3322 EXTRATO DAS CONVERSAS DO BLOG 500 AC

Carles Marti e José Eduardo Carvalho Barcelona, Valencia e São Paulo 2014 Os 2 blogueiros

José Eduardo Carvalho | jornalista e escritor paulistano, morou em Madrid e fez grande parte da sua carreira na imprensa esportiva.

Carles Martí | doutor em Comunicações, publicitário, design e professor, nasceu em Valencia, morou muitos anos em São Paulo e hoje trabalha em Barcelona.

* Todos os direitos reservados 4|A alma brasileira da mais mestiça das seleções 8|Dois ‘brazucas’ comandam a perigosa Croácia 11|Desacreditado e ‘abstêmio’, o México não tem nada a perder 14|Leões Indomáveis, em campo e na vida Os 32 18|‘La Roja’, últimos suspiros de uma geração encantada 21|Um general, alguns craques e muitas dúvidas: é a Holanda 24|Na trajetória chilena, uma saga de orgulho e resistência 27|Do berço do WikiLeaks, o patinho feio no caminho da Espanha 30|A Colômbia sem Radamel, para exorcizar maldições 34|Mitroglou e Samaras puxam a fila do exótico perfil grego 37|Canto do cisne para a geração de ouro da Costa do Marfim 40|Estilo europeu, técnico italiano, legião da : mas é o Japão 43|Digam o que for, mas respeitem a Azzurra 45|Sangue novo para sacudir a poeira do English Team 48|A discreta grandiosidade do ‘paisito’ de Don Pepe 51|‘Los Ticos’ desafiam os gigantes do grupo da morte 54|Entre a indolência e ‘Allons enfants de la Patrie...’ 57|Diáspora em busca da identidade suíça 60|O futebol de ‘La Tri’ já sabe falar grosso 63|‘Los Catrachos’, por dignidade e algo mais 66|Os ‘hermanos’ têm um certo Leo Messi. Precisa mais? 69|Dos Bálcãs, riqueza de estilo e muita história para contar 72|Direto da Pérsia, com paixão e política 75|Águias Verdes, mais tradição que bom jogo 78|Alemanha: consistência e craques contra um estigma 81|Portugal poderia ser só Cristiano, mas não é 84|Klinsmann guia a nova onda ianque 87|Os ‘Black Stars’ não terão vida fácil no Brasil 90|Salada de estilos e etnias no timaço belga 93|Contra a apatia, brigada russa aposta em Capello 96|Do Magreb, futebol com o selo da dignidade 99|Um tigre asiático que aprendeu com a lição de casa OS 32 DA COPA GRUPO A BRASIL, CROÁCIA, MÉXICO E CAMARÕES

A alma brasileira da mais mestiça das seleções

Carles: Não sabia se começar falando de coxinhas ou acarajé, de oportunistas ou inconscientes, reclamar que as manchetes sobre greves ou manifestações nos chegam acompanhadas da palavra “caos” no lugar de “legítima”. Tinha também o problema de ao fazer qualquer consideração despretensiosa ser condenado ao fogo eterno como traidor de uma causa ou partidário da outra. Diante de tudo isso, preferi passar a palavra a alguém tão ibérico e tão brasileiro como eu. Nascida em Vila Isabel, no Rio, ela, como eu, carrega indisfarçáveis cicatrizes no nome e essa dualidade (ou ambiguidade) que tanto nos atormenta aos cidadãos híbridos. É a escritora Nélida Piñón, que no seu artigo “La ilusión brasileña” para “El País Semanal” de 8 de janeiro, descreve a alma brasileira como sendo “de raiz Ibérica e destino mestiço, embevecida pelo poder, heroica, marinheira e sensual, com incli- nação à intriga novelesca e ao lirismo”. Você sabe que eu prefiro quebrar o adjetivo “brasileiro/a” em dezenas de outros. Mesmo assim, não me parece um mau come- ço para o nosso papo sobre o anfitrião da 20ª Copa do Mundo. Intriga novelesca e lirismo, diz ela. Alguma insinuação sobre fuga da realidade ou tendência à falta de objetividade?

Edu: Você sabe que, se começássemos a falar sobre futebol como algo que su- gere minimamente fuga da realidade, terminaríamos a conversa por aqui e as relações diplomáticas estariam cortadas. Logo, não é o caso. O Brasil passou por tantas desventuras e atrocidades, muitas das quais você sentiu na pele, que, hoje, em tempos muito mais férteis e cômodos, parte das novas gerações e os rançosos reacionários das gerações passadas desrespeitam sua própria memória e não sabem reconhecer as conquistas da sociedade – nem a maior de todas, a liberdade. Claro, o futebol é uma atividade de raízes 100% sociais, responsável aqui por construir um patrimônio cultural que virou referência internacional, fator de estímulo para jovens e crianças, elemento aglutinador e de congraçamento. Pois justamente no momento em que o país tem o privilégio de comandar esse processo, os reacio- nários saem da tumba com sua gosma cinzenta e derrotista. Só não sabem que o colorido país da mestiçagem, da polifonia e do lirismo (obrigado Nélida) está sempre pronto para se sobrepor brandindo o lema com o qual vocês têm muita intimidade: ‘Não passarão!’

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Carles: Na história original sinto dizer que “passaram”, o que não significa que tivessem razão. Bom, ao menos eu, não falava de futebol, então não tem cisma. Mas como é o nosso assunto obrigatório, me interessa saber se vocês acham que essa seleção representa a tal alma descrita por Nélida. Certamente não é a me- lhor Seleção Brasileira de todos os tempos, mas é um bom time, digno e cheio de recursos, com todas as possibilidades quanto a conquistas. Li algum jornalista brasileiro acusando a grande estrela, quem deveria marcar a diferença, Neymar, de ter readquirido seus piores costumes, “mostrando-se individualista e alheio ao jogo coletivo, algo que parecia ter corrigido em Barcelona”. Por circunstâncias ou opção, esse é um time objetivo e vertical, bem europeu, eu exageraria. Não seria, portanto, interessante recuperar o Neymar mais moleque no bom sentido? Nem que seja temporariamente para essa grande festa?

Edu: Poucas seleções brasileiras são tão representativas das nossas etnias e ca- madas sociais como esta. Entre os titulares, há oito negros ou mestiços, no grupo todo, são 15. Representam também a diversidade regional do país-continente e boa parte saiu de contextos de exclusão social – sem que isso resulte no vitimismo com que essas histórias são retratadas em muitos cantos da Europa, do alto de sua condição de berço da civilização contemporânea. Quer alma mais representativa do que esta? Ok, hoje são rapazes ricos, frequentadores da elite midiática mundial, mas a ideia que a maioria deles transmite é de um sincero vínculo com suas raí- zes. Se são os melhores em campo? Não necessariamente, tanto que o Brasil hoje é visto como favorito muito mais por jogar em casa do que por questões táticas ou habilidades extraterrestres. Futebol-moleque? Nem sempre é possível congre- gar hábeis moleques, no bom sentido, ainda mais com o atual comando técnico. Neymar carrega o peso de ser o ator rincipal, o que pode ser demasiado para seus 22 anos, mas esse tipo de pressão é componente do jogo, ou seja, falarão muito dele, bobagens e verdades, mas para corrigir algum detalhe técnico ou readequar o estilo dele para esta Copa temo que já seja tarde demais.

Carles: Bom, Zé, eu me referia ao estilo de jogo do conjunto e do risco, como espectador, de não poder desfrutar do inesperado. Também é verdade que, cada vez mais, conceitos como competir e brilhar teimam em se distanciar. Especial- mente no caso de conseguir o título tão desejado, os detalhes da conquista aca- barão perdendo toda a importância. A Seleção do Brasil já é a terceira colocada no ranking e, com o apoio da torcida, enfrenta a correta Croácia que é a 18ª, e os irregulares combinados do México, 20ª, e Camarões, 56ª. Nenhum brasileiro, seja uma estrela rutilante de 22 anos como Neymar ou um veterano questionado e trintão como o goleiro Julio César, é capaz de temer uma surpresa, pelo menos na primeira fase, certo?

Edu: Nunca se sabe, principalmente na estreia, que pode definir os caminhos para onde esse time vai. Eu também me referia ao estilo da Seleção Brasileira, que é hoje, a bem dizer, um time de operários, bons operários, qualificadíssimos, com um quase garoto entre eles que está bem acima, mas que não tem ainda caci- fe para ser um líder espiritual do grupo. Provavelmente nunca veremos este time brilhar por ser insinuante ou criativo, o que não exclui outras características bra- sileiras. No máximo, será um bloco muito competitivo como já mostrou que pode ser, com um ou outro diferencial – o inesperado que você e tanta gente pede – que pode vir de Neymar, Oscar ou Willian. E olhe lá. Até porque tem um treinador,

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Felipão, que nunca privilegia essas questões, a ponto de quase sufocar a alma bra- sileira. Por sinal, passa a maior parte do tempo evocando situações extracampo para incendiar seus rapazes. Mesmo assim deve passar pela primeira fase e aí vere- mos a real maturidade dessa equipe que não é jovem – tem a quinta maior média de idade de todas as 32 seleções.

Carles: Com toda essa história de previsões e probabilidades, tive a pachorra de entrar num desses simuladores online e experimentei três alternativas. Em duas delas, o Brasil chegava à final e ganhava. Na terceira prova, a Espanha passava como segundo do seu grupo, perdia em oitavos para o Brasil que, por sua vez, caia em quartas diante da Itália que chegava à final depois de derrotar a Alemanha numa das semifinais. Na outra, o Uruguai perdia para a Argentina que era a cam- peã. Mais do que improvável que o Brasil com esse time sobretudo competitivo, com dois dos melhores centrais do mundo, Thiago Silva e David Luiz, e artilhei- ros implacáveis, deixe escapar essa taça. Assim mesmo, se eu fosse Del Bosque, Löw, Sabella ou Prandelli, preferiria enfrentar a Seleção Brasileira – só se fosse estritamente necessário – entre oitavas e semifinais, nunca na final. Concorda?

Edu: É o que ninguém quer, porque, uma vez lá, será difícil segurar o entusias- mo. Mas são seis longos jogos até a final, uma eternidade quando o assunto é futebol.

Carles: Duas coisas mais: a primeira quanto à estreia em São Paulo. Há quem opine que é como se a seleção espanhola estreasse numa Copa aqui, jogando em San Mamés, por exemplo. Ou será que é muito diferente jogar no Morumbi ou em Itaquera?

Edu: Será diferente, esteja certo disso. Será um público mais condicionado, já no clima da Copa, e que se preparou para este momento. Mas é claro que o time pre- cisa ajudar um pouquinho. Ninguém vai querer aplaudir uma derrota.

Carles: A segunda e última, já que ainda não falamos do setor do time que pode justamente definir a tal alma, que gere um jogo fluído e criativo ou mesquinho e amarrado. A menina dos olhos de Felipão, o meio campo: Luis Gustavo, Fernan- dinho, Paulinho, Hernanes, Willian, Oscar e Ramires. Não dá para reclamar de falta de opções ou diversidade. Apesar dos saudosistas que pudessem preferir Clo- doaldos, Gersons, Rivelinos, Falcões e Sócrates. Definitivamente, os tempos são outros, inclusive para o pentacampeão do mundo, não?

Edu: Evidente que são outros, ninguém é maluco de enxergar aí nessa turma um supercraque dessa estirpe que você e todo mundo sempre vai lembrar com nostal- gia. Mas há outros componentes do perfil brasileiro muito bem representados por esse pessoal que, insisto, é bastante trabalhador e tem um talento até que razoável. Lembre-se de que o Brasil já foi campeão do mundo com , Zinho e Mauro Silva, enquanto Sócrates e Falcão ficaram em nossa memória por outras razões, talvez mais nobres. Seria o argumento preferido do senhor Scolari para defender sua moçada e seu estilo de comando.

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OS CONVOCADOS Goleiros: Jefferson (Botafogo); Julio César (Toronto FC) e Victor (Atlético-MG). Zagueiros: Dante (Bayern de Munique), David Luiz (Chelsea), Henrique (Napo- li), Thiago Silva (Paris Saint-Germain), Daniel Alves (Barcelona), Maicon (Roma), Marcelo (Real Madrid) e Maxwell (PSG). Meio-campistas: Fernandinho (Manchester City), Hernanes (Inter de Milão), Luiz Gustavo (Wolfsburg), Oscar (Chelsea), Paulinho (Tottenham), Ramires (Chelsea) e Willian (Chelsea). Atacantes: Bernard (Shakhtar), Fred (Fluminense), Hulk (Zenit), Jô (Atlético-MG) e Neymar (Barcelona). Técnico Luiz Felipe Scolari

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Dois ‘brazucas’ comandam a perigosa Croácia

Carles: Brasil favorito no grupo, ninguém tem dúvida. Mesmo assim, olho nesse jogo de abertura do dia 12 na Arena Corinthians, contra uma seleção com dois dos meio-campistas mais destacados da temporada, que ajudaram, e muito, seus times a conquistar a Champions e a Europe League, além de um ‘killer’ a serviço de Pep Guardiola. Se fosse pouco, leva também dois jogadores que não vão estra- nhar nada o ambiente porque ambos nasceram aí, apesar da nacionalidade croata. Com esses, Felipão nem implicou nem rogou praga como fez com Diego Costa… pois ele que se cuide.

Edu: Menos mal que o ‘killer’ estará fora, suspenso por um destempero bem tí- pico dele, que provocou sua expulsão no playoff contra a Islândia. Mandžukić não seria mesmo o maior problema. Com Modrić e Rakitić, dois jogadores de estilo bem brasileiro (mais ‘brazucas’ até do que Sammir e Eduardo, seus parceiros na- cionalizados), esse time croata vive sua segunda primavera, são líderes da principal geração desde aquela que começou a história da Croácia nas Copas, com o ter- ceiro lugar em 1998, sob a batuta de Robert Prosinečki e Davor Šuker. No clima energético de uma estreia e contra adversários tão técnicos, qualquer vacilo vai complicar.

Carles: Veremos se o treinador teuto-croata Niko Kovač escala juntos a Luka e Ivan, de quem sou fã e que está num estado de forma espetacular, com meia Europa empenhada em fazê-lo deixar sua querida Sevilla. Com Mandžukić fora desse encontro, Kovač poderia até entrar com os dois brasileiros, Eduardo da Silva e Jorge Sammir, que tem jogado algumas partidas como titular e já está bastante acostumado com as cores (no traje croata, com a inconfundível textura arlequi- nada), como jogador que foi do São Caetano, do Dínamo Zagreb e, agora, do Getafe, todos azulões. Quem não joga com certeza será o zagueiro Joe Šimunić por comemorar a classificação para Copa aos gritos de ”Za dom” (“Pelo lar”), com o braço levantado, a tradicional saudação nazi do histórico grupo radical croata Ustachis, de orientação ultra-direitista. Por isso, Simunic foi suspenso e não vai ao Brasil.

Edu: A noção de nacionalismo e de ligação às raízes dos povos dos Balcãs está ainda aquém da nossa compreensão. O que aconteceu por lá desde a Segunda

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Guerra construiu algumas sociedades ao mesmo tempo cascudas e inquietas e muitos desses jogadores que estão aí foram criados sob vários estigmas, como o do colaboracionismo croata com o Terceiro Reich, do qual o grupo do indefectível Simunic certamente tirou inspiração. Mas, no futebol, gente como Zvonimir Bo- ban também marcou uma fase de transformação e ditou alguns caminhos. Luka Modrić tinha seis anos quando a Guerra da Independência croata começou em 1991 e, como tantos, teve que morar em abrigos e hotéis de pequenas vilas duran- te os quatro anos seguintes para fugir dos bombardeios e massacres no confronto contra a Sérvia. É impossível que uma infância assim não marque esse pessoal e ao mesmo tempo não lhes dê uma bagagem de vida que inevitavelmente é levada ao futebol.

Carles: Como diria um amigo que nem sabe onde fica a Croácia: “Papagaio come milho e periquito leva a fama”. Assim é um pouco a história desses conflitos que povoam a trajetória da Europa, que muitas vezes definimos de forma simplis- ta como separatistas. Quando os povos de certas regiões lutam pelos direitos de autodeterminar seu destino e manter seus próprios costumes, sempre tem alguém com dotes imperialistas que pretende se aproveitar da situação. Ustachis, como a maioria dos grupos radicais violentos, provavelmente serviram a interesses maio- res. Lá pelos anos 1940, lideraram o Estado Independente Croata, que virou um protetorado da Alemanha de Hitler e aos quais se acusa de xenofobia e genocí- dio. Por isso, talvez, o próprio presidente croata, Ivo Josipović, pediu a punição imediata e irretratável de Simunic à Federação Croata de Futebol, presidida pelo histórico Davor Šuker, a quem você se referiu. Descrita assim e para quem não conhece a Croácia, fica difícil imaginar o fantástico destino turístico em que se transformou essa zona balcânica.

Edu: Continuam tendo vida dura os comandantes do futebol croata, daí a es- colha de um nome internacional como Suker para tentar reverter a situação. Se o país ainda tem o turismo com uma de suas grandes fontes de renda, o campeonato local sobrevive a duras penas, com dez times na disputa, e a crise financeira afetou de tal forma a frequência nos estádios que só poderia resultar no êxodo massivo de seus jogadores. Só um nome da lista de 23 de Kovac joga no país, o meia Ivan Močinić, do Rijeka. E os rapazes de Felipão conhecem bem alguns deles em suas andanças internacionais. O velho capitão Srna teve por muito tempo a companhia de William e Fernandinho no Shakhtar (onde está também Eduardo da Silva). Luiz Gustavo conhece muito bem do Wolfsburg os dois atacantes que tentarão suprir a ausência de Mandžukić, o habilidoso Ivan Perišić e outro veterano e ar- tilheiro, Ivica Olić. E, claro, Marcelo tem uma convivência privilegiada com o estilo de jogo do astro Modric, no Real Madrid. Contra o Brasil, não acredito que o treinador ouse colocar três atacantes e a dupla do Wolfsburg deve ser titular na frente.

Carles: E mais depois do bom resultado no amistoso de ontem contra Mali, com dois gols de Perišić assistido em ambos por Rakitić. Se não virmos a habitual surpresa de muitas Copas no jogo inaugural, a Seleção Brasileira deve fazer os nove pontos possíveis no grupo, para isso é a pentacampeã do mundo e circuns- tancialmente terceira colocada no ranking Fifa. Croácia, que aparece como a 18ª colocação, tem na imprevisível seleção do México, 20ª – que ontem de forma dra- mática perdeu um dos seus melhores jogadores, Luis Montes – a teórica rival para a segunda vaga. À 56ª seleção, Camarões, fica reservado o típico papel de sparring,

10 OS 32 DA COPA GRUPO A BRASIL, CROÁCIA, MÉXICO E CAMARÕES decisivo para uma eventual definição pelas diferenças de gols. Mas como é uma Copa do Mundo, nunca se sabe.

Edu: Os croatas devem passar, ainda mais com Mandžukić de volta no segundo jogo. A comissão técnica terá o cuidado de preparar o time na Bahia, em São João, pertinho de Salvador, com a lógica preocupação de evitar um choque térmico para os jogos em Manaus (Camarões) e Recife (México). Antes, ainda veremos um amistoso dos croatas contra a Austrália, também na Bahia. Seria muito legal ver esse time, o mais brasileiro da Europa desde os tempos de Iugoslávia, seguir adiante na Copa.

OS CONVOCADOS Goleiros: (Rostov), Danijel Subasic (Monaco), Oliver Zelenika (Lokomotiva Zagreb) Zagueiros: Darijo Srna (Shakhtar), Dejan Lovren (Southampton), Vedran Corluka (Lokomotiv), Gordon Schildenfeld (Panathinaikos), Danijel Pranjic (Panathinaikos), Domagoj Vida (Dynamo Kiev), Sime Vrsaljko (Genoa) Meio-campistas: Luka Modric (Real Madrid), Ivan Rakitic (Sevilla), Ognjen Vuko- jevic (Dynamo Kiev), Mateo Kovacic (Internazionale), Marcelo Brozovic (Dinamo), Sammir (Getafe), Ivan Mocinic (Rijeka) Atacantes: Ivan Perisic (Wolfsburg), Mario Mandzukic (Bayern), Ivica Olic (Wol- fsburg), Eduardo Alves da Silva (Shakhtar), Nikica Jelavic (Hull City), Ante Rebic (Fiorentina). Técnico: Niko Kovac.

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Desacreditado e ‘abstêmio’, o México não tem nada a perder

Carles: Uma seleção sem vícios, que não bebe, não fuma, não pratica sexo… será que não joga também? Parece inevitável a piadinha em cima da notícia sobre as proibições do técnico Miguel “El Piojo” Herrera.

Edu: Herrera foi chamado pela Federação Mexicana de Fútbol numa emergên- cia para tentar classificar a seleção que estava sob altíssimo risco de ficar fora da Copa. Depois da conquista da vaga, o técnico ficou meio estufado, andou provo- cando os desafetos e jogadores que ficaram de fora e criticaram a seleção. Ganhou moral com a chefia e agora me veio com essa, dizendo que no alto profissionalis- mo não se pode negligenciar o trabalho em função de outros prazeres e que nin- guém vai morrer por ficar duas ou três semanas sem sexo.

Carles: Os treinadores cacicões como Herrera costumam ser a solução fácil dos dirigentes para tentar controlar grupos de reconhecido talento um tanto indo- lentes ou chegados numa festa. O mesmo que achar que uma ditadura militar é a solução para as possíveis crises sociais. Não acho que treinadores do estilo de Simeone ou Guardiola sequer se atreveriam a fazer proibições explícitas sobre os hábitos pessoais dos comandados.

Edu: E medidas como essa funcionam mais como cortina de fumaça para pro- blemas que ele não conseguiu resolver com competência, como, por exemplo, con- vencer o ótimo a voltar para a seleção. No fim, Vela, provavelmente o melhor jogador mexicano em atividade e vindo de duas excelentes temporadas na , foi muito convincente ao dizer que não quer ir por não se sentir identificado com a equipe nacional. Apesar do estardalhaço de Herrera, surgiu por aqui a notícia de que a delegação mexicana já tem comprados os bilhetes de volta assim que acabar a primeira fase da Copa. Pelo jeito, a crise de confiança continua.

Carles: Ou pode ser mais uma das muitas armadilhas dos mexicanos em tor-

12 OS 32 DA COPA GRUPO A BRASIL, CROÁCIA, MÉXICO E CAMARÕES neios internacionais. Não seria a primeira vez que uma equipe que entra por pou- co numa competição desse nível acaba dando trabalho e chegando longe. É o que pensa um velho conhecido do futebol mexicano, Tita, ex jogador do Flamengo, da seleção e do León mexicano durante sete temporadas e atual técnico do Necaxa. Tita destacou no time mexicano o meio-campista Luis Montes, vítima de uma grave lesão de última hora que o tirou da Copa, e o veterano zagueiro Rafa Mar- quez, ex Barça, como inquestionável líder, ambos atualmente no León.

Edu: Oribe Peralta, autor dos dois gols da vitória mexicana na final olímpica contra o Brasil está entre os convocados por Herrera, assim como o maior ídolo do time hoje, Chicharito Hernandez, meio em baixa no United (e que, com Van Gaal, deve ser rifado). Se bem que Giovanni dos Santos, seu vizinho de Villareal, ainda representa a maior fonte de criatividade no primeiro escalão mexicano e costuma se dar bem contra o Brasil.

Carles: Outro titular incontestável andou dois anos por aqui, com relativo su- cesso no Valencia, no início, e depois bastante irregular como o resto do time é o ala-lateral Andrés Guardado, hoje emprestado ao Bayer Leverkusen. É um dos jo- gadores mais experientes, como Rafa Marquez, que servem para equilibrar o time, relativamente jovem depois de tantas modificações nos últimos cinco anos e, claro, por ter revelado bons nomes na Olimpíada.

Edu: O que sabemos todos é que, com crise ou sem crise, não vai ser fácil para o Brasil, dia 17 de junho, em Fortaleza. Esse jogo tem histórico de dificuldades e os mexicanos sabem que o Brasil sente um grande incômodo em enfrentá-los seja qual for a situação.

Carles: Dos quatro do grupo, o Brasil é o terceiro na última versão do ranking Fifa, enquanto México e Croácia são respectivamente 18º e 20º e Camarões apa- rece na 56ª posição. Na teoria, os africanos são a zebra e o Brasil não acabar a fase em primeiro lugar no grupo, seria uma hecatombe. Por isso Croácia e México de- vem disputar a segunda vaga. Mas com o México nunca se sabe. Uma coisa é cer- ta, os mexicanos estão entre as dez torcidas que mais compraram entradas paras os jogos da Copa, quase 30 mil.

Edu: Certamente eles contam com essa torcida que virá em peso e com a prática em lidar com situações difíceis. Ficarão hospedados e treinando em Santos e es- pera-se que Pelé faça uma visita à delegação em função dos laços que têm com os mexicanos desde o tricampeonato.

Carles: O Brasil, aliás, deve uma grande recepção aos mexicanos, em retribuição ao apoio recebido pela seleção ganhadora do tricampeonato, numa celebração me- morável, como se os brasileiros estivessem jogando em casa. Em 1986, a seleção de Telê também recebeu bastante apoio dos mexicanos, se bem que no jogo contra a Espanha, os responsáveis do estádio de Jalisco fizeram soar o Hino à Bandeira em vez do Hino Nacional Brasileiro.

Edu: Mas os tempos são outros, Carlão. O México andou sendo uma ‘bestia negra’ para os brasileiros desde o final da década de 90 e completou o ciclo com

13 OS 32 DA COPA GRUPO A BRASIL, CROÁCIA, MÉXICO E CAMARÕES a malfadada vitória na decisão da medalha de ouro na Olimpíada de Londres diante do time de Mano Menezes (com Neymar, Thiago Silva, Hulk e Oscar). Na Copa das Confederações o time foi recebido com bastante indiferença e também, tecnicamente, mostrou-se pouco empolgante, apesar de ter dado um certo traba- lho no grupo brasileiro. As boas vindas, isso sim, estão garantidas para o torcedor mexicano, que de fato tem histórico de interação com a rapaziada verde-amarela.

Carles: A verdade é que custa imaginar esse rigor todo pretendido por ‘El Piojo’ Herrera, numa cultura como a descrita pelo grupo Maná na sua canção ‘Méxi- co’: ‘Todo el mundo a bailar, todo el mundo a cantar, todos a gozar en un lugar que es mágico, la fruta llueve sin parar, el sol se asoma sin cesar, en un lugar que es mágico, romántico, México, desde Tijuana a Cancún, de Chihuahua a Tulún, Acapulco a Veracruz, éxotico y mágico es México’.

Edu: Há também alguns estigmas que o México ainda luta sem tréguas para superar, como o da violência dos cartéis do tráfico, que ocupam mais as manche- tes da mídia histérica do que a riqueza cultural de uma sociedade alegre, mística e musical. Também por isso talvez seja um país que vive um tanto fracionado – e espremido – entre os ricos opressores do Norte e os irmãos latino-americanos, o que estimula suas orgânicas contradições políticas e uma desigualdade econômica que já foi muito semelhante à do Brasil em tempos recentes. Já veremos que Mé- xico estará por aqui, o reprimido ou o festeiro.

Carles: São as duas forças econômicas da América Latina e ambos, modelos so- ciais massacrados pelas grandes diferenças. Como disse uma vez Fidel, se Brasil e México decidissem, ia ter muita potência e fundo financeiro internacional pedin- do licença para entrar na região.

OS CONVOCADOS Goleiros: Jesús Corona (Cruz Azul), Guillermo Ochoa (Ajaccio), Alfredo Talavera (Toluca). Zagueiros: Rafael Márquez (León), Diego Reyes (Porto), Héctor Moreno (Espanyol), Paul Aguilar (América), Carlos Salcido (Tigres), Francisco Maza Rodríguez (Amé- rica), Miguel Layún (América), Andrés Guardado (Bayer Leverkusen), Miguel Ponce (Toluca). Meio-campistas: José Juan Vázquez (León), Héctor Herrera (Porto), Carlos Peña (León), Javier Aquino (Villarreal), Marco Fabián (Cruz Azul), Isaac Brizuela (Tolu- ca). Atacantes: Oribe Peralta (Santos Laguna), Javier Hernández (Manchester United), Raúl Jiménez (América), Alan Pulido (Tigres), Giovani dos Santos (Villarreal) Técnico: Miguel Herrera.

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Leões Indomáveis, em campo e na vida

Carles: Dois camaroneses tiveram especial destaque neste fim de reta europeia: Stépahne M’Bia, que meteu o time dele, o Sevilla, na final da Europe League com um gol aos 94 minutos, e o velho e bom Samu Eto’o, que chamou Mourinho de tonto. Essas duas figuras vão enfrentar o Brasil.

Edu: São alguns dos ícones deste país do futebol africano. Poucas nações africa- nas são tão ‘futebolísticas’ quanto a República de Camarões e ainda menos nações possuem tantas características comuns aos vizinhos de continente quanto este grande território na área central ocidental – não à toa chamado de Míni África.

Carles: O futebol está presente na maioria dos projetos assistenciais e educa- cionais do país, principalmente nas grandes cidades, Duala e a capital Yaoundé. A modalidade se transformou numa ponte de integração social. Várias cidades europeias, da Espanha inclusive – existe um núcleo do Real Madrid em Yaoundé –, mantêm programas de apoio nas periferias, mas o que mais chama a atenção da garotada que vive no limite da miséria em bairros excluídos são as escolas da Fun- dação Samuel Eto’o.

Edu: O grupo que atua com o ex craque do Barça não se limita a montar centros de ensino, mas exerce uma espécie de função paralela onde o poder público não atua, agindo em centros de saúde, unidades prisionais e orfanatos como catalisa- dor de recursos para atingir metas de formação social e concretamente resgatar da miséria e das ruas meninos e meninas de todas as idades.

Carles: Frank Bagnack de 18 anos e Jean Marie Dongou, de 19, integrantes dos ‘Leões indomáveis’,estão desde moleques no Barça, depois de serem desco- bertos quando disputavam um torneio sub-12 em Barcelona, trazidos justamente pela Fundação Samuel Eto’o.

Edu: Aquele é o paraíso dos olheiros. O futebol africano não seria o que é sem os desbravadores de Camarões, as sociedades africanas veem refletido nessa terra que conjuga paisagens áridas, núcleos de pobreza extrema e lindas regiões monta- nhosas e litorâneas muito de seu perfil multicultural, de sua fragmentação política e dos fortes contrastes sociais, potencializados por décadas de exploração pelos colonizadores europeus. A mortalidade infantil é endêmica, a expectativa de vida

15 OS 32 DA COPA GRUPO A BRASIL, CROÁCIA, MÉXICO E CAMARÕES ainda é uma barreira e mal supera os 50 anos de idade, mas há uma população predominantemente jovem – 70% estão abaixo dos 30 anos – que se encarregou de levar o país adiante depois do período de dominação estrangeira.

Carles: No caso dos camaroneses, o imperialismo atacou em dose dupla: até o início dos anos 60 o país era controlado em parte pela França e em parte pela Inglaterra (os territórios chamavam-se French Camerun e English Camerun), na prática dividido em duas regiões com idiomas e sistemas educacionais e de saúde distintos. Nesse panorama de liberdades controladas com a velha justificativa de garantir a segurança diante dos conflitos tribais, as mazelas do país nunca pude- ram ser enfrentadas da forma como as sociedades locais propunham, ao passo que as parcas riquezas naturais eram, na verdade, divididas por três.

Edu: O contexto hostil formou uma sociedade de valentes batalhadores, respon- sáveis pela construção de uma nação que tem pouco mais de 50 anos e ainda não se desgarrou totalmente das influências imperialistas – nem da miséria que atinge mais da metade dos nativos e da corrupção crônica nas instituições públicas. Nas- cido no seio de uma população de bravos, não é por acaso que o time de futebol nacional é chamado de ‘Leões Indomáveis’, desde que os míticos Roger Milla e Thomas N’Kono lideraram a geração que fez estragos na Copa do Mundo da Itá- lia, em 1990, e iniciou a saga que se prolongou sob as ordens de herdeiros de su- cesso na Europa, como Jacques Songo’o, Njitap e principalmente Samuel Eto’o.

