UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADEDE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO CURSO DE BACHARELADO EM BIBLIOTECONOMIA

Caliel Cardoso de Oliveira

Heróis e Monstros: manifestações de discursos conservadores nas HQs de Super-heróis contemporâneas

Porto Alegre 2020

Caliel Cardoso de Oliveira

Heróis e Monstros: manifestações de discursos conservadores nas HQs de Super-heróis contemporâneas

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação apresentado à Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Biblioteconomia.

Orientadora: Prof.ª Mª. Marlise Maria Giovanaz.

Porto Alegre 2020

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Reitor: Prof. Carlos André Bulhões Vice-Reitora: Prof.ª Patrícia Pranke

FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO Diretora: Prof.ª Dr.ª Karla Maria Müller Vice Diretora: Prof.ª Dr.ª Ilza Maria Tourinho Girardi

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO Chefe: Prof.ª Dr.ª Samile Andréa de Souza Vanz Chefe Substituto: Prof. Dr. Rene Faustino Gabriel Junior

COMISSÃO DE GRADUAÇÃO DO CURSO DE BIBLIOTECONOMIA Coordenadora: Prof.ª Dr.ª Rita do Carmo Ferreira Laipelt Coordenadora Substituta: Prof.ª Dr.ª Caterina Marta Groposo Pavão

Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Departamento de Ciências da Informação Rua Ramiro Barcelos, 2705, Bairro Santana Porto Alegre/RS – CEP 90035-007 Telefone: 51 3308 5067 E-mail: [email protected]

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao Universo por garantir o bom andamento desta pesquisa e da minha formação. O ser humano não colabora, mas tudo correu bem no fim das contas.

Agradeço a meus afetos e amizades, por me darem força e ânimo para seguir em frente ao longo deste curso, e especialmente por me incentivarem durante o planejamento e a elaboração deste trabalho. Não são muitos, mas tenho certeza que, com o amor e carinho com que me presenteiam, soube escolher bem quem ter a meu lado.

Agradeço à minha família pelo suporte que me deram durante a vida escolar e, novamente, durante a vida acadêmica. Tenho a certeza de que todos, mesmo os que já não estão aqui, se orgulham muito de onde me permitiram chegar. Nesse mesmo escopo, agradeço todos os professores e bibliotecários responsáveis por minha formação escolar ao longo dos anos cujo incentivo pelo saber e pela pesquisa sempre me motivaram.

Por fim, mas não menos importante, agradeço especialmente à minha orientadora, Marlise Giovanaz. Sem seu apoio, disposição e coragem em orientar esta pesquisa, sua realização jamais teria sido possível. Agradeço também à professora Ana Moura, cujo auxílio foi fundamental para o planejamento deste estudo, e a todos os professores e professoras do curso de Biblioteconomia da UFRGS, em especial à equipe da COMGRAD, por sua disposição e carinho para com toda comunidade discente.

See my life in a comic Like the way they did the Bible With the bubbles and action The little details in color First a horseback bomber Just a small thin chance Like seeing Jesus on Dateline Let's face the music and dance

David Bowie, New Killer Star

RESUMO Considerando as histórias em quadrinhos como uma fonte de informação, este trabalho tem como objetivo explorar a disseminação de discursos conservadores em HQs do gênero de super-heróis e a percepção de seu público consumidor acerca deste fenômeno. Contextualiza sua investigação em três grandes seções de embasamento teórico: na primeira, discorre sobre a natureza das HQs, seu desenvolvimento no Brasil e sua relação com a Academia; na segunda, explora o conceito de Indústria Cultural, o caráter das HQs enquanto produtos culturais e os discursos conservadores observados pelos teóricos das HQs do gênero de super-heróis; na terceira, aborda o conceito da Análise de Consumidor e sua utilidade para estudiosos da informação que buscam analisar as percepções de um público consumidor. Metodologicamente, consiste em uma pesquisa básica, de caráter descritivo e exploratório, dividia em duas etapas. A primeira, uma pesquisa quantitativa, busca conhecer o público consumidor de HQs no Brasil e suas percepções acerca das HQs de super-heróis, através da coleta de dados utilizando questionários aplicados em grupos de Facebook. Um breve perfil pôde ser constatado a partir das 39 respostas: 56% dos respondentes possuíam mais de 35 anos, e 66% se identificaram como homens, dentre outros dados perfilatórios. Também pôde-se constatar que muitos respondentes (48% do total) acreditam que as HQs podem ser um tipo de literatura mais ou menos complexo que a literatura tradicional, dependendo da obra em questão. Referente à percepção dos discursos políticos nas HQs, 92% dos respondentes afirmaram perceber esses discursos nas obras que leem, e 82% acreditam que é pertinente às HQs conterem discursos e debates políticos, ao ponto de 76% dos sujeitos afirmarem que as HQs devem ser mais inclusivas e diversas. Também foram constatados dados acerca da percepção dos leitores quanto à existência de um grupo leitores marginalizados, composto por mulheres e pessoas não-brancas, dentre outros elementos. A segunda etapa metodológica consiste numa análise qualitativa de conteúdo, baseada no procedimento da análise documental, tendo por objeto um corpus textual de dez HQs do gênero de super-heróis, montado com base nas respostas obtidas na primeira etapa da metodologia. Analisa, então, este corpus textual, categorizando as obras estudadas em obras Conservadoras ou Progressistas, tomando por critério a manifestação, subversão ou ausência dos discursos ideológicos abordados na segunda seção do referencial teórico. Constata uma prevalência de obras conservadoras dentro do corpus analisado, com seis das dez obras categorizando-se nesta categoria. Observa também uma prevalência de autores estadunidenses, homens e brancos na equipe criativa da maioria das obras analisadas. Conclui observando que, apesar dos esforços por parte dos criadores e do público consumidor, ainda persistem os discursos conservadores no gênero, o que urge aos bibliotecários e profissionais da informação que abordem as HQs como fonte de informação singular, com características e potencialidades próprias que devem ser levadas em conta durante o trabalho com as mesmas.

Palavras-chave: Histórias em quadrinhos. Fontes de informação. Indústria cultural. Discurso conservador. Super-heróis.

ABSTRACT Considering comicbooks as a source of information, this research has the objective of exploring the dissemination of conservative discourses in comicbooks of the suerhero genre, as well as the perception of the genre’s consumer market regarding this phenomenon. Its investigation in initially contextualized in three great sections of theorical basis: the first section explores the nature of comicbooks, their development as a media in Brazil and their relation with the Academia; the second section presentes and analyzes the concept of Cultural Industry, the aspects that qualify comicbooks as cultural products and the conservative discourses spread through the superhero genre, as observed by several scholars; finally, the third section approaches the conceptofo Consumer Analysis and its usefulness to information researchers that aim to analize the perceptions of a consumer public. Concerning methodology, this paper consists of a basic research, of descriptive and exploratory nature, dividides in two stages: the first stage is a quantitative research, seeks to know the consumer public of comicbooks in Brazil along with their percepetion regarding superhero comicbooks, gathering data through the use of questionnaires in Facebook groups. A basic profile could be found from the 39 answers obtained: 565 of the respondentes were older than 35, and 66% identified as men, among other profiling data. It was also possible to verify that many subjects (48% of the total) believe that comicbooks can be more or less complex than traditional literature, depending on the comicbook in question. Regarding their perception of political discoruses in comicbooks, 92% of the respondents stated that they could notie these discourses in the works they read, and 82% believe that it’s reasonable for comicbooks to have political discourses and debates, up to the point of 76% of the subjects stating thatcomicbooks should be more inclusive and diverse. Some data regarding the readers’ perception of marginalized reader groups, such as those composed chiefly of women and people of color were also obtained. The second stage of this study’s methodology consists of a qualitative content analysis, based on the procedure of documental analysis, with it object being a textual corpus made up of ten superhero comicbooks, assembled from the asnwers obtained in the first estage of the study’s methodology. These comicbooks are then analyzed and sorted in two categories, Conservative or Progressive, based on the criteria of the existence, absence or subversion of those conservative discourses presentes during the second section of the theorical revision. A prevalence of Conservative works was observed, with six out of ten comicboks analyzed beinh categorized as such. A prevalence of US-based creators, mostly White men, was also noticed behind the creation fo those comicbooks. The study concludes by noting that, despite efforts by some creators and readers, conservative discourses are still very proeminente in the suerhero genre, a situation that requires librarians and information professionals to treat comicbooks as a singular, particular source of information, with its own traits and potentials that must be considered when working with the media.

Keywords: Comicbooks. Information sources. Cultural Industry. Conservative discourse. Superheroes.

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Faixas etárias dos respondentes...... 47 Gráfico 2 - Gêneros dos respondentes...... 48 Gráfico 3 - Etnias dos respondentes...... 49 Gráfico 4 - Nível de ensino dos respondentes...... 50 Gráfico 5 - Frequência ou não do consumo de HQs...... 52 Gráfico 6 - Meio mais utilizado para acessar HQs...... 53 Gráfico 7 - Motivos pelo qual os respondentes não compram HQs...... 54 Gráfico 8 - Locais onde os respondentes compram suas HQs...... 55 Gráfico 9 - Quanto ao consumo de HQs de super-heróis...... 56 Gráfico 10 - Opinião dos respondentes quanto à simplicidade do formato HQ..57 Gráfico 11 - Opinião dos respondentes quanto ao valor das HQs como fonte de informação...... 58 Gráfico 12 - Sobre os respondentes já terem se sentido constrangidos por consumir HQs...... 59 Gráfico 13 - Opinião do respondente sobre a qualidade das HQs contemporâneas frente às de décadas passadas...... 60 Gráfico 14 - Percepção do respondente acerca da existência de discursos políticos em HQs de super-heróis...... 61 Gráfico 15 - Se os respondentes concordam ou não com a presença de debates e discursos políticos nas HQs de super-heróis...... 62 Gráfico 16 - Percepção do respondente quanto às HQs de super-heróis estarem se tornando politicamente corretas...... 63 Gráfico 17 - Se os respondentes concordam ou não com tentativas de trazer diversidade nas HQs de super-heróis...... 64 Gráfico 18 - Quanto aos respondentes sentirem-se identificados ou representados nas HQs de super-heróis...... 65 Gráfico 19 - Quantidade de mulheres leitoras de HQs conhecidas pelos respondentes...... 66 Gráfico 20 - Quantidade de pessoas não-brancas leitoras de HQs conhecidas pelos respondentes...... 67 Gráfico 21 - Atenção dada pelos respondentes à composição da equipe criativa das HQs que consomem...... 69 Gráfico 22 - Respostas obtidas para a questão número 10 dos questionários, referente às HQs que os respondentes haviam consumido recentemente...... 71

LISTA DE FORMULÁRIOS Formulário 1 - “Arlequina: uma estranha no ninho”...... 75 Formulário 2 - “Injustiça: Deuses entre nós”...... 77 Formulário 3 - “Batman: eu sou Gotham”...... 79 Formulário 4 - “O Batman que ri”...... 81 Formulário 5 - “Fabulosos Inumanos: Time Crush”...... 82 Formulário 6 - “Feiticeira Escarlate Witches’ Road”...... 85 Formulário 7 - “Dinastia X”...... 86 Formulário 8 - “Fabulosos X-Men: a Queda”...... 88 Formulário 9 - “O Espetacular Homem-Aranha: de volta às origens ”...... 90 Formulário 10 - “Vingadores Sombrios: Reinado Sombrio”...... 92

Sumário 1 INTRODUÇÃO ...... 10 1.1 Objetivos...... 10 1.1.1 Objetivo geral ...... 10 1.1.2 Objetivos específicos ...... 11 1.2 Justificativa ...... 11 2 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, SUPER-HERÓIS E AS CI ...... 14 2.1 As histórias de super-heróis...... 16 2.2 Uma história das HQs no Brasil: do seu surgimento à atual face do Mercado ...... 20 2.3 Os quadrinhos e a Ciência da Informação ...... 25 3 INDÚSTRIA CULTURAL E HQS DE SUPER-HERÓIS ...... 29 4 A ANÁLISE DE CONSUMIDOR...... 45 5 DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS, APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ...... 48 5.1 Coleta dos dados quantitativos: aplicação de questionário ...... 48 5.1.1 Reflexões a partir dos dados obtidos ...... 50 5.2 Coleta dos dados qualitativos: análise documental ...... 73 5.2.1 Elaboração do corpus textual ...... 74 5.2.2 Procedimento para análise das obras selecionadas...... 76 5.2.3 Análise e apresentação das obras selecionadas ...... 78 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 98 REFERÊNCIAS ...... 100 APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO APLICADO VIRTUALMENTE ...... 110 APÊNDICE B - FORMULÁRIO PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS OBRAS ...... 112

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1 INTRODUÇÃO

Na primeira metade do século XXI, as Histórias em Quadrinhos vêm ganhando proeminência nas mais diferentes esferas da sociedade. Seja através da indústria do entretenimento, conquistada de vez pelas adaptações de HQ, seja através dos trabalhos acadêmicos, que cada vez mais analisam o valor das HQs sob o prisma das mais diversas disciplinas, ou até através do mercado editorial, que vem se tornando mais consciente da importância e do interesse que as HQs instigam em seus consumidores, o fato é que as histórias em quadrinhos enquanto mídia se tornam cada vez mais relevantes para a intelectualidade. Em particular, o Brasil é um polo importante não apenas na produção de obras em quadrinhos, mas também na produção de obras sobre quadrinhos. Desta forma, este trabalho surge como uma tentativa de, inicialmente, aproximar a Biblioteconomia dos leitores que consomem HQs, conhecendo um pouco mais de seu perfil e de seus gostos. Além disso, busca entender se é possível perceber, dentro do público que mais consome, se há uma influência forte de discursos tradicionais e, em sua maioria, conservadores, que marcaram as HQs de super-herói primitivas e se manifestaram no gênero ao longo das décadas. Movido pelo gosto do autor pelas HQs e pela necessidade da Biblioteconomia de explorar a temática dos quadrinhos enquanto um produto cultural, ao redor do qual gira todo um segmento específico de público e todo um universo discursivo, esta pesquisa buscará responder a seguinte problemática: De que forma os discursos tradicionais presentes nas primeiras obras em quadrinhos do gênero de super- herói manifestam-se nas HQs contemporâneas?

1.1 Objetivos

Passando por conceitos como fontes de informação, indústria cultural, e análise de consumidor, este trabalho busca alcançar os seguintes objetivos:

1.1.1 Objetivo geral

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Investigar de que forma os discursos tradicionais nas primeiras obras em quadrinhos do gênero de super-heróis apresentam-se nas HQs contemporâneas.

1.1.2 Objetivos específicos

○ Conhecer o perfil do público consumidor de HQs no Brasil, considerando o escopo da pesquisa;

○ Descobrir a importância das HQs como fonte de informação e entretenimento junto ao público que as consome;

○ Constatar quais as HQs mais consumidas por estes sujeitos; ○ Examinar se estas HQs apresentam discursos similares aos discursos que marcaram as primeiras HQs de super-heróis e de aventura; ○ Categorizar essas HQs em conservadoras ou progressistas, de acordo com os discursos nelas reproduzidos; ○ Analisar se os esforços para diversificação de personagens em HQs de super-heróis se reflete na composição da equipe criativa responsável por essas histórias.

1.2 Justificativa

Apesar de ainda pouco reconhecido junto à Academia, especialmente quando comparado a outras formas de manifestação artística, o tema pesquisado é bastante relevante não só para a área de Ciência da Informação e Biblioteconomia, como também para as Artes e a Comunicação, e inclusive para profissionais dos mercados editorial e livreiro. Ao buscar no repositório Lume da UFRGS, entretanto, observamos que há uma lacuna, no que tange à pesquisa sobre HQs dentro do curso de Biblioteconomia, ao menos a nível de graduação. Na última década, apenas 4 trabalhos de conclusão de curso sobre a temática de HQs foram produzidos dentro do curso. E esta lacuna afeta tanto quem busca conteúdo sobre o público consumidor de HQs quanto sobre como este público consome os discursos presentes nessas obras. Embora as HQs sejam amplamente reconhecidas como fontes de informação e objetos de estudo dignos de contemplação nas mais diversas áreas, como veremos no capítulo Referencial teórico, uma rápida busca pelos Lume ou pela BRAPCI aponta que muito se pesquisa acerca das HQs enquanto um objeto 12

dentro da biblioteca, ou, ainda, acerca dos leitores de HQ, mas com o intuito de classificá-los dentro de tipologias distintas. Mas ainda é incomum encontrar trabalhos que analisem a visão do leitor de HQs acerca do mercado e dos produtos aos quais ele consome. Mais importante que isso, pouca ponderação se faz, ao menos fora dos núcleos de pós-graduação, acerca de quais discursos ideológicos se manifestam em cima dessas populares fontes de informação e entretenimento que são as HQs, especialmente aquelas do gênero de super-herói, responsável, em grande parte, por manter girando as engrenagens do mercado editorial, não só no Brasil como ao redor do mundo. É aqui que entra esta pesquisa: ao explorar o perfil e os hábitos do público consumidor, esperamos oferecer aporte teórico e quiçá prático para profissionais da informação que desejem trabalhar com HQs sob uma ótica diferente daquela comumente vista na Biblioteconomia, onde as HQs são tratadas “meramente” (usamos aspas pois de maneira nenhuma desejamos diminuir a importância das HQs sob esse viés) como porta de entrada para o mundo da leitura tradicional. Gostaríamos que, a partir desse trabalho, os bibliotecários passem a analisar o desejo de consumir quadrinhos como um universo tão complexo e cheio de nuances como o desejo de consumir literatura aos moldes clássicos. Desta forma, será possível pensar as unidades de informação com o objetivo de envolver o público que consome HQs e que poderia fazer da biblioteca um polo de discussão e valorização desta mídia, ainda tão marginal, quando comparada às outras formas de arte. Também é nossa expectativa oferecer aos profissionais que trabalham com editoração, publicação e comercialização das HQs um trabalho de referência, que reúna informações sobre o público que consome este tipo de produto, permitindo uma melhor coordenação de esforços para cimentar este mercado como um nicho respeitável e valioso dentro do mercado cultural. Além disso, ao observar se houve ou não mudanças no que tange às práticas discursivas que marcam esse gênero, poderemos ter uma ideia do tipo de conteúdo ao qual os leitores são expostos, e que entendem como natural no gênero, permitindo entender melhor a percepção dos mesmos acerca do que consomem e de como consomem. A compreensão do que está sendo dito pelas HQs de super-heróis, em consonância com o entendimento de como o público percebe este conteúdo, facilitará o trabalho do profissional que deseja abordar as HQs em seus estudos ou unidades de informação, dando um 13

ponto de partida de onde será possível problematizar, pesquisar e discutir esse gênero tão difundido e popular. Por fim, o autor deste estudo tem a esperança pessoal de que, ao trazer informações sobre o público que consome HQs de super-heróis e sobre suas práticas e expectativas frente a estes objetos, tanto a comunidade acadêmica quanto intelectual e editorial saibam se posicionar para alcançar e dar voz àqueles que ainda ficam às margens do gênero, àqueles que não se veem (ou que se sequer têm a oportunidade de se verem) dentro de uma história em quadrinhos. E as HQs de super-heróis são as maiores expoentes dessa mídia tão rica de possibilidades e potencialidades, mas ainda carregam consigo discursos conservadores e excludentes, que pouco valor e espaço dão a criadores ou sequer personagens de segmentos marginalizados da sociedade, inviabilizando o contato destes sujeitos com outros gêneros de HQs e silenciando as histórias que poderiam estar sendo contadas por eles. Entendendo os discursos que permeiam as HQs, entenderemos como se constrói a mentalidade de seus consumidores, uma conclusão importante tanto para planejar ações para esse público quanto para contemplar aquele público que não é representado dentro dessas histórias. Como membro integrante da comunidade que lê, consome e discute quadrinhos, filmes e universos que se enquadram no gênero dos super-heróis, o autor espera que este trabalho seja uma valiosa fonte de conhecimento para os leitores por ele alcançados. A seguir, daremos prosseguimento ao trabalho discorrendo sobre as bases teóricas que fundamentam nosso estudo. A primeira seção, Histórias em Quadrinhos, Super-Heróis e as Ciências da Informação, foi onde tratamos de definir o que são HQs e como surgiram, como se originaram as HQs de super-heróis, como as HQs se construíram historicamente no mercado brasileiro, e como as HQs são vistas pela Academia, em especial observando seu tratamento por parte da Ciência da Informação. A segunda seção de referencial, Indústria Cultural e HQs de super- heróis, é onde exploramos o conceito de Indústria Cultural desenvolvido pela Escola de Frankfurt e como as HQs são um exemplo de produto desta indústria, trespassadas por discursos que beneficiam uma ideologia dominante. Por fim, a terceira seção de referencial, Análise de consumidor, serve para explorar alguns conceitos da área do Marketing que nos auxiliaram durante a realização de nossa pesquisa. Finalmente, após esses capítulos teóricos, damos início à descrição dos procedimentos metodológicos e apresentação e análise dos dados obtidos. 14

2 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, SUPER-HERÓIS E AS CIÊNCIAS DA INFORMAÇÃO

As Histórias em Quadrinhos, também chamadas de Arte Sequencial1 ou de A Nona Arte podem ser definidas como uma manifestação discursiva, ou um veículo de comunicação de massa, marcada por um estilo de narrativa sequencial, composto por dois elementos característicos: a linguagem escrita, - utilizada para representar sons, diálogos, pensamentos - e a iconografia, expressa principalmente através da imagem - podendo ser sequencial ou única, usada para estabelecer o ambiente, os personagens, as ações realizadas por estes, os signos não verbais que compõem a narrativa, etc. Amiúde, ainda seria possível identificar alguns elementos ainda mais particulares das HQs, dentre os quais destacam-se os balões de fala (e suas variações, como balões de pensamento), que contribuem para o andamento da história e para a representação dos diálogos (e até monólogos); as onomatopéias, responsáveis por representar sons abstratos, impossíveis de serem criados pelo aparelho fonal humano (como sons de impacto, por exemplo); e as linhas de ação, também chamadas linhas cinéticas, responsáveis por representar o movimento dos objetos ao longo dos quadros, ou dentro de um mesmo painel. É esta variedade de elementos que vai tipificar do que falamos quando falamos de Histórias em Quadrinhos num todo, enquanto objeto-meio de comunicação pertencente à Arte Sequencial, como atestam Vergueiro (2005), Rahde (1996), Guimarães (2003), McCloud (1994), dentre outros. Embora seja possível pensar a origem das HQs nas mais antigas narrativas gráficas produzidas pelo homem, desde as pinturas nas cavernas, passando pelo Livro dos Mortos egípcio e pelos manuscritos ilustrados dos povos ameríndios, até chegar nas ilustrações que acompanhavam o romance Oliver Twist, de Charles Dickens (VERGUEIRO, 2017; RAHDE, 1996; McCLOUD, 1994), as histórias em quadrinhos como as conhecemos na contemporaneidade vão surgir nos Estados Unidos, ao final do século XIX, com a criação das tiras de jornal do personagem The Yellow Kid, criado pelo artista Richard Outcault. O curioso é que pode-se perceber que desde sua origem as HQs carregam consigo a marca de serem um produto

1 Scott McCloud, em seu fundamental Understanding Comics, de 1994, vai problematizar o termo Arte Sequencial, demonstrando que o mesmo poderia ser usado para denotar uma variedade de mídias; para fins deste estudo, tentaremos nos ater à terminologia HQ, e, no eventual aparecimento da expressão Arte Sequencial, esta será tratada como sinônimo de HQ. 15

oriundo da indústria cultural e destinado ao consumo das massas, pois o trabalho de Outcault foi publicado nos suplementos dominicais do jornal The New York World, propriedade do magnata William Pulitzer, que buscava um meio de lançar-se à frente de seus concorrentes no mercado de publicações, desenvolvendo um produto que cativasse seu público o suficiente para que ele voltasse a comprar seu periódico na semana seguinte. Esse modelo de publicação fez tanto sucesso que deu origem a todo um novo tipo de entretenimento periódico, com histórias sendo publicadas em tiras diárias e semanais, trazendo narrativas fantasiosas e cômicas, mas que ainda conseguiam evocar no leitor uma sensação de familiaridade e relação com o mundo real no qual ele se situava (RAGAZI, 2015). Essa facilidade das HQs em manter-se popular junto às massas se justifica principalmente devido à facilidade de compreensão da maioria de suas histórias. Apesar de muitas vezes serem construídas em situações e contextos sociais complexos e com alguma continuidade, podendo exigir dos leitores algum conhecimento prévio acerca da história particular que estão lendo (COSTA; ORRICO, 2009), seja sobre o universo em que ela situa ou sobre a trajetória de seu autor, o fato é que a fusão entre as linguagens textual e imagética, além de muito eficiente em sua capacidade de síntese e narrativa (LUCCHETTI; LUCCHETTI, 1993), promove um estímulo à leitura, atingindo tanto o público infantil quanto o adulto (COSTA; ORRICO, 2009; MORIGI; LOUREIRO; MASSONI, 2016). De fato, esse estímulo à leitura se faz tão presente nas HQs graças à miríade de gêneros e formatos que os quadrinhos podem assumir, que incluem fanzines, mangás, charges, graphic novels, dentre outros, permitindo que os mais diversos públicos se enxerguem dentro dos quadrinhos, ou pelo menos encontrem o tipo de publicação que lhes é mais interessante. Novamente, muito desse gosto vai surgir na infância, e certo apelo das HQs, para muitos leitores, estará justamente no resgate da sensação de interesse e maravilha que se manifestou durante a infância, quando se fez o primeiro contato com as HQs (MORIGI; LOUREIRO; MASSONI, 2016). Claro, o fato de muitos leitores terem seu primeiro contato com as HQs quando crianças não significa que o formato HQ esteja limitado a histórias infantis. Como mencionamos antes, há uma grande variedade de produtos culturais que podem ser incluídos no guarda-chuva das HQs, cada qual com um grau de complexidade, profundidade e habilidade artística próprios. Embora tiras de jornal e gibis infantis comumente possuam histórias de fácil compreensão, outros tipos de 16

publicação podem apresentar narrativas e mecanismos de storytelling mais complexos. De fato, Santos e Vergueiro (2012) afirmam que “A leitura de uma página de quadrinhos também é um exercício de percepção mais apurada”, reconhecendo o alto grau de esforço artístico que pode ser colocado em uma História em Quadrinhos que se proponha a desafiar seus leitores, mesmo estando dentro dos gêneros mais comerciais, como gibis infantis ou de super-heróis. Sobre esse último gênero, o de super-heróis, cabe discorrer um pouco mais.

2.1 As histórias de super-heróis

A partir da década de 1920, um novo estilo de narrativa começa a despontar nas HQs estadunidenses: são as histórias de aventura, precursoras das HQs de super-heróis como conhecemos hoje. Inicialmente publicado nas mesmas tiras de jornal que veiculavam os outros tipos de histórias sequenciais, o gênero de aventura trouxe uma quebra em relação à hegemonia das HQs infantis e cômicas, que dominavam o mercado até então. Marcado por um traço mais realista e por uma serialização de sua narrativa, ele contrastava com as figuras caricaturais e as histórias fechadas ou com pouca continuidade que marcavam as HQs que dominavam o mercado até então (VIANA, 2004). Esse gênero, já marcado por personagens com senso de justiça e trajando uniformes chamativos, logo deu origem ao gênero de super-heróis propriamente dito, com o lançamento, em 1938, do primeiro número da revista Action Comics. Nessa revista, é publicada a primeira história protagonizada pelo personagem Superman, que, com capa e super-poderes, combatia a violência urbana e os problemas sociais, como o descaso do governo, o que contrastava com os personagens clássicos do gênero de aventura, que tinham histórias mais fantasiosas, com piratas em ilhas remotas ou alienígenas em planetas distantes (JOHNSON, 2012). O lançamento de Action Comics #1 dá início à chamada Era de Ouro dos quadrinhos, na qual o gênero de super-heróis se fixou como um produto genuinamente norte-americano, especialmente após a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, e no qual surgiram muitos personagens que se mantêm relevantes até os dias de hoje, como Batman, Mulher Maravilha, Capitão América e Príncipe Namor, entre outros. A prevalência da Segunda Guerra nas narrativas foi um dos elementos mais marcantes da Era de Ouro, com diversas histórias tendo como vilões a Alemanha nazista ou seus aliados japoneses e, mais 17

raramente, italianos, como pode-se observar, especialmente, nas histórias do Capitão América, publicadas pela editora Timely Comics, que viria a se tornar a nas décadas vindouras (SANTOS, 2008). De fato, tão importante foi a Segunda Guerra para as histórias de Super-heróis, que seu fim levaria a uma estagnação criativa no gênero, como veremos a seguir. Sem grandes inimigos nos quais basear suas histórias, o gênero de super- herói, já dependente de muitos dos chavões que são associados com ele até hoje2, passa por um período de seca criativa, dando espaço para publicações nos gêneros de faroeste, terror, romance e ficção científica, no que alguns autores vão chamar de Era Atômica, essa fase, do final dos anos 1940 até meados da década de 1950, foi marcada pelo contexto da Guerra Fria, que começava a se montar no pós-Segunda Guerra, e trazia, por um lado, o medo das armas nucleares junto a um conservadorismo exacerbado norte-americano e, por outro, as maravilhas oferecidas pela corrida tecnológica em direção ao espaço sideral (HAYES, 2019; MEDEIROS JUNIOR, 2016). A decadência da Era Atômica se deu, em parte, devido à criação do Comics Code Authority (CCA), que cerceava fortemente os conteúdos que poderiam ser veiculados nas Histórias em Quadrinhos. Fruto do conservadorismo que marcou os EUA no período pós-Guerra, o CCA se originou em 1948, mas só tomou força a partir do ano de 1954, quando foi publicado o livro Seduction of the Innocent, do psiquiatra Frederic Wertham. Em seu livro, Wertham defendia que as histórias em quadrinhos, com seus monstros e enredos violentos no gênero de terror, ou com os personagens de trajes provocantes no gênero de super-heróis, incentivavam as crianças a levarem uma vida de crimes e desvios sexuais. Naturalmente, isso partia do pressuposto errôneo que de todas as HQs eram destinadas ao público infantil, mas bastou para convencer as autoridades governamentais, resultando em que bancas de jornal e lojas se negassem a sequer vender HQs que não tivessem a aprovação do CCA, indicando que não traziam conteúdo violento, “criminoso” ou “sexual” em suas páginas (ADKINSON, 2008). Isso levou a uma vertiginosa queda dos gêneros de terror, romance e ficção científica, mas abriu janela para os gibis de super-heróis retornassem, com histórias inicialmente mais supérfluas, fantasiosas e conservadoras, adequadas àquilo que era imposto pelo CCA.

