Cultura Do Software E Autonomização Da Game Music∗
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Cultura do software e autonomização da game music∗ Camila Schäfery Tiago Ricciardi Correa Lopesz Índice Nesse cenário, presenciamos novas formas de produção, distribuição e consumo de pro- Introdução1 dutos culturais cujos efeitos se fazem sentir 1 Os sons nos jogos digitais3 em todo o meio ambiente midiático. As- 2 Cultura do software e game music 4 sim sendo, o presente artigo analisa a au- Conclusão 11 tonomização da game music, ou música de Referências bibliográficas 11 videogame, como processo resultante de um conjunto de práticas operadas no interior da cultura que encontram nos softwares as bases Resumo de sua realização. Palavras-chave: game music; jogos Vivemos hoje a cultura do software, uma eletrônicos; cultura do software. etapa do nosso desenvolvimento civilizatório na qual os programas computacionais for- mam camadas tecnoculturais que cobrem to- das as áreas da sociedade contemporânea. Introdução ∗Artigo originalmente publicado e apresentado ao CLUHAN (1969) já dizia em O meio eixo temático “Jogos, Redes Sociais, Mobilidade e M são as massagens que o surgimento Estruturas Comunicacionais Urbanas”, do V Simpó- e assimilação de novas tecnologias de co- sio Nacional da ABCiber, ocorrido em novembro de 2011, em Florianópolis (SC). municação afetam não somente o segmento yGraduada em Jornalismo (UNISINOS), midiático ao qual se destinam (por exemplo, criadora do blog Console Sonoro (http: o surgimento dos videocassetes e das fitas //consolesonoro.blogspot.com) e colu- VHS em relação ao cinema e à televisão), http://pontov.com.br/ nista no site Ponto V ( mas irradiam seus efeitos por todo o con- site/). E-mail: [email protected]. zGraduado em Publicidade e Propaganda (ESPM- junto das mídias - o "meio ambiente"referido RS) e Mestre e Doutorando em Ciências da Co- pelo autor - que, no transcorrer do tempo, municação (UNISINOS), é professor da UNISINOS passa a assimilar as lógicas, as linguagens, nos cursos de graduação em Publicidade e Propa- as estéticas e os valores ideológicos que as ganda, Jogos Digitais e Comunicação Digital, onde também é membro do Grupo de Pesquisa em Au- novas tecnologias trazem consigo. diovisualidades e Tecnocultura (TCAv). E-mail: Assim sendo, perguntamo-nos: passadas [email protected]. algumas décadas desde o início do processo 2 Camila Schäfer & Tiago Ricciardi Correa Lopes de popularização e penetração dos consoles turam elementos do machine, animation e de videogame nos lares de milhões de pes- cinema), a inclusão das trilhas de games no soas ao redor do planeta, quais seriam os Grammy3 e os diversos filmes, programas efeitos exercidos pelos jogos digitais1 sobre televisivos e videoclipes que utilizam ele- a cultura de nosso tempo? E, na esteira mentos dos jogos eletrônicos nos dão algu- de uma ecologia dos meios de comunicação mas pistas de como as estéticas e as lógi- proposta por McLuhan (MACHADO, 2009), cas dos videogames começam a se fazer pre- como o conjunto das mídias acaba por assi- sentes fora do âmbito dos jogos e invadem milar e reproduzir a linguagem, a estética e o domínio de outras mídias. Como afirma os valores ideológicos trazidos pelos games? Santaella (2004: 2), “do mesmo modo que Ainda, essa problematização poderia os games absorvem as linguagens de outras tomar como base os computadores pessoais mídias, estas também passaram a incorpo- e todas as formas de tecnologia que operam rar recursos semióticos e estéticos que são através da programação de softwares. O que próprios dos games”. Além desses exem- acontece com a cultura na medida em que os plos, destacamos a importância da game mu- programas computacionais estão no controle sic, ou música de videogame, como fenô- dos meios de produção, circulação e con- meno que comparece neste quadro e que vem sumo de produtos midiáticos? Quais estéti- chamando a atenção pelo seu crescimento. cas surgem a partir desse cenário? E como os Cada vez mais popular entre músicos fãs indivíduos reagem aos efeitos dos softwares de jogos de videogame, a game music cor- em suas vidas? responde a um segmento da cultura musi- São estas as questões que nos mobilizam cal contemporânea que surge como resul- neste texto, as quais tentaremos responder tado de práticas que tomam a estética sonora tomando como base de nossas análises um dos videogames como base para criação de conjunto de fenômenos contemporâneos que um novo nicho de produção e consumo de atendem ao que vimos chamando processos versão em atividades da “vida real”. Nosso obje- de autonomização da game music. tivo neste texto, ao utilizar o termo, é apenas chamar Atualmente, fala-se em “gamificação” da a atenção para mais um sintoma de como os jogos cultura, processo crescente em que produtos ganham importância crescente no interior da cultura culturais são “contaminados” por elementos contemporânea. Para mais informações sobre gami- de jogos2. Os vídeos machinima (que mis- fication acesse: http://gamification.org/ wiki/Encyclopedia. 