CONGRESSO HISTÓRICO DE GUIMARÃES E SUA COLEGIADA

A 850.° ANIVERSÁRIO DA BATALHA DE S. MAMEDE (1128-1978)

VOLUME IV

+ 7 *VV . ^ . ' %Jk COMUNICAÇÕES

GUIMARAES • 1981 CONTRIBUIÇÃO DE MARTINS SARMENTO PARA A ARQUEOLOGIA PRÉ-ROMANA DE

por M. FARINHA DOS SANTOS

Francisco Martins Sarmento, nascido em Guimarães a 9 de Março de 1833, ali faleceu no dia 9 de Agosto de 1899, com 66 anos de idade. A partir de 1874, aos 41 anos, passou a consagrar à Arqueologia muito do seu labor, do seu saber e dos seus bens. A propósito desta relevante actividade, consta num dos seus manuscritos: «As minhas escavações tinham por único fim procurar elementos que me guiassem mais seguramente que os livros no problema das nossas origens étnicas, e nunca pretendi as honras de arqueólogo» \ Parecendo perfilhar esse ponto de vista, escreveu Mário Cardozo: «É um erro supor-se que Martins Sarmento foi essencialmente um arqueólogo. Para ele a Arqueologia era apenas um meio de auxílio, um processo de confir­ mação e contra-prova das suas induções. Sarmento foi fundamentalmente um etnólogo. Toda a preocupação empolgante e absorvente dos seus estudos foi a indagação das nossas origens étnicas»2. Apesar de não discordarmos de tais afirmações, quando consideradas globalmente num contexto interdisciplinar, entendemos que as actividades de campo desenvolvidas por Martins Sarmento, ao longo de um quarto de

1 Mário Cardoso, Francisco Martins Sarmento (Esboço da sua vida e obra científica), Guimarães 1961, p. 25. 2 Mário Cardoso, «Dr. Francisco Martins Sarmento (Esboço bio-bibliográfico)», Homenagem a Martins Sarmento, G uim arães 1933, p. 2. 128 M. FARINHA DOS SANTOS século, contribuíram de maneira notável, para um melhor conhecimento de importantes aspectos do nosso passado anterior à Romanização, pelo que ousamos chamar-lhe um grande arqueólogo. A fim de o comprovar, procederemos, a seguir, a um balanço do que realizou no domínio da arqueologia pré-romana entre 1874 e 1899.

CULTURA MEGALÍTICA

Martins Sarmento dedicou especial atenção aos monumentos funerários megalíticos. Assim, em 1882 descobriu no distrito de Viana do Castelo cerca de uma dezena dessas sepulturas colectivas e dá notícia de outras dez. Antes de descrever tais monumentos (Lapa dos Mouros, antas do Pinho de Santo de Vida, do Monte de Santo Antão em Caminha, de Rubiãesi e Lameira em Paredes de Coura e antelas da Eireira, da Chã das Varges, do Maruco das Águas e do Cruzeiro da Portela e proximidades) 3, Martins Sarmento estabeleceu distinção entre dólmenes ou antas e antelas. Segundo w - • ele, as antas são de planta irregularmente quadrangular, cobertas por uma grande laje chamada mesa e possuem a câmara revestida por esteios dispos­ tos em cutelo, salvo na face da entrada. Quanto às antelas, considera-as quadrilongas, fechadas nos quatro lados, sem acesso lateral e tapadas com pedras dispostas transversalmente em relação ao eixo maior da câmara; as antelas aparecem protegidas por um montículo de terra chamado mamoa. ^ » “ • 1 * # m * • # 0 Nas descrições destes monumentos preocupou-se com a localização e aces­ sos, referiu-se às escavações efectuadas, à sua vista, pelos trabalhadores, mencionou o espólio recolhido, com a classificação mineralógica dos objectos • - . • - • • • - - *% • * — • * - • • . -J •* ' líticos e aludiu ao estado de conservação de cada sepultura e às lendas que lhe estão associadas. Observa-se, no entanto, que neste estudo, Martins * * * « f J* # • • * # M • *■»-■ • Sarmento, usando a incipiente metodologia da sua época, quase não usou o • • • metro, pois raramento dá uma medida e não acompanha a sua boa descrição com desenhos para não falar de fotografias, que ainda não se tinham gene­ ralizado. No relatório da «Expedição científica à Serra da Estrela»4, Martins Sarmento dedica o segundo capítulo aos monumentos megalíticos, dando notícia de antas nos seguintes locais: Paranhos (Fontão, Coutada, Valdeivão,