2 Como os ajudantes mirins dos super-heróis, seus distintos pares românticos e seus vilões extravagantes, aponta Hayes (2019). 18

Assim, ao final da década de 50, o gênero de super-heróis voltaria à tona, trazendo de volta muitos personagens da Era de Ouro, e dando início à chamada Era de Prata, que se estenderia ao longo da década de 1960. Marcada por um crescente senso de continuidade entre as histórias, que fortalecia a noção de um universo compartilhado entre os vários heróis de uma mesma editora, a Era de Prata viu se concretizar a rivalidade entre as duas gigantes editoras do mercado de quadrinhos estadunidense: a DC Comics, responsável pela publicação de Action Comics e que se manteve competitiva no mercado desde os anos 1930; e a Marvel Comics, que mudara de identidade ao longo das décadas, mas agora se mostrava uma competidora à altura do impacto que a DC causara no mercado. Nessa Era, começa a ser explorada mais a fundo a dinâmica das identidades secretas, com heróis tendo de lidar tanto com situações-problema fantásticas quanto com as mazelas da vida cotidiana. Além de uma aproximação com leitor, essa dinâmica promovia uma sensação de satisfação e escapismo aos consumidores, que viam refletidas nos heróis a vontade de evadir e superar suas frustrações com a vida e a sociedade (GOMES, 2017). É a partir de meados da Era de Prata que as editoras, em particular a Marvel Comics, começam a se aproximar do público jovem e liberal, trazendo, aos poucos, tópicos do mundo real (como a crítica à Guerra do Vietnã, os movimentos civis da população negra e a contracultura) para suas histórias, mas com estes elementos quase sempre ocupando um segundo plano, o suficiente para chamar a atenção dos jovens mas não para afastar o público mais conservador, que ainda era fisgado por histórias que mostravam os nobres heróis americanos enfrentando vilões da União Soviética e da China comunista (HAYES, 2019). A seguir, a chamada Era de Bronze, que se desenrolou a partir da década de 1970, foi marcada pelas primeiras ações que anunciavam a guerra comercial a ser travada entre Marvel e DC, com a primeira produzindo quantidades massivas de títulos novos, a fim de diluir a presença da segunda (e de outras editoras concorrentes) no mercado, além do investimento massivo nos chamados crossovers, grandes arcos de histórias que envolviam vários títulos e eram geralmente acompanhados por itens de merchandising e reviravoltas bombásticas em seus enredos (HAYES, 2019). Essa fase também foi marcada por um experimentalismo tanto nos gibis de super-heróis tradicionais quanto na criação de títulos que fugiam um pouco ao gênero, com personagens que, embora ainda inseridos nos universos 19

ficcionais das editoras, eram mais próximos dos protagonistas das antologias de terror que marcaram o mercado nos anos 1950. Finalmente, a Era de Bronze foi marcada por uma certa abertura nas histórias em relação a temas que até então não eram abordados de maneira explícita nos gibis de super-heróis. Tanto DC Comics quanto Marvel Comics começaram a abordar diretamente questões como a luta pelos direitos civis, a crise das drogas e a falência das instituições conservadoras, mostrando que era possível dar ainda mais profundidade e significância para os super-seres e aventureiros que protagonizavam suas histórias. Naturalmente, ainda havia um certo cuidado por parte das editoras em não alienar seus leitores menos progressistas, mas seria impossível negar que a autonomia dos autores para abordar questões sociais havia chegado para ficar (JOHNSON, 2012). De fato, essa postura questionadora por parte de alguns autores viria a marcar o fim da Era de Bronze. Ao longo da década de 1980, obras cada vez mais sombrias começam a ser publicadas, imaginando como seriam os super-heróis se estes, com todos seus poderes e habilidades fantásticas, existissem no mundo real, como no caso de Miracleman, publicada em 1985, ou se ao menos fossem forçados a se posicionar em relação ao aparato governamental, como em Batman: O Cavaleiro das Trevas, de 1986. Essa escalada vai culminar no lançamento da maxissérie Watchmen em 1986, que, através de uma história que situava heróis lutando no mundo real, desconstruía muitos dos lugares-comuns presentes nas HQs de super-heróis, abordando ainda as implicações da existência de super-seres na política mundial e o aspecto psicossexual dos vigilantes mascarados. Convenciona-se 1985 como sendo o fim da Era de Bronze, e o início da chamada Dark Age, ou Era Sombria, onde a atmosfera de cinismo das histórias supracitadas, dentre outras, viria a permear praticamente todas as publicações do gênero, trazendo heróis e narrativas cada vez mais violentos, sombrios e fatalistas. Todavia, há aqui certa controvérsia: estudiosos e fãs dividem-se quanto às fases posteriores à Era de Bronze. Enquanto alguns classificam tudo a partir da publicação de Watchmen como constituindo uma Dark Age que se estende até os dias de hoje, sendo, por vezes, chamada de Modern Age (Era Moderna), outros preferem por desmembrar a Dark Age, dividindo-a ainda em uma Era Extrema, nascida no início da década de 1990, e uma Era Moderna, iniciada nos últimos anos da década de 90 (GRAND, 2016). A primeira foi marcada pelo surgimento de várias editoras independentes, histórias violentas e quase neo-conservadoras e por uma 20

ânsia por vendas, que levava à produção massiva de HQs de qualidade geralmente considerada baixa, e que quase resultou no colapso total da indústria (RYALL, TIPTON, 2009). Já a Era Moderna é marcada ainda por histórias que abordam assuntos polêmicos do mundo real e problematizam a moralidade dos super-heróis, mas que ainda buscam trazer um senso de otimismo e aventura para seus leitores, resgatando muitos valores e ideais considerados “inocentes” pelas histórias pós-Era de Bronze. Ainda assim, na Era Moderna abordam-se temas controversos, mas relevantes em um mundo pós-11 de Setembro, como o terrorismo e o radicalismo político, e questões sociais importantes, como a igualdade de direitos civis da comunidade LGBTQ e as relações raciais, geralmente posicionando os heróis favoravelmente em relação a estas causas (JOHNSON, 2012). Na sequência, veremos como as HQs enquanto mídia se consolidaram no Brasil ao longo de sua história e como se dá a relação delas com a pesquisa acadêmica na Ciência da Informação.

2.2 Uma história das HQs no Brasil: do seu surgimento à atual face do Mercado

Embora o Brasil sempre tenha sido um terreno fértil para o desenvolvimento das HQs, essa trajetória nem sempre foi tranquila. Conceituando a História das HQs no Brasil sob a perspectiva maior da Arte Sequencial, Valéria Aparecida Bari (2008), postula que essa trajetória pode ser dividida em 5 fases: surgimento e difusão, consolidação, equiparação e massificação, personalização e estilização; acomodação e metalinguagem e digitalização. Já que as duas primeiras focam mais nos primórdios da Arte Sequencial no Brasil e no início massificado de sua produção (com o surgimento da imprensa no Brasil graças à chegada da Família Imperial Portuguesa), focaremos nas três etapas posteriores. A fase de personalização e estilização ocorre na primeira metade do século XX, onde as HQs nacionais começam a desenvolver uma identidade própria, marcada profundamente pela sátira política em relação à jovem República brasileira, pelo reconhecimento dos artistas gráficos nacionais e pelo surgimento das revistas Mirim, Gibi (tão marcante que seu título se torna sinônimo para HQ no Brasil) e O Tico-Tico, que vinham atender a demanda por histórias infantis (as quais se tornavam cada vez mais atrativas aos 21

artistas, tradicionalmente satiristas, que agora se viam perseguidos pelo autoritário regime do Estado Novo). A fase de acomodação e metalinguagem, nas décadas de 1950 a 1980, foi aquela onde as HQs, disputando espaço com as novas mídias de massa, se estabelecem como um mecanismo de contracultura, marcadas por narrativas underground carregadas de terror e erotismo, além das sempre presentes sátira política (que se torna ainda mais pungente no contexto da Ditadura Militar) e histórias infantis, que agora incluíam a publicação massiva de histórias da Disney, juntamente com os trabalhos icônicos de Ziraldo e Maurício de Sousa; e, por fim, a fase da digitalização, a partir da década de 90, onde as HQs passam a existir inseridas no contexto das linguagens e mídias digitais, permitindo até mesmo às fanzines e às histórias mais underground alcançar algum público significativo, com empreendimentos editoriais lançando diversas revistas de vida curta (mas que serviram como meio para os artistas lançaram-se ao mercado). É nesta última fase que começam a surgir iniciativas de financiamento público que beneficiam projetos de HQ, além de obras publicadas integralmente em formato digital, como veremos mais à frente. Já Bruno Fernandes Alves (2003), pautado pela ótica dos quadrinhos como produtos genuinamente brasileiros, conceitua quatro fases da produção nacional, embora muitos dos fenômenos identificados por ele sejam também apontados por Bari (2008). A primeira fase seria iniciada com a publicação das historietas As Cobranças, do italiano Ângelo Agostini, no jornal O Cabrião e seria peculiar por adaptar alguns personagens americanos, trazendo suas histórias com nomes abrasileirados para a revista O Tico-Tico. De fato, essa importação massiva de histórias estadunidenses acabaria por sufocar um pouco a produção brasileira nesta primeira fase. É na segunda fase, que segundo Alves surgiria em meados da década de 1930, que os artistas brasileiros vão se aproveitar da escassez de publicações norte-americanas (decorrentes dos impactos da Segunda Guerra Mundial nas indústrias dos EUA) e tomar a dianteira no mercado editorial, iniciando um processo de valorização da literatura nacional. Adaptando clássicos da literatura brasileira para o formato HQ, os autores buscavam não só a certeza de lucro (afinal, publicavam as grandes obras brasileiras e em um formato de fácil disseminação), como também uma legitimação das HQs como gênero de igual valor que a literatura tradicional. A terceira fase, de meados dos anos 1960 até meados de 1980, se marcou pela profunda resposta do mercado 22

nacional contra as publicações vindas dos EUA e já profundamente arraigadas em nosso mercado nacional. De fato, esta presença constante das obras estadunidenses vai gerar dois sintomas no mercado brasileiro: o surgimento dos primeiros gibis de super-heróis e a criação de histórias nacionais licenciadas dos personagens da Disney. No primeiro caso, estes super-heróis brasileiros eram personagens de pouca imaginação (“paráfrases” dos heróis americanos, diz Alves), mas que fizeram algum sucesso nas décadas de 1960 e 1970. Já no caso dos gibis brasileiros da Disney, houve muito mais sucesso, com algumas obras sendo até exportadas para outros países. Todavia, como mencionado acima, o que marca esta fase é a reação de parte do mercado brasileiro à potência cultural norte-americana, com os supramencionados trabalhos de Ziraldo e Maurício de Sousa, além da editora Grafipar, de Curitiba. Por fim, a quarta fase, que segundo o autor se estende de meados de 1980 até os dias atuais, vai se caracterizar pelo surgimento das HQs brasileiras voltadas para adultos, com grandes artistas veiculando tiras em jornais de ampla circulação, além das tentativas de trazer novos heróis nacionais à tona e do pitoresco fenômeno da cartunização de celebridades brasileiras, como Xuxa Meneghel ou Ayrton Senna. Devido ao período histórico em que Bari e Alves produziram as pesquisas citadas acima, nenhum dos dois autores analisou a ascensão de um elemento que veio mudar o panorama dos quadrinhos no Brasil: a plataforma Social Comics. Criado em 2015 e filiado ao grupo de entretenimento brasileiro Omelete, o Social Comics é um serviço de assinatura mensal que dá acesso a HQs, reproduzindo de maneira digital o conteúdo de revistas impressas e também lançado obras originais apenas em formato eletrônico. Apesar disso, o Social Comics realmente se destaca por permitir que autores publiquem suas obras de maneira independente, sem o intermédio de uma editora (KRENIG; SILVA; SILVA, 2015). Contando com mais de 1.500 títulos (OMELETE, 2016), ele é um objeto de análise interessante pois demonstra como o público de quadrinhos no Brasil ainda se segmenta por gênero. De acordo com Azevedo e Sousa (2016), quando a plataforma foi lançada, em 2015, apenas 5% do público assinante era composto por mulheres. Um ano depois, em 2016, essa porcentagem cresceu para 14%, e é razoável deduzir que, em 2019, esta proporção seja ainda mais equilibrada. Isso demonstra como, apesar de um acervo inicialmente mais focado em obras tradicionais de super-heróis, o Social Comics conseguiu atrair o público feminino, 23

que começa a se tornar ainda mais significativo conforme avança o tempo e aumenta a quantidade de obras independentes, muitas das quais feitas por e para mulheres, disponíveis dentro da plataforma. De fato, este significativo interesse do público feminino brasileiro por HQs se manifesta em diversas iniciativas, como os encontros promovidos pelo Portal Lady’s Comics, que busca reunir e fomentar a produção, o consumo e a visibilidade da HQs junto ao público feminino (LADY, 2017) e a recente criação do Selo Bast!, da Jambô Editora, voltado para a publicação de livros e HQs produzidas por mulheres e outras minorias no meio editorial (GUSMAN, 2019). A possibilidade e a sustentabilidade dessas iniciativas no mercado editorial brasileiro demonstram que há uma diversidade de públicos e criadores que se interessam por HQs no Brasil, em oposição à ideia das HQs como um produto da identidade nerd masculina, frequentemente vinculada tanto ao formato quanto ao mercado editorial as HQs. Esse elo entre masculinidade tóxica e HQs resulta, em grande parte, da enorme parcela de obras em quadrinhos que pertencem ao problemático gênero de super- heróis; todavia, mesmo dentro das histórias de super-heróis, as mulheres vêm ganhando destaque como autoras, artistas e editoras, seguindo a tendência mundial de serem um público imperativo tanto neste gênero quanto em outros do formato HQ (BARNETT, 2015; BUARQUE, 2006; OSÓRIO, 2019). Por fim, não há como falar de quadrinhos no Brasil sem falar de um personagem em particular: Maurício de Sousa, criador da Turma da Mônica. Obviamente, tomá-lo como ponto focal não significa que outros célebres criadores e criadoras, como Ziraldo ou Laerte, não tenham uma produção tão icônica ou aprimorada, mas não há como negar o impacto e o alcance das produções de Maurício de Sousa no mercado brasileiro e até mundial. Também é importante ressaltar que o único motivo de não focarmos no gênero de sátira e charge, sempre tão presentes ao longo da história das HQs no Brasil, é porque não o julgamos crucial para entender como se configura o mercado atualmente, visto que muito deste material se publica em tiras de jornal, ou ainda em obras de caráter mais underground do que aquele que buscamos estudar. Os primórdios da Turma da Mônica surgem em 1959, no jornal Folha da Tarde, com o personagem Franjinha e seu cachorro, Bidu. A estrela da revista, a titular Mônica, só iria surgir em 1963, para grande apreço do público. Ragazi (2015) aponta como os personagens de Maurício se tornariam ótimos mascotes e 24

elementos de merchandising, dando como exemplo o personagem Jotalhão, que ilustrava latas de extrato de tomate em supermercados. Segundo a autora, esse lucrativo uso da imagem dos personagens permitiu a Maurício alavancar-se para o mercado internacional, levando seus personagens, tanto em histórias como em anúncios publicitários, para os mercados europeu e estadunidense. Alves (2003) sugere que é o caráter mais universal das histórias da Turma de Mônica que facilitaram sua difusão e aceitação pelo mercado internacional, em oposição às histórias mais ricas de brasilidades de Ziraldo, contemporâneo de Maurício. De qualquer maneira, o sucesso das obras de Maurício cresce ainda mais com sua parceria com a gigante Editora Globo, nos anos 80, e com a internacional Editora Panini, em 2007, e se beneficia da popularidade das produções para se consolidar no Brasil. É a partir desta segunda parceria que começam a surgir novos formatos, como a Turma da Mônica Jovem e a linha Graphic MSP. A primeira, inspirada pela estética mangá, cada vez mais popular entre os jovens, e focada num público pré-adolescente, se tornou recordista de vendas; já a segunda, precedida pelas iniciativas MSP e Ouro da Casa, buscou trazer artistas de renome do mercado de HQs nacional contemporâneo para revisitar os personagens da Turma da Mônica, sob a organização do editor Sidney Gusman (RAGAZI, 2015). Comparada à produção quase industrial dos gibis normais da Maurício de Sousa Produções, a linha Graphic MSP é muito mais autoral, e serviu para introduzir a ideia de graphic novel ao grande público e ao mercado editorial, ainda tímido para investir em peso no segmento de quadrinhos. Esta revisão acerca da contribuição de Maurício de Sousa ao mercado nacional de HQs não deixa dúvidas de como este foi e ainda é moldado não só por seus autores e editores, mas também pela necessidade de inovação e ampliação de mercados-consumidores. Buscando alcançar o leitor que consumia mangás (cada vez mais presentes nos hábitos de leitura do jovem brasileiro) e se arriscando ao oferecer trabalhos menos pasteurizados ao grande público, a Maurício de Sousa Produções contribuiu para a manutenção de um mercado nacional forte e saudável. Quando postos em conjunto, todos esses elementos acerca das HQs no Brasil apontam para um fato: o mercado nacional de quadrinhos sempre foi bastante heterogêneo, tanto em questão de público quanto aos gêneros aqui consumidos e produzidos. A seguir, exploraremos mais sobre a relação entre histórias em 25

quadrinhos e o meio acadêmico, em particular os estudos produzidos na Ciência da Informação.

2.3 Os quadrinhos e a Ciência da Informação

O interesse pelas HQs no âmbito acadêmico brasileiro vem de longa data. No ano de 1951, ocorreu a Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos, promovida, dentre outros, por Álvaro de Moya e Reinaldo de Oliveira, entusiastas das HQs e profissionais do meio artístico e editorial. O evento, ocorrido na cidade de São Paulo, foi inovador por ousar apresentar as HQs ao grande público sob um viés científico, trazendo técnicas de análise de imagem adaptadas dos estudos do cinema e identificando características próprias da produção nacional (VERGUEIRO, 2017). Álvaro de Moya, mais tarde, seguiria carreira acadêmica na Escola de Comunicação e Artes da USP, produzindo estudos acadêmicos sobre quadrinhos que se tornariam referência para pesquisadores, jornalistas e aficionados. A partir da década de 1960, as HQs começam a penetrar nas universidades brasileiras, com a primeira pesquisa formal sendo promovida pelo professor José Marques de Melo, da Faculdade de Jornalismo Casper Líbero, de São Paulo. De acordo com o próprio Melo (1970 apud VERGUEIRO, 2017, p. 65), a pesquisa foi composta por uma etapa quantitativa, onde se levantou dados acerca das revistas editadas e seu público; e uma etapa qualitativa, onde se analisou o conteúdo de algumas revistas, buscando analisar as mensagens discursivas que eram transmitidas ao público. A partir de meados da década de 1960, as HQs foram ganhando cada vez mais presença no ambiente acadêmico, especialmente com a publicação de Apocalípticos e Integrados, do célebre autor italiano Umberto Eco, primeira obra a analisar minuciosamente a semiótica de cada quadro em uma HQ, trazendo uma inovação metodológica até então inédita nos estudos de quadrinhos, e demonstrando de uma vez todo o potencial de análise que existia nesse material (CIRNE, 2004). Esse marco, contudo, reflete um traço da pesquisa acadêmica de HQs: desde sempre, essas obras têm sofrido resistência por parte dos bibliotecários e estudiosos da informação, e, normalmente, são pesquisadas por cientistas das áreas de Comunicação, Artes ou Letras. 26

Por serem taxadas de leituras baratas e de segunda categoria, as HQs foram (e ainda são) deixadas de fora do acervo de muitas bibliotecas, o que dificulta o contato com os bibliotecários (quando não são eles os próprios responsáveis por essa exclusão) e, por conseguinte, com os cientistas da informação e estudiosos da Biblioteconomia (VERGUEIRO, 2005). Essa noção foi em parte alimentada pelos teóricos da década de 1970, como Moacy Cirne, que frequentemente viam as HQs como produtos culturais baratos e que refletiam a moral conservadora e reacionária das elites burguesas, criticando-as sob a ótica da Teoria Marxista e das ideias de Indústria Cultural e Cultura de Massa propostas pela Escola de Frankfurt (VERGUEIRO, 2017). Como reflexo dessa certa ojeriza de setores da Academia, além dos pânicos morais que frequentemente tomavam as HQs por corruptoras da juventude3, fazendo com que muitos pais e guardiões dificultassem o acesso a elas, Vergueiro (2005) aponta que as bibliotecas brasileiras frequentemente relegaram os gibis a segundo plano4, sem fazer distinção entre gêneros narrativos ou sequer conteúdos apropriados para diferentes faixas etárias, reforçando o mito de que toda HQ é destinada ao público infanto-juvenil. Essa falta de atenção para com o real valor das HQs se reflete com frequência dentro das Ciências da Informação, que muitas vezes analisa os gibis ou sob o prisma da formação de leitores, reforçando a ideia dos quadrinhos como uma mídia mais simples, voltada para leitores menos exigentes; ou sob o prisma da catalogação dos quadrinhos, tratando das HQs apenas como mais um item a ser processado dentro da biblioteca, sem muita atenção quanto a seu conteúdo. Naturalmente, não trazemos estes exemplos com a intenção de diminuir a importância dessas pesquisas ou dessa visão sobre as HQs, mas entendemos que há muitas mais análises passíveis de serem empreendidas pelos estudiosos da informação.

3 A título de curiosidade: esse fenômeno se torna relevante, como mencionamos antes, a partir da década de 1950, com a publicação do livro Seduction of the Innocent, de Fredric Wertham, e sua tese de que a leitura de HQs levava crianças para o crime e a devassidão. Um exemplo recente de como essa mentalidade ainda existe pode ser visto na polêmica ocorrida durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro de 2019, onde a prefeitura buscou censurar uma HQ que continha personagens homossexuais, argumentando que isso seria um atentado ao pudor contra as crianças que leriam a obra (JUCÁ, 2019). 4 Todavia, Vergueiro também ressalta que a forte demanda do público, somada às iniciativas de bibliotecários e gestores de bibliotecas mais conscientes, incentivou a criação das gibitecas, espaços únicos dentro do acervo das bibliotecas onde se reuniam as HQs em suas mais variadas formas. 27

Em contraponto a esse certo desdém com o qual as HQs são às vezes tratadas pela Academia, Vergueiro (2017) e Bahia (2012) nos lembram que, além das supramencionadas iniciativas pioneiras de estudo de HQs a partir das décadas de 1960 e 1970, também há um grande interesse do Governo Federal, através de seus programas de planejamento da educação e fomento à leitura, como o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), em introduzir as HQs nas escolas e bibliotecas, como forma de incentivar a leitura e o consumo cultural. Embora à primeira vista essas iniciativa possa parecer limitante, alimentando o já citado problema de as HQs serem vistas apenas como porta de entrada para a leitura mais “madura” ou “complexa”, a verdade é que estes programas, além de louváveis em sua iniciativa, fornecem rico material de pesquisa para os Cientistas da Informação que queiram analisar as HQs em um ambiente de informação escolar, seus impactos nos hábitos de leitura e até seu papel como fontes de informação junto ao público que as consome. Este último viés, das HQs como fonte de informação, vem sendo frequente objeto de pesquisa por parte de acadêmicos da Ciência da Informação e Biblioteconomia, mais uma vez fomentado pelo crescente número de bibliotecas que aceitam os gibis como elemento componente e significativo de seu acervo, atribuindo a elas certo valor institucional de legitimidade e reconhecimento (MESSIAS; CRIPPA, 2017). Tomemos a definição clássica de fonte de informação de Murilo Bastos da Cunha (2001 apud RODRIGUES, BLATTMANN, 2014, p. 9), que diz que o “conceito de fontes de informação ou documento é muito amplo, pois pode abranger manuscritos e publicações impressas, além de objetos”, sendo complementado pelos próprios Rodrigues e Blattmann, que afirmam que “pode-se definir fontes de informação como tudo o que gera ou veicula informação” (2014, p. 6). Norteando-se por essas definições, por exemplo, não é difícil compreender como as HQs podem ser vistas como fontes de informação, e porque essa ideia de pesquisa atrai tanto os cientistas da informação. Maria de Azeredo Oliveira (2014), após analisar a HQ Fábulas e suas características narrativas, afirma categoricamente que as HQs podem ser consideradas fontes de informação não apenas por servirem como objeto de estudo em diversas áreas do conhecimento, mas também por despertarem um sentido cognitivo nos sujeitos a partir de sua leitura. Messias e Crippa (2017), em seu estudo sobre a validade de HQs na 28

internet, afirmam que as HQs possuem valor enquanto fonte de informação, adquirido dentro das instituições, que lhes permite servir como elementos para a compreensão de contextos históricos e aspectos políticos e culturais, além de serem dispositivos que fomentam a produção e circulação do conhecimento, características que também valem para as HQs na internet. Finalmente, Oliveira Neto (2014), abordando diretamente consumidores de uma loja de quadrinhos, chegou à conclusão de que as HQs podem ser consideradas um tipo de literatura que oferece informação variada ao seu leitor, justificando sua inclusão em bibliotecas e seu estudo por parte da CI. 29

3 INDÚSTRIA CULTURAL E HQS DE SUPER-HERÓIS

Como vimos antes, uma linha teórica sempre foi usada para criticar o estudo das HQs dentro da Academia: o conceito de Indústria Cultural, desenvolvido pelos pensadores da Escola de Frankfurt. Nesta seção do referencial, buscaremos entender o que é a teoria da Indústria Cultural, sua relação com o conceito mais amplo de Cultura de Massa e como as HQs se enquadram, desde seus primórdios, como produtos culturais que disseminam discursos, especialmente os de caráter mais conservador, buscando entender se já foram notadas inciativas de mudança desse quadro pelos acadêmicos que se dedicam ao estudo desta mídia. De acordo com Francisco Rudiger (2004), o termo Indústria Cultural foi criado por Theodor Adorno e Max Horkheimer, teóricos e cientistas sociais da chamada Escola de Frankfurt, em seu livro Dialética do Esclarecimento, de 1947, embora se baseassem em escritos prévios de Adorno. Na concepção dos autores, a Indústria Cultural era fruto da desintegração da dialética iluminista, ocorrida durante e após a Segunda Guerra Mundial, e na transição de um paradigma de Modernidade para uma Pós-Modernidade, na qual o capitalismo e o estado burguês precisam se reconfigurar diante de uma sociedade cada vez mais massificada e instrumentalizada. Nesse contexto, Cultura e Economia se mesclam, e se tornam responsáveis por definir que tipo de discurso será o mais aceito, qual maneira de pensar e de fazer arte e cultura será a desejável. Através de uma “colonização pela publicidade” (RUDIGER, 2004), todo o sistema mercantil (que agora também é encarregado pela produção da cultura e das obras de arte) se torna alvo de um filtro estético, responsável por garantir que apenas aqueles discursos que beneficiem a manutenção do status quo sejam produzidos ou se tornem relevantes. Coelho Netto (1993) aponta que o processo de surgimento da Indústria Cultural é fruto dos avanços feitos durante a Revolução Industrial. Embora a tecnologia fundamental para a produção em massa tenha sido a imprensa de Gutenberg, surgida séculos antes, é apenas no contexto da Revolução Industrial que começarão a surgir os primeiros produtos destinados a um recém-nascido mercado consumidor menos culto e letrado, tais como os jornais, romances de folhetim e até operetas, produtos esses feitos muitas vezes por membros das elites dominantes, mas destinados a um 30

público trabalhador, muito menos abastado e culto. Esse público, por sua vez, estaria sujeito a dois processos que marcam a sociedade capitalista: a reificação (ou coisificação), ou seja, a valoração e fetichização da coisa, do produto, do objeto físico dotado de utilidade; e a alienação, ou seja, o distanciamento do trabalhador para com aquilo que ele produz e, portanto, teria o legítimo direito de consumir. É aqui que a Cultura de Massa e a Indústria Cultural cumprem seus papéis na manutenção do sistema: ao transformar a cultura e as obras artísticas em coisas e especificamente em coisas baratas, a Cultura de Massa permite ao trabalhador gastar seu dinheiro em algo que lhe servirá apenas como momentânea fonte de lazer, enquanto a Indústria Cultural, ao impedir que qualquer discurso subversivo seja produzido e alcance o público consumidor, garante que nunca haverá uma emancipação da classe trabalhadora, que se manterá imersa nas epistemes da elite e alheia a qualquer crítica que possa ser feita à ordem social capitalista. Desta forma, até os momentos de lazer do trabalhador se tornariam apenas extensões de seu tempo no ambiente do trabalho, nas quais os sujeitos, mesmo que buscando um alívio do estresse das fábricas e escritórios, estariam apenas absorvendo mais e mais discursos que justificavam sua posição de submissão na hierarquia capitalista. Nas palavras do próprio Theodor Adorno:

A diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho mecanizado, para que estejam de novo em condições de enfrentá‐lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização adquiriu tanto poder sobre o homem em seu tempo de lazer e sobre sua felicidade, determinada integralmente pela fabricação dos produtos de divertimento, que ele apenas pode captar as cópias e as reproduções do próprio processo de trabalho (ADORNO, 2009).

