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Periódico cultural • Ano IV • No 30 • Março de 2009 • Tiragem: 2000 exemplares • Distribuição Gratuita • Belo Horizonte • MG • Brasil 2

Colocar consumo e arte na mesma frase pode ser motivo suficiente para causar arrepio a ouvidos desatentos. E digo desatentos porque Consumo de arte: falamos nesta edição do Letras da acepção mais ampla do consumir - desfrutar, vivenciar, usar, absorver. para dar e vender Talvez estejamos um bocado viciados na noção do “ter” como condi- ção para o “consumir”. Felizmente falamos aqui de arte, e o possuir se torna menos importante do que o conhecer. Falamos de um universo em que sentimentos, sensações e impressões pessoais gravadas na Fale com o Letras: memória constituem o patrimônio maior, e mais rico é quem mais [email protected] viu, sentiu, ouviu.

Claro que há mercado para se discutir, e é conversa para mais de ano se começarmos a pensar em conceitos como preço e valor. Uma con- versa pertinente, sem dúvida, mas hoje, agora, nessa edição número 30 pelo menos, não é a única. Ainda bem.

Comemore conosco a terceira dezena de Letras com essa certeza feliz: arte para mim, para você, para todos nós, para quem pode e pra quem quer. Consumimos arte de maneiras diferentes, mas participamos disso de maneira deliciosamente democrática. Só querer. Boa leitura! Carla Marin

Ana Caetano

Carlos Augusto Novais nasceu em João Monlevade em 1958. Poeta ISSN 1983-0971 e professor de Filosofia e Literatura, publicou os livros de poesia “A de palavra” (1989), “alvo S.m.” (1997) na Coleção Poesia Orbital, o CD de Editoria e Direção Geral: Carla Marin Carlos poesia “Cacograma” (em parceria, 2001). Participou como editor das Editor: Alemar Rena revistas “Alegria Blues Banda” (1979), “Salto de Tigre” (1993), “Mostra Editor Honorário: Bruno Golgher Poética de Belo Horizonte” (1994-1996), do jornal “Inferno” (2000) e foi Editorias um dos coordenadores do 1º Festival de Poesia de Belo Horizonte (1994). Arquitetura: Carlos Alberto Maciel Com um paideuma variado, entre a poesia marginal, o hai-kai, a poesia Artes Cênicas: Mônica M. Ribeiro concreta e o lirismo dos modernos, Carlos Augusto já conta com uma Cinema: Rafael Ciccarini obra expressiva onde ele consegue filtrar essas influências em versos Cultura e Literatura Judaicas: Lyslei Nascimento Augusto sólidos, pungentes e musicais. Como nessas quadras ainda inéditas em Design: A&M’Hardy’Voltz Fotografia: Gabriel Malard homenagem ao poeta russo. Gestão Cultura: Eleonora Santa Rosa Literatura: Pedro Malard Moda: Carla Mendonça Colunas Novais Aventuras Tecnológicas: Paulo Waisberg Direito e Cultura: Rafael Neumayr e Alessandra Drummond Economia da Cultura: Nísio Teixeira Jazz: Ivan Monteiro Poesia: Ana Caetano Tecnologia e Cultura: Alemar Rena tributo a maiakóvski Redação (esta edição): Ana Elisa Ribeiro • Carlos Gradim • Cristina Fornaciari mais fácil é ser feliz mais fácil é subir ao paraíso Filipe Amaral Rocha de Menezes • Marcelo Miranda Paula Zasnicoff Cardoso vencer as mesmas batalhas galgar os eternos degraus por todos já negociadas por todos já partilhados Capa: Renato Loose • www.renatoloose.com sem riscos nem um triz sem corda nem bala vil Design: Jumbo

Jornalista Responsável: Vinícius Lacerda mais fácil é manter o riso mais fácil é perder a rima Tiragem: 2000 exemplares cantar as conhecidas baladas Impressão: Gráfica Fumarc contar as velhas piadas Distribuição: Romã Midia Livre por todos já gargalhadas por todos já dedilhadas sem alaúde nem uma lira Para anunciar no Letras, fale com Bruno: sem choro nem um vício [email protected]

Letras é uma publicação da ONG Instituto Cidades Criativas: Rua mais fácil é rezar a missa mais fácil é dizer o difícil Antônio de Albuquerque, 781 - Savassi confessar os antigos pecados escrever as nobres palavras Belo Horizonte, MG - CEP 30112-010 por todos já perdoados por todos já oficializadas Quaisquer imagens, fotografias e textos veiculados no Letras são de sem terço nem ave-maria sem começo nem fim responsabilidade exclusiva de seu autor. As restrições da legislação autoralista se aplicam, sendo vedada a reprodução total ou parcial de textos e ou imagens sem prévia e expressa autorização do titular mais fácil é viver a vida mais fácil é chegar ao cabo dos direitos. sonhar os amores alados sem misturar as tintas Realização: por todos já enamorados nem atrapalhar o início sem asas nem cicatriz por todos já começado

2009 (inédito)

Número 30 • Março de 2009 3 Literatura premiada

Pedro Malard Monteiro

Marcelino Freire nasceu em Sertânia onde, no mínimo, encantou sua mãe. Se não ficaram encantadas outras pessoas em Paulo Afon- INFERNINHOS so e no Recife, por onde ele também passou e morou, ficaram en- Marcelino Freire cantados os habitantes de São Paulo, capital, onde ele agora mora e agita a vida cultural. Eu fiquei pasmo quando o conheci. O cabra encanta cobra. Quando ele lê um conto seu em voz alta, sereia fica [01] com inveja. Uma vez disseram que o pernambucano fazia bula de — O que é iiiiiiissoooooo, Padre? remédio soar como poesia. Mentira. Tudo bem que ele é ator frus- — O pecado, meu filho. trado confesso, ou seja, tem formação teatral e portanto presença Antes que amanheça de palco, voz apimentada, e timing preciso. Mas o que faz seus con- [02] Éder Rodrigues tos sonoros é que ele escreve como quem faz música. Se publicasse Tirou a calcinha livros em CD, ganhava o prêmio Jabuti logo com Angu de Sangue. e vestiu a camisinha. O prêmio jabuti só veio com Contos Negreiros e veio atrasado. Mas Esse seu jeito de ferir me excita. como a lebre dormiu, o jabuti não chegou tarde. [03] Cubro meu silêncio para desnudá-lo apenas Homem com HIV. quando não mais houver escoros. Eu ainda nem vi o Éder Rodrigues em pessoa, mas já quero ouvi-lo Refaço a cama como quem resiste aos sonhos declamando. Ele acaba de ganhar dois prêmios de contos. Prêmio [04] e impede que se unam em deserto e grãos. em dinheiro. Vou convidá-lo para uma cerveja e ainda vou dizer que — Diz que me ama. ele é quem paga a conta. Além de prêmio em concurso de conto, ele — Aí é mais caro. Pode tomar o meu peito como eterno coleciona prêmio de poesia falada e poesia quietinha. Ele é mineiro e aí cravar o sono que nos aproxima sempre. e mora em Belo Horizonte. Torço que para faça sucesso sem ter que [05] Adoro ecos. Provas inconstantes de que algo vive. sair daqui. Entre o pau e a vulva, Só preciso agora detê-los sobre mim. uma pulga. Marcelino Freire mandou uns Inferninhos especialmente para o Le- Vasculho abrigo por entre seu coração, tras. Éder ofereceu um poema e aguardamos uma prosa que virá. [06] por entre o frio de suas mãos. — Quem é meu pai, mãe? Estar em alguém é construir-me inteiro — O dinheiro. a partir daquilo que escorre ou faz doer. Minha natureza que se esgota é só uma [07] forma de dizer que amo. Bebeu todas. Mentir no intervalo do amor é me manter sensato E não comeu nenhuma. e não me sufocar em vazios e deuses rasos.

[08] E nem pense em esquecer Fodia e noite. Nutrir a ilusão nos faz significar E o tempo quase não se move. [09] Apenas pulsa: — Amor, como é na violência com que respiras mesmo o seu nome? no imundo do teu lábio na tua nudez em detalhes. [10] Tinha idade para ser sua neta. Então: E o pior que era. Dorme, como se cansasse. Enquanto gozo, como se existisse. MARCELINO FREIRE é autor, entre outros, de Contos Negreiros (Prê- mio Jabuti 2006) e RASIF – Mar que Arrebenta, ambos lançados (O que me escapa pelos poros pela Editora Record. Idealizou e organizou a antologia Os Cem Me- É só uma forma de chorar por outras vias). nores Contos Brasileiros do Século (Ateliê Editorial, 2004). Mais in- formações sobre autor e obra, acesse: www.eraodito.blogspot.com Éder Rodrigues - Prêmio Jacy Bezerra de Poesia – Maceió/AL 2007

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o Danilo Corci e Ricardo Giassetti pensando çã

lga em MOJO Books de sucesso. vu i Livro D eletrônico e música

Ana Elisa Ribeiro ficção literária. Em 2008, vieram duas novas Letras: Como é o “consumo” dos MOJO coleções: a de Singles e Comix, baseada em Books? Antes de ter contato com a MOJO Books, tive apenas uma música. DC: Não sei ao certo se entendi bem o que impressa contato com Ricardo Giassetti, que não pa- Ricardo Giassetti: Muita gente acha que você quer dizer com “consumo”, mas temos rece, nem de longe, ter os 37 anos que tem. somos contra outros formatos e suportes de uma base de 60 mil leitores, com cada livro Estávamos batendo um papo em uma mesa- livros, o que não é verdade. A MOJO Books passando, em menos de um mês, dos 5 mil redonda sobre literatura na web, na Casa é uma iniciativa necessária que deu certo. É downloads. Mário de Andrade, em São Paulo. A fala dele com iniciativas assim que os meios evoluem. RG: Vou pegar outro lado de “consumo”... os para ficou por último, como as batatas fritas gos- livros foram, desde seu conceito e projetos tosas que a gente vai deixando no prato. Lá Letras: Vocês são publicitários. O que os le- gráficos, pensados para que atraíssem o pú- pelas tantas, ele começou a falar da editora vou a atacar a produção de livros digitais? O blico e quebrassem a famigerada “barreira 100% digital que ele mantém com o parceiro interesse inicial teve mais a ver com livros ou da leitura digital”. Com isso, quero dizer que Danilo Corci, 34 anos (não sei se aparentes, com música? a função primordial da MOJO Books era cha- download porque não o conheço pessoalmente), e en- DC: Na verdade, “estamos” publicitários. Nós mar gente, despertar o interesse, etc. para tão descobri que livros eram esses. A mistura dois temos formação editorial e queríamos algo que ainda não era consumido em quan- (blend finíssima) é mais do que potente: texto montar uma editora já faz tempo. Como tra- tidade e que ainda gerava certa reticência. com temas musicais em formato para do- balhamos com publicidade para a internet, o Esperamos que a MOJO Books tenha pelo wnload gratuito. Fácil, não? Os MOJO Books caminho natural foi tentar explorar o poten- menos ajudado um pouco o público leitor logo despertaram minha curiosidade. Passei cial literário dentro desse formato. E, claro, o a entender que livros podem ser lançados e a acompanhar a trajetória dos editores não interesse simultâneo em música e literatura lidos em ambiente digital. apenas porque gosto de música e de literatu- levou à criação da coleção. E vemos, a cada ra, mas também porque gosto de edição. Nes- dia, o aumento de vendas de e-books, já já Letras: O livro de papel tem muita ascen- ta entrevista, Giassetti e Corci explicam como superando o papel. Então, por que não fazer dência ainda sobre quem escreve. Os MOJO funciona uma editora digital e como a MOJO isso aqui também no Brasil? podem se tornar livros de papel ainda? Vo- vem se sustentando desde sua “inauguração”, RG: Não apenas pela sensação de vanguar- cês têm esse objetivo? em dezembro de 2006. da que os e-books dão, mas também pela DC: Obviamente, não descartamos nenhu- praticidade e o sentido que fazem no sé- ma possibilidade, mas não temos a intenção Só para localizar melhor os “donos” da MOJO culo XXI. Eu não somente fui editor como de levar a MOJO para o papel. Ela foi criada Books, Giassetti é escritor e roteirista profis- também fui dono de editora. Os e-books, para ser digital e, mesmo que ainda muitos sional. Os textos dele circulam por aí em por- por pior que vendam, por mais que “en- autores tenham dificuldade com o digital, a tuguês, inglês e japonês. Fundou a Pandora calhem”, nunca desperdiçam papel, nunca nova geração não tem – e ela [a nova gera- Books, tem uma bagagem de mais de 300 acumulam custos de gráfica, distribuição... ção] tem escrito muito. títulos e escreveu dezenas de histórias em todas essas funções são executadas pela RG: Mesmo assim, “muita ascendência” é quadrinhos. Danilo Corci é formado em Pro- própria editora – ou, em alguns casos, al- discutível. O número de leitores de obras dução Editorial pela Escola de Comunicação e gumas são delegadas –, o que diminui o literárias não tem crescido muito ultima- Artes da USP. Trabalhou na Folha de S.Paulo. custo final e aumenta a lucratividade do mente, embora o mercado tenha notado um Depois disso, criou e dirigiu as redações de produto. Mais: o formato permite que no- crescimento extraordinário no surgimento conteúdo dos portais BrTurbo e Megazon. vos autores sejam lançados e títulos não de novos escritores e um salto na produção Como se não bastasse a MOJO, ele é redator tão “apelativos comercialmente” podem criativa. De novo, esses fenômenos estão in- da JWT e editor da revista Speculum, na qual ver a luz do sol. timamente ligados ao surgimento e ao uso Giassetti também escreve. A MOJO conta ain- intenso da internet. da com um staff de colaboradores invejável: Letras:E que relação essa ideia teve com a Delfin, como diretor de arte e editor de comix; edição de livros de papel? Letras: A edição de livros 100% digitais é Luiz Guilherme Couto Pereira, editor; Pablo DC: Nenhuma, exceto usar os mesmos me- rentável? Melgar, na editoração eletrônica; Camila Kint- canismos que norteiam uma publicação em DC: Em termos de custo de produção, ex- zel, na revisão de textos; Haydée Uekubo, na papel. Mas desde seu início, tudo foi pensa- tremamente rentável. Mas a MOJO tem um direção de arte; e Larissa Hirsch, na assessoria do para o ambiente digital. modelo alternativo de negócio que não de imprensa. RG: No começo, era estranho quando fe- onera o leitor, buscando fonte de receitas no chávamos um livro com número de pági- mercado publicitário, com ações localizadas Letras: Ricardo e Danilo, precisamos come- nas ímpar. Mas, depois, nos acostumamos. para algumas marcas – é daí que vem o sus- çar nossa conversa explicando o que é a MOJO Outra passagem engraçada foi quando a tento da editora e dos autores. Books. Vocês devem ter uma resposta já en- Microsoft pediu que criássemos um mode- RG: O mercado ainda está engatinhando, saiada para esta pergunta, não é? E então? lo e-book para seu software Silverlight. Na mas as perspectivas são boas. Um dos gar- Danilo Corci: A MOJO Books é uma editora apresentação original, não havia a sensação galos eram “reading devices” eficientes, 100% digital, uma das pioneiras do gênero de flip das páginas, mas pediram que colo- mas, no último ano, vimos esse mercado no Brasil, já que aposta só no formato digi- cássemos uma simulação animada, como decolar, muito graças ao Kindle, da Amazon. tal. Ela foi criada em dezembro de 2006, com se as páginas estivessem sendo folheadas com. O Kindle pode não ser a melhor opção sua primeira coleção, que parte da seguin- quando clicadas. É desse tipo de cacoete que para leitura, mas sua campanha e seu suces- te premissa: “Se um disco fosse literatura, os leitores ainda têm algum resquício e que, so comercial alavancaram outras marcas... que história contaria?”. A partir daí, vários esperamos, sejam esquecidos em uma ou no além de investimentos de empresas como a autores passaram a transformar discos em máximo duas gerações. Sony nesse tipo de aparelho. Em pouco tem-

