UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

Vanessa Cristina Backes

TELEJORNALISMO: DIFERENTES RECONFIGURAÇÕES DA NOTÍCIA

Santa Maria, RS 2018 Vanessa Cristina Backes

TELEJORNALISMO: DIFERENTES RECONFIGURAÇÕES DA NOTÍCIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação (POSCOM), Área de Concentração: Comunicação Midiática, Linha de Pesquisa: Mídia e Identidades Contemporâneas, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Orientadora: Profª Drª. Elizabeth Bastos Duarte

Santa Maria, RS 2018

Vanessa Cristina Backes

TELEJORNALISMO: DIFERENTES RECONFIGURAÇÕES DA NOTÍCIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação (POSCOM), Área de Concentração: Comunicação Midiática, Linha de Pesquisa: Mídia e Identidades Contemporâneas, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Santa Maria, RS 2018

Ao meu pai, Moacir José Backes, que, de algum lugar muito bonito, ilumina meu caminho. Homem com pouco estudo, mas de importantes ensinamentos, e que deixou uma imensa saudade em meu coração.

AGRADECIMENTOS

A produção desta pesquisa representa o cumprimento de uma meta estabelecida há alguns anos: retomar os estudos sobre telejornalismo. Tenho certeza que, sem o apoio, a compreensão e a dedicação de várias pessoas, não teria sido possível chegar até aqui. Por isso, preciso agradecer: À minha orientadora, professora Elizabeth, pela oportunidade, acolhimento carinhoso, tempo, atenção, paciência, e, acima de tudo, pelos ensinamentos. Foram dois anos de importantíssimos aprendizados. Já com saudades, deixo-lhe meu muito obrigada! Ao meu amor, Andrei, pelo apoio incondicional nesses dois anos, pelo carinho e companhia nas noites insones e também pelas dezenas de xícaras de chá e café. Obrigada, meu amor, por compreender minha ausência, pela leitura atenta do trabalho, pelas discussões e contribuições. Obrigada por escolher estar ao meu lado. À minha irmã, Kerly, pelo incentivo e envolvimento, sempre de maneira amorosa. Irmã, os milhares de quilômetros que nos separam geograficamente são prova de que presença vai muito além de estar no mesmo lugar. Ao meu chefe, Luís Eduardo, por compreender a importância do mestrado na minha vida. Agradeço não só pelo incentivo, mas também por adaptar escalas de trabalho, negociar folgas, antecipar férias, enfim, por realizar uma verdadeira engenharia para que fosse possível conciliar as duas atividades. Agradeço também aos colegas da RBS TV Santa Maria pela paciência diante das minhas demandas e pela disposição em ajudar. À professora Maria Lília, pelos ensinamentos, pelo acompanhamento carinhoso e colaboração no desenvolvimento desta pesquisa. À professora Cristiane Mafacioli, pela disponibilidade em avaliar o trabalho e pelos importantes apontamentos. Aos professores do Poscom, pelas discussões, ensinamentos e experiências compartilhadas que proporcionaram a ampliação de meu conhecimento. À universidade pública, gratuita e de qualidade, pela oportunidade de desenvolver este estudo. Aos amigos que a vida me proporcionou. Muito obrigada pela torcida, pelas palavras de motivação, pelas discussões e contribuições sempre incentivadoras!

POEMA DO JORNAL

O fato ainda não acabou de acontecer e já a mão nervosa do repórter o transforma em notícia. O marido está matando a mulher.

A mulher ensanguentada grita. Ladrões arrombam o cofre. A polícia dissolve o meeting. A pena escreve.

Vem da sala de linotipos a doce música mecânica.

(Carlos Drummond de Andrade)

RESUMO

TELEJORNALISMO: DIFERENTES RECONFIGURAÇÕES DA NOTÍCIA

AUTORA: Vanessa Cristina Backes ORIENTADORA: Elizabeth Bastos Duarte

A presente investigação propõe-se a examinar como os telejornais, veiculados por uma emissora de televisão, apresentam, ao longo da programação, diferentes configurações de notícias sobre os mesmos fatos/acontecimentos. Assim, seu objetivo é examinar não só que atributos são necessários para que um acontecimento ganhe o status de notícia, como as diferentes estratégias discursivas empregadas para reconfigurá-las a cada emissão dos diferentes telejornais, conferindo-lhes um caráter de ineditismo, especialidade, diferença. A análise realizada utiliza-se de metodologia inspirada em princípios da Semiótica Europeia fundamentada em Saussure, Hjelmslev, Greimas, e outros semioticistas cujos estudos direcionam-se à descrição da produção televisual. O corpus da pesquisa é composto por notícias veiculadas em emissões dos cinco telejornais transmitidos diariamente em rede nacional, em um período predefinido de 24h, pela Rede Globo de Televisão: Hora 1 da Notícia, , , e , com vistas a examinar quais notícias esses telejornais reconfiguram e de que estratégias discursivas se utilizam nesse processo de replicação. Dentre os principais resultados obtidos no desenvolvimento do percurso teórico metodológico já descrito, ressaltam-se três diferentes dinâmicas de reapresentação dos mesmos fatos/acontecimentos em diferentes edições de telejornais: 1) o acréscimo de elementos narrativos, comparando a primeira emissão em relação às seguintes; 2) a reconfiguração dos mesmos elementos discursivos em todas as narrativas analisadas; e 3) a reprise da mesma conformação da notícia em diferentes edições de telejornais. A presente pesquisa também levanta hipóteses sobre as justificativas para tais dinâmicas de reapresentação de fatos/acontecimentos em diferentes edições de telejornais da RGT.

Palavras-chave: Semiótica Discursiva. Telejornalismo. Processo de reconfiguração. Notícia.

ABSTRACT

TV JOURNALISM: DIFFERENT NEWS RECONFIGURATIONS

AUTHOR: VANESSA CRISTINA BACKES ADVISOR: ELIZABETH BASTOS DUARTE

This research proposes to examine how news broadcasters aired by television stations may present different approaches of the same event throughout their programming. Thus, your goal is to examine not only the required attributes in order for an event to receive the status of news, but also the multiple discursive strategies employed to reconfigure this event in every news broadcast, giving it features of originality, specialty, and singularity. The analysis uses a methodology inspired by principles of European Semiotics based on Saussere, Hjelmslev, Greimas, and other researchers whose studies direct to the description of the televisual production. The corpus of this research consists of emissions from five news broadcasters aired daily by Rede Globo de Televisão: Hora 1, Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional and Jornal da Globo, in order to examine what news they reconfigure and to demonstrate discursive strategies used in the process of replication. Among the main results obtained in the development of the theoretical methodological path already described, three different dynamics of re-presentation of the same facts / events in different editions of television news stand out: 1) the addition of narrative elements, comparing the first emission in relation to the following ; 2) the reconfiguration of the same discursive elements in all the analyzed narratives; and 3) the reprise of the same news conformation in different editions of news programs. The present research also raises hypotheses about the justifications for such dynamics of re - presentation of facts / events in different editions of RGT 's news programs.

Keywords: Discursive Semiotics. TV journalism. Process of reconfiguration. News.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Signo em Saussure...... 17 Figura 2 – Quadrado Semiótico...... 21 Figura 3 – Percurso Gerativo de Sentido...... 24

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Confiabilidade da televisão...... 51 Tabela 2 – Grade de Programação da Rede Globo de Televisão / Set.2017...... 56 Tabela 3 – Comparação dos cinco formatos de telejornais...... 80

SUMÁRIO 1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 12 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO METODOLÓGICA: A SEMIÓTICA 16 DISCURSIVA 2.1 PRINCÍPIOS DA SEMIÓTICA DE INSPIRAÇÃO EUROPEIA: 17 CONTRIBUIÇÕES SAUSSURIANAS E HJELMSLEVIANAS 2.2 SEMIÓTICA GREIMASIANA: O CONCEITO DE NARRATIVIDADE 19

2.3 ALGUMAS OBSERVAÇÕES 25 3 TEXTOS TELEVISUAIS: MODO DE FUNCIONAMENTO E 26 ESTRUTURAÇÃO 3.1 MODO DE FUNCIONAMENTO DA TELEVISÃO 26 3.2 MODO DE ESTRUTURAÇÃO DOS TEXTOS TELEVISUAIS 28 3.3 MODO DE CONFORMAÇÃO GENÉRICA 31 4 METODOLOGIA DE ANÁLISE 36 4.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DAS NOTÍCIAS SUBMETIDAS À ANÁLISE 37 4.2 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE 39 4.3 CORPO DE DEFINIÇÕES OPERACIONAIS 40 4.4 ETAPAS DE ANÁLISE 43 5 HISTÓRIA DO TELEJORNALISMO BRASILEIRO 44 5.1 BREVE HISTÓRICO DO TELEJONALISMO BRASILEIRO 44

5.2 PRINCIPAIS EMISSORAS BRASILEIRAS: ESPAÇO DEDICADO AOS 50 TELEJORNAIS 5.2.1 Sistema Brasileiro de Televisão – SBT 52 5.2.2 Band 53 5.2.3 Record 53 5.2.4 Rede TV! 54 5.2.5 Rede Globo de Televisão (RGT) 54 6 TELEJORNAIS, DO SUBGÊNERO AOS FORMATOS 58 6.1 ESTRUTURAÇÃO INTERNA DOS TELEJORNAIS 59 6.1.1 Tematização/Figurativização 62 6.1.2 Actorialização 66

6.1.3 Espacialização 67 6.1.4 Temporalização 68 6.1.5 Tonalização 70 7 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS SELECIONADAS 72 7.1 CONFORMAÇÃO DOS TELEJORNAIS DA RGT 72 7.1.1 Hora 1 da Notícia (H1) 73 7.1.2 Bom Dia Brasil (BDB) 74 7.1.3 Jornal Hoje (JH) 76 7.1.4 Jornal Nacional (JN) 77 7.1.5 Jornal da Globo (JG) 79 7.2 DESCRIÇÃO DAS NOTÍCIAS SELECIONADAS 80

7.2.1 Grupo 01: acontecimentos não repetidos 81 7.2.1.1 Acontecimento 01: Festival sobre a Lenda do Boto 81 7.2.1.1.1 Caracterização geral da notícia 81 7.2.1.1.2 Análise paratextual de caráter contextual 82 7.2.1.1.3 Análise paratextual de caráter enunciativo 83 7.2.1.1.4 Análise intertextual de caráter paradigmático 84 7.2.1.1.5 Análise intratextual da notícia 85

7.2.1.1.6 Análise intertextual de caráter sintagmático 87

7.2.1.2 Acontecimento 02: Filho de vice-prefeita de 11 anos dirige carro 88 7.2.1.2.1 Caracterização geral da notícia 88 7.2.1.2.2 Análise paratextual de caráter contextual 89 7.2.1.2.3 Análise paratextual de caráter enunciativo 90 7.2.1.2.4 Análise intertextual de caráter paradigmático 91 7.2.1.2.5 Análise intratextual da notícia 92 7.2.1.2.6 Análise intertextual de caráter sintagmático 95 7.2.1.3 Comparação dos dados obtidos 96 7.2.2 Grupo 02: acontecimentos repetidos em todas as edições 99 7.2.2.1 Acontecimento 01: Militares do exército deixaram a favela da Rocinha no Rio99 Rio de Janeiro 7.2.2.1.1 Caracterização geral das notícias 100 7.2.2.1.2 Análise paratextual de caráter contextual 101 7.2.2.1.3 Análise paratextual de caráter enunciativo 103 7.2.2.1.4 Análise intertextual de caráter paradigmático 106 7.2.2.1.5 Análise intratextual das notícias 108 7.2.2.1.6 Análise intertextual de caráter sintagmático 124 7.2.2.2 Acontecimento 02: Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT 127 7.2.2.2.1 Caracterização geral das notícias 128 7.2.2.2.2 Análise paratextual de caráter contextual 128 7.2.2.2.3 Análise paratextual de caráter enunciativo 130 7.2.2.2.4 Análise intertextual de caráter paradigmático 134 7.2.2.2.5 Análise intratextual das notícias 135 7.2.2.2.6 Análise intertextual de caráter sintagmático 150 7.2.2.3 Comparação dos dados obtidos 153 7.2.3 Grupo 03: acontecimentos repetidos em algumas edições 156 7.2.3.1 Acontecimento 01: Votação, no Supremo Tribunal Federal, sobre157 a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras 7.2.3.1.1 Caracterização geral das notícias 157 7.2.3.1.2 Análise paratextual de caráter contextual 158 7.2.3.1.3 Análise paratextual de caráter enunciativo 159 7.2.3.1.4 Análise intertextual de caráter paradigmático 161 7.2.3.1.5 Análise intratextual das notícias 163 7.2.3.1.6 Análise intertextual de caráter sintagmático 170 7.2.3.2 Acontecimento 02: Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco 172 7.2.3.2.1 Caracterização geral das notícias 173 7.2.3.2.2 Análise paratextual de caráter contextual 173 7.2.3.2.3 Análise paratextual de caráter enunciativo 175 7.2.3.2.4 Análise intertextual de caráter paradigmático 176 7.2.3.2.5 Análise intratextual das notícias 178 7.2.3.2.6 Análise intertextual de caráter sintagmático 184 7.2.3.3 Comparação dos dados obtidos 186 8 APONTAMENTOS FINAIS 190 9 REFERÊNCIAS 198

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1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Uma das funções normalmente atribuídas à televisão é a informativa. E, realmente, um telespectador que passe um dia inteiro em frente à televisão entra em contato com uma grande quantidade de informações, pois a televisão aberta veicula, sob forma de emissões, inúmeros programas de caráter informativo – noticiários breves, telejornais, entrevistas, documentários. Existem, além disso, canais que operam somente com a transmissão de notícias. Esse é o caso da Globo News, da Band News, da Record News, da CNN, da BBC, etc., muitos deles canais pagos. As notícias são, assim, fragmentos das emissões construídos a partir da ocorrência de acontecimentos, e, consequentemente, da cobertura desses eventos, de modo a alimentar essa intensa programação de caráter informativo e sustentar sua permanente veiculação. A notícia é, na perspectiva desta dissertação, a transformação de um acontecimento em discurso midiático. Essa operação, nada inocente aliás, implica a recorrência a inúmeras estratégias discursivas que subtraiam a banalidade e a mesmice dos fatos, e os revistam de um caráter de ineditismo, especialidade, diferença. Trata-se de uma tarefa bastante complexa que exige competência e destreza no tratamento e articulação das linguagens convocadas para a sua expressão. No caso das mídias e, em especial, da televisão, essa tarefa se complexifica ainda mais porque esses acontecimentos, em se fazendo notícia, são retomados, repetidos, reiterados, complementados de um noticiário a outro, até o seu esgotamento. Embora a televisão venha investindo bastante na formação de várias categorias de profissionais envolvidos na realização dos telejornais – apresentadores, âncoras, repórteres, comentaristas, correspondentes, cinegrafistas, fotógrafos –, isso não impede que o telespectador tenha que assistir repetidas vezes às mesmas informações ao longo da programação de um dado canal. Sim, porque um determinado fato/acontecimento pode ser noticiado ao longo de um dia inteiro, e, ainda assim, quando o último telejornal da grade de programação for exibido naquele dia, ser novamente noticiado e atualizado. Essa insistente repetição é prática comum nas emissoras de televisão que se aproveitam de inúmeros espaços, até mesmo dos intervalos comerciais, para veiculá-los. Cabe ainda destacar que, de acordo com dados apresentados pela Pesquisa Brasileira de Mídia em 2016, 63% dos brasileiros consultados disseram consumir programas como os telejornais com o intuito de se informarem sobre acontecimentos do país e do mundo. Além disso, 56% desses telespectadores responderam preferir a programação da RGT. São,