Na citação acima, pode-se notar que a crítica de Adorno à Indústria Cultural estende-se aos próprios meios de produção massificados e instrumentalizados, os quais o capitalismo transplantou para a criação da arte e da cultura. De acordo com a análise de Carvalho (1994), os produtos culturais no capitalismo não partem de uma ânsia de seu criador por sua apreciação, mas sim pela necessidade de se atender a critérios mercadológicos que quase sempre vão refletir o projeto político- ideológico da classe dominante naquele período histórico. Além disso, essa estrutura mercadológica acabou por gerar uma série de oligopólios culturais, ou seja, vários pequenos aglomerados de produtores culturais que concentram e controlam os meios de produção de cultura, buscando impedir a produção de discursos contrários 31

a este núcleo dominante (FREITAS, 2018). Essa visão, dos produtos culturais como meros instrumentos de servidão à uma ideologia dominante, sem dignidade artística ou valor emancipatório próprios, marcará as críticas dos teóricos da Indústria Cultural sobre a apreciação acadêmica das Histórias em Quadrinhos. Segundo Viana (2013), a natureza das HQs como um produto cultural industrializado vem desde sua origem, com os oligopólios editoriais que se formaram em torno de sua criação, e se mantém até os dias atuais, com a extrema burocratização que rege a produção das histórias dentro das editoras. Em consonância com Carvalho (1994), o autor afirma que, dentro das editoras, o escritor e o desenhista têm pouco ou nenhum controle sobre aquilo que criam, já que suas histórias deverão servir a uma estratégia de mercado maior, definida pelos diretores da companhia que operam hierarquicamente acima deles. Isso contribui para que não ocorra um livre pensar dentro das editoras, mas sim uma reciclagem e reutilização daquelas histórias que obtiveram algum sucesso financeiro ou geraram alguma comoção junto aos fãs ou à mídia. Além disso, a rentabilidade das HQs perpetua esse sistema, com editoras menores sendo compradas pelas gigantes do mercado, que eventualmente serão compradas por grandes conglomerados midiáticos que transformarão as histórias em filmes ou outras variedades de produtos que carregam todo um capital sócio- cultural, capaz de dar uma amplitude muito maior ao discurso que as indústrias culturais desejam disseminar. (VIANA, 2013; FREITAS, 2018). É esse caráter transmidiático, presente desde que as primeiras histórias seriadas de aventura foram levadas para o rádio, que facilitam a passagem das HQs para outras mídias visuais, como cinema, videogame, televisão, e até mídias não tão visuais, como livros e áudio-dramas, que fazem dos quadrinhos não só uma mídia rentável, mas que também pode ser “minerada” em busca de novas ideias e propriedades que possam ser adaptadas, criando uma espécie de serialização que atravessa diferentes mídias e veículos de comunicação, ainda mais quando se trata de um gênero atrativo como o de super-heróis (COSTA; PETRY, 2011). E, quando o aspecto do transmidiatismo se funde à questão da convergência entre diferentes mídias, com os leitores de HQ prontamente seguindo seus personagens favoritos paras o cinema ou os jogos de videogame, entendemos qual a importância de se debater os discursos disseminados por essa mídia. 32

Por mais que as HQs sejam um gênero com um nicho de mercado bem específico, as adaptações do gênero de super-heróis movimentam grandes somas no mercado cultural mundial, e suas histórias são constantemente transcritas para outras culturas, nas palavras de Henry Jenkins (2009), a fim de alcançarem novos mercados, atingindo ainda mais espectadores. E, ainda que os fãs busquem ressignificar ou readaptar aquilo que veem de acordo com seus hábitos enquanto fandom, atribuindo valor e significância ao que pode vir a ser apenas um conteúdo massificado (JENKINS, 2009), tanto as HQs de super-heróis quanto suas adaptações carregam consigo discursos que frequentemente favorecem aspectos ideológicos conservadores e que defendem a manutenção do status quo onde sujeitos sofrem diferentes formas de opressão, aos quais os fãs estarão sendo expostos, muitas vezes sem sequer perceberem. Além disso, é importante ter em mente que a indústria de quadrinhos de super-heróis, desde seus primórdios, sempre caracterizou seu fã como tendo o perfil de um sujeito homem, branco, da classe-média estadunidense (BONGCO, 2000 apud HUANG, 2013, p. 21), que não apenas é praticamente intocado por essas estruturas de poder conservadoras, como muitas vezes se beneficia das mesmas. Mas afinal, qual seria essa ideologia5 que permeia as histórias em quadrinhos? Como veremos a seguir, alguns discursos de caráter conservador vêm sendo observados pela crítica e pelos acadêmicos que tem por objeto de estudo o gênero das HQs de super-heróis. Inicialmente, não podemos deixar de ignorar o discurso de hegemonia capitalista, ou seja, que ignora as contradições trazidas por este sistema político-econômico e o trata como sendo inerentemente bom. Dada a natureza das HQs de super-heróis como produtos da Indústria Cultural, esse tipo de discurso acaba por ser indissociável ao gênero e, como veremos, acaba por fundamentar muitos dos outros discursos que se fazem presentes no gênero. E, de fato, embora já tenha sido amplamente problematizado em obras como Watchmen ou Guerra Civil, que abordam o impacto real que super-seres teriam na ordem social gerada pelo sistema capitalista, esse discurso sempre permeou as narrativas de super-heróis, ainda que de maneira raramente explícita. De acordo com Wolf-Meyer

5 Na definição de Douglas Kellner, a ideologia conservadora dominante pode ser entendida como “o conceito multicultural que abrange interesses de forças de opressão a pessoas de diferentes etnias, sexos, classes sociais e orientações sexuais, não se restringindo aos “conjuntos de ideias que promovem os interesses econômicos da classe capitalista’” (KELLNER, 2001 apud DALBETO; OLIVEIRA, 2014, p. 60-61) 33

(2006), apesar do aparato capitalista ser uma necessidade dos super-heróis, permitindo sua existência e seu papel como solucionadores de problemas, a ideia geral que se tem é de que os personagens operam fora das amarras sociais produzidas por este aparato, com maior ou menor grau de aprovação por parte das estruturas dominantes da sociedade, e raramente expressando críticas em relação às mesmas. Heróis que atuam com o aval de governos (como os Vingadores ou a Liga da Justiça) podem agir por um “bem maior”, contanto que dentro dos limites normativos de uma sociedade hegemonicamente capitalista, sem sofrer represálias. O mesmo vale para os heróis, que, apesar de não terem esse reconhecimento estatal, possuem capital suficiente para se manterem imunes aos efeitos da lei (como o Homem de Ferro, o Batman ou o Quarteto Fantástico), atuando com o propósito de coibir a vilania ou o crime, mas sem ameaçar o status quo que permitiu o acúmulo de seu capital (e que, muitas vezes, é o que dá origem aos problemas que eles têm de combater). Em afronte a essa lógica, os personagens que operam fora das normas sociais e não possuem capital suficiente para manter-se “fiéis” ao sistema capitalista são tratados como párias, e frequentemente se veem contrariando o governo ou as forças policiais (exemplos cabíveis seriam o Homem-Aranha ou os X-Men, personagens “disruptivos” à ordem social (WOLF-MEYER, 2006). O ponto crucial desta observação é que os personagens, apesar de serem limitados pela ordem capitalista, raramente a questionam ou buscam subvertê-la, passando a ideia de que o gênero de super-heróis é conivente com as contradições geradas pelo capitalismo, e que assim devem ser seus leitores. Mesmo em situações onde seria cabível a discussão acerca da importância do capital como instrumento de poder na sociedade, essas discussões dificilmente aparecem, sendo, com frequência, “mascaradas” por questões de caráter mais identitário, como as opressões de gênero e raça (HUANG, 2013). Isso se dá porque, num sistema de hegemonia capitalista, o próprio ato de subversão não pode sequer ser cogitado dentro de um produto cultural que esteja inserida nesse contexto hegemônico, como vimos no início desta seção. Embora abordar as questões de raça e gênero, por exemplo, traga uma impressão de progresso em relação às pautas e direitos dos grupos oprimidos, não abordar a problemática da dominação classista apenas colabora para a manutenção do sistema que produz muitas das mazelas que afligem esses grupos. 34

Mais importante, não trazer o questionamento sobre a ordem social capitalista nas histórias implica em os personagens estarem acomodados com essa ordem, e transmite a ideia de que o leitor também deveria acomodar-se. Consoante a isso, nas breves ocasiões onde é levantado o debate acerca das dinâmicas de poder na sociedade capitalista, é comum que as histórias coloquem os heróis numa posição de apoio à ordem dominante (que é necessária à sua existência, como já mencionado), e representem os vilões como personagens que surgem das camadas mais impotentes da sociedade e que, ao desafiar os poderosos heróis, acabam derrotados por ousar desafiar o status quo (HUANG, 2013). Obviamente, não estamos advogando para que as HQs estimulem qualquer ímpeto revolucionário em seus leitores; todavia, é importante entender quais os impactos de uma narrativa que demoniza aqueles personagens que buscam questionar e alterar o status quo, e o que isso representa para o leitor que está inserido na estrutura de poder capitalista e, portanto, passível de ser vitimado pelas contradições produzidas pela mesma. Além desse discurso que naturalização da ordem capitalista, outros discursos de caráter conservador que surgiram juntamente com as HQs de super-heróis se tornaram objetos-fixos do gênero, aparecendo com maior ou menor frequência ao longo das décadas e, ainda que possam haver aqueles que busquem despolitizar o gênero, o fato é que as histórias de super-herói sempre trouxeram consigo esses discursos mais conservadores e, para um olhar contemporâneo, menos progressistas (LUND, 2019). O segundo discurso frequentemente abordado pela crítica é um discurso de protagonismo estadunidense, ou seja, no qual a história centraliza sua ação em personagens estadunidenses e naturaliza as ações do país no cenário global, situando-o como o “centro do mundo”. As HQs de super-heróis, que são, afinal, um produto genuinamente estadunidense, raramente oferecem crítica aos aspectos mais controversos de sua nação, atuando como mecanismo de propaganda ou naturalização de uma ordem geopolítica onde os EUA atuam como protagonistas. Em seu estudo sobre as HQs como veículo de propaganda ideológica, Campos Filho (2009) afirma que os gibis de aventura e super-heróis, surgidos na década de 1930, refletiam o humor do público estadunidense e europeu à época, marcado pelos horrores da Primeira Grande Guerra, a Grande Depressão econômica e os desconfortos surgidos com a ascensão dos movimentos totalitários e a possibilidade de uma Segunda Guerra. Resgatando Adorno (2009), lembramos que o dito projeto 35

de Modernidade começava a se esfacelar justamente nesse período, culminando-se na chamada Pós-Modernidade nascida junto do fim da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, o público estadunidense se via desesperançoso, já que as bases discursivas morais que fundamentaram a sociedade se mostravam vazios, e careciam de personagens que lhes servissem como modelos de honra e virtude, além de trazerem uma carga fantástica que permitisse um desprendimento das realidades deprimentes do mundo real (CAMPOS FILHO, 2009). Portanto, as HQs serviriam como instrumento de propaganda ideológica, atuando para que os indivíduos absorvessem os discursos por elas disseminados, que serviriam para normalizar e propagar os valores dominantes à época, como o nacionalismo e o combate ao comunismo. É aqui que personagens como o Capitão América e o Superman se mostraram eficientes ferramentas, trajando as cores da bandeira estadunidense e lutando pela democracia contra nazistas, na década de 1940, e pela liberdade contra comunistas estereotipados, na década de 1950 usando apenas um escudo como arma, no caso do primeiro (SANTOS, 2008), ou servindo como porta-voz dos valores de “Verdade, Justiça e estilo de vida americano” no auge do Macarthismo, no caso do segundo. Esses personagens, embora servissem como exemplos para seus leitores, defendendo os ideais da sociedade estadunidense tradicional e carregando consigo valores de honra e coragem, são claramente um tanto ufanistas sob um olhar contemporâneo, já que objetivavam a manutenção do status quo que regia as normas sociais do período, sem questionamento aos valores tradicionais e às contradições geradas por eles na sociedade norte-americana da primeira metade do século XX. E isso se mantém até os dias atuais, com a maioria das HQs de super-heróis não se preocupando em problematizar as ações dos EUA ao redor do globo, independentemente de seu impacto nas vidas de outros países que, não raro, aparecem apenas como plano de fundo para ações do herói- estadunidense — ou então como refúgio para o super-vilão estrangeiro. Embora o caráter ufanista de muitos personagens já tenha sido problematizado dentro das próprias histórias e diminuído com o tempo, ainda há poucos títulos mainstream que foquem em outras regiões que não os EUA ou com protagonistas que não sejam americanos. Tampouco imperam narrativas que tomem tempo para questionar a atuação do país no cenário global, resultando em uma naturalização da percepção dos EUA como sendo o “centro do mundo”, vítima de crises causadas por agentes estrangeiros e cujos heróis, movidos pelo trauma 36

destas crises, tomam ações nobres e impassíveis de julgamento, tanto em solo estrangeiro, quanto para conter insurgências dentro do próprio território dos EUA (HASSLER-FOREST, 2012). Destaca-se também a existência de um discurso reacionário, que entende a violência como a principal maneira de resolução de conflitos sociais. Aparecendo inicialmente nas histórias do Superman, onde o combate contra a corrupção e a criminalidade urbana se dava através do uso dos punhos, esse discurso refletia o mindset da população estadunidense que, energizada pelo New Deal, desejava combater o velho modelo econômico que levara à Grande Depressão, e servia como forma do leitor ver refletido seu desejo por uma mudança anti-sistêmica. E essa mudança viria pelas mãos de um ser externo à sociedade, literalmente um alienígena que, com sua própria noção de certo e errado, combateria as mazelas que o cidadão comum não poderia enfrentar sozinho. Isso já difere o gênero de super-heróis primitivo das histórias de aventuras que o antecederam: no lugar de enfrentar piratas ou alienígenas, em histórias claramente fantasiosas, os super- heróis estariam preocupados com os problemas sociais que afligiam as grandes cidades, combatendo, por meio da agressão, se necessário, as ansiedades que afetavam o cidadão urbano (JOHNSON, 2012; KELLEY, 2009). Embora essas histórias servissem para satisfazer os desejos de mudança de uma população inconformada com os rumos que sua sociedade havia tomado, aqui se apresenta a ideia simplista de que, através da violência, estariam resolvidos os problemas. Ao observar uma situação que destoa daquilo que é a norma social, o herói reage, geralmente através da força bruta, buscando resolver a situação anômala e preservar o status quo existente (COORLIM, 2018). Outro exemplo dentre os super-heróis da Era de Ouro é o Batman. Motivado por seu trauma, o personagem (um rico industrialista) combate o crime, lutando contra e, nas primeiras histórias, até matando criminosos comuns e supervilões, enquanto se traja com um uniforme que inspira medo em seus oponentes. Além da iconografia básica aos super-heróis, como indivíduos com a missão de “limpar as ruas”, o Batman popularizou no gênero a questão da afinidade com as forças policiais, através de seu contato com os chefes da polícia de sua cidade, Gotham. Essa é outra característica do discurso reacionário como entendido aqui: uma aproximação e legitimação do aparato estatal de violência. Embora operem nominalmente fora da lei, os super- heróis raramente opõem-se à polícia em sua tarefa de manutenção da ordem social, 37

mas sim atuam de maneira paralela à corporação (e sendo, muitas vezes, erroneamente perseguidos por ela) ou de maneira complementar às suas atividades, auxiliando onde ela se mostra ineficiente. No exemplo específico do Batman, há o elemento do Bat-sinal, com o qual a polícia de Gotham convoca o herói quando encontra crimes que não consegue resolver. Salvo a ocasional história onde o vilão é um oficial corrupto, esse tipo de narrativa não costuma oferecer questionamentos quanto à idoneidade dos agentes da lei, ou ao direito que o cidadão particular tem de tomar a justiça em suas próprias mãos. De fato, ele parece oferecer, como alternativa a uma justiça ineficiente, que sejam aceitas as ações de um indivíduo messiânico, que tomaria para si o dever de trazer justiça às mazelas do mundo contemporâneo (BUTLER, 2011). Esse ponto leva à última característica do discurso reacionário nas HQs de super-heróis: o vigilantismo. Entendendo o vigilante como sendo aquele que toma para si a autoridade de fazer justiça com as próprias mãos, Marazi (2015) nos lembra que, no caso de heróis sem super-poderes, como o Batman, a questão de tomar a justiça em suas próprias mãos envolve a ideia do “cidadão comum” violando a norma social e tomando para si o direito de agir na “forma da lei” para reparar situações percebidas como anômalas à ordem social. A autora ainda afirma que se tratando de personagens menos fantásticos como o Batman, que são motivados a lutar devido a uma tragédia pessoal, ainda há certa questão de “honra” envolvida, o que favorece uma aceitação por parte do leitor às ações do personagem e permite maior identificação com o mesmo. Nesse discurso reacionário, portanto, percebe-se tanto uma satisfação da necessidade do público por um personagem messiânico que, com uma motivação identificável, venha combater o crime e “limpar a sociedade”, atuando onde a lei se mostra impotente a fim de preservar a estrutura social, muitas vezes sem limites para o grau de violência empregado nessa façanha. Esse discurso, se apresentado sem questionamento em uma história, acaba por favorecer a ideia de que a único caminho de ação do cidadão comum é tomar a justiça em suas próprias mãos e partir em uma cruzada violenta contra aquilo que ele percebe como sendo errado. Além de não trazer uma indagação sobre as consequências que as atitudes violentas do sujeito podem trazer ao coletivo, ele ainda ignora o diálogo e a possibilidade de cooperação como elementos para a resolução das mazelas sociais. Por outro lado, uma história que problematize esse discurso pode oferecer um 38

debate saudável acerca dos limites da ação individual e do uso da violência como única alternativa de resposta (McCONNAUGHY, 2016) O quarto discurso conservador que se manifesta nas HQs de super-heróis é um discurso masculinista, que reforça estereótipos de gênero. Kamel e La Rocque (2006) nos lembram que, nas histórias de aventura e ficção científica que precederam as HQs de super-heróis, a mulher era relegada à função de ser uma sedutora, mas vulnerável, companheira para o protagonista. Embora auxiliassem até certo ponto, em última instância, essas personagens serviam apenas como coadjuvantes que visavam suprir os desejos do público leitor masculino, fato que perdurou na maioria das HQs de super-herói e ficção científica até meados da década de 1960. Esses estereótipos são um pouco menos presentes nas HQs de outros gêneros que vigoraram até a década de 1950, como histórias de romance, que tinham protagonistas femininas tridimensionais. Voltando ao gênero de super- heróis, há uma quebra no clichê da “donzela em perigo” ainda na década de 1930, com a criação de heroínas como Sheena, a Princesa da Selva, em 1937, e, especialmente a partir da criação das personagens Mulher Maravilha e Miss Fury, ambas em 1941. Além disso, houve, nesse período, um aumento no número de mulheres leitoras de HQs de super-heróis. Embora fosse geralmente relegado aos outros gêneros de HQs da época, o público feminino começou a se interessar pelas histórias de super-heróis, coincidindo com o aumento no número de super-heroínas criado nessas revistas. Embora fossem geralmente derivadas de heróis masculinos de sucesso, essas personagens refletiam o pensamento da época, no qual as mulheres estadunidenses começavam a ocupar alguns papéis geralmente destinados aos homens, que lutavam nos campos de batalha a Segunda Guerra. Todavia, como pondera Becko (2018), o gênero de super-heróis sempre pertenceu a criadores homens, o que resultou (e ainda resulta) na sexualização e objetificação das super-heroínas, reduzindo-as a objetos de desejo masculino mesmo em suas próprias histórias; em consonância, Hauch (2017) nos lembra que, apesar de sua posição de destaque, as heroínas sempre foram representadas sob um olhar masculino e socialmente conservador, que faz uso de estereótipos sobre feminilidade e sexualidade feminina, restringindo o papel da mulher nas HQs de super-heróis a posições de submissão e a um papel de outro, de sujeito atravessado pela visão masculina sobre si. E se, por um lado, a mulher é reduzida a papéis estereotipados de símbolo sexual ou 39

coadjuvante para um herói masculino, aos heróis homens é reservado o direito à hiper-masculinização e ao papel de agente ativo, como nos lembram Beiras e seus colegas (2007). Os autores afirmam que, numa reprodução clara de representações patriarcais, os altivos heróis são representados com um corpo musculoso e atlético, mas não objetificado, buscando remeter às ideias de virilidade que sempre orbitaram a figura do “homem ideal” na sociedade patriarcal. Isso contrapõe com as representações femininas que, embora igualmente padronizadas do ponto de vista estético, com mulheres magras e voluptuosas, reduz essas mulheres a meros objetos de prazer visual por parte do leitor. E, enquanto o herói é hiper-masculino, com músculos irreais e uma postura combativa, seus coadjuvantes e vilões masculinos podem ter tipos físicos mais variados, trazendo mais uma noção patriarcal de que, para ser um herói, basta, ao sujeito comum, tornar-se um homem mais masculino e menos “feminino”, basicamente renegando quaisquer outras manifestações de masculinidade. Trazendo essa perspectiva, torna-se fácil perceber que, enquanto os heróis masculinos representam um ideal ao qual o leitor homem deveria aspirar, as personagens femininas não passavam de objetos, aos quais o leitor masculino poderia observar se estivesse em busca de excitação visual. Essa visão patriarcal, que diminui e objetifica a mulher, piorou durante a Era de Prata, melhorou um pouco durante as décadas seguintes, e então despencou novamente durante os anos 90 e início dos anos 2000. A situação é um pouco menos preocupante nos dias atuais graças, em parte, ao número crescente de mulheres trabalhando na indústria de HQs de super-heróis, o que permite a criação de narrativas que não sejam guiadas por estereótipos patriarcais ou pelo olhar masculino. Além disso, o aumento de leitoras mulheres e a conscientização do público masculino contribuem para que haja pressão e demandas por personagens femininas tridimensionais, empoderadas e não-objetificadas (BARNETT, 2015). O quinto discurso que trazemos é o discurso cis-heteronormativo, ou seja, que exclui e ostraciza manifestações de sexualidade e gênero fora do eixo cis- gênero/heterossexual. Embora não tenham existido heróis explicitamente LGBTQ+ durante a primeira metade do século XX (BOOKER, 2010), o subtexto sempre esteve presente no gênero. Havia grande escrutínio acerca da relação próxima que o personagem Batman e seu parceiro de aventuras, o jovem Robin. Além das roupas 40

que expunham muita pele por parte do garoto, a ausência de uma parceira romântica fixa para o Batman e o intenso grau de proximidade entre os dois (que dividiam até a cama em algumas cenas) levantavam suspeitas por parte dos guardiões morais mais conservadores e inclinados ao pânico moral. Igualmente “suspeita” era a Mulher Maravilha, e as implicações que surgiam ao levar em conta que ela vinha de uma ilha habitada somente por mulheres adultas. Esse pânico resultou, como bem nos lembra Booker (2010) num total apoio ao já mencionado Comics Code Authority que, inspirado pela obra A Sedução dos inocentes, de Fredric Wertham, vetava qualquer manifestação de “perversão sexual”, o que englobava, à época, qualquer tipo de relação homossexual. Esse silenciamento acerca de personagens gays e lésbicas se manteve, no gênero de super-heróis, até a década de 1980. Embora temas LGBTQ tenham florescido amplamente em publicações independentes, o primeiro super-herói gay surgiria apenas em 1982: era o Extraño, um personagem místico da DC Comics, que vinha carregado de estereótipos, tanto acerca dos homens gays afeminados quanto dos cidadãos latinos dos EUA. Já na Marvel, apesar do subtexto homoerótico que existia entre diversas personagens femininas da franquia X-Men, o primeiro herói explicitamente gay surgiria apenas na década de 1990: trata-se do Estrela Polar, um X-Man canadense que assume sua homossexualidade em rede nacional após falhar em salvar um bebê que era vítima do vírus HIV. Foi também a Marvel responsável por representar o primeiro casamento gay em um gibi de super-heróis, ao celebrar o matrimônio do Estrela Polar com seu namorado, no ano de 2012, evento que foi tratado com muita pompa pela editora, o que sinalizou uma virada progressista no imaginário que circula as publicações de super-heróis mainstream (DALBETO; OLIVEIRA, 2014; PALANKOF E CRUZ, 2015). Apesar dessa representatividade positiva por parte da Marvel, cabe apontar que a primeira experiência da editora com personagens LGBTQ não foi nada positiva. Ainda na década de 1980, a Marvel publicou sua primeira história incluindo personagens LGBTQ em uma edição do , escrita por Jim Shooter, mas que trazia uma visão extremamente preconceituosa e estereotípica contra o público gay. Na história, o doutor Bruce Banner, identidade secreta do Incrível Hulk, vivendo em situação de rua, se abriga em um albergue e é atacado por dois homens gays em um banheiro, que têm o intuito de violá-lo sexualmente. Embora ele consiga fugir, a história deixa clara sua aversão aos dois homens, sem um personagem gay positivo 41

que sirva como contraponto aos dois. Dessa forma, o primeiro contato dos leitores da Marvel com personagens LGBTQ se deu num contexto negativo, onde esses personagens são apenas caricaturas, estereótipos do homem gay como um predador sexual (FELTON, 2007), que vive na marginalidade buscando vítimas para satisfazer seus impulsos desviantes. Por outro lado, cabe mencionar que a DC Comics, através de seu selo editorial para leitores adultos, a extinta Vertigo, abordou histórias com personagens LGBTQ menos estereotipados ainda na década de 1980, mesmo com um público mais homogêneo que o da Marvel, publicando as séries Sandman e Patrulha do Destino, que incluíam personagens gays e lésbicas menos estereotipados, e até personagens transgênero, com variado grau de representatividade positiva. Em particular, a série Sandman é tanto elogiada quanto criticada por sua representação de mulheres trans já que, embora as trate com a tridimensionalidade esperada a qualquer personagem, ainda as apresenta como um elemento exótico e marginal na rica tapeçaria de personagens de sua trama que foi, para muitos leitores, o primeiro contato com uma pessoa trans em HQs mainstream (SCOTT; KIRKPATRICK, 2015). Em seu excelente estudo sobre personagens trans nas principais editoras de HQs estadunidenses (Marvel, DC e Image Comics), Billard e MacAuley (2017) analisam as representações destes personagens, e trazem alguns resultados interessantes: embora as representações de personagens trans ao longo das décadas de 1980 e 1990 não fossem intencionalmente ofensivas, carregavam uma série de estereótipos e clichês acerca da identidade trans e não-binária, que acabavam por minar um pouco a iniciativa de inclusão do autor, como tratar o relacionamentos entre uma pessoa cis-gênero e uma pessoa trans do gênero oposto como sendo um relacionamento homossexual, ou representar a mulher trans como sendo um “homem de vestido”, coberto por peruca e maquiagem, que vive às margens da sociedade em situações degradantes. Em contrapartida, a partir dos anos 2000, representações mais positivas começam a florescer, inclusive trazendo personagens para além da identidade trans, como indivíduos não-binários ou de gênero fluido, como Xavin, personagem de gênero fluido da série Fugitivos, da Marvel Comics, criada em 2005. Também as reações de personagens cis quando descobrem que um ente próximo é trans já não são de estranheza ou asco, mas sim reações de afeto e aceitação, como quando a Batgirl, personagem da DC Comics, descobre que sua colega de quarto, Alisia, é uma moça trans, e imediatamente lhe 42

