso”. A esperança do saltar. A “aborrecida estupidez” era rock’n’roll está a levar 5-0 num jogo deles também. E é estupidamente de futebol de consola e irrita-se com libertadora. o jornalista. “Fizeste-me perder. Não gosto isso.” Naturalmente, do outro O novo “Nevermind”? lado, o jornalista canadiano de uma Há um ano, Nathan vivia em casa “webzine” de Vancouver, Straight. dos pais, em San Diego. Acordava com, não percebe se ele está a falar pela uma da tarde, descia até à a sério. Ele que se chama Nathan piscina, acendia um charro, via Williams e que é o vocalista e o tempo a passar. Também via guitarrista fundador dos Wavves, televisão em doses industriais a banda que, como escrevia no ano e jogava mais ainda na consola. passado o site “Pitchfork”, “abraça Depois enfi ava-se na garagem, erva, nostalgia, a criação musical e pegava na guitarra, ligava o a vida ao ar livre como escape ideal laptop e gravava canções sobre para o aborrecimento dos vintes aborrecimento, sobre erva, sobre e um mercado de trabalho em góticas aborrecidas e sobre depressão”. extraterrestres com predilecção Não falámos com o jornalista, por erva. Nessa altura, os Wavves mas imaginamos o que lhe terá eram apenas Nathan Williams, passado pela cabeça: “É esta a o autor de “Wavvves”, disco de grande esperança do rock’n’roll?” canções punk roufenhas que o Não, Nathan Williams não é transformou, ao lado de uns No a grande esperança de coisa Age ou de uns Times New Viking, nenhuma – não há grandes em herói da vaga lo-fi e, mais do esperanças em coisa nenhuma, que isso, em representante máximo muito menos no rock’n’roll, em da alienação “no future” dos anos 2010. Mas sim, os Wavves que 00 – os títulos das suas canções acabam de editar “King Of The mais célebres não deixam dúvidas: Beach”, álbum de 12 canções “No hope kids” e “So bored”. que explodem no nosso coração Agora estamos em 2010 e Nathan juvenil (real ou metafórico) como Williams vive em Los Angeles com granada de guitarras distorcidas a namorada Bethany Consentino, televisão em doses industriais seriíssimo: “Um pouquito a sério, e refrões gloriosos, pertencem vocalista dos Best Coast, e um gato E sim, é algo glorioso. e a jogar consola non-stop. como que meio sério, uma cena àquela categoria rara de bandas chamado Snacks que, por ilustrar Música onde se Em “Wavvves”, o seu segundo assim.” Quando apontaram que a que nos fazem acreditar que é bom as capas dos álbuns de ambos (em álbum, cantava “No hope kids”, resposta poderia deixar dúvidas estar vivo aqui e agora (depois, a versão real, no dela, e em desenho, cruzam guitarras canção-hino da sua primeira - não pela resposta em si, entenda- lucidez até pode descer sobre nós, no dele), se está a transformar vida, e transformava lamento em se, mas porque “a imprensa mas é tarde de mais, já estamos numa mini estrela “indie”. Uma distorcidas com descarga sónica inspiradora – que nunca parece compreender se contaminados). jornalista do “New York Times” não tinha carro, que não tinha estás a gozar ou não” -, chegou o Que o universo “indie” americano pergunta-lhe (a Nathan, não ao harmonias vocais trabalho, que não tinha namorada, momento em que Nathan explicou anda fascinado com o sol e com gato) se gosta de música “stoner”, mas queríamos lá saber disso o óbvio. Foi realmente sério: “[Fiz memórias de infância já não é o rock inspirado nas “jams” sonhadoras, música quando tinha aquelas canções a comparação] no sentido de [este novidade para ninguém. Mas os psicadélicas da década de 1970, que aplica a corrosão para oferecer. No novo álbum, ser] um disco com bom som, por Wavves, cujo novo álbum se intitula e ele, na casa em Los Angeles, canta que se detesta a si mesmo oposição às gravações caseiras “King Of The Beach” (repetimos ri-se para os amigos: “Ei, ela acha dos Nirvana de e que detesta a música que faz, ou o que quer que seja que fi z para acentuar a ideia) e que adoram que ouvimos música ‘stoner’. “cause it’s all the same”. Mas não antes. Foi isso que quis dizer, não recordar a cultura pop de década Pergunto-me se será porque acordo “Bleach” a melodias se fi ca por aí. Pode continuar necessariamente que queria recriar de 90, são como que uma subversão e fumo erva antes de lavar os aborrecido, mas há-de transformar uma coisa que alguém fez, ou fazer desse espírito. Só vale a pena olhar dentes”. Um outro jornalista, do pop irrepreensíveis, o tédio em algo glorioso: “to um álbum que seja tão bom ou tão para trás para rir no presente. E “LA Weekly”, cita a letra de “Idiot” take on the world would be relevante daqui a 20 anos”. Em o presente só vale a pena porque (“I’m not supposed to be a kid / música onde o tédio something”, ouvimos uma e duas seguida, num aparte: “Mas sabes ainda não se inventou forma de But I’m an idiot / I’d say I’m sorry hedonista da década e três vezes no fi nal de “Take on pá... Temos de apontar alto!” lhe fugir. Ou melhor: existe essa / But that wouldn’t mean shit”), e the world”. E sim, é algo glorioso. maravilha chamada rock’n’roll e, pergunta-lhe: “Tem um problema de 90, o de Green Day Música onde se cruzam guitarras Sobreviver ao colapso nela, tudo é sublimado e todos os de auto-estima?” Antes da resposta, distorcidas com harmonias vocais Claro que há pose em tudo isto – falhanços podem ser inspiradores. ouviu-se um sonoro “sim!” saído ou dos Weezer, surge sonhadoras, música que aplica a desde o menear de ancas de Elvis É por aí que se começa a desvendar do quarto - era Consentino que corrosão dos Nirvana de “Bleach” Presley que o rock’n’roll não vive a grandeza dos Wavves, estes respondia por ele, o que faz sentido. amalgamado por ou “Incesticide” a melodias pop sem pose. Mas é, digamos, pose Wavves liderados por um tipo que Beth é a rapariga cantando amores irrepreensíveis, música onde o sem medir as consequências da leva tareias em futebol de consola adolescentes solares, com toda uma cabeça com sons tédio hedonista da década de 90, o pose. No ano passado, enquanto ia enquanto promove à imprensa o a inocência possível. Nathan é mais interessantes de Green Day ou dos Weezer, surge crescendo o fenómeno à sua volta, álbum mais importante dos seus 25 o rapaz que nunca cantaria um amalgamado por uma cabeça com Williams entrou numa espiral anos de vida. amor solar com toda a inocência sons mais interessantes (e, por de excessos que culminou num Nathan Williams, que agora tem possível. Ela canta para ele. Ele é isso, surgem citações aos Animal espectacular colapso no festival consigo o baterista Billy Hayes e o “Idiot” que não consegue cantar Collective ou psicadelismos Primavera Sound, em Barcelona. o baixista Stephen Pope, a antiga para ela: “I’d say I’m sorry / But that pop à Elephant 6). O som é mais Demasiado pedrado, incapaz secção rítmica do tragicamente wouldn’t mean shit”. produzido que anteriormente e lo-fi de tocar ou cantar o que quer falecido Jay Reatard, é um mui O criador dos Wavves vem-se torna-se termo não aplicável. Mas que fosse, insultou o público, os interessante projecto de Kurt referindo a “King Of The Beach” mantém-se o sentido de urgência e técnicos de som e o baterista que Cobain, no sentido em que também como o seu “Nevermind” – esse uma certa sensação de “zeitgeist” o acompanhava até ser corrido de ele parece berrar “here we are mesmo, o álbum dos Nirvana que em todo este nervo e em toda esta palco, o que aconteceu depois de now, entertain us” (ainda que dinamitou os alicerces da cena energia. um momento humilhante: o colega despido de fúria ou angústia). Em musical de 90 -, o que pode parecer Quando lhe perguntaram se a despejar-lhe um copo de cerveja concerto recente, apresentou o estranho. É que, aparentemente, falava a sério quando classifi cou pela cabeça abaixo. Patético: tema título do seu novo álbum: nada mudou. Continua a acordar “King Of The Beach” como o Nathan Williams a escorrer “Esta é a canção mais aborrecida à uma da tarde, continua a ver seu “Nevermind”, Williams foi cerveja, o baterista a abandonar o

8 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon ndo de assalto? e Bethany Consentino e a outra face da moeda Best Coast, o falhanço torna-se um feito inspirador. Mário Lopes

a atingir qualquer coisa”. Está, para além do imagem “trash”, um fanático do hip-hop que escolheu, como melhor música de 2009, “Green light”, de John Legend e Nathan Williams, Andre 3000, e que escolhe como o baterista Billy Hayes sonho de carreira conhecer Lil e o baixista Stephen Pope Wayne. Um músico que destaca os Wire, os Nirvana, os Beach Boys ou os New Order como referências clássicas, que aprecia os livros de Kurt Vonnegut e que faz questão de informar que nas maquetas originais de “King Of The Beach” “pode-se ouvir o ‘Seinfeld’ em fundo” – “em todas elas”, acentua. A razão pela qual Bethany queria “Não consigo Cosentino e ser a Ronnie Spector de 2010 é sim- Bobb: o Mais do que ples: o seu passado. relacionar-me com essencial, diz “Beavis & Butthead” “Cresci na Califórnia a ouvir Beach Beth, “as Nathan Williams encarna na Boys. E quando digo os Beach Boys bandas como os bases de perfeição o tipo dado a piadas de não me refiro só ao ‘Pet Sounds’, mas guitarra”, é série juvenil pateta, falando entre também aos primeiros discos. Os Radiohead porque feito primeiro gargalhadas do quanto adoraria meus pais estavam sempre a ouvi-los por ela, depois ter uma prancha de surf feita de e a tudo o que vinha da Motown. Fa- é tudo demasiado “o Bobb cria erva, com Garfi elds estampados zem parte deas minhas memórias”. metafórico. por cima” e o e o slogan “allergic to Mondays” Bethany diz ser “muito nostálgica” que ele cria [“alérgico às segundas-feiras”]. e admite que boa parte dos seus dias Eu posso escrever não é pouco: Tem o mesmo discurso que os Beth é a (antes de dar concertos dia sim dia linhas de seus companheiros de banda, rapariga não) passava-se a “pensar muito no sobre acordar com guitarra surf- óptimos músicos que preservam cantando passado”. rock, uns uma imagem “Spinal Tap do amores “Não só gosto de me lembrar do limões na boca, mas ademanes à grunge” e que, de acordo com ela, adolescentes passado como gosto do que me lem- Jesus & Mary desdenham quaisquer resquícios solares, com bra o meu passado”. Daí a constante não ia acreditar no Chain, etc. de intelectualidade: “Todos toda a recordação de “toda essa gente que que estava a cantar. abandonámos a universidade inocência escrevia canções sobre rapazes e ra- porque somos burros”, dizia o possível. parigas, tudo simples – bem, no caso Eu canto sobre palco e ele a berrar qualquer coisa baterista recentemente, perante o Nathan é o dos Beach Boys às vezes era musical- como “ordeno-te que voltes.” público “hipster” de Nova Iorque. rapaz que mente complexo, mas as letras ainda línguas na boca” Depois desse concerto, que Mas esta apropriação do niilismo nunca assim eram simples”. levou ao cancelamento dos dois boçal de uns “Beavis & Butthead” cantaria um Ela está tão ligada ao passado que parecer surpreendente, tendo em que estavam marcados nos não é simples vacuidade. É amor solar quando vivia em Nova Iorque andava conta que editou basta música com a dias seguintes em Portugal, uma reacção com vontade de com toda a no metro a ouvir os Beach Boys “só banda. “Quando fazia essa música ia Williams tornou-se alvo fácil. O confrontação. inocência para se lembrar da praia e afastar todo para casa a seguir aos concertos ouvir pedido de desculpas não ajudou. Num artigo no “New York possível aquele negrume.” Bruce Springsteen e Billy Joel”. Explicou que lhe aconteceu o que Observer”, uma recém-graduada Nova Iorque só surgiu na vida de Esta ambiguidade, a do ainda-não- aconteceria a qualquer um que que produzia concertos na sua Beth já depois de ter andado a fazer adulto, a do tipo que embarca nisto tomasse um cocktail de Xanax e faculdade contou que Jay Reatard músicaús ca eexperimentalpee com os Po- só para ver no que dá enquanto não “ecstasy” antes de dar um concerto ou os Wavves atiravam piadas e cahaunted.cahaunted. “Não ggosto de música ex- tem mais nada para fazer, mas até gos- e, a partir daí, esteve a um passo de provocações ao público literato perimental,p de totodo” – o qpque pode ta mais daquilo, parece grassar pela se tornar um verdadeiro falhado, que tinha à sua frente. Ela não se vida de Cosentino: foi actriz muito não o falhado glorioso que encarna irritou. Percebia que, na verdade, nova e depois voltou à escola, foi uma nas canções. com a diferença de uns estarem em espécie de sucesso musical da net na Dias antes do colapso catalão, palco e outros na plateia, estavam adolescência, mas quando as grandes dera uma entrevista ao Ípsilon, todos no mesmo barco. “É difícil editoras quiseram contratá-la ela man- sobressaindo como um tipo a chateares-te com as pessoas que dou-as à fava. Nada de responsabili- viver coisas que nunca esperara gozam com estas escolas janotas, dades, sff. É essa ambiguidade que viver, mas disposto a seguir em porque pensas ‘hmm, talvez tenhas ilumina estas canções. frente sem preocupações de maior. razão – passei tudo isto e não tenho Para quê preocupar-se? “O mais emprego’”. Boy meets girl provável é que daqui a dois anos Por isso eles olham para trás. É então que ela diz que “[no disco] é toda a gente me tenha esquecido, e “Muitas das minhas canções tudo muito adolescente” e nós retor- não há drama nisso”, disse. “Nunca refl ectem o que passava na quimos que não é adolescente, é fi z música para as pessoas fi carem altura”, dizia Nathan Williams ao “emerging adulthood”, ao que ela não a saber que existo. No início, nem Ípsilon em 2009. “Tinha deixado respondeu (e fez bem, é preciso não pensei em mostrar as minhas a faculdade e o trabalho e não se ter muita cabeça para vir com uma canções. Acontece que me coloquei tinha quaisquer perspectivas. expressão dessas). nesta posição e agora estou a Quando éramos mais novos, não caminhar segundo os impulsos.” tínhamos de nos preocupar com Ei-lo então em 2010, um colapso e um emprego, não tínhamos de nos vários impulsos depois. preocupar com nada. Íamos à praia Stephen Herring, o produtor e tudo parecia mais fácil. O mundo que conta no currículo com nomes parecia mais fácil”. como Modest Mouse ou Elvis E, por isso, os Wavves de “King Costello, explicou ao “LA Weekly” Of The Beach”, a recém-graduada que Williams é “um pedrado de e o pessoal aos saltos na “canção jogos de consola, mas ao mesmo mais aborrecida do novo disco” tempo, é muito motivado e olham em frente: tomar o mundo de apaixonado no que à música diz assalto, isso seria de facto qualquer respeito.” Explica: “No estúdio, coisa. exigia mais de si do que eu exigiria. Algures lá no fundo está alguém Ver crítica de discos na pág. 40 e segs.

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 9 “Queria que quem comprasse o disco se A Califórnia lembrasse de praia. dos Best Coast e dos Wavves Mesmo que estivesse Os Wavves apresentam a vacuidade como resistência ao tédio. Os Best Coast a rapariga que na cidade, durante o pensa que o namorado bem podia largar os comandos da PS3 e dizer-lhe que está bonita. inverno e com chuva” Ela começou a escrevê-lo em No- va Iorque devido ao “negrume”, de- pois de se juntar (musicalmente) a Bobb Bruno. Não diminuamos o papel dele: o essencial, diz Beth, “as bases de gui- tarra”, é feito primeiro por ela, depois “o Bobb cria por cima” e o que ele cria não é pouco: linhas de guitarra surf- rock, uns ademanes à Jesus & Mary Chain, etc. Ela pinta a praia e o pôr- do-sol, ele pinta o barquinho. “Há muita coisa pensada nas nossas canções, mas depois vamos experi- mentando o que podemos. Nós só tí- nhamos uma semana e meia para gra- var o disco, pelo que todas as ideias que tínhamos foram usadas”. Na cabeça dela estava tudo certinho: “Queria que fosse um disco que as ra- parigas gostassem. Elas vêm-me dizer no fim dos concertos ‘As tuas canções lembram-me a minha vida’. Eu gosto disso, porque já estive desse lado”. Aparentemente moça sem dema- siada poeira na cabeça, capaz de re- flectir sem adornar as palavras só pa- ra encher chouriços, admite que o que escreve é, basicamente, “queria que gostasses de mim”. “Para ser honesta não consigo relacionar-me com ban- das como os Radiohead de forma tão íntima porque é tudo demasiado me- Os Beach tafórico. Eu posso escrever sobre acor- Boys, pais de dar com limões na boca, mas não ia todo um acreditar no que estava a cantar. Eu imaginário canto sobre línguas na boca”. californiano O que ela procurava com o disco é que “a música fosse revitalizante e desse vontade de dançar” – mas em fundo houvesse “uma tristeza nas le- tras”. “É interessante quando se vai Não é preciso ser metereologista de lixo, de “no future” sem o superfície, a auto depreciação ouvir o que se está a cantar e é tudo para saber que há uma diferença niilismo político dos Sex Pistols, constante de Williams surge muito triste, com solidão e separação entre o sol californiano e o nova- tudo concentrado naquele “I como fi ltro protector, e a e mesmo assim tem de se dançar ou iorquino. Em Nova Iorque estão wanna sniff some glue” dos meninice nostálgica de Bethany cantarolar a melodia”. os hipsters que sonham com o sol Ramones ou na gargalhada até esconde uma tremenda veia Se na adolescência ou se chora ou no seu quartinho, entre uma ida sufocar que ouvimos ali entre melódica, além de um notório se dança, aqui dança-se e chora-se, à galeria de arte, onde expõem a faixa dois e três de “King Of conhecimento da cartilha pop perguntamos. “Sim, é essa ambigui- os amigos, e a passagem pelo The Beach”. Poderíamos dizer clássica. dade, é isso que gosto. Todos esses concerto noise de outros amigos. que representam o “ennui” Se para os Wavves enquanto discos antigos de que eu gostava, dos Na Califórnia, nesta Califórnia adolescente que o punk houver uma playstation, uma anos 60, eram escapistas. E este, por dos Wavves e dos Best Coast, californiano dos anos 1990 grama de erva e a prancha de ser tão solar e surfeiro, também se toda essa carga intelectual é representava mas “ennui” é skate ao alcance da mão a vida torna escapista”. Escapista é termo inexistente. expressão que os faria gargalhar correrá bem, para Beth enquanto por norma pejorativo, mas não nas O que fazem os Wavves é ainda mais. houver praia, uma prancha de Resistir ao regras de etiqueta de Cosentino. “Ha- transformar a cultura “trash” A resposta feminina a surf para o namorado e carros tédio: dos bituámo-nos a ouvir essa música como de uns Beavis & Butthead em esse “trash” é, só podia ser, com a capota aberta está tudo Ramones a escapista e é essa a nossa resposta a matéria pop. Beth Cosentino, a coquetterie punk-pop da bem – mesmo que o namorado Beavis & este tipo de música. Eu gosto disso. a mente à frente dos Best namorada do mocinho dos não use a prancha, não tenha Butthead Queria que quem comprasse o disco Coast, recicla o som (em Wavves, Bethany Cosentino. carro e não a use a ela . Porque se lembrasse de praia. Mesmo que es- parte) californiano, aposta na Se os Wavves apresentam a mesmo que não haja prancha tivesset na cidade, durante o inverno inteligibilidade pop e diz: “O que vacuidade como resistência ao ou carro no “real”, há-os num e com chuva”. Os Wavves eu faço é cantar ‘I want you’”. tédio e o riso alarve sobre coisas imaginário que ela adoptou como “Best Coast”, o disco, vai durar mais não acreditam Em ambos os casos podemos estúpidas de adolescentes (ou de líquido amniótico - o imaginário ded uma estação. Talvez depois fique em ETs, mas admitir que é construção de adultos) como activismo, os Best dos Beach Boys, no qual ela é a nan prateleira, mas um dia iremos tirar- não resistem a persona, tal como era com os Coast representam a rapariga pin-up do poster. lhel o pó e vamos ouvi-lo com um agra- este “take me Nirvana, em que se inspiram os deitada no sofá enquanto pensa É que tanto nos Wavves como dod raro, o agrado de quem já foi ado- to your Wavves. que o namorado podia bem nos Best Coast não há epifanias, lescentel mas não assim e queria que dealer” Nathan Williams, vocalista largar os comandos da PS3 e não há ideologias, não há coisas tivesset sido assim, ou que tivesse per- dos Wavves, até fala de Kurt dizer-lhe que está bonita. correctas, não há o Bem e o Mal. cebidoc que as raparigas eram assim Vonnegut à Pitchfork, e de como Retirando o verniz da É mais as coisas comezinhas, porquep agora, com idade e distância, “Cat’s Cradle” o deixa paranóico, um par de guitarras, rapaz e essae “assim” das adolescentes é co- mas dá entrevistas rapariga, mortalha e haxixe movente. enquantoenq joga FIFA Os Wavves e depois queimar, Quanto a Beth, duvidamos que algo na Playstation e a pare. Depois de colaborar com Kid podepod passar horas transformam o Cudi, está numa de rap. “Ando a ouvir a dissertard sobre Lil’Wayne e Drake”. Perguntamos-lhe t-shirtst-sh dos anos “trash” de Beavis & se era moça para colaborar com Drake 19901990 (adora o ET que Butthead em pop. Os e ela não só atira uma bela linha de pedepede “take me to your Seinfeld como mostra que sabe ser ddealer”).eale Best Coast reciclam marota: “I love the Drake. Fazia tudo EElel encarna o com o Drake”. regressore a um lado o som californiano Gotta love Bethany Cosentino.

Ver crítica de discos págs. 40 e segs.

10 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon silva!designers um teatro SÃO diverso, envolvente LUIZ e apaixonante 1O ~11 Set 2010 a Jul 2011

Artistas Unidos Noites Ruminantes Clube da Palavra Ana Brandão e João Paulo Esteves da Silva Paula Morelenbaum Amor Solúvel Clara Andermatt e Marco Martins Festival Temps D’Images Encontros Dramaturgia Contemporânea Grupo Fernando Pessoa Gala Noite dos Travestis Lisboa Mistura InShadow InArte Celeste Rodrigues A Lenda de São Julião Hospitaleiro A Hora de Viktor Ullmann Ricardo Pais Camané Carlos do Carmo Ciclo de Teatro do Porto Cristina Branco 9ª Festa do Jazz do São Luiz Jacinto Lucas Pires e Carlos Martins O Jogador Ciclo Novos x9 Festival para um instrumento Viva o Povo Brasileiro O São Luiz no Festival de Almada tudo sobre a nova temporada em www.teatrosaoluiz.pt siga-nos também no twitter e no facebook

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL A Temporada 2010~2011 RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA do São Luiz Teatro Municipal [email protected]; TEL: 213 257 640 tem o apoio do Bairro Alto Hotel A ópera mágica de John Adams Desde que foi assistente do compositor John Adams na primeira audição de “A Flowering Tree” em Viena, o fascínio de Joana Carneiro por esta ópera inspirada num conto indiano não parou de crescer. Depois de Chicago e Paris, a maestrina portuguesa dirige a estreia na Gulbenkian. Cristina Fernandes

Grande parte das óperas contempo- ro, que foi assistente de Adams por Los Angeles, a música do John Adams nas em diferentes versões [concerto, râneas que vão sendo estreadas aca- ocasião da primeira audição mundial fazia frequentemente parte dos pro- encenadas ou semi-encenadas], foi bam por cair no esquecimento e difi- e voltou a dirigir a obra, já de forma gramas e ele vinha muitas vezes aos apresentada na Austrália há um ano, cilmente voltam a ser repostas ou independente, várias vezes, incluin- ensaios e concertos, foi assim que o “A Flowering Tree” na China, em França, em Inglaterra e atingem um público amplo. Mas tal do a sua apresentação em Março pe- conheci”, conta Joana Carneiro antes agora em Portugal”, diz Joana, que não é o caso “A Flowering Tree”, de la Orquestra e o Coro Gulbenkian na de um ensaio na Gulbenkian. Esse explora o tema tem já uma nova interpretação agen- John Adams. Estreada em 2006 em Cité de la Musique, em Paris. Joana contacto teve influência em futuras da transformação dada na Ópera de Cincinnati. Viena, nas comemorações dos 250 Carneiro faz agora a sua estreia em colaborações, mas o convite para ser A maestrina acha que as razões do anos da morte de Mozart, não pára Portugal no dia 11 (às 19h) no âmbito assistente do compositor durante a espiritual e moral, sucesso se devem à música, mas tam- de correr o mundo e de cativar audi- do Festival Mozart, na Gulbenkian, e preparação da estreia de “A Flowering bém ao libreto. Baseada em contos ências. É certo que a fama de John do Festival Música Viva 2010/Miso Tree” em 2006, em Viena, surgiu por procurando, nas populares indianos, adaptados por Adams atinge uma audiência mais Music. A ópera será objecto de uma intermédio do encenador Peter Sel- John Adams e pelo encenador Peter ampla do que o universo restrito de versão semi-encenada, com concep- lers, com quem a maestrina portu- palavras de Adams, Sellars, “A Flowering Tree” explora o adeptos da música contemporânea, ção cénica e direcção de actores de guesa tinha trabalhado em Paris no tema da transformação espiritual e não só pela comunicabilidade da sua Rui Horta e vídeo de Guilherme Mar- ano anterior, por ocasião da apresen- “alcançar a magia moral, procurando, nas palavras de linguagem, mas também pela difusão tins (vídeo). Os principais papéis es- tação da ópera “Adriana Mater”, da e a expressividade Adams, “alcançar a magia e a expres- da sua música para cinema, mas “A tão a cargo de Ana Maria Pinto (so- finlandesa Kaija Saariaho. De assis- sividade directa e contagiante da Flowering Tree” parece ter algo espe- prano), Noah Stewart (tenor) e Job tente de Adams, Joana rapidamente directa e contagiante obra-prima de Mozart, ‘A Flauta Má- cial. Tomé (barítono). passou a ser convidada para dirigir gica’”. Conta a história de uma jovem O percurso desta obra, inspirada “A Flowering Tree” como maestro da obra-prima de que tinha o poder de se transformar num conto tradicional do sul da Índia Transformação principal. em árvore florida, vendendo depois e com claras analogias com “A Flauta espiritual e moral “A ópera tido um enorme sucesso Mozart, ‘A Flauta as flores para sustentar a família. Um Mágica”, está também ligado à carrei- “Quando era assistente do maestro no mundo inteiro, já se fizeram pro- príncipe, fascinado pela sua beleza e ra recente da maestrina Joana Carnei- Esa-Pekka Salonen na Filarmónica de duções nas grandes cidades america- Mágica’” artes mágicas, apaixona-se e leva-a