13 portanto, dados que reforçam a relevância do presente estudo e do objeto de pesquisa aqui analisado. Assim, na tentativa de compreender as características do subgênero telejornal e as estratégias por ele utilizadas para interagir com o telespectador, a presente pesquisa elege como tema central de investigação o processo de reconfiguração de notícias veiculadas sobre os mesmos acontecimentos, nas emissões dos diversos telejornais da Rede Globo de Televisão (RGT). Seu objeto empírico de estudo são, assim, os textos das notícias. A investigação proposta dispõe-se a operar, dessa maneira, com três níveis de textualidade que se inter-relacionam e se complementam: aquele referente ao telejornal enquanto texto maior contendo um número não delimitado de edições; aquele referente às edições que são os fragmentos de um dado telejornal exibidos em dias e horários predefinidos; e aquele referente ao texto das notícias que são os fragmentos de uma dada edição de um telejornal. O foco da pesquisa são os textos das notícias; já os outros dois níveis são aqui recuperados porque lhes servem de entorno. Parte-se, assim, das hipóteses de que as edições dos telejornais se utilizam de inúmeras estratégias discursivas para reconfigurar as notícias que são, repetidamente, apresentadas de uma edição de um telejornal para outra, e de um telejornal para outro, e de que existem razões de várias ordens que justificam essa repetição. Considerando essas hipóteses, o problema de pesquisa – quais e como as notícias são repetidas – comporta as seguintes indagações: que atributos são necessários às notícias para que elas façam jus a essa repetição de uma edição para outra, e de um telejornal para outro, de uma emissora? De quais estratégias discursivas os telejornais lançam mão na reconfiguração de notícias já veiculadas em edições de telejornais anteriores? A repetição pode ter também um intuito de promocionalidade/autopromocionalidade no interior do telejornal? Que tipo de informações/acontecimentos não são contemplados com essa repetição? Dessa forma, o objetivo geral da presente dissertação é investigar como se dá o processo de repetição das notícias, ou seja, por quais reconfigurações passam as notícias quando são reiteradas nas diferentes edições de telejornais de uma mesma emissora de televisão. Para dar conta desse propósito maior, estabeleceram-se os seguintes objetivos específicos: (1) caracterização, do ponto de vista genérico, dos programas televisuais conhecidos pelo nome de telejornais, passando por seu histórico, forma de estruturação tradicional, alterações advindas das novas tecnologias, espaços de inserção na grade de programação das principais redes de emissoras abertas do país, com ênfase na programação da RGT; (2) investigação dos atributos pertinentes às notícias que fazem jus à repetição ao

14 longo da programação da RGT; (3) identificação das características pertinentes às notícias que não reverberam entre os telejornais da RGT; (4) análise para, inter e intratextual das notícias selecionadas para comporem o corpus da pesquisa; (5) verificação das estratégias discursivas/expressivas empregadas na reconfiguração das notícias repetidas nos diferentes telejornais da RGT. A justificativa para a realização deste trabalho, no contexto acadêmico, é a observância, por parte da pesquisadora, da necessidade de investigação das diferenças entre as notícias que apresentam novidades, daquelas que são revestidas de efeitos de sentido de novidade, mas se tratam de repetições reconfiguradas de tal forma que sua reiteração não seja demasiadamente percebida ou se torne exaustiva para o telespectador. A experiência profissional da pesquisadora, em quase dez anos de atuação como repórter e editora de telejornais na RBS TV, afiliada da RGT no Rio Grande do Sul, contribui para esta investigação, já que o exercício diário do telejornalismo favorece a percepção sobre a relevância do fenômeno da repetição de notícias entre os telejornais de uma mesma emissora. A adoção de um percurso teórico metodológico fundamentado na Semiótica de inspiração europeia justifica-se pelo fato de que as notícias são textos que, reconfigurados ou não, são consumidos diariamente pelos telespectadores. Assim, a metodologia de análise adotada funda-se em princípios de uma semiótica discursiva (Saussure, Hjelmslev e Greimas), aos quais se agregam contribuições de outros semioticistas que se dedicam, mais especificamente, ao estudo do texto televisual (Calabrese, Fechine, Fontanille, Jost, Duarte e Castro). A dissertação, além desta introdução, compõe-se de mais 07 seções, dispostas a partir da fundamentação teórica que sustenta a metodologia empregada na análise das notícias selecionadas para comporem o corpus da pesquisa. Assim, todas as demais seções configuram-se como etapas da análise empreendida. Na sequência, apresenta-se uma breve descrição do conteúdo dessas seções: A seção 2 – Fundamentação teórico metodológica: a semiótica discursiva – expõe os princípios da semiótica discursiva de inspiração europeia, fundamentados em Saussure, Hjelmslev, e Greimas. A seção 3 – Textos televisuais: modo de funcionamento e estruturação – apresenta as especificidades do texto televisual a partir das contribuições de semioticistas que se dedicam mais especificamente ao estudo do texto televisual, tais como Fechine, Jost, Duarte e Castro.

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A seção 4 – Metodologia de análise – descreve, de forma detalhada, o percurso metodológico adotado na investigação, expondo os critérios empregados na seleção da emissora e dos telejornais responsáveis pela veiculação das notícias, objeto do presente estudo; explicita os critérios de seleção das notícias submetidas à análise, bem como os procedimentos e etapas da análise realizada, acompanhados de uma apresentação do corpo de definições operacionais empregadas na análise. A seção 5 – História do telejornalismo brasileiro – apresenta a contextualização do subgênero telejornal no âmbito da produção televisual brasileira, partindo de um breve histórico da televisão e do telejornalismo, com vistas a destacar o papel desempenhado pelos telejornais no cenário sociocultural do país e as alterações pelas quais esse subgênero vem passando devido ao desenvolvimento tecnológico. Por fim, apresenta um breve apanhado das principais emissoras de televisão no cenário nacional atual, com ênfase no espaço dedicado por elas aos telejornais e nas especificidades da grade de programação da RGT. A seção 6 – Telejornais, do subgênero aos formatos –, partindo da própria definição do telejornal enquanto subgênero televisual (Duarte, Gomes e Fechine), apresenta, do ponto de vista discursivo, a estruturação interna desse tipo de texto televisual, as temáticas preferenciais, os critérios de seleção das notícias veiculadas e as estratégias empregadas na transformação dos acontecimentos em notícias. A seção 7 – Análise das notícias selecionadas –, examina, do ponto de vista para, inter e intratextual, as notícias selecionadas como objeto de estudo da presente investigação, partindo de uma breve caracterização dos cinco telejornais veiculados diariamente em rede nacional pela RGT, examinando suas relações intertextuais de caráter paradigmático e sintagmático, bem como as estratégias discursivas empregadas na configuração das repetições de notícias veiculadas nestes diferentes telejornais e selecionadas para compor o corpus da pesquisa. A seção 8 – Apontamentos finais – discute os resultados obtidos na análise realizada, apresentando algumas considerações e eventuais sugestões para próximos estudos.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO METODOLÓGICA: A SEMIÓTICA DISCURSIVA

A presente secção propõe-se a conceituar a semiótica discursiva de inspiração europeia, recorrendo ao seu principal teórico, o linguista Algirdas Julien Greimas. Nesta exposição, apresenta-se o pensamento dos teóricos fundadores, Saussure e Hjelmslev, e, na sequência, os principais conceitos da teoria greimasiana, incluindo a noção de percurso gerativo, de níveis de articulação e de entendimento do texto. Os telejornais, do ponto de vista da semiótica discursiva, constituem-se em textos abertos maiores, sem prazo fixo para o seu término, frutos da relação de interdependência contraída entre seus dois planos, expressão e conteúdo. Esses programas televisuais fragmentam-se em edições, ou seja, emissões diárias que, por sua vez, são constituídas por diferentes notícias, unidades menores do telejornal, comportando, em seus textos, as narrativas de diferentes acontecimentos. Em razão disso, a presente seção propõe-se a recuperar os princípios gerais da semiótica de inspiração europeia, tal como formulados por Saussure, Hjelmslev, Greimas, bem como as contribuições de outros semioticistas e estudiosos que se dedicam especificamente ao exame da produção televisual (Calabrese, Jost, Fontanille, Duarte, Castro, Fechine, entre outros), com vistas à construção de uma metodologia capaz de dar conta da análise dos textos telejornalísticos e das estratégias por eles empregadas na reconfiguração de notícias. A semiótica europeia é um projeto de ciência que se propõe a investigar os processos de produção de significação e sentidos, resultantes da relação de interdependência contraída entre expressão e conteúdo; seu objeto de estudo é o texto em suas mais diversas formas de manifestação; seu objetivo, a descrição exaustiva, coerente e tão simples quanto possível do sistema subjacente a todo processo textual (HJELMSLEV, 2013). Para a semiótica, todo o texto é um processo, ao qual subjaz um sistema: trata-se, portanto, da colocação de um sistema em ação. Assim, toda a análise semiótica pretende verificar não só o que os textos dizem, mas, mais do que isso, entender como fazem para dizer o que dizem, ou seja, como colocam o sistema em funcionamento. É, nessa perspectiva, que o presente estudo dispõe-se a examinar os elementos responsáveis pela diversidade na configuração das repetições de notícias em textos telejornalísticos, com vistas a sistematizar os resultados obtidos na análise.

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2.1 PRINCÍPIOS DA SEMIÓTICA DE INSPIRAÇÃO EUROPEIA: CONTRIBUIÇÕES SAUSSURIANAS E HJELMSLEVIANAS

Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Linguística Geral (1916), anteviu a possibilidade de desenvolvimento de uma ciência, a Semiologia, que estudaria “a vida dos signos no seio da vida social” (SAUSSURE, 2012, p.24). Saussure acreditava que o estudo da linguagem humana deveria ser realizado de forma sincrônica, como recorte de um determinado estágio da linguagem e, não, de forma diacrônica, como vinha sendo realizado até então. Nessa perspectiva, concebe a linguagem de forma dicotômica, como constituída por um sistema, a língua, e um processo, a fala. O sistema, conjunto de normas e regras de seleção e combinação, estaria sempre subjacente ao processo. O signo, para Saussure, é o fruto da relação arbitrária entre dois termos, significante (imagem acústica) e significado (conceito). Por outro lado, segundo o mestre suíço, todo signo mantém relações com outros signos: de um lado, com aqueles que o precedem e sucedem na cadeia sintagmática; e, de outro, com aqueles pelos quais ele poderia ser substituído e que se constituem no seu paradigma.

Figura 01 – Signo em Saussure

Conceito

Imagem acústica

Fonte: Curso de Linguística Geral (Adaptação)

No decorrer de seus estudos linguísticos, Saussure prevê a possibilidade de desenvolvimento de uma ciência mais ampla que a linguística, a Semiologia, que se encarregaria do estudo dos diferentes sistemas de signo utilizados pelo homem, e da qual a linguística faria parte. Louis Hjelmslev, linguista dinamarquês, recupera, em seu livro Prolegômenos a uma teoria da linguagem (1975), alguns dos postulados e conceitos saussurianos, definidos

18 sempre de forma dicotômica, e propõe um projeto de ciência, a Semiótica, cujo objeto de investigação seria os diferentes sistemas de significação e sentidos utilizados pelo homem. Segundo Hjelmslev, o objeto empírico de estudo da Semiótica não é o signo, mas o texto, por ele concebido como um todo que se basta a si mesmo (HJELMSLEV, 2013). Dessa forma, para o mestre dinamarquês, todo texto comporta dois planos ou funtivos, expressão (significante) e conteúdo (significado), que contraem entre si uma relação de interdependência, visto que só existem na relação solidária que estabelecem um com o outro: “uma expressão só é expressão porque é a expressão de um conteúdo, e um conteúdo só é conteúdo, porque é conteúdo de uma expressão” (HJELMSLEV, 2013, p. 54). Seria impossível, para o autor, a existência de uma expressão sem que a ela correspondesse um conteúdo, ou de um conteúdo sem expressão, a menos que eles fossem separados artificialmente: “se se fala sem pensar, produzindo séries de sons sem que aquele que os ouve possa atribuir-lhes conteúdo, isso será um abracadabra e não uma expressão linguística, e tampouco será funtivo de uma função semiótica” (HJELMSLEV, 2013, p.54). Cada um dos planos textuais, expressão e conteúdo, estrutura-se, por sua vez, a partir da relação contraída entre forma e substância. Desse modo, o plano da expressão comporta internamente uma substância de expressão e uma forma de expressão. Da mesma maneira, o plano do conteúdo estrutura-se a partir da relação solidária entre a substância do conteúdo e a forma do conteúdo. A substância depende exclusivamente da forma, só ganhando existência quando sobre ela se projeta uma forma. A projeção da forma sobre a substância produz os sentidos, tanto de conteúdo como de expressão, que assumem formas de expressão distintas dependendo das linguagens empregadas. A substância, tanto de expressão, quanto de conteúdo, é composta por todas as possibilidades de sentido de uma dada linguagem: a definição de um sentido específico só ocorre quando se projeta uma forma sobre a substância. Logo, a forma é um sistema que estrutura a substância de conteúdo e de expressão, constituindo os sentidos do texto.

Assim como os mesmos grãos de areia podem formar desenhos dessemelhantes e a mesma nuvem pode assumir constantemente novas formas, do mesmo modo é o mesmo sentido que se forma ou se estrutura diferentemente em diferentes línguas. São apenas as funções da língua, a função semiótica e aquelas que dela decorrem, que determinam sua forma. O sentido se torna, a cada vez, substância de uma nova forma e não tem outra existência possível além de ser substância de uma forma qualquer (HJELMSLEV, 2013, p.57).

Todo o sistema de significação é constituído por dependências internas, que ocorrem em diferentes níveis. São os relacionamentos contraídos entre seus termos que estruturam o

19 texto. Hjelmslev prevê diferentes tipos de dependências: (1) dependências recíprocas ou interdependências, que ocorrem quando cada um dos funtivos em relação só existe na presença do outro, como é o caso da relação contraída entre expressão e conteúdo; (2) determinações ou dependências unilaterais, que ocorrem quando um dos termos depende de outro para ganhar existência, mas essa dependência não é recíproca; (3) e constelações ou dependências frouxas, que acontecem quando os dois termos estão em relação, mas não dependem um do outro para ganhar existência. Para além das relações intratextuais, Hjelmslev acredita, à moda Saussuriana, que todo texto contraia relações intertextuais, ou seja, com outros textos, tanto de caráter sintagmático (e...e), com aqueles que o precedem ou sucedem na cadeia sintagmática; como de caráter paradigmático (ou...ou), com aqueles textos pelos quais poderia ser substituído e que se constituem no seu paradigma. Aliás, sua proposição da existência de sistemas semióticos complexos, em que um primeiro sistema semiótico (denotação) se torna o plano de conteúdo ou plano de expressão de um segundo sistema semiótico, não deixa de se constituir, no âmbito textual, em uma relação de caráter intertextual. A essas imbricações entre sistemas semióticos, o mestre dinamarquês denomina respectivamente de semiótica conotativa e metassemiótica. Na semiótica conotativa, uma semiótica primeira (denotação) torna-se o plano de expressão de um novo sistema semiótico, ou seja, a relação entre os dois sistemas ocorre via plano de expressão; na metassemiótica, uma semiótica primeira (denotação) torna-se plano de conteúdo de um novo sistema semiótico, ou seja, a correlação entre os dois sistemas semióticos ocorre via plano de conteúdo. Por outro lado, ao afirmar que texto algum, quando considerado isoladamente, tem significação, ou seja, que “toda significação do texto nasce de um contexto, quer entendamos por isso um contexto de situação ou um contexto explícito” (HJELMSLEV, 2013, p.50), Hjelmslev interpela o contexto. Assim, propõe relações de caráter contextual, pois, segundo ele, “não existem significações reconhecíveis outras que não as significações contextuais” (HJELMSLEV, 2013, p.50).

