MESTRADO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

O online como meio para o broadcasting televisivo

Daniel Moniz Duque

M 2020

Daniel Moniz Duque

O online como meio para o broadcasting televisivo

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação, orientada pelo Professor Doutor Paulo Frias da Costa

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

2020

Daniel Moniz Duque

O online como meio para o broadcasting televisivo

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação, orientada pelo Professor Doutor Paulo Frias da Costa

Membros do Júri Professor Doutor (escreva o nome do/a Professor/a)

Faculdade (nome da faculdade) - Universidade (nome da universidade)

Professor Doutor (escreva o nome do/a Professor/a)

Faculdade (nome da faculdade) - Universidade (nome da universidade)

Professor Doutor (escreva o nome do/a Professor/a)

Faculdade (nome da faculdade) - Universidade (nome da universidade)

Classificação obtida: (escreva o valor) Valores

À minha namorada, família e amigos

Sumário

Declaração de honra ...... 4 Agradecimentos ...... 5 Resumo ...... 6 Abstract ...... 7 Índice de Figuras ...... 8 Lista de abreviaturas e siglas ...... 9 1. Introdução ...... 10 1.1. Questões de investigação, objetivos e pertinência ...... 13 1.2. Metodologia ...... 14 2. Broadcasting e televisão ...... 18 2.1. Os meios de comunicação de massas ...... 19 2.2. O conceito de broadcasting...... 20 2.3. Televisão: evolução e importância ...... 23 3. A internet e a web ...... 28 3.1. A origem da internet ...... 29 3.2. A World Wide Web ...... 33 3.3. Uma web mais interativa e com novos recursos ...... 36 3.3.1. Fatores tecnológicos ...... 36 3.3.2. A Web 2.0, ou uma web mais interativa...... 38 3.4. O utilizador como produtor e consumidor ...... 41 3.5. Download e streaming ...... 44 3.6. A internet hoje ...... 46 4. O fenómeno do broadcasting online ...... 48 4.1. Os primeiros passos da televisão na internet ...... 52 4.2. O monopólio Netflix e a sua influência ...... 54 4.2.1. Competição em massa ...... 58 4.3. A presença dos media tradicionais na internet ...... 61 4.4. Transmissões ao vivo online ...... 64 4.5. O estado atual ...... 67 5. Estudo de caso: RTP Play ...... 70

2 5.1. Breve contextualização da RTP...... 70 5.2. A RTP no online...... 72 5.3. Entrevista a João Galveias – ou o RTP Play visto desde dentro ...... 75 5.4. Análise à plataforma RTP Play ...... 81 5.4.1. Meios para consumir ...... 82 5.4.2. Interface ...... 84 5.4.3. Transmissões ao vivo e em direto ...... 94 5.4.4. Outros pormenores e funcionalidades ...... 98 5.5. Interpretação de resultados ...... 100 6. Considerações finais ...... 108 Referências Bibliográficas ...... 114 Anexos ...... 122 Anexo 1 – Guião da entrevista semi-estruturada ...... 123 Anexo 2 – Transcrição da entrevista com João Galveias ...... 124

3 Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação é de minha autoria e não foi utilizada previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito académico.

Ermesinde, 28 de setembro de 2020

Daniel Moniz Duque

4 Agradecimentos

Fazer uma dissertação provou ser um trabalho intenso e exigente. Espera-se do estudante, portanto, uma atenção redobrada e uma especial vontade de redigir um estudo extenso. Felizmente, o tema em causa foi atrativo ao ponto de me motivar para terminar a presente dissertação, ainda que tenham existido momentos em que desistir me passou pela cabeça.

Mas desistir não foi opção, especialmente quando pude contar com o apoio de diferentes intervenientes. Por isso, não posso deixar de agradecer, em primeiro lugar, à minha família pelo apoio que me deu, inclusive a possibilidade de pagar este ciclo de estudos.

Depois, a força dada pela minha companheira Catarina Ribeiro não pode ser descurada, sendo ela, muitas vezes, um dos grandes pilares para a minha dedicação em diferentes frentes da vida. Em certa medida, no mesmo sentido, também os meus amigos e o lado social que imprimem no meu viver foi importante.

Por último, e não menos importante, quero também agradecer ao Professor Doutor Paulo Frias da Costa, que, enquanto orientador, se revelou como uma ajuda valiosa ao longo de todo este processo.

5 Resumo

Nos últimos tempos, o paradigma de consumo dos media por parte de indivíduos tem- se alterado por fatores que vão desde o aparecimento da internet até ao advento de plataformas de streaming como Netflix, passando também por outros pormenores. Assim, um dos principais objetivos da presente dissertação é compreender de que forma é que canais de televisão apostam no mundo online enquanto meio para as suas transmissões, em parte tendo em conta a audiência cada vez mais fragmentada e o contraste entre a fórmula de comunicação dos meios clássicos (um para muitos) e a dos novos media (um para um). Para isso, e tendo como base uma contextualização teórica, uma entrevista semi-estruturada e uma análise ao serviço RTP Play, nesta dissertação faz-se uma análise qualitativa com o propósito de saber mais acerca do fenómeno de broadcasting televisivo através do online.

Palavras-chave: broadcasting, online, televisão, streaming, internet

6 Abstract

In recent times, the paradigm of media consumption by individuals has changed due to factors ranging from the emergence of the Internet to the advent of streaming platforms like Netflix, among other aspects. Thus, one of the main objectives of this dissertation is to understand how television channels approach the online world as a medium for their broadcasts, partly taking into account the increasingly fragmented audience and the contrast between the communication formula of classic media (one to many) and new media (one to one). Based on a theoretical contextualization, a semi-structured interview and an analysis of the RTP Play service, in this dissertation a qualitative analysis is made with the purpose of knowing more about the phenomenon of television broadcasting through online media.

Key-words: broadcasting, online, television, streaming, internet

7 Índice de Figuras

FIGURA 1 – SIGARRA FLUP………………………………………………..………………………………………………….…..85

FIGURA 2 – RTP PLAY NO MOBILE……………………………………..………………………………………………………...85

FIGURA 3 – MENU RTP PLAY NO MOBILE………………………………………………………………………………….....86

FIGURA 4 – RTP PLAY NA TELEVISÃO…………………………………………………………………………………………....87

FIGURA 5 – PÁGINA INICIAL…………………………………………………………………………………………………………87

FIGURA 6 – PÁGINA INICIAL………………………………………………………………………………………………………...88

FIGURA 7 – PÁGINA INICIAL………………………………………………………………………………………………………...89

FIGURA 8 – PLAYER “EM DIRETO”…………………………………………………………………………………………………90

FIGURA 9 – NAVEGAÇÃO “EM DIRETO”………………..……………………………………………………………………….90

FIGURA 10 – NAVEGAÇÃO “EM DIRETO” NO MOBILE……………………………………………………………………....91

FIGURA 11 – PLAYER “EM DIFERIDO”…………………………………………………………………………………………….92

FIGURA 12 – MENU “PROGRAMAS”………………………………………………………………………………………………93

FIGURA 13 – MENU “PROGRAMAS” EM MOBILE………………………………………………………………………………93

FIGURA 14 – PESQUISA RTP PLAY………………………………………………………………………………………………….94

FIGURA 15 – MENU “EM DIRETO”…………………………………………………………………………………………………95

FIGURA 16 – OPÇÃO DE PARTILHAR NO RTP PLAY…………………………………………………………………………….96

FIGURA 17 – RTP PLAY “EM DIRETO” NO MOBILE……………………………………………………………………………97

8 Lista de abreviaturas e siglas

PPV ...... PAY-PER-VIEW

VOD ...... VIDEO-ON-DEMAND

DVR ...... GRAVADORES DE VÍDEO DIGITAIS

HDTV ...... TELEVISÃO DE ALTA-DEFINIÇÃO

TDT ...... TELEVISÃO DIGITAL TERRESTRE

IPTV ...... INTERNET PROTOCOL TELEVISION

UGC ...... USER-GENERATED CONTENT

OTT ...... OVER-THE-TOP

WWW ...... WORLD WIDE WEB

9 1. Introdução

Olhando para a atualidade e para aquilo que vemos à nossa volta, é possível perceber o quanto a tecnologia tem evoluído nos últimos anos. Melhor ainda, muitas das nossas atividades, mesmo em sociedade e na maioria dos casos, são facilitadas pelos recursos que temos à nossa volta. Olhemos para aquilo que os computadores possibilitam e facilitam a nível de serviços de secretariado, por exemplo, ou mesmo como arquivo, reduzindo consideravelmente o espaço necessário para guardar documentos ou outro tipo de ficheiros. Até o simples telefone, que está hoje no nosso bolso, faz mais do que receber e enviar chamadas. Aliás, estamos numa fase em que já foi há muito ultrapassado o avanço da Short Message Service (SMS) – à data do seu aparecimento era uma vantagem impressionante e inigualável – e até dos MMS (Multimedia Messaging Service).

Aliás, olhando para a evolução num sentido mais lato, consegue-se logo entender o quão rápida e abrupta foi a evolução do telemóvel, por exemplo, desde as suas funções mais básicas até aquilo que é hoje - até o próprio conceito que surgiu, smartphone, identifica que este é muito mais do que um simples telemóvel. Ignorando o crescimento do telefone fixo, olhemos para aquele que anda sempre connosco. Se a primeira SMS foi enviada a 3 de dezembro de 1992 (BBC, 2002), isto quer dizer que, em apenas 25 anos, o mesmo dispositivo que apenas telefonava e enviava pequenas mensagens viu as suas funções crescerem exponencialmente.

Mas não foi apenas o telemóvel que teve uma evolução deste género. Se olharmos para a internet durante os últimos anos, nota-se uma clara e rápida evolução. Aquilo que começou como uma rede que muitos poucos tinham acesso é hoje um fenómeno à escala global. Nesse sentido, é de referir que há uma diferença entre internet e World Wide Web (WWW). Aliás, todo este mundo infinito que conhecemos e temos acesso à distância baseia-se em grande parte na WWW: todas as páginas e sites que acedemos no nosso dia a dia, ligadas entre si, fazem parte desta. Olhando para o seu mentor, Tim Berners-Lee, e respetivos objetivos (Berners-Lee, 1989), percebe-se que a WWW foi feita com o intuito de ser um meio de comunicação. Através de um

10 protocolo aberto e universal – aliado ao protocolo da internet, TCP/IP – o Hypertext Transfer Protocol (HTTP) permite todas as páginas conectaram-se. Na base deste está o hyperlink (URL) e o Hypertext Markup Language (HTML), que é o código de programação que interliga as páginas através de hipertexto.

Mas até a World Wide Web foi alvo de evolução. Ainda que existam autores que possam abordar desde já a Web 3.0 (Nations, 2017), o conceito de Web 2.0 é mais claro. Olhando para a sua primeira fase, pode-se referir o surgimento de redes como motores de busca (do qual a Google é o maior exemplo) ou comércio eletrónico (Amazon). Foi também por essa altura que começaram a surgir os primeiros conceitos de rede social, mas isso afirmou-se especialmente com a Web 2.0. Tim O’Reilly e Dale Dougherty (O’Reilly, 2005) são os dois grandes responsáveis pelo aparecimento deste conceito. Resumidamente, trata-se de uma web que tem um lado muito mais participativo do que a sua “versão” anterior. O avanço a nível de técnico não mudou, mas, a partir deste momento, também os utilizadores da internet começaram a ter o seu papel nos mais diferentes serviços, aplicativos e websites. Aliás, como exemplos da Web 2.0 encontram-se empresas como Youtube, Facebook ou páginas wiki, que revelam a importância da participação dos indivíduos para o bom funcionamento destas.

Hoje, até os dispositivos móveis têm acesso ao online. E não se trata de uma série de opções limitadas, mas antes de um universo enorme e cheio de possibilidades. Podemos aceder à World Wide Web na palma da nossa mão, é claro, mas também há uma série de aplicativos que hoje se encontram nos nossos dispositivos móveis: de softwares que permitem controlar as nossas contas bancárias até aqueles que, hoje, auxiliam nas tarefas de casa – a chamada Internet of Things. Mais impressionante é a fase em que nos encontramos, em que até as televisões têm ligações à internet. Mas até isso acontecer, este meio foi processo de inúmeras transformações. Não só a nível técnico do próprio aparelho, mas também da forma como se transmitia. Como se não bastasse, estamos diante uma fase em que há muito mais para além do habitual set de televisão. De forma radical, podemos dizer que nem sequer precisamos de ter um serviço de televisão. Com o surgimento das Smart TVs e outros aparelhos, apenas

11 precisamos de ter acesso a um ISP (Provedor de Serviços de Internet) e instalar as aplicações que desejamos para estarmos preparados para consumir “televisão”.

Ainda parece muito mais real vermos televisão na internet do que o contrário (Alvarez- Monzoncillo, 2011). E com o aparecimento de conteúdos similares – ou precisamente os mesmos, mas num novo meio – aproveitamos para usar os dispositivos que nos dão mais conforto a nível de portabilidade, por exemplo. Ainda assim, como afirmou Alvarez-Monzoncillo (2011), as “home tv” vão continuar a ter um papel fulcral nas casas, mesmo para os “nativos digitais”, ou aqueles que cresceram com este tipo de tecnologia. Curiosamente, no entanto, o professor espanhol acredita que a internet tem o risco de se tornar apenas “mais uma broadcasting network”, como cabo ou TDT.

De referir, estes recursos de que falamos não facilitam apenas a comunicação propriamente dita entre indivíduos. Aquilo que outrora foi uma certeza, já não o é. A televisão já não é o único meio que permite ver filmes, séries ou outro tipo de entretenimento no nosso lar, por exemplo. Com acesso à infindável oferta da internet, termos como download e streaming ganham forma no nosso vocabulário. Mais ainda, têm-se tornado hábito de grande parte das pessoas. Entenda-se que, ainda que possamos não olhar para o streaming como uma ação típica dos nossos dias, este foi um dos primeiros métodos que possibilitou a transmissão áudio e vídeo pela internet. No entanto, não foi apenas este avanço que permitiu chegar ao estado atual. Resumidamente, foi necessário que diferentes frentes tecnológicas progredissem, mas, invariavelmente, a evolução e a facilidade de acesso à internet foram fatores preponderantes.

Afinal, não seria de nosso interesse largar a fiabilidade que a televisão nos traz se não existissem pontos positivos suficientes. E se, hoje, muitos consumidores de notícias, entretenimento, desporto e afins o fazem, certamente quererá dizer que a internet tem as condições suficientes para oferecer esse tipo de conteúdo. Curioso será também referir a pirataria como um fator importante nesta história. Aquilo que foi outrora uma rota para escapar a custos financeiros, é hoje uma estrada pela qual as próprias empresas querem também estar presentes. Ignorando serviços pagos, como o Netflix é exemplo, a verdade é que temos diante nós uma série de oferta gratuita

12 através dos nossos dispositivos com ligação à internet. Por exemplo, não é preciso televisão ou rádio para aceder a estações televisivas ou radiofónicas da Rádio e Televisão Portuguesa (RTP): tudo está ao nosso alcance no serviço RTP Play, sendo que é apenas necessário ter acesso à internet.

Quererá isto dizer que existe broadcasting na internet? À primeira vista, a resposta parece ser negativa pois, afinal, este meio sempre se baseou na comunicação um-para- um (Machuco Rosa, 2013). Ainda assim, as empresas têm percebido que é cada vez mais importante aderir às novas plataformas de comunicação para fazer chegar o seu conteúdo às pessoas, particularmente àquelas que já não utilizam os meios de comunicação tradicionais.

1.1. Questões de investigação, objetivos e pertinência

Até há bem pouco tempo, pensar em televisão significava pensar num dispositivo numa sala de estar, onde indivíduos e famílias atuavam como parte de um vasto número de recetores, consumindo conteúdos e programação de grandes emissores. Mas hoje, esse mesmo dispositivo é também usado para outros propósitos, geralmente através de ligação à internet, seja para navegar na web ou para consumir entretenimento de serviços como o Netflix – esta plataforma norte-americana é uma das razões pelas quais os hábitos de consumo se têm alterado, e o seu sucesso é tão grande que, atualmente, produz também os seus próprios conteúdos.

Olhando para a televisão enquanto provedor de conteúdo, também esta sofreu inúmeras alterações. Ao longo dos últimos anos, os canais têm feito esforços para evoluir tecnologicamente, por exemplo através de uma maior interatividade nas suas programações. Ainda assim, só recentemente é que estas empresas começaram a apostar no online como um meio para transmitir a sua programação. Até então, o online era muito usado como um complemento, algo que parece estar a alterar.

É de notar que, hoje, é possível consumir televisão em diferentes dispositivos – como computador ou telemóvel – mesmo que eventualmente seja necessário optar por recursos piratas. A mutação na tecnologia, tanto de dispositivos como de distribuição, ou até da visão dos broadcasters, entre outras mudanças, está bem ativa e é

13 pertinente perceber esta aparente nova realidade. O autor deste estudo acredita na possibilidade de que, tendo em conta o contexto atual de consumo de conteúdos e a evolução tecnológica, ver televisão através de serviços de internet em exclusivo é um conceito cada vez mais palpável. Também por isso, é importante estudar, entre outros aspetos, de que forma é que os broadcasters se têm adaptado às novas realidades. Para isso, o RTP Play apresenta-se como um bom objeto de estudo, especialmente pelo facto de ser um “serviço pioneiro” em Portugal, segundo palavras da empresa no seu site oficial deste provedor de serviço público.

Assim, com este estudo pretendemos responder a três grandes questões de investigação:

• Como é que broadcasters, concretamente canais de televisão, utilizam o online como meio para transmitir o seu conteúdo?

• Como são as utilizadas as potencialidades do online?

• Pode um indivíduo, apenas com serviço de internet, consumir televisão?

1.2. Metodologia

Depois de expostos o objetivo, a pertinência e as questões desta investigação, é importante definir a metodologia a ser utilizada durante o estudo. Este é um pormenor de grande relevo pois não só permite uma melhor organização do investigador, mas dá também a conhecer a abordagem deste ao leitor.

A presente dissertação pretende estudar a presença de broadcasters no universo online e, por isso, o primeiro passo será fazer uma contextualização teórica acerca de muitos aspetos que circundam os tópicos desta investigação, como é caso de um enquadramento dos meios tradicionais, do conceito de broadcasting ou da internet. Decidiu-se que este estudo será de natureza qualitativa uma vez que se pretende perceber, entre outros pormenores, de que forma é que emissores clássicos, concretamente televisivos, utilizam as potencialidades do online para as suas transmissões, e não quantificar o uso deste meio. Também por isso, tratar-se-á uma pesquisa exploratória, que, segundo Gil (1989), tem “como principal finalidade

14 desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, com vistas na formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”.

E afinal, como refere Gil (1989), este carácter qualitativo envolve muito “levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso”, sendo que “procedimentos de amostragem e técnicas quantitativas de coleta de dados não são costumeiramente aplicados”. Tendo isso em conta, e com vista a “proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato”, decidiu-se também trabalhar num estudo de caso, concretamente sobre o RTP Play, plataforma com que o serviço público português aposta nas transmissões online, em direto e em diferido. Consideramos relevante escolher a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP) como objeto de estudo dada a sua natureza de serviço público, da qual se espera especial preocupação no que diz respeito às necessidades do público e não só (Hendy, 2013).

De acordo com Yin (2002), um estudo de caso é um trabalho empírico que investiga um fenómeno contemporâneo aplicado ao contexto de vida real, especialmente quando as diferenças entre o fenómeno e o contexto não estão bem evidentes. Normalmente, com este tipo de estudo procura-se responder às questões “como” e “porquê”. No livro Case Study Research: Design and Methods, o autor, acerca de importância de um estudo de caso, toca ainda em aspetos como a relevância para explicar, descrever ou ilustrar um fenómeno. Aqui, esse fenómeno é o facto de o online ser um meio para consumir televisão em direto. Ainda nessa obra, Yin refere seis formas de recolher evidências num estudo de caso, todas elas com vantagens e desvantagens: documentação, arquivos, entrevistas, observação direta, observação participativa e objetos físicos. No nosso caso, e excluindo a obrigatória contextualização teórica, o estudo recolherá informações através de três das seis: documentação, através de material oficial da RTP; observação direta, através de uma análise descritiva do RTP Play; e entrevista, nomeadamente com o Diretor de Serviços Digitais e Multimédia da RTP, João Galveias, com o propósito de conhecermos a visão interna deste broadcaster face a tópicos abordados nesta dissertação.

Assim, é também importante explicar em que técnicas este trabalho incidirá, em concreto o estudo de caso e a entrevista, pormenores abordados por autores como Yin

15 (2002) e Gil (1989). No que diz respeito ao estudo de caso, além dos já referidos pormenores, Godoy (2005), recorrendo também a Yin, reafirma que o “estudo de caso tem se tornado a estratégia preferida quando os investigadores procuram responder às questões ‘como’ e ‘porquê’ certos fenómenos ocorrem”. “Fenómenos atuais”, diz ainda, “que só poderão ser analisados dentro de algum contexto de vida real”, em formato de “relatórios que apresentam um estilo mais informal, narrativo, ilustrado com citações, exemplos e descrições fornecidos pelos sujeitos, podendo ainda utilizar fotos, desenhos, colagens ou qualquer outro tipo de material que auxilia na transmissão do caso”. Por isso, parte da nossa recolha de dados incidirá também na técnica da observação, “frequentemente combinada com a entrevista”, a partir de snapshots captados ao RTP Play.

Ainda segundo Godoy (2005), é importante que o investigador se “preocupe em mostrar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada situação, uma vez que a realidade é sempre complexa”. Tendo em conta a necessidade de “enfatizar as várias dimensões”, exploraremos diferentes aspetos do RTP Play no nosso estudo de caso, como, por exemplo, as funcionalidades da aplicação. Utilizando outras das já referidas formas de recolher evidências, concretamente a “observação” e “documentação”, e também fontes bibliográficas, como Carneiro (2006) e Barôa (2010), procuraremos aliar uma contextualização da RTP, nomeadamente através de particularidades como a sua história e presença no online, que não se resume à plataforma RTP Play.

Outra técnica a utilizar é a entrevista, que é bastante usada e uma excelente opção para recolher evidências em estudos de ciências sociais. Em Métodos e Técnicas de Pesquisa Social, Gil diz que esta é “uma interação social” que permite obter “dados que interessam à investigação”. Aqui, destaca-se ainda o ponto referido por Yin, que afirma que esta técnica é uma fonte importante para recolher informações num estudo de caso. Além de Yin, também Natércio Afonso (2005) fala sobre os três tipos de entrevista que existem. Este autor caracteriza esta técnica de recolha de dados como um importante passo num estudo de caso, uma “interação verbal entre o entrevistador e o respondente” que tanto pode acontecer presencialmente como “por

16 intermédio do telefone ou de meios informáticos”. Nesta dissertação, optou-se pela entrevista semiestruturada, que funde a lógica dos outros dois tipos, a estruturada e a não estruturada. A primeira é rígida, seguindo sempre o guião sem desvios, muitas vezes ideal para um número elevado de entrevistados; a segunda, por sua vez, permite que o entrevistado desenvolva a sua resposta à volta de uma ou mais questões abrangentes, como a exploração de um tópico em particular. Por isso, a entrevista semiestruturada revelou-se como a melhor opção para este estudo: criou-se um guião para servir como base para a conversa, procurando tocar em certos aspetos fulcrais e dando também espaço para o entrevistado se sentir à vontade para falar, da nossa parte fazendo, no entanto, esforços para abordar tópicos desta investigação.

Conduzir mais do que uma entrevista pode ser vantajoso num estudo como este, mas, no nosso caso, esta será usada como um complemento, sendo que acreditamos que o entrevistado escolhido é um bom ponto de partida para melhor compreender certas visões, nomeadamente as do broadcaster que definimos como base para o nosso estudo empírico, a RTP. Conversar com o Diretor de Serviços Digitais e Multimédia deste canal permitirá compreender uma linguagem e contexto que poderia não ser de tão fácil alcance, não fosse este um tema que ainda não foi muito explorado, tanto na academia como noutro tipo de fontes, como é caso da imprensa ou até dos canais oficiais. Afinal de contas, a entrevista pode servir aqui como uma ponte para o esclarecimento de certos tópicos, sendo que queremos cruzar informações faladas na conversa com outros dados recolhidos e analisados ao longo do estudo.

E depois destes passos, será esse mesmo o objetivo: através de uma análise dos dados recolhidos, pretendemos chegar a respostas mais concretas. Citados por Yin (2002), Miles e Huberman destacam alguns pontos no que diz respeito à manipulação analítica, entre eles a exposição da informação em diferentes perspetivas e criação uma matriz de categorias, dois pormenores que iremos aplicar. Já Yin refere três estratégias analíticas gerais e importantes: contar com as proposições teóricas expostas, desenvolver uma descrição do caso e, ainda, considerar explicações rivais. Todos estes fatores serão levados em conta na nossa interpretação de dados, que

17 posteriormente nos permitirá, em jeito de remate, dar resposta às nossas questões de investigação.

2. Broadcasting e televisão

Antes da internet, a televisão foi também um meio que teve bastante impacto na sociedade. Um meio que teve extrema influência, especialmente em conceitos como a globalização, que viria a ser, mais tarde, exponenciada pelo aparecimento da internet como meio de comunicação. Ainda que os primeiros anos da rádio não se distanciem muito dos primeiros da televisão, 1864 e 1872, respetivamente (Rogério Santos, 1998), estamos perante realidades tecnológicas diferentes. No entanto, há semelhanças evidentes. Uma delas, e de maior importância para o nosso caso, é o aparecimento do conceito de broadcasting, termo que pressupõe que “os recetores estão todos orientados para uma fonte emissora” (Machuco Rosa, 2013).

É certo, ainda assim, que a rádio foi o primeiro meio a singrar na sociedade. Como evidencia Machuco Rosa (2013), “as realidades de guerra” dos Estados Unidos levaram este país “a controlar o uso da tecnologia da rádio”. O autor revela a importância disto para o aparecimento do broadcasting, especialmente porque a Marinha norte- americana centrou atenções no constante desenvolvimento desta tecnologia – trazendo-nos, no fundo, até o lugar onde estamos hoje.

Há outros fatores importantes para o desenrolar do termo broadcasting, como económicos ou de regulamentação, que serão abordados neste capítulo. Mas apesar de ser um termo cuja história circunda muito a rádio, também a televisão foi um meio que se tornou típico desta fórmula de comunicação: um emissor para muitos recetores.

E se a rádio teve sucesso, a televisão teve ainda mais e com uma evolução ainda mais rápida. E mesmo com o aparecimento da internet e consequente revolução, a televisão continuou a ir atrás de fórmulas para o sucesso, especialmente quando viu muitos espetadores partirem para a internet como primeira opção, outro fator que será brevemente abordado ao longo deste capítulo.

18 2.1. Os meios de comunicação de massas

Em Teoria da Comunicação de Massas (2003), Denis McQuail explora várias definições do termo “massas”, e define o seu conceito em pontos como “grande agregado”, “indiferenciação” e “refletor da sociedade de massas”. Tratam-se de fenómenos que surgiram com a explosão de media como o cinema, que se tornou “quase instantaneamente um verdadeiro meio de massas”. Além dos pormenores referidos, McQuail apresenta outros fatores que evidenciam as características de um meio de massas. Entre eles, o processo de comunicação, a audiência e a própria cultura de massas. No primeiro caso, a “distribuição e receção em grande escala”, a existência de um “fluxo unidirecional” e de uma “relação assimétrica”, além do facto de ser um processo “impessoal e anónimo”, com “conteúdo estandardizado” e uma “relação de mercado calculista”. Olhando para a audiência, o autor fala de “grandes números”, de ser “largamente dispersa”, “não-interativa e anónima”, “heterogénea” e “não- organizada e sem iniciativa”. Já no que diz respeito à própria cultura de massas, Denis McQuail representa-a com pormenores como a “produção de massa”, o ser “popular” e “comercial”, ou também o lado “não elitista” e “homogeneizado”.

Independentemente de falarmos de rádio ou televisão, ambos se tornaram, mais tarde ou mais cedo, meios de massas bastante presentes na sociedade. No entanto, “o verdadeiro amplificador social das descobertas feitas” neste campo devem-se, “em finais do século XIX” e “numa primeira fase”, à telefonia sem fios – um importante marco nos avanços da eletrónica, e consequentemente da rádio ou televisão, entre outros (Breton e Proulx, 2000). Tudo isto, claro está, fez com que a eletrónica desenvolvesse, constantemente, técnicas para a comunicação.

Cada um a seu tempo, como atrás referido, a rádio foi o primeiro meio a ser visto como o “rei da comunicação” que “prejudicou” e “travou a expansão técnica” da televisão, isto devido à sua importância na Segunda Guerra Mundial (Jeanneney, 2003). Mas “nos anos do pós-guerra”, como acrescenta Jeanneney, aconteceu uma aproximação da televisão ao “modelo da rádio”, especialmente com a influência de governos na legislação, marcando o início da iminência deste meio para a sociedade.

19 Segundo Manuel Castells (2005), esta revolução da comunicação na sociedade dá-se devido a “um período caracterizado pela transformação da nossa ‘cultura material’ operada por um novo paradigma organizado em torna das tecnologias da informação”, tecnologias essas que dizem respeito ao “conjunto convergente” de técnicas que possibilitaram aquilo que vemos hoje diante os nossos olhos. Dos jornais à televisão, “as novas tecnologias mudaram o mundo dos media”.

Denis McQuail (2003) mostra que a evolução dos meios de massas começa em “simples” fenómenos como os livros e a biblioteca, passando depois pelos jornais e a imprensa, chegando então ao cinema. É daí que começamos a ver o termo audiovisual, a fonografia e a música gravada a chegar a nossas casas e, mais tarde, os preponderantes novos meios eletrónicos, mais especificamente a internet, que levaria a sociedade à digitalização.

2.2. O conceito de broadcasting

Segundo o dicionário de Cambridge, broadcast, enquanto substantivo, diz respeito a um programa de rádio ou televisão. Enquanto verbo, significa “emitir um programa em televisão ou rádio” ou “espalhar informação para muitas pessoas”. Mas falar deste conceito implica, numa fase inicial, falar da história da rádio, e especialmente do momento em que esta se integra na sociedade. Aliás, como Machuco Rosa (2013) evidencia, foi a rádio que definiu “as características fundamentais dos meios de comunicação clássicos de broadcasting (radiodifusão)”.

“O alvo era a comunicação sem fios” ou comunicar mensagens “diretamente no ar, instantaneamente”, mas nunca passou pela cabeça de peças fundamentais da criação deste meio, como Guglielmo Marconi, que viria a ser possível “transmitir a voz humana ou a música” (Breton e Proulx, 2000). É importante referir que Marconi reuniu uma série de tecnologias, tornando possível a existência do aparelho que conhecemos como rádio – como diz Breton e Proulx, “a rádio era, efetivamente, um objeto técnico complexo, integrando múltiplas inovações”. Por exemplo, a transmissão de ondas eletromagnéticas por parte de Oliver Lodge (Hendy, 2013), um avanço da “possibilidade teórica de emitir” esse tipo de onda, inicialmente proposta por Faraday

20 em 1832. Isto sem esquecer, claro, o experimento de Rudolf Hertz, em 1887, que resultou na adoção do nome do cientista para a própria frequência das ondas na rádio (Breton e Proulx, 2000).