12 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon to e de memorização.” Mas os desa- referências nem história interpreta- soas. O que vivemos hoje é a possibi- fios não são diferentes dos colocados tiva de décadas. “Procuro encontrar lidade de tudo acontecer em música. por qualquer outra ópera ou obra uma relação o mais perfeita possível Existem compositores a escrever de contemporânea, para a qual não há entre o que é cantado e o que é toca- todas as maneiras possíveis e penso do, sentir bem quais são os tempos que já não existe qualquer tipo de dos cantores, da orquestra, da cena, restrição intelectual para que os com- da luz, de todos estes ingredientes”, positores consigam exprimir aquilo explica a maestrina. que querem.” Foi também o repertório contem- Joana e John porâneo que aproximou Joana Car- John Adams tem sido figura central neiro da ópera a nível profissional. no seu crescimento no mundo da ópe- “Tenho muita sorte em ter ido parar ra e “A Flowering Tree” tem contri- à ópera porque não foi essa a minha buído para ganhar experiência nesse formação de base, nunca fui co-repe- campo. “É uma obra que vou revisi- tidora numa casa de ópera, foi mesmo tando e redescobrindo, radicalmente pela mão de Esa-Pekka Salonen que diferente de óperas anteriores de Jo- um dia me perguntou se queria ser hn Adams como ‘Nixon in China’ assistente dele numa produção em (1987) ou ‘Doctor Atomic’ (2005). O Paris”, conta. A partir daí começaram estilo musical e atmosfera mudam em a surgir oportunidades. “A ópera tem função do tema abordado como é na- sido o campo onde tenho aprendido tural”, diz a maestrina. “Tenho a sor- mais. Ensinou-me muito acerca da te de também dirigir muitas obras de ligação entre o que tocamos e a rea- John Adams em concerto e dele man- lidade da nossa vida, a realidade do ter uma relação próxima com a minha tempo que demoramos a andar, a res- nova orquestra, pois vive em Berke- pirar, a falar... ou seja, a relação entre ley, tudo somado resulta no aprofun- palavra e música, mesmo quando os damento crescente da relação com a compositores escrevem sem pala- sua produção.” vras.” Joana Carneiro foi nomeada direc- Recentemente dirigiu óperas como tora musical da Sinfónica de Berkeley “Julie” de Philippe Boesmans (base- em 2009, acumulando o cargo com ada na peça de Strindberg), em Itália, as funções de maestrina convidada e em Dezembro fará a estreia de da Orquestra Gulbenkian. Sublinha “Paint Me”, de Luís Tinoco na Cultur- que na América existe grande proxi- gest. “Acabei de fazer na Polónia um midade entre o público e os compo- projecto de teatro musical do compo- sitores contemporâneos ao contrário sitor holandês Michel van der Aa so- do que sucedia na Europa há anos bre “O Livro do Desassossego”, de atrás. No entanto, como a sua carrei- Pessoa e adorei dirigir o “Oedipus ra na direcção de orquestra começou Rex”, de Stravinsky, na Austrália, com há 12 anos, diz nunca ter sentido pro- encenação de Peter Sellars. Mas de priamente o divórcio entre a nova todos os projectos foi a ópera de John A ópera é objecto de uma versão semi-encenada, música e o público que caracterizava Adams que mais mais a marcou. A com concepção cénica e direcção de actores de Rui Horta as vanguardas dos anos 60 e 70. música de ‘A Flowering Tree’ afecta- e papéis a cargo de Ana Maria Pinto (soprano), “Tanto na Europa como nos Esta- nos desde o primeiro momento, é Noah Stewart (tenor) e Job Tomé (barítono) dos Unidos sempre dirigi música con- memorável e deixa em nós uma mar- temporânea que emocionava as pes- ca profunda.”

para o seu palácio. Mas uma irmã do príncipe, movida pela inveja, encar- rega-se de os separar, levando-os a passar por algumas provações até ao reencontro final. “A história vai ao encontro da ideia da transformação do espírito, do po- der do amor nos transformar e ser importante no nosso crescimento, e do reconhecimento do outro indepen- dentemente do seu aspecto físico”, explica Joana. “Como todos os contos, tem muito de impossível na sua di- mensão mágica, mas também tem muito de realidade. Fala da possibili- dade que na vida temos de encontrar felicidade e infelicidade e de nos po- dermos reinventar, purificar e trans- formar através dessas experiên- cias.” Tal como em “A Flauta Mágica”, as personagens fazem um percurso ini- ciático em direcção ao conhecimento e à maturidade. “Por exemplo o Prín- cipe começa por ser uma pessoa mui- to egoísta que quer casar com esta jovem que tem poderes fora do co- mum por capricho, mas depois des- cobre que é o amor que os une.” Na opinião de Joana Carneiro, a música de John Adams “é muito clara e dra- maticamente eficaz e mostra uma grande imaginação. Tem uma com- plexidade grande no sentido da pro- fundidade que revela. A invenção melódica, rítmica e tímbrica é extra- ordinária, assim como a orquestra-

Música ção.” A inspiração no universo orien- tal reflecte-se também em vários mo- mentos, por exemplo no princípio da terceira cena do 1º acto e no 2º acto, quando o rei recebe a mãe da futura princesa, ou em algumas melodias que se ouvem ao longo da obra, so- bretudo nas madeiras. É também um grande desafio para os intérpretes, com papéis como o de Kumudha, que implicam “uma ver- satilidade grande em termos de regis-

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 13 DANIEL ROCHA DANIEL

O rosto impassível de Hedda Gabler fixa-nos quando o pano sobe. Está sentada no sofá, único elemento em destaque numa sala vazia, sem se per- ceber se a casa está por arrumar ou se é já o fim de tudo. E o corpo dela ali, sem dizer uma palavra, a olhar- nos. “Mas a minha cabeça não pára”, diz Maria João Luís, actriz, 46 anos, de regresso ao teatro para interpretar essa mulher-mistério chamada Hedda

Gabler, não a de Henrik Ibsen, mons- Teatro tro no feminino, mas, simplesmente, Hedda, fixada por José Maria Vieira Mendes e encenada por Jorge Silva Melo. Hedda Maria João Luís Gabler, a mão afastada do corpo, um vestido preto de uma elegância a toda a prova, um par de armas junto aos pés. No fim, tal como em Ibsen, é o tiro dispa- rado que a vai salvar, que lhe vai per- mitir encontrar a liberdade que defen- dia de todos durante a peça, agarrada a ideias que a afastam de uma realida- de que é aquela onde vivem as outras personagens. O marido, apaixonado, e aqui seu cúmplice mais do que em Ibsen, o amante, que deixou por ser fraco, ou forte demais, esse amor, o juiz, esse ser repugnante e viscoso a quem ela podia, se quisesse, arrancar os olhos, a outra rapariga, essa rapa- riga que não percebe que as histórias que conta não interessam, e a tia, pre- ocupada com qualquer coisa que tam- bém não lhe interessa. O perfi l das trágicas Há anos que Jorge Silva Melo desejava que este encontro se desse. Tinha guardado para esta actriz rara, que se tem dividido entre o teatro, esparso, e a televisão, a memória de uma outra actriz, o mito italiano Piera degli Es- posti, que fez “Stabat Matter”, de An- tonio Tarantino, que Silva Melo ence- nou e que em 2007 deu a Maria João Luís o prémio da crítica da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro. “Há muito poucas actrizes da idade dela que tenham esta independência de espírito, esta técnica, esta pose. A Maria João tem este lado desmedido, característico das grandes divas, em que se atira para a frente, e que se adapta muito bem a um repertório do fim do século dezanove e princípio do século vinte”. Maria João Luís tem, para Silva Me- lo, o perfil das grandes trágicas Ibse- nianas e Strindbergianas. “Não há muitas”, diz de uma actriz que vestiu como se fosse a Grace Kelly, num “de-

“Hedda” é uma reescrita de “Hedda Gabler” por José Maria Vieira Mendes para Maria João Luís

14 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon O rosto impassível de Hedda Gabler fixa-nos quando o pano sobe. Está sentada no sofá, único elemento em destaque

numa sala vazia, sem se GONÇALVES JORGE perceber se a casa está por arrumar ou se é já o fim de tudo

sespero romântico absoluto”, e que “deixou de ser a filha do general para ser a mulher de alguém, e isso ela não suporta”. O fio narrativo de Ibsen continua lá, sem a “ganga” e “as portas” de Ib- sen. Mas a mulher é a mesma, agora quase “pós-moderna”, a ver-se e a pensar ao mesmo tempo que age. Para a actriz, este é um presente envenenado. “Todos os textos que têm esta car- ga de clássicos foram sempre textos que achei que não eram para mim. Assustam-me porque há uma respon- sabilidade que aparece primeiro que o gozo que as coisas me deveriam dar. E sinto que preciso fazer coisas ade- quadas ao que sou, à minha persona- lidade”, diz Maria João. “As pessoas acham que sou muito intuitiva, mas não sou nada, sou muito cerebral, muito estratega. Tudo o que faço é “A primeira a gozar grande luta é por fazer as coisas como muito pensado”. acho que deveriam ser feitas. Todas “A Maria João é uma Hedda Gabler sou eu, tenho que estas nuances, estas coisas que são que já viu a Hedda Gabler. Não há um subtis, as que não são, as que são cla-

grama de nostalgia nela. Consegue-se ser eu. A minha ras e as que devem ser mostradas de- GONÇALVES JORGE falar com ela, pessoal e profissional- vagarinho ao público. É um trabalho mente, sem nostalgia”, diz Silva Melo. grande luta fácil de dizer mas difícil de fazer”. A mesma força que imprimiu à mulher que buscava o filho e, não o encon- é por fazer as coisas À beira do abismo trando, culpava o mundo antes de se como acho que “Fui descobrido a Hedda com o tem- culpar a ela própria. “Tenho uma ca- po”, continua uma actriz de quem nos beça que não é fraca, entendo como deveriam ser feitas” habituámos a ver interpretações que, isto se faz, sei perceber como se lê nitidamente, escapam ao controlo de uma cena. Isso não quer dizer que o Maria João Luís quem as escreve. Isso é notório nas caminho me esteja facilitado. Às vezes personagens que interpreta, por franca”, acha que a peça vai ao en- falha-se e quando se falha, aprende-se. exemplo, na televisão, de quem diz contro daquilo que defende para a sua Mas há um gozo na viagem, nesta ser viciada. “Gosto daquela adrenali- vida, a sua maneira de estar e de ser aventura de representar que é linda, na, daquela loucura. Gosto de pensar como artista. “As personagens têm e me dá imenso prazer”, diz. que faço a diferença com as minhas que existir. Eu não sei se é um méto- “Sou o mensageiro entre a Maria encenação de Ingmar Bergman. “Ela personagens. Eu sou um animal disto, do. Acho que é como as pessoas que João e o Zé Maria”, assume Silva Melo, levava aquilo para a alta-comédia. sou um bicho. Tenho esta capacidade penduram fatos uma vida inteira e a quem nunca interessou encenar o Mesmo que o Bergman e a Maggie de desenhar com rapidez a persona- ficam com uma deformação no pole- texto de Ibsen: “Muito do que o Ibsen Smith digam que não gostaram do gem. Vampirizo imenso à minha vol- gar. Eu tenho esta deformação, pro- escreveu felizmente já morreu. Esta- resultado, eu defendo-o”. É essa ca- ta e o que faço, o modo como o faço, fissional provavelmente, que me faz mos hoje muito longe dos combates pacidade de ir para além do que é procuro disfrutar o mais possível de sentir que ou as coisas me são próxi- sociais do feminismo que estavam na pedido que encontra em Maria João um avanço sem medo das consequên- mas ou não consigo”. peça original e que dominaram a lei- Luís. “Conseguimos dizer que esta cias e dos estragos. Gosto de andar Recorda o quanto lhe foi difícil in- tura desta peça até aos anos 60. Não mulher é calculista, fria, que despre- para a frente e sofrer. Gosto de ter a terpretar Brecht, “um autor extrema- sei se na sociedade já estamos tão lon- za a tia do marido, leva o amante à consciência, sobretudo a consciência mente complicado de gerir”. Experi- ge, mas no teatro, pelo menos, esta- morte, mas... e fazer isto? Isto tem um do que quero e não consigo”. mentou-o com Luís Miguel Cintra, no mos. Temos que agradecer ao Ibsen grau de dificuldade terrível e o texto Hedda, na versão de José Maria Teatro da Cornucópia, em “Um Ho- ter estado lá e tê-lo testemunhado”. do Zé Maria ainda o provoca mais”, Vieira Mendes, é, segundo a actriz mem é um Homem”. “Aquela coisa “Hedda Gabler”, escrita em 1890, diz a actriz. “uma mulher que vive na beira do da distanciação é-me difícil. É um tra- pode ser visto como um retrato im- A famosa frase da peça: “As pesso- abismo”. Essa ideia de vertigem foi balho muito generoso e árduo da par- piedoso de uma mulher que recusa as dizem isso mas não o fazem”, últi- uma das preocupações do encenador: te dos actores. A Helena Weill [mulher as prisões do casamento, da vida con- mo lamento escrito por Ibsen, é o que “Vivemos numa inquietação que não do Brecht] fazia muito bem. Preciso jugal, da obrigação dos filhos e da parece dar a Maria João Luís a força sabemos bem o que é. É uma mulher de liberdade. Aquilo que sei fazer bem conveniência social. “Ninguém sabe para, precisamente, o fazer. “O gozo de extrema inteligência, de uma gran- é a arquitectura da personagem, isso porque é que a Hedda comove quem do actor é o acto de liberdade de fa- de frieza, que está a fazer uma grande faço rapidamente. E sou a primeira e quer que seja”, observa Silva Melo, zer. É uma liberdade que se tem de se viagem de comboio e que passa por última responsável pelo que faço. O que viu Maggie Smith em 1970 no Na- poder experimentar. A primeira a go- várias estações, várias paragens”. trabalho do Jorge Silva Melo nesta pe- tional Theatre, em Londres, numa zar sou eu, tenho que ser eu. A minha Maria João Luís, “franca, muito ça foi o de me levar, com muito Em carne viva Maria João Luís é Hedda Gabler, mulher-mistério, actriz da sua própria vida. No São Luiz, em Lisboa, a partir de 16, não é a anti-heroína de Ibsen que vamos ver. É uma actriz em carne viva, como devia ser sempre. Tiago Bartolomeu Costa

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 15 JORGE GONÇALVES JORGE

poucas indicações, até lá. Ele adi- periência como mais-valias, são uma vinha os problemas dos actores, sabe e a mesma coisa. “Com a idade exijo apontar as nossas dificuldades, às ve- que as coisas sejam claras, porque é zes até antes de nós”. assim que deve ser. O corpo é só um, Hedda, esta mulher que parece o canal é este, isto tem que me impli- controlar todas as outras persona- car. Um actor que diz que se cansa gens, fazendo – ou fingindo – que es- deve sofrer imenso. Eu descanso tão todas no interior da sua cabeça, quando trabalho. Posso estar duas não é, para Maria João Luís, alguém horas em cena, mas quando saio es- que se preocupe em saber se as pes- tou fresca que nem uma alface”. He- soas estão ou não à sua altura. “Para dda, quando se suicida, encontra a ela, tudo o que a trave, tudo o que a liberdade de que falava e que os ou- impeça ou seja indicador de pressão, tros acreditavam que era só uma coi- ela não aguenta, não suporta e des- sa que se dizia. Maria João Luís quan- preza”. Não são tanto as personagens, do diz que faz, fá-lo. E é isso que os em concreto, percebe-se do discurso seus olhos nos dizem logo no início da actriz, serão mais as situações abs- da peça. Aquele corpo naquele sofá tractas. não está à espera que lhe pergunte- Hedda e Maria João Luís, fundidas mos o que se passa, Chegou antes de num corpo que traz o tempo e a ex- nós. Ficará depois de nós.

Anatomia de um texto Para Jorge Silva Melo o convite feito a José Maria Vieira Mendes partiu de uma vontade de perceber o que ainda nos comove nos temas propostos por Ibsen.

Quando Jorge Silva Melo, 62 onde há “um movimento de anos, convidou José Maria Vieira “Há um movimento leitura dentro do próprio Mendes, 32, para escrever uma espectáculo”. A vertigem está lá, peça a partir de “Hedda Gabler”, de leitura como está lá uma personagem de Henrik Ibsen, sabia que o dentro do próprio que parece comandar os destinos resultado estaria mais próximo de todas as outras e, sobretudo, do que lhe interessa como espectáculo” algo onde “as personagens já não encenador do que o que o motiva estão a representar uma linha como escritor. “O Zé Maria Vieira Mendes de pensamento defi nida, nem trabalha a partir de variações existem numa dialéctica do sim e sobre o teatro pequeno-burguês, do não, mas são mais complexas ironizando-o ou destruindo-o. Também o facto de ter sido e voláteis”. “São personagens Apetecia-me propor a visão de determinado que seria Maria que estão a ser manipuladas por uma burguesia que conheci, João Luís a interpretar Hedda, esta fi gura que só sai de cena por onde o casamento era uma fez com que fosse acentuada a duas vezes e que, quando isso coisa importante, onde havia diferença de idade com Thea, a acontece, parece que os diálogos casas com frescos nas paredes e rapariga que se considera co- desaparecem”, afi rma. portas altas. É desse mundo que autora da obra de Lovborg que Para o autor da peça, que estamos a falar”. vai activar toda a acção. encontra aqui “o espaço que não É esse mundo, distante para Para Vieira Mendes, reescrever existia noutras peças para, por o dramaturgo, que se espelha é “ler um livro e arrancar exemplo, ter as personagens no palco no São Luiz. “Queria páginas”. Fê-lo com Kafka “Dois a falar durante muito tempo”, que fosse partilhado com os Homens”), Damon Runyon (“Se Hedda é “uma pessoa a espectadores este carrossel o mundo não fosse assim”), escrever a sua própria vida. Ela vertiginoso de vidas que Dostoievski (“Lá ao fundo um escreve-a como uma história do existiram antes de nós”, conta rio”) ou Moliére (“Avarento ou impossível. Ela não se consegue o encenador. “Não queria a última festa”) e variou com integrar. O grande problema para actualizar o texto do Ibsen, mas Strindberg (“A Minha mulher”) e a Hedda é explicar como é que interessava-me pensar o que é Ibsen (Intervalo”). Com “Hedda”, quer viver.” Estando a escrever que nos comove nestes temas”. juntou o que andava a ler – a sua própria história, esta O trabalho centrou-se numa Kerouack, Badiou, Salinger –, “personagem incompreensível deslocação de centros de acção. com outras peças que já tinha e misteriosa”, como defi ne Silva O triângulo amoroso que poderia escrito (em particularcular Melo, trabalha a sua liberdadeliberda existir em Ibsen, entre Hedda, “Padam Padam” e ““SonhoSonho desde o inícioinício,, “antes mesmesmom TesmanTeT s e Brack, de Uma Noite de VVerão”,erão”, ddosos espectadores chegarchegarem”.e é aqui passado para o Teatro Praga,aga, e O tempo, a grande matématériar para Lovborg, “Ana”, encenada por sobresobre a qual SilvaSilva MeloMe deixando Silva Melo e “A trabalha,trabalha, ganhaganha aquia eem aberto a Minha Mulher”, umauma outra dimensão:dime aambiguidadem montada a do ssofrimentoofriment da relação entre por Solveig porpor ver o tempotem José Maria TesTesmanm e Lovborg, Nordlund) e passar.passar. T.B.C.T.B Vieira aambosmbo escritores e construiu um Mendes ririvais,vais, ambosa perdidos. novo universo Jorge Silva Melo

16 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon SÃO www.teatrosaoluiz.pt LUIZ SET / OUT ~ 1O

de José Maria Vieira Mendes

COM MARIA JOÃO LUÍS MARCO DELGADO ANTÓNIO PEDRO CERDEIRA LIA GAMA CÂNDIDO FERREIRA RITA BRÜTT

16 SETA 17 OUT QUARTA A SÁBADO ÀS 21H00 DOMINGO ÀS 17H30 SALA PRINCIPAL / M/16

TEXTO JOSÉ MARIA VIEIRA MENDES A PARTIR DE “HEDDA GABLER” DE HENRIK IBSEN ENCENAÇÃO JORGE SILVA MELO CENOGRAFIA E FIGURINOS © jorge gonçalves RITA LOPES ALVES DESENHO DE LUZ PEDRO DOMINGOS ASSISTÊNCIA DE ENCENAÇÃO JOÃO MIGUEL RODRIGUES CO-PRODUÇÃO BILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00 SLTM ~ ARTISTAS UNIDOS TEL: 213 257 650 [email protected] WWW.TICKETLINE.PT E LOCAIS HABITUAIS

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL OS ARTISTAS UNIDOS RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA SÃO UMA ESTRUTURA [email protected]; TEL: 213 257 640 FINANCIADA POR No princípio era o alvo: na cabeça de Paulo Brandão, “Cigarras” começou por ser

NELSON GARRIDO uma ideia visual

Contra o amor, cantar, cantar

A partir de quinta-feira, Paulo Brandão faz tiro ao alvo no Theatro Circo: valter hugo mãe escreveu, Miguel Pedro compôs, e isto que vamos para casa a cantarolar é “Cigarras - um musical pop sobre quem canta e seus males encanta”. Inês Nadais

Paulo Brandão queria cantigas que Fred, Luís Fernandes e Amir (a ban- que aqui não há teatro, só cantigas: entrassem por um ouvido e saíssem da deste casamento). “‘Cigarras’ é um “O maior movimento que há é o que pelo outro – cantigas de amigo, por- Quando os juntou, Paulo Brandão está nas letras, e por isso é que nalgu- tanto, para estes tempos de cólera – e já sabia ao que vinha. Pediu-lhes ajuda combate contra a mas músicas quis que eles estivessem bang, bang, missão cumprida neste para pôr de pé “um musical sobre o beleza que não dura, estáticos. Tento que os cantores não tiro ao alvo. “Cigarras”, o “musical amor sem grandes recursos” em que interpretem absolutamente nada, que pop sobre quem canta e seus males tudo – letras, música, imagens – fosse contra a ideia do não entrem minimamente nas perso- encanta” que o ex-programador do “muito directo, de consumo imediato, nagens... Não precisamos disso”. Ele, Theatro Circo estreia na sua antiga de ficar à primeira”. Um palco preto amor e uma cabana” pelo menos, não precisa, nem como casa, em Braga, na quinta-feira, não com um alvo vermelho no meio, os encenador nem como espectador: é coisa de levar para casa e guardar músicos no fosso em baixo, e lá em valter hugo mãe “Muitas vezes os encenadores insis- religiosamente para memória futura, cima dois cantores (Ana Rita Inácio e tem em ter camadas de subtextos e mas é coisa para fazer “boa compa- João Dungo), duas personagens sem de análises estratosféricas da coisa; nhia”, como a “cinderela melódica / vida além destas canções, sem psico- eu prefiro tentar anular tudo isso. Tu- vendida por uma quantia módica” da logia, como marionetas dentro de Isto que vamos ver em Braga de 16 do aqui é muito simétrico, muito di- quarta canção. O amor, diz Paulo uma instalação (e balões, muitos ba- a 18 de Setembro, e depois em Gui- recto: o único elemento incontrolável Brandão, é bom enquanto dura – 50 lões). valter hugo mãe ouviu-o falar marães (Centro Cultural Vila Flor, dia são os balões”. minutos, não mais. (não muito, o que lhe deu “uma liber- 25) e em Famalicão (Casa das Artes, Isto porque não há sexo (se houves- Estamos a ver o espírito: uma can- dade tremenda”: “Eu digo muito pou- dias 29 e 30), e que começou por ser se, “Cigarras” seria um musical, ou ção, duas, e já temos o que cantaro- co e eles entendem mais do que aqui- um musical sobre o amor, é, afinal, um anti-musical, completamente fora lar no caminho para casa, sem com- lo que eu digo”, admite Paulo Bran- um musical contra o amor. “Um com- de controlo). valter hugo mãe bem promisso. “Cigarras” são pequenas dão), e pensou: amor à primeira vista, bate contra a beleza que não dura, quis, mas depois isto deixava de ser cantigas de amigo, e pequenas can- coisa para encher o olho no Verão mas contra a ideia do amor e uma caba- para todas as idades: “Na minha ca- tigas entre amigos, nada de muito não encher a barriga no Inverno, onde na”, precisa valter, – e até contra a beça, eu imaginava a boémia pura, sério (caso contrário, tudo acabado): é que já ouvi isto? ideia do amor e um quarto de hotel, fumo, sexo, mas nada disso”. valter hugo mãe escreveu, Miguel Pensou: cigarras, e bang, bang, o ou do amor e uma boleia, do amor Nada disso pelo menos por enquan- Pedro, o baterista dos Mão Morta musical tinha título. vou ali e já venho. É por isso que tan- to. A seguir a “Cigarras”, a seguir às (com os quais Brandão já tinha feito ta coisa é passageira em “Cigarras” – cantigas de amigo para ir a cantar pa- outro musical no Theatro Circo, Disco à vista os balões, as flores, o cometa o quar- ra casa, Paulo Brandão quer fazer um “Maldoror”, a partir das ruínas da Era um título óbvio, diz valter (o amor to crescente, nada disto veio para fi- espectáculo de dança com culturistas obra do Conde de Lautréamont) e as cigarras, como é que nunca tínha- car. E, no entanto, eles querem gravar (e mesmo antes de começar já tem compôs, e depois vieram Catarina mos pensado nisto antes?): “Lembrei- um disco, interrompe Miguel Pedro: título, “Músculos”). Ele não constrói Barros (cenário, adereços e figuri- me da história e achei que a cigarra “Queria que cada música valesse por espectáculos, vê coisas: há uns anos, nos: luvas que são casacos, auricu- seria um bicho predisposto para o si própria, que as canções pudessem quando ainda estava na Casa das Ar- lares que são vestidos, e um espelho amor: a laurear o dia inteiro havia de sobreviver fora deste espectáculo. tes de Famalicão, viu uma bailarina a fazer tiro ao alvo), Helder Guima- ser de certeza mais predisposto para Algumas já foram confiscadas pelos de aparelho nos dentes (e um filme rães (o amor dura pouco, mas en- o amor do que a formiga”. Como na Governo [a banda que é metade Mão de Michael Powell e Emeric Pressbur- quanto dura são só coelhos a saírem história, como o amor, as cigarras de Morta, via Miguel Pedro e António ger) e fez “Red Shoes”, agora viu um da cartola, coisas assim de assom- valter hugo mãe acabam mal, embora Rafael, e metade valter hugo mãe], alvo, balões e um espelho por cima e brar, e por isso Paulo Brandão pre- o que aqui haja seja o contrário de mas eu gostava muito de fazer o disco achou que podíamos trocar umas can- cisava deste rapaz que faz truques e uma moral da história (“o fim é mais deste musical”. ções sobre o assunto. ganha concursos internacionais de desmoralizador do que moraliza- Deste “anti-musical”, interrompe magia), Nelson D’Aires (fotografia) e dor”). agora Paulo Brandão, para explicar Ver agenda de espectáculos pág. 47 Teatro