2.2 SEMIÓTICA GREIMASIANA: O CONCEITO DE NARRATIVIDADE

A Semiótica, tal como é concebida por Algirdas Julien Greimas, na esteira de seus predecessores, recupera os fundamentos e princípios já defendidos pelas teorias saussureana e hjelmsleviana, com o propósito de melhor entender a maneira como os homens organizam o

20 conteúdo do que dizem em qualquer linguagem. Tendo por objetivo a exploração dos sentidos e centrando sua atenção no plano do conteúdo, a semiótica greimasiana propõe a concepção de narratividade, compreendida como a projeção de uma forma estruturadora sobre a substância do conteúdo dos textos. Greimas parte da pressuposição da existência de formas universais, organizadoras do conteúdo do que os homens dizem, independentemente da(s) linguagem(s) em que se manifestem. A narratividade é, por ele, concebida como a instância geradora da significação e dos sentidos, cuja existência virtual é pressuposta por qualquer manifestação discursiva. O conceito de narratividade, tão bem estruturado e generalizado pela teoria greimasiana, na esteira de Propp, Lévi-Strauss, Dumezil, tem um caráter lógico-sintático-semântico, pressupondo a hipótese de existência de formas universais (estrutura fundamental), organizadoras da narrativa, extensivas a todo tipo de texto. Essas formas se encontrariam em nível profundo do sistema semiótico: assim, sob a aparência do narrado figurativo, haveria a presença de uma organização imanente, mais abstrata e profunda, estruturada a partir desses universais, responsável pela significação e determinadora da produção e leitura de textos (GREIMAS, 1979). A organização narrativa, para Greimas, comporta três instâncias com níveis desiguais de profundidade e complexidade: a estrutura fundamental, organização mais simples e profunda, é da ordem do universal, sendo comum a todos os homens; a estrutura narrativa, organização mais superficial e intermediária, é da ordem do cultural e do ideológico e caracteriza-se pela inserção dos sujeitos; e a estrutura discursiva, organização mais superficial e complexa, é da ordem do individual, sendo responsável pela articulação entre a enunciação e o enunciado produzido. Cada uma dessas instâncias possui uma gramática própria, cujos componentes são sintáticos e semânticos; a passagem de uma instância à outra se dá pela recuperação e enriquecimento da instância anterior (GREIMAS; COURTÉS, 2016). A estrutura fundamental ou profunda, habitualmente oposta às outras duas, consideradas mais superficiais e pertencentes ao domínio do observável (GREIMAS; COURTÉS, 2016), funda-se na convicção de que a complexidade é produzida a partir de estruturas mais simples. Assim, o nível fundamental organiza-se a partir de uma estrutura mínima de sentido, baseando-se em uma relação simples de oposição que se estabelece entre dois termos-objeto que entram em conjunção/disjunção, correspondendo aos temas e valores que estão em jogo em um dado texto, tais como vida vs morte, parcialidade vs totalidade, verdade vs mentira, etc. Essa relação de oposição desdobra-se, sendo representada pelo que Greimas denomina de quadrado semiótico.

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Figura 2 – Quadrado Semiótico

verdade

ser parecer

segredo mentira

não parecer não ser

falsidade

Fonte: Dicionário de Semiótica (p.403)

A estrutura narrativa ou intermediária preside a geração de sentido e comporta as formas mais gerais da organização do discurso (GREIMAS; COURTÉS, 2016). A passagem do nível fundamental para o narrativo se dá pela conversão: os valores do nível fundamental são retomados e estruturados em elementos narrativos simples e com regularidades constantes. Nesse nível, ocorre a inserção dos sujeitos e a atualização dos valores. Segundo Greimas, essa instância se articula a partir de um esquema narrativo constituído por três percursos, que mantêm entre si relações de pressuposição e implicatura, correspondendo respectivamente à qualificação do sujeito para a ação, representada pela doação de competência por parte de um destinador manipulador ao sujeito da ação, para que ele possa agir; à realização do sujeito, representada pelo desempenho do sujeito da ação, já qualificado, em busca do objeto de valor pretendido; e à sanção do sujeito, representada pela avaliação do destinador manipulador quanto ao desempenho do sujeito da ação, tendo em vista sua prévia qualificação. Há uma coerência lógica entre qualificação, ação, sanção, da ordem da causa/consequência; do meio/fim; do antes/depois. Isso pressupõe, em primeiro lugar, tempo, história. Nesse contexto, a historicidade não é a representação do passado ou do futuro, mas a percepção do presente como história, como a operação de transformações espaço-temporais. Ao percurso de ação do sujeito, ficam subjacentes, dessa forma, duas

22 instâncias transcendentes que, de um lado, o manipulam, e, de outro, o sancionam. A relação de pressuposição entre esses percursos, não implica, em termos concretos, a necessidade de sua coexistência e manifestação em um único texto. É interessante ainda sublinhar que, na perspectiva greimasiana, toda narrativa possui o seu esquema duplicado, posto que, às ações desempenhadas pelo sujeito da ação, correspondem outras realizadas por um antissujeito. Há, portanto, um confronto entre os sujeitos, cujo resultado são as transferências de objetos de valor de um sujeito para outro, motivo pelo qual a narrativa é concebida como uma manifestação entre estados sucessivos. Tal compreensão da narrativa passa, portanto, por uma primeira apreensão dos sentidos, instrumentalizada pela cultura à qual pertence: o uso coletivo dá origem a estereótipos culturais que passam a fazer parte de um reservatório, ficando disponíveis a cada nova convocação discursiva. Evidentemente, essa é apenas uma versão, dentre outras, da maneira como o imaginário humano concebe o sentido da vida, apresentada sob a forma de um esquema de ação; existem, não obstante, inúmeras variações sobre o tema, apontando todo um leque de ideologias e narratologias. No percurso de qualificação do sujeito, tem-se um destinador manipulador que modaliza o sujeito da ação, dotando-o de competência para agir, ou seja, para querer e/ou dever, poder e/ou saber, ser e/ou fazer algo. Para levar o sujeito à ação, são empregadas diferentes figuras de manipulação, tais como: a tentação, fundada na cobiça, que corresponde a diferentes tipos de suborno e/ou recompensa pela ação; a sedução, fundada no deslumbramento, que corresponde a diferentes formas de encantamento; a provocação, fundada na competitividade, que corresponde a diferentes tipos de desafios; e a intimidação, fundada no medo, que corresponde a diferentes tipos de ameaça. O percurso da qualificação já prevê, assim, a realização de provas – qualificadora, decisiva e glorificadora –, desafiando a capacidade do sujeito da ação e testando o seu saber fazer e/ou poder fazer. No percurso da realização ou performance, o sujeito da ação, que só age porque foi manipulado para tal fim, sai então em busca de seu objeto de valor, seja porque não o possua, seja porque o tenha perdido. Nessa busca do objeto de valor pretendido, o sujeito da ação enfrenta o anti-sujeito, que interpõe dificuldades ao seu desempenho. A existência de um antagonista pressupõe a circulação dos objetos de valor entre os dois, já que ambos os desejam: sempre um deles está em disjunção ou conjunção com os referidos objetos. É, assim, a carência em relação ao objeto de valor que estimula a ação desses dois sujeitos, podendo sua confrontação assumir diferentes configurações, tais como, a negociação, a troca, as oposições sociais, etc.

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No percurso da sanção, um destinador julgador avalia as ações empreendidas pelo sujeito da ação, tendo em vista as competências com as quais foi dotado. Cabe, não obstante, reiterar que nem sempre essas três instâncias previstas pela estrutura narrativa aparecem expressas no texto, podendo ficar pressupostas. A estrutura discursiva, a mais superficial do percurso de geração do sentido, pertence ao domínio da enunciação. Traduz-se como as escolhas operadas pelo enunciador quanto ao modo de contar sua narrativa. O nível discursivo é o mais próximo da manifestação textual, dizendo respeito às “estruturas discursivas, menos profundas, encarregadas de retomar as estruturas semióticas de superfície e de colocá-las em discurso, fazendo-as passar pela instância da enunciação” (GREIMAS; COURTÉS, 2016, p.234-235). O nível discursivo manifesta, dessa maneira, as escolhas operadas pelo enunciador quanto ao modo de contar o seu relato, atualizando a relação enunciação/enunciado. Assim, a enunciação é responsável pela convocação das estruturas semionarrativas (fundamental e narrativa) e pela seleção das operações discursivas que definem, no interior das combinatórias possíveis, aquelas em condição de produzirem os sentidos pretendidos. De acordo com a teoria greimasiana, a colocação em discurso, por parte do enunciador, das estruturas semióticas profundas e narrativas prevê a recorrência a diferentes dispositivos discursivos, sendo eles: tematização, figurativização, actorialização, temporalização e espacialização. Dando prosseguimento a esses estudos, Duarte propõe ainda o acréscimo de outro dispositivo discursivo: o de tonalização. Cada um desses dispositivos oferece ao enunciador diferentes possibilidades de ancoragem do discurso a ser produzido. O dispositivo semântico de tematização confere ênfase aos temas e valores sobre os quais um discurso se movimenta, estando relacionado aos protagonistas que desempenham os papéis temáticos e à determinação das coordenadas espaço-temporais nas quais a trama se desenrola. O dispositivo semântico de figurativização dá conta das formas de tratamento do tema, que ganha maior concretude e materialização, pela recorrência a figuras, a imagens do mundo. Os dispositivos de ordem sintática oferecem ao sujeito da enunciação um leque de possibilidades de ancoragem de seu discurso, sendo referentes aos procedimentos por ele selecionados quanto: ao dispositivo de actorialização, que possibilita que os sujeitos do nível narrativo se individualizem e assumam funções; ao dispositivo de temporalização, que permite que a narrativa produzida seja ancorada do ponto de vista temporal e da sucessividade; ao dispositivo de espacialização, que dá conta da localização espacial concernente ao desenrolar da narrativa; e ao dispositivo de tonalização, que coloca à

24 disposição do enunciatário uma grade de leitura, fornecendo-lhe informações de como deve interagir com a narrativa que lhe está sendo ofertada (DUARTE, 2012). Dois procedimentos característicos da sintaxe/semântica discursiva possibilitam ao enunciador selecionar a forma como pretende traduzir, no discurso construído, a relação entre enunciação e enunciado. São eles: a embreagem, processo que produz o efeito de retorno à enunciação e busca de artifícios que permitam a sensação de identificação entre os sujeitos, tempo, espaço e tom do enunciado e os da enunciação; e a debreagem, processo inverso, que expulsa do enunciado a instância da enunciação, utilizando-se das mesmas categorias actancial, temporal, espacial e tonal para instaurar no enunciado o não-eu, o não-agora, o não- aqui. Greimas concebe, assim, a instância discursiva como um elo de ligação entre o texto e o processo comunicativo/enunciativo que o enforma. Como nada se enuncia sozinho, o tipo de relação contraída entre o texto e a enunciação é, segundo ele, de ordem metonímica, sendo a enunciação o todo e o texto a parte. Sob essa ótica, o discurso comporta três níveis: o da enunciação, o do enunciado e o da enunciação enunciada sendo, este último, nada mais que um simulacro que imita o fazer enunciativo, não representando, de maneira nenhuma, o sujeito, o espaço e o tempo da enunciação (GREIMAS; COURTÉS, 2016). As marcas discursivas que revelam suas condições de produção devem, dessa forma, ser identificadas com vistas a recuperar seu processo enunciativo.

Figura 3 Percurso Gerativo de Sentido

Nível Profundo: Temas e valores em oposição. Nível Narrativo: Temas e valores do nível fundamental são retomados e estruturados em elementos narrativos simples, com regularidades constantes e inserção de sujeitos. Nível Discursivo: Temas/valores e sujeitos do nível narrativo tornam-se atores. A gramática do nível discursivo é composta pelos procedimentos discursivos de tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização.

Fonte: Dicionário de Semiótica (Adaptação).

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Cabe mais uma vez ressaltar que a proposta greimasiana centra a sua atenção na concepção e análise do plano do conteúdo dos textos.

2.3 ALGUMAS OBSERVAÇÕES

Ao se observarem os fundamentos e princípio da semiótica de inspiração europeia, percebe-se que eles descortinam a possibilidade de se considerarem, na análise dos textos, objeto de investigação, diferentes níveis de pertinência. Recuperando algumas das proposições hjelmslevianas já apresentadas, abre-se a possibilidade de análise do texto em relação ao seu contexto social, à forma de vida, à cultura, determinantes na construção dos sentidos das narrativas. Como bem ressalta Fontanille, são os objetivos de uma investigação que definem os níveis de pertinência a serem considerados e o que deve ser integrado à análise textual, considerada então em sua textualidade.

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3 TEXTOS TELEVISUAIS: MODO DE FUNCIONAMENTO E ESTRUTURAÇÃO

A presente secção propõe-se a apresentar as especificidades do texto televisual a partir das contribuições de semioticistas que se dedicam mais especificamente ao estudo desse texto, tais como Fechine, Jost, Duarte e Castro. Os textos televisuais, como quaisquer outros, são frutos da relação contraída entre expressão e conteúdo. Mas eles se regem por uma gramática própria, fundada em regras que foram sendo constituídas ao longo desses quase setenta anos de existência, concernentes não só ao modo de funcionamento da televisão como a sua forma particular de estruturação e articulação das diferentes linguagens que convoca para sua expressão.

3.1 MODO DE FUNCIONAMENTO DA TELEVISÃO

Os textos televisuais são os produtos que a mídia televisão oferta ao mercado midiático e se submetem à forma de organização desse mercado. A televisão brasileira organiza-se, e faz-se reconhecer, a partir da adoção de um padrão na distribuição e exibição dos produtos que coloca no ar para consumo, os programas televisuais, com vistas à informação, entretenimento, educação e/ou promoção. O modo de funcionamento da televisão prevê o emprego de uma grade de programação fixa, definida por Fechine como “o arranjo e a sucessão contínua dos programas de televisão em meses, dias e horários fixos, com frequência e duração predeterminadas” (FECHINE, 2014, p.02). As emissoras adotam critérios de seleção, distribuição e combinação desses programas na organização da grade fixa de programação, buscando atender a distintas lógicas (econômica, cultural e social), de forma a corresponder às características e aspirações dos telespectadores disponíveis nas diferentes faixas horárias, garantindo com isso a audiência. Os produtos que veicula são, assim, direcionados ao gênero, idade, posição social, econômica, cultural e gostos e preferências do público a que se destinam, nos diferentes horários. Os tipos de produtos com que a televisão opera – telejornais, telenovelas, programas de auditório, séries e seriados, reportagens, etc. – são distribuídos na grade a partir do critério da serialidade, o que faz com que cada um dos programas comporte um certo número de emissões – capítulos, episódios, apresentações, edições –, que se apresentam como

27 fragmentos (partes), ou como segmentos (todos), componentes do texto maior, representado pelo próprio programa (DUARTE, 2012). Dessa forma, a serialidade diz respeito não só a um tipo de organização que é exterior ao programa, como incide fortemente sobre sua estruturação interna. A regularidade com que as emissões desses programas são exibidas obedece a dois eixos temporais: o horizontal, que dá conta do desenvolvimento sintagmático dos programas, ou seja, da sequencialidade e frequência (semanal, mensal, anual) de suas exibições, operando na programação enquanto periodicidade e reiteração; e o vertical, que corresponde à inserção da emissão de um programa no fluxo da grade diária de uma emissora, em um horário definido, precedido e sucedido por outros produtos (DUARTE, 2012). Segundo Duarte, a sintagmática horizontal, que compreende o conjunto de emissões constitutivas de um programa, pode manifestar-se: (a) sob a forma de capítulos – fragmentos de uma narrativa que só atinge o sentido completo quando da exibição de sua última emissão, como no caso das telenovelas; (b) sob a forma de episódios – narrativas com relativa autonomia do ponto de vista de sentido, com início, meio e fim, mas que contam, na maioria das vezes, com atores discursivos, cenários, contextos e/ou estrutura organizacional fixos, como no caso de seriados ficcionais exibidos semanalmente; (c) sob a forma de edições – narração de conteúdos de caráter factual, cuja referência são acontecimentos ocorridos, no intervalo de tempo compreendido entre uma emissão e outra, ou retomados, como no caso dos telejornais; (d) sob a forma de apresentações – narrativas cuja articulação obedece a lógicas sequenciais diversas, muitas delas exteriores à televisão, como no caso de jogos de futebol, espetáculos artísticos ou esportivos. O tempo total de duração de um programa no ar está ligado, de um lado, ao seu subgênero, e, de outro, à sua aceitação pela audiência: há programas que ficam em exibição durante anos, como é o caso dos telejornais e de alguns seriados. Outros, ainda, vão ao ar por temporadas, novas edições, reapresentações, etc. (DUARTE, 2012). Cabe lembrar, não obstante, que a seriação incide também na estruturação interna dos programas, interferindo diretamente na construção das diferentes emissões que o compõem, pois determina: (1) a frequência de sua exibição; (2) o tipo de relação sintagmática que suas emissões, fragmentos ou segmentos contraem entre si (de continuidade ou descontinuidade); e (3) a forma de estruturação narrativa das emissões que compõem o programa – de autonomia ou dependência –, umas em relação às outras. De maneira geral, a organização dos produtos televisuais e sua permanência na grade baseiam-se na temporalidade cotidiana e numa duração compartilhada das emissões pelos

28 telespectadores. Assim, a grade de programação, estruturada com base na reiteração e linearidade, conduz o telespectador ao hábito de assistir aos programas em determinados horários. Do ponto de vista econômico, essa caracterização dos telespectadores por faixas horárias, de certa forma, garante a sobrevivência das emissoras de televisão, cujo lucro depende de uma definição mais precisa do público que oferece ao mercado publicitário.