Número 30 • Março de 2009 5 po, teremos e-ink colorida e formatos de papel leitura digital, ler como a Amazon estava lidando çou seu primeiro trabalho de ficção pela MOJO não é só o que queremos fazer. digital funcionais até para a leitura no tamanho com o assunto. Esse número de caracteres signifi- Books, com “O Fantasma de Caim”, inspirado no RG: Como dissemos, se lançássemos apenas “mais dos jornais convencionais. ca mais ou menos 30-40 minutos de leitura numa New Model Army. Gostamos de quebrar paradig- uma coleção de e-books em PDF” seríamos mais tela de computador, que parece ser, até hoje, o mas e não usar rótulos... o que é um “escritor”? um num mar de corajosos pioneiros marcados Letras: A produção de livros impressos tem um mais aceitável por um leitor proficiente. No happy hour que fazemos todas as semanas, para morrer de fome. A ideia da MOJO Books nos processo bastante complexo, orquestrado por edi- RG: Para os MOJO Singles, observamos uma de- o MOJO Club, em um clube na rua Augusta (São permite, agora, criar outros modelos e produtos tores e do qual participam muitos profissionais. manda que não estava sendo atendida. Mesmo Paulo), não convidamos DJs profissionais para e conseguir a atenção da mídia e dos leitores. Já Qual é o fluxo da produção dos MOJO? Quem são os tentando aproximar a literatura do não-leitor tocar, mas pessoas de várias áreas, publicitários, estamos com meio caminho andado. envolvidos? São profissionais ou cabem amadores através da música, mesmo textos de 20 mil ca- editores, jornalistas... pessoas que têm bom gos- na edição digital? racteres ainda pareciam amedrontadores para al- to e sagacidade. Letras: E quanto à profissionalização? Os livros de DC: O processo é similar. Recebemos o original, guns... então, para viabilizar ainda mais o acesso papel são uma indústria, com profissionais em- fazemos a edição, retrabalhamos o material com a quem praticamente não lê, criamos o formato Letras: Como fica o marketing de vocês? É espon- pregados, salários, notas fiscais. Os editores e os o autor, preparação de texto, depois passa por re- Single, que é, a priori, praticamente do tamanho tâneo? As redes sociais na internet ajudam muito? colaboradores da MOJO vivem de quê? visão, há capistas e designers profissionais, tudo de uma notícia de portal digital... e, isso sim, todo DC: Nosso marketing é todo digital. Criou-se uma DC: Hoje, a MOJO Books praticamente empata como manda o figurino. Em qualquer lugar do mundo lê. Se o leitor não vem até nós, nós vamos espécie de viral, blogs divulgando a MOJO porque entre o que arrecada e o que gasta. Todos os co- mundo, em qualquer mercado, se você quer um até lá buscá-lo. saiu um livro da banda de que o blogueiro gosta e laboradores da MOJO trabalham nas mais diver- trabalho profissional, bem-feito, não há espaço assim por diante. Mas a imprensa tradicional tam- sas áreas, tal como no mundo editorial brasileiro para amadores. Letras: Como é que rola o cuidado com a “litera- bém nos ajudou bastante. recheado de frilas. Mas a MOJO Books é mantida RG: Mais uma vez, a vantagem do on-line sobre riedade” do texto? Ou o vínculo com a música é RG: Foi incrível, desde o começo, o resultado es- pela empresa MOJO, uma house de expertise di- o papel. Somente no último semestre, dois livros mais importante? pontâneo que tivemos na mídia. Inclusive, este gital tocada por mim e pelo Ricardo. Os autores da – um que escrevi e outro que traduzi, para duas DC: O cuidado literário é feito editorialmente. Le- foi um dos motivos principais para estendermos o MOJO, como qualquer outro autor brasileiro publi- editoras diferentes – tiveram de ser “reimpressos” mos os livros, as histórias que têm potencial são projeto além dos 12 volumes iniciais. cado em editoras, tem o seu percentual de direitos em gráfica. O primeiro, por um erro na montagem desenvolvidas, as que não têm, vetadas e retor- autorais preservado. A diferença é que, numa edi- das chapas de impressão na gráfica... na verdade, nadas para os autores retrabalharem, tal como Letras: A repercussão dos MOJO e da editora de tora em papel, ele recebe em cima da venda dos esse livro ainda seria reimpresso uma segunda é feito em qualquer editora no mundo. E como livros 100% digital tem sido bacana, não? exemplares. No caso da MOJO Books, eles recebem vez. O segundo, um livro de arte luxuosíssimo, adendo, vetamos também referências diretas às DC: Muito, mas muito mesmo. Isso nos surpre- em cima dos projetos bancados pela publicidade. colorido, capa dura, em papel couché, que teve letras das músicas, salvo citação que fizer sentido endeu, ainda mais quando recebemos propostas E aí entramos no mercado, vai do gosto do cliente. problemas de ajustes no cilindro da impressora e com o texto. de jovens de 12, 13 anos escrevendo seu livrinho. Se ele quer usar o seu livro e não o meu, você vai algumas páginas ficaram fora do registro. Se fosse RG: Exato... só pra deixar mais claro ainda, é costu- Quem foi que disse mesmo que jovem brasileiro receber, eu não. na MOJO, bastaria a gente arrumar o PDF e subir me nosso ouvir os discos escolhidos pelos autores não lê e não escreve? RG: Há projetos especiais que fazemos eventu- novamente no FTP. Simples. Tão simples que até tanto para fazermos a ponte entre o texto a ser RG: Parece que encontramos uma fórmula que almente, mas estes ainda são mais cases do que amadores talvez possam fazer e aprender durante editado e o álbum/música e também conferir se muita gente procura: “Agradar gregos e troianos”. propriamente modelos rotineiros. Explico: fizemos o processo. não há literalidade. É literalidade, neste caso, e não uma ação de concurso em parceria quando uma das “literariedade”. Letras: Vocês não precisam se preocupar com bandas campeãs de download veio ao Brasil. O re- Letras: O que se parece e o que se diferencia da estoque, nem com a sobra das edições. Isso é ba- sultado foi gratificante e agora temos os dados para produção impressa na produção de livros digitais? Letras: Quem diagrama, quem ilustra, quem revisa? cana, não? oferecer o mesmo modelo para outras gravadoras. DC: São praticamente idênticos, afinal é literatura DC: A diagramação é capitaneada pela MOJO Fac- DC: Isso nos dá uma agilidade extraordinária. Se O mesmo para um projeto para uma montadora e entregamos um livro – em PDF. A grande dife- tory, o nome do nosso estúdio editorial. Temos o você quiser um livro da MOJO, você encontra, nem de carros que deu uma coletânea de jazz para seus rença é que, no digital, temos custos mais baixos, Pablo Melgar, que coordena essa parte, sob su- que seja num torrent da vida. melhores clientes no final do ano e, no mesmo CD, podemos arriscar mais. E também podemos pensar pervisão do Delfin, nosso diretor de arte. As ilus- RG: Para ajudar na brincadeira, até “esgotamos” al- como diferencial, comprou da MOJO a produção de diferente, podemos planejar um novo tipo de litera- trações sempre vêm de algum artista convidado guns títulos, só para incentivar a troca entre leitores. um MOJO Single para cada música. tura que não fique presa somente no suporte “livro”, e a revisão também é interna, comandada pela No Orkut, na nossa comunidade, o pessoal que pro- seja ele de papel ou um arquivo PDF. No caso de um Camila Kintzel, com desdobramentos para outras cura um MOJO esgotado chega lá e encontra algum Letras: Quanto tempo um MOJO leva para ficar dos livros da coleção, a autora fez toda a história no colaboradoras, como a Camila Werner. usuário que tem o arquivo e envia por e-mail. pronto, do original ao PDF? É claro que queríamos livro, mas o detalhe final leva o leitor para um post que vocês nos dessem uma média... de um blog específico, só para citar um exemplo. Letras: Tenho certeza de que o fantasma do gar- Letras: Vocês lidariam bem se tivessem de admi- DC: É bem variável mesmo. No caso de um livro de galo da distribuição não assusta vocês... nistrar uma editora nos moldes tradicionais? Ou original limpo, com pouca coisa a mexer e discutir Letras: Como vocês acionam os autores? Os livros DC: Nem um pouco. Podemos dizer que nossa dis- isso soa como “traição digital” para alguém? com o autor, demora cerca de quatro meses. de papel podem ser encomendados, mas prova- tribuição cobre o mundo todo. DC: Se você se refere a impressão em papel, po- RG: Os extremos, acredito, foram um que levou velmente a oferta de autores é maior. Acontece o RG: Onde houver uma conexão, o MOJO Delivery deria soar como traição sim, mas o mundo dos mais de um ano, entre oito ou nove edições me- mesmo com os MOJO? chega até você. negócios sempre é variável. O importante é ter ticulosas. Outro, de um escritor profissional e que DC: Trabalhamos em dois modelos. Convite aos rentabilidade para manter o negócio andando. demandava urgência para uma comemoração, autores e recebimento de propostas. Claro que Letras: Quais foram os MOJO mais bem-sucedi- Hoje, ir para o papel seria quase um suicídio para levou menos de uma semana. sempre temos um volume maior de autores do dos? a MOJO, uma vez que o retorno é demorado e terí- que damos conta rapidamente, mas acho isso DC e RG: O Anacrônico (Pitty), da Carla Mendes; amos de ter muito mais cuidado nos lançamentos. Letras: Que história é essa de TIM Festival e de perfeitamente aceitável, ainda mais num am- Revolver (Beatles), do Jota Wagner; e Back to bla- Livros como o do Cezar Zanin, baseado num disco livros para celular? biente digital. ck (Amy Winehouse), da Fernanda Nascimento. da obscura banda italiana Perturbazione, nunca DC: Dependendo do evento, a gente avalia se vale RG: A abundância de autores para MOJOs é ex- Todos eles já ultrapassaram 50 mil downloads. seria lançado, não pela falta de qualidade, afinal a pena ou não fazer um especial. Fizemos para o plicada por trabalharmos com um imaginário é um grande livro, mas porque dificilmente teria TIM Festival e fizemos para o Planeta Terra. Cada riquíssimo e inspirador, a música. Outros fatores, Letras: Digam aí os MOJO mais “baixados”. Esse é apelo de vendas. atração desses festivais ganhou ou um Book ou como ser bacana estar na coleção e o tamanho dos um bom parâmetro do sucesso do livro? RG: Se for pelo lado administrativo, como já dis- um Single, dentro de um hotsite especial criado textos são atrativos de peso também. DC e RG: Sim e não. Temos grandes livros que não semos, trabalhamos bastante com edição con- para o evento. estão entre os mais baixados. Na verdade, o ter- vencional nos últimos 15 anos... o mais difícil RG: Já os livros para celular serão uma realidade Letras: Quem projeta? Ou há um projeto mais ou mômetro está nas bandas, ou seja, se o Marcelino em gerenciar uma editora não é o dia-a-dia ou o ainda este ano. Todos os MOJO que você encontra menos padronizado? Parece que todos os livros Freire faz do João Gilberto, provavelmente ele terá processo, mas sim encontrar títulos fortes e en- hoje no site – e alguns exclusivos - estarão ao al- lembram as capas de CD, não é? menos download do que a novata Carla Mendes, contrar o público que pagará o salário dos nossos cance do seu celular. Então, se você estiver ente- DC: Como é uma coleção, existe um projeto grá- que fez da Pitty. Lidamos com um universo de fãs funcionários. diada no ônibus, basta pegar o celular e pegar um fico único criado pelo Delfin. E trabalhamos com bem fiéis. livrinho da MOJO para ler. vários ilustradores para a criação das capas. Letras: Lidando com música, vocês atacam um RG: Os projetos gráficos variam apenas de produ- Letras: Há autores de MOJOS que já eram conhe- nicho, que é outro aspecto que a internet favorece. Letras: Vai ser menos chato andar de ônibus to a produto, como Books, Singles e Comix. cidos na edição impressa? Quem? Isso tem sido bacana? Não limita vocês? e bem mais fácil de carregar do que os livros de DC: Claro. Marcelino Freire, Andrea Del Fuego, Si- DC: A música atinge todo mundo, então não esta- papel, não? Os celulares cabem na palma da mão. Letras: Há padrão de número de páginas? Como mone Campos, Stella Florence, Vange Leonel, Mar- mos em um nicho, muito pelo contrário, estamos Os livros de papel pesam na mochila. Só é preciso vocês chegaram a ele? celo Maluf, o Giassetti e tantos outros. no mainstream. A literatura aqui no Brasil é mais experimentar ler naquela tela pequenina. Mas, DC: Número de páginas, não, mas número de ca- RG: Vale lembrar também que somos responsá- nicho do que música. Mas não vejo limitação, não. valeu, Danilo e Ricardo, por apresentar a MOJO racteres. No máximo 20 mil, com certa flexibilida- veis pela iniciação de alguns outros artistas. Um Existe a coleção baseada em música, mas nada Books ao público do Letras. É só correr até o com- de para 25 mil. Chegamos nesse número após ler exemplo bacana é o Gastão Moreira, apresen- nos impede de lançar uma coleção de originais, putador mais próximo e digitar www.mojobooks. vários e-books estrangeiros, ler pesquisas sobre tador, diretor e músico talentosíssimo que lan- por exemplo. A música é nosso carro-chefe, mas com.br. 6 rasil B andre

Notas sobre x le arquitetura A de museus contemporâneos

Vista externa do museu Guggenheim de Bilbao

Paula Zasnicoff Cardoso desta questão primordial e da ausência total inclinação mais social” que geram grandes de um projeto cultural amplo, estes edifícios espaços urbanos. Nestes casos, a questão A arquitetura tem assumido um papel rele- enfrentam ainda a ausência de infra-estru- do museu ganha a dimensão urbana, con- vante em museus contemporâneos. Edifícios tura programática necessária, como reser- ferindo representatividade e vida coletiva autotélicos, que têm na arquitetura uma fi- vas técnicas com dimensões adequadas, aos cidadãos. nalidade independente das demais funções climatização específica para a conservação do museu, são freqüentes no atual contexto. de obras diversificadas, laboratórios de No Brasil, um grande exemplo deste tipo O caso de maior destaque é o museu Gugge- restauro e até mesmo de acessos de carga de projeto é a reforma da Pinacoteca do nheim de Bilbao, projetado por Frank Gehry adequados. É preciso ter clara a necessidade Estado de São Paulo, projetada por Paulo e construído entre 1992 e 1997. O edifício foi de projetos amplos, multidisciplinares, em Mendes da Rocha entre 1993 e 1998. Ao o pivô de uma grande mudança na cidade que a questão arquitetônica, apesar de sua mudar a organização espacial da Pinaco- basca, que atraiu muitos turistas e passou a grande importância, é apenas mais um dos teca, invertendo seu acesso e proporcio- integrar o cenário internacional do circuito muitos componentes que conformam a ins- nando uma nova lógica de circulação, o das artes. tituição museal. arquiteto nega a postura classicizante do edifício original de Ramos de Azevedo e O controverso projeto recebeu grande aten- Outra questão recorrente nos museus con- transforma sua escala impositiva. A mu- ção da mídia e gerou vastos debates em tor- temporâneos é a relação mercadológica dança do acesso e as conseqüentes inter- no de sua concepção. Chegou a ser exaltado que muitas instituições adotam. Em O lugar venções no interior do edifício - a inserção como a grande obra arquitetônica do fim da arquitetura depois dos modernos, Otília das pontes metálicas e a instalação das cla- do século XX, especialmente por instaurar Arantes discorre seus últimos comentários a rabóias – conformam um artifício vigoroso um novo método projetual e construtivo, respeito dos novos museus. A autora critica na busca da escala urbana. O novo eixo de contando com avançadas interfaces tecno- incisivamente a abordagem consumista que circulação estabelece uma relação diferen- lógicas em seu desenvolvimento e possibi- os espaços culturais vêm apresentando nos ciada entre o museu e a cidade, que valo- litando a construção da forma extravagante últimos anos, aproximando-os de shopping riza a movimentação de pedestres propor- revestida em titânio. Entretanto, a grande centers. A autora chama a atenção para o cionada pelo seu entorno, em que estão o contradição do edifício está justamente nes- encontro entre cultura, dinheiro e poder, metrô e o Parque da Luz. O projeto valoriza te ponto: a divergência entre a excêntrica no que vem chamando de “culturalismo de o diálogo entre a Pinacoteca e a vizinha es- forma externa e os espaços internos, pris- mercado”. A proliferação das franquias de tação da Luz, abordando respeitosamente mas retangulares que mantêm a concepção museus Guggenheim mundo afora é um a relação entre as relevantes construções expositiva moderna. Como salientou David sintoma deste tipo de abordagem. A atua- do entorno. O partido da intervenção está Sperling: “O museu, intensamente gesta- ção do diretor desta instituição entre 1988 fortemente ligado ao desejo de integrar o do em sua forma, parece não incorporar o e 2008, o executivo Thomas Krens, provocou edifício à cidade, tornando o espaço inter- intenso debate que se processa, desde a essa grande mudança sendo decisiva ao que no do museu um prolongamento do terri- década de 1960, sobre os espaços da arte. O Arantes classifica de “virada cultural dos sis- tório urbano e transgredindo o limite entre paradoxo do anacronismo do cubo-branco- temas das artes” na qual cultura e economia público e privado. A meu ver, não restam decorado” (SPERLING, 2005). se complementam (ARANTES, 2005). dúvidas que é deste tipo de projetos que nossas cidades carecem. A arquitetura brasileira conta com signifi- Não se pode negar a influência que merca- cativas realizações em edifícios de museus, do e economia podem exercer no meio ar- Referências desde os paradigmáticos edifícios moder- tístico, bem como nas instituições, contudo • ARANTES, Otília. A “ virada cultural” do siste- nos do MAM do Rio de Janeiro do arqui- este direcionamento não é onipresente no ma das artes. São Paulo: [s.n.], 2005. Disponível teto Affonso Eduardo Reidy e do MASP de meio cultural. Josep Maria Montaner no li- em:

Número 30 • Março de 2009 7 DJs fora da lei

Christina Fornaciari Câmara dos Deputados Federais e passará classificação pertinente, como ocorre hoje por uma segunda análise. com atores, dramaturgos e demais criadores Eles divertem milhões de pessoas dia e abrangidos pelo Sindicato. noite, em clubs, festas particulares e até na Já o projeto de Romeu Tuma, apesar de internet; porém, legalmente, esses profis- também prever a regulamentação profis- Se, por um lado, parece unânime entre os sionais não existem. Excluídos das leis “dos sional mediante conclusão de curso espe- DJs o desejo de regulamentação da profis- músicos” e “dos artistas”, respectivamente cífico, não condiciona o exercício da ativi- são, já que isso implicaria em uma maior Lei 3.857/60 e Lei 6.533/78, os Disc Jockeys dade a esse requisito, pois admite que um proteção legal, a opinião deles no tocante à (DJs) vêm, há décadas, atuando na informa- atestado de capacitação, fornecido pelo exigência de diploma como condição para lidade. Quando contratados, são registrados Sindicato da categoria, substitua o diplo- obtenção do registro profissional – como na Classificação Brasileira de Ocupação em ma. Com parecer favorável pela Comissão prevê o projeto de Brizola Neto – encon- classes “emprestadas”, já que não possuem de Educação, Cultura e Esporte, o projeto tra-se dividida. Há os que a defendem, categoria própria. Sem reconhecimento pelo segue para reexame dentro do Congresso, afirmando que para ser um bom DJ é ne- ordenamento jurídico, os DJs enfrentam um e propõe que os DJs sejam incluídos na Lei cessário um bocado de teoria e domínio cotidiano problemático, lançados no merca- dos Artistas, estendendo-lhes as garantias da tecnologia, instrumento importante do da indústria do entretenimento sem as que aquela lei já proporciona aos profissio- no manejo das pick ups. Argumentam que proteções e garantias específicas que esse nais hoje nela incluídos. a cobrança do certificado será bem vinda, mercado exige. pois eliminará oportunistas que, despre- De fato, tal inclusão poderia corrigir o que parados, invadem o mercado motivados Negar que eles existem é impossível: ape- vem sendo aplicado por alguns SATEDs, que apenas pela visibilidade da profissão3. nas no Estado do Rio de Janeiro são mais de entendem que as atividades do DJ são al- Enquanto isso, outros temem que a obri- 100.000 exercendo a profissão1, que existe cançadas pelo conceito de operador de som gatoriedade de se concluir um curso de de fato, mas não de direito. O quadro da teatral, qual seja: Operador de Som: Monta formação de DJ possa elitizar a atividade, Lei dos Artistas que define as atribuições e opera a aparelhagem de som, reproduz a atualmente praticada indistintamente dos abrangidos pelo SATED – Sindicato dos trilha sonora do espetáculo.2 por letrados e por quem nunca estudou. Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diver- Acreditam que a formação do DJ decorre sões – não menciona a atividade do DJ, e Como se percebe, a classificação dos DJs como da vivência nas culturas Hip Hop, Tecno e a Lei dos Músicos, além de não citá-lo, não operadores de som não é satisfatória. Primei- Funk, e não das salas de aula4, e argumen- deixa margem a incluí-lo. Ambas as leis têm ramente, supor que um DJ esteja reprodu- tam que seria injusto exigir dos DJs um sofrido críticas pelo segmento artístico, pois zindo trilha sonora de espetáculo pressupõe diploma, quando os próprios músicos não falham ao enumerar os profissionais da arte, a existência de tal espetáculo, o que não precisam dessa comprovação para obter a gerando-lhes prejuízos de ordem trabalhis- acontece na maior parte dos casos – são ra- carteira da OMB – Ordem dos Músicos do ta, contratual, autoral e previdenciária. ras as atuações de DJs em contextos de artes Brasil – bastando que sejam aprovados em cênicas. Ademais, ao classificar os DJs dessa uma audição. É natural que novas formas de expressão forma, os SATEDs eliminam a natureza artís- criativa surjam, a princípio sem reconheci- tica do trabalho daquele DJ que cria obras, Discórdias à parte, o que temos de concreto mento, como ocorreu, por exemplo, com a reduzindo seu esforço intelectual e criativo é que ambos os projetos de lei surgem na web arte e o grafite: ao serem inseridas em a uma atuação técnica. Assim, tal definição esteira das mudanças sociais. As propostas instituições oficiais – galerias, museus – como aplicada hoje, não corresponde à uni- anunciam uma realidade jurídica mais pró- elas, até então “marginalizadas”, ganharam versalidade do trabalho de DJ. xima do que se vive na prática, e advertem: o status de Arte com “A” maiúsculo, sendo os DJs fora da lei estão com os dias contados. legitimadas. Assim também ocorre no mun- Nisso, portanto, o projeto de Tuma traz uma do legal: para que nasçam juridicamente, as inovação importante: propõe que a função Referências expressões artísticas dependem da inserção de DJ seja dividida em duas classes: “DJ ou 1 Dado retirado da justificativa do Projeto de Lei em leis que protegem as obras e seus auto- Profissional de Cabine de Som” e “Produtor nº 2.631, de autoria de Brizola Neto. res, coisa que não ocorre simultaneamente DJ”. A primeira designaria o profissional que 2 Conceito trazido no quadro anexo ao Decreto nº a seu surgimento de fato. É esse nascimento seleciona obras fonográficas, organizando e 82.385/78, que regulamenta a Lei dos Artistas. É natural que novas formas de expressão cria- que assistimos hoje, com a tramitação de dispondo de seu conteúdo ao público, sem, 3 Retirado da matéria de Mariana Peixoto, pu- dois Projetos de Lei que pretendem regula- no entanto, criar ou remixar obras. Já a clas- blicada no jornal Estado de Minas, em 09/06/08. tiva surjam, a princípio sem reconhecimento, mentar o ofício dos DJs. se “Produtor DJ” abrangeria o profissional 4 Retirado da matéria de Fernando Gouveia, como ocorreu, por exemplo, com a web arte que manipula obras fonográficas e, através publicada no site www.soninha.com.br, acessa- e o grafite: ao serem inseridas em instituições São eles o PL nº 2.631/07, do Deputado desse processo, gera versões e mixagens, do em 09/02/09. oficiais – galerias, museus – elas, até então Brizola Neto, e o PL nº 740/07, do Senador criando obra inédita, originária ou derivada. “marginalizadas”, ganharam o status de Arte Romeu Tuma. O primeiro propõe a criação A separação proposta por Tuma é benéfica, Christina Fornaciari é advogada associada do com “A” maiúsculo, sendo legitimadas. Assim de cursos profissionalizantes para DJs e VJs pois dá às duas formas de atuação o devido escritório Drummond & Neumayr Advocacia, o também ocorre no mundo legal: para que (Video Jockeys), cujos diplomas seriam re- reconhecimento, inclusive naquilo em que qual há mais de dez anos atua exclusivamente na quisito para o exercício das atividades. Teve diferem. O SATED teria, então, respaldo legal área cultural e é responsável pelo site informativo nasçam juridicamente, as expressões artísticas parecer desfavorável pela Comissão de Tra- para deixar de classificar todos os DJs como www.direitoecultura.com.br. Sugestões de temas dependem da inserção em leis que protegem balho, Administração e Serviço Público da técnicos, dedicando aos DJs autores uma para a coluna: [email protected]. as obras e seus autores. 8 Super promoção: pague um

Gabriel Malard tinha vergonha do valor das obras, não tinha trina afirma que o conhecimento humano vergonha de vender, não tinha vergonha de não é capaz de dizer nada objetivo sobre Eu acho que é mentira, porque ouvi de um ganhar dinheiro. Vender era arte. valores: não se pode dizer o que é bom e o e leve três desconhecido chato, provavelmente um que é ruim. Quando alguém diz que algo pouco bêbado e frustrado: um artista mi- Tem muita gente que defende o contrário: é bom esse alguém está expressando um neiro proeminente foi flagrado fazendo que boa arte não se vende, não tem relações sentimento, e não apresentando um fato travessuras amorosas com um aspirador de comerciais, não deve ser trocada por dinhei- verdadeiro (que permaneceria verdadeiro pó! Você acredita? Eu achei a coisa um tanto ro. Já ouvi muitos críticos de música dizendo independentemente de sua emoção). – arte, engraçada. O chato jurou e esbravejou que que tal banda é ruim por que é essencial- era verdade e ainda foi mais longe: o artis- mente comercial. Que situação. Se vende é Então é tudo uma ficção. Não é? Não existe ta fez a coisa em público (público pagante, ruim, se não vende é bom? Entendi certo? nada bom por si só. É tudo uma questão de pasme!) e chamou de arte. Eu não acreditei. Tem quem defenda também a diminuição gosto. Um tipo de gosto que deve ser dis- Ainda penso que é mentira! Duvido que o tal do consumo, ou o consumo consciente. Em cutido. Que deve ser divulgado e comparti- coca-cola artista seja mesmo mineiro! geral esse pensamento é comum nos países lhado. Aquilo que eu gosto é bom, mas eu ricos, que consomem muito mais que os paí- preciso dar legitimidade para o meu gosto. O resto todo me pareceu plausível e veros- ses pobres. Arte é consumo consciente? Preciso ter alguns aliados, que tenham o de- símil. Não sei avaliar corretamente a nobre sejo parecido com o meu. ação de enfiar partes de um aspirador no Tem arte que não vende? Ah, se as institui- e merda corpo (e vice-versa). Mas pode ser arte. Até ções especializadas definirem como arte, Cá estamos: vivemos um mundo bastante 40 anos atrás, poderíamos dizer com um fica difícil fugir das leis de consumo. Sherrie interessante, com as maiores contradições Um breve pensamento sobre pouco mais de confiança que arte se divide Levine produziu um trabalho que consistia imagináveis. Temos que reinventar, dia após em escultura e pintura. Depois da década de em fotografar fotos famosas, de artistas co- dia, uma explicação para o que é bom e o consumo, apropriação e valor, 60 esse cenário mudou um bocado, em es- nhecidos. Pode-se chamar de plágio. Pode- que é ruim. Depois, convencer outros a par- pecial para a fotografia, que definitivamen- se também chamar de apropriação. A foto tilhar os nossos valores, para que esses va- em tempos onde tudo é arte, te passou a integrar o circuito de arte. Hoje que ela apropriou de Walker Evans foi aco- lores tenham lastro, e não fiquemos loucos, dinheiro é tudo e o belo é algo tem muita gente com a impressão de que há lhida de uma maneira incrível pelos críticos: deslocados, entregues a uma subjetividade mais fotografias do que pinturas no circuito eles adoraram. Mas os colecionadores, em absoluta (subjetividade assim é uma forma que você nunca vai entender de arte contemporânea. Deve ser verdade. um primeiro momento, não viram sentido de loucura). em comprar esse tipo de trabalho. Como (ou algo que caiu em desuso) É verdade também que muito antes da ela acabou ficando famosa de tanto copiar, Então vamos botar valor em tudo. Em um década de 60 já se abrira a discussão sobre seu trabalho agora vende bem. O que acon- mundo capitalista tudo se vende. Quem não arte e intenção, ou seja, de que arte estava teceria se ela parasse de “copiar” os outros consegue vender fica um pouco frustrado na intenção do artista de fazer arte, e que artistas e fizesse algo “original”? Seu preço (ou pobre), mas pode alegar que é anti-co- uma fotografia, uma colagem, ou até mes- de mercado cairia? E quem não vende pro- mercial ou anti-consumista (que é diferente mo uma pá, um urinol, uma cabeça de alce vavelmente não faz arte. Para ser arte tem de dizer que é pobre). E vale se resignar ao poderiam ser obras de arte. E toda arte tem que ter valor, e se tem valor, vende. fato de que tudo vende, inclusive merda. E um valor, certo? E pode virar mercadoria, que merda pode ser arte (veja a tentação – item de consumo. Uma das coisas que sempre fez parte da cul- a equação soa tão bem ao inverso, não é?). tura humana, mas que nunca foi bem com- Andy Warhol estava convencido que dinhei- preendida ou bem explicada é a noção de Antes que eu fique louco, vou investir no fu- ro era a melhor arte do mundo: “ganhar di- valor. Como definir objetivamente que algo turo. Vou investir em boa arte. Vou entrar na nheiro é arte, trabalhar é arte, e fazer bons é bom, que tem valor? É possível? E se for fila para comprar um montinho de merda! negócios é a melhor arte”. Seu trabalho se impossível, o que faremos? Que tal inventar? Sim! Mas quando eu digo merda, não é me- misturava com sua vida. Sua vida se mistu- Tudo que me agrada e me dá algum tipo de táfora, é literal mesmo. Mas não é qualquer rava com o cotidiano de todo mundo, por- prazer, eu poderei chamar de bom. Pronto. bosta não! Não é o tipo que você produz todo que basicamente ele trabalhava com esse A partir daí o problema será convencer as dia (seu intestino é regulado?). Vou comprar imaginário do dia a dia de todo americano outras pessoas. uma legítima merda da Cloaca, uma obra de de sua época: supermercados, televisão, Win Delvoye. Já viu? Uma máquina que re-

o dinheiro e celebridades. Ele brincava com Em arte muita gente vai nessa linha do con- produz o sistema digestivo humano: numa çã

lga o valor em suas obras. Ele achava incrível o vencimento: “descobre” aquilo que é bom, ponta é despejada o alimento (a cloaca já vu i D fato de no país dele os pobres consumirem formula teorias, e trata de explicar para os ingeriu cardápios finos e bem selecionados, basicamente as mesmas coisas que os muito outros menos ilustrados como se faz para en- preparados por chefs renomados) e depois ricos: a coca cola do mendigo da esquina era tender que tal coisa é de fato, sem sombra de de passar por diversos ‘compartimentos a mesma que o presidente bebia. Nenhu- dúvida, boa. Se as explicações forem bem su- digestivos’, a cloaca elimina na outra ponta ma quantia de dinheiro vai te trazer uma cedidas, a teoria vinga e uma parcela grande um bocadinho de fezes. Será que a maqui- coca-cola melhor que do seu vizinho. Todas de pessoas adere ao pensamento de que isso na solta gases? Acho que sim. Só sei que a são iguais. Warhol chamava seu atelier de ou aquilo é bom. Mas claro, uns relutantes ou merda é tão especial, que de tão boa está fábrica, e fazia fotografias, polaroids e silk desatentos podem não concordar. esgotada. Venderam tudo! Confira o site secreen baseados em imagens fotográfi- http://www.cloaca.be/. Estão segurando as cas. Uma boa foto, para ele, era uma foto Em seu ensaio “ciência e ética”, Bertrand ultimas 100 unidades para especulação. Um de uma pessoa famosa. Warhol era alguém Russell apresenta o que ele chama de ‘dou- investimento para o futuro! É verdade. Pelo Cloaca que dava muito valor para o que fazia. Não trina da subjetividade de valores’. Essa dou- jeito, toda essa merda vai valer muito.