assegura que a confiança necessária para fazer essa revelação apenas fortalece a amizade entre as duas. Os autores concluem que, apesar de alguns exemplos negativos ainda persistirem, as HQs estão sabendo fazer uso de seu potencial como combustível de mudança na cultura pop acerca das representações de pessoas trans ou que não se encaixam em padrões binários de gênero (BILLARD; MACCAULEY, 2017). Ao levarmos em conta o que foi posto acerca das representações de personagens não- heterossexuais e não-cisgênero, podemos afirmar que, embora haja marcante progresso, o mesmo ainda é muito recente, se comparado aos anos de invisibilização ou puro ostracismo para com esses grupos. Desta forma, é importante saber avaliar e apontar HQs que ainda tragam representações negativas, que podem levar a ainda mais hostilidades para com esses segmentos, ainda tão marginalizados, dado o grau de impacto que as HQs têm no cenário da cultura pop. Também cabe apontar aquelas histórias que, embora não ofendam, simplesmente ignoram a existência destes segmentos, invisibilizando esses grupos no panorama cultural popular e dando a impressão de que não há lugar para personagens LGBTQ nas histórias de super-heróis e na cultura mainstream como um todo. O último discurso marcante nas HQs de super-heróis, e que expomos a seguir, é o discurso de representação racial estereotipada, ou seja, aquele que retrata as populações e indivíduos não-brancos de acordo com estereótipos e clichês raciais ofensivos, frutos do processo de colonização e imperialismo ocorridos ao longo da História. Antes de explorarmos o tema, cabe a ressalva de que cada população afetada por esse discurso o percebe de maneira diferente. Os estereótipos que afetam a comunidade negra não são os mesmos que atingem a comunidade muçulmana, por exemplo. Para fins dessa pesquisa, todavia, agrupamos esses elementos distintos em um único discurso, aquele que mantém o ideal de branquitude ocidental como sendo o mais desejável e reproduz estereótipos de raça que contribuem para a perpetuação do racismo no mundo real (ARNOLDO CRUZ, 2018). Importante ponto de partida para a discussão desse tópico é o que traz Woodall III (2010), ao afirmar que, na longa história das histórias em quadrinhos, qualquer representação de raça que não seja a branca é, geralmente, vilanesca, com a demonização mais ou menos literal dos indivíduos de outras etnias. Tratando sobre a representação da população negra, o autor nos lembra que, nas histórias de 43

aventura e nas primeiras HQs de super-heróis, era comum termos personagens brancos liderando e protegendo comunidades negras na África, que eram representadas como sendo incapazes de cuidar de si mesmas. Além disso, histórias que traziam figuras brancas idealizadas, com as do Tarzan ou Sheena, serviam para marcar essas figuras como objetos de desejo na mente dos leitores, desconsiderando o valor da pessoa, da cultura e do corpo negro, fator que afetava a saúde mental de qualquer leitor negro que tivesse essas histórias em mãos. (WOODALL III, 2010). Ainda segundo Woodall III, embora a situação tenha melhorado conforme as histórias de super-herói da Era de Ouro tenham entrado na dinâmica da Segunda Guerra Mundial, quando personagens negros começaram a ser mais valorizados e o racismo tornou-se até alvo de críticas, o mesmo não pode ser dito de outros grupos étnicos. Japoneses e, mais tarde, chineses, eram retratados como caricaturas de monstros ou conquistadores amarelos, que vinham do Oriente para roubar e saquear os EUA, numa visão classicamente orientalista6. Pouco melhor era a situação dos povos originários nativo-americanos, que eram frequentemente trazidos como os simplórios “assistentes” dos heróis brancos. Também era clichê a narrativa do herói branco que, crescendo entre os indígenas, aprende habilidades especiais e supera seus mestres, que são deixados em segundo plano no resto da história (KING, 2009). Apesar de tentativas de melhora na representação de personagens não- brancos a partir da década de 1970, é apenas a partir dos anos 90 que a situação começa a se tornar mais positiva. A entrada de autores não-brancos nas grandes editoras, como Dwayne McDuffie ou Christopher Priest, que sabiam abordar questões sociais de maneira sutil e não explicitamente panfletária, ajudou na aceitação do público para com essas mudanças (ARNOLDO CRUZ, 2018). Nas HQs contemporâneas, ainda são muito presentes representações orientalistas de grupos muçulmanos árabes ou norte-coreanos e chineses, reutilizando, no caso destes últimos, clichês sobre honra e dominação mundial que podiam ser observados desde a década de 1950 e que se mantiveram presentes no imaginário dos autores (TOMABECHI, 2019). Essas representações contemporâneas atuam para manter

6 A ideia de Orientalismo parte de Edward Said, que a conceitua, resumidamente, como sendo a ótica pelo qual o Ocidente apresenta o “Oriente”, através de representações exageradas e exóticas, que reduzem as ricas culturas locais a comunidades bárbaras e primitivas, inferiores ao modelo de sociedade europeia (TOMABECHI, 2019). 44

sobre estes grupos o estigma de estrangeiro e de outro, sem local nas sociedades ocidentais, panorama que ainda pode demorar para se alterar. Expostos esses discursos, fica evidente a realidade das HQs de super-heróis como um gênero de produto cultural que ainda vem carregado de preconceitos e discursos que em pouco ou quase nada auxiliam na construção de um mundo mais justo e humano. Todavia, se o gênero se limitasse apenas a essas características problemáticas, dificilmente se manteria tão benquisto junto a seu público e ao imaginário popular. De fato, que característica permite que um produto tão inserido no mecanismo da indústria cultural se mantenha não apenas popular em termos mercadológicos, mas também evoque tanto carinho por parte daqueles que o acompanham? Embora inegavelmente haja um aparato discursivo que beneficie a ideologia dominante, como vimos nos últimos parágrafos desta seção, a figuração dos super-heróis no imaginário popular também possibilita ideias para um mundo mais igualitário (DALBETO, 2014). Seja através das obras que quebraram paradigmas dentro do gênero, ou daquelas que oferecem um aceno às pautas sociais, as narrativas de super-herói se mostraram capazes de se atualizarem e ocuparem um espaço na cultura pop contemporânea. É evidente, dada a natureza das HQs como produtos da indústria cultural, que muitas desses acenos ao progressismo vêm apenas como forma do mercado se manter relevante em um mundo cada vez mais plural (HUANG, 2013) e que há uma quantidade significativa de fãs que percebem as HQs contemporâneas como panfletárias ou politizadas demais, e recorrem ao bullying virtual para “provar” seus argumentos e barrar mudanças de caráter mais progressista (BERLATSKY, 2018). E, claro, não se pode maquiar a existência dos preconceitos e discursos conservadores que existiram (e ainda existem) no gênero apenas por causa de iniciativas contemporâneas de modernização das histórias (LUND, 2019). Ainda assim, como aponta o autor e teórico de HQs Grant Morrison, as histórias de super-heróis refletem não apenas o progresso real da sociedade mas também nosso potencial de sermos mais proativos e justos frente a nossos semelhantes, que é materializado na figura quase divina dos próprios super-heróis (MORRISON, 2012). Desta forma, podemos entender como as HQs podem ser mais que reles produtos culturais massificados, carregados com os preconceitos que a sociedade alimentou ao longo das décadas, para se tornarem parte indissociável do imaginário popular e, portanto, daquilo que almejamos enquanto sociedade e seres humanos. 45

4 A ANÁLISE DE CONSUMIDOR

Como forma de melhor compreender o público que será analisado, optamos por utilizar um conceito estrangeiro à Ciência da Informação mas que certamente nos servirá como base conceitual: o modelo de análise de consumidor de Phillip Kotler. Neste modelo, a fim de conhecer melhor o público-consumidor, analisa-se como esse público se compõe e como se comporta, sob o ponto de vista de quatro fatores que influenciam o sujeito-consumidor e afetam seus hábitos de consumo. Antes, porém, cabe esclarecer nossa escolha por esse referencial em específico. Embora ainda seja comum entre profissionais da informação pensar em marketing apenas como técnicas para melhorar vendas ou promoção de um estabelecimento, a verdade é que uma abordagem de caráter mercadológica é muito benéfica para bibliotecas e outras instituições que lidem com a informação (AMARAL, 1996), justificando seu estudo por parte dos acadêmicos da CI e sua inclusão neste trabalho. Fábio Bragança e seus colegas de trabalho resumem bem quais ações de marketing podem ser utilizadas para beneficiar a atuação do profissional da informação em seus ambientes informacionais:

[...] soluções, práticas criativas e inovadoras podem ser aplicadas em unidades de informação em várias dimensões: na busca de novas práticas profissionais, no aprimoramento das técnicas e processos, na melhoria da estrutura física e organizacional, no investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias da informação, nas estratégias de marketing voltada para produtos, serviços e relacionamento com seu público, influenciando no reposicionamento da imagem da instituição (BRAGANÇA et al, 2016).

Desta forma, acreditamos que a opção por utilizar este referencial, especialmente já que estaremos analisando um universo de sujeitos unidos por seu hábito de consumo, permitirá entender o que levou às respostas dos indivíduos e o que elas significam para o estudo das HQs e seu público. Posto isso, vejamos o que diz Kotler sobre os quatro fatores que afetam o comportamento dos consumidores, conforme proposto em seu modelo de análise de consumidor, de seu livro Marketing Profesional Services (KOTLER; BLOOM, 1984) e também explorado em seu Marketing Management (KOTLER; KELLER, 2006):

● O fator cultural é o fator mais amplo dentre os que afetam o consumidor, pois é aqui que surgem os valores e discursos que influenciam o indivíduo e sua forma de se socializar e ver o mundo. Este fator pode ser dividido em 3 46

esferas: a cultura propriamente dita, que vai expor o indivíduo a certos valores e ideologias que afetarão seu modo de pensar desde a infância, influenciando sua vida adulta; as numerosas subculturas que permitirão ao indivíduo se identificar mais com certo segmento da sociedade (como um grupo religioso, por exemplo), afetando profundamente seus valores morais; e a classe social, inevitável à estrutura social, que vai afetar desde como o indivíduo se veste e se comporta, até o tipo de opinião que ele vai ter em relação a pessoas de outras classes (como a sensação de desconfiança e ojeriza que indivíduos de classes ricas se sentem em relação àqueles de uma classe mais pobre. Todos esses elementos vão influir nas decisões que o indivíduo tomará em sua vida, incluindo o tipo de produto e informação que ele buscará acessar e consumir, inclusive fazendo-o sentir-se mais ou menos atraídos por obras e produtos que concordem ou discordem das ideologias que ele se identifica;

● O fator social refere-se aos grupos no qual o indivíduo se insere, do ponto de vista de suas relações interpessoais. Muitos consumidores, por exemplo, compram em estabelecimentos administrados por parentes ou adquirem produtos feitos por seus amigos, e também evitam adquirir produtos e frequentar estabelecimentos que lhes deixariam “mal-vistos” junto a seu grupo social predominante. Fatores sociais importantes são os grupos sociais, os grupos de referência, a família e o status social pertencente ao indivíduo. Esses fatores, em especial a família e o status social, podem afetar quais decisões o indivíduo tomará na vida, inclusive que tipo de informação e produto ele considerará relevante ou aceitável em relação à sua trajetória de vida e para onde ele almeja chegar. No contexto de nossa pesquisa, será interessante analisar se a aversão que muitas pessoas têm às HQs, como explicamos antes, interfere nos hábitos de consumo dos sujeitos de nosso estudo, fazendo com que eles evitem comprar HQs por medo de serem vistos com maus-olhos por pessoas cuja opinião consideram importante; ● O fator pessoal trata-se daquelas características intrínsecas ao indivíduo e que podem afetar seus hábitos de consumo, tais como idade, ocupação, personalidade e estilo de vida. Destas características, idade e personalidade são importantes para nós pois, como vimos, a chamada identidade nerd é comumente associada a indivíduos com certo conjunto de características, e será interessante para essa pesquisa avaliar se essa associação se reflete no 47

perfil dos sujeitos que de fato buscam consumir HQs. Além disso, Kotler e seus colegas afirmam que existem vários estilos de vida dentro de um único grupo social, já que cada indivíduo viverá à sua maneira. Desta forma, será proveitoso explorar se o consumo de HQs se espalha entre pessoas de diferentes modos de vida ou se é restrito a indivíduos que vivem e consomem de maneira mais ou menos parecida; ● Por fim, Kotler e seus co-autores falam sobre o fator psicológico. Segundo eles, as características emocionais e cognitivas que compõem o sujeito vão afetar suas decisões de consumo. Destacando elementos como motivação pessoal, padrões de aprendizado e modos de agir, os autores apontam a importância de reconhecer que, mesmo dentro de uma massa aparentemente homogênea de consumidores, essas características vão servir para distinguir os indivíduos. Dentro de nossa pesquisa, buscaremos analisar qual a relação afetiva que os sujeitos possuem com as HQs, qual é e como surge o sentimento que lhes leva a consumir esse tipo de fonte de informação e entretenimento. Tendo em vista esses fatores e a importância deles para uma análise de consumidor apropriada, acreditamos que os objetivos propostos por este trabalho serão mais facilmente alcançados. Analisar nossos sujeitos de pesquisa se tornará menos complexo, já que temos uma ideia de quais esferas afetam os hábitos de consumo de indivíduos ao redor do mundo, de acordo com grandes autores da literatura da área de marketing e que frequentemente são apropriados pela Ciência da Informação. Postos quais serão os pilares teóricos que fundamentam nossa pesquisa, seguimos para a descrição dos procedimentos metodológicos utilizados. 48

5 DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS, APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Trata-se de pesquisa básica de abordagem quali-quantitativa, de caráter descritivo e exploratório, dividido em duas etapas, que serão descritas a seguir. De acordo com Cresswell e Plano Clark (2011 apud PARANHOS et al, 2016, p. 391), os métodos quali-quantitativos, também chamados mistos, são aqueles que mesclam procedimentos de coleta e análise de dados que são particulares dos métodos qualitativo e quantitativo tradicionais. A opção pelo método misto se justifica pelas possibilidades metodológicas que surgem quando se permite a interação entre os procedimentos quali e quantitativos. Como mencionado, esta pesquisa se dividirá em duas etapas, conforme explicitado abaixo.

5.1 Coleta dos dados quantitativos: aplicação de questionário

A primeira etapa da pesquisa consiste em uma análise quantitativa, baseada na coleta de dados através da aplicação de questionários, seguida de análise dos dados obtidos. Moresi (2003) postula que a pesquisa quantitativa é aquela que, aplicada a um grupo significativo de sujeitos, gera dados estatísticos confiáveis e de fácil utilização. Serve para descobrir quantas pessoas dentro de um universo de pesquisa compartilham de uma ou mais características, inclusive hábitos comportamentais que permitam compor um perfil dessa população. O procedimento adotado nesta etapa consistiu em pesquisa com uso de questionários. Silveira e Gerhardt (2009) afirmam que o levantamento de dados traz as vantagens de se obter o conhecimento direto da realidade, economia e rapidez, e que a pesquisa com survey (ou seja, aquela que utiliza de instrumentos de resposta direta por parte dos sujeitos) é um procedimento útil tanto em pesquisas exploratórias quanto descritivas, por ser particularmente eficaz em obter dados ou informações sobre as características dos sujeitos respondentes, além de garantir o sigilo, já que os sujeitos que respondem não são obrigados a se identificarem. Consoante ao que postulam as autoras citadas, optamos por realizar a pesquisa através de questionário montado com a ferramenta Google Forms, que garante o anonimato dos respondentes e a 49

fácil apresentação dos dados obtidos, e o divulgamos em grupos de usuários da rede social Facebook, buscando obter um bom alcance para o instrumento. As perguntas do questionário incluíram questões de caráter perfilatório, que permitam fazer um levantamento das características demográficas dos respondentes, tais como raça, gênero, grau de escolaridade, dentre outras. Além disso, a questão 10, crucial para a etapa qualitativa deste trabalho, perguntou diretamente quais HQs de super-herói o respondente mais consome, o que nos permitiu elaborar nosso corpus textual sem maiores dificuldades. Por fim, a segunda metade do instrumento trouxe perguntas voltadas à percepção do respondente em relação aos discursos ideológicos existentes nas HQs de super-herói e seus efeitos no leitor. O modelo de questionário está presente ao final deste trabalho, como Apêndice A. Esta primeira etapa teve duas finalidades principais: primeiro, obter um perfil do consumidor médio de HQs dentro do universo de pesquisa que desenvolvemos, oferecendo informações valiosas e ainda pouco exploradas no cenário acadêmico brasileiro. Além disso, e mais fundamentalmente, a partir das respostas obtidas para a pergunta número 10 do instrumento, construímos o corpus textual de HQs cujo conteúdo foi analisado na segunda etapa da pesquisa. Visando obter resultados heterogêneos nas respostas, que refletissem a pluralidade dos leitores de HQ, selecionamos 4 grupos de Facebook onde divulgar o questionário: Quadrinhólatras, escolhido por seu grande volume de postagens e interações entre os usuários, além do perfil mais tradicional observado entre os membros mais ativos do grupo (homens, brancos, de meia idade); Imagine Geek, grupo administrado pela página homônima, famosa por trazer análises de cultura pop sob a ótica feminista; Quadrinhos Independentes, que, além de ser um grupo relativamente ativo, agregava usuários que não apenas se interessavam por obras além do nicho dos super-heróis, como também reunia muitos artistas independentes, que produziam suas próprias obras; e Colecionadores/leitores de HQ – Grupo LGBT, que se propunha a reunir leitores de HQ que integrassem a comunidade LGBTQ, trazendo um valioso insight deste segmento normalmente afastado do gênero de super-heróis. Nosso questionário, contendo 22 perguntas, foi divulgado nos grupos, pela primeira vez, no dia 06 de fevereiro de 2020, com uma segunda leva de postagens de divulgação no dia 13 do mesmo mês. Além dessas duas levas de postagens de 50

divulgação, o questionário permaneceu aberto ao longo do mês de fevereiro, e chegou a ser compartilhado por alguns membros dos grupos em outros locais na rede Facebook. Ainda assim, o questionário obteve um total de apenas 39 respostas; embora uma amostra considerável e suficiente para nossa análise, ainda assim um tanto pequena, se considerarmos que o instrumento foi divulgado em 4 grupos diferentes. A seguir, segue a apresentação e análise dos dados obtidos.

5.1.1 Reflexões a partir dos dados obtidos

Para análise dos dados levantados, fizemos uso do próprio Google Forms, com sua ferramenta de construção de gráficos a partir da tabulação das respostas, o que garante uma exibição clara dos dados obtidos. Como mencionado acima, o questionário continha 22 questões, não contando a “pergunta zero” que equivalia a nosso termo de consentimento, perguntando se o respondente aceitava participar da pesquisa. Para fins de praticidade e melhor apresentação dos dados, separamos as questões em blocos temáticos. As questões 1 a 4 formam nosso primeiro bloco, tendo um caráter perfilatório que buscava trazer informações sobre quem eram os sujeitos de nossa pesquisa. A questão de número 1 indagava acerca da idade dos participantes, dividindo- os em faixas etárias. Gráfico 1: Faixas etárias dos respondentes

Fonte: dados da pesquisa 51

Os resultados explicitam o gap que existe entre os leitores de HQs: a maior parte (56,4% dos respondentes, o que equivale a 22 respostas) consiste de pessoas acima dos 35 anos, contrariando o senso comum de que HQs estariam relegadas a um público mais infantil; em contraponto, nota-se uma ausência de sujeitos menores de 21 anos, que, com 4 respostas, totalizam menos de 12% dos respondentes. Isso demonstra que, apesar da popularidade das obras derivadas de HQ na cultura pop contemporânea, à qual certamente os respondentes foram expostos, não há um interesse por parte dos espectadores em explorar as HQs em si, o que justifica a baixa taxa de jovens respondentes. Também há uma quantidade significativa de respondentes acima de 21 anos, mas menores de 25, com 5 respostas; e de leitores que possuem entre 26 e 35 anos. Essas duas faixas etárias equivalem, respectivamente, a 12,8% e a 20,5% dos respondentes. A segunda questão buscava conhecer o gênero com o qual o respondente se identificava:

Gráfico 2: gêneros dos respondentes

Fonte: dados da pesquisa

Aqui observa-se, novamente, uma quebra no senso-comum, que apontaria as HQs como sendo um objeto de consumo masculino. Embora, como vimos anteriormente neste trabalho, as HQs de super-heróis tragam todo um sistema de objetificação das personagens mulheres e validação de comportamentos masculinos tóxicos, que poderiam afastar as leitoras mulheres, essa regra não é válida para as 52

histórias em quadrinhos no geral. E, com até mesmo as HQs de super-heróis buscando melhorar neste aspecto, justifica-se os 30% de respondentes do gênero feminino (11 respondentes identificaram-se apenas como “mulher”, enquanto uma identificou-se como “mulher trans”). Destaca-se também o único respondente que se identificou como não-binário, equivalendo a 2,6% das respostas recebidas, o que ressalta o apelo universal que as HQs têm, até mesmo para os grupos mais marginalizados. Ainda assim, a preponderância de sujeitos homens nas respostas (26 respondentes, totalizando uma maioria de 66,7%) não pode ser ignorada, e pode se justificar ao lembrarmos dos fatores culturais e psicológicos dos quais falava Kotler. Se, nas HQs de super-heróis, existe um aparato que aprova dos comportamentos estereotipados como masculinos e reduza as mulheres a papéis secundários, é natural que um grande número de homens seja atraído para esse gênero e se veja validado nas histórias que lê. Também se observa um fator social nesses resultados: com uma quantidade massiva de homens interagindo nos grupos onde o instrumento de pesquisa foi aplicado, pode-se imaginar que as mulheres membros do grupo sintam-se pressionadas a não interagir muito em um ambiente naturalizado como masculino, deixando de frequentar ou participar das discussões do grupo. A questão de número 3 buscava conhecer a etnia dos respondentes.

Gráfico 3: etnias dos respondentes

Fonte: dados da pesquisa

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É possível notar uma maioria clara entre as respostas, com 27 respondentes se identificando como brancos, o que equivale a quase 70% das respostas. 4 respondentes se identificaram como pretos, e o dobro, 8 respondentes, como pardos, em quantidades que equivalem, respectivamente, a aproximadamente 10% e 20% das respostas. Chama a atenção a falta de quaisquer respondentes que se identificassem como amarelos ou indígenas, demonstrando uma ausência desses segmentos nos grupos de discussão e, potencialmente, denunciando uma dificuldade das HQs de super-heróis de se aproximarem destes públicos. A respeito da proporção maciça de respondentes declarados brancos, cabem comparações com as questões 21 e 22, a serem feitas posteriormente. Por ora, é interessante abordar, mais uma vez, os fatores culturais, psicológicos e pessoais por trás dos dados. Não apenas a maior parte dos autores de HQs de super-heróis são brancos e do norte global, como também o são muitos dos personagens que estrelam as ditas HQs. Ao colocar apenas personagens brancos numa posição de destaque, reduzindo os personagens não-brancos a posições de coadjuvantes ou vilões, reforça-se a cultura racista do sujeito branco como único padrão aceitável, e se constrói um sistema onde o leitor não-branco não se enxerga como protagonista de qualquer narrativa. Isso acaba por desmotivar esse público a se aproximar do gênero e, talvez mais importante, os desmotiva a traçar suas próprias narrativas nesse segmento de histórias. Nossa quarta pergunta questionava acerca do grau de ensino dos respondentes, dado importante para entendermos qual a penetração das HQs junto aos indivíduos que não tiveram acesso ao ensino acadêmico completo.

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Gráfico 4: nível de ensino dos respondentes

Fonte: dados da pesquisa

Destaca-se aqui, apesar da distribuição de respostas em todas as alternativas7, a preponderância de sujeitos com ensino superior completo, que despontam com 19 respostas, metade exata do total. Respondentes com nível de ensino menor que ensino médio completo totalizam 7,8% das respostas, com 1 respondente em cada categoria. 5 respondentes indicaram possuir ensino médio completo, o que equivale a 13,2% das respostas; e 9 respondentes indicaram ter ensino superior incompleto, equivalente a 23,7% das respostas. Respondentes que indicaram ter formação acima do ensino superior totalizam 5,2% do total, com um respondente em cada categoria. Duas conclusões podem ser retiradas destes dados: a primeira é de que, ao comparar os resultados dessa questão com os da questão 7, fica claro que o alto preço das HQs faz com que seu acesso seja restrito àqueles indivíduos com maior poder aquisitivo e, portanto, com um grau de ensino mais elevado, que possibilite acesso a melhores oportunidades de trabalho, ao menos em teoria. A segunda conclusão pode ser tirada ao comparar os dados dessa questão com os da questão 1: a maioria dos respondentes já tem mais de 35 anos, estando em faixas etárias que, teoricamente, já concluíram os estudos. Percebe-se aqui a presença de um fator social bem claro: as circunstâncias sócio-econômicas que afetam o poder de acesso do sujeito às obras culturais que deseja consumir.

7 Note-se que, nesta pergunta, obteve-se apenas 38 respostas, sugerindo que um dos sujeitos da pesquisa optou por não responder ou passou despercebido pela questão. 55

A análise deste primeiro bloco de questões cimenta o que afirma Vergueiro (2005, p.13) ao dizer que “o público que se interessa pelas histórias em quadrinhos não representa um bloco monolítico como se costuma erroneamente imaginar”, e ressalta a pluralidade de olhares que se interessam por HQs e por sua discussão. Esses dados servem para afastar senso-comum de que as HQs seriam restritas ao público masculino e branco, reforçando a tendência global do número de mulheres envolvidas na criação e consumo de HQs aumentar a cada ano (BARNETT, 2015); bem como dissipam quaisquer ilusões de que as HQs estariam relegadas a um público infantil ou menos letrado, reiterando o valor artístico e intelectual que é intrínseco das HQs em enquanto obras literárias (SANTOS; VERGUEIRO, 2012). A seguir, as questões 5 a 9 buscam entender mais sobre os padrões de busca e consumo de HQs por parte dos respondentes. A questão de número 5 visava saber se os leitores consumiam HQs com certa frequência.

Gráfico 5: frequência ou não do consumo de HQs

Fonte: dados da pesquisa

Essa pergunta buscava compreender se os respondentes eram, de fato, consumidores frequentes de HQ, ou apenas leitores casuais do formato. 32 respondentes afirmaram consumir HQs com certa frequência, enquanto 7 respondentes afirmaram não o fazer, números que equivalem, respectivamente, a 82,1% e 17,9% das respostas. Apesar de pequeno, o número de respondentes que não afirmam ler HQs com frequência pode chamar atenção, mas pode ser justificado por fatores pessoais e sociais, como a idade dos respondentes e, como veremos na 56

questão 13, a pressão social que muitos leitores podem sentir ao ler HQs. Levando em conta que a maior parte dos respondentes já tem mais de 35 anos, e considerando o senso-comum que percebe HQs como sendo produtos para o público infantil, pode-se imaginar que muitos leitores, embora lessem HQs com mais frequência na juventude, já não o fazem no presente, visando evitar serem vistos como sujeitos infantilizados junto ao grupo social no qual se inserem. Também pode- se conjecturar que, dado o alcance das adaptações de quadrinhos contemporâneas para o cinema e a TV que alguns respondentes se aproximaram dos grupos de discussão através dessas obras adaptadas, mas não chegam a consumir as HQs em si. Naturalmente, um terceiro elemento que poderia afetar os respondentes é o elevado preço de grande parte das HQs publicadas no Brasil, reduzindo a frequência com que os sujeitos podem acessá-las. A questão 6 tratava de qual meio os respondentes utilizavam para acessar as HQs que liam.