3.2 MODO DE ESTRUTURAÇÃO DOS TEXTOS TELEVISUAIS

Os produtos televisuais são textos complexos que convocam diferentes linguagens, sonoras e visuais, para a sua expressão, articulando configuração de atores, figurinos, expressão corporal, cenários, grafismos, legendas, além de recorrer ao verbal, musical, diferentes tipos de ruídos e, até mesmo, silêncios. Acontece que a operação com essas diferentes linguagens sonoras e visuais ocorre mediada por diferentes dispositivos técnicos/tecnológicos de produção, circulação e consumo dos produtos televisuais, que acabam por funcionar como linguagens que sobredeterminam as demais, visto que interferem no processo de realização dos textos televisuais ao imporem suas regras. Mas todas essas linguagens que concorrem à expressão do texto televisual carregam consigo um valor representativo: os fragmentos da realidade são captados através de câmeras de acordo com sua capacidade de confirmar a verdade narrativa, e, assim, somente seu potencial de semelhança é explorado: “o que a imagem nos mostra exclui os prestígios da dessemelhança e a retórica das exegeses” (RANCIÈRE, 2012, p.32). O potencial de semelhança com a realidade é a principal característica da imagem de regime representativo: há uma relação de dependência entre a representação e o empírico (RANCIÈRE, 2012). Para melhor compreender o estatuto desses dispositivos, basta lembrar os diferentes recursos disponibilizados pelos meios técnicos, tais como os enquadramentos, os movimentos de câmera, a iluminação, os efeitos de edição de imagem e som, entre outros, que são cuidadosamente articulados por seus realizadores – escritores, roteiristas, diretores, editores –, para melhor contar as narrativas. E a eles se acrescem, ainda, as técnicas advindas dos processos de pós-produção, tais como o ritmo de montagem, a justaposição de planos e, até mesmo, o tratamento de imagens (seleção de tonalidades, texturas e distorções), todas formas de expressão que corroboram na construção do texto televisual. Diferentemente do cinema, voltado prioritariamente a numerosos e atentos espectadores, a televisão endereça-se a uma só pessoa, sendo capaz de colocá-la em contato com os mais variados pontos do globo (JOST, 2007). A necessidade de estabelecimento de

29 uma conversação com esse telespectador, que provavelmente está em casa realizando outras atividades enquanto assiste à tevê, confere especificidades à maneira com que planos, enquadramentos, montagem e efeitos de edição são utilizados, incidindo em termos de linguagem televisual com vistas a tornar o conteúdo agradável e garantir o acompanhamento da programação mesmo por uma audiência distraída. Aumont considera o plano como a menor unidade de audiovisual; seus elementos constitutivos são de ordem plástica, tais como a luz, a cor, a perspectiva, o ponto de vista, o movimento, a proximidade da lente, entre vários outros. Já o enquadramento fornece informações sobre o foco dramático do plano, constituindo-se em uma janela visual, cuja estrutura mostra a imagem composta em sua plenitude, com todos os elementos cênicos, luz e sombra, formas, profundidade de campo, perspectiva, linhas, pontos, coloração e uma grande lista de outros elementos. Assim, plano e enquadramento operam conjuntamente, fornecendo informações sobre a posição da câmera em relação ao objeto/cenário.

Definem-se, classicamente, diversos “tamanhos” de plano, em geral com relação a vários enquadramentos possíveis de um personagem: plano geral, plano conjunto, plano médio, plano americano, plano aproximado, primeiro plano e close up (AUMONT, 2002, p.40).

A organização do visual comporta também a construção de uma perspectiva, ou seja, de um ponto de vista, um jeito de olhar que desvenda um mundo tridimensional, representando em si uma parcela das escolhas operadas pelo enunciador da narrativa. E a posição da câmera diz isso: uma câmera em perspectiva normal é aquela mantida na altura da pessoa; a câmera alta, ou plongeé, mostra a imagem de cima para baixo; e a câmera baixa, ou contra-plongeé, exibe a imagem de baixo para cima. A câmera pode assumir, ainda, o lugar de um personagem ou até mesmo do telespectador. Essa câmera subjetiva conta a história em primeira pessoa; já a câmera objetiva, que assume o lugar de um terceiro não participante da ação da cena, fala de uma história contada em terceira pessoa. Nesse percurso de estruturação do texto televisual, cabe à montagem reunir esses diferentes planos, enquadramentos e perspectivas em sequência, atribuindo-lhes um conteúdo que só ganha existência através e posteriormente a essa montagem. As técnicas empregadas nesse processo – o corte (aparente ou invisível); a fusão; a sobreposição de imagens combinada com os critérios da escolha de planos; as angulações; a distância e tamanho de enquadramento – dizem respeito à conformação do texto tanto do ponto de vista de seu

30 conteúdo, quanto de sua expressão, uma vez que conferem, além da continuidade espacial, geográfica e cênica, sentidos à narrativa. Dessa forma, os textos televisuais são construídos, do ponto de vista de sua expressão, a partir de seleções, operadas pela instância de produção/realização, sobre essas diferentes linguagens. Tais escolhas sobre planos, enquadramentos, perspectivas, etc., colocam os atores discursivos, convocados com intuito de conferir identidade aos sujeitos da narrativa, em determinado tempo e espaço, ambos construídos pelo televisual e distintos do tempo e espaço do mundo real. Isso porque, ao representar o espaço, a televisão só pode reproduzir alguns dos traços do real, sendo essa representação sempre icônica e menos complexa (AUMONT, 2002). Já o tempo, no texto televisual, pode burlar a noção de tempo real vivenciado por qualquer ser humano de forma cronológica, obedecendo a saltos, do futuro ao presente, do passado a um passado mais distante, ou simplesmente representar um instante. Dessa maneira, mesmo que as narrativas mantenham referência direta com o real, nunca serão mais que realidades discursivas. A montagem pode, muitas vezes, conferir uma dinâmica à narrativa bastante divergente do real, acelerando ou desacelerando ocorrências factuais. Para detectar essas distinções em televisão, é preciso aprimoramento, aprendizagem, atenção excessiva (JOST, 2004). As diferentes plataformas de exibição e suas potencialidades também acabam por interferir na construção dos textos televisuais, uma vez que operam através de diferentes velocidades, tamanhos de tela, recorrendo até mesmo a formas de produção e recepção tridimensional. Assim, os dispositivos técnicos atuam organizando a própria linguagem do televisual e interferindo, em função do tipo de aparelho em que esses textos são veiculados, no modo de interação com o telespectador, tendo em vista o espaço que essas imagens ocupam no dispositivo, o tempo de veiculação e aqueles que as imagens representam (AUMONT, 2002). Contudo, considerando que os conteúdos das imagens veiculadas pela televisão não são inequívocos, ela própria se encarrega em melhor definir o sentido daquilo que mostra, dizendo sobre o que é veiculado. Dispõe, para tanto, de diferentes profissionais para produzirem os enredos de ficção ou de factualidade, de modo a conferir significados mais precisos às imagens exibidas, impondo, assim, ao telespectador a perspectiva através da qual suas narrativas querem ser consumidas e reduzindo ao mínimo o espaço para a livre interpretação. Embora o modo de realização do texto televisual seja, por vezes, bastante semelhante ao de outros textos audiovisuais, cabe mais uma vez reiterar que essa realização, no caso dos

31 produtos televisuais, pauta-se pela gramática própria da televisão, estreitamente ligada ao modo de funcionamento dessa mídia. A televisão conta com uma programação contínua e ininterrupta, posto que está 24h/24h no ar; precisa de velocidade nessa produção de caráter industrial, em razão do que lança mão da repetição dos formatos que deram certo, revestindo- os com novas roupagens; caracteriza-se pelo consumo imediato de sua programação que ocorre simultaneamente à sua veiculação. E, como não dispõe de espaço para equívocos que signifiquem perdas econômicas ou de audiência, propõe inovações com bastante cuidado, preferindo sempre as variações sobre um mesmo tema. Trata-se de uma produção que visa ao lucro, no caso, representado pela aprovação dos telespectadores.

3.3 MODO DE CONFORMAÇÃO GENÉRICA

A televisão adota os enquadramentos de gênero como estratégia de comunicabilidade, ou seja, como uma promessa ao telespectador (JOST, 2004), com vistas a facilitar a pronta identificação do tipo de programa televisual com o qual ele vai interagir. Segundo Jost, o gênero televisual constitui-se “na promessa de uma relação com o mundo cujo modo ou grau de existência condiciona a adesão ou a participação do receptor” (JOST, 2004, p.33). Assim, para caracterizar um programa televisual do ponto de vista genérico, é necessário, segundo o autor, ter em mente o tipo de mundo que ele propõe ao telespectador. Jost propõe três mundos possíveis – o real, o ficcional e o lúdico: o mundo real corresponderia aos programas televisuais que prometem ao telespectador uma correspondência entre suas narrativas e o real; o mundo ficcional corresponderia aos produtos televisuais que fazem referência a um universo imaginário no qual objetos e ações são frutos da criação do autor, e cuja única exigência seria o respeito à regra “da coerência do universo criado com os postulados e as propriedades que o fundam” (JOST, 2004, p.37); e o mundo lúdico corresponderia aos produtos televisuais que mesclam real e ficção tal qual os reality shows (JOST, 2007). Porém, o próprio Jost faz uma ressalva quanto à inserção dos programas televisuais em classificações rígidas de mundo:

Os critérios de inserção dos programas diferem, segundo o mundo ao qual se faz referência, mas a comunicação televisual é um processo dinâmico e incerto: nenhuma emissão pode ser classificada como pertencendo seguramente a esse ou àquele mundo. A emissora faz proposições através do ato de denominação, e o telespectador, dando-se conta ou não, dela se apropria. (JOST, 2004, p.42)

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Segundo Duarte, o gênero televisual pode ser definido como:

[...] uma macroarticulação de categorias semânticas capazes de abrigar um conjunto amplo de produtos televisuais que partilham umas poucas categorias em comum. Os gêneros seriam modelizações virtuais, modelos de expectativa, constituindo-se em uma primeira mediação entre produção e recepção; referem-se ao tipo de realidade que um produto televisual constrói, ao tipo e forma de real a que está ligado e ao regime de crença que propõe ao telespectador (DUARTE, 2007, p.15).

Duarte e Castro acreditam que a televisão opere com diferentes percursos de acesso ao real, a partir dos quais constrói realidades discursivas ofertadas aos receptores, tais como a metarrealidade, a suprarrealidade, a pararrealidade e a plurirrealidade (DUARTE; CASTRO, 2014a, p.72-73):

- a metarrealidade trata-se de um tipo de realidade discursiva que toma como referência direta o mundo exterior e natural, constituindo-se nos produtos do gênero factual, e propondo como regime de crença a veridicção em relação aos fatos e acontecimentos do mundo exterior relatados;

- a suprarrealidade trata-se de um tipo de realidade discursiva que não tem compromisso direto com o mundo exterior, mas com a coerência interna do discurso que produz, constituindo-se nos produtos do gênero ficcional, e propondo como regime de crença a verossimilhança em relação às leis, convenções e regras próprias do universo criado;

- a pararrealidade trata-se de um tipo de realidade discursiva que toma como referência um mundo paralelo, construído no interior do próprio meio, para o qual estabelece regras de funcionamento, constituindo-se nos produtos do gênero simulacional, e propondo como regime de crença a hipervisibilização como equivalente à veridicção;

- a plurirrealidade trata-se de um tipo de realidade discursiva de caráter híbrido que pode tomar como referência simultaneamente o mundo real, ficcional e/ou paralelo, constituindo-se nos produtos do gênero promocional, e propondo como regime de crença também a veridicção/hipervisibilização, com vistas à divulgação de empresas, produtos, serviços, ideias, conceitos.

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Cabe ressaltar, porém, que muitas vezes os programas televisuais recorrem, em sua construção, a todos esses tipos de realidade discursiva, frequentemente embaralhando-os no interior de um mesmo programa: “a televisão dos reais recorre a meios ficcionalizantes, a televisão de ficção persegue operações realizantes” (DUARTE, 2007, p.15). É o que Jost denomina de aparência polimorfa dos gêneros:

Pelas necessidades da comunicação, um mesmo programa pode migrar de um gênero para outro. Se semelhante estratégia de mobilidade é possível, é certo que o produto audiovisual é, de fato, o resultante intermediário e provisório de dispositivos provindos de múltiplos gêneros, de sorte que cada programa é uma espécie de mistura instável de tudo o que o antecipou (JOST, 2004, p.66).

Na perspectiva de Duarte e Castro, os subgêneros e formatos são responsáveis pelos percursos de configuração dos gêneros, ou seja, pelos procedimentos de colocação em discurso, projetando sobre essas categorias genéricas formas que as estruturam, e permitem sua manifestação. Um subgênero diz, assim, muito mais sobre um produto televisual que o gênero, permitindo a pronta identificação por parte do telespectador. Dessa maneira, o subgênero, como estrutura geral, “pré-existe à realização efetiva de qualquer produto midiático, fazendo parte de um fundo de conhecimento comum que se constitui no conjunto de regularidades e expectativas que o definem como prática cultural e discursiva” (DUARTE; CASTRO, 2014a, p.73). Dessa forma, se o gênero é da ordem da virtualidade, o subgênero é da ordem da atualização, constituindo-se como um modelo de texto que se pauta pela obediência a um conjunto de regras. Mas, se subgênero tem a capacidade de agrupar diferentes produtos midiáticos, subsumindo uma pluralidade de programas, o formato, da ordem da realização, os diferencia. É o formato adotado que identifica verdadeiramente um programa televisual; ele se refere ao seu esquema específico de estruturação, à adoção reiterada de uma sequência de atos que se organizam a partir de determinados conteúdos, com vistas a obter uma representação de caráter unitário que o caracteriza enquanto programa televisual (DUARTE; CASTRO, 2014a). Em verdade, o formato é o processo pelo qual passa um produto televisual, desde sua concepção até a sua realização/manifestação, dotando-o de identidade. Na perspectiva do telespectador, as configurações de subgêneros e formatos começam a ganhar materialidade quando as próprias emissoras, ao oferecerem seus produtos na grade de programação, comprometem-se com uma série de atributos que neles devem estar contidos quando de sua oferta ao mercado televisivo. Essas promessas oferecem pistas sobre sua

34 inserção em determinando(s) subgênero(s) e apontam para seu próprio estatuto e função (DUARTE, 2007). Jost considera que, na televisão, esse modelo de promessa dá-se em dois tempos: no primeiro, a televisão tem o dever de definir as características constituintes de determinados programas; no segundo, o telespectador tem o dever de verificar se a promessa foi efetivada. “Para entender a relação que se dá com o telespectador, é necessário levar em conta tudo o que é exibido em torno e antes do programa, a fim de reconstruir seu contexto” (JOST, 2004, p.45).