Em 1900, Reginald Fesseden demonstrou em público essa possibilidade através de um “alternador que permitia a emissão através de ondas contínuas”, e depois Lee de Forest, em 1906, inventou o tríodo, um “tubo de vácuo com três válvulas que se tornaria mais tarde o dispositivo fundamental para a deteção e amplificação dos sinais de rádio” (Machuco Rosa, 2013). Depois disso, a evolução deste meio pode ter estagnado com a Primeira Guerra Mundial, mas, como acrescenta Machuco Rosa, a aposta da Marinha norte-americana nesta tecnologia “foi um acontecimento bastante importante na emergência de um meio de broadcasting”.

Assim como a internet, investimentos governamentais foram essenciais para uma forte exponenciação da rádio. Isto não significa que, de um ponto de vista técnico, a rádio exista devido ao trabalho destas entidades. Mas, como identifica Machuco Rosa, a Marinha norte-americana foi bastante importante na evolução da rádio como instrumento de broadcasting. Investindo em empresas criadoras, começaram a fabricar-se caros e complexos aparelhos de emissão, à medida que os de receção queriam-se baratos, especialmente para chegarem às casas mais facilmente.

Acerca do tríodo, ou o tubo de vácuo, criado por Lee de Forest, este tinha o objetivo de ser “um bom receptor de sinais radioeléctricos e, sobretudo, um dispositivo que pudesse amplificar um sinal recebido”, Breton e Proulx (2000) falam dele como sendo “decisivo”. Afinal, “a primeira aplicação da eletrónica foi a rádio, cujo coração era o tubo de vácuo”. Como acrescentam os autores, foi “em princípios dos anos 20” que o meio começou a ser comercializado. É aí que começa a verdadeira história do conceito de broadcasting. Estamos perante uma passagem de uma comunicação de um-para- um, como acontecia com o telefone, para uma em que um emissor transmite para muitos recetores. É claro que, para isso acontecer, primeiro tiveram de acontecer certos fatores determinantes.

21 Entre eles, e um dos mais preponderantes, é o facto de a rádio se tornar não só num meio de comunicação, mas também num novo meio para empresas partilharem a sua publicidade: “a rádio não teve nenhum problema de difusão comercial. Era em si mesma o seu próprio suporte publicitário”. Quem o afirma é Breton e Proulx (2000), acrescentando que, ao contrário do livro, que se deu a conhecer “pelo seu próprio conteúdo”, na rádio “foi o próprio suporte eficaz da sua difusão”. Afinal, como poderia uma estação de rádio receber fundos sem publicidade?

E por que motivos é que os próprios consumidores procuraram a rádio? A razão passa por se tratar de um produto pronto para responder às vontades dos seus consumidores, independentemente da sua condição. Se “para os privilegiados” se tratava de “uma distração”, “para os mais desfavorecidos” era “um divertimento único” (Breton e Proulx, 2000). É claro que estamos perante uma sociedade que começou a conhecer os fenómenos de ócio e lazer, buscando-os, por vezes, nos meios de comunicação de massas como a rádio, o cinema ou a televisão (McQuail, 2003).

Outro fator importante para a afirmação do conceito de broadcasting, ainda na época da rádio, foi a regulação. Como Machuco Rosa (2013) explica, o colosso de comunicações norte-americana AT&T comprou a “patente mais valiosa” de Lee de Forest, o já referido tríodo, ou tubo de vácuo. Foi essa empresa que “iniciou transmissões de voz a grande distância”, mas no meio de tanto alarido, instalou-se uma verdadeira “guerra das patentes”. Guerra essa que, por entre todas as nuances, resultaria num modelo que sucedia o que acontecera com a KDKA, “talvez a primeira rádio de broadcast”, resultado da aposta da empresa Westinghouse em dispositivos de receção que procuraram conteúdo para emitir através dessa estação.

Depois de regulamentações como o Radio Act de 1912, em que o governo dos Estados Unidos da América definia o uso do espectro eletromagnética – em Portugal, a responsável pelo uso destas ondas é a Anacom (Autoridade Nacional das Comunicações Electrónicas) – empresas como a já referida Westinghouse, ou também a GE, continuavam a sua aposta em dispositivos de receção (Machuco Rosa, 2013). Assim, “esse novo mercado exigiu a criação de estações de broadcasting emitindo conteúdos suficientemente apelativos” que, a par com fatores económicos e

22 tecnológicos, criaram o conceito de broadcasting, “que consiste numa completa assimetria entre duas posições fixas: a emissão e a receção”.

Como refere Jeanneney (2003), a rádio teve um “rejuvenescimento” nos anos 60 devido a “razões técnicas”, mas especialmente graças “à liberdade das ondas que, no início dos anos 80, permite o surto das rádios locais privadas”. Mas como é referido por Breton e Proulx (2000), é antes disso, e “paralelamente ao desenvolvimento da rádio”, que começa a surgir um novo e poderoso meio: a televisão. Independentemente dos avanços tecnológicos e do tempo necessários, este novo meio tornar-se-ia num dos mais imponentes media de massas. No Reino Unido, o conceito de broadcasting era, novamente, também fruto da legislação do governo, que, por sua vez, era um monopólio conhecido como BBC (British Broadcasting Corporation), que controlava tanto a rádio como a televisão (Medhurst et. al, 2016).

Jonathan Bignell, em An Introduction to Television Studies (2004), apresenta o conceito de broadcasting da seguinte forma: a transmissão de sinais de uma fonte central que pode ser recebida por um disperso número de recetores sob uma larga escala geográfica. O autor reforça a ideia ao afirmar que a “televisão broadcast” trata de programas que são visualizados ao mesmo tempo que são transmitidos, em casa, através de um set de televisão, notando ainda que “podem” ser consumidos. No fundo, isto acaba por tocar nos já referidos pormenores que definem o broadcasting enquanto um fenómeno de um-para-muitos, uma relação assimétrica entre emissor e recetor que é abordada por autores como McQuail (2003).

2.3. Televisão: evolução e importância

Deixando pormenores burocráticos de lado, a televisão foi-se alterando, de um ponto de vista tecnológico, ao longo dos tempos. Se não é o próprio fabrico, é forma como os sinais são transmitidos até nossas casas. “No início dos anos 40” teve um “arranque bastante lento”, com 20.000 recetores em Inglaterra, 10.000 nos Estados Unidos e apenas 200 em França, mas os avanços da eletrónica permitiram “à televisão desenvolver-se em toda a sua amplitude” (Breton e Proulx, 2000).

23 Olhando para os meios de comunicação de massas, é fácil compreender que a televisão só se tornou possível graças ao cinema, uma das primeiras revoluções no mundo do ócio e do lazer (McQuail, 2003) que levara multidões até às salas – há outros “media de massas” que podem ser considerados como tal e que antecedem a televisão e o cinema, como é caso do teatro ou da ópera (Cintra Torres, 2013). Foi desenvolvido nos finais do século XIX, e rapidamente os filmes se tornaram algo bastante atrativo para os indivíduos. Os grandes estúdios de cinema dominavam a indústria até finais de 1940, mas a televisão viu um bom crescimento dos seus números pouco depois disso (Dominick, 2005). Afinal, até a lógica de as pessoas se deslocarem até uma sala para visualizar conteúdo, neste caso da televisão, aconteceu neste novo meio, ainda isto que possa ser justificado com o facto de se tratar de dispositivos de receção caros. Como Eduardo Cintra Torres refere em A Multidão e a Televisão (2013), a mesma “conceção multitudinária ou, no mínimo, coletiva” do cinema, esse “media de consumo coletivo público”, viu-se na televisão, com televisores a serem “colocados em salas de teatro”, ou também “em lugares públicos” como a “Feira Popular em Portugal, em 1957”. E isso era visto como “uma forma de desenvolver negócios e aumentar a audiência”.

Em Television Goes Digital (2008), Eli Noam fala acerca da época entre 1920 e 1930, que marca os experimentos mais importantes para o avanço da televisão, com Baird, Zworykin e Farnsworth tidos como três dos maiores responsáveis pela imagem em movimento. Mas foi nos anos 1950 que a televisão deu o seu grande salto, com pormenores como a imagem a cores a saltarem à vista, numa época conhecida como a “idade de ouro” do meio, que chegou até a influenciar muito do conteúdo que ainda hoje é transmitido (Dominick, 2005). Mas, mais uma vez, nada disto seria possível sem a mão de legislações e investimentos do governo, como afirma Bignell (2004), que não descuida o valor dos avanços químicos da fotografia, por exemplo, ou eletrónicos essenciais para a evolução da televisão. É também o broadcasting televisivo, segundo Bignell, que contribui para a criação de uma esfera pública, o mundo de política, economia e outras questões opostas à esfera privada da vida doméstica. O autor acrescenta que, usando o casamento real entre o Príncipe William e Kate Middleton

24 em 2011 como exemplo, o principal propósito da cobertura de eventos televisivos é dar acesso a algo que apenas um número reduzido de pessoas tem acesso – este é um pormenor sobre o qual David Hendy reflete em Public Service Broadcasting (2013), onde aborda a importância de disponibilizar informação ou entretenimento àqueles que, por razões económicas e não só, não têm acesso a esse tipo de eventos.

É verdade que no Reino Unido, por exemplo, este serviço público de broadcasting sempre existiu com o intuito de informar e educar audiências, além de entreter, mas não nos devemos esquecer que há alguém que seleciona aquilo que o espetador vê (Bignell, 2004). Afinal, isso pode significar que espetadores menos instruídos possam ser facilmente influenciados negativamente por aquilo que veem na televisão. Ainda assim, os avanços não pararam.

Por volta de 1960, a televisão começou a perder encanto, passando a ser apenas mais uma parte do dia-a-dia. Mas as estações televisivas não pararam de apostar em conteúdos inovadores, forçando que a concorrência também não parasse de avançar com experiências (Dominick, 2005). Com a criação da cassete, por exemplo, o trabalho de transmitir conteúdo televisivo, e repeti-lo, foi facilitado. No entanto, o grande fator desses anos passa por uma maior aposta das entidades em conteúdo contínuo e consistente, refere Dominick (2005). É por aí que surge o conceito de televisão por cabo, mas ainda estava longe de ser aplicado.

Já em 1970, os avanços não foram necessariamente tecnológicos, mas antes de um ponto de vista de regulação. Existiram muitas preocupações do ponto de vista do impacto da televisão, que resultou em conteúdos mais amadurecidos (Dominick, 2005). Mas entre 1980 e 90, a grande revolução começou. Imensos investimentos em companhias televisivas aconteceram, e, com o aparecimento de novos agentes e canais por cabo, a televisão estava num estado de mutação. Nos Estados Unidos da América, o cabo chegava a 68% da população em 2000, e foi por essa altura que surgiram novos formatos, especialmente com o aparecimento de novos canais de televisão, muitas vezes dedicados a grupos de recetores muito específicos (Bignell, 2004).

25 Como afirmado por Dominick (2005), o sistema de distribuição do cabo, que trouxe, além de canais novos, novos formatos como o pay-per-view (PPV) ou o video-on- demand (VOD), consiste em apenas três pontos: head end, ou o principal vindo do emissor, o sistema de distribuição (cabos), e o house drop, ou os aparelhos presentes em nossa casa. Já no sistema de satélites, Dominick mostra que este se centra em cinco elementos: as estações televisivas, uma central, satélites, outro satélite mais pequeno e um aparelho-recetor em casas.

Por entre isto tudo, no entanto, há novas tecnologias que surgem e que têm um impacto significativo na televisão tradicional e na indústria do cabo (Dominick, 2005). Estamos a falar dos gravadores de cassetes que chegaram a nossas casas: em 1982, menos do que 5% das pessoas tinha um, um número que chegou aos 90% em 2000. E isto não possibilitou apenas o fenómeno do aluguer de filmes, por exemplo, mas também, talvez para utilizadores mais experientes, a possibilidade de gravar programas televisivos e consumi-los a qualquer altura. E como se não bastasse, como acrescenta Dominick, a proliferação do comando de televisão trouxe também problemas para os operadores televisivos, como a possibilidade de os espetadores mudarem de canal nos momentos de publicidade.

Mas a distribuição por cabo e satélite mantinha-se como uma novidade que oferecia imensos canais e novos conteúdos às pessoas. Foi especialmente através do satélite que surgiram os conceitos de pay-per-view (PPV) ou até o video-on-demand (VOD), tecnologias que permitem, através de conteúdo alojado em servidores das companhias televisivas, ter acesso a conteúdo exclusivo. No caso do PPV, o utilizador acede a este para ver programação como jogos de futebol, por exemplo, sem ter de necessariamente subscrever ao canal que transmite o jogo. Já o VOD possibilita que um espetador escolha o programa que quer ver, dando-lhe até opção para pausar o vídeo (Dominick, 2005). Outros exemplos, como apresenta Stephen P. Dulac em Television Goes Digital (2008), passam pela televisão de alta-definição (HTDV), os gravadores de vídeo digitais (DVR) ou até a televisão interativa.

Toda esta fase da televisão é vista como a fase analógica, como refere Eli Noam em Television Goes Digital (2008). De um momento para o outro, no entanto, houve uma

26 transição para a fase digital. Todos os fatores que envolvem esta indústria começaram a caminhar para o digital no final dos anos 90, e toda a distribuição que conhecíamos mudou totalmente para o digital em 2009 – no Reino Unido, pelo menos.

Em poucas palavras, pode-se dizer que o cabo e o satélite, nesta transição, passam a utilizar tecnologias digitais para a distribuição de programas (Dominick, 2005). Em Portugal, aderiu-se à Televisão Digital Terrestre (TDT), mas quais as vantagens deste lado digital? Resumidamente, para o utilizador, isto significa que a imagem, o som e até a resolução são melhorados. Para um operador de televisão, isto significa menos espaço físico a ser utilizado – o conteúdo passa a ser armazenado em formato digital, ou bits – permitindo também o aparecimento da televisão de alta-definição (HDTV) ou de, entre outros, as boxes, através da fase conhecida como IPTV, que estão hoje presentes em nossas casas, que permitem pausar ou até gravar e agendar gravações de conteúdo que está a ser transmitido. E além disso, um aspeto bastante importante desta migração da televisão para o digital é, como refere Coughlin em Television Goes Digital (2008), o facto de facilitar o desenvolvimento de métodos de distribuição de conteúdo para outros dispositivos à parte da televisão, como telemóveis, consolas de jogos e, no fundo, qualquer aparelho com acesso à internet. Segundo González em Evolución tecnológica y cibermedios (2010), tudo isto acaba por se centrar num crescimento da convergência de canais e operadores em diferentes meios, especialmente dada a acentuada necessidade de entrar no mundo digital e, no fundo, de estar acessível em diferentes fontes de receção. Curiosamente, Eli Noam, em Television Goes Digital (2008), aponta para uma outra fase da televisão, que sucede a digital: a TV individualizada. Este lado diz respeito às possibilidades que se vão abrindo a nível de individualização e interação com a TV, como é caso de o utilizador conseguir aceder ao YouTube e, assim, consumir conteúdos que não fazem parte da oferta dos broadcasters que estão ao seu dispor. Mas centraremos as atenções nos recursos do mundo online mais à frente.

Relativamente à chamada IPTV, Gerbarg (2008) explica como a internet, mais precisamente através de um dispositivo (boxes) e do seu respetivo IP, é amplamente utilizada por operadores para servir televisão, sendo esta possibilitada pela existência

27 de fatores recentes – como o MPEG, de que falaremos mais à frente, e outros mais antigos, como os protocolos abertos, típicos da internet. Afinal, como apresenta José Terceiro (1997), o MPEG surge como um método de compressão digital que sucede tecnologias como VHS (vulgo cassete) e o CD-ROM – note-se que, atualmente, a maioria dos novos computadores não inclui leitor de CDs. Quando Terceiro abordou este tema, ainda se caminhava no “nível II” do MPEG, sendo que, hoje, já estamos perante o quarto nível. Mais ainda, o autor falava, já em 1996, sobre como “a televisão tradicional, analógica e hertziana, é afetada por novas possibilidades tecnológicas porque: 1) existe uma tecnologia provada que funciona; 2) a melhoria em relação ao velho meio tem um preço acessível que o utilizador está disposto a pagar; e 3) importantes empresas já as estão a adotar e comercializar”. Imagine-se, portanto, quanto evoluímos desde então.

3. A internet e a web

Por entre todos os meios que vimos crescer diante os nossos olhos, a internet foi o que teve o crescimento mais impressionante. Afinal, desde o seu primeiro aparecimento ao público por volta dos anos 70, altura em que foi também apresentado o conceito de e- mail (Leiner, B. M. et al., 1997), este meio cresceu de tal forma que é hoje utilizado por metade da população mundial, podendo inclusivamente trazer alguns desafios (Berners-Lee, 2018), além de ser um recurso que outrora era impensável.

Mas nem sempre a internet foi aquilo que conhecemos hoje, assim como os computadores pessoais. Este meio começou como uma rede que ligava uma série de locais, mais precisamente universidades como o MIT ou SRI, nos Estados Unidos da América (Hirshberg, 2007), e que não tinha como objetivo principal servir como meio de comunicação de massas. É por isso que aquilo que conhecemos hoje é fruto de uma incessante evolução não só tecnológica, mas também ideológica.

O papel de nomes como Joseph Licklider (1960) foi muito importante nesse processo. Ainda em 1960, o psicólogo norte-americano falava sobre uma simbiose entre homem e máquina, uma relação que facilitaria as tarefas do indivíduo. Dois anos mais tarde, o

28 então professor do MIT continuaria a promover a sua visão de uma “rede galática” que conectasse computadores à escala global (Leiner, B.M. et al., 1997).

De um ponto de vista mais técnico, a internet é resultado de um trabalho elaborado por diferentes intervenientes, cada qual com o seu papel. Para Machuco Rosa (2013), os novos media diferenciam-se dos meios de broadcasting em diversos aspetos. O autor diz que a tecnologia de base nos meios clássicos é diferente para transmissor e recetores, e uma única (computador) nos novos; que existe uma assimetria entre tecnologia de emissão e de receção apenas nos meios de broadcasting; e, entre outros pormenores, que é muito importante o lado participativo – “os novos media são meios de comunicação em sentido bem distinto dos meios de comunicação tradicionais”, diz Machuco, acrescentando que “já não se trata de informar ou entreter um conjunto de recetores”, como é caso do broadcasting.

Neste capítulo, vamos abordar alguns pormenores que estão na origem deste meio que é, hoje, utilizado por pessoas, empresas e tantas outras entidades. Um meio que se difundiu muito mais rapidamente do que outras invenções (Henno, 2003), como a televisão, e que foi responsável pelo aparecimento de novos conceitos e expressões na sociedade.

3.1. A origem da internet

Como tantos outros desenvolvimentos tecnológicos, também a internet surgiu graças a avanços de origem militar. Neste caso, foi em grande parte resultado da Guerra Fria (Hirshberg, 2007). Há outros responsáveis pelo amadurecimento deste meio, mas olhemos primeiro para o caso da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA) do Departamento de Defesa Norte-Americano, cujo impacto é de referir. Esta agência ARPA decidiu desenvolver “uma ideia concebida por Paul Baran e pela Rand Corporation em 1960-64”, com vista a “criar um sistema de comunicações invulnerável a um ataque nuclear” (Castells, 2005). Baran juntou-se à dita Rand, uma organização sem fins lucrativos com o objetivo de oferecer investigação e análise às forças armadas americanas, para criar um sistema que permitisse uma rápida e infalível comunicação,

29 por exemplo do presidente dos Estados Unidos da América para as populações (Naughton, 1999).

Com os seus avanços, como a criação de uma rede que une conceitos de centralização, decentralização e distribuição para garantir a sua fiabilidade (Naughton, 1999), Paul Baran é visto por muitos como o “pai da internet”. Afinal, Naughton afirma que Baran e seus colegas enfrentaram todos os desafios técnicos, um por um e meticulosamente. Mas tudo isto aconteceu antes de a ARPA assumir o controlo deste trabalho e levá-lo ainda mais longe – ainda que, em 1967, Baran viesse a ser convidado para ser conselheiro do projeto ARPANET (Abbate, J., 1999).

Quando Joseph Licklider, no MIT, percebeu a potencialidade deste meio para a comunicação neste tipo de redes – uma “rede galática” – convenceu três pessoas acerca da importância deste seu conceito de rede (Leiner, B.M. et al., 1997). Uma delas, Lawrence G. Roberts, foi convencida por um artigo de Leonard Kleinrock intitulado Information Flow in Large Communication Nets (1961), que explica que o melhor processo para garantir uma boa comunicação entre computadores seria usar pacotes de dados em vez de circuitos elétricos. E quando foi testado em Massachusetts que as ligações por cabos telefónicos eram “inadequadas para o trabalho” que se pretendia, confirmaram-se as suspeitas de Kleinrock.

No final de 1966, Lawrence G. Roberts começou a desenvolver um plano para a ARPANET (Leiner, B.M. et al., 1997), o conceito que melhor se aproxima à internet que conhecemos hoje. Esta rede começou por ligar quatro universidades, ou ‘nós’, entre si, mas rapidamente os “cientistas começaram a utilizá-lo para os seus próprios propósitos de comunicação” (Castells, 2005). Ainda que estes “institutos cooperassem com o Departamento de Defesa norte-americano”, a falta de foco no desenvolvimento militar fez com que aparecessem novas redes similares. Com isso, a ARPANET tornou- se uma rede “dedicada a fins científicos, e a MILNET diretamente relacionada com fins militares” (Castells, 2005). Pela mesma altura, a National Science Foundation (NSF) também criou uma rede, a CSNET, e mais tarde, em conjunto com o colosso informático IBM, a BITNET. Ainda assim, como acrescenta Manuel Castells em A

30 Sociedade em Rede (2005), “todas as redes utilizavam a ARPANET como espinha dorsal do seu sistema de comunicação”.

É daí que vem a importância da ARPANET, que foi passo extremamente importante nesta história. A “rede das redes”, ainda assim, “foi formada nos anos 80, denominada ARPANET-INTERNET, mais tarde internet, ainda apoiada pelo Departamento de Defesa e operada pela NSF” (Castells, 2005). Antes disso, a ARPANET foi apresentada ao público em outubro de 1972, ano em que foi também revelado um dos recursos mais revolucionários deste campo: o e-mail (Leiner, B.M. et. al., 1997). Afinal, como afirma Denis McQuail, em Teoria da Comunicação de Massas (2003), os novos media “alargaram e mudaram todo o espectro das possibilidades sociotecnológicas da comunicação pública”.

Para melhor compreender os avanços que a ARPANET trouxe, é de referir a importância da sua ideologia de uma arquitetura aberta. Isto viria a permitir novas ligações de redes satélite, rádio e outras. Como se lê em The Past and the Future of the Internet (1997), a internet de hoje tem na sua estrutura essa ideia técnica “chave e subjacente”, a arquitetura aberta. Robert Kahn, responsável pelo design do sistema da ARPANET na sua totalidade, estabeleceu quatro pontos-guia para este tipo de arquitetura: cada rede distinta deveria sustentar-se em si mesma, sem mudanças internas antes de se conectar à internet; a comunicação deveria valorizar o esforço de transmissão, sendo que se um pacote não chegasse ao destino final, teria de ser retransmitido através da fonte; “black boxes”, ou o que é hoje conhecido como router, teriam a função de ligar as redes, servindo como ponte para a transmissão de informação; e a não existência de um “controlo global” num “nível de operações” (Leiner, B.M. et al., 1997).

Mas ainda foram necessários outros avanços para chegar àquilo que conhecemos hoje. Enquanto funcionário da BBN, Kahn já havia começado a trabalhar num sistema orientado para comunicações, mas foi com Vinton Cerf, criador do Network Control Protocol (NCP), que começou a trabalhar num “detalhado design de protocolo” (Leiner, B.M. et al., 1997). Com a experiência dos seus trabalhos anteriores, Kahn e Cerf criaram, em 1973, “uma norma técnica que permite a comunicação entre

31 diferentes modelos de computador” (Henno, 2003). Trata-se de um protocolo universal e aberto que ainda hoje é utilizado por todos os computadores à volta do globo: Transmission Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP). Como afirma Naughton (1999), o conceito TCP/IP foi um dos maiores avanços tecnológicos do século XX. Sem ele, acrescenta Naughton, a internet não se teria tornado naquilo que é hoje. A analogia que este autor usa ajuda a compreender a sua importância: o TCP/IP é para o mundo dos computadores aquilo que o ADN é no mundo biológico. Assim, Naughton vê a internet como um “enorme jogo de passa-o-pacote” que é jogado por incontáveis computadores, todos a “falar TCP/IP entre si”, e em que cada pacote faz uma viagem que, no fim, resulta nada mais, nada menos, do que na informação que chega aos nossos ecrãs.

Separando por partes, assim como foi feito no instituto CERF em 1978, o IP refere-se ao endereço de cada computador que permite o envio de pacotes individuais, um protocolo de ligação entre redes, e o TCP diz respeito a um serviço que controla a fluidez da troca de informação e que recupera pacotes perdidos – em suma, é o protocolo responsável pela ligação ponto a ponto (Castells, 2005). Como evidencia Naughton (1999), para as aplicações que não quiseram utilizar o TCP, surgiu o User Datagram Protocol (UDP) para providenciar acesso direto ao serviço de IP. Mas, como afirma José B. Terceiro em Sociedade digital (1997), “a alma da Net é o TCP/IP”. Afinal, o TCP/IP “compreende uma ampla família” que vai desde “serviços de transporte, que se ocupam com o movimento da informação entre dois pontos, como o TCP ou o UDP”, a protocolos que tornam possível a conexão remota entre computadores. “Esta descoberta permitirá ligar entre si todas as redes de computadores”, e foi assim que Vinton Cerf e Bob Kahn lançaram “as bases da Rede das redes, que tomará o nome de Internet”.

Foi o facto de estas tecnologias começarem a fazer parte de grande maioria dos computadores no início dos anos 80 (Leiner, B.M. et al., 1997) que promoveram o surgimento de novas aplicações. Além do e-mail, como diz Leiner (1997), aplicações como transferência de ficheiros, log-in remoto, os avanços iniciais da telefonia via- internet e outras propostas surgiram nos “primeiros dias” de vida deste meio. Repare-

32 se que o facto de a internet ter uma arquitetura aberta significa que este tipo de aplicações poderia ser concebido diretamente para este novo meio. E só com o TCP/IP é que isto se tornou possível – hoje, também os dispositivos móveis têm este tipo de protocolo aberto –, ainda que existam outro tipo de arquiteturas importantes para a transmissão de dados, como Castells (2005) refere o caso do ATM (Asynchronous Transfer Mode).

Daí, não demorou muito até a internet chegar às nossas casas. Nos anos 90, como evidencia Leiner (1997), começou a comercialização de serviços básicos de internet, algo que, quase abruptamente, viria a tornar-se numa rápida adoção de browsers e da tecnologia World Wide Web, dando aos utilizadores acesso a informação ligada a todo o globo, e a outro tipo de aplicações como o e-mail ou a transferência de ficheiros. E, no fundo, “a internet é a espinha dorsal da comunicação global mediada por computador (CMC): é a rede que liga mais redes de computadores” (Castells, 2005).

3.2. A World Wide Web

Ainda pouco os cidadãos do mundo sabiam sobre a internet, já Tim Berners-Lee tinha escrito, no final dos anos 80, a sua proposta para a World Wide Web (WWW), Information Management: A Proposal (1989). Tudo começou quando Berners-Lee trabalhava no CERN, um laboratório internacional de investigação de partículas em Genébra (Naughton, 1999). O inglês precisava de encontrar uma maneira de utilizar a internet fácil e efetivamente, e foi isso que ele fez com um novo método para estruturar e aceder a informação na rede. Tal como o TCP/IP da internet, a WWW também usa um protocolo aberto e universal: o HyperText Transfer Protocol (HTTP). Aliado a este está o famoso URL, ou hyperlink, que é essencialmente o endereço que, através de outra invenção de Berners-Lee – o HyperText Markup Language (HTML) –, liga as diferentes páginas do mundo entre si. Todos estes pormenores são fundamentais, possibilitando que se promova um “sistema universal”, interligado, que era já em 1989 o grande objetivo de Berners-Lee para este meio. A base destes são os documentos ASCII que, por sua vez, permitem “incluir comandos do novo padrão chamado HTML” (Terceiro, 1997).

33 Mas falar destes pormenores sem referir a importância do sistema operativo UNIX seria em vão: “tratava-se de um sistema de exploração (o interface entre o homem e a máquina) cujo conteúdo era público, livre de direitos” (Henno, 2003). Só com este sistema é que se começaram a fazer avanços que levaram a uma evolução, e à possibilidade, de os computadores se ligarem entre si – quinze anos depois, em 1989, Linus Torvalds apostou nesse “princípio de trabalho cooperativo” e criou o sistema operativo que é hoje conhecido como Linux (Henno, 2003). Como apresenta Lister (2009), aliás, a cultura hacker foi bastante importante para o desenvolvimento destas tecnologias pois celebrava a experimentação e a livre-circulação de informação e códigos de programação informática – ainda que, por essa altura, hacker não tivesse o sentido negativo que tem hoje.

Na proposta da WWW atrás mencionada, Berners-Lee adiantou que, para chegar a esse objetivo principal, era necessário que as diferentes bases de dados à volta do mundo se ligassem entre si e, daí, a novas que eventualmente surgissem. E tanto foi isso aconteceu que, rapidamente, surgiu uma das primeiras aplicações típica da World Wide Web: os motores de busca, como são exemplo a Yahoo ou a Altavista.

González, por exemplo, evidencia, em Evolución tecnológica y cibermedios (2010) que muitos recursos surgiram neste novo meio, incluindo os já referidos motores de busca, que permitiam indexar e procurar conteúdos, ou até ferramentas que permitem combinar, gerir, agregar, consumir e partilhar informação, ferramentas mormente conhecidas como Peer-to-peer (P2P), File Transfer Protocol (FTP) ou Rich Site Summary (RSS) – e isto, claro, graças à existência dos já referidos protocolos abertos. Até a possibilidade de conversar com pessoas à distância foi melhorada com a internet. Mas olhar para esse lado participativo da web é olhar para o conceito de Web 2.0 e, por isso, é necessário perceber que fatores antecedem esse momento. Por essa altura, o conceito de browser apareceu, mais especificamente o navegador Mosaic (Morais, 2017), que ajudou também à possibilidade de existirem imagens, som e vídeo a circular na web.

