Chico Science E Nação Zumbi: Narrativa, Performance, Movimento Manguebeat

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Chico Science E Nação Zumbi: Narrativa, Performance, Movimento Manguebeat Chico Science e Nação Zumbi: narrativa, performance, movimento manguebeat Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tú. Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus (A cidade, Chico Science e Nação Zumbi) Na década de 1990, o Brasil viva uma efervescência cultural basicamente focados no eixo de Rio de Janeiro e São Paulo, considerados os maiores produtores culturais do país. O que se produzia e se destacava nesse cenário era rock n’ roll brasileiro, que apesar de questionar uma ordem social, trazia em seu som um aspecto globalizante da cultura. Mantinha uma relação com o rock n’ roll americano e inglês, com algumas ressalvas. O nordeste era inserido nesse contexto através do Axé Music, que representava sim, uma liberdade sobre o corpo, sem precedentes nas mídias, mas que reduzia toda uma cultura a um determinado padrão, de músicas com duplo sentido e danças hiper-sexualizadas. Além disso, ritmos nordestinos como o frevo, o coco, o forró e a ciranda eram entendidos pela indústria cultural como algo folclórico e por isso dispensáveis. Ou utilizado como uma forma de exemplificar um passado, não tão distante, mas fora de uma contemporaneidade hi-tec, influenciada pelas inovações informáticas. A era da digitalização não possuía espaço para uma música considerada “antiga”. Cabe ainda falar sobre alguns aspectos econômicos e sociais da década de 1990, já que neste período um dos conceitos mais utilizados é o da Globalização1. Este um dos frutos do sistema capitalista em plena expansão. Enquanto tal fenômeno pode ser entendido como uma aproximação mundial através das tecnologias, no entanto o mesmo 1 “De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção.” SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. 5ª edição, Rio de Janeiro, Editora Record. 2001. fenômeno torna-se excludente, já que aproxima apenas as áreas de interesse comerciais. No caso do Brasil, a Globalização aproximava os eixos Rio/São Paulo de outras potências mundiais, e excluía as áreas marginais, como o nordeste brasileiro, área possuía dificuldades econômicas e sociais. Incluído neste pensamento estão as cidade pernambucanas de Recife e Olinda, aonde então, pode-se começar a explicar de forma mais contundente o objeto de estudo deste trabalho. No início dos anos 1990, nas cidades de Recife e Olinda um grupo de jovens começou uma articulação cultural para escapar das mazelas que já sofriam cotidianamente. Recife, neste mesmo período, era considerada a pior cidade para um jovem crescer2, por diversos motivos, entre eles a violência. Estes jovens também eram influenciados pelo rock n’ roll americano e inglês, assim como o punk rock, o rap o funk e o hip-hop. No entanto, não possuíam a mesma visibilidade que as bandas e grupos que tinham a oportunidade de ir até o Rio de Janeiro ou São Paulo. Isso por que, eram em sua maioria, pobres e moradores das favelas de Recife, que não possuíam os mesmos recursos tecnológicos e possibilidade de viagens até o sudeste brasileiro, como os jovens que se destacavam no cenário naquele momento. Em um trecho do depoimento do atual vocalista Jorge Dupeixe busca explicar a importância entre a música estrangeira e da música brasileira afirma: “Nunca coloquei na balança isso (qual música é mais importante), não. Pra mim, música é universal. É a gente tem que valorizar nossa cultura, se fazer ouvir na sua língua e tal, mas a música é universal. A gente tocou várias vezes lá fora e mesmo com a barreira da língua a música as vezes fala por si. As pessoas, chegavam juntas às vezes e diziam: “ - não estou entendo o que vocês dizem, mas eu sei o que vocês querem, estão tentando dizer algo ou reclamando algo de importante ou coisa do tipo, assim”. Mas a música no 2 “No Brasil, a Região Metropolitana do Recife tem se destacado como uma das áreas metropolitanas de maior incidência de mortes por causas violentas. Nos anos 90, a taxa de mortalidade por causas externas na RMR aumentou 18%, tendo passado de 90,2 óbitos por 100 mil habitantes no triênio 1990/92 para 93,2 no triênio 1995/97 e para 106,3 por mil habitantes no triênio 2000/2002” César, Isadora Albuquerque. Brasil é diferente da música do