Persona X Personagem X Ator E a Terceira Memória Joana Oliveira
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Persona X Personagem X Ator e A Terceira Memória Joana Oliveira (UFMG) [email protected] Orientadora: Profa. Dra. Ana Andrade (UFMG) [email protected] Resumo: o presente artigo aborda a relação entre persona X personagem X ator no cinema e a questão da memória Palavras-chave: persona, personagem, ator, roteiro, neorrealismo Italiano Muitos filmes têm como protagonista uma personalidade famosa ou histórica. Mas também há filmes que baseiam sua trama principal na vida de pessoas normais que viveram algo especial. Ao relembrar personagens de filmes como esses, papéis que marcaram a história do cinema, muitas vezes misturamos três esferas de construção em uma só; mesclamos a persona, o personagem e o ator em uma só figura. A relação entre persona X personagem X ator é muito forte em vários filmes desde os anos 20 como em A Paixão de Joana d'Arc (La Passion de Jeanne d'Arc, direção de Carl Theodor Dreyer, França, 1928). Nesse clássico a pessoa histórica (ou a persona) é marcante; Joana d’Arc é considerada heroína na França e em muitos outros países. A personagem do filme é extremamente fiel, sofredora e amorosa – o que é uma ficção criada por Dreyer, que não a conheceu e, mesmo se a tivesse conhecido, teria criado uma nova heroína que servisse para mover o seu roteiro. E por fim, a atriz francesa Renée Jeanne Falconetti se tornou a personificação de Joana d’Arc em seus movimentos e suas expressões. Muitas pessoas mundo afora, quando fala-se de Joana d’Darc, pensam no rosto sofredor de Falconetti. A persona, segundo Carl Jung, é o caráter que assumimos e como nos apresentamos ao mundo, à sociedade. É através dela que nos relacionamos com os outros. Jung la define de la siguiente manera: "La persona es, por tanto, un complejo funcional que ha emergido en la existencia por razones de adaptación o conveniencia personal, pero no es, de ninguna manera, idéntica a la individualidad. La persona concierne exclusivamente a la relación con objetos (externos)" (Psicological Types, Collected Works, vol 6, par. 801). (…) "La persona es un compromiso entre individuo y sociedad en cuanto a lo que un hombre debería aparentar ser". (The Relations between the and the Unconscious. Collected Works, vol. 7, par. 246) (em PASCAL, 2005, p.59) No livro “Dramaturgia, A construção do personagem”, a autora Renata Pallotini define que o personagem é uma imitação. Essa imitação é baseada na vida real de uma ou de muitas pessoas (ou personas). O autor (ou o poeta) escolhe características de pessoas variadas ou de uma só pessoa para compor um personagem em uma imitação. Ser composto pelo poeta a partir da realidade, o personagem não reúne, em todo caso, todos os traços passíveis de serem encontrados num ou em muitas pessoas, seus modelos. Personagem seria, isso sim, a imitação, e portanto a recriação dos traços fundamentais de pessoa ou pessoas, traços relacionados pelo poeta segundo seus próprios critérios. (PALLOTTINI, 1989, p. 5) Pallotini conta também a história clássica do surgimento do ator. No culto de adoração a Dioniso, na Grécia Antiga, os fiéis disfarçavam-se com peles e chifres de animais selvagens. Nessas festas se cantava o ditirambo, um canto lírico, e um conjunto de pessoas iam em direção ao altar para oferecer um sacrifício ao deus. Até que um dia, alguém teria falado em primeira pessoa, respondendo o coro como se fosse o deus. Esse teria sido o nascimento do teatro. O ator é então aquele que fala em primeira pessoa como se fosse o outro. Um dia, o coro teria se dividido em dois semicoros; um passou a responder, cantando, ao outro; dialogavam, por intermédio dos seus corifeus. Mas ainda estavam cantando, louvando ou lamentando a sorte de outra pessoa. Ele (o deus) tinha morrido, tinha sido despedaçado, tinha ressurgido; ainda se trava de alguém de quem se falava. Em que momento terá alguém, um dos corifeus, talvez, falado em nome do deus, assumindo a sua existência? Quando foi que o primeiro ator – exarkon ou hipocritès – falou na primeira pessoa? Porque o fez? Ele é, sem dúvida, uma projeção pessoal das invocações do coro; um grupo de pessoas excitadas, meio ébrias de vinho e música, ébrias de entusiasmo, suscita a fictícia aparição do próprio Dioniso que, a partir daí, passa a falar e a agir em seu próprio nome, num verdadeiro aqui e agora. Isso, é claro, é o embrião de uma representação teatral. (PALLOTTINI, 1989, p. 7) Há um exemplo no cinema em que essas definições se confundem ainda mais. Um filme que se baseia em uma história real. Em agosto de 1972, um assalto a banco no Brooklyn chama a atenção da mídia quando é transmitido ao vivo. Um roubo que era para durar 10 minutos tem suas complicações: assaltantes e reféns ficam horas no banco negociando com a polícia que faz cerco do lado de fora. Assistindo a tudo estão também a vizinhança e jornalistas de diversos meios de comunicação, principalmente da televisão. A história fica mais dramática quando se descobre a motivação para o assalto de John Wojtowicz, o cabeça da operação. Ele queria pagar uma operação de mudança de sexo para seu amante / esposa (the wife). Essa é a história descrita pelo artigo da revista Life chamado “The Boys in the Bank” (Os Garotos no Banco) escrito pelos jornalistas P. F. Kluge e Thomas Moore e que acabou sendo a inspiração para o filme Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975), dirigido por Sidney Lumet e roteirizado por Frank Pierson. No filme de Lumet, o personagem Sonny é a representação de John Wojtowicz e é vivido pelo ator Al Pacino. Um Dia de Cão apresenta Sonny como um anti-herói simpático, corajoso e apaixonado. No começo nos parece que Sonny está assaltando o banco para ajudar sua primeira esposa e seus dois filhos. Entretanto, no meio do filme descobre-se que Sonny é apaixonado por Leon (Chris Sarandon), a quem chama de esposa (the wife) e com quem teve até uma cerimônia de casamento celebrada por um padre amigo do casal. Essa nova informação muda completamente a leitura de Sonny pelo espectador que se espanta, pois o anti-herói seguia todo o estereótipo do machão. Agora, cria-se uma nova camada de complexidade para o personagem. O jornal americano Chicago Reader soltou uma reportagem sobre o filme; o jornalista J. R. Jones, em seu artigo “Revisiting the Brooklyn bank robbery that inspired Dog Day Afternoon”, faz um histórico sobre o impacto do personagem Sonny atuado por Al Pacino na vida de Wojtowicz. Whoever John Wojtowicz may have been before Dog Day Afternoon, he lost control of his own identity once Al Pacino got hold of him. Weirdly enough, Wojtowicz and his accomplices had spent the afternoon before the robbery watching Pacino in a matinee screening of The Godfather on Times Square. In the Life magazine story "The Boys in the Bank," which served as uncredited source material for Dog Day Afternoon, writers P.F. Kluge and Thomas Moore described Wojtowicz as "a dark, thin fellow with the broken-faced good looks of an Al Pacino or a Dustin Hoffman." At first the movie was a godsend for Wojtowicz: he used the money from selling his story to finance Aron's sex change, the movie gave him much-needed credibility among his fellow inmates at Lewisberg Federal Penitentiary, and mail began to pour in from people who considered him a folk hero. But he would become trapped in that image. "When the movie came out, that became the essence of his life," explains psychiatrist Eugene Lowenkopf, who treated Wojtowicz for 20 years. "It was easy to slip into this notoriety rather than settle down." http://www.chicagoreader.com/chicago/dog-day-afternoon-john-wojtowicz-al- pacino-elizabeth-eden-ernest-aron-tony-ortega/Content?oid=15167200 Em uma tradução livre: “Quem quer que John Wojtowicz fosse antes de Um Dia de Cão, ele perdeu controle de sua própria identidade quando Al Pacino tomou conta dele. Estranho como possa parecer, Wojtowicz e seus cúmplices passaram a tarde anterior ao crime assistindo a Pacino na matiné do filme O Poderoso Chefão na Times Square. Na estória da revista Life “Os Garotos no Banco”, que serviu como uma inacreditável fonte de pesquisa para o Um Dia de Cão, os escritores P. F. Kluge e Thomas Moore descreveram Wojtowicz como “um rapaz escuro e magro com a face dura e beleza de Al Pacino ou Dustin Hoffman.” A princípio, o filme foi uma benção para Wojtowicz: ele usou o dinheiro da venda de sua história para financiar a operação de mudança de sexo de Aron, o filme lhe deu uma credibilidade muito necessária junto aos seus colegas presos na Penitenciária Federal de Lewisbert, e muitas cartas de pessoas que o consideravam um herói popular começaram a chegar. Mas ele ficaria preso nessa imagem. “Quando o filme saiu, isso se tornou a essência de sua vida,” explica o psiquiatra Eugene Lowenkopf, who tratou Wojtowicz por 20 anos. “Era mais fácil escorregar para a notoriedade do que se aquietar.” Nessa reportagem conta-se que John Wojtowicz se reconhecia como Al Pacino, ao mesmo tempo que negava que várias sequências fossem reais. Talvez, sua persona se enxergava em Al Pacino, o astro, a celebridade, entretanto, não se reconhecia tanto no personagem Sonny, não reconhecia seus atos. Sonny não é baseado na persona de Wojtowicz e sim é um personagem fictício criado para obedecer a verossimilhança do filme Um dia de cão. O roteirista e o diretor criaram cenas e diálogos que não existiram, mas que construíam o universo do personagem Sonny, mesmo que esses fatos não tenham acontecido com Wojtowicz.