Gráfico 6: meio mais utilizado para acessar HQs

Fonte: dados da pesquisa

Nesta questão, 29 respondentes indicaram acessar HQs através da compra das obras, em uma maioria que equivale a 74, 4% das respostas. Uma minoria de 8 respondentes (20,5% das respostas totais) afirmou acessar as obras através de empréstimos, tanto através de amigos como através de Bibliotecas, enquanto 12 respondentes (30,8% das respostas totais) indicaram acessar as HQs através de serviços de acesso online, que não envolvam compra. Aqui nota-se um fator cultural bem destacado: a falta de utilização de bibliotecas e unidades de informação, além 57

da não hesitação em utilizar serviços online para acessar as HQs, muitos dos quais se enquadrariam em violações de direitos autorais e pirataria. O baixo número de respondentes na segunda alternativa também denuncia um fator pessoal por parte do público que consome HQs: o receio de emprestar os itens de sua coleção a outrem, que pode vir a não devolvê-lo ou danificá-lo. Por fim, que a maior parte dos respondentes compre suas HQs demonstra como a maioria destes sujeitos possua condições financeiras de adquiri-los, visto que essas obras não costumam ser baratas. A questão 7 retoma as questões 5 e 6, inquirindo o respondente acerca do motivo pelo qual ele não compra HQs. Gráfico 7: motivos pelo qual os respondentes não compram HQs

Fonte: dados da pesquisa O dado mais chamativo aqui é que 22 sujeitos, ou seja, 56% dos respondentes, apontam o elevado preço das HQs como sendo o motivo que os desmotiva a comprar HQs. Em seguida, 13 respondentes (33,3% do total) apontam que a disponibilidade lhes desmotiva. A ambiguidade nessa alternativa é intencional: refere-se tanto à disponibilidade do sujeito de buscar HQs para consumir, quanto à disponibilidade das HQs em si (sabe-se que a maioria das editoras de HQs no Brasil sofre com problemas de distribuição e atrasos nas publicações). Percebe-se aqui um fator pessoal, que se refere ao interesse do sujeito em buscar as HQs, e envolve a motivação do sujeito em ativamente buscar aqueles produtos que lhe interessam (KOTLER; BLOOM, 2006). O mesmo pode ser dito dos 6 respondentes (15,4% do total) que indicaram não ter interesse nas histórias contemporâneas, demonstrando 58

uma percepção de que as histórias atuais são menos interessantes que as antigas, como veremos na questão 14. Por fim, 7 respondentes (17,9% do total), indicaram fazer uso de serviços online para acessar suas HQs, no lugar de comprá-las, indicando, mais uma vez, um fator cultural que não aparenta ver grandes problemas acerca do consumo ilegal de obras em quadrinhos. A questão 8, de múltiplas respostas, também retoma as questões 5 e 6, e serve como contraponto à questão 7, inquirindo acerca do local onde os respondentes compram suas HQs. Gráfico 8: locais onde os respondentes compram suas HQs

Fonte: dados da pesquisa

Aqui há quase uma igualdade entre os 20 respondentes que adquirem seus quadrinhos em bancas de revista (51.3% do total) e os 19 respondentes (48,7% do total) que o fazem através de serviços online, que aqui incluem lojas e comércio virtual. Também são próximos os números de respondentes que compram suas HQs em lojas especializadas (12 respondentes, ou 30,8% do total) e dos que compram em livrarias (15 respondentes 38,5% do total). Por fim, 6 respondentes (15,4% do total) reiteraram que não costumam comprar HQs. A quantidade maciça de respondentes que ainda adquirem suas HQs em bancas sugere um fator psicológico por trás dessa decisão, possivelmente implicando numa sensação de resgate de sensações da infância, quando os respondentes adquiriam seus gibis nas bancas. Também há de se comparar os dados dessa questão com os da questão 1: levando em conta que as bancas de jornal são um modelo de negócios mais antigo, é possível que haja uma relação com o número de respondentes que já possuem mais 59

de 35 anos; em contrapartida, o grande número de respondentes que indiciaram usar serviços online pode indicar que mesmo os sujeitos mais velhos possuem alguma familiaridade com os meios online. A pergunta 9, última deste bloco de questões e servindo de prelúdio ao próximo, questionava se o gênero de super-heróis era o gênero de HQs mais consumido pelo respondente. Gráfico 9: quanto ao consumo de HQs de super-heróis

Fonte: dados da pesquisa

A maioria esmagadora das respostas foi positiva: 31 respondentes (79,5% do total de respostas) afirmou que o gênero que mais consome é o de super-heróis, enquanto 8 respondentes (20,5% do total de respostas) afirmou que o gênero de super-heróis não é o que eles mais consomem. O fator cultural claro aqui é a influência da Indústria Cultural no indivíduo, que o direciona a consumir aquelas obras que reproduzem os discursos que beneficiam as classes dominantes (COELHO NETTO, 1993), tendo efeito inclusive em produtos com um nicho extremamente específico de consumo, como as HQs. Após analisar este bloco de questões, podemos tirar algumas conclusões. Primeiramente, o alto número de respondentes que aponta ter dificuldades em consumir HQs devido a seu preço elevado e o baixo número de respondentes que fazem uso de bibliotecas para acessar HQs denota a importância de estudos sobre histórias em quadrinhos dentro da Biblioteconomia, urgindo pela aproximação entre bibliotecários e cientistas da informação para com o mundo dos quadrinhos e seus consumidores (VERGUEIRO, 2005). Em segundo lugar, o pouco interesse por 60

histórias contemporâneas (dado que se repetirá na questão 14), como motivo para deixar de comprar HQs, denota que há um grande apreço pelas histórias do passado, o que poderia indicar não apenas uma aproximação com as HQs ocorrida durante a infância ou juventude do respondente (levando em conta que a maior parte de nossos sujeitos têm mais de 35 anos), mas também uma necessidade de resgate das sensações tidas durante essa primeira aproximação, como explicam Morigi, Loureiro e Massoni (2016, p. 3) ao afirmar que: “para muitos leitores, as HQs propiciam a iniciação da leitura e uma mistura de sentimentos inexplicáveis na infância, período marcado pela busca de novidades.” Nessa tentativa de resgatar essas sensações positivas da infância, é possível que muitos leitores deixem de se interessar por consumir que está sendo publicado agora, optando por ater-se às obras mais antigas. A questão de número 10 será apresentada em especial por último, pois é de natureza aberta e contém os dados que nos ajudaram a montar nosso corpus textual para a análise documental. As questões 11 a 13 formam um bloco que aborda a percepção dos respondentes acerca das HQs enquanto obras literárias e fontes de informação. A pergunta 11 questionava o respondente quanto à opinião deles sobre a simplicidade das HQs frente à literatura tradicional.

Gráfico 10: opinião dos respondentes quanto à simplicidade do formato HQ

Fonte: dados da pesquisa 61

Para essa questão, 14 respondentes (35,9% do total) afirmam crer que as HQs são um formato mais simples que a literatura tradicional, em contraponto aos 6 respondentes (15,4% do total) que afirmaram que não considerar o formato mais simples do que o liro tradicional. Chama atenção o número de respondentes que optaram pela terceira opção: 19 respondentes, quase a mesma quantidade das outras duas respostas combinadas, equivalendo a 48,7% das respostas totais. Presumir que as HQs sejam um formato menos complexo incute de um fator cultural já abordado nesse trabalho: os maus olhos com os quais pesquisadores e a sociedade em geral sempre viram a mídia de quadrinhos, impressão que persiste mesmo entre os aficionados por HQs e por sua discussão. A pergunta de número 12 questionava o respondente se as HQs poderiam ser consideradas fontes de informação e conhecimento.

Gráfico 11: opinião dos respondentes quanto ao valor das HQs como fonte de informação

Fonte: dados da pesquisa

Nessa questão, a imensa maioria dos respondentes afirmou que as HQs podem sim serem consideradas fontes de informação e conhecimento, com 38 respostas positivas (97,4% do total), enquanto um único respondente afirmou o contrário (equivalendo a 2,6% das respostas). Finalizando este bloco, a questão 13 indaga o respondente sobre ele já ter sofrido algum tipo de preconceito por ler HQs. 62

Gráfico 12: sobre os respondentes já terem se sentido constrangidos por consumir HQs

Fonte: dados da pesquisa Aqui, apesar de dois terços dos respondentes que afirmaram nunca terem sentido constrangimento por consumir HQs (26 respondentes, 66,7% do total), chama a atenção número não-desprezível de participantes que afirmaram já terem sido vítimas deste tipo de preconceito, 13 respondentes (33,3% do total, ou um terço). A existência deste grupo implica na existência de fatores sociais e culturais que ostracizam o indivíduo que consome HQs, como a já mencionada cultura de desvalorização das HQs por parte da intelectualidade, além daqueles familiares e amigos que, vendo as HQs como algum tipo de ameaça à moral e os bons- costumes, desmotivam seus entes próximos a seguir com a leitura de obras no formato. A análise deste bloco de questões confirma o que afirmou Vergueiro (2017, p. 13) ao dizer que as HQs tiveram sua aceitação e valorização dificultadas pela intelectualidade devido a “sua característica de utilização da imagem desenhada e por serem uma linguagem direcionada às massas”, demonstrando que, mesmo entre os mais interessados no formato, essa visão das HQs como algo menor pode perdurar. Ainda assim, que os respondentes afirmem que, dependendo da HQ, esta possa ter o mesmo valor intelectual que a literatura tradicional, demonstra que há uma percepção acerca dos recursos linguísticos, estéticos e meta-narrativos que as HQs podem oferecer para seus leitores (SANTOS; VERGUEIRO, 2012). A questão 12 reforça as conclusões obtidas por Oliveira Neto (2014) em sua pesquisa, demonstrando que há uma crescente percepção entre os consumidores de HQs de 63

que as mesmas agregam valor intelectual a seus leitores, podendo serem consideradas verdadeiras fontes de informação, capazes de produzir tanto conhecimento quanto entretenimento para quem as consome. Por fim, sobre a complexidade ou não das HQs, cabe lembrar que muitos educadores e responsáveis os tratavam (e ainda tratam) como obras de baixo valor intelectual e que pode até prejudicar o desenvolvimento cognitivo do leitor (VERGUEIRO, 2005), fato que causa certo estigma sobre quem as consome, taxando-os como sujeitos de menor cultura e letramento. Mesmo assim, nossos dados podem ser considerados positivos, mostrando que grande parte dos respondentes nunca sofreu com esse tipo de constrangimento, o que pode indicar um avanço na percepção da população geral para com o formato HQ. A seguir, as questões 14-18 formam um bloco que busca entender qual a percepção dos respondentes quanto à atual situação do gênero de super-heróis e a guinada progressista que vem sido observada nessas histórias. A pergunta de número 14 buscava saber se o respondente acreditava que as HQs de super-heróis de décadas passadas eram melhores que as atuais.

Gráfico 13: opinião do respondente sobre a qualidade das HQs contemporâneas frente às de décadas passadas

Fonte: dados da pesquisa A maioria dos respondentes (23 sujeitos, equivalendo a 59% das respostas) afirmou que as histórias mais antigas são superiores às atuais, enquanto 16 respondentes (41% do total de respostas) discordam. Inicialmente, poderíamos 64

apontar um fator pessoal que influencia a escolha dos respondentes aqui: o já mencionado desejo de resgatar sensações da infância, quando houve o primeiro contato com as HQs e que dificilmente se repete quando o sujeito é adulto (MORIGI, LOUREIRO, MASSONI, 2016) A pergunta de número 15 questionava os sujeitos quanto a percepção deles acerca da existência de discursos políticos nas HQs de super-heróis que liam.

Gráfico 14: percepção do respondente acerca da existência de discursos políticos em HQs de super- heróis

Fonte: dados da pesquisa

A imensa maioria dos respondentes (36 pessoas, equivalente a 92,3% do total de respostas), apontou que percebe discursos políticos em suas obras, enquanto apenas 3 respondentes (7.7% do total) afirmaram não perceber esses discursos. Isso demonstra uma consciência, por parte dos respondentes, de que não há como existir HQs “neutras” ou sem um discurso político; ainda que esse discurso por vezes seja “digerido, reconstruído e entregue de volta aos leitores filtrado não apenas por recursos narrativos mas também por ideologias” (LUND, 2016, p. 3, tradução nossa), seria irreal presumir que as HQs e seus criadores existam em um vácuo, alheios às contradições e pluralidades de pensamento do mundo real. A questão 16 buscava entender se os participantes da pesquisa eram favoráveis ou contrários à existência de discursos políticos em suas HQs de super-heróis. 65

Gráfico 15: se os respondentes concordam ou não com a presença de debates e discursos políticos nas HQs de super-heróis.

Fonte: dados da pesquisa

32 dos respondentes (82,1% do total de participantes) responderam acreditar que há espaço nas HQs de super-heróis para apresentar discursos e debates políticos em suas narrativas. Uma minoria de 7 respondentes (17,9% do total) se mostrou contrária a existência desses discursos em suas HQs. Essa preferência pode vir de um fator pessoal por parte do leitor, que é a necessidade de se “alienar”, ou seja, buscar um refúgio dos problemas da vida real na ficção. Todavia, como nos lembram Adorno (2009) e Huang (2013), a suposta ausência de discurso nada mais é do que um mecanismo de manutenção dos discursos dominantes; esperar isolar- se de questões sociais em uma obra de ficção equivale apenas a aceitar o posicionamento dessa obra acerca das ditas questões, já que, como mencionado antes, dificilmente uma obra será totalmente “neutra” ou apartidária. Além disso, Vergueiro (2017) afirma que foram as obras mais carregadas de conteúdo, incluindo obras independentes, críticas e “subversivas” que permitiram a legitimação do estudo das HQs dentro dos círculos intelectuais, demonstrando a importância de obras que descartam qualquer presunção de neutralidade e conivência para abordar de frente assuntos relevantes no mundo real. A questão número 17 aprofundava o questionamento trazido pela pergunta número 15, buscando saber se os respondentes percebiam uma tendência ao “politicamente correto” nas HQs de super-heróis. 66

Gráfico 16: percepção do respondente quanto às HQs de super-heróis estarem se tornando politicamente corretas

Fonte: dados da pesquisa Observa-se que 29 respondentes (74,4% do total de respostas) afirmam que as HQs de super-heróis estão tentando trazer mais diversidade para suas histórias, enquanto 10 respondentes (25,6% do total) afirmam não perceber essa tendência. A quantidade relativamente alta de respondentes que responderam negativamente pode estar relacionada ao número de respondentes que indicaram, na questão 7, não terem interesse nas histórias publicadas atualmente: se os leitores se mantém afastados de histórias mais contemporâneas, é natural que não observem qualquer trend que vigore nelas. A insistência da questão nesses termos específicos (“diversidade” e “politicamente correto”) se deriva da ojeriza que certos segmentos de leitores vêm tendo frente a iniciativas de diversificação de personagens e criadores nas grandes editoras de HQs de super-heróis, como Marvel e DC. Movimentos como o autointitulado “Comicsgate” são notórios por sua resistência agressiva contra decisões editoriais que tragam “diversidade forçada” para as histórias, e são uma fracionária, porém insistente, parcela do público que lê e discute super-heróis no cenário estadunidense (BERLATSKY, 2018) A questão número 18 dá sequência às indagações da número 17, perguntando diretamente se os sujeitos da pesquisa são favoráveis ou contrários às HQs tentarem ser mais diversas ou politicamente corretas.

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Gráfico 17: se os respondentes concordam ou não com tentativas de trazer diversidade nas HQs de super-heróis.

Fonte: dados da pesquisa

Em números bastante próximos do que foi apresentado na questão anterior, 30 respondentes (76,9% do total) afirmaram concordar com a tendência das HQs serem mais diversas e politicamente corretas, enquanto 9 respondentes (23,1% do total) afirmaram serem contrários. O número baixo de leitores que se mostraram contrários demonstra que movimentos como o supracitado Comicsgate talvez não tenham uma presença tão significativa fora da bolha das redes sociais, onde surgiu, mas ainda denuncia um fator social importante: a dificuldade dos leitores de aceitar que o protagonismo das histórias se desvie do eixo considerado tradicional no gênero. Ainda assim, a alta proporção de sujeitos que se mostram favoráveis às iniciativas de diversificação demonstra uma percepção entre os leitores de que há espaço nas HQs de super-heróis para todo tipo de vozes e representações; e que a existência dessas representações não censura ou ameaça de qualquer maneira os leitores e criadores que ainda tenham visões mais conservadoras, que tampouco deveriam buscar censurar aqueles de ideias mais progressistas (BERLATSKY, 2018). Em conclusão, a análise deste bloco de questões nos permite constatar tanto um senso apurado de percepção dos leitores frente aos discursos existentes no gênero de super-heróis quanto uma abertura e aceitação das histórias que busquem problematizar discursos antigos e promover a inclusão social. Embora muitas vezes o que exista seja apenas uma tentativa de polir os aspectos mais problemáticos das HQs antigas (LUND, 2019), leitores estão cada vez mais dispostos a aceitar criadores e personagens que venham de segmentos marginalizados da sociedade, e 68

que buscam criar sua própria voz e imagem dentro do gênero de super-heróis (BERLATSKY, 2018), como demonstram os resultados das questões 17 e 18. Além disso, para além de qualquer tentame de reduzir as HQs a um produto cultural alienado e sem capacidade de debater os discursos políticos que afetam o mundo real, os dados obtidos nas questões 15 e 16 mostram a disposição dos consumidores de HQs em lerem histórias que abordem o mundo a seu redor. De fato, como nos lembra Wendy Huang (2013), algumas das maiores histórias do gênero conseguiram se sobressair não por fingirem neutralidade frente aos debates do mundo real, mas sim por se imergirem nas ideologias que o permeiam e operarem dentro destas; nesse sentido, os resultados desse bloco de questões apontam uma aceitação, e quiçá anseio, dos leitores por histórias que ofereçam não apenas entretenimento, mas também discussão e pensar sobre os dilemas do mundo real. Nosso último bloco de questões, que engloba as perguntas de número 19 a 22, questionavam os respondentes acerca de sua percepção sobre identidade, gênero e etnia nas HQs, tanto tratando do conteúdo das mesmas quanto do seu público leitor. A questão 19 buscava saber se os respondentes sentiam-se representados, enquanto leitores, pelas HQs de super-heróis que liam.

Gráfico 18: quanto aos respondentes sentirem-se identificados ou representados nas HQs de super- heróis

Fonte: dados da pesquisa

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26 respondentes (66,7%, ou dois terços do total) afirmaram se sentirem representados nas HQs de super-heróis que leem, enquanto 13 respondentes (33,3%, um terço do total) responderam que não se sentem representados. Essa proporção pode ser explicada ao cruzarmos os dados dessa questão com os das questões 1 e 2: a maioria de nossos respondentes são homens e brancos e, como vimos, sujeitos homens e brancos sempre foram colocados em posição de destaque dentro do gênero de super-heróis. Tratados não apenas como público-alvo pelas primeiras obras do gênero (BONGCO, 2000 apud HUANG, 2013), mas como verdadeiros objetos de destaque, tendo tanto sua masculinidade quanto sua branquitude exaltadas, é natural que se sintam identificados nas histórias que consomem. Ainda assim, que haja uma quantidade grande de respondentes que se identifiquem também pode indicar o êxito de iniciativas editoriais que tentam introduzir personagens mais diversos e que reflitam a pluralidade de leitores do gênero, apesar dos segmentos contrários a tais medidas (BERLATSKY, 2018). A questão 20 perguntava quantas mulheres leitoras de HQs de super-heróis os respondentes conheciam.

Gráfico 19: quantidade de mulheres leitoras de HQs conhecidas pelos respondentes

Fonte: dados da pesquisa

7 respondentes afirmaram não conhecer nenhuma mulher que leia HQs de super-heróis, enquanto 6 respondentes afirmaram conhecer apenas uma, em números que equivalem a 17,9% e 15,4% do total de respostas, respectivamente. 14 sujeitos, maior proporção de respondentes para uma única alternativa, afirmou 70

conhecer de 2 a 4 mulheres leitoras, no que vale 35,9% do total de respostas. Por fim, 12 respondentes (30,8% do total) afirmaram conhecer 5 ou mais mulheres que consomem HQs de super-heróis. A pergunta foi elaborada especificando HQs de super-heróis pois é sabido que, para outros gêneros de quadrinhos, não apenas o número de leitoras como também o de criadoras já é bastante significativo (OSÓRIO, 2019). Desta forma, chama atenção o número expressivo de leitores que afirmaram conhecer duas ou mais mulheres leitoras de HQs de super-heróis. Não apenas podemos observar um fator cultural e social, com o avanço de movimentos sociais que visam a igualdade de gênero e o maior acesso das mulheres a posições e recursos normalmente destinados a homens, como também se observa um desejo de as mulheres tomarem as rédeas de como são representadas na cultura pop, fazendo valer sua voz como criadoras e consumidoras de uma mídia tão marcada pela dominação masculina (BECKO, 2018). A questão 21 era similar a questão 20, mas indagava, em vez de quantas mulheres, acerca de quantas pessoas não-brancas consumidoras de HQs de super- heróis eram conhecidas pelo respondente.

Gráfico 20: quantidade de pessoas não-brancas leitoras de HQs conhecidas pelos respondentes

Fonte: dados da pesquisa 8 respondentes (20,5% do total de respostas) afirmaram não conhecer nenhuma pessoa não branca que consuma HQs de super-heróis, enquanto 4 respondentes (10,3% do total, menor proporção dentre as alternativas) afirmaram conhecer apenas uma pessoa não-branca que consumisse. 15 respondentes (38,5% do total) afirmaram conhecer de 2 a 4 pessoas, enquanto 12 respondentes afirmaram ter 71

ciência de 5 ou até mais pessoas não-brancas que consomem HQs de super-heróis. A grande proporção de respondentes que afirmam conhecer mais de duas pessoas que consumam HQs de super-heróis pode ser justificado pela característica pluriétnica do Brasil, apesar da maior parte de nossos respondentes identificaram-se como brancos, como vimos nos resultados da questão 2. Também chama atenção esse dado devido ao número elevado de quadrinhos de super-heróis que apresentam personagens brancos como protagonistas e personagens de outras etnias como coadjuvantes ou ajudantes, ainda nas histórias mais contemporâneas. De fato, nota-se nas HQs de super-heróis não apenas um protagonismo branco, mas também uma apropriação, por parte de criadores e personagens brancos, de questões que afetam, na vida real, sujeitos não brancos (LUND, 2019), fato que poderia contribuir para um afastamento de leitores que se sintam ofendidos com tais ocorrências. Todavia, em contraste a essa noção, nosso estudo mostra um grande interesse, por parte desse público nas ditas histórias, fato que pode se justificar não apenas no número crescente de autores não-brancos trabalhando no gênero, mas também na importância que vêm sendo dada tanto à existência de personagens não-brancos quanto a seu status como símbolos e modelos para o público leitor, em especial jovens, que não deseja ter como exemplos apenas personagens brancos (ARNOLDO CRUZ, 2018). Nossa última questão abordava os respondentes quanto à atenção que eles davam à equipe criativa responsável pelas HQs de super-heróis que consumiam.

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Gráfico 21: atenção dada pelos respondentes à composição da equipe criativa das HQs que consomem

Fonte: dados da pesquisa

A imensa maioria dos respondentes (28 sujeitos, ou 71,8% do total de respostas) afirmou prestar atenção neste aspecto, enquanto 9 respondentes (23,1% do total) afirmaram prestar atenção em alguns casos. 2 respondentes (5,1% do total) afirmaram não prestar atenção em absoluto nesse quesito. A alta quantidade de respondentes que afirmam prestar atenção nesse ponto conota um fator pessoal claro: no momento de decidir entre consumir ou não tal obra, o leitor primeiro averigua quais os responsáveis por aquela obra, e é razoável deduzir que faz sua decisão com base em se se interessa ou não pelo trabalho daquele criador. Que a maioria dos respondentes se atente à equipe criativa também é interessante ao lembrarmos que uma das características da Indústria Cultural, especialmente se tratando das HQs, seja uma supressão da criatividade e da liberdade autoral, com as equipes criativas tendo de trabalhar sob a supervisão de um mandato editorial que parte das partes mais altas da hierarquia da editora (CARVALHO, 1994). Nosso estudo mostra que, para além desse controle da produção, os consumidores de HQs se preocupam em consumir obras de qualidade, e não tratam as HQs como uma massa homogeneizada de produtos e histórias sem a marca pessoal de um autor ou artista.

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5.2 Coleta dos dados qualitativos: análise documental

A segunda etapa deste estudo consiste de uma análise qualitativa de conteúdo, baseada no procedimento da análise documental. O conceito de pesquisa qualitativa pode ser definido como aquela pesquisa que não depende tanto de análises estatísticas para suas coletas de dados ou inferências, mas sim se baseia na interpretação da realidade estudada e na imersão por parte do pesquisador em seu contexto de estudo, especialmente em casos onde elementos sociais e culturais são importantes para o bom funcionamento da pesquisa (MORESI, 2003). Acreditamos que a abordagem qualitativa seja ideal para esta etapa do trabalho, visto que o procedimento adotado para esta etapa será a pesquisa documental. Izequias dos Santos (2011) define a pesquisa documental como aquela feita sobre documentos (na natureza mais ampla do termo) que ainda não tenham sido analisados e cotejados, o que a diferencia da pesquisa bibliográfica clássica, que estuda obras ou teorias de conteúdo já estudado. A esse conjunto de documentos que serão analisados, dá-se o nome de corpus textual. Ainda segundo o autor, a pesquisa documental tem a vantagem de possuir um baixo custo e um alto nível de contato do pesquisador para com os documentos que ele estuda, além da confiança intrínseca nas fontes selecionadas. Como desvantagens, Santos cita as potenciais faltas de objetividade e representatividade dos documentos, além de um possível alto nível de subjetividade. Arilda Schmidt Godoy diz o seguinte sobre o valor da pesquisa documental enquanto possibilidade de inovação:

[...] Considerando, no entanto, que a abordagem qualitativa, enquanto exercício de pesquisa, não se apresenta como uma proposta rigidamente estruturada, ela permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques. Nesse sentido, acreditamos que a pesquisa documental representa uma forma que pode se revestir de um caráter inovador, trazendo contribuições importantes no estudo de alguns temas [...]. (GODOY, 1995)

Além disso, a autora também afirma que os documentos, devido a sua característica não-reativa, são recomendáveis quando se deseja estudar ou identificar tendências ou características que marcaram um objeto ou fenômeno de pesquisa (GODOY, 1995), característica muito útil para nossa pesquisa. Nesse sentido, acreditamos que a análise documental nos permitirá não apenas conduzir uma análise significativa acerca das obras analisadas, mas também 74

garantirá a possibilidade de incluir pontos de vista e insights que não poderiam configurar em outra espécie de pesquisa.

5.2.1 Elaboração do corpus textual Nesta etapa, inicialmente, observamos as respostas obtidas da questão número 10 de nosso questionário.

Gráfico 22: respostas obtidas para a questão número 10 dos questionários, referente às HQs que os respondentes haviam consumido recentemente

Fonte: dados da pesquisa Dentre as respostas obtidas, muitos respondentes indicaram ler revistas que não encaixam exatamente no gênero de super-heróis; por essa razão, daremos foco às respostas que obtivemos na figura acima. Em particular, a primeira e a última respostas, por conterem um bom número de HQs indicadas, nos serviram como fonte para selecionarmos as HQs para constituir o corpus textual de nossa pesquisa. Além da quantidade, ambos respondentes indicaram revistas publicadas pelas duas maiores editoras do gênero, Marvel e DC, o que se encaixa perfeitamente bem com 75

nossa pesquisa, já que nos permitiu abordar revistas de grande circulação e impacto midiático. Também chama a atenção os três respondentes que, na imagem, indicaram ler revistas do Homem-Aranha, além dos dois que indicaram acompanhar revistas do Batman, padrão que repete quando analisamos as 33 respostas obtidas no todo. Desta forma, definimos um corpus textual de 10 títulos: 1. A revista mensal da personagem Arlequina, lançada pela DC Comics em 2014; 2. A revista mensal Injustice, lançada pela DC Comics em 2013; 3. O volume mais recente da revista mensal do personagem Batman, lançado pela DC Comics em 2016; 4. A minissérie O Batman que ri, lançada pela DC Comics em 2019; 5. A revista mensal Fabulosos Inumanos, publicado pela Marvel Comics em 2013; 6. A revista mensal da personagem Feiticeira Escarlate, lançada pela Marvel Comics em 2015; 7. A minissérie House of X, publicada pela Marvel Comics em 2019. 8. O volume da revista X-Men que antecede a minissérie House of X, visto que o volume mais recente de X-Men é de autoria dos mesmos criadores de HoX, e muitos traços de nossa observação seriam redundantes. O volume anterior, Fabulosos X-Men, foi lançado pela Marvel Comics em 2018, e será o objeto de nossa análise; 9. O volume mais recente da revista mensal do personagem Homem-Aranha, lançado pela Marvel Comics em 2018; 10. A maxissérie Vingadores Sombrios, lançada pela Marvel Comics em 2008.