18 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon M/12 £§ (  –œ¡” ¹²²   ”¢ ¶´¶  = ´·µ  ] š˜¥”Ÿ ] ˜ ”œŸ Espaço Oficina Espaço João1213, D. IV, cave Av. Guimarães 4810-532 §˜Ÿ˜™¢¡˜ WWW.AOFICINA.PT

DE LAUTARO VILO A FÁBRICA

ESPAÇO SETEMBRO OFICINA DIAS 15 A 18 ÀS 22H00 DIA 19 ÀS 17H00 ATELIER MARTINO&JAÑA ATELIER 2010 “Citamos-nos Patrícia Portela quer saber – e quer que não, então ele não existe. A His- constantemente se transformou depois num livro, “Pa- mostrar-nos – como é um homem a tória é um posicionamento nosso. As ra cima e não para Norte”. Aliás, os ter uma ideia. Esse homem é Acácio coisas que nós decidimos que exis- a nós próprios, àquilo seus espectáculos tendem sempre a Nobre, “um fascínio de longa data”. tem, existem. Portanto o Acácio No- escapar do palco e cruzar a perfor- E também “um português de referên- bre existe.” que achamos que mance, com a instalação ou o evento cia do início do século XX, mas agora (no projecto “audio-menus”, por esquecido”. Tornado é o nosso legado, exemplo, há peças radiofónicas que “A colecção privada de Acácio No- Sejam, portanto, bem-vindos à cabe- aos anos 80, e se se podem ouvir durante o tempo de bre”, que no dia 10 inaugura a rentrée ça deste homem. No palco estão a uma refeição). Teatro do Teatro Municipal Maria Matos, é encenadora e o actor André e. Teo- calhar podíamos citar “Acácio Nobre sofre de afasia. É um uma história que parte de um baú en- dósio, ele em frente a uma velha má- homem que consegue escrever mas contrado em casa dos avós de Patrícia, quina de escrever, ela em frente a um muito mais além. ” não consegue falar. Queríamos apre- onde estavam fragmentos de textos e computador. Num ecrã vão surgindo sentar o que é a cabeça de uma pessoa maquetas de objectos criados por es- os textos que cada um escreve – ele Patricia Portela que pensa essas coisas todas. Na nossa te “Lumière português, um Steve Jobs escreve cartas ao secretário de Estado cabeça somos um todo – da teoria do precoce, um bio-engenheiro sem par falando da importância da introdução caos às cartas ao secretário de Estado.” na História e um amante/apoiante das escolas Froebel em Portugal, da Ficamos a saber, entre outras coisas, acérrimo dos artistas e da arte”. necessidade de ensinar as crianças Maria Matos. E dizemos sala porque, que, precoce, Acácio Nobre correspon- Se Acácio Nobre – esse homem que com jogos que usem peças geométri- a pouco e pouco, o espectáculo (ou dia-se com os irmãos Van Gogh, que foi de tal maneira apagado da História cas, ou de ensinar o desenho também seja, o interior da cabeça de Acácio todas as fotografias que existiam dele que “não aparece no Google” – existiu a adultos, para que estes se tornem Nobre) vai alastrando do palco para desapareceram, e que um dia a Pide ou não, é uma pergunta à qual Patrí- melhores operários; ela escreve o in- toda a sala, envolvendo os espectado- conseguiu infiltrar-se no CAAN. cia não responde. Não responde por- ventário do que encontrou no baú de res num tornado de luz (letras que “Eu escolho o Acácio para falar, por que não é isso que importa. “Pode- casa dos avós. vão sendo projectadas sobre o públi- exemplo, destes institutos Froebel mos inscrever-nos em várias corren- Entre os rascunhos de cartas e pro- co), som (o teclar da máquina de es- que nunca existiram em Portugal. Ho- tes. Nas artes decidimos inscrever-nos tótipos de brinquedos, havia também crever, com maior ou menor intensi- je é tão natural dar uma caneta a uma no paradigma da realidade. No cine- um cartão do CAAN e o regulamento dade), e até cheiro. criança para ela desenhar, mas houve ma há um momento em que temos o deste Clube dos Amigos de Acácio Patrícia, que vive entre Portugal e gerações de pedagogos a lutar pelo Méliès e temos os Lumière, e nós es- Nobre, em que uma das regras era a Bélgica, tinha já trabalhado o mes- direito da criança desenhar. Eu per- colhemos os Lumière, o que eu acho reunir o maior número possível de mo jogo com letras, sons e imagens gunto-me quais são as questões pelas um disparate.” objectos concebidos por Acácio No- na peça “Flatland” (uma triologia de quais hoje devemos lutar?”. Além disso, continua, “um espólio, bre, mantendo-os ao mesmo tempo 2006), a partir da história de um ho- É uma viagem ao princípio do sé- a partir do momento em que é encon- dispersos, nas mãos de diferentes mem plano que um dia descobre que culo, ao princípio de uma série de trado existe.” E “se nós decidirmos amigos. lhe falta uma terceira dimensão – e ideias. Porque a Patrícia Portela inte- que o Matisse é um grande pintor, ele O discurso de Patrícia é tão torren- que (tal como vai acontecer com “A ressa esse momento da revolução é um grande pintor, se decidirmos cial como o que vai passar na sala do colecção privada de Acácio Nobre”) industrial, o momento em que foi pos- sível começar a pensar coisas que an- No palco estão tes não sabíamos que podiam ser a encenadora pensadas. “Gosto da ideia de espólio e o actor porque quando se estuda um espólio André e. estuda-se uma época, uma ideia, co- Teodósio, ele mo se chegou a essa ideia”, explica. em frente a “Citamos-nos constantemente a nós uma velha próprios, àquilo que achamos que é máquina de FOTOGRAFIAS DE MIGUEL MANSO DE MIGUEL FOTOGRAFIAS o nosso legado, aos anos 80, e se ca- escrever, ela lhar podíamos citar muito mais além. em frente a um As nossas referências têm que ser computador maiores, o mundo é maior. Nunca no mundo se teve acesso a tanta infor- mação, e ficamos aqui, no fim do ra- binho, convencidos de que isto é o novo e de que temos que inventar da- qui para a frente.” Afinal – e aí está Acácio Nobre para o provar – “todas estas coisas já foram pensadas e es- quecemo-nos disso”. Acácio Nobre foi um incompreen- dido. Talvez a afasia não ajudasse, mas foi sobretudo por estar muito à frente do seu tempo. E do seu país. Agora, aqui, numa sala, rodeados pe- la criatividade do seu pensamento, mergulhados em palavras, sons, ima- gens, podemos, diz Patrícia, espreitar por cima do ombro dele e ver o mo- mento em que as ideias começavam a formar-se. E aprendermos também nós a repensarmo-nos. Afinal não se- remos todos membros do Clube dos Amigos de Acácio Nobre? Bem-vindos à cabeça de Patrícia Portela

A peça de Patrícia Portela é uma imersão no universo de Acácio Nobre, um “português de referência do início do século XX, agora esquecido”, a partir de um espólio encontrado num baú de casa dos avós. E tudo isto existe? “As coisas que nós decidimos que existem, existem.” Alexandra Prado Coelho

20 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon Curso de Especialização em DESIGN DE PRODUTO. CANDIDATURAS Os objectivos do curso estão centrados na forma- ABERTAS ção especializada, ao nível pós-graduado, na área 20 ESTUDANTES —————————————————— INFORMAÇÕES / INSCRIÇÕES de design de produto. —————————————————— Há uma oportunidade de mercado específica, li- WWW.FBA.UP.PT gada ao design de produto, a disponibilidade de FACULDADE DE BELAS ARTES um território que pode funcionar como verdadeiro DA UNIVERSIDADE DO PORTO AV. RODRIGUES DE FREITAS, 265 “laboratório de incubação de ideias de projecto” 4049-021 PORTO e o desejo da Universidade do Porto de reforçar TEL. 225 192 400 a sua terceira dimensão de intervenção através —————————————————— de formação específica dirigida à valorização da INSCRIÇÕES > actividade económica existente. ATÉ 24 DE SETEMBRO RESULTADOS > Integrar, temporariamente, um grupo de criado- ATÉ 30 DE SETEMBRO INÍCIO DAS AULAS > res no tecido empresarial com reais capacidades 14 DE OUTUBRO para participarem na projectação de artefactos a partir das potencialidades dos materiais e pro- cessos de produção das empresas onde iremos desenvolver o nosso trabalho. “Is You Me” são aqueles dois minutos em que Benoît Lachambre é Louise Lecavalier e Louise Lecavalier é Benoît Lachambre: dois corpos que tinham tudo para não parecerem sequer do mesmo planeta (ele vem do planeta improvisação, ela vem do planeta La La La Human Steps: uma disciplina feroz, quase de ginasta chinesa, que no corpo dela se transformou num dos casos mais extraordinários da dan- ça contemporânea do último quartel do século XX) e que de repente são tão carne da mesma carne que já não sabemos quem é quem, ali, dentro daquela camisola preta e branca, me- tade Lachambre, metade Lecavalier. Dois minutos, dizíamos, e depois Benoît Lachambre volta a ser Benoît Lachambre e Louise Lecavalier volta a ser Louise Lecavalier: dois planetas autónomos, como dantes. Esses dois minutos valem o que valem: para quem está de fora a ver, podem ser o praticamente a obrigou a parar, e de maior espectáculo do mundo, para dois partos, recorda a bailarina na eles são só uma parte do exercício, e mesma entrevista: “Adorei trabalhar não necessariamente a parte mais com o Edouard. Apesar de todo aque- importante. Se “Is You Me” fosse uma le rigor coreográfico, tive sempre a pergunta, diz-nos o coreógrafo ao te- minha liberdade. O meu ferimento na lefone desde Genebra, “a resposta era anca coincidiu com o momento em não”. “Nós somos sempre nós, nunca que o Edouard bifurcou para o ballet. somos os outros. Eu e a Louise somos Era uma técnica que eu já não podia pessoas diferentes, definitivamente abordar, a minha perna não podia não somos a mesma pessoa. Claro que mesmo mais. Preferi partir e ver o que tudo isto começou com uma pergun- podia inventar sozinha”. Ou o que ta: os nossos corpos são complemen- podia inventar com Benoît Lacham- tares? Mas para nós era mais impor- bre, que praticamente não conhecia: tante atacar a questão, primeiro no “Quanto mais quero trabalhar com estúdio e depois em palco, com os uma pessoa, menos vontade tenho “Transformámo-nos As imagens de nossos meios, do que encontrar uma de falar com ela. Dançar passa por Laurent resposta, afirmativa ou negativa”, outra coisa, não pelas palavras. É uma em traços, Goldring continua Lachambre. coisa física, é preciso termos prazer foram tão Não viu o que nós vimos, Benoît La- em estar com aquela pessoa. Mas em objectos. determi- chambre – nem o que o público do mesmo sem o conhecer, eu sentia-me nantes como Festival Materiais Diversos (ver caixa) muito próxima dele”. E descobrimos os corpos de vai ver amanhã, no Teatro Virgínia, em Ele, que era um espectador “abso- Lachambre e Torres Novas, e depois mais gente ve- lutamente impressionado” pela pre- como é que se dança Lecavalier na rá segunda e terça, na Culturgest, Lis- sença física de Cavalier nos La La La num espaço restrito, construção de boa, e dia 17 no Centro Cultural Vila Human Steps desde os tempos de “Is You Me” Flor, Guimarães. Já não olha para “Is “Oranges” (1981), há um mundo atrás, dentro de corpos You Me”como espectador desde que disse logo que ia com ela onde fosse saiu do estúdio e foi com Louise para preciso. “Em palco ela é sempre tão restritos” dentro desta banda-desenhada de Lau- directa. Eu ficava impressionado com rent Goldring. Houve uma altura, a rapidez com que ela ia da dureza à Benoît Lachambre quando “Is You Me” ainda era só uma doçura”. Foi com ela até mais longe experiência no estúdio, em que tam- do que era preciso: “I is Memory”, bém ele teve uma epifania. “O estúdio que devia ter sido um solo, acabou mos muito a partir de movimentos tinha um espelho onde eu podia ver a por ser um duo (“Ficámos com de- que pudessem ser aplanados. Pensei Louise, mas não conseguia ver-me a masiada vontade de explorar as coisas nas personagens de Keith Haring, que mim. E de facto, enquanto estávamos que nos ligavam um ao outro, apesar têm uma bidimensionalidade muito a improvisar, identificámo-nos muito de aparentemente nada nos ligar”, forte. Transformámo-nos em traços, um com o outro”, admite Lachambre. explica Lachambre), e “Is You Me”, em objectos. E descobrimos como é “Is You Me” continua preso a esse mo- que devia ter sido um duo, acabou que se dança num espaço restrito, mento – pelo menos no que depende por ser uma coisa a quatro, com as dentro de corpos restritos”, explica. do título. “Um dia, fizemos uma im- imagens em tumulto do videasta Lau- Foi duro e surpreendente, como provisação formidável; eu nem sequer rent Goldring a transformar dois cor- todas as descobertas. Ele a fazer-se via o que estava a fazer, tinha ido com- pos da dança em dois corpos da ban- passar por objecto, e a gostar disso. pletamente ao fundo. A certa altura, da-desenhada, e a banda sonora de “Inicialmente foi muito difícil, porque olhei para o espelho e vi o braço do Hahn Rawe a levar a peça para uma todas as dinâmicas da peça exigiam Benoît a entrar por engano na imagem galáxia distante, “muito nervosa”. que estivéssemos num plano recuado, e de repente o que era dele era meu, A intervenção de Laurent Goldring que nos tornássemos invisíveis”. E ela tudo se misturava. Foi daí que veio o tornou-se tão determinante que “Is aprendeu que ainda tem muito que título da peça”, contou Louise Leca- You Me” passou a ser também uma aprender: “Desde que tive os meus valier à “Les Inrockuptibles”. pesquisa sobre o volume, ou antes a filhos e que me curei, fiquei com a falta dele. A preto e branco, dentro impressão de que isto, o meu corpo, Traços num papel daquela paisagem riscada ao vivo em dança sozinho. Mas a verdade é que Mas “Is You Me” também veio de ou- cima de um cenário aparentemente demorei um tempo louco a conseguir tros lugares: de um encontro anterior sem história (um plano inclinado, uma dizer que sou bailarina. Era dotada entre Lecavalier e Lachambre, “I is parede), os corpos de Lachambre e mas via um caminho enorme à minha Memory”, criação de 2006, e da von- Lecavalier tornam-se planos, bidimen- frente que ainda tinha de percorrer. tade que Lecavalier tinha de se re- sionais, da espessura de uma folha de Ainda o vejo, no fundo, é por isso que construir completamente, depois de papel. Lachambre já tinha visto Gol- continuo a dançar”. 20 anos como bailarina-fétiche de dring fazer coisas destas com Mathilde Edouard Lock nos La La La Human Monnier, e deixou que as imagens do Ver agenda de espectáculos na pág.

Steps, de um problema na anca que videasta os modificassem. “Trabalhá- 47 Festival Dois corpos podem “Is You Me” é uma bailarina seminal, Louise Lecavalier, o corpo mais extraordinário dos La La L da espessura de outro corpo invulgar, o de Benoît Lachambre, com quem por momentos se c

22 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon De Minde para o mundo Mais ainda do que no ano passado, Minde está em peso na segunda edição do Festival Materiais Diversos. Vai haver queixas, celebrações, uma televisão local – e piqueniques na erva.

Há um ano, no primeiro vem de a gente já nascer nisto. Paula Sá Nogueira, já tinha Festival Materiais Diversos, Os meus fi lhos representaram estado em Minde há um ano, Maria Emília Morgado sentou-se comigo desde pequeninos”, e espantou-se com a maneira a ver alguns dos espectáculos dizia Maria Emília ao Ípsilon há como as pessoas da terra que o sobrinho-neto, o um ano. Agora conta-nos que enchiam os espectáculos do coreógrafo Tiago Guedes, quis começou por resistir à ideia de festival. Agora percebe: “Até é levar a Minde, a terra onde voltar ao palco: “Mas depois difícil marcar ensaios, porque nasceu e onde a família deu lá marcaram uma reunião, o toda a gente está metida em vários nomes de rua (e alguns Tiago disse que não tínhamos de 500 actividades”. Ao elenco foi actores a uma companhia saber texto, e fomos. Veio uma buscar as histórias do teatro veterana do teatro amador). Este senhora de Lisboa saber como é amador e a ideia de fazer de ano, vai sentar-se também numa que antigamente a gente fazia, “Hotel União” um espectáculo- cadeira, mas em cima do palco, fi lmaram o que a gente disse e celebração – “Eles faziam a partir de terça-feira: apesar depois ensaiámos umas coisas”. sempre um grande jantar no de Tiago Guedes se ter tornado A “senhora de Lisboa”, fi nal de cada espectáculo” – com um rapaz de Lisboa, o festival uma mesa em cima do palco a que ele veio fazer à terra é de postos para o brinde fi nal (os Minde, e não passa sem a ligação espectadores só podem entrar se às várias colectividades que levarem um copo). fazem daquela vila do concelho Tal como “Hotel União”, outros de Alcanena um caso exemplar espectáculos do festival saem do associativismo cultural. Com do corpo da comunidade. Victor outros seis ex-actores amadores Hugo Pontes mostra hoje uma do “grupo dos casados”, a peça, “Manual de Instruções”, tia-avó do director artístico do para a qual recrutou 12 festival é a estrela de “Hotel O “Coro de Queixas” abre hoje o intérpretes locais, Isaac Achega, União”, o novo espectáculo do festival, às 23h, em Alcanena rapaz da terra, junta-se a David Cão Solteiro, que é uma das 20 Wampach em “Batterie”, e perto criações desta edição, a decorrer de cem mindenses (músicos e até dia 25. elementos dos coros da vila) O que quer que saia de “Hotel dão a voz ao manifesto no “Coro União” vem da cabeça dela, de Queixas” dirigido por outro e dos outros seis actores de herói local, o maestro Sérgio 60 e tal anos que levaram as “Até é difícil marcar Azevedo. Ao longo de vários suas memórias (os álbuns de meses, uma caixa posta a fotografi as, os cartazes, os ensaios porque toda circular pelo concelho recolheu programas das peças, os textos mais de 150 queixas, Sérgio dactilografados e copiados a a gente em Minde Azevedo transformou-as na papel químico) para os ensaios. cantata que mais logo, às 23h, A aventura só é possível está envolvida em abre o festival em Alcanena e no porque “em Minde sempre se 500 actividades” dia 25 o encerra em Minde. fez teatro a sério” e as pessoas De que se queixa Minde? “Os não se limitavam a entrar nos Paula Sá Nogueira, miúdos queixam-se da escola, espectáculos, levavam maridos da comida, da família: ‘o meu e fi lhos. “A tradição do teatro da Cão Solteiro pai obriga-me a comer a sopa’, ‘a minha bisavó não para de rezar, é muito chata’. Os adultos queixam-se mais do estado das coisas. Os prédios que estão a cair, as estradas que têm buracos, o centro comercial que Minde não tem”. O “Coro de Queixas” é agora uma multidão de 80 pessoas – a que se juntam trompas, clarinetes, piano e seis instrumentos de percussão, isto antes de toda a gente começar a bater em latas. “A lata é simbólica do protesto de rua, do protesto popular”. O que, se virmos bem, é exactamente a lógica deste festival: trazer o mundo a “Hotel União” Minde, mas também mostrar vive das Minde ao mundo. Ao ar livre, memórias nos piqueniques “déjeuner do teatro sur l’herbe” que começam já amador de amanhã, juntando artistas “actrizes” de e espectadores, nas salas de Minde como espectáculo, e até na estação de Maria Emília televisão local – porque Minde, Morgado claro, já tem uma.” I.N. em ser só um a La Human Steps, a perder volume até fi car da espessura de uma folha de banda-desenhada e e confunde. Amanhã no Festival Materiais Diversos, depois em Lisboa e Guimarães. Inês Nadais

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 23 O gigante mostra-se Com este doce retrato de um observador obsessivo mas ternurento, “Gigante”, o cinema sul-americano continua a mostrar-se. Francisco Valente

“Gigante” é a primeira longa-metra- lho. Em “Gigante”, comecei com uma A história de amor entre um gem de Adrián Biniez, argentino que história simples entre duas pessoas, segurança tímido e uma adoptou o Uruguai como o país para e à medida que fui avançando quis empregada de limpeza de fazer filmes. Premiado como Melhor também concentrar-me nesse aspec- supermercado – paixão que Primeiro Filme do Festival de Berlim to do trabalho. Trabalhei num super- nasce através da observação de 2009 e com o Urso de Prata — Gran- mercado como transportador de mer- diária de ecrãs de vigilância de Prémio do Júri (ex-aequo com “To- cadoria. A minha família pertence à dos os Outros” de Maren Ade, que classe operária, comecei a trabalhar esta semana também estreia em Por- cedo. A questão do trabalho esteve tugal), Biniez fala nesta entrevista do sempre presente nas nossas vidas: a seu interesse pelo mundo do trabalho, instabilidade económica que nos afec- ambiente onde filma uma história de tava. Mas nunca tomei isso, no meu amor entre um segurança gigante e trabalho de cinema, do ponto de vista Cinema tímido e uma empregada de limpeza muito emocional. Foi sempre um tema de supermercado, paixão que nasce que serviu para escrever histórias. através da observação diária de ecrãs Apesar de girar à volta do de vigilância. Um filme com pano de trabalho, “Gigante” não é um fundo social, mas que se lança sobre “filme social”. É uma história de um estudo das imagens e o seu poder amor que nasce nesse mundo. — as que assumimos no mundo pro- Sim. Aqui, o trabalho serve para mar- fissional e a forma como as gerimos car o contexto em que vivem as per- na vida real. Doce retrato de um ob- sonagens. servador obsessivo mas ternurento, A sala de vídeo dos seguranças, mostra-nos do que é feita uma relação onde Jara trabalha, é uma onde as palavras ainda não existem. caverna de imagens, algo que Nos primeiros momentos se parece com uma sala de de “Gigante”, não vemos montagem. Parte do filme personagens na sua aparência trata da sua gestão, como as do dia-a-dia, mas como montamos no trabalho e como imagens de ficção daquilo que elas influenciam o nosso olhar representam no seu trabalho. sobre a vida real. “Gigante” é Há um momento em que Jara, o uma história de amor que vive protagonista, olha-se ao espelho, dessa tensão. fardado, e vê uma frase escrita: O supermercado, o local de trabalho “esta é a imagem que os clientes do filme, é um lugar artificial. Os per- têm de mim”. Acredita que existe cursos de cada função, a sua ilumina- caminhos. Lembra uma frase apenas como um fantasma. Não sa- uma diferença entre ficções que ção artificial, o seu sistema de comu- de Buñuel em ele que descrevia bemos muitas coisas sobre ela. O filme assumimos no trabalho e a nossa nicação interior, tudo isso parece-se esse gosto: “a perversidade está termina na primeira troca de pala- realidade fora dele? com um estúdio de televisão ou de associada ao segredo”. vras. Interessou-me sobretudo filmar Acho que todas as pessoas têm de cinema. As câmaras de vigilância co- Somos todos voyeurs. O voyeurismo o que existe antes de se começar uma construir diferentes formas de reco- meçaram por ser uma presença ób- é, sobretudo, uma questão de prazer. verdadeira relação de palavras. nhecimento em relação às outras e via, devido à profissão de Jara, mas A história de amor de Jara vive desse Também nos perguntamos se criar imagens diferentes de si. O lugar foi algo que desenvolvi à medida que segredo. Ele gosta muito de seguir Jara conseguirá ultrapassar esse do trabalho é algo de tão formal que fui filmando. Era uma presença im- Julia, mas espera todo um tempo an- estado, porque a sua realidade exige, também, uma imagem estru- portante porque, muitas vezes, essas tes de querer, sequer, falar com ela parece ser feita de muitas turada e que seja adequada à função câmaras estão associadas a algo de pela primeira vez. Jara é um voyeur, imagens que consomem o seu que é diferente das imagens mais co- opressivo. Quis divertir-me um pouco mas é algo de diferente daquilo que olhar: as câmaras de vídeo no muns do dia-a-dia entre amigos e na com isso, usar o aparato policial do seria um stalker. seu trabalho, a televisão em nossa família. O trabalho exige, por- meio da segurança e da vigilância e O que o interessou numa história sua casa, os jogos de vídeo, as tanto, um comportamento aos que infiltrá-lo com ideia romântica. Claro de amor entre duas pessoas que, televisões para as quais olha nos trabalham. A frase no espelho de Jara que, devido a essa tensão, Jara acaba fisicamente, são tão diferentes cafés. já estava colada num espelho de um por querer viver da mesma maneira — uma rapariga franzina e um Todas as imagens que surgem são uma supermercado que visitámos. Achei no mundo exterior. gigante — mas que acabam marca da nossa realidade: as televi- incrível, por isso decidi que tinha de O protagonista, na sua função por mostrar certas coisas em sões nos cafés, as câmaras de seguran- estar no filme. de segurança, tem um poder comum? ça que existem nas lojas e nas grandes As suas curtas anteriores real sobre o ambiente: chega a O que mais me interessou foi um cer- superfícies. Depois de serem incluídas centram-se no mundo do influenciar os movimentos da to tipo de romantismo masculino. no filme, foi algo que me interessou trabalho. Interessou-lhe, em empregada de limpeza, torna- Tentei incluir isso no filme, coisas que desenvolver em termos dramatúrgicos “Gigante”, trabalhar sobre se importante para que ela não observo em mim e nos meus amigos, e em poder jogar com as suas diferen- as imagens que as pessoas perca o seu trabalho. Torna-se nas pessoas mais tímidas. O roman- tes presenças, por vezes de forma têm de assumir na sua função num voyeur, o que lhe dá gosto. tismo dessas pessoas interessa-me. O mais dramática, outras de forma mais profissional? Quando o trabalho termina, ponto de vista do filme é o de Jara. humorística. Quis que isso funcionas- Sim, interessa-me o mundo do traba- acaba por persegui-la nos seus Talvez por isso Julia acabe por surgir se como uma arma narrativa.

