A Nova Política

do Ensino Universitário no A Superintendência Nacional de Ensino Superior (SUNEDU)

Cesar Angello Casas Soto

Orientador: Prof. Doutora Cristina Montalvão Sarmento Coorientador: Prof. Doutor Santiago Tácunan Bonifacio

Dissertação para obtenção de grau de Mestre em Ciência Política

Lisboa 2020

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A Nova Política do Ensino Universitário no Peru

A Superintendência Nacional de Ensino Superior (SUNEDU)

Cesar Angello Casas Soto

Orientador: Prof. Doutora Cristina Montalvão Sarmento

Coorientador: Prof. Doutor Santiago Tácunan Bonifacio

Dissertação para obtenção de grau de Mestre em Ciência Política

Júri:

Presidente:

-Doutor Pedro Miguel Moreira da Fonseca, Professor Associado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa;

Vogais:

-Doutora Maria Cristina Montalvão Marques Sarmento, Professora Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, na qualidade de orientadora;

-Doutora Raquel Cristina de Caria Patrício, Professora Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Lisboa

2020 2

ABSTRACT

Since a few years ago, important changes aiming to improve the university education system in Peru have occurred. One of the most relevant fact of this process was the approval of the University Law n°30220, and with it, the creation of the National Superintendence of Higher University Education (SUNEDU in Spanish) in 2014. The main objective is "the continuous improvement of the educational quality of university institutions" through the licensing of all institutions, is it is intended to be achieved.

Even though, at first, the activities carried out by SUNEDU were questioned by certain sectors, five years later, with the preview of the first results, the perception of the stakeholders changed, and the public opinion about SUNEDU is now quite favourable. However, it is worth asking what implications the new policy on higher education has brought to the development of the Peruvian university market.

This research aimed to extensively portray the situation of the university system in Peru before the Law 30220 and to highlight future outcomes from different perspectives. We carry out statistical analysis and an institutional evaluation of the university, allowing us to place the Law 30220 into the Peruvian society context. The purpose of the investigation was to justify the need of renew the university policy by showing the inability of previous regulatory institutions along with the political will of the State about the new social demand. In that sense, the implementation processes and the current changes in higher education were evaluated. Additionally, we highlighted some inconveniences and inconsistencies that would make this reform incomplete and hardly sustainable for the university system.

A substantial change in the political will of the State towards the university was observed, going from a neglecting role to a leading one in the supervision of the sector. This new policy prioritizes quality and disregards other aspects such as finance issues or access to the university. The future of the university has not yet been written; however, the private sector is probably, once again, the most important actor in Peru.

Keywords: Higher Education, Universities, Peru

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SUMÁRIO

Há alguns anos, ocorreram mudanças importantes com o objetivo de melhorar o sistema de ensino universitário no Peru. Um dos factos mais relevantes desse processo foi a aprovação da Lei Universitária N.º 30220, e a criação da 'Superintendência Nacional de Ensino Superior' (SUNEDU, em espanhol) em 2014. O objetivo desta reforma é aprimorar continuamente a qualidade da educação universitária e alcançar o licenciamento de todas as instituições.

No entanto, a princípio, as atividades realizadas pela SUNEDU foram questionadas por alguns sectores do Peru. Cinco anos depois e com os primeiros resultados, a perceção dos atores envolvidos mudou, e a opinião pública sobre a SUNEDU, hoje, é bastante favorável. Entretanto, vale a pena questionar que as implicações que a nova política de ensino superior trouxe ao desenvolvimento do mercado universitário peruano.

Este projeto teve como objetivo retratar a situação do sistema universitário no Peru antes da Lei N.º 30220 e destacar os potenciais resultados futuros a partir de diferentes pontos de vista. Foram realizadas análises estatísticas descritivas e uma avaliação institucional da universidade que nos permite contextualizar a Lei Universitária na sociedade peruana. O propósito da investigação foi justificar a necessidade de renovar a política universitária, diante da incapacidade das prévias instituições reguladoras e da vontade política do Estado frente à nova demanda social. Nesse sentido, foram avaliados os processos de implementação e as mudanças atuais para alertar sobre os inconvenientes e inconsistências que tornariam a reforma incompleta e dificilmente sustentável no sistema universitário.

Observou-se uma mudança substancial na vontade política do Estado em relação à universidade, que passou de negligente à liderança na supervisão do sector. Essa política prioriza a qualidade, porém desvaloriza outros aspetos, como financiamento ou acesso. O futuro da universidade no Peru ainda não é evidente, no entanto, o sector privado é provavelmente, mais uma vez, o ator mais importante.

Palavras-chave: Educação superior, Universidades, Peru.

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RESUMEN

Desde hace algunos años se viene realizando importantes cambios que buscan mejorar el sistema de educación universitaria en el Perú. Posiblemente el hecho más importante de este proceso es la Ley Universitaria N.º 30220 y con ella la creación de la Superintendencia

Nacional de Educación Superior Universitaria (SUNEDU) en 2014. El objetivo es “el mejoramiento continuo de la calidad educativa de las instituciones universitarias” y se pretende alcanzar con el licenciamiento de todas las instituciones.

Aun cuando en un primer momento la SUNEDU tuvo algunos cuestionamientos por parte de ciertos sectores, cinco años después de su creación y ya vistos los primeros resultados, la percepción de la opinión pública sobre la SUNEDU es bastante favorable. Sin embargo, cabe preguntar qué implicaciones ha traído la nueva política de educación superior para el desarrollo del mercado universitario.

El presente documento describe la situación del sistema universitario antes de la Ley 30220 desde la estadística y también desde un análisis institucional de la universidad, que nos permita ubicarla en el contexto de la sociedad peruana con el propósito de justificar mediante la incapacidad de los entes reguladores previos, la voluntad política del Estado y la nueva demanda social la necesidad de renovar la política universitaria. Asimismo, examina los procesos iniciados y los cambios realizados hasta hoy, para advertir sobre los inconvenientes y desconsideraciones que harían a la reforma incompleta y difícilmente sostenible en el sistema universitario.

Se observó un cambio sustancial en la voluntad política del Estado frente a la universidad, que pasa del desentendimiento al protagonismo de la fiscalización del sector. Esta política prioriza la Calidad y desconsidera otros aspectos como el financiamiento o el acceso a la universidad. El futuro de la universidad aún no termina de escribirse, sin embargo, probablemente sea una vez más el sector privado el actor más importante.

Palabras clave: Educación superior universitaria; universidades; Perú.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Percentagem de gastos do Estado alocados em educação por país ...... 29

Gráfico 2. Percentagem do PIB investido em educação por país...... 29

Gráfico 3. Crescimento e reforma universitária no Peru ...... 32

Gráfico 4. Evolução das matrículas na América Latina 1950-1990 (milhões) ...... 34

Gráfico 5. Evolução das matrículas em universidades no Peru ...... 35

Gráfico 6. Distribuição dos alunos de acordo com o tipo de universidade ...... 38

Gráfico 7. Matrículas de acordo com o tipo de universidade ...... 39

Gráfico 8. Matrículas no ensino superior na Argentina (2016) ...... 40

Gráfico 9. Matriculas no ensino superior na Colômbia (2016) ...... 41

Gráfico 10. Matriculas no ensino superior na Colômbia (2017) ...... 41

Gráfico 11. Matriculas no ensino superior na Colômbia (2018) ...... 41

Gráfico 12. Matriculas no ensino superior no México (2017) ...... 42

Gráfico 13. Número de estudantes da oferta pública gratuita por universidade ...... 46

Gráfico 14. Universidades privadas em 2018 com benefícios tributários no Peru ...... 54

Gráfico 15. Funcionamento do sistema universitário antes da Lei nº 30220 ...... 62

Gráfico 16. Condições Básicas de Qualidade (CBQ) ...... 67

Gráfico 17. Percentagem do PIB investido em educação por país, de 1989 a 2018 ...... 72

Gráfico 18. Evolução das universidades públicas peruanas no QS Latin-America Ranking ...... 79

Gráfico 19. Evolução das universidades privadas peruanas no QS Latin America Ranking ...... 79

Gráfico 20. Evolução das universidades peruanas no Ranking Webometrics, América Latina...... 80

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Gráfico 21. Evolução das universidades peruanas no Schimago Institutions Rankings, América Latina...... 80

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Disposições legais do sistema universitário peruano (1983-2015)...... 22

Tabela 2. Criação de universidades peruanas até 2019 ...... 36

Tabela 3. Número de alunos por universidade (bacharel/licenciatura, mestrado, doutoramento) .... 44

Tabela 4. Número de estudantes com acesso ao ensino público gratuito de todos os níveis por universidade ...... 45

Tabela 5. Lista de universidades privadas com fins lucrativos isentas de pagar imposto de renda (2018) ...... 55

Tabela 6. Principais diferenças e extensões para as universidades, aplicáveis ao CONAFU ...... 59

Tabela 7. Principais requisitos para a concessão de licenças: CONAFU vs. SUNEDU ...... 60

Tabela 8. Universidades existentes no Peru em 2014 de acordo com a licença de funcionamento .... 63

Tabela 9. Descrição dos componentes e indicadores das CBQ ...... 68

Tabela 10. Orçamento público universitário necessário para o licenciamento ...... 77

Tabela 11. Orçamento ordinário das universidades nacionais ...... 77

Tabela 12. Evolução das universidades peruanas no Ranking THE - América Latina ...... 79

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANR - Asamblea Nacional de Rectores (Assembleia Nacional de Reitores)

APRA - Alianza Popular Revolucionaria Americana, partido político (Aliança Popular Revolucionária Americana)

APP - Alianza para el Progreso, partido político (Aliança para o Progresso)

CBQ - Condiciones Básicas de Calidad (Condições Básicas de Qualidade)

CONAFU - Consejo Nacional de Autorización y Funcionamiento de las Universidades (Conselho Nacional de Autorização e Funcionamento das Universidades)

CONEAU - Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (Comissão Nacional de Avaliação e Acreditação Universitária)

CLACSO - Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Conselho Latino-Americano de Ciencias Sociais)

FIPES - Federación de Instituciones Privadas de Educación Superior (Federação de Instituições Privadas de Educação Superior)

INEI: Instituto Nacional de Estadística (Instituto Nacional de Estatística)

IGV - Impuesto General a las Ventas (Imposto Geral de Vendas)

IR - Impuesto a la Renta (Imposto de Renda)

ISC - Impuesto Selectivo al Consumo (Imposto Seletivo ao Consumo)

MEF - Ministerio de Economía y Finanzas (Ministério de Economia e Finanças)

MINEDU - Ministerio de Educación (Ministério da Educação)

NSE: Nível Socioeconómico

SINEACE - Sistema Nacional de Evaluación, Acreditación y Certificación de la Calidad Educativa (Sistema Nacional de Avaliação, Acreditação e Certificação da Qualidade Educativa)

RAE - Real Academia Española (Real Academia Espanhola)

SUNAT - Superintendencia Nacional de Aduanas y de Administración Tributaria (Superintendencia Nacional de Aduanas e de Administração Tributária)

SUNEDU - Superintendencia Nacional de Educación Superior Universitaria (Superintendencia Nacional de Educação Superior Universitária)

UCV - Universidad Cesar Vallejo 8

UNAM - Universidad Nacional Autónoma de México

UNC - Universidad Nacional de Colombia

UNI - Universidad Nacional de Ingeniería

UNMSM - Universidad Nacional Mayor de San Marcos

UNAS - Universidad Nacional San Agustín de Arequipa

UNT - Universidad Nacional de Trujillo

USMP - Universidad San Martin de Porres

USP - Universidade de São Paulo

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Índice INTRODUÇÃO ...... 11 OBJECTIVOS ...... 13 PARTE I. ENQUADRAMENTO TEÓRICO ...... 14 Capítulo I. Sociedade peruana ...... 14 Capítulo II. Educação Superior Universitária ...... 15 Capítulo III. Demanda Social por Educação Universitária e Políticas Públicas ...... 18 PARTE II. EDUCAÇÃO UNIVERSITÁRIA NO PERU ANTES DA LEI 30220 ...... 24 Capítulo IV. Crescimento e Reforma das Universidades no Peru ...... 24 Capítulo V. Análises quantitativas ...... 33 5.1 Quantidade de alunos ...... 33 5.2 Quantidade de universidades ...... 35 5.3 Distribuição de alunos ...... 37 5.4 Distribuição de alunos em universidade de outros países da América Latina ...... 39 5.5 Oferta pública gratuita ...... 43 5.6 Sumário das análises estatísticas ...... 46 Capítulo VI. Análises qualitativas ...... 47 6.1 Institucionalismo na educação ...... 47 6.2 Debate sobre a eleição de novas autoridades ...... 48

6.3 Debate sobre a autonomia universitária: papel político do CONAFU e da ANR ...... 51 6.4 Debate sobre interesses económicos e benefícios tributários ...... 53

6.5 Regulamentação e qualidade antes da Lei N.º 30220: Caso CONAFU ...... 57 PARTE III. FUNDAMENTOS DA POLÍTICA DE MELHORIA DA QUALIDADE NA LEI UNIVERSITÁRIA ...... 64 Capítulo VII. Garantia da qualidade ...... 64 7.1 Papel do Estado e Condições Básicas da Qualidade ...... 64 PARTE IV. RESULTADOS, DISCUSSÃO E CONCLUSÃO ...... 70 Capítulo VIII. Resultados e discussão ...... 70 8.1 População, recursos e gestão ...... 71 8.2 Decisões políticas ...... 73 8.3 Acesso e qualidade ...... 74 Capítulo IX. Discussão e Conclusões ...... 76 9.1 Financiamento ...... 76 9.2 Qualidade ...... 78 9.3 O futuro da universidade ...... 81 9.4 Considerações finais ...... 84

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INTRODUÇÃO

O Peru chega ao final da primeira década do século XXI com muitos questionamentos a respeito do funcionamento das universidades, os seus preços e a sua qualidade de ensino. Como resultado, durante a segunda década dos anos 2000, o governo realizou mudanças políticas com base em propostas para educação superior, o que o levou a aprovar a Lei Universitária N°30220, promulgada em julho de 2014. Neste contexto, a anterior Asamblea Nacional de Rectores (Assembleia Nacional de Reitores - ANR) e outras instituições foram substituídas pela Superintendencia Nacional de Educación Superior Universitaria (Superintendência Nacional de Ensino Superior - SUNEDU), cujo papel é fiscalizar o cumprimento das condições básicas de qualidade no ensino. À SUNEDU foi atribuída, portanto, a responsabilidade de licenciamento das universidades públicas e privadas no Peru de acordo com a política de garantia da qualidade na educação superior universitária do Ministério da Educação - MINEDU (D. S. N.º 16-2015). Todas essas medidas tiveram como objetivo aprimorar a situação do ensino universitário no país.

Um grupo de especialistas da educação do Banco Mundial concorda que, para alcançar o desenvolvimento e progresso contínuos, nenhum país pode voltar as costas ao ensino superior, pois este cria conhecimento e inovação, incrementa a produtividade do país e, consequentemente, a renda esperada dos seus habitantes. Em países menos desenvolvidos ou em processo de desenvolvimento (PNUD-IDH) como o Peru, um sistema de ensino superior eficiente pode ser a base para a construção de uma nação desenvolvida, com redução da pobreza e criação de um futuro com mais e melhores oportunidades para todos (Ferreyra, Avitabile, Botero Álvarez, Haimovich Paz, & Urzúa, 2017).

Portanto, comprovada a importância da educação superior para o desenvolvimento nacional, as grandes mudanças na política universitária devem ser vistas com cautela e manejadas com precisão, sempre considerando o impacto para o desenvolvimento da população. Perceber a situação da universidade peruana antes da reforma universitária é essencial para justificar as mudanças ocorridas na política educacional, as quais foram questionadas por alguns sectores da sociedade. Por esta razão, a primeira parte desta investigação procura argumentar com factos concretos a necessidade da reforma no Peru.

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As crises e os grandes problemas socioeconómicos geralmente marcam a agenda política de um país; no caso peruano, foram as dificuldades económicas e sociais anteriores que conduziram a uma situação de enfraquecimento do sector da educação, o que prejudicou gravemente a educação universitária (Saavedra & Suárez, 2002).

Um aumento considerável do número de instituições de educação superior universitária 1 – 107 novas universidades nos últimos 38 anos – aliado a uma regulamentação questionável que não acompanhava adequadamente a política de garantia da qualidade, foram os fatores que justificaram a proposta de uma nova política de educação (Dirección General de Educación Superior Universitaria - MINEDU, 2015).

Acresce que, o presente trabalho descreve o contexto do sistema universitário peruano em que foi criada e desenvolvida a reforma universitária, além de investigar em profundidade a necessidade desta atualização da política de educação superior. Esta dissertação procura explorar as implicações da Lei N.º 30220 para o Peru e, concretamente, o papel da SUNEDU no mercado universitário e para melhoria da qualidade da educação no país.

1 Fonte: Superintentencia Nacional de Educación Superior Universitaria (SUNEDU). Disponível em: https://www.sunedu.gob.pe/lista-universidades/ 12

OBJECTIVOS

Este projeto de investigação tem por objetivo principal estabelecer o impacto e implicâncias da nova Lei Universitária no mercado da educação superior no Peru. Sendo este um objetivo bastante grande e ambicioso, temos especificado as áreas de abordagem em três pontos.

O primeiro é investigar o funcionamento e dinâmica do sistema universitário peruano antes de Lei 30220 e perceber se efetivamente a mudança da política da educação superior era necessária; o segundo, conduzir uma análise comparativa entre as atividades e funções dos antigos órgãos reitores da universidade peruana e a nova instituição criada pela Lei Universitária, a SUNEDU.

Finalmente, procura-se avaliar o impacto e limitações futuras em aspetos positivos e negativos da reforma universitária no sistema de educação superior no Peru.

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PARTE I. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo I. Sociedade peruana

A comunidade peruana tem sido formada por várias etnias ao longo dos séculos. No entanto, desde o período colonial e da vida republicana, houve uma forte influência católica espanhola e evidentes divisões na sociedade - especialmente entre espaços urbanos e rurais - dentro do território do Peru. Estas divisões tem acompanhado uma lógica centralista, concentrando a população e seu desenvolvimento na zona da costa. Segundo estimativas do Instituto Nacional de Estatística (INEI), o Peru chegaria em 2020 com 32.6 milhões de habitantes; destes, quase 60% moram na costa, 28% na serra e apenas 13% na selva. Esta distribuição territorial é o resultado da massiva migração do campo a cidade, principalmente na última metade do século XX.

A centralização e as divisões sociais são características constantes que podem ser percebidas em todos as partes do país. Na região capital - por exemplo - moram mais de 11 milhões de peruanos. Esta região é formada por outras 10 províncias, onde Lima Metropolitana, a capital, supera os 9.6 milhões de habitantes. Ou seja, praticamente um terço da população peruana está em uma única cidade (INEI, 2020).