Para fins de praticidade, a análise será feita utilizando o primeiro fascículo das edições compiladas de cada título, que reúnem determinado número de edições avulsas em uma revista só. Embora, idealmente, fosse desejável analisar todas as edições de cada título, isso se torna inviável em revistas como Batman, por exemplo, que possui quase uma centena de números em seu volume atual. Desta forma, ao abordar o início de cada volume, teremos uma ideia dos termos abordados naquela revista, e teremos tempo-hábil para nos dedicarmos à análise de toas as obras selecionadas. 76

5.2.2 Procedimento para análise das obras selecionadas

Selecionados os elementos que integrarão nosso corpus, procederemos realizando uma análise de conteúdo nessas obras. De acordo com Bardin (2011) a análise de conteúdo é um método de análise de dados e materiais que se propõe a analisar o significado dos conteúdos contidos em meios de comunicação, para além da mensagem que eles expressam de maneira imediata. Segundo o mesmo autor, a análise de conteúdo, apesar de algumas diferenças, se encaixa muito bem com o método de análise documental. Isso se dá devido ao esforço teórico que é feito em ambas, de separar as obras que são interessantes para análise e de buscar conclusões próprias a esta pesquisa em particular, com uma liberdade teórica que permite alcançar novos insights e resultados. Ainda segundo Bardin (2011), a análise de conteúdo está dividida em alguma etapas: a pré-análise, na qual se escolhem os documentos e se elaboram os indicadores que fundamentarão a interpretação do conteúdo de acordo com a natureza da análise que se quer fazer8; a exploração do material, onde se aplica de fato a análise desejada, de acordo com os indicadores estipulados na primeira etapa; e, por fim, a interpretação dos dados, ou seja, a conclusão geral que se tirou da análise do corpus textual como um todo, apontando qual o volume de elementos que pertencem a esta ou aquela categoria, conforme definido pelo pesquisador durante a elaboração dos indicadores. Para a exploração dos materiais selecionados, elaboramos duas categorias: obras conservadoras e obras progressistas. A elaboração destas categorias se fez pensando nos seis discursos políticos conservadores que existem nas HQs de super-heróis desde seus primórdios, conforme discorrido no referencial teórico deste trabalho. Desta forma, a primeira categoria refere-se àquelas obras que ainda reproduzem de maneira favorável 50% ou mais destes discursos, preservando uma homogeneidade discursiva e ideológica conservadora. Já a segunda categoria será composta por aquelas obras que apresentam de forma negativa ou subvertem 50% ou mais desses discursos, demonstrando os avanços alcançados pelo gênero de super-heróis para tornar suas histórias mais inclusivas e plurais.

8 O autor ainda afirma que é nesta etapa que formulam as hipóteses acerca do conteúdo, mas que as mesmas não são elemento obrigatório da análise de conteúdo, razão pela qual não faremos uso delas. 77

Resgatando o que foi explorado em nosso referencial, os seis discursos abordados foram: ● Discurso de hegemonia capitalista, que naturaliza as relações sociais impostas à ordem sócia capitalista e suprime tentativas de debate acerca da mesma;

● Discurso de protagonismo estadunidense, no qual há uma representação dos EUA como superior a outros países e nações, inclusive justificando intervenções em territórios estrangeiros; ● Discurso reacionário, que coloca a violência como sendo a única solução para as mazelas sociais e a deposita nas mãos de indivíduos particulares que teriam uma missão de “limpar” a sociedade;

● Discurso masculinista, que reforça papéis de gênero e exalta uma posição de superioridade do homem sobre a mulher, afetando a maneira como cada gênero é representado nas histórias; ● Discurso cis-heteronormativo, que demoniza ou ignora manifestações de sexualidade e identidade de gênero fora do eixo do determinismo biológico cisgênero/heterossexual;

● Discurso de representação racial estereotipada: aquele que centraliza seu protagonismo no sujeito branco, retratando populações e indivíduos não-brancos de acordo com estereótipos e clichês raciais ofensivos, frutos do processo de colonização e imperialismo ocorridos ao longo da História.

O formulário utilizado para nossa análise é inspirado nos modelos propostos por Ana Helena Alencastro (2018), elaborados pela autora em seu trabalho de conclusão de curso no qual ela buscou avaliar como as epistemes eurocêntricas permeiam a literatura acadêmica do curso de Biblioteconomia da UFRGS. Seguindo esse modelo, nosso formulário se divide em 3 partes: a primeira reúne os dados de identificação da obra, incluindo título da obra, editora, volume, número da edição e data de lançamento nos EUA. A segunda seção identificará os responsáveis pela obra, limitando-se a autor, ilustrador e editor responsável, visando identificar a presença de mulheres nas equipes criativas das revistas. Isso servirá para nos ajudar a observar se mesmo aquelas obras consideradas progressistas não dependem de criadores que ainda se encontram inseridos no padrão homem- 78

branco-anglófono, comum à maioria das equipes criativas de HQs desde o início do gênero de super-heróis. A terceira e mais extensa seção incluirá os indicadores aqui definidos, com espaço para indicar se a obra reproduz ou não o discurso em questão, incluindo um espaço onde será exemplificado como aquele discurso aparece na história, caso seja reproduzido de maneira favorável ou para fins de subversão. Ao final dos indicadores, cada obra foi designada a uma das duas categorias definidas anteriormente. O modelo destes formulários encontra-se ao final deste trabalho, como Apêndice B.

5.2.3 Análise e apresentação das obras selecionadas A primeira obra analisada9 é o encadernado “Arlequina: uma estranha no ninho”: Formulário 1: “Arlequina: uma estranha no ninho”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: Arlequina: uma estranha no ninho Volume: volume 2, compilado 1 Ano de publicação: publicação original em 2014, publicação no Brasil em 2015 Número da edição: Edições 0 a 8 Editora/Selo editorial: DC Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Amanda Conner, Jimmy Palmiotti Artista(s): Chad Hardin, Stephane Roux Editor(es): Katie Kubert

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: a obra subverte com alguma frequência a ideia da inserção dos personagens na ordem capitalista. A protagonista, Arlequina, não possui grande capital financeiro, e muitos acontecimentos nas histórias surgem de sua necessidade de ter uma renda fixa, e sua recusa em assumir uma posição econômica predatória. Além disso, tanto a personagem quanto seu elenco de apoio vivem às margens da sociedade capitalista, e são obrigados a atuar em profissões de risco (como segurança ou no entretenimento adulto, e até em atividades criminosas leves), e nenhum julgamento moral é feito sobre eles ou sobre sua necessidade de recorrer a esses meios. Desta forma, as histórias subvertem a noção do super-herói como alguém que parte de uma posição confortável na estrutura capitalista e que pode, de sua posição, fazer o que bem entende com a vida dos que estão abaixo na pirâmide social e em posição de marginalidade ou anormalidade (WOLF- MEYER, 2006), apresentando uma protagonista que, justamente por não estar numa posição de dominância capitalista, compreende e simpatiza com outros sujeitos em posição de vulnerabilidade social.

Discurso de protagonismo estadunidense: as histórias apresentam o discurso de maneira relativamente positiva: embora não haja uma exaltação da nação estadunidense, também não há qualquer tentativa de levar o foco da narrativa para outros personagens e locais que não pertençam

9 A identificação das obras, seu ano de publicação e outros dados de identificação foi feita com ajuda da base de dados do website Guia dos Quadrinhos (http://www.guiadosquadrinhos.com/). 79

ao contexto dos EUA. Em particular, os vilões de algumas histórias deste compilado são agentes soviéticos que viveram infiltrados na sociedade americana desde o fim da Guerra Fria. Embora haja algumas cenas bem-humoradas que tentem lhes humanizar, esses vilões são caricaturas do super- espião comunista incapaz e inescrupuloso. Além disso, há uma o American way of life é apresentado como objeto de desejo destes vilões, o que resgata as representações da Guerra Fria na Era de Prata dos super-heróis, onde os EUA eram o herói, próspero e altivo, que se opunha à maléfica influência da decadente União Soviética (CAMPOS FILHO, 2009).

Discurso reacionário: observa-se uma subversão deste discurso na obra analisada. Se, por um lado, Arlequina e seus coadjuvantes não tem receio de recorrer a métodos extremamente violentos para alcançar seus objetivos, por outro não há uma glorificação desta violência, apesar de o tom de comédia da revista diminuir um pouco seu impacto. Além disso, como já posto nesta análise, a protagonista e seus amigos não partem de uma posição de normalidade dentro da ordem social, buscando acabar com perturbações à mesma, mas sim são a própria causa destas perturbações. Desta forma, a obra está em uma posição curiosa: os personagens fazem uso da violência em benefício próprio, mas não a glorificam como solução para resolver as mazelas do mundo, e tampouco há uma proximidade entre os personagens e as forças policiais, traço comum nas histórias de super-heróis (BUTLER, 2011), reforçando a ideia de que estes sujeitos não são heróis ou exemplos a serem seguidos, mas sim sujeitos que, devido a sua situação de marginalidade, têm de recorrer à violência para sobreviverem.

Discurso masculinista: a obra não apenas apresenta esse discurso como algo negativo, como ainda o subverte frequentemente. A história inicia-se com a Arlequina buscando recomeçar sua vida após se afastar de seu ex-companheiro, o vilão Coringa, que é apresentado como um namorado abusivo e violento. Ao centralizar a narrativa em Arlequina e seu desejo de libertação, a história se contrapõe ao discurso masculinista, que coloca a mulher em segundo plano em relação às demandas do protagonista masculino, e serve como aporte e inspiração para as leitoras que, assim como Arlequina, buscam se emancipar enquanto cidadãs e sujeitos com vontades e aspirações (BECKO, 2018). Além disso, a arte subverte a questão do olhar masculino, que sexualiza as personagens femininas. Embora a maioria das personagens vista roupas sensuais e tenha um corpo padrão, toda sexualidade é controlada pelas próprias personagens femininas, que não se deixam levar por personagens masculinos interessados apenas em seus corpos, e que manifestam seu desejo e corporeidade sem a preocupação de agradar aos homens da história. Todavia, essa subversão ainda apresenta alguns problemas: se as personagens femininas são todas voluptuosas e sensuais, os homens são todos musculosos e atléticos, reforçando padrões de corpos desejáveis; além disso, o tom bem-humorado das histórias resulta ocasionalmente em novas situações de objetificação como material de comédia. Ainda assim, o saldo é bastante positivo ao se levar em conta o caráter feminista da obra, que se sobressaem aos traços mais problemáticos q a obra ainda carrega.

Discurso cis-heteronormativo: as histórias subvertem o discurso, embora apenas de maneira pontual. Arlequina, após deixar seu relacionamento abusivo com o Coringa, inicia outra relação com a personagem Hera Venenosa. O relacionamento entre as duas mulheres não é sexualizado ou estereotipado, e a história demonstra uma crítica forte ao discurso heteronormativo ao demonstrar que, no lugar de uma heterossexualidade compulsória com o Coringa, Arlequina é muito mais feliz em uma relação com Hera, que a respeita e apoia para além de sua relação afetiva. Embora outros personagens não se identifiquem abertamente como LGBTQ, a história apresenta a relação de Arlequina e Hera de maneira natural e saudável, mostrando um avanço das representações homossexuais no imaginário popular (DALBETO; OLIVEIRA, 2014).

Discurso de representação racial estereotipada: a obra não apresenta nenhum personagem que seja uma caricatura racial, tampouco apresenta Arlequina como alguma heroína para impotentes as populações não-brancas, traços comuns desse discurso. Todavia, também não há um grande esforço para valorizar os personagens não-brancos ou demonizar atitudes racistas, ausentes mesmo entre os vilões da história. Mesmo assim, é perceptível um cuidado em ter personagens de todas as etnias representados na história, tanto como coadjuvantes quanto no background, refletindo a pluralidade étnica de um ambiente cosmopolita como a cidade de Nova York, onde as histórias são situadas. Desta forma, pode-se dizer que há uma leve subversão deste discurso, onde a protagonista branca é apenas mais uma em meio a um cenário pluriétnico e diverso.

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A obra se encaixa na categoria: por subverter e contestar 5 dos 6 discursos conservadores estudados, esta obra classifica-se como uma obra PROGRESSISTA, com destaque para a presença de duas mulheres na equipe criativa responsável pelo título, a autora Amanda Conner e a editora, Katie Kubert.

Fonte: dados da pesquisa

A segunda obra analisada foi o primeiro compilado da série “Injustiça: deuses entre nós”: Formulário 2: “Injustiça: Deuses entre nós”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: Injustiça: Deuses entre nós Volume: volume 1, compilado 1 Ano de publicação: publicação original em 2013, publicação no Brasil em 2014 Número da edição: Edições 1 a 6 Editora/Selo editorial: DC Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Tom Taylor Artista(s): Tom Derenick, Jheremy Raapack, Mike S. Miller, Bruno Redondo Editor(es): Jim Chadwick, Sarah Gaydos, Sarah Litt

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: embora o faça em apenas um capítulo, a obra apresenta a atual configuração da sociedade capitalista como sendo problemática, contrariando este discurso. Apesar de não haver um questionamento acerca da nova ordem de mundo que se dará conforme a história se desenrola e a comunidade de super-heróis se divide, a obra não se intimida ao apontar as contradições inerentes à ordem capitalista contemporânea. Em particular, a personagem Mulher- Gato, que se opõe ao regime autoritário imposto pelo personagem Superman e seus aliados, se torna uma espécie de porta-voz das comunidades marginalizadas pelo capital financeiro. Além de não possuir qualquer capital e ter de recorrer ao roubo como profissão, em oposição ao papel tradicional do herói que combate o crime a partir de uma posição de alienação das classes econômicas (WOLF- MEYER, 2006), a personagem confronta o presidente dos EUA em dado momento, fazendo-o prometer que adotará pautas claramente progressistas (como taxação de fortunas e economia sustentável). E esse desejo de mudança por parte da personagem é tratado favoravelmente pela obra, mostrando um ímpeto, ainda que apenas pontual, de confrontar a realidade capitalista, diferente de outras obras do gênero que simplesmente a ignoram (HUANG, 2013).

Discurso de protagonismo estadunidense: esse discurso se manifesta sem grandes subversões na obra. Apesar de haver uma rápida altercação entre os super-heróis e o governo dos EUA, na qual o Estado realiza algumas ações de moralidade questionável, a imensa maioria dos personagens é estadunidense e opera livremente ao redor do mundo, como que alheios à sua própria nacionalidade. Além disso, quando aparecem outros países na história, sua presença é, em larga escala, reduzida a focos de tumulto, onde os super-heróís devem intervir, sem iniciativa de mostrar como esses países reagem à nova ordem mundial encabeçada por super-seres que são, majoritariamente, norte- americanos.

Discurso reacionário: a obra não apenas contraria e subverte este discurso, como toma os debates acerca dele como mote de sua narrativa. A história se desenrola a partir do momento em que o vilão Coringa assassina a família do herói Superman (de forma extremamente violenta, forçando o próprio herói a matá-la) e destrói sua cidade, Metropolis, com um artefato nuclear. A partir daí, o Superman seus aliados passam a ter uma postura muito mais autoritária e violenta, assassinando criminosos e 81

instituindo um estado-policial sobre o mundo. O cisma entre os heróis que apoiam este regime e os que se opõe a ele ocorre devido aos métodos violentos do Superman que, descrente na recuperação dos criminosos, adota uma postura de violência. Isso subverte a divisão que existe entre o herói tradicional e o super-vilão, ao fazer o primeiro adotar os mesmos métodos violentos que o segundo, em nome de um “bem maior” (MARAZI, 2015). Além disso, a revolta do Superman é motivada pela morte de seus entes queridos, trazendo uma ideia que há uma honra a ser reparada através da punição dos criminosos. Todavia, essa ideia reacionária de que, através da vingança e da punição severa dos criminosos, a sociedade voltará a um estado de paz é rapidamente subvertida. O que ocorre é uma escalada da violência urbana, com os cidadãos comuns tomando para si o direito de responder com brutalidade aos mais leves crimes; ao passo em que, na esfera global, o regime do Superman começa a apaziguar conflitos através do medo e da intervenção marcial. Desta forma, apesar de alguns resultados positivos (a história abre 5 anos no futuro, mostrando um mundo altamente vigiado, controlado com brutalidade pelo regime do Superman, mas virtualmente sem crimes), a história abertamente questiona a tendência do gênero de super-heróis a conceder toda a autoridade para aqueles que detém seres que, com seus poderes fantásticos, detêm poder sobre a vida da população comum (McCONAUGHY, 2016).

Discurso masculinista: as representações das personagens femininas na obra encaixam-se neste discurso. Praticamente todas as personagens são desenhadas de maneira sexualizada, com uniformes impráticos e que as objetificam. Tendo em mente que todos os artistas das edições analisadas são homens, reforça-se aqui a ideia de que, sob um olhar masculino menos contido, as personagens femininas, independe de seu poder ou qualidades pessoais, são reduzidas a objetos de desejo para o público masculino (BECKO, 2018). Ainda sobre a questão das qualidades pessoais das personagens, nota-se que as mesmas são deixadas em segundo plano, para que a narrativa possa focar nos personagens homens A morte da personagem Lois Lane, esposa de Superman, é o que serve como mote para a história, reduzindo seu papel ao de um reles catalisador para a fúria masculina, transformando-a, enquanto mulher, num objeto para ser violentado por um vilão e vingado por um herói. Além disso, a personagem Mulher-Maravilha é despida que qualquer roupagem feminista: no lugar de servir como elo de intercâmbio entre o mundo das Amazonas e o imperfeito mundo dos homens (HAUCH, 2017) ela é reduzida a uma mulher raivosa e destemperada que “será para o Superman aquilo que ele precisar que [ela] seja”, dando a entender que, por admirar o Superman enquanto homem, ela estará disposta a segui-lo e tomar o papel de parceira afetiva. As únicas personagens femininas que se destaca um pouco por mérito próprio são Arlequina e Mulher- Gato, mas mesmo elas atuam sob a sombra de seus pares românticos, Coringa e Batman, dando uma impressão de que a narrativa, ao menos nas edições analisadas, pertence exclusivamente aos personagens homens, seus anseios e tragédias.

Discurso cis-heteronormativo: a obra se encaixa nesse discurso por não apresentar, nas edições analisadas, nenhum relacionamento não-heterossexual ou personagem abertamente LGBTQ. Além disso, os únicos relacionamentos apresentados são heterossexuais, apesar de a história ter o cuidado de mostrar que a heterossexualidade dos mesmos não implica em uma relação saudável (embora a relação entre Lois Lane e Superman seja saudável, a relação do Batman com a Mulher-Gato é marcada por dificuldades de convívio entre ambos e o violento romance entre Arlequina e Coringa é abordado como algo problemático e insalubre para a vilã).

Discurso de representação racial estereotipada: a obra traz, nas edições apresentadas, uma representação racial que se encaixa nesse discurso. Dada altura, Superman e seus aliados viajam até Qurac, país fictício no Oriente Médio, e ajudam a depor o déspota local, que oprimia a população do país. Essa representação é marcadamente orientalista, colocando a população de Qurac como sendo atrasada e impotente, e necessitando da libertação dos heróis (a mioria dos quais são brancos e estadunidenses) para lhes livrar da opressão, resgatando a ideia orientalista de que cabe ao Ocidente o fardo de resgatar e modernizar as nações orientais (TOMABECHI, 2019). Chama atenção o fato d enão haver sequer um super-herói ou mesmo vigilante nativo de Qurac, que auxilie ou seja auxiliado pelos heróis americanos: todo trabalho de libertação é feito por eles, com a implicação (novamente orientalista) de que o tirano deposto sofrerá violências pelas mãos do povo que oprimia.

A obra se encaixa na categoria: por manifestar 4 dos 6 discursos de maneira natural e sem subversões, esta obra categoriza-se como CONSERVADORA, embora com a ressalva de que pautas progressistas aparecem positivamente quando apresentadas e que o mote central da narrativa já 82

subverte um discurso que permeia todo o gênero de super-heróis. Fonte: dados da pesquisa

A terceira obra analisada foi o primeiro encadernado do atual volume da revista mensal do personagem Batman, intitulado Eu sou Gotham, em referência à cidade onde vive o personagem, a fictícia Gotham City.

Formulário 3: “Batman: eu sou Gotham”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: Batman: eu sou Gotham Volume: volume 3, compilado 1 Ano de publicação: publicação original em 2016, publicação no Brasil em 2017 Número da edição: Edições 1 a 6 (o volume contém duas edições número 1, uma sendo Batman: Rebirth #1 e a outra Batman #1 propriamente) Editora/Selo editorial: DC Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Scott Snyder, Tom King Artista(s): Mikel Janin, David Finch, Ivan Reis Editor(es): Mark Doyle

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: a obra manifesta a hegemonia capitalista abertamente, apenas com breves subversões. O personagem principal, o bilionário Bruce Wayne, combate o crime em sua cidade como o Batman, o super-herói que inspira medo em seus adversários. Se, por um lado, é justamente esta fortuna que lhe permite ser o Batman (várias cenas ao longo das histórias mostram Wayne interagindo com seu mordomo, Alfred, ou com um de seus funcionários, o cientista Lucius Fox), raramente se comenta sobre a posição de privilégio que a classe, reforçando a ideia trazida por Wolf-Meyer (2006) de que o Batman, dentre todos os heróis, é um dos que mais se alheia à classe econômica à qual realmente pertence, ao mesmo tempo que se beneficia dos privilégios concedidos pela mesma. Da mesma maneira, dois novos personagens com o background similar ao de Bruce Wayne (jovens ricos que resolvem combater o crime) são introduzidos nesse volume, e não há qualquer questionamento quanto à existência de sua fortuna, apenas à maneira como a usam. Todavia, é nessas arestas, onde a fortuna dos personagens se faz mais evidente, que a obra traz algumas subversões a este discurso. O fato de Bruce Wayne e os jovens irmãos Clover serem ricos é apresentado como uma espécie de atributo que lhes obriga a zelar pelo bem-estar de sua cidade, a “retribuir” ao que sua cidade lhes proporcionou. Além disso, são mostradas algumas cenas onde os personagens, para além de suas atividades mascaradas, realizam ações de caridade ativismo, reforçando a ideia de que eles estariam “retribuindo” ao mundo por suas riquezas. Ainda assim, essas cenas são muito pontuais, e servem mais como um atestado de caráter dos personagens que como uma crítica às contradições da ordem social capitalista.

Discurso de protagonismo estadunidense: o discurso se manifesta no sentido em que todas as histórias se passam nos EUA e com personagens invariavelmente estadunidenses, mas não há uma representação particularmente marcada desse discurso na obra. Os vilões são todos, aparentemente, norte-americanos e não apresentam alguma intenção perversa motivada por ódio aos EUA, e tampouco os heróis combatem o crime em nome de um nacionalismo exacerbado. Desta forma, o discurso se manifesta por padrão apenas na hegemonia de nacionalidade entre os personagens e no local onde a narrativa se desenrola.

Discurso reacionário: apesar de permeada por este discurso, a obra consegue subvertê-lo. Embora 83

os irmãos Clover tenham uma origem secreta similar à do Batman (foram vítimas de um crime que deixou um trauma na família, motivando-os a lutar contra o crime após serem salvos pelo próprio Batman), a obra tem o cuidado de subverter suas tendências super-heróicas. Contrariando o discurso que se manifesta na própria figura do Batman, de que os heróis são figuras messiânicas que vêm do alto para nos salvar (BUTLER, 2011), a obra mostra que o poder descontrolado usado pelos irmãos Clover acaba por causar mais mal do que bem. Por serem jovens e inexperientes, sem uma estrutura que lhes apoie, as boas intenções que eles têm são rapidamente transformadas em uma ameaça para a população de Gotham, e levam até mesmo o Batman a questionar se o trauma que lhe motiva a seguir em frente é realmente saudável. Além desse questionamento acerca do uso do trauma como força-motriz da cruzada anticrime, a obra sagazmente evita os aspectos mais problemáticos da figura do Batman. No lugar de mostra-lo como um aterrorizante vigilante que caça os criminosos de Gotham, a história foca no personagem como uma figura claramente fantástica que enfrenta vilões igualmente fantásticos, alienando-o das infelizes implicações trazidas por um bilionário atacando criminosos com violência a fim de “limpar” sua cidade.

Discurso masculinista: apenas um aspecto desse discurso se manifesta abertamente na obra, que é o aspecto referente à idealização da figura masculina. Nota-se, além da idealização do corpo atlético do protagonista, uma ênfase na importância do cultivo dessa figura física, com Bruce Wayne treinando seu mais novo aprendiz para que ele se aperfeiçoe constantemente em seu porte físico e como combatente, reforçando a figura do personagem hipermasculinizado como sendo o mais heroico (BEIRAS et al, 2007). Quanto outro aspecto que compõe esse discurso, a obra não apresenta suas personagens femininas de forma particularmente sexualizada, embora haja uma predominância das masculinidades e dos personagens masculinos na história (as únicas personagens femininas de destaque são Claire Clover, a nova heroína Gotham Girl; sua mãe, que aparece em apenas duas cenas antes de ser assassinada; e a espiã Amanda Waller, que tem aparições esporádicas ao longo das sete edições).

Discurso cis-heteronormativo: a obra apresenta esse discurso por padrão, visto que não é representado nenhum personagem abertamente LGBTQ. De fato, as únicas relações afetivas que aparecem nas histórias são aquelas entre casais heterossexuais.

Discurso de representação racial estereotipada: a obra, em grande parte, não apresenta este discurso. Os três personagens não-brancos de destaque (o cientista Lucius Fox, o jovem aprendiz de super-herói Duke Thomas e a chefe de espionagem Amanda Waller, todos os três negros) não carregam consigo qualquer estereótipo ou caricatura racial, e, ao contrário, servem para mostrar ao público a miríade de papéis ocupados pelos personagens não-brancos no Universo DC. O único momento em que esse discurso poderia ser percebido é nas cenas que mostram o trabalho humanitário realizado pelos irmãos Clover ao redor do mundo, onde pode-se passar uma impressão de que eles seriam “salvadores brancos”, indo ao resgate das populações negras de terceiro mundo. Ainda assim, é uma manifestação mínima e que não compromete a obra.

A obra se encaixa na categoria: por naturalizar 4 dos 6 discursos analisados, apenas com subversões pontuais em sua manifestação, a obra categoriza-se como CONSERVADORA, enfatizando que, ainda assim, há um cuidado, por parte do autor, ao trabalhar com as questões mais sensíveis e problemáticas relativas ao personagem Batman. Observe-se a inexistência de profissionais mulheres na equipe criativa central responsável pelas edições analisadas. Fonte: dados da pesquisa

A quarta obra analisada trata-se da minissérie O Batman que ri, publicada pela DC Comics. O título faz referência ao vilão da história, um Batman de outra dimensão que adquiriu as características do vilão Coringa após executá-lo.

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Formulário 4: “O Batman que ri”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: O Batman que ri Volume: volume 1, compilado 1 Ano de publicação: publicação original em 2019, publicação no Brasil entre 2019 e 2020 Número da edição: Edições 1 a 7 Editora/Selo editorial: DC Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Scott Snyder Artista(s): Jock Editor(es): Katie Kubert

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: de maneira similar à obra analisada anteriormente, a hegemonia capitalista se manifesta abertamente nessa história, e, em vez da usual subtração deste elemento das histórias de super-heróis (HUANG, 2013), esta obra abraça a posição de seus personagens na ordem capitalista e jamais a questiona. Bruce Wayne, o Batman, faz amplo uso de sua fortuna (que, novamente, não tem sua origem questionada nem seus efeitos na população de Gotham analisados) e comumente interage com personagens em classes sociais menos abastadas (policiais, porteiros, seu mordomo Alfred), sem apontar as contradições trazidas por seu capital acumulado. Além disso, a obra ainda coloca a elite de Gotham numa posição de salvadores da cidade, criadores do mecanismo de salvaguarda urbana que o vilão planeja destruir e que o Batman visa melhorar e proteger. Desta forma, a obra deixa implícita a ideia de que, enquanto o cidadão comum tem de se preocupar com sua vida cotidiana, cabe aos estratos mais ricos da sociedade guiar os rumos da coletividade urbana. Isso recai no que dizia Huang (2013), ao alertar que as HQs de super-heróis tendem a representar os anseios da classe trabalhadora como sendo causas perdidas, derrotas que reforçam o papel da elite mais rica como sendo o grupo mais alto na pirâmide social capitalista.

Discurso de protagonismo estadunidense: esse discurso se faz presente por padrão visto que, uma vez mais, os personagens são todos estadunidenses e a história se passa toda dentro de Gotham City. Cabe destacar que parte da história gira em torno da mítica da fundação de Gotham City, retratada como uma cidade-modelo planejada por seus fundadores como sendo um polo de avanços sociais e melhorias na vida dos cidadãos. Embora não necessariamente uma representação conservadora (exceto por talvez apresentar os colonizadores pioneiros como sujeitos bem intencionados, sem mencionar seu impacto sobre as populações nativas da região) ela resgata os elementos que deram origem a este discurso em primeiro lugar. Lembrando que as histórias de super-heróis buscavam resgatar valores morais que se viam como sendo perdidos no início do século XX pela sociedade estadunidense (CAMPOS FILHO, 2008), esta ideia de regressar à fundação de Gotham City para encontrar os pilares cívicos necessários para seguir em frente na sociedade atual sugere uma necessidade de resgate de valores que possam auxiliar o leitor a navegar a época de incertezas que é o século XXI.