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4 METODOLOGIA DE ANÁLISE

A presente etapa do trabalho, tomando como referência as formulações teóricas de inspiração semiótica já apresentadas, descreve o percurso metodológico adotado na seleção e análise das notícias, veiculadas nas edições dos telejornais da RGT, escolhidas para comporem o corpus da pesquisa. O percurso de análise opera uma adaptação das proposições metodológicas desenvolvidas por Castro (2007), Duarte (2010) e Duarte e Castro (2014a e 2014b), no âmbito do Grupo de Pesquisa Comunicação Televisual (ComTV), tendo em vista os objetivos e objeto de estudo da presente investigação. Vale lembrar que o propósito maior da pesquisa, como já se referiu, é a investigação de como se dá o processo de repetição das notícias, ou seja, as reconfigurações por que passam quando são reiteradas nos diferentes telejornais de uma mesma emissora de televisão. Dessa maneira, a investigação proposta dispõe-se a operar com três níveis de textualidade que se inter-relacionam e se complementam: aquele referente ao telejornal enquanto texto maior, contendo um número não delimitado de edições; aquele referente às edições que são os fragmentos de um dado telejornal, exibidos em dias e horários predefinidos; e aquele referente ao texto das notícias que são fragmentos de uma dada edição de um telejornal. O foco da pesquisa são os textos das notícias; já os outros dois níveis serão aqui recuperados porque lhes servem de entorno. Considerando, assim, o objetivo geral, formularam-se os seguintes objetivos específicos: (1) caracterização, do ponto de vista genérico, dos programas televisuais conhecidos pelo nome de telejornais, passando por seu histórico, forma de estruturação tradicional, alterações advindas das novas tecnologias, espaços de inserção na grade de programação das principais redes de emissoras abertas do país, com ênfase na programação da RGT; (2) investigação dos atributos pertinentes às notícias que fazem jus à repetição ao longo da programação da RGT; (3) identificação das características pertinentes às notícias que não reverberam entre os telejornais da RGT; (4) análise para, inter e intratextual das notícias selecionadas para comporem o corpus da pesquisa; (5) verificação das estratégias discursivas/expressivas empregadas na reconfiguração das notícias repetidas nos diferentes telejornais da RGT. Para dar conta desses objetivos, definiu-se, segundo critérios explicitados na sequência, um corpus que, tomando como referência 06 acontecimentos distintos, é composto

37 pelas diferentes notícias sobre eles veiculadas nas edições dos cinco telejornais diários, de abrangência nacional, da RGT – Hora 1 da Notícia (H1), Bom Dia Brasil (BDB), Jornal Hoje (JH), Jornal Nacional (JN), e Jornal da Globo (JG) – , durante o período de 05 dias. A escolha da RGT e de seus telejornais como objeto do presente estudo justifica-se pela importância desta empresa de comunicação no cenário midiático brasileiro. A RGT é líder em audiência no Brasil, sendo sintonizada em 40% das televisões ligadas no país (GRUPO GLOBO, 2017). Além disso, a emissora produz cerca de 3 mil horas de programação jornalística por ano, através dos seus telejornais, documentários, noticiários, transmissões ao vivo, etc. Já a escolha dos cinco telejornais da RGT – H1, BDB, JH, JN e JG – , selecionados para comporem o corpus, tem em comum o fato de serem exibidos em rede nacional, cabendo-lhes maior rigor na seleção dos acontecimentos noticiados, com vistas a corresponder aos interesses da maioria dos brasileiros.

4.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DAS NOTÍCIAS SUBMETIDAS À ANÁLISE

O corpus desta pesquisa foi definido a partir do mapeamento de todas as notícias veiculadas nas edições dos telejornais H1, BDB, JH, JN e JG, entre os dias 25.09.2017 a 29.09.2017 (de segunda asexta-feira), totalizando 25 edições de telejornais exibidas em cinco dias da mesma semana. A escolha deste período, de 25 a 29.09.2017, deu-se aleatoriamente, considerando que a prioridade da análise está, não em determinada edição específica de telejornal, mas na dinâmica representada pelas veiculações dessas edições sequencialmente, refletindo, dessa maneira, as rotinas de produção mantidas de um telejornal para o seguinte. Uma maior ou menor ocorrência de fatos/acontecimentos relevantes em nível nacional ou internacional, durante o período analisado, também pode interferir nas dinâmicas de produção dos textos das notícias. A partir desse mapeamento preliminar, definiram-se fatos/acontecimentos, apresentados em edições desses 5 telejornais e reconfigurados ao longo de 24 horas, respeitando o seguinte grupamento:

Grupo 01: aquele contendo as notícias sobre fatos/acontecimentos com veiculação única entre os telejornais da RGT, ou seja, que não foram reiterados nas demais edições; Grupo 02: aquele contendo as notícias sobre fatos/acontecimentos reiterados em todos os telejornais, ou seja, veiculados sequencialmente em, pelo menos, 05 edições dos telejornais da RGT;

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Grupo 03: aquele contendo as notícias sobre fatos/acontecimentos reiterados em alguns telejornais, ou seja, veiculados sequencialmente em 04 edições, ou menos, dos telejornais da RGT;

No âmbito desta pesquisa, esses diferentes ciclos de apresentação das notícias dizem respeito à cadeia sintagmática correspondente à veiculação das edições dos telejornais da RGT. Na sequência, a partir do grupamento das notícias pelos critérios antes descritos, selecionaram-se os 06 fatos/acontecimentos noticiados, no período já delimitado de 24 horas, nas edições dos telejornais da RGT, dispostos da seguinte maneira:

 02 fatos/acontecimentos, pertencentes ao Grupo 01, ou seja, noticiados apenas uma vez, na edição de um dos telejornais da RGT, e que não reverberaram nas demais;  02 fatos/acontecimentos, pertencentes ao Grupo 02, ou seja, noticiados e repetidos em sequência, em todas as edições dos telejornais da RGT durante 24 horas;  02 fatos/acontecimentos, pertencentes ao Grupo 03, ou seja, noticiados e repetidos em algumas edições dos telejornais da RGT durante o período de 24 horas.

Na presente pesquisa, optou-se pela categorização do fato/acontecimento principal, objeto das notícias veiculadas pelas edições dos telejornais selecionados. O motivo da adoção desta perspectiva é o entendimento de que as narrativas das notícias podem se desenvolver articulando mais de um fato/acontecimento, mas sempre giram em torno de uma ocorrência principal, motivadora dos demais desencadeamentos. A seleção dos fatos/acontecimentos que servem de referência às notícias que compõem o corpus da pesquisa atende ainda à diferenciação entre as coberturas jornalísticas da ordem da previsibilidade e as coberturas jornalísticas da ordem da imprevisibilidade. Berger e Tavares consideram que há um “tensionamento provocado pelo acontecimento frente às lógicas de produção jornalísticas existentes e formalizadas no cotidiano das práticas profissionais” (BERGER; TAVARES, 2010, p.131). Assim, a imprevisibilidade ou a previsibilidade dos acontecimentos influenciam o resultado da produção televisual. Segundo os autores, os acontecimentos imprevistos são desestabilizadores, possuem notoriedade acidental, como no caso de grandes acidentes, crimes hediondos, tragédias climáticas, etc. Já a cobertura de acontecimentos previsíveis é planejada, como no caso de grandes eventos, e até exigida por setores da sociedade (BERGER;TAVARES, 2010). Dessa forma, a seleção do corpus obedece ainda a divisão das notícias comportando:

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 03 fatos/acontecimentos da ordem da previsibilidade, um em cada grupo de reiteração já referido anteriormente;  03 fatos/acontecimentos da ordem da imprevisibilidade, um em cada grupo de reiteração já referido anteriormente.

Cabe ainda destacar que os quadros fixos que participam do formato adotado pelos telejornais, como aqueles específicos de notícias do futebol ou de previsão do tempo, não foram considerados na seleção dos temas a serem analisados por esta pesquisa. Isto se deve ao entendimento de que esses quadros predeterminados são regidos por lógicas diferentes daquelas referentes aos critérios de noticiabilidade. A veiculação obrigatória desses quadros nos telejornais, quer com o objetivo de garantir a manutenção do formato e da identidade do programa, quer com a finalidade de cumprir acordos comerciais, não entra, por seus atributos, na discussão da pauta dos telejornais, não havendo, portanto, a possibilidade de não serem veiculados pelos programas.

4.2 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE

O percurso metodológico adotado na análise das notícias fundamenta-se, como já se referiu, em princípios de uma semiótica discursiva de inspiração europeia, elegendo o texto, considerado em sua textualidade como o espaço material de manifestação das relações por ele contraídas: paratextualmente, com seu contexto comunicativo e enunciativo; intertextualmente, com outros textos com os quais ele mantém relações de caráter sintagmático e/ou paradigmático; e, intratextualmente, entre seus dois planos, expressão e conteúdo. Assim, o procedimento de análise das notícias, aqui definidas como narrativas independentes, embora façam parte do texto maior representado pela edição do telejornal, compreende cinco níveis de pertinência:

(a) o exame do texto das notícias em relação ao contexto comunicativo mais amplo, de caráter sociocultural, histórico e midiático que as enforma; (b) o exame do texto das notícias em relação ao contexto enunciativo que as enforma; (c) a análise dos textos de cada notícia em suas relações intertextuais, considerando sua dimensão paradigmática, em direção ao conjunto de textos que lhes serve de modelo;

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(d) a descrição intratextual dos textos das notícias, considerando as relações internas por eles contraídas entre os planos de expressão e conteúdo, com vistas a verificar, em particular, os temas e valores convocados; a configuração atribuída à notícia e ao público a que se destina; as lógicas e figuras empregadas na persuasão; as estratégias discursivas selecionadas e os mecanismos expressivos que as manifestam; as articulações existentes entre os textos da notícia em exame e os outros níveis de pertinência propostos para a análise; (e) a análise de cada um dos textos das notícias sobre um mesmo acontecimento em suas relações intertextuais, ou seja, em direção aos outros textos que o precedem e sucedem na cadeia sintagmática representada pelas diferentes edições dos telejornais da RGT com as quais contrai relação em seu processo de reconfiguração.

4.3 CORPO DE DEFINIÇÕES OPERACIONAIS

Os ensaios descritivos apontaram a necessidade de adoção de um corpo de definições operacionais com vistas a melhor determinar e padronizar o sentido conferido ao uso de alguns termos empregados na análise. São eles:

a) programas televisuais: textos ofertados pela mídia televisão ao mercado televisual, sob a forma de produtos, que tomam parte na grade fixa de programação de uma emissora, nela ocupando dias e horários fixos de apresentação. Muitos desses programas não possuem previsão definida de término, permanecendo na grade de programação enquanto houver audiência e/ou interesse por parte da emissora – esse é o caso dos telejornais; b) emissões: fragmentos dos programas televisuais apresentados, considerando a regularidade pré-estabelecida para sua veiculação, sob a forma de capítulos, episódios, apresentações, edições, etc.; c) edições: emissões regulares dos telejornais, com dias e horários fixos para sua exibição, previstos na grade de programação; d) blocos: fragmentos da edição de um telejornal para a abertura de intervalos publicitários e/ou promocionais; e) pauta: definição dos acontecimentos que serão tema das notícias apresentadas na edição de um telejornal, indicando entrevistados, imagens e forma de abordagem a ser conferida ao tema;

41 f) notícia: construção discursiva de caráter midiático que, tomando como referência um dado acontecimento, apresenta-se sob a forma de uma narrativa; g) suíte: reconfiguração de uma notícia já veiculada, comportando desdobramentos, novos acontecimentos que mantêm relação com o de origem, continuidades; h) cobertura jornalística: produção e veiculação continuada, por determinado período de tempo, de notícias sobre grandes eventos, sejam eles planejados, como os esportivos, ou não planejados, como as tragédias; i) nota pelada: configuração possível de apresentação da notícia na qual as informações são lidas ao vivo pelo âncora ou apresentador do telejornal, sem serem acompanhadas por imagens ilustrativas; j) nota coberta: configuração possível de apresentação da notícia na qual as informações são lidas em off pelo âncora ou apresentador do telejornal, acompanhadas da exibição de imagens ilustrativas gravadas e editadas; k) nota vivo: configuração possível de apresentação da notícia, na qual as informações são lidas ao vivo pelo âncora ou apresentador de telejornal acompanhadas de imagens ilustrativas gravadas e exibidas ao vivo; l) stand up: configuração possível de apresentação da notícia na qual o repórter aparece em gravação, informando, geralmente de forma resumida, sobre a ocorrência de um dado acontecimento; m) reportagem: configuração possível de apresentação da notícia, na qual as informações de caráter audiovisual são acompanhadas de narração em off do repórter, podendo conter entrevistas com fontes, e o boletim de passagem (chama- se passagem ou boletim de passagem quando o repórter, trazendo informações adicionais, geralmente do local do acontecimento, participa da reportagem); n) entrada ao vivo: configuração possível de apresentação da notícia, na qual o repórter, ao vivo e in loco, apresenta informações do acontecimento (muitas vezes ainda em curso), ao mesmo tempo em que se dá a emissão da edição do telejornal; o) sonoras: gravação de entrevistas com envolvidos, testemunhas ou especialistas sobre o tema da pauta, e que são inseridas no texto da notícia; p) fala povo: gravação de entrevistas aleatórias, com pessoas anônimas emitindo opiniões sobre o tema da pauta, e que são inseridas no texto da notícia; q) sobe som: recurso de edição da reportagem que valoriza o som do local próprio do acontecimento narrado;

42 r) cabeça: enunciado verbal, proferido pelo âncora ou apresentador do telejornal em estúdio, para introduzir reportagem, nota vivo, nota coberta ou entrada ao vivo; s) nota pé: enunciado verbal proferido pelo âncora ou apresentador do telejornal após a exibição de uma reportagem, nota vivo, nota coberta ou entrada ao vivo, com vistas a complementação do tema abordado; t) âncora: profissional participante do telejornal, encarregado de narrar, anunciar e comentar as notícias exibidas, além de interagir com repórteres, apresentadores e público; u) apresentador: profissional participante do telejornal, encarregado de narrar e anunciar as notícias exibidas em um quadro específico do programa; v) comentarista: profissional participante do telejornal, convocado para analisar acontecimentos sobre os quais possui algum tipo de especialização e/ou conhecimento técnico; w) repórter: profissional participante do telejornal, encarregado de trazer aos telespectadores, através de sua voz e imagem, as informações sobre os acontecimentos; x) correspondente internacional: profissional participante do telejornal, fixado em outro país, encarregado de realizar a cobertura jornalística dos acontecimentos da cidade, país e, muitas vezes, do continente inteiro; y) enviado especial: profissional participante do telejornal, enviado a outro país para a cobertura de eventos específicos (guerras, tragédias naturais, manifestações políticas, etc.), estando encarregado de realizar reportagens sobre o tema e, depois de um período, retornar à sede; z) ao vivo: transmissão de acontecimentos por um profissional presente no próprio local em que eles estão ocorrendo, ocorreram ou irão ocorrer; aa) em direto: transmissão, em tempo real, de acontecimentos gravados ao vivo; bb) edição: tratamento conferido ao material gravado nos locais dos acontecimentos antes de sua exibição; cc) arte: ilustração feita em computador para auxiliar na explicação do conteúdo da notícia veiculada, que pode assumir a forma de gráficos, tabelas e/ou animações.

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4.4 ETAPAS DE ANÁLISE

A análise dos textos das notícias selecionadas para comporem o corpus da investigação comporta seis etapas1: Etapa I: Esta etapa, de caráter paratextual, apresenta uma breve recuperação do contexto histórico e cultural que serve de entorno ao fato/acontecimento principal de cada um dos ciclos de notícias em análise, sendo realizada no início do exame de cada sequência de notícias reiteradas ou não; Etapa II: Esta etapa, de caráter paratextual, apresenta uma breve recuperação do contexto enunciativo das diferentes notícias que compõem cada um dos ciclos de reiteração em exame, sendo referente ao seu processo de produção/realização; Etapa III: Esta etapa, de caráter intertextual, apresenta a análise das edições dos telejornais e, em particular, das notícias em suas dimensões paradigmáticas, ou seja, em direção ao conjunto de textos que lhes servem de modelo; Etapa IV: Esta etapa, de caráter intradiscursivo, apresenta o exame dos textos das notícias em análise tanto do ponto de vista de suas relações com o texto maior nos quais se inserem, como do ponto de vista de suas relações internas, contraídas entre conteúdo e expressão, com ênfase em seus níveis discursivo e expressivo, descrevendo os procedimentos de manifestação de seus dispositivos de tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização, com ênfase nas estratégias empregadas para atualizarem seu processo persuasivo – argumentativo e/ou manipulatório (tentação, intimidação, sedução e provocação), bem como nas formas expressivas que os manifestam, com vistas a verificar como sustentam o processo de interpelação do telespectador; Etapa V: Esta etapa, de caráter intertextual, apresenta um exame das relações contraídas entre os textos das notícias de cada um dos ciclos em análise, do ponto de vista sintagmático, ou seja, de suas articulações com outros textos das notícias de um mesmo ciclo que os precedem e sucedem, com vistas a compreendê-los em seu processo de recuperação e/ou transposição; Etapa VI: Esta etapa apresenta uma comparação dos dados obtidos nas análises dos textos das notícias sobre um mesmo fato/acontecimento principal entre si e com as demais, na tentativa de caracterização das estratégias mais frequentemente empregadas, do ponto de vista de sua configuração discursiva e expressiva, com foco em seu processo de reconfiguração.