Como refere Morais, o próprio Berners-Lee via as imagens como um “desperdício de banda-larga”. Ainda assim, “é inegável o contributo que as imagens acabariam por ter

34 no boom da World Wide Web” (Morais, 2017). A partir desse ponto, novos browsers apareceram, incluindo um dos mais famosos à data, o Netscape, que se tratara de uma companhia sediada em Mountain View, nos Estados Unidos, que “estabeleceu contacto” com o criador do browser Mosaic para criar a empresa que viria a ser conhecida como Netscape Communications (José B Terceiro, 1997). E como acrescenta Terceiro, a mesma lógica suceder-se-ia mais tarde com Bill Gates e a Microsoft, naquela que seria a grande aposta da Microsoft no mundo da internet: o Internet Explorer.

Olhando para este novo lado, é difícil não concordar com a importância de uma arquitetura de redes aberta. Aliás, Castells (2005) refere a importância deste fator no crescimento deste novo meio, notando até “a abertura do sistema” como resultado do “processo de inovação e do livre acesso decretado pelos primeiros hackers e curiosos informáticos”, da seguinte forma:

“A arquitetura de rede é, e continuará a ser, tecnologicamente aberta, possibilitando a expansão do acesso público e limitando seriamente as restrições governamentais ou comerciais a esse mesmo acesso, embora as desigualdades sociais venham a manifestar-se fortemente no domínio eletrónico”

Nesta Web 1.0, que se manteve por todos os anos 90 e início do milénio, as aplicações da internet eram simples. A grande guerra acontecia entre as empresas que construíram os browsers, tanto que, depois do Internet Explorer, a Mozilla apresentou o Firefox como um grande rival da Microsoft. Mas tudo permanecia o mesmo: esta primeira fase da web não passava de uma série de páginas estáticas, ligadas entre si (Techopedia, 2019). Como acrescenta Castells (2005), “novos programas de navegação e motores de busca desenvolveram-se rapidamente e o mundo abraçou a internet, criando literalmente uma teia à escala mundial”.

É também por isso que a Web 2.0 teve um impacto impressionante. Não é possível determinar o momento em que a transição de uma fase para a outra acontece

35 (Techopedia, 2019), pois, no final de contas, trata-se de um fenómeno gradual. No entanto, é possível compreender que fatores marcam o início desta nova web.

3.3. Uma web mais interativa e com novos recursos

A Web 2.0 sucede como uma resposta à “Bolha da Internet”, uma crise conhecida como “dot com”, marcada por vastos investimentos na web que se tornaram obsoletos. O termo foi popularizado por Tim O’Reilly (Leiner et. al, 1997), e, segundo o site Techopedia, é um termo que, desde 2004, descreve uma web mais interativa, onde websites de foro social mantêm os lugares mais destacados por entre as atividades dos utilizadores deste novo meio. Muito graças ao desenvolvimento da tecnologia, inclusivamente da melhoria da ligação à internet, trata-se de uma nova fase muito mais acessível do que a antecessora.

Também se pode desde já concluir que estamos perante um meio de comunicação que se distancia cada vez mais dos meios de massa (González, 2010), pois, ao contrário de uma comunicação de um-para-muitos, destaca-se como sendo de um-para-um, onde cada indivíduo pode ter um papel. Aqui entram conceitos como a individualização, no sentido de o utilizador poder responsável por aquilo que vê e faz no ciberespaço.

Se na primeira fase da web o e-mail e os motores de busca eram avanços revolucionários, imagine-se o impacto da segunda fase. Além de todas as experiências que já existiam, como salas de chat, acrescentam-se agora conteúdos audiovisuais, como animações ou vídeos, que criam novas formas e relações de convívio em sociedade (Lister, 2009). Aliás, Nations (2017) fala da web 2.0 como uma web social que se afasta das páginas estáticas típicas da sua fase embrionária, mas é importante perceber que fatores tecnológicos marcam esta fase.

3.3.1. Fatores tecnológicos

A Web 1.0 era composta por páginas estáticas pois baseava-se num fenómeno de “read-only”, ou seja, o utilizador apenas “lia” informação. O que a Web 2.0 tornou possível foi o facto de o utilizador também passar a puder “escrever” informação, o “read-write”. É este fator que nos permite ter um papel nas páginas que visitamos e por aí em diante. Como acrescenta Richard Hall (2009), o termo “read-write” enfatiza

36 um aproximar e não apenas uma nova ferramenta. Aumenta a personalização do utilizador, e as conexões que se formam catalisam uma espécie de rede entre aplicações, conteúdo e pessoas, sendo que é este fenómeno que cria oportunidades para sites como o Facebook.

No entanto, e antes disso, houve outros fatores tecnológicos que foram importantes para o desenvolvimento desta web mais participativa. A evolução da velocidade da internet nas nossas casas é um deles, mas o “open-source” é um pormenor que já se conhece desde os tempos da Web 1.0. Como já foi apresentado anteriormente, a World Wide Web baseia-se numa ideologia aberta. Anderson (2007) explica que, apesar de a web ter vindo a ser alvo de legislação e tentativas de controlo, o seu lado aberto continua a ser uma grande força na Web 2.0. É esta abertura que possibilita a existência de um “espírito de inovação”, promovendo sempre a experimentação e o desenvolvimento de novas tecnologias.

Nesse sentido, uma das tecnologias mais importantes para a evolução deste conceito de Web 2.0 foi o AJAX (Asynchronous Javascript + XML), como apresenta Anderson. Este conceito sucede um número de tentativas, como o Dynamic HTML ou o CSS (Cascading Style Sheets), e é ele que reúne todas essas, possibilitando assim tempos de acesso a páginas web mais dinâmicos e velozes. Afinal, é esta tecnologia que, através de fatores que vão desde o JavaScript aos já mencionados Dynamic HTML ou CSS, tornam real uma comunicação assíncrona entre browsers, ou os utilizadores, e os servidores. Ou seja, como afirma Anderson, o AJAX permite que exista uma comunicação contínua, sem que em nenhum momento a conexão à internet complique o tráfego de dados – em analogia, por exemplo, impede que, ao refrescar uma página web, o utilizador não tenha de esperar pelo carregamento de todos dados que já tenham sido carregados, mas antes daqueles que estão em falta. Outra alternativa que surgiu ao AJAX foi o Flash (Anderson, 2007), tecnologia que, entretanto, pouco se utiliza nos dias de hoje.

E se aliarmos todos estes fatores a uma melhor e mais rápida ligação à internet, então estamos perante avanços preponderantes para o domínio deste meio de comunicação como a escolha principal de um indivíduo. Como apresentado por Pavlik (2008), o

37 crescimento da internet facilita a transmissão de conteúdos e, afinal, torna-se popular pois pode servir uma variedade de serviços, de chamadas de voz (VOIP) a vídeos on- demand (VOD). Se na época da ARPANET a velocidade deste novo meio andava à volta dos 56 quilobytes (56000 bytes) por segundo, hoje, em Portugal, os provedores de internet oferecem pacotes com 1000 megabytes por segundo através da tecnologia de fibra ótica, sucessora de tecnologias como o DSL, GPRS ou a banda larga, que rondava os 5 megabytes por segundo.

Aliás, mais do que a internet ser mais veloz, a verdade é que ela está muito mais acessível. Grande parte das redes telefónicas, por exemplo, oferecem acesso à internet através dos chamados dados móveis, algo impensável na época em que, em casa, era necessário desligar o telefone para aceder à internet. E, como se não bastasse, há melhores browsers, melhores computadores e, no fundo, uma acentuada melhoria em todas as tecnologias ao nosso dispor.

3.3.2. A Web 2.0, ou uma web mais interativa

Como foi atrás referido, o grande pormenor que se destaca na Web 2.0 é o lado participativo e interativo deste meio. Apesar de os fatores tecnológicos terem muita importância, sem o aparecimento de novos “serviços” isto não seria possível. Fóruns, blogs, redes sociais ou até podcasts (Lister, 2009) evidenciam o lado social da Web 2.0, o lado da comunicação mediada por computador, algo que vai ao encontro da previsão de Licklider em 1962. Se olharmos para a Web 2.0 como uma plataforma (O’Reilly, 2005), é também possível perceber a importância que os utilizadores têm no seu crescimento. Um exemplo dado por Tim O’Reilly (2005) é o da Wikipedia, uma enciclopédia online que baseia todo o seu conteúdo no trabalho colaborativo dos seus utilizadores. Podem-se referir outros casos, como é o caso da plataforma de fotografia Flickr, mas em todos, como acrescenta Nations (2017), o fator comum destas é a interação humana.

Foi por isso que Tim O’Reilly sugeriu, em 2005, que as empresas, ao pretenderem singrar na internet, teriam de ver a web como sendo algo cujos utilizadores são de máxima importância. O’Reilly descreve a Web 2.0 como sendo uma plataforma e não

38 uma simples aplicação. É aqui que surgem revoluções no sentido de comunidade, com o aparecimento de sites como a Wikipedia. Aliás, a base do enriquecimento de muitos sites podem ser as pessoas que os frequentam. Acreditar nas pessoas como tendo um papel é o primeiro passo para o sucesso e crescimento (O’Reilly, 2005).

Nesse sentido, Paul Miller (2005) aponta onze fatores como sendo reveladores daquilo que descreve a Web 2.0:

• Livre circulação de data: a informação deve ser livre, permitindo que seja descoberta e manipulada numa variedade de sentidos distintos do seu propósito inicial;

• Permite a construção de aplicações virtuais: através de data e funcionalidades de diferentes fontes;

• É participativa: como anteriormente mencionado, a Web 2.0 já não é assimétrica;

• As aplicações trabalham em prol do utilizador: o internauta deve ter a possibilidade de encontrar as suas necessidades, e não apenas oferta limitada;

• É modular: no sentido de programadores e utilizadores poderem livremente escolher fatores que permitam a criação de algo que vá ao encontro das suas necessidades;

• Baseia-se na partilha: de código, conteúdo e ideias, sempre com o intuito de acrescentar valor;

• Baseia-se em comunicação e em facilitar a comunidade;

• É baseada em “remix”, ou remisturas: permite incorporar diferentes fatores;

• É inteligente, funcionando através de ‘data’, ou dados, de todos os agentes envolvidos;

• Long tail, ou a existência de nichos;

• Baseia-se na confiança: quer seja em indivíduos, nas asserções disponíveis ou nos usos e reutilização de data.

39 Com estes avanços a trazer até às pessoas e entidades novos recursos, inúmeras áreas viram o seu trabalho ser facilitado – ainda que estes possam não ser necessariamente resultado da Web 2.0. Para mencionar apenas algumas, e não necessariamente desta nova fase, que ainda assim ajudou no desenvolvimento destas, surgiram conceitos como teletrabalho – trabalho feito a partir de casa –, comércio eletrónico, telemedicina ou até teleducação (Terceiro, 1997). Como se não bastasse, até para nós, indivíduos de uma sociedade, surgiram vantagens: este meio facilita o acesso à cultura, reforça a democracia ou, por exemplo, pode ajudar países desfavorecidos a combater o seu atraso (Henno, 2003).

Olhemos então para o tipo de aplicações que o fenómeno Web 2.0 trouxe até nós, aplicações essas que, inevitavelmente, contam com o contributo dos seus utilizadores para o seu crescimento. Resumidamente, Neil Selwyn (2007) apresenta alguns exemplos, como é o caso de sites de partilha de fotografia e vídeo como o Flickr ou o YouTube, ou até blogs e podcasts. Outros casos apresentados pelo autor, e bastante evidentes nos nossos dias, são as “aplicações wiki”, como o caso do Wikipedia, ou as famosas redes sociais, das quais se destacam o pioneiro MySpace e o colosso Facebook.

E-learning, tele-medicina ou tantos outros conceitos surgiram, mas, além desses e outros pormenores referidos, há outros que prevalecem até os nossos dias. Além de partilha multimédia, blogs e outros, o tagging (Anderson, 2007) é um fenómeno que singrou, e que até inspirou o surgimento daquilo que é hoje conhecido, em redes sociais como o Twitter ou Instagram, como o hashtag. A lógica mantém-se: trata-se de uma espécie de marcador que reúne, sem classificar, qualquer objeto digital, como imagem ou vídeo, que lhe seja atribuído. Trata-se de um conceito que nunca estagnou, especialmente devido à aposta de websites como o Flickr ou o YouTube (Anderson, 2007).

É também aqui que podemos falar sobre como o consumo passou a ser cada vez mais individualizado, até mesmo através do “simples” e cada vez mais presente computador pessoal. Falando sobre a passagem entre a massificação e individualização, Pereira (2010) explica como “o computador pessoal veio individualizar a comunicação, na

40 medida em que permitiu a possibilidade de utilizar a escrita, a visão e a via oral, para descobrir e construir os nossos próprios estilos de apreensão do mundo e os nossos próprios estilos para comunicar”. Há “cada vez mais” um uso individualizado das tecnologias, “ou seja, a possibilidade de cada pessoa em particular ter a sua própria programação televisiva, onde poderá construir o seu jornal, ser o realizador do seu próprio filme, a sua música preferida.”

Em suma, é possível compreender que a Web 2.0 é, nada mais, nada menos, do que aquilo com que estamos habituados a lidar quando utilizamos este “novo” meio de comunicação. A importância das nossas ações para o crescimento destes websites e plataformas, por exemplo, é um pormenor muito revelador daquilo que é esta nova web. Anderson (2007) aponta seis áreas em que estas ligações entre aplicações e utilizadores se torna real, como uma arquitetura aberta que suporta a participação de todos, mas da qual se destaca um fenómeno conhecido como User-Generated Content, ou conteúdo criado pelos próprios utilizadores. Em poucas palavras, como iremos analisar no próximo subcapítulo, o utilizador torna-se produtor, mas há quem acredite que as invenções de Tim Berners-Lee, como o hyperlink, já começavam a inverter o papel de autor e leitor – afinal, o leitor tinha, na web, a oportunidade de criar a sua própria história ao guiar-se por links (Levinson, 1998).

3.4. O utilizador como produtor e consumidor

Ao olhar para todos os avanços ao seu redor, Castells (2005) fala de um “período caracterizado pela ‘cultura material’ operada por um novo paradigma organizado em torno das tecnologias da informação”. A constante evolução trouxe ainda mais fenómenos, e um deles trata do conteúdo produzido pelos utilizadores. Muito típico da Web 2.0 dado o seu lado participativo, um dos maiores exemplos deste mundo, e que é especialmente entre a comunidade mais jovem, são os YouTubers. Esse termo diz respeito a utilizadores do YouTube que o utilizam como plataforma para disponibilizar os seus vídeos e trabalhos, como se de um programa de televisão se tratasse.

41 O user-generated content (UGC) começa em pessoas normais que contribuem com data, informação ou media, e posteriormente está disponível para consumo de outros indivíduos (Krumm, J. et. al, 2008). Se no ano de 2008 se notava uma abrupta evolução deste, isso não quer dizer que essa tenha abrandado em algum momento. Por exemplo, nos anos 90 já se partilhavam ficheiros áudio em formato MP3 (Pavlik, 2008), mas entre 2005 e 2006 a web encontrava-se num período selvático em que os utilizadores partilhavam tudo e mais alguma coisa no YouTube, como refere Gannes em Television Goes Digital (2008).

Este fenómeno é tão importante que, em 2006, cada um de nós, enquanto indivíduos, fomos escolhidos como a “Pessoa do Ano” pela revista TIME (Grossman, 2006). Fazendo uma retrospetiva desse ano, lê-se no artigo You – Yes, You – Are TIME’s Person of the Year, vê-se uma história sobre comunidade e colaboração numa escala nunca vista. O autor trata o Wikipedia como um “compêndio cósmico”, o YouTube como uma rede das pessoas de milhões de canais, e o MySpace como uma metrópole online. Nesse artigo, o autor fala da Web 2.0 como um experimento social massivo. Mas, se pensarmos bem, trata-se de um experimento que já decorre há mais de dez anos. O YouTube tem cada vez mais utilizadores, novas plataformas surgem, a corrida mantém-se. Ao longo destes anos, os próprios media apostaram em conteúdo produzido pelos seus recetores. E isto acontece nos diferentes meios: da rádio à televisão, a passar pela imprensa escrita.

Os próprios media tradicionais – rádio, televisão e imprensa – perceberam a importância do utilizador como produtor de conteúdo. Falamos da possibilidade de este ser uma possível fonte de informação, mas não só. Com os meios a perceberem a importância da internet, poucos foram aqueles que não apostaram nesta nova plataforma. Como comprova Pavlik (2008), sites como a Reuters.com e o Yahoo! News começaram a distribuir fotografias e vídeos criados por meros cidadãos. Ainda assim, o autor fala sobre este tipo de vídeo não encontrar o seu lugar em canais de televisão nacionais – ainda que isso aconteça – mas antes em meios de distribuição alternativa como o YouTube.

42 O YouTube foi fundado em 2005 por três antigos funcionários do PayPal, e surgiu com o intuito de permitir ver vídeos, partilhá-los com amigos ou até fazer comentários, combinando o lado de rede social ao vídeo na internet. Como afirma Hart em Television Goes Digital (2008), e evidencia-se todos os dias diante os nossos olhos, esta plataforma é a mais popular, e a que singrou por entre tentativas de colossos da internet como o Yahoo, Google ou AOL.

Entre 2005 e 2006, estávamos numa fase em que os utilizadores carregaram para o YouTube vídeos de toda e qualquer coisa, e nem todos acreditavam na sua capacidade de afirmação e desenvolvimento, como apresenta Gannes em Television Goes Digital (2008). Foi aí que a Google, até então conhecida no mundo vídeo como Google Video, comprou esta plataforma por um valor superior a um milhar de milhão de euros. Isso resultou em três fatores explanados por Gannes: o fim da era desinibida do vídeo na web; vários processos legais e o aparecimento de recompensas para evitar ações judiciais; e a certeza de que o YouTube ficaria por perto durante muito mais tempo.

Mais uma vez, no entanto, é importante referir que somos nós, nestas plataformas típicas da Web 2.0, que temos um papel bastante importante no seu desenvolvimento. Machuco Rosa, em Do broadcasting à Internet: critérios de distinção entre os meios clássicos de comunicação de massas e os novos media (2013), conclui que isto é possível pois existe uma “correlação positiva entre a intensidade das contribuições para a plataforma (produtividade) e a popularidade”. Ou seja, o “número de contribuições aumenta com a popularidade de que gozam as contribuições de cada contribuidor”, evidenciando-se, como mais tarde explica o autor, que isto se trata “de um modo de produção massiva de conteúdos por parte” de um grande número de indivíduos que vão, passo a passo, criando “um laço de sociabilidade primária entre eles”.

Olhando para as aplicações típicas da Web 2.0, nota-se desde logo, como foi atrás referido, a grande importância do conteúdo criado por utilizadores. O que seria do YouTube sem os vídeos criados e carregados pelos indivíduos? Ou da Wikipedia sem o contributo de pessoas com, como diz Machuco Rosa (2013), o “desejo” de ajudar? Isto

43 tudo, claro está, sem mencionar redes sociais como o Facebook, que, evidentemente, têm os utilizadores como base da sua plataforma.

Estas novas audiências querem criar conteúdo, como reafirma Monzoncillo (2011). O autor espanhol aborda o facto de a tecnologia digital permitir aos utilizadores criarem conteúdo dado o baixo custo de produção, passando assim de uma ditadura para uma sabedoria da audiência. Hoje, não confiamos apenas nos mais experientes, mas também para aqueles que são iguais a nós – um exemplo dado por Monzoncillo é o de olharmos para as críticas de hotéis e restaurantes assinadas por clientes. A liberação dos mass media, um dos ideais da revolução digital, trouxe o “fim da escassez” e o triunfo da aldeia global de Marshall McLuhan pois os media são agora, além da extensão dos nossos sentidos (McLuhan, 1974), uma ferramenta na qual podemos ser os produtores de conteúdo.

Mais ainda, “a CMC [comunicação mediada por computador] não é determinada pela tecnologia e pelos processos de arquivo de ficheiros”, como explica Rogério Santos (1998), “mas molda-se nas necessidades humanas de comunicação”. O autor acrescenta ainda que esta comunicação tem como “ingrediente fulcral” a “participação e interação entre pessoas e as suas ideias e culturas”. Assim, nota-se que estas tecnologias vivem muito da participação de indivíduos, e, no que ao User-Generated Content diz respeito, esses tanto podem ser criadores de conteúdos quanto meros espetadores – este novo meio é algo que Santos descreve como “um novo meio de comunicação interpessoal (embora com a mediação dos computadores), um novo espaço público”.

3.5. Download e streaming

Por entre todos os avanços atrás abordados, nascia um conceito que, dentro do fenómeno da internet, tornou-se ele mesmo num fenómeno: o download. Em poucas palavras, diz respeito há possibilidade de um utilizador transferir conteúdo de um servidor para o seu computador. Ainda que se possa falar do outro lado da moeda, ou o upload, a verdade é que foi o lado inverso que mais teve impacto na sociedade, apesar da importância da sua contraparte. Não falamos apenas da possibilidade de um

44 indivíduo ter acesso a mais tipo de informação, mas também do seu impacto em indústrias como a da música ou do cinema.

Com o crescimento do nosso acesso aos computadores, e também da sua capacidade, singraram também fenómenos como este. A internet facilita a transmissão de conteúdos, como Pavlik (2008) referiu, e, neste mundo de computadores ligados a uma rede universal, uma série de ferramentas permitem que a comunicação seja feita eficazmente. Não falamos de recursos anteriormente referidos, como protocolos abertos ou outras tecnologias, mas antes de fatores que dizem respeito ao próprio formato de vídeo, por exemplo.

Num meio que “incorpora rádio, filmes e televisão” distribuídos através de uma “tecnologia especial” (McQuail, 2003), a indústria pornográfica foi fundamental para o rápido avanço do formato vídeo na internet. Afinal, trata-se de uma indústria que envolve muito dinheiro e espetadores, como apresenta Jeffrey Hart em Television Goes Digital (2008), autor que vê neste mundo um fator pioneiro – segundo o mesmo, não referir seria até descuidado – que teve um importante papel no aparecimento da tecnologia de reprodução de vídeos online como a conhecemos. Outro caso importante para a evolução é o aparecimento das tecnologias Flash, software de reprodução que singrou bastante mas está hoje obsoleta, e o MPEG, um standard de compressão de áudio e vídeo, que começou “para uso em CD-ROM" em 1991, evoluindo depois para o MPEG-4, surgido “inicialmente para a transmissão de vídeo na internet” e que, entretanto, “foi a opção de compressão escolhida para a TV digital portuguesa” (Denicoli dos Santos, 2012).

A tecnologia de reprodução de vídeo online distancia-se do download. Afinal, o download envolve transferir e receber ficheiros através do protocolo FTP (File Transfer Protocol), num processo em que o utilizador tem de esperar pela transferência ou de, por exemplo, ter armazenamento suficiente no computador. Por outro lado, no streaming, que utiliza o protocolo UDP (User Datagram Protocol), o utilizador pode ir visualizando um determinado conteúdo à medida que este é “descarregado”, sendo que não é guardado no armazenamento do computador, o que significa também que um indivíduo não tem acesso ao ficheiro depois de o visualizar.

45 Em Television Goes Digital (2008), Eli Noam fala muito sobre nichos e do já referido user-generated content. Segundo o autor, houve três fases da televisão, sendo a primeira entregue por via terreste, a segunda por cabo e satélite, e a terceira pela internet – nesta terceira fase, é muito referido o fator dos “nichos” no que ao público diz respeito. Pela sua similaridade ao broadcasting terreste, como refere Matt Jackson (2003), surgiu o termo webcasting, que tanto pode ser on-demand, como em direto ou como por transmissões pré-gravadas – como ligar uma rádio, diz Jackson, que, ainda assim, refere também o lado do público de “nicho” uma vez que existe um número de programação ilimitada e para todos os gostos. Nesse sentido, a afirmação acerca do streaming de Francisco e Valente em Da Rádio Ao Streaming (2016) é curiosa e corrobora a de Jackson: “A transmissão proporcionada por essa tecnologia é análoga ao broadcasting analógico, com receção simultânea e instantânea”. Nos últimos tempos, tem-se utilizado amplamente o termo over-the-top (OTT), que, em poucas palavras, se refere a uma aplicação ou serviço que forneça um produto através da internet, contornando, assim, a típica distribuição tradicional (Techopedia, 2013).

No entanto, pela altura do advento de plataformas como o YouTube, a internet ainda não era vista como um meio para o broadcasting, tópico que irá ser abordado no capítulo 4, mas sabemos, desde já, que é graças a esta onda de desenvolvimento tecnológico que o streaming possibilita a transmissão de conteúdo através da internet.

3.6. A internet hoje

Ter uma fraca ligação à internet pode significar que, do lado do consumidor, o consumo fluído possa ser prejudicado. “No caso da rede de cobre”, mormente conhecida como fibra ótica, “se uma conexão a 8 MBits/s transmitir um canal televisivo a 4,5 MBits/s, mais de metade da sua capacidade estará comprometida, prejudicando a velocidade de acesso à internet”, explica Denicoli dos Santos (2012). No entanto, uma rápida visita aos sites de dois dos principais provedores de internet em Portugal, MEO e NOS, provam que, hoje, estão já ao alcance velocidades até os 400MBits/s, cerca de 100 vezes superior à que Denicoli diz, em 2012, ser vulnerável para a transmissão de um canal televisivo na internet.

46 Mais do que uma boa ligação à internet em nossas casas, a verdade é que este “admirável mundo novo” está, regra geral, no nosso bolso. Os telemóveis, e até os tablets, evoluíram bastante, assim como a ligação à internet disponível nestes. Normalmente conhecidos como dados móveis, a internet no telemóvel está cada vez mais presente no dia-a-dia dos cidadãos. Como se lê nos detalhes do ‘Tarifário Red’ no site da Vodafone, desde que o aparelho tenha acesso à tecnologia 4G, pode-se “navegar na rede 4G da Vodafone com velocidades até 300 MBits/s". Tudo isto, aliado a aplicações disponíveis para Smartphones – desde Netflix até RTP Play, a passar por tantas outras – fomentam um crescimento da internet como um meio para aqueles que consomem regularmente conteúdos dos media.

No fundo, estamos perante uma fase em que é possível consumir televisão desde um aparelho tão “simples” quanto um telemóvel. Com acesso à internet, menciona Pavlik (2011), é possível ver conteúdo vídeo onde e quando o utilizador quiser – desde que, reforça o autor, tenha acesso ao online. Especialmente numa era em que há cada vez mais convergência de conteúdos de meios tradicionais para a web, é inegável que este fácil acesso influencia as formas de consumir TV, por exemplo, como explica Carey em Television Goes Digital (2008).

Dois exemplos da constante evolução que parece não cessar são a internet das coisas e a Web 3.0. Por um lado, a internet das coisas, como explica a revista Wired (2018), diz respeito a objetos com ligação à internet que conectam os nossos aparelhos a um mundo inteligente e que permitem facilitar ações ou, entre outros aspetos, ajudar na aprendizagem de determinada tarefa – no fundo, objetos inteligentes com ligação à internet e tão díspares quanto um frigorífico ou um espelho. Por outro lado, a Web 3.0, que ainda não chegou à sociedade, é, segundo o site Techopedia, uma web que irá revolucionar a fase atual, ao contrário da “simples evolução” da Web 2.0. Esta irá alterar o modo como um utilizador interage na web, que, à partida, será mais inteligente, facilitando aspetos como pesquisas mais precisas e mais adequadas às intenções do indivíduo. Aliando isto ao aparecimento de, por exemplo, serviços como o Uber Eats, que permite encomendar comes e bebes através de uma aplicação, é certo que a evolução da internet, dos serviços lá disponíveis e até da própria

47 velocidade de acesso continuará em constante crescimento, o que parece tornar, cada vez mais, o online como meio de eleição para a sociedade.

É ainda de referir que, no caso da ligação à internet, caminhamos a passos largos para a tecnologia 5G, a sucessora da já referida 4G. Essencialmente, esta nova “tecnologia de comunicação móvel vai trazer velocidades muito superiores ao que estamos atualmente habituados. Esperar por downloads vai ser coisa do passado” (Nunes, 2018). No fundo, o 5G pode acabar com o lado negativo de transmissões via internet e consequente ceticismo por parte de alguns utilizadores – ainda que, como apresentado por Kas Kalba em Television Goes Digital (2008), desvantagens na qualidade de vídeo não sejam impedimento para uma forte adesão por parte dos indivíduos. E afinal, com os dispositivos apropriados, esta tecnologia irá permitir uma mais rápida e melhor ligação ao online, possibilitar “o streaming de vídeo em 360 graus, com qualidade 8K ou melhor” e, entre outros, latência (ou o tempo de espera para carregar, por exemplo, uma página web) praticamente nula (Nunes, 2018), algo que, no final de contas, significa que o streaming, meio que é já de eleição para muitos consumidores, será aperfeiçoado de um ponto de vista da distribuição e da fluidez com que chega até nós.

4. O fenómeno do broadcasting online

A internet foi sempre conhecida como um mundo de comunicação de um-para-um, não de um-para-muitos. Mas isso está a mudar.

Tendo em conta tudo o que foi até agora apresentado, começa a ficar claro que, com a veemência da internet, os emissores de meios clássicos sentem a obrigação de procurar novos caminhos para chegar ao público que, em grande parte, utiliza agora a internet como o seu principal meio. Por exemplo, quantos de nós não acompanham séries televisivas via streaming? Para muitos até, e especialmente portugueses, é impossível acompanhar certo tipo de conteúdos uma vez que os canais televisivos nacionais não os oferecem.

Mas há muitos outros casos que podem exemplificar melhor esta questão, especialmente porque, muitas das vezes, aderir a esses fenómenos assemelha-se mais

48 aos serviços on-demand que temos visto na televisão nos últimos anos. Aceder a um website e escolher, à hora que bem apetece ao espetador, um episódio, não é o mesmo que sempre aconteceu na rádio e na televisão. Em direto, os espetadores viam a programação que o emissor oferecia, sem pausas, e a única possibilidade, dependendo da época, era mudar de canal.

Normalmente, associa-se o broadcasting ao fenómeno da transmissão de programas ou informação de rádio ou televisão, como se pode ler no dicionário de Oxford. Esses meios foram sempre ao encontro da abordagem de Denis McQuail (2003) ao fenómeno do processo de comunicação de massas. A audiência, vista como sendo de “grandes números” e “largamente dispersa”, é um dos lados da distribuição “em grande” escala. Como já abordado, o autor fala da existência de um “fluxo unidirecional”, associado a uma “relação assimétrica”, “impessoal e anónima”, além da existência de um “mercado calculista” e de “conteúdo estandardizado”.