24 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon É um dos filmes sul-americanos re- centes que teve mais distribuição no estrangeiro. Os que fizeram “Whisky” são amigos meus, muitos deles parti- ciparam em “Gigante”. Gosto muito do humor de “Whisky”, tentei passar um pouco disso para o meu filme. A verdade é que o cinema sul-ame- ricano não tem muito humor. A co- média é uma plataforma interessante que não está muito presente no nosso cinema. Existe um realizador portu- guês que tem uma forma interessan- te de trabalhar o humor: Miguel Go- mes. Vi “A Cara que Mereces”, que é Como vê o facto de estarmos no filme, coincidentemente, ouve o coisas nele. Por um lado, gosto desse “O voyeurismo é, um grande filme, e “Aquele Querido rodeados por todos esses canais mesmo tipo de música. lado sentimental, aquilo que se colo- Mês de Agosto”, que também gostei. de imagens em todos os nossos Há um momento em que Jara ca entre os homens e mulheres nos sobretudo, uma Recentemente, a revista “Sight percursos? procura Julia em duas salas de seus percursos. Gosto muito da forma & Sound” descrevia os filmes Não sei se isso será responsável pela cinema, tem de escolher entre de filmar, é muito clássica mas sim- questão de prazer. sul-americanos como obras criação de distância entre as pessoas. um filme de terror e um filme ples. Não há nada que goste mais do de “ficção documental” ou O que acredito é que existe um so- romântico. “Gigante” acaba que ver Rohmer a filmar pessoas ao A história de amor de “documentários de ficção”. brepovoamento de imagens. Tenho como uma ponte entre os dois: ar livre, em que a luz se deita sobre O cinema do seu continente uma televisão em casa, mas por vezes um filme com a tensão de um as pequenas coisas e vemos como os Jara vive desse tem recebido nova atenção, não a ligo durante dias. Depois dou- ambiente “creepy” de filme de pormenores são geniais. Fascina-me segredo. Ele gosta “Gigante” teve o Grande Prémio me conta que, entre o computador, terror e a história de amor entre a aparente simplicidade — por detrás do Júri do Festival de Berlim em os vídeos no Youtube, em que vejo o duas pessoas. dela, as coisas não são assim tão sim- de seguir Julia, 2009. Você é argentino mas vive excerto de um filme ou de uma série, Sim, é verdade. Não tinha ainda pen- ples. Essa ligeireza, a graça e leveza, em Montevideu, passou de uma curtas-metragens e vídeos de música, sado a partir desse ponto de vista, mas trabalhada. mas espera todo cidade para outra para cumprir continuo a consumir imagens. Ao mas faz sentido. Parece-me bem. O Adrián Biniez teve uma os seus projectos. Pensa que isso mesmo tempo, tenho uma vida social Li numa entrevista que tinha um participação em “Whisky” de um tempo antes reflecte alguma visão ou forma rica. Mas lembro-me quando era mi- interesse pelo cinema de Eric Pablo Stoll e Juan Carlos Rebella. de trabalho comum que existe údo e vivia em Buenos Aires nos anos Rohmer. Há um filme dele — “A Chega a incluir uma referência de querer, sequer, no cinema sul-americano? 80, tínhamos canais de televisão cuja Mulher do Aviador” — em que o desse filme na cena da sala de falar com ela pela Na verdade, só comecei a fazer fil- emissão só começava às quatro ou protagonista também persegue cinema, pois o som do filme mes quando cheguei a Montevideu, cinco da tarde. Lembro-me da ideia o seu interesse amoroso às romântico que Jara vê por primeira vez. Jara é não fazia cinema em Buenos Aires. que tinha formado do punk: tinha escondidas pelas ruas de Paris. momentos é o mesmo daquele Não me reconheço muito nessa des- uma revista com duas fotografias, Sou fanático por Rohmer. Vi “A Mu- que os personagens de “Whisky” um voyeur, mas é algo crição, apesar de saber que existe, uma do Johnny Lydon e outra de um lher do Aviador” para ver como deve- vêem também numa sala de de facto, um estilo que tem saído do grupo de punks nas ruas de Londres. ria filmar as cenas de perseguição cinema. Que importância tem de diferente daquilo continente que corresponde à mis- Não tinha mais imagens, por isso criei entre as personagens. Serviu-me mui- esse filme no seu cinema e no tura do documentário e da ficção. É o meu imaginário punk a partir daí. to para a cena em que Julia sai do bar cinema sul-americano? que seria um stalker” uma forma com muito valor e que As imagens eram difíceis de encon- onde estava com um outro homem e vale tanto como outras que existem. trar. Hoje encontram-se imagens de se despede dele num táxi. Esse plano Não sei se consigo definir apenas um todas as coisas em todo o lado e ao é roubado de Rohmer em que a situ- estilo de cinema sul-americano. Eu mesmo tempo. ação é parecida com essa, em que próprio estou interessado em fazer Falando de música: o heavy- uma mulher apanha um autocarro e vários tipos de filmes, tenho um gos- metal, que as duas personagens se despede do homem com quem es- to amplo. Apesar disso, o meu pró- ouvem, é algo que lhes dá força, teva. Era a forma mais simples de con- ximo filme terá ainda um ambiente sobretudo a Jara, que funciona tar aquilo que acontece nesse momen- ligado ao trabalho: trata-se de um como um veículo de energia to entre as duas personagens: o fim jogador de futebol de uma liga me- para continuar com a sua do encontro em que ela decide ir pa- nor que joga numa equipa pequena. missão. ra casa e deixar o seu par sozinho. Nunca ganhou muito dinheiro e está Sim, queria que a personagem prin- Adoro Rohmer, estou sempre a ver já em fim de carreira, tem 35 anos. cipal gostasse de música. Não sou os seus filmes e interessam-me várias Às tantas, tem de se reformar e co- grande fã de heavy-metal, apesar de meçar a pensar, com a sua mulher, ainda ouvir algumas coisas, mas gos- naquilo que vai fazer da sua vida, se to de vários tipos de música. Queria abrem uma loja ou começam a ven- que ele ouvisse música a toda a hora, der coisas. Talvez o próximo filme que tivesse um espaço seguro que já não parta tanto das condicionan- fosse seu. A música enriquece a per- tes do trabalho. sonagem e dá-lhe mais mundo, algo que acabei por associar a Julia, que Adrián Biniez, o realizador Ver crítica de filmes págs.44 e segs.

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 25 “Todos os Outros” é a segunda longa traduz-se num jogo de poder entre a ra como nos relacionamos hoje. “Sei nos das férias de um outro casal es- escrita e realizada por Maren Ade: a felicidade agressiva do casal amigo e que, por um lado, não queremos ser trangeiro: Ingrid Bergman e George história de um jovem casal alemão o desconforto realista do casal prota- como todos os outros, mas por outro Sanders em “Viagem em Itália” (1954) que passa férias numa casa na Sarde- gonista, deparados com o que não não estamos livres daquilo que os ou- — obra-prima de Roberto Rossellini nha, mas cuja viagem parece fazer conseguem ser. “O outro casal amigo tros fazem ou pensam. Olhar para —, olhar duro mas milagroso sobre o esquecer, aos poucos, aquilo que os é uma fantasia do primeiro casal, uma outras orientações é um gesto huma- que existe entre as imagens de um juntou à partida. O cenário surge co- coisa horrível que surge naquele mo- no, e é algo com que temos de lidar casal. “Vi alguns filmes com os actores mo ideal para Ade trabalhar aquilo mento. Não é um casal que os dois na nossa geração. Hoje somos muito e ‘Viagem em Itália’ foi um deles”. que, por vezes, acaba por definir um poderiam descrever com admiração, livres, temos todas as possibilidades Assume, contudo, outras influências casal: a montagem das percepções mas mesmo assim tem uma influência para descobrir quem queremos ser e nos créditos iniciais do filme, lem- que cada um deles cria sobre si. forte neles.” com quem queremos estar. Mas essa brando aquele que mais se debruçou “Interessou-me fazer um filme so- possibilidade não torna as relações sobre a matéria de vida que vem da bre todos os detalhes que formam A indefi nição de um género fáceis.” convivência de um casal. “Vi ‘Cenas uma relação”, diz a realizadora. “Um A cumplicidade física entre Chris e da Vida Conjugal’ (1973) do Ingmar filme sobre uma comunicação secre- Gitti é evidente no início do filme: os Um género no cinema Bergman e o que me mais influen- ta que é própria de cada casal. Sem- seus corpos, abertos ao Verão, sur- Os filmes feitos das imagens de uma ciou”, especifica, “foi a questão do pre imaginei que se as duas persona- gem confortáveis um com o outro. relação são já um género cinemato- poder: como o casal mudava e quem gens regressassem a casa e alguém “Não é fácil acreditar que duas pes- gráfico. Olhando para “Todos os Ou- seria, em cada momento, o mais for- lhes perguntasse como tinham sido soas são um casal no cinema”, diz a tros”, retrato de um casal numa terra te dos dois.” Contudo, as personagens as férias, não poderiam realmente realizadora. “Temos sempre a sensa- que não conhece (a Itália), lembramo- de Maren Ade não optam pela discus- explicar o que tinha acontecido entre ção que se tocam pela primeira vez. eles.” Ensaiei muito com os actores a lingua- O casal é Chris, jovem arquitecto gem de um casal, como esses sinais em busca de reconhecimento profis- se traduzem fisicamente nas coisas sional, e Gitti, mulher extrovertida pequenas”. com um charmoso trabalho na indús- É quando cada um se interroga so- tria da música. A “missão de férias” bre o papel do outro na relação que dos dois — passarem dias sem “todos o equilíbrio é posto em jogo. “Estava os outros” — vira-se contra eles. Lon- interessada nesse aspecto das rela- ge dos outros, descobrem, significará ções de hoje em que o homem e a uma outra condição: estarem longe mulher são muito iguais e os seus pa- daquilo que eles são. A ausência do péis estão indefinidos.” Essa indefi- seu círculo de vida dá lugar à projec- nição, um jogo constante de poder ção das suas inseguranças sobre o entre os dois géneros, irá atravessar valor que cada um faz de si e do seu o filme, tanto pela disponibilidade de parceiro. cada um para o outro como pelas su- A fuga do casal ao seu mundo pro- as aparências físicas variáveis e inse- porciona, segundo Maren Ade, um guras. terreno para a exploração daquela O espaço físico das férias — a casa Cinema que é sua matéria. “Foi importante da mãe de Chris — acaba também por trabalhar a influência do círculo social surgir como fantasma na relação, no no casal”, diz. “Queria ter um mundo momento em que o casal se tenta pro- de fora que entrasse pelo filme aden- jectar no lugar de pai e de mãe, dois tro, que surgisse como um tubarão refúgios para a sua insegurança. na relação deles.” Os outros, ausentes “A casa, por ser dos pais, é algo que destes dias de prazer, acabam por in- os torna em crianças. À medida que fluir no vazio a que o casal se entrega. o filme avança, ficamos com a ideia Uma das projecções da vida do casal que tem uma influência neles, como materializa-se no encontro imprevis- uma terceira pessoa que os observa to com um outro casal amigo — uma e influencia as suas decisões.” Uma certa imagem concretizada daquilo pressão dos outros, de novo, sobre que eles poderiam ser, se assim qui- aquele que deve ser o papel do casal, sessem ou se conformassem. A dife- e que transfigura um perante o outro. rença de sucesso entre os dois pares Algo que Maren Ade associa à manei-

Um casal com uma “missão de férias” — passarem dias sem “todos os outros” — que se vira contra eles As férias de uma rel “Todos os Outros” é a segunda longa-metragem de Maren Ade, premiada no Festival de Berlim de 2009 com o Grande Prémio do Júri. A realizadora alemã fi lmou as férias de um jovem casal alemão em Itália. E a forma como todos os outros ausentes são um fantasma presente. Francisco Valente

26 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon “Hoje somos muito são sobre as suas paixões e inseguran- ças. Em “Todos os Outros”, cada um livres, temos todas prefere desviar-se desse questiona- mento e partir para um refúgio: o as possibilidades confronto físico e infantil que os des- via da responsabilização sobre o fu- para descobrir quem turo da sua relação. O choque já não se mostra pelas palavras, mas pela queremos ser e com diferença dos bruscos gestos físicos quem queremos estar. de cada um. Maren Ade sublinha esse ponto de não-retorno das relações: Mas essa “Chega-se a um momento em que já não é possível falar sobre aquilo que possibilidade não está a acontecer. Por isso, começam a comunicar de forma física.” Acaban- torna as relações do num gesto terminal que simboliza fáceis” o fim de uma linha. Maren Ade O novo cinema alemão Ao vencer o Grande Prémio do Júri de Berlim de 2009 (ex-aequo com “Gigante” de Adrián Biniez), “Todos os Outros” simbolizou o reconheci- mento do novo cinema alemão, a cha- mada “Nova Escola de Berlim”. A expressão serve para descrever a ge- ração de alunos da dffb (a academia de cinema da cidade) que ganhou des- taque a partir do novo milénio: Ange- la Schanelec (alvo de uma retrospec- tiva organizada pelo crítico André Dias para a Culturgest em 2009); Christian Petzold (cujo “Yella” estreou em Portugal e que esteve no ciclo so- bre a Nova Escola de Berlim, em 2008, no São Jorge, também por An- dré Dias) e Thomas Arslan. Outros realizadores foram associados ao gru- po, apesar de não terem passado pe- la escola. Os seus filmes, contudo, são trabalhados em conjunto, numa co- laboração que vem da sensibilidade comum e da amizade que os liga para além do cinema. “É uma parte do cinema alemão de que gosto e que me orgulha”, diz Ade. “Sou amiga de vários deles. Dis- cutimos os filmes juntos, convido-os para a montagem e mostro-lhes a pri- meira versão dos meus filmes. Preci- so desse contacto, escrevo sozinha e é óptimo ter essa influência de fora.” Uma influência de cineastas que for- ma a novíssima geração do cinema alemão. “Neste filme”, especifica, “trabalhei com Valeska Grisebach [‘Mein Stern’, 2001; ‘Sehsucht’, 2006], Ulrich Köhler [‘Bungalow’, 2002; ‘Montag kommen die Fenster’, 2006], Henner Winckler [‘Klassen- fahrt’, 2002; ‘Lucy’, 2006] e Christo- ph Hochhäusler [‘Milchwald’, 2003; 18 SET ‘Falscher Bekenner’, 2005; ‘Unter dir SÁB 18:00 SALA SUGGIA | € 10 die Stadt’, 2010].” ÁUSTRIA 2010 O novo cinema alemão centra-se em personagens que vivem em cho- PETER RUNDEL direcção musical que com o percurso dos seus senti- WOLFGANG MITTERER órgão e electrónica mentos, alienados dos motivos de um Anton Bruckner (arr. H. Eisler/K. país que vive, por fim, no seu presen- Rankl/E. Stein) Sinfonia nº 7 (1º e 2º te. Como se esse olhar perguntasse: andamentos) e agora, para onde vamos? Georg Friedrich Haas Remix (encomenda conjunta da Casa da Música e O filme estreia na próxima 5ª feira Klangforum Wien) Wolfgang Mitterer The Church of Bruckner (estreia mundial; encomenda da Casa da Música)

No âmbito do ano Áustria, o Remix apresenta dois andamentos da mais célebre sinfonia de Bruckner e estreia uma encomenda ao destacado compositor austríaco Wolfgang Mitterer, para quem Bruckner é uma forte influência. Completa o programa uma obra escrita para o Remix Ensemble Casa da Música pelo austríaco Georg Friedrich Haas.

Jantar + Concerto | € 25 www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv T 220 120 elação Maren Ade assume a infl uência de “Viagem MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA a Itália”, de Rossellini, e de “Cenas da Vida Conjugal”, SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO PARA de Bergman BRUCKNER REVISITADO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 27 FOTOGRAFIAS DE ENRIC VIVES-RUBIO FOTOGRAFIAS

‘Quando entrava no metro, se

Nas livrarias na próxima semana, “Subway Life” reúne O livro de desenhos do projecto çalves teve a ideia de continuar a fa- “Subway Life, ou a Vida Subterrâ- zer, pelo mundo fora, o exercício que uma selecção feita a partir de três mil desenhos feitos em nea”, não começa verdadeiramente tinha feito pouco tempo antes quan- debaixo de terra, mas num ponto do estava a viver em Londres: dese- 10 cidades e é a última paragem de um projecto de vários bem alto, num cume de uma monta- nhar pessoas enquanto andava de nha no Nepal. A toda à volta, só mon- metro. Como é que seria sentar-se no anos. António Jorge Gonçalves quis dar a volta ao mundo tanhas, ondulando para cima e para metro em Tóquio? Ou em São Paulo? baixo. Como é que seria no Cairo? assim: sentando-se no metro e desenhando a primeira Eufórico da caminhada até ao topo, “Não era acerca dos desenhos”, eufórico do trajecto de avioneta des- conta António Jorge Gonçalves, de- pessoa que se sentasse à sua frente. Susana Moreira de Katmandu dias antes e daquela senhador, ilustrador, perfomer de viagem para fora da Europa, longe e desenho digital. “Eu quis ir ver como Marques extraordinária, António Jorge Gon- é que era ir ao mundo inteiro sentar-

28 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon Atenas Livros “Eram duas estudantes e eu estavaava a ddesenharesseenhhar uma delas. Curiosamente, aquelaa qqueue eeuu eestavastava a a desenhar estava completamentee absoabsorta,rtta, nemnemem deu por isso, mas a outra, deu. E levantou-seantou-se e vveveioiioo ttererr comigo e perguntou-me o que é que euu eestavasts ava a fazer. E eu disse que estava a desenhar.sennhhaar.r EElalala chamou a amiga para vir ver. Quandouaannddo a rerretratadaetrtratadada viu ficou absolutamente fula: - Porque é que tu me estás a desenharenenhahar asaassimssim deddestaestta maneira? - Mas qual maneira? - Assim, tão feia! - Eu não te estou a desenhar feia ou bonita, estou-te a desenhar. E comecei a mostrar-lhe o resto do livro: - Olha, ando a desenhar pessoas no metro. - Mas porque é que estás a desenhar as pessoas tão feias?”

BerlimBe

“Desenhei“D este senhor e quando saí da carruagem, ele saiu também. Quando estávamos já quase a sair da estação, ele meteu conversa comigo, muito simpático, muito amável, muitom delicado, o que até contrastavaco um bocadinho, porquepor ele estava todo vestido dede preto,pr de cabedal ou napa, com uumm lenço vermelho com cornucópiascornucóp brancas. Perguntou-me se eu não qqueriau ir a casa dele. Eu ffiqueiiquei um bobocadoc encavacado. E ele disse: ‘Não, nnão,ã para me desenhar, para me desenhar’. E eu disse: ‘Mas eu já te desenhei.desenhei.’’ ‘Não, para me desenhar, mas sem roupa!roupa!’’ ‘Des‘Desculpe,c eu só desenho ppessoasessoas com rouroupapa no metro ou sem rroupaoupa se estiverem non metro.’”

Cairo

“Estou de pé, porque quando entrei a carruagem estava cheia. Estava a desenhar as pessoas logo na primeira fiada, e desenho o primeiro fulano da fiada, vou desenhar o segundo e ele não, não, não, a carruagem toda a olhar, e ele a dizer que não, que não, que não, e há uma senhora que está ali sentada, tipo ‘mama’, que começa a falar com ele em árabe, e depois aponta para ela própria: então desenha-me a mim. Ela era uma ‘mama’ egípcia, não era uma rapariguita. Fez-se silêncio na carruagem. Eu começo a desenhar. Ninguém diz nada. Porque eu estou a entia-me em casa’ desenhar a matriarca. A suar, um calor desgraçado, e eu só me lembrava da história do Astérix e da Cleópatra. Havia um problema qualquer, uma António Jorge me no metro e desenhar a primeira frente podia ser um executivo que sabotagem na construcção das pirâmides, e se ele Gonçalves pessoa ao meu lado.” segura um caroço de maçã na mão, conseguisse resolver o problema e descobrir quem é coleccionou os A primeira pessoa podia ser um desconfortável, sem saber o que fazer que era o culpado, ela dava-lhe o peso dele em ouro. Se retratos da homem quase gigante, quase violen- com ele, mas a todo o custo manten- ele não conseguisse, mandava-o aos crocodilos. E era sua passagem to, que quase lhe destrói o caderno do a seriedade sueca. Podia ser um basicamente aquilo que eu sentia naquele momento… pelas cidades em Moscovo. Ou podia ser, na mesma londrino com tubos de esferográfica Então, com aquele suor todo, acabei o desenho, passo- como quem cidade, uma artista que lhe estende no cabelo ou, em Tóquio, uma mu- lhe o caderno, ela olha para o livro, olha para mim, e colecciona um cartão convidando-o para uma lher que se desleixa e mostra as cue- acena que sim com a cabeça. Eeeehhh! Começa tudo a momentos exposição. Podia ser uma estudante cas. O desenho – imediato, espontâ- bater palmas. Tudo a comentar e a passar o livro de num diário de Atenas que se acha feia no dese- neo, rápido, da primeira pessoa à sua uns para os outros. E há um gajo, um homem de nho ou um homem de bigode em São frente – podia supreendê-lo, deixá-lo negócios, daqueles de mala e fato, que vem ter comigo, Paulo que se acha pouco parecido e boquiaberto, como quando olhou dá-me o cartão dele e diz assim: ‘Please, call me. I have reclama outro retrato. A pessoa em para uma mãe-canguru, a imagem work for you.’”

