5 a Vida Em Campo Belo
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55 5 A VIDA EM CAMPO BELO A vida em Campo Belo (MG) era muito alegre para as crianças, afirma João Cândido, mas éramos muito pobres. Vivia, a ‘Família Silva’, nas proximidades da linha do trem. Nesse período, o denominado ‘distrito da cidade’ de Campo Belo possuía por volta de 16.000 (dezesseis mil habitantes)12, e a economia estava baseada no plantio e comércio de café e cereais. Na verdade, a própria linha ferroviária foi construída para atender à demanda do transporte de café, conforme verificamos nas obras que nos foram cedidas pela Fundação Museu e Arquivo Público do Município de Campo Belo – FUMAP, situado naquela cidade, bem como de trabalhos acerca das ferrovias , consultados mais tarde. Ilustração 5.1 Mapa do Município de Campo Belo e suas regiões. Velharias. Notas para a História de Campo Belo. pág.153 1 CARVALHO, Jose Miserani de. Velharias. Notas para a História de Campo Belo, 2ª. edição, Belo Horizonte(MG): Editora Prograf, 1993. 2 Esse número refere-se ao distrito de Campo Belo. Na região o total era de 46.265 habitantes, ai compreendidos os distritos de Campo Belo (distrito da cidade, 16.853 hab.); Candeias (12.851 hab.); Cristais (9.615 hab); Santana do Jacaré (4.076 hab.); e Porto dos Mendes (2.870 hab.). 56 Ilustração 5.2 Agência Chevrolet em Campo Belo. Década de 30. 3 Ilustração 5.3 À espera do Presidente Getúlio Vargas. Estação Ferroviária de Campo Belo. 1931.4 3 CONRADO, Vanessa de Cássia Viegas. A Princesa d’Oeste. Campo Belo e Sua Memória. Belo Horizonte (MG): Editora O Lutador, 2000. Figura n°. 57 4 CONRADO, Vanessa de Cássia Viegas. A Princesa d’Oeste. Campo Belo e Sua Memória. Belo Horizonte (MG): Editora O Lutador, 2000.Figura n° 45. 57 Ilustração 5.4 Avenida João Pinheiro, uma das avenidas principais de Campo Belo em 1935. 5 Ilustração 5. 5 Igreja (Velha) Matriz do Senhor Bom Jesus. Saída da Missa. Campo Belo. Década de 30. 6 Alí, a casa da ‘Família Silva’ era bastante simples, de tijolos, da olaria próxima, e madeira. Como informaram os ‘Silva’ 7 naquele local morava a “turma”. “Turma” era o nome que se dava aos empregados da estrada de ferro. As casas dos trabalhadores da ferrovia ficavam próximas umas das outras, junto ao terminal dos trens, das oficinas. A roupa era 5 CONRADO, Vanessa de Cássia Viegas. A Princesa d’Oeste. Campo Belo e Sua Memória. Belo Horizonte (MG): Editora O Lutador, 2000.Figura n° 17 6 CONRADO, Vanessa de Cássia Viegas. A Princesa d’Oeste. Campo Belo e Sua Memória. Belo Horizonte (MG): Editora O Lutador, 2000. Figura n° 44 7 Conceição, Efigênia, João e Ilza Jacob em viagem ocorrida em 2006. 58 lavada no Ribeirão8 e havia gado que pastava nos arredores bem como os animais de criação, galinhas, patos, e porcos. As crianças ajudavam a mãe nos afazeres domésticos, o que incluía também plantar, escolher feijão, cuidar da roupa. A área urbana era pequena e o restante do território da cidade era rural. Desde 1726, aquela região foi esparsamente ocupada por comunidades pobres e quilombos. Os quilombos eram formados por negros forros, mulatos, brancos desvalidos e negros fugidos9. Após a Abolição, “libertos, mas estigmatizados, e sem meios de sobrevivência, muitos dos ex-escravos foram absorvidos pelas fazendas, onde sempre trabalharam (...)” (CONRADO, 2000:42). Portanto, desde essa época encontramos alí, a cultura negra permeada à cultura local. Ilustração 5.6 Catadoras de café. Campo Belo. 1936. CONRADO, Vanessa de Cássia Viegas. A Princesa d’Oeste. Campo Belo e Sua Memória. Belo Horizonte (MG): Editora O Lutador, 2000. Figura n° 55. Na história de Campo Belo e região, encontramos registros das festividades religiosas e folclóricas tradicionais, de origem afro-brasileira, como, por exemplo, os “Massambiques” ou “Moçambiques”, “Congados” 8 Ribeirão Vermelho 9 CONRADO, Vanessa de Cássia Viegas. A Princesa d’Oeste. Campo Belo e Sua Memória. Belo Horizonte (MG): Editora O Lutador, 2000, pág. 06 e seguintes. 59 ou “Congadas”, a “Festa de Reinado”, a “Festa do Divino”, “Festa de São Sebastião”, ‘Festas de São João’, e a “Mesa para Nossa Senhora do Rosário”10.11 Nas Festas de Nossa Senhora do Rosário, a título de exemplo, salienta Conrado (2000), que era “(...) predominante a participação da comunidade negra, o sincretismo religioso mesclava elementos de religião católica e outros da cultura africana, como o ‘toque de caixa’12. Os festejos católicos e afro-brasileiros remanescem até hoje e integram o calendário de efemérides da cidade: Festa do Rosário (06 a 15 de agosto); Festa de Nossa Senhora Aparecida (09 a 12 de outubro) Folia de Reis (24 de dezembro a 06 de janeiro) Festas de Reinado que, desde 1935, realizam-se sem interrupções, e que constam com 17 ternos13 na cidade de Campo Belo e dois no Porto de Mendes. (CONRADO, 2000:109) Há em Campo Belo e região, desde o século XVII, Igrejas dedicadas a santos negros - Nossa Senhora do Rosário, Igreja de São Benedito14-, grupos de dança africana, como o ‘Moçambique’, freqüentado por João Cândido para cumprir a promessa feita por sua Mãe, Maria Almeida, ao São Benedito (patrono da dança) e Nossa Senhora do Rosário, para que o menino se curasse da bronquite asmática intermitente, como relatado em sua biografia. 10 Ibid.pág.83. 11 Vide glossário. 12 Vide glossário. 13 Ternos:vide glossário. 14 Ibid.pág. 65. 60 Ilustração 5.7 Comboio para A Mesa de Nossa Senhora do Rosário.Porto de Mendes. 1998. CONRADO, Vanessa de Cássia Viegas. A Princesa d’Oeste. Campo Belo e Sua Memória. Belo Horizonte (MG): Editora O Lutador, Figura n° 36. Ilustração 5. 8 Congado. Irmandade Nossa Senhora do Rosário. Década de 90. CONRADO, Vanessa de Cássia Viegas. A Princesa d’Oeste. Campo Belo e Sua Memória. Belo Horizonte (MG): Editora O Lutador, 2000, Figura n° 49. 61 5.1 TUDO ERA MOTIVO PARA DAR FESTA. ‘Acho que se meus pais não fizessem tanta festa.... Teríamos muito dinheiro. Tudo que tínhamos gastávamos com as festas e convidávamos todos os compadres da vizinhança.’15 Em todos os relatos da Família Silva há referências a festas. Mesmo que não houvesse uma comemoração específica, os Silva faziam da própria reunião familiar uma festa, em torno do fogão. Cantavam, recitavam, dançavam. Em Campo Belo os festejos locais, principalmente os de origem afro, envolviam a família que participava ativamente. Como mencionado, o Moçambique era uma dessas festas, que, ao mesmo tempo, era “devoção” como disse João Cândido. 5.1.1 Como funcionava o Moçambique? “Os dançadores eram divididos em grupos de homens e mulheres com trajes iguais: com calças compridas, com guizos16, tipo bolas de gude de lata chamadas de “campainhas” nas duas pernas; camisa branca de mangas compridas até o pulso, com botões normais. Só que as camisas davam a impressão de “saiotes” devido a uma fita amarrada na cintura. Uma turma usava uma fita vermelha que passava por um dos ombros até a cintura, dali dava a volta no próprio cinto, e fechava do outro lado, com um laço e as pontas caiam para baixo. Cada um com um bastão decorado na mão, na cabeça um casquete vermelho e branco. Outra turma, também toda de branco, com casquete e tudo mais, somente as fitas mudam para azul colocadas da mesma forma e com campainhas nas pernas. Conforme (as pessoas) dançam, as campainhas emitem sons não muito ardentes, parecendo som de afoxés17 e os caxexes18 dos 15 SILVA, João Candido. Autobiografia. 2007. 16 Guizo.[De or. incerta.]Substantivo masculino.1.Pequena esfera oca de metal, com pequenas aberturas ou furos, que tem dentro um pedaço de metal ou bolinha(s), e que, ao ser agitada, produz som. 17 Afoxé. [Do ior.]Substantivo masculino Bras. BA RJ.1.Cortejo de natureza semi- religiosa e que, no carnaval, desfila cantando e dançando, mas sem se mesclar com as outras manifestações carnavalescas. 2.Rel. Candomblé tido como de nível inferior.3.Rel. Pej. Quimbanda. [Var. pros.: afoxê.] 18 Caxexe.[Do quimb. ka- (dim.) + xexe, nome dum pássaro. Substantivo masculino Angol. 62 berimbaus19. Os bastões, todos deviam usar devido às coreografias que iam exibir. Por outro lado existiam também os músicos que podiam tocar uma caixa, um repique20, sanfona, violão, violino, reco-reco21 e pandeiro; um cantando, e os próprios músicos fazendo o coro ou resposta. Ilustração 5.9 Guarda do Moçambique, da comunidade de Arturos, Minas Gerais. As cantigas são sempre referentes aos patronos: São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, sempre depois do Pai, do Filho, e do Espírito Santo, sem dúvida! Mas nesse tempo existiam as Mirongas22, segredos das magias ou mandingas 23 ... Deixa pra lá!»24 19 Vide Glossário. 20 Repique (também chamado de repinique) é um tambor pequeno com peles em ambos os lados, tocado com uma baqueta em uma das mãos enquanto a outra mão toca diretamente sobre a pele. Criado pelas escolas de samba para repinicar um som mais agudo e freqüentemente ele serve como uma espécie de condutor musical das escolas de samba, anunciando "deixas" para o grupo. Ele é também destacado como instrumento solista, as vezes tocando introduções para sambas ou solando em batucadas. Também é tocado junto com os tamborins em ritmo galopado. 21 Reco-reco. [Voc. onom.] Substantivo masculino. Instrumento de percussão que produz um ruído rascante e intermitente, causado pelo atrito de duas partes separadas, e que, em seu feitio mais conhecido, consiste num gomo de bambu no qual se abrem regos transversais e que se faz soar passando por estes uma varinha ou tala: “Zumbem, zunzunem os tambus e os urucungos, .... gritam estrídulos apitos, troam tambores, reco-recos e timbales” (Martins Fontes, A Dança, p. 91). [Sin.: (bras., santom.) canzá, (bras.) caracaxá, cracaxá, ganzá, querequexé.].