mundo, cada lugar tem a sua cultura e o seu peso, a música no Brasil é muito rica porque traz elementos de vários lugares do mundo.” O que daria uma nova visibilidade a este grupo de jovens seria a música nordestina, a mesma música considerada arcaica pela grande mídia, é a que iria vir a proporcionar uma nova relação da Indústria Cultural3 com o nordeste. No início dos anos 1990, então, seria o ano em que um grupo de jovens entre 17 e 20 anos, se uniria para criar a banda conhecida como Chico Science e Nação Zumbi. O grupo anteriormente chamado de Lamento Negro, se formou dentro de um centro de educação e cultura chamado Daruê Malungo4, na comunidade de Chão de Estrelas em Recife. Chico Science, o mentor da banda, acreditava que a música nordestina não deveria ser vista como um vestígio do passado, até por que em Pernambuco, o maracatu era um ritmo ainda muito presente no cotidiano das pessoas. Logo, entende-lo como um ritmo folclórico era considerado um engano. Assim como Jorge que acredita há valor musical em qualquer ritmo: “Frevo é o frevo e é tão importante quanto o Jazz. As músicas e os seus lugares têm os seus valores devidos, ali ele (o som) é importante mesmo...” Na música de abertura de seu primeiro disco, Science diz: “- Modernizar o passado é uma evolução musical.” Tal ideia pode ser entendida como uma base para compreender a produção do disco da banda, o Da Lama ao Caos de 1994. Neste contexto, Chico Science se posicionou com um articulador e agitador cultural de Recife, isto por que o mesmo propôs que todos os jovens que possuíssem alguma banda, independente do ritmo que tocasse, deveria se unir. Esse movimento de união gerou festas e pequenos festivais aonde esses grupos podiam se apresentar. Graças a essa agitação cultural, começaram a existir espaços onde os jovens passaram a ir. Mesmo 3 Indústria Cultural é um termo que relaciona a produção cultural ao ideal da mercadoria na sociedade capitalista. Segundo o Adorno, nesse tipo de sociedade a produção cultural se assemelha a uma indústria de produtos, cada vez mais alienantes, voltados exclusivamente para o esvaziamento do ideal político em prol do entretenimento das massas. 4 (referências sobre a Daruê Malungo) quem não tivesse uma condição financeira boa, passou a encontrar um lugar para basicamente ouvir música e conversar. Com o intuito de ser uma descrição para uma das festas, Science aliado a Fred 04, vocalista da banda Mundo Livre S.A. escreveram em 1992, um manifesto, conhecido como o Manifesto dos Caranguejos com Cérebro5. Neste manifesto Science e Fred 04 sintetizaram de uma forma poética e metafórica o que estes jovens queriam ao se articular culturalmente. Dentre as metáforas que chamam a atenção, está no fato de compararem o movimento cultural a um mangue. Neste sentido, o maior recurso do movimento em questão seria a diversidade, assim como o mangue, o que salvaria o cenário cultural de Recife seria aproveitar todos os grupos que quisessem se envolver nessa articulação. Assim, neste movimento, eram aceitos grupos que tocavam todos os ritmos, desde o rock n’ roll até o maracatu. Bem como Dupeixe coloca em sua entrevista quando questionado sobre o que seria o Manguebeat: “É a metáfora maior de fazer com que o seu lugar se tornasse melhor pra, pra se divertir acima de tudo. Tinha a ideia de Chico que tudo isso era diversão levada a sério. Era calçado mais ou menos em cima disso. A gente queria só um espaço pra se divertir, pra levar as ideias o mais longe possível. É, sem monólitos, sem amarras a gente tinha essa ideia da fertilidade, do plural, né, da diversidade. Sempre se calçou na diversidade, cara. Tanto é que você pode ir a vários lugares, você pode ir a vários lugares por que se limitar ir a um lugar só? E definir o que é o Manguebeat é muito difícil, se eu definisse isso em poucas palavras acho que estaria castrando ou podando algo que ainda tá, tá acontecendo. Ora, se a crítica inicial era sobre como os eixos de Rio de Janeiro e São Paulo, só expandiam musicalmente tais ritmos globalizados, qual o motivo do Manguebeat ter se destacado, já que o mesmo aceitava também os ritmos globalizantes? Para está 5 Neste trecho do Manifesto publicado no jornal do Comércio em 1992 há algumas visões sobre o movimento Manguebeat: “Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários.
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