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 29 Lisboa foi, até mais do que Moscovo, a cidade onde o metro transportou as caras mais tristes, diz António Jorge Gonçalves

LondresL

“A“A Fay quis ver o desenho. Eu mostrei- lhelhe e pedi-lhe para ela pôr o nome dela. PassadoPassa uns dias, estou a pagar na caixa do susupermercado,perm e quem é a rapariga que estáestá na caixa?caix É ela. E eu disse-lhe olá. ‘Sou eu, estava a ffazeraze o teu desenho no outro dia, lembras-te?’. E ela ficou aflita e quase não falou comicomigo.go. TalveTalvezz fosse o primeiro dia de trabalho dela… Ou entãentãoo pode ser o efeito que Londres tem nas ppessoas.essoas. UUm encontro no metro tudo bem, mas um segundo encontro…”en ontro…

Moscovo

“Era um fulano grande,de, grande, que nem cabiabia na folha. Olhava fixamente,nte, mas era difícil saber se estava a olhar para mim ou através de mim.mim. Quando eu estava a acabar o desenho, penseiensei assim: vou esperar que o comboio páre para não denunciar a minha saída, e depois, levanto-me e saio, uma fuga em acção. Quando o comboio está a começar a parar na estação, ele levanta-se.se. E eu penso: ele vai embora, óptimo. Só que ele chega ao pé de mim, arranca-me o final de uma mulher muçulmana pela descoberta e pela diferença. livro da mão, olha para o desenho, dá um berro – em Nova Iorque que durante a via- Uma vez esgotadas, fica a solidão ou- aaahhhh! – e atira com o livro. Eu fiquei quieto. Ele saiu. gem de metro e durante o desenho, tra vez.” As pessoas ficaram todas paradas. Quando as portas cobriu o filho que levava ao colo com A ideia inicial tinha sido ampliar fecharam, eu lá fui buscar o caderno.” as suas vestes. alguns esboços à escala humana, António Jorge Gonçalves coleccio- colocá-los nos metros de cada cidade nou os retratos da sua passagem pe- representada no projecto, e esperar las cidades como quem colecciona que as pessoas passassem por ali no momentos num diário: recordando- dia-a-dia: a irem para o trabalho ou se das cores das roupas que vestiam a regressar a casa, reconheceriam um São PPauloaul os passageiros, apontando os dias da pai, uma irmã, um namorado, uma semana em que encontrou aquelas ex-mulher, a si próprias. “Este não está no pessoas assim como as frases que lhe Depois de seis anos a desenhar, livro. Este fulano disseram, lembrando-se de detalhes foram precisos outros seis para che- quandoqu viu o das linhas, estações, na cabeça ainda gar a este livro, publicado pela Assírio ddesenhoesenh dele, obrigou-me e sempre os mapas do metro. & Alvim. a fazer ooutro. Disse: ‘Não “Isto é um pouco doloroso”, diz, As pessoas têm o tamanho dos es- tem nanadad a ver comigo.’ E enquanto abre um armário – um de- boços, o tamanho daqueles cadernos eueu fizfiz outro desenho com o senho de Lisboa estampado na porta diários. Quando os revisita é doloro- qualqual ele quis fficar e com o qual – descobrindo fileiras e fileiras de ca- so porque é como abrir um álbum ele ficou. Era mmuito pior. Ele achou dernos, com etiquetas a identificar que nos lembra de quem fomos um queque estava maisma parecido. Mas data e nome de cidade. dia. Um livro – mesmo de desenho, como desedesenhon estava pior. De 1997 a 2003. Cairo, Moscovo, mesmo sobre outras pessoas – é mui- EsteEste desenhode fala muito Atenas, Tóquio, São Paulo, Nova Ior- to pessoal. maismai dele. Uma coisa que, Estocolmo, Berlim. Eram tudo Há muitos anos atrás, António Jor- quequ para mim é muito cidades que não tinha visitado antes. ge Gonçalves tinha tido um professor libertadoralib é que eu Assim que aterrava no aeroporto, pro- que lhe tinha dito que sempre que nãonã sou nada curava o sinal do metro. “Quando en- desenhamos uma pessoa desenhamo- retratista.retra Não sou trava no metro, sentia-me em casa.” nos a nós próprios, e para acreditar nadanada o génerog de fazer Tira cadernos das prateleiras e vai foi preciso António Jorge Gonçalves desenhosdesenhos dasd pessoas. folheando: retratos e mais retratos a desenhar 3 mil caras, passar horas e Justamente porquep uma coisa caneta preta, cabeças, pernas, corpos horas no mesmo gesto repetido da queque me iincomodancom é a pressão do incompletos a caneta preta, novos, caneta no papel até quase não saber reconhecimento.”reconh velhos, homens, mulheres, crianças quem era. a caneta preta, centenas e centenas de retratos, milhares de pessoas. Lisboa, pela frente “Será que hei-de encontrar um lu- gar absoluto?”, escreveu no Cairo, e pelas costas última paragem de “Subway Life”. Estamos em Lisboa, no centro de Lis- “Na viagem o desconforto é superado boa, o metro logo ali descendo a Cal-

30 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon rapariga beta está sentada com o guarda-chuva entre as pernas, enco- “Apesar da nossa lhida, tensa. “Parece que podia ca- ber num cubo, que se podia arrumá- timidez, o português la”, lembra. “Mas depois olhava-me olha. Olha sem fixamente.” Não era um olhar tipo “braço-de-ferro” como em Berlim. mais nenhum. Não era um olhar de esguelha como em Londres ou um olhar pretenden- E eu acho isso muito do ignorá-lo como em Estocolmo. Era um olhar curioso. “Apesar da bonito” nossa timidez, o português olha. Olha sem mais nenhum. E eu acho isso muito bonito.” Em menos de cinco minutos, An- tónio Jorge Gonçalves põe-se na es- tação de metro dos Restauradores. Continua a andar de metro. Gosta da linha verde, cheias de pessoas das as regras nem um método esta- novas, vindas de outros pontos do belecido. mundo. Se em 2010 desenhasse no Procura nos cadernos de Londres metro veríamos, nos retratos dos – nessa altura ainda usava um forma- lisboetas, que a sua cidade mudou. to quadrado, e muitos desenhos não foram por isso seleccionados para o Tudo chega, tudo parte livro – uma mulher de quem nunca Ainda antes de deixar as cidades, mais se esqueceu. Percorre uma fila mostrava os desenhos a alguns lo- inteira numa prateleira do seu escri- cais. Logo ali, começavam a cons- tório, páginas e páginas, não encon- truir histórias sobre as pessoas nos tra. Era uma mulher que nunca desenhos. Muitas vezes pensavam olhou para ele, e no entanto, en- reconhecer alguém. quanto a desenhava, António Jorge “Numa fotografia podes dizer, por Gonçalves sabia que ela o sentia. exemplo, esta pessoa é parecida com “Era como se lhe fizesse cócegas a minha tia”, comenta. “Num dese- com a minha caneta”. nho podes mesmo dizer, esta pessoa Foi talvez aí que percebeu que o se calhar é a minha tia, porque o de- desenho tinha um tempo próprio, senho não é de carne e osso, tem um em que alguma coisa acontecia, co- espaço vazio para se preencher”. mo num espectáculo. Para os outros, os desenhos são Agora cada vez mais faz desenho então “como um poema ou um pe- digital ao vivo, e a sua vida de dese- daço de prosa”. Para ele, como tal- nhador-performer talvez tenha co- vez para quem escreve um poema meçado em “Subway Life”. Por ou um pedaço de prosa, os desenhos exemplo, no Cairo, com as pessoas são a memória do momento em que a olharem por cima do ombro, a ba- os fez. rufastarem em árabe, ou a dar-lhe çada do Lavra. A filha, Miranda, já Esteve quase para desistir, mas Lis- “Eu quis ir ver António Jorge Gonçalves deixa cla- pancadinhas nas costas, sorrindo, veio espreitar várias vezes. Já veio boa aparece no livro, por ordem cro- ro que em “Subway Life”, os dese- entretidos, divertidos, satisfeitos, mostrar ao pai que também sabe fa- nológica de desenho, em segundo como é que era ir nhos não eram o mais importante. prontos a aplaudi-lo, estava já num zer desenhos. A luz de Lisboa foi des- lugar, logo a seguir a Londres. É um livro “acerca daquilo que se palco. cendo enquanto víamos tudo escuro, A primeira figura no capítulo lis- ao mundo inteiro estava a passar, ali, entre mim e Quando desceu à vida subterrâ- como num túnel, luminosas as folhas boeta de “Subway Life” é um homem aquela pessoa e as pessoas à vol- nea, desceu ao pior pesadelo de dos cadernos e as caras das pessoas que António Jorge Gonçalves apeli- sentar-me no metro ta”. quem desenha: ser observado. As que um dia estiveram sentadas numa dou de “bulldog”. António Jorge Gon- Quando em Londres começou a pessoas passavam por ele. Em Ate- carruagem de metro. çalves está convencido que se as pes- e desenhar a primeira aproveitar as viagens para desenhar nas, escreveu: “Tudo chega, tudo Será que ainda andam de metro? soas passarem demasiado tempo si- pessoa ao meu lado” pessoas – de casa até à escola de ar- parte. Como podemos ter fé no meio Para onde iam naquele dia? Como é sudas, os cantos da boca puxados tes, a Slade, ou de casa até aos mu- de tanto trânsito?” As pessoas pas- que se chamam? Quais os seus so- para baixo, acabam assim: com cara seus –, estava simplesmente a pro- savam, mudavam, desapareciam do nhos? De que é que sofrem? O que é de “bulldog”. curar fazer qualquer coisa que nun- seu campo de visão, da folha do ca- que as faz feliz? Lisboa foi, até mais do que Mosco- ca tinha feito antes. Parecia-lhe esse derno. Ele ficava. Só podia ter fé em António Jorge Gonçalves nunca fa- vo, a cidade onde o metro transpor- o propósito de mudar de cidade. si próprio. zia essas perguntas, nem sequer para tou as caras mais tristes. Em 1997, tinha saído de Lisboa pa- E tudo isso, algo que nunca tinha dentro, para ele próprio. A sua fun- Para ele, em Lisboa não houve pos- ra quebrar rotinas, desabituar-se de feito antes, algo que pensava que era ção era olhar – com o treino, de cida- sibilidade de encontros completa- alguns confortos, porque “a partir novo, é claro que era muito antigo. de para cidade, cada vez se concen- mente anónimos. Ainda que não o de certa altura, procuramos mais do Muito antes de começar a desenhar trava menos no desenho e mais na quisesse, em Lisboa estava sempre a mesmo”. no metro, já ele tinha sonhos recor- pessoa. Tinha, em média, de 5 a 8 ler os códigos. Segundo o que ves- Os desenhos de Londres, diz, são rentes. Ia de metro numa cidade minutos. tiam, como se mexiam, como se com- talvez os menos profundos, mas são desconhecida, com desconhecidos Não dava tempo de pensar no es- portava, identificava os passageiros os mais frescos. Ainda não tinha to- sentados a seu lado… tilo, mas era tempo suficiente para pobres, os ricos, os remediados. sentir que tinha, de alguma forma, Sabia dizer se uma rapariga era es- tido um encontro com aquela pessoa. tudante e até, pela paragem onde Não tinha tempo para julgar nin- entrou ou saiu, se estudaria letras ou guém, mas tinha tempo – e sem se medicina. dar conta, de cidade para cidade, Da experiência subterrânea de com o treino, foi acontecendo mais Lisboa guardou dezenas e dezenas frequentemente – de fazer retratos de cadernos. Dos retratos que aca- que eram menos caricaturas e mais bou por seleccionar para o livro, es- reais. colhe um para falar. É uma rapariga “Quando entras tens a cidade pela que veste uma camisa de quadradi- frente. Depois percebes que a tens nhos com pullover por cima, e tem pelas costas”, lê-se no livro, a abrir o um penteado fora de moda há pelo capítulo de Lisboa. menos duas décadas, com uma me- A segunda cidade que desenhou cha a tapar um olho. “Acho que é foi Lisboa e terá sido a mais difícil uma personagem tão lisboeta. Um porque era a sua casa. lisboeta que já quase não existe.” A

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 31 O cinema impuro do artista Gabriel Abrantes Ganhou um prémio no Festival de Cinema Locarno, inaugura amanhã em Guimarães uma retrospectiva dos seus fi lmes e vídeos. Está na altura de um reencontro com este artista que também é cineasta. José Marmeleira MIGUEL MANSOMIGUEL

Gabriel Abrantes venceu o prémio de curtas em Locarno com “A History of Mutual Exposições Respect” O artificialismo escorre langoroso e colorido sobre os diálogos e corpos nos filmes de Abrantes. O efeito é cómico, sufocante, surreal

“A History of Mutual Respect” (que vai chegar ao circuito comercial), “Olympia” e “Visionary Iraq” “Liberdade”

Em Abril de 2009 escrevíamos que Gabriel, cineasta ou artista? “Que- não apenas a partir de uma perspec- meu tempo de estudante [na Cooper Gabriel Abrantes saltava de catego- ro fazer cinema, mas vejo-me como tiva. Mas também não me chateio se Union for the Advancement of Scien- rias. Com um à-vontade contemporâ- um artista”, responde. “Não como não o fizerem”. ce and Art, em Nova Iorque]. Será um neo. Da pintura para o filme, do filme pintor, escultor, fotógrafo ou cineas- corte transversal da minha obra, co- para a pop. Mais de um ano depois, ta. Sou um artista que está a trabalhar Contra a fragmentação mo a exposição do Manoel Oliveira somos tentados a escrever que Ga- em diversos meios. Quero continuar A exposição que inaugura em Guima- em Serralves”. briel Abrantes “sossegou”. Encontrou a pintura como quero continuar a rães pode alargar o olhar do público O catálogo, concebido em forma o seu meio privilegiado de criação: o fazer cinema, de forma conscien- perante o universo deste autor. Ca- de arquivo pronto a ser consultado, cinema. Os factos sustentam a “bou- te”. lando o banzé dos prémios e de clas- reproduz os planos dos filmes, acom- tade”: participou no Queer 2008, no Acabado de regressar de Trás-os- sificações “excitantes” (o “artista- panhados de legendas, e na sala res- Indie, venceu, com “History of a Mu- Montes, onde preparava um dos seus estrela”, o “jovem artista”). Mostran- tam projecções e televisões onde os tual Respect”, o Leopardo de Ouro filmes, aborrece-se com fronteiras: do as obras. “É uma recapitulação de filmes e as narrativas correm sós. Vol- para a melhor curta no Festival de “Não me interessam e não as entendo quatros anos de cinema e vídeo, com tamos à carga. Involuntariamente o Locarno, e vai levar este filme ao cir- e gostava que as pessoas olhassem todos os filmes, incluindo aqueles cinema de Abrantes destapa ou não cuito comercial de salas. para a minha obra como um todo e mostrados em galerias e alguns do a crispação educada que se pressen-

32 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon te entre os mundos das artes plásticas ventou com meios não convencionas e o cinema? Falamos de uma relação e não tanto a vontade chegar ao palco. que continua ambígua, cautelosa? Nesse sentido podemos fazer um pa- “Nem sempre. A Kathryn Bigelow ralelismo com os meus filmes porque faz cinema e trabalhou com a Art & também uso meios não convencio- Language [colectivo com raízes na nais”. Mas se na música de Abrantes Inglaterra e nos EUA de artistas con- os meios convencionais significam ceptuais]. E adoro os filmes dela e uma limitação técnica transformada adoro o Art and Language. Já o que em força expressiva (assim nos diz o fazem o Douglas Gordon e Philippe pós-punk), no seu cinema ganham um Parreno não me interessa. Não me valor conceptual. “Quando os reco- interessa o conceito de estrela, como nheço enquanto propósitos concep- se pode ver no ‘Zidane’ (2006) [de tuais, integram-se na produção da Douglas Gordon] ou o ecrã gigante. obra. Isso aconteceu primeiro em O que me interessa no cinema é uma ‘Olympia II’, onde entrei como actor. coisa simples: contar uma história, Não sabia representar e essa limitação do princípio ao fim.” construiu uma forma de representar E nas curtas de Abrantes contam-se que é um dos eixos estruturais dos histórias. Em “Visionary Iraque” dois filmes: aquele tom afectado e artifi- artistas convidadas irmãos (um português e uma angola- cial. Como se estivéssemos num tea- na) partem para guerra no Iraque tro de marionetas. Nos meus filmes preocupados com a democracia; em somos todos marionetas das próprias “Too Many Daddies, Mommies and histórias, nenhum de nós representa Babies”, dois homossexuais, incapa- verdadeiramente”. E o efeito serve à zes de salvar o mundo do aquecimen- ficção: “Por exemplo, em ‘Visionary to global, decidem ser pais; em “A Iraque’ as personagens que interpre- History of Mutual Respect”, dois to, o pai, a rapariga, o galerista, tam- brancos embrenham-se na selva ama- bém lidam com as suas incapacida- zónica, tendo por cenário as Catara- des. A ideia de máscara, de emoção tas de Iguaçu, em busca da pureza de ou exagero de emoção interessam-me uma rapariga mestiça; em “Liberda- mais do que estar num palco ou num de”, um angolano descobre-se impo- ecrã”. tente quando tenta materializar a sua relação amorosa com uma rapariga Autoria partilhada chinesa. O fim, nestas históricas, é A autoria partilhada é outro elemento quase sempre irónico (de uma ironia que singulariza as curtas de Gabriel. tocante) mas é um “the end”. Não se trata de uma parelha de ir- Para Abrantes, o pós-modernismo mãos, mas um trabalho feito repeti- já lá vai. “Surgiu a possibilidade de damente a meias com os outros auto- se fazer tudo, a partir de todos os in- res. Foi assim com Katie Widloski teresses e gostos e temos hoje um (“Olympia I & II”), Benjamin Crotty bazar de coisas que não há maneira (“Visionary Iraq” e “Liberdade”) Da- de utilizar ou regrar. Eu acredito na niel Schmidt (“2002, 2003, 2004… utilidade da arte. Antes de ir a Locar- 2002” e “A History of Mutual Res- no vi ‘Le Mura di Sana’ (1964), do Pa- pect”). Porquê? “Comecei a fazer ci- solini [um filme-petição dirigido à nema porque estava interessado numa Unesco para a defesa da arquitectura arte impura e porque é uma máquina medieval da capital do Iémen]. É um que precisa de imensas pessoas para filme fenomenal que ilustra essa ideia funcionar. A colaboração tem sido de utilidade. Por outro lado, prefiro uma questão moral para mim, de al- a narrativa e não a sua fragmentação, guma forma inspirada pelos grupos ou a do tempo ou da história de ar- de arte, como o Group Material [co- apresenta te”. lectivo que nos anos 80 do século XX agitou a cena nova-iorquina com ex- Marionetas posições que lidavam com temas po- E a narrativa é construída na maioria líticos e sociais]. Contrariavam a ideia dos casos recorrendo a Hollywood, à do autor singular ou da expressão pu- FEMINA forma como a sua indústria moldou ra. A arte deve fazer sentido em dis- a visão da História. Aos seus géneros: cussão, com as outras pessoas”. o melodrama, o filme de guerra, o E eis-nos de volta ao mundo da ar- // 22 DE SETEMBRO_CONCERTO | 21H30 filme-catástrofe, de aventura, român- te. E, sublinhe-se, não são apenas as tico, de acção; todos cobertos por um obras ou os autores que invadem artificialismo que escorre langoroso mundos “estrangeiros”, colhendo pe- lo caminho elementos ou ideias. São /// ENTRADA LIVRE LIMITADA À LOTAÇÃO DA SALA também as instituições que “ousam” /// HORÁRIO DE ABERTURA DE PORTAS | 20H30 ultrapassar as suas competências. Is- to a propósito do papel da Galeria Zé dos Bois na aventura de Gabriel: “Já me tinham ajudado no ‘A History of a Mutual Respect’, mas no ‘Liberdade’ foram responsáveis por toda a produ- ção. Não foi um produtor de cinema que me fez chegar lá, mas o Natxo Checa que, embora tenha realizado filmagens e trabalho de campo com outros artistas [João Tabarra, João Maria Gusmão e Pedro Paiva ou Ale- xandre Estrela], não tem essa experi- ência. Um dos filmes mais recentes é “Li- berdade”, filmado em Luanda. Conta e colorido sobre os diálogos e corpos. um romance impossível entre um ne- O efeito é cómico, sufocante, surreal gro e uma chinesa sobre as ruínas do mas as imagens e os sons ficam; e com comunismo. É a obra mais próxima eles, os temas abordados, seja a guer- dos códigos do cinema comercial. Mas ra no Iraque, a família, o aquecimen- o tom irónico, perverso, ambíguo (es- to colonial, o colonialismo, os mitos cutem Paul Simon sobre Luanda) con- da mestiçagem. tinua lá. Sobre o filme, Abrantes diz Regressemos a Abril de 2009. Nes- que lhe interessou filmar em países sa altura, o artista evocava Alana Ve- que vão fugindo ao imperialismo cul- ga [vocalista dos Suicide] como al- tural e económico dos EUA. Talvez // MORADA // HORÁRIO guém que tinha inventado uma mú- para criarem uma nova cultural glo- Praça Marquês de Pombal Segunda a Sexta nº3, 1250-161 Lisboa sica para poder estar no palco. bal. Algo que ainda não conhecemos, das 9h às 21h Inventou agora Gabriel Abrantes um ou que só podemos imaginar. Como // TELEFONE // EMAIL novo cinema para estar ele próprio os futuros trabalhos deste artista. Fil- 21 359 73 58 [email protected] no ecrã? “Não. O que me interessava mes ou pinturas, arte ou cinema, Ga- no Alan Vega era a música que ele in- briel?

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 33 Entramos, e na primeira sala Portugal sobretudo depois da conquista da hoje. Mas como se conta esta histó- asfixia. Câmara de Lisboa em 1908. Fotogra- ria? “Asfixiava-se”, conta-nos o texto fias, textos, filmes que estavam esque- Henrique Cayatte resume o dilema: na parede. Era desta forma que, em cidos nos arquivos da Cinemateca e “É um período complexo, os histo- 1909, Raul Proença resumia o estado foram agora recuperados, um mapa riadores têm sempre toneladas de de espírito do país num texto publi- de Lisboa no chão com focos de luz informação – como é que se torna is- cado no jornal “A Vanguarda”. “O indicando os sítios dos confrontos na so numa coisa legível, interessante e Governo de João Franco, esse execrá- noite de 4 para 5 de Outubro de 1910. compreensível para o cidadão co- vel criminoso político, esse nevropa- A implantação da república. Uma mum, que não sabe nada do assun- ta perigoso, sem uma ideia nem um imagem pouco nítida da família real to?” Primeira preocupação: “Trans- afecto, tinha atingido o cúmulo do a fugir na praia da Ericeira. formar em curta uma longa história”. despotismo. Pairava sobre a pátria E depois... o Rossio dentro da Cor- Mas “sem ferir, nunca, a pesquisa que portuguesa uma aflição, que oprimia doaria. À nossa frente ergue-se a fa- foi feita”. e que sufocava. A vontade de rir fora- chada do Teatro Nacional D. Maria II, Para o designer, “o resultado deve se. Sob este céu clemente e azul só atrás de nós uma fonte. E novas salas, obedecer à máxima ‘menos é mais’ ficara a vontade das lágrimas ou a paredes cheias de informação – a luta – menos informação para mais aten- vontade da revolta.” contra o clero, as jovens retiradas dos ção e inteligibilidade”, o que significa Começa assim, ainda no estrebu- conventos e restituídas às famílias, as sacrificar muita da informação reco- char da monarquia, a contar-se a his- novas escolas, os banhos às crianças lhida, muita da pesquisa, muitas ima- tória da república no enorme espaço pobres na Trafaria, o novo culto da gens. Muito do que fica de fora pode Exposições da Cordoaria Nacional, em “Viva a educação física. ser aproveitado no catálogo ou no República!”, exposição inserida nas E a guerra. As trincheiras. África. A site, mas não deve sobrecarregar a comemorações do Centenário da Re- frente europeia. Os mortos de La Lys. exposição. pública, comissariada pelo historia- As divisões entre os republicanos. Si- dor Luís Farinha e com design de dónio Pais. A gripe espanhola. A mor- Henrique Cayatte. te de Sidónio – a foto, a toda a altura Figuras de homens e rapazes saídos da parede, manchada de sangue. A de uma fotografia de Joshua Benoliel “noite sangrenta” de 19 de Outubro de um comício republicano cresce- de 1921 (ouvem-se tiros, cavalos relin- ram e encavalitaram-se no topo de cham nas ruas), mortes, assassínios, uma divisória em tamanho natural ajustes de contas. E já faltava pouco feita de tábuas de madeira, onde car- para os anos 20, os “anos loucos”, as tazes publicitários aos licores da Fá- festas e os banhistas, o modernismo, brica Âncora ou à “lexívia hygiénica” Pessoa e Almada Negreiros. E para A investigação se misturam com panfletos apelando Gago Coutinho e Sacadura Cabral se ao voto nas eleições municipais. Nu- lançarem na aventura de atravessa- que tem sido ma parede negra destaca-se: “A Re- rem de avião o Atlântico Sul (temos volução é matemática e fatal”. Disse- aqui cabines com jogos de vídeo em feita “ainda não o Bernardino Machado em Julho de que podemos pilotar aviões). 1908. A mudança aproximava-se. E falta pouco também para a repú- passou para Num ecrã côncavo rodam à nossa blica ser derrubada – não sem resis- volta imagens que marcam o fim de tência, é certo – e para chegar Salazar, um regime: o ultimato inglês, as ten- o “mago das Finanças”. O fim da os manuais do tativas de D. Carlos para recuperar aventura. legitimidade política, as dívidas da ensino básico e monarquia. A sucessão de aconteci- Menos é mais mentos conduz-nos a outra parede Durou apenas 16 anos a I República secundário.” com letras brancas salpicadas de san- portuguesa. Mas esta não é uma his- Luís Farinha gue: 1 de Fevereiro de 1908, 17h10, tória fácil de contar. Foram 16 anos Praça do Comércio. O regicídio. intensos, cheios de nomes, heróis, E a história prossegue pelas lon- anti-heróis, grupos e grupúsculos, guíssimas naves da Cordoaria. O cres- instabilidade e mudanças históricas. A imagem da República, com as muitas representações que teve, cendo de apoio aos republicanos, Nasceu aí muito do que ainda somos todas inspiradas na república francesa, é dominante na exposição

República Como se conta esta história?

