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1 MÉXICO REVIDA: CRÍTICAS AO IMPERIALISMO DOS EUA EM MACHETE (2010) RODRIGO APARECIDO DE ARAÚJO PEDROSO* Introdução O presente texto tem como objetivo fazer uma breve análise historiográfica do filme Machete (2010) dirigido por Robert Rodriguez e estrelado por Danny Trejo, ambos nascidos nos EUA e com descendência mexicana. A produção trata-se de típico filme de ação hollywoodiano, contém diversas cenas de perseguição, tiros, explosões, lutas e mortes extremante violentas. Entretanto, a produção se diferencia das demais do gênero por apresentar como herói um mexicano e como vilões grupos racistas e xenófobos. A trama se passa no estado do Texas e narra as aventuras do ex-agente federal mexicano Machete Cortez (Danny Trejo); que teve sua família assassinada pelo narcotraficante Rogelio Torrez (Steven Seagal) e quase foi morto também. Três anos depois Machete está vivendo como imigrante ilegal no Texas e procura bicos para se sustentar. No decorrer da trama ele é contratado por Michael Booth (Jeff Fahey) para matar um senador texano corrupto e xenófobo, chamado John McLaughlin (Robert DeNiro) que deseja expulsar/exterminar todos os imigrantes mexicanos e construir uma certa eletrificada separando as fronteiras. O senador também está evolvido com um grupo de supremacistas brancos, liderados por Von Jackson (Don Johnson), que atuam como vigilantes na fronteira exterminado os mexicanos que tentam entrar no país. Booth na verdade é amigo e assessor do senador, e planejou o atentado para melhorar a campanha de reeleição de McLaughlin, e arrumar uma justificativa para tomar medidas mais duras contra imigrantes. O plano não dá muito certo, pois Machete não age do jeito que era esperado e no decorrer do filme ele procura descobrir o que de fato está ocorrendo e se vingar. * Doutorando em História Social – FFLCH/USP. 2 Em Machete vemos um imigrante ilegal mexicano, socialmente excluído, lutando com todas as suas forças para impedir que um grupo político xenófobo e corrupto consiga realizar seus planos de limpeza étnica. Ficcionalmente a obra apresenta um herói de origem mexicana que atua como um tipo de vingador. Machete é um personagem que representa e revida em nome de uma comunidade historicamente dominada e excluída por uma grande parte da sociedade estadunidense. Através de uma narrativa repleta de violência, humor e ironia Machete discute a questão referentes a imigração de mexicanos, controle de fronteiras, e a forma como estes são tratados e segregados nos Estados Unidos. O filme também questiona o discurso democrático/imperialista norte-americano e outros temas de relevância política e social. Assim, o presente texto tem como objetivo expor algumas das questões identitárias e sociais que o filme discute. E, também, analisar a mensagem transmitida e as soluções que a obra propõe para o problema de convivência entre imigrantes mexicanos e os descendentes de imigrantes britânicos que vivem nos EUA. A análise da obra também permite compreender a produção cinematográfica como meio de difusão de ideias que questionam relações de poder estabelecidas. Machete e as políticas de restrição a imigração nos EUA Machete é um filme de ação com um claro subtexto político e social que dialoga com temas referentes a complexa questão da imigração nos EUA. A imigração, ou melhor, o controle da entrada de imigrantes no país é uma questão polêmica, pois ela é pautada muitas vezes em preconceitos. Há maiores restrições à entrada de imigrantes vindos de determinadas regiões, como África, Ásia, América Latina e Oriente Médio; já imigrantes europeus e do Canadá têm menos problemas para entrar e residir nos EUA. O grande problema do país é controlar a entrada de imigrantes pela fronteira com o México. Tanto os governos dos estados que fazem fronteira quanto o governo federal têm tentado ao longo de anos estabelecer medidas eficazes que proíbam a entrada de imigrantes mexicanos ilegalmente no país. A maioria delas é falha e muitas vezes pautada em justificativas xenófobas que geram críticas e manifestações contrarias. 3 O filme foi lançado em um período que o país passava por mudanças governamentais devido a eleição de Barack Obama para presidência em 2009. A eleição de Obama, primeiro presidente negro de descendência estrangeira1 dos Estados Unidos. De acordo com David Manuel Hernandez (2013) a campanha e a posterior eleição de Obama alimentaram a esperança de haveria mudanças na forma como as minorias são tratadas no país. Entretanto, essas mudanças não se realizaram da maneira que era esperada. Hernandez afirma que durante sua campanha Obama havia prometido modificar as leis de imigração. E tinha um discurso bilíngue no qual dizia “Todos somos Americanos – We are all Americans”, indicando que em sua administração as coisas seriam diferentes para a população não anglofônica. As esperanças da população latina dos Estados Unidos foram frutadas quando [...] o