Ao contrário de meios de comunicação como o telefone (um-para-um), estes meios de massas estão associados a um sistema de comunicação de um-para-muitos, o “fluxo unidirecional” atrás referido. O broadcasting sempre foi isso mesmo: um emissor a comunicar para uma grande audiência. Por sua vez, a internet sempre manteve uma base de um-para-um. Aliás, esse é um dos valores base da World Wide Web, o facto de um indivíduo ter a possibilidade de colaborar e partilhar conhecimento (Berners-Lee, 1996). O próprio conceito de peer-to-peer (P2P) reflete esse fenómeno. Dos wikis aos fóruns, a passar pelas salas de chat ou tantos outros, os utilizadores no online comunicavam com outra pessoa. Claro que uma só pessoa poderia comunicar para muitas outras, mas, além de não se tratar de uma audiência de massas, estamos a falar da capacidade de intervenção de um indivíduo no processo de comunicação.

Ainda assim, isso está a mudar. Mesmo com o aparecimento do YouTube, que surgiu com o slogan “Broadcast Yourself”, nunca se pensou naquilo que se vive hoje. Até os próprios canais de televisão, por exemplo, nunca quiseram acreditar nisso, como evidenciado pela falta de adesão à internet por muitos destes. Mas e se dissermos que um dos debates entre Donald Trump e Hillary Clinton nas presidenciais americanas de 2016 foi visto em formato online por cerca de dois milhões de pessoas, além de os

49 vídeos relacionados com o debate terem excedido as 88 milhões visualizações só nesse dia? Ainda segundo notícia da revista Variety, Clinton-Trump Debate: YouTube Draws Nearly 2 Million Live Viewers, Online Record for Political Event (2016), o número de tráfego gerado pela Akamai, empresa americana responsável pela gestão informática do conteúdo de sites como Facebook ou Twitter, durante o debate chegou aos 4.4 terabites por segundo, o mesmo valor que o maior evento, na mesma plataforma, dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro do mesmo ano, a final feminina de ginástica. E estes são casos isolados, havendo muitos outros exemplos, que serão apresentados no subcapítulo 4.4.

É inevitável: o panorama está a mudar. Antes de os meios clássicos começarem a aderir à internet com mais atenção, fenómenos como o YouTube traziam um pouco de televisão até ao mundo digital. Como explica Mareike Jenner em Netflix and the Re- Invention of Television (2018), o site de partilha de vídeos pode ser mais associado às plataformas de media sociais, mas isso não significa que não tenha elementos de televisão ligados a si, como o facto de haver séries compostas por episódios, típico do meio clássico. No entanto, segundo a autora, “apesar de decididamente distinto da televisão, o YouTube ensinou os espetadores a ver formatos como aqueles da televisão online”. Mais ainda, com o advento de plataformas como a Nextflix, o colosso de vídeos online apostou recentemente em conteúdos originais, YouTube Originals, que podem ser acedidos através de contas premium.

Nos Estados Unidos da América e Reino Unido, Jenner (2018) refere Hulu e BBC iPlayer, respetivamente, como dois importantes projetos para os “utilizadores aceitarem o streaming como uma tecnologia para transmitir televisão” no ano de 2007; afinal, apesar de a transmissão não ser feita na íntegra e em tempo real, os conteúdos televisivos estavam à distância de um clique, servindo muitas vezes para ver aquilo que não fora possível consumir durante o broadcasting. Mais tarde, como irá ser abordado mais à frente, plataformas como Hulu ou a incontornável Netflix começam inclusivamente a criar o conteúdo original, despendendo milhões nessas produções.

50 O entretenimento oferecido por estas empresas é, inevitavelmente, concorrência para as televisões, que veem a sua exclusividade de conteúdo a desmoronar, com a internet a passar para a frente da corrida. Em certa medida, os gigantes dos media têm feito esforços para não ficar muito atrás. O aparecimento das já referidas boxes permite que um espetador pause, recue ou avance um programa, ou até que encontre a emissão que perdeu, o que acaba por ser revelador dos mais recentes esforços por parte dos meios clássicos. Mas há outros fatores que exemplificam este fenómeno, como é caso da interatividade que a televisão procurou através das novas tecnologias – por exemplo, utilizar as redes sociais, ou até as SMS, para o público interagir e intervir num programa.

Apesar do ceticismo que meios como a televisão mostraram relativamente à disponibilização dos seus conteúdos no passado, a verdade é que isso está a mudar. Comecemos pelas rádios: não só existem, hoje, rádios online, como também as consideradas clássicas estão disponíveis na íntegra na internet. O mesmo acontece com os canais televisivos, mais precisamente os de canal aberto, RTP, SIC e TVI. A qualquer hora do dia, podemos aceder ao site do canal à nossa escolha e ver a transmissão no nosso telemóvel, tablet, computador ou até televisão, desde que tenha acesso à internet.

Como se não bastasse, estes canais não são os únicos a apostar na acessibilidade das suas emissões. Para os subscritores do canal de desporto SPORT TV, por exemplo, a aplicação está disponível também à distância de um clique, permitindo que qualquer fã ou mero espetador não perca a programação pelo simples facto de estar longe de uma televisão - o que evidencia um possível aumento de número de espetadores em simultâneo, em pleno broadcasting. Neste sentido, e ainda em Portugal, podemos também abordar a aplicação FOX+ do canal FOX, que segue a mesma lógica da referida anteriormente. Mesmo com estes exemplos, existem duas aplicações que parecem destacar-se dada a sua enorme oferta de conteúdo: NOS TV e MEO Go, onde os seus clientes têm acesso a todo e qualquer canal a que teriam acesso na televisão propriamente dita. No fundo, tratam-se das apostas dos dois maiores provedores de

51 internet portugueses para estarem acessíveis no online – e afinal, não é verdade que todas estas ferramentas trazem mais oportunidades de publicidade (Gerbarg, 2008)?

4.1. Os primeiros passos da televisão na internet

Desde a pirataria até o fenómeno Netflix, foram inúmeros os acontecimentos que, em certa medida, fizeram frente a indústrias como a da televisão, cinema ou música. González (2010) afirma que os novos meios se afastam das características dos tradicionais, mas a verdade é que vemos os segundos a ir atrás das capacidades e recursos da internet – afinal, a televisão viu o seu domínio dentro dos media a decrescer (Dominick, 2005).

Na World Wide Web, e mais precisamente na Web 2.0, a participação dos utilizadores foi peça fundamental para o crescimento deste novo mundo. Por sua vez, na televisão, a interatividade começa num ponto tão simples quanto o aparecimento do comando, que permite navegar por entre canais, ou, mais tarde, das já referidas boxes, que dão algum controlo ao consumidor de TV. Mas há casos mais específicos, como programação que conta com a participação dos seus utilizadores. De um lado, existem programas informativos, e não só, que contam com a participação dos espetadores através de aspetos tão simples quanto votos através das redes sociais, como Twitter – muitas vezes a partir de ferramentas como hashtags – mas, do outro, existe programação com um lado ainda mais interativo. Um caso curioso é o do Hugo, programa emitido pela RTP entre 1996 e 2000, e que era, essencialmente, um videojogo em que “o telespectador ligava para o programa e através do telefone controlava o Hugo, passando por buracos, pedras” (Mídia Interessante, 2016).

No entanto, só a internet se revelou verdadeiramente interativa, algo que foi exponenciado, na televisão, pela transição para o digital. Como diz Gerbarg (2008), não só o conteúdo está a ser produzido digitalmente com equipamento melhor e mais barato, mas também nós podemos criar conteúdo e enviar através de um simples telemóvel, por exemplo – como no caso do user-generated content.

Como afirma Alvarez-Monzoncillo em Watching The Internet (2011), os serviços de media públicos têm de se adaptar às possibilidades que o digital traz a nível de

52 produção e distribuição. Hoje, a televisão chega, maioritariamente, em formato digital através de cabo – coaxial e fibra óptica – e, surpreendentemente, através do Internet Protocol (IP), o mesmo protocolo aberto com o qual navegamos na internet nos nossos computadores (Denicoli dos Santos, 2012). Conhecida como IPTV, a televisão onde “os sinais de Internet e TV vêm pela mesma rede de cobre, transmitidos de forma simultânea”, diz Denicoli dos Santos, esta apareceu no país “em 2006, trazida pela Clix”, pouco tempo antes de passar pelas apostas da PT, com a Meo, e da Vodafone. No entanto, a IPTV é um conjunto de tecnologias e estratégias de mercado que permite, através de aparelhos como as boxes, competir com outras companhias para a audiência de televisão, segundo Hart no livro Television Goes Digital (2008), ao contrário de fenómenos como Internet TV, que diz respeito ao uso da internet para distribuir vídeo. O mesmo autor refere dois métodos para distribuir “Internet Television”, os já falados downloading e streaming – ainda assim, o caso do download aparenta estar mais associado ao lado on-demand da televisão.

Tudo isto tem um papel na mutação da televisão como a conhecemos, refere Lister (2009), que menciona a profusão da televisão no online como sendo acompanhada por “TV em broadcast na internet”, referindo o caso do iPlayer do provedor de serviço público de rádio e televisão britânico, a BBC, como um grande exemplo – de notar, esta aplicação permite que um utilizador consuma conteúdo em qualquer aparelho, desde computador até telemóvel, passando pelas próprias Smart TVs, televisões que permitem instalar aplicações através de uma ligação à internet. Também conhecida como Web TV, Denicoli dos Santos (2012) fala sobre como este impulsionou “as Internet TVs regionais”, sendo que a Famalicão TV foi “o primeiro canal desse género em Portugal”, em 2005 – trata-se de um meio cujos custos de distribuição e até produção são bastante mais reduzidos. É curioso notar como, em 2011, um canal como a RTP aposta no lançamento da plataforma RTP Play, um “serviço pioneiro para visualização e escuta de emissões online bem como de programas on-demand", lê-se no site oficial.

É assim de mencionar que, hoje em dia, muitos provedores de televisão estão presentes na internet. E não estamos a falar de ter uma box ligada à televisão, que

53 utiliza a internet e respetivo IP para realizar a conexão, mas antes dos sites e aplicações que poderosos como NBC, Fox e a já mencionada BBC, além de canais portugueses, têm ao dispor dos seus espetadores, resultando isso na clara possibilidade de ver televisão na internet. Vivemos, portanto, numa fase em que é possível ser recetor de um grande emissor que, apesar de continuar a centrar a sua atenção nos meios tradicionais, está também presente na internet, através dos chamados serviços OTT. E uma das causas para esta mudança tem um nome bastante conhecido: Netflix.

4.2. O monopólio Netflix e a sua influência

Em primeiro lugar, é importante conhecer um pouco da história desta empresa. Como se lê no site oficial, o atual CEO Reed Hastings e cofundador Marc Randolph criaram este projeto há mais de 20 anos, em 1997. Com um serviço de aluguer de DVDs que chegava às casas através do correio, a Netflix apresentava-se como um competidor de fenómenos como o Blockbuster, que não sentia a ameaça, assim como se viria a passar com outras empresas no futuro. É ainda curioso notar que, em 2000, Hastings viajou até Dallas para propor uma parceria com o Blockbuster, como nota Greg Satell num artigo publicado na Forbes em 2014. O objetivo seria a Netflix promover o Blockbuster no meio online, enquanto o segundo seguiria a mesma lógica, mas nas lojas físicas. John Antioco, então CEO do Blockbuster, não aceitou a ideia e, anos mais tarde, em 2010, a empresa abriu falência.

Antes disso, a Netflix manteve-se fiel aos seus valores. Como apresenta no seu site, em 1999 anuncia um serviço de subscrição para aluguer de DVDs, em 2000 um sistema de recomendação de filmes personalizado, e em 2005 já conta com 4,2 milhões de subscritores. A revolução chegou em 2007, quando introduz o serviço de streaming, permitindo assistir a filmes ou séries nos computadores pessoais. Depois disso, a empresa procura novos meios através de parcerias com empresas que viabilizam a sua presença em consolas (Xbox 360, PlayStation 3) ou outros aparelhos (iPad, iPhone), fazendo com que, a cada passo, estivesse mais perto da audiência cada vez mais fragmentada. Em 2016, o serviço ficou disponível em 130 novos países, perfazendo um

54 total de 190, e, por essa altura, a Netflix já produzira conteúdo próprio, como os casos de House of Cards ou Stranger Things, autênticos fenómenos à escala mundial – hoje, as produções da Netflix já valeram nomeações e prémios tão importantes quanto os Oscars, mais precisamente com Icarus, que venceu a categoria de Melhor Documentário em 2018, mas também a Hulu, com a série The Handmaid’s Tale, já foi nomeada para um Emmy.

Mas então, porque é que a Netflix conseguiu destronar o Blockbuster? Ainda segundo Satell no referido artigo para a revista Forbes, uma acentuada diferença passava pelo facto de o seu serviço da Netflix se basear em subscrição, ao contrário do Blockbuster, cujo aluguer era feito presencialmente e pago “à peça”. Ainda assim, o modelo da Netflix tinha também algumas desvantagens, como o facto de não ter espaço físico – os filmes chegavam às pessoas através de correio – ou até o tempo que um cliente teria que esperar para receber o disco em casa, não permitindo, acrescenta Satell, que alguém fizesse um aluguer no próprio dia. Mas muitos clientes mantiveram-se fiéis, fazendo chegar o nome da Netflix aos ouvidos de outras pessoas.

Outro pormenor que fez o Blockbuster perder terreno foi a taxa de aluguer que aplicava, que se tornava maior caso um cliente demorasse na entrega. Aliás, como explica Satell, a verdade é que grande parte dos lucros provinha deste aspeto. Do outro lado, estava a Netflix com um valor mensal para a subscrição. Daí, o então CEO John Antioco decidiu acabar com as multas que o Blockbuster aplicava aos clientes com atrasos na entrega de DVDs, investindo fortemente numa plataforma digital, que, no final de contas, trouxe ainda mais prejuízo. Mas já era tarde quando percebeu que uma ideia como a Netflix poderia transformar-se em algo tão viral.

Imagine-se, portanto, o sucesso da Netflix na atualidade, especialmente tendo em conta o enorme crescimento do lado digital na sociedade. Mas já aí vamos. Primeiro, é importante perceber a estratégia desta empresa que, como atrás referido, está disponível em 190 países, e, segundo dados da Statista, citados pelo site Business of Apps (Iqbal, 2018), tinha 137,1 milhões de utilizadores no terceiro trimestre de 2018. E, claro, já não estamos a falar de um serviço de aluguer de DVDs, mas antes de streaming.

55 Já vai atrás de nós o tempo em que os media não apostavam por completo na internet como meio, ainda que Mareike Jenner, em Netflix & the Re-invention of Television (2018), refira que muitos broadcasters utilizam as plataformas online como mera extensão. Nesse mesmo livro, a autora, que olha para a Netflix como um broadcaster transnacional, refere um pormenor importante que pode ser revelador do sucesso da empresa à escala mundial. Ainda que baseado nos Estados Unidos da América, este serviço tem escritórios por todo o mundo, atuando sob condições e contextos diferentes em cada país. O ponto mais simples é o facto de disponibilizar legendas e até dobragens em diferentes línguas, mas a empresa vai além disso, produzindo diferentes conteúdos nacionais – são exemplo disso a série espanhola La Casa de Papel, a brasileira 3% e, entre outras, a turca The Protector, produções que revelam a preocupação da Netflix em chegar a públicos específicos, mesmo que procure a atenção de espetadores à escala global. Há outro pormenor a referir na abordagem de Jenner, e este diz respeito ao número de utilizadores. Ainda que, como atrás referido, os números circundem os 140 milhões de espetadores em todo o mundo, a verdade é que a partilha de passwords pode significar que esse número seja muito maior.

No entanto, como seria de esperar, a Netflix teve de contar, ao longo da sua história como plataforma de streaming, com conteúdos de outros produtores para ser rica em programação, não se podendo submeter à possibilidade de os espetadores não terem um vasto leque de escolhas para seu deleite. Um exemplo disso é a série Friends, mas há casos que se têm tornado mais preponderantes para o futuro da Netflix e seus respetivos conteúdos. Antes de falarmos sobre estes, é de notar o caso da referida famosa série norte-americana, que foi originalmente transmitida entre 1994 e 2004, para perceber a importância de conteúdos de outros produtores para a Netflix: segundo o site Vulture (Adalian, 2018), o colosso do streaming pagou 80 milhões de dólares para ter os direitos de transmissão de Friends por mais um ano, até o final de 2019.

E afinal, não nos podemos esquecer que uma das grandes vantagens deste serviço é, segundo Jenner (2018), a oportunidade de um espetador consumir, durante o tempo que bem lhe apetecer, a série, filme ou documentário que mais satisfaz o seu desejo.

56 Trata-se de uma real aproximação ao consumo individualizado que acontece nos dias de hoje, sendo que o Netflix dá também acesso a alguma personalização, concretamente através do seu algoritmo, que sugere séries consoante as escolhas do indivíduo na plataforma.

E além de competidores como Amazon ou Hulu, é de notar as recentes decisões da Disney. Segundo Gady Epstein no artigo “Perseguição Infernal” da revista The Economist, publicado na Courrier Internacional de abril de 2018, “há alguns anos, os responsáveis da Disney quiseram que a empresa adquirisse a Netflix, que na altura era bastante mais acessível do que hoje. Mas os poderosos do grupo continuavam a olhar para a Netflix como um parceiro e distribuidor, e não como um concorrente em matéria de conteúdos”, à imagem do que aconteceu com o Blockbuster – felizmente para a Disney, esta “é das poucas marcas mundiais com as costas suficientemente largas para propor uma oferta alternativa viável”. No entanto, e infelizmente para a Netflix, esta vai deixar de transmitir conteúdo da Disney em exclusivo – leia-se filmes e séries de marcas como Pixar e Marvel – um número que pode chegar a 20% da totalidade do seu conteúdo, que não chega apenas através da empresa do rato Mickey, mas também de nomes como Sony e até HBO (Molla, 2018).

Independentemente da competição iminente, que iremos analisar no próximo subcapítulo, a Netflix está numa boa fase. Outra empresa num momento positivo é a Amazon que, segundo John Landgraf, citado por Epstein (2018), assim como a Netflix, já “leva avanço entre os consumidores de streaming”, o que pode fazer com que outras empresas sintam “dificuldades em recuperar o atraso”. Afinal, como é apresentado na página 44 da Courrier Internacional de abril de 2018, a Netflix não cessa em procurar novos trunfos, como um talk-show com o famoso apresentador de televisão David Letterman.

É ainda importante referir a influência de fenómenos como a Netflix nos padrões de consumo da sociedade, especialmente no que diz respeito a entretenimento. Segundo João Matos (2018), são cada vez mais os utilizadores que dão prioridade às suas próprias escolhas, à opção de serem eles a escolher o programa e a hora. Trata-se de uma individualização e personalização do consumo, algo que já vinha a acontecer em

57 consumidores de plataformas como YouTube. Já em Television Studies (2012), por exemplo, Jonathan Gray e Amanda D. Lotz referem o aparecimento de DVDs ou DVRs como aparelhos que tiveram, desde logo, impacto no tipo de consumo de um utilizador, significando isso que muitos deixaram de fazer parte de um “fluxo” de comunicação em que existe uma relação assimétrica. Mas o fenómeno de broadcasting como o conhecemos, de um-para-muitos, nunca deixou de existir.

4.2.1. Competição em massa

Numa era em que até a música é consumida, em grande parte, via streaming – neste caso, o Spotify lidera a corrida com cerca de 191 milhões de utilizadores por mês, segundo o site Business of Apps (Iqbal, 2019) – e até mesmo os videojogos, com a Google a preparar um serviço de jogos alojados no online (Murphy Jr., 2019), também as grandes empresas, especialmente produtoras de conteúdo como Disney, querem agora entrar em força neste meio. Além da Netflix, há Amazon (com Amazon Prime), Apple, Disney e Hulu, entre outros, a oferecer o mesmo tipo de serviço, mesmo que com ligeiras diferenças na sua abordagem. Afinal, num país tão pequeno quanto Portugal, dados de 2018 da Marktest revelam que “mais de dois em cada cinco portugueses tem este hábito” de ver séries, filmes e documentários online, um total de 22,6% do universo analisado. “Mas, se analisarmos o universo dos mais jovens, até aos 34 anos”, acrescenta o estudo, “esta taxa sobe para 54,2%”. Outro estudo da Marktest, centrado em sites de TV, mostrou ainda que, em dezembro de 2018, a Netflix estava em segundo lugar “em tempo despendido” pelos utilizadores, também na segunda posição a nível de visitas ao seu site, e em terceiro lugar no que diz respeito a pageviews (número de visitas por página), o que acaba por ser revelador da imponência deste serviço de streaming à escala mundial.

Olhe-se, por exemplo, para o caso da Amazon, que adquiriu, por um astronómico valor de 250 milhões de dólares, os direitos para criar uma série televisiva da famosa saga O Senhor dos Anéis, livro de J. R. R. Tolkien que foi adaptado para o cinema entre 2001 e 2003, tornando-se num dos fenómenos mais rentáveis da sétima arte. Segundo notícia assinada por Ilana Kaplan no jornal britânico The Independent (2018), além do valor gasto em direitos, estima-se que a série tenha um orçamento de mil milhões de

58 dólares. Mil milhões de dólares destinados a uma série que será, independentemente do aparelho escolhido pelo utilizador, transmitida via streaming. Assim como Netflix ou Hulu, no entanto, isto não significa que a série será visualizada num computador. Afinal, também os mais recentes modelos de televisão (Smart TVs) permitem ter aplicações instaladas que, com acesso à internet, levam estes serviços até o ecrã de nossas salas – e, claro, também as nossas consolas, telemóveis ou tablets estão aptos para consumir este tipo de programação, também através de aplicações.

Apesar de Amazon e Hulu estarem nisto há mais tempo – ambas já foram galardoadas com Emmy, reconhecidos prémios da indústria televisiva – os casos da Apple e Disney têm-se tornado mais atraentes com as recentes apostas e investimentos. Isto não se deve apenas à quantidade e possível qualidade dos conteúdos em que pretende apostar, mas também ao facto de promover a competição dentro deste mundo de streaming. Comecemos por falar na Apple que, mesmo entrando tarde na corrida, tem o poderio necessário para não ficar nos últimos lugares. Nesse sentido, a visão de Ben Thompson, publicada no seu site Sratechery, é bastante interessante: em 2016, o analista americano explicou porque é que a Apple deveria adquirir a Netflix; no final de 2017, no entanto, apresentou argumentos contrários à sua posição inicial, centrando- se essencialmente nos factos de a Netflix estar mais valorizada, de a própria Apple estar numa melhor posição, e ainda da ameaça de novos competidores, como a Disney.

Recentemente, em março de 2019, a Apple finalmente anunciou os planos para a sua plataforma de streaming, a Apple TV+ – não confundir com Apple TV, aparelho que serve como uma "box” para ligar à televisão. Em poucas palavras, poderíamos referir apenas uma pessoa que estará presente nesta plataforma para exemplificar o quão importante é esta aposta para a empresa fundada por Steve Jobs: Oprah Winfrey. A empresa assinou um contrato plurianual com a famosa apresentadora de televisão e, apesar de, à data, estar apenas confirmada para participar na produção de dois programas documentais, este nome sonante é revelador da dimensão que o mundo do streaming tem nos dias de hoje – trata-se de um nome tão importante que ficou responsável por encerrar a conferência de apresentação da Apple TV+, onde revelou

59 os seus planos iniciais. Mas a Apple anunciou muitos outros nomes que vão criar séries, filmes ou documentários em exclusivo, e os colossos do cinema Steven Spielberg, M. Night Shyamalan e J. J. Abrams são apenas três desses.

Nesta aposta da Apple, há um comportamento invulgar a referir. No comunicado de imprensa em que a empresa revela a Apple TV+ como a “nova casa para os criadores de histórias mais criativos do mundo” (Apple, 2019), é explicado que esta nova aplicação une diferentes meios para descobrir, mais do que apenas séries e filmes, notícias ou desporto através de dispositivos "smart TVs”. Neste projeto, pode-se ainda subscrever a canais “à la carte”, como a própria marca explica, além de incluir acesso a serviços populares como “HBO, Starz, Showtime, CBS All Access”, entre outros – numa das imagens disponibilizadas, é possível ver que irá incluir desporto em direto. Mais ainda, e além do já referido conteúdo exclusivo, a Apple acrescenta nesse comunicado que a nova aplicação não se vai cingir a sugerir conteúdo próprio, sendo que, dependendo dos gostos do utilizador, a Apple TV+ sugere também programas de mais do que 150 aplicações de streaming, como as referidas Amazon Prime e Hulu. Com isto – e sem esquecer que estes são apenas os primeiros pormenores deste novo serviço – a Apple aparenta querer estar presente em força na casa dos seus utilizadores, sem que isto signifique estar limitado às ofertas exclusivas que, segundo o anúncio, estarão disponíveis em formato on-demand.

A relevância da Disney para este subcapítulo não se deve apenas ao facto de uma empresa tão grande e poderosa estar a entrar no mundo do streaming, mas deve-se também às movimentações e estratégias que tem tomado nesse sentido. Em primeiro lugar, já é conhecido o valor da subscrição, 6,99€, um euro mais barato do que o pacote mais básico da Netflix, sendo que a criação de conta na plataforma Disney+ permite sete utilizadores distintos (Dias, 2020). Além disso, a Disney vai fazer renascer séries a que tem direito e que foram canceladas na Netflix, mais precisamente da Marvel, além de conteúdos de Star Wars – é importante relembrar que a Disney detém marcas como Pixar ou Lucasfilm (Star Wars) e, numa outra área, a ESPN, conhecido canal desportivo norte-americano, mas este deve estar apenas disponível nos Estados Unidos da América. Como se lê em comunicado no seu site oficial, e este é um ponto

60 importante, a Disney adquiriu a 21st Century Fox, o que significa que vai estar apta para oferecer conteúdo mais apelativo, assim como irá expandir a oferta para os consumidores, com ESPN+ para fãs de desporto ou a plataforma de streaming, referida como on-demand, a marcar o anúncio. Mais ainda, esta compra significa que a Disney e a 21st Century Fox ficam com 60% da Hulu, uma importante empresa neste tipo de serviços que, como anteriormente referido, conta com séries como The Handmaid’s Tales no seu catálogo.

Não podemos adivinhar o futuro da Disney, e o mesmo se pode dizer de Netflix, Amazon ou Apple, especialmente tendo em conta que se trata de uma competição. A iminência destas plataformas é incontornável – por exemplo, em 2019, a Vodafone dedica grande parte dos seus spots publicitários à HBO Portugal, serviço que integra a sua oferta enquanto provedor de televisão, telefone e internet, e que permite assistir ao fenómeno televisivo Game Of Thrones ao mesmo tempo em que é transmitido nas televisões do país de origem, os Estados Unidos da América. Mas como diria John Landgraf, responsável pela FX (canal da Fox), citado por Gady Epstein no The Economist, podemos dizer que estamos perante um “pico da televisão”. E não se trata de uma televisão por cabo ou satélite; trata-se de uma televisão que precisa de ligação à internet. No fundo, é esta grande procura por conteúdos on-demand, como aqueles oferecidos pela Netflix, que faz com que os media tradicionais façam esforços por ter uma oferta desse tipo, acessível em qualquer hora e lugar.

4.3. A presença dos media tradicionais na internet

Os meios tradicionais sempre se mantiveram distantes do novo meio, muitas vezes por medo de perder a audiência – que desde o tempo do VHS veio a diminuir – mas, como referido no subcapítulo anterior, a verdade é que a televisão, por exemplo, tentou incorporar elementos típicos da internet, como o fator da participação, tentando fazer com que os espetadores também tivessem alguma voz nos programas televisivos. Por outras palavras, uma televisão interativa, como explicam Gali Einav e John Carey em Television Goes Digital (2008), devido a fatores como o advento do broadband – ou uma ligação mais rápida à internet, levando também aos utilizadores a ficarem mais

61 acostumados – ou o número de computadores a aumentar, que levou a um aumento da participação em tempo real nos programas de televisão – isto, claro, sem referir o aumento e melhoramento de dispositivos e até da sua portabilidade.

No entanto, nenhum fator dessa aproximação fez com que a internet abrandasse o ritmo. Chegou uma fase em que a televisão admitiu a derrota, começando a mudar a sua abordagem no novo meio online. A migração para o digital, abordada no subcapítulo 3.3, ajudou a abrir as portas para tudo isto. Se outrora podíamos ter acesso apenas a algum conteúdo, hoje isso é diferente – os canais de televisão nacionais, por exemplo, disponibilizam as suas emissões na íntegra através dos seus sites na World Wide Web. Ainda segundo Einav e Carey em Television Goes Digital (2008), vivemos numa era em que se consome muita televisão e, além do cabo ou satélite, através de aparelhos como portáteis ou consolas de videojogos. Os meios tradicionais têm vindo a perceber isso cada vez mais, sendo que têm abraçado as novas oportunidades e um fator de que muito se fala nos últimos tempos, a convergência.

Essencialmente, a convergência diz respeito a uma passagem do conteúdo dos meios tradicionais também para a web, como afirmam Einav e Carey, acrescentando que, no fundo, estar em múltiplas plataformas é um método para lutar contra a fragmentação da audiência, que é uma das grandes preocupações de entidades como um canal de televisão. Neste referido capítulo de Einav e Carey em Television Goes Digital (2008), cujo título se baseia numa famosa frase de Friedrich Nietzsche – neste caso questiona- se se a televisão está morta – os autores afirmam que, seja através de DVR ou streaming, todas estas novas formas de ver televisão são legítimas. Em Television Studies (2019), livro em que Jonathan Gray e Amanda D. Lotz abordam, entre outros tópicos, o impacto do fenómeno Netflix, os autores não só afirmam que a televisão não é nada sem audiências, como também que o público é imprevisível e difícil de localizar. Não será, então, uma boa opção um meio clássico estar também presente nos novos?

Como observado ao longo do início deste capítulo, a resposta a essa questão parece ser afirmativa. A televisão e a rádio foram os meios de massas responsáveis por levar o

62 desporto, a música ou as notícias até os lares (Dominick, 2005), mas a internet, ainda que anos mais tarde, tomou esse papel com distinção, permitindo aceder a qualquer tipo desses conteúdos. No final de contas, se anteriormente a capacidade e qualidade dos equipamentos poderiam influenciar o consumo através dos novos meios, mas, ainda assim, havia um vasto número de espetadores, então hoje, com o constante avanço tecnológico, há cada vez mais e melhores possibilidades para consumir televisão fora do aparelho clássico.