3 Revista de Sciencias Naturaes e Sociaes, IV, Porto 1895-96, pp. 23, 95 e 146. 4 Secção de Arqueologia da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1883, 26 p. e X estampas. Martins Sarmento CONTRIBUIÇÃO DE MARTINS SARMENTO PARA A ARQUEOLOGIA [...] 129

Cadimens, Chaveiral), Seixo, Vila Verde (Tourães), Nelas, Canas de Senho- rim, Sabreda, Carrapichana, Carrapito, Aljão, de Gouveias. Curiosamente, neste estudo publica o desenho à pena de 3 dessas antas vistas de 2 lados, distingue as antas que visitou das que apenas sabe existi­ rem e nas descrições refere algumas medidas de tais sepulturas. Fala ainda, das Antinhas que existem entre Belmonte e Idanha-a-Velha, dizendo que uma são redondas outras quadrilongas. Menciona além da do Torrão (Idanha-a-Velha), que fica no Alto do Cabeço dos Mouros, outra em Belmonte, perto do Zêzere, três na Ribeira da Mamôa, uma perto da quinta do Ortigal, outra no Arundinho, perto de Unhais e três na Ladeira dos Vinte. No seu estudo sobre as antas e antelas da freguesia de Vila Chã do concelho de Esposende5, dá notícia dos monumentos que ali descobriu e mandou escavar, designadamente as antas e antelas de Vila Chã, as mamoí- nhas do Monte da Cerca e da Bouça do Rápido, a antela da Portelagem e as mamoas de . A metodologia é idêntica à usada em Viana do Castelo: boa descrição e ausência de medidas e de desenhos. Em 1883 refere-se 6: a 11 mamoas no Vale do Âncora, entre o Picoto dos Mouros, Santo Amaro, Castro de Riba de Âncora, Castro de Mouros e Cividade de Âncora; a 7 mamoas em Laundos, próximo do castro do mesmo nome; a 2 em S. Simão da Junqueira, perto do Castelo de Casais; a 7 no vale que separa o castro de Sobreposta do Monte de Espinho; a 6 no vale oposto, junto ao Monte de Picos; a 7 ao pé de Pena-Província, em frente a Lanhoso; a 4 no caminho do castro de Santa Iria para a Sobreposta; a 5 mesmo junto a Sabroso; isto é, menciona a descoberta de 49 mamoas. Nos «Materiais para a arqueologia do concelho de Guimarães»7, Martins Sarmento referiu-se à descoberta de uma mamoa de grandes dimensões, a nascente da capela de Santa Catarina e à beira da estrada que pela Venda da Serra leva a Pombeiro. Nas «Antigualhas» 8, Martins Sarmento, ao falar de Santo Tirso, noticia que no lugar da Ervosa, próximo da estrada que vai daquela localidade para a Trofa há duas mamoas e que na Bouça das Bicas, perto da estação da Trofa, existe uma terceira.

5 «Materiais para a arqueologia da comarca de Barcelos», Revista de Sciencias Naturaes e Sociaes, III, Porto 1894-95, pp. 62 e 186. 6 O Panorama Contemporâneo, l.° ano, Coimbra 1883-84, pp. 9, 17 e 25. 7 Dispersos, Coimbra 1933, p. 221. 8 Revista de Guimarães, V, Porto 1888, p. 157.

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CULTURA CASTREJA

A figura de Martins Sarmento agiganta-se quando tomamos consciência da sua contribuição para o estudo da cultura castreja do Noroeste. Embora Mário Cardozo, Santos Júnior, Afonso do Paço, E. Jalhay, Abel Viana, Rui de Serpa Pinto, Carlos Ferreira de Almeida e outros muito tenham feito para esclarecer tão complexa problemática, parece-nos incon­ testável que, apesar da usura que o tempo possa ter causado na sua imagem e de muitas das suas hipóteses estarem ultrapassadas, Martins Sarmento continua a ser, ao fim de quase um século, o arqueólogo mais em evidência no estudo da Idade do Ferro do Norte de Portugal. Martins Sarmento estreou-se como arqueólogo de campo, em 1874, ao realizar prospecções na Citânia de Briteiros. Ali escavou, quase ininterruptamente, de 1875 a 1884, isto é, ao longo de 9 anos, pondo a descoberto alicerces de casas, arruamentos, uma parte das muralhas e fossas e recolhendo numeroso espólio, designadamente pedras lavradas, inscrições, moedas, fragmentos de cerâmica, peças de bronze, etc., que generosamente ofereceu ao Museu Arqueológico de Guimarães. Entretanto, para estabelecer paralelos com outros povoados do mesmo tipo, explorou arqueologicamente, de 1878 a 1880, o castro de Sabroso, que fica, em linha recta, a cerca de 2.700 metros da Citânia de Briteiros. A escavação deste pequeno castro permitiu a Martins Sarmento com­ preender as raízes da florescente Citânia de Briteiros. De facto, Sarmento verificou que apesar de Sabroso possuir, nas ruínas das suas casas, aparelho idêntico ao de Briteiros, assim como a mesma ornamentação nas pedras das suas portadas, revelou espólio diferente e mais antigo. Na castro de Sabroso não se encontraram, como em Briteiros, vestígios romanos, salvo uma moeda romana da República 9. Faltam-lhe telhas, ânfo­ ras, «terra sigillata», inscrições. Em contrapartida, recolheram-se ali brace­ letes, anéis, fibulas de cabeça em mola espiralada, alfinetes, cerâmica indígena com singela decoração geométrica e, em vez de telhas, lâminas de xisto para cobrir as casas. Quando da sua expedição arqueológica à Serra da Estrela em 1881, Martins Sarmento identificou os seguintes povoados castrejos, que admitiu