Discurso reacionário: a obra utiliza este discurso indiscriminadamente, apenas com um elemento de subversão. Além da presença constante do Comissário Gordon, chefe de polícia de Gotham que auxilia o Batman, reforçando a ideia de que os heróis, apesar de seu caráter extra-legal, surgem para ajudar a polícia com os criminosos que estão além de sua capacidade (BUTLER, 2011), a atuação de Batman nessa história é essencialmente reacionária. Ao ser confrontado com um vilão que busca mudar Gotham City, transformando-a em um cenário caótico onde todos possuem a moralidade distorcida do vilão Coringa, o papel do Batman se torna aquele do herói arquetípico: confrontar o vilão, impedir seu plano maligno e garantir um retorno à “normalidade” (COORLIM, 2018), sem ponderar sobre o quão perigosa esta “normalidade” já é por si só para os cidadãos de Gotham City. Desta forma, a história reforça a ideia de que deve-se ter gratidão ao messiânico super-0herói por seu trabalho em salvar a cidade, sem trazer outros questionamentos acerca de como a sociedade se configura em questões de segurança pública e violência urbana. Por fim, o elemento de subversão presente na obra é um dos vilões, uma versão alternativa do Batman que faz uso pesado de armas 85

de fogo para “limpar” sua versão de Gotham City. Quando é confrontado pela versão regular do herói, esta aponta as incongruências de uma vítima da violência armada fazer uso das armas para combater o crime, deixando claro que, apesar de seu papel no combate ao crime da cidade, o Batman original tem aversão à violência extrema e à brutalidade propostas por sua contraparte alternativa em sua “limpeza” do crime urbano.

Discurso masculinista: esse discurso é bastante presente na obra através daquilo que apontaram Beiras e seus colegas (2007), ou seja, o fato de que, enquanto o protagonista heroico possui uma figura masculina atlética e escultural, os vilões possuem portes mais variados e esguios, dando a ideia de que o sujeito masculino heroico é aquele que consegue alcançar um patamar físico irreal e exagerado. Neste caso, enquanto o Batman é representado como um indivíduo no pico do condicionamento físico, seu rival, o Coringa, é magro e esquálido. Além disso, o vilão central da história, uma versão alternativa do Batman chamado de O-Batman-que-ri, possui o mesmo atlético que o Coringa, sendo extremamente magro e ágil. Essa dicotomia entre os personagens é explicitada no primeiro embate entre o Batman e O-Batman-que-ri, no qual o herói tem de rever seu estilo de luta ao enfrentar um oponente que, apesar de conhecer todos os seus movimentos, tem um físico diferenciado e que lhe permite aplicar golpes rápidos e baixos, reforçando a ideia da figura esguia e “afeminada” como sendo aquela relegada aos super-vilões. Além disso, não é possível analisar se há uma sexualização de personagens femininas pois absolutamente inexistem quaisquer personagens femininas de destaque ao longo das sete edições analisadas, reforçando a ideia de que o gênero de super-heróis é feito por e voltado para indivíduos homens.

Discurso cis-heteronormativo: mais uma vez, não ocorrem representações LGBTQs nessa história, demonstrando que a tendência das primeiras histórias de super-heróis a ignorarem a existência do segmento LGBTQ, conforme indicado por Booker (2010), ainda está presente, mesmo em histórias amplamente divulgadas como esta, que incluem personagens high-profile como o Batman, o Coringa e O-Batman-que-ri.

Discurso de representação racial estereotipada: similar ao que ocorreu no discurso explorado acima e no que tange às personagens femininas, basicamente inexistem personagens não-brancos nesta obra. Isso gera um contraste até mesmo com a série principal do Batman, analisada no formulário anterior, que soube fazer uso do diverso elenco de apoio do Homem-Morcego para explorar como as aventuras do personagem afetam seu elenco de apoio.

A obra se encaixa na categoria: manifestando todos os discursos conservadores analisados, salvo breves pontos de subversão, este volume categoriza-se plenamente como uma obra CONSERVADORA. Fonte: dados da pesquisa Nosso quinto objeto de análise é o primeiro compilado da série Fabulosos Inumanos, publicado pela Marvel Comics. Cabe destacar que este compilado não chegou a ser publicado no Brasil, mas as edições nele presentes foram publicadas individualmente em outras revistas. Por isso, utilizamos de seu título estrangeiro, “Time Crush”, que poderia ser livremente traduzido como “Colapso Temporal”.

Formulário 5: “Fabulosos Inumanos: Time Crush”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: Fabulosos Inumanos: Time Crush Volume: volume 1, compilado 1 Ano de publicação: publicação original do compilado em 2016, início da publicação das edições individuais no Brasil em 2016 86

Número da edição: Edições 0 a 4 Editora/Selo editorial: Marvel Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Charles Soule Artista(s): Steve McNiven Editor(es): Nick Lowe

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: embora os protagonistas não estejam exatamente enquadrados em um sistema capitalista (os Inumanos são uma monarquia que, apesar de realocada para o meio de Nova York, ainda vive, em grande parte, dissociada do mundo humano), este discurso se faz presente no sentido de que os personagens centrais da narrativa pertencem à classe dominante na pirâmide social inumana. Desta forma, manifesta-se esse discurso em sua essência: a posição privilegiada da Família Real inumana não é questionada pela narrativa, tampouco o é sua organização política monárquica. Além disso, um dos eventos que serve de ano de fundo para a história (o surgimento de novos inumanos ao redor do mundo) foi diretamente causado pela interferência da elite inumana no destino de todo o planeta Terra, o que passa a ideia de que, pelo bem de sua hegemonia, uma elite política poderia intervir no destino daqueles “abaixo” de si. Seguindo o proposto por Huang (2013), de que o gênero de super-heróis reforça dinâmicas da estrutura capitalista, pode-se inferir uma ideia de que não há qualquer problema em as elites guiem os seus subalternos na ordem social ao longo de suas vidas. Além disso, dado o número de novos inumanos a serviço da Família Real, surge uma impressão de que aqueles afetados pelas decisões das classes dominantes devem prestar serviço e gratidão a seus superiores, reforçando uma dinâmica de dominância e submissão.

Discurso de protagonismo estadunidense: apesar de a capital Inumana estar localizada na cidade de Nova York e de haverem personagens estadunidenses entre os protagonistas, não é possível afirmar que este discurso esteja realmente presente na obra. O palco onde a história se desenrola não é a cidade de Nova York, que poderia facilmente ser substituída por qualquer outra grande metrópole humana, e os personagens que são estadunidenses não apresentam características particularmente nacionalistas. Além disso, muitos dos novos Inumanos possuem nacionalidades variadas, para além da norte-americana, e os próprios protagonistas da Família Real obviamente não possuem qualquer afinidade ou fidelidade para com os Estados Unidos. Por fim, a história alterna entre diferentes localizações ao longo de seu desenvolvimento, como a Rússia soviética, a Suméria antiga, a Mongólia medieval e até o Brasil contemporâneo.

Discurso reacionário: pode se dizer que a história subverte este discurso, apesar na natureza não- humana e de moral excêntrica apresentada por seus protagonistas. Embora haja uma grande questão de honra pessoal envolvida nas ações da Família Real Inumana (o príncipe da família, o jovem Ahura, jaz capturado pelo vilão Kang), as ações impensadas dos protagonistas resultam em danos maiores do que em soluções para seus problemas, o que contrasta com a ideia de que todos os problemas podem ser resolvidos pelos heróis utilizando da força bruta. Além disso, embora os Inumanos apresentem uma predisposição para a guerra e partam ávidos pelo combate contra Kang, a obra desconstrói um pouco a ideia de que seja possível travar uma “boa guerra”. O príncipe Ahura, forçado por Kang a participar de batalhas e guerras ao longo de toda a história da humanidade, se torna um adulto amargurado e traumatizado pelos horrores que presenciou e perpetrou, e se volta contra sua própria família. Isso subverte tanto a ideia de que o trauma sirva para moldar o caráter do herói, quanto a noção de que apenas a agressividade dos heróis seria capaz de alcançar algum objetivo por eles almejado, mostrando como a violência deixa marcas que nem mesmo o afeto familiar consegue curar e como a agressão impensada acaba por gerar apenas mais problemas.

Discurso masculinista: o discurso manifesta-se na obra de maneira sutil, mas ainda assim perceptível. Todos os personagens masculinos possuem um porte físico atlético e escultural, mesmo os vilões. Embora isso vá de desencontro com a já mencionada tendência do gênero de super-heróis de dar aos vilões portes físicos menos “másculos” e “viris”, ainda reforça a ideia de que, para se ser um homem de destaque, é necessário ser um sujeito hiper-masculino e com características físicas 87

inalcançáveis para os homens comuns (BEIRAS et al, 2007). Além disso, percebe-se que a narrativa é focada, essencialmente, no rei dos inumanos, Raio Negro, e em suas relações com seu filho, príncipe Ahura, e sua ex-esposa, rainha Medusa. Ao dar mais ênfase na relação pai/filho e na carga dramática carregada por Raio Negro, a história assume uma ótica claramente masculina. Esta predileção masculina é visível também na proporção de personagens femininas presentes ao longo da história (apenas duas, comparadas aos mais de cinco homens com papéis de destaque). Por outro lado, a obra traz alguma subversão no que tange às suas personagens femininas. Além de não serem particularmente objetificadas, é dado algum enfoque nas funções que a rainha Medusa deve exercer enquanto chefe de estado, dando à personagem feminina o papel de líder de seu povo. Além disso, a outra inumana presente na história, a jovem Iso, é mais de uma vez citada como sendo um prodígio nas áreas científicas, e se torna assistente do personagem Fera, famoso por seu intelecto e carreira como cientista multidisciplinar. Desta forma, pode-se dizer que há uma subversão do discurso masculinista tradicional que ignora as ambições e qualidades das personagens femininas, pois as citadas personagens são tratadas mulheres independentes e integrais para o bom funcionamento de sua sociedade, refletindo nas histórias os avanços conquistados pelas mulheres no mundo real, enquanto cidadãs donas de suas próprias narrativas (BECKO, 2018). Ainda assim, impera nas histórias a ótica masculina, inclusive no foco que se dá para a relação entre Raio Negro e Ahura, enquanto a relação entre o príncipe e sua mãe, Medusa, é praticamente deixada de lado, relegada a uma trama de romance e traição envolvendo Raio Negro.

Discurso cis-heteronormativo: a obra apresenta esse discurso por não apresentar, nas edições reunidas neste compilado, nenhum relacionamento não-heterossexual ou personagem abertamente LGBTQ. Existe apenas algum foco no relacionamento entre Raio Negro e Medusa, que é apresentado como sendo complicado e problemático, com a rainha já considerando-se livre do matrimônio com seu ex-marido e buscando ativamente novas relações (heterossexuais, apesar de não haver nenhum tabu específico eu proíba os inumanos de buscarem relações com indivíduos do mesmo gênero).

Discurso de representação racial estereotipada: esse discurso se apresenta ao longo da história, embora de maneira mais sutil do que explícita. Na edição 0, quando novos inumanos começam a surgir no Brasil, uma gangue surge para sequestrar os inumanos (que estão adormecidos dento de casulos, enquanto sua metamorfose não se completa). Além dessa região do Brasil ser representada como uma favela estereotípica, tanto os brasileiros presentes quanto os criminosos são claramente não-brancos. Quando Raio Negro rei dos inumanos, aparece para proteger os casulos, cria-se uma situação caricaturesca, onde o super-herói, branco, enfrenta indivíduos não-brancos para salvar seus noivos súditos, igualmente não-brancos. Isso resgata as problemáticas representações que haviam na gênese das histórias de super-heróis, onde as populações não-brancas, indefesas e incapazes, tinham de ser resgatadas por um salvador branco, que assumia um papel de liderança (WOODALL III, 2010) para estes grupos (lembrando que, pela lei inumana, os sujeitos que emergirem dos casulos são, em teoria, súditos de Raio Negro). Além disso, nas cenas que se passam no passado, os mongóis são brevemente apresentados como um povo guerreiro, mas cujos campeões são derrotados pelo (branco) príncipe Ahura, com o mesmo valendo para os sumérios, representados ainda como um povo extremamente religioso. Por fim, embora haja indivíduos não-brancos entre os novos inumanos contemporâneos, como a chinesa Iso, o núcleo da Família Real Inumana é branco e, quando os heróis viajam milhares de anos para conhecer os primeiros inumanos, mesmos estes antepassados são claramente sujeitos brancos, passando uma ideia de que apenas a etnia branca tem direito à realeza da sociedade inumana (a existência de inumanos de outras etnias, como a já citada Iso, portanto, estaria limitada a posições de menos prestígio na sociedade inumana).

A obra se encaixa na categoria: apresentando sem contrapontos 4 dos 6 discursos analisados, esta obra caracteriza-se como CONSERVADORA, apesar de algumas tentativas de quebrar os moldes narrativos do gênero ao trabalhar com personagens femininas e racializadas no segundo plano. Fonte: dados da pesquisa

A sexta obra analisada por este trabalho é o primeiro compilado do mais recente volume da revista protagonizada pela personagem Feiticeira Escarlate. Este encadernado é intitulado “Witches’ Road”, em inglês, que pode ser traduzido como 88

“Caminho das Bruxas”. Não fomos capazes de confirmar que esta revista ou as edições individuais que a compõem tenham sido publicadas no Brasil.

Formulário 6: “Feiticeira Escarlate Witches’ Road”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: Feiticeira Escarlate: Witches’ Road Volume: volume 2, compilado 1 Ano de publicação: publicação original do compilado em 2016, período de publicação no Brasil desconhecido Número da edição: Edições 1 a 5 Editora/Selo editorial: Marvel Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): James Robinson Artista(s): Vanesa Del Rey; Marco Rudy, Steve Dillon, Chris Visions, Javier Pulido Editor(es): Emily Shaw

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: este discurso se manifesta na obra, embora haja alguma subversão na primeira história. A protagonista, Wanda Maximoff, a titular Feiticeira Escarlate, é dona de um apartamento de luxo em Nova York e, ao longo das edições, viaja pelo mundo buscando resolver crises místicas. Embora seja dito eu a compra do apartamento foi custosa para Wanda, a história não se preocupa em discriminar de onde vem a aparente fortuna que a heroína possui, visto que não há qualquer indicação de que ela possua uma fonte de renda tradicional. Desta forma, percebe-se uma alienação das questões de classe por parte da narrativa: é esperado que os leitores apenas aceitem que a personagem siga em frente com suas aventuras, sem questionar a origem dos recursos da mesma. Essa alienação de classe é comum ao gênero de super-heróis, que com frequência simplesmente ignora questões relativas à posição do indivíduo na ordem capitalista (HUANG, 2013). Todavia, na primeira edição presente no compilado, há um momento onde o fator classe torna-se importante na narrativa. Ao investigar uma série de assassinatos, Wanda percebe que todas as vítimas eram cidadãos de classe alta, enquanto os assassinos possuíam empregos de menor prestígio e remuneração. Todavia, em vez de posicioná-los como vilões, a história leva o leitor a simpatizar com os supostos criminosos: apesar de seu ressentimento por serem ter alimentado os crimes, os atos de violência em si foram perpetrados por uma entidade mística que os possuía. Desta forma, a história não demoniza as classes menos abastadas e seu sentimento de desconforto com as classes superiores, mas produz empatia para com as mesmas e as anistia dos atos mais violentos causados por entes que fazem uso deste ressentimento como justificativa para seus crimes. Ainda assim, tal momento de subversão ocorre apenas na primeira edição, e não é refletido ao longo das outras histórias.

Discurso de protagonismo estadunidense: esse discurso não se manifesta na obra. A protagonista, Wanda, não é estadunidense por nascença, e não manifesta algum apreço em específico pelo país. Também a história é bastante heterogênea em suas localidades, com apenas a primeira edição sendo situada nos EUA. As representações dos outros países são bastante tridimensionais, e não os posicionam como sendo adjacentes aos EUA. Tampouco os vilões das histórias caem no estereótipo de agressor estrangeiro que ameaça a segurança dos EUA, de forma que nenhum aspecto este discurso é perceptível nas edições.

Discurso reacionário: esse discurso também não se manifesta na obra. Embora, a grosso modo, haja o aspecto do herói enfrentar um problema para reparar o status quo, já que Wanda investiga anomalias sobrenaturais, o aspecto místico dessas ameaças lhes confere um grau de separação ao que é usual deste discurso. Além disso, há um posicionamento, por parte de Wanda, de não deixar seu sentimento de raiva apossar-se de suas ações: a personagem tem um histórico de problemas 89

mentais e colapsos nervosos, e em certo ponto da história é tratada com medo e desconfiança por um civil. Ainda assim, ela mantém sua compostura e autocontrole ao longo de todas as edições, subvertendo a ideia do herói violento e passional que se deixa consumir por suas atividades de combate ao crime.

Discurso masculinista: a obra subverte este discurso ao longo de suas cinco edições. Não se percebe uma representação sexualizada das personagens femininas (salvo na terceira edição, onde Wanda é retratada com proporções claramente apelativas), basicamente não há personagens masculinos que sequestrem a trama para si (mesmo o vilão, o Feiticeiro Esmeralda, confronta Wanda em apenas duas das 5 histórias) e há um foco grande em Wanda, seu entendimento de si mesma e seu lugar no mundo. Este último elemento, em particular, destaca-se ao longo das histórias. Wanda não aceita ser representada como uma super-humana descontrolada, e tampouco aceita que outras mulheres sejam injustiçadas pelos mecanismos patriarcais (em dada história, ela ajuda a libertar os espíritos de mulheres condenadas pela Inquisição Espanhola, famosa por seus procedimentos de “caça às bruxas”). Desta forma, Wanda reconstrói seu papel como mulher autônoma e dona de si, refletindo nas histórias a luta diária das mulheres por direitos e reconhecimento (BECKO, 2018), além de representar a mulher para além de um corpo que existe apenas para ser sexualizado, considerando toda sua tridimensionalidade, frequentemente esquecida quando as personagens são vítimas de objetificação (HAUCH, 2017).

Discurso cis-heteronormativo: este discurso está presente por padrão, já que não há representações de personagens ou relacionamentos LGBTQ. Cabe notar, porém, que também não há representações de relações heterossexuais, de forma que não pode-se afirmar que haja um apagamento de personagens LGBTQ em prol de personagens heterossexuais.

Discurso de representação racial estereotipada: a obra subverte esse discurso. Além da própria Feiticeira Escarlate pertencer a uma minoria étnica, sendo do povo Roma (comumente chamados “ciganos”), a história se situa em vários países e sempre oferece um olhar tridimensional aos habitantes desses lugares. De fato, pode-se afirmar que ocorre até certa subversão de alguns estereótipos: os irlandeses reúnem-se em um bar, mas não se comportam de maneira ébria ou violenta; os espanhóis são extremamente católicos, mas há nuances em sua representação; o único personagem vindo de um país da África não é representado como algum sujeito miserável ou incapaz, mas sim como um jovem com ambições e um futuro promissor, que é friamente morto pelo vilão da história. Desta forma, a obra, apesar de focar em uma personagem fenotipicamente branca, abarca uma diversidade de elenco e localidades, sem retratá-los de forma puramente caricaturesca ou estereotipada.

A obra se encaixa na categoria: subvertendo e contestando 4 dos 6 discursos conservadores analisados, esta obra caracteriza-se como PROGRESSISTA. Fonte: dados da pesquisa A sétima obra por nós analisada foi a minissérie House of X, juntamente de sua companheira, a minissérie Powers of X. Estas duas minisséries funcionam como uma única história, que apenas se alterna entre dois títulos. Embora ainda inéditas no Brasil, foi anunciado que elas serão traduzidas com o título Dinastia X, que utilizaremos neste trabalho.

Formulário 7: “Dinastia X”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: Dinastia X Volume: volume 1, compilado 1 Ano de publicação: publicação original em 2019, publicação no Brasil prevista para 2020. 90

Número da edição: Edições 1 a 6 (House of X); edições 1 a 6 (Powers of X) Editora/Selo editorial: Marvel Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Jonathan Hickman Artista(s): R.B. Silva, Pepe Larraz Editor(es): Jordan D. White

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: este discurso aparece na obra de maneira subvertida, embora haja uma implicação de que esta subversão não é totalmente endossada por todos os personagens. Em desencontro ao que é comum às histórias de super-herói, onde o fator classe é comumente dissociado dos personagens (HUANG, 2013), aqui a riqueza de um personagem é posta em uso. Trata-se do líder dos X-Men, professor Charles Xavier, que utiliza seu dinheiro para adquirir diversas companhias farmacêuticas e, a partir delas, produzir as drogas com as quais ele pretende comprar a lealdade da população humana da Terra. Embora não haja um questionamento acerca da origem deste dinheiro, ou das condições nas quais opera o império farmacêutico de Xavier, a história deixa claro que Xavier está utilizando seu dinheiro em prol de sua espécie, os chamados mutantes, a fim de comprar a confiança das grandes potências mundiais que poderiam apresentar perigo para seu povo. Por outro lado, há personagens, como a heroína Emma Frost, membro dos X-Men, que, além de pertencer à elite burguesa, ainda busca obter mais capital para si, através da gestão e distribuição dos produtos produzidos pelas empresas de Xavier. Nesse sentido, há uma manifestação tradicional deste discurso, onde o personagem, já membro da elite capitalista, acumula mais capital, sem quaisquer questionamentos da história.

Discurso de protagonismo estadunidense: esse discurso não se manifesta na obra, e é até confrontado diretamente por ela. Apesar de a maioria dos X-Men presentes ao longo das 12 edições analisadas seres naturais dos EUA, o mote da história gira em torno da fundação de uma nação mutante independente, Krakoa. Desta forma, o que se observa é um discurso de protagonismo mutante, colocando a nação de Krakoa como um elemento novo e independente no tabuleiro da política global. Além disso, pode-se dizer que há até um questionamento quanto aos métodos violentos que muitos heróis patriotas tomam na defesa de seu país (HASSLER-FOREST, 2012): quando chega a hora de montarem o corpo governante de Krakoa, os X-Men são confrontados coma realidade de ter de incluir vilões e fanáticos neste conselho, e se perguntam até que ponto estariam capazes de agir em nome de uma “segurança nacional”. Desta forma, a obra s emostra consciente das problemáticas que existem na figura do herói ufanista, que faria de tupo para proteger sua nação dos “invasores” estrangeiros.

Discurso reacionário: esse discurso se manifesta de maneira ambígua na obra. Por um lado, não há o aspecto da limpeza urbana por parte dos super-heróis; de fato, muitos dos mutantes que convivem com os X-Men em Krakoa são supervilões e criminosos. Por outro lado, as ações dos arquitetos de Krakoa (Professor Xavier, o ex-vilão Magneto e a cientista mutante Moira MacTaggert) são claramente movidas por um sentimento de vingança e oposição à espécie humana. Desta forma, nota-se a presença do aspecto do trauma como justificativa para as ações dos heróis: a violência sofrida pelos mutantes justifica suas ações isolacionistas e até agressivas contra as nações humanas. E, embora este aspecto seja um tanto subvertido dentro da história (fica claro que, apesar das boas intenções dos mutantes, eles estão dispostos a cruzar várias linhas morais), o resultado final é que a história simpatiza com a causa da nação mutante e seu viés mais agressivo.

Discurso masculinista: este discurso não se faz presente na obra. Além do número significativo de personagens femininas na história, a arte em ambas as minisséries não é particularmente fetichista quanto à representação das mesmas. Mesmo em cenas onde ocorre nudez de alguns personagens, a arte não se mostra interessada em sexualizar seus personagens, embora predomine a estética dos personagens musculosos e atléticos, tanto masculinos quanto femininos, heroicos e vilanescos. Um ponto que poderia ser passível de crítica é que a personagem feminina de maior destaque, a mutante Moira MacTaggert, atua às margens da narrativa, deixando o holofote para seus parceiros masculinos, Professor X e Magneto. Ainda assim, o número de personagens femininas com posições 91

centrais, com destaque para a heroína Emma Frost e seu importante papel na economia de Krakoa, compensam por esta aparente marginalidade de Moira.

Discurso cis-heteronormativo: a obra apresenta este discurso em sua forma mais tradicional: através da ausência de personagens LGBTQ de destaque. Embora muitos membros dos X-Men sejam integrantes da comunidade LGBTQ, o leitor teria de ter este conhecimento de antemão, pois em momento algum esta questão é abordada. Além disso, a obra representa um de seus vilões, o cientista mutante Senhor Sinistro, com características afeminadas, remetendo ao estereótipo do homem gay espalhafatoso e superficial. Embora não o apresente explicitamente como homossexual, há algum traço conservador em apresentar um vilão, desprezado pro todos os outros personagens, com características estereotipicamente atribuídas a homens gays, sem oferecer um contraponto positivo a esta representação.

Discurso de representação racial estereotipada: este discurso não se manifesta na obra. Apesar de a maioria dos personagens de destaque serem brancos, há uma parcela significativa de indivíduos de outras etnias no elenco. Além disso, há cenas situadas em diversos países do mundo, como Austrália, Tibete e Israel, e em nenhum momento se faz uma representação caricaturesca destes locais e seus habitantes.

A obra se encaixa na categoria: sabendo subverter 4 dos 6 discursos conservadores analisados, a obra qualifica-se como PROGRESSISTA, apesar da notada hegemonia masculina presente entre sua equipe criativa. Fonte: dados da pesquisa

A oitava obra abordada por nossa pesquisa trata-se do primeiro compilado de histórias do atual volume de Fabulosos X-Men, intitulado “A Queda”. Como explicado anteriormente, este volume foi o que antecedeu Dinastia X, mas a opção por sua análise se justifica por dois fatores: primeiramente, trata-se do volume mais recente publicado integralmente no Brasil, facilitando seu acesso; além disso, o volume seguinte é uma continuação de Dinastia X, escrita pelo mesmo autor, de forma que uma análise do mesmo acabaria por trazer resultados similares aos já observados na análise da citada minissérie. Formulário 8: “Fabulosos X-Men: a Queda”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: Fabulosos X-Men: a Queda Volume: volume 5, compilado 1 Ano de publicação: publicação original em 2019, publicação no Brasil em 2020. Número da edição: Edições 1 a 5 Editora/Selo editorial: Marvel Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Kelly Thompson, Ed Brisson, Matthew Rosenberg Artista(s): R.B. Silva, Mahmud Asrar, Yidirai Çinar, Pere Pérez Editor(es): Jordan D. White

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: este discurso se manifesta na obra, através da representação do 92

vilão como alguém que, em sua loucura, decide desafiar as estruturas sociais capitalistas, tendência já observada por Huang (2013) em outras obras no gênero de super-heróis. O vilão da história, o mutante superpoderoso Nate Grey, começa a atacar empreendimentos econômicos que causam impacto ambiental, como plataformas petrolíferas, e almeja um mundo livre das amarras sociais da religião e da moral tradicionais. Sem considerarmos o mérito de seu segundo objetivo, a história trata a primeira ideia, de combater o capitalismo predatório e insustentável, como desilusões de um sper- vilão enlouquecido. Apesar dos heróis admirarem as reservas naturais que Grey cria com seus poderes, não há qualquer diálogo com o vilão acerca do mérito em sua ideia de preservar o planeta. Além disso, os X-Men em si são representados na história de maneira extremamente homogeneizada e alinhada às classes mais altas na esfera capitalista: indivíduos que vivem em uma mansão altamente tecnológica, com aviões e supercomputadores à sua disposição, combatendo os vilões que ousam questionar a ordem social que aparentemente lhes beneficia.

Discurso de protagonismo estadunidense: o discurso se manifesta por padrão nas histórias analisadas. Apesar de estar composta por membros de diversas nacionalidades, a equipe dos X-Men tem por base os EUA, e a maior parte da narrativa se desenrola em território estadunidense. Desta forma, embora não haja um patriotismo particularmente notável entre os personagens, chama atenção a ausência de localidades e settings onde os eventos poderiam estar ocorrendo, reforçando a ideia de que os EUA seriam o “centro do mundo”, onde ocorrem os grandes eventos que afetarão o resto do planeta.

Discurso reacionário: a hegemonia deste discurso é perceptível na obra quanto se confronta a motivação dos heróis com a aquela do vilão, Nate Grey. Enquanto este parta de um desejo de questionamento da ordem social vigente, trazendo apontamentos interessantes quanto À questão ambiental e geopolítica, por exemplo, os X-Men agem como agentes do status quo, atuando para deter e silenciar o vilão que se posiciona contra este status. Embora as ações de Grey não sejam justificáveis, seu discurso de mudança social acaba sendo reforçado pela própria história, que coloca os próprios X-Men como vítimas do governo dos EUA e, portanto, sujeitos oprimidos pela mesma ordem social que tanto defendem. Esta dissonância não é, em momento algum, abordada pela história, que apenas se limita a condenar os manifestantes e políticos humanos que hostilizam os X- Men, sem apontar as contradições de colocar os heróis contra um personagem que se posiciona contra estas mesmas formas de opressão.