Carles: O significado real para a juventude africana de vários países de nomes como Eto’o, ou George Weah é impossível de ser avaliado com o devido distanciamento crítico pelo Hemisfério Norte rico e branco. Mas é fácil perceber a importância do futebol em um país tão jovem, que busca seus cami- nhos de sobrevivência e crescimento e necessita de instrumentos de coesão social. A administração do futebol foi assumida como questão central desde a indepen- dência. O campeonato nacional é relativamente bem organizado e tem o pompo- so nome de ‘Elite One’ (a segunda divisão é a ‘Elite Two’), mas, como em outros setores, também caiu em mãos equivocadas. Presidente da federação por muitos anos, responsável pela grande equipe que conquistou duas Copas da África (o país tem quatro títulos) e a medalha olímpica em Sydney 2000, Mohammed Iya trans- formou-se em personagem central de vários escândalos de apropriação indébita de recursos públicos e hoje cumpre pena numa das penitenciárias de segurança máxima do país.

Edu: A Europa, claro, continuará sendo uma grande meca. Da relação de 28 jogadores convocados previamente para a Copa no Brasil, apenas dois atuam em Camarões, o goleiro Loic Feudjou e o zagueiro Cedric Djeugoue, ambos do Co- ton Sport – ambos foram confirmados na lista final de 23 inscritos. A força da equipe está no meio de campo, mais até do que no poderio de Samuel Eto´o, um jogador excepcional mas que já vive um período de rendimento irregular por suas limitações físicas.

Carles: A referência no meio, por razões hierárquicas e de currículo, é o seu amigo , que no Barça joga como volante defensivo mas que na Seleção joga mais adiantado, armando o jogo, normalmente ostentando o número 10.

16 OS 32 DA COPA GRUPO A BRASIL, CROÁCIA, MÉXICO E CAMARÕES

Edu: Mas o meio-campista em melhor forma do país é justamente M’Bia, que desclassificou o Valencia com aquele gol nos descontos e formou uma barreira junto com o luso Carriço na final de Turim para levantar a Liga Europa. A mar- cação no setor fica a cargo do jovem volante do Schalke 04, Joel Matip, enquanto o veterano Jean Macoun, do Rennes, cuida da conexão com o ataque, onde estarão Eto’o e provavelmente outro veterano, Pierre Achille Webo, se bem que a concor- rência do garoto , do Lorient, tem sido acirrada.

Carles: A defesa de Camarões continua sendo a linha mais frágil do time, com Aurelién Chedjiou, do Galatasaray, e a preciosa ajuda de Benoit Ekotto, que tam- bém atua pelo meio de campo no Queens Park Rangers. Camarões e Brasil jogam na rodada final do grupo, dia 23 de junho em Brasília. Vai ser a quarta vez que as duas seleções se enfrentam, duas vitórias brasileiras, 3 a 0 na Copa de 98, um 2 a 0 na Confederações 2001 e uma vitória por 1 a 0, gol justamente de Eto’o, na Con- federações 2003. Um torneio horrível para o Brasil que acabou desclassificado, como terceiro no grupo, enquanto o time camaronês avançou até a final contra a França. Na semifinal, os africanos ganharam da Colômbia por 1 a 0, mas perde- ram o meio-campista Marc-Vivien Foé, que morreu depois de passar mal durante o jogo o que acabou afetando muito a delegação. Os jogadores celebraram a vi- tória normalmente e só ficaram sabendo da gravidade do estado do companheiro nos vestiários, depois do fim do jogo.

Edu: A delegação, sob o comando do técnico alemão , vai se reu- nir só dez dias antes da viagem para o Brasil. Finke é um ex meio-campista de segunda linha, que atuou por equipes inexpressivas, e treinou o Freiburg, onde conquistou duas vezes a Série B da Bundesliga, por longos 16 anos. Foi o que o credenciou para assumir o time de Camarões em 2013 com pouco tempo para dar estrutura a uma equipe com jogadores radicados em diferentes centros e que sen- tem falta de disputar amistosos de peso.

Carles: Uma cadeira que já foi ocupada pelo nosso célebre , vejam vocês, como substituto do francês , que tinha perdido todos os jogos da fase de grupos da Copa 2010. Clemente não foi muito melhor que o predecessor e deixou o cargo com o time fora da Copa da África 2012. Aí chegou Finke, depois de um mandato tampão do autóctone Jean-Paul Akono.

Edu: Finke confia na última etapa de treinamentos em Vitória, no Espírito San- to, e também na facilidade de ambientação ao clima, embora seu elenco viva em terra europeias durante 11 meses do ano. Antes, será preciso resolver uma série de pendências dos jogadores com a federação, entre elas os prêmios por possíveis vitórias. A estreia contra o México, sob o sol de Natal (13 de junho), será como uma decisão para os camaroneses, já que uma sonhada classificação seria difícil se dependesse apenas do enfrentamento contra os favoritos do grupo, Croácia (em Manaus, dia 18) e Brasil (23 de junho, em Brasília).

Carles: Segundo os indicadores do último ranking Fifa a única seleção do gru- po que subiu foi o Brasil, do quarto ao terceiro posto. Os outros três se mantêm como estavam: México 20ª, Croácia 18ª e Camarões 56ª. Complicado, como tudo na história desses africanos.

17 OS 32 DA COPA GRUPO A BRASIL, CROÁCIA, MÉXICO E CAMARÕES

OS CONVOCADOS Goleiros: (Konyaspor-TUR), (Fetihespor-TUR) e Loic Feudjou (Coton Sport). Zagueiros: (Granada), (Besiktas), Cedric Djeugoue (Co- ton Sport), Aurelien Chedjou (Galatasaray), (Olympique de Marsel- ha), (Lyon), Benoit Assou-Ekotto (QPR). Meio-campistas: Enoh Eyong (), (Rennes), Joel Matip (Schalke), Stphane Mbia (Sevilla), Landry Nguémo (Bordeaux), Alex Song (Barcelo- na), (Lens). Atacantes: Samuel Eto’o (Chelsea), Eric-Maxim Choupo Moting (Mayence), Ben- jamin Moukandjo (Nancy), Vincent Aboubakar (Lorient), Achille Webo (Fenerbahçe), (Zulte-Waregem). Técnico: Volker Finke.

18 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA

‘La Roja’, últimos suspiros de uma geração encantada

Edu: É sintomático como a Espanha chegou a seu grande momento esportivo e, ao mesmo tempo, expôs alguns dos maiores contrastes sociais do futebol. É a Liga mais rica, ou ao menos com os jogadores mais valorizados, mas tem um dos maio- res abismos entre clubes pobres e ricos. Conquistou os principais títulos em cinco ou seis anos, mas tem um sistema de gestão que, entre outras coisas, mantém no poder o presidente da federação (Angel Villar) há oito mandatos. Movimenta fortunas em patrocínio e verbas televisivas, mas tem a sociedade fracionada pelas consequências das crises financeiras internacionais. Tem sido animada a vida de vocês, ainda mais agora com a sucessão no trono.

Carles: Você, como historiador, sabe que causa e efeito, por definição, não cos- tumam conviver no tempo. Os ótimos resultados recentes dos povos espanhóis no esporte, certamente, respondem a tempos de democratização política quase explí- cita e econômica (não saberia dizer o quanto), inclusive na oferta de instalações para a prática poliesportiva a todos, espanhóis ou residentes. Não faz muito, era grátis poder frequentar centros esportivos muito completos e públicos, em cada bairro ou município e também tínhamos um modelo de saúde pública universal, exemplar. Já não é assim, por pressão da iniciativa privada. Sabemos, você, eu e a maioria dos leitores como é difícil derrubar as oligarquias, o poder estabelecido e imóvel, seja uma monarquia que não passa pelas urnas ou outros centros de po- der pouco legítimos, como é o caso da presidência da Real Federação Espanhola, com um sujeito reacionário e sem carisma à frente, reeleito à base de igrejinhas, de acordos quase conspiratórios com pequenos mas poderosos grupos, e graças a um sistema de eleição arcaico. Tudo isso que eu vomitei deve ter relação entre si e com a sua pergunta, mas confesso que eu mesmo teria dificuldade de conectar tudo, assim, de bate pronto. Eu e a maioria dos espanhóis.

Edu: Talvez estejam aí algumas razões da movida espanhola – por aqui, somos experts nisso de desfrutar de boas coisas extraídas dos períodos caóticos. Do que ninguém duvida é que a redemocratização criou outras paisagens, por mais que as oligarquias ainda comandem muitos segmentos. O futebol espanhol – como o tênis e algumas modalidades olímpicas clássicas e antes elitistas – cresceu com a popularização, com a abertura política. E nunca esqueceremos de que o futebol

19 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA foi capaz de unir, em algum momento, setores tão antagônicos da sociedade, como naquela semana que se seguiu ao título na África. Mas, nostalgia à parte, chegou a hora de o time campeão do mundo se reinventar, como boa parte dos setores constituídos. Ou não?

Carles: Chegou sim, mas nosso ritmo é outro, primeiro pensamos, aí conversa- mos, então pensamos um pouco mais e, quem sabe, fazemos. Tudo tem uma certa liturgia que deve ter-se perdido em alguma porão de alguma caravela a caminho do novo mundo. Como nada é perfeito, outros imperialistas levaram a burocracia, famosa por criar dificuldades para poder vender facilidades. Pero vamos al gra- no (viu como nos é difícil?). La Roja chega ao Brasil claramente envelhecida e eu diria que grande parte da culpa é da Eurocopa 2012. Sem aquele título, a renova- ção já estaria mais avançada, mas fica difícil desafazer-se de toda essa gente cheia de medalhas no peito, assim, por decreto. Contudo, é até possível, se todos os as- tros confluírem adequadamente, que tenhamos a fusão da explosão do velho estilo raçudo, na pele de um brasileiro, com o tique-taca, representado por um espanhol, veja você. A conexão Andrés Iniesta-Diego Costa poderia começar a revolução, se não de nomes, pelo menos de identidade. A tal reinvenção.

Edu: O Brasil terá a honra, então, de assistir aos últimos suspiros da geração que encantou o futebol mundial? Acho que já sei a resposta: sim, será o capítulo final. Ainda que Iniesta siga por mais algum tempo, estandartes como , e Xabi Alonso, sem contar os já virtualmente aposentados Torres e Villa, serão glórias do passado a partir de agosto. O honorável Vicente del Bosque pre- feriu não estropiar suas raízes familiares e, outro dia, justificou sua opção pelos ‘vovôs’ dizendo que, mais do que táticas mirabolantes, o que ganha títulos é o bom ambiente no vestiário. É um parnasiano o bom Marquês. Ao mesmo tempo, se queixou de que muitos jogadores já não têm o ‘olhar da ambição’. Com isso, não conseguimos ainda saber que Espanha teremos aqui, se bem que tenho um palpi- te: nada de reinvenção, será a mesma Roja da Copa da África, sem tirar nem por, no máximo com Diego Costa fazendo de .

Carles: Prefiro pensar que Torres e Villa, além de serem marcas ainda com mui- to mercado, poderiam ser parte da aposta de Del Bosque em Costa. Tento expli- car. Com mais artilheiros – de glorioso passado, nestes casos – dentro do plantel, tira-se um pouquinho da pressão e responsabilidade do Diego, a quem não falta essa ambição – não no olhar precisamente -. Como você já disse, uma Copa tem vida própria, é um campeonato que está a salvo do enfadonho poder do planeja- mento e no que ninguém sabe o que pode acontecer. Pode até que, inesperada- mente, a estrela do Niño Torres volte a brilhar e que Diego chegue a Stamford Bridge um pouco mais murcho. Eu poderia jurar que Xavi e Villa já deram tudo o que podiam, mas são tão bons sujeitos…

Edu: Há um anabolizante moral que pode fazer o ‘olhar da ambição’ retornar, que é o efeito causado pela derrota na final da Copa das Confederações. Mesmo que a Espanha não tenha feito questão de dizer que levou a sério aquele tor- neio, os ecos da derrota no Maracanã deixaram cicatrizes, o que pode ajudar Del Bosque a sacudir o vestiário. Seja como for, o time que chega a Curitiba daqui a alguns dias é visto em todos os levantamentos e palpitarias de especialistas e tor- cedores brasileiros como top de linha, ao contrário dos tempos bicudos de velhos

20 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA

Mundiais. É certo que a estreia contra a Holanda pode definir o que será o time campeão do mundo dali por diante, mas a diferença de outras épocas é que os ad- versários hoje entram para enfrentar a Espanha com outra noção de respeito.

Carles: Complicado enfrentar logo de cara uma seleção meio blasé e na segun- da rodada um verdadeiro osso duro de roer. Ao seu estilo, tanto Holanda como Chile, respectivamente 15ª e 14ª no ranking Fifa, são mais competitivos que em 2010. Teoricamente, a seleção espanhola de agora, menos que a de então. No mí- nimo, isso iguala um pouco as coisas. Sinceramente, eu não arriscaria um palpite sobre qual dos três fica fora. E tudo depende, como você disse, da atitude que os espanhóis demonstrem em Salvador, no dia 13. Pelas imagens que chegam de Washington, Diego Costa já faz parte do grupo em corpo e alma. Aliás, Diego não é o primeiro brasileiro colchonero a defender La Roja. Antes teve um gaúcho, Heraldo Bezerra – ex do Cruzeiro e um dos “tres puñales” do temível ataque atle- ticano que tinha também Gárate e Ayala, campeões da Liga em 1973 e 1977, de duas Copas del Rey e uma Intercontinental. Bezerra vestiu a camiseta da seleção espanhola uma vez só, no dia 17 de outubro de 1973 para enfrentou a Turquia, di- zem, com passaporte falsificado. Depois dele vieram outros brasileiros naturaliza- dos como Donato, Catanha e Senna. Sem contar híbridos como Thiago Alcântara ou futurível Rodrigo, ex do Madrid e do Benfica e provável estrela do Valencia 2014-15.

Edu: A impressão que fica é que, no fundo, os espanhóis, como sempre, são os mais desconfiados de seu timaço. Estamos falando do país que comanda o ranking da Fifa há não sei quanto tempo e que se tornou referência de estilo. Salvo um desastre cósmico, veremos a campeã do mundo seguir até as fases decisivas, no mínimo. Não me façam essa desfeita com a Copa, por favor.

Carles: Desconfiados como sempre. Otimistas de chegar à final do Maracanã? Respondo no dia 13 depois de tentar adivinhar se a alegria desse time campeão voltou a contaminar o vestiário. E quanto à ambição – ou ilusão, eu diria – nada melhor do que uma passadinha pelos EUA. Se não me engano, é lá onde isso se fabrica.

OS CONVOCADOS Goleiros: Iker Casillas (Real Madrid), Pepe Reina (Napoli) e David De Gea (Man- chester United). Zagueiros: Juanfran Torres (Atlético de Madrid), Jordi Alba e Piqué (Barcelona), Sergio Ramos (Real Madrid), Javi Martínez (Bayern de Munique), César Azpilicueta (Chelsea) e Raúl Albiol (Napoli). Meio-campistas: Xabi Alonso (Real Madrid), Koke Resurrección (Atlético de Ma- drid), Sergio Busquets, Xavi Hernández, Andrés Iniesta e Cesc Fàbregas (Barcelona), David Silva (Manchester City), Santi Cazorla (Arsenal) e Juan Mata (Manchester United). Atacantes: Pedro Rodríguez (Barcelona), (Chelsea), David Villa e Diego Costa (Atlético de Madrid). Técnico: Vicente Del Bosque.

21 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA

Um general, alguns craques e muitas dúvidas: é a Holanda

Carles: Num doce tom de denúncia, a bela poesia da não menos Leila Di- niz, “Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco”, é só um pou- quinho injusta pela generalista visão do primeiro mundo quanto ao desapego ao entorno. Os povos da Espanha, sobretudo os do norte da península, estão muito ligados laboral e afetivamente ao mar, com o qual travam uma batalha de vida ou morte pela subsistência e às vezes para conseguir sobreviver frente a sua braveza. Premonitória, entretanto, quanto à condenação de holandeses e espanhóis a perse- guirem seu destino de domínio, quem diria, no campo de jogo.

Edu: A poesia, musicada por Milton Nascimento, também coloca o Brasil em meio a essa batalha, daí talvez essa visão sobre o primeiro mundo, em função da ocupação holandesa no Nordeste, no século XVII, mais um ingrediente na refrega além-mar que deixou marcas culturais e sociais profundas em várias cidades, de Salvador a Recife. Até chegar a Insurreição Pernambucana que fechou o ciclo em 1654, depois dos tempos de relativa harmonia e prosperidade sob a tutela de um certo Johan Maurits van Nassau-Siegen, para nós apenas João Maurício de Nas- sau, apelidado ‘O Brasileiro’.

Carles: Mas antes que algum neerlandês se zangue, vamos esclarecer que a re- presentação é dos Países Baixos e não da Holanda, na verdade, nome de uma re- gião histórica situada na parte ocidental do país, e desde 1840 dividida em Seten- trional e Meridional, quando da secessão Reino Unido dos Países Baixos.

Edu: Se bem que os livros de história por aqui ainda utilizam o nome clássico para o episódio, ‘Invasões Holandesas’, e temo que os neerlandeses terão que con- viver com isso. O jogo que vai reviver a disputa pelos direitos do mar – e que é uma reedição da final da Copa de 2010 – é justamente no lugar em que os holan- deses desembarcaram em maio de 1624, Salvador, fazendo a população em pânico fugir para o interior. Por si só, já é uma imensa carga de simbolismo, mas imagi-

22 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA no que os jogadores holandeses tenham coisas mais contemporâneas com que se preocupar neste momento.

Carles: Esta geração de jogadores tem uma inegável qualidade técnica, mas muito pouca semelhança com a filosofia associativa do grupo mais notável de fu- tebolistas daqueles lados. Sob o comando técnico Rinus Michels e Johan Cruyff, dentro de campo, aquela equipe que deu origem à expressão Laranja Mecânica, revolucionou o futebol moderno e marcou toda a tentativa de inovação do modelo de jogo. Com dois vices seguidos, formam, junto com a Hungria de 1954 e o Bra- sil de 1982, o grupo de seleções mais injustamente ignoradas pela deusa vitória.

Edu: E acumularam mais um vice há quatro anos, ou seja, sentiram em três ocasiões o gostinho de ficar no ‘quase’. Mas o país construiu uma reputação inte- ressantíssima de formação de jogadores, uma política de gestão futebolística que privilegia a garotada em quase todos os clubes, embora isso represente forte êxodo de valores quando esses meninos de tornam profissionais, uma vez que o nível da está longe de competir – em técnica e em grana – com as grandes ligas europeias. De todo jeito, o saudável estigma de futebol feito para crianças e ado- lescentes está definitivamente ligado ao modelo holandês.

Carles: Tanto que antes de Cruyff ou Marco Van Basten, os holandeses já ti- nham outro herói, o menino de sete anos Peter, o personagem que segundo a crença teria evitado uma tragédia nacional. Nederland, o nome do país em versão original, deve-se ao fato de grande parte do território se encontrar ao mesmo nível ou mais abaixo do mar, mas Peter, diz a lenda, tampou com o dedo uma fenda de um dos diques construídos para evitar as inundações do território.

Edu: O dedo mágico, desta vez, terá que ser de um velho conhecido da Espanha e desafeto de muitos jogadores brasileiros – Louis Van Gaal. O técnico, que está mais para general do que para treinador, perdeu por causa de lesões graves joga- dores importantes para a Copa, entre eles três titulares: o ótimo Kevin Strootman, da Roma, o jovem lateral Jetro Willens, do PSV, enos últimos dias o veterano Rafael Van der Vaart, ex-Madrid, recordista no atual grupo de participações com a camisa laranja, com 109 jogos. Se a chave tem adversários complicados, o pior é que muitos jogadores da Copa passada já não estão bem, como Wesley Sneyder e o nada delicado De Jong…

Carles: Xabi Alonso que o diga…

Edu: Ainda estão Robben e Van Persie, mas nem esses dois são garantia de um jogo fluente e competitivo hoje em dia. Na verdade a Holanda que vem ao Brasil é uma grande dúvida e, para piorar, a estreia tinha que ser justamente contra os espanhóis.

Carles: No confronto direto, os espanhóis ganharam 5 vezes, os holandeses 4, além de um empate. Apesar disso, o embate da sexta-feira, 13 de junho, em Sal- vador, que seria entre Laranja Mecânica e La Roja, será, na verdade, entre os azuis e brancos, porque a Fifa insiste em alto contraste entre os uniformes dos adver- sários. O problema é que oficialmente Espanha não tem um traje branco para

23 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA a Copa – o primeiro é todo vermelho e o segundo, preto. Há quem pense que o jogo entre os finalistas da Copa anterior, decide já na estreia de ambos quem fica com o primeiro lugar do grupo. Mas o Chile tem mostrado que pode surpreender e um dos dois estaria em risco. A Espanha mantém o primeiro lugar do Ranking Fifa, Holanda aparece em 15º, o Chile é o 14º enquanto a Austrália aparece só em 62º.

Edu: Ao contrário, friamente, hoje, o Chile é favorito contra os holandeses, até porque o time de Sampaoli abre sua participação pegando uma moleza, a Austrá- lia, e pode fazer um importante saldo de gols já na estreia. Quando ao confronto entre La Roja e os rapazes de Van Gaal, ainda que ninguém se lembre dos tempos de Nassau, será curioso ver o comportamento da torcida brasileira que, se por um lado, tem na Espanha uma grande rival no caminho do título, por outro, ainda não engoliu aquela derrota na África do Sul para a Holanda graças à dupla Júlio César e Felipe Melo. Além da natural antipatia pelo técnico que odeia brasileiros. Arrisco a dizer que os baianos vão apoiar o time de Del Bosque.

OS CONVOCADOS Goleiros: Jasper Cillessen (Ajax), Michel Vorm (Swansea City), Tim Krul (Newcastle United). Zagueiros: Daley Blind (Ajax), Joël Veltman (Ajax), Paul Verhaegh (Augsburg), Daryl Janmaat (), Stefan de Vrij (Feyenoord), (Feye- noord), Terence Kongolo (Feyenoord), Ron Vlaar (Aston Villa). Meio-campistas: Jordy Clasie (Feyenoord), Leroy Fer (Norwich City), Jonathan de Guzman (Swansea City), Nigel de Jong (Milan), Wesley Sneijder (Galatasaray), Georginio Wijnaldum (PSV). Atacantes: Memphis Depay (PSV), Dirk Kuyt (Fenerbahçe), (Bayern de Munique), (Manchester United), Klaas-Jan Huntelaar (Schalke 04), Jeremain Lens (Dínamo de Kiev). Técnico: Louis van Gaal.

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Na trajetória chilena, uma saga de orgulho e resistência

Carles: Num dos três relatos do filme dirigido pelo chileno Andrés Wood, “Historias de Fútbol”, de 1997, Pancho, um fanático torcedor de La Roja (segundo os chilenos, a verdadeira) está retido na ilha de Chiloé justo no dia em que a sua seleção enfrenta os poderosos alemães na Copa do Mundo. Só existe um aparelho de tevê no lugarejo e conseguir o sinal de televisão é puro milagre. Além do mais, o aparelho pertence a duas irmãs solteironas que em troca do seu uso pretendem jogar um jogo muito mais íntimo com o rapaz, desesperado por ver a disputa. Na cena final, os habitantes do vilarejo, em meio a uma tempestade, conseguem ver fragmentos da partida em que Rummenigge celebra um gol por baixo do corpo de Mario Osbén, então goleiro do Colo Colo, time de Panchito. A sequência final alterna a tentativa de sedução de uma das irmãs com as estoca- das da seleção chilena, entre chuviscos na telinha. O desfecho é até previsível com coincidências de ambos os clímax. Um golaço de Gustavo Moscoso, que inclui uma bola no meio das canetas de um adversário, desencadeia uma das famosas narrações épicas e nacionalistas do continente, sobretudo naqueles tempos. No fil- me, o narrador, inflamado, chega a dizer que o Chile ganha o jogo e segue à frente no torneio, quando na verdade no enredo corresponderia ao empate e na dura rea- lidade, foi o gol de honra na derrota por 4 a 1 na Copa de 1982. Farsa com valor simbólico de um dos povos mais massacrados pelos caudilhos latino-americanos?

Edu: O Chile é uma das nações com maior consciência cidadã da América Lati- na, tem uma sina de estar sempre batalhando pela própria felicidade, independen- te do que aconteça nos vizinhos do Cone Sul, ou mais ricos ou mais democráticos, dependendo da etapa histórica. Não importa, os chilenos têm uma lucidez plena de seu papel social e mesmo quando os mefistos estiveram no poder – em especial o maior de todos – nunca esmoreceram. No futebol, a sina é correr atrás de argen- tinos, brasileiros e uruguaios, uma luta insana para estar na ribalta da América do Sul. Mas em matéria de beleza natural, tradição e riqueza histórica, gastronômica e cultural não devem nada a ninguém, bem ao contrário.

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Carles: Uma historia com dois momentos distintos mas não menos dolorosos, contados em ‘Actas de Marusia’, de Miguel Littin, 1975 e ‘Machuca’, do próprio Wood, de 2004, ambos filmes também muito recomendáveis. Na história do Chi- le, fatos como o de ter-se transformado no laboratório das teses liberais da Escola Econômica de Chicago de Milton Friedman, que conseguiram distorcer o modelo social chileno, ou de dar lugar a uma das páginas mais negras da repressão, em que o Estádio Nacional de Chile acabou se convertendo na maior prisão política de todos os tempos. Mesmo assim, insuficiente para minar a resistência de craques como .

Edu: Nesse tempo de trevas, brilhou justamente a faceta politizada que o futebol chileno carrega até hoje. Tive a alegria e realização pessoal de entrevistar Caszely, ídolo nas décadas de 70 e 80, uma das poucas personalidades nacionais que peitou o general ditador publicamente, teve a mãe sequestrada pelo regime e, mesmo as- sim, não se calou. Foi um dos baluartes da campanha institucional pelo ‘No’, em 1988, que antecipou a queda de Pinochet (aliás, tema de outro filmaço, dirigido por Pablo Larraín). Caszely é de uma estirpe de grandes atacantes chilenos, que começou com o mito Leonel Sanchez, uma estátua de La ‘U’ nos anos 60, conti- nuou mais tarde com Marcelo Salas e Ivan Zamorano e chegou aos tempos atuais com Alexis Sanchez e seu vizinho Eduardo Vargas. Sem contar o excepcional Ar- turo Vidal, um pouco meia e um pouco atacante, por que não. Vidal, por sinal, é dúvida para jogar a Copa porque acaba de sair de uma artroscopia.

Carles: Vargas que também esteve por aí jogando no Grêmio, só vai seguir sendo vizinho se o milionário de Cingapura Peter Lim, novo dono do Valencia, resolver bancar e ele não tiver que voltar para a Itália, provável destino também de Alexis na era Luis Enrique. Na concepção dos chilenos, existe também uma lista de goleiros entre os maiores do seu futebol, a começar pelo legendário Sergio Li- vingstone, passando pelo extravagante Nelson Tapias e chegando até o conhecido da torcida brasileira, Roberto ‘El Condor’ Rojas, que passou de inimigo público número um, durante as eliminatórias para a Copa 1990 a componente do tricolor paulista. Atualmente, nesse místico posto está Claudio Bravo, querido da gente de San Sebastian, surpreendentemente inquestionável e na sua oitava temporada na Real Sociedad. Apesar disso, de vez em quando ele costuma dar uma das suas cantadas, como se diz por aqui. David Villa que o diga. E esperamos que ele vol- te a fazer das suas no dia 18 de junho no Maracanã, porque sem aquela saída no Estádio Loftus Versfeld, em Pretoria, acho que ainda não teríamos a estrelinha bordada em cima do escudo.

Edu: Bravo é uma legenda, segundo jogador que mais vezes defendeu a camisa chilena, com serviços prestados desde 2004. Na reserva há outro conhecido nosso: o incrível Johnny Herrera, que teve uma passagem deplorável pelo Corinthians e costuma fazer jogos inesquecíveis, pelo bem e pelo mal. O problema do Chi- le, definitivamente, não é o goleiro nem os atacantes ou o meio de campo, onde o palmeirense Valdívia deve ter lugar garantido depois da contusão que afastou Matias Fernandes da Copa. Há outros ‘braileiros’, o lateral Eugenio Mena, do Santos, e o ótimo meia Charles Aránguiz, um protagonista hoje no Inter de Porto Alegre. O problema mesmo é na zaga, porque o técnico Jorge Sampaoli é adepto de um futebol bastante dinâmico, que expõe sua defesa, onde pontua um também conhecido de vocês, o nada delicado Gary Medel, ex Sevilla, hoje no Cardiff, mais

26 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA zagueiro do que volante. Mesmo assim, Sampaoli conseguiu fazer uma grande eliminatória com esse time de atacantes efetivos que é, hoje, a meu ver, o principal adversário da Espanha no grupo, adiante da estropiada Holanda de Van Gaal.

Carles: Se é certo que Medel não põe a técnica, pelo menos a alma ele deixa sempre em campo. Já era assim nos tempos de Sevilla, onde ele jogava de volante, inclusive porque a sua estatura não é exatamente de zagueiro. Mas com Gary não tem crise, ele faz aquela expressão da homem mau e faz tremer o mais temível dos atacantes. Esse time de Sampaoli já deu uns sustinhos no do Del Bosque, mas parece que sempre acaba dando azar, como nos últimos amistosos, no ano passado em Genebra, com Jesus Navas conseguindo o empate no último suspiro. No an- terior, em 2011, a Espanha ganhou por 3 a 2 depois de estar perdendo por 2 a 0 também com um gol de Cesc nos últimos segundos, batendo um pênalti duvidoso e com os dois times se estranhando. Nem vai ser fácil nem vai faltar tensão nesse jogo entre a primeira no ranking Fifa e vigente campeã, e a 14ª. E crescendo!

Edu: A vantagem para os chilenos é que terão na estreia o docinho de leite do grupo, a Austrália, no calor de Cuiabá. O time fará sua preparação num dos cen- tros de treinamento que é referência no Brasil, a Toca da Raposa II, e pode decidir a vaga no segundo jogo, no Maraca, contra os espanhóis. Se não der, ainda terá uma última chance contra a Holanda, em São Paulo. Serão dois jogaços.

Carles: Outro dia, numa entrevista, Claudio Bravo garantiu que a sua seleção chega melhor a esta Copa que em 2010, Temo que ele tem razão. Apesar disso, na África do Sul eles arrancaram com duas vitórias, enquanto a Espanha perdeu na estreia para a Suíça. O que parecia resolvido acabou virando uma ameaça de desclassificação que não aconteceu só porque Suíça e não conseguiram passar do 0 a 0 na última rodada. Uma dura metáfora da história desse povo sem- pre batalhador que, se quisesse, teria direito até de reclamar da sorte, algo que não parece constar da sua cartilha.

OS CONVOCADOS Goleiros: Claudio Bravo (Real Sociedad), Johnny Herrera (Universidad de Chile) e Cristopher Toselli (Universidad Católica) Zagueiros: Gary Medel (Cardiff City), Gonzalo Jara (Nottingham Forest), Eugenio Mena (Santos), Mauricio Isla ( Juventus), José Rojas (Universidade de Chile) e Miko Albornoz (Malmo-SUE) Meio-campistas: Arturo Vidal ( Juventus), Carlos Carmona (Atalanta), Charles Aránguiz (Internacional), Felipe Gutiérrez (Twente), Francisco Silva (Osasuna), Jorge Valdivia (Palmeiras), Marcelo Díaz (Basel), José Fuenzalida (Colo Colo) e Jean Beausejour (Wigan) Atacantes: Alexis Sánchez (Barcelona), Eduardo Vargas (Valencia), Esteban Paredes (Colo Colo), Fabián Orellana (Granada) e Mauricio Pinilla (Cagliari). Técnico: Jorge Sampaoli.