Número 30 • Março de 2009 9 Deixem a moda ser moda

Não podemos negar que moda e arte muitas vezes compartilham seus suportes. Corpo, pele e tecidos servem aos dois sistemas, mas parece que, nesse compartilhamento, começa a con- fusão de onde se localiza cada um deles. Carla Mendonça circunda, e especialmente o corpo que o os- gêneros e regimes fechados pode resultar tenta. Para a autora, esta trajetória é aquela numa visão ingênua ou mesmo saudosista. Não é de hoje que querem dar um status que ultrapassa a metodologia de pesquisa Mas para entender a interlocução, ou as de arte à moda. É como se não bastasse à da história da arte: especialmente focada convergências, é necessário que tenhamos moda ser ela mesma e fosse necessário criar no fabrico, nesta cronologia e nos autores uma visão clara daquilo que é particular. Se uma camada de sentido que a transportas- envolvidos. A autora afirma, na obra “En- artistas trabalham tecidos ou roupas como se a algo esteticamente mais elevado, mais feitada de Sonhos”, que “o estudo sério da suportes de suas obras, isso não quer dizer digno de apreciação. O fato da moda ser moda tem sido tradicionalmente um ramo que eles fizeram uma coleção ou que são ca- estética, mas não artística, parece colocá- da história da arte, e seguiu seus métodos pazes de criar, manter e disseminar tendên- la em um patamar mais baixo e ater-se de observação até o pormenor”. No entanto, cias! Se um estilista faz um desfile-conceito somente a esta característica deixa passar Wilson nos demonstra que isso não é uma não quer dizer que ele propõe um experiên- questões que são bem mais importantes vantagem, uma vez que perderam-se as- cia diferenciada para as consumidoras. Ele do que pertencer a esse ou aquele lugar de pectos importantes da roupa dentro de uma somente apresentou uma linha mestra es- representação. perspectiva social maior. Daniel Roche, his- tética que vai guiar seus produtos. Hussein toriador da moda, apesar de entender que Chalayan, Martin Margiela, Yogi Yamamoto, Não cabe aqui discutir o que é arte, especial- as obras de arte são um grande referencial por exemplo, nos dão muito o que pensar mente porque este é um tópico particular- para pesquisa do vestuários, demonstra que em suas propostas estéticas. Mas cada um mente divergente dentro do pensamento é necessário um olhar adjacente sobre os deles tem plena noção do mercado no qual contemporâneo. Nem é necessário descolá- hábitos daqueles que vestiam aquelas rou- estão inseridos e ainda fazem roupas orien- la completamente da moda, ou mesmo pas para que não nos percamos somente em tadas para uma consumidora específica. desdenhar dos vínculos históricos que a volumes, tecidos e materialidade dos trajes. primeira compartilha com a segunda. Os Aqui, então, já encontramos uma divergên- No fim das contas, tentar dar um valor a mais historiadores da moda e da indumentária cia que não pode ser esquecida: se as meto- para a moda pode ser reflexo de um pensa- mais respeitados compreendem que a obra dologias de pesquisa devem se diferenciar, é mento tacanho sobre a mesma. Ou pior: de arte é um documento muito válido para porque os olhares definitivamente não po- pode ser uma completa miopia em relação resgatar os meandros das roupas e perfor- dem ser os mesmos em relação a sistemas à importância da moda como fenômeno, o mances de um determinado período. Con- diferentes. seu alcance, a força das representações que tudo, os pensamentos também convergem produz. Poder-se-ia, aqui, apresentar mais na crítica ao método de pesquisa da história Não podemos negar que moda e arte mui- um sem-número de divergências e breves da arte quando aplicado à moda (uma vez tas vezes compartilham seus suportes. Cor- interlocuções, com importância muito da- que são sistemas de representação diferen- po, pele e tecidos servem aos dois sistemas, tada, entre moda e arte. Mas como são inú- tes). Elisabeth Wilson, cientista política com mas parece que, nesse compartilhamento, meras, precisariam de um livro para serem larga publicação na área de moda, cultura começa a confusão de onde se localiza cada devidamente apresentadas e discutidas. e feminino (cerca de 12 livros), nos elucida um deles. Antes de qualquer crítica, este não Por isso, enquanto ambas se entreolham, sobre a necessidade tomar aspectos que são é um argumento purista. É sabido que habi- esqueçamos um pouco de nosso discrimina- da ordem do político, do estético e da teoria tamos o tempo dos paradoxos e que todas tório sistema de valores e, para aqueles que social para que possamos entender não so- as linhas de separação tornaram-se tênues. quiserem que a moda seja arte, digamos: mente a cronologia do traje, mas tudo que o Agrupar os objetos ou representações em DEIXEM A MODA SER MODA!

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No final de 1939 um amigo de infância de Lion No começo da década de 1960 a gravadora de nome Francis Wolff tomou o último navio emplacava três grandes hits: Song For My que saia da Alemanha então controlada pe- Father de Horace Silver, A New Perspective los nazistas em direção à vida em Nova York. de Donald Byrd e o mega sucesso de Lee Wolff seria peça importante ao desempenhar Morgan, chamado The Sidewinder. Com isto o papel de fotógrafo oficial da gravadora e Lion podia investir em uma segunda gera- também de produtor. Os dois passaram os pri- ção de músicos, entre eles: Wayne Shorter, meiros anos da Blue Note alheios à transfor- Herbie Hancock, Grant Green, Joe Hender- mação porque passava o Jazz. Jovens músicos son, Freddie Hubbard e Bobby Hutcherson. capitaneados por Charlie Parker e Dizzy Gilles- Todos gravaram discos essenciais pela Blue pie agora se dedicavam ao bebop e aquela era Note. a música do momento. Com o saxofonista Ike Quebec a bordo a Blue Note tinha um insider Em 1965 a Liberty Records fez uma generosa que indicava os mais talentosos músicos que oferta a Lion e Wolff. A idade avançada dos surgiam e ainda os encorajava a gravar suas dois, mais alguns problemas de saúde, aca- experiências. Através de Quebec vieram: Art baram pesando a favor da venda da empre- Blakey, Tadd Dameron, Fats Navarro, Bud Po- sa. O selo ainda agonizou por alguns anos e well e Thelonious Monk. Com este último os ressurgiu com toda a força em 1984, quando proprietários desenvolveram uma admiração a EMI (dona de todo o catálogo da Blue Note) e respeito tão grande que mesmo com a pou- contratou o notável produtor Bruce Lundvall ca vendagem de seus discos eles insistiam em com a incumbência de fazer o selo retornar a gravá-lo (o reconhecimento à genialidade de ser referência em qualidade musical. Monk só veio quando o pianista assinou com a Columbia Records, anos depois). Com Wynton Marsalis, Joe Lovano, Eliane Elias, Patricia Barber, Aaron Parks até Norah Em 1952 Alfred Lion ficou assombrado com Jones, entre tantos outros artistas gravando a qualidade sonora que ouviu de um disco pela Blue Note, Lundvall vem conseguin- gravado por um certo jovem que montou do manter o prometido. Feliz 70 anos Blue seu estúdio na sala da casa em que vivia Note!!! com seus pais. Foi conferir, in loco, e não Cartaz Blue Note Records 70th Anniversary On Tour teve dúvidas: a partir daquele instante pra- [email protected]

Número 30 • Março de 2009 11 Gestão cultural - ou melhor, Eleonora Santa Rosa Canso-me ao ler a parca literatura dedicada Aprendam gestores públicos e privados, não ao tema em questão, que, aliás, quase não há criatividade que dê jeito na desimportân- Muito tem se escrito e refletido, atualmen- interessa. Quase sempre, gente desinteres- cia histórica que marca a relação economia te, sobre o universo da produção cultural, e, sante falando de algo sem muito interesse, e cultura, planejamento e cultura, corte de congestão mais particularmente, sobre a gestão cultu- de modo cacetíssimo. Não se trata de per- orçamento e cultura. SEJAM CRIATIVOS, bor- ral. Assunto relativamente novo para nós, nosticismo ou distanciamento alienado de dão insuportável e insuperável no dia-a-dia ainda em processo de maturação e reflexão, questões centrais que afetam a seara cultu- da administração, pública e privada, entre- pautado, infelizmente, quase sempre por ral, que pouca coisa tem em comum, de fato, ouvido sempre, espécie de mantra recitado uma abordagem senão burocrática quase com a cultura. pelos “criativos” administradores da tesoura. desinteressante, salvo raras e honrosas ex- Mas nada de lamúrias, pois, afinal, muito se ceções. Acredito que esta coluna, voltada Desfiar o rosário da necessidade de pro- fez, muito está por se fazer. Sejamos crentes para esse tema, pode dirigir-se àqueles in- fissionais capazes, bem formados, com o e impertinentes. teressados em outras circunstâncias e pers- instrumental competente, com sustança pectivas mais abrangentes. e substância, seria óbvio por demais. Isso Ao fim e ao cabo, não basta ter consciên- é ponto pacífico, ainda que, infelizmente, cia, ter boas intenções (que enterram sem Interessam pouco aqui as questões de natu- sejamos assolados por declarações despre- dó nem piedade ótimas idéias de projetos reza técnica ou instrumental dos profissio- paradas a respeito da responsabilidade da nunca executados), gostar do tema, cur- nais desse campo. O melhor estímulo para formulação de políticas públicas e do papel tir o assunto, ter parentesco com o artista, se pensar o fazer nessa área está relaciona- de nossas instituições e dos gestores de um considerar-se artista, imaginar-se por isso do com a capacidade crítica de ler, ver, ouvir modo em geral. Nesse nosso setor, a impro- iluminado e acima dos pobres medíocres algumas pessoas que fazem de seu ofício visação ainda é a marca do negócio, fazer o mortais. É preciso mais do que isso, muito exercício contínuo de generosidade e com- quê? Estrabismo de décadas que entorta a mais. Gerir é mais do que digerir textos e partilhamento corajoso de idéias e opiniões visão do lugar da cultura nas políticas go- experiências, fracassos e êxitos, obstáculos e inusuais. vernamentais, mas um dia chegaremos lá. vias livres. Não abdicar do que se pensa, não Vaticínio de uma cética, mas esperançosa transigir com o básico, não capitular frente A eles, minha homenagem sincera. “profissional” do ramo. às pressões, seguir o rumo traçado e percor- rer os desvios apresentados. Ser o que se é. Qual o tamanho de nossa “pegada cultural”, Inclusão cultural, ausência escandalosa de transpondo para nosso território uma fun- infra-estrutura, inanição intelectual, subnu- No território concreto da carência de tudo, damental e arguta pergunta de um dos mais trição orçamentária, centralização perversa, planejar, sistematizar, avaliar, implantar, interessantes pensadores brasileiros da área oligarquia ignorante, narcisismos da cate- monitorar pode parecer algo surreal, mas ambiental de nosso país? goria - não de categoria, amadorismo letal, não é. Não desperdiçar a oportunidade, ter atraso atávico, comportamentos e perspec- senso do momento histórico, romper com Nada de focar, restringir ou transferir a tivas periféricas em todos os sentidos, temas aquilo que já não é mais, acertar o passo discussão para as leis de incentivo, assunto emergentes, desafiadores para reflexão de com a contemporaneidade, Cultura no sé- polêmico, controverso por princípio, impreg- todos, à espera de espaço, vez e voz. culo XXI, com todos os legados do mundo, nado de equívocos e rarefeita análise, sem estes os bons desafios que se apresentam. prós e contras básicos, que demanda visão Retórica, arma estratégica de quem não Ouvir quem fez, ouvir quem faz, prestar crítica irrigada por dutos expandidos e de sabe a que veio. Veio desgastado e não mais atenção na conduta, no modus operandi. surpreendente conexão. suportável. CULTURA É VERBO E VERBA. Tudo isso faz uma brutal diferença. Aprender a lição de romper, de construir de outra for- ma e de outro lugar, mas retomando o que importa qual é mesmo o tamanho da nossa “pegada cultural”? O que somos, o que faze- mos, o que deixamos, independentemente de governos, poder, empresas, leis e do nos- so próprio ego. Gestão de si, gestão pública, www.promusic.com.br gestão de todos, co-gestão, congestão. A Cultura: território vasto de imensidões, sem A escolha inteligente para quem respostas. Inicio aqui, por generosidade dos editores e quer aprender música! criadores deste jornal, um espaço-trincheira de emulações e provocações acerca do fazer Crianças • Jovens • Adultos e do gerir a cultura. Os próximos ocupantes (a partir de 10 meses) desta página terão muito mais a dizer e a Aulas para todos os instrumentos, canto e Pro-Tools trocar com vocês, caríssimos leitores. Obri- gada a todos pela chance de pensar em voz Matriz: alta. Que a síntese, a substância e a conden- Av. Nossa Senhora do Carmo, 550 • Bairro São Pedro • 3221 3400 sação balizem o que está por vir.

Unidade Buritis: Eleonora Santa Rosa é produtora cultural e ex- Se- Shopping Via Werneck cretária de Estado de Cultura de Minas Gerais Av. Prof. Mário Werneck 1480, lj. 213 • 2o. Piso • 3378 0180 12 Arte