Nas últimas décadas do século XX, o país sofreu uma forte crise económica e social. O descontrole fiscal e hiperinflação, o conflito armado pelo surgimento de grupos terroristas e ações bélicas contra o Equador foram alguns dos motivos que explicam a debilidade económica do Estado e também de uma grande percentagem das famílias peruanas. Porém, o sustentável crescimento económico posterior aos 2000 beneficiou a maior parte da população, dinamizando a mobilidade social principalmente à classe média emergente, que chegou a alcançar ao 69% dos peruanos (Ferreira et al., 2013).

O antropólogo Ludwig Huber considera que dentre os principais fatores por trás desta expansão da classe média está a educação superior, que em vários casos oferece - pela primeira vez – a oportunidade de profissionalizar os membros da família peruana. Além disso, agrega-se o fator da migração, que tem criado nas últimas décadas numerosos empreendimentos – majoritariamente informais – nas maiores cidades. Entretanto, o

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desenvolvimento destes empresários tem elevado grande parte da população aos níveis socioeconómicos (NSE) que consideramos atualmente como a “nova classe média”. Os peruanos acreditam que a educação universitária tem assumido um papel de liderança na mobilização social, como é evidenciado pelo crescimento deste sector. Contudo, isto representa um desafio para a sociedade, porque as instituições de ensino superior frequentadas pela maioria da nova classe média apresentam um limite para o progresso social (Huber & Lamas, 2017).

Na educação superior, área de estudo desta investigação, em 2017 havia uma população de 3.04 milhões de estudantes com menos de 29 anos de idade no ensino superior em nível nacional. É sobre este universo que focamos a nossa investigação.

Capítulo II. Educação Superior Universitária

A fim de harmonizar o significado dos termos utilizados na presente investigação, foram definidos a seguir os principais conceitos da área, que servirão de base para perceber o contexto do processo de reforma universitária no Peru.

Educação

De acordo com a Real Academia Española (Real Academia Espanhola - RAE), educação é "o ensino e a doutrinação dados à crianças e jovens", "instrução através da ação de ensino" e a "ação ou efeito da educação". Educar vem da palavra latina educatio, que se refere ao processo de transmissão de conhecimentos, valores e modos de agir.

Educação superior

A educação superior, diferentemente do ensino básico ou regular, contempla a formação de capacidades e atitudes dos indivíduos para sua integração na sociedade como pessoas capazes de regular o status quo e transformar a realidade social com valores atuais em um momento histórico específico. Portanto, a tarefa do ensino superior é a formação de profissionais competentes que tenham capacidade de resolver, de forma criativa, os problemas da sociedade; isto é, de maneira eficiente e eficaz (Ibañez Bernal, 1994).

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Essa definição deve estar vinculada ao contexto em que a educação é praticada. Por exemplo, na situação Latino-americana, incluindo no Peru, o ensino superior prima por criar soluções para os problemas dessa sociedade em específico, cujas prioridades não serão as mesmas quando comparadas a outras regiões ou culturas ao redor do mundo.

Educação superior no Peru

As funções do ensino superior no Peru são definidas com base nos fundamentos do Ministério da Educação do Peru, dispostos na Lei N.º 30512, Lei dos institutos e escolas de ensino superior e carreira pública de ensino. Os seus principais objetivos são: (i) treinamento de pessoas nas áreas de ciência, tecnologia e ensino para contribuir com o desenvolvimento pessoal e social; (ii) fornecimento de treinamento de qualidade capaz de responder às demandas do sector produtivo; (iii) contribuição para o desenvolvimento do país e de sua sustentabilidade; (iv) promoção do empreendedorismo, da inovação e da investigação para um desenvolvimento adequado no ambiente de trabalho regional, nacional e global.2

Educação superior universitária no Peru

No Peru, há dois tipos de ensino superior: universitário e não universitário. O ensino superior universitário inclui somente instituições com capacidade para conceder diplomas e títulos em nome da nação, e cuja classificação como universidade foi concedida por lei.

Desde 1995, existia no país o Consejo Nacional para la Autorización de Funcionamiento de Universidades (Conselho Nacional de Autorização de Funcionamento das Universidades - CONAFU), órgão autônomo da ANR, criado pela Lei N.º 26439. Esta entidade, equivalente a atual SUNEDU, tinha como função regulamentar a criação de novas instituições e desempenhava um papel político fundamental na aplicação das políticas universitárias. Apesar de não lhe ter sido atribuído o papel de liderança que hoje a SUNEDU apresenta, a CONAFU foi, durante seu período, a entidade política encarregada de articular a dinâmica entre o Estado, o mercado e a universidade.

2 Ley de Institutos y Escuelas de Educación Superior y de la Carrera Pública Docente, Ley Nº 30512. Artículo 3º. Disponível em: Diario El Peruano: http://www.minedu.gob.pe/ley-de-institutos/pdf/ley-de-institutos.pdf 16

Em 2014, com a criação da Lei N.º 30220 (Lei Universitária), entre outras aplicações, foi criada a SUNEDU, sendo esta nomeada como entidade totalmente competente para a supervisão e execução da política de melhoria da qualidade, exclusivamente para o ensino superior universitário no Peru. Nesse sentido, as instituições supervisionadas pela SUNEDU fazem parte do sistema de ensino superior da universidade. A Lei Universitária regulamenta universidades públicas e privadas, nacionais ou estrangeiras, que operam no território peruano. Logo, a nova política de ensino superior no Peru é aplicada em específico a esse tipo de ensino: as universidades.

A SUNEDU é responsável por licenciar as entidades do sistema de ensino superior universitário e supervisionar a qualidade do serviço educacional da universidade e das entidades que podem conceder diplomas e títulos equivalentes aos das universidades. A SUNEDU também supervisiona os recursos públicos e benefícios especiais, sejam estes destinados para fins educacionais ou de melhoria da qualidade.

O licenciamento é o procedimento para verificar a conformidade com as condições básicas de qualidade, sendo este concedido de forma temporária e renovável por um período mínimo de seis anos.

A acreditação é um processo de avaliação da gestão pedagógica, institucional e administrativa de uma instituição de ensino, neste caso de uma carreira universitária ou profissional, cujo objetivo é garantir a qualidade do treinamento ofertado. Esse processo é temporário e voluntário, sendo que a certificação pode ser concedida por uma entidade privada ou pública. No Peru, a acreditação é regulamentada pela Lei N.º 28740, do Sistema Nacional de Evaluación, Acreditación y Certificación de la Calidad Educativa (Sistema Nacional de Avaliação, Acreditação e Certificação da Qualidade da Educação - SINEACE). O SINEACE também é a instituição pública que realiza esse reconhecimento, bem como a preparação e validação da metodologia aplicada.

O ensino superior não universitário é constituído basicamente por institutos pedagógicos superiores, institutos superiores de tecnologia e escolas superiores, institutos e escolas superiores de formação artística. Esses centros podem ser estatais ou privados, porém, em ambos os casos, seu funcionamento depende da Dirección General de Promoción, Participación y Desarrollo Educativo del Ministerio de Educación (Direção Geral de Promoção, Participação e Desenvolvimento Educacional do Ministério da Educação). Nestas instituições, 17

os cursos ou formações duram de três a cinco anos, dependendo do centro e do programa. Os graduados obtêm os graus de profissional técnico, técnico, especialista ou artista profissional, de acordo com a especialidade. Estas instituições também têm a possibilidade de ofertar cursos de especialização e pós-graduação, entretanto, não têm permissão de conceder diplomas universitários, como bacharelado, mestrado ou doutoramento.

No final de 2017, a população de estudantes do ensino superior no Peru contava com 60,1% no ensino universitário e 39,99% no ensino não universitário.3

Capítulo III. Demanda Social por Educação Universitária e Políticas Públicas

As demandas sociais constituem uma evidência importantes para o Estado. Essas demandas devem ser assimiladas pelo governo para subsidiar a elaboração e desenvolvimento de políticas públicas. Certamente, essa é uma das principais missões dos detentores do poder: identificar e priorizar as solicitações, colocando em prática novas políticas ou aperfeiçoando medidas já existentes que respondam às exigências de diferentes grupos da sociedade.

A demanda social por educação

O mexicano Pablo Latapi, doutor em filosofia e especialista em educação, reflete em seu trabalho "Demanda social de educación a las universidades de América Latina" sobre as principais dimensões da demanda social por educação (matrícula, acesso, garantia de qualidade, entre outros) e afirma que essas são a matéria-prima para a elaboração de políticas educacionais. No entanto, em uma realidade como a da América Latina, é necessário estar ciente da grande transformação que a universidade sofreu durante o século XX para defini-la como instituição de ensino e, assim, compreender seu papel social (Latapi, 1977).

Neste contexto, o acesso à informação é essencial para estabelecer qualquer política eficaz. Infelizmente, no Peru, existem muitas limitações para obter dados confiáveis sobre o ensino superior universitário. Por exemplo, o acesso a informações da ANR é restrito à população e os dados disponíveis para consulta não estão completos (somente disponíveis de dois ou três anos atrás) (Rodríguez & Montoro, 2013). Logo, muitas das evidências aqui

3 Diario Gestión. Disponível em: https://gestion.pe/economia/peru-8-5-millones-jovenes-educacion-superior- 144111-noticia/?ref=gesr 18

discutidas provêm de diferentes fontes de informação, incluindo órgãos governamentais e opiniões de personagens políticos, filósofos, educadores.

Nas últimas décadas, a universidade como instituição foi substancialmente modificada pela influência de novos atores, novos marcos legais, novos interesses, novas necessidades e outros fatores que compõem a demanda social pelo ensino superior. Nada resta do extinto ‘modelo tradicional de ensino superior’ do século XX, um sistema basicamente monopolista do sector público em que não havia mecanismos de controlo da qualidade.

As bases nas quais as políticas públicas haviam sido articuladas também mudaram drasticamente (Rama, 2003). 4 Dito isto, a política de ensino universitário no Peru deve procurar, inicialmente, atender às demandas sociais corriqueiras, como matrícula, acesso e qualidade. Essas demandas têm sido cada vez mais evidentes com o aumento de candidatos e matrículas em universidades no país.

As políticas educativas do Estado

Uma das maneiras mais concretas de saber qual é a política de um Estado, neste caso em relação à educação, é revisar a constituição do país. A constituição estabelece as bases para o desenvolvimento do sistema jurídico e enquadra o significado das políticas, além de outras manifestações no território nacional. Nenhuma regra ou manifestação pode ir contra uma constituição. No entanto, deve-se considerar que, mesmo quando uma constituição inclui alguns artigos dedicados ao ensino superior que definem os propósitos, objetivos, limites e liberdades da universidade, são as leis, regulamentos e outras disposições legais que especificam as suas práticas em linha à carta magna. Assim, foram revisados nesta

4 Os estudos sobre a expansão da oferta universitária no mundo surgiram nos Estados Unidos pela primeira vez na década de 1940, com a publicação do 1947 Truman Commision Report (Truman, 1948), informe que resume a necessidade de expandir o acesso a universidade nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial (Tenney, 1950; Kennedy, 1952; Quattlebaum, 1956; Trow; 1972). O fim da guerra foi o começo do discurso para a busca de uma sociedade mais inclusiva em termos raciais, abrindo múltiplas possibilidades de mobilização, internacionalização e cooperação multicultural entre América do Norte, Europa e Ásia (Smith e Bender, 2008; Baron, 1993; Neave, 1992; Islam, 1975). Na América Latina e no Peru, esse processo começou a surgir apenas no início dos anos 80, no contexto de crises sociais (Lynch, 1990; Silva, 1986) e reformas políticas e económicas (Romero, 1987; Brunner, 1981). Para realizar os estudos de expansão, as investigações seguiram um caminho diferente, diferenciado pelo contexto político (López, 2006). Na Europa e América do Norte, o olhar pós- Segunda Guerra Mundial abriu caminho para uma geração de redes organizacionais (Clark, 1983); enquanto na América Latina, a análise foi marcada pela necessidade de incluir o sector marginalizado da população em detrimento da qualidade educacional (Burga, 2008; García, 2003). 19

investigação as principais leis, decretos, resoluções e sentenças relacionadas ao funcionamento do ensino superior no Peru.

A Constituição do Peru de 1993, quando se refere à descentralização do sistema educacional, estabelece que "é dever do Estado garantir que ninguém seja impedido de receber educação adequada devido à sua situação económica ou limitações mentais ou físicas" e prioriza a este sector na alocação de recursos do Orçamento da República.5

No que diz respeito ao ensino universitário, a Constituição promove o "treinamento profissional, disseminação cultural, criação intelectual e artística e investigação científica e tecnológica", e reconhece a liberdade académica e os órgãos reguladores, governamentais, administrativos e económicos, bem como de natureza pública e privada.6

Em relação ao regime tributário, as universidades, institutos superiores e centros educacionais não são afetados por impostos diretos e indiretos sobre "os bens, atividades e serviços de seus propósitos educacionais e culturais", e doações e bolsas de estudo têm isenção e benefícios fiscais. A Constituição também especifica que "instituições educacionais privadas que geram renda que, por lei, são classificadas como lucros, a aplicação do imposto de renda pode ser estabelecida”7. Este último, no entanto, não é totalmente acurado, pois há vários casos de não conformidade, especialmente de instituições que obtiveram isenções por meio de leis e decretos específicos. A seguir, estão dispostos os textos das constituições peruanas anteriores a de 1993 sobre a temática do ensino superior.

A Constituição do Peru de 1979 também estabelece que o ensino universitário promove a "criação intelectual e artística, investigação científica e tecnológica e treinamento profissional e cultural" e reconhece a liberdade académica, bem como sua autonomia regulamentar e administrativa. As instituições universitárias também poderiam ser públicas ou privadas, sendo que as universidades, assim como os centros educacionais e culturais, estavam isentos de impostos e eram favorecidos os incentivos fiscais para doações 8

A Constituição do Peru de 1933, por sua vez, limitava-se a garantir a educação primaria como obrigatória e gratuita 9 , e a promoção do ensino médio e superior "com

5 Constitución del Perú. 1993. Artículo 16º. 6 Constitución del Perú. 1993. Artículo 18º. 7 Constitución del Perú. 1993. Artículo 19º. 8 Constitución del Perú. 1979. Artículo 32º. 9 Constitución del Perú. 1933. Artículo 72º. 20

tendência ao ensino gratuito" 10 , sendo essa a única constituição que contemplava minimamente a possibilidade de oferta de ensino superior gratuito.

A Constituição vigente de 1993 não define o ensino universitário como um direito universal, nem afirma que o Estado busca garantir seu acesso gratuito e universalidade. Ao contrário, a educação básica, deve ser fornecida de forma onde universal, gratuita e obrigatória. Por outro lado, essa constituição detalha alguns benefícios fiscais para instituições privadas de ensino, o que sugere uma consideração importante da participação do sector privado para satisfazer a demanda educacional. Nesse sentido, a Constituição de 1979 não é muito diferente, pois mais uma vez o Estado não garante a educação superior gratuita e, como na Constituição de 1993, são destacados os benefícios fiscais para os indivíduos que investem em centros educacionais. Mais adiante, estão abordados exemplos de Constituições de outros países em relação a oferta de ensino superior gratuito.

Com relação à legislação universitária atual no Peru, as considerações passam por uma lista de regulamentos, começando com a lei universitária já revogada de 1983, que estabelecia que a universidade deveria "transmitir a cultura universal com um senso crítico e criativo, de preferência afirmando valores nacionais", com objetivo de capacitar profissionais de alta qualidade académica e que conhecem a realidade nacional, estendendo sua ação à comunidade11. Em seguida, tem-se a Lei N.º 26439 que criou o Consejo Nacional para la Autorización de Funcionamiento de Universidades (Conselho Nacional de Autorização de Operação de Universidades - CONAFU), entidade autônoma encarregada de autorizar ou negar novas universidades. Há ainda o DL N.º 882, Lei de Promoção de Investimentos em Educação, que de acordo com a Constituição, "estabelece condições e garantias para promover investimentos em serviços educacionais, a fim de contribuir para modernizar o sistema educacional e ampliar a oferta e cobertura”, e priorizar o acesso à qualidade 12. Por fim, pode-se citar a Lei Moratória N.º 29971, sobre a criação das universidades públicas e privadas, que proibiu a criação de novas instituições universitárias, bem como de novas subsidiárias e sua subsequente extensão, por um período de dois anos.

10 Constitución del Perú. 1933. Artículo 75º. 11 Ley Universitaria. Ley Nº 23733. Diciembre de 1983. Artículo 2º. Disponível em: http://transparencia.unitru.edu.pe/doc/LEY23733.pdf 12 Decreto Legislativo 882, Artículo 1. 21

Esse cenário jurídico desenvolvido nas últimas décadas pelos governos no poder no Peru permitiu que o sector privado continuasse a criar novas universidades, com um aumento significativo da sua participação no mercado. Isso se deu até a publicação da última lei universitária que entrou em vigor em 2015 (ver Tabela 1).

Tabela 1. Disposições legais do sistema universitário peruano (1983-2015).

Año Tipo Presidente 1983 Ley Universitaria N° 23733 Fernando Belaúnde 1993 Constitución Política Alberto Fujimori 1995 Ley N° 26439 (Conafu) Alberto Fujimori 1996 Decreto Legislativo N° 882 Alberto Fujimori 2006 Ley N° 28740 (Sineace) 2012 Ley N° 29971 (Moratoria) 2014 Ley Universitaria N° 30220 Ollanta Humala Pablo Kuczynski / 2018 Ley N° 2073 (Moratoria) Martín Vizcarra

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020)

Exemplos na Constituição de outros países

A Constituição Brasileira de 1988, atualmente em vigor, estabelece a educação pública como "fundamental, obrigatória e gratuita"13, bem como a progressiva expansão do ensino obrigatório e gratuito ao ensino médio e o acesso a níveis mais altos de ensino "de acordo com a capacidade de cada um" 14. Por outro lado, afirma que "o ensino é gratuito à iniciativa privada" com certas condições regulatórias e de qualidade 15. Ademais, inclui um orçamento mínimo para a educação, tanto do governo central, regional e municipal 16.

A Constituição de 1976 de Portugal, também em vigor, estabelece o direito de todos à educação e cultura 17 e que o Estado deve garantir o "acesso aos mais altos níveis de educação, investigação científica e criação artística" e acesso gratuito "progressivo" em todos

13 Constitución de Brasil. 1988. Artículo 206º. 14 Constitución de Brasil. 1988. Artículo 208º. 15 Constitución de Brasil. 1988. Artículo 209º. 16 Constitución de Brasil. 1988. Artículo 212º. 17 Constitución de Portugal. 1976. Artículo 73º. 22

os níveis 18 . Quanto à educação pública e privada, a Constituição oferece cobertura às necessidades de toda a população e a supervisão da "educação complementar privada para educação pública". Estabelece ainda que "o acesso à universidade deve levar em consideração as necessidades do país em quadros qualificados e estimular e favorecer a entrada de trabalhadores e crianças das classes trabalhadoras" 19.

Deve-se notar que tanto a Constituição brasileira quanto a portuguesa mostram uma tendência a definir o ensino superior como uma obrigação do Estado e um direito dos cidadãos; portanto, o Estado deve garantir – progressivamente, no caso do ensino superior – acesso gratuito aos mais altos níveis de educação para todos.

A Constituição Política da Colômbia de 1991 estabelece que a educação "é um direito da pessoa e um serviço público que tem uma função social", obrigatória entre as idades de cinco e quinze anos, com um ano de pré-escola e nove anos de educação básica, e livre em instituições públicas " sem prejuízo da cobrança de propinas académicas daqueles que podem pagar por elas" e garantindo "as condições necessárias para seu acesso e permanência no sistema educacional" 20 . Esta Constituição estabelece ainda que a Nação e as entidades territoriais participem da direção, financiamento e administração dos serviços educacionais estaduais, nos termos indicados pela Constituição e pela lei.

Em um primeiro momento, pode ser difícil estabelecer uma tendência na intenção dos Estados em ofertar ensino superior gratuito; no entanto, essa possibilidade não é completamente singular em países com semelhanças socioculturais, cujas constituições foram criadas em contextos similares. O Peru está na lista de países que não têm a intenção de incorporar a educação universitária gratuita em sua Constituição - embora na prática essa situação seja diferente – porém, concede benefícios especiais a instituições educacionais privadas, especialmente na área tributária.

18 Constitución de Portugal. 1976. Artículo 74º. 19 Constitución de Portugal. 1976. Artículo 76º. 20 Constitución Política de Colombia. 1991. Artículo 67º. 23

PARTE II. EDUCAÇÃO UNIVERSITÁRIA NO PERU ANTES DA LEI 30220

Com o objetivo de retratar a situação do Peru diante da Lei Universitária, o capítulo III aborda uma breve revisão histórica do crescimento das universidades no país. Do ponto de vista quantitativo, análises estatísticas descritivas considerando o número de universidades, número de matrículas de alunos, distribuição de alunos nas instituições e objetivos da Lei N.º 30220 foram conduzidas. Posteriormente, o tema foi discutido através de análises qualitativas.

Capítulo IV. Crescimento e Reforma das Universidades no Peru

Em algum momento da história republicana, a universidade estava reservada apenas para as elites do poder. Hoje, a realidade é completamente diferente. O acesso ao estudo tornou-se mais fácil para os peruanos, principalmente porque um maior número de universidades foi criado. Entretanto, é importante ressaltar que esse crescimento não deve depender apenas da dinâmica da oferta e demanda. A política deve implementar estratégias para reforçar o sentido da universidade, que estejam em acordo com os objetivos nacionais de desenvolvimento.

Em 1551, a rainha mãe, Dona Juana, com a autorização do rei Carlos V da Espanha, assinou o Real Cédula em Valladolid para a criação da primeira universidade da América do Sul, a Universidade da Cidade dos Reis ou Lima, a mesma que mais tarde seria renomeada Universidade Nacional de San Marcos, quando as ações bélicas para a conquista espanhola nas terras incas ainda não haviam terminado. De facto, a fundação desta universidade consolidou o poder político da Espanha, justificando os pesados gastos da conquista. Assim, na realidade, mais do que a busca por conhecimento e pensamento livre, o principal objetivo da primeira universidade peruana foi uma estratégia para justificar o processo de "culturalização", compreender e subsumir a língua nativa dos conquistados, a fim de dominá- los completamente. Naquela época, a criação e abertura de novas universidades estava sujeita aos interesses da conquista, motivo pelo qual o consenso de um grupo de clérigos espanhóis do mais alto escalão, que justificava o orçamento necessário antes da coroa, era suficiente.

24

Portanto, mais do que claustros ou conventos religiosos, instituições estatais foram fundadas a serviço dos vice-reis da Coroa (Robles, 2006).

A partir do século XVII, com a fundação da Universidade San Cristóbal de Huamanga e da Universidade San Antonio Abad de Cusco, foram criadas novas instituições de ensino superior. A universidade, no início, tinha propósitos teológicos, incorporando progressivamente o direito e as ciências durante o período da Colônia; a Medicina no início da República e, no século XX, outras especialidades exigidas pela modernidade.

Quanto às reformas universitárias, pode-se dizer que a primeira reforma no Peru foi realizada pelo vice-rei Francisco de Toledo em 1571, com a secularização da Universidade de San Marcos e a eleição de seu primeiro reitor leigo. Uma segunda reforma ocorreu entre os séculos XVII e XVIII, com o surgimento das principais faculdades, cujos profissionais se formaram na Universidade de San Marcos. Embora fossem praticamente uma extensão da universidade, foram nesses centros que o direito canónico e o dogma foram paulatinamente substituídos pela experimentação e pensamento livre, promovidos por intelectuais como José Baquíjano e Carrillo, Toribio Rodríguez de Mendoza e Hipólito Unanue.

Durante a República, a fundação das universidades passou a ser controlada pelo Estado. Assim, em 1824, Simón Bolívar criou a primeira universidade republicana, a Universidade Nacional de Trujillo (UNT), como prêmio pela cidade que o acompanhou em suas ideias políticas expansionistas. Em 1861, o Presidente Ramón Castilla promulgou uma lei que ordenava o funcionamento das principais faculdades e universidade. O presidente Mariano Ignacio Prado consolidou em 1866 o regime das faculdades dentro da universidade. O Presidente Manuel Pardo promulgou o Regulamento da Instrução Pública em 1876, cujo objetivo foi aprimorar a organização do sistema universitário na época. Em 1901, o Presidente Eduardo López de Romaña, por meio da Lei Orgânica da Instrução, fortaleceu o treinamento humanista e, um ano depois, estabeleceu um sistema similar ao Bacharelado Europeu, porém com modificações no seu conteúdo.

Com a criação da Universidade Católica do Peru - ainda sem ser pontifícia - no início do século XX, inaugurou-se o domínio das universidades privadas, já legalizada pelo Estado peruano através de uma resolução suprema de março de 1917. Entretanto, o novo cenário de independência não resultou em mudanças substanciais na educação literária e elitista. O 25

estopim deste processo se deu com o chamado "Grito de Córdoba" (Argentina em 1918), um movimento de abrangência latino-americana que propôs a Reforma Universitária como uma tentativa de democratizar a educação, fortalecer a investigação científica e orientar a criação de conhecimento em direção ao mundo real. Esse sonho da nova universidade do século XX no Peru, apesar das tentativas de se adaptar às mudanças da modernidade e da criação de novas instituições de ensino, não se materializou numa formação de qualidade ou que atendesse às demandas para o desenvolvimento nacional, apresentando, assim, diversas fragilidades. Isso foi agravado pela baixa prioridade dada à educação pelos governos sucessivos (com algumas exceções) e pela presença de interesses extra académicos.

Diversos intelectuais e políticos peruanos como Manuel González Prada, Víctor Raúl Haya de la Torre, José Carlos Mariátegui, Jorge Basadre, Luis Alberto Sánchez e José Antonio Encinas, para citar apenas alguns21, alertaram para a "esclerose do ensino", "os esquemas coloniais da universidade" e seu "atraso espiritual, de ensino e científico", propondo sua conversão em "nova ciência e verdadeiros laboratórios da vida", "rompendo os obstáculos dos antigos sistemas de ensino e vida das universidades, bem como das relações entre ela e o público em geral” e a participação da universidade como promotora do desenvolvimento.22

As mudanças na universidade peruana do século XX começaram em 1919 por influência de Córdoba no movimento estudantil, que favoreceu o presidente Augusto B. Leguía a promulgar a Lei N.º 4002 e a Lei N.º 4004. Um ano depois, ele aprovou a Lei do Ensino Organico que incorporou várias reivindicações reformistas, como a etiqueta dos professores, a presença gratuita dos alunos, o exame de admissão e a representação dos alunos; e em 1928, o Estatuto da Universidade. Três anos depois, sob a efervescência estudantil, foi estabelecido um novo Estatuto Universitário que estabeleceu o seminário, o elo entre o ensino médio e a universidade, e promoveu a investigação científica. Entretanto, todos esses avanços foram inicialmente abolidos pelo Presidente Luis M. Sánchez Cerro e integralmente extintos pelo presidente Oscar R. Benavides em 1935.

21 Sánchez, Luis Alberto. (1969) La universidad actual y la rebelión juvenil. Buenos Aires: Losada. “Quien pretenda reducir la reforma universitaria al mero ámbito de la universidad cometería un grueso error. Siendo la universidad en América Latina, espejo fiel de la existencia colectiva, sus variantes se refieren tanto a una como a la otra". P. 62. 22 Robles Ortiz, Elmer. (2009) La reforma universitaria: Sus principales manifestaciones. Universidad Privada Antenor Orrego (UPAO). Trujillo: Fondo Editorial UPAO. 26

Em 1941, o Presidente Manuel Prado promulgou a Lei Orgânica da Educação Pública e reconheceu a autonomia da universidade. Em 1946, o Presidente José Luis Bustamante e Rivero promulgou a Lei 10555, que estabeleceu o cogoverno, reorganizou a universidade e flexibilizou seu regime de estudos. Durante o governo do general Manuel A. Odría (1948- 1956), os avanços na educação duramente conquistados foram novamente perdidos, gerando um período de caos nas universidades.

Em 1956, o Congresso da República aprovou a Lei N.º 13417, a Lei de Reforma Universitária, que só foi promulgada em 1960 pelo Presidente Manuel Prado, restaurando a autonomia da universidade. Durante o século XX e até os anos 80, a criação de universidades no Peru continuou sendo regulamentada pelo Estado. Na República aristocrática -termo cunhado pelo historiador Jorge Basadre para se referir ao período do início do século XX-, o Estado peruano começou a finalmente investir na gestão das universidades. Assim, até 1960, o país possuía nove universidades públicas e apenas uma privada (SUNEDU, 2015). A partir desta mesma década, a expansão da universidade começou a estar ligada ao crescimento demográfico do Peru (Sandoval López, 2002) e com demandas de uma população que iniciava a migração do campo para a cidade.

Durante o segundo governo do Prado, em 1960, o estado peruano promoveu a criação de universidades com a promulgação da Lei 13417, que expandiu o regime para criar universidades públicas. No Capítulo IV, observa-se que essa foi a década de maior expansão das universidades públicas no Peru, com a criação de um total de 12 instituições de ensino nas regiões de Huancayo, Arequipa, Cerro de Pasco, Cajamarca, Ica, Iquitos, Huánuco, Puno, Huacho e Lima. Entretando, em função das características “nacionalistas” desta lei, a criação de universidades nacionais esteve voltada às necessidades estratégicas do Estado.

O antropólogo Pablo Sandoval López define "a necessidade estratégica do Estado" em um relatório para o Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais – CLACSO), explicando que "a partir do Estado também seria promovido o treinamento de funcionários públicos, cujo principal destino era a burocracia do Estado, com vistas ao crescimento e fortalecimento do Estado como aparato administrativo e institucional”. Com essas prerrogativas, foram criadas novas universidades públicas ou transformadas as instituições antigas, como foi o caso da Escola de Engenheiros (Universidade

27

Nacional de Engenharia, UNI), da Escola de Agronomia (Universidade Nacional Agrária) e da Normal Superior Enrique Guzmán y Valle (para Universidade Nacional de Educação) de acordo com as Lei N.º 13417 de 1960 e Lei N.º 15519 de 1965 (Sandoval López, 2002).

No primeiro governo de Fernando Belaúnde (1962-1968), foi promulgada a Lei N.º 14693, Lei da Educação Gratuita, que permitiu o ensino gratuito em todos níveis educacionais. Em 1969, o governo militar de Juan Velasco Alvarado emitiu o Decreto-Lei N.º 17437, Lei Orgânica da Universidade Peruana, restringindo a participação dos estudantes e estabelecendo o Sistema Universitário Peruano.

A reforma educacional de 1972, estabelecida no Decreto-Lei N.º 19326, Lei Geral da Educação, promulgada pelo governo militar, procurou a integração de profissionais no desenvolvimento do país; entre outros, foi criado o Instituto Nacional de Estudos Superiores, considerado um centro de investigação de atividades estratégicas do Estado. Porém, mesmo com todos esses esforços, até 1979, somente cinco novas universidades públicas foram criadas, e nenhuma instituição de ensino privada foi estabelecida (Asamblea Nacional de Rectores, 2012). Entretanto, com o crescimento acelerado da população que potencialmente pudesse usufruir da universidade, a quantidade de instituições ainda era insuficiente.

A reforma de 1972 não teve continuidade e não pôde ser sustentada devido à falta de diretrizes políticas e apoio da população (Casas, 2012). Além disso, nas décadas seguintes, houve necessidade de repensar as abordagens políticas, não apenas educacionais, no Peru e região. Desde 1969, o corpo diretivo das universidades constituía o Consejo Nacional de la

Universidad Peruana (Conselho Nacional da Universidade Peruana - CONUP).

Nos anos 80, a tendência anterior foi revertida com a abertura de doze universidades privadas e apenas duas públicas (Asamblea Nacional de Rectores, 2012). Entretanto, mais do que uma iniciativa do Estado para expandir o acesso à educação universitária, esse processo ocorreu pela incapacidade de investimentos em universidades públicas (Sandoval López, 2002). Em 1983, o Presidente Fernando Belaúnde Terry promulgou a Lei N.º 23733, Lei Universitária, que restaurou a autonomia da universidade e a participação dos estudantes, e criou a agora extinta ANR como a mais alta autoridade das universidades públicas e privadas, assumindo em suas funções a avaliação e a autorização de novas instituições (artigo 90). Neste

28

ínterim, as universidades privadas continuaram a crescer enquanto os gastos sociais com as universidades públicas diminuíram (ver Gráfico 1 e 2).

Gráfico 1. Percentagem de gastos do Estado alocados em educação por país

25.0%

23.0% 23.0% 22.0% 20.4% 21.0% 18.6% 19.0% 18.8% 19.2% 17.0% 18.0% 15.2% 15.0% 16.0% 13.6% 15.1% 14.0% 13.0% 12.8% 10.9% 11.6% 11.0% 10.6% 11.9% 10.4% 9.0% 9.1% 7.0% 9.1% 6.6% 5.0% 1970 1980 1990 1995

Peru Brasil Mexico Chile Colombia Argentina Portugal

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base no informativo “La educación superior en los países en desarrollo: Peligros y promesas”, Banco Mundial, 2000.

Gráfico 2. Percentagem do PIB investido em educação por país.

6.0%

5.5% 5.1% 5.0% 4.7% 4.9% 4.6% 4.3% 4.0% 3.8% 4.0% 3.6% 3.7% 3.3% 3.0% 3.1% 2.7% 3.0% 2.9%

2.3% 2.6% 2.4% 2.0% 1.9% 1.5% 1.0% 1.1% 1970 1980 1990 1995

Peru Brasil Mexico Chile Colombia Portugal

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base no informativo “La educación superior en los países en desarrollo: Peligros y promesas”, Banco Mundial, 2000.

29

Na década de 1990, Alberto Fujimori implementou uma reforma liberal na educação, para legalizar e promover a criação de novas universidades privadas. Aparentemente, o aumento do número de universidades foi determinado com base nos interesses económicos, que levaram o Estado peruano a reduzir seu investimento em universidades públicas. Porém, adicionalmente, deduz-se que essas medidas destruíram o senso de cogoverno universitário. Alguns estudos descreveram que Fujimori empreendeu ações paramilitares para eliminar qualquer movimento terrorista das universidades (Casas, 2012), forçando -entre outros fatores- a interrupção da abertura de universidades nacionais e aumento do investimento no sector privado.

A expansão das universidades privadas não ocorreu apenas em função dos interesses económicos que levaram à redução do investimento público nas universidades. O Estado, pelo contrário, com base na ANR –que não possuía grande relevância para a expansão privada das universidades– criou outra entidade encarregada de controlar as autorizações para funcionamento de novas instituições de ensino superior, o CONAFU, através da Lei N.º 26439, em 20 de janeiro de 1995. A essa entidade, foi atribuída a garantia da qualidade educacional das universidades, além do controlo e autorização de novas instituições e sedes, algo que até então não havia sido regulamentado no país.

A responsabilidade política da CONAFU era enorme. A entidade tinha total liberdade e exclusividade para definir se uma universidade cumpria ou não os requisitos mínimos para sua criação e poderia avaliar permanentemente todas atividades da instituição de ensino superior. Desde a sua criação até o ano de 2014, a CONAFU, junto à ANR, foram as únicas encarregadas de controlar a operação das novas universidades. Ambas entidades mostraram uma distância acentuada do controlo estatal, uma vez que, praticamente, todas as autoridades e membros envolvidos pertenciam ao ambiente universitário. Com isso, essas entidades consideravam a "autonomia universitária" como a não intervenção do governo. Vale ressaltar que essa realidade é totalmente consistente com a política educacional aplicada nesses anos e com as leis constitutivas das referidas instituições, e que os procedimentos utilizados para o controlo foram estabelecidos pelos poderes estatais correspondentes, principalmente o legislativo.

Durante o controverso segundo governo de Alberto Fujimori, no final de 1996, o executivo criou a Lei de Promoção do Investimento em Educação através do Decreto

30

Legislativo N.º 882, garantindo benefícios fiscais para investimentos privados 23, ratificando assim a posição política do Estado expressa na Constituição de 1993. Certamente, havia uma incapacidade económica por parte do Estado de investir em universidades públicas. Porém, neste contexto, existiam também fortes interesses de grupos económicos, igualmente representados na política, em especial no Congresso, cujo objetivo foi criar um cenário favorável para investimento privado (Casas, 2012). A partir deste período, as universidades no Peru aceleraram seu crescimento, desta vez com inclinação mais forte para o sector privado.

Entretanto, ao longo dos anos, o fracasso desse modelo começou a despontar. As universidades se multiplicaram sob critérios que não garantiam a formação de profissionais de qualidade e, em muitos casos, nem mesmo o bom funcionamento dessas instituições. A expansão da universidade começou a ser vista como um problema e novas políticas tiveram que ser elaboradas para lidar com a situação. Assim, em 2014, tanto a ANR como a CONAFU foram substituídas pela SUNEDU, instituída pela Lei N.º 30220, Lei Universitária.

Em suma, a breve explanação dos eventos históricos supracitados permite perceber melhor o processo de expansão das universidades e as tendências do ensino superior no Peru. A falta de continuidade das políticas relacionadas ao sistema universitário prejudicou evidentemente seu desenvolvimento e incentivou a distorção não apenas de sua estrutura e organização, mas também de seus propósitos institucionais, o que resultou em crescimento desordenado, se não em desvios económico e político.

Em síntese, a criação primaria de universidades foi influenciada pelo poder político para justificar algumas das suas atividades. Mesmo antes dos anos 90, não é possível especificar se, a partir da política, buscava-se satisfazer o mercado ou democratizar o acesso ao ensino superior. Isso porque, durante muito tempo, a universidade estava apenas ao alcance das elites do poder. Em seguida, a teórica expansão do ensino em alguns governos militares ocorreu para atender às demandas estratégicas do Estado. As reformas liberais dos anos 90 eliminaram várias barreiras burocráticas e promoveram o investimento privado no sector educacional do Estado. Este modelo perdurou por vários anos até a reforma universitária em 2014, com a criação da SUNEDU (ver Gráfico 3).

23 Decreto Legislativo N° 882. Capítulo II: Disposiciones tributarias. 31

Gráfico 3. Crescimento e reforma universitária no Peru

Fuente: Elaboración propia

32

Capítulo V. Análises quantitativas

5.1 Quantidade de alunos

O crescimento demográfico do século XX foi fundamental para o desenvolvimento de novas universidades. Em 1988, a UNESCO (The United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) na Declaração Mundial sobre Ensino Superior no século XXI, afirma o seguinte:

"A segunda metade do nosso século - que se refere ao século XX - será registrada na história do ensino superior como o período mais espetacular de expansão; em todo o mundo, o número de estudantes matriculados multiplicou por mais de seis entre 1960 (13 milhões) e 1995 (82 milhões). Mas também é o momento em que a disparidade já crescente entre os países industrialmente desenvolvidos, os países em desenvolvimento e, em particular, os países menos desenvolvidos em termos de acesso se torna ainda mais acentuada para o ensino superior e a investigação, e os recursos que eles dispõem...”

Esse fenômeno demográfico mundial foi evidente em todos os níveis de educação da população; entretanto, a população de estudantes no ensino superior ainda é a que mais cresce 24. A América Latina também fez parte desta progressão, que se reflete na evolução das matrículas de estudantes universitários, ver Gráfico 4.

24 UNESCO. Documentos de política para el cambio y el desarrollo de la educación superior. París, 1995. 33

Gráfico 4. Evolução das matrículas na América Latina 1950-1990 (milhões)

8

7

Millones 7.097247 6

5

4 4.745387

3

2 0.54379 1.563547 1 0.266691

0 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base no Reporte Anual Estatístico - UNESCO 1970-1992

Em quatro décadas somente, a população de estudantes universitários registrados aumentou mais de 26 vezes, de 266.691 em 1950 para 7.097.247 em 1990. Isso, definitivamente, representa uma forte demanda social por acesso ao ensino superior. Segundo os governos dos países da América Latina, essa demanda foi atendida principalmente de duas maneiras: por um lado, com o aumento do número de universidades e sua capacidade instalada de absorver estudantes (ambos em universidades públicas); e, por outro, pelo apoio aos particulares para a criação de novas universidades e sedes. No caso do Peru, essa demanda social, neste período, foi atendida essencialmente pelo sector privado.

O crescimento da população universitária não parou no Peru; de facto, continuou a aumentar significativamente após 1990, quando o sistema contava com 359.778 estudantes universitários. Em 2016, ano com o maior número de matrículas, foram registrados 1.492.470 alunos. Vale ressaltar que, para a presente investigação, foram considerados estudantes de todos os níveis de ensino superior - graduação, mestrado e doutoramento (Gráfico 5).

Esse intenso transbordamento da demanda social deve-se, entre outros fatores, à incapacidade de sucessivos governos em cobri-la, motivo pelo qual houve um aumento da responsabilidade pelo sector privado. Diante dessa incapacidade, o Estado apoiou essa

34

transferência do mercado universitário para o sector privado através das mudanças constitucionais realizadas e da nova legislação, como abordados previamente.

Gráfico 5. Evolução das matrículas em universidades no Peru

1.8 1.6 1.4 Millones 1.2 1 0.8 0.6 0.4 0.2

0

2010 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

TOTAL

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Memorias estadísticas SUNEDU y Estadísticas Universitarias de la Asamblea Nacional de Rectores.

5.2 Quantidade de universidades

De maneira previsível, um aumento na população universitária significa um aumento no número de universidades e, por sua vez, universidades com maior capacidade estudantil. O que tem prevalecido no Peru desde o final do século XX é a criação de novos centros universitários particulares. Entretanto, um facto isolado, porém considerável, foi observado entre os anos de 1960-1970 em que, na primeira década, o governo peruano criou 12 universidades públicas (em comparação com 9 privadas) e, durante a década de 1970, em que o Estado continuou a criar e surgiram mais 5 novas universidades. Estas são as únicas décadas em que o governo peruano realizou a iniciativa de satisfazer a demanda social de ensino superior (Tabela 2).

35

Tabela 2. Criação de universidades peruanas até 2019

Periodo Públicas Privadas TOTAL Antes de 1960 8 2 10 1960-1969 12 9 21 1970-1979 5 0 5 1980-1989 2 12 14 1990-1999 2 18 20 2000-2009 9 22 31 2010-2019 13 29 42 TOTAL 51 92 143

Fonte: Superintendencia Nacional de Educación Universitaria (SUNEDU)

Esse aumento nas universidades privadas pode estar relacionado ao contexto da política peruana da época, uma vez que o governo fez uma alteração na Constituição em 1993, expressando a tendência ou busca pelo Estado de regras para promover o investimento privado, especialmente no ensino superior universitário, estabelecendo impostos "não afetados", isenção e benefícios fiscais para universidades, faculdades e centros educacionais.25

De facto, é curioso que a Constituição peruana inclua em seu texto os benefícios fiscais usufruídos pelas universidades e outros centros educacionais. As constituições em vigor em outros países, incluindo a constituição portuguesa, nem sequer mencionam benefícios fiscais para instituições particulares. Nesse sentido, objetivamente, há um apoio do Estado ao investimento privado em educação por meio de benefícios fiscais.

Outro aspeto legal que apoia o governo à criação de novas universidades privadas é a Lei de Promoção de Investimentos em Educação, Decreto Legislativo nº 882, que detalha um pouco mais os benefícios fiscais estabelecidos na Constituição, por exemplo, sobre "receita

25 Constitución Política del Perú. 1993. Artículo 19º. “Las universidades, institutos superiores y demás centros educativos constituidos conforme a la legislación en la materia gozan de inafectación de todo impuesto directo e indirecto que afecte los bienes, actividades y servicios propios de su finalidad educativa y cultural. En materia de aranceles de importación, puede establecerse un régimen especial de afectación para determinados bienes. Las donaciones y becas con fines educativos gozarán de exoneración y beneficios tributarios en la forma y dentro de los límites que fije la ley. La ley establece los mecanismos de fiscalización a que se sujetan las mencionadas instituciones, así como los requisitos y condiciones que deben cumplir los centros culturales que por excepción puedan gozar de los mismos beneficios. Para las instituciones educativas privadas que generen ingresos que por ley sean calificados como utilidades, puede establecerse la aplicación del impuesto a la renta.” 36

que por lei é classificada como receita"26, ou no direito a um crédito fiscal para reinvestimento e dedução à importação 27.

O Decreto Legislativo Nº. 882 foi inicialmente bastante favorável à criação e manutenção de universidades privadas. Em suma, este decreto previa uma série de isenções e descontos tributários para a maioria dos impostos diretos e indiretos (IGV, renda, direitos de importação, entre outros), o que efetivamente tornava lucrativo investir no ensino superior. Essa postura do governo ajudou definitivamente a criação de novas instituições privadas, e as datas dessa legislação coincidem com o período em que o sector privado aumentou significativamente sua participação no mercado de ensino superior (Cuenca, 2015).

Recentemente, em julho de 2014, que mediante a publicação da Lei Universitária, Lei N.º 30220, os artigos 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 do Decreto Legislativo Nº 882 foram revogados, e qualquer outra regra que fosse contrária às disposições da referida lei.

5.3 Distribuição de alunos

A distribuição dos alunos é um indicador fundamental para perceber em quais pontos a nova política universitária está a intervir. É diferente aplicar a supervisão a um mercado universitário monopolizado pelo sector público, como ocorreu no Peru durante a maior parte do século XX (Rama, 2003), comparado um mercado maioritariamente (em torno de 75%) concentrado no serviço privado, como ocorreu a partir de 2015.

O Gráfico 6 mostra a evolução e o deslocamento da participação do mercado universitário do sector público para o sector privado no Peru. Essa mudança tem sido progressiva e constante, com aumento significativo desde 1990, especialmente nos anos em que a legislação começa a apoiar o investimento privado.

26 Ley de Promoción de la Inversión en la Educación. Decreto Legislativo Nº 882. Artículo 12º. 27 Ley de Promoción de la Inversión en la Educación. Decreto Legislativo Nº 882. Artículo 13º. 37

Gráfico 6. Distribuição dos alunos de acordo com o tipo de universidade

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Memorias Estadísticas SUNEDU y Estadísticas Universitarias de la Asamblea Nacional de Rectores

O percentual de estudantes universitários em instituições públicas diminuiu de 64,94% em 1990 para apenas 25,42% em 2017. Por outro lado, o percentual de participação do sector privado cresceu de 35,06% em 1990 para 74,58% em 2016. Entretanto, as matrículas de estudantes continuaram a crescer neste período e o número de estudantes matriculados em universidades públicas não aumentou significativamente; no início de 1990, havia 233.625 alunos e, somente em 2010, esse número ultrapassou os 300 mil inscritos.

A situação da matrícula em universidades privadas apresenta um cenário diferente. Em 1990, havia apenas 126.153 (quase metade dos estudantes comparado a instituições públicas), porém, já em 2006, esse número excedeu os 300.000 estudantes. Atualmente, 3 em cada 4 estudantes universitários estão matriculados em instituições privadas (Gráfico 7).

38

Gráfico 7. Matrículas de acordo com o tipo de universidade

1.8 1.6

Millones 1.4 1.2 1 0.8 0.6 0.4 0.2

0

1994 2007 1990 1991 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

TOTAL # Publicas # Privadas

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Memorias Estadísticas SUNEDU y Estadísticas Universitarias de la Asamblea Nacional de Rectores

5.4 Distribuição de alunos em universidade de outros países da América Latina

A seguir, foi feita uma comparação entre a distribuição de estudantes universitários no Peru e em diferentes países da região latino-americana. O crescimento da população universitária é um processo mundial; motivo pelo qual todos os países analisados observaram um aumento da população universitária em proporções semelhantes.

Cabe ressaltar que há uma ligeira variação nos sistemas de ensino superior entre os países, principalmente em sua classificação. O Peru, por exemplo, considera como ensino superior não universitário o treinamento recebido em institutos e escolas profissionais. O equivalente a essa classificação na Argentina é a ‘graduação’, considerada neste país como parte do ensino superior universitário. O equivalente entre a graduação argentina e ensino superior não universitário peruano na Colômbia é o ensino superior em nível técnico, profissional ou tecnológico e, no México, institutos e escolas de ensino superior, que também oferecem ensino universitário. Mesmo com essas diferenças, os sistemas educacionais desses países têm várias características que os tornam bastante comparáveis.

39

Argentina

Embora a Argentina -da mesma forma que o Peru- tenha experienciado um aumento constante em sua população universitária, sua distribuição não sofreu grandes mudanças, conservando grande parte da participação do sector público, que excede quase quatro vezes a capacidade das instituições privadas (ano-base 2016) (Gráfico 8).

Gráfico 8. Matrículas no ensino superior na Argentina (2016)

79% 21%

%públicas %privadas

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Sistema de Consulta de Estadísticas Universitárias - Governo da Argentina.

Colômbia

A distribuição dos estudantes na Colômbia é diferente. Apesar do crescimento no número de matrículas e universidades do sector privado, a partir de 2018, a educação universitária pública ou "oficial" (localmente denominada), tinha mais de 50% de participação no mercado (Gráficos 9-11).

40

Gráfico 9. Matriculas no ensino superior na Colômbia (2016)

49.9% 50.1%

%públicas %privadas

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Sistema Nacional de Información de la Educación Superior - Ministerio de Educación.

Gráfico 10. Matriculas no ensino superior na Colômbia (2017)

50.8% 49.2%

%públicas %privadas

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Sistema Nacional de Información de la Educación Superior - Ministerio de Educación.

Gráfico 11. Matrículas no ensino superior na Colômbia (2018)

50.3% 49.7%

%públicas %privadas

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Sistema Nacional de Información de la Educación Superior - Ministerio de Educación. 41

México

O México alinha-se com figuras fortes na tendência de abrigar o maior número de população universitária em instituições públicas, estaduais, federais ou politécnicas 28. Essa distribuição de estudantes reflete um acompanhamento das políticas públicas que o Estado mexicano implementa para enfrentar a crescente demanda social por ensino superior, certamente alocando recursos para aumentar a capacidade da universidade pública (Gráfico 12)

Gráfico 12. Matriculas no ensino superior no México (2017)

66% 34%

%públicas %privadas

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em estadísticas de la Secretaría de Educación Pública - SEP

No Peru, em dezembro de 2019, havia, segundo o site oficial da SUNEDU, as seguintes estatísticas: 143 universidades registradas em operação, 92 delas privadas (64,3%) e 51 públicas (35,7%). Em relação à população universitária em potencial, no Peru existem 8,5 milhões de jovens (16 a 29 anos) e aproximadamente 35,8% estão matriculados ou possuem formação superior; no entanto, apenas 21,5% desses jovens foram instruídos no ensino universitário. Até a data de fechamento desta investigação, em 2018, 74,58% da população universitária do Peru frequenta universidades privadas.

28 Disponível em: https://www.elsoldemexico.com.mx/mexico/sociedad/data-mexico-estudia-en- universidades-publicas-2964291.html 42

Em 30 de dezembro de 2019, o licenciamento foi concedido a 84 universidades e 2 escolas de pós-graduação29. Outras 33 universidades e 2 escolas de pós-graduação tiveram suas licenças foram negadas30.

O processo de licenciamento deveria ter sido concluído em 31 de dezembro de 2019, apesar de a data de fechamento já ter sido modificada em diferentes ocasiões e ter sido prorrogada novamente até março.

5.5 Oferta pública gratuita

De acordo com os dados apresentados nas linhas anteriores, a dinâmica do crescimento da população universitária e a distribuição de estudantes no Peru passaram, nos últimos anos, por um deslocamento para a oferta universitária privada. Isso ocorreu, dentre outros, pelo maior acesso à educação, oferta de programas a custos acessíveis à população, facilidade de início carreira de uma universitária sem maiores exigências ou competitividade (especialmente nas instituições que não atendem às condições mínimas de qualidade), e também devido à capacidade limitada de matrículas nas universidades públicas, insuficiente para absorver os candidatos com interesse de ingresso.

Outro aspeto importante que deve ser ressaltado, é que a oferta pública gratuita no Peru se restringe somente à carreira universitária para obtenção do bacharelado. Isso porque os estudos de pós-graduação (cursos de extensão, mestrado e doutoramento) não são gratuitos e seguem uma linha muito próxima para o sector privado, com uma estrutura de pagamento, porém com menos requisitos para inscrição.

Para investigar a situação da oferta pública gratuita no Peru, é importante realizar uma análise comparativa do contexto universitário com países estrangeiros, a considerar a capacidade de matrícula na universidade mais importante ou de importância semelhante com o contexto da América Latina.

29 Disponível em: https://www.sunedu.gob.pe/lista-de-universidades- licenciadas/https://www.sunedu.gob.pe/lista-de-universidades-licenciadas/ 30 Disponível em: https://www.sunedu.gob.pe/lista-de-universidades-denegadas/ 43

Sabe-se que a oferta pública gratuita de ensino universitário não é, usualmente, percebida como uma obrigação do Estado; entretanto, alguns países no mundo assumem essa responsabilidade, como é o caso da Eslovênia e Coreia do Norte, onde o ensino superior é ofertado sem custos pelos respetivos governos. A oferta de educação gratuita e universal não significa, necessariamente, um indicador de excelência em ensino. Existem sistemas públicos de educação na América Latina que não são gratuitos, como o chileno e parcialmente o colombiano, que não apresentam os melhores níveis de ensino. Ademais, estas evidências auxiliam a perceber em que medida as políticas públicas preveem a participação do Estado e como se destinam a satisfazer as demandas sociais.

A instituição pública de ensino superior mais antiga do Peru e da América Latina é a UNMSM, fundada em maio de 1551. Atualmente, esta instituição é também a maior e mais importante universidade pública do Peru: em 2017 abrigava 43.294 estudantes em todos os níveis de ensino (bacharel, licenciatura, mestrado e doutoramento), com somente uma parcela destes (32.112; 74,15%) a usufruir do ensino de forma gratuita. No México, poucos meses após a fundação de San Marcos, foi criada a Universidade Nacional Autónoma de México (UNAM), uma instituição com histórico e reputação semelhantes à UNMSM, considerada atualmente a maior universidade pública no país (em 2017 contava com 349.539 alunos). Na Colômbia, a Universidade Nacional da Colômbia (UNC), com sede em Bogotá, é a maior universidade pública do país cafeeiro, com mais de 53.454 alunos em suas salas de aula em 2017. No Brasil, a Universidade de São Paulo (USP), também considerada a universidade mais importante do país é, sem dúvida, a instituição com mais estudantes da América do Sul, contanto, em 2017, com mais de 89 mil matriculados (ver Tabela 3).

Tabela 3. Número de alunos por universidade (bacharel/licenciatura, mestrado, doutoramento)

Universidad / Año 2014 2015 2016 2017 2018 UNMSM. Lima, Perú. 49 556 46 495 43 905 43 294 UNSA. Arequipa, Perú. 30 364 29 396 29 730 30 389 26 856 UNC. Colombia. 51 627 52 677 53 451 53 454 53 721 UNAM. México. 337 763 342 542 346 730 349 539 349 515

USP. Brasil. 89 120 88 812 89 025 89 159 89 010

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) em base em Memoria Estadística UNMSM, Estadísticas e Indicadores de la UNC, Anuário USP y DGAE, UNAM.

44

É importante ressaltar que a política universitária varia conforme país e, em alguns casos, em cada universidade. Nos países investigados, essa política de oferta universitária é bastante consistente com a vontade política expressa na constituição, como é o caso do Brasil e da Colômbia. Além disso, o Brasil e o México contemplam o acesso gratuito ao ensino em praticamente todos os níveis da oferta pública universitária. A Colômbia, por sua vez, faz uso estudos socioeconómicos para definir o custo da educação na UNC; no entanto, 70% dos estudantes pertencem ao primeiro bloco de pagamento31 em que os preços variam de 0 a 200 mil pesos (aproximadamente 50 euros) por semestre. Nesse sentido, existe uma grande maioria de alunos que estuda de graça ou com pagamentos ‘simbólicos’. Porém, nesta mesma instituição, alguns pagamentos podem chegar até 5 milhões de pesos (em torno de 1.250 euros) por semestre. Essa escala de coleta de pagamentos está prevista no artigo 67 da Constituição colombiana.

A política universitária peruana é diferente, pois, como supracitado, a única oferta pública gratuita são os estudos que compõem o nível de bacharel (ou ‘licenciatura’ em outros países). A obtenção de outros graus e diplomas universitários é regida por mecanismos semelhantes aos do sector privado. Estudar um mestrado ou doutoramento na UNMSM pode custar até 4.500 soles a cada semestre (cerca de 1.180 euros), perfazendo um total de mais de 4.700 euros o custo dos estudos de pós-graduação32, com algumas universidades públicas apresentando custos ainda mais elevados. A Tabela 4 evidencia a oferta pública gratuita em todos os níveis superiores nas principais universidades da América Latina.

Tabela 4. Número de estudantes com acesso ao ensino público gratuito de todos os níveis por universidade

Universidad / Año 2014 2015 2016 2017 2018 UNMSM 32 094 32 331 32 633 32 112 26 933 UNC 51 627 52 677 53 451 53 454 53 721 UNAM 337 763 342 542 346 730 349 539 349 515 USP 89 120 88 812 89 025 89 159 89 010

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base na Memoria Estadística UNMSM, Estadísticas e Indicadores de la UNC, Anuário USP y DGAE, UNAM

31 Disponível em: https://www.eltiempo.com/vida/educacion/mitos-y-verdades-sobre-el-ingreso-a-la- universidad-nacional-252088 32 Portal de posgrado de la Facultad de Ingeniería Industrial de la UNMSM. Disponível em: https://industrial.unmsm.edu.pe/upg/es.cpagos.php 45

É possível realizar uma breve comparação entre as universidades supracitadas, pois essas estão estabelecidas na capital ou na cidade mais importante (como a USP em São Paulo, Brasil) do respetivo país. Tais universidades são, em cada caso, a instituição pública com mais estudantes e maior histórico, apesar de não serem as únicas entidades públicas em sua localidade. Cada cidade possui um número de habitantes entre 8 milhões (Bogotá) e 12 milhões (São Paulo); no entanto, há uma diferença considerável entre o tamanho da cidade e o número de estudantes que pertencem à oferta pública gratuita do governo (Gráfico 13).

Gráfico 13. Número de estudantes da oferta pública gratuita por universidade

350000

300000

250000

200000

150000

100000

50000

0 2014 2015 2016 2017 2018

UNMSM UNC UNAM USP

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Memoria Estadística UNMSM, Estadísticas e Indicadores de la UNC, Anuário USP y DGAE, UNAM.

5.6 Sumário das análises estatísticas

O número de estudantes, assim como o número de universidades e a distribuição da participação entre os sectores público e privado, provêm de uma dinâmica bastante lógica e consistente no Peru. Como anteriormente descrito, durante a última metade do século XX, houve um forte crescimento demográfico em todo o mundo e principalmente na América Latina, o que evidentemente atingiu a população jovem - universitária. Somado a isso, as melhorias socioeconómicas do país, levaram a um intenso êxodo rural e aumento da demanda social por acesso ao ensino universitário. Por outro lado, a incapacidade do Estado em gerir 46

este cenário e aumentar sua oferta universitária, ou seja, disponibilizar mais vagas nas universidades existentes ou criar novas instituições de ensino para expandir a capacidade dos estudantes, inviabilizou um crescimento ainda maior do setor educacional e fracassou em atender as demandas da sociedade peruana.

Finalmente, o próprio Estado, ao perceber essa realidade do país, tomou importantes decisões políticas e legais e estabeleceu as novas bases sobre as quais a universidade teria o espaço e capacidade para evoluir. Havia uma aparente vontade política do Estado em desenvolver o sector educacional, refletida nas Constituições de 1993 e 1979, e evidente nos investimentos e nos gastos públicos destinado à educação nos últimos anos. Esse cenário originou um ambiente favorável ao crescimento da universidade privada para suprir as demandas não atendidas (Cuenca, 2015). Com isso, mais de 143 universidades foram criadas rapidamente desde 1960, sendo 93 (65,0%) novas instituições só desde 1990.

Capítulo VI. Análises qualitativas

6.1 Institucionalismo na educação

O institucionalismo do final do século XX ou o "neoinstitucionalismo" certamente não representam um conceito inovador. Entretanto, é necessário perceber o complexo processo histórico pelo qual a universidade, como instituição, passou na América Latina (Acosta Ochoa & Buendía Espinosa, 2016). Concretamente, no Peru, através da descrição quantitativa do capítulo IV, foi possível verificar o rápido aumento da oferta universitária e como essa responsabilidade se afastou progressivamente do Estado, passando para as mãos de atores privados.

Entretanto, com uma investigação sobre o institucionalismo histórico, é possível perceber o impacto positivo que a universidade tem - ou deveria ter - na sociedade. A seguir, são discutidos os principais conflitos e debates que a instituição universitária teve que superar nos últimos anos para a implementação da Lei nº 30220. Vale ressaltar que uma mudança na política de ensino universitário também afeta os estudantes não universitários, os locais de trabalho e sistemas reguladores; portanto, há vários atores envolvidos nas tomadas de decisão na área da educação. John Meyer afirmou em seu trabalho "Los efectos de la 47

educación superior como institución", que o ensino representa uma instituição essencial nas sociedades que buscam o desenvolvimento progressivo; as universidades desempenham um papel fundamental, pois são capazes de satisfazer grande parte da demanda social por ensino.

Como foi demonstrado, algumas universidades tiveram uma posição adversa à implementação da Lei Universitária. No entanto, finalmente, essas entidades de ensino reconheceram a importância da regulamentação para continuar, de maneira padronizada e com qualidade, as suas atividades (Saavedra, 2016).

6.2 Debate sobre a eleição de novas autoridades

O primeiro grande conflito político na área da educação ocorreu em torno da renovação das mais altas autoridades da universidade. A Lei Universitária, publicada em 2014, propôs inicialmente um prazo de 180 dias para completar o mandato dos reitores. Porém, posteriormente, em coordenação com o Ministério da Educação, esse prazo de cessação foi postergado e definido em 31 de dezembro de 2015. Alguns reitores e parte das bancadas da oposição no Congresso se opuseram à convocação de novas eleições, a alegar que o mandato dos reitores não estaria concluído até a data desta renovação definida por lei.

Por outro lado, um grupo de reitores, liderado por Pedro Cotillo Zegarra, da UNMSM, se opôs tenazmente a cumprir a Lei Universitária, ignorando a renovação dos estatutos e a convocação para eleições (Mora, 2015) 33. Praticamente um ano e meio desde a promulgação da lei, nada havia progredido em San Marcos. O Dr. Pedro Cotillo, que ocupava o cargo de reitor desde 30 de maio de 2011, foi eleito para um mandato de cinco anos. Ao recusar deixar a reitoria da universidade mais antiga da América Latina, Cotillo causou a tomada violenta da universidade pelas mãos de estudantes sanmarquinos, que exigiam um governo de transição democrático.

Em 1º de janeiro de 2016, a SUNEDU passou a não admitir a assinatura de Pedro Cotillo como oficial nos documentos da UNMSM (por exemplo, títulos estudantis emitidos), os quais perderam a validade legal. Ademais, um grupo de graduados da Faculdade de Medicina

33 Entrevista a Daniel Mora y Luis Solari. Panamericana Televisión. 22 novembro 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=K4D2xLA9_50

48

afirmou que o Ministério da Saúde não passaria a considerá-los para o Servicio Rural y Urbano Marginal de Salud (Serviço de Saúde Urbano Rural e Marginal - SERUMS), obrigatório na formação de profissionais de saúde34, o que causou ainda indignação e violência por parte dos alunos. A guerra política entre o governo e Cotillo pelo poder na Universidade de San Marcos foi favorável ao governo, pois a autoridade do reitor estava desacreditada, o que prejudicou a comunidade de estudantes, que se opunham fortemente ao Dr. Cotillo. Finalmente, o reitor foi forçado a deixar a universidade permanentemente, sendo internado em um centro médico.

Outro facto importante dentro deste histórico foi o do Dr. Agustín Ramos García, reitor da Universidade Nacional Pedro Ruiz Gallo, na região norte do Peru - Lambayeque, que também se recusou a deixar o cargo na data estabelecida por lei, causando conflitos entre diferentes grupos de estudantes e professores. Contudo, em vista da rejeição do reitor Ramos García, a comunidade universitária realizou uma assembleia na qual elegeram um novo reitor, Dr. Jorge Oliva Núñez, que assumiu o cargo em 4 de janeiro 2016. Oliva Núñez seria o reitor em exercício encarregado de formar o comitê eleitoral para cumprir o mandato da Lei Universitária e convocar eleições; durante esse período, a instituição teve dois reitores opositores em exercício.35

De acordo com a Lei Universitária, em 10 de julho de 2014 todas as assembleias de universidades públicas deveriam cessar suas atividades, ou seja, os reitores e outras autoridades não tinham mais o poder de fazer políticas ou ações na instituição36. É importante destacar que o Tribunal Constitucional, que é a mais alta entidade de interpretação da Constituição no Peru, confirmou a legalidade e a constitucionalidade da Lei Universitária e suas consequências.

Daniel Mora argumentou que a ANR, evidentemente, não desejava perder seu poder, porém não tinha meios políticos para pressionar uma reforma. A supervisão e certificação da

34 https://www.sunedu.gob.pe/sunedu-desconoce-a-pedro-cotillo-como-rector-de-la-unmsm/ 35 “Eligen a nuevo rector de la Universidad Nacional Pedro Ruiz Gallo. RPP Noticias”. n. d. 36 A primeira disposição complementar transitória da Lei Nº 30220, relativa ao processo de adaptação do governo da universidade pública, afirma que “com a entrada em vigor desta lei, a Assembleia Universitária das Universidades públicas cessa. Todos os processos de nomeação, promoção e ratificação de pessoal docente e não docente são suspensos até a posse das novas autoridades governamentais”, e dá um prazo de dez dias corridos, após a sua entrada em vigor, para formar um Comitê Eleitoral Universitário encarregado para organizar novas eleições. 49

qualidade das instituições de ensino através do SINEACE e CONAFU deveriam ser, em teoria, os mecanismos de garantia da qualidade universitária no Peru. Esse processo não funcionou como o esperado, tendo em vista que a educação da maneira como estava desenhada, era um serviço público. O Decreto Legislativo Nº. 882, cujo objetivo era aprimorar a educação no país, resultou, entretanto, na criação de mais 74 universidades, sem melhoras significativas na qualidade do ensino superior 37 , a tal ponto que os diplomas emitidos por algumas universidades peruanas não foram reconhecidos em outros países. Por esse motivo, propôs- se que a SUNEDU substituísse o CONAFU, o CONEAU e algumas funções da ANR (Mora, 2013).

Por sua vez, Luis Lezcano Sáenz, gerente geral da Federación de Instituciones Privadas de Educación Superior (Federação de Instituições Privadas de Ensino Superior - FIPES), reconheceu que o papel que corresponde ao Estado é definido pela própria Constituição peruana de 1993), como sendo responsável pela intervenção geral na estrutura e aplicação dos requisitos mínimos da educação, mas deixando um espaço importante para a autonomia da universidade. Este último, do ponto de vista de vários atores relacionados às universidades privadas, implica na necessidade de mudanças na Lei, com a finalidade de se diminuir o rigor do licenciamento, manter alguns benefícios fiscais, e não intervir na duração dos programas ou limitar a duração dos programas de educação a distância.38

Orlando Velásquez, presidente da ANR, declarou em diferentes Mídias e entrevistas que o comportamento do Ministério da Educação em relação à Lei foi abusivo, e propôs a desativação da Lei nº 30220 e elaboração de uma nova legislação39. Da mesma forma, Iván Rodríguez, ex-presidente da ANR e ex-reitor da Universidade Ricardo Palma, entrou com pedido de uma ação de amparo através de advogados da ANR40.

37 Rosa María Palacios. Entrevista a Daniel Mora. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sgwOwIt9zUE 38 Entrevista a Luis Lezcano Sáenz, gerente geral da Federación de Instituciones Privadas de Educación Superior (FIPES). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1JWflcY_FVw 39 Entrevista a Orlando Velásquez, presidente da ANR. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NjNxVR3DKgY 40 Presentan una acción de amparo. Entrevista a Iván Rodríguez. Canal N. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Qapl1z3RLWA 50

6.3 Debate sobre a autonomia universitária: papel político do CONAFU e da ANR

A Constituição Política do Peru afirma que “cada universidade é autônoma em seu regime regulatório, governamental, académico, administrativo e económico. As universidades são regidas por seus próprios estatutos, no âmbito da Constituição e das leis” (artigo 18). Este foi o principal eixo do debate sobre autonomia da educação nos últimos anos. A oposição à Lei Universitária no parlamento, liderada pela bancada do Partido Aprista Peruano (APRA), argumentou que a Lei nº 30220 não respeitava a autonomia e independência da universidade.

Para perceber a postura deste partido frente a Comissão de Educação do Parlamento na época, é importante relembrar que em meados de 2014, a entidade responsável pela regulamentação da criação e operação das universidades era o CONAFU, cujo trabalho era feito em parceria com a ANR.

O CONAFU era um órgão autônomo da ANR, criado em janeiro de 1995 pela Lei Nº. 26439, cujas funções eram, em partes, equivalentes as da atual SUNEDU, especialmente para licenciamento, autorização, criação e operação de novas instituições de ensino. Desde a sua criação, o CONAFU, assim como a SUNEDU, desempenhava um papel articulador entre o Estado, o mercado e a universidade, que para a maioria da população passava despercebido (Casas, 2012). Esse tipo de entidade tem atitudes políticas transcendentais; o CONAFU foi, durante seu período, o único braço político encarregado de regulamentar o funcionamento das universidades, aparentemente afastando-se da ANR, porém causando desentendimentos com o governo.

O conflito com o CONAFU se concentrou no comitê diretor do Conselho, composto por cinco reitores com ‘histórico reconhecido’ de diferentes universidades, porém provenientes da ANR 41. Por outro lado, parte dos procedimentos para conceder autorização a uma nova universidade incluía a solicitação e, consequentemente, a consideração do parecer técnico emitidos pela própria ANR 42, o que criou um vínculo notável e senso de dependência entre as duas instituições. Logo, os mesmos reitores eram responsáveis por julgar se novas universidades poderiam entrar no sistema; portanto, havia quem considerasse que, com esse modelo, esses atores tinham o papel mútuo de juiz e partido.

41 Ley N° 26439. Ley de Creación de la CONAFU. Art. 3°. 42 Ley N° 26439. Ley de Creación de la CONAFU. Art. 5°. 51

Uma vez que o CONAFU, liderado pelos próprios reitores das universidades, concedia a autorização de funcionamento à instituição, não existiam mais regulamentações para garantia da qualidade da educação. Ou seja, a própria universidade estava encarregada de se ‘autorregulamentar’. Lorena Masías, primeira presidente da SUNEDU, e o especialista em educação, Ricardo Cuenca, explicaram esses argumentos na época 43. Os opositores da Lei Universitária e defensores do argumento da falta de autonomia universitária, consideravam o autocontrolo como o único cenário plausível em que a liberdade e autonomia poderiam ser aplicadas.

A Lei Universitária atual criou a SUNEDU, cuja função substituiu a do CONAFU para concessão de licenças para universidades (novas ou existentes). Ademais, a SUNEDU também é responsável por supervisionar os padrões mínimos de qualidade dessas instituições. Dito isso, é possível deduzir que a Lei Universitária não representa a criação de um novo tipo de regulamentação, mas a reorganização do sistema responsável pelo controlo da educação superior. Outra grande diferença está que na SUNEDU, não são os reitores que elegem a maioria do Conselho de administração, como ocorria no CONAFU, onde os membros eram reitores ou nomeados por outros reitores da universidade. Atualmente, cinco dos sete membros do Conselho são eleitos por concurso público, e o poder executivo designa o superintendente, ou seja, o presidente da superintendência.

O investigador Ricardo Cuenca considera errado pensar que os únicos responsáveis pelo ensino universitário são as próprias universidades, uma vez que o Estado é obrigado a intervir no controlo da educação. Nesse sentido, a autonomia não é um privilégio, mas uma responsabilidade. A tentativa de modelo de ‘autoinspeção’ ou ‘autocontrolo’ fracassou no Peru (Cuenca, 2016).

Com a Lei Universitária, o poder da ANR sobre a regulamentação das universidades cessou definitivamente. Como consequência, o poder político que implicava em autorizar a criação e o funcionamento de universidades no país foi transferido para as mãos do Estado. A SUNEDU não permitiria a participação dos reitores em seu conselho, ao contrário da grande maioria daqueles que gozavam deste benefício com o CONAFU.

43 Reportaje sobre la Ley Universitaria. América Noticias. Disponível em: https://www.americatv.com.pe/noticias/actualidad/ley-universitaria-debate-analisis-propuesta-apra- modificarla-n254196 52

De facto, em 2016, a APRA propôs 11 modificações a Lei Universitária. Destas, as mais importantes foram devolver o poder aos reitores para que eles tivessem mais participação no conselho de administração da SUNEDU, e criar um tipo de ‘indulgência’ para as 142 universidades que existiam no país em 2016, com o objetivo de que a supervisão fosse aplicada somente às novas instituições, o que, evidentemente, distorce todo o espírito da Lei44. Finalmente, nenhuma das modificações propostas pelo partido APRA à Comissão de Educação do Congresso prosperaram, apesar de terem utilizado argumentos como ‘excessivo intervencionismo estatal’ na universidade.

Em suma, a aparente “autonomia universitária”, ao exceder seus limites políticos e conceituais, culminou em um cenário de “autocontrolo”. A criação do SUNEDU e a nova organização do conselho não comprometeram esse potencial a autonomia da universidade. A autonomia deve ser percebida, principalmente, nos aspetos normativos, de governo, académicos, e económico (Tribunal Constitucional, 2008). A composição do conselho diretivo que regula a criação e operação das instituições de ensino, a eleição democrática de reitores e a supervisão das oito condições básicas de qualidade não interferem em nenhum dos aspetos da autonomia como confirmado pelo Tribunal Constitucional na sua decisão sobre a alegação de inconstitucionalidade da Lei Universitária.

6.4 Debate sobre interesses económicos e benefícios tributários

Das 143 universidades fiscalizadas pela SUNEDU, algumas estão diretamente vinculadas com grupos de poder económico, com atores da política ou até com partidos políticos peruanos. Estas universidades têm, além dos ideais educativos, fortes interesses económicos e políticos representados nos poderes do Estado (Palacios, 2019).

A estrutura de benefícios tributários, como por exemplo a isenção de impostos IGV, ISC e IR, além dos incentivos que disponibiliza o Estado para promover o investimento neste sector, tem ajudado enormemente estas instituições privadas. Até maio de 2018, após alguns anos de funcionamento da SUNEDU, existiam 91 universidades privadas no Peru. Destas, 50 são associativas, ou seja, sem fins de lucro, e as 41 restantes são societárias, ou seja, com fins

44 América Televisione. Disponível em: https://www.americatv.com.pe/noticias/actualidad/ley-universitaria- estos-son-lo-9-articulos-que-podrian-modificados-n252171 53

de lucro; 68% destas últimas gozam de isenção de imposto de renda (IR). No Peru, o IR representa 30% dos lucros, o que implica que uma parte considerável dos lucros universitários privados inclui isenção de imposto45 (Gráfico 14 e Tabela 5).

Gráfico 14. Universidades privadas em 2018 com benefícios tributários no Peru

100 91 90 80 70 60 50 50 41 40 30 28 20 10 0 Total de univ. Univ. Sin fines de lucro Univ. Con fines de lucro Univ. Exoneradas/Inafectas al IR

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base nas declarações da SUNAT

45 Disponível em: https://gestion.pe/fotogalerias/92-universidades-privadas-peru-28-beneficios-tributarios- son-233736-noticia/?ref=gesr 54

Tabela 5. Lista de universidades privadas com fins lucrativos isentas de pagar imposto de renda (2018)

Fonte: SUNAT.

Dito isto, é necessário especificar que certos grupos políticos praticamente são proprietários de algumas universidades. O partido Aliança para o Progresso (APP), cujo presidente é o ex-candidato à presidência Cesar Acuña, é dono da universidade privada Cesar Vallejo (UCV). Virgilio Acuña, também integrado ao APP e irmão do anterior, é proprietário da Universidade de Lambayeque (UDL). As duas universidades desfrutam de benefícios fiscais. Esses não seriam os únicos políticos da APP com interesses económicos na educação universitária, já que Luis Iberico, diretor da imagem institucional da UCV e Richard Acuña (filho de Cesar) eram congressistas até o ano de 2018. 55

O ex-congressista Joaquín Ramirez, principal financiador e secretário-geral do partido Fujimorista “Fuerza Popular” tem fortes laços com a Universidade Alas Peruana, cujo tio, Fidel Ramirez, é o reitor. Depois de ser acusado de falsidade genérica, ele não conseguiu se candidatar à reeleição parlamentar, mas no lugar dele, ele propôs seu irmão, Osaías Ramirez Gamarra, como candidato. Segundo Daniel Mora, Joaquín seria o verdadeiro dono da universidade e estava a procurar, com a aplicação do seu irmão, manter sua representação para defender os seus interesses46. Outros ex-congressistas do partido Fujimorista vinculados com universidades são Elías Guevara, presidente fundador da Universidade privada San Juan Bautista; José Luis Elías Avalos, promotor da Universidade Diego Thomson; e o já aposentado da política Roger Amuruz Gallegos, que vendeu pouco mais da metade das ações da Universidade Tecnológica do Peru (UTP) e da Universidade Tecnológica de Chiclayo (UTCH) para o grupo Intercorp em 2012.

A Universidade San Martín de Porres estava - e continua - ligada à APRA, cujo reitor há mais de nove anos é José Antonio Chang, militante, ex-ministro de educação e premier do governo deste partido. Durante o período de reitor dele, contratou o então presidente do partido aprista, Alan García, como diretor do Instituto de Governo e Administração Pública do USMP, com uma renda superior a 16 milhões de dólares47.

A universidade TELESUP do ex-congressista do partido “Solidaridad Nacional” e agora presidente do “Partido Podemos”, Jose Luna Gálvez, é mais uma instituição ligada à política peruana. Além disso, outra ex-congressista de “Solidaridad Nacional”, Rosa Núñez Campos, era parceira do já mencionado político Cesar Acuña, tendo assumido o cargo de diretora geral na UCV, Piura.

Todos esses partidos políticos ligados com a indústria universitária opunham-se fortemente, de várias maneiras, à criação da nova lei. Alguns partidos, como o APRA, propuseram modificações substanciais que, segundo Daniel Mora e o governo no poder, eram contrárias ao espírito da lei. Outros ousaram chamar-lha de “intervencionista”, “velasquista”

46 Diario Gestión. Disponível em: https://gestion.pe/peru/politica/sepa-nivel-ingresos-universidades- vinculadas-candidatos-109611-noticia/?ref=gesr 47 Diario Gestión. Disponível em: https://gestion.pe/peru/politica/sepa-nivel-ingresos-universidades- vinculadas-candidatos-109611-noticia/?ref=gesr

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(referindo-se a Velasco Alvarado, protagonista do golpe de estado em 1968) ou “chavista” afirmando que a Lei Universitária era excessiva em termos de fiscalização e intervenção do Estado na instituição universitária, sendo uma norma a desfavorecer o investimento privado48. O Tribunal Constitucional rejeitou os argumentos inconstitucionais e contrários da autonomia universitária dos opositores.

Após o longo processo de proposta e debate, na votação da Sessão Plenária do Congresso da República, a Lei 30220 foi aprovada com 56 votos a favor, 46 contra e 3 abstenções. Os partidos que votaram contra foram: APRA, Fuerza Popular (partido Fujimorista), APP e Solidariedade Nacional, precisamente os que estão vinculados a algumas universidades, instituições privadas com fins lucrativos (societárias) com isenção de impostos diretos e outras, como a USMP, sem fins lucrativos, mas com benefícios indiretos.

6.5 Regulamentação e qualidade antes da Lei N.º 30220: Caso CONAFU

Conforme descrito nas linhas anteriores, os mecanismos de supervisão e regulamentação nas universidades - assim como no ensino superior em geral - para sua criação e funcionamento que foram utilizadas até antes da Lei Universitária, usufruíram de muita independência e pouca intervenção estatal. Entretanto, a posição política do Estado tem se mantido favorável ao investimento privado (D. L. N ° 882). Por outro lado, no que se refere ao controlo de qualidade nas universidades, o SINEACE e seu órgão responsável pelo ensino superior universitário, o CONEAU, implementaram um sistema de acreditação que, até os dias de hoje, é opcional. Esta ‘acreditação de qualidade’ é um componente adicional do serviço educacional, pouco valorizado por algumas universidades e seus clientes.

A ANR e o CONAFU eram as entidades especializadas encarregadas pela criação e funcionamento das instituições de ensino superior, gerenciadas por representantes de universidades que não estavam, necessariamente, alinhadas à visão de fiscalização da Lei Universitária. Os reitores foram os atores que presidiram esses organismos.

48 Disponível em: https://www.americatv.com.pe/noticias/actualidad/congresista-mora-llamo-mercantilistas- de-la-educacion-los-opositores-de-la-ley-universitaria-n111260 57

A ANR foi durante 12 anos (desde sua constituição em 1983 até janeiro de 1995) a única instituição encarregada de controlar a criação e funcionamento de novas universidades49, até a criação do CONAFU, uma entidade supostamente autônoma, porém intimamente ligada a ANR.

Uma vez que os reitores eram, eles próprios, responsáveis pela política e ao mesmo tempo criação e funcionamento das universidades antes da Lei N.º 30220, a aplicação de uma regulamentação efetiva por parte do Estado ou de qualquer outra entidade não era possível. O compromisso do Estado de "modernizar o sistema educacional e ampliar a sua oferta e a cobertura" (D. L. N ° 882) priorizou o acesso à qualidade como eixo de atuação da universidade (Casas, 2012), permitindo, assim, o rápido crescimento do número de instituições de ensino.

Essa análise nos leva à questão de quão diferente é a auditoria aplicada pela SUNEDU em comparação à do CONAFU, ou como era realizada a fiscalização das instituições antes da Lei Universitária. Para responder a essas perguntas, é necessário perceber um pouco mais sobre os procedimentos de controlo realizados pelo CONAFU. Ressalta-se que existiam dois documentos legais que interferiram transversalmente nas atividades do CONAFU antes de sua dissolução: a anterior Lei Universitária N.º 23733 e a DL N.º 882. Não havia conflito entre eles quanto ao significado ou rigor nas atividades atribuídas; pelo contrário, o DL N.º 882 flexibiliza e expande as possibilidades de instituições universitárias privadas, tornando o sector ainda mais atrativo (Casas, 2012) (ver Tabelas 6 e 7).

49 Ley N° 26439. Ley de Creación de la CONAFU. Art. 2° inc. A, B, C y D. 58

Tabela 6. Principais diferenças e extensões para as universidades, aplicáveis ao CONAFU

D.L. N° 882 (1996) Lei Universitária N° 23733 (1983) Art. 9: “las escuelas de posgrado particulares, “sólo las universidades organizan estudios de que no pertenezcan a universidades, que se Post grado (sic) académico”. No existían escuelas creen a partir de la vigencia del presente Decreto de posgrado independiente. Legislativo, se regirán por las normas aplicables a las universidades”. Es decir, una escuela de posgrado puede funcionar sin necesidad de constituirse como universidad.

Art. 5: autoriza a la persona jurídica o propietaria Art. 5: “Una Universidad no tiene filiales o de una institución privada a establecer anexos…” libremente “el régimen de las filiales, sucursales, sedes o anexos con que cuente de acuerdo con la normatividad específica.” Según la sección F. Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base na Lei N° 23733 e D. L. N° 882.

Dito isto, podemos detalhar os requisitos mínimos necessários para a concessão das licenças de funcionamento correspondentes. De acordo com a mais recente resolução do CONAFU em 2009, o processo de concessão inicia-se com a apresentação de um projeto universitário; sua avaliação e aprovação; seguida da verificação presencial da implementação inicial, incluindo das instalações físicas pelos funcionários do CONAFU; autorização provisória; e, finalmente, obtenção da licença final.

Esses documentos do referido projeto universitário estão consolidados no chamado Proyecto de Desarrollo Institucional (Projeto de Desenvolvimento Institucional - PDI), que tem como objetivo garantir padrões de qualidade e bom funcionamento das instituições de ensino, a partir de requisitos estabelecidos no artigo 7 da Lei N.º 2643, de criação do CONAFU:

a) Conveniência regional e nacional, apoiada por um estudo de mercado sobre as especialidades que se pretende ofertar, e das projeções após dez anos de funcionamento.

b) Objetivos académicos, diplomas e títulos a serem atribuídos, bem como os planos de estudos correspondentes.

c) Disponibilidade de professores qualificados.

d) Infraestrutura física adequada.

e) Previsão económico-financeira da universidade, projetada para os primeiros dez anos de funcionamento. 59

f) Serviços académicos essenciais (bibliotecas, laboratórios e afins) e serviços complementares básicos (serviço médico, social, psicopedagógico e desportivo).

g) Disposições sobre o acesso e a permanência de estudantes que não possuam recursos suficientes para cobrir os custos de sua educação.

Esses são os sete princípios básicos que definem o escopo de supervisão do CONAFU e buscam garantir condições adequadas para que as universidades possam cumprir seu funcionamento 50. Entretanto, o PDI possui outros oito itens que o CONAFU requer para aprovar o projeto educacional 51 e dar continuidade a implementação inicial para a licença provisória.

Os princípios, bem como os oito itens do PDI, foram substituídos na nova Lei Universitária pelas oito Condiciones Básicas de Calidad (Condições Básicas de Qualidade - CBQ) que a SUNEDU, atualmente, requer para concessão do licenciamento. Esses CBQs contemplam praticamente todas os itens do PDI relacionadas ao funcionamento das universidades. Para além disso, descrevem melhor alguns pontos inicialmente subjetivos do PDI e acrescentam novas considerações relacionadas a assuntos atuais, como proteção ambiental, repositórios bibliográficos virtuais e transparência institucional na web.

Tabela 7. Principais requisitos para a concessão de licenças: CONAFU vs. SUNEDU

CONAFU SUNEDU La justificación del proyecto institucional en donde demuestra No aplica la conveniencia regional y nacional, sustentada en un estudio de mercado de las especialidades que propone ofrecer la universidad, proyectada a diez años de funcionamiento. La factibilidad de los grados y títulos que otorgará, así como los Condición: 1. currículos correspondientes a las carreras profesionales Componentes: 2 y 3. proyectadas. Indicadores: 2 y 3. Las previsiones para disponer de personal docente calificado Condición: 5. en el periodo de implementación inicial. Componentes: 1, 2 y 3. Indicadores: 39, 40, 41 y 42. Las previsiones para disponer de infraestructura física y Condiciones: 1 y 3. recursos educacionales adecuados para la enseñanza Componentes: 4 / 1, 2, 3, 4, 7. universitaria (aulas, laboratorios, biblioteca, servicio de Indicadores: 4, 16, 17, 18, 20, 27 y informática, etc.) en el periodo inicial de implementación. 28.

50 Inciso “A” Art. 28 Resolución 387-2009 CONAFU. 51 Inciso “D” Art. 28 Resolución 387-2009 CONAFU. 60

Los servicios estudiantiles: psicopedagógico, salud y de apoyo Condición: 6 para el desarrollo individual, social, académico, cultural y Componentes: 1, 2, 3, 4, 5 y 8. deportivo de los estudiantes. Indicadores: 43, 44, 45, 46 ,47 y 50. Las previsiones que hagan posible el acceso a la permanencia No hay un indicador exacto para de estudiantes que no cuentan con suficientes recursos para este requisito. cubrir el costo de su educación (becas, préstamos, bolsas de trabajo, etc.). La previsión económica y financiera de la universidad Condición: 2. proyectada para los diez años iniciales de funcionamiento. Componentes: 1 y 2. Indicadores: 10, 13 y 15. La capacidad económica propia y probada, principalmente a Condición: 2. través del capital que proyecta en su constitución social o del Componente: 1. capital con que cuente su promotora para financiar no menos Indicador: 10. del 30 % de la infraestructura considerada en el Proyecto de *el indicador no es especifico. Desarrollo Institucional, más el total del egreso en gasto corriente correspondiente a los dos primeros años de funcionamiento que tendría la universidad. Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) em base a Res. 387 CONAFU - reglamento para la autorización provisional de funcionamiento de nuevas universidades” e da SUNEDU - Modelo de licenciamiento y su implementación en el sistema universitario peruano.

A comparação entre SUNEDU e CONAFU (Tabela 7) evidencia uma diferença importante em termos de atividades, uma vez que a primeiro controla o funcionamento das universidades e o segundo é responsável, em especial, pela sua criação. Por outro lado, ambas entidades têm certas particularidades. Por exemplo, o CONAFU estima o capital social mínimo de acordo com o financiamento de ativos enquanto a SUNEDU estabelece um percentual mínimo de professores contratados em período integral.

As universidades com licença de funcionamento provisória obtinham a licença final somente após terem passado por um período mínimo de avaliação de cinco anos, quando já havia alunos diplomados (egressos) e uma vez demonstradas nas avaliações anuais um nível satisfatório de desenvolvimento institucional. Ao receber a licença definitiva, a universidade - –chamada agora de “institucionalizada” – passava ao âmbito da ANR, enquanto as universidades com licença provisória permaneciam sob a tutela do CONAFU.

Um resumo do processo de funcionamento do sistema universitário no Peru antes da Lei Universitária está apresentado no Gráfico 15.

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Gráfico 15. Funcionamento do sistema universitário antes da Lei nº 30220

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) em base a SUNEDU - Modelo de licenciamiento y su implementación en el sistema universitario peruano

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Em 2014, na época da promulgação da Lei N.º 30220, existiam no Peru 53 universidades com licença provisória, outras 76 com licença definitiva e 13 que operavam por lei de criação sob a supervisão do CONAFU e ANR (SUNEDU, 2016) (ver Tabela 8).

Tabela 8. Universidades existentes no Peru em 2014 de acordo com a licença de funcionamento

Tipo de autorización Públicas Privadas TOTAL

A. definitiva 31 45 76

A. provisional 10 43 53

Ley de creación 10 3 13

TOTAL 51 91 142

Fonte: SUNEDU - Modelo de licenciamiento y su implementación en el sistema universitario peruano

Ressalta-se que a SUNEDU, até hoje, não autorizou a criação de nenhuma nova universidade, portanto, para esta comparação, foram utilizados parâmetros correspondentes à autorização de funcionamento ou licenciamento institucional em execução 52. Até abril de 2020, de acordo com a extensão da lei de moratória de 2012, não era possível criar universidades.

Esta situação foi, em partes, resultante da abertura de 107 novas universidades desde a década de 1980, sendo 81 delas instituições privadas.

A política de ensino superior no Peru não esteve, por muitos anos, relacionada à intervenção pública e foi confiada a instituições independentes do Estado, como a ANR, CONAFU e SINEACE, entidades que, como mostra a história, falharam em seu objetivo de garantir o desenvolvimento do ensino universitário e a qualidade das instituições.

52 El Seminario Bíblico Andino y el Seminario Evangélico de Lima foram clasificadas como universidades pela SUNEDU para passarem pelo processo de licenciamento. Ambas instituições foram encerradas em 2019 e em janeiro de 2020, respetivamente. 63

PARTE III. FUNDAMENTOS DA POLÍTICA DE MELHORIA DA QUALIDADE NA LEI UNIVERSITÁRIA

Capítulo VII. Garantia da qualidade

Ao considerar o ambiente universitário como um dos pontos de encontro entre educação, mercado de trabalho e sectores produtivos do país – em função da educação superior –, o Estado, segundo o seu papel inalienável de garantir o direito à educação de qualidade tal como previsto na constituição, deve estabelecer, incentivar e regulamentar os níveis de qualidade nos serviços de ensino superior ofertados por instituições públicas e privadas. Entretanto, o atual diretor sénior de educação do Banco Mundial, Jaime Saavedra, quando estava encarregado do Ministério da Educação do Peru, afirmou que, apesar dos diferentes esforços isolados para melhorar o sistema universitário, o Estado não havia obtido resultados significativos na qualidade do serviço educacional, de modo que isso prejudicou o desenvolvimento profissional de milhares de estudantes e, finalmente, o desenvolvimento sustentável do país (Dirección General de Educación Superior Universitaria. MINEDU, 2015).

7.1 Papel do Estado e Condições Básicas da Qualidade

O Tribunal Constitucional - o mais alto órgão interpretativo da Constituição peruana - indicou em um julgamento relacionado à Universidade Nacional de Tacna em 2004 53 que a educação tem duas características essenciais: a primeira é um direito fundamental e, embora possa haver conflitos devido à falta de especificações na Constituição, o Tribunal concluiu:

"... então, a educação se configura como um direito fundamental, sendo a família, a sociedade e o Estado responsáveis por sua efetividade ..."

Fundamento “D” Art. 11 Sentencia: 4232-2004/TC.

53 Tribunal Constitucional. Expediente N.° 4232-2004-AA. Fundamento “D” 64

A segunda característica é que a educação é um serviço público; ou seja, um atributo indiscutível ao considerar a existência de universidades públicas que prestam serviços educacionais.

“.... Na medida em que é um serviço público que especifica uma das funções e objetivos do Estado, de execução per se ou por terceiros sob controle estatal. Portanto, o Estado tem a obrigação de garantir a continuidade dos serviços educacionais, bem como aumentar progressivamente sua cobertura e qualidade ...”

Fundamento “D” Art. 11 Sentencia: 4232-2004/TC.

Dessa forma, o Ministério da Educação (MINEDU) justifica a intervenção estatal no sistema universitário para garantir o direito fundamental e para supervisionar a qualidade do serviço público prestado pelas instituições universitárias.

Alguns anos depois, em 2008, o Tribunal Constitucional emitiu outra sentença –desta vez em específico sobre a antiga Lei Universitária– , a reafirmar que a atividade educacional da universidade deve ter a supervisão e a fiscalização inalienáveis, eficientes, efetivas e permanentes do Estado. Entretanto, na realidade, havia uma falta de controlo eficiente do ensino superior, por parte do Estado bem como da ANR e CONAFU - órgãos competentes da época (Tribunal Constitucional, 2008). Posteriormente, a decisão julgou o CONAFU como uma entidade administrativa com pouco impacto para garantia da qualidade do ensino no Peru.

"...infelizmente, como foi demonstrado, nem a ANR nem o CONAFU desempenharam essa função inspirada em mandatos constitucionais, mas, pelo contrário, muito distantes deles, confirma sua falta de imparcialidade objetiva a esse respeito ..."

Artículo 17 Inc. 150 Sentencia 017-2008/TC.

Como a qualidade educacional não foi garantida por essas instituições, a decisão recomendou ao Estado “adotar imediatamente as medidas institucionais necessárias para reformar o sistema de ensino universitário no país”, o que implica interromper definitivamente as atividades da ANR e do CONAFU, e, por fim, ordenar a criação de uma Superintendência Estadual (SUNEDU) especializada, imparcial e eficiente, com os poderes

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necessários para garantir os propósitos educacionais da Constituição (Tribunal Constitucional, 2008).

Nesse sentido, por meio da SUNEDU, o licenciamento institucional foi estabelecido como um procedimento obrigatório que deve ser realizado por todas as universidades que realizam atividades de ensino no país, e cuja obtenção é essencial para a seu funcionamento, estando ainda sujeita ao cumprimento de oito Condições Básicas de Qualidade (CBQ).

As CBQ constituem um mecanismo de proteção e garantia para os estudantes, suas famílias e a sociedade em geral. Essas oito condições abrangem praticamente todas as atividades da universidade e são avaliadas por meio de 50 indicadores, cujo objetivo é supervisionar a disponibilidade dos recursos universitários necessários para assegurar um desenvolvimento educacional favorável e com potencial progressivo de melhora da qualidade.

Por outro lado, para novas instituições, os padrões para a criação de faculdades e escolas profissionais só foram aprovados recentemente54, em maio de 2019. Essas normas consistem na apresentação da justificativa jurídica, académica, técnica e de melhoria da qualidade da unidade, bem como na demonstração da existência de recursos suficientes para implementar a infraestrutura, equipamentos e corpo docente, em especial a realização de investigação. Da mesma forma, o conteúdo educacional deve ser harmonizado com os objetivos académicos, seus documentos normativos, académicos e gerenciais, desenho organizacional e plano de implementação, os quais devem ser regularizados com seus respetivos mecanismos de monitoramento e avaliação por entidades educacionais. O Gráfico 16 Tabela 1 ilustram os principais aspetos da CBQ, incluindo os componentes e indicadores.

54 Aprobación de los estándares para la creación de facultades y escuelas profesionales. Resolución del Consejo Directivo Nº 066-2019-SUNEDU/CD. 24 de mayo de 2019. 66

Gráfico 16. Condições Básicas de Qualidade (CBQ)

Fonte: SUNEDU

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Tabela 9. Descrição dos componentes e indicadores das CBQ

Condición Compomente Indicadores 1.1 Objetivo institucionales 1) Objetivos definidos. 1.2 Objetivos académicos y 2) Planes de estudio para cada programa. planes de estudio 3) Documento normativo que regule los requisitos para la obtención de grados y 1.3 Grados y titulos 1) Objetivos titulos. académicos, grados, 4) Sistemas informáticos que soporten la gestión académica (aprendizaje virtual, 1.4 Sistemas de información titulos y planes de biblioteca, pagos virtuales, etc.) estudio 5) Documento normativo que regule los procesos de adminisión. 1.5 Procesos de admisión 6) Información sobre los procesos de admisión de ingresantes según modalidades y periodo académico. 1.6 Plan de gestión de la calidad 7) Plan de gestión de la calidad / mejora continua. insitucional 8) Cuenta con un area de gestión de la calidad. 9) Existencia de un presupuesto institucional proyectado a cinco (05) años en concordancia con los objetivos estratégicos. 10) Existencia de un plan de financiamiento de cinco (05) años. 2) Oferta educativa a 2.1 Creación de nuevas 11) Vinculación de la oferta educativa propuesta a la demanda laboral. crearse compatible universidades 12) Oferta educativa relacionada con las políticas nacionales y regionales de con los fines educación universitaria. propuestos en los 13) Fuentes de financiamiento de la universidad para las universidades privadas. instrumentos de 14) Vinculación de los nuevos programas de estudios, a la demanda laboral. planeamiento 2.2 Creación de nuevos 15) Existencia de plan de financiamiento que demuestre la disponibilidad de recursos programas de estudios en humanos y económicos para el inicio y sostenibilidad del nuevo programa de estudio universidades existentes a ofrecer. 16) Todos los locales de la universidad cumplen con las normas sobre compatibilidad 3.1 Ubicación de locales de uso y zonificación urbana. 17) Locales propios, alquilados, bajo cesión en uso o algún otro título, de uso 3.2 Posesión de locales exclusivo para su propósito. 18) Los locales cumplen con las normas de seguridad estructural en edificaciones y prevención de riesgos en estricto cumplimiento de las normas del Centro Nacional de 3.3 Seguridad estructural y Estimación, Prevención y Reducción del Riesgo de Desastres (CENEPRED/INDECI). seguridad en caso de siniestros 19) La universidad cuenta con un reglamento interno de seguridad y salud en el trabajo, y protocolos de seguridad. 3) Infraestructura y 3.4 Seguridad de uso de 20) La universidad cuenta con estándares de seguridad para el funcionamiento de los equipamiento laboratorios y talleres laboratorios, según corresponda. adecuado al 21) Disponibilidad de agua potable y desagüe cumplimiento de sus 22) Disponibilidad de energía eléctrica 3.5 Disponibilidad de servicios funciones (aulas, 23) Disponibilidad de líneas telefónicas públicos bibliotecas, 24) Disponibilidad de internet en todos los locales done se brinde el servicio educativo laboratorios, entre (banda ancha requerida para la educación) otros) 25) Servicios higiénicos en todos los locales para estudiantes según el Art. 13 de la 3.6 Dotación de servicios norma técnica A.040 Educación - Reglamento Nacional de Edificación. higiénicos 26) Servicios higiénicos para el personal docente y administrativo Art. 15 norma técnica A.080 - Reglamento Nacional de Edificaciones 27) La universidad Cuenta con talleres y laboratorios propios de conformidad de 3.7 Talleres y laboratorios para acuerdo al número de estudiantes, actividades académicas y programas de estudio. la enseñanza 28) Los laboratorios de enseñanza están equipados de acuerdo a su especialidad. 29) La universidad Cuenta con ambientes para los docentes en cada local que ofrece 3.8 Ambientes para docentes el servicio educativo 3.9 Mantenimiento de la 30) Existencia de presupuesto y un plan de mantenimiento. infraestructura y equipamiento

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Condición Compomente Indicadores 31) Existencia de políticas, normas y procedimientos para el fomento y realización de la investigación como una actividad esencial y obligatoria de la universidad 32) Existencia de un órgano universitario responsable de Investigación cuyo responsable cuenta con el grado de doctor. 4.1 Líneas de investigación 33) Existencia de líneas de investigación. Asimismo, un presupuesto asignado para la investigación, equipamiento, personal y otros. 4) Líneas de 34) Código de ética para la investigación. investigación a ser 35) Políticas de protección a la propiedad intelectual. desarrolladas 4.2 Docentes que realizan 36) La universidad cuenta con un registro de docentes que realizan investigación. investigación Asimismo, los docentes deben estar registrados en el DINA. 37) La universidad tiene un registro de documentos de investigación y/o repositorio institucional. Los documentos de investigación incluyen tesis, informes de 4.3 Registro de documentos y investigación, publicaciones científicas, entre otros. proyectos de investigación 38) La universidad tiene un registro de proyectos de investigación en proceso de ejecución. 5.1 Existencia del 25% del total 39) La universidad tiene como mínimo el 25% del total de docentes a tiempo de docentes, como mínimo, a completo. 5) Disponibilidad de tiempo completo personal docente 40) Los docentes incorporados a la docencia universitaria con fecha posterior a la Ley 5.2 Requisitos para el ejercicio calificado con no Universitaria que dicten horas de docencia en pregrado o postgrado cuentan, al de la docencia menos del 25% de menos, con grado de maestro o doctor según corresponda. docentes a tiempo 41) La universidad regula los mecanismos para la selección, evaluación periódica del completo 5.3 Selección, evaluación y desempeño que deben incluir como criterio la calificación de los estudiantes por capacitación docente semestre académico. 42) La universidad regula la capacitación de sus docentes. 43) La universidad cuenta en todos sus locales con un tópico o con el servicio 6.1 Servicios de salud tercerizado. 44) Existencia de servicios sociales disponibles para los estudiantes: bienestar social, 6.2 Servicio social bienestar estudiantil, programas de voluntariado, entre otros. 6.3 Servicios psicopedagógicos 45) Existencia de servicios psicopedagógicos disponibles para todos los estudiantes. 46) Existencia de servicios deportivos en al menos tres disciplinas deportivas, 6.4 Servicios deportivos disponibles para los estudiantes con el objetivo de fomentar su participación y 6) Servicios desarrollo. educacionales 47) Existencia y difusión de servicios culturales que estén disponibles para todos los complementarios 6.5 Servicios culturales estudiantes para su participación y desarrollo del mismo. básicos 6.6 Servicios de seguridad y 48) Existencia de servicios de seguridad y vigilancia en todos sus locales. vigilancia 6.7 Adecuación al entorno y 49) La universidad cuenta con políticas, planes y acciones para la protección al protección al ambiente ambiente. 50) Material bibliográfico según planes de estudio de sus programas. El acervo 6.8 Acervo bibliográfico bibliográfico puede ser físico y/o virtual. Las bibliotecas virtuales deben estar suscritas 51) Existencia de un área, dirección o jefatura encargada del seguimiento del 7.1 Mecanismos de mediación e graduado. inserción laboral para 52) Mecanismos de apoyo a la inserción laboral. estudiantes y egresados 53) Existencia de convenios con instituciones públicas y/o priva- das de prácticas 7) Mecanismos de preprofesionales y profesionales. inserción laboral 7.2 Mecanismos de coordinación y alianzas 54) Mecanismos de coordinación y alianzas estratégicas con el sector público y/o estratégicas con el sector privado. público y/o privado 8) CBC complementaria: 8.1 Transparencia 55) Transparencia de la información institucional a través del portal web. Transparencia

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base no Modelo de Licenciamento - SUNEDU.

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PARTE IV. RESULTADOS, DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Capítulo VIII. Resultados e discussão

Para realizar a presente investigação, foram analisados acontecimentos reais, normas, leis e outros documentos emitidos pelo Estado peruano, bem como aqueles relacionados à educação universitária no período estudado, através de procedimentos de investigação documental e análises estatísticas descritivas, para a construção e discussão das hipóteses aqui apresentadas.

Inicialmente, foi conduzido um levantamento teórico dos conceitos centrais deste projeto. Os eixos da investigação foram as áreas relacionadas à educação e, em particular, à educação universitária; à melhoria e garantia da qualidade educacional; à população educacional e atores envolvidos nos processos de mudanças no sector da educação superior; regulamentação e controlo das universidades públicas e privadas; e democracia e autonomia universitária dentro das medidas políticas aplicadas ao Peru. Da mesma forma, foram utilizados livros, leis, estudos, artigos publicados por organizações governamentais e não- governamentais, entrevistas e fontes bibliográficas e da Internet referentes aos tópicos supracitados.

A seguir, para responder com sucesso aos objetivos propostos, foram utilizados métodos quantitativos e qualitativos de investigação, incluindo análises estatísticas sobre o sector universitário (p. ex. número de universidades, financiamento, quantidade de estudantes, percentagens de participação no sector e comparação desses dados com outros países). Uma análise qualitativa da universidade como instituição também foi conduzida e considerou opiniões, argumentos e debates, tanto do ponto de vista que precedeu a publicação da Lei Universitária (p. ex. representantes dos centros universitários) como de atores envolvidos no processo, em especial legisladores que participaram das discussões e da elaboração da Lei, com destaque para a Comissão de Educação do Congresso da República.

Além disso, foram avaliadas as leis e regulamentos emitidos pelo governo peruano, bem como por seus órgãos competentes, com especial atenção às emendas constitucionais, a Lei de Promoção do Investimento em Educação, o D.L. Nº 882, entre outros, que contribuíram para a descrição do ponto da situação da universidade no Peru antes da Lei 70

Universitária N. 30220. Por fim, perceber a real necessidade de uma reforma universitária no país, foi associado o atendimento à demanda social com a política anterior à criação do SUNEDU.

8.1 População, recursos e gestão

O crescimento demográfico nos últimos anos, em especial da população universitária, é um fenômeno mundial, porém com destaque importante à América Latina, uma das regiões em que houve um dos aumentos mais intenso e permanente. Durante o século XX, o número de estudantes universitários multiplicou por 26, de 266.691 em 1950 para 7.097.247 em 1990. Entretanto, neste período, o investimento feito pelo Estado peruano em educação foi bastante limitado e reduzido devido às diferentes crises enfrentadas pelo país, que passou por ditaduras, terrorismo e hiperinflação durante a década de 1980, com uma redução de investimento em educação de 3,1% do PIB (1980) para apenas 1,1% (1990).

Com esta mesma tendência, no Peru, após 1990 e até o final de 2017, a população universitária aumentou quase 4 vezes, de 359.778 a 1.386.100, e embora o investimento em educação tenha apresentado variações com tendência de alta em relação à percentagem do PIB, bem como do gasto público total, a partir de 2018, este representava somente 3,72%, o que deixou o país abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e outros países da região, em comparação ao Chile (5,4%), Colômbia (4,5%) - ambos em 2017 - ou Brasil (acima de 6,2% em 2015) (ver Gráfico 17).

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Gráfico 17. Percentagem do PIB investido em educação por país, de 1989 a 2018

7%

6%

5%

4% 3.72% 3%

2%

1%

0%

1994 2002 2010 1989 1990 1991 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Perú Brasil México Chile Colombia Argentina Portugal

Fonte: Indicadores de desenvolvimento. Banco Mundial.

Este cenário se traduziu em uma demanda social concreta que, por várias razões, foi negligenciada pelo Estado durante anos, uma vez que os recursos estatais para o ensino superior, aparentemente, não eram suficientes. Com isso, evidenciou-se o deslocamento da população universitária para o sector privado, o que causou conflitos na política universitária. Primeiro, a incapacidade do Estado de participar do mercado universitário, transferindo a suas responsabilidades para o sector privado; e segundo, a perda de poder no aparato da instituição universitária no Peru.

Ao final da investigação, as diferentes instituições privadas detinham praticamente 75% do mercado universitário do país. Esses antecedentes colocam o Estado peruano em uma situação desfavorável para a elaboração de novas políticas educacionais em um sector em que sua presença era mínima. Entretanto, pela necessidade de recuperar sua participação, bem como de mudar a posição política por ambiente mais interativo, o Estado ocupou novamente a sua posição.

Com isso, foi aprovada a Lei Universitária no contexto de uma nova demanda social que demanda a atenção do Estado para as necessidades da população e exige o uso de recursos de maneira eficiente, com uma melhor gestão da universidade no Peru.

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8.2 Decisões políticas

Certamente é bastante difícil deduzir quais são as vontades políticas do Estado e dos governos ao longo do tempo sobre qualquer tema. No entanto, os factos históricos supracitados e a investigação conduzida demonstram que houve uma tendência nas tomadas de decisão para criação de novas universidades, a qual não foi fundamentada em critérios técnicos ou consistentes com os objetivos ou funções da educação superior. Os atores que estiveram no poder mantiveram essa tendência durante alguns anos.

O poder político, o privilégio das elites e a atenção às demandas estratégicas do Estado (p. ex. formação de funcionários públicos) foram identificados, entre outras, como razões para o crescimento da universidade durante a maior parte do século XX. As décadas de 1980 e 1990 constituem um importante período de análise para perceber a vontade política do Estado, sobre a qual a Lei Universitária foi desenvolvida.

A ANR criada em 1983, com total independência do governo e da atual Constituição de 1993, teve suas atividades universitárias desenvolvidas de acordo com a Constituição vigente na época (1979). A entidade manifestava uma política de afronta ou omissão à sua responsabilidade com o ensino superior, ao garantir somente o acesso e controlo ao ensino fundamental e ao considerar a participação do sector privado em seus artigos 18 e 19.

A criação do CONAFU em 1995, como uma extensão da ANR, e o subsequente Decreto Legislativo N.º 882 (Lei de Promoção do Investimento em Educação) em 1996, aliado aos benefícios fiscais por ela concedidos, nos permitem concluir que a vontade política do Estado não era de assumir um papel de liderança na oferta universitária, e sim, de promover a participação do sector privado no ensino superior.

É possível que os recursos limitados tenham impedido o Estado de investir no crescimento da universidade, porém, aliado a isso, estava a vontade e ideais dos governantes da época. Prova disso são as pequenas quantias que foram alocadas para o desenvolvimento das instituições de ensino, com apenas 1,1% do PIB investido em educação no Peru – não apenas no ensino superior – em 1990, a menor percentagem em comparação com os demais países (Brasil, México, Colômbia e Portugal). Visto de maneira diferente, isso representa 9,1%

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dos gastos do Estado em educação, também inferiores a Portugal (16,0%), Colômbia (16,0%), México (12,8%), Argentina (10,9%) e Chile (10,4%).

A Lei Universitária representou um importante marco na educação, pois deu início a uma nova posição política em relação às instituições de ensino superior, com maior participação e destaque das responsabilidades do governo, notadamente em questões regulatórias e de controlo, desta vez priorizando, ao que parece, a qualidade dos serviços.

As mudanças políticas são totalmente normais e ocorrem periodicamente. A evolução da sociedade com o passar do tempo tem a capacidade de transformar diferentes contextos históricos, socioeconómicos e políticos. Nestes casos, é responsabilidade dos governantes de identificar esses novos fatores modificadores e demandas da sociedade para desenvolver políticas públicas adequadas. A Lei Universitária se encaixa neste cenário de plena transformação do Peru, e procura atender às reais necessidades de aprimorar a qualidade das instituições de ensino superior do país.

8.3 Acesso e qualidade

As análises do contexto histórico e das evidências encontradas na presente investigação permitem concluir que, praticamente, o único eixo em torno do qual a política universitária esteve centrada nos últimos anos no Peru foi o acesso, o que rebaixou a segundo plano outros componentes-chave do sistema educacional, como a qualidade.

O acesso à universidade no país melhorou consideravelmente ao longo do tempo. Entretanto, as diferentes manifestações políticas e disposições legais que compunham a política universitária promoveram a expansão do acesso à universidade essencialmente sob o apoio de instituições privadas, o que pode causar um desequilíbrio ou conflitos com o desempenho da SUNEDU no mercado.

A Lei N.º 30220 evidencia uma mudança na priorização da qualidade, elevando-a como eixo principal do ensino universitário. As oito CBQ propostas na Lei Universitária tem como objetivo garantir, no mínimo, que as universidades disponham dos recursos para prestar serviços de qualidade e onde essa qualidade possa ser progressivamente aprimorada. A ideia

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é retirar do mercado as instituições que não conseguem ofertar educação de qualidade (que atenda aos mínimos padrões exigidos), por motivos de condições ou recursos insuficientes.

Como consequência deste cenário e ao considerar a validade da lei de moratória que proibia a criação de novas instituições (públicas e privadas) de 2013 a 2017, houve uma redução significativa no número de universidades e de estudantes neste período. Ou seja, a nova política universitária contrariava a premissa de acesso contínuo a educação.

Inicialmente, o impedimento à criação de novas universidades estava previsto por alguns anos, só até a implementação da lei. Porém, na prática, o prazo para a obtenção da licença foi adiado, assim como o fim das restrições moratórias em 2018, o que impossibilitou a criação de universidades e afiliadas por mais dois anos.

De facto, a SUNEDU não autorizou a criação de nenhum centro universitário adicional, e até 6 de março de 2020, 43 universidades e 2 escolas de pós-graduação tiveram suas atividades encerradas 55 por não cumprirem com as CBQ correspondentes.

Isso significa que, uma vez cumpridos os prazos para a cessação final das primeiras universidades negadas e até o final da moratória, em abril de 2020, a única maneira de garantir o acesso à educação é aumentar o número de vagas nas universidades licenciadas já existentes. Embora, tecnicamente, já seja possível criar novas instituições de ensino e afiliadas, a SUNEDU ainda não autorizou, na prática, a abertura de nenhum novo centro universitário.

Um aspeto importante relacionado à qualidade proposto pela SUNEDU é a nova definição da “universidade modelo”, a qual é orientada, principalmente, para a produção e investigação científicas. Assim, os novos padrões de qualidade estabelecidos pela Lei universitária estão direcionados para esse tipo de instituição. Este fator pode ser restritivo para universidades que estão voltadas para o mercado de formação profissional (empregabilidade) e não necessariamente de cientistas ou investigadores (British Council, 2016).

55 https://www.sunedu.gob.pe/lista-de-universidades-denegadas/ Consultado el 3/06/2020. 75

Esta situação é evidenciada no grande número de componentes e indicadores descritos no CBQ que são voltados à investigação científica, bem como nos argumentos utilizados para justificar a implementação da reforma universitária (SUNEDU, 2015). Não obstante, o presente trabalho não avaliou se a reforma aumentou significativamente as oportunidades científicas no país para sustentar este eixo.

Em resumo, a implementação de novas políticas para melhorar a qualidade das universidades é justificada e foi necessária no Peru, em especial no contexto de fracasso do modelo anterior. Por outro lado, a desconsideração ao acesso às instituições de ensino trará, definitivamente, consequências para o mercado universitário. Até o final da presente investigação, não foram encontradas evidências sobre a criação de novos centros de estudo (públicos ou privados) ou demonstrações sobre o futuro das políticas de acesso ao ensino no país. Além disso, é possível que os padrões de qualidade estabelecidos para a “universidade modelo” sejam restritivos para instituições orientadas para a formação de profissionais direcionados ao mercado de trabalho.

Capítulo IX. Discussão e Conclusões

9.1 Financiamento

O artigo 28 da Lei N.º 30220 estabelece que o cumprimento dos CBQ é obrigatório para o funcionamento das universidades, o que confere ao licenciamento um caráter universal, periódico e obrigatório. Assim, todas as instituições - mesmo aquelas que já tinham licenciamento - precisam obter uma nova licença, o que implica, indiretamente, que essas universidades e seus programas “nascerão de novo”.

Ao considerar que os CBQ cobrem, praticamente, todas as atividades da universidade, o custo da obtenção da licença dependerá do tamanho, da infraestrutura e da oferta educacional. Portanto, esses custos são, em geral, maiores para as universidades públicas (Gallegos, 2017).

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O problema surge porque a maioria dos recursos com os quais a universidade pública é financiada provém da alocação do Ministério da Economia e Finanças (MEF) e, para completar seu orçamento, a arrecadação de renda própria, que tem tendência de alta desde meados dos anos 90 (González, 2004). Isso não significa que a coleta por recursos próprios deva ser limitada ou não representar percentagens mais altas no orçamento; pelo contrário, a dinâmica do financiamento se torna um fator-chave a ser considerado para que as universidades públicas possam implementar com êxito o licenciamento, em especial nos CBQ relacionados à infraestrutura e equipamentos, os quais são em geral os mais caros. Ada Gallegos, doutorada em governança e políticas públicas, fez um cálculo do orçamento exigido por algumas universidades públicas para cumprir o licenciamento, que está apresentado na Tabela 10.

Tabela 10. Orçamento público universitário necessário para o licenciamento

Universidad Presupuesto para el licenciamiento U. Nacional Mayor de San Marcos S/727,243,282 U. Nacional San Luis Gonzaga de Ica S/210,076,631 U. Nacional de Educación Enrique Guzman Valle S/86,446,179 U. Nacional de Ucayali S/35,466,832 Fonte: Educación superior y licenciamiento: El caso de las universidades del Perú (Gallegos, 2017).

Por outro lado, nos anos que se seguiram à implementação da SUNEDU, a alocação de recursos pelo MEF tem diminuindo em algumas importantes universidades públicas, apesar do aumento de alunos e da necessidade de cumprir os requisitos legais. Como exemplos tem- se os casos da UNMSM - inicialmente uma defensora da Lei Universitário - ou da Universidade Nacional de San Luis Gonzaga de Ica, que foi encerrada em outubro de 2019 (Tabela 11).

Tabela 11. Orçamento ordinário das universidades nacionais

Universidad 2015 2016 2017 U. Nacional Mayor de San Marcos S/247,188,630 S/239,480,294 S/236,705,095 U. Nacional San Luis Gonzaga de Ica S/92,132,753 S/91,037,630 S/91,265,000 U. Nacional de Educación Enrique Guzman Valle S/71,303,619 S/64,517,412 S/64,311,000 U. Nacional de Ucayali S/63,783,805 S/50,616,214 S/52,002,000 U. Nacional José Faustino Sánchez Carrión S/32,695,152 S/32,203,418 S/32,213,000

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em declarações de orçamento de cada universidade

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Pode-se concluir que a ausência de um componente orçamentário na lei pode dificultar a implementação da reforma nas instituições públicas, uma vez que a melhoria da universidade envolve aspetos que vão além da gestão, incluindo também a captação de recursos.

9.2 Qualidade

Um indicador de qualidade comum, mencionado nos artigos utilizados para esta investigação, é o nível de escolaridade dos professores. Nesse sentido, o documento oficial mais recente no Peru é o II Censo Universitário Nacional de 2010.

Neste período, dos 59.085 professores universitários existentes no país, apenas 53% possuíam mestrado e apenas 4% possuíam doutoramento - 15,6% dos professores possuíam pós-graduação no exterior (Instituto Nacional de Estadística e Informática, INEI, 2011). Essa realidade foi transformada pela implementação da SUNEDU (condição 5, componente 2, “requisitos para o exercício do ensino”), que estabelece que os professores devem ter, no mínimo, o grau de mestre para ensinar na graduação e de doutor para a pós-graduação. Isso fez com que as taxas subissem de 53% para 100% dos professores universitários com mestrado, com um aumento também substancial de doutores no país.

Essa evolução foi positiva e deve, em teoria, elevar a qualidade da educação universitária. Entretanto, outro elemento mais concreto para perceber os primeiros resultados da Lei Universitária é a análise da mobilidade das universidades peruanas nos rankings internacionais de educação (ver Gráficos 18 a 21 e Tabela 12).

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Gráfico 18. Evolução das universidades públicas peruanas no QS Latin-America Ranking

2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 UNMSM 0 25 50 U. Nacional Agrária La Molina 75 100 Univ. Nacional de Ingeniería 125 150 175 U. Nacional San Antonio Abad del 200 Cusco 225 U.Nacional de Trujillo 250 275 U. Nacional San Agustín 300 325

Fonte: QS University Rankings Latin America.

Gráfico 19. Evolução das universidades privadas peruanas no QS Latin America Ranking

2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 PUCP 0 25 UPCH 50 75 Univ. de Lima 100 Univ. San Martín de Porres 125 150 Univ. De Piura 175 Univ. Del Pacífico 200 225 UPC 250 275 URP 300 USIL 325 350 Univ. Privada del Norte 375

Fonte: QS University Rankings – América Latina

Tabela 12. Evolução das universidades peruanas no Ranking THE - América Latina

Universidad 2016 2017 2018 2019 PUCP 25 X 18 20 UPCH X X 41 25 U. Nacional Agrária La Molina X X 101 UPC X X 101 101 Univ. Científica del Sur X X X 101

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em The Times Higher Education Raking, Latin America

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Gráfico 20. Evolução das universidades peruanas no Ranking Webometrics, América Latina.

2017 2018 2019 2020 0 PUCP

50 UNMSM 100 UPC 150

200 U. Nacional Agrária La Molina

250 Univ. Nacional de Ingeniería 300 Univ. Del Pacífico 350

400 Univ. De Lima

450

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) com base em Webometrics

Gráfico 21. Evolução das universidades peruanas no Schimago Institutions Rankings, América Latina.

2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 0

20 PUCP UPCH 40 UNMSM 60 UPC 80 Univ. San Martín de Porres 100 Univ. Nacional de Ingeniería

120 U. Nacional Agrária La Molina U. Nacional San Agustín 140 Univ. Científica del Sur 160

180

Fonte: Elaboração própria (o Autor, 2020) em base em Schimago Research Group

Embora as informações obtidas dos mais importantes classificadores internacionais sejam insuficientes, uma vez que nem todas as universidades peruanas participam ou são consideradas para avaliação, além da pouca precisão ou agrupamentos utilizados após as primeiras cem posições, estes servem para se ter uma visão geral de como as universidades peruanas evoluíram nos últimos anos. Entretanto, os gráficos não mostram uma tendência ascendente ou descendente específica na posição das universidades peruanas nos rankings 80

mais importantes no nível regional, com exceção do recente Schimago Institution Ranking, no qual algumas instituições são vistas em ascensão. Em termos gerais, as universidades permaneceram muito próximas e com um perfil estável em suas posições desde o ano de 2013. Portanto, ainda não é possível verificar, com esse indicador, se a qualidade das universidades está de fato passando por um processo de melhoria após a implementação da Lei Universitária. Um maior período de avaliação e o uso de outros indicadores complementares de qualidade pode permitir uma análise mais acurada destes dados.

9.3 O futuro da universidade

A nova política universitária representa uma transformação importante para o futuro da educação peruana. Ela atende a uma demanda social por qualidade, talvez não evidenciada pelos próprios estudantes universitários, mas pela realidade do mercado de trabalho enfrentada pelos profissionais recém-formados. A informalidade, o desemprego, subocupação, os baixos salários e a falta de oportunidades em todas as áreas, incluso a investigação, o sector público e de negócios, evidenciam a necessidade de mudanças estruturais na política do país.

O trabalho regulatório dos reitores previamente a existência da SUNEDU não cumpria com os objetivos de assegurar a qualidade, em grande parte porque o marco legal no qual atuavam era bastante flexível e favorável ao investimento privado. Aumentar a fiscalização era pouco provável porque prevalecia uma dinâmica de ‘autocontrolo’ no sistema. Ademais, isso seria contrário a vontade política do governo da época, que buscava ampliar o acesso a universidade apoiando-se no sector privado. Esse contexto culminou na necessidade de renovar a política universitária como única forma de focar na qualidade da educação.

Entretanto, as propostas da Lei N.º 30220, apoiadas nas ações da SUNEDU, estão associadas a fatores que a impossibilitaram constituir, até o momento, uma reforma efetiva e eficiente. Por exemplo, não foram estabelecidos mecanismos para atender as demandas de acesso à universidade – em dezembro de 2019 mais de 165.500 estudantes foram prejudicados pelo fechamento de 33 instituições privadas e públicas no Peru, que não

81

cumpriram com as CBQ56, sem contar os alunos das instituições filiadas que desistiram do processo de licenciamento. Ainda, praticamente todas as universidades que foram fechadas atendiam a sectores sociais mais precários, o que afastou ainda mais a possibilidade desta população de se beneficiar de uma educação universitária, em especial pela falta de recursos económicos.

Outro efeito futuro do desenvolvimento da Lei 30220 é o incremento da centralização da educação universitária a partir do fechamento das faculdades menores e que ofertam determinadas especialidades em uma região. O encerramento da Universidade de Ica, por exemplo, a única instituição pública de ensino superior da região, limitou as opções dos estudantes, o que leva a uma migração universitária para a educação privada, sendo em muitos casos impagável. Diante destas complicações, o MINEDU decidiu lançar um programa denominado “Beca Traslado” 57 que entraria em vigor a partir deste ano (2020) com um alcance de 3200 bolsas integrais para alunos com bom rendimento escolar, medida esta aparentemente insuficiente e tardia ao considerar os dados expostos na presente investigação.

Outra característica da aplicação da Lei Universitária que pode impossibilitar a sua sustentabilidade ao longo do tempo é a falta de um componente económico para as universidades públicas. O licenciamento obrigatório e período, para além de gerar uma grande quantidade de atividades, obrigada as universidades a terem mais recursos para cumprir com as CBQ e permanecer legais durante os anos. Se não houver ajustes no financiamento, este sistema pode ser prejudicial para as universidades públicas.

Com isso, se conclui que o trabalho da SUNEDU tem grande potencial de aumentar a qualidade das universidades, apesar de os dados atuais de indicadores da posição das instituições em rankings internacionais de educação não demonstrarem uma melhora significativa. É possível que o cumprimento das CBQ e sua fiscalização periódica tornem factíveis o alcance deste objetivo, o qual deve ser avaliado novamente em um futuro próximo.

56 https://elcomercio.pe/peru/hay-mas-de-165-mil-alumnos-afectados-por-34-universidades-con- licenciamiento-denegado-sunedu-noticia/ 57 https://www.pronabec.gob.pe/noticias/minedu-lanza-beca-de-traslado-para-estudiantes-de-universidades- no-licenciadas/ 82

Não obstante, esta investigação considera que a reforma universitária está incompleta; ainda há aspetos a serem considerados para que o processo possa ser avaliado como efetivo e sustentável. Um impacto negativo ao sistema universitário (em especial a universidade pública) pode vir a ocorrer por motivos financeiros e de acesso a educação superior. Em longo prazo, a disponibilidade de recursos económicos pode ser o fator chave para a criação de novas universidades, com uma representatividade única no mercado de grupos empresariais com amplo respaldo financeiro, devido a escassa intenção política do governo de perceber o acesso com um incremento da capacidade do sistema educativo público.

Conclui-se que a SUNEDU foi criada como uma ferramenta política poderosa devido às suas atribuições. O conselho diretivo de 7 integrantes é formado por membros afastados das reitorias universitárias, sendo o superintendente e/ou o presidente do conselho nomeado pelo MINEDU, deslocado significativamente da participação dos reitores nos assuntos regulatórios. Este cenário dá mais poder ao governo face a um ministério cuja instabilidade tem sido demonstrada nos últimos tempos.

Deve-se considerar, ainda, que os potencias interesses particulares do MINEDU ou da SUNEDU poderiam, facilmente, destruir os avanços na reforma e utilizar a universidade para fins políticos, tendo em conta o grande número de universidades com vínculos e representantes no Estado. O sistema universitário peruano passou de um ‘autocontrolo’ fracassado a uma fiscalização que margeia o intervencionismo estatal.

Não há dúvidas que o mundo todo passa por constantes revoluções científicas e tecnológicas. A criação do conhecimento, assim como a riqueza e sustentabilidade, são a chave para o desenvolvimento de uma nação, sendo a universidade uma protagonista nesta história. E é, precisamente, nos países que ainda não alcançaram níveis significativos de desenvolvimento, onde mais se necessita da figura de uma universidade eficiente, com condições dignas de educação e que ajude a sociedade a alcançar o tão almejado progresso.

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9.4 Considerações finais

1) Considerando a situação do sistema antes da Lei 30220, conclui-se que, efetivamente, era necessária a mudança da política para melhorar o sistema universitário peruano. Porém, a lei ainda é uma reforma incompleta; 2) A qualidade -focada essencialmente na pesquisa e na produção científica- é o principal componente da reforma e desconsidera outros aspectos importantes da universidade; 3) Segundo a comparação dos órgãos reguladores, conclui-se que a SUNEDU, a diferença da CONAFU e a ANR, tem condições e capacidades para desenvolver efectivamente o trabalho de fiscalização; 4) Apesar da exigência da qualidade, ainda não se podem evidenciar resultados concretos em rankings internacionais; 5) A reforma universitária não considera aspetos financeiros da universidade pública e não há uma proposta de expansão da oferta pública; 6) O fechamento de universidades pode estar associado a centralização da oferta universitária e a falta de acesso nos setores mais precários; 7) A privatização da educação superior no Peru pode ser fortemente acelerada, absorvendo ainda mais participação de mercado.

Esta investigação procura debater questões que chegarão nos próximos meses, logo apos a segunda fase da reforma universitária, e que ainda não estão em discussão. Apesar da necessidade de uma nova política para impulsionar o ensino universitário no Peru, ainda há um longo percurso para o estabelecimento de um sistema de qualidade bem-sucedido.

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