A I República durou apenas 16 anos, mas são 16 anos cheios de protagonistas, golpes e contra- Cordoaria, em Lisboa. há cabines de aviões, praças do Rossio e trincheiras da I guerra para

34 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon Depois é preciso criar ritmo. “Co- res, sons, espacialidades, disposição de textos, ecrãs e outros elementos avulsos têm de contribuir para criar ciclos de emoção e atenção, para ten- tar contrariar um discurso ‘plano’ e sem ‘chama’.” Um momento de maior informação, e de seguida um espaço aberto, como a Praça do Rossio. Uma coisa é evidente: não é fácil resumir a república. “Podemos falar dela pelos aspectos de mais fácil abor- dagem, como se fez com o Corpo ou o Turismo [as duas exposições tam- bém integradas no Centenário e que estão nos dois torreões do Terreiro do Paço], e poderíamos fazer o mes- “Estamos mo com a Cultura ou o Desporto. Com estas abordagens simplificadas tería- a celebrar mos mais facilidade em chegar ao grande público”, diz o comissário Lu- cem anos ís Farinha. “Mas uma exposição sobre a parte política não é fácil porque foi um período complexo. Foi complexo de uma antes e durante a guerra e particular- mente complexo depois da guerra, alteração numa altura em que se estava a tentar encontrar outras soluções político- radical partidárias e não se conseguia. Tornar estas ideias acessíveis ao público não no modo é fácil.” Outro problema é que, numa expo- de vida sição como esta, para um público ge- ral, é preciso contar a história do prin- cípio. “O estudo da história de Portu- político de gal [nas escolas] não é assim tão intenso sobre este período que per- Portugal.” mita que as pessoas tenham um co- Fernanda Rollo nhecimento efectivo do que foi a I República”, explica Fernanda Rollo, comissária executiva da comissão pa- ra as comemorações. A partir de 1910 houve uma alteração Houve nos últimos anos muita in- completa na simbologia: a bandeira, o hino, vestigação, “mas ainda não passou a moeda, e a toponímia mudaram, e muitas destas mudanças mantêm-se até hoje em larga medida para os manuais do ensino básico e secundário”, lamenta Luís Farinha. “Os manuais do 9º e do 12º ano, que são os que mais tratam a república, tratam-na muitíssimo mal. Para o 12º ano há manuais que têm três ou quatro páginas. Passa-se normalmente da implantação da re- pública para a queda da república.” Isto leva a que “olhemos para este no fundo, sem nunca ter sido posto período com um certo olhar crítico, em causa o regime republicano.” A I deformado pela leitura que foi feita República “traz uma marca forte de pela historiografia do regime que veio modernidade e introduz uma série a seguir [o Estado Novo]”, constata o de propostas, algumas das quais não comissário. “Há um conjunto de es- se chegaram a efectivar, mas que são tereótipos e mitos que por vezes são valores e princípios determinantes difíceis de contrariar.” até aos dias de hoje.” Um exemplo: a ideia de que a I Re- pública “não passou de um regime Referência para uma geração que utilizou de forma constante a vio- O historiador Fernando Rosas (que lência, e em que os motins e as greves não está ligado à exposição da Cordo- eram permanentes”. É preciso con- aria, mas é um estudioso deste perí- textualizar, defende Farinha. “Se odo) tenta explicar isso mesmo nas olharmos para o sindicalismo a seguir palestras e colóquios em que tem par- à guerra e o virmos como uma respos- ticipado pelo país – “sinto-me quase ta a uma sociedade onde havia falta em campanha eleitoral”, brinca – nes- de emprego, inflação galopante, a te ano de centenário da república. pneumónica, onde os conflitos sociais Confrontado com o mesmo problema eram fortíssimos, estamos a ter uma de tornar curta uma história (muito) perspectiva diferente das coisas. Há longa, chegou a uma fórmula em que projectos políticos diferentes em con- tenta responder a três perguntas: Por- fronto, o que vai desencadear perío- que vence a república? O que ficou da dos intermitentes de guerra civil. Isso república? Porque cai a república? é um facto indesmentível. Mas é uma Centremo-nos na obra que a repú- primeira tentativa, falhada, de demo- blica deixa e no que ela ainda pode cratização da sociedade. Resumindo significar para nós hoje. “Foi uma re- tudo à violência, estamos a dar uma ferência para uma geração inteira”, ideia completamente deformada.” diz Rosas. “Os constitucionalistas de O que é importante mostrar, de- 1976 aprenderam muito com a I Re- fende Fernanda Rollo, é que “estamos pública. O nosso regime é semi-pre- a comemorar cem anos de uma alte- sidencial para evitar os erros do par- ração radical no modo de vida polí- lamentarismo puro dessa altura. A tico de Portugal”. Para compreender- república deixou coisas em que hoje mos o que somos hoje temos que ninguém repara mas que são defini- conhecer esse período histórico. “É tivas: a separação do Estado e das nesse quadro que vivemos hoje, com igrejas (nem Salazar conseguiu mexer o mesmo hino, a mesma bandeira, e, nisso); o registo civil (é preciso lem- - golpes, grupos, partidos, associações, ideias novas, novos protagonistas, mudanças históricas. Na a tornar curta uma longa história. Alexandra Prado Coelho (texto) e Enric Vives-Rubio (fotos)

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 35 brar que todo os actos de nascimento, do que se passou – tanto quanto é pos- revista Seara Nova], e do outro os na- casamento e morte eram monopólio sível dentro dos 400 metros da Cor- cionalistas, exactamente com o mes- das paróquias católicas, e uma das doaria”, afirma Luís Farinha. Uma das mo peso.” A decisão batalhas mais violentas da república preocupações foi mostrar rostos. Se o Mas não passou ainda o tempo su- foi para nacionalizar o registo civil); rei D. Carlos é facilmente identificável, ficiente para que o olhar sobre a re- de entrar na e a obra simbólica, que é a mais im- já os muitos protagonistas da repúbli- pública possa ser consensual. Para portante de todos os regimes do sé- ca são menos conhecidos. “Quisemos Rosas, um dos “cinco pecados capi- guerra foi culo XX. A república vai direita ao que a exposição tivesse rostos. Se há tais” que levaram à queda do regime assunto, muda o hino, a bandeira, a época no século XX em que há gran- foi a decisão de entrar na I Guerra. “suicidária, moeda. E faz uma revolução total na des movimentos de massas, em que “Foi inteiramente suicidária, uma lou- toponímia. Em todo o lado há uma muita coisa se passa na rua, é na re- cura total. Ainda hoje tenho a maior uma loucura Praça da República, uma avenida Al- pública. Toda essa movimentação traz das dificuldades em entender como mirante Reis ou Miguel Bombarda.” milhares de rostos anónimos, traz uma é que políticos responsáveis lançaram Fernando Rosas Rosas é “neto de um velho republi- mudança grande das elites. Em 1911 um país rural, quase sem indústria, total.” cano” e aprendeu a história da repú- não está nos órgãos políticos pratica- naquilo que era o conflito tecnologi- blica a ouvir o avô durante os almoços mente ninguém que estava nos anos camente mais sofisticado que a hu- das quartas-feiras em casa da mãe. anteriores. Desse ponto de vista po- manidade tinha conhecido.” Hall de entrada da exposição na Cordoaria Nacional (foto de cima) “Contou-me coisas que são testemu- demos compará-la ao 25 de Abril.” Luís Farinha tem outro olhar. “In- - 400 metros para contar a história da I República portuguesa. nhos irrecuperáveis. Por exemplo, a A opção foi, em cada um dos núcle- teressa-me compreender aquele pro- Em baixo, outra imagem da república, com o barrete frígio da relação dos republicanos com o as- os em que se divide a exposição, des- jecto, que é nacionalista, colonialista. Revolução Francesa sassínio de Sidónio. Não há documen- tacar “uma personalidade que pudes- Os republicanos têm uma estratégia tos nenhuns, mas lembro-me muito se ser a mais significativa.” Na sala clara que é a de ancorar o desenvol- bem de ele me falar nisso.” que conta a noite de 4 para 5 de Ou- vimento do país em três margens do Mas se para algumas gerações, a tubro, por exemplo, “só podia ser o Atlântico: Portugal, Angola e o Brasil. república é a referência – “o Partido rosto de Machado dos Santos, é indis- E é a partir das colónias que se acen- Socialista de Mário Soares vem da es- cutível, não há mais ninguém na Ro- de a ideia de que estas se vão perder querda republicana que surge no pós- tunda a não ser ele” (o militar que não se Portugal não entrar no conflito eu- guerra”, sublinha Rosas – e se há “um desistiu quando os outros achavam ropeu. A república encara o projecto grupo de jovens intelectuais oriundos que a revolução estava perdida). ultramarino como central para a exis- desse republicanismo radical que vai Material gráfico não faltou. “Há fo- tência do país: Portugal só é possível marcar profundamente a política por- tografias excelentes”, continua o co- com as colónias.” tuguesa toda”, as gerações mais novas missário. “Um terço da exposição é Mas se o grafismo e a estética da já não têm esta referência tão presen- do [Joshua] Benoliel, um fotógrafo república foram uma influência da te. E é isso que exige que a exposição fantástico. Havia na época um foto- exposição, houve outras característi- da Cordoaria seja didáctica. jornalismo de grande qualidade. E a cas daquele período determinantes “Tínhamos como ponto de partida imprensa vai trazer novidades ao ní- para o olhar dos que nela trabalha- um período histórico extenso e muito vel do tratamento gráfico”. Tudo isto ram. “O mais importante é a liberda- atribulado, que podia ser exposto de inspirou a equipa que montou a ex- de”, diz Cayatte. “De se pensar e de muitas formas, um espaço especial posição. “O taipal que está no início se debater, de se trocar pontos de vis- – a Cordoaria Nacional – um orçamen- [com os homens empoleirados] foi ta, muitas vezes contraditórios, e de to que não podíamos ultrapassar e um inspirado numa fotografia de Benoliel se perceber que afinal este é um tema calendário muito apertado”, recorda de um comício na avenida D. Amélia, que apaixona as pessoas. Umas a fa- Cayatte. Houve uma preocupação es- onde hoje começa a Almirante Reis, vor e outras contra. Umas contra tudo sencial: “Procurar ser isento e não a zona onde na altura havia todos os e outras a favor de tudo. Outras nem adjectivar nem positiva nem negati- comícios.” por isso.” vamente este ou aquele período, po- O mais complicado foi o último nú- Esta, sublinha o designer, não é lítico ou acontecimento”. E “se isso é cleo, que conta o confuso período que uma exposição “panfletária”. “Pro- crítico no que diz respeito ao conjun- se seguiu à queda da república em 28 cura perceber o que se passou e como to da investigação também o deve ser de Maio de 1926. Foram anos de gol- se passou. O design tem que secundar no design.” pes e contra-golpes, durante os quais essa preocupação. Seria um erro que Ou seja, não fazer uma leitura ma- a república tentou resistir. “Aí tivemos tivesse resultado numa exposição ‘pi- niqueísta da história, não cair na ten- o cuidado de pôr em confronto sem- rotécnica’ de efeitos que tivesse sub- tação de apresentar heróis e anti-he- pre um projecto de esquerda e um de jugado o que é, de facto, importante: róis. “Tentámos não esconder nada direita, de um lado os seareiros [da contar a história.”

36 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon Leonard Cohen Vamos ser dignos da violência dele, hoje, Pavilhão Atlântico, Lisboa. Pág. 38

Gigante Voyeurismo e Archie Sheep bom coração, e uma surpresa Um histórico absoluto cinematográfica. Pág. 44 e segs. em Albufeira. Pág. 38 ENRIC VIVES-RUBIO A Orquestra Jazz de como um seguidor de Pat a Portugal nomes como Matosinhos e o guitarrista Metheny ou John Scofi eld, Mark Turner, Chris Cheek, Colabo- norte-americano mas, com cerca de 40 John Hollenbeck, Lee ração Kurt Rosenwinkel anos, conseguiu já impor Konitz, Dee Bridgewater apresentam o seu mais a sua linguagem própria, ou, recentemente, a recente trabalho “Kurt devedora, segundo compositora Maria Rosenwinkel & OJM: alguns, de grandes nomes Schneider Our Secret World” nos do jazz. A OJM partilha EUA. Rosenwinkel é tido projectos que têm trazido

dor”, disse uma vez numa muito clara entrevista. Quem o vê no DVD Um fi nal à Hollywood para Cohen... do Festival da Island of Wright em 1975, quem conhece os bootlegs ao vivo dessa década, quem lhe conhece bem a biografia sabe que os prazeres da carne que ele canta não são exclusivamente prazeres e que a carne não é só a carne. (Citação: “Não percebo o fascínio que as pessoas têm com o número de mulheres que tive. A grande maioria das minhas noites passei-as sozinho. Nouvelle Vague E não por opção.) E agora para o final à Hollywood: rotina “casa-recinto” de festival Cohen perdeu todo o seu dinheiro e urbano, descobrirá no local o que depois de anos sem dar concertos significa a classificação. Já quanto à voltou à estrada. Como uma criança música, temos as certezas do cartaz. que quer fazer bem os trabalhos de As canções pós trip-hop de Jay Jay casa para agradar aos professores e Johanson e o rock britânico dos Veils, aos pais, preparou um concerto de um pé em catarse Nick Cave, outro três horas que foi bem recebido, seguindo o apelo pop dos Suede. A rendeu DVDs ao vivo, deixou os filhos Rita Red Shoes de “Lights And financeiramente descansados. Veio Darks”, imersa na paisagem clássica uma vez a Portugal nessa digressão, americana, e o espectáculo do cada uma segunda ao Coliseu e agora ao vez mais “show man” David Fonseca. Pavilhão Atlântico. Este homem que E, claro, a delicadeza onírica das Au apesar de ser budista mantém que Revoir Simone. E, não tão evidente, a antes de mais é e sempre foi um surpresa de um interessante e Pop adensou-se com “I’m your man”, judeu (algo que parece incomodar os diversificado contingente pop disco e canção. Para toda uma apaniguados mais politicamente brasileiro formado por Torino, geração de yuppies semi-lidos, de correctos mas que ele repete vez Berlam E Banda Larga e Sinamantes. Ser digno ex-revolucionários acalmados, toda após vez a quem estiver interessado Esta noite, o cabeça de cartaz é Jay uma geração de gente que naquele em lê-lo) está cada vez mais próximo Jay Johansson, acompanhado no instante via dinheiro entrar-lhe nos da morte e merece todo o amor que Palco Diversidade por Rita Red Shoes. de Cohen bolsos, a coca no nariz e sabe-se lá lhe possamos dar. Mas quando Para além, actuará o paulista Torino, mais o quê e sabe-se lá onde, este era estiverem a abraçar a namorada que pela sonoridade electro, muito Sejemos dignos da violência o Cohen que interessava. Não se lembrem-se da letra de “I’m your 80s, e pela exuberância das duvida que tivessem algum prazer man”. E quando ele cantar “The apresentações em palco ganhou no moral que ele nos oferece. com “Suzanne”, duvida-se que future” lembrem-se que o que ele Brasil a alcunha Lord Gaga, e os João Bonifácio tenham alguma vez ponderado está a dizer é “Give me crack and anal Berlam E Banda Larga, que seguem as abandonar cônjuge e filhos ao som de sex/ Take the only tree that’s left/ pisadas “glam” dos Secos & Molhados Leonard Cohen “Songs of Love and Hate”, coisa que stuff it up the hole/ in your culture/ e o balanço eterno da bossa de Jobim todo o homem deve fazer pelo menos Give me back the Berlin wall/ give me (por curiosidade, refira-se que uma Lisboa. Pavilhão Atlântico. Pq das Nações. 6ª às 21h00

Concertos (portas abrem às 19h30). Tel.: 218918409. 30€ a 75€. uma vez na vida e, coisa curiosa, o Stalin and St Paul/ I’ve seen the das suas canções, “Carnaval Baixo próprio Cohen fez. Este Cohen, que future, brother:/ it is murder”. Não Astral”, foi incluída na banda sonora Por vezes a história tem a capacidade se podia ouvir num bar enquanto se tenham a mínima dúvida: o sujeito do documentário “José e Pilar”, de de se assemelhar a um filme de provava um Dry Martini (mas não na que estará ali em cima daquele palco Miguel Gonçalves Mendes). Hollywood, em que não só o mais receita original, áspera, dura) era tão é um moralista e está a apontar-nos o Sábado, o lugar cimeiro no improvável dos personagens se torna demencial nas palavras como antes, dedo. E pode fazê-lo. Porque alinhamento pertence aos Veils, herói como os seus pecados são mas ninguém pareceu atentar no que cometeu quase todos os pecados. nome de culto da pop britânica que esquecidos e o final que encontra é, ele dizia. Tomaram-se canções como Sejemos então dignos da violência vem fazendo nome pela pose após uma reviravolta sensacional, “I’m your man” como temas de moral que ele nos oferece. histriónica e pelo tom literato do feliz. Isto pode soar a provocação amor, românticos e educados. Nada vocalista Finn Andrews (“Sun tendo em conta que estamos a falar disso, tratava-se de peças imaculadas Gangs”, de 2008, é o último álbum). de Leonard Cohen, sujeito conhecido de patético masoquismo (isto é um Festival “despido de Ainda assim, arriscamos que o pelo seu priapismo, baladas acústicas elogio): “If you want a lover/ I’ll do preconceitos” público se concentrará nas Au Revoir de tom folk americano, excessos anything you ask me”, cantava ele, Simone, trio feminino de Brooklyn cocainómanos, música de bar de “And if you want another kind of Lisbon Unplugged 2010 que é alvo de culto fervoroso em hotel de segunda, letras love/ I’ll wear a mask for you”, Portugal. Para além delas e de David Lisboa. Instituto Superior de Agronomia. Tapada da apocalípticas, romances sexualmente continuava, “If you want to strike me Ajuda. 6ª e Sáb. às 17h00. Tel.: 213653100. 25€ (dia), Fonseca, actuam ainda o cantautor enfartados, educação esmerada, down in anger/ here I am”. 40€ (passe 2 dias). Entrada livre até 15 anos. dinamarquês Nikolaj Grandjean, as ocasional falta de higiene, e muitos E assim se estraga o abracinho I Festival Desligado de Preconceitos. Informações: nova-iorquinas Betty (um AGENDA CULTURAL FNAC etcs. Acima de tudo, isto parecerá romântico dos casais durante os 213528265 /910596181 cruzamento entre o rock das Gossip e entrada livre estranho para toda uma legião de concertos, né? Claro que o problema Ainda há espaço para mais um uma festa disco de 1978), e os seguidores que vê em Cohen o é que Cohen não foi apenas festival? Ora, ora, há sempre espaço Sinamantes, encontro de dois exemplo do que ele nunca foi: um diferentes homens ao longo do para mais um. Este chama-se Lisbon brasileiros e uma argentina onde cavalheiro, um proverbial hedonista tempo, ele foi diferentes homens ao Unplugged, mas não interdita a cabe pop indie à americana e sem grandes sofrimentos, repleto de mesmo tempo. A maior parte dos fãs electricidade, e instala-se hoje e melodias sul americanas (a banda charme, uma espécie de charme tem dificuldade em perceber que um amanhã na Tapada da Ajuda, em toca também, dia 12, na Fábrica equivalente ao de um Julio Iglésias homem possa ser mulherengo e Lisboa. Segundo a organização, Braço de Prata). aceitável pela burguesia que se julga sentir culpa (e que uma inclua a pretende alertar para a Para além do palco principal, o MÚSICA AO VIVO culta. outra), que possa usar drogas e ter consciencialização ecológica e Lisbon Unplugged oferece uma tenda FERNANDO TORDO Só que nada disto é verdade. Essa espinhos a cravar-lhe a testa. Cohen promover a diversidade – daí auto- electrónica e um Pavilhão das Artes imagem nasceu com um álbum de sempre foi claro: “Tudo o que fiz, intitular-se “o primeiro festival ocupado por artistas independentes, 1985, “Various Positions” (em tudo o que experimentei, a escrita, as despido de preconceitos”. onde será projectado cinema e onde 12.09. 17H00 FNAC CASCAISHOPPING particular com a famosa canção canções, as drogas, as mulheres, o O público que acampará no espaço estarão dispostos trabalhos de artes Todos os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.pt “Dance me to the end of love”), e álcool, foi apenas para acalmar a disponível e aquele que preferir a plásticas. Mário Lopes

38 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon Archie Shepp: se o jazz é música viva deve-o também a ele Carlos Barreto Tigrala em Barcelos em Évora Mayra Andrade em Braga

Clássica concerto comentado por Jorge também ao ensino na Rodrigues) interpretada pela Agenda Hochschule für Musik em Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Detmold (Alemanha) e, no Música, sob a direcção de Peter sexta 10 caso de Demiut Poppen, umaa das Os amores Rundel, e acompanhada por fundadoras da prestigiada Orquestrat attBid” Bird”, o saxofonista f i t AArchie hi ShShepp projecção de imagens. O outro Mercado Negro + CJ Ramone de Câmara da Europa e directora tinha já deixado da “Pequena grande atractivo deste primeiro Águeda. Lg. 1º de Maio, às 22h30. 3€. Passe Festa: artística do Festival Cantabile, marcas indeléveis no jazz, em concerto da “rentrée” na Casa da 12€. Informações: 234610720 / 234610722. também em Madrid. C.F. campos estéticos tão diversos como o 17.ª Festa do Leitão à Bairrada/13.ª Sereia” Música é a presença do pianista Feira de Artesanato e Gastronomia free-jazz, o hard-bop ou o jazz austríaco Till Fellner, um dos mais de Águeda. progressivo de inspiração africana, distintos alunos de Alfred Brendel, Jazz sempre com uma espiritualidade à O poema sinfónico “A detentor de uma brilhante carreira Carlos Barretto Trio: Lokomotiv flor da pele e um forte sentido de Barcelos. Biblioteca Munic. Lg. Doutor José Novais, Pequena Sereia”, de internacional. Fellner tem-se 47, às 22h00. Tel.: 253809641. 5€. No auditório. activismo político. São seus Zemlinsky, e o pianista distinguido sobretudo na Subscuta - Ciclos de Som e Observação. Espiritual! documentos obrigatórios da história interpretação de Bach, dos do jazz como “Four for Till Fellner num concerto compositores do classicismo e da 2ª Horse Meat Disco + James Trane”, “Mama Too Tight” ou Hillard & Luke Howard + Social Archie Shepp é um histórico que tem a Áustria como escola de Viena. No Porto tocará o “Attica Blues”, este último um Disco Club + Leonaldo de absoluto. Rodrigo Amado denominador comum. Concerto para Piano nº 23, de Almeida + Pinkboy + Vítor poderoso manifesto pela luta dos Cristina Fernandes Mozart, no âmbito de um programa Silveira direitos humanos. Permanentemente que tem Viena como denominador Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique - Archie Shepp Quartet desalinhado e irrequieto, a sua comum e que se inicia com a Armazém A (Cais da Pedra a Santa Apolónia), às discografia tem tanto de verdadeiro Orquestra Sinfónica do Porto 23h00. Tel.: 218820890. Consumo mínimo. Com Archie Shepp (saxofone). Casa da Música Abertura da famosa opereta “O como de irregular. Esta sua actuação Morcego”, de Johann Strauss II. Tigrala Albufeira. Parque da Alfarrobeira. Dom. às 21h30. no Auditório Municipal de Albufeira, Direcção Musical: Peter Rundel. Entrada livre. Informações: 289599500. Com Norberto Lobo (guitarra), Com Till Fellner (piano). Allgarve’10. inserida na programação do Allgarve, Guilherme Canhão (guitarra), Ian constitui uma oportunidade única Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de Em nome de Mozart Carlo Mendoza (percussão). Muito antes de encontrar uma para presenciar e homenagear uma Albuquerque. 6ª às 21h00. Tel.: 220120220. 16€. Évora. Sociedade Harmonia Eborense. Pç. Giraldo, Jantar-concerto: 30€. no CCB 72, às 22h00. Tel.: 266746874. No Terraço. linguagem e uma energia totalmente das grandes figuras que fizeram do Com Jorge Rodrigues (comentários). pessoais, registadas em clássicos jazz uma música viva, em sábado 11 como “Trouble in Mind” ou “Looking permanente mutação. Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de Orquestra de Câmara Portuguesa Albuquerque. Dom. às 12h00. Tel.: 220120220. 5€. Elina Vähäla (violino) Filme-concerto: Aurora Na Sala Suggia. Com Nuno Costa (guitarra e laptop), Óscar Graça (teclados e laptop), Apesar de ser um talentoso Bruno Margalho (saxofone). compositor e apreciável maestro, o Castelo Branco. Cine-Teatro Av. Av. General austríaco Alexander von Zemlimsky Humberto Delgado, às 21h30. Tel.: 272349560. 5€. (1872-1942) acabaria por ficar na Mayra Andrade sombra do seu discípulo e cunhado Braga. Theatro Circo. Av. Liberdade, 697, às Arnold Schoenberg e de outras 22h00. Tel.: 253203800. 15€. Na Sala Principal. figuras mais revolucionárias do Reg. Urbana/MUSA - Ciclo no modernismo dos inícios do século Rodrigo Leão & Cinema Diemut Poppen (viola) Ensemble XX. No entanto, a sua produção Pedro Carneiro (direcção) Faro. Teatro Municipal. Horta das Figuras - contém obras belíssimas que fazem a EN125, às 21h30. Tel.: 289888100. 15€ a 20€. ponte entre os finais do Romantismo Lisboa, Grande Auditório do CCB, dia 11, às 21h. Allgarve’10. Apresentação de “A Mãe”. e as novas tendências. Foi na O concerto inaugural da temporada Muxima sequência de um desgosto amoroso do Centro Cultural de Belém será Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho de — a sua paixão por Alma Schindler, protagonizado pela Orquestra de Albuquerque, às 22h00. Tel.: 220120220. 15€. Na que o trocou por Gustav Mahler — Câmara Portuguesa (OCP), sob a Sala Suggia. que Zemlinsky compôs em 1903 o direcção de Pedro Carneiro, e Homenagem a Duo Ouro Negro. poema sinfónico “A Pequena Sereia”, dedicado à produção musical da Rita Redshoes baseado no conto de Hans Christian família Mozart. Três importantes Viseu. Expovis - Feira de São Mateus. Campo de Andersen. O destino da Pequena obras de Wolfgang Amadeus (a Viriato, às 22h00. Tel.: 232422018. 2,5€. Apresentação de “Lights & Darks”. Sereia, que sacrificou a própria vida Abertura da ópera “Idomeneo”, a em nome do amor inatingível por um Sinfonia Concertante para violino e domingo 12 Príncipe humano, inspirou ao viola e a Sinfonia nº 41, “Júpiter”) e a compositor uma música intensa e deliciosa “Sinfonia dos Brinquedos”, Supertramp comovente, com uma orquestração da autoria de Leopold Mozart, pai do Lisboa. Pav. Atlântico. Pq. das Nações, às 21h00 luxuriante e sonoridades misteriosas grande compositor austríaco, (portas abrem às 19h30). Tel.: 218918409. 30€ a 40€. Tour 70-10. e aquáticas. Esta obra raramente preenchem um programa festivo, ouvidaouvida em Portugal que contará ainda com a participação David Fonseca será hhojeoje às 2121hh (e da violinista Elina Vähäla e a Mora. Parque de Feiras às 22h30. Tel.: 266439070. Entrada livre. No palco 1. nono domingo,domingo, às violetista Demiut Poppen. Fundada ExpoMora 2010. Apresentação de 12h,12h, num em 2007 pelo percussionista e “Between Waves”. maestro Pedro Carneiro, a OCP pretende ser uma plataforma de terça 14 aperfeiçoamento e de lançamento Till Fellner, um dos dos jovens instrumentistas. Impôs-se Supertramp mais distintos alunos Porto. Pavilhão Rosa Mota. R. D. Manuel II - Ed. rapidamente no meio musical Palácio de Cristal, às 21h00 (portas abrem às 20h). de Alfred Brendel português pela qualidade e no Tel.: 225430360. 32€ a 34€. Tour 70-10. passado mês de Junho fez a sua Manuel Mota estreia internacional, abrindo o City Lisboa. Empty Cube. R. Acácio Paiva, 27 R/C - of London Festival em colaboração Appleton Square, às 22h30. Tel.: 919379652. com a pianista Cristina Ortiz. Elina Vähäla e Demiut Popen são duas das quinta 16 solistas participantes do Festival Katia Guerreiro e Orquestra da Cantabile, a decorrer em Lisboa Baixa Normandia Banco de Investimento desde 2 de Setembro sob o patrocínio Estoril. Auditório Sra da Boa Nova. R. do Campo do Goethe Institut. Com importantes Santo, às 22h00. 25€ a 30€. carreiras internacionais, dedicam-se