Discurso masculinista: não se observa este discurso na obra, embora ele não seja confrontado diretamente. A quantidade de homens e mulheres é proporcional na composição dos X-Men, e a liderança das equipes fica, em grande parte, a cargo de duas heroínas, Jean Grey e Tempestade. Não se percebe uma hiper-sexualização das personagens femininas, mesmo com o rodízio de artistas masculinos responsáveis por cada edição, e mesmo os traços físicos hiper-masculinizados dos heróis não são tão exacerbados.

Discurso cis-heteronormativo: o discurso manifesta-se por padrão, já que, apesar de haver alguns membros não-heterossexuais dos X-Men no time, o leitor teria de ter conhecimento prévio deste fato, pois não há qualquer indicação deste fato na revista. Por outro lado, podemos destacar que também não há nenhum foco em relações heterossexuais nas edições analisadas, mas a ausência de personagens LGBTQ proeminentes encaixa a obra neste discurso.

Discurso de representação racial estereotipada: este discurso não se manifesta na obra, embora isso se derive do foco que é dado aos EUA como pano de fundo onde a história se desenrola. Embora muitos X-Men não sejam estadunidenses e pertençam a diferentes etnias, nenhum deles é tratado como estrangeiro ou com atributos caricaturescos. O único ponto onde este discurso poderia ser acusado é quando a história passa a se desenvolver no país fictício da Chernaya, uma nação do leste europeu marcada pelo estereótipo do país ex-soviético pobre e marcado por conflitos internos, mas a história tem o cuidado de apontar que as causas para este conflito são múltiplas e complexas, reconhecendo que há mais para o país que apenas seus problemas de violência urbana.

A obra se encaixa na categoria: por manifestar representações que se encaixam em 4 dos 6 discursos conservadores analisados, esta obra classifica-se como CONSERVADORA. Fonte: dados da pesquisa 93

O nono objeto de estudo deste trabalho foi o primeiro compilado de histórias do volume mais recente do personagem Homem-Aranha. Esta edição compilada não foi publicada no Brasil, onde as histórias foram publicadas, duas a duas, nas edições nacionais da revista O Espetacular Homem-Aranha. O compilado é intitulado “Back to basics”, que foi traduzido como “De volta às origens” nas revistas brasileiras, de forma que optamos pelo título em português no formulário desta obra. Formulário 9: “O Espetacular Homem-Aranha: de volta às origens ”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: O Espetacular Homem-Aranha: de volta às origens Volume: volume 5, compilado 1 Ano de publicação: publicação original em 2018, publicação no Brasil em 2019. Número da edição: Edições 1 a 6 Editora/Selo editorial: Marvel Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Nick Spencer Artista(s): Ryan Ottley Editor(es): Nick Lowe, Kathleen Wisneski

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: o discurso é subvertido no sentido de que o protagonista, o jovem Peter Parker, alter-ego civil do Homem-Aranha, frequentemente sofre com as mazelas de ser um trabalhador inserido no contexto do capitalismo predatório, o contrapondo aos muitos exemplos do gênero onde o protagonista heroico vem de uma classe social detentora de capital financeiro. Após ser demitido de seu emprego como editor em um jornal, Peter passa um período de desemprego, até que uma bolsa de estudo remunerada em uma universidade lhe é oferecida. Situação parecida vivem os personagens que compõem o elenco de apoio da obra: com a exceção da namorada de Peter, que trabalha como modelo, todos os outros personagens possuem empregos comuns e são dependentes dessa fonte de renda para sua subsistência. O próprio Peter, em dado ponto da história, rememora ao leitor o período em que foi dono de uma grande companhia industrial, mas deixa claro que, mesmo quando possuía esta considerável fonte de renda, fazia questão de doar parte de seus lucros para organizações de caridade, passando a ideia de um “capitalismo consciente”, onde os mais abastados direcionam parte de sua renda para a melhoria do todo. Ainda assim, cabe ressaltar que a história não busca analisar as causas que levam os personagens à situação de vulnerabilidade social ocasionada por sua falta de renda, apenas os posiciona como cidadãos comuns, trabalhadores com suas despesas a pagar.

Discurso de protagonismo estadunidense: esse discurso se manifesta por padrão na obra, com a história se passando totalmente na cidade de Nova York, e com todos os membros do elenco sendo, presumivelmente, estadunidenses. Embora não haja um nacionalismo exagerado por parte dos personagens, nota-se um posicionamento da história para um eixo que seja familiar ao jovem trabalhador estadunidense: dividir apartamento com amigos, relaxar jogando boliche, participar do cenário cultural e artístico de Nova York, com seus museus, cafés e monumentos. Naturalmente, muitos desses traços se justificam no público-alvo da história, que é pensada primeiramente para o mercado consumidor estadunidense, mas chama a atenção que, mesmo ao situar a história numa cidade como Nova York, famosa por sua diversidade cultural, a história não inclua personagens de outras regiões.

Discurso reacionário: a obra não manifesta esse discurso, e pode-se afirmar que até o subverte. Um dos colegas de quarto de Peter é o vilão Bumerangue e, embora a história não o trate com bons- olhos (a maioria dos personagens evita ficar perto dele quando se torna evidente que ele planeja 94

envolve-los em seus esquemas), também não o julga ou diminui seu valor enquanto pessoa devido à sua profissão. Em dada edição, Bumerangue leva Peter para um bar onde vários supervilões se reúnem, e Peter admite que há muito mais em cada um deles do que ele se deixa perceber quando os enfrenta, o que humaniza esses personagens e afasta a tendência de tratá-los apenas como um problema a ser solucionado pelos heróis, que estariam “limpando a cidade” dos criminosos. Além disso, a narrativa das edições analisadas gira em torno de um acidente de laboratório que divide Peter em dois indivíduos distintos: o próprio Peter Parker, e uma versão do Homem-Aranha, incapaz de deixar de usar seus poderes a todo o momento. O grande conflito da história se dá porque, enquanto Peter têm de lidar com as dificuldades da vida adulta, Homem-Aranha utiliza seus poderes sem cuidado ou responsabilidades, derrotando os vilões a grandes custos para a cidade de Nova York, com prédios frequentemente deixados em ruínas após as ações do suposto herói. Isso culmina em uma cena onde Peter explica a importância do uso consciente dos poderes para o Homem- Aranha, reforçando a ideia de que nenhum indivíduo que possua habilidades extraordinárias deva usá-las apenas para benefício próprio, mas sim tendo em mente o bem da coletividade.

Discurso masculinista: esse discurso se manifesta na obra no sentido em que, apesar de as personagens femininas não serem particularmente sexualizadas, são deixadas em segundo plano para a narrativa poder focar nos dramas pessoais de Peter Parker. Mesmo a personagem feminina de maior destaque, Mary Jane Watson, é a namorada de Peter, e muitos momentos da história são reservados para que ele possa refletir sobre como está feliz que finalmente a tem do seu lado, dando uma ideia de que ele, enquanto homem, finalmente alcançou seu objeto de desejo (cabe ressaltar, porém, que Mary Jane não é tratada como uma personagem rasa ou superficial, mas que sua personalidade forte é apenas deixada de lado para que a narrativa se foque em Peter). A outra personagem feminina mais importante, May Parker, tia de Peter, faz a figura materna para o jovem. Embora seja mencionado que ela ganha seu próprio dinheiro e administra uma fundação beneficente, sua presença na história é apenas pontual, e a coloca na posição de “adulta responsável” por Peter. Desta forma, as duas personagens femininas de maior destaque são o par romântico do protagonista e a figura materna dele, tornando a história extremamente centrada na figura masculina de Peter e a tornando mais palatável e acessível para leitores homens, às custas do desenvolvimento de personagem que as figuras femininas da narrativa poderiam vir a ter.

Discurso cis-heteronormativo: esse discurso manifesta-se por padrão na obra. Ao longo das seis edições analisadas, todos os personagens e relacionamentos apresentados são heterossexuais. Novamente, chama a atenção o fato de que, para uma história situada em Nova York, com um elenco de jovens adultos, não haja sequer menção a personagens fora doe eixo cisgênero-heterossexual, fato presumidamente dado para que a história não “aliene” leitores mais antigos que buscassem se reaproximar do personagem Homem-Aranha neste novo volume.

Discurso de representação racial estereotipada: em grande parte, esse discurso não se manifesta na obra, mas mais por uma falta de representatividade do que por cuidado na representação de minorias. Ainda assim, mesmo no pontual momento em que ocorre essa representação, ela se mostra problemática. Embora haja personagens negros e latinos no elenco de apoio, eles não figuram muito na história, e são, de qualquer maneira, estadunidenses. O único momento onde se dá a representação de um personagem não-branco e de sua cultura é no prólogo das edições, que narra as “aventuras” de um caçador branco na África, auxiliado por um guia local. Nesse ponto, embora não haja caracterização do personagem negro, a representação ainda assim é um pouco problemática, pois resgata estereótipos da África como um grande safári, onde os caçadores brancos podem realizar suas fantasias de poder abatendo animais selvagens.

A obra se encaixa na categoria: por manifestar 4 dos 6 discursos analisados, este compilado de histórias categoriza-se como uma obra CONSERVADORA, embora trazendo alguns questionamentos válidos acerca do poder e do papel que os super-heróis exercem dentro do gênero. Destaca-se que a obra conta com uma equipe criativa composta majoritariamente de profissionais homens. Fonte: dados da pesquisa

A última obra a ser analisada por esta pesquisa é a primeira maxissérie do título Vingadores Sombrios. Esta é a obra mais antiga abordada em nosso estudo, 95

em termos de data de publicação: o volume iniciou-se em 2009, e foi publicado no Brasil em 2013 em formato de luxo, com edições selecionadas. A história foca num time de super-vilões se passando por super-heróis, criado após uma manobra política que colocou o famoso vilão Duende Verde na posição de chefe da segurança nacional super-humana dos Estados Unidos.

Formulário 10: “Vingadores Sombrios: Reinado Sombrio”

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA

Título da obra: Vingadores Sombrios: Reinado Sombrio Volume: volume 1, compilado 1 Ano de publicação: publicação original em 2009, publicação da edição especial analisada no Brasil em 2013. Número da edição: Edições 1 a 6 e 9 a 12 Editora/Selo editorial: Marvel Comics, Panini Comics

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA

Autor(es): Brian Michael Bendis Artista(s): Mike Deodato Jr. Editor(es): Jeanine Schaefer, Tom Brevoort

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista: a obra subverte este discurso. Por ter como protagonistas super- vilões se passando por heróis, com o apoio do aparato estatal norte-americano, a obra coloca estes personagens numa posição de privilégio e poder dentro da ordem social, transformando-os em agentes do “novo normal”. Em contrapartida, os super-heróis são colocados como figuras que se opõem a este novo regime, tendo de viver na clandestinidade e sem a disposição de recursos financeiros e tecnológicos comuns em suas histórias. Desta forma, inverte-se a dinâmica usual ao gênero de super-heróis: no lugar de serem agentes da ordem social e do status quo, os heróis são os marginalizados, relegados a uma posição periférica onde se tornam um reles “incômodo” para os super-vilões e para o aparato estatal e midiático que agora os apoia.

Discurso de protagonismo estadunidense: esse discurso é subvertido no sentido que o protagonista da história, o vilão Norman Osborn, faz uso do ufanismo e da obsessão estadunidense com sua “segurança nacional” para tomar controle de todos os assuntos referentes ao controle dos super- heróis e vilões. Após um ataque terrorista no solo dos EUA, Osborn negocia uma aliança com o líder nacional dos terroristas, garantindo que a crise, uma vez resolvida, sirva para melhorar sua imagem como chefe de segurança dos EUA. Mais uma vez, inverte-se a dinâmica usual das histórias de super-heróis: em vez de o herói protagonista tomar medidas extremas para defender supostos ideais estadunidenses, o vilão protagonista utiliza dos ditos “ideais” para avançar sua agenda de controle do país e tomada de poder.

Discurso reacionário: a obra subverte, em certa capacidade, este discurso. Embora todos os protagonistas sejam vilões, a história toma tempo de demonstrar que há um esforço para fazê-los se passarem por heróis estáveis, o que inclui dopá-los para que suas tendências mais violentas deixem de se manifestar. Além disso, a total frieza com que Osborn lida com seus adversários (desconsiderando-os enquanto pessoas e tratando-os como meros problemas a serem resolvidos) ecoa algumas representações mais problemáticas do gênero de super-heróis, onde o protagonista heroico age com frieza para com seus oponentes. Esta violência de Osborn é comentada na própria história, com alguns membros dos “Vingadores Sombrios” manifestando sua preocupação em trabalhar com criminosos violentos e em abater, sem misericórdia, os inimigos apontados por Osborn, o que chega a levar Noh-Varr, o mais heroico destes “Vingadores”, a abandonar o time quando 96

percebe que Osborn é um indivíduo violento e mal-intencionado. Desta forma, o subtexto da história parece ser de que a violência deve ser um atributo vilanesco, e não deveria ser usada pelos heróis que os opõem.

Discurso masculinista: representações masculinistas são bastante presentes na obra, tanto na arte quanto, em menor grau, no roteiro. As personagens femininas são todas extremamente objetificadas, desenhadas em posições sexualizadas e com proporções completamente irreais. Mesmo a personagem Victoria Hand, assistente de Osborn, é representada de maneira em demasiado sexualizada, e passa por um momento de nudez completamente desnecessário à história. Isto chama a atenção porque Hand, diferente das personagens super-poderosas, com seus uniformes decotados e chamativos, é uma cidadã comum, e mesmo assim a arte toma tempo de fazer dela objeto para o voyeurismo do leitor. Os personagens masculinos são igualmente representados com proporções irreais, assemelhando-se mais a manequins do que a seres humanos reais, embora a arte não os sexualize tanto quanto as personagens femininas. Quanto ao roteiro, percebe-se um grande foco nos personagens masculinos: a relação de Osborn com o instável herói Sentinela, as provocações intermináveis entre os vilões Mercenário e Venom, os tênues vínculos que Osborne busca estabelecer com os poderosos vilões Doutor Destino e Namor. Desta forma, há pouquíssimas personagens femininas de destaque: Victoria Hand aparece como uma ambiciosa assistente de Osborn, mas sua ambição é sua única característica de destaque; a vilã Rocha Lunar, membro dos “Vingadores Sombrios”, se mostra uma personagem manipuladora e poderosa, com seus próprios planos, mas esta faceta é minada pela objetificação que ela sofre por parte da arte; por fim, a vilã Morgana Le Fay, antagonista das primeiras edições, surge como o estereótipo da mulher rejeitada, que busca se vingar do vilão Doutor Destino após este abandoná-la, levando a uma aliança do mesmo com os “Vingadores” de Osborn. Desta forma, todas as personagens femininas têm seus atributos positivos prejudicados tanto pela arte exageradamente sexista como pelo uso de alguns clichês literários que as posicionam como menores ou menos competentes que os homens ao seu redor, dos quais são, no caso de Hand e Le Fay, particularmente dependentes.

Discurso cis-heteronormativo: apesar do discorrido acima, a obra não manifesta este discurso. Embora só haja uma relação não-heterossexual representada no texto, a relação de Victoria Hand com sua namorada), esta é mostrada como sendo perfeitamente normal, com o casal se exercitando e discutindo seu futuro untos. Todavia, o relacionamento só é mostrado em uma única edição, e seu término ocorrer na própria edição onde ela é apresentada, minando um pouco a significância desta representação. Ainda assim, o relacionamento se mostra saudável, especialmente quando comparada com as agressivas relações que a vilã Rocha Lunar tem com seus colegas membros dos “Vingadores Sombrios”. Apesar de ocorrem com certa frequência, tais relações são notavelmente movidas por interesses de controle ou por um desejo sexual violento, e a história parece as colocar sob uma ótica negativa.

Discurso de representação racial estereotipada: este discurso se manifesta na obra de maneira pontual, mas perceptível. Primeiramente, há a figura do vilão Doutor Destino. Monarca de um país fictício na Europa, a história o caracteriza como um déspota, cujo reino devastado serve apenas como pano de fundo para as sequências de batalha dos “Vingadores” contra a feiticeira Morgana Le Fay. O leitor sequer é apresentado a algum habitante do local, e Destino se comporta como um tirano estereotípico, preocupado apenas em restaurar seu controle sobre o lugar e se ver livre dos estrangeiros estadunidenses. Em outra edição, os EUA são alvo de um ataque terrorista movido por soldados de Atlântida, o reino submarino. Mais uma vez, a história sequer toma tempo de dar qualquer caracterização para os atlantes, colocando-os apenas como causadores de morte e destruição e situando seu rei, o vilão Namor, como um tirano xenofóbico para com a espécie humana e desinteressado nos assuntos do mundo da superfície. Isso ecoa tanto representações racistas de comunidades não-brancas como terroristas opostos aos valores do Ocidente, quanto a ideia de que caberia às potências ocidentais “disciplinar” estas comunidades, visto que, na história, Osborn ordena que seus “Vingadores” executem uma violenta retaliação sobre os atlantes. Por fim, destaca-se que, ao longo das edições, basicamente inexistem personagens não-brancos de destaque: apesar de serem fenotipicamente brancos, Doutor Destino e Namor claramente são codificados como o “outro” na história, em oposição ao padrão de branquitude de Osborn; além disso, o único membro não- branco dos “Vingadores” de Osborn é o personagem japonês , mas, salvo por um momento onde uma ofensa pessoal o faz perder a calma (lembrando estereótipos orientalistas da “honra japonesa”, conforme aborda Tomabechi (2019)), a história não chama atenção a este traço, e a 97

própria arte não o representa com traços que permitissem o diferenciar dos personagens brancos. Desta forma, a história basicamente gira em torno de pessoas brancas e suas atividades, apenas casualmente trazendo sujeitos que não são tipificados como tal para o centro da narrativa.

A obra se encaixa na categoria: usando sua narrativa para subverter 4 dos 6 discursos conservadores analisados, a obra classifica-se como PROGRESSISTA, com a ressalva de que ela ainda assim contém muitos aspectos problemáticos, especialmente no que tange à representação das personagens femininas e à ausência de personagens não brancos de destaque, livres de estereótipos promovidos pelo olhar branco sobre outras culturas. Fonte: dados da pesquisa

Ao todo, observou-se uma predominância de obras de caráter conservador, com seis das dez obras analisadas qualificando-se nesta categoria. Dito isso, mesmo na maioria das obras conservadoras é possível notar alguns lampejos de progressismo, ainda que estes não sejam predominantes na obra em questão, e o mesmo pode ser dito das obras progressistas que ainda não conseguem se verem “livres” de noções mais conservadoras. Naturalmente, o objetivo desta análise não é o de fazer um juízo de valores ou uma resenha crítica da qualidade das obras, apenas expor e contemplar o conteúdo das mesmas sob a ótica dos discursos conservadores abordados por esta pesquisa. Fechando esta etapa do trabalho, percebe-se a importância não apenas de se incluir a opinião do público consumidor de HQs no estudo das mesmas, mas também das valiosas observações que podem ser tiradas através da leitura dos quadrinhos de super-heróis e da análise crítica de seu conteúdo. Como pudemos observar, há um interesse por parte do público consumidor no aumento da diversidade e da inclusão de grupos marginalizados tanto nas HQs como um todo, quanto no gênero de super-heróis especificamente, o que caminha lado a lado com o avanço das pautas sociais na sociedade contemporânea. Além disso, o tratamento das HQs como documentos permitiu que nossa análise trouxesse à tona alguns traços que persistem no segmento de super-heróis, mostrando que, apesar do avanço das pautas progressistas neste gênero, muitas obras ainda carregam discursos de caráter mais retrógrado e, em muitos casos, ofensivo ou insensível para com grupos marginalizados. Por se tratarem de fontes de informação, a presença destas características preconiza o cuidado que o profissional bibliotecário deve ter ao trabalhar com histórias em quadrinhos, e da pouca sensatez que há em tratar o gênero de super-heróis como uma massa homogeneizada de histórias e discursos. 98

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando ao encerramento desta pesquisa, resta enfatizar o valor do estudo, por parte dos bibliotecários, acerca dos hábitos de consumo de seu público, especialmente no que tange às histórias em quadrinhos. Por serem obras por muito tempo relegadas ao papel de figurantes na composição dos acervos de bibliotecas, as HQs ainda carecem de análises voltadas para seu conteúdo e para o interesse que geram no público leitor, especialmente aquele que frequenta unidades de informação. Embora o número de pesquisas voltadas para este segmento seja crescente na ciência da informação, o estudo das HQs e seu público ainda é campo fértil para novos trabalhos. Sem a pretensão de exaurir as possiblidades de estudo do tema, este trabalho cumpre a função de elucidar seu próprio problema de pesquisa. Ao analisar as obras do gênero de super-heróis selecionadas, pudemos constatar, ainda no século XXI, a presença de muitos dos estereótipos e vícios representativos que existiam nas primitivas HQs do gênero de super-heróis. E se, por um lado, pudemos observar um movimento tanto dos criadores quanto dos leitores em trazer diversidade e progressismo às histórias, por outro percebe-se as amarras discursivas que ainda permeiam o gênero. A natureza paradoxal das histórias de super-heróis enquanto fonte de ideias rentáveis e nicho de mercado bem específico favoreceu a ideia de que este gênero seria voltado para um único segmento de público: masculino, branco, heterossexual. Produto cultural que é, o gênero de HQs super-heróis manteve-se por décadas hermético a quaisquer influências externas que pudessem quebrar essa hegemonia de discurso e representação. Contudo, o tempo passa, e mesmo a máquina do capital precisa se manter atualizada e em conformidade com o avanço dos direitos civis, e, pouco a pouco, o gênero veio a ser contemplado com uma diversidade de criadores e leitores. Este processo que, como pudemos constatar com nosso estudo, ainda é contínuo, abre as portas para uma gama de representações, debates e leituras dos mais diversos pontos de vista, fazendo das HQs de super-heróis mais do que um reles produto de entretenimento, mas sim verdadeiras fontes de informação e disseminação de ideias, na mesma linha das obras literárias e das HQs cult. Além disso, os dados obtidos por nossos questionários contribuem para desmistificar o público que consome as HQs e como ele as consome. No lugar de um público infantil, masculino e branco, que consome 99

as obras sem muito discernimento, encontra-se um público heterogêneo, ainda que não em sua totalidade, e com um forte senso crítico, que lê, avalia e discute as obras que consome, buscando (e desejando) ver, nas páginas das HQs, reflexos do mundo real que o cerca a no qual ele está inserido. Reduzir as HQs a obras infanto-juvenis ou que, ao contrário, são prejudiciais ao desenvolvimento do jovem leitor, é reduzir uma vasta gama de obras e gêneros a um simples clichê, repetido durante décadas pelo senso comum. E foi este clichê que levou à diminuição do papel das HQs dentro das bibliotecas e seu apagamento por grande parte do saber acadêmico, especialmente dentro da área da Biblioteconomia, cujos profissionais tão frequentemente interagem com este tipo de obra. Valorizar as HQs, incluindo as do gênero de super-heróis, como fontes de informação ricas em conteúdo abre o caminho para uma melhor gestão destes itens dentro do acervo das unidades de informação, além de abrir um leque de temas passiveis de pesquisa dentro do campo da biblioteconomia acadêmica. Reconhecer o público consumidor de HQs com a diversidade e autonomia que lhe são devidas facilita a relação do bibliotecário para com seus usuários, e fornece diversos casos com os quais o pesquisador interessado pode vir a trabalhar. Desta forma, conclui- se este estudo com o apelo de que saiba se dar o valor devido às HQs e a seus leitores, já tão reconhecidos em outras áreas do conhecimento, dentro da biblioteconomia e da ciência da informação, para além dos estereótipos e clichês acerca das obras, seu conteúdo e o público que as consome. 100

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APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO APLICADO VIRTUALMENTE

Pesquisa acadêmica: quadrinhos de super-heróis

Caro respondente, este questionário gratuito e anônimo é o instrumento de coleta de dados para um trabalho de conclusão de curso (TCC) elaborado por Caliel Cardoso de Oliveira, aluno do Curso de Graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Com ele, buscamos entender mais sobre o público consumidor de Histórias em Quadrinhos de Super-herói no Brasil. Ao participar desta pesquisa, você aceita que os dados fornecidos por você sejam utilizados apenas para fins de estudo, mantendo sua confidencialidade e anonimato. Caso esteja de acordo com estes termos, prossiga com a pesquisa.

1. Você aceita participar desta pesquisa? ( ) Sim ( ) Não

2. Qual sua faixa etária?

( ) De 12 a 15 anos ( ) de 16 a 20 anos ( ) de 21 a 25 anos

( ) de 26 a 35 anos ( ) de 36 a 45 anos ( ) acima de 45 anos

3. Qual seu gênero?

( ) Homem ( ) Mulher ( ) Homem trans ( ) Mulher trans

( ) Outro: ( ) Prefiro não responder

4. Qual sua etnia?

( ) Branco ( ) Preto ( ) Pardo ( ) Amarelo ( ) Indígena ( ) Prefiro não responder

5. Qual seu nível de ensino?

( ) Fundamental Incompleto ( ) Fundamental Completo ( ) Médio Incompleto

( ) Médio Completo ( ) Superior Incompleto ( ) Superior Completo

6. Você consome HQs com frequência?

( ) Sim ( ) Não

7. Que meio você mais utiliza para acessar as HQs que lê?

( ) Compra ( ) Empréstimo com amigos ou bibliotecas ( ) Acesso online

8. Se você não compra HQs, qual o motivo?

( ) Preço elevado ( ) Disponibilidade ( ) Pouco interesse nas obras vendidas atualmente

9. Se você compra HQs, onde costuma comprá-las?

( ) Bancas de revista ( ) Lojas especializadas ( ) Livrarias ( ) Serviços online

111

10. Você diria que o gênero de HQ que você mais consome é o gênero de super-heróis?

( ) Sim ( ) Não

11. Por favor indique quais HQs de super-herói você mais consome ou se lembra de ter consumido recentemente. Tente ser o mais específico possível, citando personagens, arcos de histórias, edições, etc.

12. Você acha que as HQs são um tipo de literatura mais simples que os livros tradicionais?

( ) Sim, acho ( ) Não, não acho ( ) Depende da HQ

13. Você acha que as HQs são uma fonte de informação e conhecimento?

( ) Sim, acho ( ) Não, não acho

14. Você já se sentiu constrangido por consumir HQs? Já foi vítima de preconceito por consumir esse tipo de produto?

( ) Sim ( ) Não

15. Você diria que as HQs de super-herói de antigamente (anos 70, 80, 90, início da década de 2000) eram melhores que as HQs atuais?

( ) Sim ( ) Não

16. Você percebe discursos políticos nas HQs de super-herói que consome?

( ) Sim, percebo ( ) Não percebo

17. Você acredita que as HQs de super-herói devem incentivar o debate político ou conter discursos políticos?

( ) Sim, acredito ( ) Não acredito

18. Você diria que as HQs de super-herói contemporâneas são ou tentam ser mais diversas ou “politicamente corretas”?

( ) Sim, diria ( ) Não diria

19. Você concorda que as HQs devem ser mais inclusivas, diversas e “politicamente corretas”?

( ) Sim, concordo ( ) Não concordo

20. Você se identifica ou se sente representado pelos personagens presentes nas HQs de super-heróis? Tanto em questões de identidade (como etnia e religião) quanto em questões políticas (personagens de determinada linha política similar à sua, por exemplo)

( ) Sim ( ) Não

21. Quantas mulheres que você conhece consomem HQs de super-herói?

( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) de 2 a 4 ( ) 5 ou mais 112

22. Quantas pessoas não-brancas que você conhece consomem HQs de super-herói?

( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) de 2 a 4 ( ) 5 ou mais

23. Você costuma prestar atenção na equipe criativa (escritor, desenhista, editor) por trás das HQs de super-herói que consome?

( ) Sim, presto atenção ( ) Presto atenção às vezes ( ) Não, não costumo prestar atenção

APÊNDICE B - FORMULÁRIO PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS OBRAS

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA OBRA Título da obra Volume e ano de publicação: Número da edição: Editora/Selo editorial:

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EQUIPE CRIATIVA Autor(es): Artista(s): Editor(es):

INDICADORES PARA ANÁLISE DE CONTEÚDO DA OBRA

Discurso de hegemonia capitalista:

Discurso reacionário:

Discurso masculinista:

Discurso cis-heteronormativo:

Discurso de representação racial estereotipada:

A obra se encaixa na categoria: