Masarykova univerzita Filozofická fakulta

Ústav románskych jazykov a literatúr

Portugalský jazyk a literatúra

Katarína Lipová

Brasil nos anos sessenta e a música como o seu espelho

Bakalárska diplomová práca

Vedúca práce : PhDr. Zuzana Burianová, Ph.D.

Brno 2016 Prehlasujem, že som bakalársku prácu vypracovala samostatne s využitím uvedených prameňov a literatúr.

Prehlasujem že tlačená verzie sa zhoduje s verziou uloženou v archíve v Informačnom systéme MU.

......

2 Índice

1. Abstrato ...... 5

2. Introdução ...... 6

3. O período e música antes dos anos sessenta ...... 7

4. Os principais pensadores do Tropicalismo e outras personalidades importantes...... 9

4.1. ...... 9

4.2. ...... 10

4.3. Os mutantes ...... 11

4.4. Tom Zé...... 11

4.5. ...... 12

5. Definição e história da Tropicália ...... 13

5.1 Antropofagia em tropicália...... 17

6. Música como espelho ...... 18

6.1. Harivelto Martins e Grande Otelo - Adeus, Mangueira ...... 18

6.2. Carlos Lyra - Influência do Jazz ...... 19

6.3. Tom Zé - Parque Industrial ...... 20

6.4. Gilberto Gil e - Galéia Geral ...... 21

6.5. Caetano Veloso - Alegria, alegria ...... 24

6.6. Os Mutantes - Panis et Circenses ...... 26

6.7. - Não sonho mais ...... 26

6.8. Caetano Veloso, Gal Costa - Baby ...... 28

7. Conclusão ...... 30

8. Bibliografia ...... 32

3 9. Fontes eletrónicas ...... 33

10. Manifestos, Dicionários, Filmografia, Discografia ...... 34

4 1. Abstrato

LIPOVÁ, Katarína: Brasil nos anos sessenta e a música como o seu espelho. Masarykova univerzita, Filozofická fakulta; Ústav románskych jazykov a literatur. Školiteľ: Zuzana Burianová PhDr., Ph.D., bakalár, Brno: FF MUNI, 2016

O objeto da análise do nosso trabalho são os anos sessenta do Brasil, principalmente o movimento Tropicália e seu impacto sobre o desenvolvimento cultural brasileiro. O trabalho é dividido em 4 capítulos. A primeira parte trata do contexto histórico antes e durante a época, do desenvolvimento e dos origens da música brasileira. A segunda parte nos apresenta os principais pensadores do Tropicalismo e outras figuras importantes da época. A terceira parte aproxima mais o que realmente o tropicalismo é, com a sua definição e apresentação dos anos sessenta. A última parte apresenta a música do tempo tropicalista como um espelho desta época. É descrito o caráter único desse movimento ao qual as artistas responderam diretamente, criando assim um movimento único no mundo. Também comparámos a tendência atual de intrusão política e cultural, que só aumenta a sensação e singularidade do movimento tropicalista.

Palavras chaves : Brasil, Tropicália, Música, Bossa Nova, Caetano Veloso, Gilberto Gil

5 2. Introdução

O ponto da focalização desta tese é a música brasileira, o seu desenvolvimento original, especificamente na época dos anos sessenta. O principal sujeito da análise é a canção brasileira popular, que neste período particular ganhou um significado mais importante daquele de apenas divertir, fazer relaxar ou aliviar o povo brasileiro. A vontade de criar é palpável e não só criar, mas também ativamente influenciar. Este trabalho tem como objectivo analisar e aproximar o movimento tropicalista e os seus líderes, assim como as ideias mais marcantes deles. Escolhimos este tema pois o impacto enorme deste movimento é fascinante. Não há muitos movimentos de tamanha extensão quanto à influência mundial. As melodias da Tropicália emergiram em todos os cantos do planeta e é tocado até hoje em dia por vários artistas em várias versões e adaptações. A maneira como os pensadores do Tropicalismo definiram um outro nível da música é notável. Em contraste com isso é interessante que com os eventos trágicos e revolucionários não há mais músicos ou movimentos deste tipo, falando dos eventos ocorrentes.

A tese é dividida em quatro capítulos. O primeiro capítulo fornece uma descrição breve da história do Brasil e da história da canção brasileira antes dos anos sessenta. A visão geral da história permite-nos compreender melhor o desenvolvimento do Brasil e da musicalidade da canção brasileira. Esta parte define as raízes da canção brasileira popular, explora as influências importantes e mostra as personagens mais imponentes do período. O segundo capítulo começa com uma breve apresentação dos dois principais e mais importantes pensadores do Tropicalismo, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Continua com uma apresentação de outras personagens importantes desse movimento. No terceiro capítulo apresentamos a descrição da história do período dos anos sessenta e o verdadeiro propósito dele. O contexto histórico e as visões do tempo permitem-nos a compreender melhor este movimento da vanguarda, as suas ideias e esperanças. Também refletimos sobre o fato que a época do Tropicalismo teve uma duração bastante curta e não foi capaz de realizar todos os seus objectivos. O último capítulo inclui uma análise de umas canções escolhidas para demostrar a verdadeira ligação entre a música e história. Os artistas tentaram refletir e expressar algo que eles próprios ou o povo brasileiro estavam a pensar ou sentir. Analisámos as canções, as suas formas musicais, assim como as formas verbais. Por último elaborámos um resumo a salientar a importância do movimento e seu legado na música brasileira. Falamos sobre a singularidade desse movimento.

Devido à falta de materiais especializados aqui, na Republica Checa e Eslovaca, fomos forçados de usar uma grande quantidade das fontes electrónicas. Graças à professora Burianová, que me mostrou a tese de mestrado de Milan Tichý, foi possível obter um ponto de partida. Desta maneira obtivemos uma mais detalhada percepção relativamente ao tema e descobrimos as fontes aqui não acessíveis. Começámos a escrever esta tese conscientes do facto que se trata de um tema extremamente amplo. Queremos destacar pelo menos a importância do movimento tropicalista por ser o primeiro movimento tão vasto, que influenciou não só o seu país de orígem, mas também o resto do mundo.

6 3. O período e música antes dos anos sessenta

Para perceber melhor de onde vinha a Tropicália é necessário apresentar uma breve descrição do período do nascimento da música brasileira e o desenvolvimento histórico durante a época anterior à revolução. O primeiro europeu a colonizar o Brasil foi Pedro Álvares Cabral do Reino de Portugal, dia 22 de Abril de 1500. Desde o século XVI. até aos primeiros anos do século XIX, Brasil era uma colónia e fazia parte do império português. O país expandiu para o Sul ao longo da costa e ao longo da Amazônia e outros rios interiores no Oeste. Trata-se do maior país da América do Sul e antes de 1500 foi habitado por várias nações tribais. Permaneceu uma colônia portuguesa até ano 1808, quando a capital foi transferida de Lisboa para o Rio de Janeiro. Em 1815, a colônia foi elevada para um Reino. A sua independência foi conquistada em 1822 com a criação do Império do Brasil. O país transformou-se numa República presidencial em 1889 em seguida a um golpe do estado militar. Uma junta militar autoritária chegou ao poder em 1964 e governou até 1985. A constituição atual do Brasil, formulada em 1988 é uma República federal democrática.

A música do Brasil engloba vários estilos de música regional, influenciados por formas africanas, europeias e ameríndias. Toda a sua cultura foi influenciada significativamente pelos Africanos, que foram importados como escravos em cada vez mais frequência.1 A formação do som característico brasileiro ocorreu no contexto de uma união dos colonizadores e missionários europeus com a população indígena original e os escravos africanos. Neste processo de miscigenação cultural, que é característica para toda a cultura brasileira, os europeus trouxeram canções ibéricas seculares, mas também melodias e formas de hinos religiosos. Os estilos musicais tem orígem prevalentemente na cultura europeia. A vitalidade rítmica da música brasileira provém da tradição indígena, com os seus rituais religiosos e uma mistura exótica. As danças e os cantos rituais rítmicos da população nativa eram acompanhados por instrumentos primitivos. A partir do século XVII, os escravos africanos trouxeram o ritmo quente dos rituais do culto religioso de candomblé. Os colonizadores portugueses, que acompanhavam o canto com cavaquinhos 2 , bandolim ou guitarra portuguesa, apresentaram as baladas lentas. Desde o início, o movimento sensual do corpo - inspirado em grande parte pelas danças dos escravos africanos - foi incorporado na dança brasileira. Mesmo os rítmos de dança importados da Europa, como polca e

1 Srov. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, 26. p. 53–55. ; disponível na Internet http://fjm.ikhon.com.br/proton/imagemprocesso/2013/07/ EC3ED65F077EA3F500E4%7Dh_s_b_de_rz_br.pdf ; [online] [consultado 28.11.2016]

2 Cavaquinho é um instrumento semelhante ao ukulele. 7 mazurka, foram transformados no maxixe, ou o tango que se tornou muito popular na década dos anos vinte. Durante o século XVIII., a música brasileira gradualmente perdia o caráter ritual. Enquanto se mantinham as ritmicalidades africanas, originavam as músicas de formas populares com coros melódicos ou diálogos cómicos. No século XVIII. houve intensa atividade musical em todas as regiões mais desenvolvidas do Brasil, com suas estruturas educacionais. As poucas orquestras privadas tornaram se mais comuns, e as igrefas apresentaram uma maior variedade de música. Na primeira metade deste século, as obras mais destacadas foram compostas por Luís Álvares Pinto ou por exemplo Antônio José de Silva. “Antônio fez sucesso com por exemplo As Guerras do Alecrim e da Manjerona, ópera que foi musicada por António Teixeira, com realidades e críticas da vida política, social, econômica e cultural do país.” 3

Na segunda metade desse século surgiram os primeiros compositores brasileiros, dos quais a maior parte era de raça mulata. A música era principalmente de caráter sagrado. Com o empobrecimento das Minas Gerais no final do século, o foco da actividade musical mudou para outros centros, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo. Um factor de grande importância para as mudanças na história do Brasil foi a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, e também a abolição definitiva de escravatura em 1888 e a posterior declaração de uma República em 1889. Estes acontecimentos sociopolíticos causaram uma mudança na sociedade brasileira, mas também em outras esferas, como por exemplo cultura e música. Uma outra forma popular que apareceu na virada do século XVIII. e XIX. era a modinha. Trata-se duma pequena canção vocal ou instrumental inspirada pelas melódias de óperas italianas. Uma outra abordagem para composição da música ocorreu durante o século XIX. Na antiga capital, Rio de Janeiro, surgiu um grupo de compositores musicalmente educados, que substituiu a tradição do clássico europeu compolca, valsa, marchas e coros - gêneros que serviam para o entretenimento, mas também tinham uma importância na formação e caracterização das personagens e situações no teatro de revista.4 A ópera no Brasil foi muito popular até a metade do século XX., e no final do século XIX. apareceram os maiores compositores de música sinfônica.

As primeiras músicas, ainda tomadas em cilindros de fonógrafo de Edison vêm do ano 1897. Depois do ano 1904 com o advento de gramofone melhorou a qualidade dos discos e nasceu a primeira geração dos profissionais de uma indústria - a indústria de música. A produção da música do Brasil nos anos 20. do século 20. é caracterizada pela busca do melhor alinhamento de texto e música possível. Os criadores tornaram conscientes do facto que é mais importante a temática e clareza, e proximidade de texto ao povo. 3 Em 1964 General Castelo Branco assumiu a presidência e o regime militar iniciou.

3 LAGO, Sylvio; Música Erudita Brasileira Gêneros e Formas. São Paulo, 2016; Editora Biblioteda 24Horas p. 293/294; citação

4 TICHÝ, Milan; Caetano Veloso a brazilský tropikalismus. Praga: 2012 ; Univerzita Karlova v Praze, p.14; p.22 parafrase 8 4. Os principais pensadores do Tropicalismo e outras personalidades importantes

Caetano Veloso e Gilberto Gil provinham ambos de Bahia. Eram filhos da bossa nova - o estilo musical que no final da década de 1950 conquistou o planeta.

4.1. Caetano Veloso (Caetano Emanuel Viana Teles Veloso)

Caetano Veloso, nascido 7. agosto de 1942, é um músico, produtor, arranjador e também escritor brasileiro. Absorveu a rica herança musical baiana que foi influenciada pela música pop caribenha, africana e da América de Norte. Veloso absorveu a música folclórica nos festivais locais, onde se cultivou a tradicional samba de roda. “O samba de roda é um tipo de música e dança praticado sobretudo por afro-brasileiros no Estado da Bahia, onde nasceu o Caetano.” 5 Também não perdeu quase nenhum filme no cinema local, se era brasileiro, italiano ou era uma produção musical americana. "6 A primeira grande influência foi a canção de João Gilberto “Chega de Saudade”. Para o seu desenvolvimento musical foi também importante uma estadia de um ano com um primo mais velho no Rio de Janeiro em 1956. Foi importante porque lá ele teve a oportunidade de viver numa cidade grande. No ano 1960 Veloso mudou para Salvador com a sua família. Em 1963 inscreveu-se na Faculdade de Arte na Bahia, e encontrou os seus futuros colegas Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé. Seguindo a sua irmã Maria Bethânia para o Rio no início dos anos 60, Veloso com 23 anos, ganhou um concurso de letra com a sua canção “Um dia” e foi rapidamente assinado com o selo Phillips. 7 Em 1966 começou a seguir a carreira dum compositor, e muitos produtores famosos repararam nele. Também se demostrou pela primeira vez como um teorético e crítico de música, quando mencionou a necessidade de renovação do desenvolvimento das canções populares brasileiras na revista “Civilização”. A sua marcha ‘Alegria, alegria’ , escrita no 3. MPB causou uma enorme atenção. Dividiu o público musical e iniciou o movimento Tropicalismo, sendo um dos seus líderes. Em 1968 saiu o seu

5 SANDRONI, Carlos. Samba de roda, patrimônio imaterial da humanidade. Estudos Avançados, São Paulo, v.24, n.69, p. 373-388,2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v24n69/v24n69a23.pdf [consultado 4.12.2016] p.373/374; citação

6 TICHÝ, Milan; Caetano Veloso a brazilský tropikalismus. Praga: 2012 ; Univerzita Karlova v Praze, p.208

7 disponível na Internet: http://www.allmusic.com/artist/caetano-veloso-mn0000639397/biography [consultado 12.12.2016] parafrase 9 primeiro LP a solo, não só com a sua música bem sucedida “Alegria, alegria”, mas também com a canção “Tropicália”, ou “‘Superbacana’”. Após sucesso, mas também desqualificações nos festivais em 1968, e nomeadamente depois das radicais apresentações no seu programa de televisão “Divino maravilhoso”, Veloso, juntamente com Gilberto Gil, é preso por suspeita de difamar o hino e a bandeira nacionais, e no ano seguinte é forçado ao exílio.8 Mesmo em Londres, não deixa de criar e enviar novos artigos e novas canções para cantores e cantoras, com os quais fez amizade na sua pátria.

„Caetano Veloso é, certamente, uma das mais ‘inexplicáveis’ personalidades brasileiras. Não apenas por ser um artista polêmico e camaleônico, cuja força sempre esteve na capacidade de escapar às interpretações convencionais, mas também por se tratar de alguém que não cansou de se auto- explicar ao longo dos seus quarenta anos de vida artística (iniciada em 1965), a ponto de parecer esgotar tudo o que de novo se poderia dizer a seu respeito. Ao mesmo tempo, continua a atrair para si a atenção de um público imenso – dentro e fora do país –, mantendo-se como um foco de controvérsias a exigir sempre novas explicações.“ 9

4.2. Gilberto Gil (Gilberto Passos Gil Moreira)

Nascido em 1942, passou a sua infância na Bahia até a idade de nove anos, quando mudou para Salvador. Começou a tocar acordeão quando tinha oito anos, e ouviu cantores de rua no mercado em torno de Salvador. No final dos anos 50, estudava administração de empresas na Universidade Federal de Salvador e tocava com um grupo chamado, Os Desafinados. “Em 1962 compôs a sua primeira bossa nova, e também o seu primeiro single Coça, coça, lacerdinha. Lacerdinha, ou taeniothrips xanthius é um insecto , que se reproduziu demais nos anos 60. no Brasil. A canção fala sobre uma agradável sensação de comichão ou cócegas sentida por alguns quando picados pelo animal. O fato interessante é o apelido “lacerdinha”, que tem de Carlos Lacerda, o influente jornalista e político que foi um adversário do Getulio Vargas. Lacerda juntamente com Juscelino Kubitschek eram fortes opositores da junta militar depois do 1964.” 10 No ano 1965, Gil mudou-se para São Paulo, e depois de cantar e tocar em vários shows, teve seu primeiro sucesso, quando a cantora Elis Regina lançou a música dele, Louvação. Gil fez sua primeira gravação em 1966, mas seu primeiro hit single não surgiu até 1969, com Aquele abraço. Em 1968 lançou o seu segundo álbum tropicalista, com o grupo de Bahia, , Arnaldo Batista, Sérgio Dias, a banda dos Mutantes e outros que participavam neste LP - manifesto “Tropicália, ou panis et circencis”. Sua fusão musical de bossa nova, samba e outros estilos era tão revolucionária, que depois de prisão foi forçado para exílio com Caetano. 11

8 disponível na Internet: http://www.billboard.com/artist/275772/caetano-veloso/biography [consultado 12.12:2016] parafrase

9 WISNIK, Guilherme. Caetano Veloso. São Paulo: Publifolha, 2005, p. 94. citação

10 TICHÝ, Milan; Caetano Veloso a brazilský tropikalismus. Praga: 2012 ; Univerzita Karlova v Praze, p.213

11 diposnível na Internet: http://www.allmusic.com/artist/gilberto-gil-mn0000652255/biography [consultado 26.12.2016] 10 Depois do retorno do exílio em Londres com Caetano, Gilberto lançou o seu quarto álbum e fez a música para o filme “Copacabana mon amour” do diretor Rogério Sganzerla e voltou à carreira musical. No final da ditadura militar começou a cumprir as suas ambições políticas com a candidatura bem sucedida à Câmara Municipal de El Salvador e quase se tornou o ministro do meio ambiente. Em 2002 foi nomeado o Ministro da Cultura no governo do Luiz Inácio Lula da Silva.12

4.3. Os mutantes

Os mutantes foram uma das bandas mais dinâmicas e radicais da era psicodélica. A banda foi formada por Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee Jones. Originalmente foram nomeados Six Sided Rockers. Os Mutantes tornaram-se a síntese sonora do Tropicalismo graças aos arranjos do maestro Rogério Duprat. Foram indicados aconselhados pelo promotor de atuar como a banda de aquecimento de Gilberto Gil para o 3º festival TV Record e logo se tornaram parte do movimento tropicalista não só como uma banda de apoio e vocalista, mas também com trabalho de autória própria. A banda participou nos acontecimentos tropicalistas incluindo o mais radical salão Sucat no final do ano 1968, que resultou em líderes do movimento presos. Após o tempo como apoio a Veloso, e gravação do segundo LP, a banda aventurou-se para a França e Europa. Após do final dos anos 70, a banda se reuniu em 2006 para fazer turnés e gravar novos materiais.

“Eu juro que é melhor não ser um normal se eu posso pensar que Deus sou eu.” - Arnaldo Baptista e Rita Lee 13

4.4. Tom Zé ( Antônio José Santana Martins)

Nasceu em 1936 e estudou música em Salvador na Universidade Federal da Bahia. Passou a sua infância na cidade natal dele, no Recôncavo baiano. Ainda em Salvador, participou no espetáculo “Nós, Por Exemplo”. As referências musicais mais fortes da infância deles foram os cocos de Jackson do Pandeiro, os forrós de Luis Gonzaga, o folclore local, os tradicionais sambas de roda e as cantigas de violeiros. Mais tarde, ingressou no CPC - um Centro da Cultura Popular que atuou como uma organização de resistência cultural durante a ditadura militar. 14 Durante os seis anos do seu estudo, chegou a conhecer os professores renomados e compositores de vanguarda, tais como Walter Smetak, Ernst Widmer ou Hans Joachim Koellreutter. Graças aos seus textos provocativos, satíricos mas também políticos e acompanhamento musical não convencional

12 disponível na Internet: http://www.gilbertogil.com.br [consultado 26.12.2016]

13 diponível na Internet : http://tropicalia.com.br/ilumencarnados-seres/biografias/mutantes , [consultado 16.12.2016] citação

14 disponível na Internet: http://www.allmusic.com/artist/tom-zé-mn0000932858/biography [consultado 17.12.2016 11 nas suas canções, Tom Zé tornou-se uma figura familiar no ambiente universitário do Salvador. Depois começou a trabalhar com Carlos Capinam e encontrou e tornou-se amigo de Caetano Veloso. Como um pesquisador e crítico satírico entrou nos eventos do grupo tropicalista, e participou nos seus manifestos. Lançou o seu primeiro álbum Tom Zé - Grande Liquidação (1968), que refletiu sobre raízes rurais, língua afiada e reflexão do ambiente da metrópole brasileira. Ao contrário dos seus colegas, nunca aceitou nenhum compromisso comercial. Devido a este fato permaneceu fora da atenção dos mídia ao longo dos anos setenta e oitenta e durante algum tempo completamente abandonou a carreira de músico. Zé voltou para o palco pela primeira vez nos Estados Unidos, na Europa e no final comemorou o seu retorno para casa. 15

4.5. Gal Costa (Maria de Graça Costa Penna Bugos)

Também ela nasceu em Salvador no ano 1945. É uma cantora premiada com uma extensa discografia e experiência internacional. Tem sido uma presença fundamental no movimento tropicalista. Aprendeu cantar e tocar guitarra como autodidacta, de ouvido. Bastante decisivo no seu desenvolvimento certamente foi o trabalho de vendedora numa loja com placas de gramofone, onde podia ouvir toda a produção nacional e estrangeira contemporânea. Era uma fã entusiasta de Gilberto Gil, o qual encontrou mais tarde pessoalmente, e o qual chamou-a a melhor cantora brasileira. No início dos anos sessenta reuniu-se com os seus futuros amigos e colegas Gil, Veloso e a sua irmã Maria Bethânia. Participou com eles nas performances “Nós, Por exemplo” e “Nova bossa velha, velha bossa nova” para inaugurar o Teatro Vila Velha. Desde o ano 1966 participou nas competições de festivais e tornou-se uma intérprete dos canções de Veloso, Gil, Erasmo, Roberto Carlos e outros. A seguir juntou-se ao movimento tropicalista. Em 1967 gravou o primeiro LP, junto com Caetano. Na LP do manifesto Tropicália: Panis et Circensis cantou apenas quatro músicas, incluindo a mais importante canção de Veloso da sua vida - “Baby”. Também em 1968, alcançou grande popularidade , quando ganhou primeiro lugar para Divino Maravilhoso na TV Record. No ano seguinte gravou seu primeiro LP individual para Philips. No ano 1970, atuou na Inglaterra ,e no ano seguinte tornou ao Brasil e gravou o LP Legal. Depois da emigração do Gilberto e Caetano, foi mesmo Gal que liderou a batalha tropicalista. A sua carreira era muito bem sucedida. Além de uma enorme quantidade de projetos estrangeiros, lançou mais de trinta álbuns solo e vários DVDs. Cantou em mega-concertos para milhares pessoas e excursionou as suas mostras para todo o Brasil.16

15 TICHÝ, Milan; Caetano Veloso a brazilský tropikalismus. Praga: 2012 ; Univerzita Karlova v Praze p.216,217

16 diposnível na Internet: http://www.allmusic.com/artist/gal-costa-mn0000191699/biography [conslutado 20.12.2016] 12 5. Definição e história da Tropicália

Tropicália, também conhecida como Tropicalismo é um movimento artístico brasileiro que surgiu no final da década dos anos sessenta. Abrangeu formas de arte como poesia, música e teatro. Uma das características é a combinação do popular e avant-guarde, como a mistura de influências estrangeiras com o estilo tradicionalmente brasileiro. Hoje a Tropicália está principalmente associada com a parte musical do movimento, que funde os ritmos brasileiros e africanos com o rock and roll. O poeta concretista, Augusto de Campos escreveu: “Prefiro falar em Tropicália, em vez de Tropicalismo, como sempre preferi falar em Poesia Concreta em lugar de Concretismo. ,-ismoʽ é um sufixo preferentemente usado pelos adversários dos movimentos de renovação, para tentar historicizá-los e confiná-los.“ 17 Para uma definição mais científica levamos para um dos maiores dicionários da língua portuguesa. No dicionário de V. Houaiss podemos encontrar a descrição: „tropicalismo Datação: 1968, - substantivo masculino, 1 qualidade do que é tropical, 2 Rubrica: música. movimento de um grupo de compositores baianos liderados por Caetano Veloso (1942-) e Gilberto Gil (1942-), que resultou numa síntese assistemática de alguns elementos da brasilidade, em sintonia com as manifestações estéticas e culturais da mesma época (1967 - 1968) 3 Derivação: por extensão de sentido. Rubrica: artes plásticas, cinema, teatro. esse mesmo movimento estendido ás artes plásticas (por.ex., Hélio Oiticica), ao teatro (José Celso Martinez Corrêa) e ao cinema (Glauber Rocha), Obs.: nas acp.2 e 3, inicial por vezes maiúsc.“ 18 Todos os grandes exponientes futuros do Tropicalismo foram fortemente marcados por este gênero musical que tem ritmos inovadores e harmonias. O Tropicalismo trouxe uma concepção de música completamente diferente.

Entre 1966 e 1967 o artista Hélio Oiticica elaborou uma instalação, que chamou de “Tropicália”. Foi esta obra que inspirou o Caetano Veloso a dar o título “Tropicália” à sua canção, que se tornou uma das canções tropicalistas mais conhecidas no LP, Tropicália ou Panis et circensis. O LP, que apresenta os temas mais importantes para os artistas da época, como a realidade urbana e consumista, o avanço de indústria, vida monótona ou passado colonial. Foi no ano 1968 quando a agitação social se espalhou por toda a Europa Ocidental, de San Francisco até Paris, e de Nova Iorque até Praga. As pessoas também saíram às ruas do Brasil e o governo militar interviu duma forma muito violenta. Foi exactamente nesse período de opressão e confronto que o Brasil passou por um apelo completo à revolução, chamada Tropicalismo. Trata-se

17 CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1978. p.261 disponível na Internet: https://monoskop.org/images/5/58/De_Campos_Augusto_Balanco_da_bossa_e_outras_bossas.pdf

18 HOUAIS, Antònio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 2.0 - Setembro de 2006. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda., 2006 13 de um movimento de anti-fundação subversa através do movimento musical, fundado por um grupo de artistas muito jovens, com os seus pensadores: Caetano Veloso e Gilberto Gil. “Uma das grandes conquistas do tropicalismo foi, sem dúvida, ter sido capaz de enfrentar , apesar das circunstâncias adversas - o regime militar. E foi levado adiante aquele imprendimento, até onde foi possível levá-lo. “ - Gilberto Gil 19

Em 5 de fevereiro 1968, Motta inventou uma espécie de paródia dos manifestos modernistas para a sua coluna na revista “Última Hora”. Era um artigo titulado “A cruzada tropicalista”. Num tom humorado descreveu as principais características do Tropicalismo.20 „Os anos 30 revivem em força total. Baseados nesse sucesso e também no atual universo pop, com o psicodelismo morrendo e novas tendências surgindo, um grupo de cineastas, jornalistas, músicos e intelectuais resolveu fundar um movimento brasileiro mas com possibilidades de se transformar em escala mundial: o Tropicalismo. Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mal gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra ainda desconhecido.“ 21 Um dos aspectos mais especiais deste movimento é que foi intrinsecamente relacionado com a própria época histórico. Os grupos exercitavam actividades dentro de limites fixados por um governo forte e militar. Em grande parte, o Tropicalismo inspirou-se no sucesso do carnaval da rua de Bahia. Era um movimento que pretendia ser radical, em relação à coragem de acreditar na força da música popular brasileira.

“No momento do auge desse movimento, Gilberto Gil e eu estavamos a morar em São Paulo. Mas foi no Rio de Janeiro, onde começámos a pensar mais sobre as coisas. Depois de voltarmos para São Paulo, onde colaborámos com Rogerio Duprat, o maestro do grupo de rock Os Mutantes, que estava apenas no começo do seu trabalho. Eu chamei de Salvador o Tom Zé, quem achava uma boa presença boa no movimento, e Gal Costa que era uma cantora e amiga excelente que trabalhava com ele na Vila velha em Salvador. Fizeram isto, porque a gente queria fazer um gesto de afirmação de força com a musica popular.” - Caetano Veloso22

A Bossa Nova foi a música dos anos adolescentes de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Foi também o fundo musical do período particularmente próspero na história brasileira, era de Kubitschek. O presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira chegou ao poder em 1956, apoiado pelos democratas sociais e pelo partido dos trabalhadores brasileiros. Como um indicador da sua determinação, reviveu um velho projecto brasileiro. A transferência da capital para o centro seco do país. “Kubitschek tinha excelentes relações com os Estados Unidos, abrindo as portas do Brasil para investidores estrangeiros. Por anos o país tem sido pouco mais do que um fornecedor de matérias- primas, agora estava rapidamente tornando se industrializado. O objetivo do governo é dar ao Brasil suas próprias pernas para que possa caminhar para frente.” 23

19 BILLION, Yves. Dreyfus Dominique. Brazil: The tropicalist revolution ; 2011, filme - parte 1; disponível na Internet : https://www.youtube.com/watch?v=DUPxYBNS750 [consultado 18.12:2016]

20 TICHÝ, Milan; Caetano Veloso a brazilský tropikalismus. Praga: 2012 ; Univerzita Karlova v Praze p.58

21 MOTTA, Nelson: „A cruzada tropicalista“. Última Hora, 5. 2. 1968 In CALADO, Carlos. cit., p. 176, 177.

22 BILLION, Yves. Dreyfus Dominique. Brazil: The tropicalist revolution ; 2011, filme - parte 2; disponível na Internet : https://www.youtube.com/watch?v=DUPxYBNS750 [consultado 18.12:2016]

23 KLÍMA Ján, Stručná historie státú Brazilie; p.145, ISBN 80-7277-176-0 14 “A instalação está em pleno andamento e no final do meu mandato teremos carros, caminhões, vans, barcos, locomotivas e aviões voando no céu brasileiro.” - Juscelino Kubitschek 24

! Como o Brasil se abriu para o mundo, o mundo se abriu para o Brasil e sua bossa nova, que seduziu mesmo os Estados Unidos, bem como o resto mundo. A bossa nova é uma das particularidades dessa época. Não é que Kubitschek foi responsável pelo surgimento do estilo, mas foi um ponto de referência. A bossa nova foi um fundo musical para todo o desenvolvimento económico e cultural do Brasil nos anos 1956 - 1963. A cultura floresceu, surgiu um tipo de cinema novo e o Brasil tinha sucesso também em desportes. Tornou-se campeão mundial de futebol nos anos 1958 e 1962. Culturalmente, o país atingia o nível dum país desenvolvido. Tratava-se dum período muito frutífero. “Até ao final do seu mandato, a aposta de Kubitschek parece ter pago. Brasília, a nova capital, inaugurada em abril de 1960, conquistou o Brasil no século XX. O tropicalismo tinha a ambição de expressar todos os lados da estética brasileira - vulgar, ingênua, nobre, grotesca, rústica, ultrapassada e também inteligente. Todos iguais debaixo do grande céu brasileiro azul. E com isso, o tropicalismo adoptou as influências do exterior.” 25 “Muito do que assumiram com as novas atitudes, nova linguagem, muito do que queriam novo na musica popular brasileira, era trazido , imitado no melhor sentido da palavra, dos Beatles.” - Gilberto Gil 26

Quando Jánio Quadros substituiu o Kubitschek no início 1961, o movimento tropicalista ainda estava na sua infância. Ainda por vir foi a influência da cultura underground e estilo hippie através dos Beatles. Quadros, o candidato da união democrática nacional de direita, foi um homem surpreendente ao mínimo. Jánio Quadros veio ao poder com uma proposta da direita, a qual não foi vista com bons olhos por os da esquerda, e foi vista como uma proposta extremista. Mas pouco a pouco, ele foi tomando decisões e atitudes justas e corajosas, que surpreenderam todo o mundo; por exemplo, condecorou Che Guevara. Acabou por conseguir uma boa aceitação do povo. O novo presidente estabeleceu novas ligações com os países do mundo comunista, em particular com a China. Mas as próprias contradições, junto com as oposições pressionadas forçaram Jánio Quadros a demitir-se apenas 7 meses após a sua eleição. “Já nos anos ´61 e ´62 - por acaso estou muito envolvido nisso- começámos a fundar no Brasil o Centro Popular da Cultura, que pretende rever a cultura brasileira em termos políticos. Dá uma virada na música popular brasileira. Era tudo amor, flora. Era tudo muito bonito, mas de repente eu comecei a sentir que faltava uma coisa, que estava muito na forma. Que estava faltando exactamente o conteúdo. Então comecei de escrever outros tipos de música. “ - Carlos Lyra 26

Quando o presidente João Goulard substituiu o Quadros, perseguiu a política de repressão com o mundo comunista. Introduziu políticas de apoio social para as pessoas que eram ignoradas durante o governo de Kubitschek, em particular os trabalhadores e o povo do campo. O governo mandou redistribuir a terra e nacionalizar a indústria.

24 BILLION, Yves. Dreyfus Dominique. Brazil: The tropicalist revolution ; 2011, filme - parte 2; disponível na Internet : https://www.youtube.com/watch?v=D2V8WDpQQLc [consultado 18.12:2016]

25 KLÍMA Ján, Stručná historie státú Brazilie p.145, ISBN 80-7277-176-0

26 BILLION, Yves. Dreyfus Dominique. Brazil: The tropicalist revolution ; 2011, filme - parte 2; disponível na Internet : https://www.youtube.com/watch?v=D2V8WDpQQLc [consultado 18.12:2016] 15 Os conservativos tinham a opinião de que o presidente Goulard estava a levar o país ao comunismo. No início de 1964 Goulard decidiu realizar umas mudanças contra a vontade do parlamento. Quis introduzir uma série de reformas, reprimir a inflação e adiar condições de pagamento de dívida aos outros estados estrangeiros. Um grupo militar apoiado pelas classes médias, trouxe os militares ao poder em 1.4.1964. João Goulard fugiu para o Uruguai junto com outros membros do governo deposto. Kubitschek, Quadros e Goulard juntamente com os governadores de vários estados, representantes do Município e os outros políticos apareceram na lista negra.

No ano 1965, a televisão brasileira começou a organizar festas de canções anuais. Era uma forma de afirmar a nova posição dominante no média. Foi nesses festivais onde os melhores compositores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa, entre outros, conseguiram ganhar um prémio. O regime solucionou a terrível situação social e violência diária através do reforço da repressão. Em julho 1965 restringiu as actividades dos partidos políticos. O estilo dos tropicalistas foi profundamente chocante neste período de rígida ditadura americana. A partir daí, os músicos brasileiros dividiram-se em dois grupos, nomeadamente os antiamericanos e tropicalistas. “A gente se opõe ao nacionalismo. Tipo que a esquerda era nacionalista. E a gente se opõe a essa atitude da esquerda, que se opôe a nós. Era a estética nacionalista que achava que nós víamos fazer procurar as raízes brasileiras, e fazer uma coisa brasileira, contra o imperialismo Yankee. Era um nacionalismo anti-imperialista. “ - Caetano Veloso 27 Com a união do popular, do pop e da estética experimentalista, as ideias do Tropicalismo trouxeram ao Brasil não só uma modernização da música, mas também da própria cultura. Os pensadores do Tropicalismo encontraram inspiração em vários campos, por exemplo o Hélio Oiticica nas belas artes e Glauber Rocha na produção cinematográfica. Também eles consideraram mais importante revolucionar a forma do que o conteúdo. “Eu podia fazer a música popular sofisticada. Tenho estado a estudar nesta escola durante 6 anos e vim a conhecer todos os grandes professores do contraponto, que eu adorava. Podia fazer a música sofisticada, trazer aquilo para o samba. Mas preferia uma posição apocalíptica, parti logo para uma coisa completamente radical. Estava louco, mas também estava certo.” - Tom Zé 28

O tropicalismo não apresentou um novo ritmo, um novo estilo ou cor da música. Introduziu uma nova maneira de abordar a música. Uma nova maneira de usar a música para unir-se com o povo para falar com o povo. Uma nova maneira de expressar a si mesmo e de olhar para a vida. O governo estava a reprimir cada vez mais o mundo, enquanto os tropicalistas tentavam a reinventá-lo. No ano 1967 o Castelo Branco foi substituído pelo Artur da Costa e Silva para dar ao país uma imagem mais democrática. Mas depois de submissão dum decreto atrás de outro, os brasileiros tiveram menos liberdade, não mais. Começando a ficar nervoso, o regime pela primeira vez empurrou as artes para baixo. Os cantores, cujas canções eram abertamente hostis ao regime, como Chico Buarque, eram perturbados e censurados. “O decreto federal n° 477 assumiu, que os alunos que se dedicassem a algumas “atividades políticas”, seriam excluídos. A resposta dos estudantes, alguns católicos e representantes da classe

27 BILLION, Yves. Dreyfus Dominique. Brazil: The tropicalist revolution ; 2011, filme - parte 2; disponível na Internet : https://www.youtube.com/watch?v=CUgymd6Pydw [consultado 20.12.2016]

28 BILLION, Yves. Dreyfus Dominique. Brazil: The tropicalist revolution ; 2011, filme - parte 2; disponível na Internet : https://www.youtube.com/watch?v=CUgymd6Pydw [consultado 21.12.2016] 16 média, foi a de realizar a marcha para democracia.” 29 Esta marcha aconteceu em 25 de junho de 1968 e foi assistida por mais do que 100 000 pessoas. Neste ano as tensões chegaram ao máximo no Brasil. A repressão política e manifestações dos estudantes, tudo se intensificou. Embora a esquerda rejeitasse os Tropicalistas, eles não rejeitavam a esquerda. Quando os artistas do Tropicalismo eram enviados pela esquerda às passeadas e manifestações, eles aceitaram. A retaliação veio no festival da canção em dezembro de 1968, quando Caetano Veloso declarou guerra a todos aqueles que os despojaram.

A ditadura finalmente tirou a máscara e mostrou as suas verdadeiras cores com um decreto, que aboliu o congresso e toda a liberdade individual. Aqui começaram os anos mais sombrios da história do Brasil. Depois da expulsão do Caetano e Gilberto em 1968, muitos outros artistas resolveram abandonar o país. Durante um tempo a produção dos Tropicalistas foi interrompida. A fase ativa do movimento é relativamente curta. Seria possível colocá-la em outubro de 1967, quando Gilberto Gil e Caetano Veloso participaram com Os Mutantes e aconteceu o III. Festival da Música Popular Brasileira TV Record até a radicalização dos líderes do movimento. Gilberto Gil disse sobre esse curto tempo: “O tropicalismo não criou um gênero musical. Não teve tempo para isso, não teve tempo para criar formas como o Jovem Guarda tinha feito nos anos 60 de certa maneira. Como a Bossa nova certamente o fez através o João Gilberto e Tom Jobim, pelo menos, até Carlos Lyra e outros. Têm influenciado cantores, têm influenciado modos, até a criação de novas formas musicais. O Tropicalismo chegou a fazer isso, não teve tempo. O tropicalismo é um movimento que seguiu o meu caminho. Ele limpou, lavou e semeou mas não colheu.”- Gilberto Gil 30

5.1 Antropofagia em tropicália

Os tropicalistas tentaram evitar a idealização da arte e de submiti-la ao nacionalismo. Devido ao modo como a arte do tropicalismo se desenvolvia, esta obteve o nome metafórico de assim dita “antropofagia”. Podemos argumentar que os tropicalistas cumpriram um dos objetivos dos manifestos modernistas - a criação de arte moderna brasileira para exportação. Um dos princípios da Tropicália foi a antropofagia, um tipo de canibalismo cultural que abraçou várias influências externas, a partir das quais se poderia criar algo novo e único. A ideia foi originalmente apresentada pelo poeta Oswald de Andrade, no Manifesto Antropófago, publicado em 1928, e elaborado mais profundamente pelos tropicalistas nos anos sessenta. Como diz A. de Campos : “Tropicília, a primeira faixa do LP, é também a nossa primeira música Pau-Brasil, homenagem inconsciente a Oswald de Andrade, de quem Caetano ainda não tinha conhecimento, quando a escreveu. “ 31 Ao contrasto com a antropofagia que refere à inspiração das outras culturas, um tom imporante da criação dos modernistas e tropicalistas é a relação com a identidade cultural. O contexto de emancipação podemos encontrar já na altura do barroco.

29 KLÍMA Ján, Stručná historie státú Brazilie; p.145, ISBN 80-7277-176-0

30 BILLION, Yves. Dreyfus Dominique. Brazil: The tropicalist revolution ; 2011, filme - parte 2; disponível na Internet : https://www.youtube.com/watch?v=RBZw2ACwnRY [consultado 21.12.2016]

31 CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 162 17 6. Música como espelho

Se uma pessoa quiser aprender sobre a história brasileira sem passar pelos livros, basta ouvir a música. A música brasileira projeitou pontos de vista rivais sobre como o país deveria se ver e ser visto no exterior. Enquanto os políticos têm usado a música para tentar trazer união para o maior estado da America. É fascinante quanto a música brasileira reflete, especialmente naqueles anos, a história do Brasil. E não só a história mas também o pensamento do povo.

6.1. Harivelto Martins e Grande Otelo - “Adeus, Mangueira” (1958)

“Juscelino me chamou eu vou morrer de saudade mas vou

Juscelino me chamou eu vou morrer de saudade mas vou

Adeus Mangueira Adeus meu Vigario Geral Adeus meu samba Adeus capital federal

Adeus Mangueira etc.

Foi no morro que eu nasci (ai ai ai) e no morro me criei (ai ai ai) Brasilia me chamou pra trabalhar seu dotor dá licença minha gente eu vou levar

Mangueira, estação primeira é testemunha que eu não vivo sem sambar

Mangueira, estação primeira é testemunha que eu não vivo sem sambar

Adeus Mangueira

18 etc.”

Como já foi mencionado anteriormente, em 1956 o congresso aprovou o plano do presidente Jusclino Kubitschek, de construir uma nova capital. As aspirações modernistas dos planejadores da Brasília, a nova capital, caíram. A separação das áreas de trabalho, tempo livre e residência, assim como a falta de elementos que criam as cidades vibrantes causou uma ausência de encontros. Foi criticada como uma “cidade sem coração”. compôs esta música junto com Grande Othelo para o filme “É da Chuá” (1958). O samba reflete a tristeza dum trabalhador que foi convocado para deixar a capital Rio de Janeiro, para ir trabalhar para o governo na nova capital. Certamente capta a tristeza e desapontamento, que muitos trabalhadores com raízes profundas no Rio, devem ter sentido em reposta à transferência para a nova capital. A música descreve como o presidente lhes chamou, e dizem adeus às coisas conhecidas. A canção tem uma forma regular, depois de dois estrofes segue o coro com a exceção do bridge na metade. A palavra “morro” significa favela ou também vertente. Mangueira é o morro, e provavelmente o morro mais mencionado no mundo em todas as composições do samba. Aqui foi fundada uma das primeiras escolas de samba , G.R.E.S. Estação primeira Mangueira (1928) e explica o verso “Mangueira, estação primeira, é testemunha que eu não vivo sem sambar”.32

6.2. Carlos Lyra - Influência do Jazz (1962)

“Pobre samba meu Foi se misturando se modernizando, e se perdeu E o rebolado cadê?, não tem mais Cadê o tal gingado que mexe com a gente Coitado do meu samba mudou de repente Influência do jazz

Quase que morreu E acaba morrendo, está quase morrendo, não percebeu Que o samba balança de um lado pro outro O jazz é diferente, pra frente pra trás E o samba meio morto ficou meio torto Influência do jazz

32 TICHÝ, Milan; Caetano Veloso a brazilský tropikalismus. Praga: 2012 ; Univerzita Karlova v Praze p.151 19 No afro-cubano, vai complicando Vai pelo cano, vai Vai entortando, vai sem descanso Vai, sai, cai.. do balanço!

Pobre samba meu Volta lá pro morro e pede socorro onde nasceu Pra não ser um samba com notas demais Não ser um samba torto pra frente pra trás Vai ter que se virar pra poder se livrar Da influência do jazz

A Influência do jazz foi a primeira canção de protesto de Carlos Lyra. Tendo estabelecido o Centro Popular da Cultura em Brasil, os Tropicalistas queriam rever a cultura brasileira em termos políticos. Em 1962, Lyra cantou a música num concerto em Carnegie Hall. Começou a compor canções mais políticas e nacionalistas como a Influência do jazz, que lamenta a contaminação do samba tradicional com as óbvias influências estrangeiras. Denunciou a “jazzificação” da bossa nova. Enquanto as letras protestam contra a influência do jazz, o samba é feito em estilo americanizado. É a bossa nova mas usa a escala pentatônica, que foi muito difundida nesse tempo, nas composições americanas de jazz e blues. 33 A estrutura da composição não é clássica, como começa e termina com o coro o qual também não tem as mesmas palavras. Na frase “Volta lá pro morro e pede socorro onde nasceu temos mais uma vez o motivo do morro, e a vontade de voltar para o melhor, para o conhecido e não mudar.

6.3. Tom Zé - “Parque Industrial” (1968)

“Retocai o céu de anil Bandeirolas no cordão Grande festa em toda a nação. Despertai com orações O avanço industrial Vem trazer nossa redenção.

Tem garota-propaganda Aeromoça e ternura no cartaz, Basta olhar na parede, Minha alegria Num instante se refaz

33 Uma escala pentatõnica é uma escala ou modo musical com cinco notas por oitava. 20 Pois temos o sorriso engarrafado Já vem pronto e tabelado É somente requentar E usar, É somente requentar E usar, Porque é made, made, made, made in Brazil. Porque é made, made, made, made in Brazil.

Retocai o céu de anil ..etc. a revista moralista traz uma lista dos pecados da vedete e tem jornal popular que nunca se espreme orque pode derramar

É um banco de sangue encadernado Já vem pronto e tabelado É somente folhear e usar É somente olhear e usar Porque é made made made made in brazil Porque é made made made made in brazil

Sem ter que ouvir a música em profundidade, podemos distinguir que tem um tom diferente. A melodia da música muda várias vezes durante a canção. No começo aparece um tom misterioso que se transforma em algo que parece quase uma piada. Depois segue um tom que lembra uma marcha combinada com canções para crianças. Esta parte e a sua letra deixam muito claro que as canções ridicularizam o orgulho nacional. A fé no progresso garantido pelo desenvolvimento da indústria, da qual o Tom Zé faz brincadeira, tem-se intensificado durante o governo do Juscelino Kubitschek. 34 Ao chegar ao terceiro verso, o tom da música muda novamente. Repetindo a palavra “made” os cantores estão a provocar-nos, quando enfim revelam com ironia que a razão do comportamento das pessoas é aceitável. Porque é “made in brazil” - feito no brasil. Neste texto, Zé serviu-se da satira e esquema de rima irregular. Um outro elemento importante desta canção é atuação de vários cantores e cantoras. A utilização de várias vozes também cria um humor irónico.

6.4. Gilberto Gil e Torquato Neto - “Galéia Geral” (1968)

“Um poeta desfolha a bandeira E a manhã tropical se inicia Resplandente, cadente, fagueira Num calor girassol com alegria

34 MALTZ, B., TEIXEIRA, J., FERREIRA. S. Antropofagia e tropicalismo. Porto Alegre: UFRGS, 1993., p. 50. 21 Na geléia geral brasileira Que o Jornal do Brasil anuncia

Ê, bumba-yê-yê-boi Ano que vem, mês que foi Ê, bumba-yê-yê-yê É a mesma dança, meu boi

A alegria é a prova dos nove E a tristeza é teu porto seguro Minha terra é onde o sol é mais limpo E Mangueira é onde o samba é mais puro Tumbadora na selva-selvagem Pindorama, país do futuro

Ê, bumba-yê-yê-boi Ano que vem, mês que foi

Ê, bumba-yê-yê-yê É a mesma dança, meu boi

É a mesma dança na sala No Canecão, na TV E quem não dança não fala Assiste a tudo e se cala Não vê no meio da sala As relíquias do Brasil: Doce mulata malvada Um LP de Sinatra Maracujá, mês de abril Santo barroco baiano Superpoder de paisano Formiplac e céu de anil Três destaques da Portela Carne-seca na janela Alguém que chora por mim Um carnaval de verdade Hospitaleira amizade Brutalidade jardim

Ê, bumba-yê-yê-boi etc.

Plurialva, contente e brejeira Miss linda Brasil diz "bom dia" E outra moça também, Carolina Da janela examina a folia Salve o lindo pendão dos seus olhos

22 E a saúde que o olhar irradia

Ê, bumba-yê-yê-boi etc.

Um poeta desfolha a bandeira E eu me sinto melhor colorido Pego um jato, viajo, arrebento Com o roteiro do sexto sentido Voz do morro, pilão de concreto Tropicália, bananas ao vento

Ê, bumba-yê-yê-boi etc.”

Geléia Geral é uma canção escrita por Torquato Neto do álbum “Tropicália ou Panis et Circencis” , lançada em 1968. A música tornou-se o hino do movimento tropicalista. A canção tem uma forma regular. Depois de cada quatro estrofes segue um coro e no meio está integrado o bridge, seguido por um outro coro. O conceito da canção refere-se à formação cultural híbrida e heterogénea do país. Sintetiza os objetivos do grupo baiano enquanto música e texto através uma justaposição do rústico com o industrial. O gênero folclórico tradicional do nord-este, o assim-dito bumba-meu-boi 35 é usado como a fundação rítmica para essa canção. O contraste forte foi atingido com a instrumentação do rock elétrico. O texto da canção ridiculariza o patriotismo desenfreado e a pomposa estatura, das belas artes tradicionais. 36 Nem no coro não perdem a oportunidade de pôr em oposição a celebração rural “Bumba-meu-boi” com “yê-yê-yê” , que é um símbolo da cultura pop urbana emergente. 37 No primeiro e no último verso podemos ver que o autor emprestou diretamente frases do manifesto Oswald de Andrade. O verso “A alegria é a prova dos nove; E a tristeza é teu porto seguro” e põe o em contrasto com a tristeza - o porto seguro. 38 Contínua parafraseando no estilo de Andrade “Minha terra é onde o sol é mais limpo; Mangueira é onde o samba é mais puro”. Aqui também como na canção “Adeus Mangueira” podemos notar algumas referências à escola de samba. “Tumbadora na selva-selvagem; Pindorama, país do futuro” referem ao Brasil pré-cabralista com a sua natureza e povo. Pindorama, é na verdade o nome pré-colonial do Brasil, uma terra livre dos males.

35 Bumba-meu-boi é uma festa, folclórica nacional no Brasil. A lenda da qual a história conta sobre um casal de escravos. Disponível na Internet: http://cliquemusic.uol.com.br/generos/ver/bumbameuboi [consultado 27.12.2016]

36 disponível na Internet: http://www.brazzil.com/cvrdec97.htm [consultado 27.12.2016]

37 TICHÝ, Milan; Caetano Veloso a brazilský tropikalismus. Praga: 2012 ; Univerzita Karlova v Praze; p.150

38 ANDRADE. Oswald De. Manifesto da poesia pau brasil Pau brasil. São Paulo: Globo, 1990.; disponível na Internet : http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf [consultado 28.12.2016] 23 Neto destaca os problemas da nação brasileira e mostra o sempre presente contraste entre o campo e a cidade, então entre o moderno e o não desenvolvido.

6.5. Caetano Veloso - “Alegria, alegria” (1967)

“Caminhando contra o vento Sem lenço e sem documento No sol de quase dezembro Eu vou...

O sol se reparte em crimes Espaçonaves, guerrilhas Em cardinales bonitas Eu vou...

Em caras de presidentes Em grandes beijos de amor Em dentes, pernas, bandeiras Bomba e Brigitte Bardot...

O sol nas bancas de revista Me enche de alegria e preguiça Quem lê tanto notícia Eu vou...

Por entre fotos e nomes Os olhos cheios de cores O peito cheio de amores vãos Eu vou Po que não, por que não...

Ela pensa em casamento E eu nunca mais fui à escola Sem lenço e sem documento, Eu vou...

Eu tomo uma coca-cola Ela pensa em casamento E uma canção me consola Eu vou...

24 Por entre fotos e nomes Sem livros e sem fuzil Sem fome, sem telefone No coração do Brasil...

Ela nem sabe até pensei Em cantar na televisão O sol é tão bonito Eu vou...

Por que não, por que não... etc.

Uma das canções mais conhecidas de Caetano Veloso, que colocou o movimento para a ribalta em 1967. A música segue uma caminhada transitória pelas ruas da cidade. O narrador passeia através da confundida realidade de uma cidade moderna, cheia de símbolos importados. Passa por um quiosqu,e que vende o jornal ‘O Sol’. Os títulos e imagens de crimes, bombas, revoltas e guerrilhas da esquerda competem com as fotografias de atrizes estrangeiras e símbolos sexuais (Brigitte Bardot), para chamar a atenção do auditor. A lista das imagens desenhadas pelo cantor continua: caras, presidentes dentes, pernas, o narrador está a beber uma coca-cola e não dá importância a nada disso. Fala sobre o sol que o enche de alegria e preguiça. As características tipicamente associadas aos “velhos” ou “atrasados” brasileiros, contra os quais o governo militar intensivamente lutava com o seu projeto de modernização. A seguir, o narrador considera uma potencial carreira dum cantor e expressa como se sente bem abaixo do sol de verão. Só quer continuar a viver sem limitações. O Carlos Calado vê na canção uma conexão à poesia de uma antiga canção de Veloso “ Clever boy samba” (1964). Ambas têm o texto na forma de um caleidoscópio de ideias, referências culturais e imagens da realidade urbana brasileira. Calado admite, que a ideia de escrever uma canção sobre um jovem a andar pela rua, que comenta o mundo do Rio de Janeiro e as presentes notícias sobre eventos, personagens famosas ou violência, lhe ocorreu enquanto estava a passear ao longo da Copacabana.39 Em 1967 o público estava acostumado a canções com mensagens sociais mais claras sobre a pobreza, violência e repressão política. Em contraste “Alegria, alegria” era muito mais ambígua. Abordando as contradições e revelando as hipocrisias na sociedade, as artes e próprio o processo artístico tornaram-se um elemento definidor da Tropicália.

39 CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34, 1997.; p. 119, 120 25 6.6. Os Mutantes - “Panis et Circenses” (1968)

“Eu qui cantar Minha canção iluminada de sol Soltei os panos sobre os mastros no ar Solteu os tigres e os leões nos quintais Mas as pessoes na sala de jantar São ocupadas em nascer e morrer

Mandei fazer De puro aço luminoso um punhal Para matar o meu amor e matei Às cinco horas na avenida central Mas as pessoas na sala de jantar São ocupadas em nascer e morrer

Mandei plantar Folhas de sonho no jardim do solar As folhas sabem procurar pelo sol E as raízes procurar, procurar

Mas as pessoas na sala de jantar Essas pessoas na sala de jantar São as pessoas da sala de jantar Mas as pessoas na sala de jantar São ocupadas em nascer e morrer”

Esta canção, podemos dizer, apresenta uma sátira das convenções burguesas interpretada pelos Mutantes. Nas letras, uma voz poética na primeira pessoa, tenta alarmar as famílias a tirá-los da sua estagnação mental e física. A cantora faz uma comparação entre os animais livres e as pessoas na sala de jantar, se não tivessem idéia. Trata-se duma crítica da família tradicional. Contínua a repetir as palavras “mas as pessoas na sala de jantar”, como se tivesse um problema em acreditar que isso é a realidade, que as pessoas esqueceram-se de desfrutar a vida e todos estão muito acomodados. Só se lembram de nascer e morrer. Na última estrofe temos uma epífora.

6.7. Chico Buarque - Não sonho mais (1980)

“Hoje eu sonhei contigo, Tanta desdita! Amor, nem te digo Tanto castigo que eu tava aflita de te contar.

Foi um sonho modonho Desses que, às vezes, a gente sonha E baba na fronha e se urina toda e quersufocar.

26 Meu amor, vi chegando Um trêm de candango Formando um bando, Mas que era um bando De orangotango pra te pegar.

Vinha nego humilhado, Vinha morto-vivo, vinha flagelado. De tudo que é lado Vinha um bom motivo pra te esfolar.

Quanto mais tu corria Mais tu ficava, mais atolava, Mais te sujava. Amor, tu fedia, Empesteava o ar.

Tu que foi tão valente Chorou pra gente. Pediu piedade E, olha que maldade, Me deu vontade de gargalhar.

Ao pé da ribanceira acabou-se a liça E escarrei-te inteira a tua carniça E tinha justiça nesse escarrar.

Te “rasgamo” a carcaça Descendo a ripa. "Viramo" as tripas, Comendo os "ovo", ai!, E aquele povo pôs-se a cantar.

Foi um sonho medonho, Desses que, às vezes, A gente sonha e baba na fronha E se urina toda e já não tem paz.

Pois eu sonhei contigo e caí da cama. Ai, amor, não briga! Ai, não me castiga! Ai, diz que me ama e eu não sonho mais!

Não sonho mais é uma canção composta em 1979 para o filme A república dos Assassinos. Fala dum amante que descreve as coisas horríveis das quais sonhava, de um policial corrupto. O protagonista relata que viu a sua companheira torturada e todas as coisas de horror que aconteceram, mas admite, que além de tudo, teve a vontade de rir - “Me deu vontade de gargalhar”. A violência praticada volta contra elepróprio, pode ser explicada como uma criação subconsciente da ditadura que emerge. Do ponto de vista formal se trata uma canção normal, a melodía é muito simples e até parece que a maior parte da canção, é falada em vez de ser cantada.

27 6.8. Caetano Veloso, Gal Costa - Baby (1968)

“Vocè precisa Saber da piscina Da margarina Da Carolina Da gasolina

Você precisa Saber de mim Baby, baby Eu sei Que é assim Baby, baby Eu sei Que é assim

Você precisa Tomar um sorvete Na lanchonete Andar com gente Me ver de perto Ouvir aquela canção Do Roberto Baby, baby Há quanto tempo Baby, baby Há quanto tempo

Você precisa Aprender inglês Precisa aprender O que eu sei E o que eu Não sei mais E o que eu Não sei mais

Não sei comigo Vai tudo azul Contigo Vai tudo em paz Vivemos Na melhor cidade Da América do Sul Da América do Sul Você precisa

28 Você precisa

Não sei Leia Na minha camisa Baby, baby I love you etc.

A última canção que escolhemos apresenta um lirismo claro. Também foi lançada em 1968. O tema começa com uma lista, misturando as coisas indispensáveis e dispensáveis como gasolina, margarina, sorvete, lanchonete. Refere ao facto - se quiser participar nesta cultura do consumo, da sociedade moderna, precisa dumas certas coisas materiais. Mas Caetano de elementos que se não só podem ser comprados, mas são quase obrigatórias na sociedade moderna; menciona os comportamentos e propriedades que as pessoas devem assumir para entrar na nova cultura de consumo: ouvir música, possuir um carro e falar inglês, que é um claro símbolo da classe média. Caetano nesta canção faz uma mistura na construção da letra. Os dados são da mesma natureza e por isso, o compositor enumera fatos, mitos e nomes no arranjo musical. Podemos sentir que o tema atinge a sensibilidade dos jovens que são marcados pelo desenvolvimento no mundo, e do desenvolvimento das comunicações e do consumo em particular. Nota-se aqui um certo tom de melancolia, que na primeira e segunda estrofe impõe com ironía o consumo: “você precisa saber de piscina/margarina/gasolina/aprender inglês.” O assunto de aprender inglês é um motivo importante, como Caetano com Gal no fim da música juntamente cantam palavras em inglês - Baby, i love you. Próprio inglês é a língua das massas, assim como a língua do rock e a propaganda. Trata-se de mais uma referência aos Beatles. Entre este objetos materiais e superficiais, a canção é cheia de declarações de amor.

29 7. Conclusão

A nossa breve análise desta época mostra que nada foi planeado ou organizado. Foi mais uma acumulação de eventos, impressões e sentimentos que no final resultaram em realizações artísticas em diversas áreas. A tropicália transformou os critérios do gosto, não só na música e na política, mas também no comportamento das pessoas e do povo. O tropicalismo foi assimilado com a contracultura hippie, com os cabelos longos e as roupas coloridas. Mas o tropicalismo, de certa forma incorpora o movimento hippie. Como diz o Faveretto, todos os artistas tentavam ser cada vez mais abertos a todas as influências e inspirações. Estavam interessados no mundo, que estava acontecer ao torno deles, não só no Brasil mas também fora do país. O tropicalismo era também criticado, e teve a sua origem num certo tipo de “desordem”. O tropicalismo não foi um movimento no sentido mais verdadeiro, com um específico programa comum. No entanto podemos observar uma simbiose entre todos os tipos de arte - filme, música, belas artes. Tiveram intersecções tão significativas, que todos os ‘tropicalismos diferentes’ são considerados um grande movimento artístico. A criação dos tropicalistas foi bastante criticada. Os atores do movimento atingiam um público mais amplo usando todos os canais possíveis de comunicação moderna.

Pretendiam alcançar o público mais jovem e viam uma possibilidade de realizar a tentativa usando o elemento da guitarra elétrica. Como estabelecemos anteriormente, os países estrangeiros eram uma importante fonte de inspiração para os tropicalistas. Uma das entidades estrangeiras mais influentes foram os Beatles, os quais também usavam a guitarra electrica. Apercebendo-se do sucesso e influência dos Beatles, no que diz respeito a cativar os jovens, os tropicalistas estavam dispostos a tentar o mesmo. Chamar alguém de traidor por usar uma guitarra elétrica hoje parece- nos um absurdo, mas os tropicalistas foram criticados por copiar os modelos estrangeiros em vez de defender a própria cultura nacional. A música dos tropicalistas foi uma referência diferente. A composição da canção tropicalista é objetivamente mais complexa, sofisticada e inovadora, o que pode ser mais uma razão pela qual não foram aceites e percebidos por todos. Partindo das nossas análises podemos observar que o tropicalismo, conscientemente ou não, procede do modernismo brasileiro. Usando os recursos semelhantes como a representação alegórica da realidade, carnavalização e paródia, tentou criticar o atraso e provincianismo do Brasil com a vontade de superá-los.

Os tropicalistas verdadeiramente provocaram uma revolução. Realizaram-na usando a plataforma acessível - os médias. Através do pop experimental e formas avant-guarde de canções e textos modernizavam a musica popular brasileira (MPB). Este foi uma das principais contribuições da tropicália e teve influência uma resposta positiva. Foi um momento muito raro no desenvolvimento de história não apenas do Brasil, mas também no mundo. As condições históricas daquela época eram realmente especiais. Tornaram possível que este movimento se espalhasse por toda a nação. 30 Mas não eram só as condições sociopolíticas, que fizeram esse movimento florescer: a união dos cantores e compositores que juntamente trabalhavam nas canções foi a razão principal que levou este movimento ao seu sucesso. Mesmo que estabelecemos que o movimento não é um movimento tradicional, o que uniu os artistas foram as ideias. Foram as mesmas ideias de pessoas diferentes que trabalhavam juntamente para criar algo melhor, de mais qualidade, algo que vale a pena espalhar. Não eram apenas músicas sobre o amor, e exactamente isso e o facto de cooperação eram a causa do grande impacto em todo o mundo. O Tropicalismo espalhou-se amplamente e a música deste movimento é uma fonte de inspiração para muitos artistas até hoje. A Tropicalia inspirou gerações de músicos e os elementos do movimento infectaram também a criação da musica popular brasileira mais tradicional. Os principais pensadore,s Gilberto Gil e Caetano Veloso, continuam a carreira deles na música e ouvindo as novas gravações deles é claro, que continuam a honrar os princípios que defendiam já nos anos 60.

O tropicalismo floresceu em várias formas de arte como televisão, discos, espetáculos e festivais. Tentaram a ensinar o povo a expor as indeterminações do país. Alargaram o limite da música, e amplificaram as possibiliades do arranjo, da vocalização e também a apresentação. Há muitas situações atuais onde podemos encontrar notícias e mensagens do Tropicalismo, como por exemplo o grupo “Fala Mansa”, com a canção Tô rindo a toa, que nos refere à canção Alegria, alegria de Caetano. Ambas pregam o uso da alegria contra as indisposições da vida. Em 2001, durante a abertura do evento Perhapiness, foram apresentados os Clipoemas Pixel et Circenses e Soneto. Já o nome é uma clara referência ao Tropicalismo e aos Mutantes com o LP deles,Tropicalia, Panis et Circenses. Os compositores nesta colaboração apresentaram poemas em forma de clipes. Ambos representaram que o novo pode ser criado, mas sempre vai ter como base o antigo, já criado.

A dificuldade é encontrar bandas, músicos ou artistas que não tenham sido inspirados por este movimento. Muitos tem as mesmas ideias de liberdade, que é uma das chaves mais importantes do tropicalismo. A intenção da arte brasileira em áreas específicas foi a de modernizar e actualizar a forma, assim como o conteúdo: abri-lo às influências externas, preservando o carácter tão específico do Brasil. Uma chave que abre novas portas, novos pontos de vista, novas ideias, faz perguntas ousadas e portanto, começa um diálogo sobre as coisas. Começa um diálogo e pergunta o que é a coisa certa para fazer, depois do qual continua ação e reação. É triste e questionável, pois hoje em dia não há um movimento como tropicalismo. A mídia de hoje se espalhou com um nível completamente diferente. As notícias se distribuem por todo o planeta em questão de segundos e fotos com vídeos ficam virais em questão de dias. Existem inúmeras coisas contra as quais as pessoas protestam e com as quais não concordam, mas não há um tal grupo de pessoas, artistas ou apenas músicos que seriam capazes de unir-se e protestar duma maneira tão forte e especial como os Tropicalistas.

31 8. Bibliografia

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