27 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA

Do berço do WikiLeaks, o patinho feio no caminho da Espanha

Carles: Outro dia, durante um acalorado debate sobre qual seria o maior nome australiano a vestir a camisa da seleção de futebol, foi inevitável surgirem os no- mes de Viduka e Kewell – para os fãs doPro Evolution Soccer ‘02 -, do ex-ro- jillo Aloisi ou o do já veterano meio-campista artilheiro . Sem chance, a escolha recaiu sobre um famoso australiano que recentemente vestiu a camisa canarinho: Julian Assange. Será que, depois da Copa, a Austrália vai deixar de ser conhecida no Brasil só por ser terra dos cangurus, do bumerangue e do homem WikiLeaks?

Edu: No futebol eles já têm um título: o de o país que mais vezes disputou re- pescagens na vida. Só na Copa de 1994 foram duas, contra Canadá e Argentina, e ficaram de fora, claro. Assange é fã declarado de futebol, como o australiano em geral. Aquela é uma nação essencialmente esportiva e tem sido um mistério entender a lenta evolução técnica no futebol, ainda mais com raízes tão britâni- cas. Só a concorrência do rugby não justifica. Chegam apenas a sua terceira Copa, a segunda seguida, o que pode ser um bom sinal, desde que o bilionário Frank Lowy, um investidor mundial em redes de shoppings centers, assumiu a Federação Australiana há pouco mais de uma década e deu uma repaginada no campeonato local. Mesmo assim, a Austrália será um dos patinhos mais feios da Copa – e total café com leite no grupo dos campeões mundiais.

Carles: Supomos por aqui que o último jogo do grupo, em “casa”, contra a Aus- trália vai ser como um respiro, num grupo que tem a vigente vice Holanda e o Chile, uma das seleções que mais evoluíram nos últimos tempos e que joga 90 mi- nutos com a mesma intensidade. E mais, esperamos que esse jogo não sirva para nada além de decidir se a Roja termina em primeiro ou segundo no grupo. Falan-

28 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA do em repescagem, imediatamente vem à mente o enfrentamento entre Austrália e Uruguai que, desta vez, e numa hipótese mais do que remota, poderia acontecer nas quartas. Os australianos conseguiram evitar o já tradicional confronto, mu- dando de continente! Algo que, desde a teoria da Pangeia, só uma Copa conse- guiu.

Edu: Foi justamente Frank Lowy, um dos líderes da comunidade judia de Syd- ney, que propôs essa mudança, como forma de disputar um torneio eliminatório mais competitivo, o da Ásia, e ao mesmo tempo se livrar da repescagem para a Copa. Lowy fez boas coisas no futebol australiano, montou um campeonato com dez equipes, quase todas recém fundadas, e ultimamente investiu em jogadores veteranos da Europa, mais ou menos como os americanos fazem. Conseguiu, com isso, que o campeonato local fosse transmitido por televisão para 60 países, entre Oceania e Ásia. Hoje estão por lá vários velhões de peso, como e o francês William Gallas, ambos perto dos 40. Alguns ingleses também foram, caso de Emile Heskey, aquele atacante padrão ‘armário’, que chegou a dis- putar dois mundiais pelo English Team, inclusive o da África.

Carles: A maior conquista do combinado australiano foi justamente um título de vice-campeão, no pódio que tinha a Seleção Brasileira na posição mais alta, a terceira edição do Confecup, última disputada na Arábia Saudita. Na final, o Bra- sil meteu o mesmo resultado do último jogo entre ambas as seleções, 6 a 0, mas, na semi, adivinha quem era o adversário e que vestia celeste e perdeu com um gol justamente de Kewell nos descontos? O mesmo que formou uma famosa dupla no Leeds inglês com o conterrâneo Viduka no final dos 90, depois passou pelo Liverpool e recentemente se aposentou, fazendo ainda seu último gol pela seleção num jogo em 2012, num jogo válido pelas eliminatórias da Copa 2014.

Edu: O atual técnico, , cidadão australiano nascido em Atenas, encarregou-se de aposentar alguns veteranos com a intenção de renovar o time, mas conseguiu só em parte. Kewell foi um dos jubilados e mais recentemente o treinador abriu mão do capitão , quase cem jogos defendendo a Sele- ção. Mas para o Brasil ainda trará alguns mais experientes, como o provável novo capitão, já citado por você, Tim Cahill, 34 anos, e o interminável , aquele carecão que andou pelo futebol italiano mas continua dando um gás no time nacional, também com 34 anos. Pena que não veremos no Brasil o goleiro reserva do Chelsea, que aos 41 andou aprontando das suas na Champions: . Também foi um dos rifados por Postecoglou.

Carles: Pois é, Mourinho tratou de homenagear o quarentão dando-lhe a con- fiança e o posto de titular no segundo jogo contra o Atleti, mesmo com o joven- zinho e titular Čech já recuperado da contusão. Com uma media de entre 12 a 14 horas de diferença entre Brasília a Sidney (de costa a costa), a maioria dos austra- lianos estarão começando o sabadão quando a sua seleção, atual 62ª no ranking Fifa, estiver entrando em campo em Cuiabá, na sexta-feira 13 de junho, para enfrentar a seleção do Chile, 14ª. Demasiados trezes para uma cultura anglo-saxã talvez.

Edu: Quem sabe por essa razão eles foram os primeiros a desembarcar no Brasil, para digerir as superstições e ter tempo de aclimatação suficiente: chegaram no

29 OS 32 DA COPA GRUPO B ESPANHA, HOLANDA, CHILE E AUSTRÁLIA dia 28 de maio, 15 dias antes da abertura da Copa. Férias antecipadas, talvez, para depois tentar alguma surpresa. E se concentram em um lugar ‘descontaminado’ em matéria de Copa, Vitória do Espírito Santo, longe de qualquer agito. Como outras seleções desse padrão, serão mais uma atração simpática e exótica do que uma equipe para ser levada a sério.

Carles: Na ausência da Seleção Brasileira, os capixabas certamente vão entrar no coro de go socceroos!

OS CONVOCADOS Goleiros: (Adelaide United), (Borussia Dort- mund) e (Bruges). Zagueiros: (), (Brisbane Roar), Ryan McGowan (Shandong Luneng Taishan), (Jeonbuk), Matthew Spira- novic (Western Sydney Wanderers) e (Preston North End). Meio-campistas: (Luzern), Mark Bresciano (Al Gharafa), (Austria Vienna), (Crystal Palace), (Swindon Town), ( Victory), (Utrecht), Matt McKay (Brisbane Roar), (Atalanta) e Dario Vidosic (Sion). Atacantes: Tim Cahill (), (Fortuna Dusseldorf ), Matthew Leckie (Frankfurt) e (Newcastle Jets). Técnico: Ange Postecoglou

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A Colômbia sem Radamel, para exorcizar maldições

Carles: Esse time da Colômbia promete! Quantas vezes já ouvimos essa frase de uma seleção cheio de talento, mas com um currículo de títulos bastante modesto? Uma Copa América que eles mesmo organizaram em 2001 e um vice em 1975. Isso, fora algumas proezas como aquela ‘manita’ aos argentinos nas eliminatórias para a Copa dos EUA.

Edu: Em um país, como tantos outros da América Latina, em que o futebol é vivido de forma intensa, uma data em especial é religiosamente celebrada nas úl- timas duas décadas sobre ‘esse time que promete’: 5 de setembro de 1993. Foi a noite em que, diante de 75 mil torcedores, em pleno Monumental de Nuñez, a Colômbia de Rincón, Valderrama e Asprilla…

Carles: Naquela década, a seleção da Colômbia esteve em três das cinco Copas que participou, contando a próxima no Brasil. Foi o treinador Paco Maturana que lançou as bases do time que conquistou aquela Copa América.

Edu: Foi justamente o time sob o comando do revolucionário Francisco Ma- turana que aplicou, sem pedir licença, o escandaloso 5 a 0 sobre a poderosa Ar- gentina de Batistuta, Redondo e Cholo Simeone. Na tribuna, vestindo a camisa dos hermanos, estava Diego Maradona, então excluído temporariamente do time de Alfio Basile. Dias antes, Maradona proclamava em uma concorrida entrevista para jornalistas de toda a América do Sul, já no clima do jogo que definiria uma vaga direta ao Mundial de 1994: “No se puede cambiar la historia: Argentina esta arriba y Colombia, abajo”. ‘El dios’ errou feio.

Carles: Errou? Como sempre ele saiu fortalecido da situação. Justamente por causa dessa derrota, a alviceleste acabou tendo que disputar uma vaga na repesca- gem enfrentando a Austrália, e Basile se “reconciliou” com o Pelusa, que voltou, dizem as más línguas, junto com algumas substâncias não exatamente legais, que teriam sido consumidas no vestiário argentino. Grondona, o poderoso presidente da Federação, teria garantido que não haveria exame antidoping e eles podiam consumir o que quisessem. Basile negou tudo anos mais tarde. A ironia foi que

31 OS 32 DA COPA GRUPO C COLÔMBIA, GRÉCIA, COSTA DO MARFIM E JAPÃO tanto colombianos como argentinos acabaram abalroados na Copa pela Romênia, com a diferença de que os argentinos sobreviveram até as oitavas e aquela promis- sora Colômbia foi a última do grupo na fase inicial, atrás dos anfitriões. Provavel- mente Juan Valdez garantiu o fornecimento de café ao tio Sam durante muitos anos.

Edu: Assim mesmo, muito da história do futebol da Colômbia mudou a partir daquele dia em Buenos Aires , com a consagração de uma geração de ouro que certamente inspirou os garotos colombianos que viram o atropelamento de um bicampeão do mundo pela TV, incluindo um certo Garcia, então com sete anos.

Carles: A paixão exacerbada por esse esporte é própria de um país bipolar, com caráter meio sul-americano e meio caribenho, que tanto inspira talentos como provoca crimes hediondos. Só para recordar, o assassinato de Andrés Escobar depois da desclassificação da seleção na Copa dos EUA em 1994 e em que ele tinha feito um gol contra. Ou Albeiro Usurriaga em 2004, Martín Zapata e El- son Becerra, ambos em 2006, e Edison Chará, em 2011. Normalmente, mortos em discotecas, bares, inferninhos, recai sobre eles a suspeita de envolvimento com drogas, ou até mesmo de que os crimes sejam a mando de capos envolvidos em apostas esportivas. Quem sabe? O certo é que isso tudo não ajuda a progressão do esporte ‘cafetero’.

Edu: A Colômbia sempre foi vista como uma concorrente secundária no futebol sul-americano, disputando ora com o Chile ora com o Paraguai o modesto posto de quarta força do continente, à sombra dos campeões mundiais Brasil, Argentina e Uruguai. Mas essa imagem de segundo escalão também acompanhava a Colôm- bia em seu perfil sociopolítico, como país estigmatizado por décadas pela submis- são narcotráfico, pela violência dos cartéis das drogas e pela insegurança institu- cional, mais do que por seu consistente crescimento econômico, por sua dinâmica exploração turística e pela riquíssima biodiversidade. Ou seja, mais uma sociedade latino-americana a lutar contra seus problemas crônicos e, ao mesmo tempo, con- tra os estereótipos e rótulos nem sempre autênticos trazidos de fora para dentro. A ascensão do futebol naquela década de 1990 coincidiu com uma repaginação interna rumo à estabilidade, promovida por um crescente avanço democrático a partir da constituição de 1991, que abriu as portas para um combate mais racional e organizado ao tráfico e até mesmo o encaminhamento de negociações com gru- pos paramilitares, como as Farc.

Carles: É o mínimo que o grande amiguinho de George “Doubleyou” Bush, Álvaro Uribe poderia ter feito para se firmar no poder e conseguir eleger seu su- cessor, José Manuel Santos. Fingir uma normalização. Impossível desassociar os processos de negociação entre a Colômbia oficial, a marginal, os grupos armados sempre esteve sujeito a política exterior dos EUA. A permanente desconfiança sobre o processo que manteve a senadora Ingrid Betancour sequestrada durante seis anos. Ela que era a grande ameaça ao poder constituído, sua estranha conver- são política e de crença da senadora, mesmo considerando a dura experiência da prolongada permanência em cativeiro ou em peregrinação pela selva. Ou ainda os aspectos obscuros da sua liberação, todavia mal explicados. É preferível mesmo recuperar as lembranças dos Asprilla, Rincón ou Valderrama, que não deixam de ser a projeção de uma sociedade festeira e um tanto malemolente.

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Edu: Aquele timaço que colocou a Argentina de joelhos pegou carona nessa nova realidade e expôs ao mundo alguns dos craques da década – Faustino As- prilla foi fazer sucesso na Itália e na Inglaterra, antes de jogar no Brasil; Freddy Rincón também arriscou passagens por Napoli e Real Madrid, mas foi ídolo de algumas das maiores torcidas do Brasil; Valderrama andou pela França e pela Espanha (Valladolid), mas fez sucesso mesmo como um dos pioneiros da . Outros, como Adolfo Valencia, fizeram seus golzinhos por Bayern de Munique e Atlético de Madrid, enquanto o goleiro Oscar Córdoba foi uma das pilastras do Boca Juniors por quatro temporadas, conquistando, entre outros títulos, o bicampeonato da Libertadores. A geração de hoje, com Falcao à frente, é considerada a mais brilhante desde aquele time endiabrado da década de 90. O técnico argentino Nestor Pekerman tempera muito bem veteraníssimos como os zagueiros Mario Yepes (Atalanta, 38 anos) e Amaranto Perea (Cruz Azul, 35), este, velho conhecido seu das oito temporadas no Atlético de Madrid, com ga- rotos como James Rodriguez, do Monaco, e a grande esperança do ataque, Eder Balanta, 21, do River Plate. Há ainda uma consistência como há muito não se via no meio de campo, onde brilham especialmente Juan Cuadrado, da Fiorentina, e Freddy Guarín, da Inter. Com a dúvida sobre o estado físico de Radamel.

Carles: Falcao era uma das grandes esperanças de gols nesta Copa e acabou como mais uma das vítimas do vírus pré-copa. Será que sem a sua grande estrela, a Colômbia seguirá na sua senda de eterno time segundão? As previsões de que ‘el tigre’ possa estar no Brasil jogando a Copa não são muito promissoras e pode até sobrar um lugarzinho para , em grande fase no Sevilla e responsável pelo estrago no Real Madrid. Mas também pode pintar a volta de Adrián Ramos à seleção. Adrián, em cinco temporadas pelo Herta de alternando a pri- meira e segunda divisão, fez 66 gols e já parece seguro que, depois de uma disputa com o Atlético de Madrid pelo seu passe, o vai confiar nele para ser o substituto do seu goleador de Lewandwoski.

Edu: É bom ressaltar que os torcedores colombianos estão entre os que mais procuraram ingressos e lugares em hotéis para a Copa. A seleção de Pekerman vai ficar no centro de treinamento do São Paulo, em Cotia, um dos principais e mais bem equipados do país, e o fato de o time jogar no Mineirão, em Brasília e na Arena do Pantanal na primeira fase certamente não será problema mesmo para os torcedores que vierem direto da Colômbia para acompanhar as partidas. O fato é que, mesmo sem Falcao, a Colômbia é favorita nesse grupo e só não vai às oitavas por uma desgraça.

Carles: Por aqui, nossa maior lembrança de José Néstor Pékerman é daquela “invasão” argentina a Leganés em 2003, quando o empresário, representante ar- tístico e produtor de espetáculos Daniel Grinbank comprou o clube espanhol e o nomeou diretor técnico. O projeto soçobrou na metade da temporada e tanto o treinador Carlos Aimar como o proprietário abandonaram o barco. Pékerman se ofereceu para assumir o cargo de treinador mas ele não dispunha da formação e experiência necessárias e não recebeu a permissão da Federação.

OS CONVOCADOS Goleiros: David Ospina (Nice), Faryd Mondragón (Deportivo Cali) e Camilo Vargas (Santa Fé).

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Zagueiros: Mario Alberto Yépes (Atalanta), Cristian Zapata (Milan), Carlos Valdés (San Lorenzo), Eder Álvarez Balanta (River Plate), Santiago Arias (PSV Eindho- ven), Camilo Zúñiga (Napoli) e Pablo Armero (West Ham) Meio-campistas: Carlos Sánchez (Elche), Fredy Guarín (Inter de Milão), Abel Agui- lar (Toulouse), Aldo Ramirez (Morelia), Juan Quintero (Porto), Víctor Ibarbo (Ca- gliari), James Rodríguez (Monaco), Juan Guillermo Cuadrado (Fiorentina) e Alexán- der Mejía (Nacional). Atacantes: Carlos Bacca (Sevilla), Adrián Ramos (Borussia Dortmund), Teófilo Gu- tiérrez (River Plate) e Jackson Martínez (Porto). Técnico: José Pekerman

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Mitroglou e Samaras puxam a fila do exótico perfil grego

Carles: Se a história grega chega a se confundir com a da própria civilização, a do futebol já é bem menos expressiva. Apesar de que uma Eurocopa não é um prêmio nada desprezível, considerando o peso dos gregos na modalidade. E, se não, pergunte ao Felipão que viu de pertinho.

Edu: Em casa, com a torcida portuguesa pegando fogo e um time lançado, Feli- pão conseguiu perder aquele título graças ao célebre gol de Charisteas e na jogada preferida do gaúcho: bola alçada e gol de testa. Parecia o advento de outros tem- pos para o futebol do Mar Egeu, mas foi só um espasmo. A Grécia continua uma seleção periférica, mais do que nunca, embora seja reduto de algumas das mais fanáticas torcidas do mundo.

Carles: Compreensível. Corria então o ano de 2004 e, logo em seguida, a Eu- ropa foi atropelada pela nossa crise mais contemporânea. Sobrou para todos no continente mas principalmente para os gregos, que até viraram símbolo dessa depressão econômica. A troika desembarcou em terras helênicas nada disposta a fazer concessões, reduzindo a pó as pretensões contestatórias e de autogestão econômica do povo e tratando de escalar o craque da sua preferência, adepto a jogar na centro-direita, o conservador Antonis Samarás. Ultimamente, Christine Lagarde, Mario Draghi e Durão Barroso escalam mais em Atenas que o treinador Fernando Santos, aliás, mais uma conexão entre gregos e lusos, os grandes danifi- cados nessa história toda.

Edu: Desde 2008 conseguiram transformar um dos berços da civilização oci- dental em um vírus, como se os gregos, com seus lindos recursos naturais e uma economia fundada no turismo, pudessem ser a palmatória do mundo, a razão de um surto epidêmico de incompetência como quiseram propalar. Pois, mesmo sendo tragado pela crise, o futebol grego ganhou um pouco de oxigênio a ponto de, em 2011, a rede de TV Nova Sports ter assinado o maior contrato da história

35 OS 32 DA COPA GRUPO C COLÔMBIA, GRÉCIA, COSTA DO MARFIM E JAPÃO com o campeonato local, algo perto de 200 milhões de euros para os direitos de transmissão por cinco anos. E esse elo com os latinos tem história. Veja quem é o treinador do principal clube de lá e os craques argentinos e brasileiros que já pas- saram tanto por Olympiakos, onde brilha o espanhol Michel, quanto por Pana- thinaikos e AEK, entre eles campeões mundiais como e Gilberto Silva.

Carles: Michel é aquele mesmo do gol fantasma a Carlos no Brasil-Espanha da Copa 1986. que entrou e o juiz não deu e que junto com o gol contra a Coreia em 2002, seguem engasgados. Como treinador do Olympiakos, em dois anos ele já conseguiu duas Superligas, uma Copa e quase elimina o United nesta Champions. Da seleção grega não se espera tanto, apesar de que, dando uma olha- da no famoso ranking Fifa, eles aparecem na 12ª colocação, só por trás da Colôm- bia no grupo que é oitava e bem à frente dos marfinenses, em 23º, e dos japoneses, em 46º. Isso não quer dizer muito né? No último amistoso tomaram um 2 a 0 em casa da República Coreana que aparece no 57º posto, jogando em casa.

Edu: As duas participações dos gregos em Copas até aqui foram um desastre. Lembro bem de Pelé, que como palpiteiro é tão bem sucedido quanto como can- tor, prevendo que a Grécia seria a grande surpresa da Copa de 1994. Os gregos não só tomaram três chacoalhadas como não fizeram nenhum gol e terminaram na última colocação entre as 24 seleções. Agora, o português Fernando Santos, ex-futebolista que chegou a ser campeão pelo Porto, onde era chamado de ‘enge- nheiro’, tenta renovar a seleção, mas ainda não teve coragem de formar um time sem os decanos daquela conquista de 2004, , meio-campista de 34 anos, e o interminável , 37, capitão e cérebro, com 125 jogos na equipe nacional, e recém rebaixado com o Fulham na . Mas acho que não há dúvida de que o grande nome do time hoje está no ataque, certo?

Carles: Imagino que você se refira a Konstantinos Mitroglou, ex estrela do Olympiakos de Michel e que também acaba de cair para a segundona inglesa junto com o resto do Fulham. Mas também teremos o ‘Jesus Cristo Superstar’ dos gregos, Giorgios Samaras, que este ano foi espectador de luxo nas melhores apresentações europeias de Neymar, nos confrontos entre o time dele, o Celtic, e o Barça. Agora, convenhamos, ser atacante da seleção grega também não é mui- ta vantagem. Para aferir as reais condições do seu time na Copa, antes da estreia contra a Colômbia no dia 14 de junho em BH, o luso Santos vai dispor de dois amistosos: no dia 31 contra os portugueses, para variar, e contra a seleção bolivia- na já em junho. Ou muito me engano, ou você não põe muita fé no estilo mesqui- nho dos gregos. Será que vemos Mitroglou, Samaras e companhia nas oitavas?

Edu: A menos que uma nova epopeia seja escrita com inspiração nos deuses do Olimpo, esse exótico time grego não vai passar de uma atração curiosa da primei- ra fase. Ainda mais porque fará dois de seus três jogos no Nordeste (contra os ja- poneses em Natal e contra os marfinenses em Fortaleza), e não consigo visualizar Katsouranis e Karagounis levando o time nas costas debaixo de um sol a pino. Por outro lado, jogadores como Mitroglou e Samaras certamente serão atrações por- que tiveram grande visibilidade por aqui com a Champions e porque normalmen- te é o que acontece com as individualidades das equipes secundárias. Para tentar uma adaptação melhor ao clima, os gregos montaram seu quartel-general nos ar-

36 OS 32 DA COPA GRUPO C COLÔMBIA, GRÉCIA, COSTA DO MARFIM E JAPÃO redores da terra de Diego Costa – vão se concentrar em Aracaju. Tenho impressão de que as praias de Sergipe vão guardar boas recordações da rapaziada.

Carles: E eles, das praias sergipanas. Provavelmente, pouco mais se conte da história grega nesta Copa.

OS CONVOCADOS Goleiros: (Granada), (PAOK) e (Panathinaikos). Zagueiros: Vassilis Torosidis (Roma), (Levante), Sokratis Papastatho- poulos (Borussia Dortmund), Costas Manolas (Olympiacos), (Hellas Verona), Jose Cholebas (Olympiacos), Giorgos Tzavellas (PAOK) e Yiannis Maniatis (Olympiacos). Meio-campistas: (Kayserispor), Costas Katsouranis (PAOK), Giorgos Karagounis (Fulham), (Olympiacos), (Torino), (Bologna), Yiannis Fetfatzidis (Genoa) e Lazaros Christo- doulopoulos (Bologna). Atacantes: (Celtic), (Fulham), Fanis Gekas (Konyaspor) e (PAOK). Técnico: Fernando Santos.

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Canto do cisne para a geração de ouro da Costa do Marfim

Carles: A gente dá uma olhadinha nos jogadores marfinenses, no que muitos deles representam para os clubes importantes onde jogam, e fica até difícil enten- der os resultados pouco expressivos da sua seleção nos torneios mundiais e conti- nentais.

Edu: A Copa 2014 será o canto do cisne para uma geração especial da Cos- ta do Marfim. Uma lista encabeçada por um jogador muito querido por aqui, Didier Drogba, 35 anos, mas certamente outros, como Kolo Touré (33, mais de cem jogos pela seleção), o volante capitão (33) e o atacante Aruna Dindane (33) não terão gás para o Mundial da Rússia, em 2018. Mesmo o atual maior astro do time, Yayá Touré, deve ter dificuldades daqui a quatro anos, quan- do terá completado 35 e não poderá mais fazer seu papel de todo-terreno com tanta competência…

Carles: Uma pequena constelação de veteranos assessorada por atacantes mais jovens como Kalou e , com 28 e 26 anos, respectivamente…

Edu: Por aí é possível ter uma ideia do poder de fogo desse time. E levando-se em conta que a Colômbia (mesmo sem Radamel Falcão) é favorita do Grupo C, a maior batalha dos marfinenses deverá ser contra o perigoso Japão, uma vez que a Grécia, para sermos realistas e salvo uma hecatombe, não passa de figurante, como provam as outras copas de que participou. O jogo de Recife, no sábado, 14 de junho, às 22 horas, contra os japoneses, é praticamente uma decisão de vaga nas oitavas.

Carles: Olha, considerando que a primeira vez que eu cruzei a poça demorei 12 dias, poderíamos dizer que Drogba e seus comparsas fazem sua estréia pratica- mente em casa. Recife fica a pouco mais de 4 horas de voo de (se houves- se voos diretos, claro). 3.600 quilômetros não são nada comparados com os 14.326

38 OS 32 DA COPA GRUPO C COLÔMBIA, GRÉCIA, COSTA DO MARFIM E JAPÃO que a seleção dos EUA vai ter que percorrer para jogar os três primeiros jogos ou os 11.240 da primeira fase do “Brasil Tour” dos próprios marfinenses.

Edu: Uma vitória no jogo do Recife dá moral ao time para pegar a Colômbia, dia 19, em Brasília, e, quem sabe, jogar mais tranquilo no dia 24 (em Fortaleza) contra os gregos, que provavelmente já estarão de malas prontas para retornar ao Olimpo.

Carles: Se conseguirem, seria a primeira vez que eles superam uma primeira fase de uma Copa, na sua terceira participação consecutiva. Na África do Sul, até que a proeza esteve relativamente perto se não estivessem num grupo com Brasil e pa- trícios e aquele empatezinho de compadres entre ambos, se bem que os africanos precisavam golear por 7 os coreanos do norte e acabaram ficando em menos da metade.

Edu: O crescimento do futebol marfinense está intimamente ligado a sua eman- cipação como nação. Foi só depois da independência, em 1960, ao fim de quase sete décadas de jugo francês, que o país descobriu algumas vocações. Ainda que a influência francesa na África Ocidental tenha tido papel importante no cresci- mento econômico, mesmo depois da independência, as razões socioculturais que fortalecem o nacionalismo se impuseram, a partir dos mais de 60 dialetos falados no território habitado por mais de 20 milhões de pessoas, embora a língua france- sa seja a que se aprende na escola.

Carles: Acho que os “civilizados” deveríamos olhar mais para esse conceito de pertencimento de algumas das tribos africanas que seguem muito vinculadas a suas origens. Os africanos que vemos por aqui circulando com os tênis e roupas de marcas esportivas famosas nada têm a ver com a resistência e persistência de alguns povos africanos.

Edu: Não que internamente o país tenha resolvido suas mazelas, marcadas por uma fragmentação social que ainda não curou as cicatrizes da guerra civil do iní- cio deste século (2002/2003), mas há uma busca permanente de identidade, na qual o próprio futebol está inserido.

Carles: É isso, processos históricos como esse são determinantes em muitas das nações africanas. As representações nacionais acabam sendo mesmo uma reunião eventual de gente que pouco ou nada tem a ver com as próprias origens, que praticamente vivem os hábitos e costumes europeus. Talvez essa seja uma das dificuldades adicionais para que eles possam se sentir uma equipe, porque de al- guma forma foram corrompidos. Nada contra essa capacidade que essas gerações de africanos demonstram ter para se adaptar e assimilar novas condições de vida e trabalho, mas, sem dúvida, cada vez menos eles têm coisas em comum e pouco resta da essência de uma prática esportiva de um modo genuinamente africano.

Edu: Talvez essa trajetória histórica tenha influenciado no fato de os marfi- nenses ainda não terem abraçado plenamente o técnico francês Sabri Lamouchi, responsável por classificar o país para sua terceira Copa do Mundo. Não é uma novidade ter um francês no comando da seleção, mas Lamouchi, um descendente

39 OS 32 DA COPA GRUPO C COLÔMBIA, GRÉCIA, COSTA DO MARFIM E JAPÃO de tunisianos que chegou a fazer alguns jogos na Seleção Francesa, não tem um currículo firme como treinador, é inexperiente e ainda não conseguiu um padrão de jogo que encantasse a torcida. Há justificativas, claro. O elenco que tem fre- quentado as convocações vem de 10 países diferentes, a maioria na Inglaterra, sem contar os dois jogadores que atuam na própria Costa do Marfim, o experiente go- leiro e o zagueiro . Ainda assim, a presença de cra- ques reconhecidos no contexto europeu eleva as exigências em torno do trabalho de Lamouchi, que desde o início privilegiou um ritmo de jogo baseado no estilo técnico de seus meio-campistas, principalmente Yayá Touré, duas vezes eleito o melhor futebolista da África.

Carles: Quando Yayá estava no Barça, Guardiola ofereceu-lhe a posição cen- tral, pensando já nesse seu conceito tão particular de zona defensiva e, quem sabe, tendo como referência aquele sensacional Frank Rijkaard do Milan. Hoje, Touré faz um pouco isso, só que partindo da própria intermediária para frente. Acho que ele será fundamental para o sucesso da sua seleção que ocupa a 23ª posição no ranking Fifa e enfrenta a Colômbia que é a oitava, Grécia, que é 12ª, e Japão, 46ª. Finalmente, um grupo sem bicho papão.

Edu: É bom salientar que, como todas as outras equipes africanas, a Costa do Marfim terá grande apoio do torcedor brasileiro onde quer que atue, também em função do carinho e da identificação com seus craques por aqui, entre eles o incrí- vel Gervais Kouassi, da Roma, que tem, além do estilo com perfil brasileiro, um apelido que o consagrou em toda a Europa, dado justamente por um treinador brasileiro, Joel Carlos, nos tempos em que o habilidoso atacante ainda jogava em Abdijan: Gervinho.

OS CONVOCADOS Goleiros: Boubacar Barry (Lokeren-BEL), Sylvain Gbohouo (Sewe Sport), Sayouba Mande (Stabaek-NOR) Defensores: Jean-Daniel Akpa-Akpro (Toulouse), (Toulouse), Sou- leyman Bamba (), (Stuttgart), Kolo Toure (Liverpool), Di- dier Zokora (Trabzonspor), OusmanE Diarrasouba (Caykur Rizespor-TUR) Meio-campistas: Mathis Bolly (Fortuna Dusseldorf ), Constant Djakpa (Eintracht Frankfurt), Ismael Diomande (Saint-Etienne), Max-Alain Gradel (Saint-Etienne), Cheick Tiote (Newcastle United), Yaya Toure (Manchester City), Geoffroy Serey Die (Basel), Didier Ya Konan (Hannover 96) Atacantes: Wilfried Bony (Swansea), Didier Drogba (Galatasaray), Gervinho (Roma), (Lille), Giovanni Sio (Basel). Técnico: Sabri Lamouchi.

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Estilo europeu, técnico italiano, legião da Bundesliga: mas é o Japão

Carles: O Japão chega ao Brasil na sua quinta participação consecutiva em Co- pas. Nas quatro anteriores, tanto na África do Sul/2010 como na que eles mesmo ajudaram a organizar em 2002, chegaram às oitavas, enquanto na França/1998 e na Alemanha/2006 não passaram da fase inicial. Outra vez o torneio é disputado fora da Europa, com vários dos principais jogadores japoneses estagiando na Bun- desliga e comandados por um das velhas raposas italianas. É o cenário ideal para que os japoneses deem um passo a mais, quem sabe para as quartas?