9 F. Martins Sarmento, «Acerca das escavações de Sabroso», in Renascença» Porto 1879, p. 118. CONTRIBUIÇÃO DE MARTINS SARMENTO PARA A ARQUEOLOGIA [...] 131

serem do tipo da Citânia de Briteiros e de Sabroso10: Castro de S. Romão, Cabeço do Castro (Torrozelo), Tintinolho (Guarda), (a sul de Seia), Castro de Paranhos, Castro de Alfátema (freguesia de Passos), Cabeço de El-Rei e Castelo Reigoso (Folgosinho), Castro de Valhelhas, ruínas da Senhora da Serra (defronte da Covilhã), Cabeço de Argemela (pertencente parte ao Fundão parte à Covilhã), Castro dos Três Povos, ruínas da Serra da Senhora da Póvoa, Castro de Pero Viseu, ruínas da Serra do Sobral. Além de algumas elucidativas descrições, constam do respectivo relatório o esboço dos limites do Castro de S. Romão, entre o rio Alva e a ribeira da Caniça e um suges­ tivo desenho, à pena, das ruínas de Tintinolho. Na região de Barcelos localizou Sarmento os seguintes povoados cas­ trejos: Alto da Ponte (fronteiro ao Castelo do Neiva), monte de S. Lourenço (Vila Chã) e monte da Saia (freguesia das Carvalhas) u. Martins Sarmento calcorreou a região do litoral de Entre Douro e Minho, descobrindo, nessa área, cerca de 60 castros, além de outros em zonas mais para o interior, em especial à volta de Guimarães. Consideramos impressionante a quantidade de povoações castrejas descobertas por Martins Sarmento e que, a seguir, se referem 12: Castro de Vilar de Mouros, Castro de Riba de Âncora, Castro de Mouros (Âncora), Castro de Areosa, Castro de Nossa Senhora do Castro (Neiva), Castro de Nabais, Castro de Santagões, Castro da Retorta, Castro de Santo Ovídio (perto do convento de Vairão), Castro de Macieira da Maia, Castro de Alvarelhos, Castro de (concelho de Famalicão), Castro de Prazins (concelho de Guimarães), Castro de Sobreposta, Castro de Francorim (Fel- gueiras), Castelo de Neiva, Castelo de Casais (Junqueira), Castelo de Gui- fões (Castêlo), Castelo de Vermoim, cidade do (Paredes de Coura), Cividade de Âncora, Cividade de Terroso (concelho da Póvoa de Varzim), Cividade de Bagunte, Cividade de Refojos de Basto, Monte do Espí­ rito Santo (junto a Vila Nova de Cerveira), Monte de Góis (Cerveira), Picoto de Mouros (parte de Vide parte de Riba de Âncora), Monte de Santo Amaro (Riba de Âncora), Monte de Santo António (Afife), Monte Dor (Car- reço), Monte de Santa Luzia (Viana do Castelo), Monte de Roques (perto de Vila de Punhe), Alto da Ponte (esquerda do Neiva, defronte do Castelo