1 De acordo com DUARTE, Elizabeth Bastos; CASTRO, Maria Lília Dias de. Da teoria à aplicação: detalhamento metodológico (material didático). Porto Alegre: 2014.

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5 HISTÓRIA DO TELEJORNALISMO BRASILEIRO

A presente seção apresenta a contextualização do subgênero telejornal no âmbito da produção televisual brasileira, partindo de um breve histórico da televisão e do telejornalismo, com vistas a destacar o papel desempenhado pelos telejornais no cenário sociocultural do país e as alterações pelas quais esse subgênero vem passando devido ao desenvolvimento tecnológico. Por fim, apresenta um breve apanhado das principais emissoras de televisão no cenário nacional atual, com ênfase no espaço dedicado por elas aos telejornais e nas especificidades da grade de programação da RGT.

5.1 BREVE HISTÓRICO DO TELEJORNALISMO BRASILEIRO

A televisão chegou ao Brasil em 1950, por iniciativa do jornalista Assis Chateaubriand, e passou a ocupar lugar em um mercado até então dominado pelas emissoras de rádio. A TV Tupi-Difusora, instalada em precários estúdios paulistanos, inaugurou as transmissões recorrendo, inicialmente, à estrutura, aos tipos de programas e programação, bem como, aos profissionais, técnicos e artistas, provenientes do rádio (MATTOS, 1990). À época, foram trazidos para o Brasil 200 aparelhos de televisão, muitos deles instalados, a pedido de Chateaubriand, em locais públicos para que a audiência pudesse entrar em contato com a nova mídia.

Como o preço dos aparelhos era muito elevado, as emissoras contavam com poucos telespectadores – somente aqueles que tinham condições para adquiri-los. Mas, à medida que os preços dos aparelhos foram barateando, a televisão começou a contar com um público telespectador bastante significativo: quarenta anos depois de seu surgimento no país, o número de televisores vendidos já ultrapassava os 30 milhões (MATTOS, 1990). As emissoras que começaram a funcionar no Brasil eram empresas privadas e, por isso, a televisão instituiu-se também enquanto um importante espaço publicitário, pois esses canais abertos passaram a comercializar a venda de espaços intervalares com vistas à veiculação de publicidades, cujo valor comercial era proporcional à audiência por elas obtida em determinado horário. Esse modelo de operação, baseado na lógica comercial e importado dos Estados Unidos, foi essencial para o desenvolvimento da televisão no país, uma vez que

45 ela se tornou um negócio de sucesso, oferecendo ao mercado produtos de qualidade, capazes de despertar o interesse e conquistar o telespectador e, consequentemente, os investidores. Desde a estreia da televisão no Brasil, em 1950, os telejornais fazem parte da grade de programação da maioria das emissoras de canal aberto, e, atualmente, já existem canais fechados totalmente direcionados à veiculação de notícias. Mas, quando esses programas informativos começaram a ser exibidos, os profissionais sabiam muito pouco sobre a produção de notícias para a televisão, visto que seu conhecimento advinha da ampla experiência com o jornalismo radiofônico: locutores com vozes vibrantes simplesmente liam notícias, expondo sua imagem em frente às câmeras. O jornalismo em rede nacional (e até internacional), como o praticado nos moldes atuais, sequer existia. A deficiência técnica tornava a transmissão ao vivo, em estúdio, a alternativa mais simples e econômica; a subordinação dos programas aos patrocinadores era explícita até mesmo no nome dos telejornais, como é o caso do mais reconhecido da época, o Repórter Esso. Dentre as características dos telejornais brasileiros, na primeira década, podem-se ressaltar: a herança radiofônica; a subordinação total dos programas aos interesses e estratégias dos patrocinadores2; e o suporte jornalístico de agências de notícias, como a norte- americana UPI – United Press Internacional (REZENDE, 2010), possibilitando a utilização de imagens para ilustrar as notícias. No entanto, como os telejornais eram produzidos de forma bastante precária, fundamentados na oralidade e na pouca visualização, e a revelação e montagem de filmes atrasava a transmissão de imagens em até doze horas em relação ao horário dos acontecimentos, o rádio sempre superava a televisão em termos de instantaneidade (REZENDE, 2000). O sonho da televisão exibida em cadeia nacional só se tornou realidade quase 20 anos depois da estreia dessa mídia no Brasil. A modernização das emissoras foi motivada pelo financiamento estatal promovido pelo governo militar e, também, pela entrada de capital externo, isso entre os anos de 1964 e 1975. Claro que os recursos públicos foram liberados à custa do controle dos conteúdos dos programas televisuais pelos militares. O desenvolvimento técnico das emissoras de televisão também avançou estimulado pela importação de tecnologia e pela estruturação de um esquema empresarial/industrial que absorvia os padrões bem sucedidos de administração e de produção de programas norte-americanos. A RGT, inaugurada em 1965, desponta na liderança de audiência nessa época, amparada financeira e tecnicamente pela americana Time/Life. A ocupação definitiva do

2 Dentre os telejornais que levaram no nome os patrocinadores estão ainda Telejornal Bendix, Reportagem Ducal e Telejornal Pirelli (MATTOS, 2010).

46 posto de mais importante emissora de televisão brasileira consolidou-se através da transmissão em micro-ondas, o que possibilitou a criação de uma rede de exibição de conteúdos nacionais, e, além disso, através da viabilidade de exibição de imagens em cores, um marco desse período. O lançamento do Jornal Nacional, em 1º de setembro de 1969, iniciou também, através das ligações por micro-ondas e das transmissões via satélite, a formação de uma rede que passou a integrar, em um primeiro momento, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Brasília. A primeira edição do Jornal Nacional foi transmitida ao vivo para essas seis capitais do país, tornando-se “a primeira experiência jornalística na televisão brasileira que conseguiu unir instantaneamente diferentes regiões do Brasil” (SQUIRRA, 1993, p.108). Assim, um grande aparato técnico importado pela RGT dos Estados Unidos deu amparo à pretensão do Jornal Nacional de apresentar o resumo dos acontecimentos do dia que interessariam a todos os brasileiros. Graças à aquisição de equipamentos de última geração e à assistência técnica oferecida pela agência americana Time-Life, a ampliação da audiência para níveis nacionais foi possível. Mas, como esse convênio entre Brasil e Estados Unidos só pôde ser realizado pela RGT, já que a Constituição Brasileira proibia a participação de capital estrangeiro em empresas nacionais de comunicação, as demais emissoras acabaram impedidas de realizar associações semelhantes, devido à burocracia. Outra pressão exercida pelo governo militar tem relação com a produção de conteúdos nacionais que substituíssem os enlatados americanos. Em termos técnicos, os programas de televisão passaram a apresentar alta sofisticação, o que correspondia ao que o governo dos militares desejava: “uma televisão bonita e colorida” (MATTOS, 2010, p.110). Essa qualidade técnica de produção também foi aplicada aos telejornais. Nessa época, a RGT criou o Padrão Globo de Qualidade, uma meta inspirada pela TV norte-americana, que levou a emissora a fazer televisão usando toda a sua força, ou seja, explorando todo o potencial das imagens, criando, para isso, manuais e investindo na formação de profissionais – âncoras, repórteres, correspondentes e comentaristas –, todos jovens e bem apresentados, que imprimiam um tom de seriedade e sobriedade às notícias, além de articularem sua fala com imagens e entrevistas (PRADO, 1996). Entre as principais alterações introduzidas no telejornalismo brasileiro, nesse período, está o estilo de apresentação visual requintado e frio, pretensamente objetivo, a extensão dos assuntos abrangidos, com a instalação de escritórios no exterior, a veiculação de entrevistas gravadas, a padronização do texto e a valorização do papel do repórter (SQUIRRA, 1993).

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Porém, a integração nacional, idealizada pelo governo militar e executada via redes de televisão, provocou um prejuízo irreparável às emissoras regionais, que, por questões mercadológicas, abandonaram as produções locais e transformaram as suas emissoras em retransmissoras, fazendo com que o ponto de vista paulista e carioca se sobrepusesse ao das demais regiões do país. O ano de 1978 marcou o fim da censura prévia dos noticiários e de outros programas de televisão, o que proporcionou a introdução lenta de um tom mais crítico nos telejornais, principalmente os de final de noite. O período de transição política, entre os anos de 1985 e 1990, com a realização de eleições diretas e de alterações provenientes da Constituição de 1988, trouxe um novo cenário às emissoras de televisão. A carta magna passou a contar com um texto especificamente direcionado à Comunicação Social, garantindo a livre manifestação do pensamento e vedando a censura. No que concerne aos conteúdos exibidos pelas emissoras, ficou definido que os programas televisuais deveriam desempenhar as funções educativa, artística, cultural e informativa, visando, com isso, à promoção da cultura nacional e regional. Nesse período, estabeleceu-se uma grande competitividade entre as redes televisivas, com um contínuo desenvolvimento em direção ao mercado internacional, liderado pela RGT, que obteve elevados lucros com a exportação de telenovelas (MATTOS, 2010). Pela primeira vez, os brasileiros puderam acompanhar a campanha eleitoral através da veiculação de programas realizados pelos partidos políticos e exibidos no horário gratuito, bem como os debates entre os candidatos, que atingiram altos índices de audiência, influindo decisivamente nos resultados (MATTOS, 2010). Os anos de 1980 representam o período de padronização da programação televisiva em todo o país e a solidificação do conceito de rede de televisão (MATTOS, 2010), com quatro emissoras operando em escala nacional – Bandeirantes, RGT, Manchete e SBT –, e uma rede estatal – a TV Cultura. Contudo, no telejornalismo brasileiro, o papel dos apresentadores dos telejornais começou a mudar nessa década. Não há conformidade entre os pesquisadores sobre a primeira experiência de ancoragem na televisão nacional, mas Boris Casoy goza de reconhecimento como principal representante do papel de âncora no cenário brasileiro. Enquanto o dirigente do SBT, Sílvio Santos, dizia preferir um jornalismo “descomprometido com a informação e a crítica” (REZENDE, 2010, p.68), os telejornais da emissora fracassavam. Essa situação só mudou em 1988, com a chegada ao SBT de Boris Casoy, ocupando a função de âncora de um novo noticiário: TJ Brasil. O SBT alterou a direção de jornalismo e passou a investir também na reformulação do visual, através da adoção de novas vinhetas e da modernização tecnológica.

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Boris Casoy chegou à televisão com uma história consagrada no jornalismo impresso, no qual havia alcançado o topo da carreira como editor-chefe do jornal Folha de São Paulo. No telejornal, Casoy centralizou as decisões editoriais, acompanhando o processo de produção das notícias, e adotando uma postura diferente de outros apresentadores: além de ler as notícias e conduzir o noticiário, ele passou a fazer entrevistas e emitir comentários pessoais sobre os fatos noticiados (REZENDE, 2000). O programa teve rápida ascensão na escala do Ibope e o TJ Brasil transformou-se no segundo produto do SBT, perdendo em investimento publicitário apenas para o programa do Sílvio Santos. Outras emissoras também aderiram ao padrão de ancoragem: a TV Cultura de São Paulo estreou o Jornal da Cultura com Carlos Nascimento; o Jornal da Bandeirantes tinha como âncora Marília Gabriela; e o Jornal Nacional também apresentou novidades, como a participação de analistas contextualizando e explicando notícias políticas e econômicas (REZENDE, 2010). Contudo, diante do sucesso do TJ Brasil, a direção de jornalismo da RGT passou a defender, como uma forma de combate ao modelo de ancoragem de Boris Casoy, o paradigma de um novo âncora, fora do estúdio, presente nos locais onde a notícia acontecia. O esforço da RGT parecia ter o intuito de desqualificar o modelo do TJ Brasil, já que não fazia parte dos planos da emissora conferir tanto poder a um único jornalista (SQUIRRA, 1993). Essa alteração pôde ser percebida principalmente na cobertura da Guerra do Golfo em que a RGT entrou ao vivo de diversas capitais do oriente com a participação do então repórter Pedro Bial. Entre os anos de 1990 e 2000, a televisão brasileira abriu-se em direção à modernidade e competição internacional. A partir da importação de moldes americanos, as emissoras brasileiras passaram a vislumbrar as bases de uma televisão por assinatura, via cabo ou satélite, e a fazer projeções a respeito da televisão em alta definição (MATTOS, 2010). Nesse período, a lei que regulamenta o serviço de TV a cabo no Brasil foi aprovada, surgindo como uma das mais democráticas e avançadas do mundo, e, ao mesmo tempo, contando com diversos itens que nunca saíram do papel. Nessa fase, o investimento em infraestrutura aumentou: a RGT inaugurou, no Rio de Janeiro, o Projac, o maior centro de produção televisual da América Latina; e o SBT apresentou o Complexo Anhanguera, construído em São Paulo. A partir da regulamentação do serviço de TV a cabo, canais dedicados exclusivamente à exibição de notícias foram criados. A expectativa era de que, até o final da década, a importância e influência da tevê convencional (aberta) diminuiriam com a diluição da audiência pela TV por assinatura (MATTOS, 2010). O primeiro canal fechado com conteúdo

49 exclusivamente informativo a estrear no Brasil foi a Globo News, em 1996. Com o início das transmissões do novo canal, o Jornal Nacional perdeu 23 pontos no Ibope, passando dos 60 para 37 (REZENDE, 2010). A programação do canal supria as limitações da televisão aberta, aprofundando os assuntos e trazendo informações ao longo de 24 horas de programação diária. Isso só foi possível através da adoção de um formato que valorizava longas entradas ao vivo de repórteres, comentaristas e correspondentes, e, do reaproveitamento de parte da programação jornalística da RGT.

A reapresentação de programas jornalísticos da TV Globo – Bom dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional, Fantástico, Globo Repórter – ocupava, nos primeiros meses de funcionamento, cerca de 30% do total da programação (da Globo News). O tempo restante cabia a produções próprias realizadas por um grupo de 166 profissionais (REZENDE, 2000, p.138).

Quem também ingressou no mercado de telejornalismo segmentado foi a TV Bandeirantes que lançou, em 2001, a Band News, canal com um formato original e recursos digitais sofisticados na elaboração e transmissão das informações (REZENDE, 2010). Em 2007, a TV Record estreou seu canal de notícias, o Record News, com o diferencial de ser o primeiro canal exclusivamente informativo com sinal aberto no país. A inserção de canais informativos fechados no Brasil provocou alterações no telejornalismo praticado pela tevê aberta com vistas a enfrentar a nova concorrência: matérias mais longas, com esclarecimentos, serviços públicos, defesa do consumidor, densidade e crítica (REZENDE, 2000). O desenvolvimento tecnológico do início do novo milênio, entre os anos 2000 e 2010, apontava para a convergência entre televisão e internet, o que se confirmou com o surgimento da Web TV, definida como um aparelho de televisão que veicula imagens, sons e internet na mesma tela, acrescida de possibilidades para a gravação dos programas, a busca por informações complementares e a compra de produtos no momento de sua exibição. Outro marco desse período é a inauguração da TV Digital e a definição do calendário para sua implantação em todo o território nacional até 2018. O padrão de TV Digital adotado no Brasil foi similar ao utilizado no Japão e dá condições para que a televisão aberta possa ser recebida via computadores, minitelevisores móveis, e telefones celulares. A transição de tecnologia fez com que a produção televisual, por parte dos conglomerados de mídia, migrasse para o HDTV (high definition television), oportunizando uma qualidade de imagem muito superior à produzida anteriormente.