governo Obama instituiu uma reforma de imigração limitada. Reviu as iniciativas da era Bush, ajustou ou manteve as políticas de aplicação de fronteiras e interior do governo anterior, bem como iniciou a reforma das políticas de detenção. Também fez pequenas modificações no processamento de imigração e na política de asilo, bem como apresentou algumas das questões políticas postas como prioridades durante a campanha. Uma razão para essas reformas não abrangentes é que as mudanças administrativas não exigem aprovação do Congresso. Como representante Zoe Lofgren afirma: "Você não precisa de 218 votos na Câmara e 60 votos no Senado, ou tempo de chão ou tempo de debate." Ana Avendano da AFL-CIO também sugere: "Ele não tem que passar por Congresso. Ele não precisa passar pelo processo político tóxico” (Gorman, 2009b, A13) (HERNANDEZ, 2013:31, tradução nossa). O autor indica que as reformas modestas do governo Obama visavam evitar um grande embate entre o poder executivo e legislativo, pois a questão da imigração é muito polêmica entre os congressistas de ambos os partidos majoritários dos EUA (Republicanos e Democratas). Além disso, Obama investiu grande parte de seus esforços enquanto presidente para aprovar sua reforma no sistema de saúde. E negligenciou a questão da imigração delegando aos estados a responsabilidade para lidar com o problema da maneira que achassem melhor. Em 2010, quando o filme foi lançado, o estado do Texas havia aprovado uma lei que obrigava pessoas que não parecessem nativas a mostrar seus documentos. No período, 1 A mãe de Obama é americana e seu pai é queniano. Os dois se conheceram e casaram nos anos 60 no estado do Havaí. Para maiores informações sobre Barack Obama e sua família e vida consultar a biografia: OBAMA, Barack. Dreams from my father. New York: Canongate, 2007. 4 também houve um crescente detenção e deportação de estrangeiros ilegais. Machete, discute de forma indireta alguns problemas relacionados a como o poder público e a sociedade estadunidense têm lidado com o problema da imigração. Porém em entrevistas o diretor Robert Rodriguez deixou claro que seu objetivo com o filme não era o de fazer uma obra panfletária e/ou militante. Por exemplo, em uma entrevista o cineasta afirma que: [...] seu filme “não é sobre imigração”. O diretor garante que todos esses problemas já existiam há 16 anos, quando pensou pela primeira vez na história. Por isso, não gostaria também de ver “Machete” transformado num manifesto político. Para ele, “tudo isso torna meu filme mais relevante e, espero, mais excitante de assistir”. Entretanto, reconhece que há estados nos EUA, como o Arizona, que estão “tentando as soluções erradas” na questão da imigração”. E arremata: “Em algum momento, o governo vai ter que fazer algo a respeito”2 Rodriguez deixa claro que algumas das questões que existem no filme não se referem ao contexto imediato da obra, mas a uma condição histórica que ele identificou e colocou no roteiro do filme há pelo menos 16 anos. Em outra entrevista, quando questionado se ele não temia que seu filme ofendesse as pessoas ele deu a seguinte declaração: Pessoalmente, eu acho que é bem difícil levar esse filme a sério. Foi apenas uma questão de timing ver que ele está relacionado a assuntos reais, porque aí você assiste com um olhar diferente. Se não fosse o assunto do momento, você assistiria e não pensaria muito a respeito. Seria apenas um contexto normal. Isso só ajuda a recriar o clima dos filmes exploitation dos anos 70 e 80 (RODRIGUEZ, 2010: s/p). As falas de Rodriguez indicam que ele possui um opinião política sobre a questão da imigração, mas que em seu filme ele não tinha a intensão de abordá-la, e também não pretendia discutir temas que estavam em pauta no período em que o filme foi lançado. Aparentemente, seu objetivo com o filme era fazer um homenagem ao filmes de ação dos anos 1970 e 1980, mas ele não chega a negar a existência de uma mensagem política e social em sua obra. Mesmo que sem intencionalidade Machete trava uma importante discussão com as formas como a imigração é entendida nos Estados Unidos. Isso fez o filme tornar-se uma obra relevante na discussão e redefinição de estereótipos 2 Disponível em: <https://cinema.uol.com.br/veneza/ultimas-noticias/2010/09/01/em-machete-robert- rodriguez-cria-heroi-latino-que-pretende-ser-universal.jhtm> Acesso em: 25/06/2018. 5 preconceituosos com relação aos mexicanos e a comunidade latina dos EUA de modo geral. Redefinindo estereótipos latinos na mídia estadunidense Robert Rodriguez é um conhecido diretor norte-americano, nasceu no Texas em 1968, e iniciou sua carreira de forma modesta fazendo filmes curtos em sua própria casa e com a ajuda de parentes. Em 1992 conseguiu lançar seu primeiro filme comercial El Mariach (O Mariachi), que foi financiado com dinheiro que Rodriguez ganhou sendo cobaia de medicamentos3. Seus filmes costumam abordar temas relacionados a cultura e ao cotidiano da comunidade mexicana.