10 lbid., pp. 9-15. 11 F. Martins Sarmento, Revista de Sciencias Naturaes e Sociaes, m , Porto 1894-95, pp. 62 e 186. 12 F. Martins Sarmento, «A propósito de castros», O Panorama Contemporâneo, l.° ano, Coimbra 1883-84, pp. 9, 17 e 25. 132 M. FARINHA DOS SANTOS do mesmo nome), Monte de Cerca (Vila Chã, concelho de Barcelos), Monte de S. Lourenço (idem), Monte de Laundos (concelho da Póvoa de Varzim), Monte de S. Miguel (Oleiros, concelho de Guimarães), Monte da Senhora (S. Jorge do Selho), Monte da Forca (Vila Nova de Sande), Monte de Santa Marta (Falperra), Montezelo (Santa Leocádia de Briteiros), Monte de San­ tiago (Penselo, concelho de Guimarães), Monte da Saia (concelho de Bar­ celos), Monte de S. Cristóvão (S. Julião de Freixo), Monte de S. Domingos (Lousada), Outeiro dos Mouros (Santa Maria de Pedraça, Basto), Coroa do Amonde, Eira dos Mouros (perto do Castelo de Vermoim), Santa Iria (Lou- redo, concelho de Lanhoso), Pena Província (defronte de Lanhoso), Citânia de Sanfins (Paços de Ferreira), Calcedónia (Gerez), Carmona (Carvoeiro), Freixo (Marco de Canavezes). Martins Sarmento descobriu mais um castro no concelho de Guimarães: o do Monte da Senhora da Tocha em Santo Adrião de Vizela 13.

ARTE RUPESTRE

Martins Sarmento chamou a atenção para o facto de, nas proximidades dos castros, ser frequente o aparecimento de gravuras, designadamente as que representam círculos concêntricos e covinhas 14. No relatório da «Expedição científica à Serra da Estrela em 1881»15 o mesmo refere-se a «pegadas» e «ferraduras» na serra das Águas de Ceira e no limite da Coutada e a círculos concêntricos na Gramaça. Na encosta do Monte da Saia, freguesia das Carvalhas (Barcelos), iden­ tificou uma grande laje com numerosas gravuras onde predominam os círculos concêntricos e as covinhas 16. Segundo Martins Sarmento, em Briteiros e Sabroso há círculos gravados nas fragas 17.

13 Dispersos, p. 198. 14 «Os Celtas na Lusitânia», Dispersos, Coimbra .1933, p. 115. 15 Relatório citado, p. 19. 16 F. Martins Sarmento, «Materiais para a arqueologia da comarca de Barcelos», Revista de Sciencias Naturaes e Sociaes, H l, Porto 1894-95, pp. 62 e 186. 17 F. Martins Sarmento, «A propósito de castros», Dispersos, p. 170. CONTRIBUIÇÃO DE MARTINS SARMENTO PARA A ARQUEOLOGIA [...] 133

Também são de Martins Sarmento as seguintes descobertas: próximo de Cristelo, nas vizinhanças do Castro de Santo Adrião, um penedo com a superfície cheia de covinhas 18; o Penedinho de S. Gonçalo, de Tagilde, com algumas dezenas de covinhas 19.

DIVERSOS

Na extensa e variada bibliografia de Martins Sarmento, existem três pequenos artigos que se relacionam com a sua actividade no domínio da arqueologia pré-romana. Num deles alude que a tradição popular atribui aos mouros as antigas construções que pululam pelos montes e vales, quando, de facto, tais monu­ mentos são, em geral, castros, sepulturas, fontes ou fragas com gravuras rupestres 20. Em outro artigo refere-se ao abrigo das Coriscadas, sito na freguesia de Soalhães, do concelho de Marco de Canavezes, onde apareceram diversos ossos humanos e 8 caveiras. Catorze anos depois desse achado, a furna-necrópole foi visitada por um médico local que ali recolheu alguns fragmentos de ossos, um machado de pedra polida e uma goiva, ambos de diorite, e uma faca de silex, não tendo aparecido, no entanto, as referidas ossadas. Depois de crivada a terra das redondezas, foram recolhidos mais alguns fragmentos de ossos a decom­ por-se, um machado polido, uma faca e uma ponta de seta, todos de diorite, e um fragmento de loiça grosseira, mal cozida81. Por último, dá notícia da descoberta de 34 machados de bronze num esconderijo de fundidor encontrado no lugar da Abelheira (S. Martinho de Bougado) dos quais foi possível adquirir 30 para o Museu de Guimarães 22.