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Esse avançado desenvolvimento tecnológico segue modificando a vida das pessoas. A internet foi apropriada por todas as mídias – impressa, radiofônica, cinematográfica e também televisiva – como uma extensão, e os produtos audiovisuais, incluindo os telejornais, são cada vez mais consumidos em diferentes plataformas. A principal iniciativa da RGT nessa direção, a plataforma Globo Play, proporcionou o acesso aos telejornais mediante realização de um cadastro e sem a necessidade de assinatura. A plataforma atende a um usuário diferenciado, que deseja consumir os telejornais fora da grade de programação. Enquanto a televisão migra para celulares, tablets e computadores, as mudanças nos recursos de linguagem dos telejornais caminham em direção à informalidade dos âncoras, apresentadores e repórteres, uma tentativa de maior aproximação com o telespectador. Quanto à estrutura, o Jornal Nacional que, já era produzido e exibido em alta definição desde 2013, mais uma vez foi precursor de mudanças. Em 2015, apresentou aos telespectadores uma reformulação do cenário, com maior aparato tecnológico, uma bancada moderna, espaço amplo e claro para a movimentação dos apresentadores, além da utilização de uma grande tela para exibição de repórteres em um tamanho próximo ao real. Já em 2017, realizou uma nova mudança no cenário que permitiu a utilização de recursos gráficos em 3D, tornando ainda mais tecnológica a linguagem do noticiário. A redação passou a contar, no mesmo espaço, com jornalistas da televisão e do portal de notícias G1. O conceito do JN em direção à informalidade foi rapidamente adotado pelos demais telejornais da RGT e também por alguns de seus concorrentes. Nessa segunda década do novo milênio, as emissoras de televisão brasileiras encontram-se organizadas predominantemente em redes, contendo filiais, afiliadas, e retransmissoras, estrutura que permite a ampliação de suas áreas de atuação, abrangendo, assim, um maior número de telespectadores e concentrando esforços, através da unificação das grades de programação. Dentre os canais com sinal aberto em atividade no país, estão emissoras como Ideal TV, RBI TV, Canção Nova, Aparecida, CNT, Record News, Rede Brasil e RIT. As empresas que detêm a maior audiência, de acordo com pesquisas do Ibope, são RGT, Band, Record, SBT e Rede TV!. Os produtos televisuais mais ofertados por essas cinco emissoras são os telejornais, as telenovelas, os programas de auditório, de humor, reality shows, filmes e seriados.

5.2 PRINCIPAIS EMISSORAS BRASILEIRAS: ESPAÇO DEDICADO AOS TELEJORNAIS

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Os primeiros anos de funcionamento da televisão no Brasil caracterizaram-se por uma enorme audiência, obtida por canais como o da RGT, havendo, em algumas emissões, atingido quase a totalidade dos domicílios equipados com aparelhos televisores. O surgimento de novas mídias segmentou o público, mas, ainda assim, a televisão continua sendo o veículo de comunicação preferencial para a maioria da população. Segundo Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada em 20163, 63% dos brasileiros utilizam prioritariamente a televisão como meio de informação sobre acontecimentos no país, e 77% assistem aos produtos televisuais todos os dias. As emissoras de canal aberto mais mencionadas pelos entrevistados são RGT, SBT, Record e Band, sendo que 56% dos consultados disseram preferir a programação da RGT. A produção/veiculação de informações sobre os fatos do mundo continua sendo uma das principais funções da televisão, o que se reflete nos índices de confiança dos telespectadores nos produtos televisuais pertencentes ao gênero factual. Em 2016, segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia, 28% dos brasileiros disseram confiar sempre nas notícias veiculadas pela televisão; 26% muitas vezes; 38% poucas vezes; e 8% nunca confiaram. Na disputa entre a televisão e os sites de notícias na internet, a tevê manteve vantagem no quesito credibilidade: apenas 6% dos entrevistados disseram confiar sempre em notícias publicadas em sites, como mostra a tabela:

Tabela 1 – Confiabilidade da televisão

Fonte: Pesquisa Brasileira de Mídia 2016

Apesar da ameaça advinda das novas tecnologias, a televisão continua, assim, sendo o meio de informação e entretenimento mais utilizado no país. A frequência com que a maioria

3 Disponível em http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de- contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2016.pdf/view>.

52 dos telespectadores assiste à programação é diária, com tempo médio de consumo de três horas por dia. Em 2016, segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia, o tempo médio que as pessoas passaram em frente à televisão aumentou em 16 minutos. As emissoras de TV abertas continuam sendo as mais assistidas e o ranking é liderado pela RGT. A partir desses resultados, é possível afirmar que a televisão ainda representa, para uma parte significativa da população, a única fonte de informação, de agendamento de assuntos em debate na sociedade. A sobrevivência dessa mídia, em um mercado cada vez mais segmentado e concorrido, justifica-se pela facilidade de acesso, baixo custo para o telespectador, e diversidade de conteúdos exibidos. De forma geral, as redes de televisão brasileiras dedicam importante espaço em suas grades de programação ao telejornalismo. Os enfoques conferidos às notícias variam de acordo com o perfil de cada empresa e do público ao qual o programa se destina, indo do policialesco ao econômico e cultural. Esses produtos televisuais são distribuídos serialmente de maneira similar entre os canais. Na sequência, apresenta-se um panorama da grade de programação e do espaço destinado aos telejornais nas cinco principais emissoras de televisão brasileiras.

5.2.1 Sistema Brasileiro de Televisão – SBT

A grade de programação do SBT4 apresenta uma estrutura geral regular, com variações nas regiões onde estão situadas suas afiliadas. Em geral, sua programação comporta, prioritariamente, programas de auditório, telejornais e telenovelas. Ao longo da semana, a emissora dedica aproximadamente 50 horas da programação ao telejornalismo. De segunda a sexta-feira são veiculados, diariamente, sete telejornais, um deles dedicado exclusivamente a notícias de tematização esportiva. São eles: Primeiro Impacto, das 6h às 8h30; SBT Rio Grande, das 11h40 às 12h20, faixa horária destinada a telejornais regionais; SBT Esporte, das 12h20 às 12h40; SBT Rio Grande – 2ª edição, das 19h20 às 19h45, faixa horária destinada a telejornais regionais; SBT Brasil, das 19h45 às 20h30; e SBT Notícias Madrugada, das 2h às 6h. Aos sábados, o canal mantém na grade de programação três telejornais: Jornal da Semana, das 6h às 7h; SBT Brasil, das 19h45 às 20h30; e SBT Notícias Madrugada, das 1h30 às 5h50. Aos domingos o SBT exibe, das 6h às 7h30, o SBT Notícias da Manhã.

4 Disponível em: http://www.sbt.com.br/programacao/>.

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5.2.2 Band

A grade de programação da Band5 apresenta uma estrutura geral regular, com variações nas regiões onde estão situadas suas afiliadas. Em geral, sua grade de programação comporta, prioritariamente, programas de tematização esportiva, sendo eles, telejornais, entrevistas ou transmissões de jogos. Além disso, a emissora veicula também seriados, telenovelas, programas de auditório e telejornais. Ao longo da semana, a emissora dedica aproximadamente 54 horas da programação ao telejornalismo. De segunda a sexta-feira são veiculados, diariamente, oito telejornais. São eles: Jornal Band News, das 6h às 7h30; Café com Jornal, das 7h30 às 8h, faixa horária destinada a telejornais regionais; Café com Jornal – Edição Brasil, das 8h às 9h10; Jogo Aberto, das 11h às 12h30, dedicado ao noticiário sobre futebol; Brasil Urgente, das 16h às 18h50; Band Cidade, das 18h50 às 19h20, faixa horária destinada a telejornais regionais; Jornal da Band, das 19h20 às 20h25; e o Jornal da Noite, das 00h15 às 01h. Aos sábados, o canal mantém na grade de programação dois telejornais: Brasil Urgente, das 16h às 18h50; e Jornal da Band, das 19h20 às 20h25. Aos domingos a Band não exibe telejornais.

5.2.3 Record

A grade de programação da Record6 apresenta uma estrutura geral regular, com variações nas regiões onde estão situadas suas afiliadas. Em geral, sua programação comporta, prioritariamente, um grande número de programas religiosos, tematização que perpassa inclusive a produção ficcional da emissora. O canal veicula, ainda, programas de auditório, telenovelas, telejornais, filmes e seriados. Ao longo da semana, a emissora dedica aproximadamente 60 horas da programação ao telejornalismo. De segunda a sexta-feira, são veiculados seis telejornais nacionais e regionais. São eles: Balanço Geral Manhã, das 6h às 7h30; SP no Ar, das 7h30 às 8h55, faixa horária destinada a telejornais regionais; Fala Brasil, das 8h55 às 10h; Balanço Geral, das 12h às 15h; Cidade Alerta, das 16h55 às 19h40; e Jornal da Record, das 21h45 às 22h30. Aos sábados, o canal mantém na grade de

5 Disponível em: http://www.band.uol.com.br/tv/programacao.asp>. 6 Disponível em: http://recordtv.r7.com/programacao/>.

54 programação quatro telejornais: Fala Brasil Especial, das 7h às 10h15; Esporte Fantástico, das 10h15 às 12h; Cidade Alerta Especial, das 18h15 às 19h45; e Jornal da Record Especial, das 19h45 às 20h30. Aos domingos, a Record não exibe telejornais, mas inclui na grade o programa do gênero factual Domingo Espetacular, das 19h30 às 23h, intitulado pela emissora como revista eletrônica, além do programa Câmera Record, das 23h às 2h, também do gênero factual e em formato de documentário.

5.2.4 Rede TV!

A grade de programação da Rede TV! 7 apresenta uma estrutura geral regular, com variações nas regiões onde estão situadas suas afiliadas. Em geral, sua programação comporta, prioritariamente, programas de auditório e produtos televisuais de tematização religiosa. Ao longo da semana, a emissora dedica aproximadamente 13 horas da programação ao telejornalismo, caracterizando-se como o canal, dentre os cinco mais assistidos, que dedica o menor espaço a esse subgênero televisual. De segunda a sexta-feira são veiculados, diariamente, dois telejornais. São eles: Rede TV News, das 19h30 às 20h30; e Leitura Dinâmica, das 0h45 às 1h15. Aos sábados, o canal mantém na grade de programação um telejornal: Rede TV News, das 21h30 às 22h. Aos domingos a Rede TV! não exibe telejornais.

5.2.5 Rede Globo de Televisão (RGT)

A grade de programação da RGT8 apresenta uma estrutura geral regular, com variações nas regiões onde estão situadas suas afiliadas. Em geral, sua programação comporta, prioritariamente, telenovelas, telejornais, programas de auditório, programas de humor, reality shows, séries, seriados, além dos produtos televisuais com tematização esportiva. Ao longo da semana, a emissora dedica aproximadamente 50 horas da programação ao telejornalismo. De segunda a sexta-feira são veiculados, diariamente, nove telejornais. São eles: Hora 1 da Notícia (H1), das 5h às 6h; Bom Dia Local, das 6h às 7h30, faixa horária destinada a telejornais regionais; Bom Dia Brasil (BDB), das 7h30 às 9h; Praça TV – 1ª Edição, das 12h às 12h50, faixa horária destinada a telejornais regionais; Globo Esporte, das 12h50 às 13h20; Jornal Hoje (JH), das 13h20 às 14h; Praça TV – 2ª Edição, das 19h às 19h20, faixa horária destinada a telejornais regionais; Jornal Nacional (JN), das 20h30 às 21h15; e Jornal da

7 Disponível em: http://www.redetv.uol.com.br/programacao>. 8 Disponível em http://redeglobo.globo.com/programacao.html#20170731575455>.

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Globo (JG), com horário de exibição variável, sempre próximo à meia-noite. Aos sábados, o canal mantém na grade de programação cinco telejornais: Praça TV – 1ª Edição, das 12h às 12h50, faixa horária destinada a telejornais regionais; Globo Esporte, das 12h50 às 13h20; Jornal Hoje, das 13h20 às 14h; Praça TV – 2ª Edição, das 19h às 19h20, faixa horária destinada a telejornais regionais; e Jornal Nacional, das 20h30 às 21h15. Aos domingos, a RGT não exibe telejornais, mas inclui na grade o Globo Rural, das 7h30 às 8h30, o Esporte Espetacular, das 9h às 13h, e o Fantástico, das 21h às 23h, sendo eles programas no gênero factual. A RGT distribui seus produtos televisuais na grade de programação de acordo com três grandes eixos definidos pela emissora: o entretenimento, constituído por novelas, minisséries, seriados, humor, auditório, variedades, infanto-juvenis, musicais, reality shows e especiais; o jornalismo, constituído por telejornais, além de programas e coberturas; e o esporte, composto também por telejornais, além de coberturas e transmissões de eventos esportivos (MEMÓRIA GLOBO, 2017). A emissora reserva espaço para todos os gêneros televisuais: o ficcional, a que correspondem três telenovelas inéditas, uma reprise de telenovela, o seriado juvenil Malhação, programas de humor, seriados, minisséries, filmes, etc.; o simulacional, do qual fazem parte os reality shows, como Big Brother Brasil, The Voice Brasil e The Voice Kids; a (auto)promocionalidade, a que correspondem programas como Vídeo Show, chamadas de programas, publicidades, marketing social e merchandisings de toda a espécie; e o factual, a que correspondem subgêneros como os telejornais, anteriormente citados, e ainda produtos televisuais como Pequenas Empresas Grandes Negócios, sobre empreendedorismo, Globo Mar, com curiosidades sobre espécies marítimas e trabalhadores do mar, Bem-Estar, sobre saúde e qualidade de vida, Como Será?, sobre cidadania e boas iniciativas, e Planeta Extremo, com apresentação de lugares em condições naturais excepcionais. Há ainda os produtos, tais como os programas de auditório, que misturam diferentes gêneros e subgêneros televisuais. Ao longo do ano, a grade de programação da RGT sofre alterações, mas os horários dos programas tradicionais, como as telenovelas, os telejornais, e alguns programas de auditório, são fixos. Na primeira semana de setembro de 2017, os produtos televisuais da RGT estavam distribuídos nas faixas horárias conforme demonstra, na sequência, a tabela.

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Tabela 2 – Grade de Programação da Rede Globo de Televisão / Setembro de 2017

Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira Sábado Domingo

05:00 Hora 1 Hora 1 Hora 1 Hora 1 Hora 1 05:00 Corujão 05:30 Santa Missa Globo 06:00 Bom Dia Bom Dia Bom Dia Bom Dia Bom Dia 06:00 Via Brasil 06:30 Comunidade 07:30 Bom Dia Brasil Bom Dia Brasil Bom Dia Brasil Bom Dia Brasil Bom Dia Brasil 07:00 Como Será 07:00 PEGN 09:00 Mais Você Mais Você Mais Você Mais Você Mais Você 9:00 É de Casa 07:30 Globo Rural 10:00 Bem Estar Bem Estar Bem Estar Bem Estar Bem Estar É de Casa 08:30 Auto Esporte Esporte 11:00 Encontro Encontro Encontro Encontro Encontro É de Casa 09:00 Espetacular Esporte 12:00 Praça TV – 01 Praça TV – 01 Praça TV – 01 Praça TV – 01 Praça TV – 01 12:00 Praça TV Espetacular 12:50 Globo Esporte Globo Esporte Globo Esporte Globo Esporte Globo Esporte 12:50 Globo Esporte 13:00 Os trapalhões 13:20 Jornal Hoje Jornal Hoje Jornal Hoje Jornal Hoje Jornal Hoje 13:20 Jornal Hoje Os trapalhões Temperatura 14:00 Vídeo Show Vídeo Show Vídeo Show Vídeo Show Vídeo Show 14:00 Sessão Comédia 14:15 Máxima Temperatura 15:00 Sessão da tarde Sessão da tarde Sessão da tarde Sessão da tarde Sessão da tarde 14:45 Estrelas Máxima Vale a pena ver de Vale a pena ver de Vale a pena ver de Vale a pena ver de Vale a pena ver de 16:00 15:45 Caldeirão do Huck 16:00 Futebol novo novo novo novo novo 17:45 Malhação Malhação Malhação Malhação Malhação Caldeirão do Huck Futebol Domingão d 18:15 Novo Mundo Novo Mundo Novo Mundo Novo Mundo Novo Mundo 18:15 Novo Mundo 18:00 Faustão Domingão do 19:00 Praça TV Praça TV Praça TV Praça TV Praça TV 19:00 Praça TV Faustão Domingão do 19:30 Pega Pega Pega Pega Pega Pega Pega Pega Pega Pega 19:30 Pega Pega Faustão Domingão do 20:30 Jornal Nacional Jornal Nacional Jornal Nacional Jornal Nacional Jornal Nacional 20:30 Jornal Nacional Faustão 21:15 A força do querer A força do querer A força do querer A força do querer A força do querer 21:15 A força do querer 21:00 Fantástico Os dias eram Chacrinha: o 22:30 Sob Pressão Futebol Globo Repórter 22:00 Zorra Fantástico assim eterno guerreiro Os dias eram Os dias eram Os dias eram 23:15 Tela Quente Profissão Repórter 22:30 Altas Horas 23:00 Domingo Maior assim assim assim 00:00 Jornal da Globo Jornal da Globo Jornal da Globo Jornal da Globo Jornal da Globo 00:30 Supercine Domingo Maior 00:30 Conversa com Bial Conversa com Bial Conversa com Bial Conversa com Bial Conversa com Bial Supercine Domingo Maior The Voice Brasil: The Voice Brasil: The Voice Brasil: The Voice Brasil: The Voice Brasil: 01:00 Supercine 01:00 Sessão de Gala reencontro reencontro reencontro reencontro reencontro 02:00 Corujão Corujão Corujão Corujão Corujão 02:30 Corujão 02:50 Corujão

Demais Programas Telejornais

Fonte: Adaptação da grade divulgada pela Rede Globo de Televisão.