3 1Neste artigo utilizamos os termos jogos eletrôni- Depois que o compositor Christopher Tin rece- cos, jogos digitais, videogames e games como sinô- beu o Grammy com a música "Baba Yetu"do jogo nimos, englobando todos os jogos em vídeo, seja em Civilization IV, em 2011, as trilhas de games foram consoles domésticos, arcades, computadores ou dis- incluídas na premiação para o próximo ano. A partir positivos móveis, como celulares e consoles portáteis. de 2012, elas poderão concorrer nas categorias: me- 2A atual discussão em torno do, ainda em for- lhor música; melhor canção; melhor compilação de mação, conceito de “gamificação” – ou, no original trilha sonora; e melhor partitura de trilha sonora, di- em língua inglesa, gamification – trata sobre a apli- retamente com as trilhas sonoras dos filmes e séries de cação de elementos e mecânicas de jogos em áreas televisão. O Grammy é o maior prêmio da indústria e situações que não fazem parte do contexto dos jo- musical, equivalente ao Oscar para a indústria cine- gos, tendo em vista aumentar o engajamento e a di- matográfica. www.bocc.ubi.pt Cultura do software e autonomização da game music 3 produtos culturais. Conforme mapeamento 1 Os sons nos jogos digitais realizado em pesquisa anterior4, observa- Em jogos de videogame, a trilha sonora tem mos que cada vez mais a game music opera como objetivo tornar a experiência do jogo através de “processos de autonomização”, mais interativa, imersiva e divertida. Para responsáveis por promover a ruptura do vín- descrever as funções-chave da game mu- culo umbilical com seu contexto de origem, sic, Whalen (2004) cita dois termos da lin- isto é, dos jogos de videogame, assumindo- guística: metáfora e metonímia. A função se como um segmento em expansão na cul- metafórica é a que proporciona uma sen- tura contemporânea. sação de espaço, caracterização e atmosfera A venda de álbuns de game music, as ver- em um jogo. É a música de fundo ou que sões realizadas por orquestras e bandas de representa certo ambiente (dia ensolarado, temas famosos dos games, os remixes de di- caverna escura, etc). Já a função metonímica versos tipos, as ferramentas digitais de e- é a que mantém a estrutura sintática do jogo, mulação, os blogs e as comunidades de fãs, obrigando o jogador a progredir na narrativa dentre tantos outros elementos, nos dão o do game. Por exemplo, os sons que alertam panorama em que a música de videogame a chegada de um inimigo. vem se moldando como um produto cultural Ao envolvimento emocional e cognitivo autônomo. que se realiza sobre os indivíduos ao jo- Nesse texto, procuraremos analisar como garem videogames, alguns autores chamam esses processos de autonomização da game “imersão”. Segundo Collins (2008), esse music estão de certa forma condicionados a é o momento em que o jogador se identi- um conjunto de características da sociedade fica com o personagem do game, esquecendo atual no qual os softwares exercem papel temporariamente a fronteira que o separa do fundamental. Guiaremo-nos principalmente avatar. Ferreira (2008: 1) define da seguinte pelo pensamento apresentado por Manovich forma: “[...] entendemos por imersão a ca- (2008), no qual os softwares se apresen- pacidade de um sistema (ou dispositivo) de tam como uma camada que permeia todas trazer seus espectadores ou usuários para as áreas da sociedade e, por conta disso, dentro da realidade (virtual) por ele cons- são cada vez mais responsáveis por gerarem truída”. Para Murray (2003: 102), “a ex- efeitos que afetam e transformam a cultura periência de ser transportado para um lugar contemporânea. primorosamente simulado é prazerosa em si 4Mapeamento realizado para o Trabalho de mesma, independentemente do conteúdo da Conclusão de Curso (TCC) “VGMusic como pro- fantasia. Referimo-nos a essa experiência duto cultural autônomo: a música para além dos como imersão”. videogames”, realizado na UNISINOS e defendido em dezembro de 2009, sob orientação do Prof. Ms. A imersão é fortemente condicionada pela Tiago R. C. Lopes. banda sonora do jogo. Murray (2003) cita como exemplo o jogo Myst, destacando a importância do som para criar efeitos imer- sivos: A trilha sonora faz parte da téc- www.bocc.ubi.pt 4 Camila Schäfer & Tiago Ricciardi Correa Lopes nica do jogo: ela fornece pistas de 2 Cultura do software e game que estou clicando com o mouse music na direção certa [...], a solenidade da música reforça minha sensação 2.1 A era do remix e as de estar em contato direto com experimentações na game um terrível ato de perversidade. music A música define minha experiên- cia dentro daquela cena dramática, As características da cultura do software transformando uma simples des- contextualizam o cenário em que a game mu- coberta num momento de reve- sic se torna um produto cultural autônomo. lação. (MURRAY, 2003: 63) Para introduzirmos as linhas gerais desse processo, recorremos às relações entre estru- Contudo, ainda que o impacto das sonori- turas estratégicas e usos táticos na vida social dades de videogame sobre os estados emo- apresentadas por Michel De Certeau (2007) cionais do jogador seja fundamental para em A invenção do cotidiano.