Na academia, inclusivamente por autores já citados, muitos apontam para a passividade de broadcasters face ao online, mas muitos desses estudos estão já ultrapassados. Hallvard Moe, por exemplo, na sua tese de doutoramento, datada de 2008, ainda se mantém atual em vários aspetos, como é caso de afirmar que broadcasters sem serviço público têm tendência para uma oferta mais limitada, o que se verifica pelo menos em Portugal. Olhe-se, por exemplo, para o facto de a SIC, embora tendo um website com essa função, não ter uma aplicação dedicada a transmissões para dispositivos móveis, ao contrário da RTP. A TVI tem aplicação para o seu TVI Player, mas apenas para iOS e Android, excluindo-se assim aplicações nativas para Apple TV e AndroidTV. Esse mesmo autor, baseando-se em Miháli Gálik, Gustavo Cardoso e Rita Espanha, apontou seis estratégias típicas de broadcasters na web: 1) uma função predominante de informação, com uma identidade típica de redações online; 2) informações complementares de programas em broadcast, com informações mais profundas; 3) um guia eletrónico que promove broadcasts, com o objetivo de levar mais espetadores para estas emissões; 4) o conteúdo televisivo é principalmente de arquivo audiovisual; 5) um portal institucional que oferece informação institucional, tocando também na programação; 6) uma rede interativa que oferece serviços inovadores, incluindo notícias, chats e jogos, com o objetivo de criar interatividade entre audiências e programas em broadcast. Pouco mais de 10 anos depois, muitas destas características mantêm-se presentes, mas hoje há também um foco na transmissão de conteúdos em direto e em diferido, como aliás todos os canais portugueses comprovam no seus respetivos sites.

63 Muitos dos tópicos atrás referidos, acabam por abordar mais o conteúdo televisivo como um todo do que o fenómeno de broadcasting, que diz respeito a um emissor a comunicar para uma multiplicidade de espetadores numa relação assimétrica (McQuail, 2003) – não obstante, como anteriormente referido, os canais de sinal aberto portugueses, assim como estrangeiros, têm as suas emissões disponíveis na íntegra através dos seus sítios na web. Ainda assim, como no caso da RTP, também o on-demand faz parte das apostas dos meios tradicionais na web – uma análise rápida ao site do serviço público de rádio e televisão mostra, dentro de “Programas”, a opção de recuarmos no tempo, bem ao estilo das boxes que, a certa altura, tomaram conta das casas dos espetadores. E isto, claro, não é algo que se vê apenas em Portugal – Estados Unidos da América (NBC, CBS...), Espanha (RTVE) ou Reino Unido (BBC) são alguns exemplos, mas há também muitos outros.

Nesse sentido mais direcionado para o lado on-demand – ou seja, a possibilidade de um espetador escolher a sua própria programação a qualquer hora – falámos sobre o advento do mundo do streaming, não só a partir do incontornável Netflix, mas também das entidades que entram agora na competição.

4.4. Transmissões ao vivo online

É importante notar que, na sua essência, alguns dos casos anteriores não vão ao encontro de uma comunicação de massas típica de broadcasting, mas antes de uma individualização e personalização do consumo – de referir, autores como Eli Noam, no livro Television Goes Digital (2008), consideram esta televisão “interativa” como a nova etapa da televisão, sendo a sucessora da televisão digital que substituiu a analógica. No entanto, existem casos que revelam a existência de broadcasting no online. Um deles é o fenómeno dos esports, termo que, segundo Wagner (2006), surgiu em 1999, dois anos depois de ter sido criada a Cyberathlete Professional League (CPL), uma importante liga deste mundo dos desportos eletrónicos. Este fenómeno diz essencialmente respeito a competições baseadas em jogos de computador ou consola em que há já uma profissionalização dos seus atletas, assim como diferentes agentes, marcas e entidades envolvidos – como por exemplo a RTP Arena, o site e magazine de

64 esports do serviço público de rádio e televisão em Portugal, ou até a Sport TV, que arrancou recentemente com programação de esports (Petiz, 2020).

Numa peça intitulada Video gamers v couch potatoes (2019), no The Economist, onde é referido o provável crescimento contínuo do mundo dos esports a nível de receitas, lê-se que o videojogo Fortnite, em fevereiro de 2019, combinou os esports ao entretenimento através de um espetáculo (virtual) com Marshmello, reconhecido DJ à escala global, que levou mais de 10 milhões de jogadores a assistirem à performance em tempo real. Mas este evento é apenas um pequeno exemplo para a dimensão dos esports, que constantemente atraem milhões de espetadores, especialmente quando se trata de torneios e competições, tanto em jogos como League of Legends (LoL) ou Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), muitas vezes através da plataforma de streaming Twitch, empresa detida pela Amazon, ainda que existam também casos de transmissões no Facebook ou YouTube, dependendo de quem detém os direitos de transmissão.

Para exemplificar melhor, olhemos para o exemplo do campeonato do mundo de LoL, o League of Legends World Championship. De acordo com dados citados pela publicação online Dot Esports (2019), que compara os números do campeonato mundial de League of Legends ao Superbowl, a final de LoL atingiu, em 2018, 99,6 milhões de espetadores em todo o mundo, enquanto a mais famosa competição de “um dos desportos mais populares” nos Estados Unidos da América, o futebol americano, atingiu os 103 milhões. São duas realidades diferentes, mas o facto é que cerca de 100 milhões de pessoas em todo o mundo assistiram à final daquele que é um dos desportos eletrónicos mais requisitados – significando, no fundo, que “muitos” espetadores receberam a transmissão de “um” emissor. Existem outros exemplos dentro do mundo dos esports, como os 195 milhões de espetadores ao longo do torneio de CS:GO IEM Katowice 2019 (ESL, 2019), mas a verdade é que o online começa também a ser meio para a transmissão de desportos tradicionais.

Em primeiro lugar, basta uma ligação à RTP Play para, caso determinado jogo esteja a ser transmitido num canal da RTP, assistir a desporto através da aplicação ou site. Mas vamos mais longe. No Brasil, por exemplo, “a paisagem latina do streaming é

65 dominada pela Netflix ‘que absorve 62% do mercado’”, segundo dados disponíveis na Courrier Internacional de abril de 2018, mas, “perante esta concorrência”, surgiram apostas de entidades como a Esporte Interativo, “cadeia de televisão” que lançou, em 2014, o Esporte Interativo Plus, plataforma que “já conquistou 2,7% do mercado, e transmite os jogos da Liga dos Campeões em direto e em diferido”.

Já em Portugal, o recente caso da Eleven Sports é um exemplo a referir. Atualmente disponível nos diferentes provedores de televisão – NOS, Meo, Vodafone e Nowo – este canal televisivo está a desafiar a forma como o desporto ao vivo é “empacotado e entregue”, como se lê no site oficial. Segundo notícia do Diário de Notícias, citada por João Matos (2018), o autor nota que o serviço de streaming cresceu em “mil por cento, em apenas 24 horas” quando um jogo do Sport Lisboa e Benfica para a Liga dos Campeões foi emitido em exclusivo por esta entidade – de referir, por essa altura a Eleven Sports estava presente apenas no provedor Nowo, uma “operadora relativamente residual no mercado do cabo”. Em dezembro de 2018, por exemplo, juntou-se à liga principal de futebol na Alemanha, a Bundesliga, para transmitir um jogo de futebol no Facebook, mais precisamente o derby entre Borussia Dortmund e Borussia Mönchengladbach (Lopes, 2018). Mas mais do que transmitir em plataformas de terceiros, a Eleven Sports tem o seu próprio site – além do canal televisivo nos países em que está presente – onde se lê que a Eleven Sports chega até onde quer que os utilizadores estejam pois, afinal, é uma plataforma OTT (over-the-top), o que essencialmente significa que não utiliza cabos, mas antes a internet como meio para transmitir o seu conteúdo.

E isto, claro, sem referir plataformas como Facebook ou YouTube e seus respetivos esforços para ser uma opção em que utilizadores individuais ou coletivos, como uma marca ou um meio de comunicação social, podem fazer emissões em direto, vulgos live. Como se não bastasse, começa a estar cada vez mais presente a noção de que broadcasters televisivos de todo o mundo, da portuguesa RTP à britânica BBC, a passar pela sueca SVT ou a italiana RAI, utilizam hoje a internet como meio para as suas transmissões televisivas, em direto e em diferido. Aliando isto a pormenores anteriormente mencionados ou ao facto de, entre outros, a Disney estar também

66 presente “guerra” streaming, o broadcasting online, ainda que eventualmente em pequena escala quando comparado a um meio clássico, parece ser uma realidade inevitável e que continuará a crescer nos próximos tempos.

4.5. O estado atual

Ainda que já tenhamos abordado a influência do advento da internet e de plataformas como a Netflix para os meios clássicos, é importante chegar a uma conclusão acerca da situação em que nos encontramos. Em primeiro lugar, o já referido fator de os meios tradicionais estarem, hoje, bastante mais presentes no online, ao contrário da sua posição inicial. E não se trata apenas de apostar num lado on-demand, “à la carte”, mas também de disponibilizarem as suas emissões na íntegra. Esta posição é fulcral para estes meios – afinal, como Lotz e Gray (2012) explicam, estamos diante uma audiência fragmentada, tornando impensável que um canal de televisão, por exemplo, não esteja ao alcance de um espetador que utilize a internet como o seu principal meio. Esses mesmos autores referem ainda que se tem cometido um erro nos estudos televisivos, pois o foco recai sempre sobre a produção e não sobre a distribuição, que acaba por ser o grande tópico desta dissertação.

Em parte, a audiência está fragmentada por fenómenos como a Netflix, mas é certo que há outras razões além desta plataforma. No fundo, já a internet havia tido impacto na forma como os utilizadores consomem televisão. Em The Dynamics of Mass Communication (2005), Joseph R. Dominick não deixa de referir a influência da “revolução digital” que houve nos meios tradicionais, que começaram a armazenar e transmitir informação de novas e melhores maneiras, assim como o facto de os novos meios não substituírem os velhos. Nesse sentido, basta observar que as televisões continuam nos lares, assim como o conteúdo televisivo mantém-se, na sua essência, o mesmo. Repare-se, no entanto, na posição da RTP, mais precisamente em relação à sua plataforma RTP Play:

“Transformar o RTP Play, criando uma nova plataforma de disponibilização de conteúdos na TV, tipo “Netflix, Foxplay”, para fazer chegar os conteúdos RTP a

67 públicos que preferem outras formas de consumo que não o linear.” in Projeto Estratégico RTP 2018/2020

No início deste capítulo 4, foram também mencionadas as apostas em aplicações de streaming por parte de entidades tão distintas quanto NOS, um provedor de comunicação, e SportTV, um canal de televisão. Através destas, um utilizador pode ser um dos vários recetores – tal como os espetadores de uma televisão tradicional – de um grande emissor, fazendo assim parte de uma fórmula de comunicação assimétrica (McQuail, 2003), típica do broadcasting. Existem outros aspetos que são prova da situação atual dentro deste mundo. Um deles – e, como habitual noutras tecnologias, cada vez mais presente – é o novo tipo de televisões que têm surgido, as Smart TVs. Resumidamente, como apresentado no site Tom’s Guide por Brian e Quain (2019), uma Smart TV é mais inteligente do que uma televisão regular, que apenas recebe sinal de uma antena, cabo ou de outra fonte audiovisual, oferecendo uma ligação à internet e, acima de tudo, a possibilidade de instalar aplicações. Isto significa que podemos aceder a serviços de streaming, como Netflix ou RTP Play, através de um dispositivo que, à partida, tem mais capacidades tecnológicas do que um computador, mais acentuadamente a qualidade da imagem. Antes destas televisões, ainda assim, já existiam formas de ligar aplicações a uma televisão enquanto aparelho – como é caso do Google Chromecast, que permite uma ligação de dispositivos como telemóveis para as televisões, ou das boxes Apple TV e Android TV, um pequenos dispositivos que se podem ligar à televisão e que permitem ter acesso a um sistema operativo que permite instalar aplicações, por exemplo.

Na sua dissertação de mestrado intitulada A Netflix e as novas formas de fruir e consumir os conteúdos televisivos em Portugal (2018), João Matos, “através de uma amostra reduzida”, nota como “o papel da televisão nos agregados domésticos que aderiram à Netflix se alterou de forma significativa, não só ao nível do consumo de conteúdos televisivos, mas fundamentalmente ao nível da organização desse consumo nos próprios agregados”, acrescentando que se verifica hoje um consumo mais individualizado onde “o televisor foi abandonado como plataforma principal”. Apesar de notar que muitos destes consumidores já eram fãs de conteúdos como séries ou

68 filmes, nota também que os mais novos, “abaixo dos 25 anos”, rejeitam a televisão linear, procurando um “visionamento mais individual e privado”, enquanto os indivíduos acima dos 35 anos estão numa “fase de transição”. É principalmente abordado um lado on-demand, mas, ainda assim, o facto de as gerações mais novas demonstrarem mais interesse por estas plataformas pode ser relevador que as continuar-se-á a priorizar o streaming como meio de consumo. Recentemente, um estudo da Marktest (2020) revelou que em Portugal houve, pelo menos, 800 mil novos subscritores entre fevereiro e abril, perfazendo mais de 2 milhões de utilizadores.

Não obstante, este estudo aborda o fenómeno de broadcasting, o que significa que existe uma transmissão em direto, uma “distribuição e recepção em grande escala”, um “fluxo unidirecional”, uma “relação assimétrica” “impessoal e anónima”, como refere Denis McQuail (2003), ou outros autores, em relação ao “processo de comunicação de massas”. Aqui, queremos perceber como a internet é, hoje, algo impensável há uma série de anos: um meio para o broadcasting. Parece difícil que um utilizador opte pela internet para aceder a canais generalistas, por exemplo, ainda que possa acontecer, mas isso pode vir a mudar nos próximos anos. Se plataformas como Netflix ou Disney+ singrarem nas nossas Smart TVs enquanto aplicações, podemos vir também a optar por aceder aos meios tradicionais nas nossas televisões através das suas aplicações – como a RTP Play, que pretende estar cada vez mais presente, segundo a estratégia da própria marca para o período entre 2018 e 2020.

No segundo capítulo desta dissertação, falávamos da internet como sendo um meio de comunicação de um-para-um, passando depois para os meios tradicionais, tipicamente de um-para-muitos. De novo voltados para a internet, verifica-se que existe também muita comunicação de um-para-muitos neste novo meio, ainda que não deixem de existir momentos em que acontece comunicação de um-para-um. Como referido em Speaking Into The Air (2001), a rádio foi desenhada como um meio de um-para-um, contrário ao conceito de “comunicação de massas”, que pretendia, inicialmente, audiências participativas, mas rapidamente se tornou, já nos anos 20 e 30, um meio “em direto”, na já referida relação assimétrica. Também a internet está a mudar, como apresentado anteriormente, e fatores como a crescente competitividade entre as

69 plataformas de streaming ou o aparecimento de Smart TVs fazem prever um constante aumento do número de utilizadores neste novo meio, que consomem tanto em formato on-demand como live – seja na televisão com ligação à internet ou num computador. Afinal, como referido no subcapítulo 4.2.1., “mais de dois em cada cinco portugueses” já tem por hábito consumir programação através dos novos meios, e, segundo a Netflix na sua visão sobre o futuro da televisão, disponível no seu site dedicado a investidores (2019), a televisão linear tornar-se-á no telefone fixo, algo afastado do “mainstream”, sendo substituída pelo entretenimento na internet, que é fomentado pelo aparecimento de novas aplicações, pela evolução de fatores como os dispositivos (Smart TVs ou smartphones) e pela rápida inovação, como streaming em 4K. Ainda segundo a Netflix, é possível que os agregados familiares comecem a adquirir apenas serviços de internet, ignorando os serviços tradicionais como a televisão, mas só o futuro dirá se isto passará a ser norma. De acordo com João Carlos Correia no livro A Televisão Ubíqua (2015), a evolução da televisão on-demand “evoluirá até ao ponto em que o utilizador criará um portal de televisão customizado onde poderá agregar uma multiplicidade de ofertas como YouTube, Netflix e HBO”. E por que razão não se pode incluir também, nesse “portal”, uma oferta que dá acesso a televisão em direto?

5. Estudo de caso: RTP Play

5.1. Breve contextualização da RTP

Falar da história da RTP é, no fundo, falar sobre a história da rádio e da televisão em Portugal. Aliás, segundo o site oficial, “a RTP tem um riquíssimo e inigualável património audiovisual (sons e imagens), que se confunde com a história de Portugal”. De acordo com esse mesmo site, as primeiras emissões regulares de rádio no país aconteceram em 1935. Só cerca de 20 anos mais tarde, a 7 de março de 1957, é que começaram as primeiras transmissões televisivas, num país que viu este meio nascer quase duas décadas depois da BBC, no Reino Unido, e de outras televisões de serviço público na Europa (Carneiro, 2006).

70 No site oficial, a RTP aponta algumas datas marcantes na sua história, além dos já referidos anos 1935 e 1957. Entre essas está a primeira ida à Lua, em 1969, momento transmitido pela RTP, o início das emissões da RTP Internacional em 1997, a criação da RTP online em 1997 e, entre outras, o momento em que “a Rádio, Televisão e Online da RTP fundem-se numa só empresa e nasce a Rádio e Televisão de Portugal”, em 2003. Esse foi um marco importante na história deste provedor de serviço público, como iremos abordar mais à frente.

Por iniciativa do Governo, o primeiro passo da televisão pública foi em 1955. Foi por essa altura que se constituiu a sociedade anónima RTP – Rádiotelevisão Portuguesa, S.A.R.L. – formada pelo Estado, emissoras privadas de radiodifusão e instituições bancárias – que, segundo Manuela Carneiro (2006), foi resultado de “três anos de trabalhos de instalação da rede de televisão e de pesquisas iniciadas em 1952”, muitas vezes com desencorajados “por alguns despachos do Ministério da Presidência e da Comunicação”. Mas “apesar das reticências do Estado Novo em relação a este meio de comunicação que não agradava particularmente a Salazar”, 1955 é o ano em que o Governo finalmente permite a “exploração do serviço da televisão em todo o território português”.

É sabido, ainda assim, que um meio público como a televisão pode não ser apenas um veículo de informação, mas também um “instrumento de propaganda política”, notando-se, neste caso, que “tudo que era transmitido era controlado pelo Estado Novo” (Barôa, 2010). E no caso da RTP, foram 35 anos de televisão estatal exclusivos. Só em 1992 e 1993, com o aparecimento da Sociedade Independente de Comunicação (SIC) e da Televisão Independente (TVI), respetivamente, é que este monopólio foi obrigado a fazer “mudanças no estilo de informação e programação”, conforme explica Barôa (2010).

Citado por Manuela Carneiro (2006), Adriano Duarte Rodrigues refere que “a competição que se gerou entre as televisões pode ser encarada de uma forma ambivalente” – “se para uns é considerada como um fator de maior independência em relação ao poder político, outros entendem que se criou uma nova dependência, desta

71 feita em relação ao mercado”. Sendo assim, “além do poder político”, menciona Carneiro, criou-se uma “segunda dependência”, tornando a RTP “refém do mercado”.

Em 2003, com Durão Barroso a atuar como primeiro-ministro no Governo – este havia prometido uma “mudança de cara” da TV pública – veio “uma renovação sem precedentes”, explica Carneiro (2006). Nessa altura, a RTP vivia tempos de crise, concretamente pormenores como uma efetiva falta de identidade, problemas na estratégia e, mais preocupante ainda, uma “situação de falência técnica”. Como remata Carneiro, este foi um ponto de viragem importante – a partir daqui, “apesar do compromisso com o serviço público, a ‘Nova RTP’ surgiu mais sedutora, com uma imagem renovada, moderna, de uma televisão voltada para o futuro”. Afinal, “o facto de ser serviço público não quer dizer que a RTP tenha de se pôr à margem do progresso tecnológico, das mudanças sociais ligadas aos modos de produção e consumo”, explica ainda a autora da dissertação O serviço público de televisão e a informação regional (2006).

Apesar da crise que a RTP viveu, foi o primeiro meio a registar o seu domínio na world wide web, em 1993, cinco anos antes de lançar o site. Mais ainda, Francisco Cádima (2019) chega mesmo a referir que, “pouco após o início da atividade da RTP online, havia já na empresa pública uma clara consciência dos desafios do digital”, visível através “dos múltiplos projetos em que a empresa está e esteve envolvida”. E de facto, no seu site, a RTP apresenta-se como “pioneira em diversas áreas e tecnologias, com uma cada vez maior e efetiva oferta multiplataforma, transversal, com tónica em soluções de interatividade, apostando permanentemente em formatos diferenciados”.

5.2. A RTP no online

No site oficial, pode ler-se que esta “pioneira na área das novas tecnologias” quer e “dá resposta às necessidades cada vez mais específicas e exigentes do seu público”. Também por isso, 14 anos depois da criação da RTP online, foi lançado o RTP Play, serviço que integra a oferta desde 2011 e que é base para o capítulo 5. desta dissertação. Segundo palavras da empresa, que se afirma como a que tem a “oferta mais diversificada”, este é um “serviço pioneiro para visualização e escuta de emissões

72 online bem como de programas em on-demand”, tanto através do website como das aplicações para dispositivos como smartphones.

No site principal, podemos encontrar várias categorias, de “notícias” a “desporto”, passando por “televisão”, “rádio” e “arquivos”, entre outras. No fundo, funciona como um ponto central para todo o universo RTP. Há muito por explorar no site, como é caso do RTP Lab, “um laboratório criativo e experimental, com novas formas de produção de conteúdos, pensadas numa lógica multiplataforma”, ou o lado “institucional”, que reúne espaços como o “RTP Ensina” ou o “Museu RTP”. Todos estes pormenores reafirmam a RTP como “universo rico e diversificado de marcas de televisão, rádio e online, sendo uma referência cultural para todos os portugueses”.

“Na sua missão de serviço público assume relevância pela qualidade e diversidade da oferta, tanto na rádio como na televisão, bem como nos conteúdos que disponibiliza online”, lê-se no site. E como abordou Hendy em Public Service Broadcasting (2013), é expectável que um serviço público vá ao encontro das exigências do seu público. Por isso, veem-se nascer projetos como o RTP Palco, dedicado às artes performativas, ou a RTP Arena, cuja atenção é os esports, mundo já abordado nesta dissertação.

Mais ainda, vivemos na era das redes sociais e, hoje, é praticamente indissociável para uma empresa ter uma presença online. Por isso, é de esperar que a RTP esteja presente nos diferentes meios, como aliás se comprova ao fazer uma breve observação. Olhando para a homepage do site rtp.pt, encontram-se links para as seguintes redes: Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e Flickr. Além disso, é importante notar que a RTP não conta apenas com um perfil nestas redes sociais. Por exemplo, estações de rádio como Antena 3 ou o canal televisivo RTP2 têm as suas próprias páginas em redes como Facebook, YouTube e Twitter; programas como “” também; assim como projetos como RTP Arena, RTP Palco e o próprio RTP Play têm contas únicas.

Entre outros exemplos, a aposta no YouTube é de referir. Olhe-se, por exemplo, para os canais dedicados aos programas de entretenimento “ Portugal” e “Got Talent Portugal”. Ciente de que esta é uma plataforma onde muitos utilizadores

73 disponibilizam vídeos dos quais não têm direito, a RTP carrega muito conteúdo para este e outros canais que gere no YouTube, como o dedicado ao programa “5 Para a Meia Noite”. Em primeiro lugar, isto garante ao utilizador a possibilidade de visualizar conteúdo com a melhor qualidade possível, ao contrário do que aconteceria com ficheiros pirateados. Depois, evita tração para fontes não oficiais, e, além disso, é uma forma de chegar à audiência espalhada pelos diferentes meios, a fragmentação de audiências que se vive hoje, já referida neste estudo. Isto sem esquecer que muito ou todo o conteúdo está também no RTP Play, claro.

A título de curiosidade, podemos olhar para alguns dos números que marcam a vasta presença da RTP no online, nomeadamente de plataformas em que esses valores são facilmente observáveis, como Instagram e YouTube. No dia 25 de junho de 2020, a nível de seguidores, as principais páginas da RTP contam com números aproximados a estes: 555 mil no Facebook, 137 mil no Instagram, 507 mil no Twitter e 446 mil no YouTube. Como referido, outros canais de rádio e televisão da RTP têm as suas próprias páginas, como é caso da Antena 3 com estes números: 345 mil no Facebook, 44 mil no Instagram, 196 mil no Twitter e 61 mil no YouTube. Por outro lado, olhe-se para os seguidores do programa “5 Para a Meia Noite”: 1 milhão no Facebook, 297 mil no Instagram, 100 mil no Twitter e 348 mil no YouTube.

Já referimos a presença da RTP no YouTube, mas há outros casos que demonstram a abertura deste broadcaster aos meios digitais. Entre outros, um desses é a abordagem híbrida entre rádio e plataformas de redes sociais, como o Facebook. Numa emissão da manhã, por exemplo, como é possível consultar nos “vídeos” de Facebook da Antena 3, a rádio é capaz de transmitir, para a referida plataforma social, entrevistas, rubricas e outros segmentos que façam parte do programa “Manhãs da 3”. Ainda assim, não se pode deixar de referir que o RTP Play é simultaneamente uma plataforma onde é possível ser recetor das emissões em direto ou em diferido.

Podemos também notar a presença da RTP num outro meio, nomeadamente o Twitch, que é uma plataforma de streaming bastante reconhecida internacionalmente. Este é um site por onde passa muito conteúdo relacionado com videojogos e, aliás, o projeto que está presente nesta plataforma é a RTP Arena. O canal principal, “RTP Arena”, que

74 reúne diferentes modalidades do universo de esports, conta com mais de 30 mil seguidores pelo final de junho de 2020; já os canais dedicados aos jogos Counter-Strike e FIFA, mais de 100 mil e cerca de 20 mil seguidores, respetivamente. Através do Twitch, a equipa do RTP Arena faz transmissões em direto em diferentes formatos. Em maio, por exemplo, organizou também um torneio de Counter-Strike, “RTP Arena Cup”, no qual chegou a ter mais de 10 mil espetadores em simultâneo, segundo publicação disponível no Twitter oficial.

À parte de plataformas como Twitch, ou até mesmo de redes sociais como Facebook, pormenores reveladores da importância que a RTP dá ao online, está o RTP Play que, como atrás referido, é tido como um “serviço pioneiro” em Portugal no que diz respeito a uma plataforma de transmissão de conteúdos, não só em direto, mas também em diferido. Curiosamente, também o RTP Play tem as suas próprias páginas espalhadas por espaços como Facebook, Instagram e Twitter. De seguida, iremos estudar mais a fundo este serviço da RTP.

5.3. Entrevista a João Galveias – ou o RTP Play visto desde dentro

Para melhor entender a visão de um broadcaster sobre o online, concretamente do serviço público português, estivemos à conversa com o Diretor de Serviços Digitais e Multimédia da RTP, João Galveias, numa chamada através do software Zoom. Afinal, parte deste estudo centra-se no RTP Play, plataforma com que a televisão e rádio pública portuguesa aposta no mundo das transmissões digitais, pelo que é valioso conhecer de que forma a RTP vê este universo.

Curiosamente, à medida que íamos conversando, João Galveias tocava em diversos pontos abordados ao longo desta dissertação, como é caso da influência da Netflix para os hábitos de consumos atuais, do consumo de TV via online em direto e em diferido e, entre outros tópicos, da importância de os broadcasters terem uma presença online – especialmente para o serviço público, que não “pode fingir que estas pessoas [consumidores online] não existem”, disse Galveias, referindo, no entanto, que ainda estamos numa fase de descoberta, apesar de sentir que estamos a “transacionar de um lado para o outro”.

75 Antes de iniciar a entrevista, preparámos um guião para a mesma, mas a abertura de João Galveias fez com que esquecêssemos a estrutura delineada, partindo para uma conversa mais livre – inclusivamente, o Diretor de Serviços Digitais e Multimédia da RTP aproveitou os recursos do software Zoom para partilhar o seu ecrã e, entre outras notas, apresentar alguns serviços europeus idênticos ao RTP Play, como o SVT Play ou o Rai Play, que são apostas online dos broadcasters públicos da Súecia e Itália, respetivamente.

Um exemplo da necessidade de esquecermos o guião previamente preparado foi a resposta à primeira pergunta, centrada num ponto referido pela RTP no seu “Projeto Estratégico 2018-2020”, particularmente uma frase presente no ponto 2., “colocar o digital no centro da estratégia”, dos “sete eixos de intervenção prioritária para os próximos anos”: “afirmar o RTP Play na plataforma de televisão, para além da presença atualmente direcionada sobretudo para tablets e mobile.” Tendo isso como base, questionámos João Galveias sobre a possibilidade de isto significar que há um maior consumo de RTP Play noutros dispositivos que não a televisão, ao que ele respondeu que isto significa uma “aproximação às televisões, mesmo ao dispositivo de televisão”.

“[Isto] quer dizer que, neste momento, se tiveres uma caixa Android, podes instalar a aplicação RTP Play para Android TV, se tiveres uma caixa Apple TV podes instalar também uma aplicação para Apple TV, já temos aplicações também para Samsung TV, estamos a trabalhar em LG, e estamos, para além disso, a dar aqui passos muito fortes na direção de trabalhar com os operadores de telecomunicações para colocar também as aplicações da RTP Play como uma estrutura única, uma estrutura com contexto único - não é conteúdos desgarrados, é haver mesmo o contexto RTP Play dentro dos operadores”, mencionou Galveias.

Há, então, um objetivo concreto por parte da RTP, nomeadamente o de fazer chegar o RTP Play às nossas televisões, seja através de componentes de terceiros, como Chromecast ou Android TV, das próprias televisões, como a referida Samsung TV, ou dos operadores Nos, Meo, Vodafone e Nowo, como afirmado por João Galveias. Ter esta preocupação é importante, uma vez que “o paradigma de consumo alterou”: há

76 quem faça um consumo misto entre televisão linear e plataformas não-lineares, há quem veja apenas a televisão tradicional e há ainda consumidores exclusivos da internet, que por vezes nem consomem conteúdos televisivos. Estamos perante um consumo “mais disperso” e “diferente”, algo que, como anteriormente referido, faz com o serviço público tenha de ter isto em conta, preocupando-se em ter “um serviço consistente, estruturado para estas pessoas” – pormenor abordado por Hendy (2013) e já referido neste estudo. Estar mais próximo da TV significa que a RTP quer “ter um serviço que esteja em todas as plataformas”, com um “corpo tal” que permita “servir com serviço de qualidade”, rematou João Galveias.

Perguntámos também se concorda com a possibilidade de haver cada vez mais uma maior aposta em serviços de internet, em detrimento de pacotes televisivos, e João Galveias concordou em parte. Mas muita da atenção de Galveias está virada para o facto de haver uma “série de pessoas que está, com tudo o que tem à disposição, a fazer o seu mix”. “Houve uma altura que, enquanto não chegou a este mix quase generalizado, havia um nicho de mercado que tinha acesso a este tipo de conteúdo e via isto muito em computadores, telemóveis, porque até eram plataformas menos estruturadas, eram coisas piratas”, mas, com o aparecimento de plataformas como Netflix ou RTP Play, “isto começa a transacionar para o mainstream”, sendo até, muitas vezes, consumido através da televisão enquanto dispositivo. “De repente, a televisão é um hub de conteúdos mistos de televisão como conteúdos on-demand de várias plataformas, e o ecossistema fica mais complexo porque de repente não tens só centenas de canais lineares que podes passar, tens canais que podes começar a ver de novo, mas depois tens plataformas digitais, de vídeo, e também de áudio se quiseres, plataformas não-lineares de vídeo ou mistas, como o caso de RTP Play”, explicou.