Monica Medeiros Ribeiro singulariza o artista proponente e cria a pos- enda” seu significado deveríamos esquecer sibilidade da obra/instalação/evento cênico, essa necessidade por um instante e prestar O objeto deste breve texto é a instalação acontecer conjuntamente com a presença/ atenção no momento. Compreender não se sem cênica “No Labirinto: um dia com Teseu e ação, também, espetacularizada do público. refere aqui a entender, mas sim a vivenciar, outro com Ariadne”, dirigido por Ione de Neste espaço, as proposições possibilitam a experimentar ou até mesmo a uma outra Medeiros, do grupo Oficcina Multimédia da mais a construção da forma que a transfor- forma de entendimento. O filósofo faz uma Fundação de Educação Artística. Este é um mação, conforme dizia Lichtenstein, da Pop analogia com o gostar, ter “prazer”, deleitar- dos trabalhos, sob a forma de instalação Art (ARCHER, 2001:11). Desde logo, torna-se se com flores e não conhecer absolutamen- cênica, que integra a terceira edição do Fes- necessário propor a compreensão de forma te nada sobre plantas teoricamente. Seria descarte tival Verão Arte Contemporânea, idealizado como uma gestalt que é conhecimento. como focar a atenção nos estímulos senso- e realizado pelo Grupo Oficcina Multimédia riais que nos rodeiam durante a apreciação com produção da Mercado Moderno. Nesse Talvez se possa dizer ainda que as proposi- estética. Focar a atenção aqui se refere a festival são apresentadas obras de música, ções propõem a construção de conhecimen- permitir-se sentir, experienciar cinestesica- teatro, dança, artes visuais e audiovisuais. O to, mas a transformação é quase sempre mente sem juízos de valor pré-concebidos. evento propõe uma mostra do que está sen- inerente. Apenas não é posta como objetivo Não se tenta entender as flores a priori. Elas do pesquisado em termos de arte, seja como primeiro do artista. Inerente porque, infere- despertam a curiosidade, nos afetam de resultado ou processos. se que em toda construção ocorre algum alguma maneira. E essa pode ser uma das tipo de transformação, principalmente das funções da arte. Afetar, provocar, produzir A instalação cênica possibilidades de percepção do entorno. conhecimento (PIMENTEL, 2009). Ao dizer Desde antes dos anos sessenta a perfor- que a arte produz conhecimento, atribui-se mance e os eventos dadaístas começaram Aqui pretendo propor uma breve reflexão importância aos aspectos racionais, não ra- a atravessar o território das Artes Plásticas. sobre “o prazer de vivenciar arte”, referindo- cionais e até mesmo à intuição que podem Fragilizaram-se as fronteiras classificatórias me ao evento artístico acima mencionado. estar presentes no momento da recepção da pintura e da escultura e novas formas de da obra e que são fatores indispensáveis à manifestação artística como as performan- Arte sem descarte construção deste. ces, happenings e instalações começaram a Há obras as quais você leva para a casa sob ocupar o território dos museus e galerias. As forma de memória. Ou seja, misturada à Provavelmente, faz-se necessário parar próprias esculturas romperam as expectati- fruição da peça, do show, do espetáculo, de querer entender, como condição para a vas quando, para citar um exemplo, a escul- da performance, da instalação estão, co- apreciação, todas as obras de teatro, dança, tura de refugo mecanizada, Homenagem a nectadas em rede, todas as suas vivências musica, as instalações cênicas, as perfor- Nova York (1960), de Tinguely (1925-91) anteriores. Memórias biográficas, semân- mances. Será este, por acaso, o único canal se destruiu nos jardins do Museu de arte ticas, estéticas. O consumo dessas obras é de apreciação que se tem para com a arte? Moderna de Nova York. “Com os readyma- um consumo diferenciado. Principalmente Não seria fundamental educar os sentidos des Duchamp pedia que o observador pen- porque não há o que jogar fora, não estra- para promover novas operações mentais sasse sobre o que definia a singularidade ga, não se pode comprar outro igual, não é que amenizassem o desconforto, muitas ve- da obra de arte em meio à multiplicidade descartável. Isto é, faz-se memória ou não. zes sentido, ao assistir algo, aparentemen- de todos os outros objetos. Seria alguma E fazer memória implica aprender. Não se te, sem “sentido”? E esse desconforto não coisa a ser achada na própria obra de arte trata de “entender” como uma primazia da poderia até mesmo ser parte de aprender ou nas atividades do artista ao redor do compreensão racional na recepção da obra. a lidar com o “novo”, ou melhor, com aquilo objeto?”(ARCHER, 2001:3). Com os Happe- Mas também de vivenciar e então construir que se desconhece? Sair de uma obra “sem nings, os ambientes se transformavam em algo que, provavelmente, permanecerá para entender” não significa que a mesma não objetos artísticos. Objetos cotidianos, pesso- além de uma lembrança. Permanecerá tenha cumprido seu papel de expressão e as, bonecos, animais vivos ou empalhados, como aprendizado. tampouco que não se tenha apreendido a fotografias, vídeos e som passaram a inte- obra por outros sentidos. A compreensão grar as obras de arte. O movimento “real” No entanto, muitas vezes, ao sair dessas racional pode demandar uma digestão um invade as artes plásticas e assim amplia suas obras, a “disgestão” ainda não terminou. tanto mais delongada para certas propostas fronteiras antropofagizando teatro, dança Essa digestão pode demorar horas, dias e de arte. E para educar os sentidos só há uma vídeo, cinema, etc. Ocorre uma espetacula- pode inclusive não acontecer. Da mesma única maneira: ver, ver, ver, ver. Não se can- rização do artista, pessoa, junto à obra. Os maneira que não se consegue digerir tudo o sar de apreciar arte. De experimentar arte. corpos dos espectadores interagem com o que há para comer com a mesma facilidade, Mas não somente na nossa área. Não estipu- espaço proposto pelo artista espetaculari- também há coisas para as quais não se está lar conceitos antecipadamente. Dispor-se a zado ora literalmente dentro, ora “fora” da “filosoficamente”, ou “biologicamente” pre- ver o que um outro alguém tem a dizer, seja obra, criando uma nova dimensão de fruição parado para digerir e poder absorver seus por meio de palavras, gestos, movimentos, artística, onde a obra passa a ser um espaço “nutrientes”. É fundamental associar diges- tecidos, objetos, espaços, luzes , sons, per- que pode e deve ser adentrado e experimen- tão a assimilação. Às vezes sequer percebe- formers.Parece ser fundamental para o apu- tado de forma física. “O termo instalação é se que aquele produto consumido possui ro do deleite da apreciação estética, para a um rótulo que se tornou decorrente desde “nutrientes” que poderiam mudar o olhar construção de conhecimento por parte do os anos setenta para dar conta da crescente sobre o mundo e sobre as coisas e pessoas espectador de obras de arte, a vivência de, freqüência com que os espectadores acha- do mundo. A assimilação destes “nutrien- o deixar-se afetar por espetáculos de tea- vam que deveriam estar na obra de arte tes” relaciona-se não somente à percepção tro, dança, música, vídeo, cinema, obras de para poder vê-la e vivenciá-la”(ARCHER, cinestésica, visual, auditiva, olfativa, mas artes plásticas, literária, obras híbridas, de 2001: 103). As artes plásticas se tornavam também à percepção racional. Infere-se todos os gêneros e estilos. É preciso dispor- um tanto quanto performáticas. que esse não reconhecimento dos estímulos se a “ver”, “ sentir”, “pensar”, “refletir”. E isso sensoriais potencializadores de percepções não é apenas para educar, construir saberes, Isso posto, quando se escolhe assistir uma construtivas deve-se a um incipiente in- entreter e conhecer mais sobre o mundo em instalação cênica, pode-se encontrar ima- centivo à participação e fruição de arte por que vivemos, mas também para promover a “O conhecimento não é apenas o que se gens em vídeo, fotografias, sons, textos, ob- parte do cidadão brasileiro. manutenção desta atividade cultural. adquire ou expressa pela linguagem. jetos, texturas e até mesmo atores, bailari- Há um conhecimento visual.” nos, artistas plásticos, animais, performers. John Dewey (2005) propõe a arte como Primeira sugestão: levantar-se do sofá, por o (Semir Zeki, 2006) Encontra-se com freqüência um espaço que experiência na qual, para que se “compre- computador para hibernar, sair do aconche-

Número 30 • Março de 2009 13 Arte go do lar e passar a freqüentar mais as salas da agressiva estimulação sensorial, afetou. de exposições, museus, cinemas, teatros, Após a percepção sensorial do que acontece casas de shows e até mesmo a rua. Ah! E não com o corpo e quais são suas reverberações, se pré-ocupar com a urgência do entendi- começou a cognição a fazer seu trabalho. mento racional. Então surgiram emoções, reflexões, comen- tários e até, juízos de valor. e A experiência estética “No Labirinto” Ótima, instigante, criativa, sedutora, poé- Consumo de Arte em BH tica, emocionante, bela! Exercício do gosto, A dificuldade inicial de entender, de viven- da estética, do apuro. Cuidado e esmero com ciar o que nos é exposto torna a experiên- as imagens! Superposição de cenas com cia próxima de um jogo de decifração. E, um equilíbrio ousado entre som, imagem, portanto, pode ser fascinante para aqueles fragmentos de cenas e atores/performers. A que se dispõe a uma contemplação ativa, fruição desta instalação cênica foi uma deci- na qual é necessário mover-se pelo espaço, consumo são tomada desde muito antes de ela estar integrando-se a ele e conformando o cripto- acessível ao público. Como colaboradora do grama gestáltico da instalação. Para tanto é grupo Oficcina Multimédia, formada pelo necessária a motivação da curiosidade que mesmo e tendo o trabalho rítmico do grupo objetiva esclarecer. Mas podemos pensar Carlos Gradim como objeto da tese de doutorado em Artes, que esclarecer pode estar mais relacionado, sem qualquer pudor, manifesto o percebido neste caso, primeiramente, a permitir-se Em um de meus últimos trabalhos para teatro, o espetáculo “Servidão”, livremente adaptado do romance “Of após a experiência. experienciar. Pensando que a delícia pode human bondage”1, do escritor britânico William Somerset Maugham, o protagonista Philip se refere ao artista estar antes na descoberta, na jornada, e, como alguém que não se importa com o fato de os outros (ou o mundo, a sociedade, o mercado) reconhecerem A experiência cinestésica foi mais forte do secundariamente, na comunicação, como ou não a arte naquilo que ele faz. Isso porque, para Philip Carey, um artista não vive sem sua arte. Nada mais que o intelecto tentou prever. Os sentidos elucida Goodman ( 2006). importa para ele. foram arrebatados por um tempo dilatado e uma profusão de imagens espelhadas, Em Belo Horizonte, consumir arte não está O discurso de Maugham está ligado diretamente ao pós‐impressionismo, espécie de movimento que dominou superpostas em camadas que mareavam difícil. Temos o Verão Arte Contemporânea, a pintura no final do século XIX e início do XX. Se formos investigar a vida de alguns artistas da época, veremos e afetavam meu sistema vestibular. Assim, onde presenciei esta instalação do Multimé- que é daí que Maugham tira essa sua idéia da “arte pela arte”. Afinal, os exemplos são muitos. Toulouse Lautrec com o equilíbrio instável, percorri caminhos dia, o FID, o FIT, o Festival Mundial de Circo, abriu mão de sua herança nobre e lutou contra uma distrofia poli‐hipofisária para viver em cabarés onde encon- que, aparentemente, não levavam a lugar o Festival Internacional de Bonecos, o ECUM, trava motivos para sua arte. Van Gogh passou fome e enlouqueceu, mas jamais deixou de pintar. Paul Gauguin nenhum, pois proporcionavam imagens so- os Festivais de Inverno de todo o estado, os abandonou mulher e filhos, trocando a segurança de um emprego na Bolsa de Valores de Paris por uma cabana norizadas e repletas de um texto silencioso mais de quarenta grupos de teatro e dança no Taiti, onde morreu de sífilis, talvez mirando as pinturas com as quais cobriu as paredes de sua choça. que, de tão profuso, também confundia meu que se apresentam continuamente durante intelecto. Era necessário desistir de ‘enten- o ano nos teatros, nas suas sedes, nas ruas, Quando penso nessa idéia de arte que está introduzida na obra de Maughan e de cada um desses pintores, der’ numa primeira instância. Fazer como nos espaços públicos e nos espaços outros. impossível não me transferir imediatamente para um salão da Gruta de Altamira, que fica em Santillana del propõe Dewey e deixar-se levar intuitiva- Penso que temos que sair do lugar, respirar Mar, na Cantabria, Espanha. As figuras que ali estão fazem parte de um dos ciclos pictóricos mais importantes da mente para o lado que me chamasse mais a fundo e deslocar-se até algum lugar onde pré-história. As obras desses nossos antepassados são tão admiráveis que há quem diga que a Gruta de Altamira atenção e lá contemplar. Acostumar com um haja arte. é a Capela Sixtina da Arte Quaternária. tempo outro, uma espécie de suspensão dos minutos. Como se passássemos a perceber Segunda sugestão: É necessário um esfor- Então, movo‐me para aquele salão que, é claro, nunca cheguei de fato a conhecer, já que as visitas a Altamira, o tempo apenas pelas horas, não sabendo ço. Esforço de querer ver, ver o outro. Ver a por razões conservacionistas, foram proibidas em 1977 e reativadas em 1982 apenas para aqueles que conse- mais dos minutos e segundos. Os demais diferença, aquilo que não sou eu ou o meu guem ser convidados por alguém tão importante como o Rei de Espanha. Lá, mirando cervos e bisões, tento espectadores se, inicialmente, pareciam não grupo de trabalho. De não estacionar nas imaginar uma encenação na qual homens pré‐históricos faziam arte sem se importar e sem saber que a faziam. saber exatamente o que fazer ou para onde perguntas estéreis como: Isso é teatro? E os No máximo, poderiam atrelar suas pinturas a ritos religiosos ou de fertilidade. ir, em pouco tempo aconchegaram-se junto atores? E o texto? Teatro sem texto? Isso é a uma imagem ou junto a alguém. Ah, podí- dança? Mas ele é bailarino? Isso é cinema? É aí que percebo que se a arte é um produto da evolução humana, a valorização dela também é. A idéia de con- amos falar, conversar baixinho, rir de prazer, Onde está a história? Etc , etc, etc. Conhecer sumo, que, de uma ou de outra maneira, existe pelo menos desde a Grécia Antiga (o século V a.C., de Péricles, é sentir cócegas nos pés, sentar-se no chão, um pouco mais da história da arte. O que já notável nesse aspecto!), vem dando forma e conteúdo à idéia que temos da arte. Não fosse o desejo trepidante deitar-se e até sair, caso quiséssemos. Nin- foi feito? Em que época? É necessário per- de consumir, o “Retrato do Dr. Gachet” não teria sido vendido por U$ 82,5 milhões em 1982. Da mesma maneira, guém saiu. Cada um podia olhar e apreciar ceber que o que vemos de manifestação o governo espanhol não teria construído, ao lado das cavernas originais, réplicas fakes, que são visitadas e con- o que quisesse. Uma composição de espaço, artística faz parte de uma história que não sumidas de terça a domingo. Basta pagar € 2,40 por pessoa. som, movimentos e cenas que resultavam começou ontem. O que é o novo é apenas num outro tipo de espetáculo. O Multimédia uma questão de ponto de vista. Acredito ser Talvez percebendo que dinheiro e arte não são necessariamente razões excludentes, o abastado autor de “Of hu- se arriscava em novas paisagens. Novas por- urgente sair, literalmente, do próprio lugar. man bondage” instituiu, em 1947, o “Prêmio Somerset Maugham”, para reconhecer o melhor escritor britânico que ainda não exploradas pelo grupo. Mas Agradeço a Adriana Peliano pelas sugestões com menos de 35 anos e que tivera uma obra de ficção publicada no ano anterior. Afinal, como nós, artistas que resultado de uma longa e contínua pesqui- e revisão do manuscrito. nos pensamos como tal, poderíamos montar espetáculos, pintar quadros, publicar livros e gravar canções se não sa que desde seu início, 1976, propunha os tivéssemos, ainda que tênue, uma promessa de consumo? objetos, o espaço, o som, os performers e o Referências bibliográficas movimento como “protagonistas” de obras • DEWEY, J. Art as experience. USA: Penguin O fato é que, hoje, movidos por tal idéia de consumo, não nos contentamos com sucessos póstumos. Se, como compostas a partir de parâmetros musicais. Group, 2005. um Van Gogh, não estamos loucos, queremos as loas aqui e agora. Até para que nós mesmos, em vaidades quase Levei esta obra para a casa. • GOODMAN, Nelson. Linguagens da Arte- uma involuntárias, possamos consumir tais elogios. A continuar assim, talvez, no futuro, mais importante que dirigir abordagem a uma teoria dos símbolos. Lisboa: um bom filme seja estar na lista dos “100 filmes para ver antes de morrer” de uma revista qualquer. Mesmo que Provavelmente, “No Labirinto: um dia com Gradiva, 2006. tal obra não tenha sido vista. É que, pelo menos na publicação, ela foi consumida. E não é isso o que importa Teseu e outro com Ariadne” seja uma obra • HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Lingua para a lógica desta nossa sociedade? de digestão prolongada. Mesmo conhecen- Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. do a proposta e orientando a preparação Referência bibliográfica do corpo dos atores e dos desenhos destes 1 MAUGHAN, W. S. Of human bondage. New York: Pocket, 1950 no espaço, decifrar a impressão que ela me Monica Medeiros Ribeiro é professora do Curso de deixou tardou alguns dias. Para mim, a ins- Graduação em Teatro da EBA/UFMG, atriz, bailari- Carlos Gradim é professor e diretor teatral. Um dos fundadores da Odeon Companhia Teatral e Gerente do Projeto Estruturador talação marcou, imprimiu a carne por meio na e preparadora corporal de atores Plug in Minas. 14 Obras “únicas”: artes

