ALTERNÂNCIA PRONOMINAL EM FLORES DA CUNHA, PANAMBI E SÃO BORJA Loremi LOREGIAN-PENKAL (UNICENTRO)
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul ALTERNÂNCIA PRONOMINAL EM FLORES DA CUNHA, PANAMBI E SÃO BORJA Loremi LOREGIAN-PENKAL (UNICENTRO) ABSTRACT: This work aims at describing and analyzing the data in a quantitatively and qualitatively method. It will verify the ways that second singular personal pronouns tu (you) and você (you) are pronounced in the participant’s speech from Flores da Cunha, Panambi and São Borja. Theses cities are located in Rio Grande do Sul countryside and they are part of VARSUL database. KEYWORDS: tu/você alternation; linguistic variation; Southern Brazil Portuguese. 0. Introdução - Este trabalho é resultado de investigações que vimos desenvolvendo no âmbito do projeto VARSUL, cujo envolvimento vem de longa data. Em 1990, quando se estava começando a coleta de dados das capitais, passamos a fazer parte da equipe de bolsistas de iniciação científica desse projeto, cujos pesquisadores dirigentes sempre tiveram como política estimular a pesquisa e fazer com que também os bolsistas sempre estivessem motivados não só a pesquisar, como a apresentar os resultados em congressos da área. Desse incentivo, em 1993 iniciamos um projeto-piloto de análise da concordância verbal com o pronome tu na fala de informantes do banco VARSUL de Florianópolis e Porto Alegre, que depois resultou em nossa dissertação de mestrado, conforme Loregian (1996). Tendo em vista a relevância da questão da concordância verbal com o tu e aos poucos estudos descritivos sobre esta temática, resolvemos efetuar uma (re)análise da concordância apresentada em 1996 para Florianópolis, Porto Alegre e o Ribeirão da Ilha, bem como estender o estudo para as três cidades do interior de Santa Catarina – Chapecó, Blumenau e Lages – e às três cidades do interior do Rio Grande do Sul – Flores da Cunha, Panambi e São Borja – pertencentes ao banco VARSUL. Além disso, com o intuito de desenvolver uma pesquisa mais abrangente sobre os pronomes de segunda pessoa, decidimos incluir também a análise de uma outra regra variável – a alternância pronominal tu/você – para verificar até que ponto esses pronomes estão em uso no Sul. A análise da alternância tu/você e da concordância verbal com o pronome tu em todas as cidades do banco VARSUL de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul pode ser conferida em Loregian-Penkal (2004). No presente trabalho, vamos nos ater aos resultados das variáveis sociais em relação à alternância tu/você em três cidades do interior do Rio Grande do Sul: Flores da Cunha; Panambi e São Borja. 1. Perspectiva teórica - O emprego das formas tu e você constitui a variável em análise neste trabalho. Diante disso, a abordagem teórico-metodológica não poderia ser outra senão a variacionista; afinal, e parafraseando LABOV, parece não haver dúvida de que se está diante de maneiras alternativas de dizer a mesma coisa, em contextos idênticos, e vamos testar se com o mesmo valor de verdade. Segundo a abordagem variacionista, são os dados produzidos em circunstâncias reais que revelam a verdadeira configuração de uma dada língua, bem como os seus caminhos de mudança. Ao assumirem que as mudanças podem ter motivações sociais, os variacionistas admitem, então, que os fenômenos variáveis, aqueles expressos por duas ou mais variantes, apresentam tendências regulares passíveis de serem descritas e explicadas por restrições de natureza lingüística e não-lingüística. Dessa forma, a Sociolingüística Variacionista vem firmar o tratamento da variabilidade lingüística, sistematizando-a de modo a desmistificar a visão que se tinha de que os fenômenos de variação eram caóticos e, por isso, impossíveis de serem analisados. Com sua abordagem teórico- metodológica, Labov quer mostrar justamente o contrário: que a heterogeneidade lingüística é sistemática, não aleatória, visto que, ao contrário do que se apregoava, a aparente confusão do dado real de fala não existe, porque a variação é regulada, constituindo padrões sociais e lingüísticos. 2. Alternância pronominal tu/você - Em relação à nossa variável dependente, constatamos exemplos como em (1), abaixo, em que há ocorrências em que só aparece o pronome tu, sem haver a alternância com o pronome você: (1) - [...] tu olha assim tu jura: isso aqui é exportado porque ele solda tão perfeito que tu olha assim tu não acha onde tá soldado. (SBO 10 FBPRI- 0866). As ocorrências, conforme o exemplo (1), apresentaram-se tanto com o pronome tu explícito quanto ausente, mas com a respectiva flexão canônica de segunda pessoa. Quando tal flexão não ocorria, tomamos o cuidado de controlar por período, como ocorre no exemplo (2), ou seja, o pronome tu deveria necessariamente aparecer antes da ocorrência sob análise e, para considerarmos a forma como pertencente ao tu, não poderia haver alternância com o pronome você no mesmo período. (2) - tu corta a galinha em pedaços, depois tu frita com cebola, aí tu deixa cozinhá bem. Depois tu tira a galinha, Æ desfia a galinha, Æ bota de volta no molho, aí tu vai e prepara o molho, né? (FLC 03 FACOL - 0258). Por outro lado, também encontramos ocorrências (raras, na verdade) em que só aparece no mesmo turno o pronome você, como pode ser constatado no exemplo (3), em que esse pronome, a exemplo do tu, aparece tanto explícito quanto apagado. Para essa análise, tomamos as mesmas precauções descritas para o pronome tu, ou seja, o pronome você deveria aparecer explícito no mesmo período para considerarmos a forma como pertencente ao você. (3) - e na Sicilia, por exemplo, quando você tá no Norte da Itália você imagina que a Sicilia é uma pobreza tremenda. (FLC 12 MBPRI - 0063). Por fim, há ocorrências em que se constata a alternância pronominal, como pode ser verificado no exemplo (4), em que tanto o pronome tu, quanto o você são utilizados pelo falante, no mesmo turno. (4) - [...] porque a costela aí você guarda dentro, tu bota numa geladeira e pronto. (FLC 11 MACOL - 0860). 3. Variáveis trabalhadas - Ao focalizarmos como objeto de estudo a variação existente na escolha pronominal de segunda pessoa tu/você, bem como a variação da concordância verbal com o pronome tu, entendemos – com Labov – que tal variação não é aleatória ou livre, mas sim motivada ou controlada por fatores lingüísticos e extralingüísticos, tornando-se possível analisar e descrever tal heterogeneidade. Os grupos de fatores são, portanto, peça importante em estudos pautados pelo método laboviano, uma vez que é através deles que se pode analisar o fenômeno lingüístico observado e definir que limites serão estabelecidos para a pesquisa. Ou seja, é no cotejo de fatores lingüísticos e sociais que se pode observar de que forma se dá o fenômeno da variação que integra o objeto de estudo. Tendo isso em mente, para o presente trabalho – após observação dos contextos de ocorrência da alternância pronominal tu/você, bem como da (re)análise das variáveis trabalhadas por LOREGIAN (1996) – estruturamos as variáveis em uma dependente e 10 independentes, seis lingüísticas e quatro sociais, conforme segue: 1) Tipo de interlocução; 2) Determinação do discurso; 3) Gênero de discurso; 4) Explicitação do pronome; 5) Alternância dos pronomes tu/você no mesmo período/turno; 6) Tempo verbal; 7) Localidade/etnia; 8) Escolaridade; 9) Faixa etária e 10) Gênero. 4. Principais resultados - Vamos apresentar, nesta parte, os resultados atribuídos pelo programa VARBRUL às variáveis sociais elencadas. Antes, porém, apresentamos no Quadro 1 de que forma se apresenta a amostra estudada em relação ao uso dos pronomes-sujeito de segunda pessoa no interior do Rio Grande do Sul. Quadro 1 - Distribuição dos informantes quanto à alternância tu/você Localidades só TU só VOCÊ TU/VOCÊ Total Flores da Cunha 13 - 10 23 Panambi 07 - 14 21 São Borja 14 01 06 21 Total 34 01 30 65 O primeiro destaque é em relação à ausência de informantes que usam categoricamente você em Flores da Cunha e Panambi; em São Borja há só um informante que usa só você. Por outro lado, 13 falantes de Flores da Cunha (dos quais 09 são mulheres); 07 de Panambi (05 são mulheres) e 14 de São Borja (10 são mulheres) são categóricos no uso de tu. Em São Borja o número de mulheres de só tu é tão expressivo que todas as mulheres da primeira faixa etária só fizeram uso desse pronome. Chama a atenção também o número de falantes que têm tu/você em sua gramática: 14 em Panambi, 10 em Flores da Cunha e 06 em São Borja. Assim, de modo geral já podemos perceber que as mulheres de nossa amostra lideram o uso de tu; que em todas as localidades há informantes categóricos no uso de tu e que o número de informantes que usa só você é o menor da amostra, mas, acima de tudo, constata-se que em todas as localidades há informantes que fazem uso da alternância tu/você e para sabermos qual o comportamento desses falantes que têm ambas as formas em sua gramática é que se faz necessária uma análise no indivíduo: é neles que acreditamos encontrar pistas para explicar a variação no uso de tu/você. A análise completa da variação no indivíduo, bem como na comunidade, pode ser encontrada em LOREGIAN-PENKAL (2004). Passemos agora aos resultados atribuídos às variáveis sociais pelo programa VARBRUL. 4.1 Localidade - com este grupo de fatores objetivamos verificar se há alternância no uso dos pronomes de segunda pessoa – tu/você – e em que medida se dá tal alternância nas localidades em estudo. Por outro lado, objetivamos também verificar se a etnia de colonização exerce alguma influência no comportamento lingüístico dos falantes. a) Flores da Cunha (etnia italiana); b) Panambi (etnia alemã); c) São Borja (zona de fronteira); Tabela 01 - Alternância tu/você por Localidade Fatores Apl./Total % P.R. Flores da Cunha 654/784 83% 0,37 Panambi 395/467 84% 0,30 São Borja 663/701 94% 0,76 Total 1712/1952 89% Para as três cidades do interior do Rio Grande do Sul, temos Flores da Cunha e Panambi com resultados bastante próximos, com pesos relativos de 0,30 e 0,37, respectivamente, enquanto São Borja aparece com peso relativo de 0,76 e favorecendo o aparecimento de tu.