No entanto, não deixa de ser importante referir que “os sistemas lineares de televisão”, “mesmo tecnologicamente”, “são muito mais resilientes do que os outros”. O custo de instalação de sistemas de broadcast é bastante superior, mas estas plataformas “já estão instaladas e a funcionar” – “a melhor maneira continua para transmitir um jogo de futebol continua a ser através de um sistema broadcast”. Fazê-lo através de uma RTP Play traria imensos custos e problemas “com servidores que não

77 estão preparados para ter milhares e milhares de pessoas”. Ainda assim, “estamos naquelas fases interessantes, que são fases de mudança”, declarou João Galveias.

Isto não influencia o facto de o online estar a ganhar imenso terreno. João Galveias acredita “que, neste momento, estamos a transacionar de um lado para outro, cada vez mais sinto que há pessoas que não sentem necessidade de pagar 10, 15, 20€ para ter um serviço de televisão em casa porque conseguem aceder a todo o seu conteúdo de outra maneira”. Por isso mesmo, e tendo em conta a abordagem deste estudo, falámos sobre a possibilidade de a “constante evolução tecnológica – da própria internet ou até mesmo dispositivos como Smart TVs e afins – significar que vai continuar a haver um aumento deste tipo de consumo não-linear”, ao que Galveias respondeu: “isso eu tenho certeza absoluta… Se fores ver todos os estudos, o que dizem é isso, e os aumentos são em ordens de grandeza”. Daí, o Diretor de Serviços Digitais e Multimédia da RTP tocou em alguns pontos que não haviam sido abordados nesta dissertação, como a forma como aumentos de consumo, por exemplo de um jogo de futebol, ainda que “circunstanciais e em determinadas circunstâncias muito específicas”, podem levar a uma estabilização de espetadores “a um nível superior ao que estava antes, porque entretanto [as pessoas] experimentam um serviço que, se calhar, não usavam diariamente, e de repente faz sentido para elas”, entrando então “na rotina do consumo que elas têm”.

Outro ponto que não havíamos abordado é o meio de distribuição que utilizam plataformas como Netflix, HBO e RTP Play. Todas as transmissões são feitas via online, mas há uma ligeira diferença. “A distribuição da RTP Play é gerida pela RTP, através de operadores de telecomunicações, portanto é um serviço mesmo de internet, over-the- top”, o que significa que se trata de um serviço que não tem a mesma proximidade de um serviço de televisão, que tem estrutura para “entregar o serviço até à porta das pessoas com determinados requisitos de fiabilidade e resiliência”. Isto pode, por um lado, significar que o RTP Play é algo resiliente “porque não depende de um operador único para chegar ao consumidor”, “mas, por outro lado, ao estar mais distante do cliente final, não tem arcaboiço tecnológico e de dimensão e de escala para chegar lá,

78 se calhar, em tão boas condições porque depende sempre, de alguma maneira, da ligação de internet desse operador a outros operadores externos”.

Como João Galveias explicou, esses operadores externos referem-se à rede CDN (content delivery network), que está espalhada pelo mundo inteiro e “que depois entrega a cada um dos operadores de proximidade para entregar às pessoas”. Segundo o site da companhia de internet norte-americana Cloudflare, esta rede de servidores está geograficamente distribuída de forma a prover rapidamente conteúdo no online, seja imagens, vídeos ou outro tipo de ficheiros. A equipa da RTP Play “está a trabalhar para isso” enquanto a Netflix, ao contrário da RTP ou da HBO, “já consegue estar dentro dos operadores e entregar em maior proximidade”. Foi aí que tocámos num ponto referido no capítulo 4., nomeadamente um dos abordados por Jenner (2018), que considera a Netflix como um “broadcaster transnacional”. João Galveias respondeu:

“Ao ser um broadcaster transnacional, de alguma maneira perderias algum controlo do ‘last mile’, a entrega de proximidade, e, portanto, isso podia comprometer a qualidade com que entregavas o serviço. É aquilo que estou a explicar, ao fazeres um serviço OTT, over-the-top, do operador, não usando a plataforma de escala que o operador tem, estás a correr riscos porque não controlas como entregas. E então o que é que a Netflix faz ao perceber isso: para garantir essa proximidade, vai, junto dos operadores, colocar dentro do ‘backbone’ portas de saída do conteúdo lá dentro. E, portanto, consegues controlar, quase até ao final, o percurso. E depois dá-te a possibilidade de controlares o nível de serviço, coisa que poderias não controlar”

A equipa da RTP está ciente das exigências dos novos consumidores, e isso nota-se pela aposta em projetos como a RTP Play e a RTP Arena, que já abordámos nesta dissertação – João Galveias diz não ter dúvidas que “RTP Arena neste momento é o grande operador de esports em Portugal”, com mais de 100 mil subscritores no canal dedicado ao desporto eletrónico CS:GO na plataforma Twitch, onde “já tivemos transmissões com 60 mil pessoas em direto”. Uma rápida consulta ao RTP Play permite ver que esta tem tanto de conteúdos em direto como de em diferido – de todos os

79 canais televisivos e de todas as estações de rádio – o que nos levou a afunilar a conversa com João Galveias, no sentido de perceber a importância que uma transmissão para uma vasta audiência em simultâneo, ou em direto, tem para esta plataforma: “a parte mais importante do RTP Play é em direto. É muito mais o serviço em direto do que o serviço a pedido no dia-a-dia”. “A procura por direto na RTP Play é muito grande”, explicou João Galveias, mencionando que “eventos em direto tendem a ser uma grande componente do consumo”. “Grandes eventos desportivos, um grande evento de entretenimento é onde está a tração”, sendo que os noticiários são “sempre” uma linha de base para este consumo em direto de televisão – sem esquecer a rádio em direto, que “também é interessante”.

Aprofundando mais pormenorizadamente a plataforma, João Galveias referiu que o RTP Play é, “neste momento, um universo, um framework que é um universo de aplicações”, nomeadamente o “site mãe”, o Zig Zag Play, que é dedicado às crianças, o recém-criado #EstudoEmCasa, que é uma plataforma de estudo à distância, o RTP Palco, que é dedicado às artes performativas, e ainda a secção de podcasts, que reúne programas de rádio. Tudo isto transforma o RTP Play num “ecossistema de aplicações, todas com o mesmo serviço”, onde a distinção é o “tipo de conteúdo e o tipo de contexto”. Este “universo” relembra a Apple TV, que reúne também diferentes conteúdos na mesma aplicação, de filmes a desportos.

Um dos caminhos que o RTP Play está a traçar é “passar de uma catch-up TV e rádio para uma plataforma de distribuição de conteúdo”, significando isto que “a plataforma existe só por si”, sem ter de estar dependente de um canal televisivo, permitindo que o utilizador navegue pela oferta sem ter de estar preso ao canal ou rádio que originalmente fez a transmissão, mas antes à plataforma – “é esta mudança conceptual que é importante”. Outro caminho é a distribuição da plataforma – além dos meios já habituais, a equipa quer estar mais presente em Smart TVs, operadores de IPTV, consolas e até carros, através do Car Play, da Apple, e do Android Auto. Em parte, isto evidencia a vontade de o RTP Play se aproximar àquilo que empresas como Netflix fazem de forma a estarem ao alcance do público, que está hoje muito fragmentado, como já referimos neste estudo.

80 Prova disso é os planos que este broadcaster público tem para, nos próximos tempos, através de registo de utilizadores, aumentar a personalização dos conteúdos, algo que João Galveias vê como “o nosso grande problema”, ele que não deixa de acreditar no RTP Play como uma plataforma verdadeiramente exemplar neste mundo de broadcasters no online – na nossa conversa, chega mesmo a comparar com outros broadcasters europeus. Esta personalização vai ao encontro daquilo que outros fazem, como Netflix, e há outros três pormenores “essenciais” a aplicar: uma “zona de histórico”, “favoritos” e “continuar a ver”.

Questionado sobre o futuro da televisão, João Galveias afirmou que esta se está a transformar, assim como a rádio ou a literatura. Numa era em que “os conteúdos podem ser consumidos de outra maneira” pois há “vários meios”, Galveias pensa o “futuro é bom”, ainda que só “daqui a uns anos” é que será possível chegar a conclusões sobre as transformações que tem havido. Mas o Diretor de Serviços Digitais e Multimédia da RTP, que referiu que “uma maior dispersão quer da oferta de conteúdo quer da oferta de outlets” traz “resultados interessantes”, acredita que “nunca se consumiu tanto vídeo como se consome agora” e de “maneiras muito distintas do que se consumia antes”, o que leva a uma inevitável mudança do paradigma de consumo.

5.4. Análise à plataforma RTP Play

Como lemos atrás, a RTP quer transformar o RTP Play, afirmando-o “na plataforma de televisão, para além da presença atualmente direcionada sobretudo para tablets e mobile”. Como João Galveias explicou, isto quer dizer que a empresa pretende estar mais próxima do dispositivo televisão, fazendo esforços para estar presente em diferentes marcas, como Samsung e LG, por exemplo, e não só, sendo que há também uma atenção no sentido de uma aproximação aos provedores de televisão e internet.

À data, a RTP afirma o RTP Play como um “serviço pioneiro” no que diz respeito a esta aposta no online. Mais à frente, iremos analisar diferentes aspetos desta plataforma, procurando assim compreender com mais clareza aquilo que a mesma permite. Antes disso, no entanto, podemos contextualizar a plataforma, mencionando algumas das

81 características referidas no site oficial deste serviço público português. Segundo essa fonte, o RTP Play permite: “assistir a programas, canais e transmissões em direto”; “aceder a conteúdos exclusivos”, “ouvir programas de rádio e podcasts”; “transferir conteúdos áudio para levar consigo”; “navegar pela vasta oferta de programas através do nosso catálogo de géneros e canais”; “guardar os seus conteúdos favoritos”; e, entre outros, “transmitir os conteúdos para a sua TV utilizando Chromecast ou AirPlay”.

Em poucas palavras, o RTP Play é essencialmente um serviço que dá acesso gratuito a toda a oferta da RTP, seja através de telemóvel, tablet, computador ou televisão. À imagem de um serviço de streaming habitual na oferta contemporânea, como Netflix ou HBO, esta plataforma portuguesa permite, entre outros aspetos, consumir vários tipos de conteúdo a pedido, de séries a filmes, passando até mesmo por informação, como é caso do telejornal. Mas uma das mais interessantes particularidades, descrita por João Galveias como “a parte mais importante”, é a possibilidade de consumir rádio ou televisão em direto, a qualquer hora e em qualquer lugar, desde que, para isso, o indivíduo tenha acesso à internet.

De seguida, olharemos a fundo para o RTP Play, concretamente através da análise de categorias como interface, funcionalidades e os diferentes meios para consumir conteúdos através desta plataforma.

5.4.1. Meios para consumir

Um dos pontos fortes do online é a sua ubiquidade e acessibilidade, e, no caso do RTP Play, isso não é exceção. Pode-se consumir a oferta desta plataforma através de diferentes dispositivos, concretamente mobile, computador e televisão. Segundo o site oficial da RTP, AirPlay, Chromecast, AndroidTV, CarPlay e os sistemas operativos de telemóvel Android e iOS são as opções disponíveis. É este mesmo leque de opções que permite que um indivíduo, por exemplo sem acesso a uma Smart TV, possa transmitir conteúdos em direto para um dispositivo televisivo através do telemóvel (com Chromecast e AirPlay).

82 No caso do AirPlay, é, regra geral, necessário um aparelho AppleTV ligado à televisão para ser possível transmitir a partir de computadores, telemóveis e tablets Apple. Assim como o Chromecast, no entanto, está também presente em algumas televisões disponíveis no mercado. Mas quando se fala em Google Chromecast, pode-se estar também a falar de um pequeno dispositivo, com ligação Wi-Fi, que se liga à televisão a partir de entrada HDMI, e que está à venda nas mais variadas lojas de todo o país. Atualmente, uma entrada deste tipo é muito usual. Uma visita rápida à loja virtual do site Worten.pt faz perceber que as opções de televisão mais baratas já incluem esta entrada, o que permite então a transmissão de conteúdos para a televisão a partir de outros dispositivos. No caso das Smart TVs, como atrás referido, várias incluem já ligações Chromecast e AirPlay, o que retira a obrigação de ter um dispositivo físico Google Chromecast ou uma Apple TV para transmitir desde um telemóvel ou tablet. Ainda assim, grande parte delas vêm instaladas com sistema operativo AndroidTV, que permite o download do RTP Play a partir da loja de aplicações, algo que acontece também na Apple TV, ainda que este último se trate sempre de um dispositivo externo e não da própria televisão.

Hoje, existem muitas televisões que vêm com aplicações já instaladas, como é caso de Netflix ou HBO. Nesse sentido, a RTP pretende estar presente em marcas como Samsung e LG, como explicou João Galveias em entrevista para este estudo, mas podemos desde já concluir que existem diversas formas de consumir RTP Play, como utilizar o mobile (e não só) como dispositivo que emite conteúdos para uma televisão, podendo servir também como meio para esse consumo. Mais ainda, no que diz respeito à AndroidTV, é também possível ter acesso a este tipo de sistema sem ter uma televisão de última tecnologia – desde que exista ligação à internet, pois claro. Por entre outras possibilidades, existem as Mi Box S, da marca Xiaomi, que podem ser encontradas em diferentes lojas de especialidade. Um pouco à imagem do Chromecast, basta uma ligação HDMI para ter acesso às funcionalidades desta box, nomeadamente a de ter um sistema AndroidTV num dispositivo comum de televisão. Com isto, um indivíduo pode fazer download do RTP Play e, claro, consumir toda a oferta lá disponível.

83 Sabemos então que é possível consumir RTP Play, e consequentemente televisão em direto e não só, através de inúmeros dispositivos com ligação ao online. No caso de conteúdos áudio, no telemóvel, é ainda possível ouvir programas radiofónicos em diferido sem acesso à internet, mas, para isso, primeiro é preciso fazer download do conteúdo disponível em “podcasts”. Tendencialmente virado para este mundo áudio, o RTP Play está também acessível em automóveis, neste momento através da tecnologia CarPlay, disponível em carros de marcas como Tesla.

5.4.2. Interface

Acedendo ao RTP Play, numa interface que faz relembrar a da aclamada plataforma Netflix, são apresentados ao utilizador cinco destaques de conteúdo, que podem variar dependendo do período temporal em que entrarmos na plataforma. Transversal aos três principais meios – browser no computador, televisão ou mobile – surge um menu no topo, com ligações para emissões em direto, programas on-demand e uma barra de pesquisa. No caso do computador e do telemóvel, são também apresentados podcasts (conteúdo áudio) e, ainda, outras três plataformas: Zig Zag, RTP Palco e Estudo em Casa. Estas três funcionam de forma praticamente independente – de referir, no mobile, este trio de oferta funciona como aplicações à parte e distintas, sendo necessário o descarregamento de cada uma delas para usufruir dos conteúdos, para além de que estão apenas disponíveis em versão mobile. Na televisão, o utilizador tem acesso a duas delas, Zig Zag e RTP Palco. Tendo em conta essas diferenças, olharemos apenas para a oferta do RTP Play.

84 Figura 1 – RTP Play

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

Figura 2 – RTP Play mobile

Fonte: Aplicação RTP Play para iOS

85 No mobile, o menu principal inclui ainda uma opção que leva o utilizador para a programação do dia, outra de “favoritos” para guardar conteúdos, e também “transferências” para guardar programação áudio (chamados podcasts).

Figura 3 – Menu RTP Play mobile

Fonte: Aplicação RTP Play para iOS

De mencionar, na televisão a interface é mais carente a nível de opções. Há apenas a página inicial, à imagem dos restantes dispositivos, e as opções “em direto”, “programas” e “pesquisa”.

86 Figura 4 – RTP Play na televisão

Fonte: Aplicação RTP Play para Apple TV

Depois de olhar para as opções e destaque iniciais, o utilizador é remetido para vários menus, sendo que os dois primeiros dizem respeito à “TV em direto” e à “Rádio em direto”. Nestas duas opções, são apresentados todos os canais televisivos e estações de rádio – tanto na aplicação de TV, como mobile ou desktop – como é caso de, entre tantos outros, RTP1, RTP2, RTP3, RTP Memória, Antena 1, Antena 2, Antena 3 e a Rádio Zig Zag.

Figura 5 – Página inicial

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

87 Ainda na página principal, o utilizador depara-se com uma série de categorias, tanto de género como de formato, mas, antes, surge ainda a opção “continuar a ver”, caso um indivíduo tenha consumido um conteúdo anteriormente. À data (dia 20 de julho de 2020), surgem as seguintes categorias nos diferentes dispositivos: séries; ZigZag; para ouvir; recomendamos para si; filmes, espetáculo em casa; para toda a família; mais vistos; informação; desporto; entretenimento; humor e música.

Figura 6 – Página inicial

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

88 Figura 7 – Página inicial

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

É ainda importante notar como é a interface do RTP Play nas restantes opções de navegação disponíveis, como nas transmissões em direto ou em diferido. No caso das primeiras, surge um player com indicação do programa que está a ser emitido e do que será transmitido posteriormente, algumas definições (a serem analisadas mais à frente), e, abaixo, conteúdo recomendado, “continuar a ver” e um menu com todos canais e rádios em direto, como se pode comprovar nas imagens seguintes, algo que acontece nos três dispositivos (TV, mobile e computador).

89 Figura 8 – Player “em direto”

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

Figura 9 – Navegação “em direto”

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

No mobile, abaixo do player “em direto”, existe a possibilidade de consultar a programação de imediato:

90 Figura 10 – Navegação “em direto” no mobile

Fonte: Aplicação RTP Play para iOS

Nas emissões em diferido, surge também um player, mas a diferença é que abaixo aparecem os restantes episódios disponíveis do conteúdo que está a ser visualizado. Caso o conteúdo esteja categorizado, então são também sugeridas outras recomendações da mesma categoria.

91 Figura 11 – Player “em diferido”

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

Entrando na opção “direto”, disponível no menu principal, são apresentados todos os canais e rádios. Já nos “programas” (opção para conteúdo em diferido), é possível escolher uma categoria (informação; cultura; humor; música; desporto; infantis e juvenis; institucionais; outros; ficção; entretenimento; ciência e natureza; entrevista, opinião e debate; gastronomia, artes; religiosos e reflexão; saúde; especiais) ou então um canal ou rádio específicos.

92 Figura 12 – Menu “programas”

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

Figura 13 – Menu “programas” em mobile

Fonte: Aplicação RTP Play para iOS

93 Exclusivamente no computador, as categorias que surgem na página inicial, como as presentes na figura 7, funcionam como links, permitindo que o utilizador entre diretamente numa visão mais ampla da oferta. No mobile e no televisor, isto não acontece, obrigando que um indivíduo navegue na mesma barra de opções para escolher um conteúdo. Nestes dois dispositivos, ainda assim, é possível navegar por género (como “cultura”) ou canal, mas não tem páginas dedicadas a categorias como “filmes”, “séries” ou “documentários”, sendo estes acessíveis apenas através da página inicial.

Por último, no que diz respeito à interface da “pesquisa”, esta permite filtrar por canais, categorias ou datas:

Figura 14 – Pesquisa RTP Play

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

5.4.3. Transmissões ao vivo e em direto

Uma das funcionalidades que mais chama a atenção é a possibilidade de consumir qualquer canal de televisão ou rádio em direto. Por outro lado, o on-demand, opção nomeada “programas”, permite que o utilizador consuma conteúdos de qualquer canal de televisão ou estação de rádio.

94 Figura 15 – Menu “em direto”

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

Nas transmissões em direto, no caso do computador, é apresentado um player que permite pausar e retomar, controlar o volume, escolher ecrã inteiro e controlar a qualidade de transmissão, sendo estas opções tipicamente comuns neste tipo de oferta. No entanto, não permite voltar atrás na emissão. Mas logo abaixo, são colocadas outras opções, visíveis na figura 8, algumas delas já disponíveis no próprio player. São elas: expandir vídeo, episódios (permite consultar outros episódios do conteúdo que está a dar em direto), site (encaminha o utilizador para uma página associada ao programa), acessibilidades (permite usar opções como parar o vídeo ou aumentar o volume para utilizadores que não o consigam fazer no player), programação e partilha. Curiosamente, esta última, partilha, leva o utilizador para um menu que permite partilhar o conteúdo através de inúmeras plataformas, entre elas as plataformas bem conhecidas, como Facebook, Twitter e WhatsApp.

95 Figura 16 – Opção de partilhar no RTP Play

Fonte: https://www.rtp.pt/play/

No mobile, uma opção destacada é a possibilidade de ler as informações do programa que está a ser emitido. Aqui, surge também um botão para “partilhar”, que leva o utilizador para as opções que o seu dispositivo permite – no caso de um telemóvel iPhone, por exemplo, permite copiar link ou partilhar em plataformas que estejam instaladas no sistema. Outra opção única no mobile é a possibilidade de transmitir o conteúdo diretamente para uma televisão através de Chromecast ou AirPlay, permitindo assim visualizar emissões numa televisão, mesmo que esta não tenha RTP Play instalado nativamente. Mas, mais uma vez, não é permitido recuar muito atrás nas emissões em direto, sendo apenas possível poucos segundos neste dispositivo.

96 Figura 17 – RTP Play “em direto” no mobile

Fonte: Aplicação RTP Play para iOS

Já na televisão, tanto através de Android TV como de Apple TV, as funcionalidades numa transmissão em direto são bastante reduzidas, não circundado aquilo que se esperaria de um dispositivo associado a um comando. Referimo-nos ao facto de, à data de análise, ser apenas permitido ao utilizador pausar os broadcasts, excluindo-se assim a opções como ver mais informações ou começar um programa desde início – no caso desta última, também não é possível fazê-lo no website ou telemóvel. No que toca a recuar na emissão, permite apenas fazê-lo até ao momento em que o conteúdo começou a ser visualizado. Mais ainda, ao ver uma transmissão em direto, o utilizador tem apenas acesso ao player, não lhe sendo possível aceder a informações sobre a programa ou de programação sem sair da emissão. Estes pontos de carência não acontecem numa box de um operador de televisão.

Nas transmissões on-demand, a lógica do player é a mesma do que nas transmissões em direto, como no mobile ser permitido o uso de Chromecast e AirPlay para ver

97 conteúdos através do dispositivo de televisão. Neste caso, no entanto, o utilizador não tem o mesmo tipo de problemas no que toca a recuar ou avançar na emissão – afinal, trata-se de uma gravação disponível via streaming, à imagem do que acontece em plataformas como Netflix. No caso do website e do mobile, há novamente a opção de “partilhar”, algo que não acontece na televisão.

5.4.4. Outros pormenores e funcionalidades

Além dos detalhes mencionados anteriormente, existem outros de relevo tendo em conta o que se pretende compreender o RTP Play neste estudo. Apesar de este não ser um estudo quantitativo, podemos referir brevemente alguns números que estão disponíveis para consulta pública. Referimo-nos a um documento para publicitários datado de fevereiro de 2019, com dados para janeiro desse mesmo ano. Nesse “RTP Digital – Janeiro, 2019”, podemos verificar que o RTP Play é o setor mais visitado dentro do site, que engloba uma série de outras páginas, como é caso da RTP Notícias, a segunda seção mais visitada, com 14,9% de percentagem de visitas. Já o RTP Play, nesse mês, levou uma fatia de 36,3%, equivalente a mais de 7 milhões de pageviews. Note-se, no entanto, que estes números dizem respeito ao site, acessível através da web, não englobando aplicações para mobile ou televisão.

Ainda relativamente aos números do RTP Play na web, conseguimos perceber que mais de meio milhão de visitantes (aproximadamente 504 mil) consumiram RTP Play, com cerca de 390 mil a consumir conteúdos on-demand durante esse mês de janeiro. Do mobile – Android e iOS – não é possível conhecer estes números, mas sabe-se que houve cerca de 2 milhões de pageviews na aplicação. No site, esses dados são mais concretos, sendo possível saber a idade do público: as duas maiores fatias cabem ao público entre os 25-34 anos e os 35-44 anos, com 22% e 26%, respetivamente. Desse público, apenas 6% diz respeito a indivíduos entre os 18 e os 24 anos, com as idades dos 45 aos 54 (20%), 55 aos 64 (16%) e mais de 65 (10%) a surgirem acima desse grupo mais jovem.

Outro detalhe importante é falar sobre a individualização e personalização que o utilizador pode ter na plataforma RTP Play, pormenores bastante vulgares no mundo

98 do streaming, como é caso do Netflix, por exemplo. Nesse gigante norte-americano, isso verifica-se através da criação de utilizadores – cada conta pode ter até quatro utilizadores – o que garante que sejam apresentados, por exemplo, diferentes sugestões, consoante o indivíduo que está a utilizar a plataforma. No RTP Play não há login, ou a possibilidade de criação de contas. Por isso, o utilizador do RTP Play não tem acesso a uma personalização desenhada para si mesmo. Nesse sentido, há a opção de “continuar a ver” um determinado conteúdo, a partir do momento em que ficou pausado – ainda assim, um indivíduo que passe do mobile para o site, por exemplo, não conseguirá retomar o consumo de forma automática. Outra opção é o “recomendamos para si”, o que é revelador desse lado de individualização, mas o facto de não haver opção para criar contas de utilizadores significa que, por exemplo, cada um dos diferentes membros de um agregado familiar não tenha algo desenhado para si. Ainda de referir estão os “favoritos”, que permitem que um utilizador esteja a par das últimas novidades dos seus programas preferidos, mas isso está apenas disponível no mobile, onde é ainda possível guardar “transferências” de conteúdo áudio (podcasts). No site, é possível ativar notificações, que, no entanto, têm uma índole geral e não de personalização.

Importante será também notar a oferta de conteúdo que a RTP dá nesta sua plataforma de streaming. Resumidamente, todos os canais e estações de rádio são gratuitos, podendo o utilizador consumir em direto qualquer um destes, da RTP1 à RTP Internacional. No caso dos programas on-demand, também estes estão disponíveis gratuitamente, mas, em alguns casos raros, há conteúdo que só pode ser consumido durante sete dias, à imagem do que acontece nas típicas boxes fornecidas por operadores como NOS ou Meo.

Por fim, e não menos importante, é a publicidade que surge no RTP Play. Nem sempre, mas muitas vezes, esta surge logo ao entrar na página, seja em formato de pop-up ou no topo do ecrã. Mas além deste formato, e bastante mais presente, é aquele que antecede o consumo de conteúdos, seja em direto ou em diferido: ao selecionar um canal, estação ou conteúdo, o utilizador terá de visualizar uma publicidade em formato vídeo antes de poder consumir a sua escolha.

99 5.5. Interpretação de resultados

Concluída a entrevista com João Galveias e a análise da peça-chave do nosso estudo de caso, a plataforma RTP Play, é importante interpretar e analisar os dados que obtivemos ao longo deste estudo, tentando aliar o nosso estudo teórico ao lado mais empírico desta dissertação. Aqui, podemos também tocar em aspetos levantados pelas nossas questões de investigação, que recordamos agora: 1) como é que broadcasters, concretamente canais de televisão, utilizam o online como meio para transmitir o seu conteúdo?; 2) como são utilizadas as potencialidades do online?; 3) pode um indivíduo, apenas com serviço de internet, consumir televisão?. Para falar sobre as diversas questões que circundam o nosso tema, começamos por tocar na possibilidade de um indivíduo consumir televisão em qualquer lugar desde que, para isso, tenha ao seu dispor um dispositivo com ligação ao online. Falaremos também sobre emissões broadcasting no online, isto antes de falarmos sobre potencialidades como a interatividade e, também, das novas nuances de distribuição e consumo que têm marcado emissores e consumidores.

Através do online, televisão em qualquer lugar – até mesmo na sala de estar

É inevitável afirmar que “estamos naquelas fases interessantes, que são fases de mudanças”, como disse João Galveias em entrevista para esta dissertação. Neste sentido, um aspeto interessante é perceber que os novos media, concretamente a internet, já não são um espaço em que acontece exclusivamente uma comunicação de um-para-um, ainda que continue bem presente – basta olhar para um dos casos mais conhecidos do mundo contemporâneo, as redes sociais. Há alguns anos, autores como Machuco Rosa (2013) mostraram que apenas nos meios clássicos existe uma “assimetria entre a tecnologia de emissão (complexa) e de recepção (simples)”. Hoje já não é tanto assim: um novo media (exemplo: computador) pode ser usado como dispositivo de recepção de um sistema broadcast complexo – e é de referir que estes sistemas de broadcast permanecem “muito mais resilientes”, segundo João Galveias. Ainda de acordo com Machuco Rosa (2013), “os novos media são meios de comunicação em sentido bem distinto dos meios de comunicação” pois existe “um

100 modo de produção massiva de conteúdos por parte de um número de indivíduos que assim criam um medium de comunicação que serve de instrumento à formação de um laço de sociabilidade primária entre eles”. Esta afirmação não deixa de ser verdade nos dias de hoje, mas é preciso notar que é cada vez mais habitual a possibilidade de um indivíduo consumir conteúdo de grandes emissores no online – tanto RTP Play como outros canais televisivos, por exemplo – podendo, assim, não fazer parte dessa lógica participativa dos novos media, apesar de estes serem os meios utilizados para consumir.

Olhando para o consumo em diferido, sabe-se que permanece uma lógica de o espetador ter total controlo sobre aquilo que quer ver, à hora que bem lhe entender. Mas, hoje, através de um serviço como o RTP Play, com o qual a RTP fornece televisão e rádio tanto na aplicação como no site, um consumidor pode também visualizar televisão em direto através do online. Neste serviço, um indivíduo pode consumir qualquer canal ou estação de rádio sem compromisso, desde que, para isso, tenha acesso à internet. Mais ainda, também outras empresas têm feito esforços nesse sentido, como é caso da Eleven Sports, um canal que, apesar de estar disponível em operadores de televisão em Portugal, funciona como um serviço OTT que está à disposição em dispositivos como telemóveis ou Smart TVs, excluindo assim a obrigação de o utilizador pagar por um serviço de televisão – no caso da Eleven Sports, teria, ainda assim, de assinar a subscrição a este canal.

Isto não significa que a televisão linear esteja a desaparecer, mas é revelador da possibilidade de uma TV presente noutros meios que não os habituais, concretamente nos novos media. Fenómenos como o Netflix alteraram os padrões de consumo da sociedade (Gray e Lotz, 2019) e, por isso, seria inconsciente que empresas como a RTP fingissem “que estas pessoas não existem”, como diz João Galveias, que acredita que estamos a viver um momento em que o “paradigma de consumo alterou” – é “mais disperso” e “diferente”. E, como vimos neste estudo, há diferentes meios para consumir serviços como o RTP Play. Excluindo telemóveis, tablets e computadores, até mesmo através do dispositivo televisão há diferentes formas de consumir conteúdo de broadcasters, como aquelas que o RTP Play tem ao dispor: AndroidTV, Apple TV,

101 Chromecast e AirPlay. Numa era em que as Smart TVs e até as ligações de internet permanecem em constante evolução, torna-se claro que há cada vez mais a possibilidade de aderir a este tipo de consumo. E cientes de que os hábitos dos consumidores estão numa fase de mudança, os próprios meios tradicionais convergem cada vez mais para a web, sendo a aposta da RTP uma prova disso mesmo, tanto que esta está até a “dar passos muito fortes na direção de trabalhar com os operadores de telecomunicações”, contou-nos João Galveias.

Broadcasting no online, um caso cada vez mais sério

É importante que um serviço público vá ao encontro das necessidades da sociedade, como acredita Hendy (2013), algo reafirmado por João Galveias, como exposto mais acima. E olhando para os números citados no subcapítulo 5.4.4., podemos perceber que há interesse de ver televisão em direto através do online por parte do público. Aliás, o Diretor de Serviços Digitais e Multimédia da RTP explicou-nos que, apesar de ter “certeza absoluta” de um consumo não-linear cada vez mais presente, “a parte mais importante do RTP Play é em direto”. “A procura por direto na RTP Play é muito grande” e “eventos em direto tendem a ser uma grande componente de consumo”, como noticiários, grandes eventos desportivos ou entretenimento. É por isso que existe a preocupação de uma constante evolução de um serviço como o RTP Play, mas não se pode deixar de referir que a RTP faz esforços no online como um todo, seja através das suas redes sociais ou de projetos como o RTP Arena, dedicado aos esports, onde já contaram com 60 mil pessoas a consumir uma emissão em direto. Mais ainda, podemos verificar que esta preocupação não é exclusiva da RTP, tanto que há outros canais internacionais que procuram ter as suas emissões no mundo online, como é caso da BBC, no Reino Unido, ou da SVT, na Suécia. Prova-se, com isto, que no online pode existir uma “relação assimétrica” entre emissor e receptor (McQuail, 2003), típica de broadcasting.

Mas nem sempre a atitude dos broadcasters face ao online foi assim. Em 2008, na sua tese de doutoramento, Hallvard Moe, com base em Miháli Gálik, Gustavo Cardoso e Rita Espanha, apontou seis estratégias que os broadcasters tipicamente adotavam no mundo online, e nenhuma delas faz referência às emissões em direto ou até on-

102 demand. Foi sempre muito usual estes usarem os novos media como uma extensão, atuando muitas vezes como um complemento daquilo que se passa nos meios tradicionais (Jenner, 2018). Nesse sentido, também João Galveias falou sobre a importância dessa transformação: a RTP quer que o seu serviço RTP Play passe “de uma catch-up TV e rádio para uma plataforma de distribuição de conteúdo” que “existe só por si”. Esta é “uma mudança conceptual importante” pois, afinal, e como já referimos, os hábitos de consumo são outros nos dias de hoje.

Olhemos, por exemplo, para o caso português, como citado nesta dissertação. Segundo estudos da Marktest, dois de 2018 e outro de 2020, “mais de dois em cada cinco portugueses” tem por hábito consumir conteúdo online, como é caso de filmes ou séries, uma taxa que sobe “se analisarmos o universo dos mais jovens, até aos 34 anos”. Embora virada para o lado on-demand, a Netflix é um exemplo, sendo que em 2018 era a opção número um “em tempo despendido” no universo online no nosso país, plataforma que, em Portugal, entre fevereiro e abril de 2020, viu um acréscimo de 800 mil novos subscritores. Como João Matos (2018) apresentou, “o papel da televisão nos agregados domésticos que aderiram à Netflix alterou de forma significativa”, passando hoje a haver uma individualização do consumo onde “o televisor foi abandonado como plataforma principal”. Esta é mais uma prova da fragmentação das audiências contra que os broadcasters tentam batalhar, e é preciso que estes estejam cientes de que existe um mix de consumo, aspeto em que João Galveias tocou na nossa entrevista.

Sabemos, então, que os meios clássicos fazem esforços por ir ao encontro dos indivíduos que procuram um consumo individualizado, mas a verdade é que as emissões em direto têm também grande força, como afirmou João Galveias, e, no que diz respeito a essas, não se trata de uma personalização pois o indivíduo está a consumir uma emissão em direto, tal qual como numa televisão ou rádio. E o RTP Play é isso mesmo: um serviço que, além da individualização que oferece através do seu lado on-demand, tem como grande força a opção em direto, embora esta apresente uma opção de navegação, concretamente o “recuar” numa emissão, mais rudimentar do que aquela que se verifica nas boxes dos habituais operadores de televisão.

103 Uma televisão mais interativa e mais individualizada?

O mix de consumo, de que João Galveias falou, retrata indivíduos que tanto consomem conteúdos on-demand como em direto. A plataforma RTP Play está preparada para isso, chegando mesmo, num dos casos (podcasts), a permitir que sejam feitas transferências, ainda que exclusivamente para o mobile. Todo este mundo “começa a transacionar para o mainstream”, diz João Galveias: “de repente, a televisão é um hub de conteúdos mistos de televisão como conteúdos on-demand de várias plataformas, e o ecossistema fica mais complexo porque de repente não há só centenas de canais lineares que podes passar, há canais que podes começar a ver de novo, mas depois há plataformas digitais, de vídeo, e também de áudio se quiseres, plataformas não- lineares de vídeo ou mistas, como o caso de RTP Play”.

Curiosamente, “a procura por direto na RTP Play é muito grande”, como já referimos, e chega mesmo a ser superior à procura por conteúdo a pedido. No entanto, não é descurado este lado individualizado que o utilizador tanto procura: no mobile, por exemplo, é possível guardar conteúdos como “favoritos”. Mas comparando com plataformas como Netflix, típicas deste tipo de consumo, o RTP Play não apresenta certas funcionalidades, e João Galveias sabe que esse é o “grande problema” da plataforma. Assim como acontece no Netflix, por exemplo, seria vantajoso existir a possibilidade de registo de utilizadores para aumentar a personalização dos conteúdos. Isto permitiria também que, independentemente do dispositivo, um utilizador pudesse aceder a uma “zona de histórico”, “favoritos” ou até “continuar a ver”. Num só dispositivo, já é possível “continuar a ver”, mas, caso o utilizador mude de dispositivo, terá de o fazer manualmente. No fundo, o mesmo agregado familiar não pode distinguir utilizadores, à imagem da Netflix ou de outras plataformas, o que acaba por não dar acesso a um tipo de consumo personalizado que tanto se procura nos dias de hoje. E afinal, como diz Matos (2018), são cada vez mais as pessoas que procuram este tipo de consumo.

Como vimos na nossa análise ao RTP Play, a interatividade no computador e no mobile é superior àquela que se vê na aplicação para o dispositivo de televisão. Nos dois primeiros, informações sobre programas ou grelhas de programação são mais

104 acessíveis, uma página “em direto” encaminha-nos para outras opções ou, entre outros pormenores, é permitida uma partilha rápida dos conteúdos – no caso desta última, é compreensível que não aconteça na televisão. No computador, por exemplo, existem links que nos permitem entrar em categorias como “filmes”, mas na televisão e no mobile, as únicas categorias disponíveis são as de género (como “cultura” ou “humor”), o que resulta em não haver uma página dedicada a “filmes” ou “séries”, obrigando o utilizador a navegar pela barra dedicada a essas categorias na página inicial ou, caso saiba o título do conteúdo que procura, a utilizar a barra de pesquisa.

Parte deste estudo falou sobre evoluções tecnológicas como as Smart TVs, e a própria RTP, como reafirmou João Galveias, quer estar mais próxima das TVs. Por isso, é de relevo falar sobre o RTP Play no dispositivo televisão, algo que pode ser uma opção na rotina de consumo de famílias que não utilizem serviços de televisão – aliando, por exemplo, ao uso de plataformas cada vez mais em voga, como é caso da Netflix. É aqui que entram desvantagens do consumo em direto no RTP Play, especialmente se compararmos às possibilidades que uma box de um operador nos dá. Numa emissão em direto, não é possível recuar atrás ou começar de início, sendo apenas possível pausar ou, na melhor das hipóteses, começar do ponto em que o utilizador começou a visualizar o conteúdo. Além disso, é necessário sair da emissão para poder consultar, por exemplo, outras informações sobre o conteúdo, sendo que não é possível sobrepor ou consultar outras opções sem parar o player, como é possível de acontecer numa box.

Podemos dizer que o lado on-demand do RTP Play é mais vantajoso do que o de uma box, pelo menos no que ao consumo de conteúdo RTP diz respeito. Com a plataforma streaming da RTP, é permitido consultar uma vasta oferta de programação – embora alguns casos raros estejam disponíveis durante apenas sete dias, nas boxes isso verifica-se em todos os casos. No entanto, é também claro que o lado em direto de uma box típica de um lar é mais confortável e vantajoso do que aquele que o RTP Play oferece.

Um novo mundo de oportunidades para emissores e receptores

105 É incontornável: “o paradigma de consumo alterou”, como concluímos ao longo deste estudo e como João Galveias afirmou na entrevista conduzida nesta dissertação. Os broadcasters não precisam de encarar isto como uma ameaça, mas antes como uma oportunidade para terem uma nova abordagem. Já lá vai atrás o tempo em que os meios tradicionais usavam a internet como mera extensão das transmissões lineares (Jenner, 2018) – hoje, utilizam-na como outro meio para as suas emissões em direto e até para conteúdos em diferido. Tendo em conta o público cada vez mais fragmentado e em diferentes dispositivos, é importante que os broadcasters não o deixe escapar, procurando formas de continuar a prover o seu conteúdo. Mas, mais ainda, o facto de estarem presentes nos novos media permite que estes meios tenham aqui mais um suporte para atrair publicitários, criando mais oportunidades de publicidade (Gerbarg, 2008), pormenor importante para a sobrevivência financeira dos meios de comunicação – no caso do RTP Play, surge publicidade nos diferentes dispositivos, sendo a mais usual a que aparece antes da visualização de cada conteúdo selecionado pelo utilizador.

Não é apenas para os emissores que a adesão ao mundo do broadcasting (e do em diferido) online abre portas. Também para os espetadores há vantagens: por exemplo, o facto de o conteúdo estar disponível em diversas frentes permite que o utilizador não precise de sair do seu dispositivo de eleição para consumir uma emissão em direto. Afinal, não estar disponível nos diferentes meios pode fazer com que se perca um espetador. Como se não bastasse, este público pode agora consumir conteúdos em diferido, algo que é cada vez mais usual (Matos, 2018), significando isso que um indivíduo já não precisa de estar presente na hora marcada de uma emissão, podendo fazê-lo onde e quando lhe apetecer. Além de que pode fazê-lo como quiser: tanto consegue consumir um programa num computador, telemóvel ou tablet, como pode também consumir através da televisão. As boxes já permitem isso há muito tempo, mas, regra geral, no caso do RTP Play não há o limite estabelecido de 7 dias para o fazer.

Dependendo do tipo de consumidor, e com esta maior aposta dos broadcasters no online, outra utilidade que se cria é a possibilidade de o indivíduo abdicar serviços de

106 televisão, dando prioridade a serviços de internet. E como verificámos ao longo deste estudo, os avanços que têm sido feitos não partem apenas dos emissores – televisões mais inteligentes, ligações à internet cada vez mais fortes ou até o aparecimento de dispositivos como boxes com AndroidTV tomam um rumo que dá azo a esta possibilidade. O contexto que atravessamos faz pensar que uma aposta deste género pode ser cada vez mais escolhida pelos espetadores, especialmente dado o facto de tornar o custo mensal de serviços mais reduzido e de a população em Portugal, particularmente a mais jovem, estar muito virada para um mundo digital, algo afastado da televisão linear.

Em 2015, em A Televisão Ubíqua, João Carlos Correia previa que a televisão on- demand evoluiria “até ao ponto em que o utilizador criará um portal de televisão customizado onde poderá agregar uma multiplicidade de ofertas como YouTube, Netflix e HBO” – e porque não incluir nesse leque de opções o RTP Play? Na página do seu site dedicada a investidores, a Netflix, que hoje está presente em muitas salas de estar, afirma que a televisão linear tornar-se-á no telefone fixo, na medida em que deixará de ser “mainstream”, chegando mesmo a falar na possibilidade de os agregados familiares passarem a aderir exclusivamente a serviços de internet. Em entrevista para esta dissertação, o Diretor de Serviços Digitais e Multimédia da RTP corroborou esta possibilidade: “estamos a transacionar de um lado para outro, cada vez mais sinto que há pessoas que não sentem necessidade de pagar 10, 15, 20€ para ter um serviço de televisão em casa porque conseguem aceder a todo o seu conteúdo de outra maneira”.

É claro que, pelo menos no caso do RTP Play, a plataforma parece ter ainda muito espaço para evoluir, como é caso de avanços que pode fazer em matéria de personalização ou de, por exemplo, ligeiras desvantagens nas emissões em direto face às boxes de operadoras como NOS e Meo. Mas à imagem dos grandes operadores europeus – a britânica BBC, a sueca SVT ou até a italiana RAI – a RTP está ciente de que este universo online é e deve ser uma prioridade – afinal, o consumidor está a mudar os seus hábitos – tanto que tem uma oferta bem completa. Todos estes exemplos de broadcasters são provedores de serviço público, que, segundo Álvarez-Monzoncillo

107 (2011), devem adaptar-se àquilo que o digital permite não só a nível de produção, mas também de distribuição. Já em 2008, Hallvard Moe dizia que broadcasters independentes têm ofertas mais limitadas, algo que se verifica em Portugal – o serviço de emissões online da SIC não tem aplicações, a TVI só tem aplicação para mobile e não tem nativa para dispositivos de televisão. E assim como muitas plataformas de streaming podem estar atrás na corrida quando comparadas com a Netflix, também estes canais de televisão portugueses parecem não estar a acompanhar o progresso da RTP, que é, à data, o exemplo português que melhor traduz a possibilidade de um canal de televisão (e estação de rádio) aproveitar as potencialidades do online. Tudo isto pode significar que a internet se torne “mais uma broadcasting network” (Álvarez- Monzoncillo, 2011), como aquelas a que nos sempre habituamos, mas, assim como pensa João Galveias, apesar de o futuro parecer “bom”, só “daqui a uns anos” é que poderemos chegar a conclusões mais concretas de toda a evolução que temos presenciado.

6. Considerações finais

A tecnologia tem evoluído sem parar. Passamos de umas certezas, como computadores mais presentes nos lares, para outras, como ter, no nosso bolso, um telemóvel inteligente que possibilita tarefas tão distintas quanto fazer chamadas ou tirar fotografias. Nunca pensámos que o telefone fixo sairia de nossa casas, mas a verdade é encontrá-los é cada vez mais raro – até mesmo as cabines telefónicas foram reduzidas em algumas cidades. Na realidade, também nunca pensámos que a televisão viria a sofrer as mutações de que temos sido testemunhas. E isto tudo, claro, sem referir a internet – cada vez mais rápida, acessível e com novas possibilidades.

Fruto de inúmeros avanços, o conceito de broadcasting surgiu com o aparecimento dos meios de comunicação de massas rádio e televisão, e diz respeito à comunicação destes em jeito de um-para-muitos, de um emissor para muitos recetores, numa relação assimétrica em que o recetor não tem qualquer influência sobre ela (McQuail, 2003; Machuco Rosa, 2013). Como diz Jonathan Bignell (2004), é a transmissão de sinais de uma fonte central para um grande número de recetores numa grande escala

108 geográfica (um-para-muitos). Ou, segundo o dicionário de Cambridge, broadcast pode- se tratar, enquanto substantivo, de um “programa de rádio ou televisão”; enquanto verbo, trata-se do ato de transmitir um programa na rádio, na televisão ou, atualmente, na internet. Mas nem sempre foi assim.

Se a televisão teve um progresso mais rápido do que o da rádio, especialmente na evolução e na forte presença nos lares, então a internet foi ainda mais rápida. O público adotou este novo meio quando começaram a ser comercializados os primeiros serviços de internet (Leiner, 1997), mostrando desde logo que viria a ser uma opção bem procurada por indivíduos de todo o mundo. Criava-se com ela um novo mundo, um mundo cada vez mais ligado entre si, ainda mais próximo da “aldeia global” falada por Marshall McLuhan. E se na sua primeira fase já era bastante procurada, imagine-se com o surgimento da web 2.0, que, no fundo, diz respeito a uma web muito mais interativa e participativa do que a antecessora (O’Reilly, 2005). Foi então estimulado o aparecimento de plataformas de redes sociais ou páginas wiki, entre outras, dando mais azo à clara fórmula de comunicação de um-para-um deste meio. Com isto tudo, surgem conceitos como o user-generated content, ou o conteúdo feito pelo utilizador, provando que na internet há esse tipo de comunicação. Uma comunicação em que o utilizador tanto pode ser o emissor como o recetor – um exemplo, entre outros, é o YouTube, que, “apesar de decididamente distinto da televisão”, desde cedo “ensinou os espetadores a ver formatos como aqueles da televisão online” (Jenner, 2018).

Com estes e outros pormenores, começa a notar-se uma fragmentação do público, especialmente com o especial interesse que este nutre pelo mundo online. E nos últimos anos, tem havido um fenómeno de entretenimento que tem chamado a atenção no que toca à sua influência nos hábitos de consumo por todo o mundo, até mesmo em Portugal (Matos, 2018). Referimo-nos à plataforma Netflix, cuja oferta pode estar disponível nos mais distintos dispositivos, até mesmo nas televisões de nossas casas. Este fenómeno, que tem influenciado empresas como Apple, Amazon ou Disney a entrar no mundo do streaming com mais força, trouxe mudanças conceptuais: os utilizadores querem ser donos do seu próprio consumo. Um consumo individualizado, personalizado, à hora que bem lhes apetecer (Jenner, 2018). Isto leva

109 a que muitas das pessoas passem a optar por este tipo de serviços, sendo que muitas vezes optam por um consumo híbrido entre meios lineares e ofertas streaming.

Apesar de a Netflix só ter ganhado popularidade nos últimos anos, pelo menos em Portugal, certamente será uma plataforma que os broadcasters veem como uma ameaça. Mas não podemos apontar dedos apenas a este serviço de streaming, sendo que já há muito tempo que os consumidores optam por outras vias de entretenimento, como é caso do YouTube ou até da pirataria, que permitiu que pessoas de todo o mundo, ainda que de forma ilegal, fizessem transferências de filmes ou outros conteúdos para os seus dispositivos. Os broadcasters sempre olharam para o online como uma ameaça, mas a grande parte não fez desde logo o que deveria ser feito: aproveitar as potencialidades do online não apenas para produção, mas também para distribuição (Álvarez-Monzoncillo, 2011). O aproveitamento para distribuição de conteúdos foi muito passivo, muitas vezes como mero catch-up, seguindo apenas uma lógica de extensão face aos meios nativos (Moe, 2008; Jenner, 2018). Mas por que razão não haveria um broadcaster de aproveitar este mundo em pleno? Ao fazê-lo, pode atingir o público cada vez mais fragmentado, contorna a eventual pirataria que se possa fazer do seu conteúdo e, mais ainda, cria novos espaços para eventuais receitas de publicidade.

Hoje, é possível termos um “portal de televisão customizado”, como se lê em A Televisão Ubíqua (2015), algo que não passava de uma previsão há uma série de anos. Podemos até abdicar de serviços de televisão, como a Netflix (2018) prevê que aconteça no futuro. Por exemplo, é possível subscrever a um serviço de entretenimento, como Netflix e HBO, e aliá-lo à televisão gratuita via streaming, como RTP Play. Para isso, é suficiente um serviço de internet e um dispositivo com ligação ao online, algo que é bastante usual hoje, até mesmo no dispositivo de televisão, seja nas chamadas Smart TVs ou através de aparelhos como Google Chromecast. E não há dúvidas que este tipo de consumo é cada vez mais procurado, até mesmo o das emissões em direto: em janeiro de 2019, mais de meio milhão de pessoas consumiram televisão em direto através do site do RTP Play (RTP, 2019), sem contar com aqueles que o possam ter feito através de aplicações mobile ou TV.

110 Respondendo concretamente à primeira das três questões de investigação, Como é que broadcasters, concretamente canais de televisão, utilizam o online como meio para transmitir o seu conteúdo?, poderíamos olhar para vários exemplos à escala global, dos Estados Unidos da América à Europa, como referimos alguns casos ao longo do estudo. No entanto, este estudo centrou-se na RTP, que, enquanto serviço público, tem feito esforços para estar adaptada ao novo mundo do streaming à distância de um clique, apresentando-se até à frente da competição direta, SIC e TVI. Em suma, através da plataforma RTP Play, a RTP oferece o seu conteúdo em pleno no online, sendo possível consumir televisão em direto e em diferido através de telemóveis, tablets, computadores, até mesmo automóvel – neste último exemplo, a rádio é a mais procurada. Um dos destaques é a televisão: mesmo sem Smart TV, há inúmeras formas de usar o dispositivo televisão para consumir emissões da RTP, como é caso de aparelhos como o Google Chromecast ou das aplicações para AndroidTV e Apple TV. Antigamente, não se utilizava o online como meio para o mesmo broadcasting que acontece na televisão linear, mas, através da sua aposta, a RTP prova que esse é um ponto importante. Como se não bastasse, tem também uma oferta on-demand, um lado cada vez mais procurado pelo público. E o público, esse, está cada vez mais fragmentado, por isso, é importante estar em diferentes plataformas para o atingir, como referiram, já em 2008, Einay e Carey no livro Television Goes Digital.

Em relação à segunda questão de investigação, Como são as utilizadas as potencialidades do online?, podemos dizer que, visto que o online é um meio interativo e participativo, seria de esperar que o RTP Play apresentasse características desta índole. Há interatividade, mas em especial no mobile e no computador, como as opções de partilhar, notificações ou favoritos. A personalização e individualização que se vê em plataformas como Netflix é, no caso do RTP Play, mais fraca. Falta a possibilidade de criar contas de utilizador que permitam, por exemplo, um perfil com recomendações e desenhado à medida do indivíduo. Nas emissões em direto na televisão, o player apresentou-se mais rudimentar do que uma transmissão em direto proporcionada pelas boxes dos operadores de televisão. Um exemplo claro é não dar para voltar até o início de uma emissão, sendo apenas possível fazê-lo até ao ponto em

111 que determinado conteúdo começou a ser visualizado, algo que numa box de um operador é impensável. No mobile e no computador isso é ainda mais visível, sendo que não permite sequer voltar até o momento em que começámos a consumir determinado programa ou emissão. No entanto, isto não quer dizer que o RTP Play seja um serviço rudimentar, até porque a oferta é rica, tanto em direto (é possível consumir todo e qualquer canal ou estação de rádio gratuitamente e nos mais variados dispositivos) como em diferido, e é de notar que, em Portugal, é um “serviço pioneiro”. Como disse João Galveias em entrevista nesta dissertação, vai haver mais melhorias, como é caso de avanços na personalização ou até de uma maior aproximação ao dispositivo televisão e aos operadores. E embora não tenhamos analisado a fundo canais como SIC e TVI, é de notar que sabemos que estes não utilizam ao máximo as possibilidades que a tecnologia traz.

Por fim, fizemos também uma pergunta de resposta mais direta: Pode um indivíduo, apenas com serviço de internet, consumir televisão? A resposta é sim. Assim como temos visto ao longo deste estudo, através do RTP Play, por exemplo, é possível consumir conteúdos RTP (em direto ou a pedido) em diferentes dispositivos, algo que se tem verificado também no resto do globo. Para isso, basta um aparelho com ligação à internet, como uma Smart TV, uma box AndroidTV, um Google Chromecast, um telemóvel ou até um computador para o fazer. Em Portugal, com mais ou menos acessibilidade, com mais ou menos opções, um indivíduo com serviço de internet consegue também consumir qualquer canal de TV ou estação de rádio gratuitamente. Além de ser mais democrático, dá oportunidade para os broadcasters atingirem o público fragmentado de que tanto falámos.

Ao longo deste estudo, pudemos perceber que, com todo o avanço tecnológico aliado às apostas dos broadcasters no online, é cada vez mais real haver emissões em direto via internet, chegando-se mesmo a colocar a possibilidade de um indivíduo abdicar de serviços de televisão, pois pode consumir TV apenas com os seus serviços de internet. No entanto, este foi um estudo qualitativo, pelo que pudemos apenas tentar compreender a forma como se têm alterado padrões de consumo ou, entre outros aspetos, como tem sido a atitude dos broadcasters, concretamente da RTP no nosso

112 caso. Por isso, poderá ser interessante que, no futuro, se procurem fazer estudos quantitativos neste sentido, de forma a perceber, por exemplo, a visão do público face a estas possibilidades. Outras possíveis investigações interessantes passam por estudos comparativos entre RTP e outros canais portugueses, por exemplo, ou entre os broadcasters nacionais e internacionais. Até lá, fica a certeza de que não é preciso um serviço de televisão para consumir televisão: broadcasters como a RTP fazem esforços por garantir que basta um dispositivo com ligação à internet para consumir as suas emissões, como através de, entre outros dispositivos, as Smart TVs, que são cada vez mais usuais nos nossos lares.

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120 Satell, Greg (2014). A Look Back At Why Blockbuster Really Failed And Why It Didn't Have To. Acedido em julho de 2019. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/gregsatell/2014/09/05/a-look-back-at-why- blockbuster-really-failed-and-why-it-didnt-have-to/#7e332a161d64

Spangler, Todd (2019). Clinton-Trump Debate: YouTube Draws Nearly 2 Million Live Viewers, Online Record for Political Event. Acedido em maio de 2019. Disponível em: https://variety.com/2016/digital/news/clinton-trump-youtube-debate-viewership- 1201871946/

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121 Anexos

122 Anexo 1 – Guião da entrevista semi-estruturada

1. No vosso "Projeto Estratégico 2018-2020", é lá referido que pretendem afirmar o RTP Play na plataforma de televisão. Quer isto dizer que há um maior consumo da plataforma noutro tipo de dispositivo, como telemóvel, por exemplo, que não na televisão? 2. Num documento de publicidade da RTP, lê-se que em janeiro de 2019 houve mais de meio milhão de espetadores em direto. Este número vai ao encontro do esperado? Pensam que este número pode vir a aumentar? 3. Dizem também que querem que o RTP Play seja uma “plataforma de disponibilização de conteúdos tipo Netflix”. O foco no diferido é maior do que o em direto? 4. Haverá mais tendência para consumir em diferido? Será que o direto pode ganhar mais terreno? 5. A internet nem sempre foi vista com bons olhos pelos meios clássicos. Acha que isto é uma história do passado? 6. Como vê a internet enquanto meio para conteúdos personalizados? 7. Como vê o crescimento de plataformas como Netflix? Acha que estão a alterar, e talvez cada vez mais, os hábitos de consumo? 8. Qual é que deve ser a posição dos broadcasters na internet? 9. De que forma pode a evolução tecnológica – tanto de aparelhos como as Smart TVs como da própria internet – levar a um aumento deste tipo de consumo via online? 10. Consegue dizer o tipo de público que privilegia o RTP Play? 11. Há exemplos de transmissões em direto fora dos canais e estações de rádio, como é caso do RTP Arena. O que me pode dizer sobre este projeto? 12. Neste sentido, e na sua opinião, o que podemos esperar do futuro dos novos media?

123 Anexo 2 – Transcrição da entrevista com João Galveias

Gostava de começar por perguntar: no vosso "Projeto Estratégico 2018-2020", é lá referido que pretendem afirmar o RTP Play na plataforma de televisão. Quer isto dizer que há um maior consumo, talvez, da plataforma noutro tipo de dispositivo, como telemóvel, por exemplo, que não na televisão? A questão é assim: a RTP Play neste momento é uma plataforma que está estabelecida nos nossos websites, portanto desktop, no computador. Deves conhecer, não é? Depois tens aplicações para iPad e telemóvel, que já tem uma série de funcionalidades interessantes na passagem para a própria televisão. Portanto tu consegues, através do telemóvel, enviar para a televisão por Chromecast, por exemplo, consegues ver no ecrã grande. E nós começámos, no último ano e meio, a fazer aqui um percurso de aproximação às televisões, mesmo ao dispositivo de televisão.

O que é que isto quer dizer? Quer dizer que, neste momento, se tiveres uma caixa Android, podes instalar a aplicação RTP Play para Android TV, se tiveres uma caixa Apple TV podes instalar também uma aplicação para Apple TV, já temos aplicações também para Samsung TV, estamos a trabalhar em LG, e estamos, para além disso, a dar aqui passos muito fortes na direção de trabalhar com os operadores de telecomunicações para colocar também as aplicações da RTP Play como uma estrutura única, uma estrutura com contexto único - não é conteúdos desgarrados, é haver mesmo o contexto RTP Play dentro dos operadores. Portanto, quando vais à tua caixa da NOS, tens lá a aplicações e eventualmente podes lá ter a aplicação RTP Play. Ou quando estás na caixa da Meo, ou quando estás na caixa da Vodafone, ou da Nowo. Isso é o que quer dizer a "aproximação à televisão", é a aproximação desta plataforma digital ao meio televisão, ok? Porque o que tu tens neste momento é: há um paradigma de consumo que evoluiu do antigo, de há 10 anos - há 10 anos tinhas a televisão linear, tinhas alguns conteúdos on-demand em plataformas, algumas delas até piratas, ilegais e tudo isso, portanto não era uma coisa estruturada -, e neste momento o paradigma de consumo alterou-se e tens pessoas que veem linear ainda, pessoas que veem um misto - linear e depois fazem algum tipo de catch-up ou algum tipo de complemento de visualização em plataformas que não são lineares - por

124 exemplo, sei lá, uma pessoa de 40 e tal anos ou 50 anos que tenha a sua televisão normal, que sempre esteve habituado a ver, mas tenha uma Netflix ou uma HBO, ou um RTP Play, obviamente se calhar vê um noticiário em direto e depois a seguir vê uma série na RTP Play, ou na Netflix, portanto faz aqui um consumo misto -, mas depois há um terceiro tipo de consumo: pessoas que provavelmente nem sequer têm serviço de televisão em casa e não consomem televisão linear. Até podem consumir conteúdos lineares, mas não têm uma subscrição de televisão paga nem veem TDT, não é? E essas pessoas podem consumir vídeos através de YouTube, redes sociais, podem consumir através da Netflix, podem consumir através do RTP Play, mas pronto, o mix de acesso é diferente. É mais disperso e é diferente. E o serviço público não pode fazer de conta que estas pessoas não existem, o serviço público tem de ter um serviço consistente, estruturado para estas pessoas. E a RTP Play, quando nós dizemos que nos queremos aproximar à televisão, é: queremos ter um serviço que esteja em todas as plataformas, onde ele já está hoje, mas que tenha um corpo tal que, como outras plataformas que nasceram no digital, se pode esperar é para todos os dispositivos. Basicamente, tu... Eu não sei qual é a tua idade, mas deves ter uns 20 e poucos...

26, sim. Pronto, tens 26 anos. Com 26 anos até se calhar já vives sozinho e tens a tua casa. Se for esse o caso, provavelmente até tens uma televisão - uma televisão, um TV set - se calhar até nem vês TVI, nem SIC, nem RTP, nem não sei quê, mas no teu televisor vês as séries que gostas de ver e os conteúdos que queres ver, não é? Outras pessoas que não têm a sua própria casa e não têm um televisor deles, se calhar têm um telemóvel e um iPad e veem os conteúdos aí, ou no computador. Eu acho que o serviço público não pode fingir que estas pessoas não existem e que não está cá para as servir, tem de as conseguir servir com serviço de qualidade. E a RTP Play é isso: se vires neste momento o RTP Play, não sei se tens lá ido ultimamente, é um serviço já... não é estar aqui a falar... estou a falar em causa própria... mas eu conheço muitos serviços no mundo inteiro e o nosso serviço... há algumas funcionalidades que nós não temos, até pela natureza de serviço público e de não ser uma coisa paga e tudo isso, mas é um serviço de uma qualidade bastante acima da média.

125 É muito curioso pois está a falar de vários pontos que falo ao longo da dissertação e mesmo esse do facto de o serviço público ter de estar apto para o diferente público que há. Por acaso no site Netflix, na parte mais virada para o negócio, lê-se lá que é possível que comece a haver uma maior priorização dos serviços de internet em detrimento dos serviços de televisão. Acha que isto é cada vez mais possível, especialmente tendo em conta as novas gerações... O que é que isso quer dizer?

Que vai começar a haver menos aposta por parte de um indivíduo ou de agregados familiares em serviços de televisão, passando... A ter mais serviços de internet? Mas é isso que eu estava a dizer, Daniel. Neste momento, o paradigma de consumo geral alterou-se - por cá, é um mix, há pessoas que veem coisas ainda de uma maneira muito tradicional, através dos canais normais, e veem assim porque... e mesmo assim penso que já há alguma contaminação porque vejo pessoas que têm acesso a caixas com gravações automáticas em casa e que já veem algum do conteúdo que normalmente veriam em direto, veem a andar para trás. Pessoas de 80 anos que não veem de início, o programa entretanto acaba e estão a fazer qualquer coisa, chegam à televisão e vão às gravações e veem. Portanto elas próprias já estão a usar aqui um mix de on-demand com linear. Este consumo muda.

Depois, de facto, acho que neste momento há uma série de pessoas que está, com tudo o que tem à disposição, a fazer o seu mix. Se tu vires o teu próprio exemplo, e todos os estudos de mercado dizem isso, as pessoas fazem mix. Há um mix. Houve uma altura que, enquanto não chegou a este mix quase generalizado, havia um nicho de mercado que tinha acesso a este tipo de conteúdo e via isto muito em computadores, telemóveis, porque até eram plataformas menos estruturadas, eram coisas piratas, era downloads e não sei quê. A partir do momento que tens plataformas como Netflix, como RTP Play, como HBO, que são plataformas de mercado com centenas de milhares de subscrições ou de visitas por dia, isto começa a transacionar para o mainstream, e começa a ir para as televisões. Mas ir para a televisão não é ir para uma plataforma de televisão linear, normal, é visto na televisão. De repente, a tua televisão é um hub de conteúdos mistos de televisão como

126 conteúdos on-demand de várias plataformas, e o ecossistema fica mais complexo porque de repente não tens só centenas de canais lineares que podes passar, tens canais que podes começar a ver de novo, mas depois tens plataformas digitais, de vídeo, e também de áudio se quiseres, plataformas não-lineares de vídeo ou mistas, como o caso de RTP Play, que misturas linear e não-linear, onde podes, de repente, fazer um mix de acesso ao conteúdo diferente. Isto explodiu em termos de complexidade e portanto...

A tua pergunta era: as pessoas vão cada vez menos ter televisão linear e ter cada vez mais outro tipo de plataformas? Não te sei dizer. Posso dar aqui um exemplo agora em relação a esta questão da pandemia: os sistemas lineares de televisão são muito mais resilientes do que os outros. Resilientes mesmo tecnologicamente. Portanto há aqui um nível de serviço - a melhor maneira para eu transmitir um jogo de futebol continua a ser através de um sistema broadcast, porque se eu for fazer isto numa RTP Play, o custo de distribuição do vídeo e o stress que tenho com servidores que não estão preparados para ter milhares e milhares de pessoas, todas em cima daquilo, não é comparável com o custo que tenho para fazer isso numa plataforma de broadcast. Mas por outro lado, o custo de instalação de uma plataforma de broadcast é muito maior do que o outro. Mas estas plataformas de broadcast já estão instaladas e a funcionar. Portanto... Nós estamos naquelas fases interessantes, que são as fases de mudança, e daqui a uns anos vais olhar para trás e vais ver claramente o que é que se passou. Acho que neste momento estás a transacionar de um lado para o outro, cada vez mais o que sinto é que há pessoas da tua geração que já não sentem necessidade de pagar 10, 15, 20€ para ter um serviço de televisão em casa porque conseguem aceder a todo o seu conteúdo de outra maneira, desde que tenham internet, está-se a andar. Agora, também te posso dizer: se de repente, nesta situação, houvesse um stress em cima das redes, que fizesse cortar o serviço, provavelmente os serviços que iam resistir eram os serviços lineares. Se calhar não conseguirias ter serviços, enquanto que um tipo que esteja a ver RTP1 se calhar consegue ter serviço. Portanto, isto leva-nos também um pouco a repensar tudo isto.

127 Talvez a constante evolução tecnológica - da própria internet ou até mesmo de dispositivos como Smart TVs e afins - se calhar pode significar que vai continuar a haver um aumento deste tipo de consumo não-linear. Isso eu tenho certeza absoluta... Se fores ver todos os estudos, o que dizem é isso, e os aumentos são em ordens de grandeza, não é mais 5%, é mais 50%, mais 100% ano a ano, o consumo de vídeo nestas plataformas. A Netflix nos últimos meses subiu em subscritores que não lembra a ninguém. Nós tivemos aumentos de consumo de conteúdo nas plataformas digitais, nos últimos dois meses, também de números para o dobro. Obviamente são circunstanciais e em determinadas circunstâncias muito específicas - e sabes que estas fases levam-te a ter um molde enorme de gente que vem e depois isto volta normalmente a estabilizar, mas normalmente quando estabiliza, estabiliza a um nível superior ao que estava antes, porque entretanto experimentam um serviço que, se calhar, não usavam diariamente, e de repente faz sentido para elas. E fazendo sentido, entra na rotina do consumo que elas têm. Portanto acho que isso é inexorável, que vai dar essa volta. Agora aqui a questão é: tu estás a falar, por exemplo os sistemas de televisão, embora tenhas muitos canais de televisão, eles são sistemas que são proprietários dos operadores de telecomunicações neste momento. Tens a televisão aberta, que é a TDT, mas grande parte do serviço de televisão, para aí 90% do serviço de televisão em Portugal, grosso modo, é servido através de operadores de telecomunicações, e esses serviços são serviços muito proprietários, portanto são infraestruturas pesadas que entregam o serviço até à porta das pessoas com determinados requisitos de fiabilidade e resiliência, como estávamos a falar. Os outros serviços são serviços que não são com esta proximidade. Por exemplo, um serviço como a RTP Play, a distribuição da RTP Play é gerida pela RTP, através destes operadores de telecomunicações, portanto é um serviço mesmo de internet, over-the-top. É um serviço mais deslocalizado, não é tão centralizado - portanto, por um lado pode ser mais resiliente porque não depende de um operador único para chegar, portanto se de repente a Nos não funcionar podes ir pela Vodafone, digamos assim; mas por outro lado, ao estares mais distante do cliente final, não tens o arcaboiço tecnológico e de dimensão e de escala para chegar lá, se calhar, em tão

128 boas condições porque vais sempre depender, de alguma maneira, da ligação de internet desse operador a outros operadores externos, porque a distribuição da RTP Play é feita de uma forma deslocalizada pelo mundo inteiro por CDNs que depois entregam a cada um dos operadores de proximidade para entregar às pessoas. E o mesmo acontece com a Netflix ou a HBO.

Depois há aqui - não sei até que ponto estás a par deste tipo de sistemas, mas por exemplo há operadores destes que trabalham, mesmo a Netflix, trabalha muito proximamente, porque eles têm de facto uma plataforma extraordinária, com os operadores de comunicações e metem, digamos, portas de saída de conteúdo dentro dos operadores. Nós, por exemplo, não estamos a funcionar ainda assim, ainda que estejamos a trabalhar com eles para isso, nós estamos a funcionar com outro modelo. Nós entregamos na internet normal, que depois entra para os operadores. A Netflix já consegue estar dentro dos operadores e entregar em maior proximidade, mas isto se calhar já é demasiado técnico e pormenorizado para o que tu estás a fazer.

Não me foco tanto nisso, mas por acaso já passei por isso. Até há um autor que define o Netflix como um broadcaster transnacional, e a atenção que eles têm em estar presentes em todo o mundo, no fundo. É um ponto interessante, em que não me foco tanto... Sim, é o que eles fazem. Estás a ver, ao ser um broadcaster transnacional, tu de alguma maneira perderias algum controlo do "last mile", a entrega de proximidade, e, portanto, isso podia comprometer a qualidade com que entregavas o serviço. É aquilo que te estou a explicar, ao fazeres um serviço OTT, over-the-top do operador, não usando a plataforma de escala que o operador tem, estás a correr riscos porque não controlas como entregas. E então o que é que a Netflix faz ao perceber isso - porque aquilo é uma equipa de malta muito esperta e são muito competentes - o que é que eles fazem: para garantir essa proximidade, vamos junto dos operadores colocar dentro do backbone, meter portas de saída do nosso conteúdo lá dentro. E, portanto, consegues controlar, quase até ao final, o teu percurso. E depois dá-te a possibilidade de controlares o nível de serviço, coisa que poderias não controlar. Posso dar um exemplo muito... é caricato quase, mas é interessante, que é: há uma abordagem, em

129 termos desta conceptualização que eu estou a dizer, a abordagem entre a HBO e a Netflix é completamente distinta. A Netflix tem isto que eu estava a dizer, a HBO não tem, a HBO é como nós, fornece através por CDNs que são mundiais e que podem ter pontos de entrada nas CDNs cá em Portugal, mas são mundiais. Mas tu se vires, quando começares a ver um vídeo na Netflix, a Netflix manda-te sempre com a qualidade máxima que o vídeo é possível passar, ok? Tu quando entras, aquilo está logo a bombar, porque como eles têm uma latência muito pequena e estão dentro do backbone, conseguem dar-te o serviço com melhor qualidade. Já a HBO, se tu vais reparar, se tu ligas um vídeo da HBO - por exemplo, vai ver o Devs - ligas o Devs, nos primeiros segundos aquela porcaria está sempre ratada e só depois, quando a rede percebe que tem largura de banda suficiente, é que vai para a qualidade máxima, estás a ver. E isto aqui, que parece um pormenor, que é quase caricato, é quase uma anedota, é uma mudança drástica na qualidade de serviço. Porque tu, na tua cabeça é: quando carrego a Netflix está sempre boa, quando carrego a HBO aquilo está sempre meio ratado, estás a ver? Depois fica bom, mas o primeiro contacto é ratado. Portanto, às vezes coisas que não estão à vista têm grande impacto, e isso pode ser muito engraçado.

Nós até estamos aqui falar de Netflix, HBO, e estas são plataformas que estão inevitavelmente ligadas ao consumo em diferido. Como é que a RTP, concretamente o RTP Play, vê o consumo em direto através do online? A parte mais importante do serviço da RTP é em direto. A parte mais importante do RTP Play é em direto. É muito mais o serviço em direto do que o serviço a pedido. No dia a dia, estás a ver?

Num documento sobre publicidade, de janeiro de 2019, lê-se que nesse mês tiveram cerca de meio milhão de espetadores em direto. Desculpa, qual documento é esse?

É um documento para publicitários, tem lá vários números e tem um sobre o RTP Play, que refere 500 mil utilizadores, ou espetadores, em direto no mês de janeiro. Isto é um número que continua mais ou menos o mesmo? Acha que é possível que este número aumente no futuro?

130 Como eu estava a dizer, a procura por direto na RTP Play é muito grande. Não te esqueças que nós transmitimos jogos de futebol da seleção, agora durante esta questão da pandemia as pessoas estavam todas ávidas de ter informação em direto e, às vezes, não estavam numa situação que pudessem... Imagina, em casa os miúdos estão a fazer qualquer coisa na televisão e o pai quer ver as notícias, vai ligar a RTP3, a Sic Notícias, a RTP1 que está a dar o telejornal, portanto, os eventos em direto tendem a ser sempre uma componente grande do consumo. Agora, depende do que tu estiveres a transmitir, não é? Notícias é sempre uma base line, mas depois grandes eventos desportivos, um grande evento de entretenimento, é onde está a tração. A rádio em direto também é interessante. As rádios têm... É engraçado, as curvas ao longo do dia são distintas. Tens nas curvas de rádio, estão muito baseadas - é engraçado que 'memetizam' muito a perceção que nós temos da própria audiência no drive-time, que é engraçado, que é quase contraintuitivo, pois se as pessoas estão a guiar faz sentido que ouçam no carro mas não faz sentido que ouçam num rádio de computador. Mas as curvas são muito interessantes, as curvas de televisão também são, as curvas de televisão tendem a ter picos normalmente em cima de grandes transmissões, quer seja de grande entretenimento e de desporto, e em noticiários...

Então há um consumo... Em direto sim.

Um consumo regular, mas depois em certos eventos há um pico... Há consumo em direto, sim senhor... Deixa-me só ver aqui uma coisa...

[João Galveias consultou alguns documentos no computador] Tens aqui dados interessantes. Por exemplo, tens aqui dados - há uma percentagem elevada de pessoas que vê mais do que 20 minutos em direto, por exemplo. Deixa-me ver um mês antes da pandemia só para teres uma ideia, vou-te dar uma comparação entre uma coisa e outra, mais ou menos em percentagem. Estes números eu não quero divulgá-los pois são números internos. Antes da pandemia, tenho aqui um número, só para teres uma ideia: por exemplo, aquilo que eu estava a dizer, perde 50%, é mesmo uma percentagem muito elevada, veem 20 minutos de uma emissão. É um número bastante interessante. Deixa-me ver aqui em pandemia, abril, só para dar uma ordem

131 grandeza dos números que podem ter aumentado, por exemplo no direto de uma coisa para a outra. Em abril já tem o #EstudoEmCasa, então com o #EstudoEmCasa isto multiplica que nunca mais acaba. O #EstudoEmCasa é uma coisa muito maluca. Também é interessante tu teres essa noção aí no teu trabalho sobre a RTP Play, que é uma coisa que eu te vou dizer a seguir. Pois, aqui [abril] já sobe para mais do dobro, em termos de plays do mês de janeiro para abril, os plays vão quase para o dobro, os utilizadores totais não duplicam para o dobro, mas duplicam digamos aí uns 30% em utilizadores únicos, pessoas diferentes, pessoas completamente diferentes. Atenção que estou aqui só a falar de web, não estou a falar das aplicações, que isso acrescenta mais números. Mas aqui só web, só através do site, consegues ter provavelmente mais de 1/3, multiplicas por 1.3 os utilizadores, mas multiplicas por 2 o número de utilizadores. Houve uma grande vontade de consumir aquele conteúdo em direto com a pandemia. E no final nota-se que tens muito consumo que tem a ver com o #EstudoEmCasa, que é um consumo interessante.

Agora, aquilo que eu te queria dizer sobre a plataforma, a plataforma da RTP Play, neste momento, já tem um grau de maturidade que nos permite lançar... neste momento é um universo, é um framework que é um universo de aplicações. Neste momento tens o RTP Play, que é, digamos, o site mãe, mas depois tens o Zig Zag Play, que é um player de conteúdos para crianças, e isto também é uma aplicação, depois tens aquilo que lançámos agora, o mês passado, que foi o #EstudoEmCasa, que é no mesmo framework, que tens as aulas todas, isto é mesmo uma plataforma de estudo à distância, são as aulas do Ministério. Lançámos isto em tempo recorde porque tínhamos o framework e conseguimos trabalhá-lo com as especificidades todas que isto precisava para lançar isto. Isto é um projeto que demorava 6 meses a fazer e que nós conseguimos fazer em duas semanas ou coisa assim. E depois temos uma coisa que lançámos agora há duas semanas, que é o RTP Palco, que é um RTP Play para as artes performativas. Portanto, isto é possível porque o framework já está com uma maturidade que permite fazer isto. O que eu te quero dizer é: o RTP Play é, neste momento, um ecossistema de aplicações temáticas, onde há uma genérica, que é o RTP Play, depois tens: crianças, artes performativas, podes ter desporto (não está fora

132 de ter desporto, provavelmente desporto poderá ser uma instância destas), portanto tens aqui um universo que é um ecossistema de aplicações todas com o mesmo serviço, depois distingues é pelo tipo de conteúdo e o tipo de contexto de conteúdo que ele tem.

Voltamos àquela questão que ainda há pouco estava a referir, do facto de a RTP, sendo um serviço público, ter de chegar... E isso nota-se, por exemplo, no próprio RTP Arena. É interessante ver a forma como a RTP pegou num mundo, neste caso dos esports, com essa tentativa de chegar a outros públicos e... Sim, a RTP Arena neste momento é o grande operador de esports em Portugal, não há dúvida. Os maiores canais Twitch em Portugal são nossos, não é. Isso também é gerido pelo meu grupo de trabalho, é também da nossa área.

E aliás chegam a... não sei se foi ontem que vi que estavam cerca de 5000 pessoas em simultâneo a ver um torneio que estava a haver... Sim, sim. É uns qualificadores da BLAST. Mas nós já tivemos transmissões com 60 mil pessoas em direto na Twitch. E o nosso canal Twitch de CS:GO agora tem mais de 100 mil subscritores, que já é um número inacreditável. 100 mil subscritores no canal de CS:GO quer dizer que todas as pessoas que gostam de CS:GO de certeza que estão lá. Mas acho que estamos a fazer um trabalho muito interessante, é um trabalho que começou há mais ou menos quatro anos, teve o seu caminho, mas acho que é um trabalho interessante, acho que está muito sustentado agora, é uma coisa sólida.

Mas RTP Play já existe desde 2011? 2008. Há mais. Neste formato final... Deixa ver se tenho alguma coisa que possa partilhar contigo, dá-me um segundo...

[João mostrou uma apresentação de avanços visuais RTP Play, incluindo de transmissões como do Alive, Mundial de futebol]

[Ainda a mostrar]: Esta aqui é a grande evolução que estamos a fazer neste momento, que é passar de uma catch-up TV e rádio para uma plataforma de distribuição de conteúdo. Como estávamos a falar há bocado, é uma plataforma que existe só por si, não está ligada nem há necessidade de estar ligada a um canal de televisão. Esta

133 plataforma existe só por si, tu podes nunca ter contacto com o canal, mas podes consumir os conteúdos na plataforma. Não tens top of mind, "ah, eu não vi isto no canal 1, deixa ver aquilo" é tipo "vou ali ver o que é que a RTP tem" ou "isto é da RTP, vou ali ver". É esta mudança conceptual que é importante.

[Mostrou os planos para haver registo e single-on para personalização]

E depois esta questão da distribuição, que é importante, aquilo que falava aqui dos operadores IPTV, das consolas, Smart TVs... Alguns destes caminhos nós já estamos a fazer, por exemplo as Smart TVs estamos a fazer, os operadores IPTV estamos a fazer o caminho, as consolas estamos a fazer o caminho. Há aqui caminhos mais difíceis, por exemplo "connect devices" e o "connect cars". Nós já estamos a fazer parte do caminho - por exemplo, já estamos a fazer coisas para a Car Play, da Apple, a Android Auto, estamos a fazer coisas. Mas o problema é que o Android Auto, por exemplo em Portugal, ainda não está a funcionar como deve. Todos os dispositivos de voz ainda não estão a funcionar em Portugal como deviam, não há língua portuguesa. Também há conteúdos exclusivos da RTP Lab. Estamos sempre a ante estrear as séries todas no RTP Play, isto é podcasts, isto é o RTP Palco, Desporto, pronto, é isto, foi a apresentação que foi feita. Não sei se alguns destes dados te interessam, esta parte aqui histórica, precisas disto?

Sim, sim. Porque nota-se que a própria interface hoje em dia está mais direcionada para, lá está, deixar de ser catch-up e passar a ser uma plataforma... Nota-se na própria interface. Exatamente. Tu dantes aqui [a mostrar ecrã], nesta interface, era uma interface em que escolhias qual era o canal, estás a ver? Começavas por aí, a cena era "vídeos da RTP1"... Agora, neste momento, nesta interface que temos aqui nova, que é esta, é séries... Quando vais para um RTP Play, neste momento, nada disto te diz que é RTP1 [a apontar para conteúdos no site]. Aqui tens os canais em direto, como eu te digo continuam a ter muita tração, mas nada te diz de que canal é que isto veio. Só sabes que tens aqui 30 séries, que são muito mais... Nada te diz aqui o canal...

134 [O entrevistado procedeu em mostrar vários sites europeus do mesmo tipo] Quando eu te estou a dizer que nós no benchmark estamos muito lá, estamos mesmo muito lá.

Acho que o grande problema no nosso, neste momento, é mesmo a questão do registo, é aquilo que nós temos mesmo de implementar agora para personalizar, mas tudo o resto... Por exemplo, irlandesa, mercados parecidos com o nosso, quer a VRT quer a irlandesa RTE...

Desculpe, João, este registo que fala é naquela lógica de querer uma maior personalização para o... É, é exatamente isso. Por exemplo, neste momento, nós na RTP Play vamos lançar agora uns módulos de continuar a ver e não sei quê, só que se eu não tiver o registo, não consigo continuar a ver noutro dispositivo. Eu até posso dizer, por exemplo, neste momento nas aplicações da RTP Play, se tu começares a ver um vídeo, quando voltas à aplicação pergunta-te se queres continuar a ver o vídeo a partir daquele sítio. Só que se tu fores online, não tens isso. Mas se tu tiveres registado, vai acontecer isso. Esse nível de personalização e tu teres... Basicamente são três ou quatro coisas que são essenciais: a tua zona de histórico, os teus favoritos e o continuar a ver, percebes? Que é o que estes fulanos estão a fazer. Este RTE Player... Este não se compara com o nosso, eu não acho que se compare. E eles são topo da linha. Agora se quiseres ir para os privados, alguns deles nem estão neste caminho, alguns para sobreviver tiverem de fazer algumas coisas mas...

Aliás, no caso português... O caso português não existe. Tu tens o TVI Player, que eu... Mas eu também sei que as contas não são fáceis, sei que as contas não são nada fáceis e respeito muito o trabalho dos meus colegas.

Agora a última novidade será a SIC, que quer avançar com uma espécie de RTP Play... Mas ouve uma coisa, a SIC quer avançar...

Mas mesmo no anúncio de querer avançar, eles apontam uma data muito longínqua... A malta às vezes tem de dizer coisas. É preciso dizer coisas. Estas coisas não se

135 montam em três dias. Uma coisa destas não é em três dias, isto é complicado de fazer. Tu se fizeres aparecer uma coisa do zero, isso tem um grau de complexidade. Não é fácil, mas tem um determinado grau de complexidade. Fazer uma coisa aparecer que tem de estar ligada a todos os sistemas de uma estação de broadcast, como é o caso, isso é um bocadinho mais complicado. O sistema é complexo, tem muitas variantes, tem muitas coisas, tem muitas peças.

Estava aqui a dar exemplos, mas sei lá, deixa ver um exemplo privado interessante... Estamos sempre mais focados no público do que nos privados, mas tens os espanhóis da Mitele, da Telecinco... E tens o ATresPlayer... Se comparares isto com o RTP Play... o benchmark, nós estamos bem, acho que estamos muito bem. É muito semelhante. Havia um exemplo em França também, 6Play... Na América tens alguns exemplos, lá também estão a partir para estes players, tens o Peacock da NBC, o All Access da CBS, a ABC também tinha... Estão todos a caminhar para isto, tens de ter esta presença, se não tiveres esta presença... Se não estiveres aqui não sei como é que vais conseguir...

[Procedemos a ver outros exemplos]

Qual é que tem sido o tipo de público que privilegia o RTP Play?

Os nossos "analytics" não têm essa granularidade. Há aqui alguns números que nos podem indicar alguma coisa, mas não tenho números certos para te dizer. Acho que é across the board e os indicadores são populações mais novas. Mas é muito across the board porque os produtos são generalistas, agora eu não tenho números para te dar concretamente, portanto se estás a fazer uma tese de mestrado é bom que tenhas coisas que sejam sustentáveis e eu não tenho números para te fornecer, portanto não te vou dar números.

Em jeito de conclusão, na sua opinião, o que é que podemos esperar do futuro da televisão? Agora a pergunta é: quando dizes televisão, o que é que estás a referir como sendo televisão?

Enquanto produto televisivo: os conteúdos, os... O que eu te posso dizer, a sensação que eu tenho, e acho que isso é uma coisa que, se

136 fores ver a vários estudos, vão-te dizer isso, é que provavelmente nunca se consumiu tanto vídeo como se consome agora. Mas consome-se vídeo de maneiras muito distintas do que se consumia antes, era o que estávamos a falar há pouco, portanto o paradigma de consumo é distinto do que era porque há uma maior dispersão de oferta, há uma maior dispersão quer de oferta de conteúdo quer de oferta de outlets - portanto, de dispositivos e de fornecedores do próprio serviço - e essa pulverização tem resultados interessantes. Por um lado, a pulverização tem o aparecimento, se calhar, de talento e conceitos que não apareceriam normalmente, não é? Isso é um ponto de vista interessante. Outro ponto de vista interessante também é os modelos de financiamento desses conteúdos e de negócios associados também tem de evoluir. Sei lá... Tens um modelo, como o modelo da Netflix, que é de facto um grande produtor de conteúdos, é uma empresa tecnológica, é uma empresa de tecnologia, mas também é uma empresa de conteúdos, e metem muito, muito dinheiro em conteúdos todos os anos, e dão uma liberdade criativa que te permite, se calhar, desenvolver conceitos com tipos de narrativa que não existiam, há aqui um desenvolvimento muito grande mesmo da forma como o produto vídeo é conceptualizado. Tu vês séries extraordinárias, a sequência das séries, as narrativas são muito mais complexas. Sei lá, um Westworld, por exemplo, embora seja da HBO e tenha começado na televisão tradicional, é uma série muito filha deste tipo de novas narrativas, em que tu temporalmente as coisas navegam de um lado para o outro, as personagens têm histórias muito complexas, muito intrincadas e tudo isso. Há aqui uma nova maneira de fazer drama, de contar a história e produzir. Isto é por um lado, drama e entretenimento, tudo isso muda.

Por outro lado, há uma série de modelos que é muito difícil de rentabilizar. Quer dizer, o modelo de criadores para YouTube, pessoas que trabalhem uma plataforma como o YouTube, ou tens um produto que tem muito sucesso e que é uma coisa tipo Wuant, ou unboxing ou não sei quê, e que consegues montar ali algum modelo lateral em que ganhas dinheiro pela exposição que dás ao conteúdo e não sei quê, ou então com a publicidade que o YouTube te dá, o dinheiro que dá de publicidade também consegues viver tu sozinho, não é. Quer dizer, se ganhares 2000€ ou 3000€ ou 4000€ por mês já é

137 muito bom para ti, mas isso não dá para sustentar uma produção profissional. Tu não consegues fazer uma série drama com o paradigma de YouTube a receber 3000€ por mês, ou 4000, a sustentar quatro atores, argumentistas e não sei quê... Portanto acho que isso são tudo desafios. Por um lado há coisas muito positivas, há novo talento a aparecer, novos conceitos; depois por outro lado há problemas de modelo. Nestas novas plataformas muito abertas, depois qual é o modelo? Por exemplo, tu vês uma coisa extraordinária que aconteceu agora nos últimos meses que foi o programa do Bruno Nogueira no Instagram. Todos os dias, atingiu 50/60 mil pessoas por dia. Muito bem, atinge estas pessoas, não teve nenhum modelo de negócio associado. Aquilo é uma coisa que ele generosamente deu. Mas se aquilo tivesse um modelo de negócio associado, se calhar já era muito difícil de concretizar. Imagina que o Bruno em vez de receber donativos, como estava a receber, decidia receber donativos para ele próprio - pronto, é uma maneira de ganhar dinheiro legítima. Mas isso já fazia com que, se houvesse dinheiro envolvido, já muitos dos convidados teriam de participar noutro registo.

Eu acho que o futuro é bom, o futuro é bom. Agora, isto vai tudo ter de acamar, como eu te dizia há bocado, isto daqui a uns anos, tu vais olhar para trás e vais ver. Isto é como a situação do Covid, esta situação do Covid-19, tu neste momento estás aqui no meio disto, e toda a gente... é só cenários catastrofistas... primeiro ninguém percebia o que é que se ia passar, toda a gente estava a passar como cão por vinha vindimada e não se passava nada, os sinais à nossa volta e toda a gente fazia de conta que não via nada. Depois caiu-lhes isto em cima da cabeça e agora toda a gente vê coisas negras: nunca mais se vai viajar - nunca mais, não. Isto daqui a uns anos passou. A gripe espanhola também passou. OK, com mais ou menos companhias de aviação, daqui a 20 anos há outras, se não houver estas há outras. E se não viajam tanto como viajavam é porque não era necessário. Se calhar estávamos todos a viajar de mais. Isto para te dizer que quando estás no meio destas coisas, tu tendes a amplificar os problemas e a subestimar as ameaças, ou a subestimar... E neste momento, de facto, os media estão ainda durante uma revolução, ainda não se chegou a lado nenhum, ainda se está no meio. Há algumas coisas que parecem já mais certas, mas... a dimensão que o

138 Facebook tinha há quatro anos e o que agora é, não é? Diluiu-se. Ainda é um monstro, mas é um monstro diluído, que não tem o impacto que tinha. Ainda causa muito problema, mas já não é a mesma coisa. Quem diria isso? Quem diria há cinco anos que o Facebook estaria neste momento como está.

Ainda há muito por descobrir, não é? Eu acho que sim. É interessante ver... A questão é “o quê”. A televisão é a televisão broadcast nos anos 30? Essa televisão está a transformar-se. A própria rádio também se está a transformar. A literatura também se transforma. Tu lês livros no iPad, ou no Kindle, não é... Mas continua a haver literatura, não é?

No fundo eu penso um bocado assim. Penso que não quer dizer que a televisão linear irá acabar, mas creio que há um novo meio para consumir... Há vários meios. Os conteúdos podem ser consumidos de outra maneira. E ao serem consumidos de outra maneira, e com outro nível de acesso dos próprios criadores, novos conceitos podem aparecer, o que é bom.

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