Nísio Teixeira lhor gerenciamento e v) economias de esca- De todas as cinco fontes de aumento da performáticas la à medida que haja aumento de produção. produtividade enumeradas anteriormente, Foi por causa de problemas econômicos li- James Heilbrun comenta: só a economia de escala como resultado de gados à produção e ao consumo das artes longas temporadas é realmente efetiva nas (parte I) performáticas - relacionadas aos espetácu- Como sugere a lista acima, aumento na artes cênicas e performáticas. Por isso, se- los ao vivo, como apresentações cênicas e produtividade é mais alcançado em indús- gundo o trabalho de Baumol e Bowen, não musicais - que se produziu o primeiro gran- trias que usem muita máquina e equipa- podem ter a esperança de uma produtivi- de estudo sistemático acerca das peculiari- mento. Em tais indústrias, a produção por dade formidável como aquela obtida pela dades da economia da cultura: o trabalho trabalhador pode ser aprimorada usando economia como um todo. Como resultado, de Baumol e Bowen. Os economistas foram maior maquinaria ou investimento em o custo por unidade de produção nas artes contratados em 1965 pela Fundação Ford novos equipamentos que tragam apri- performáticas é destinado a crescer contí- que se preocupou com vários problemas moramento tecnológico. Como resultado, nua e relativamente aos custos da econo- relacionados a diversos estabelecimentos na indústria de bens manufaturados, a mia como um todo. Isso, em resumo, é a na Broadway: custos altíssimos, aumento de quantidade de horas necessárias para inevitável conseqüência da defasagem da cachês, queda de produções e fechamento produzir uma unidade de produção cai produtividade. Assim, o dilema do título de teatros. Eles produziram um diagnóstico dramaticamente década após década. E as do famoso artigo dos dois autores refere- da situação e no ano seguinte apresenta- artes performáticas estão do outro lado do se precisamente ao problema do financia- ram o precursor estudo Performing arts: espectro: maquinaria, equipamento e tec- mento das artes performáticas diante do the economic dilemma. Benhamou explica nologia participam com um pequeno papel inevitável aumento dos custos, resultantes como os autores construíram um modelo de no seu processo de produção e, de qualquer de um ‘retardo na produtividade’. Tal pres- crescimento desigual em dois setores, um forma, mudam muito pouco ao longo do são gerada por esses custos finais tornou- setor ‘arcaico’ caracterizado pela impossibi- tempo. Não é dizer que seja um elemento se conhecida na economia da cultura como lidade de gerar ganhos de produtividade e ausente: basta ver o papel e a evolução da “o mal de custo Baumol” (Baumol´s cost um setor ‘progressista’ no qual, ao contrário, iluminação no teatro, por exemplo. Mas disease). os ganhos de produtividade resultem de eles não são centrais ao negócio. Como os inovações, de economia de escala e da acu- autores sugerem no texto, as condições Os resultados de várias pesquisas mostram mulação de capital. de produção impedem, nelas mesmas, que os preços dos espetáculos não só au- qualquer mudança substancial porque ‘o mentam mais que a inflação, como também O espetáculo ao vivo faz parte do setor trabalho do artista cênico tem um fim em não conseguem cobrir o aumento dos custos ‘arcaico’ em virtude do lugar que nele si próprio, não é um meio para a produ- – ou seja, acima do nível geral dos preços. ocupa o trabalho. O trabalho é um ele- ção de algum bem’ Já que a performance Através de estudos, por exemplo, os autores mento constitutivo do produto final: não do artista é o produto – o cantor canta, o mostram como, na Londres dos anos 1740- se poderia substituí-lo sem desnaturar pianista toca, o dançarino dança – não há 1775 a média de custo por performance era o produto. Não se poderia, por exemplo, como aprimorar a sua produção por hora: estimada em 157 libras. Em 1963-1964, substituir um dos instrumentistas de um para tocar um quarteto de cordas de Bee- esse custo subiu para 2.139 libras, ou seja, quarteto de cordas por uma gravação... thoven precisa-se do mesmo número de enquanto foi detectado que no período en- Ora, os salários são iguais aos do setor músicos e tempo de execução do que o usa- tre 1740 e 1964 o valor do nível geral de pre- progressista, devido à fluidez do mer- do em 1800 [tradução nossa]. (HEILBRUN, ços na Inglaterra subiu 6,2 vezes seu valor cado de trabalho; a conseqüência é um 2003, p. 91) inicial, o valor das artes performáticas quase aumento permanente dos custos relati- dobrou esse índice. Falaremos mais sobre “o vos do espetáculo ao vivo, que somente Assim, o argumento da defasagem de pro- mal de custo Baumol” e suas implicações na uma elevação dos preços das entradas dutividade pode ser resumido da seguinte economia da cultura das artes performáticas pode compensar, com o risco de reduzir forma: custos em artes performáticas vão na próxima edição. a demanda e as receitas. Esse dilema crescer relativamente aos custos na econo- caracteriza o conjunto dos serviços em mia como um todo porque o acréscimo do Dica que ‘o trabalho é um fim em si mesmo, salário nas artes deve acompanhar aqueles Citamos aqui duas obras já recomendadas e a qualidade é julgada diretamente em da economia em geral mesmo que a produ- anteriormente: o livro de Françoise Benha- termos de volume de trabalho’ escrevem tividade nas artes tenha uma defasagem. mou, Economia da Cultura, já editado no Baumol e Bowen; isso porque, acrescen- Não é recomendável que artistas sejam pa- Brasil (Cotia: Ateliê Editorial, 2007. Tradução tam: ‘diferentemente dos trabalhadores gos pelas mesmas horas de trabalho como de Geraldo Gerson de Souza) e o Handbook das indústrias, os artistas não são inter- os trabalhadores de outros empregos, já of cultural economics, organizado por Ruth mediários entre as matérias-primas e o que as condições de trabalho e a satisfação Towse (Edward Elgar Publishing ltd.: Chel- produto final. Suas próprias atividades não-monetária obtida pelo emprego artís- tenham, UK, 2003). É nesse último que foi são o bem daquele que consome”. A con- tico diferem de outras ocupações (Heilbrun, publicado o artigo Baumol’s cost disease, de clusão do modelo é a inelutabilidade do 2003).– como visto na discussão sobre James Heilbrun, (p. 91-101), do qual extraí- aumento dos déficits dos espetáculos ao Adam Smith na edição do Letras de setem- mos alguns trechos. A professora da PUC/SP vivo” (BENHAMOU, 2007, p. 55,57,59). bro de 2008. O argumento é que todas as in- discute a questão de Baumol, mas dentro de dústrias, incluindo as artísticas, competem um contexto economista mais amplo sobre Afinal, se a produtividade é definida por para contratar trabalhadores em um merca- o papel do setor terciário no artigo “Ativi- economistas como produção física por hora do de trabalho integrado nacionalmente e dades terciárias: induzidas ou indutoras do de trabalho, um aumento da produtividade que os salários dos artistas devem, por isso, desenvolvimento econômico?”, disponível sobre o tempo de trabalho pode acontecer aumentar através do tempo pela mesma em PDF via Google. pelas seguintes razões: i) maior capital por proporção em que os salários na economia trabalhador; ii) aumento da tecnologia; iii) em geral para capacitar a indústria artística Nísio Teixeira é jornalista e professor. nisiotei@ aumento na capacidade do trabalho; iv) me- a contratar os trabalhadores que necessita. gmail.com

Número 30 • Março de 2009 15 Galinha dos ovos de ouro no cinema

Cena de “Se eu fosse você” brasileiro

Marcelo Miranda na concepção e lançamento de “O Auto da fia saudável não vive apenas de filmes de especial para o Letras Compadecida” (2000), de Guel Arraes; “Sexo, “fácil acesso” ou de projetos imediatos. Um Amor e Traição” (2003), de Jorge Fernan- dos trabalhos mais significativos da safra Num mercado como o do cinema brasileiro, do; “ – O Tempo Não Pára” (2003), recente brasileira, “Cinema, Aspirinas e Uru- um filme fazer cinco milhões de espectado- de e Sandra Werneck; e o bus”, de Marcelo Gomes, demorou oito anos res em pouco mais de um mês já é um feito próprio “2 Filhos de Francisco” (2005), de entre a feitura do roteiro e o lançamento do e tanto. Se o filme foi produzido no país, Breno Silveira. Foi ainda supervisor artístico filme, em 2005. José Mojica Marins decan- então, estamos diante de um fenômeno. É o de “Cidade de Deus” (2003), de Fernando tou o roteiro de “Encarnação do Demônio” caso de “Se Eu Fosse Você 2”, longa-metra- Meirelles, e “Carandiru” (2005), de Hector por quase 40 anos até alguém realmente to- gem de Daniel Filho que estreou no começo Babenco. São todos campeões de bilheteria, par financia-lo e levá-lo a cabo, resultando de janeiro e já acumula mais público do que sempre com um mínimo de 2 milhões de es- no impactante (e lamentavelmente pouco “Batman – O Cavaleiro das Trevas” conse- pectadores. O cara tem faro. visto) longa exibido no ano passado. E mes- guiu no ano passado inteiro (4,1 milhões de mo o que é desenvolvido em pouco tempo espectadores). “Tento ser humilde, mas preciso admitir que nem sempre tem garantia de escoamento. sou responsável por muito desse sucesso”, O brasiliense José Eduardo Belmonte, bas- Para além de uma avaliação crítica ao tra- diz, sem falsa modéstia. Motivos ele não tante reconhecido e premiado em festivais, balho do diretor, fato é que Daniel Filho arrisca. Sobre “Se Eu Fosse Você 2”, afirma: tem dois filmes prontos (“Meu Mundo em conseguiu mobilizar centenas de pessoas e “Depois de pronto, o filme não é mais meu. Perigo” e “Se Nada mais Der Certo”) comple- fez com que a dupla Glória Pires e Tony Ra- É do público. A minha tentativa é agradar tamente parados e sem distribuição. Ambos mos se tornasse sensação na temporada de quem vai assistir e, se isso acontece, então foram realizados no período de um ano, en- férias dos cinemas. A arrecadação de “Se Eu cumpri meu dever.” Mesmo sem querer dar tre 2007 e 2008. Fosse Você 2” já passou dos R$ 40 milhões, explicações, arrisca falar da “fórmula” que tornando-se o maior valor em dinheiro con- transformou “Se Eu Fosse Você” na grande Nada disso, porém, parece incomodar Da- seguido por um filme brasileiro desde 1995 franquia da recente produção nacional. “O niel Filho. Em 2008, o cinema brasileiro teve (o campeão anterior era “2 Filhos de Francis- primeiro filme teve mais de 3 milhões de drástica queda de público para produções co”, com R$ 36,7 milhões em 2006). pessoas e foi exibido também com sucesso do país – 20% a menos em relação a 2007. em canais de TV. Fiquei atento ao que fun- Muito se falou na falta de dinheiro, mas o E o que pensa o próprio Daniel sobre tudo cionou, ao que não ficou bom e busquei diretor acha que, neste começo de 2009, as isso? “O que as pessoas mais têm feito é me ajustar tudo no segundo.” pessoas resolveram abrir a carteira. “Deve parabenizar na rua, como se eu tivesse ga- ter sido o conselho do Lula de que o brasi- nhado algum campeonato e derrotado um O diretor – cuja primeira direção de cine- leiro pode gastar porque a crise está longe”, time estrangeiro”, conta ele, em conversa ma data de 1969, em “Pobre Príncipe En- ironiza. Então Lula estava certo? “Acho que com este repórter, direto de sua produtora cantado” – acredita que o momento atual não”, rebate. “Na verdade, penso que vem no Rio de Janeiro. Daniel revela que nem não é dos melhores para a safra de filmes marola para o nosso lado com essa crise fi- mesmo no auge da fama como ator (fez “Os nacionais e classifica a produção recente nanceira pelo mundo.” Cafajestes” com Ruy Guerra em 1962) e di- como “muito ruim”. Justifica a declaração retor de televisão (são dele o seriado “Malu voltando a 1992, quando o cinema no país Com ou sem baques internacionais, Daniel Mulher” e a novela “Dancin’ Days”, nos anos ressuscitou a partir das leis de incentivo. Filho não pára. Ainda em 2009, estréia um 70) ele era tão abordado por fãs. “Todo mundo quis sair fazendo cinema. Só novo filme – o 13o de sua carreira como que o processo demora, o cara fica anos e diretor de cinema: o drama “Tempos de Aos 71 anos, Daniel Filho é uma galinha de anos trabalhando no mesmo filme e não Paz”, adaptado da peça de Bosco Brasil. Em constantes ovos de ouro. Uma passada de percebe que aquilo passou e envelheceu. paralelo, prepara-se para filmar “As Vidas de olho no seu currículo recente é equivalente Os roteiros chegam a caducar, mas essas Chico Xavier”, produção de caríssimos R$ 10 a fazer um retrospecto dos maiores sucessos pessoas ficam tão envolvidas que nem per- milhões cuja pretensão é narrar a trajetória do cinema brasileiro nos últimos dez anos. cebem. Aí, quando vem, vem tudo de uma do médium mineiro morto em 2002. Fundador e diretor artístico da Globo Filmes vez e sai o que sai”. (braço cinematográfico das empresas de Daniel dispara sem muita piedade, mas Marcelo Miranda é crítico, redator da Revista Ele- ), Daniel esteve envolvido esquece (ou omite) que uma cinematogra- trônica Filmes Polvo e repórter do Tempo 16

Alemar Rena combustível enquanto alternativa ao petróleo feita justamente com base nos níveis de emis- na Europa são próximas de zero. Há muito sões. Neste contexto faz muito mais sentido Poucos sabem, mas houve um momento na busca-se uma alternativa ao petróleo, por optar por uma energia não poluente. Uso história da indústria automobilística em que a duas razões principalmente: diminuir a de- eletricidade era uma real candidata a se tornar pendência em relação aos países produtores Além disso tem a questão da estrutura. Optar a fonte de energia padrão nos veículos. Não, de petróleo e reduzir o nível de emissões na por um combustível como o álcool ou o bio- não estou falando do período atual ou recente, atmosfera. Os biocombustíveis não atendem diesel significaria profundas mudanças estru- mas de 120 anos atrás. Embora veículos com à segunda demanda. Embora poluam menos turais, incluindo a criação de novas refinarias, consciente motores elétricos tenham sido produzidos em que os derivados do petróleo, são ainda bas- novas áreas para plantio, etc. Os biocombus- escala então, o uso da gasolina produzida a tante poluentes e a meta dos governos Euro- tíveis enfrentam certa resistência por parte partir do petróleo se mostrou mais eficiente por peus hoje é emissão zero. Apesar disso, não da comunidade científica e de algumas ONG’s uma série de razões, mas principalmente pelo podemos afirmar que tenha sido essa a razão que demonstram preocupação com a possível custo mais baixo de produção do motor de com- pela qual o álcool brasileiro não tenha chega- transferência de áreas antes destinadas ao de bustão interna e pelo fato de dispensar cons- do à Europa. Esta é uma escolha que não de- plantio de alimentos. Já com a eletricidade a tante recarga de baterias, podendo ser usada pende só dos fabricantes de automóveis ou do estrutura está pronta. Parte do que é produzido em deslocamento de maiores distâncias. Mas público consumidor. Sem ajuda dos governos pela rede elétrica acaba sendo jogado fora nos o motor a eletricidade tinha suas interessantes para se criar infra-estrutura e conceder bene- momentos de baixa demanda. É lógico pensar vantagens: não vibrava, não produzia barulho, fícios, nenhum combustível irá emplacar. que a maior parte dos proprietários de veícu- energias e era fácil de dar partida (o carro a gasolina usa- los elétricos iria carregar seus carros durante a va uma manivela) e não cheirava mal. Estas Naturalmente esta não é apenas uma esco- noite, justamente fora dos períodos de pico. Em vantagens sem mantêm até os dias atuais. lha técnica, é também política. Dentro deste outras palavras, uma frota de veículos elétricos raciocínio qualquer tecnologia teria potencial pode achatar a curva da demanda tornando o Hoje, estamos às voltas com novas pesquisas para substituir o petróleo, desde que fosse uso da rede elétrica mais eficiente. tecnologia: na área de energia e possibilidades de escolhas adotada, ou melhor, apadrinhada, pelos go- similares, mas movidos por razões bastante vernos europeus. Acredito que o álcool e o bio- Letras: Mas o processo de produção de ele- diferentes. Tem ficado cada vez mais evidente diesel teriam sido ótimas alternativas há 10 tricidade pode ser também poluente. Até que que, dada a atual velocidade de crescimento ou 15 anos. Acredito também que se o gover- ponto os carros movidos a eletricidade são real- da população mundial e do consumo per cap- no Brasileiro tivesse tentado promover estes mente mais limpos? repensar é ta, o planeta que nos abriga não suportará combustíveis naquela época poderia ter tido FA: Claro, quando falamos em eletricidade por muito tempo se não repensarmos nossas algum sucesso. Hoje em dia as exigências em ela pode vir de várias fontes. Desde fontes tecnologias, hábitos de consumo e sistemas termos de emissão são outras e as tecnologias realmente limpas como a solar ou a eólica até de produção. Ou melhor, o planeta vai supor- concorrentes evoluíram muito. Além disso, as fontes extremamente poluentes como as usi- tar e provavelmente vai se recuperar em pouco escolhas já foram feitas. Uma mudança es- nas termoelétricas, que respondem por mais inevitável tempo caso sejamos extintos por nossa própria trutural dessa grandeza não é promovida da de 40% da eletricidade gerada no mundo. incompetência, esgotando as fontes que nos noite para o dia, as decisões já foram tomadas Um recente estudo feito pela universidade de mantêm vivos e em condições de usufruir de há alguns anos para que sintamos os reflexos Stanford criou um ranking das fontes de ener- nosso modelo de mundo desenvolvido: água já num futuro bastante próximo. A maioria gia mais agressivas à natureza. Este estudo potável, solo para produção de alimentos, oxi- dos investimentos em infra-estrutura e dos tenta estimar qual seria o impacto causado gênio, atmosfera em equilíbrio e energia. Em incentivos fiscais concedidos pelos governos por diversas fontes de energia se cada uma suma, nosso modelo civilizatório, desenvolvi- europeus estão sendo feitos no sentido de dessas fontes fosse utilizada como a única mentista e tecnológico está caduco e se mostra viabilizar a eletricidade como o substituto força motriz dos automóveis em circulação como nosso maior inimigo e desafio a curto, do petróleo. Se o governo brasileiro tinha a nos Estados Unidos. O estudo concluiu que médio e longo prazos. intenção de promover o biodiesel enquanto a combinação veículos movidos a eletricida- alternativa na Europa, chegou tarde. de + eletricidade eólica é a menos agressiva Mesmo com todo o avanço tecnológico alcan- ao ambiente. A combinação veículo elétrico çado, ainda não somos capazes viabilizar co- Letras: Não há futuro para o biodiesel e para o + usinas termoelétricas ficou em quarto no mercialmente, por exemplo, carros movidos a álcool na Europa? ranking. As duas últimas posições entre as motores elétricos sem que façamos uso de outra FA: Não é bem assim. Acredito que no futuro 12 combinações estudadas foram ocupadas energia mais poluente, como o biodiesel ou o utilizaremos uma maior diversidade de com- pelos veículos movidos a etanol produzido a petróleo, concomitantemente. O álcool brasileiro bustíveis. Qualquer iniciativa que diminua a partir do milho e da celulose respectivamente. se mostra como uma solução interessante para o dependência do petróleo já ajuda. Etanol e O etanol produzido a partir da cana de açúcar Brasil a curto prazo, mas insuficiente para se en- biodiesel já são utilizados em alguma escala não foi incluído no estudo mas podemos con- frentar o problema das pesadas emissões de CO2 na Europa e alguns países já adicionam etanol cluir que, mesmo considerando sua maior efi- e do efeito estufa, que ajuda a elevar a tempe- à gasolina a exemplo do que ocorre no Brasil. ciência, o impacto de sua utilização em larga ratura atmosférica no planeta, oferecendo fortes Acredito até que veículos flex possam ser in- escala seja semelhante aos dos etanóis feitos indícios de que podemos ter que lidar com con- troduzidos no mercado europeu com algum a partir do milho e da celulose. dições extremas de mudanças no ecossistema, sucesso, mas penso que estas são todas iniciati- acarretando em prejuízos naturais e materiais vas pontuais, limitadas a uma pequena porcen- Letras: Como vem sendo as reações do eu- incalculáveis e talvez irreparáveis. tagem da frota apenas. Não acredito que estes ropeu comum em relação ao aumento da combustíveis tenham potencial para serem a temperatura global? Quais mudanças são Dada a importância destas questões no nível grande matriz energética das próximas déca- observadas nas grandes cidades européias no da tecnologia e da cultura, na coluna deste mês das, emissões de CO2 e mobilidade serão dois cotidiano das pessoas? converso, por e-mail, com Fernando Americano, conceitos cada vez mais distantes um do outro. FA: Acho que o europeu tem um senso de mestrando em estratégias de comunicação para coletividade mais desenvolvido que o nosso. mídias informatizadas pela Sorbonne, em Paris, Letras: E porque você acredita que os veículos Eles têm mais consciência que suas ações, onde vive e trabalha como relações públicas de elétricos serão os escolhidos como alternativa? por menores que sejam, repercutem em toda uma importante montadora de automóveis. Fer- FA: Existe uma preocupação muito grande a sociedade. Pequenos gestos que ainda es- nando nos fala sobre o lugar do álcool brasileiro, na Europa hoje quanto às emissões de gases tão longe de se tornar hábito no Brasil estão do momento atual da indústria automobilística causadores do efeito estufa. A União Europeia, presentes no cotidiano de qualquer europeu, na Europa e como isso tem a ver com tecnologia grande defensora do protocolo de Quioto, como por exemplo não utilizar sacos plásticos e, porque não, cultura. estabeleceu rígidas metas para redução dos nos supermercados ou reciclar o lixo. O mer- níveis de emissões. Hoje, para se licenciar um cado de automóveis reflete essa tendência. Letras: Quais são as perspectivas do biodiesel carro na maior parte dos países da Europa As vendas de SUV’s e 4x4 vem despencando brasileiro hoje enquanto alternativa ao petró- paga-se uma taxa de acordo com o nível de vertiginosamente, enquanto carros pequenos leo no mundo? Porque o álcool brasileiro não emissões de cada automóvel. Existe ainda como o Smart, Mini e Fiat 500 fazem um enor- chegou de fato à Europa? uma proposta em trâmite na Comissão Euro- me sucesso. Naturalmente o preço do petróleo Fernando Americano: As perspectivas do peia para unificar os impostos sobre veículos e as sobretaxas a que estão sujeitos os carros álcool, biodiesel ou de qualquer outro bio- automotores e esta unificação tarifária seria maiores também influenciam, mas, enquanto

Número 30 • Março de 2009 17 no Brasil muitos sonham em ter uma Cayenne, aqui na Europa é o Mini Clubman que faz girar os pescoços.

Letras: E nas grandes empresas ou insti- tuições? Como FA: É natural, em um ambiente onde haja uma consciência ecológica maior, que as empresas se preocupem em tomar atitudes ecologica- mente corretas. O objetivo final de toda empre- sa é e será sempre o lucro, mas há muito tempo elas perceberam que o ecologicamente correto pode ser também lucrativo. se você Paulo Waisberg Letras: Carros movidos a eletricidade são co- muns hoje nas ruas de Paris e outras grandes Nesta coluna tenho evitado falar de arquitetura, apesar de esta ser a minha profissão e o cidades? Qual é a projeção e plano a curto e assunto com o qual gasto a maior parte do meu tempo acordado pensando, praticando e médio prazo para uso de carros elétricos na Eu- discutindo a respeito. De fato, nos últimos anos tenho lido menos livros sobre arquitetura ropa nos próximos anos? E para o Brasil? em relação a outros assuntos que têm chamado mais atenção, porque me parecem mais FA: Veículos movidos a eletricidade não che- desse a urgentes ou mais úteis do que uma nova monografia de algum neo-modernista com be- gam a ser comuns na Europa, mas estão lon- las fotografias ou ilustrações hiper-realistas. Ainda, vez por outra, procuro algum livro ge de ser raros. Existe uma oferta razoável de sobre desenho de arquitetura, ou desenho de forma geral, mas este é um assunto em micro carros elétricos e pontos de recarga já extinção, com poucos novos títulos, e um tema para um artigo futuro. podem ser vistos nas grandes cidades. Além disso há os veículos híbridos, que combinam a Dois tipos de livros relacionados à arquitetura ainda ocupam minha lista: livros técnicos e eletricidade à combustão interna. Os híbridos já outros sobre arquitetura móvel, efêmera, temporária. são relativamente comuns nas grandes cidades mínima européias. Ao se tomar um taxi em Paris, você Tenho a impressão que na arquitetura sem pretensão de longa duração existe uma rela- tem grandes chances de montar em um Toyota ção mais próxima do arquiteto com tecnologias diferentes, maior abertura para experi- Prius (que já está indo para sua terceira gera- mentações e um peso menor em relação à história de um sistema em que a fabricação e ção) ou em um Honda Civic híbrido. o trabalho estão cada vez mais alienados da criação e das necessidades reais das pessoas. Por outro lado, muitas vezes as arquiteturas efêmeras estão ligadas a festas, eventos, etc., Voltando aos veículos puramente elétricos, e o caráter provisório normalmente é associado à falta de preocupação, aos cenários de praticamente todos os grandes fabricantes de fantasia, ao desperdício. Mas isso nem sempre é assim. automóveis planejam lançar pelo menos um modelo movido a eletricidade antes do final Há algum tempo atrás, topei com um livro que me deixou muito impressionado: Design de 2010. Em 2012 uma parcela, pequena, mas Like You Give a Damn – Architectural Responses to Humanitarian Crises. Traduzido: Proje- significativa, dos veículos vendidos na Europa, tando como se você desse a mínima – Respostas Arquitetônicas para Crises Humanitárias. Japão e Estados Unidos será movida a eletrici- dade. Não estamos falando de um futuro dis- O livro conta historia da criação de uma organização não governamental chamada Ar- tante, estamos falando de um espaço de três quitetura para Humanidade, em inglês, Architecture for Humanity, que promoveu um anos apenas. Acredita-se que, em 2020, 10% concurso para sugestões de habitação em Kosovo, na época da guerra. Para surpresa de de todos os veículos vendidos no mundo utilize seus fundadores, mais de duzentos arquitetos do mundo todo responderam. Em poucos a eletricidade como fonte de energia. anos a organização já promovia concursos com mais de 1400 respostas. O objetivo era criar “uma rede aberta de soluções inovativas.” e conectar os profissionais com projetos Já para o Brasil acho difícil termos algum veí- reais, nos locais onde são necessários. culo movido a eletricidade antes de 2015. Es- tamos indo na contramão das tendências dos A partir daí vê-se uma coletânea de obras construídas e projetos pelo mundo todo de países desenvolvidos, enquanto o mundo (até habitações e centros comunitários em locais de crise. Construções em áreas alagadas ou mesmo os EUA) procura carros menores, nosso no deserto, atingidas por miséria ou guerras. Os projetos lidam com áreas como a zona mercado de SUV’s nunca esteve tão aquecido. afetada por conflitos, AIDS na África, terremotos, tsunamis, com os sem-casas nas gran- des cidades americanas. A durabilidade das habitações é também é variável: algumas são Letras: Há outras reais possibilidades de uso refúgios imediatos para situações de calamidade, algumas são fabricadas como transição de energia mais limpa no transporte para além para situações mais permanentes e outras são soluções definitivas. do álcool, da eletricidade e do petróleo? FA: Naturalmente existe muita pesquisa em As soluções técnicas também são variadas: vão desde tendas, sistemas móveis, moradias andamento e existem outras possibilidades para sem-casas feitas com material de demolição, construções de super-adobe, constru- como os veículos movidos a célula combustível ções de sucata, etc.. (tecnologia que utiliza o hidrogênio e o oxigê- nio para gerar eletricidade), ou os veículos mo- Muitos dos projetos apresentados no livro mostram engenhosidade e sabedoria em vidos a energia solar. Mas no momento apenas transformar poucos recursos em locais habitáveis, dignos. Muitas vezes, os projetos são os veículos alimentados por bateria de íons de soluções de design de pequenos objetos que tratam de problemas críticos na vida destas lítio e movidos a eletricidade é que estão próxi- pessoas, que nos parecem simples porque não precisamos preocupar com isso diaria- mos de ser comercialmente viáveis. Os veículos mente: como transportar, limpar e armazenar água, como manter as comunidades lim- movidos a energia solar possuem ainda uma pas, gerar energia, proteger contra o sol ou o frio. performance deficiente e os veículos a célula combustível são ainda muito caros. Uma coisa que assusta é a dimensão dos números: a estimativa da ONU é de que existi- riam 25 milhões de refugiados em pelo menos 49 paises do mundo, onde 70 a 80% são Para mais informações sobre a história dos mulheres e crianças. A média na duração da condição de refugiado é entre 9 a 17 anos. motores elétricos, visite (em inglês): http:// 14 milhões correm grande risco através de violência. 600 milhões de pessoas, morando inventors.about.com/library/weekly/aacar- em cidades e 1 bilhão de pessoas em áreas rurais, habitam locais superpovoados e de selectrica.htm baixa qualidade. 1 a cada 6 habitantes no mundo hoje, vive em favelas. 100 milhões de crianças vivem e trabalham nas ruas, 40 milhões somente na América Latina. Alemar S. A. Rena é mestre em Teoria da Literatura pela UFMG, músico, professor do curso de Comunica- A meu ver, qualquer tentativa verdadeira de se aproximar da maior demanda por arqui- ção Social do Centro Universitário Metodista Izabela tetura hoje no mundo deve lidar com a enormidade deste problema. Hendrix e co-editor do Letras. E-mail: alemarrena@ gmail.com. Se quiser saber mais a respeito: http://architectureforhumanity.org/ 18 Deus sobre as pedras: Guilherme Figueiredo em Israel

Filipe Amaral Rocha de Menezes nho brasileiro da nação israelense que nas- Hospital Hadassah, da Universidade de Je- ce. O texto de forma explicativa, em primeira rusalém, onde fora para ali ver os vitrais das Guilherme Figueiredo, dramaturgo, ensaís- pessoa, trata da utopia de um Estado Judeu, ‘Doze Tribos’, obra-prima de Marc Chagall, o ta, crítico e professor, nasceu em uma famí- imaginada por Thedor Herlz, a construção solidéu negro estava ao lado do porteiro que lia de militares (era irmão do ex-Presidente do hebraico moderno por Ben Yehuda, os também vendia reproduções dos vitrais. João Batista Figueiredo) e seguiu, ainda que problemas da atualidade israelense à época, por pouco tempo essa carreira. Foi nomea- como o choque entre a geração imigrante e Num passeio por Meah Shearim, o bairro de do, nesse período, adido cultural na França e a geração nascida em Israel, além de as difi- Jerusalém de maioria ortodoxa, o escritor se representante do Brasil em delegações para culdades do novo estado para com os seus encanta com os meninos de cabeças raspa- ONU, em Nova Iorque, e num congresso da vizinhos árabes. das usando gorros de onde só deixam sair as UNESCO, em Zâmbia. Suas peças A raposa longas pontas das peiot. Dentre os aspectos e as uvas, 1952, e Um deus dormiu lá em Para Figueiredo, Israel era uma cultura em de religiosidade, alguns rigores morais e casa, também de 1952, obtiveram sucesso formação, assim como sua língua: alimentares são destacados por ele. O modo internacional, sendo traduzidas para várias como alguns israelenses fazem para burlá- línguas e representadas em quase todos os Ora, o hebreu da Bíblia pode conter um los e viverem uma vida mais próxima do centros culturais importantes do mundo. O vocabulário que serve até para a macum- estilo ocidental são aproximados, pelo es- livro de viagens Deus sobre as pedras: Israel, ba, mas não possui as palavras do nosso critor, ao chamado “jeitinho brasileiro”. Para de 1965, no entanto, não rendeu os mesmos diálogo trivial. [...] ainda ontem o meu táxi ele, “talvez seja de inspiração semita esse louros ao autor. No livro, o escritor registra, bateu levemente num carro particular, à ‘jeitinho’, milagre de sabedoria anônima, de impressionado, os dizeres de placas, carta- entrada de Iafo: os dois motoristas se en- esperteza, de corda-bamba, graças a qual as zes e avisos na Terra Santa. Transcrevendo- tredegradaram violentamente alguns bons coisas não são sempre como são ou como os e analisando-os busca empreender um minutos, ambos na língua em que Isaias não são.” breve panorama da cultura israelense. Ao imprecava, Jeremias se lamentava e Moi- compor esse panorama busca comparar a sés fazia de pára-raio do Verbo. Um dos problemas enfrentados pelos israe- cultura judaica de Israel à brasileira, prin- lenses, e registrado pelo escritor, é o casa- cipalmente quando se trata de política, de O escritor aponta, dessa forma, para o uso da mento. Como o Estado de Israel adota a lei nacionalismo, do shabbat e de outros cos- língua da Bíblia no cotidiano israelense com mosaica como código civil, não há casamen- tumes religiosos que assumem, em vários certo espanto e admiração. Figueiredo im- to que não seja religioso, o que dificultaria momentos, força de lei na nova nação. pressiona-se com a diferença cultural entre a união entre pessoas de grupos religiosos Brasil e Israel e, em outro momento, imerso diferentes, como, por exemplo, entre cris- Havia quinze anos que a Guerra da Liberta- na cultura e no imaginário judaico-cristão tãos e judeus, ou judeus e muçulmanos. ção tornara independente Israel. Jerusalém, brasileiro, surpreende-se com os hábitos Assim, surge o “jeitinho israelense” descrito divida em ocidental e oriental, era gover- orientais dos israelenses. O shabat, diferen- por Figueiredo: “o rabino casa a israelita com nada por israelenses e jordanianos. Para o temente do dia santo cristão, o domingo, o goy [não-judeu] ou vice-versa; depois, o escritor, não havia ainda uma cultura israe- seria seguido à risca pelos grupos religiosos sacerdote cristão casa-os de novo; quando lense definida, mas uma mescla de grupos mais ortodoxos, garante o narrador. O dia sobrevêm os filhos, são circuncidados na Escrevo com certo cuidado, batendo suave- de judeus imigrantes de várias partes do de descanso dos judeus seria apenas com- sinagoga e batizados na Igreja; nos casos mente na máquina, com a tentação de ir de mundo que se entrelaçavam e desejavam parado à Sexta-feira da Paixão ou o Dia de de ajuntação ou separação em que a lei é vez em quando à porta do quarto do hotel, a ardentemente uma cultura nacional. Finados, aqui no Brasil. Não se podia, assim, omissa, vai-se a Chipre, que é o México dos dirigir, fumar e nem mesmo datilografar. Os israelenses, e volta-se de papel passado.” ver se não me preparam uma agressão, duran- Em seu livro de memórias, A bala perdida, avisos impeditivos nas salas de jantar dos te o silêncio da tarde. É que começou o sabbat; Guilherme Figueiredo faz apenas uma pe- hotéis instruíam os estrangeiros para que Esse “jeitinho israelense”, não sem um tom minha desrespeitosa atividade pode ofender quena menção à viagem a Israel, realizada seguissem, também, a ordenança. Figuei- de certo cinismo, também se aplica no re- os israelenses. Não há perigo, todos me asse- entre 1963-64, mas não faz constar, na lista redo registra, assim, uma série de rituais da lato dos desvios das regras alimentares. Os guram – embora no hotel de Tel-Aviv, como de publicações, seu relato de viagem. O livro, religião judaica na vida cotidiana de Israel. A restaurantes oferecem as opções de casher de Safed, como em Jerusalém, ou no de Haifa, no entanto, retrata Israel pela lente de um mezuzá encontrada nos batentes das casas e [apropriada] ou não-casher, e um guia teria intelectual brasileiro como um país muito o kipa usado o tempo todo, até nas refeições oferecido ao escritor, “pura ou da boa”. Se- de Cesaréia ou Natânia, se encontre o mesmo jovem, formado por imigrantes e nativos, ou para entrar na sinagoga, são exemplos gundo Figueiredo, o “O shabat tem seus se- aviso nas salas de jantar: ‘Don’t write on Satur- que ainda lutavam para se impor, como dessa religiosidade que permeia lugares gredos” e as burlas a suas leias seriam reve- days. No smoking on Saturdays’. povo, e para se estabelecer como nação, e vistos como seculares. Relata o escritor que ladas para os turistas aproveitarem Israel no Guilherme Figueiredo essa análise é um documento, um testemu- mesmo quando se trata da Sinagoga do seu máximo, com tudo que se tem por ofere-

Número 30 • Março de 2009 19

cer, inclusive, a exuberante cozinha mediterrânea, brasileiros. Ao final da visita, conversando com Figueiredo e seus guias saem pelo deserto de Ne- e que dificulta o entendimento de sua Jerusalém parte dela condenada pelas leis alimentares reli- Anita, Figueiredo pergunta: “Você gosta daqui?”, guev, de Beersheba, passando por Arad, no nível imaginada. Outro obstáculo por ele apresentado giosas. A indicação seria, então, fugir “dos hotéis e ela responde: “Eu gosto. Muito, muito, mesmo. do mar, e logo abaixo, a quatrocentos metros, é a percepção de que Jerusalém seria, ao mesmo americanizados de Tel-Aviv e correr para Iafo”. Essa Mas um dia quero ir ver o Brasil.” Demonstra, outro deserto, este “azul-e-branco do Mar Morto, tempo, uma cidade nova e moderna. cidade milenar, vizinha de Tel-Aviv, seria o lugar assim, a brasileira, a saudade do país de origem, com suas praias de sal e sulfatos.” Pouca coisa ha- próprio para essas fugas gastronômicas. O escritor mas, também, sua ligação com Israel. via ali, naquela época. Segundo o escritor, dentro Certa noite, convidado a uma boate, observa a lembra que, nessa cidade, o profeta Jonas teria do leito do mar descansariam as duas cidades de juventude israelense. As moças são, para ele, tão embarcado e, em seguida, engolido pelo grande Figueiredo encontrará outros brasileiros apenas má reputação, Sodoma e Gomorra, que teriam lindas quanto as filhas de Jerusalém pelas quais peixe, tradicionalmente, uma baleia. Lá, o turis- em Jerusalém. Lá medita sobre a cultura israelen- sido soterradas por uma tempestade de pedras e Salomão suspirava, entretanto, são descritas por ta pode se deliciar com pratos enumerados pelo se em formação que é, de acordo com sua avalia- fogo, de onde Lot fugira com suas filhas e a esposa Figueiredo, narrador: a pecaminosa lagostina, os camarões ção, baseada em um nacionalismo permeado pela que se tornara uma estátua de sal. Como uma mi- escondidas numa espécie de cave existencialista, proibidos pela Torah, as frituras, as cigales de la religião. Apesar disso, a música, o teatro, a pintura, ragem formada pelos vapores sulforosos do mar bebendo o arak libanês e o uísque, chamando os mer – tudo que se possa imaginar, menos o por- todas as artes eram judaicas, mas não israelenses. salgado, o escritor vê um bar, o Lot’s Wife Inn (Ta- colegas de Ted e Bob [...] São juventude de jazz co, que, segundo o autor, não se encontraria em Estavam, ainda, num processo de recriação, no berna a Mulher de Ló), homenagem àquela que e bossa-nova, mas ao mesmo tempo rija: jovens Israel. Figueiredo ainda elege, irônico, para o topo que poderia ser chamado de uma possível estética foi transformada em estátua de sal como castigo treinados no exército dos desertos, a achar que os das iguarias o gefilte fish, “espécie de vingança do israelense. Os brasileiros ali residentes adotavam por ter contemplado a destruição das cidades. pais são uns carolas atrasados e que jamais con- profeta Jonas contra o peixe que o comeu”. novos hábitos, influenciados por seus filhos, isra- seguirão falar o hebreu sem sotaque...” elenses de nascimento. O escritor narra o episódio Em Massada, a fortaleza construída numa ele- Além dos prazeres do paladar em Israel, Figueire- em que um arquiteto brasileiro que não guardava vação vizinha ao mar Morto, o escritor dedica Os jovens com seus costumes quase ocidentais do experimenta, ainda, um pouco de suas artes. o shabat, nem os rigores morais ou alimentares, e algumas linhas de erudita reflexão ao episódio contrastam na escrita de Figueiredo, com as pe- Ele vai ao teatro e analisa três peças em cartaz à que por seu comportamento aproximado ao laico da revolta dos Macabeus. Na época de sua visi- dras que ele vai contabilizando pelos caminhos de época, além de falar, também, sobre as ótimas foi censurado pelo filho, nascido em Israel. A nova ta, Massada havia há pouco deixado de ser uma Israel. As memórias dos textos bíblicos, evocadas condições das salas de apresentação, enchendo- geração continua, assim, carregando diferenças, lenda. Por volta de 1955, moradores de um kibutz pelas pedras, dão, inicialmente, o tom da viagem. as de elogios. Figueiredo comenta sobre uma peça porém, avalia o escritor, seguia formando um Is- das redondezas, confiados nas descrições de Flá- Uma, segundo a tradição, seria onde Abraão imo- de Beit Liessin, representada pelo excelente ator rael de vários estilos e nuances. vio Josefo, haviam removido pedras e descoberto laria seu filho, Isaac; outra marcaria o chamado de polonês Zymunt Turkow, radicado em Israel e atu- colunas coloridas de um palácio. As descobertas Pedro por Jesus, outras, vindas dos mais diversos ante em companhias de teatro recém-constituí- Figueiredo, como um brasileiro na Terra Santa, arqueológicas eram numerosas, incluindo rolos lugares, formariam as lajes do Museu do Holo- das. O teatro israelense, mesmo não tendo origens confessa: que continham capítulos do livro dos Salmos. causto. Segundo o escritor, antigas e clássicas como o teatro ocidental, afirma Se eu tivesse visitado Jerusalém há mais tempo, Figueiredo se maravilha com o ardor daqueles o escritor, se destacaria por seu teor universal e talvez minhas impressões de viagem apresentas- israelenses em confirmar as palavras de um de Já não há mais deserto algum, o sisal começa a sua simplicidade, características fundamentais de sem apenas algum lirismo, a manifestação de es- seus antigos historiadores. Para ele, este seria um brotar, os beduínos trazem as mulheres grávidas uma arte para um povo tão diversificado. As peças panto diante da cidade moderna que substituiu a gesto de afirmação nacionalista, assim como a para dar à luz no hospital judeu, a água reverde- em Israel, garante, alcançavam grande quantida- Jerusalém bíblica existente em mim. [...] e agora enorme inscrição deixada pelo grupo de arqueó- ce as pedras que feriram os pés de Moisés.” de de representações, pois a população extrema- já não encontro, com a mesma clareza, a Jerusa- logos, voltada para a Jordânia: “Massada não cairá mente culta afluía em massa aos teatros. Algumas lém imaginada e a Jerusalém que vi. outra vez.” Do seu ponto de vista anterior à viagem, Jerusa- peças são apresentadas por grupos itinerantes lém seria apenas uma cópia saída diretamente das em kibbutzim, oferecendo entretenimento para Essa Jerusalém imaginada é fruto de uma forma- Em Jerusalém, Figueiredo só obteve acesso a lu- páginas da Bíblia. De certa forma, a pedra de sal aqueles que escolheram vivem em comunidade. ção dentro da cultura ocidental e uma viagem a gares sagrados porque possuía um passaporte que o bar e a boate representam, lançam luz sobre Terra Santa produz sensações inesperadas até brasileiro. Mesmo assim, conseguiu um visto de a Jerusalém contemporânea e delineiam, para o Em visita a algumas dessas fazendas, Figueiredo mesmo em cristãos não-praticantes como é era certa forma pouco convencional, do consulado escritor, uma cidade dinâmica, cheia de contras- foi apresentado a brasileiros ali residentes e pôde o caso de Figueiredo. Apesar disso, conhecedor espanhol, o único que ficou do lado da velha Jeru- tes, mas efervescente em suas manifestações cul- conhecer, mais de perto, esse estilo de vida. Nos profundo da Bíblia e de suas histórias, ao visitar salém, nas querelas do momento. Todos os monu- turais e religiosas. Além disso, a imagem do sisal arredores do sítio arqueológico de Megido, foi le- seus cenários, locais históricos e de peregrinação, mentos e pontos de peregrinação da Cidade Velha brotando e das mulheres grávidas demonstram vado para o kibutz Ramot Menashé, onde conhece relembra passagens bíblicas e seus personagens, ficavam no lado de domínio jordaniano. a esperança de que Israel floresça em harmonia Anita, uma brasileira, gaúcha, casada com o ad- chegando a ponto de, em certas passagens, ima- com os seus vizinhos. ministrador do kibutz, Zwi Gandelsman. O casal ginar como teriam sido cenas e diálogos ali vivi- A Jerusalém bíblica desaparecia de sua imagina- passa a ser cicerone de Figueiredo, apresentando- dos. Como a intrigante e encantadora mulher de ção. Esse é o sentimento que lhe ocorreu, mesmo o a organização da fazenda, ao refeitório, a creche, Lot cuja história é tratada por Figueiredo a partir tendo acesso ao outro lado – o que não era co- Filipe Amaral Rocha de Menezes é Mestrando em Letras além de ensiná-lo sobre os tipos, as histórias e as de uma visão surrealista de um bar a beira do mar mum e totalmente proibido aos cidadãos isra- no Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Lite- origens dos kibutzim. Eles visitam a fazenda co- Morto. elenses. A divisão da cidade, com todas as suas rários/UFMG e pesquisador do Núcleo de Estudos Judai- letiva vizinha, de nome Dália, onde viviam outros limitações, seria um dos obstáculos que encontra cos da UFMG. 20

A&M’Hardy’Voltz* pana a possibilidade de maior produção e distribuição de seus trabalhos. Nesta seção do Letras, tomamos o tema central da publicação pela ótica do design. Embora a seriação de suas obras possa ter Design, E partindo de consumo, arte e design como representado aos Irmãos Campana sua re- vertentes deste texto, foi um passo para que presentatividade cada vez mais contundente nos viesse à mente a obra dos irmãos Cam- no campo do design, os projetos que se se- pana e as reflexões que nos traz em torno guem à cadeira Vermelha não deixaram de dessas três palavras. remontar aos preceitos originais do trabalho da dupla, pautados na liberdade de escolha e arte Muito frequentemente o trabalho de Fer- laboração de materiais, formas, texturas e co- nando e Humberto Campana é tido como res. Também seguem intactos o fazer manual exemplar em abordagens sobre os limites e o exercício de domesticação dos materiais, (ou a falta deles) entre o design e a arte. que os Campana aplicam com sucesso não só Exemplos significativos foram a exposição em seu trabalho autoral, mas também nas Entre o Design e a Arte: Irmãos Campana / oficinas de criação abertas ao público. e Entre a Arte e o Design: Acervo do MAM, re- alizada em 2000 no Museu de Arte Moderna Entretanto, o que nos parece o viés mais de São Paulo com curadoria deTadeu Chia- representativo (além de continuado) no relli, e os textos críticos acerca da obra da processo de criação de Fernando e Humber- dupla, publicados em 2003 no livro CAMPA- to Campana é a apropriação de elementos NAS, pela editora Bookmark, que abordam do universo do consumo popular brasileiro. consumo de forma recorrente a imprecisão do lugar Ralos, bacias, bandejas de pizza, vassouras, ocupado pela obra, seja na arte, no design gaiolas de passarinhos, jogos americanos, ou na fronteira entre esses campos. bonecas de pano, pelúcias, pneus, canetas, fios, arames, mangueiras, tábuas, aparas, Nota-se que tal imprecisão já acompanha as resíduos, tudo pode ser apropriado. Uma in- primeiras investigações formais dos Cam- finidade de objetos e materiais corriqueiros, pana. As cadeiras que formavam a primeira presentes quase espontâneamente em nos- série Desconfortáveis, expostas na Galeria sos cotidianos, são postos a serem revistos e Nucleon 8 em 1989, mostravam-se como revalorados. Trabalhos que bem representam desdobramento da escultura Grelha (1987), esta apropriação de produtos como matéria- cuja autoria é de Humberto Campana prima são as cadeiras Vitória Régia (fig.3), fei- (fig.1). Grelha é uma obra significativa nesse ta com cortes de jogos americanos; a cadeira contexto, pois denota o movimento inicial Banquete (fig.4), feita com pelúcias diversas, da aproximação arte-design; é resultado de e a cadeira Favela (fig.5), na qual os autores uma construção aparentemente livre, a não apropriam-se do material, da forma de cons- ser pela atenção ao emprego das proporções trução e, principalmente, da imagem de de- e relações formais arquetípicas de uma ca- sordem típica das aglomerações urbanas que consumo design arte deira. Nas cadeiras-escultura que se seguem lhe emprestam o nome. à esta escultura-cadeira matriz, persistem o descompromisso intencional dos autores Da apropriação de elementos do universo com o conforto (e daí o nome da série) e o do consumo popular brasileiro resulta uma trabalho intuitivo, testando o domínio sobre ironia: os materiais e produtos escolhidos, matéria utilizada - o aço. cujo valor nos soa sempre como desprezível e que consumimos sem perceber, tornam-se De um regime de trabalho investigativo e la- restritos ao consumo da grande maioria da boratorial surgem suas sucessivas criações, população brasileira quando transformados quase sempre com caráter de exclusividade, em novos utilitários pela ação dos irmãos que exprimem na forma final (ou em apa- Campana. A ironia se acentua na medida em rente processo) os sofisticados meios de que os trabalhos se distanciam do design, (fig.2) elaboração manual que os origina. Em 1998 lido aqui como fator de democratização do ocorre um ponto de inflexão com a aquisição consumo, e se aproximam da arte. (fig.5) dos direitos de produção, pela indúsria mo- veleira italiana Edra, da cadeira Vermelha A despeito de qualquer paradoxo, um dos (1993 - fig.2). A cadeira tem estrutura de grandes valores da obra dos irmãos Cam- aço totalmente revestida por uma corda de pana reside justamente na capacidade de algodão, cuja trama segue uma ordem de constante releitura e transformação do nos- construção inicial, mas que ao final resulta so cotidiano, partindo dele próprio. Os Cam- em um emaranhado de aparência comple- pana tornam-se, assim, responsáveis pela tamente aleatória. Embora executada peça afirmação do uso de referências regionais, a peça, individualmente pelas mãos do ar- características de nossa cultura, a reciclar tesão italiano Giuseppe Altieri, essa cadeira (fig.4) o design e a arte brasileiros e a encantar o (fig.1) foi o primeiro trabalho dos irmãos Campa- mundo. (fig.3) na a ter uma produção seriada. Ainda que indissociável de seu aspecto artesanal, é a *A&M’Hardy’Voltz: Alessandra Soares, Cláudio cadeira Vermelha, carro-chefe do contrato Santos, Cynthia Massote, Fernando Maculan, Ma- assumido com a Edra, que abre aos Cam- riana Hardy e Mariza Machado

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Número 30 • Março de 2009