18 Ibid., p. 203. 19 Ibid., p. 209. ~ 20 «O que podem ser os mouros da tradição popular», O Pantheon, I, Porto 1881, pp. 105 e 121. 21 «Sepultura pré-histórica em Soalhães», A Vida Moderna, U , Porto 1882, p. 198. 22 «Antigualhas», Revista de Guimarães,, Porto 1888, p. 157. 134 M. FARINHA DOS SANTOS

CONCLUSÕES Ao longo de um quarto de século, Francisco Martins Sarmento desen­ volveu notável actividade no domínio da arqueologia pré-romana, descobrindo e escavando dezenas de monumentos funerários megalíticos, explorando siste­ maticamente uma florescente citânia e um castro, identificando no Noroeste e na Beira numerosos povoados castrejos e dólmenes e pondo em evidência a importância dos motivos geométricos gravados nas fragas. Nos trabalhos de campo, aplicou a metodologia em uso na sua época, acompanhando directamente as escavações onde mandava recolher, com cuidado, as peças arqueológicas e registava tudo que ocorria no respectivo diário. Apesar de as suas descrições serem perfeitamente aceitáveis no que respeita à localização, características das peças e estado de conservação das estruturas, faltam-lhe, em regra, medidas e desenhos. Verificando pessoalmente as referências que chegavam ao seu conhe­ cimento, servia-se da toponímia e das lendas como elementos indicadores de possíveis jazidas arqueológicas. As suas descobertas arqueológicas na Citânia de Briteiros cedo foram conhecidas tanto no País como além fronteiras. Para isso concorreram dois acontecimentos: a l.a Conferência Arqueo­ lógica de Portugal, realizada em Guimarães a 10 de Junho de 1877, e a visita a Briteiros, em 1 de Outubro de 1880, dos participantes no IX Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas, que ocorreu em Lisboa de 19 a 30 de Setembro do mesmo ano. A l.a Conferência Arqueológica de Portugal, efectuada ao fim de vários anos de frutuosas e beneditinas escavações em Briteiros, atraiu a Guimarães um notável grupo de estudiosos da Arqueologia e da História, designada- mente, entre outros, Possidónio da , Luciano Cordeiro, Marquês de Sousa e Holstein, Filipe Simões, Augusto Soromenho, Teixeira de Aragão, Nery Delgado e Rodrigues Ferreira. Nessa Conferência, Martins Sarmento atormentado pela vasta proble­ mática que os seus trabalhos arqueológicos originaram, apresentou aos ilustres participantes as seguintes questões: 1. Origem da palavra «citânia». 2. Reconstituição da arquitectura castreja. 3. Conclusões sobre os achados: costumes e práticas funerárias. 4. Artesanato antigo. 5. Causas do povoamento e abandono da Citânia. CONTRIBUIÇÃO DE MARTINS SARMENTO PARA A ARQUEOLOGIA [...] 135

Por se tratar de temática demasiado complexa para os conhecimentos da época, não chegaram a qualquer conclusão válida mas, apesar disso, tal reunião teve o mérito de contribuir para a divulgação de Briteiros e dos seus achados, pois alguns desses participantes divulgaram «aos quatro ventos» o que observaram na importante Citânia. A visita a Briteiros de algumas dezenas dos mais qualificados arqueó­ logos e antropólogos europeus, do último quartel do século XIX, constituiu um dos mais altos momentos do Congresso Internacional de 1880. Ao relatá-la, o Professor Rudolph Virchow 23, da Universidade de Berlim e um dos sábios mais distintos da sua época, depois de comparar Martins Sarmento ao grande Schliemann, por fazer escavações à sua própria custa, teve palavras do maior apreço e louvor para com o nosso arqueólogo vima- ranense, referindo-se, em especial, à maneira sistemática como todos os anos avançava na exploração arqueológica da Citânia e aos cuidados postos na recolha dos achados. Virchow descreve, ainda, as suas observações em Briteiros e Sabroso, reflecte sobre as possíveis origens de certos objectos, alude, com paralelos, às gravuras rupestres e, com as preocupações de rigor e de pormenor da escola germânica, ocupa-se cuidadosamente dos achados ali recolhidos. As descobertas de Martins Sarmento tiveram a maior audiência entre os arqueólogos do seu tempo. Basta folhear o primeiro volume das «Religiões da Lusitânia» 2\ do mestre José Leite de Vasconcelos, para verificar como Martins Sarmento é ali citado inúmeras vezes e como algumas das suas notícias se apresentam com merecido relevo. Se é certo que se lamenta o facto de Martins Sarmento não ter deixado uma monografia sobre a Citânia de Briteiros e se foi pena que, por motivo de doença, não conseguisse publicar, como projectara, os «Materiais para a Arqueologia de Entre Douro e Minho», não há dúvida que nos seus milhares de páginas existe acumulada matéria de estudo e reflexão que muito pode ajudar as futuras gerações de arqueólogos a debruçar-se sobre o passado pré-romano do Noroeste da Península.

23 Compte-rendu de la Neuvième Session à Lisbonne, 1880, du Congrès International d’Anthropologie et d’ArchéologiePré-historiques, Lisbonne 1884, pp. 647-662 e 2 estam pas. 24 Lisboa 1897, 440 págs.