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 39 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Nirvana, transformada em matéria celebratória. São canções de três minutos com riffalhada distorcida, secção rítmica nervosinha, e a voz atirada entre o desleixo punk (versão indie dos anos 90) e o primor dos Beach Boys. Estas canções são, basicamente, um grito pelo presente. Porque o futuro não existe, certamente, mas principalmente porque tudo aqui soa a imediato, a urgente, tudo parece existir para nos agarrar sem hipótese de fuga. Nathan Williams pode cantar, “I still hate my music / It’s all the same”, mas nessa “Take on the world” que recorda heróis indie como os Apples In Stereo ou Elf Power, o refrão confessa, “but to take on the world would be something”. Abram alas, portanto. Os “losers” perderam outra vez a Discos vergonha e estão para reclamar o mundo. E quando o fazem como estes Wavves de “King Of The Beach”, que Best Coast: um disco que parece saído entre o tom de euforia apunkalhada de uma jukebox perdida no canto de um café e cantoria pop de “Baseball cards”, no meio de uma auto-estrada da Califórnia arriscam a balada wall-of-sound de Pop cortinas das guitarras ensaiar uma depois, voz presa à melodia com “When will you come?” (entre as pequena birra adolescente enquanto sorriso estampado de felicidade, se Ronettes e os Jesus & Mary Chain) e aplica todos os truques que o rock e a concentra apenas no “stupid” e o não resistem a homenagear à sua Por amor a pop mais melódicos descobriram nas continua a berrar (“Stuuupid! maneira os Animal Collective últimas décadas, debicando no Stupiiid!”), está desvendado o (“Linus spacehead” é explícita); rockabilly, nas girl-groups, no doo- segredo – mas estamos demasiado quando os “losers” criam algo como Phil Spector wop, no punk-pop. eufóricos e excitados para pensar música tão contagiante quanto esta, É um disco que parece saído de nisso. O segredo é a forma como os nada mais nos compete que fazer A grande vitória dos Best uma jukebox perdida no canto de um Wavves recuam ao que o rock’n’roll isso mesmo. Abrimos alas e Coast: por trás das cortinas café no meio de uma auto-estrada da tem de basilar: ser um grito contra o recebemo-los de braços abertos. Não Califórnia, em que por milagre no fim tédio do quotidiano, uma sempre é que “King Of The Beach” seja a das guitarras ensaia uma do arco-íris há um refrão de ouro. renovada vitória sobre a morte. música certa no momento certo. É birra adolescente enquanto Três acordes, três minutos e melodias Aquele “stupid” que Nathan ser tão contagiante, tão cheia de aplica todos os truques que o como “Our deal”, saídas do baú da Williams grita em “Super soaker” vitalidade, tão irónica (e auto- Motown (como é notório pela atravessa todo o “King Of The irónica), tão sátira de rock e a pop mais melódicos pandeireta em fundo): se alguém nos Beach”, o terceiro álbum dos Wavves, grandiloquências existencialistas, descobriram nas últimas dissesse que estas canções foram o álbum que cumpre as expectativas que nos convence que assim é. décadas. João Bonifácio escritas por Phil Spector para fazer de “So bored” e demais canções do Cedamos então. “King Of The da prisão um Verão adolescente, seu antecessor, o gloriosamente lo-fi Beach” é a música que precisávamos Best Coast acreditávamos. “Wavvves”. “King Of The Beach” é a ouvir, agora. Tivéssemos 18 anos e Best Coast alienação niilista de “Incesticide”, poderia muito bem ser o álbum de álbum paralelo à carreira oficial dos uma vida. Crazy For You Wichita; Os “losers” Wavves: tivéssemos 18 anos e poderia Popstock muito bem ser o álbum de uma vida mmmmm ganham

Por mais tiques novamente “indie” que haja na estreia dos Best Coast, aqui O que o rock’n’roll tem de ambiciona-se a basilar: um grito contra o pop no sentido de tédio do quotidiano, uma popular. Claro que há as barragens de guitarras à Ramones, as harmonias sempre renovada vitória de guitarras proto-surf-rock à Jesus sobre a morte. Mário Lopes and Mary Chain (“Crazy for you”), o som vintage 60s à Stones Roses (“The Wavves End”), mas atente-se nas melodias, King Of The Beach nos uh-uh-uhs: é como se Bethany, a Bella Union vocalista, fosse a filha de Ronnie Spector, a diva das Ronettes, acabada mmmmn de fazer 18 anos e muito zangada com o namorado depois de ele a ter feito Quando Nathan entrar um gang-bang com o melhor Williams, a meio amigo. da segunda A grande vitória dos Best Coast, canção, começa a notória numa canção como berrar “I still feel “Goodbye”, é a de por trás das stupid” e quando

40 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon Eels: desse disco extraordinário continuamos à espera

Eels treinadorestreina de futebol eram das suas intervenções. A sua oobrigadosbriga por lei a exibir actuação no quarteto de Charles Tomorrow Morning COOP; distri. Popstockk ffartasartas pilosidades faciais. A Lloyd, no último Angrajazz, foi músicmúsicaa é igualmente brutal e inesquecível. No entanto, mmmnn momoderna.der Pop trauteável, em “Ten”, novo registo gravado para ccomom jogosjo de guitarras pós- a Blue Note com o seu aclamado trio Markark SStrokestroke (próximas da new- Bandwagon, parecem escassear as Everettverett wave,wave, portanto) e melodias ideias genuinamente musicais e o é umum entre uns Virgem Suta da conteúdo emocional, triunfando tipopo grandegrand cidade e os Clã em uma série de esquemas e curioso:rioso: flirtflirt intensoin com os Beatles. mecanismos calculistas que retiram o seuseu ÁlbumÁlb curto, com verdade à música. discurso costuma serr cançõescanç a pedir rotação Claro que a execução é, como não niilista e no entanto fartafarta-se-se radiofónicaradio – o assobio de poderia deixar de ser, imaculada, de fazer canções sobre a “Violinos no telhado” tem rádio ainda mais com uma secção rítmica alegria de acordar para mais um dia escrito por todo o lado – e, no final, a do calibre de Tarus Mateen de sol e florzinhas; tem uma voz de ideia de que mal algum viria ao (contrabaixo) e Nasheet Waits bagaço mas por vezes parece um mundo se o nosso (bateria), dois ritmatistas de menino traquinas que só faz mainstream fosse feita topo, mas nem isso evita traquinices para os pais o porem na de música assim. que surja ordem; e sendo capaz de desenhar É certo que frequentemente, ao canções imaculadamente pop nunca falta o rasgo que longo da audição do conseguiu fazer um disco lhes permita disco, uma extraordinário do princípio ao fim. sobressair num sensação de que Esse disco de que estamos à espera momento nada está ainda não é “Tomorrow Morning”, particularmente verdadeiramente a mas é o mais perto que o vimos criativo da acontecer. alcançar desde há tanto. Para isso música pop Ambientes contribuem a parafernália de órgãos portuguesa, mas Pinto Ferreira cinemáticos e e instrumentos menos habituais no a ideia de uns hipnóticos (magistral pop-rock a que ele recorre e toda Radiohead de baile no início de “Feedback uma atmosfera narcótica que na óptima “O elogio da pt.2”), mudanças envolve estas canções estupidez” e o ambiente fulgurantes de ritmo, arranjos essencialmente “positivas” (se se tropical-longe-dos-trópicos de elegantes, solos de cortar a puder qualificar emotivamente uma “Saudação da Primavera”, para citar respiração – ouçam-se os solos de canção). Há aqui espaço para tudo: os melhores exemplos, fazem dos Mateen em “Crepuscule with Nellie” “I’m a hummingbird” é um delicado Pinto Ferreira uma banda simpática e “Play to live” – e trechos tocados a relicário de cordas em que a vida é deste 2010 português M.L. uma velocidade vertiginosa, tudo isto laudada; “Baby Loves me” tem um marcado por uma utilização certo pendor rock electrónico e uma frequente de referências à música tremenda ironia (toda a gente Jazz erudita ou à pop, estéreis, como se destesta o narrador mas o seu amor Moran tivesse algo a provar a alguém, adora-o) descambando num refrão como se necessitasse de demonstrar apelativo; “Spectacular girl” é uma Desconcer- uma versatilidade que lhe é, há daquelas faixas órgãos + caixa de muito, reconhecida. As mais notórias ritmos + passarinhos + margaridas tante excepções serão, talvez, com violinos e campainhas no refrão “Gangsterism over 10 years”, tema em que Everett se tornou “in progress” a que o pianista especialista. O que falta aqui? A O pianista esbanja talento regressa frequentemente, o capacidade de fazer de cada canção e classe num dos registos extraordinário “Big stuff”, tema de um single – porque é isso que o disco mais desconcertantes da Leonard Bernstein que o trio sugere a cada passo, que canção desenvolve com uma empatia e após canção vamos ter direito a discografia jazz recente. agilidade raras, e a belíssima balada refrões perfeitos. E apesar da mão Rodrigo Amado assinada por Mateen, “The subtle cheia de canções imaculadas, ainda one”, ocasiões em que fica há aqui temas a que dizemos que Jason Moran demonstrado que este poderá, sim com a mesma indiferença com facilmente, ser considerado um Ten que diríamos que não. J.B. Blue Note, dist. EMI “dream-team” do jazz contemporâneo. Um disco que Pinto Ferreira mmmnn continuaremos a ouvir na esperança de lhe encontrar um significado mais Pinto Ferreira Sony Music profundo. mmmnn

O imaginário dos Jason Moran Pinto Ferreira recua aos agora Jason Moran é “glamorisados” um dos mais anos 1980 extraordinários portugueses, com pianistas jazz de os dois elementos da banda sempre. Em retratados enquanto empregados de ocasiões recentes escritório que deixaram crescer os em que o escutei, ao bigodes de um tempo em que não vivo, fiquei existiam telemóveis, em que os ecrãs sistematicamente de computador ocupavam metade arrasado pela da secretária e em que os criatividade e “drive”

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 41 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Ficção “Gangsters” pode ser lido por quem e personagem principal) está de não leu o primeiro dos dois. volta. Não para nos contar o que O silêncio A história de “Gentlemen” é-nos aconteceu aos irmãos Morgan, mas Dissimu- então narrada por um jovem escritor sim a “história” por trás da escrita chamado Klas Östergren (o autor do romance anterior e como foi a e o pudor empresta aqui o nome ao narrador e vida da personagem durante essas lações personagem). Mas resumindo: no duas décadas e meia. Que o tal Escrever um livro é contar Outono de 1978, Klas, que trabalha manuscrito (também chamado um país. Mesmo que “O Uma singular e trágica num campo de golfe, conhece Henry “Gentlemen”) que ele andava a Segredo dos Seus Olhos” história de amor em jeito de Morgan. Este é um boémio, e escrever em “Gentlemen” era para também pugilista, pianista, ser uma sátira social à hipocrisia e à tenha sido canibalizado pelo reflexão sobre a natureza compositor, figurante de cinema, injustiça, uma espécie de pastiche cinema com sucesso, vale a ilusória da criação literária. aristocrata, “dandy” anacrónico, e moderno de “O Quarto Vermelho” – pena ler o livro. José Riço Direitinho um homem-camaleão que é capaz a violenta sátira à sociedade sueca de transformar as maiores de finais do século XIX com que Rui Lagartinho Gangsters adversidades em momentos de festa. August Strindberg inaugurou o Klas Östergren Henry convida-o a viver com ele por “realismo” nas letras suecas – em O Segredo dos Seus Olhos (Trad. Luís Guimarães) achá-lo parecido com o irmão. Em que denunciaria os negócios da Eduardo Sacheri Editorial Estampa Estocolmo, passam a dividir o Suécia com o Terceiro Reich, as (Trad. Vasco Gato) enorme apartamento herdado do exportações ilegais de armas, entre Alfaguara

Livros mmmmn avô, que se assemelha a um palácio, outro material, para o regime nazi, e com os reposteiros de veludo antigo, tudo com o conhecimento e a mmmmn “Gentlemen” as mobílias escuras e pesadas, a aprovação do governo sueco. Mas (Estampa, 2008), grande biblioteca de livros que, devido a pressões fortes de Na longa até há pouco encadernados a couro. Klas recebera entidades invisíveis (o sentimento de entrevista que tempo o único no Verão anterior uma importante paranóia alastra por todo o livro), se deu a François romance de Klas maquia como adiantamento pelos viu obrigado a retirar muita coisa, e Truffaut sobre a Östergren (n. direitos de autor de um livro que que o livro (em “Gentlemen” era sua vida e os seus 1955) com ainda não escrevera. Aquele ainda um manuscrito) deixara de ser filmes, Alfred tradução para apartamento de Henry Morgan uma feroz acusação a políticos e Hitchcock resolve português, fora chega a Klas na altura exacta, depois homens de negócios, que tudo fora exemplificar com originalmente de a sua casa dos subúrbios ter sido distorcido e adulterado, que as uma anedota o publicado na Suécia em 1980. assaltada e quando mais precisava personagens eram caricaturas, que o dilema de muito Passados 25 anos e muitos outros de um lugar sossegado para escrever nome Morgan não era verdadeiro, boa gente: duas cabras encontram livros e peças de teatro, o escritor o romance. Pouco tempo depois que na verdade o segundo irmão várias bobinas de filme e, depois de voltou a essa primeira história e entra em cena, regressado da Morgan nunca tinham existido, que se entreterem a devorar alguns escreveu “Gangsters”, romance que, “América” (na verdade de um ele o inventara para nele colocar o metros de celulóide, uma delas mais do que a continuação do que hospital psiquiátrico onde fora lado autodestrutivo do único indaga a outra sobre a qualidade do foi deixado “em aberto” no livro de internado havia anos), o outro irmão “Morgan”… e, como fio condutor de repasto. A indagada responde que 1980, é um brilhante exercício Morgan, Leo. Este é um poeta todo este novo “plot”, há uma apesar de tudo prefere o livro. mmetaficcionaletaficcional sobresobre a naturezanatureza conhecido, alcoólico, provocadorprovocador singular história de amor entre Klas “O Segredo dos Seus Olhos”, ilusória da ficção e ppolíticoolítico e social, exímio jogadorjogador de e Maud (uma mulher fatal amante de segundo romance do argentino uma pprovarova de xadrez, e um inadainadaptadoptado com poderosos) que percorre os 25 anos Eduardo Sacheri (Buenos Aires, maturimaturidadedade ppretensõesretensões de filósofo.filósofo. Para ajudar a que medeiam a publicação dos dois 1967), ganhou uma enorme lliterária.iterária. ppreencherreencher o tempo ddosos três homenshomens romances. Pelo meio há ainda visibilidade quando o filme que o qqueue agora ddividemividem o apartamento, reflexões sobre a natureza da ficção adapta, realizado por Juan José há ainda um “mapa“mapa do tesouro”, literária, como esta: “A literatura Campanella, ganhou o Oscar de ttambémambém herdadoherdado dodo avôavô aristocrata.aristocrata. oferece refúgio e compensação; é a melhor película estrangeira em O tesouro, queque susupostamentepostamente forafora disciplina dos deficientes, a arte dos Fevereiro. O filme tornou-se o ppertençaertença ddee um rei, estará vencidos. Voamos de uma assim segundo maior êxito de sempre na esconescondidodido alguresalgures perto dede um túneltúnel chamada realidade para criar outra, história do cinema argentino, e o escavado a partir da cave do edifício; que por sua vez poderá fazer com romance ganhou uma nova vida e há jájá 17 anos que Henry deu início que a inicial seja mais tangível e vice- cinco anos depois de ter sido à escavação. É nesse túnel que os versa.” concluído. iirmãosrmãos supostamente ddesaparecemesaparecem Klas Östergren (agora o autor, não “O Segredo dos Seus Olhos” nnoo finalfinal do romance. a personagem) é um dos mais mergulha na história da Argentina Vinte e cinco anos depois, agora notáveis escritores suecos, que dos últimos 40 anos através de um em “Gangsters”, o mesmo Klas alguns importantes críticos já brutal crime: um vulgar assassino ÖstergrenÖstergren (autor compararam a Paul Auster e a que viola e mata uma jovem por Haruki Murakami; os seus romances causa de um amor não inscrevem-se mais na tradição anglo- correspondido é amnistiado à boleia saxónica do que na tradição nórdica dos perdões para crimes políticos, (acção de ritmo lento, tendo como numa altura em que a Argentina se pano de fundo a natureza por vezes prepara para o regresso da extrema- adversa, e que é habitada por direita ao poder, mergulhando o personagens melancólicas e país num clima de caça às bruxas. solitárias com inclinações a “O Segredo dos Seus Olhos” arranca monólogos existencialistas). O estilo quando o oficial de justiça de Östergren – que é uma das suas reformado Benjamín Chaparro virtudes – é intenso e contido. A resolve ajustar contas com o seu escrita, mesmo quando a acção não passado profissional e pessoal, se desenvolve, nunca deixa de dar contando no papel a verdadeira uma ideia de ritmo narrativo história desse crime, acabando com Klas Östergren retoma, em “Gangsters”, enérgico, o que deixa o leitor preso o manto de pó e silêncio que se o que tinha deixado em aberto no livro de 1980: ao livro. Neste romance, percebe-se abateu sobre o caso. A escrita servirá 25 anos podem trazer muita maturidade bem como 25 anos podem trazer de catarse, a literatura terá uma literária a um escritor muita maturidade literária a um utilidade. escritor. Há um ano, numa entrevista ao

42 • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • Ípsilon “Iluminações”, palavra que remete tanto para Rimbaud como para a Ciberescritas projecção cinematográfica. Há nesses poemas detalhes e empatias Labuta na batuta que revelam quase sempre alguma “furtiva alegria” ou “amor al ouço aquele “Rádio Batuta venenoso”. O mesmo acontece com apresenta...”, enrosco-me na cadeira, uns quantos diálogos com a pintura, sinto “um tremor dentro de mim” e que evitam o óbvio e procuram uma Mpreparo-me para fazer uma viagem no intuição. tempo. A Rádio Batuta está ali disponível Outro elemento referido na nota para mim, 24 horas por dia, às horas mais extravagantes. de badana é “a poesia como modo Não empanca, não chateia (podemos mudar de programa do pensamento que excede as sempre que nos apetece) e ensina-me coisas. Dizia Noel fronteiras do género e, mesmo, da Isabel Rosa que “Samba não se aprende no colégio”; pois no linguagem”. Serve como guia para a Coutinho documentário “Sabiás, pardocas e feitiçarias”, dedicado segunda parte do livro, chamada ao universo do “poeta da vila”, que se fosse vivo faria 100 “Lugares solares”. Mas aí as pistas anos em Dezembro, aprendi sobre Noel Rosa tudo aquilo O contributo de Eduardo Sacheri baralham-se um pouco. Desde logo, que nunca me ensinaram na escola. para desbloquear a sociedade argentina é este livro quanto ao “sol”, pois estas O documentário, dividido em oito capítulos, é jornal argentino “Clarín”, quando o válido que encontra para continuar memórias de mares e noites, de apresentado por Francisco Bosco, o ensaísta e letrista sucesso do filme e o sucesso do livro a viver. Porque Chaparro precisa de momentos partilhados, parecem que é o coordenador da Rádio Batuta, o mais novo começaram a entrelaçar-se, Eduardo responder àquela mulher, de uma sempre vigiadas por outras imagens projecto do brasileiro Instituto Moreira Salles (IMS). Tem Sacheri queixava-se do divórcio vez e para sempre, a pergunta dos mais agrestes e feitas de ameaça, depoimentos de Caetano Veloso; do músico e professor entre a literatura e a sociedade seus olhos.” (p. 307). como uns persistentes cães que de linguística Luiz Tatit; do crítico musical João Máximo; argentina, para a qual os livros e as Começa um novo livro, talvez passam de texto para texto. Maria do escritor e jornalista Sérgio Cabral, entre outros. vozes dos escritores contam muito outro filme. Andresen fala no “poder solar que Cada capítulo deste documentário sonoro pode ser pouco, e explicou porque acredita há na beleza”, mas nestes poemas acompanhado no “site” da rádio Batuta pela visualização que isto só mudará quando cada vez nunca sentimos esse fulgor. Isso de várias imagens relacionadas com o artista mais os argentinos começarem a Poesia também acontece porque os brasileiro: Noel Rosa bebé, a mãe e o pai, a fotografi a falar. O contributo de Sacheri, poemas, deliberadamente opacos e do casamento, um cartão de visita, capas dos discos, também ele um antigo oficial de mesmo ínvios, procuram exceder as algumas caricaturas, fotografi as dos seus parceiros e justiça, está dado com esta ficção, Lugares fronteiras de género, sendo alguns amigos. Está lá também a carta-poema que o compositor que não se esgota nas malhas do deles quase anotações herméticas; e que abandonou a faculdade de medicina escreveu ao enredo policial e procura ser uma iluminados porque procuram de algum modo médico que o tratava da tuberculose quando tentava “reflexão sobre o castigo”. exceder as fronteiras da linguagem, curar-se em Belo Horizonte. “Até agora, só isto. /Para Na sua estrutura, o livro é uma o que neste caso resultado numa o bem dos meus pulmões,/ Eu nem brincando desisto/ caixa de ressonância que os ecos da A terceira colectânea de sintaxe quebradiça que corta por De seguir as instruções” é uma das quadras. Além de memória e dos silêncios destapados Maria Andresen é um lugar completo a comunicabilidade. uma lista com a bibliografi a essencial, podem ler-se as vão preenchendo enquanto as peças frágil. A terceira secção do livro é de palavras que o amigo Ary Barroso disse no dia do funeral da investigação se vão encaixando. “Lugares imoderados”, uma espécie e ouvir-se 20 das suas músicas mais famosas. Até um limite: “Chaparro interroga-se Pedro Mexia de álbum rock com momentos algo Na Rádio Batuta existe também a série “As canções se as vidas dos seres humanos, uma Lugares, 3 embaraçosos. Na verdade, os que eles fi zeram para mim”. Em cada programa, vez extintas, não se prolongarão na Maria Andresen verdadeiros “lugares imoderados” Francisco Bosco convida vida dos outros, dos que ainda vivem Relógio D’Água estão na segunda parte, e músicos para que escolham, e relembram” (p. 303). correspondem ao último elemento A Rádio Batuta não dentro do acervo do Instituto Por causa desta percepção, o livro mmnnn da nota de badana, “a reflexão sobre empanca, não chateia Moreira Salles, que tem mais torna-se memorável e ultrapassa a a poesia de outros poetas”. Se as de 100 mil canções populares mediania da ficção que ajusta contas “Lugares, 3” é a iluminações artísticas e os - a maioria gravada em discos de 78 rotações, que vão com a História, ao demonstrar que a terceira vislumbres autobiográficos parecem desde a época pré-bossa nova até 1950 -, músicas e aventura pessoal de alguém que se colectânea de insuficientes, eis que Maria Andresen canções que os tenham infl uenciado ou que serviram conta através de um romance Maria Andresen, se transforma e transcende numa de inspiração para a sua obra. O primeiro convidado é o implica riscos; este Benjamín depois do notável glosa a um poema de Wallace músico João Bosco (o pai deste Francisco), que destaca Chaparro, alter-ego do escritor no “Lugares” (2001) Stevens. Aí, curiosamente, o lugar de canções gravadas por Ernesto Nazareth, Dorival Caymmi seu processo criativo, sacrifica-se e de “Livro das referência opaco faz-se lugar de e Almir Ribeiro, e conta várias histórias. por eles. Passagens” imaginação soberana. Nessa poesia Mas nem só de música vive a Rádio Batuta. Na série É por isso que a linearidade da (2006). Uma nota de ideias o pensamento torna-se Rádio-pensamento, “temas instigantes” são discutidos história sofre algumas entorses em de badana, mais do que pensamento, torna-se por pensadores brasileiros. Por agora, podemos ouvir curvas mais perigosas, que às vezes redigida talvez pela própria autora, matéria plástica, surpreendente e o arquitecto Paulo Mendes da Rocha e o crítico de arte Benjamín prefere cortar a direito, resume as preocupações essenciais musical: “A coisa imaginada, a ideia Ronaldo Brito a conversarem sobre as contradições de desafiando o perigo, (os argentinos desta poesia, que correspondem inicial, a madrugada /limpa e lógica a Rádio Batuta Brasília, no ano em que a cidade comemora 50 anos estão entre os piores condutores do grosso modo às três partes de manhã lavada, luminosa, / o homem http://ims.uol. (o programa foi gravado por altura da exposição “As mundo), desviando-se de si próprio. “Lugares, 3”. ignorante, o ignorante olhar (perante com.br/radioba- Construções de Brasília”). Concluída a viagem, o narrador A “reflexão sobre o cinema e a sua o qual // o sol se revelou um nada, tuta Tal como explica Francisco Bosco, “a ideia é que a encontra-se de facto com o livro grande proximidade à poesia” uma nudez, um ponto além / do qual rádio seja também um pólo de discussão, em alto nível, terminado, mas com uma mão cheia domina o primeiro núcleo. Maria o pensamento não mais como Batuta no sobre arte e cultura”. O ouvinte da Rádio Batuta terá de nada, porque há mistérios que ao Andresen escolhe em geral autores pensamento irá) //Mas o poema vai e Twitter acesso também às gravações de cursos e conferências serem impenetráveis nos continuam austeros, como Dreyer e Straub, ou volta entre o balbucio do poeta / e o http://twitter. promovidas pelo IMS nas áreas de literatura, fotografi a, a empurrar: “É porque pela primeira dramáticos, como Ophüls e Ray, mas balbucio da vulgata: o poema não com/radiobatuta artes visuais e música. Para o futuro está prometido o vez sabe que hoje sim, sem falta e descobre neles iluminações e não acaba” (p. 42). Na fragilidade de programa “Prefácios”, em que um escritor comentará sem demora tem de ir bater negrumes. Este conjunto chama- CAPELA MAFALDA “Lugares, 3”, Wallace um livro de que gosta ou falará de uma personagem directamente à porta do gabinete; se aliás Stevens é o lugar onde da literatura. E vamos lá outra vez: “Rádio Batuta ouvir a voz dela a dizer-lhe que encontramos a apresenta... os Batutas, a vida e a obra de grandes entre; plantar-se como um homem iluminação. mestres da canção popular brasileira”. diante da mulher que ama; ignorar a pergunta trivial que os lábios dela [email protected] soltam quando o recebem a sorrir; É numa glosa a um poema pagar, ou cobrar, a dívida que tem de Wallace Stevens que Maria (Ciberescritas já é um blogue http://blogs.publico.pt/ pendente e que é o único motivo Andresen se transcende ciberescritas)

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 43 Jorge Luís M. Mário Vasco As estrelas do público Mourinha Oliveira J. Torres Câmara Até ao Inferno mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn A Dança mmmmn mmmmm mmmnn nnnnn Entre Irmãos mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn Gigante mmmnn nnnnn nnnnn mmnnn Irène mmmnn mmmmn mmmmn mmmmm Não, minha fi lha, tu não vais dançar nnnnn mmnnn mmnnn mnnnn Origem mmmmn mnnnn mmmnn A Predadores mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn Presente de Morte mmmmn mmnnn nnnnn mnnnn Salt mmmnn mnnnn mmnnn nnnnn