Edu: Não é por acaso que a Bundesliga importa vários japoneses. Não são os times de ponta, mas existe uma identidade entre os alemães e os orientais de uma forma geral que permite uma rápida adaptação: são organizados, disciplinados, têm aquela postura hermética que os germânicos cultuam e, mais do que tudo, não criam problemas. É uma química que funciona bem em equipes médias como Nuremberg, Wolfsburg, Mainz, Hertha Berlim. E comprova a evolução técnica do jogador japonês, resultado do planejamento meticuloso que começou quando a J-League realmente decolou, na década de 90, muito por obra do nosso Zico, uma instituição por lá. Não é coincidência o fato de chegarem à quinta Copa consecu- tiva. No Brasil terão um forte apoio da colônia e não dá para descartar um bom papel do time de .

Carles: É provável mesmo que exista um interesse por parte desse misterioso ente que está por trás do meticuloso planejamento em favor da evolução do fute- bol nipônico, para que alguns dos seus principais jogadores atuem nesse tipo de clube médio: Kiyotake no Nuremberg, no Wolfsburg, os irmãos Sakai, Gaotoku no Stuttgart e Hiroki no Hanover 96, além de Ushida no Schalke 04. Assim, consigam certo protagonismo, em vez da típica contratação exótica

41 OS 32 DA COPA GRUPO C COLÔMBIA, GRÉCIA, COSTA DO MARFIM E JAPÃO como atrativo de audiência que acaba jogando pouco. Quanto ao apoio da torcida, suponho que, pelo menos com respeito à primeira fase, é realmente no tercei- ro encontro contra a Colômbia, em Cuiabá, na região centro-oeste, que exista a maior possibilidade de um apoio massivo. É assim?

Edu: Você conhece bem as inúmeras concentrações nipônicas daqui, formadas em cinturões agrícolas desde o auge da imigração, grande parte delas situadas em São Paulo e no norte do Paraná. Tanto é que o local de treinamento escolhido é a cidade de Itu, um dos mais densos núcleos da colônia. Mas vejo um entusiasmo bastante generalizado pela Seleção Japonesa e não acho que as distâncias serão problema para o pessoal acompanhar o time de Zaccheroni. Cuiabá talvez seja o ponto de convergência, mas certamente haverá grande número de torcedores já no jogo de estreia, decisivo no grupo, contra Costa do Marfim, no Recife. Uma parti- da das mais atrativas da primeira rodada, aliás.

Carles: Segundo a última classificação Fifa, o Japão aparece como a 46ª seleção e Costa do Marfim, 23ª. Entretanto, é possível que esse seja um indicativo bas- tante enganoso quanto às probabilidades de que passe uma ou outra seleção como segunda do grupo. Isso se considerarmos a Colômbia, que agora aparece como a oitava seleção do ranking, como a favorita absoluta. Enfim, é muita teoria para um grupo em que, na prática, pode acontecer de tudo. Inclusive não seria prudente descartar os imprevisíveis gregos que tecem uma história nem tão desprezível à base de suas típicas goleadas por um a zero para conseguir posicionar sua seleção como a 12ª melhor classificada.

Edu: Se a classificação da Fifa tivesse mais credibilidade, seria anunciada todos os meses numa festa com a pompa que a dupla do barulho Blatter-Valcke tanto aprecia. O que vemos em campo é outra coisa e, apesar dos craques marfinenses que estarão aqui, parece existir muito mais consistência nesse time japonês com estilo europeu, conduzido pelo incansável Kagawa, do United, e pelo tempera- mental mas bastante efetivo , do Milan, um canhoto fominha que quer fazer tudo no time, mas que costuma ser decisivo. Também dão firmeza ao meio de campo o interminável Yasuhito Endo, 34 anos e 136 jogos pela seleção japonesa, e o capitão e líder natural do time, já citado por você, Hasebe, do Wolfs- burg. Sem contar jovens que estiveram naquele fatídico encontro com a Espanha na Olimpíada de Londres, como o ágil ponta Ryo Miyaichi, hoje no Wigan.

Carles: Curiosos os adjetivos que estamos acostumados a utilizar quando fala- mos dessa cultura milenar. Se bem que quase sempre tenham uma intenção po- sitiva, frequentemente transmitem certa falta de criatividade ou capacidade artís- tica, em favor de um espírito incombustível e incansável. Numa época em que os artistas da bola necessitam mais do que nunca acrescentar a persistência e a cons- tância aos seus malabarismos natos, é possível que o aperfeiçoamento técnico dos japoneses possa fazer com que seus combinados definitivamente cumpram um papel competitivo. Como você bem lembrou, um claro exemplo foi aquela prome- tedora seleção olímpica de La Rojita que tinha De Gea, Jordi Alba, Koke, Mu- niain, Azpilicueta, Isco, Mata, que foi surpreendida por Ryo e companhia e teve que voltar mais cedo para casa. Provavelmente porque aquela comissão técnica, com Luis Milla à frente, tivesse como referência do futebol japonês a inverossímil série de desenhos animados japoneses “Campeones”. Talvez esperassem encontrar

42 OS 32 DA COPA GRUPO C COLÔMBIA, GRÉCIA, COSTA DO MARFIM E JAPÃO pela frente Oliver Aton e Benji Price, que nem nome de japoneses têm.

Edu: O certo é que o Japão de hoje tem muito mais respeito no cenário inter- nacional do futebol do que há 10 ou 15 anos. Não foram poucas as seleções de primeira linha, além da Espanha, que passaram algum tipo de apuro contra os japoneses. E no ambiente que vão encontrar por aqui, esteja certo, estarão bem à vontade. No mínimo, esta Copa vai render mais um atraente mangá.

OS CONVOCADOS Goleiros: (Standard Liège), (Urawa Reds) e Shuichi Gonda (FC Tokyo). Zagueiros: (Schalke 04), (Inter de Milão), (Hannover), Gotoku Sakai (Stuttgart), Masahiko Inoha (Jubilo Iwata), Ya- suyuki Konno (Gamba Osaka), (FC Tokyo) e (Sou- thampton). Meio-campistas: Yasuhito Endo (Gamba Osaka), Makoto Hasebe (Nuremberg), Toshihiro Aoyama (), (Cerezo Osaka), Keisuke Honda (Milan), (Manchester United), (Nuremberg) e Manabu Saito (Yokohama F Marinos). Atacantes: Yoshito Okubo (Kawasaki Frontale), (Mainz), (Cerezo Osaka), (1860 Munich). Técnico: Alberto Zaccheroni

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Digam o que for, mas respeitem a Azzurra

Carles: Depois do fracasso na África do Sul, Prandelli parece ter devolvido a confiança dos tiffosi na sua seleção, com um estilo de futebol renovado. Cesare deve ter crédito, a ponto de apostar todas as suas fichas em peças tão polêmicas como seu centroavante titular, Balotelli. O treinador declarou numa entrevista ao site da Fifa que Mario tem potencial ilimitado e cacife suficiente para ser cam- peão. Você imagina a Azzurra igualando o seu número de títulos mundiais aos do Brasil em pleno Maracanã?

Edu: Não, não imagino. Vai dar trabalho, certamente, até por jogar praticamente em casa, por causa da colônia, da simpatia dos brasileiros e por estar num grupo com a Inglaterra, que gerou muitas antipatias por aqui. Mas não é, hoje, um time de chegada, como em outros tempos. E Balotelli tem mostrado que gera mais desgosto do que ajuda. Para cada partida boa, some em outras cinco. Na verdade, todo mundo sempre fica esperando um grande desempenho de Super Mário – e nem sempre chega.

Carles: Não é time de chegada hoje, mas historicamente, nas vezes em que chegou, costuma ser pelas beiradas, quando menos se espera dá o bote. Em 2006 empatou com os EUA no segundo jogo e como sempre semeou a incerteza até que, na semifinal, derrubou a poderosa anfitriã, a Alemanha, para ser campeã em cima da França, nos pênaltis. Em 1982, de triste lembrança para os brasileiros, a vítima foi o inesquecível timaço do Telê, em Sarriá, estádio que até já foi derruba- do. No modelo mata-mata de 1934 e 1938, os resultados raras vezes passaram da vantagem mínima, com exceção de um 7-1 aos EUA. Enfim, os italianos se trans- formam sempre num convidado inesperado e parece que, quando mais se espera deles, mais provável que acabem sendo recebidos ao molho de pomodoro por sua torcida. Para bem ou para mal, sempre surpreendem.

Edu: Ninguém tem dúvida de que é uma das poderosas, incomoda, merece toda a atenção, tem uma história imensa e respeitável. Tudo isso é verdade. Só que o lado bom de Prandelli – uma proposta ofensiva – não encontra respaldo no mate- rial humano. Quem hoje é um jogador brilhante na Azzurra? Pirlo aos 34? Pode ser. Balo? Nunca se sabe. E Buffon é uma garantia. Mas a grossa maioria do time tem jogadores razoáveis, de prestígio, mas nenhum craque indiscutível. De Rossi,

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Marchisio, Chlellini são todos jogadores importantes para dar consistência. Mas falta um fator de desequilíbrio. E a defesa está longe de ser aquela de outros tempos.

Carles: Obviamente que Prandelli não vai reconhecer publicamente, mas pelo visto o projeto dele não é a curto prazo, já que fala com entusiasmo justamente dos seus jovens jogadores. Cinco ou seis, segundo ele, nos quais bota muita fé. Cita Lorenzo Insigne, , Mattia Destro, todos com 22 anos, além de Mattia De Sciglio e Marco Verratti, ambos com 21 anos. Claro, insiste, terão que ser apoiados na veteranice de Buffon e Pirlo e do Super Mário. Portan- to, o mais lógico é pensar que ele não se ilude e que não espera o título para já, mas sabe perfeitamente que só um resultado digno da moçadinha no Brasil pode garantir o suficiente fôlego para dar continuidade do seu trabalho.

Edu: Aí pode estar o segredo da Azzurra, alguma possível surpresa, quem sabe. Mas duvido que Prandelli, numa situação dessas, vá abrir mão de De Rossi para escalar o ótimo Verratti, ou encaixar Insigne no lugar de algum figurão. Difícil. Se bem que Prandelli tem mostrado ser um tipo surpreendente, desde sua carreira modesta como jogador até o crescimento como técnico mesmo sem dirigir times de ponta.

Carles: Acho mesmo que o sangue novo vai ser necessário, já que a seleção ita- liana começa com o famoso jogo do dia 14 às 6 da tarde, em Manaus contra os simpáticos ingleses – que estão achando que jogam na selva. Depois, o Recife, a Costa Rica do glorioso , atual herói do Levante. E para finalizar a fase de grupos, contra os também imprevisíveis uruguaios, em Natal. Nesse jogo poderia estar se decidindo quem passa como primeiro ou simplesmente quem passa. E a Itália poderia acabar nem jogando no sul-maravilha, apesar de ter esco- lhido uma cidade carioca para a concentração, não é assim?

Edu: Pode, até se passar para as oitavas, dependendo se for primeira ou segunda do grupo. Com tudo isso, tenho a impressão de que, no fundo, nunca descartare- mos a Itália, por mais insípido que seja o time. Nenhum adversário, em sã cons- ciência, escolheria enfrentar a Itália, se pudesse. Aquele país melodramático, que tem o poder de gerar um Gramsci e um Berlusconi, quando o assunto é futebol é capaz de tudo.

Carles: Só de ler o nome de Antonio junto com o de Silvio, na mesma frase, já dá calafrios. Essa é a Itália, contraditória e surpreendente, provavelmente o único pedacinho da Terra onde o caos pode parecer ‘affascinante’.

OS CONVOCADOS Goleiros: Buffon ( Juventus), Perin (Genoa) e Sirigu (Paris Saint-Germain). Zagueiros: Abate (Milan), Barzagli (Juventus), Bonucci (Juventus), Chiellini (Ju- ventus), Darmian (Torino), De Sciglio (Milan) e Paletta (Parma). Meio-campistas: Aquilani (Fiorentina), Candreva (Lazio), De Rossi (Roma), Mar- chisio (Juventus), Thiago Motta (Paris Saint-Germain), Parolo (Parma), Pirlo ( Ju- ventus) e Verratti (Paris Saint-Germain). Atacantes: Balotelli (Milan), Cassano (Parma), Cerci (Torino), Immobile (Torino) e Insigne (Napoli). Técnico: Cesare Prandelli.

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Sangue novo para sacudir a poeira do English Team

Carles: Segundo The Guardian, Thereza May, a Home Secretary do governo britânico, comunicou que “Cameron considera a possibilidade de ampliar a licença para que os pubs ingleses possam fechar mais tarde no dia 14 de Junho”. O jogo contra a Itália, que começa às 11 pm, deve terminar por volta da uma da madru- gada e, aí, até conseguir separar cada inglês da sua ‘pinta’, podem já ser as tantas. E segue: “Se conseguirmos a classificação para a próxima fase, já veremos”. Vão bem humildes, eles, não?

Edu: Desacreditados, mais que humildes. Faz já algum tempo que o torcedor in- glês, um sujeito que normalmente é capaz de fazer loucuras por seu time do cora- ção, passa mais tempo ironizando a seleção nacional do que dando demonstrações de fé. Cameron e sua turma mais chegada do número 10 de Downing Street não devem ser muito diferentes. ‘A seleção inquieta a mente do torcedor inglês’, costu- ma dizer o venerável John Carlin em suas crônicas, um desses que não se cansa de esculhambar o time, lembrando que todos, jogadores, imprensa e técnicos, vivem procurando desculpas. Neste caso, não seria exatamente uma desculpa: esse jogo aí a que você se refere será disputado em plena Amazônia e o adversário não é nada confiável.

Carles: Bom, o Carlin não vale, ele tem mais de espanhol, filiação incluída, do que de inglês, se bem que voltou a morar lá, recentemente. E convenhamos, assim como nem todo brasileiro passa os dias sambando, nem todo inglês responde ao protótipo de sujeito arrogante e ignorante do resto de culturas. Tem a vertente da fleuma britânica, e muitas vezes eles demonstram uma grande capacidade para rir de si mesmos. O maior exemplo é o humor do grupo Monty Python e um dos seus sketchsmais célebres, Crônica da partida de futebol entre filósofos, uma espécie de Canal 100 paródico que documenta uma hipotética final mundial de futebol entre filósofos Gregos e Alemães – surpreendentemente reforçados por Beckenbauer!!!! – e classificados depois de terem eliminado os ingleses na semi. Talvez numa versão dos Monty, a Inglaterra não teria saído vencedora daquele duelo de 30 de julho de 1966, em Wembley.

Edu: E talvez, por outro lado, superasse tantas outras ocasiões em que entrou

46 OS 32 DA COPA GRUPO D ITÁLIA, INGLATERRA, URUGUAI E COSTA RICA favorita e saiu deprimida. A mídia esportiva inglesa, como os muitos comediantes que passam semanas montando piadas sobre o English Team a cada fracasso, ain- da considera um mistério o fato de jogadores tão internacionais e com currículos tão turbinados colecionarem fiascos em série pela seleção. Nem é tão enigmático, na verdade, porque de duas uma: ou esses jogadores não são tudo isso e se desta- cam nos seus times porque os estrangeiros é que fazem a roda girar; ou a seleção já não tem mais apelo diante da grandiosidade da Premier League. O certo é que sempre dá a impressão de Rooney, Gerrard, Lampard e Ashley Cole estarem cumprindo uma liturgia de rotina e sem nenhuma graça quando vestem a camisa da seleção. Tenho dúvidas se Roy Hodgson e os ares do trópico serão capazes de mudar essa história.

Carles: Eu diria que um pouco de cada uma, a obstinação do craque inglês de- pende bastante do fator surpresa, o inesperado que oferecem latinos e jogadores do leste europeu às equipes da Premier, mas a seleção tampouco seduz tanto e o deles não é o único caso na Europa. Apesar disso, o clima que se respirou durante a sessão de fotos do English Team para a Copa e para vender ingressos do In- glaterra-Peru de 30 de maio em Wembley, era bem diferente, principalmente por parte de jovens como Daniel Sturridge e Oxlade-Chamberlain. Pelo visto, a estra- tégia foi fazer os testes pré-copa contra times latino-americanos, talvez prevendo uma estreia sem vitória e tendo que decidir a sorte contra Uruguai e Costa Rica.

Edu: Por isso que talvez Roy Hodgson seja, neste momento, o nome mais pró- ximo do ideal para tentar revitalizar algumas coisas por ali. Não foi à toa que ele deu oportunidade a uma nova geração que chega bem mais pilhada e sem estar contaminada pelos decanos. Sturridge é um deles, um jogador que renasceu no Liverpool ao lado de Luis Suárez. Mas há outros, como Ox Chamberlain, a quem o técnico deu espaço e não se arrependeu, e Andros Townsend, um meia-ponta driblador à moda antiga, um dos poucos que consegue se destacar no caos atual que é o time do Tottenham – afastado da Copa por uma lesão de última hora. Hodgson viveu mais tempo como treinador fora do que dentro da Inglaterra, o que certamente deu a ele uma visão menos engessada do futebol. Acho até que essa garotada pode levar os mais experientes a sacudir um pouco da poeira.

Carles: Inclusive pela miscigenação, muito mais autêntica nesta nova edição. Sturridge tem muito das ancestrais raízes jamaicanas. Se no Liverpool ele faz duo com o superego Luisito, no time inglês faz par com o ex-futuro-quase-bad-boy Rooney, de quem nunca sabemos bem o que esperar. Junto com a moçadinha, te- remos medalhões como o próprio Wayne, Gerrard e Lampard (quiçá na reserva). E definitivamente sem o capitão Terry, que representava a tradicional liderança dos zagueiros nos times ingleses.

Edu: Mas até na defesa Hodgson mexeu bem e talvez tenha encontrado uma fórmula mais eficiente com dois jogadores rápidos de sua confiança Cahill e Ja- dielka. Na lateral esquerda o excelente Leighton Baines, do Everton, fez todo mundo se esquecer de Cole, mas na direita deve jogar Glen Johnson, do Liver- pool, lento e problemático no mano a mano. Só que tudo nesse time passa pelo meio de campo e se Hodgson se propor a conservar Gerrard como volante, como ele vem atuando ultimamente, será um grande avanço para quem sempre teve por ali jogadores mais físicos do que técnicos. Em todo caso, como se trata de Ingla-

47 OS 32 DA COPA GRUPO D ITÁLIA, INGLATERRA, URUGUAI E COSTA RICA terra, tudo o que dissermos aqui pode virar água já na estreia na calorenta Ma- naus. No fim, o time corre o risco de ter que decidir mesmo o segundo lugar do grupo contra os uruguaios, dia 19 de junho, em Itaquera. Ou seja, do outro lado estará Luisito.

Carles: Se levarmos em conta a dança dos números do ranking Fifa – às vezes mais enganosos que as eternas promessas da seleção inglesa – o segundo posto se disputa mesmo na estreia em Manaus, entre os europeus, já que os uruguaios são os melhores posicionados no sétimo posto, depois vem a Itália 9ª, Inglaterra 10ª e por último Costa Rica, no 28º posto. Por último, permita-me comentar aqui a tal polêmica que, de alguma forma, aproximou CBF e FA, o terreno dos negócios e patrocínios que andou dificultando a edição o chamado álbum oficial das figuri- nhas da Copa. Segundo eu sei, foram as duas únicas que apresentaram obstáculos aos editores. Você recomenda que o resto de federações deixem se aconselhar pe- los assessores brasileiros e ingleses antes de fechar um negócio?

Edu: Nem precisa de recomendação, ninguém vai cair nessa esparrela.

OS CONVOCADOS Goleiros: Fraser Forster (Celtic), Joe Hart (Manchester City) e Ben Foster (West Bromwich). Zagueiros: Leighton Baines (Everton), Phil Jagielka (Everton), Gary Cahill (Chel- sea), Glen Johnson (Liverpool), Phil Jones (Manchester United), Chris Smalling (Manchester United) e Luke Shaw (Southampton). Meio-campistas: Ross Barkley (Everton), Steven Gerrard (Liverpool), Jordan Hen- derson (Liverpool), Adam Lallana (Southampton), Frank Lampard (Chelsea), James Milner (Manchester City), Alex Oxlade-Chamberlain (Arsenal), (Arse- nal) e Raheem Sterling (Liverpool). Atacantes: Rickie Lambert (Southampton), Wayne Rooney (Manchester United), Da- niel Welbeck (Manchester United) e Daniel Sturridge (Liverpool). Técnico: Roy Hodgson.

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A discreta grandiosidade do ‘paisito’ de Don Pepe

Carles: Hoje gostaria de falar de um país cujo maior craque tem 80 anos, está bem acima do peso e arrasta problemas de saúde do tempo em que esteve preso. Segundo ele, o país que comanda é um rico decaído que adormeceu no dia em que foi campeão no Maracanã. Assim mesmo, esse ‘paisito’ de 176.215 km2 e com 3,2 milhões de habitantes foi eleito por ‘The Economist’ o país do ano pela sua fórmula de felicidade humana.

Edu: Este señor costuma dizer que comanda um pequeno país ‘en una esquina importante de América’, não mora no palácio presidencial, circula em um Fusca e só tem a companhia de dois seguranças no sítio em que mora porque a Constitui- ção obriga. José Mujica é uma prova viva no mundo contemporâneo de que polí- tica e sabedoria podem andar juntas. E é daqueles que considera futebol e política como unha e carne. Aliás, até nessa paixão ele é coerente com sua simplicidade. Peñarol? Nacional? Nada. Don Pepe é torcedor do pequeno Club Atlético Cerro, com seu estádio para 25 mil torcedores em Montevidéu.

Carles: Essa esquina segundo ele é pura claustrofobia, porque com um gigante como o Brasil em cima (o norte é em cima né?) e Argentina a oeste, o uruguaio vive sendo empurrado por dois gigantes para o mar (ou para o Rio de La Plata). Essa é mais uma explicação irônica e bem humorada de Pepe para a tendência dos seus ‘paisanos’ a emigrar. Aliás, como mais de 95% dos jogadores uruguaios nor- malmente chamados por Óscar Tabárez.

Edu: No Copa América foram 100% e será algo assim no Mundial. O futebol uruguaio tem uma inegável grandeza inversamente proporcional ao tamanho do país. Nenhuma seleção no mundo tem 21 títulos internacionais, incluindo duas Copas do Mundo, duas medalhas de ouro em Olimpíadas e impressionantes 15 edições da Copa América, da qual é recordista disparado. E olha que a Celeste ficou bons 30 anos sem ganhar nada de importante entre meados dos anos 50 e

49 OS 32 DA COPA GRUPO D ITÁLIA, INGLATERRA, URUGUAI E COSTA RICA a década de 80. Mas, hoje, dá para dizer sem medo de errar, muito em função do trabalho desse outro sábio que você citou, Tabárez: esse time recheado de craques é capaz de tudo, até de brigar pelo título.

Carles: Mesmo com todas essas condecorações penduradas na camiseta celeste, tem outra piada que Mujica gosta de repetir e que diz muito sobre a autopercep- ção dos uruguaios. Enquanto o argentino é capaz de se suicidar saltando desde o alto do seu ego, os charruas, no máximo, podem quebrar uma perna. E isso consi- derando que a seleção uruguaia chega ao Brasil, provavelmente, com um dos ata- cantes mais em forma da atualidade, capaz de disputar a Chuteira de Ouro com os grandes galácticos. Será que esse é o Luisito do Liverpool líder da Premier que veremos em Fortaleza no dia 14 de Junho?

Edu: Não tenho dúvida, você tem? Aliás, o Uruguai é um país em que o conceito de craque também está imune às convenções. Claro, eles também tiveram joga- dores cerebrais e de talento inigualável como e um dos maiores meio-campistas que vi na vida (acho que você idem): . Mas, para o uruguaio, o padrão de craque está muito mais para jogadores como Pepe Schiaffi- no, um dos carrascos do Brasil no Maracanazo, e este impressionante Luis Suárez que é, desde já, candidato também ao prêmio da Fifa ao melhor do ano, se é que esse concurso ainda tem alguma credibilidade. Sem contar outras estrelas, como o decano do time, Diego Forlan, recordista de jogos pela Celeste (se bem que deve ficar na reserva) e o intratável Cavani. Eu diria que, para os uruguaios, estar no grupo da morte e enfrentar Itália e Inglaterra é como disputar mais uma Copa América. São movidos a desafios. E como a estreia é contra Costa Rica, o time de Tabárez já vai para o segundo jogo sabendo quem é o maior adversário, ingleses ou italianos, que se bicarão antes, em Manaus.

Carles: Outro dia mesmo apareceu uma campanha em que Pablo Forlan, aquele lateral que jogou no São Paulo nos anos 70 e pai de Diego, fazia uma campanha para escolher um torcedor encarregado de levar pessoalmente umas chuteiras especiais ao filho no Japão. Para corroborar a necessidade do equipamento, o ’Ca- chavacha’ aparecia com a camiseta do seu Cerezo Osaka perdendo gols inacreditá- veis. Não duvido mesmo que ele seja reserva, a não ser que pinte uma autogestão. Também não vejo grandes problemas na linha de frente dessa celeste, mas sim na opção de meio, onde Tabárez costuma optar por uma formação rochosa em de- trimento da fluidez de jogo. Talvez seja essa decisão que determine uma postura de inferioridade ou que permita se impor como a grande força desse verdadeiro grupo da morte. Porque além de tudo, até encontrar algum vizinho pelo caminho, joga praticamente em casa e é a sétima seleção no ranking Fifa, contra a Itália em 9º, a Inglaterra em 10º e a Costa Rica em 28º.

Edu: A defesa pouco confiável – não por Godin, em grande fase, mas pelo se- miaposentado Lugano, ainda capitão do time – e a falta de um jogador habilidoso no meio de campo trouxeram problemas nas eliminatórias. Só que em um clima de competição pesada sempre o caráter charrua costuma prevalecer, como naquela tarde de 16 de julho de 1950, que os uruguaios vivem relembrando e que já foi tema de ao menos uma dúzia de excelentes livros e documentários. O trauma não tem nada a ver com o time de Felipão, mas qualquer brasileiro de bom senso sabe que aquilo foi especialmente doloroso para o futebol do país por muitos anos e

50 OS 32 DA COPA GRUPO D ITÁLIA, INGLATERRA, URUGUAI E COSTA RICA uma síntese do que é o verdadeiro futebol uruguaio.

Carles: O caráter charrua sem dúvida vai ser o que vai fazer pender a balança a favor ou contra, que vai converter a seleção uruguaia numa ameaça séria para ita- lianos, ingleses e candidatos a um segundo Maracanazo. Ou, ao contrário, trans- formá-la nesse personagem recorrente de Juan Carlos Onetti, que o escritor espa- nhol Juan José Millás descreve como um ser introspectivo e perturbado, que fuma compulsivamente, nu e só numa habitação penosa, enquanto tenta compreender o mundo exterior.

Edu: Por outro lado, o estigma do Maracanazo pode afetar negativamente a geração de Luisito e Cavani. Outro genial uruguaio, também torcedor de raízes, Eduardo Galeano, é um dos críticos mais ferrenhos dessa obsessão por viver das glórias passadas e de se acomodar com a nostalgia. Uma de suas brilhantes defi- nições poderia servir como mantra para a moçada de Tabárez: ‘A esperança exige audácia, a nostalgia não exige nada’.

Carles: Pois um viva aos craques uruguaios.

OS CONVOCADOS Goleiros: Fernando Muslera (Galatasaray), Martín Silva (Vasco) e Rodrigo Muñoz (Libertad) Zagueiros: Diego Lugano (sem clube), Diego Godín (Atlético de Madrid), José María Giménez (Atlético de Madrid), Martín Cáceres ( Juventus), Maxi Pereira (Benfica), Jorge Fucile (Porto) e Sebastián Coates (Nacional). Meio-campistas: Arévalo Ríos (Morelia), Walter Gargano (Parma), Diego Pérez (Bologna), Álvaro González (Lazio), Álvaro Pereira (São Paulo), Cristian Rodrí- guez (Atlético de Madrid), Gastón Ramírez (Southampton) e Nicolás Lodeiro (Corin- thians). Atacantes: Edinson Cavani (Paris Saint-Germain), Luis Suárez (Liverpool), Diego Forlán (Cerezo Osaka), Abel Hernandez (Palermo) e Cristian Stuani (Espanyol). Técnico: Óscar Tabárez.

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‘Los Ticos’ desafiam os gigantes do grupo da morte

Edu: Não é preciso ser uma nação endinheirada para ter um altíssimo nível de consciência ambiental, ser considerada uma das mais transparentes democracias do mundo, ter o melhor índice de moradia da América Latina e níveis de segu- rança e liberdade de imprensa de fazer frente aos nórdicos. Além disso, ali está um sistema de saúde situado entre os cinco mais eficientes do planeta.

Carles: A Costa Rica foi a primeira nação do mundo a abolir o exército, em 1948, antes mesmo da Islândia. Claro que por ocupar uma região considerada es- tratégica, inclusive para os EUA, quantos menos exércitos por lá, menos ameaças de golpes de estado. A verdade é que a polícia é quem faz às vezes de exército nas questões internas e uma eventual proteção das fronteiras ficaria a cargo do exérci- to dos EUA. Há quem diga que se trata de uma espécie de protetorado norte-a- mericano. Eu também, se fosse vizinho desse fantástico jardim, trataria de prote- gê-lo. Mas se o jardim fosse meu, não sei se desejaria essa “proteção”…

Edu: As fantásticas paisagens naturais são mesmo um dos bons motivos para que esse país com uma população correspondente a menos da metade da paulista- na forme um pequeno recanto feliz em plena América Central.

Carles: Também tem um Estádio Nacional espetacular, construído por 1.800 operários chineses e com capital chinês, em troca, dizem, de que o governo da Costa Rica deixasse de negociar com o concorrente comercial, Taiwan. Eles co- nhecem sua importância estratégica e não hesitam em usar sua capacidade de se- dução. Também pode ter influenciado o fato de o presidente da Federación Cos- tarricense de Fútbol ser Eduardo Li, de ascendência chinesa, aliás uma colônia importante por lá.

Edu: Segundo Eduardo Li, a participação na Copa era uma dívida com a popu- lação… Só faltaria mesmo a Costa Rica ser top no futebol, o esporte mais popular do país. Mas isso pouco importa, para eles é suficiente conviver com esse sonho,

52 OS 32 DA COPA GRUPO D ITÁLIA, INGLATERRA, URUGUAI E COSTA RICA tanto que, hoje, vivem um momento especial ao preparar sua seleção para sua quarta participação em Copas do Mundo.

Carles: Curiosamente, uma seleção que só agora atinge o Top 30 do Ranking Fifa já em 1960 vencia o Brasil por 3 a 0, no Campeonato Pan-americano, justo dois anos depois da primeira grande conquista canarinha. Na Olimpíada de 1984, em Los Angeles, carimbou a faixa de campeã da Itália (na Copa da Espanha de 1982) e para não perder o costume, em 2012, meteu 2 a 0 na campeã Espanha que conseguiu empatar a duras penas, nos últimos cinco minutos.

Edu: Essas pequenas celebrações comprovam como é possível ser feliz com sim- plicidade. Los Ticos, como é chamada a Seleção, festejaram demais a conquista da vaga para vir ao Brasil e consideram este Mundial um marco para o futebol do país. Quando marcou outro dia na Champions um golaço pelo Olympiakos con- tra o United, , que faz 22 anos durante o Mundial, chamado pelos paisanos como La joya tica, falava justamente da felicidade que aquele gol repre- sentou, só comparável ao dia da classificação para a Copa.

Carles: Pude ver a transmissão pela tevê costarriquenha dos últimos minutos do jogo que garantiu a classificação de los ticos. Com a tela dividida, de um lado, a ansiedade e nervosismo dos jogadores de Costa Rica, ainda no vestiário do Está- dio Nacional de Kingston, instantes depois do empate com a seleção jamaicana e na outra metade, o final do Honduras-Panamá ainda em andamento. Com o apito final em e o empate que a garantia de classificação, a delegação co- meçou uma impressionante festa que se prolongou pelas ruas da capital San José, digna da conquista de um título mundial.

Edu: Também andei vendo uns jogos dos costarriquenhos nas eliminatórias e me pareceu um time bastante aguerrido, ambicioso, que não deu moleza para Es- tados Unidos e México, terminou com a segunda colocação (só atrás dos EUA) e conseguiu a vaga sem precisar das últimas rodadas. Campbell, cujo passe ainda pertence ao Arsenal, é hoje o grande nome do time. Mas não só ele. O capitão, , atacante do PSV, foi o principal rival de Luisito Suarez, quando o ar- tilheiro do Liverpool jogava pelo Ajax.

Carles: E não se esqueça do meu vizinho Keylor Navas, que joga no Levante, considerado a revelação, melhor goleiro da Liga e um dos melhores do continente. Segundo os noticiários, é pretendido pelo Barça e outros clubes grandes da Euro- pa.

Edu: Falam maravilhas também de um garoto de 21 anos, Jairo Ruiz, atacante do Lille, embora sua escalação entre os titulares dependa da ousadia do treina- dor colombiano , que não deve escalar três atacantes (Campbell e Bryan são intocáveis), já que participa da chave mais complicada da Copa, o grupo da morte. Costa Rica estreia contra o Uruguai, no Castelão, em Fortaleza (depois enfrenta a Itália em Pernambuco e a Inglaterra no Mineirão), e pode até se beneficiar de uma certa desconcentração dos concorrentes, que solenemente ig- noram o patinho feio da América Central.

Carles: Quanto ao treinador, o colombiano Pinto é um sujeito populista, que conquistou a imprensa nacional porque nunca nega uma entrevista, mesmo no

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ônibus da delegação, a caminho de um jogo tenso e decisivo. Também é capaz de chegar às lágrimas ao vivo, pela classificação da seleção que o emprega. Hoje ocupa o cargo que já foi do trotamundos treinador sérvio Bora Milutinović, aliás responsável pela ótima campanha da tricolor na Copa de 1990, bem ao estilo dele, vitória por 1 a 0 sobre a Escócia, derrota para o Brasil também pela mínima e vitória sobre a Suécia por 2 a 1, até a derrota nas oitavas para a Checoslová- quia. Los Ticos já contaram com vários brasileiros no comando técnico, entre eles Renê Simões e o responsável nas Copas de 2002 e 2006, Alexandre Guimarães, que não conseguiu levar a Costa Rica além da fase de grupos.

Edu: O curioso é que – já que falamos em nórdicos – o futebol de Costa Rica tem uma inusitada ligação com os países escandinavos. Muitos jogadores revela- dos no campeonato local fazem a rota do norte sem passar pelos grandes centros europeus. O time titular que estará no Brasil tem uma parte da base atuando naquela região. O bom lateral joga na Noruega, pelo Rosem- borg, e veio do Copenhague depois de ser um dos destaques do time sub-20 que ficou em quarto lugar no Mundial do Egito, em 2009. O volante , com 56 partidas pela Seleção, foi direto do Saprissa, principal time do país, para o Fredrikstad, da Noruega, e hoje é titular do AIK de Estocolmo, enquanto seu parceiro no setor de criação, Christian Bolaños, 59 partidas pela seleção, joga no Copenhague desde 2010. A galeria dos mais experientes tem também uma das referências da equipe, o lateral esquerdo Junior Diaz, do Mainz 05.

Carles: É o caso do veterano , um habitual reserva da seleção que foi o revulsivo no jogo contra a Jamaica e autor do gol que classificou sua seleção para a Copa. Brenes começou no clube da sua cidade natal, o Cartaginés, para onde retornou depois de fazer carreira na Noruega e de uma rápida passagem pelo Azerbaijão.

Edu: Por tudo isso e por outras coisas que estou certo que os ticos não vêm pas- sear no Brasil. Os gigantes que se cuidem, mesmo porque times como esse con- quistam rapidinho a simpatia da torcida brasileira e costumam ficar inflados com um apoio caprichado das arquibancadas. A Costa Rica, além de tudo, vai ficar hospedada em um local de inegável inspiração. Vão se concentrar em Santos e se preparar no Centro de Treinamento Rei Pelé, nada menos. Haja mito.

OS CONVOCADOS Goleiros: Keylor Navas (Levante), (Alajuelense) e Daniel Cam- bronero (Herediano). Zagueiros: Johnny Acosta (Alajuelense), Giancarlo González (), Mi- chael Umaña (Saprissa), Oscar Duarte (Bruges), (Columbus Crew), Heiner Mora (Saprissa), Junior Díaz (Mainz 05), Christian Gamboa (Rosenborg) e (New York). Meio-campistas: Celso Borges (AIK), Christian Bolaños (Copenhague), Oscar Este- ban Granados (Herediano), Michael Barrantes (Alesund), (Saprissa), (Valerenga) e José Miguel Cubero (Herediano). Atacantes: Bryan Ruiz (PSV ), Joel Campbell (Olympiacos), Randall Bre- nes (Cartaginés) e Marco Ureña (Kubán Krasnodar). Técnico: Jorge Luis Pinto.

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Entre a indolência e ‘Allons enfants de la Patrie...’

Carles: Quando a última Confecup acabou, tive a sensação de que as circuns- tâncias tinham nos aproximado um pouco mais ao nosso então carrasco, pela semelhança com a ardida derrota da Seleção Brasileira para a França em Saint Denis, na final da Copa de 1998. Aliás, aquela foi uma das raras seleções francesas com o tal espírito competitivo, confirmado dois anos depois com a conquista da Eurocopa e, desta vez, para tirar toda sombra de dúvida e/ou suspeita, foi fora de casa, na Holanda, e com uma empolgante virada na final em cima dos italianos, com o gol de empate nos descontos e o da vitória na prorrogação, autoria do fran- co-argentino Trezeguet.

Edu: A França é um desses raros países cujo futebol tinha todos os elementos para ser atraente e angariar simpatias, mas que por diversas razões não emplaca em matéria de popularidade. Não sei se é por falta de um estilo, ou pela tradicio- nal petulância francesa no panorama político, ou ainda pela falta de identidade de muitos de seus jogadores. Deve ser por tudo isso e mais um pouco. Mesmo assim, convenhamos, é um time que tem menos respeito do que merece se fôssemos pensar só na questão técnica e na qualidade dos jogadores.

Carles: Certamente eles têm o “respeito” ao que você se refere, na medida que eles mesmos pretendem. E volto a bater na tecla do nacionalismo, um sentimento ideologicamente muito próximo à direita que na França tem cabida em determi- nados núcleos (poderosos, é verdade) e lugar cativo na casa dos Le Pen. Por isso os sentimentos ligados à seleção nacional não emplacam dentro da França e muito menos fora.

Edu: É, mas a Seleção Francesa tem um elenco com diversidade racial e reli- giosa como poucas, o que por princípio seria um sinal de abertura para o mundo, democracia em estado primal. Ali convivem franceses de raízes (o capitão Lloris, Cabaye, Giroud) com chegados de todos os cantos da Europa e da África. A base, tanto a mais antiga quanto a novíssima geração, tem componentes de origem po- lonesa (Koscielny), muçulmanos (Ribéry), descendentes de espanhóis (Valbuena), de famílias oriundas no Magreb (Benzema) e uma multidão de filhos legítimos da África Negra, se bem que nascidos na França quase todos: Paul Pogba e Guila-

55 OS 32 DA COPA GRUPO E FRANÇA, SUÍÇA, EQUADOR E HONDURAS vogui (Guiné Bissau), Blaise Matuidi (Angola), os reservas Steve Mandanda (le- sionado e fora da Copa) e Eliaquim Mangala (Congo), Sagna e Mamadou Sakho (Senegal) e tantos outros. O próprio treinador, Didier Deschamps, nasceu no País Basco francês, ou seja, tem praticamente um pé na Espanha. Já seria suficiente para ter mais empatia com o mundo do futebol, mas não é assim.

Carles: A democracia é relativa quando as tais amostragens da diversidade étni- ca estão restringidas aos guetos ou regiões marginais, de onde saem alguns privile- giados para servir ao exército ou aos combinados esportivos. As elites nacionalis- tas toleram esses invasores porque são eles que marcam a diferença, fazem os gols e dão vitórias a suas cores, a sua bandeira. Muitos dos jogadores de origens diver- sas a que você se refere são os que não cantam a Marseillaise ou os que lideraram alguns motins dentro da seleção.

Edu: É verdade que a péssima impressão que ficou da era pós-Zidane – tantos nas duas Eurocopas (2008 e 2012) quanto na última Copa – foi de alguma forma superada com habilidade justamente pelo trabalho meticuloso e realista de Des- champs. O volante que foi capitão do time campeão do mundo em 1998 conse- guiu, com simplicidade e se valendo da imagem de respeito que construiu como jogador, colocar uma certa ordem na casa depois do nefasto período Domenec. Aliás, você pode falar com propriedade, porque acompanhou de perto a tempora- da que ele serviu ao Valencia em seus últimos tempos como jogador.

Carles: Foi no ano de 2000, claramente em fim de carreira, tanto que no ve- rão do ano seguinte decidiu pendurar as chuteiras. Então, ele já tinha atitude de treinador. Deschamps era o capitão daquele time da final contra o Brasil e como jogador é o sexto com maior número de partidas disputadas com a seleção, depois de Thuram, , Marcel Desailly, Zinedine Zidane e Patrick Vieira. Claro que Jean-Marie ou Marine, dos Le Pen, diriam que Didier é o único autên- tico francês dessa lista.

Edu: Como selecionador, Deschamps aposentou algumas laranjas podres e deu espaço a um grupo mais jovem, sem desprezar porém estrelas do nível de Ribéry, do goleiro Lloris e mesmo de Benzema, que ganhou de presente toda a paciência do mundo para tentar renascer. O problema sério de última hora foi a perda de Ribéry, que podia não estar em boa fase mas será marcado por uma estatística im- pressionante: participou de mais de 70% dos gols do time nas Eliminatórias.

Carles: Esse renascer de Karim, se houver, será graças ao empenho de Floren- tino, seu fã privilegiado, e ao trabalho que el presi encomendou a Ancelotti, não ao “clima efervescente” que se respira na concentração de les Bleus. Aliás, esse pouco entusiasmo de servir a seleção, quiçá pela pouca representatividade de uma sociedade que não reconhece uma única identidade, faz com que eles costumem enfrentar dificuldades para se classificar. Como em 2009 com Titi Henry contro- lando a bola com a mão antes de dar o passe do gol da classificação marcado por Gallas. Outra vez nos descontos e no último jogo.

Edu: A verdade é que ficamos todos um tanto revoltados com a famigerada clas- sificação para a Copa de 2010, graças a esse gol irregular que derrubou a Irlanda,

56 OS 32 DA COPA GRUPO E FRANÇA, SUÍÇA, EQUADOR E HONDURAS o que talvez explique muito da antipatia que o time francês angariou. Tecnica- mente, não deveria ser tão medíocre, mesmo naquela Copa, mas aí entraram ou- tros fatores, como a soberba e o impacto nocivo de Domenec, que nem tinha co- nhecimento para controlar as sobras do vestiário nem tinha autoridade para posar de déspota, como tantos de seus antepassados. Deu no que deu. O fato é que, na ponta do lápis e na análise fria dos últimos desempenhos, a França tem um gran- de elenco, apesar de ainda não ter formado um grande conjunto. E, além de tudo, está em um grupo dos mais fáceis nesta Copa.

Carlos: Se desta vez a seleção bleus (que em alguns aspectos parece-me ter al- guma afinidade com o espírito brasileiro) meio contra-natura resolver competir, pode até fazer um bom torneio. Não será por falta de bons jogadores, principal- mente jovens como Pogba, que vem demonstrando um grande amadurecimento pessoal e técnico.

Edu: Paul Pogba está entre os jogadores franceses que considero fadados ao su- cesso no Brasil. É um todo-terreno que sabe ser volante tradicional, armador e até centroavante se for o caso, com uma pegada física impressionante. O segundo é seu companheiro de setor, Matuidi, um jogador total, cuja desenvoltura e aprovei- tamento dos espaços me lembra muito o desempenho de Paulinho (nos tempos de Corinthians, claro). Também aposto em Lloris como um dos grandes goleiros do Mundial, um jogador no auge de sua forma técnica e física aos 27 anos, com muita personalidade e que suporta um verdadeiro tsunami a cada jogo porque atua por trás da horrenda zaga do Tottenham.

Carles: Provavelmente vai depender da atitude desse grupo de variadíssimo per- fil e se eles realmente estão dispostos a levar a sério coisas como ‘Allons enfants de la Patrie… le jour de gloire est arrivé… ces féroces soldats’.

OS CONVOCADOS Goleiros: (Tottenham), Stéphane Ruffier (Saint-Etienne) e Mickaël Landreau (Bastia). Zagueiros: Raphaël Varane (Real Madrid), Mamadou Sakho (Liverpool), (Newcastle), Laurent Koscielny (Arsenal), Lucas Digne (Paris Saint-Ger- main), Eliaquim Mangala (Porto), (Arsenal) e (Manches- ter United). Meio-campistas: Yohan Cabaye (PSG), Paul Pogba (Juventus), Blaise Matuidi (PSG), Moussa Sissoko (Newcastle), Rémy Cabella (Montpellier), (Lille) e Mathieu Valbuena (Olympique de Marselha), Morgan Schneiderlin (Arsenal). Atacantes: Karim Benzema (Real Madrid), Antoine Griezmann (Real Sociedad), (Arsenal) e Loïc Rémy (Newcastle). Técnico: Didier Deschamps.

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Diáspora em busca da identidade suíça

Carles: Rodríguez, Fernandes, Senderos, Benaglio, Barnetta, Behrami, Džemai- li, Mehmedi, Shaqiri, Lang, Djourou, Gavranović, Seferović, Drmić… Alguém diria, assim de bate pronto, que esses sobrenomes são de um grupo de suíços com passaporte para o Brasil?

Edu: É praticamente o time da antiga Iugoslávia (eslovenos, sérvios, croatas, kosovares), com algo de latinos e africanos, e explica muito da dificuldade que os suíços têm de criar uma identidade futebolística, apesar do histórico de muitas participações em Copas do Mundo (esta é a décima). É uma das sinas do país que se gaba de ser o mais neutro do planeta.

Carles: Tem um filme espanhol, “Un Franco, 14 pesetas”, que conta a história de dois espanholitos que nos anos 60, buscando uma alternativa laboral ao pró- prio país – para variar em crise –, decidem ir trabalhar na Peugeot suíça, longe da família e atravessando todas as contradições dos choques culturais entre uma Europa de “primeira” e outra de “segunda” classe. É uma velha história entre as re- giões habitualmente mais impactadas pelas depressões econômicas, que produzem grandes correntes migratórias, e as potências, que normalmente ajudam a produzir essas crises. A diferença entre uns e outros costuma estar nos modelos que alber- gam os grandes capitais. Hoje, muitos suíços de primeira e segunda geração, já com pouca ou nenhuma referência das suas raízes mas com sobrenomes nada suí- ços, são os descendentes daqueles emigrantes, espanhóis, portugueses ou da Euro- pa do Leste, que viajavam munidos só de uma mala de papelão.

Edu: De certa forma é o que torna o país uma ponte entre culturas, contextos sociopolíticos e modelos econômicos, mas continua dificultando a construção de um perfil próprio. O que caracteriza de verdade um suíço? Provavelmente só eles sabem. Não sei se é uma vantagem ou um ônus, provavelmente uma vantagem porque eles parecem viver num outro mundo encravado nos Alpes, tentando mos- trar que são imunes aos transtornos em volta – o que se tornou mais evidente des- de a Segunda Guerra. Os máximos dirigentes esportivos escolheram a Suíça como quartel-general por alguma razão. No eixo Nyon-Lausanne-Zurique estão Uefa, Fifa e Comitê Olímpico, uma polpuda parcela do PIB do esporte mundial.

Carles: Algumas regiões do planeta, mais do que outras, parecem dispostas a abrir mão da própria identidade para parecerem mais universais, leia-se mercado

58 OS 32 DA COPA GRUPO E FRANÇA, SUÍÇA, EQUADOR E HONDURAS aberto aos grandes capitais. Quem é o suíço médio? Provavelmente os Rodrí- guez, os Bernetta, os Seferović, os Shaqiri ou os Senderos. Philippe Senderos, por exemplo, é filho de Julián, nascido em Santiuste, uma cidadezinha a 130 quilôme- tros de Madrid, que emigrou aos 17 anos de idade, primeiro até capital espanhola, depois a Londres e finalmente chegou a Genebra, onde conheceu Zorica Novko- vić com quem se casou e teve dois filhos: Philippe e Julien. Alguns desses meni- nos voltaram depois de um tempo ao país de origem, outros ficaram no país que acolheu seus pais e, para eles, as suas origens são coisas distantes e pouco concre- tas. O futebol acabou sendo um dos elos entre várias das colônias de emigrantes. Em outros casos, foi a música. No filme, depois de um tempo na Suíça, os per- sonagens Martin e Marcos conseguem comprar um aparelho de tevê para poder assistir a duras penas a um Madrid-Barça.

Edu: O lateral esquerdo Ricardo Rodriguez, que acompanha Luiz Gustavo no Wolfsburg, é outro descendente de latinos, mãe chilena e pai espanhol, que traba- lhavam em Zurique quando ele nasceu. A maior parte da seleção vem dos Balcãs – entre outros, Mehmedi é macedônio, Seferovic, que anda meio instável na Real Sociedad, é de origem bósnia, e o mais badalado do time, Xherdan Shaqiri, do Bayern de Munique, nasceu no Kosovo. Uma mínima parte da equipe nacional disputa o campeonato suíço, que é uma das esquisitices do futebol internacional: são apenas dez equipes que jogam quatro turnos, duas vezes ida e volta, um total de 36 jogos cada time. Aliás, o presidente da federação suíça, Peter Gilliéron, é nascido na Itália, para completar o quadro de ausência de raízes.

Carles: Como nos Estados Unidos, outro baluarte do capitalismo, o futebol suí- ço parece reduto dos descendentes de certas nacionalidades, encarregadas de fazer o trabalho que os locais já não querem. Algo assim acontece também na França e na Alemanha, mais ligado, nesses casos, às antigas colônias. Incrível ver como uma parte da torcida que um dia maldisse os invasores, com o passo do tempo, soma-se ao coro que grita aqueles sobrenomes que pareciam tão esquisitos. Porque essa riqueza cultural inclui, via de regra, uma melhora na qualidade do futebol, como aconteceu com esse time suíço que hoje ocupa o sexto posto do ranking Fifa. O que será desse combinado multinacional diante de franceses, equatorianos e hon- durenhos, que aparecem respectivamente em 17º, 26º e 33º nessa classificação?

Edu: É sempre algo indefinido o que os suíços vão fazer. Disputaram uma óti- ma fase eliminatória e têm, sob o comando de um velho conquistador do futebol, Ottmar Hitzfeld, um time bem mais sólido que em outras ocasiões - mesmo que Senderos seja o capitão.

Carles: Mas provavelmente não titular.

Edu: Quem diria, por exemplo, que na Copa da Alemanha/2006 a Suíça seria eliminada invicta e sem tomar nenhum gol? Quem diria que seria a equipe que derrotaria o futuro campeão mundial, a Espanha, na estreia em 2010, na África do Sul, com um ferrolho dos mais clássicos? No Brasil, os suíços terão problemas com o clima, esteja certo. Jogarão em Brasília (estreia contra o Equador) e depois em Salvador e Manaus. Aí a rapaziada dos Alpes vai ver de perto o que é calor de verdade.

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Carles: Bobos não são. Tenho entendido que escolheram uma sede paradisíaca, Porto Seguro. Quem sabe estão dispostos a descobrir o Brasil. Por isso talvez seja uma das dez delegações que mais vai passear durante a primeira fase, um total de 8.854 quilômetros, enquanto seu teórico grande rival do grupo, a França, per- correrá 5.858. A diferença corresponde a três viagens de ida e volta entre Berna e Paris.

Edu: Sempre fica a expectativa de que tenham algo mais a oferecer, além dos es- tereótipos que estão nos nossos subconscientes. Quando se fala em Suíça, é difícil não associar ao ‘catenaccio’, a Roger Federer, aos queijos magníficos e doces dos deuses ou, como disse Orson Welles em ‘O Terceiro Homem’, ao relógio de cuco.

OS CONVOCADOS Goleiros: Diego Benaglio (Wolfsburg), Roman Buerki (Grasshopper) e Yann Sommer (Basel). Zagueiros: (Hamburgo), Michael Lang (Grasshopper), Stephan Lich- tsteiner (Juventus), Ricardo Rodriguez (Wolfsburg), Fabian Schaer (Basel), Philippe Senderos (Valencia), Steve von Bergen (Young Boys) e Reto Ziegler (Sassuolo). Meio-campistas: Tranquillo Barnetta (Eintracht Frankfurt), Valon Behrami (Na- poli), Blerim Dzemaili (Napoli), Gelson Fernandes (Freiburg), Mario Gavranovic (FC Zurich), Gökhan Inler (Napoli) e Admir Mehmedi (Freiburg), Shaqiri (Bayern de Munique). Atacantes: Haris Seferovic (Real Sociedad), Josip Drmic (Nuremberg), Valentin Sto- cker (Basel) e Granit Xhaka (Borussia Mönchengladbach). Técnico: Ottmar Hitzfeld.

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O futebol de ‘La Tri’ já sabe falar grosso

Carles: Na cidade onde nasci, Valencia, estamos muito atentos à evolução do futebol equatoriano. Explico. Anualmente, ao longo dos campos de futebol que cobrem a enorme área verde que atualmente ocupa o antigo leito do Rio Turia, organizam-se verdadeiras Copas do Mundo entre times de imigrantes. E as equi- pes formadas por equatorianos não só são das mais habilidosas como costumam levar grande parte dos troféus. Essa é só uma razão, a outra é que a seleção de fu- tebol do Equador, entre 2102 e maio último, enfrentou as quatro seleções do nos- so grupo na Copa 2014. Portanto, pode servir para dar uma boa ideia das nossas possibilidades.

Edu: Certamente é um bom parâmetro. O futebol do Equador acompanhou os próprios avanços do país a partir da década passada, tem uma estrutura com certa solidez e conseguiu importantes conquistas desde a participação em sua primei- ra Copa do Mundo, 2002, com sua geração mais brilhante, comandada por Ivan Hurtado e Álex Aguinaga. Tem tudo a ver com a posição importante que o país assumiu na América do Sul e não só politicamente.

Carles: Assisti aos jogos de “La Tri” contra o Chile pelas eliminatórias em casa e eles meteram um 3 a 1 de virada. Também em casa, jogaram contra a Espanha, ganhadora no que eles chamaram “El partido del siglo” por 2 a 0. Sem alguns dos principais jogadores, Del Bosque escalou uma espécie de mistão entre a absoluta e a sub-21. Esse jogo serviu para homenagear um dos ídolos, Christian “Chucho” Benitez – morto em Doha, cidade do que seria seu clube, El Jaish -, com uma interrupção no minuto 11, o número habitual dele na seleção. Recentemente em Londres, a seleção do Equador venceu a Austrália também de virada por 4 a 3, depois de estar perdendo por 3 a 0. Aliás, esse time é muito forte ofensivamente com Felipe Caicedo e Jefferson Montero, sempre assistidos por Antonio Valencia, Noboa e Walter Ayoví, mas precisa ter a bola, porque a defesa costuma fazer água.

Edu: Tem ainda o intratável Fidel Martínez, chamado de ‘Neymar Equatoriano’ muito mais pelo corte de cabelo do que pelos dribles que dá. Como Montero e o outro atacante de ofício, Enner Valencia, Martínez joga no México, um intercâm- bio recorrente e que tornou bastante competitivo meio time titular do Equador.

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Mas a liderança da equipe ainda está em mãos do veteraníssimo volante Edison Méndez, 35 anos, que esteve no time de 2002 e viveu sua melhor fase no PSV Eindhoven (foi bicampeão da Eredivisie), além dos citados por você, Ayoví, 34 anos, capitão do time que joga no Pachuca e, claro, Antonio Valencia, porque nin- guém faz quase 200 partidas pelo United por acaso.

Carles: O ‘Neymar Equatoriano’ esteve na órbita dos times da Comunidade Valenciana – Valencia, Villarreal e Levante -, até que acabou no México, um mer- cado ultimamente muito frequentado pelos agentes dos futebolistas equatorianos. Pelos clubes valencianos passaram também Montero e Caicedo que, aliás, fez uma temporada 20111/12 sensacional pelo Levante marcando 13 gols. São números mais dos que satisfatórios no caso dos ‘granotas’, para quem normalmente um gol representa um empate ou uma vitória mais do que fundamentais para a perma- nência na Primeira divisão. A torcida estava encantada com ele e ele parecia um ídolo galáctico na cidade. Até que apareceu o personagem de sempre, o represen- tante, que, se não mede mal, demonstra mais ambição que visão. E “Felipao” aca- bou na Rússia onde seus números foram caindo, caindo até que em janeiro acabou assinando com o Al Jazeera por 3 anos.

Edu: Seja como for, o crescimento do prestígio internacional de seus jogadores, os avanços institucionais inegáveis da década passada e o papel cada vez mais rele- vante do presidente Rafael Correa no cenário latino-americano – um tipo que não hesita em peitar os poderosos – deram a esse pedaço histórico da América do Sul, com raízes espanholas e indígenas, um protagonismo que nem a crise do petróleo, sua grande fonte de riqueza, havia dado em outros tempos. É verdade que o fute- bol equatoriano acendeu e não explodiu depois daquele timaço de 2002 e mesmo na boa campanha em que passou de fase na Copa da Alemanha em 2006. A gera- ção de hoje, por esse motivo, sofreu com as cobranças mas parece ter estabelecido um bom padrão com o atual técnico, o colombiano . O time ter- minou em quarto lugar nas Eliminatórias Sul-Americanas, mas já tinha garantido a vaga com uma rodada de antecipação vencendo ninguém menos que o Uruguai. Tenho a impressão que vai incomodar na Copa.

Carles: Pois é, se a seleção ‘Tri’ não deu para ‘La Roja’ no futebol, não se pode dizer o mesmo de Rafael Correa e os seus embates com os jornalistas espanhóis, sobretudo os oficialistas. Ele deu um verdadeiro banho aos agressivos amigos de Rajoy da TVE durante as entrevistas no último verão, quando esteve por aqui para várias reuniões com os imigrantes equatorianos. Não satisfeitos, insistiram em entrevistar Pepe Mujica, e ambos conseguiram deixar à mostra as vergonhas e falta de argumento do jornalismo partidista e conservador. E nós nos divertimos muito. Voltando ao gramado e segundo a Fifa, o Equador ocupa o 26º posto no ranking de abril contra o sexto lugar da imprevisível Suiça, o 17º da França e o 33º de Honduras. E com a vantagem de jogar ao lado de casa. Uma irrepetível chance não acha?

Edu: Aliás, foi um dos países sul-americanos que mais comprou ingressos, se- gundo o balanço divulgado pela organização. O curioso é que “La Tricolor” esco- lheu um local de concentração bem distante do Trópico – ficará em Viamão, na Grande Porto Alegre, em um recanto bastante tranquilo que garantirá concentra- ção total. E terá a honra de fazer um de seus jogos, o terceiro e mais importante

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(contra a França), no Maracanã. Como o time estreia em Brasília e não deve ter problemas contra Honduras, a definição de uma possível vaga nas oitavas deve fi- car mesmo para o segundo jogo, em Curitiba, contra um osso duro que a Espanha campeã do mundo sentiu na carne em 2010: Suíça.

Carles: Antes da estreia, eles vão se medir justamente ao primeiro adversário da Espanha no Brasil e último na África do Sul: os holandeses. Também jogam con- tra um dos adversários do Brasil, México, e contra a Inglaterra. Fiquemos atentos à evolução dessa seleção que não tem a força nem conta com o fator surpresa da- quele time de 2002 ou até de 2006 quando chegou às oitavas, mas parece ter recu- perado algo de competitividade.

Edu: E, como o chefe, também sabe falar grosso.

OS CONVOCADOS Goleiros: Máximo Banguera (Barcelona-EQU), Alexander Domínguez (LDU-E- QU) e Adrián Bone (El Nacional-EQU). Zagueiros: Frickson Erazo (Flamengo-BRA), Jorge Guagua (Emelec-EQU), Oscar Bagüí (Emelec-EQU), Gabriel Achilier (Emelec-EQU), Walter Ayoví (Pachuca - MEX) e Juan Carlos Paredes (Barcelona-EQU). Meio-campistas: Segundo Castillo (Al-Hilal-ARA), Carlos Gruezo (Stutgart-ALE), Renato Ibarra (Vitesse-HOL), Cristian Noboa (Dínamo Moscou-RUS), Luis Sarita- ma (Barcelona-EQU), Antonio Valencia (Manchester United-ING), Edison Méndez (Independiente Santa Fe-COL), Fidel Martínez (Tijuana-MEX) e Michael Arroyo (Atlante-MEX). Atacantes: Felipe Caicedo (Al Jazira-EAU), Jefferson Montero (Morelia-MEX), Joao Rojas (Cruz Azul-MEX), Jaimen Ayoví (Tijuana-MEX) e Enner Valencia (Pachu- ca-MEX) Técnico: Reinaldo Rueda

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‘Los Catrachos’, por dignidade e algo mais

Carles: No dia 15 de Junho de 1969, o francês Jérôme Valcke era um menino de 9 anos de idade e, provavelmente, andava muito mais preocupado com as imi- nentes férias escolares de verão do que com o conflito entre hondurenhos e salva- dorenhos que eclodia a 9 mil quilômetros da sua terra natal. Ironicamente, umas quantas décadas depois, o mesmo Jérôme teve que cruzar o Atlântico para, com suas mãos de prestidigitador e algo de acaso, decidir que Honduras estreasse na próxima Copa exatamente no dia em que se cumprem 45 anos do início da que ficou conhecida como Guerra do Futebol. E contra quem?

Edu: Aquele conflito contra o vizinho teve muito a ver com um dos flagelos que assolavam boa parte da América Latina na época – a dramática situa- ção dos trabalhadores rurais. Não que hoje tenha melhorado de forma expressiva em muitos países da região, mas aquela conjuntura era especialmente nefasta para os salvadorenhos que cruzavam a fronteira atrás de emprego nos latifúndios hon- durenhos. A guerra – chamada também de Guerra das Cem Horas – foi pontua- da coincidentemente pela disputa nas eliminatórias entre os dois países, vencida numa melhor de três jogos por El Salvador, que fez sua estreia no México/70. Por uma longa década, os vizinhos ficaram purgando as cicatrizes daquela guerra, algo que certamente não afetou a infância bem nutrida de monsieur Valcke. Hoje, Honduras atingiu um patamar futebolístico bastante superior ao dos salvadore- nhos.

Carles: Uffff! final dos 70, tempos de duras lembranças para praticamente toda a América Latina, a macrorregião que se atreveu a despontar como candidata a celeiro do mundo, produtora de alimentos e habitat natural de camponeses e, por isso, de alto risco para os interesses do “mundo ocidental livre”, segundo os patro- cinadores de quase todos os conflitos do tipo. Mais livre para uns que para outros, como pudemos comprovar nos seguintes anos. Para monsieur Valcke e para muita gente do “primeiro mundo”, pouca diferença existia entre Honduras, El Salvador, Panamá… Aliás, não sei se vocês conhecem uma história do tempo do aznarismo em que o então glorioso Ministro da Defesa espanhol, o ultracatólico Federico Trillo, saudou as tropas aliadas do exército de El Salvador no Iraque com um “Viva Honduras”, numa das mais vergonhosas pífias internacionais. Uma confu-

64 OS 32 DA COPA GRUPO E FRANÇA, SUÍÇA, EQUADOR E HONDURAS são imperdoável, até mesmo no futebol já que Honduras participa da sua terceira Copa contra aquela única de El Salvador, já bem distante no tempo.

Edu: Se para o sutil Reagan chamar o Brasil de Bolívia, e vice-versa, era uma gafe de rotina, por que o beato Trillo não poderia se equivocar? Depois daqueles tempos de sombras, o futebol hondurenho avançou muito, a ponto de aprontar uma roubada para ninguém menos de Luiz Felipe Scolari na Copa América de 2001. Nas quartas de final, o time que já tinha eliminado o Uruguai deixou tam- bém o Brasil pelo caminho e o treinador que seria campeão do mundo no ano seguinte com cara de tacho. Lembro bem de um gol contra do seu ex-vizinho Belletti e da cabeçada de Saúl Martinez que definiu a vitória hondurenha. O país terminou aquele torneio com a melhor performance internacional de sua história, terceira colocação, e com seu capitão, , eleito melhor jogador do torneio.

Carles: Logo na sua estreia em Copas do Mundo de Futebol, na Espanha 1982, a seleção hondurenha arrancou um empate por um gol contra a dona da casa e repetiu o placar contra a Irlanda do Norte, no segundo jogo. Só acabou desclas- sificada porque perdeu o terceiro jogo para a Iugoslávia pelo placar mínimo. Na sua segunda Copa, em 2010, e mais uma vez no grupo de La Roja, voltou a ficar pelo caminho e de novo fazendo um papel digno, sem receber nenhuma goleada humilhante. Muito pelo contrário, o 2 a 0 da seleção espanhola na África do Sul foi a única partida até hoje em que Los Catrachos tomaram mais de um gol numa Copa. E encara a aventura no Brasil desde o alto da 33ª posição no Ranking Fifa, não muito longe do outro latino-americano do grupo, Equador, que é o 26º, além da própria França, 17ª e da atual moradia de Jérôme, a Suíça, na sétima posição. Alguma chance de que os hondurenhos cheguem mais além de Porto Alegre, Curitiba e Manaus?

Edu: Ah, nenhuma, mas podem dar uma canseira em alguém. É um time com jogadores experientes, muitos com vivência em campeonatos cascudos, como um dos capitães, o lateral , cem jogos pela seleção, que esteve cinco temporadas no Wigan e agora é destaque do Hull City, na Premier. Outro za- gueiro, Arnold Peralta, é titular no Rangers escocês e caminha firme com o time que foi punido há dois anos, após sua falência, com o descenso à quarta divisão e que, gradativamente, está voltando à elite. Não vi jogar, mas falam muito bem de um garoto, 21 anos, , que esteve na Major League e foi contratado recentemente pelo Anderlecht. Aliás, muitos jogadores da seleção de Honduras atuam pelo futebol norte-americano, o que certamente ajudou na belíssima cam- panha que fizeram para conseguir uma das vagas da Concacaf, levados pelo técni- co colombiano Luis Fernando Suárez.

Carles: Najar promete mesmo. Já em 2010, tinha sido eleito rookie do ano na Major League. Na sua estreia, nesta mesma edição da Champions League, aos 21 anos de idade (o sexto hondurenho da história), foi muito celebrado pelos seus compatriotas, principalmente pela sua participação decisiva no gol contra o Olympiacos grego na eliminatória pela fase prévia. O Anderlecht acabou der- rotado por 3 a 1 e foi eliminado. Por aqui, tivemos o Choco Lozano, contratado pelo Valencia muito jovem e atualmente cedido ao Alcoyano de segunda divisão. Além de Jonathan Mejía Ruiz, o ‘Jona’, de 25 anos, nascido em Málaga, filho de

65 OS 32 DA COPA GRUPO E FRANÇA, SUÍÇA, EQUADOR E HONDURAS um hondurenho e uma espanhola e que optou por defender as cores de Honduras, atendendo a convocação de Suárez para um amistoso contra a seleção de Israel no ano passado.

Edu: O time ainda não está definido e, entre os amistosos de preparação, houve um confronto contra a Inglaterra. Quem sabe esse mix de vivências não faz um conjunto hondurenho interessante para a estreia de Porto Alegre contra o país de Valcke? Não seria a primeira vez que a França se surpreenderia com um azarão…

Carles: Nesse caso, como diria meu avô, “os franceses seriam apanhados de calça curta”. Igualzinho ao Jérôme naquele 15 de junho de 45 anos atrás.

OS CONVOCADOS Goleiros: (Olímpia), (Olímpia) e Luis López (Real España). Zagueiross: Víctor Bernárdez (San José Earthquakes), (Mota- gua), Bryan Beckeles (Olimpia), (Celtic), Osman Chávez (Quingdao Jonoon), Maynor Figueroa (Hull City) e Juan Carlos García (Wigan). Meio-campistas: (Stoke City), Marvin Chávez (), (Alajuelense), Boniek Garcia ( Dynamo), (Wigan), Andy Najar (Anderlecht), (Olimpia-HON), (Mo- tagua) e Mario Martinez (Real Espana). Atacantes: (sem clube), (New Revolution), Rony Martínez (Real Sociedad de Honduras) e (Alajuelense). Técnico: Luiz Fernando Suárez.

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Os ‘hermanos’ têm um certo Leo Messi. Precisa mais?

Edu: O brasileiro parece ter se acostumado de tal forma com a decantada riva- lidade com os hermanos que hoje se tornou um enfrentamento natural, quase só baseado nas gozações mútuas. Há tempos não se vê, exceto em jogos da Liberta- dores, alguma tensão especial nas partidas entre brasileiros e argentinos, até por- que quase todos os jogadores convivem pacificamente por seus clubes europeus. Mas teremos uma Copa do Mundo e aí a coisa pega. Aqui como aí, não há quem não inclua Leo Messi e companhia entre os quatro favoritos, certo?

Carles: E para alguns, o principal favorito. Exagero? Talvez, mas por várias ra- zões a Argentina pode ter todo esse favoritismo justificado porque é um time com alguns jogadores brilhantes do meio para a frente, uma geração que ganhou quase tudo nas categorias de base, joga pertinho de casa e enfrenta um grupo relativa- mente fácil, talvez o mais fácil de todos e, portanto, pode chegar mais descansada às fases decisivas. Mas todos sabemos que isso tudo é um monte de teoria que, na prática, poucas vezes se confirma. Principalmente em Copa do Mundo.

Edu: Grupos fáceis em Copa do Mundo podem ser armadilhas. E esse time ar- gentino, que possui o quarteto mais reluzente do Mundial – Di Maria, Higuain, Agüero e Messi -, tem a defesa que é, de longe, a maior incógnita, com jogado- res inconstantes, como Garay e De Michelis, e outros que nunca foram bem em grandes confrontos. Sem falar no goleiro que deve ser o titular, Sergio Romero, do Monaco. Uma injustiça com o grande Willy Caballero, do Málaga, um veterano de extrema confiança mas que foi preterido por Alessandro Sabella, que também não gosta de Carlitos Tevez.

Carles: Não é fácil ter Carlitos num grupo, todo mundo sabe. Mas também é fato que ele costuma compensar em campo. Acho que valeria a pena poder con- tar com uma alternativa como ele. Caballero está em todas as primeiras páginas esportivas de hoje, por ter impedido que a liga espanhola terminasse ontem com

67 OS 32 DA COPA GRUPO F ARGENTINA, BÓSNIA, IRÃ E NIGÉRIA uma defesaça no último segundo do jogo contra o Atlético de Madrid. Particular- mente não gosto do estilo dele, mas não tenho dúvida de que é um digno repre- sentante da estirpe dos Carrizzo, Fillol, Cejas ou Gatti, grandes especialistas do “um contra um” e da boa colocação. Nem Romero nem Orion fazem jus. O ter- ceiro goleiro, Andújar, não vi jogar o suficiente para fazer um julgamento. A zona defensiva que poucas vezes na história da alviceleste demonstrou amor à bola, mas que sempre se caracterizou pela contundência e picardia, nesta ocasião, nem isso. E justo quando acabamos de assistir à emocionante despedida do mais longevo dos jogadores argentinos, Zanetti.

Edu: De todo jeito, o ataque tem compensado essas carências, inclusive do meio de campo, onde Mascherano fica correndo de um lado para o outro para segurar os contra-ataques (que sina essa do jefecito!). Mas é um time que tem Messi, e aí meu amigo os outros é que têm que perder o sono. Messi ainda está em dívida com a seleção principal, o que explica a preguiça dele nesses últimos tempos de Barça, para evitar as lesões. Mas até o venerável Julio Grondona andou cobrando desempenho mais digno do melhor do mundo com a camisa da seleção. Grondo- na é bem o retrato acabado do dirigente sul-americano – 35 anos no poder, emi- nência parda da Fifa no continente, um histórico de controvérsias, enfrentamen- tos com jogadores e escândalos na federação. Mas segue firme como uma rocha. Nem Dona Cristina tem tanto lastro.

Carles: Grondona e até a filha de Sabella, todo mundo se vê no direito de pu- xar a orelha de Leo. Não me estranha que às vezes ele resolva se isolar do mundo. Parece que o futebol continua demasiado tolerante com sujeitos como Grondo- na, processado por agressão, injúria, discriminação, acusado de estar por trás de demissões de jornalistas incômodos e outra série de maravilhosas obras em prol da humanidade. Há quem diga que o núcleo de poder de Grondona se apoia nos clubes da capital em detrimento dos provincianos, aliás uma centralização que não é privilégio do futebol argentino. Os bonaerenses se gabam de morar na cidade mais europeia do Cone Sul, enquanto algumas regiões do país seguem abandona- das à própria sorte, desenhando um cenário de evidente desigualdade e estratifi- cação social. É uma das queixas mais frequentes em torno da presidente consorte que faz questão de sair na foto ao lado dos líderes esquerdistas do continente, algo com que nem todo mundo está de acordo.

Edu: Como a grande mídia, principalmente, alvo de uma batalha federal contra a viúva Kirchner, que se mostrou nessa questão de enfrentar os monopólios muito mais contundente do que o maridão. Cristina também já teve uma ou outra rusga com Grondona, mas por enquanto não cornetou Messi, pelo menos.

Carles: Justiça seja feita, foi ela que peitou a poderosa multinacional espanhola do petróleo e reverteu a tentativa de um monopólio pelo capital estrangeiro em um setor estratégico. Só isso já justifica que saia na foto que quiser e com quem quiser.

Edu: Não sei se ela virá à Copa, mas muitos hermanos já fizeram suas reservas por aqui, a maioria na grande Belo Horizonte, em Vespasiano, onde o time vai ficar concentrado, treinando no excelente complexo do Atlético Mineiro. Por ali Messi poderá vomitar à vontade, antes, durante e depois dos jogos.

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Carles: Como quinta colocada no ranking FIFA, a seleção argentina viaja co- modamente ao Rio para a estreia contra a Bósnia, 21ª no ranking, no domingão, dia 15, em pleno Maracanã. Volta para o QG em Belô e por lá mesmo enfrenta o Irã, 43ª. Por último, vai a Porto Alegre para jogar contra a Nigéria, 44ª… nem que fossem os donos da casa.

Edu: E mesmo na segunda fase ainda não terão grandes dificuldades, no máxi- mo uma França. Vamos ver quando julho chegar.

OS CONVOCADOS Goleiros: Sergio Romero (Mónaco), Agustín Orion (Boca Juniors) e Mariano Andújar (Catania). Zagueiros: Ezequiel Garay (Benfica), Hugo Campagnaro (Inter de Milão), Pablo Zabaleta (Manchester City), Martín Demichelis (Manchester City), Marcos Rojo (Sporting de Lisboa), Federico Fernández (Napoli) e José Basanta (Monterrey). Meio-campistas: Fernando Gago (Boca Juniors), Lucas Biglia (Lazio), Angel Di María (Real Madrid), Enzo Pérez (Benfica), Maxi Rodríguez (Newell’s Old Boys), Augusto Fernández (Celta), Javier Mascherano (Barcelona) e Ricardo Álvarez (Inter de Milão). Atacantes: Gonzalo Higuaín (Napoli), (Barcelona), Rodrigo Palacio (Inter de Milão), Sergio Agüero (Manchester City) e Ezequiel Lavezi (PSG). Técnico: Alejandro Sabella.

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Dos Bálcãs, riqueza de estilo e muita história para contar

Carles: Na Copa teremos um estreante que vem dos Balcãs, um tema que sem- pre me interessa pelas lições que a história dos povos dessa região podem nos dar. E o futebol funciona como um grande mirador ao alcance de quase todo mundo, que permite perscrutar e perceber que nem sempre da quantidade se tira a quali- dade.

Edu: E que estreia, no Maraca e contra Messi! A Bósnia foi uma das nações da antiga Iugoslávia mais penalizadas com a guerra. Até hoje há os núcleos atuantes de sérvios e croatas dentro do próprio país, enquanto os bósnios buscam afirmar sua identidade para o mundo. O futebol tem sido um bálsamo e a classificação para a Copa foi muito festejada em Sarajevo, apesar de os meios de comunicação ainda dominados em parte por sérvios e croatas terem praticamente ignorado a conquista de Dzeko e sua rapaziada.

Carles: Mais além da consternação pelos conflitos, dos dramáticos processos de segmentação e da devolução da autonomia aos povos originais, é importante res- saltar que as repúblicas que um dia formaram a Iugoslávia foram demonstrando através do esporte que a divisão acabou por multiplicar as suas possibilidades. As equipes iugoslavas sempre ofereceram um estilo de jogo elegante, estético e pouco corrompido pela tentação de serem mais competitivos. E essa vocação parece her- dada por seus estados que cada vez se mostram mais competentes, sobretudo com boas campanhas da Croácia e a progressiva evolução dos demais – Sérvia, Eslovê- nia e Montenegro tinham chance de classificação até as últimas rodadas. Quanto aos os bósnios, para muitos, a agonia da classificação, a apenas 20 minutos do final do jogo com o gol de Ibišević contra a Lituânia, equivale à emoção de 5 de Abril de 1992, quando finalmente esse território com pouco mais de 4 milhões de habi- tantes foi reconhecido como país.

Edu: Desde muito antes dos conflitos, o estilo iugoslavo tinha reconhecimento internacional e é um dos motivos de orgulho dessa gigantesca legião de jogadores que se espalhou pela Europa. São, de verdade, embaixadores de um estilo e levam consigo histórias de vida bastante dramáticas. O próprio Dzeko, quando garoto, foi morar com a avó porque teve a casa bombardeada no início da década de 90.

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A Seleção Bósnia é hoje um puzzle com várias figurinhas espalhadas pelo mundo, não tem ninguém atuando nos clubes do país, mas seus jogadores reafirmaram, logo após a classificação, que era uma questão de honra levar a pequena nação bal- cânica à sua primeira Copa. E que os hermanos fiquem de olho porque, ao lado de Dzeko, tem jogadores como Miralen Pjanic, hoje o cérebro da Roma, e um ponta à moda antiga, Lulic, da Lazio. Sem contar jogadores muito experientes, um dos quais vocês conhecem bem daquela passagem por Sevilha, Emir Spahic, capitão do time.

Carles: Os futebolistas da península, de diferentes origens, seguem se confun- dindo nas diversas ligas, tanto que Emir Spahic jogou durante muito tempo na Croácia, antes de passar pelo Montpellier e vir para o Sevilla. Ele tinha contrato até o fim desta temporada, mas como não lhe dava muitos minutos e a Copa se aproximava, decidiu romper o compromisso e a última notícia que tive dele é que tinha aceitado uma proposta do Anzhí Majachkalá, velho conhecido do brazuca Willian. Antes de deixar o clube hispalense, Emir trouxe o companheiro de seleção Miroslav Stevanović, que acabou jogando na segundona, no Deportivo Alavés, depois de passar pelo Elche. Nem todos os balcânicos demonstram a ca- pacidade de adaptação do croata Ivan Rakitić ao “salero” andaluz.

Edu: Com toda essa rica experiência de vida andando pelo mundo dá a sensação de que eles têm uma história a construir nesta Copa. Os líderes do projeto são o próprio Spahic, hoje transferido para o Leverkusen, e principalmente o técnico Safet Susic, este considerado o maior jogador nascido no território bósnio em todos os tempos. Susic foi um meio-campista representante clássico do modelo iugoslavo, disputou duas copas, uma delas a de 1990, quando compunha o setor de criação com outro craque muito conhecido na Espanha, Robert Prosinečki. E é considerado pela torcida do Paris SG o melhor jogador da história do clube, à frente de nomes como Gaúcho e George Weah. É um treinador bas- tante rígido quanto a princípios táticos e tem proposta nitidamente ofensiva. Mas, por aqui, a notícia que mais teve repercussão foi o anúncio feito por ele de que os jogadores ficarão de quarentena durante a Copa. Nada de sexo, nada de passeios, nada de saídas com a família, só concentração ao estilo mais tradicional. E olha que o quartel-general deles é o Guarujá.

Carles: O próprio Prosinečki, figura pitoresca e um dos clássicos da liga espa- nhola nos anos 90, foi jogador do Sevilla, além do Oviedo e de ter sido uma das figurinhas carimbadas que conseguiram vestir a camisa dos dois grandes clubes rivais, Real Madrid e Barça. Quanto à decisão de Susic, é uma pena que ainda te- nhamos que conviver com pensamentos desse tipo. Já falamos aqui que uma das coisas que menos favorece o desempenho dos jogadores é a dificuldade de conci- liação da atividade profissional de alta competição com a vida familiar. Pode ser que se trate de um erro estratégico de novato.

Edu: A explicação para a decisão foi sua própria experiência da Copa da Itália, quando, segundo ele, a Iugoslávia poderia ter ido mais longe não fossem alguns exageros da moçada. Seja como for, a Bósnia tem ótimas chances de passar à se- gunda fase. Se não conseguir aprontar uma surpresa no Maracanã, não deve ter problemas contra os adversários seguintes, Nigéria, em Cuiabá, e Irã, em Salvador. No mínimo, os bósnios vão experimentar um calor que nunca imaginaram existir – exceto Spahic por conta de sua aventura sevilhana.

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Carles: Ele está falando de 1990… pelas minhas contas, já faz disso 24 anos!!! Como curiosidade, Susic não chegou a defender as cores da sua Bósnia como jo- gador, enquanto seu companheiro de meio campo Iugoslavo naquela Copa, Prosi- nečki, passou a defender a Croácia. Imagine como será complicado processar toda essa informação.

OS CONVOCADOS Goleiros: Asmir Begovic (Stoke City), Jasmin Fejzic (Aalen), Asmir Avdukic (Borac Banja Luka) Zagueiros: Emir Spahic (Bayer Leverkusen), Sead Kolasinac (Schalke 04), Ermin Bicakcic (), Ognjen Vranjes (Elazigspor), Toni Sunjic (Zorya Luhansk), Avdija Vrsajevic (Hajduk Split) e Mensur Mujdza (Freiburg) Meio-campistas: Zvjezdan Misimovic (Guizhou Renhe), Haris Medunjanin (Ga- ziantepspor), Miralem Pjanic (Roma), Sejad Salihovic (Hoffenheim), Senad Lulic (Lazio), Izet Hajrovic (Galatasaray), Senijad Ibricic (Erciyesspor), Tino Sven Susic (Hajduk Split), Muhamed Besic (Ferencvaros), Anel Hadzic (Sturm Graz) Atacantes: Edin Dzeko (Manchester City), Vedad Ibisevic (VfB Stuttgart), Edin Vis- ca ( BB-TUR) Técnico: Safet Susic

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Direto da Pérsia, com paixão e política

Carles: Fico pensando que a maioria dos jovens torcedores (e não tão jovens) que jogam o ‘Prince of Persia’ no videogame,nem imaginam que os personagens são ancestrais dos iranianos, “temíveis” adversários de Messi e companhia na Copa.

Edu: Uma nação de rica história e uma seleção de muitas passagens marcantes, embora a maioria nem dê importância. O futebol é um esporte massivo no Irã, autêntica paixão nacional, e as classificações conquistadas para copas anteriores foram motivo de concorridas festas de rua em todos os cantos do país. Agora, um velho conhecido dos espanhóis está no comando do time, mas tem, como sempre, inúmeros problemas. O português , ex Real Madrid, nem sabe se conseguirá amistosos até o Mundial e deve receber sua moçada 14 dias antes do primeiro jogo, contra a Nigéria. Será a temporada de treinamentos mais curta de todos os participantes.

Carles: Queiroz é um cara de semblante sereno, mistura da melancolia lusa e da fleuma britânica e pouco muda a expressão diante dos problemas – sofreu os caprichos da “casa blanca madrileña” na pele. E não é o único conhecido da “afi- ción” local, principalmente da gente de Pamplona: , agora no Las Palmas, e o veterano , que deixou bons detalhes técnicos e gols importantes durante seis temporadas. Principalmente o famoso gol do Osasuna na prorrogação da Copa da Uefa de 2007, que eliminou o Girondins de Bor- deaux, o que permitiu aos pamplonicas passarem às oitavas de final para eliminar o Leverkusen e chegarem à semifinal. Uma proeza histórica para o clube, no que Nekounam teve muito peso.

Edu: Masoud e Nekounam foram os pioneiros nessa ponte entre Teerã e o reino de Navarra. Ambos jogavam no Osasuna quando do famoso protesto nas elimina- tórias da última Copa, no qual alguns titulares entraram para enfrentar a Coreia do Sul ostentando munhequeiras verdes, a cor da oposição comandada por Mir Houssen Mousavi contra o governo de Mahmoud Ahmadinejad. Quatro dos seis que protestaram foram banidos para sempre do futebol, todos jogavam no Irã. Os osasunistas escaparam. Nesse país de tantas tradições, rupturas e lutas sociais e re-

73 OS 32 DA COPA GRUPO F ARGENTINA, BÓSNIA, IRÃ E NIGÉRIA ligiosas, futebol e política definitivamente andam juntos.

Carles: O establishment, contando com a inestimável força dos grupos de co- municação conservadores, conseguiu transformar o governo de Ahmadinejad numa das grandes referências do quadro político mundial contemporâneo. O apoio ou a oposição ao líder iraniano vira diretamente uma declaração de inten- ções de qualquer estadista. Isso, claro, não passou em branco por aí também e imagino que pode haver algum tipo de manifestação prevista em torno ao assunto. Já em campo, o mais previsível é que o time seja mais bem inofensivo, não? Nas outras três participações, a seleção do Irã não passou da fase inicial, com a diferen- ça de que em 1998, na França, conseguiu a terceira posição do grupo, à frente dos Estados Unidos a quem venceu por 2 a 1, uma vitória muito comemorada e não só pelos iranianos.

Edu: O Irã será uma atração por si só, mais que uma curiosidade, até em função da grande colônia muçulmana por aqui. Ficará hospedado em São Paulo, perto do Aeroporto de Guarulhos, e fará sua preparação no Centro de Treinamento do Corinthians, também ali a pouco mais de cinco quilômetros do aeroporto. Pode não parecer, mas o futebol do Irã conseguiu construir um currículo razoável de participações internacionais, graças principalmente a jogadores que saíram para conquistar a Europa, muitos deles na Alemanha nas décadas de 1990 e 2000, além dos ‘espanhóis’. E a seleção não foi mais longe porque ficou praticamente uma década fora de tudo, primeiro com a Revolução dos Aiatolás, em 1979, e de- pois com a guerra contra o Iraque. É atração garantida, pode ter certeza, mas não acredito que vá haver alguma manifestação.

Carles: É, acho que Obama já tem bastante dor de cabeça com o Tea Party. Voltemos ao terreno de jogo, do futebol, quero dizer – historicamente, a melhor classificação do futebol iraniano no ranking Fifa foi o 19ª, em 2005. Atualmente ocupa o 43ª e seus adversários de grupo são Argentina, 5ª; Bósnia, 21ª e Nigéria, 44ª. Você acha que existe alguma esperança de vê-los na próxima fase, contando com o apoio de uma colônia (e mais colônias afins) razoável?

Edu: Nem o mais otimista torcedor do mundo árabe espera que o Irã passe de fase, mas estar quase um mês convivendo com os grandes times do mundo já jus- tifica, nas palavras do próprio Queiroz, que andou no fio da navalha nos últimos meses, justamente por causa das críticas sobre a falta de apoio na preparação. Cla- ro, por lá, qualquer crítica não fica no mundo do futebol, é questão de estado, e o português sabe disso. Só é de se lamentar que os iranianos não farão nenhum jogo em São Paulo, a comunidade terá que se deslocar para Curitiba, Salvador ou Belo Horizonte, onde o time vai pegar a Argentina.

Carles: Boas praças, sem dúvida, e certamente os torcedores iranianos vão se di- vertir muito. E como a maioria dos descendentes de qualquer colônia radicada no Brasil têm uma longínqua lembrança e um conhecimento seletivo de costumes. O esporte, como a música ou a culinária, segue mantendo vivos os tênues laços cul- turais de gente que, no caso do Brasil, foi para ficar.

Edu: Fiquemos então, já que você citou aquela partida de 1998, com estas ima-

74 OS 32 DA COPA GRUPO F ARGENTINA, BÓSNIA, IRÃ E NIGÉRIA gens do ‘jogo da paz‘, um dos momentos mais marcantes da história das Copas do Mundo, quando Irã e Estados Unidos fizeram um embate cheio de ameaças, nuances políticas e crispações fora de campo, mas que se transformou em uma grande confraternização entre os jogadores, bastante disputada mas sem nenhum lance violento e com participação emotiva das torcidas no estádio de Lyon.

OS CONVOCADOS Goleiros: (Grasshopper), (Sporting Covilhã) e Rahman Ahmadi (Sepahan). Zagueiros: (Esteghlal), (Persepolis), Steven Bei- tashour (Vancouver Whitecaps), (Umm Salal), (Per- sepolis), (Esteghlal), Ahmad Alnameh (Naft ), Hashem Beikzadeh (Esteghlal), Ehsan Haji Safi (Sepahan) e (Persepolis). Meio-campistas: Javad Nekounam (Al-Kuwait), Andranik Timotian (Esteghlal), (Persepolis), Ghasem Haddadifar (Zob Ahan Isfahan) e Bakhtiar Rahmani (Foolad Khuzestan). Atacantes: Ashkan Dejagah (Fulham), Masoud Shojaei (Las Palmas), (NEC Nijmegen), (Charlton Atheltic) e (Tractor Sazi). Técnico: Carlos Queiroz.

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Águias Verdes, mais tradição que bom jogo

Edu: Foi-se o tempo daquelas figuras carimbadas do futebol nigeriano, que bar- barizaram na década de 90. Quem não se lembra de Amokachi, Finidi George e Nwankwo Kanu, este, carrasco do Brasil na Olimpíada de Atlanta, um time que tinha Ronaldo Fenômeno e Rivaldo. Você mesmo recordou outro dia de Jay-Jay Okocha, que teve temporadas brilhantes no PSG. Eram jogadores de times de ponta na Europa e que marcaram uma época. Mas, parece, não foi suficiente para emendar com outras gerações talentosas. As Águias Verdes não são hoje nem sombra do que foram e se defrontam com uma corrupção crônica na gestão do fu- tebol local, um pouco o retrato da situação social do país.

Carles: O futebol nigeriano já marcou uma época no cenário mundial como um dos países africanos que ameaçaram de verdade as grandes potências e isso ninguém tira deles. De uns tempos para cá, como a grande maioria do futebol africano, parece muito prejudicado pela obsessão na produção dos tipos de joga- dores impostos pelos centros europeus. Olha, sempre achei que existia uma forte conexão entre o Brasil e Nigéria (por razões históricas evidentes), inclusive com semelhanças sociopolíticas das que o Brasil parece empenhado em deixar no pas- sado. Fico imaginando o resultado de uma alquimia futebolística através de uma reconexão com a África centro-ocidental que bem poderia começar durante a Copa. Certamente ganhariam os dois lados.

Edu: A Copa das Confederações expôs muito dessa identidade, os nigerianos foram recebidos como gente da casa por aqui. Mas não vejo a menor possibilidade de um intercâmbio com esse perfil no futebol de hoje, nem sei se haveria interesse dos dois lados. Como há em outros âmbitos culturais, por exemplo. O fato é que a Nigéria perdeu, pelas razões de mercado que você citou, um pouco das raízes que eram a explicação do seu sucesso. O time foi campeão olímpico com muitos jovens que ficaram vários anos no país e depois encorparam as seleções principais, mas a diáspora nessas circunstâncias foi inevitável. E mesmo países sem tradição no futebol, entre eles alguns nórdicos e nações do leste europeu, passaram a fazer importação em massa de nigerianas desde muito jovens. Dificilmente voltaremos a ver uma equipe como aquela campeã olímpica, que venceu na final a Argentina de Zanetti, Ayala, Burrito Ortega, Piojo Lopez e Crespo. Era um timaço…

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Carles: Os argentinos que tinham metido quatro na então campeã olímpica, La Rojita, nas fatídicas quartas de final das Olimpíadas de Atlanta. Não vou me re- petir uma vez mais sobre a importância de valorizar a cultura local que inclui os torneios regionais como forma de preservar a identidade. Segue sendo a melhor forma de independência, inclusive econômica. Apesar da decadência, nos últimos anos, desde que assumiu o comando, as Águias Verdes parecem ter recuperado algo de competitividade – não esqueçamos que são os atuais campeões continentais. Está claro que a Argentina é a favorita do grupo, mas a Nigéria é candidata à outra vaga, na frente de bósnios e iranianos, apesar de atualmente ser a pior colocada das quatro seleções no ranking Fifa. O estágio da Confecup tam- bém ajuda.

Edu: Tem a tabela a seu favor, porque estreia contra o Irã e pode passar sem sus- tos, para então decidir a vaga com a Bósnia no segundo jogo, se levarmos em con- ta que a Argentina, favoritíssima, ficará mesmo com o primeiro lugar no grupo. Mas o que a Nigéria tem hoje a oferecer tecnicamente é muito pouco. O líder do time é Obi Mikel, do alto de sua bagagem no Chelsea, mas está longe de ser um jogador decisivo. Lá na frente tem , um tipo bem irregular, e Emma- nuel Emenike, talvez o atacante mais perigoso, hoje no Fenerbahce. No mais, al- guns experientes, como o goleiro , que nem está garantido como titular, e o lateral Taye Taïwo, do Marselha. Só se Stephen Keshi ousar e promover a grande sensação do futebol belga, Imoh Ezequiel, de 20 anos. Se bem que falar a idade de jogadores nigerianos é sempre temerário. É bom lembrar que a maioria dos nascimentos no país sequer são registrados, em especial nas províncias dis- tantes das grandes cidades, como a capital Abuja e principalmente Lagos, o que dificulta qualquer análise realista sobre a verdadeira origem de muitos jogadores. É uma das sinas com que a Nigéria tem que conviver.

Carles: Complicado. A suspeita segue pairando inclusive sobre os garotos, nor- malmente verdadeiros portentos físicos, que chegam anualmente do continente africano diretamente às divisões de base dos grandes clubes europeus. Têm sido as grandes sensações dos torneios dente-de-leite, graças à sua potência física e ao atrevimento que ainda conseguem preservar nessas idades.

Edu: Como no caso mais clássico envolvendo nigerianos, o de Taribo West, um zagueiro canhoto bastante técnico, titular do time campeão olímpico, que segun- do o presidente do Partizan de Belgrado teria 12 (sim, doze!!) anos a mais do que dizia ter e mesmo assim foi contratado pelo time sérvio. Com tudo isso, a Nigéria não deixará de ser uma grande atração por aqui, seja pelo passado glorioso, seja pelas extravagâncias de algumas de suas figuras. Mas certamente será um time re- cebido com a simpatia de sempre dedicada aos africanos.

OS CONVOCADOS Goleiros: Vincent Enyeama (Lille), (Hapoel Be’er Seva) e Chigozie Ag- bim (Gombe United) Zagueiros: (Norwich City), Elderson Echiéjilé (Monaco), Juwon Oshaniwa (Ashdod), Godfrey Oboabona (Çaykur Rizespor), Azubuike Egwuekwe (Warri Wolves), (Middlesbrough), (Celtic) e Kunle Odunlami (Sunshine Stars)

77 OS 32 DA COPA GRUPO F ARGENTINA, BÓSNIA, IRÃ E NIGÉRIA

Meio-campistas: (Chelsea), (Lazio), (Waasland-Beveren) e (Almería) Atacantes: (Stoke City), (CSKA Moscou), (sem clube), (Fenerbahçe), Victor Moses (Liverpool), Mi- chael Uchebo (Bruges), Uche Nwofor (Heerenveen) e Michel Babatunde (Volyn Lutsk) Técnico: Stephen Keshi.

78 OS 32 DA COPA GRUPO G ALEMANHA, PORTUGAL, ESTADOS UNIDOS E GANA

Alemanha: consistência e craques contra um estigma

Carles: Teve um tempo em que se definia o futebol como um esporte em que jogavam 11 contra 11 e que ganhavam os alemães. Não mais, né? Principalmente se encontrarem a Seleção Brasileira ou a Espanhola pelo caminho.

Edu: Esses alemães de hoje podem ter pouco menos confiabilidade, mas são muito mais imprevisíveis e um time agradável de se ver. Quem ousaria dizer que não estão entre as quatro melhores seleções do mundo? Ninguém, provavelmente.

Carles: Verdade, a fantasia, como diria o locutor espanhol, foi-se incorporando ao futebol alemão, na medida em que a sua sociedade também foi experimentan- do o variado sabor da multiculturalidade. É uma das melhores seleções sem dúvi- da, por individualidades e por conjunto, mas não me atreveria a dizer que é uma das quatro favoritas ao título.

Edu: Só pra contrariar, mas tudo bem. Tem um componente da tradição da me- lhor estirpe alemã nesta seleção. Tudo começou a se formar com o time de 2006, ainda muito jovem, e em 2010, deu a impressão de que ninguém se decepcionou com a derrota na África do Sul. Agora, Joachim Löw tem o time pronto, maduro e rodado, com base em um clássico pressuposto germânico: consistência. Com isso e três ou quatro cracaços, já me basta.

Carles: Não é só para contrariar não, só acho que, sem tirar sua razão quanto ao ponto ideal em que se encontra o time de Löw, os alemães vão ter muitas dificul- dades e vão se sentir pouco à vontade, tão longe de casa e durante tanto tempo. Questão de predisposição, inclusive. Basta dizer que os piores resultados deles na história dos campeonatos mundiais entre seleções, além das decepcionantes cam- panhas na França 1934 e 1998 (eu teria também algumas teses pessoais para ex- plicar isso), foram na América do Sul, sexto no Chile/1962 e na Argentina/1978. Bom, teve também a Copa no Brasil em 1950, da qual a Alemanha foi excluída

79 OS 32 DA COPA GRUPO G ALEMANHA, PORTUGAL, ESTADOS UNIDOS E GANA pelo conflito bélico. Só isso já seria motivo para uma participação espetacular.

Edu: Mas essa era dos dinossauros das copas não conta, havia muitas outras questões em jogo que pouco tinham a ver com a bola apenas. No futebol moderno, os alemães se acostumaram ao poder, tanto quanto em outros segmen- tos, e vocês espanhóis têm sentido isso na carne. Construir um centro de treina- mento, montar um pequeno bunker na Bahia para abrigar até mesmo as famílias dos jogadores e fechar acordos comerciais que garantam ao time uma preparação de luxo não me parece que sejam providências muito normais para quem quer ti- rar umas férias. Eles vêm para quebrar essa sina de que jogam mal longe de casa e nem acho que o grupo da primeira fase os assusta. Mesmo contra Cristiano na estreia e dois adversários complicadinhos na sequência – Gana e EUA.

Carles: Aqui é o quintal deles, não conta. Quando tem crise, em vez de voar de férias para um destino exótico, os alemães sobem no Mercedes e vêm para cá pe- gar um vermelho nas praias do Mediterrâneo. Para você ver que, pelo menos, eles detectaram o problema crônico de adaptação, tanto que desta vez planejaram fa- bricar seu pequeno planeta em meio à Bahia. Repito que também não lhes faltam razões de peso em campo: Neuer, Lahm, Hummels, Kroos, Götze, Schweinstei- ger, Özil e Müller (além do infeliz Marco Reus, cortado na última hora por lesão) são craques que eu não hesitaria em contratar para o meu time. Isso sem contar os sempre efetivos Mertesacker, Khedira, Schürrle… Com a grande vantagem que a maioria é cria de Löw. No papel, realmente, as possibilidades são enormes, talvez o melhor plantel entre os 32. Mas dependendo de qual Cristiano eles encontra- rem pela frente em Salvador, a coisa pode se complicar logo na estréia – se for o de Estocolmo, perigo!

Edu: Então concluímos o quê? O melhor plantel, a melhor estrutura, um histó- rico invejável e uma ânsia incontida de poder… É ou não é favorita? Porque se os alemães demonstrarem no Brasil que ‘amarelam’ longe de casa é o caso de Franz Beckenbauer e Lothar Matthaus pegarem essa molecada e dar uns cascudos. Não acredito. Nem que Merkel em pessoa tenha que baixar no bunker com sua habi- tual ‘energia’, se é que você me entende. Sim, porque certamente ela não vai perder a chance de estar por aqui.

Carles: Pois é, se fosse assim de fácil, nem precisava entrar em campo para dis- putar, nem tinha sentido a gente ficar discutindo as possibilidades de um e de ou- tro. E até que eles me desmintam em campo, seguirei acreditando numa passagem dos alemães pela Copa do Brasil 2014 sem pena nem glória e não porque eu en- tenda que La Roja volte a ser a pedra na chuteira germana, como nas duas últimas vezes que se encontraram (e pelo que torço, claro). Mas porque ainda acho que eles sempre encontram muitas dificuldades de se mexer em terreno desconhecido e por isso não os incluo na minha lista de favoritos, apesar de todo o planejamen- to. Se planejamento garantisse vitória, não teríamos o atual glorioso pentacam- peão do mundo, não acha?

Edu: Fico me perguntando até quando os brasileiros terão que ouvir isso… mas já devia estar acostumado. Quanto a time do Löw, vou mais longe: cravo os ale- mães na final.

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Carles: Digo mais sobre o mito do planejamento alemão, tão decantado por al- guns na Europa atual, com ‘Fraulein Eiserne’ à frente. Nem conseguiram melho- rar os índices econômicos, nem evoluíram os direitos sociais na chamada “loco- motiva continental”. É tudo uma farsa, inventaram os tais minijobs e a regressão social foi notável. Menos para o grande capital, é claro. Só por essas razões sou capaz de torcer contra. Mas digo isso principalmente para poder explicar que não me refiro à falta de planejamento como um insulto, mas como uma razoável con- sideração ao valor do fator humano. Esse sim essencial, mesmo tendo em conta a importância de uma cota de previsão. Dito isso, viva o caos e que venha uma grande final, com duas seleções latinas.

Edu: Conseguiu contornar bem… Também torço por latinos na final, mas devo ter convivido demais com o realismo alemão em outras vidas.

Carles: Às vezes desconfio, mesmo.

OS CONVOCADOS Goleiros: Manuel Neuer (Bayern Munique), Roman Weidenfeller (Borussia Dort- mund), Ron-Robert Zieler (Hannover 96). Zagueiros: Jerome Boateng (Bayern Munique), Erik Durm (Borussia Dortmund), Kevin Grosskreutz (Borussia Dortmund), Benedikt Höwedes (Schalke 04), Mats Hummels (Borussia Dortmund), Philipp Lahm (Bayern Munique), Per Mertesacker (Arsenal), Shkodran Mustafi (Sampdoria). Meio-campistas: Julian Draxler (Schalke 04), Matthias Ginter (Freiburg), Sami Khedira (Real Madrid), Toni Kroos (Bayern Munique), Thomas Müller (Bayern Munique), Mesut Özil (Arsenal), Bastian Schweinsteiger (Bayern Munique), Götze (Bayern Munique), Christoph Kramer (Borussia Mönchengladbach). Atacantes: Miroslav Klose (Lazio), André Schürrle (Chelsea) e Lukas Podolski (Arse- nal). Técnico: Joachim Löw.

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Portugal poderia ser só Cristiano, mas não é

Carles: É uma sorte para o Real Madrid que o seu craque (e alguns coadjuvan- tes) disputem a próxima Copa por Portugal? Não que não se trate de uma das grandes, mas me custa imaginar o pedindo para Cristiano, Pepe e Coentrão jogarem com o freio de mão puxado. Aliás, é evidente que não.

Edu: Com Cristiano certamente essa conversa não cola, talvez com Pepe tam- bém não. Quem manda mais no time da Terrinha: Cristiano ou Paulo Bento? Nem no último amistoso – que os patrícios chamam adequadamente de ‘amigá- vel’ – ele se poupou, não faz parte do universo dele. Aliás, apanhou um pouco dos zagueiros de Camarões, mas deixou seus golzinhos de sempre. Se a Copa fosse há dois meses, Cristiano seria, disparado, o craque mais em forma e mais motivado entre os badalados, talvez ao lado de Hazard, com vantagem para o temperamento latino. Mas o craque português chega à Copa baleado e, sem a mesma condição física, torne-se uma incógnita.

Carles: Apanhar? Já vi o gajo tomar trombada e o agressor ter que sair de maca. Aliás, não falta vigor físico nessa seleção, principalmente graças aos dois madri- distas (que pelo menos tratam a bola com mais carinho) e a outro touro da equipa lusitana, . Isso sem contar o valencianista Ricardo Costa que também não amacia. Falta só um pouco de cabeça para que a seleção portuguesa possa, se não chegar ao título, pelo menos fazer jus à sua quarta posição no ranking Fifa. Este ano com uma motivação extra, homenagear a memória de Eusébio, que mui- to bem poderia ter conseguido o título em 1966, com méritos e sob o comando do brasileiro Oto Glória, que depois veio treinar o Atlético de Madrid.

Edu: Eusébio primeiro e, logo em seguida, Mário Coluna, os dois que forma- vam a o núcleo pensante daquela célebre seleção. Quanto aos delicados zagueiros atuais, Pepe ao menos tem recursos técnicos que o transformaram em líder da defesa, mas esse Bruno é um perigo. Pessoalmente prefiro mesmo o Ricardo Cos- ta ou o Rolando, da Inter de Milão. A defesa é um problema no mano a mano contra jogadores habilidosos e os laterais são fracos. Mas o meio de campo tam- bém é desigual. João Moutinho dá conta, mas Raul Meirelles e são irregulares e às vezes intempestivos, cometem faltas demais. Andaram falando em

82 OS 32 DA COPA GRUPO G ALEMANHA, PORTUGAL, ESTADOS UNIDOS E GANA nacionalizar o brasileiro Fernando, volante do Porto, mas agora é tarde demais. E há o eterno vazio no centro do ataque, Ronaldo está longe de ter um parceiro à altura.

Carles: As possibilidades de que os portugueses do Fenerbahçe, Bruno e Mei- relles, tenham sua titularidade questionada é praticamente nula. Como você mes- mo disse, não parece que Bento tenha a última palavra nesse grupo. Para o futuro da zaga, o Valencia acaba de contratar um prometedor garoto, Rubén Vezo, da seleção lusa sub-19 que dizem, pode ser o novo Varane. Agora, o centro do ataque é um problema crônico da equipa, que ainda hoje tem saudades de Pauleta. Aliás, máximo goleador de todos os tempos até o amistoso contra Camarões, quando foi superado, adivinha por quem?

Edu: Vezo está no mesmo plano de outro garoto, Bruma, do Galatasaray. Esse já fez sua estreia na Seleção Principal, mas seria um risco transformá-lo em cen- troavante titular na Copa. Por enquanto, talvez eles se virem com Cristiano im- provisado no meio e encostando o quanto pode. Mas se precisarem de um centroavante mesmo, espero que o venerável Helder Postiga seja coisa do passado. , ao menos, aproveita as bolas altas. Mas ainda acho que Pau- lo Bento vai privilegiar o meio de campo e colocar cinco jogadores por ali, com Cristiano por sua conta e risco lá na frente, o que não é pouco. Principalmente no jogo de estreia, contra a Alemanha, o técnico deve congestionar a região em que ele atuava como jogador, um volante dos mais tradicionais por sinal.

Carles: Numa segundona, 16 de junho, Portugal entra em campo, bem perti- nho de onde os patrícios chegaram pela primeira vez, faz 514 anos. Se não é uma piada do destino, prefiro acreditar na versão do grande ilusionista Jérôme Valcke e suas bolinhas que aparecem e desaparecem diante dos olhos. Quer uma piada mesmo? O jogo de estreia contra a Alemanha de Özil e Khedira está marcado para a 1 da tarde! É isso? Vai um acarajezinho antes?

Edu: Uma da tarde, na Fonte Nova, sob as bênçãos dos orixás. Não sei com que os alemães terão que se preocupar mais, porque, além de tudo, haverá um fortíssi- mo apoio da galera aos portugueses. Há uma colônia bastante grande no Nordes- te, a região é reduto turístico dos mais procurados pelos lusitanos e, lógico, existe uma identificação com o povo baiano que está nas próprias raízes, da culinária à mistura de ritmos, passando pela diversidade racial retratada por Jorge Amado, farol cultural da terra. Joachim Löw vai repartir seus pesadelos pré-jogo entre os estragos que Cristiano pode fazer naquela zaga lenta e a batida renitente e eletri- zante de um dos símbolos máximos do lugar, o Olodum. Não descarto uma sur- presa logo na estreia, com ou sem acarajé.

Carles: Não me importaria estar na bancada, esse jogo promete. E não só no gramado. No sábado seguinte, mais uma dose de imperialismo, EUA, em Manaus. Quem mandou colonizar um país-continente? Agora aguenta o tour.

Edu: E para fechar a primeira fase, Gana, na sede do Governo, também à uma hora da tarde. Não é um grupo fácil para os patrícios, mas terão um impulso extra do país-continente, esteja certo.

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Carles: Sorte aos vizinhos, pois. E que não tenham que voltar a maldizer a falta dela ou a “injustiça”, como pudemos ler nos lábios de Cristiano na última Euroco- pa quando foram desclassificados pela Roja na disputa de pênaltis.

Edu: Um chororô bem ao estilo do gajo da Madeira.

Carles: Consciente do close da TV, diga-se de passagem.

OS CONVOCADOS Goleiros: Goleiros: Beto (Sevilla), Eduardo (Braga) e Rui Patrício (Sporting). Zagueiros: André Almeida (Benfica), Bruno Alves (Fenerbahçe), Fábio Coentrão (Real Madrid), João Pereira (Valência), Neto (Zenit), Pepe (Real Madrid) e Ricardo Costa (Valência). Meio-campistas: João Moutinho (Monaco), Miguel Veloso (Dínamo Kiev), (Fenerbahçe), Rúben Amorim (Benfica) e (Sporting). Atacantes: (Real Madrid), Éder (SC Braga), Hélder Postiga (La- zio), Hugo Almeida (Besiktas), Nani (Manchester United), Rafa (SC Braga), Varela (FC Porto) e (Wolfsburg). Técnico: Paulo Bento.

84 OS 32 DA COPA GRUPO G ALEMANHA, PORTUGAL, ESTADOS UNIDOS E GANA

Klinsmann guia a nova onda ianque

Edu: Pode não ser nesta Copa, mas em algum momento todo mundo sabe que vai acontecer: os Estados Unidos, lentamente, estão se afeiçoando à competiti- vidade do futebol. Se há duas décadas pouca gente levava a sério os times ame- ricanos e sua tradicional má vontade com o ludopédio nosso de cada dia, hoje já é possível ver técnicos de centros importantes torcendo o nariz quando a galera ianque é sorteada entre seus adversários. Desta vez, os patrícios estão preocupados.

Carles: Talvez porque a Alemanha seja a grande favorita para passar como primeira do grupo G, os portugueses teriam que disputar a segunda vaga com os estadunidenses. E quando os dois se encontrarem em Manaus na segunda rodada do grupo, Portugal já passou pelo suplício de enfrentar os alemães, enquanto a es- treia dos ianques seria mais plácida, contra Gana. Se bem que na Copa da África do Sul 2010, os africanos ganharam por 2 a 1.

Edu: Quando esteve por aqui no início do ano, Jürgen Klinsmann falou muito do jogo contra Gana, que, sob o ponto de vista peculiar que ele tem do futebol, é o jogo nevrálgico para os americanos quanto a autoafirmação. É ali que ele terá a medida do nível emocional da moçada, do comprometimento que vem cobrando desde que assumiu em 2011, da visão que pretendeu implantar especificamente para este ciclo da Copa. Klinsmann parece ter a percepção de que aos norte-ame- ricanos sempre faltará algo se não houver uma ruptura em matéria de competitivi- dade. E o jogo contra Gana será o momento-chave desse processo. Bem ao gosto dos ianques, aliás, um país que cultua momentos agudos até quando eles não exis- tem.

Carles: Jürgen conhece bem o bicho-papão do grupo, é outra vantagem. Pela primeira vez, apesar de estar na sua sétima Copa consecutiva, percebo certas possibilidades para os norte-americanos, talvez pela constância do trabalho do próprio Klinsmann, cujo time já demonstrou um grande potencial durante a clas- sificação da zona Concacaf. Foi a primeira seleção a se classificar e, de quebra, deu uma mãozinha ao arquirrival na região, o México, ao vencer o Panamá na última rodada, como visitante. Se não fossem os vizinhos do norte, os mexicanos nem es- tariam no Brasil.

Edu: E deu para notar uma intenção explícita em Klinsmann de fazer uma po- lítica de boa vizinhança com os brasileiros, um pouco em razão de seus próprios

85 OS 32 DA COPA GRUPO G ALEMANHA, PORTUGAL, ESTADOS UNIDOS E GANA conceitos e também porque os americanos sempre estão com um olho no campo e outro no ‘ambiente externo’, para dizer de uma maneira suave. O próprio episódio que classificou o México foi visto por Klinsmann como uma espécie de graduação para o futebol norte-americano, uma questão de reafirmar o perfil profissional que talvez em outros tempos seria desprezado pela soberba ianque. Pessoalmente, gos- to dessas nuances políticas e comportamentais que os norte-americanos trazem para o futebol. Com os Estados Unidos em campo sempre há algo além do jogo para refletir, para o bem e para o mal.

Carles: É possível que esse trabalho de relações públicas seja mesmo necessário porque, desconfio, a simpatia pelos norte-americanos padece de uma certa deca- dência ultimamente, até mesmo na América Latina. E, convenhamos, o mundo do soccer segue sendo o reduto dos latinos por lá, apesar de contar com um nú- mero cada vez maior de seguidores, principalmente graças às féminas, ainda perde de longe para modalidades como beisebol, o basquete, o football ou o hóquei. Ou você acha que as transmissões dos jogos da Copa vão ter maior repercussão entre a população dos EUA que um jogo da NCAA?

Edu: Não, não acho, mais por conta do desprezo da grande mídia esportiva norte-americana. Mas há naquele país um público firme, fiel e nada pequeno, não só entre os latinos, que certamente seguirá a Copa pelas vias alternativas de comunicação. E historicamente o consumidor americano vive de ondas associa- das aos resultados. Uma dessas ondas certamente virá se o time passar à segunda fase. Depois, se um pequeno milagre levar a rapaziada mais adiante, aí tudo pode acontecer. No período da Copa, é bom lembrar, não há NBA, NFL nem beisebol (MLB). Não duvido que Dempsey, e o bem nutrido Jozy Altidore frequentem as manchetes da ESPN e dos cadernos esportivos de Nova York à costa oeste com certa assiduidade. E olha que Klinsmann foi corajoso ao afastar o ídolo dos últimos tempos, Donovan, decepcionado com sua forma física e técnica. Seria mais uma atração para o gosto ianque.

Carles: Eu me referia ao nível de importância que se dá ao soccer, mas sem con- corrência, melhor. Imagino que o destaque nos meios esportivos é também graças à latinização da população do país, e principalmente ao peso dessa parcela nos mercados, tanto que muitas das grandes cadeias temáticas oferecem sua versão em espanhol. Basta dizer que, com o fantasma da crise sobrevoando nossas cabeças, alguns dos rostos mais visíveis dos meios televisivos espanhóis andaram batendo as asas para Miami para serem âncoras em importantes programas informativos e nas transmissões das principais ligas do futebol europeu.

Edu: Os laços latinos têm sido valorizados mesmo dentro da seleção ao longo dos anos e, obviamente, isso não acontece por acaso, é uma estratégia que tem ra- zões técnicas mas que também angaria apoio das comunidades latinas à seleção. Lembre-se de nomes clássicos dos times norte-americanos que estiveram em Co- pas, como , filho de argentino com portuguesa, com mais de cem jogos pela seleção, ou Marcelo Balboa, também de família argentina, o salvadore- nho de nascimento Hugo Perez e, principalmente, o uruguaio Tab Ramos, aquele que sentiu o gosto do cotovelo do bom moço Leonardo na Copa de 94 e agora faz parte da comissão técnica de Klinsmann. Mesmo no time de hoje desponta um brazuca, o carioca Benny Feilhaber, de mãe brasileira e pai americano, camisa dez

86 OS 32 DA COPA GRUPO G ALEMANHA, PORTUGAL, ESTADOS UNIDOS E GANA do Sporting Kansas City, que brigou até o último instante por uma vaga definitiva entre os que estarão na Copa.

Carles: Claro que você tem razão, que é só uma questão de tempo para que eles descubram o fascínio por esse esporte e as suas possibilidades como gerador de negócios. Aí, claro, só vai faltar mesmo o definitivo empurrãozinho da indús- tria cinematográfica para que o soccer seja coisa de super-heróis patrióticos, com muita cor, música, pirotecnia e cachorro quente. E que o locutor finalmente possa anunciar “the winner is The United States of America Team”.

Edu: Enquanto isso, as armadilhas do destino rondam os americanos e suas rela- ções políticas internacionais. Nos amistosos Fifa deste meio de semana, quem será o adversário dos norte-americanos em um jogo acertado há meses? Justamente a Ucrânia. O jogo foi transferido para o Chipre, por solicitação dos EUA, diante da grave situação interna na antiga república soviética que reviveu sua histórica crispação com os russos. É ou não mais um episódio clássico de movimentação cósmica?

Carles: Ou, quem sabe, de um brilhante roteirista de Hollywood.

OS CONVOCADOS Goleiros: Brad Guzan (Aston Villa), Tim Howard (Everton) e Nick Rimando (Real Salt Lake). Zagueiros: DaMarcus Beasley (Puebla), Matt Besler (Sporting Kansas City), John Brooks (Hertha Berlin), Geoff Cameron (Stoke City), Timmy Chandler (Nürnberg), Omar Gonzalez (LA Galaxy), Fabian Johnson (Hoffenheim) e DeAndre Yedlin (Sea- ttle Sounders). Meio-campistas: Alejandro Bedoya (Nantes), Michael Bradley (Toronto FC), Brad Davis (Houston), Mix Diskerud (Rosenborg), Julian Green (Bayern de Munique), Jer- maine Jones (Besiktas) e Graham Zusi (Sporting Kansas City). Atacantes: Jozy Altidore (Sunderland), (Seattle Sounders), Aron Johannsson (AZ Alkmaar) e (San Jose Earthquakes). Técnico: Jürgen Klinsmann.

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Os ‘Black Stars’ não terão vida fácil no Brasil

Carles: Talvez Gana seja um dos casos que confirmam velhos estereótipos como o de que alguns povos trazem a ginga no sangue e com ela a aptidão para esportes marcados pelo ritmo quase coreográfico, como o futebol.

Edu: Podíamos mesmo dizer que as duas manifestações culturais que compõem os traços da sociedade ganesa, uma das sólidas democracias africanas da Costa do Ouro, são justamente o futebol, praticado em massa em todos os cantos do país, em especial nas ruelas e periferias de Acra, e o highlife, o gênero musical tipo ex- portação do país, levado ao ritmo dançante dos trompetes e das cordas, enriqueci- do visualmente pelas roupas coloridas, que influenciou meio continente e, claro, os latinos mundo afora.

Carles: Principalmente depois da independência, em 1957, as novas gerações fi- zeram do futebol do país uma potência nos torneios para adolescentes e em todas as categorias previas aos Sub-20.

Edu: E com estilo próprio, fundado na força e na habilidade que o diferenciam dos seus vizinhos da África Negra. Foram essas dinastias recentes que também transformam o highlife em hiplife, fundindo o som local com o hip hop, resul- tando num original coquetel musical que, embora modernoso, não fez concessões quanto a suas raízes sociais.

Carles: É um desses gêneros que faz concessões à indústria cultural e que a gen- te acaba encontrando na seção de World Music dos grandes centros comerciais ocidentais, mas que tem componentes de raízes africanas e do Caribe, pela marca- da relação entre as cordas que harmonizam e contrastam com os metais.

Edu: As marcas da colonização inglesa são evidentes na sociedade ganesa, algo que vai além do idioma e das estruturas burocráticas do governo. Mas não foi su- ficiente para descaracterizar o traço multicultural do país, formado por uma imen- sa variedade de tribos, com quase 80 línguas autóctones e uma malha geopolítica que mais parece um imenso puzzle de várias origens, conglomerados regionais e grandes famílias, algumas com milhares de componentes e idiomas particulares.

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Carles: Nove são os idiomas reconhecidos oficialmente, além do inglês, utiliza- do por 40% da população.

Edu: A proximidade com a cultura britânica, porém, teve forte influência no am- biente do futebol. Os jogadores ganeses praticamente comandaram uma invasão africana na Europa a partir dos anos 80, capitaneados pelo fantástico Abedi ‘Pelé’, e ainda hoje formam um dos grupos com melhor capacidade de adaptação no jet set internacional, espalhados que estão pelos principais centros do futebol euro- peu.

Carles: O time atual, treinado por outro que fez história, o ex-capitão da seleção Akwasi Appiah, tem apenas quatro ou cinco jogadores que atuam em Gana. Para o último amistoso contra a seleção de Montenegro, o goleiro Steven Adams de 24 anos, que joga no Aduana Stars, da cidade de Dormaa Ahenkro, era o único entre os convocados que joga no país.

Edu: O grupo conta com uma média de idade bastante baixa – o único titular absoluto com mais de 30 é o inconfundível , hoje no Milan, 31 anos. Essien é um dos destaques ao lado da estrela Kevin Prince Boateng (Schalke 04)…

Carles: Mais um do clássico “irmãos separados pelo futebol”… Ele e o mano caçula Jerôme devem se cruzar em Fortaleza no segundo jogo do grupo…

Edu: Mesmo que o alemão da família não seja titular, o encontro será inevitável. Mas Gana traz mais experientes, o capitão Asamoah Gyan, com larga vivência no futebol italiano e hoje defendendo o Al Ain (Emirados), Sulley Muntari, o volan- te da Inter que não é do tipo delicado, e aquele que, hoje, é provavelmente o jogar ganês mais em forma, o ala-atacante Kwadwo Asamoah, titular da Juventus de Turim.

Carles: Além do jovem herdeiro André Aiew…

Edu: Boa parte desses jogadores esteve a ponto de fazer história no Mundial de 2010, quando, por um pênalti perdido no último minuto de jogo, não desclassifi- cou o Uruguai, perdendo a chance de passar à semifinal.

Carles: Inesquecível aquele lance, no último minuto da prorrogação e com o marcador em 1 a 1, Luisito Suárez em cima da linha desviou a bola com a mão e acabou expulso. Saía desconsolado e, de repente, já na boca do vestiário, começou a vibrar quando o capitão Asamoah Gyan lançou a bola na trave. Uruguai passou na disputa de pênaltis mas ficou sem Suarez para a semi e acabou eliminado pela Holanda.

Edu: Gana havia participado apenas da Copa de 2006, quando foi desclassifi- cada nas oitavas pelo Brasil dos Ronaldos, de Kaká e de Adriano, que fracassaria logo depois.

Carles: Nada mal, logo na primeira fase final mundial, os Black Stars já chega- ram às oitavas e, em 2010, às quartas. Por que não uma semifinal agora?

89 OS 32 DA COPA GRUPO G ALEMANHA, PORTUGAL, ESTADOS UNIDOS E GANA

Edu: Gana não terá vida fácil no Brasil em um grupo especialmente cascudo contra Alemanha, Portugal e Estados Unidos. Mas seus adversários também de- vem estar preocupados: ninguém pode desprezar a competitividade de time ganês, que montou seu quartel general no Nordeste – vai se concentrar em Maceió – e terá viagens curtas para duas partidas, a estreia contra os EUA, em Natal, e o se- gundo jogo, diante dos alemães em Fortaleza. Depois, o time fecha a primeira fase com um deslocamento pouco maior, até Brasília, onde pega Portugal. A opção por ficar nas Alagoas teve motivação logística e principalmente climática. Gana estará em praticamente em casa, enquanto os adversários certamente sofrerão mais com o calor. Por aqui, nas apostas informais, as ‘Estrelas Negras’ de Gana são, ao lado dos marfinenses, os times africanos a ser levados em conta, muito mais do que simples zebras.

Carles: Segundo o nosso duvidoso critério Ranking Fifa, trata-se de um grupo complicadíssimo: Alemanha aparece em 2º, Portugal em 4º e Estados Unidos em 13º e uma vontade danada de seguir subindo no ranking. Gana só aparece na 37ª, mas realmente é um dos times candidatos a finalmente fazer alguma justiça aos méritos do futebol africano entre os adultos.

Edu: “Quem me dera ser como Gana, que tem ao menos meia dúzia de jogado- res disputando a Champions; eu não tenho nenhum”, disse outro dia no Brasil o técnico dos Estados Unidos, o alemão Jurgen Klinsmann. De fato, desde a gera- ção de Abedi Pelé, que fez história no Olympique de Marselha onde hoje atua o filho André Aiew, os jogadores de Gana passaram a frequentar alguns dos grandes clubes da Europa com assiduidade, revelados pelas excelentes equipes de base que deram trabalho nos torneios de jovens e levaram à conquista dos títulos mundiais do sub-17 em duas ocasiões (1995 e 1999) e do sub-20 em 2009, no Egito, der- rotando na final a Seleção Brasileira que tinha jogadores como Paulo Henrique Ganso, Alan Kardec e Alex Teixeira, hoje um dos principais nomes do Shakthar Donetsk.

Carles: Vai ser uma dura prova para os Black Stars já desde o começo. Se con- seguirem se classificar nesse verdadeiro grupo da morte, tenho a impressão que passam a ser candidatos a tudo.

OS CONVOCADOS Goleiros: Fatau Dauda (Orlando Pirates), Adam Kwarasey (Stromsgodset) e Stephen Adams (Aduana Stars). Zagueiros: Samuel Inkoom (Platanias), Daniel Opare (Standard Liege), Harrison Afful (Esperance), John Boye (Rennes), Jonathan Mensah (Evian) e Rashid Sumalia (Mamelodi Sundowns). Meio-campistas: Michael Essien (Milan), Sulley Muntari (Milan), Rabiu Moham- med (Kuban Krasnodar), Kwadwo Asamoah ( Juventus), Emmanuel Agyemang-Badu (Udinese), Afriyie Acquah (Parma), Christian Atsu (Vitesse Arnhem), Albert Adomah (Middlesbrough), Kevin-Prince Boateng (Schalke) e Mubarak Wakaso (Rubin Ka- zan). Atacantes: Asamoah Gyan (Al Ain), André Ayew (Olympique de Marselha), Abdul Majeed Waris (Valenciennes), Jordan Ayew (Sochaux). Técnico: Kwesi Appiah.

90 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL

Salada de estilos e etnias no timaço belga

Edu: Desde a criação da Comunidade Europeia, vocês devem ter se habituado a conviver com a crescente influência desse pequeno país de pouco mais de dez milhões de habitantes que ganhou, com a zona do euro, uma destacadíssima pro- jeção política como um dos criadores do chamado ‘ideal comunitário’. A Bélgica, com sua monarquia liberal bem camaleônica e uma divisão no núcleo de governo que distribui poder a vários partidos, dos verdes aos socialdemocratas, tem tudo a ver com esse conjunto de interesses difusos que vem conduzindo, ou tentando conduzir, o continente. É um sintoma do que ocorre dentro do próprio país, his- toricamente dividido pelas comunidades definidas pelos três idiomas, o flamengo (grande maioria), o francês e, em menor escala, o alemão. É um pouco também do que acontece com o futebol belga, hoje uma salada de estilos, resultado de sua mistura de raças, influências e origens.

Carles: Engraçado que, quando o assunto é separatismo, fora da Europa costu- ma-se pensar nas ilhas britânicas ou no estado espanhol, quando na verdade um dos mais ativos focos de autodeterminação está justamente na província Brabante Flamengo, onde está incrustada a zona federal de Bruxelas. É como se os caciques europeístas tivessem utilizado a ironia para escolher uma boca do vulcão para colocar a sede política do seu projeto de estado europeu unificado. Na verdade, é uma forma um tanto dramatizada de apresentar as lutas regionalizadas que já estão bastante assimiladas e normalizadas, a não ser em casos com intervenção imperialista como do amigo Putin na Criméia. Li em algum lugar uma análise de que essa seleção multiétnica justamente desafiava a nação dividida que representa quando, na verdade, considero que ela justamente reafirma a grande variedade ra- cial e cultural. Por isso talvez seja uma grande equipe, por respeitar a diversidade e aproveitá-la muito bem.

Edu: Fui cutucar o espanhol, é nisso que dá… O fato de ser o primeiro país continental a incorporar os princípios da Revolução Industrial explica, aliás, uma ligação secular com as ilhas britânicas. Entre outras identificações, Bruxelas está muito mais próxima de Londres do que Paris, por exemplo. E de alguma forma também explica, por uma lógica afinidade geoeconômica, por que 80% dos titula- res do melhor time de futebol que o país teve em todos os tempos jogam na Pre-

91 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL mier League (contando os reservas, são 55% do elenco que vem sendo convocado atuando no campeonato inglês). Claro, grande parte dos craques belgas trabalha a no máximo duas horas de casa, praticamente a defesa inteira – o goleiro Mignolet (Liverpool) os zagueiros Kompany (City), Vertonghen (Spurs), Varmaelen (Arse- nal) -, os meio-campistas Chadli, Dembélé (ambos do Spurs) e Felaini (United) e os atacantes Miralas e Lukaku (ambos do Everton), Benteke (Aston Villa), além dos irmãos Hazard, o cracaço Eden e o mais novo, Thorgan (ambos do Chelsea).

Carles: Todos trabalham pertinho de casa porque não faltam voos que liguem qualquer capital europeia com Bruxelas para facilitar o trânsito de senhores aus- teros metidos em ternos cinza e gravatas vinho e senhoras em tailleur. Aliás, neste momento estamos nos preparando para uma renovação de parte dos deputados europeus através do voto. O certo é que justamente a província Flamenga, que praticamente coincide com o antigo estado de Flandres, é uma zona culturalmen- te muito arraigada, mas forma uma zona de transição entre germânicos, neerlan- deses e franceses. Sempre esteve sujeita a tentativas de unificação, a maioria por interesses externos. Já fez parte de um estado austríaco, compôs um pseudoestado chamado Estados Belgas Unidos, foi incorporada à Benelux e, após a Segunda Guerra Mundial, o presidente estadunidense Roosevelt até planejou criar um estado unificado por lá, mas a coisa na prática não funcionou por oposição dos poderosos aliados europeus, o francês De Gaulle e o primeiro ministro britânico Winston Churchill, que pelo visto compreendiam melhor as idiossincrasias locais. Essas condições quase sempre provisórias de convivência e as tentativas de impo- sição externa é o que, eu acho, acaba sempre fortalecendo o espírito independen- tista e faz aflorar a defesa dos valores e das culturas locais. E por falar em defesa, será que o meta belga vai ser mesmo Mignolet ou existe alguma chance para o já quase madrileño Courtois, em grande fase?

Edu: Essa dúvida seguirá até a Copa. Tanto Mignolet quanto Courtois honram a tradição que começou com autênticas lendas como Jean-Marie Pfaf, um dos líderes da melhor campanha da Bélgica em Mundiais (quarto lugar em 1986), e o incrível Michel Preud’homme, um goleiro de 1m79 que primava pela boa colo- cação e pela elasticidade e que chegou a jogar com o atual técnico, Marc Wilmots, na Copa de 1994. O fato é que, por um lado, a Bélgica será um dos times mais badalados da Copa, não tenha dúvida. , sem medo de errar, é um dos top 10 do Mundial, mas terá que fazer jus à fama. Kompany é um zagueiro desejado por meia elite europeia (Barça e PSG inclusive) e os dois goleiros estão entre os mais cobiçados do continente. Por outro lado, porém, será também uma das seleções mais visadas pela mídia e pelos adversários, o que pode gerar uma pressão externa com consequências imprevisíveis para um grupo de jogadores re- lativamente jovem, que têm a missão de colocar o país no jet set internacional do futebol.

Carles: Não esqueçamos de que os belgas também foram vítimas do virus pré- -copa e este mês perderam um dos atacantes habituais nas convocações de Wil- mots, Christian Benteke, que sofreu ruptura do tendão de Aquiles durante um treino do seu clube, o Aston Villa. Provavelmente isso define o jovem Lukaku, que muitos consideram o novo Drogba, como titular absoluto no dia 17 no novo Mineirão contra a Argélia. Depois, o confronto teoricamente mais equilibrado do grupo contra os russos no Maracanã e, por último, contra os sul-coreanos, em São

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Paulo. Temos mais Bélgica como mínimo na fase seguinte, não?

Edu: Desde que chegue com os pés no chão. Dona da melhor campanha da Eu- ropa nas Eliminatórias, fez uma sequência de amistosos bastante ruim depois da classificação, incluindo um baile dado pelos colombianos, sob o comando de Ra- damel Falcao, em plena Bruxelas (0 a 2). Mas o planejamento dos belgas foi faci- litado pelo sorteio das chaves. Além de participar de um grupo bastante tranquilo, o time vai passar toda a primeira fase no Sudeste, com viagens curtas. Para tanto, o país escolheu um local privilegiado, um resort na cidade de Mogi das Cruzes, a caminho do litoral paulista, com clima bastante ameno já que se trata de região serrana, a pouco mais de uma hora do aeroporto de Guarulhos e com infraestru- tura invejável. Talvez seja um dos times que chegue mais desgastado à Copa, em função das exigências a que seus principais jogadores estão submetidos nos gran- des campeonatos, mas, em sã consciência, hoje ninguém pode deixar de colocar a Bélgica entre as oito principais seleções que estarão no Brasil.

Carles: No famosos ranking Fifa, segundo a classificação mais recente, os bel- gas ocupam o 11º lugar, enquanto seus rivais diretos são 19º, Rússia; 22º, Argélia e Coréia do Sul, 57º. Uma honrosa colocação para quem está mais acostumado a frequentar os primeiros postos no ranking de produtores de chocolate, tal e como no simpático filme franco-belga ‘Românticos Anônimos’ em que o casal de tí- midos patológicos só consegue se aproximar um do outro através da produção de chocolate criativo. Nada como saber rir de si mesmos para espantar as visões este- reotipadas.

OS CONVOCADOS Goleiros: (Atlético Madrid), Simon Mignolet (Liverpool) e Sammy Bossut (Anderlecht). Zagueiros: Toby Alderweireld (Atlético Madrid), Anthony Vanden Borre (Anderle- cht), Laurent Ciman (Standard Liège), (Manchester City), Daniel Van Buyten (Bayern de Munique), Thomas Vermaelen (Arsenal), Nicolas Lombaerts (Zenit), Jan Vertonghen (Tottenham). Meio-campistas: (Zenit), (Porto), (Manchester United), Moussa Dembélé (Tottenham), Nacer Chadli (Tottenham), Ke- vin De Bruyne (Wolfsburg) Atacantes: (Everton), Divock Origi (Lille), Eden Hazard (Chelsea), Dries Mertens (Napoli), (Everton), Adnan Januzaj (Manchester Uni- ted). Técnico: Marc Wilmots

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Contra a apatia, brigada russa aposta em Capello

Edu: A apatia em que se transformou o futebol russo depois da dissolução da União Soviética ainda está pendente de uma justificativa histórica. Há mais dinhei- ro nos clubes, o campeonato mais curto é melhor organizado, as outras ligas euro- peias já não conseguem importar tantos jogadores, mas nas últimas duas décadas – exceto pela conquista da Copa da Uefa pelo Zenit em 2007/2008 –, os grandes times sumiram da cena principal, os estádios estão vazios e nenhum jogador verda- deiramente empolgante surgiu. A seleção tem sido uma sombra do que foi nos tem- pos em que os Dínamos, de Moscou e de Kiev, formavam autênticos esquadrões. Carles: Depois de uma fase de deslumbramento, com grandes investimentos à sombra do espólio das megaempresas estatais soviéticas, o futebol russo parece seguir buscando uma fórmula entre o mercado importador, como o daquela for- te equipe do Zenit campeão da Uefa e o modelo produtor de talentos, inclusive criando alguns impostos sobre contratações estrangeiras e revertidos para o fute- bol de base. Edu: As altas fortunas não foram capazes de garantir qualidade… Carlos: Tem também o recente exemplo do outro modelo, o Anzhi Makha- chkala, irremediavelmente a caminho da Segunda Divisão, e que tentou imitar a gestão de grandes clubes europeus como o United, mas que demonstrou estar sujeito às variações de humor do megamilionário de plantão e fracassou rotun- damente. De todos modos, ou a estrutura financeira da Premier russa tem mesmo capacidade para reter as grandes estrelas russas ou se confirma a aparente dificul- dade de adaptação dos russos ao futebol da Europa Ocidental. Ou ambos. Arsha- vin e Pavliuchenko estiveram na Premier, no Arsenal e Tottenham Spurs, respec- tivamente, e retornaram sem deixar saudades. Edu: Arshavin, que foi o artífice daquele timaço do Zenit na Uefa, é o caso mais gritante de apatia futebolística dos últimos tempos. Tem talento, boa presença física, mas é de uma indolência irritante. Mesmo assim é o segundo jogador a de- fender mais vezes a camisa russa depois da fragmentação, com 75 partidas oficiais (só abaixo de ), apesar de nem ser titular absoluto do time de Fa- bio Capello. De alguma forma, essa geração contraria outros russos que se deram bem na Europa Ocidental. Vocês mesmo tiveram representantes à altura em vá-

94 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL rias épocas, como o mítico Rinat Dasayev e mais recentemente Valeri Karpin, que virou uma instituição do Celta de Vigo junto com o compatriota Mostovói, mas que também passou por Valencia antes de rumar para a Galícia. Carles: E não se esqueça da Real Sociedad. Valeri, que nasceu estônio, sempre foi um grande relações públicas, teve até programa na Tele-Vigo e segue manten- do negócios em Vigo. Dasayev foi o responsável pela grande quantidade de uni- formes de goleiro amarelos vendidos nos 70-80 para moleques do mundo inteiro. “Rafaé”, como era conhecido pela torcida sevillista, pela semelhança fonética em andaluz com seu sobrenome, faz parte da saga de grandes arqueiros russos e que começou com o mito Lev Yashin, o Aranha Negra – moscovita da gema que de- fendeu a meta e outras causas soviética, durante os anos 50, 60 e 70. E a tradição se mantém com , terceiro jogador com mais jogos pela seleção russa (74) e um dos destaques da equipe atual. Edu: O magnífico Dasayev, um dos maiores goleiros da história, só não segurou os chutes de Éder e Sócrates naquele fatídico Mundial de 1982, jogo disputado no San- chez Pizjuán, em Sevilla. Brasil e União Soviética abriram a disputa do grupo, na partida vencida pelo time de Telê por 2 a 1, de virada, depois de um frangaço de Valdir Peres. Carles: Seja pelo motivo que for, as estrelas russas tendem a permanecer nos times locais. Nas últimas convocações de Capello, o único jogador “estrangeiro” é justamente da nossa liga. O jovem lateral hispano-russo Denís Chéryshev, que começou nas divisões de base de Sporting de Gijón e Burgos – clubes que o pai Dmitri Chéryshev defendeu – , passou pelo Real Madrid Castilla e atualmente está no Sevilla. Edu: Mas segue vinculado ao clube da capital… Carles: A equipe nacional russa tem já vários jogadores com uma certa rodagem, como os defensores Aleksandr Anyukov, 31 anos e Serguéi Ignashévich, 34 anos. Mesmo Arshavin, ex-grande promessa e garoto de ouro da geração que conquis- tou o terceiro posto da Eurocopa 2008, e Pavliuchenko, também daquele time, estão com 32 anos. O outro atacante destacado daquele grupo, Alexander Ker- zhakov, hoje com 31 anos, ficou fora da lista final de Gus Hiddink, então treina- dor, que alegou preferir atacantes com maior mobilidade a meros goleadores. Na faixa dos 27, estão os meiocampistas como e Víktor Faizulin, em princípio, titulares absolutos. Edu: Mas, na última semana de preparação, veio o duro golpe com a lesão e corte do capitão , comandante do meio de campo, esse sim um desfalque de peso. Outro destaque da equipe atual também não é nenhum garoto, , de 30 anos. Nessas circunstâncias, talvez a grande esperança russa seja um meio-campista mais jovem e promissor, Alán Dzagoyev, em quem o bi- lionário Suleiman Kerimov despejou uma fortuna para que atuasse pelo Anzhi Makhachkala e que, depois do desmanche, foi vendido ao CSKA de Moscou. Jus- to no dia da estreia da seleção russa em Cuiabá contra a Coreia, Dzagoyev cum- pre 24 anos. Outro jovem que pode ter alguma chance é , do Dínamo, um atacante alto e veloz, que já foi testado por Capello em 11 jogos. Carles: Quem parece não ter nenhuma dificuldade para se adaptar à vida de Moscou é justamente o bom Fabio, bastante convincente e sincero na sua última entrevista que ouvimos na Cadena Ser, assegurou que mora na capital russa de fato, curte a vida, a neve e o frio, apreciador do bom vinho que é. Admirador da

95 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL disciplina da Espanha durante o regime franquista (foi ele que disse quando esta- va em Madrid!!!!), não parece ter problema em conviver com Putin. É o primeiro latino a dirigir o combinado russo, sucedendo aos holandeses Advocaat e Hid- dink, primeiros estrangeiros nessa empreitada. Antes, lógico, todos os treinadores da seleção da URSS foram soviéticos. Edu: Com sua postura militar, rígida e autoritária, Capello parece feito para vi- ver na sociedade russa sem ser muito incomodado, como ele gosta, aliás. E é tam- bém o tipo ideal para manter a uma certa distância sua seleção das polêmicas in- ternacionais. Terá trabalho diante das reações que se multiplicam após as tensões geradas pelos movimentos sociopolíticos na Ucrânia. Carles: Pois é, recentemente começaram a pulular as notícias em alguns meios de que existiria uma campanha vinda dos EUA, redentores do mundo, para que a seleção da Rússia não pudesse disputar a Copa. Coincidentemente, favorecendo a representação dos eternos aliados, Israel. Coisas da vida. Edu: Só me faltava essa. De todo jeito, os russos – que escolheram como quar- tel-general um centro de treinamento da cidade paulista de Itu – terão que fazer um esforço extra para evitar surpresas por aqui, já que estão em um grupo aparen- temente tranquilo mas que pode apresentar alguma armadilha, contra a favorita Bélgica, mais Argélia e Coréia do Sul. Carles: Seria interessante que eles cumprissem dignamente a missão no Brasil, como herdeiros que são, organizadores do seguinte Copa. O ranking Fifa deste mês coloca os componentes do grupo na seguinte ordem: Bélgica é 11ª, Rússia é 19ª, Argélia é a 22ª e Coréia do Sul, a 57ª. Meio obrigação passar né? Edu: Depois da estreia em Cuiabá diante dos sul-coreanos, onde o calor será cruel com ambos, o time enfrenta a fortíssima Bélgica no Maracanã, podendo de- pois decidir tranquilamente a vaga contra os africanos, em Curitiba, teoricamente como candidatos mais fortes. Passando, devem pegar o primeiro colocado no gru- po da Alemanha, mas aí é outra história. OS CONVOCADOS Goleiros: Igor Akinfeev (CSKA Moscou), Yury Lodygin (Zenit), Sergei Ryzhikov (Rubin Kazan). Zagueiros: Vasily Berezutsky, , Georgy Shchennikov (CSKA), (Dynamo Moscou), Alexei Kozlov (Dynamo Moscou), Andrei Yesh- chenko (Anzhi Makhachkala), Dmitry Kombarov (Spartak Moscou), Andrei Semenov (Terek Grozny). Meio-campistas: Igor Denisov (Dínamo Moscou), Yury Zhirkov (Dynamo Moscou), (CSKA), Pavel Mogilevets (Rubin Kazan), (Spartak Moscou), Viktor Faizulin (Zenit), (Zenit). Atacantes: Alexander Kerzhakov (Zenit), Alexei Ionov, Alexander Kokorin (Dynamo Moscou), Maxim Kanunnikov (Amkar Perm), Alexander Samedov (Lokomotiv Mos- cou). Técnico: Fábio Capello.

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Do Magreb, futebol com o selo da dignidade

Carles: Se tem um participante da próxima Copa que ganhou o direito a ser chamado de o país do futebol, esse é a Argélia. Pouca gente diria que um país com escassos troféus nas vitrines da sua federação como este tem a sua história de in- dependência tão diretamente ligada a esse esporte. Tudo porque um dia, depois de quase 130 anos de submissão à França, os seus principais jogadores, Mekhloufi, Zitouni, Sais Brahmi, Mokhtar Arribi, Adelhamid Kermali, militantes dos prin- cipais clubes franceses, resolveram se rebelar para formar seu particular exército, com a bola como única arma, para se somar à causa independentista.

Edu: Foi a célebre Seleção da FLN, a Frente de Libertação Nacional. A rapa- ziada circulou pelo mundo, fez mais de 90 jogos com a camisa da FLN entre o fim dos anos 50 e o início dos 60, jogando por amor à causa da independência em países que eram simpáticos ao processo de autonomia em relação à França. O grande líder do time era Rachid Mekhloufi, jogador que levou o Saint Étienne ao primeiro título de sua história e que, quando foi convocado pela França para disputar a Copa de 1958, já que tinha a nacionalidade, preferiu se juntar aos ami- gos que defenderiam as raízes. Mekhloufi, capitão do time, e essa turma toda são vistos como cofundadores da Argélia independente. Ali o futebol sempre foi poli- tizado.

Carles: A grande conquista desse time, junto com as forças de liberação, chegou em 1962, data da independência argelina. Contudo, a aventura da equipe come- çou às vésperas da Copa de 1958, com a suspeita desaparição de dois dos prin- cipais jogadores da concentração da seleção francesa, uma das grandes favoritas, junto com o Brasil. Pouco depois surgia o time que decidiu vestir e representar as cores da FLN e sua causa. E seus líderes eram exatamente os foragidos Rachid Mekhloufi, que completava um temível ataque francês, junto com Raymond Kopa e Just Fontaine, e o zagueiro Mustapha Zitouni. Entre os resultados esportivos, 8 a 0 na Tunísia, que era a vigente campeã dos jogos Pan-árabes, e 6 a 1 na então poderosa seleção da Iugoslávia. Veja você que, se não se pode afirmar que tudo isso tenha sido decisivo para a conquista do primeiro título mundial da Seleção Brasileira, tampouco se pode negar um possível enfraquecimento do grande rival dos brasileiros. Também é verdade que os prognósticos não levavam em conta o

97 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL surgimento de um certo moleque de 17 anos durante o torneio.

Edu: Por essas e outras é que o Brasil bem que poderia estender um tapete ver- melho para receber essa digna equipe argelina, de história tão rica, para sua quarta Copa do Mundo. A Argélia sempre teve motivos óbvios para ser objeto de cobiça do imperialismo francês, em especial por sua posição estratégica no Magreb e por sua economia fundada na riqueza mineral. Não estranha que até os jogado- res argelinos foram cortejados, quando não forçados a defender os ‘galos’. Mas os tempos mudaram muito. Mesmo Mekhloufi, quando retornou à França anos após a independência, porque era um apaixonado pelo St. Étienne, chegou a receber a taça da Copa da França de De Gaulle em pessoa, com a mesma dignidade com que havia rejeitado seleção francesa anos antes. Recentemente, uma das maiores revelações argelinas seguiu o mesmo caminho do lendário Mekhloufi. Nascido em Lille, o excelente volante Nabil Bentaleb, 19 anos, hoje no Tottenham, optou por defender a Argélia e certamente será titular no Brasil. A verdade é que há uma via de mão dupla até hoje entre França e Argélia no futebol – o que não exclui as convicções políticas. Que o diga um certo Zizou.

Carles: Recentemente, inclusive, o presidente francês François Hollande fez uma visita oficial a Argel com o objetivo de pedir desculpas “pelo período de 132 anos em que o país esteve submetido a um sistema profundamente injusto e bru- tal, que”, segundo ele, “só pode receber o nome de colonialismo”. Bom, na verdade, Hollande garantiu não ter ido para pedir desculpas, mas sim para mostrar a ver- dade sobre o passado e propor as bases da futura convivência. Mesmo com todo o conflito, os vínculos não podem ser cortados de uma hora para outra e a sinergia entre a cultura futebolística magrebina e a francesa é evidente no estilo de al- guns jogadores espalhados por toda a Europa. Tanto que dois dos jovens talentos meio-campistas que jogam hoje na Liga Espanhola, Sofiane Feghouli no Valencia e Yacine Brahimi no Granada, e que fazem parte da seleção argelina, estiveram nas seleções francesas de base, inclusive na sub-21. Temos ainda por aqui Mehdi Lacen no Getafe e Liassine Cadamuro no Mallorca, que pode escolher entre a seleção francesa por ter nascido em território francês, a italiana por causa do pai e argelina, a nacionalidade da mãe. Claro que além do peso afetivo ou da possível identificação cultural, na hora da escolha, contam também as probabilidades de poder garantir um lugar numa ou noutra seleção.

Edu: Muitos do atual time argelino nasceram em território francês mas optaram por defender sua origem familiar. Mesmo Zidane poderia ser chamado de um ‘discreto francês’ com alma argelina, porque nunca negou suas origens, como bom oriundo do Mediterrâneo que é. É uma mostra de que há talentos futebolísticos naquela região, como provaram antes dele os herdeiros diretos de Mekhloufi, que fizeram estragos na década de 80, Lakhdar Belloumi e o cracaço Rabah Madjer, campeão europeu pelo Porto na final contra o Bayern de Munique (86/87), em que deixou sua marca com um golaço, atuando ao lado dos brasileiros Juary e Ca- sagrande. Outro dia, quando Brahimi executou o Barça em Los Cármenes, pa- receu uma reedição da tradição de bons meias e atacantes que tem a Argélia, algo que veremos aqui em breve. Bélgica, Rússia e Coréia do Sul que se cuidem.

Carles: Não se esqueça de que Madjer tem uma exígua passagem por Valencia, entre safras portuenses. E falando no sobrenome Zidane, os filhos de Zizou, Enzo

98 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL e Luca – ou os Fernández – , já andaram atendendo a convocações das jovens seleções francesas, mas no caso deles, além da opção pela França ou pela Argélia, ainda poderiam escolher defender a seleção correspondente à nacionalidade da mãe, e nesse caso seria La Roja. E para não perder o costume, vamos com os indi- cadores da última edição do ranking Fifa para este grupo: a Bélgica é 11ª, a Rús- sia é a 19ª, a Coreia do Sul é 57º e a Argélia 22ª. Não é nenhum absurdo pensar que os argelinos possam passar à seguinte fase e para isso não falta futebol, talvez um pouco da arte de competir. E como a sua própria história demonstra, quan- do eles decidem lutar por um objetivo, se entregam sem economizar recursos. E, mesmo que demore, acabam conseguindo.

Edu: Ficarão aqui pertinho, em Sorocaba, fazem a estreia em Belo Horizonte contra a Bélgica e em seguida rumam para o Sul para jogar no Beira-Rio (contra a Coreia) e na Arena da Baixada (contra os russos), compartilhando estádio com La Roja. Dentre as inúmeras zebras da Copa não tenho dúvidas de que as ‘Rapo- sas do Deserto’ estão entre as mais atraentes – por jogo e por história.

OS CONVOCADOS Goleiros: Zemmamouche (USM Alger), Mbolhi (CSKA Sofia) e Si Mohamed (CS Constantine) Zagueiros: Medjani (Valenciennes), Mandi (Reims), Madjid Bougherra (Lekhwiya), Ghoulam (Napoli), Halliche (Acadêmica), Belkalem (Watford), Cadamuro (Mallorca), Mesbah (Livorno) e Mostefa (Ajaccio) Meio-campistas: Feghouli (Valencia), Taider (Inter), Lacen (Getafe), Djabou (Club Africain), Brahimi (Granada), Nabil Bentaleb (Tottenham), Yebda (Udinese) e Mahrez (Leicester City) Atacantes: Slimani (Sporting), Soudani (Dínamo Zagreb) e Nabil Ghilas (FC Por- to). Técnico: Vahid Halilhodzic.

99 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL

Um tigre asiático que aprendeu com a lição de casa

Edu: Coincidência ou não, foi quando a Coreia do Sul começou a promover uma revolução em seu modelo socioeducativo, turbinando ainda mais esse perfil de tigre asiático, que o futebol do país deslanchou. Eles chegam ao Brasil para sua oitava Copa consecutiva e mostram que projeto levado a sério invariavelmente dá certo.

Carles: Nessa história de “conosco ou contra nós”, patrocinada por George W. Bush, entre outros, e que pretende dividir o mundo em mocinhos de chapéu bran- co e bandidos de chapéu preto, os sul-coreanos receberam o sombreiro impoluto. Entretanto, não é exatamente o que pensam as seleções da Espanha e da Itália, desclassificadas na Copa 2002 em terras coreanas e japonesas de uma forma um tanto estranha.

Edu: Aquela Copa foi um disparate em matéria de arbitragens e continua viva por aí a história de que foi uma compensação orquestrada por Blatter para res- sarcir os prejuízos do governo sul-coreano com a organização. Mas nada disso anula o que eles fizeram, aproveitando aquela lição de casa, e a seriedade com que encaram hoje o futebol. Há alguns dias, o escritor espanhol Fernando Aramburu, em sua crônica semanal no El País, falava da disciplina, da simpatia, da educação e da dedicação dos jogadores sul-coreanos que estão na Bundesliga, um dos eldo- rados para quem vem daquele lado do mundo. Hoje são seis sul-coreanos atuando por times alemães da primeira divisão, mas a admiração que eles geram por lá é garantia de mercado por muito tempo. Entre os que jogam na Bundesliga, está o atual capitão da Seleção, o meio-campista Ja-Cheol Koo, que atua pelo Mainz, e um dos jovens mais promissores do time que foi medalha de bronze em Londres, o atacante Ji Dong Won, do Augsburg.

Carles: Mesmo que todo o mundo (menos Al-Ghaundour e seu assistente) te- nha visto que aquela bola ainda estava meio metro dentro do campo quando Joaquim fez o cruzamento, era uma oportunidade de ouro para que os homens da Fifa pudessem abrir novos mercados – uma cultura milenar e suficientemente flexível para não oferecer resistência às tentações ocidentais. A evolução é inegável ainda que, segundo a minha tradicional análise do ranking Fifa (que normalmen-

100 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL te dista anos luz da realidade), a República da Coreia, na 57ª posição já saia em desvantagem com relação aos seus adversários de grupo: Bélgica 11ª, Rússia 29ª e Argélia 22ª.

Edu: É um grupo bastante acessível aos sul-coreanos. Vamos excluir a Bélgica, evidente favorita. Quem garante que a Rússia de Capelo não vai aprontar das suas indolências e apenas curtir uma viagem ao paraíso tropical? Eu diria que o jogo contra a Coreia, na estreia das duas seleções, dia 17 de junho, em pleno Pantanal, na Arena de Cuiabá, é uma decisão de vaga. O time coreano é uma equilibrada mescla de remanescentes da década de 2000, incluindo daquela Copa que provo- cou a choradeira de espanhóis e italianos, com alguns jovens muito promissores. No time estará inclusive o pioneiro das aventuras europeias, Park Ji-Sung, 33 anos, cem jogos pela seleção e que tem no currículo seis temporadas e meia com muitos títulos pelo Manchester United. Hoje, ainda dá pro gasto comandando o meio de campo do PSV Eindhoven.

Carles: Puxa vida, que visão tão espetacular e insólita acabo de ter, imaginando coreanos e russos jogando futebol sobre o Pantanal!!! Vou agora mesmo conferir se ainda existem entradas disponíveis para esse jogo imperdível, que nem os ir- mãos Coen seriam capazes de incluir num dos seus roteiros. Vi muitos bons jogos de Park no Manchester, rápido, inteligente para o jogo coletivo e não carente de habilidade. No entanto, prefiro apostar na Rússia que costuma deixar os seus fra- cassos já para as fases mais avançadas dos torneios. Sigo tendo minhas dúvidas quanto ao desempenho da Bélgica que, apesar de no papel ser uma das favoritas, pode até acabar disputando uma das vagas com os coreanos.

Edu: Pois eu já acho que os sul-corenos seguem adiante, até as oitavas. Fazem o segundo jogo em Porto Alegre, contra a Argélia, em um clima propício, e por úl- timo pegam a Bélgica, aqui do lado, na Arena Corinthians, em um jogo que pode muito bem garantir os dois times com um empate. E vão ficar hospedados longe de tudo e de todos, em Foz de Iguaçu, numa ambientação de ao menos três sema- nas. Desconfio que esses coreanos estão sabendo muito bem o que estão fazendo.

Carles: Realmente uma boa escolha, clima fresco, muito bem comunicado por transporte aéreo, sem ter os inconvenientes de conviver com uma urbe… Come- çam muito bem a trajetória mesmo, tem razão. Imagino que terão também uma infraestrutura esportiva à disposição, com centro de treinamento e tudo mais…

Edu: Terão um centro todo reformado e equipado para que Park Ji-Sung não fique nostálgico lembrando-se de Manchester, nem o outro Park (Park Chu-You- ng) sinta falta de seus tempos de Arsenal (aliás, ele andou aí pelo Celta também). Mas é bom que se diga: discretos como sempre, os sul-coreanos não fizeram ne- nhuma exigência especial em Foz do Iguaçu, ao contrário, elogiaram tudo, com elegância, educação e bom humor. Fernando Aramburu tem toda razão.

Carles: Park Chu-Young que deve capitanear a equipe no Brasil, foi escolhido jogador jovem do ano da Ásia em 2004, esteve cedido ao Celta na temporada 2012-13 e em 21 jogos conseguiu a excepcional marca de quatro gols – voltou para a Inglaterra. Imagino que a torcida brasileira já escolheu a Coreia num even-

101 OS 32 DA COPA GRUPO H BÉLGICA, RÚSSIA, ARGÉLIA E COREIA DO SUL tual enfrentamento contra os ingleses que não demonstraram o mesmo saber estar dos asiáticos.

Edu: Tranquilamente.

OS CONVOCADOS Goleiros: Jung Sung-ryeong (Suwon Bluewings), Kim Seung-gyu (Ulsan Horang-i) e Lee Bom-young (Busan I’Park). Zagueiros: Kim Jin-soo (Albirex Niigata), Yun Suk-young (Queens Park Rangers), Kim Young-kwon (Guangzhou Evergrande), Hwang Seok-ho (Sanfrecce Hiroshima), Hong Jeong-ho (Augsburg), Kwak Tae-hwi (Al Hilal), Lee Yong (Ulsan Horang-i) e Kim Chang-soo (Kashiwa Reysol). Meio-campistas: Ki Seung-yeung (Sunderland), Ha Dae-sung (Beijing Guoan), Han Kook-young (Kashiwa Reysol), Park Jung-woo (Guangzhou), Son Heung-min (Bayer Leverkusen), Kim Bo-kyoung (Cardiff City), Lee Chung-yong (Bolton Wande- rers) e Ji Dong-won (Augusburg). Atacantes: Koo Ja-cheol (Mainz), Lee Keun-ho (Sangju Sangmu), Park Chu-young (Arsenal) e Kim Shin-wook (Ulsan Horang-i). Técnico: Hong Myung-Bo

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