Estreiam cuja paixão virtual pela mulher da Raimi volta às suas raízes de género limpeza que apanha de relance uma noite a lavar os corredores do O bom hipermercado onde trabalham o leva a entrar na vida real e assumir finalmente a sua idade. coração O filme de Biniez é uma espécie de gémeo bondoso e bem intencionado Uma comédia seca e do “Sinal de Alerta” de Andrea Arnold, trabalhando de modo observacional sobre o engenhoso as questões da imagem e nascimento de um romance do olhar (e da transição entre a improvável à conta do imagem mediada pelo écrã e a voyeurismo, da obsessão pessoa real que lhe deu origem), filmando de modo determinado em e da perseguição. Jorge planos fixos rigorosamente Mourinha marcados, com algo de Tatiesco no modo como os gagues se parecem desenrolar em câmara lenta, como o Gigante jogo da música e da sonorização Gigante substitui eficientemente os diálogos. De Adrián Biniez Percebe-se que há momentos em com Horacio Camandule, Leonor que esta história simples não Svarcas. M/12 consegue ser um andaime MMMnn suficientemente forte para uma longa-metragem, mas convirá não Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 3: 5ª 2ª esquecer que “Gigante” é um 3ª 4ª 13h45, 15h50, 17h40, 19h30, 21h50 6ª 13h45, primeiro filme – e como primeiro 15h50, 17h40, 19h30, 21h50, 24h Sábado 11h45, 13h45, 15h50, 17h40, 19h30, 21h50, 24h Domingo filme é uma bela surpresa. 11h45,,,,,,; 13h45, 15h50, 17h40, 19h30, 21h50;

Cinema cigana que a amaldiçoa com uma sina que chegue com um ano de atraso particularmente pérfida, espelhando pela mão de outra distribuidora que Até ao Inferno E se um segurança as dificuldades em que a crise não a que o tinha originalmente Drag Me to Hell corpulentocorpulento que ggostaosta financeira deixou muita gente por assegurado), uma fita de terror De Sam Raimi dede hheavyeavy metalmetal lhelhe esse mundo fora. Só que Raimi tinha despachada, inteligente e divertida com Alison Lohman, Justin Long, deixarded ixar um ccactoacto nnoo o guião na gaveta há uns anitos largos como “Até ao Inferno” é um descanso Lorna Raver, Dileep Rao. M/16 meiommeio de um e o filme já estava em pós-produção para quem gosta de emoções fortes corredorccorredor de MMMnn quando a crise disparou – o que na medida exacta. J.M. supermercadosus permercado isso apenas torna a sua sincronicidade é...éé... o primeiro Lisboa: Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª mais estimulante, emprestando ao filmeffilme do uruguaiouruguaio 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 18h50, filme a ressonância de um conto Continuam 21h40, 23h55; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 7: 5ª AdriánAdrián Biniez. 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 15h50, 17h50, moral sobre a falência do sonho “Gigante” é uma 19h55, 22h, 00h05; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine americano e as consequências do A Dança - Le Ballet de L’Opera de comédia seca e Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, egoísmo, da ganância e da ambição. 15h15, 17h30, 19h30, 21h30, 24h; UCI Cinemas - El Paris observacionalobservacional sosobrebre Mas isso é um subtexto de que “Até ao Corte Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h20, La Danse - Le Ballet de L’Opera de o nascimento ddee um 17h, 19h30, 21h55, 00h20 Domingo 11h30, 14h20, 17h, Inferno” não necessita para funcionar Paris romanceromance improvável 19h30, 21h55, 00h20; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª enquanto fita de terror utilitária “à Domingo 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h25, 19h15, 21h40 6ª De Frederick Wiseman à contaconta dodo moda antiga”, exercício de estilo que Sábado 14h05, 16h25, 19h15, 21h40, 00h20; ZON com . M/12 voyeurismo, da Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª Raimi usa como momento de obsessãoobsessão e dada 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h10, 22h, 00h30; ZON descompressão para ver se não Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado MMMnn perseguição. Mas Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h10, 21h15, “perdeu a mão” na mecânica da desenganem-sedesenganem-se se pensarem 23h45; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado emoção forte. E não perdeu: num ano Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª 6ª Sábado queque há algo de amoral, Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h55, 18h25, 21h25, em que o que de melhor Hollywood Domingo 2ª 3ª 4ª 15h35, 18h30, 21h45; 23h50; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª repugnante, aqui – pelo 6ª 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h50, 22h, 00h30 Sábado nos tem trazido tem vindo da segunda Frederick Wiseman é um mestre do contrário,contrário, “Gigante”“Gigante” ffalaala do Domingo 13h30, 16h10, 18h50, 22h, 00h30; ZON linha directamente influenciada pela documentário: formas, cores, modomodo como hojehoje nos parece Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo economia das velhas séries B (mesmo texturas, tudo emerge da sua 2ª 3ª 4ª 13h25, 15h50, 18h35, 21h05, 23h35; serser mais fácilfácil fazerfazer amigosamigos Porto: Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo virtuaisvirtuais sem ssairair do nossonosso 2ª 14h20, 16h50, 19h15, 21h55, 00h40 3ª 4ª 16h50, casulocasulo do qqueue sair parapara 19h15, 21h55, 00h40; ZON Lusomundo forafora dele e dialogar GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h05, 17h25, 19h40, 22h05, 00h25; ZON com o mundo real. Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Horacio Camandulle tem uma HoracioHoracio Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h30, 19h30, 22h10, presença extraordinária como CCamandulleamandulle tem 00h50; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h, 18h50, o segurança de bom coração uma presençapresença 21h50, 00h10; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª com uma paixão virtual pela extraordináriaextraordinária Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h15, 18h50, mulher da limpeza comocomo o 21h20, 24h; segurança É aceite que o cinema de género se dede bombom alimenta em grande parte dos medos coraçãocoração e das convulsões sociais que rodeiam e contextualizam a sua criação. Não poderia, por isso, haver filme mais “do momento” do que esta corrida no comboio-fantasma com que Sam “Homem-Aranha” Raimi volta às suas raízes de género (lembram-se de “Evil Dead” ou “Darkman”?). Uma bancária ambiciosa passa as “A Dança”: , um grande fi lme passinhas do Algarve por ter negado sobre o desejo do movimento uma extensão de hipoteca a uma

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Contactos: telefone: 21 721 41 93 Universidade FACULDADE Católica Portuguesa de ciências humanas [email protected] Escola de Pós-Graduação e Formação Avançada www.fch.lisboa.ucp.pt

Curso de Pós-Graduação em 2 semestres 60 ECTS edição LIVROS E NOVOS SUPORTES DIGITAIS

Introdução à Edição Edição Electrónica Revisão e Preparação de Original Marketing do Livro O Livro e a Edição na Era Digital Gestão Editorial Design Gráfico Estratégia Editorial Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 21359620096200 Noções Essenciais de Paginação Seminários * Comunicação Editorial Conferências * Sexta, 10 Brolin. 123 min. M18. Newman,N Tom 22h30 - Esplanada CCruise. 120 Dança, Rapariga, Dança min.m * Tradução e edição | Direito de autor | Audiolivros | Compra e venda de direi- Dance, Girl, Dance Segunda, 13 19h1 - Sala Félix tos internacionais | As várias fases de produção [visita a uma gráfica] | O livro De Dorothy Arzner. Com Maureen RibeiroR infantil | O panorama actual da distribuição em Portugal | Edição a pedido | Carta de Apresentação O’Hara, Lucille Ball, Louis Hayward. Javier Bardem A Diary for As principais feiras internacionais | Encontros com editores e livreiros 89 min. Letter of Introduction em “Este país não De John M. Stahl . Com Timothy + 15h30 - Sala Félix Ribeiro é para velhos” Adolphe Menjou, Andrea Listen to Britain Curso de Pós-Graduação em 2 semestres La Ville des Pirates Leeds, Edgar Bergen, 60 ECTS De Raul Ruiz. Com Hughes Qester, George Murphy. 94 min. De Humphrey Anne Alvaro, Melvil Poupaud, Duarte 15h30 - Sala Félix Ribeiro Jennings. 45 de Almeida. 115 min. min. Jardins de Pedra 19h - Sala Félix Ribeiro 19h301 - Sala livro infantil Gardens of Stone LuLuís de Pina Eu, o Negro De Francis Ford Coppola. Comm BobaBo Li Qui Promoção, Mediação Perspectivas e Trajectórias Moi, Un Noir Anjelica Houston, James Caan,n, TerraT + Uma e Animação da Leitura do Livro Infantil De Jean Rouch. Com Amadou James Earl Jones. 107 min. LulikL Demba, Gambi, Karidyo Faoudou. 70 19h - Sala Félix Ribeiro DeD Filipa Reis. Ilustração Tipologia e Selecção min. M16. 52 min. Desenvolvimento Infantil Análise Textual 19h30 - Sala Luís de Pina Programa de actualidadess portuguesas, americanas e 21h30 - Sala Félix Edição de Livros Infantis Design Gráfico A Iniciação Sexual de Casanova alemãs dos anos 1940 Ribeiro Infanzia, Vocazione e Prime 19h30 - Sala Luís de Pina O Destinatários: o curso foi concebido para um público-alvo que não se confina Esperienze di Giacomo Couraçado Perdida Mente + O Espelhoo LentLentoo a recém-licenciados, dirigindo-se igualmente aos que desejem alargar o seu Casanova, Veneziano Potemkine De Luigi Comencini. Com Leonard De Margarida Gil. Com José Airosa,irosa, campo de saberes e/ou privilegiem a actualização de conhecimentos nesta Whiting, Lionel Stander, Maria Eunice Correia, José Pinto. 63 min. BronenosetsB área, nomeadamente, bibliotecários, professores, educadores de infância, Grazia Buccella. 123 min. 21h30 - Sala Félix Ribeiro PPotyomkin animadores culturais, editores, livreiros, ilustradores, etc. 22h - Sala Luís de Pina Caçada ao Amanhecer DeDe SSergei M. No Vale de Elah Manhunter Eisenstein.Eise Com In the Valley of Elah De Michael Mann. Com Brian Cox, Beatrice Vitoldi, I. Bobrov, N. Joan Allen, Kim Greist, William L. Poltavseva. 74 min. Petersen. 120 min. M16. 22h - Sala Luís de Pina 22h - Sala Luís de Pina Quinta, 16 Terça, 14 O Falso Culpado Remember Last Night? The Wrong Man De James Whale. Com Edward De Alfred Hitchcock. Com Anthony Arnold, Constance Cummings, Quayle, Henry Fonda, Vera Miles. 100 Robert Young. 81 min. min. 15h30 - Sala Félix Ribeiro 15h30 - Sala Félix Ribeiro De Paul Haggis. Com Tommy Lee O Couraçado Potemkine Maria do Mar Jones, Charlize Theron, Susan Bronenosets Potyomkin De José Leitão de Barros. Com Sarandon, Jonathan Tucker. 121 min. De Sergei M. Eisenstein. Com Beatrice Adelina Abranches, Alves da Cunha, M16. Vitoldi, I. Bobrov, N. Poltavseva. 74 Oliveira Martins, Rosa Maria. 94 min. 22h30 - Esplanada min. 19h - Sala Félix Ribeiro 19h - Sala Félix Ribeiro Sábado, 11 Douro, Faina Fluvial Jane B. par Agnès V. De Manoel de Oliveira. 17 min. M12. Vidas Inquietas De Agnès Varda. Com Jane Birkin, 19h - Sala Félix Ribeiro Angel Face Serge Gainsbourg, Charlotte Tchiloli - Identidade de Um Povo De Otto Preminger. Com Oscar Gainsbourg. 95 min. + Nos Trilhos da Angola Millard, Robert Mitchum, Jean 19h30 - Sala Luís de Pina Contemporânea Simmons, Mona Freeman. 90 min. Olhos Negros M12. Tchiloli - Identidade de Um Povo Oci Ciornie 15h30 - Sala Félix Ribeiro De Felisberto Branco. 52 min. De Nikita Mikhalkov. Com Marcello 19h30 - Sala Luís de Pina Fahrenheit 451 - Grau de Mastroianni, Marthe Keller, Yelena Destruição Safonova. 120 min. Além-Mar - Da Prisão ao Mundo + De François Truffaut. Com Oskar 21h30 - Sala Félix Ribeiro Eugênio Tavares - O Coração Do Werner, Julie Christie, Cyril Cusack. Poeta A Multidão 113 min. De Maira Buhler, Matias Mariani. 52 The Crowd 19h - Sala Félix Ribeiro min. De King Vidor. Com Eleanor 22h - Sala Luís de Pina O Castelo Vogeloed Boardman, James Murray, Bert Schloss Vogeloed Roach, Estelle Clark. 104 min. M12. Mulholland Drive De F.W. Murnau. Com Arnold Korff, 22h - Sala Luís de Pina De David Lynch. Com Justin Theroux, Lulu Kyser-Korff, Lothar Mehnert. 75 Laura Harring, Naomi Watts, Robert min. Quarta, 15 Forster.Forster. 145 mimin.n. 19h30 - Sala Luís de Pina M16. Sei Para Onde Vou 22h3022h30 - EsplanadaEsplanada Lenine em Outubro I Know Where I’m Going Lenin v Oktyabre De Emeric Pressburger, Michael De Mikhail Romm. Com Boris Powell. Com Finlay Currie, Nancy Shchukin, Nikolai Okhlopkov, Vasili Price, Pamela Brown, Roger Livesey, Vanin. 103 min. Wendy Hiller. 91 min. 22h - Sala Luís de Pina 15h30 - Sala Félix Ribeiro Este País Não é Para Velhos A Cor do Dinheiro No Country for Old Men The Color of Money De Ethan e Joel Coen. Com Tommy De Martin Scorsese. Com Mary Lee Jones, Javier Bardem, Josh Elizabeth Mastrantonio, Paul

Ípsilon • Sexta-feira 10 Setembro 2010 • 45 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Cinema

câmara atenta e prospectiva. “Hospital” constitui o apogeu da sua arte de captar a interioridade dos espaços e das sensações. Esta “reportagem” sobre o Ballet da ópera de Paris não desmerece desta capacidade de investigar gestos e cromatismo com um rigor quase maníaco, como se de um filme de fantasmas se tratasse: o melhor passa, realmente pelos recantos de salas vazias, escadas e janelas, de abstractos contornos. A única questão reside na gestão do “timing”: planos demasiado longos retiram, por vezes força ao olhar. De qualquer modo, um grande filme sobre o desejo do movimento. M.J.T.

Não Minha Filha, Tu Não Vais “Não minha fi lha...” se o objectivo Dançar era o retrato de uma burguesia Non ma Fille, tu n’iras pas Danser provinciana perdida, o que fi ca De Christophe Honoré, são apenas apontamentos com Chiara Mastroianni, Marina Foïs, Marie-Christine Barrault, Louis Garrel. M/12 com Cameron Diaz, James Marsden, digamos, da meia-hora (é uma MMnnn Frank Langella. M/12 doença que afecta todo o segmento intermédio do filme), um Lisboa: Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado MMnnn investimento estilístico que se torna Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50, ostensivo, gritado, afectado (como 22h, 00h30; Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª 2ª se vê shyamalanesca sequência da Apesar da excelente prestação de 3ª 4ª 16h, 18h50, 21h40 6ª 16h, 18h50, 21h40, 00h10 biblioteca), que vem desgarrar a Sábado 12h50, 16h, 18h50, 21h40, 00h10 Domingo Chiara Mastroianni, o drama que 12h50, 16h, 18h50, 21h40; CinemaCity Campo concisão narrativa sem conquistar Christophe Honoré quer construir Pequeno Praça de Touros: Sala 1: 5ª 6ª Sábado nada com a troca. Pelo contrário, nunca chega a levantar voo: não há Domingo 2ª 3ª 4ª 19h35; Medeia Monumental: Sala apenas uma rigidez intrusiva (como 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50, personagens, apenas leves esboços 19h15, 21h50, 00h20; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª nunca acontecia em “Donnie -),+ desgarrados. Se o objectivo era o 6ª Sábado Domingo 2ª 4ª 21h10, 23h50 3ª 23h50; Darko”), a mesma que, na narrativa, TbcaT^dìPìBIìSTìPQaX[ìSTìB@A@ì]PìeìVP[PìX]cTa]PRX^]P[ìì STìQPX[PS^ìSPìR^\_P]WXPì]PRX^]P[ìSTìQPX[PS^ retrato de uma burguesia Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo transforma as personagens em #/2%/'2!&)!ìP]Saì\Tb`dXcP provinciana desesperada e perdida, 2ª 13h55, 16h35, 19h20, 22h, 00h35 3ª 4ª 16h35, meras marionetas (que elas são, ).4b202%4%3ìcTaTbPìP[eTbìSPìbX[ePzì o que fica são apenas apontamentos 19h20, 22h, 00h35; efectivametne, mas não neste Vdi\Ñ]ìa^bPS^ desconexos de uma família em Perguntávamos por onde anda sentido). A história – do grande 3/,/ busca de perdidos laços. Honoré Donnie Darko, aqui está ele. Ou Richard Matheson – pedia tudo ]^ePìRaXP€·^ì}ìTbcaTXPì\d]SXP[ìPìA@ìSTìbTcT\Qa^ìSTìB@A@ #/2%/'2!&)!Ð%Ð).4%202%4!a/ì filma bem, mas a encenação perde- bem, não está – devemos talvez menos esta espécie de bWd\_TXì]T\^c^ se em detalhes sem importância, concluir que Donnie Darko não empolamento. Pedia sombras, 3UGGESTIONSÓ nem sentido. Ficamos ainda à espera volta, aliás era o que o filme dizia. E sussurros, concentração; pedia que encontre o quadro ficcional Richard Kelly, voltará? Durante Tourneur ou Corman, o preto e &ORÓ7ALKINGÓ ideal para o seu olhar inquisitivo e algum tempo, parece que sim. Uma branco da RKO ou as cores da UIP; !LONE formalmente interessante. M.J.T. sonolência triste a tomar conta da pedia Vincent Price em vez de Frank TbcaTXPì\d]SXP[ìPìA@ìSTìbTcT\Qa^ìSTìB@A@ narração, o avanço da estranheza Langella (que vai muito bem mas #/2%/'2!&)!ìP]Saì\Tb`dXcPìì vT\ìR^[PQ^aP€·^ìR^\ì^bìX]ca_aTcTbw Presente de Morte pelo quotidiano doméstico rápida e não pode nada contra o facto de não ).4b202%4%3ìcTaTbPìP[eTbìSPìbX[ePzì The Box habilmente transformada em ser Vincent Price). Mas isso já b·^ìRPbca^zìZT[[hì]PZP\daPzìbh[eXPì De Richard Kelly matéria de facto. Depois, e a partir, acabou tudo. L.M.O. aXY\TazìbWd\_TXì]T\^c^ .OVAÓ#RIAljOÓ

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XJìBDCG@AF@@ Q JìHRMìvìE@tìì ìC@ìì\}FEìw “Presente de Morte”: um investimento estilístico que se torna ostensivo

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a performance apresentação decorre “World of na sessão de abertura Em No próximo dia Interiors”, do ActOral.10 - Festival França 13, os portugueses Ana estreada na International des Borralho e João Galante última edição do Arts et des Écritures apresentam em Marselha Festival Alkantara. A Contemporaines

Agenda O trabalho da Tok’Art assenta numa pesquisa orgãnica do movimento Pç. D. Pedro IV. Até 31/10. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. Teatro às 16h. Tel.: 213250835. 7,5€ a 30€. Hedda Fala da Criada dos Noailles... De José Maria Vieira Mendes. Pelos De Jorge Silva Melo. Pelos Artistas Artistas Unidos. Encenação de Jorge Unidos. Encenação de Jorge Silva Silva Melo. Com Maria João Luís, Melo. Com Elsa Galvão, Vânia Marco Delgado, António Pedro Rodrigues, entre outros. Cerdeira, Lia Gama, entre outros. Porto. Teatro Carlos Alberto. R. das Oliveiras, 43. Lisboa. Teatro Municipal São Luiz - Sala Principal. De 16/09 a 19/09. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. R. Ant. Maria Cardoso, 38. De 16/09 a 17/10. 4ª a 223401910. 5€ a 15€. Sáb. às 21h. Dom. às 17h30. Tel.: 213257640. 5€ a 20€. Dança Ver texto na pág. 14 e segs.

Cigarras Estreiam De valter hugo mãe, Miguel Pedro. Is You Me Encenação de Paulo Brandão. Com De Benoît Lachambre, Louise Ana Rita Inácio, João Dungo. Lecavalier, Laurent Goldring, Hahn Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. da Rowe. Com Benoît Lachambre, Liberdade, 697. De 16/09 a 18/09. 5ª a Sáb. às 22h. Tel.: 253203800. 8€. Louise Lecavalier. Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo São José Lopes Ver texto na pág. 18. dos Santos. Dia 11/09. Sáb. às 21h30. Tel.: 249839309. 10€. história do caminhar quando pensava A Colecção Privada de Acácio Festival Materiais Diversos. Caminhar, na sua coreografia. Ele e os bailarinos Nobre Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do foram atrás da ideia, pois o De Patrícia Portela. Cego - Edifício da CGD. De 14/09 a 15/09. 3ª e 4ª às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 18€. coreógrafo acredita que o trabalho Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos - Sala caminhar Principal. Av. Frei Miguel Contreiras, 52. De 10/09 a Ver texto na pág, 22 e segs. em dança contemporânea só faz 18/09. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 18h. Tel.: sentido se houver interacção entre o 218438801. 6€ a 12€. Duas estreias mundiais criador e os bailarinos. “A questão do Ver texto na pág. 20. Continuam no programa que Tok’Art caminhar no sentido mais abstracto e Manual de Instruções mais incompreensível” está na base Hotel União apresenta hoje no Cartaxo. desta coreografia que ainda está a ser Pelo Cão Solteiro e o Grupo de Isabel Coutinho Actores Seniores de Minde. trabalhada; por isso, André Mesquita Minde. Blackbox CAORG. R. Monsenhor Michel. De ainda tem dificuldade em descrevê-la. 14/09 a 15/09. 3ª a 4ª às 21h30. Tel.: 938575488. 3€ a 5€. Milk + Solo + Suggestions for A Tok’Art é uma associação de Festival Materiais Diversos. Walking Alone profissionais da dança Ver texto na pág. 22 e segs. contemporânea fundada em 2006, De André Mesquita, Shumpei A Gaivota Nemoto. Pela Tok’Art. Com Teresa com residência artística no Centro Cultural do Cartaxo, onde tem De Anton Tchékhov. Encenação de Alves da Silva, Guzmán Rosado, Nuno Cardoso. Com Cristina De Victor Hugo Pontes. Shumpei Nemoto, São Castro, Kelly desenvolvido os seus projectos. O Alcanena. Cine-Teatro São Pedro. Avenida 25 de Carvalhal, João Castro, entre outros. Abril. Dia 10/09. 6ª às 21h30. Tel.: 249889115. 3€ a trabalho que a Tok’Art tem Porto. Teatro Nacional S. João. Pç. da Batalha. De Nakamura, Sylvia Rijmer. 5€. desenvolvido assenta numa pesquisa 15/09 a 3/10. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: Festival Materiais Diversos. Cartaxo. Centro Cultural. R. 5 de Outubro. De 10/09 sobre o movimento que, colado ao 223401910. 3,75€ e 16€. a 11/09. 6ª a Sáb. às 21h30. Tel.: 252301650. 4€ a 8€. Ver texto na pág. 22 e segs. Tel.: 243701600. corpo do intérprete, se estrutura A Fábrica organicamente e desenvolve sem De Lautaro Vilo. Pelo Teatro Oficina e Nortada Duas estreias mundiais e uma peça recurso a conceptualizações estéreis. O Cão Danado e Companhia. que se mostrou pela primeira vez Próximo de uma escola fortemente Encenação de Lautaro Vilo. Com este ano na V Gala Internacional da técnica, André Mesquita tem vindo a Alheli Guerrero, Diana Sá, entre Companhia Nacional de Bailado: é imprimir à Tok’Art um modelo de outros. Guimarães. Espaço Oficina. Av. D. João IV, 1213 este o programa que a Tok’Art criação de eficácia, feito de peças Cave. De 15/09 a 19/09. De 4ª a Sáb. às 22h. Dom. às apresenta hoje e amanhã no Centro curtas, na sua maioria para pequenos 17h. Tel.: 253424700. 5€ a 7,5€. Municipal do Cartaxo, onde a elencos, e cujas coreografias companhia de André Mesquita e produzem um impacto que não se Continuam Teresa Alves da Silva é residente. extingue na apresentação. À revista Um Eléctrico Chamado Desejo “Milk”, a peça encomendada pela “Pública”, André Mesquita disse que De Tennessee Williams. Encenação De Olga Roriz. Com Catarina Câmara, Companhia Nacional de Bailado que a vê como “uma plataforma de de Diogo Infante. Com Alexandra Rafaela Salvador, Cáudia Nóvoa, anda à volta da temática da gala e da criação” e não como uma companhia Lencastre, Albano Jerónimo, Lúcia Bruno Alexandre, Pedro Santiago Cal. festividade, tem coreografia de André de dança (não há intérpretes Moniz, Pedro Laginha, entre outros. Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Liberdade, 697. Dia 10/09. 6ª às 21h30. Tel.: Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Garrett. Mesquita e interpretação de Teresa residentes ou salários fixos). 253203800. 10€. Alves da Silva (que foi bailarina principal do extinto Ballet Gulbenkian) e de Guzmán Rosado; “Solo” tem coreografia e interpretação de Shumpei Nemoto; e “Suggestions for Walking Alone”, também uma coreografia de André Mesquita, conta com os bailarinos Teresa Alves da Silva, São Castro,

Teatro/Dança Kelly Nakamura, Sylvia Rumer e Shumpei Nemoto. O título “Suggestions for Walking Alone” foi roubado a uma faixa musical de Mitchell Akiyama e ao facto de André Mesquita estar a ler o livro que a escritora norte-americana Rebecca Solnit escreveu sobre a

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