Apesar das tímidas alterações, promovidas ao longo dos anos, na grade de programação, a RGT mantém um padrão de fácil reconhecimento pelo telespectador que, “por meio dessa normalidade da grade, [...] vivencia o conforto da sua cotidianidade e, na regularidade da programação, encontra o seu sabor” (FECHINE, 2014, p.08). Depois de um dia de atividades, por exemplo, a TV meramente ligada, muitas vezes faz com que o telespectador se sinta em casa. No entanto, diante de acontecimentos de relevância nacional ou internacional, a grade de programação da RGT costuma ser interrompida para transmissão de notícias ao vivo.

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Nesses casos, a quebra da normalidade também é reconhecida pela audiência. Com essas entradas ao vivo, a RGT cumpre a promessa de estar vigilante aos acontecimentos mais importantes e de transmiti-los ao público imediatamente. Dessa forma, quem se liga à programação sabe que se algo extraordinário acontecer será avisado pela televisão. De acordo com pesquisa do Ibope9, divulgada em abril de 2017, os programas da RGT com maiores índices de audiência eram: 1) a novela das 21 horas, A força do Querer, assistida em 30,4% dos domicílios brasileiros; 2) o reality show Big Brother Brasil, assistido em 29,3% dos domicílios brasileiros; e 3) o telejornal Jornal Nacional, assistido em 27,5% dos domicílios brasileiros (KANTAR IBOPE MEDIA, 2017).

9 Disponível em https://www.kantaribopemedia.com/dados-de-audiencia-nas-15-pracas-regulares-com-base-no- ranking-consolidado-1004-a-1604/>.

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6 TELEJORNAIS, DO SUBGÊNERO AOS FORMATOS

A presente seção, partindo da própria definição do telejornal enquanto subgênero televisual (Duarte, Gomes e Fechine), apresenta, do ponto de vista discursivo, a estruturação interna desse tipo de texto televisual, suas temáticas preferenciais, os critérios de seleção das notícias veiculadas e as estratégias empregadas na transformação dos acontecimentos em notícias. O telejornal, subgênero de programa pertencente ao gênero factual, caracteriza-se como um tipo especial de noticiário que têm como substância de conteúdo informações sobre acontecimentos políticos, sociais, culturais, administrativos e outros, cujo âmbito pode ser local, nacional ou mundial. As informações sobre esses acontecimentos passam a fazer parte da pauta desse tipo de programa quando alcançam o status de noticiáveis, isto é, quando respondem aos critérios de noticiabilidade, ou seja, aos parâmetros que evidenciam a relevância do assunto para a compreensão do cotidiano. A partir desse julgamento, a informação é transformada em notícia, através de um tratamento discursivo e expressivo de caráter estratégico, sendo então incorporada no texto dos telejornais. Os telejornais, como os demais programas do gênero factual, comprometem-se em respeitar a reciprocidade entre o acontecimento e o discurso, ou seja, constroem narrativas da ordem da metarrealidade, tomando como referência o real, mundo natural, sobre o qual a televisão não detém o controle; seu compromisso é com a veridicção (DUARTE; CASTRO, 2014a). Assim, o telejornal compromete-se a retratar, o mais próximo possível do real, os acontecimentos relevantes em nível internacional, nacional e local, ocorridos até o horário em que a edição do programa é exibida ao público. Esse compromisso, subjacente ao contrato assumido pelos próprios telejornais com os telespectadores, funciona como estratégia de garantia de sua credibilidade, e, por conseguinte, de sua sobrevivência em um meio cuja oferta de informações é cada vez maior. No entanto, do ponto de vista semiótico, os telejornais, ao promoverem os acontecimentos enquanto os dizem e mostram, fazem emergir uma verdade que é somente discursiva: trata-se de operações que produzem efeitos de sentido de verdade. Assim, por mais real que possa parecer um relato, sempre fica subjacente a ele seu caráter de midiatização: “afinal, o mundo se nos apresenta por todos os sentidos, no texto televisivo, apenas algumas dessas propriedades são transpostas para a superfície artificial do vídeo” (DUARTE, 2007, p.9). O real, no texto televisual, mostra-se fragmentado: é o que fica

59 enquadrado, é o movimento das câmeras, é o trabalho de edição que determinam o que e como os acontecimentos vão ser mostrados. Nessa perspectiva, está-se diante de uma realidade discursiva que, embora contenha índices do real empírico, nunca será fidedignamente igual a ele. Calabrese define fragmento como resultado de um processo de ruptura, em que ficam pressupostos “o sujeito do romper-se e o seu objeto” (CALABRESE, 1987, p.88). Assim, o fragmento, embora fazendo parte de um inteiro anterior, não contempla a presença dele, deixando-se ver pelo observador tal como é, na sua integridade, e, não, como fruto de uma ação de um sujeito. Logo, a realidade televisual, enquanto fragmentação do real empírico do mundo, expõe o telespectador a um discurso construído pelo telejornal, sem evidenciar, em sua narrativa, as rupturas promovidas pelos sujeitos da enunciação durante essa construção. A fragmentação desse real, no texto do telejornal, ocorre em diferentes níveis: através da seleção dos temas que serão, ou não, abordados; através da definição dos sujeitos que vão compor a narrativa; através da edição das declarações proferidas por esses sujeitos; através dos enquadramentos; através da seleção das imagens a serem veiculadas; etc. E essa fragmentação corresponde não apenas ao processo enunciativo e discursivo das notícias, mas também à própria estruturação dos telejornais.

6.1 ESTRUTURAÇÃO INTERNA DOS TELEJORNAIS

Fechine considera que o texto do telejornal estrutura-se a partir de um enunciado englobante – o todo representado pela edição do programa – que articula, por meio de atores discursivos (apresentadores, repórteres, comentaristas, etc.), um conjunto de outros enunciados englobados – as notícias, unidades informativas autônomas que mantêm uma interdependência entre si provocada pelo nível enunciativo superior que as engloba (FECHINE, 2008). Dessa maneira, o telejornal estrutura-se semântica e sintaticamente de tal forma que o enunciado englobante constitua-se como um padrão de fácil identificação pelo telespectador, variando, a cada exibição, os enunciados englobados. De modo geral, os telejornais estruturam-se internamente de maneira bastante semelhante entre si: a partir do estúdio, são proferidas as falas dos âncoras e apresentadores, sucedidas pela veiculação de reportagens, entradas ao vivo de repórteres, participação de correspondentes, enviados especiais, comentaristas, etc.; as edições dos telejornais dividem-se em blocos com duração de tempo predefinida e separados por intervalos publicitários e promocionais; sempre que um bloco chega ao fim, o telespectador é alertado sobre os

60 assuntos que podem ser de interesse no bloco seguinte; e, assim, realizam-se diferentes operações que articulam os dispositivos de actorialização, temporalização e espacialização, com o intuito de manter o interesse do telespectador até o final do programa. As emissões de um telejornal iniciam com a exibição da vinheta, um audiovisual geralmente construído graficamente, com duração de alguns segundos, que tem por objetivo atribuir identidade ao programa. A vinheta é a primeira manifestação dessa identidade e do tom assumido pelo telejornal: os exibidos no período da manhã, por exemplo, costumam apresentar cores mais amareladas em suas vinhetas, fazendo referência ao amanhecer; já as vinhetas dos telejornais noturnos usualmente são construídas com cores mais azuladas, reportando-se ao horário em que o programa vai ao ar. Na sequência, a maioria das edições de um telejornal veicula a escalada, um resumo das notícias mais importantes daquela emissão. A partir do estúdio, os âncoras narram os principais acontecimentos utilizando, usualmente, frases impactantes e curtas, ilustradas com imagens gravadas anteriormente, trechos de entrevistas e participação de repórteres. O tempo de duração da escalada varia de um telejornal para outro, assim como a seleção dos temas que merecem destaque. Há, ainda, telejornais que não exibem escalada, preferindo iniciar a edição dando destaque a apenas um assunto. A vinheta e a escalada compõem a abertura do telejornal. Os textos que prosseguem são as notícias, que podem ser estruturadas sob a forma de: - nota pelada, configuração possível de apresentação da notícia na qual as informações são lidas ao vivo pelo âncora ou apresentador, sem serem acompanhadas por imagens ilustrativas; - nota vivo, configuração possível de apresentação da notícia na qual as informações são lidas ao vivo pelo âncora ou apresentador, acompanhadas por imagens ilustrativas, gravadas, editadas e exibidas ao vivo, durante o proferimento das informações; - nota coberta, configuração possível de apresentação da notícia na qual as informações são lidas em off, gravado pelo âncora ou apresentador, e acompanhadas da exibição de imagens ilustrativas gravadas e editadas para posterior exibição; - reportagem, configuração possível de apresentação da notícia na qual informações de caráter audiovisual são acompanhadas da narração em off pelo repórter, podendo conter entrevistas e o boletim de passagem do repórter; - entrevista, configuração possível de apresentação da notícia em que um âncora, apresentador ou repórter faz perguntas à fonte de informação que possui envolvimento com o

61 acontecimento relatado, podendo ser realizada ao vivo ou gravada e editada para posterior exibição; - comentário, configuração possível de apresentação ou acompanhamento da notícia em que um especialista faz uma análise técnica do acontecimento relatado, podendo ser realizado ao vivo ou gravado e editado para posterior exibição; - entrada ao vivo, configuração possível de apresentação da notícia na qual o repórter, ao vivo e in loco, apresenta informações do acontecimento, muitas vezes em curso, ao mesmo tempo em que se dá a emissão do telejornal; - stand up, configuração possível de apresentação da notícia na qual o repórter aparece em gravação, informando, geralmente de forma resumida, sobre a ocorrência de um dado acontecimento. Essas notícias são distribuídas em blocos, que obedecem sempre à mesma lógica: cada bloco culmina na exibição de uma vinheta de passagem que antecede o espaço intervalar, até o fim de determinada edição (PRADO, 1996). A estrutura padronizada dos telejornais corresponde a uma rígida relação com seu paradigma, baseada, fundamentalmente, na repetição incansável de elementos narrativos. Para Calabrese, a ideia de repetição comporta três noções: a primeira é concernente à produção, isto é, a filosofia da industrialização, que prevê uma montagem em série a partir de uma matriz única; a segunda diz respeito ao texto, ou seja, a repetitividade como mecanismo estrutural de generalizações; e a terceira aborda o consumo, isto é, a repetição como condição de reconhecimento por parte do público dos produtos comunicativos (CALABRESE, 1987). A repetição industrial, ou estandardização, aplica-se não apenas ao modo de produção de objetos utilitários, mas também aos “produtos do espírito” (CALABRESE, 1987, p.43), entre eles os telejornais, as artes, os filmes, etc. Seu princípio baseia-se na produção em série a partir de um protótipo. Já a segunda noção, de repetição da estrutura de um produto, considera a recorrência a elementos narrativos que desempenham sempre as mesmas funções, como temas, cenários, personagens, entre outros. Nessa perspectiva, só é possível falar em repetição considerando cada elemento narrativo enquanto a representação de um padrão. Assim, a adoção de um modo de produção estandardizado e a repetição de elementos narrativos, de acordo com o autor, correspondem ao desenvolvimento de uma estética da repetição (CALABRESE, 1987). No que diz respeito ao consumo, essa estética da repetição desenvolve no consumidor, inclusive dos programas telejornalísticos, um sistema de expectativas, que ora opera na satisfação em consumir o sempre igual, ora demonstra o gosto pelas variantes.

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Mesmo que os telejornais, a partir da estrita relação que mantêm com seu paradigma, agreguem variantes, de acordo com Calabrese, são variações do idêntico, ou seja, produtos em que o ponto de partida é um protótipo (CALABRESE, 1987). Nos telejornais, essa repetição se dá na estrutura, nas operações actoriais, temporais e espaciais, na exibição linear de diferentes programas narrativos, etc. Diante de tantos invariáveis, pouco sobra para o novo: o subgênero telejornal é tão excessivamente repetitivo que beira ao seu esgotamento. O perigo desse excesso, segundo Calabrese, é o tédio: “o excesso de histórias, o excesso do já dito, o excesso de regularidade só podem produzir o estilhaçamento” (CALABRESE, 1987, p.60). Os telejornais, com intuito de romper um pouco com essas regularidades, estão sempre em busca de inovações, como estratégia de sobrevivência, ao mesmo tempo em que procuram, cuidadosamente, zelar pela confiança depositada pelo público nos formatos já consolidados. A maneira como a instância de produção opera os dispositivos discursivos de tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização, acionados pelos telejornais em seu processo enunciativo/discursivo, contribuem na conformação desse subgênero, já que, na maioria das vezes, esses dispositivos são acionados para desempenhar funções semelhantes no interior de diferentes formatos de telejornais, enquanto, em outras vezes, são responsáveis pela diferenciação de um programa em relação aos outros. Na sequência, apresenta-se um detalhamento das operações dos dispositivos discursivos usualmente adotadas pelos telejornais.

6.1.1 Tematização/Figurativização

O dispositivo de tematização, em semiótica discursiva, é um procedimento que, “[...] tomando valores (da semântica fundamental) já atualizados (em junção com os sujeitos) pela semântica narrativa, os dissemina sob forma de temas, pelos programas e percursos narrativos” (GREIMAS, COURTÉS, 2016, p.496). Já o dispositivo discursivo de figurativização é o procedimento responsável pela conformação narrativa do tema, o que pode ocorrer pela contextualização do relato, pela configuração dos sujeitos participantes, pela focalização no pormenor, pela recorrência a narrativas paralelas, pela sobreposição aleatória de sujeitos, entre outros (DUARTE; CASTRO, 2014b, p.03). Dessa maneira, no subgênero telejornal, os temas abordados nas unidades narrativas, ou seja, nas notícias, são figurativizados através do relato de acontecimentos que possuem um vínculo de dependência com o mundo real/natural. Esses acontecimentos são transformados

63 em notícias desde que preencham alguns requisitos tais como a novidade, a atualidade, a possibilidade de comprovação. Além disso, as notícias precisam parecer importantes no momento em que o programa entra no ar, pois cabe aos telejornais a apresentação de informações relevantes, cujo conhecimento por parte do telespectador pareça imprescindível. Os noticiários obedecem às normas da gramática do televisual, mais especificamente àquelas direcionadas ao subgênero telejornal, preocupando-se, em particular, com a transformação de acontecimentos do cotidiano em notícia, e, ainda, utilizando estratégias capazes de manter o telespectador cativo. Assim, várias são as táticas de convencimento empregadas nesse processo de transformação que passam pela ênfase no ineditismo ou raridade do noticiado, pelo realce na dimensão trágica, violenta ou cruel do acontecimento, pelo destaque da relevância social e/ou política dos sujeitos envolvidos, pela confirmação do já previsto em noticiários anteriores, enfim, pela tentativa de despertar a atenção e sensibilizar o telespectador. Dessa forma, muito antes de virarem notícias, os acontecimentos são selecionados e lapidados pela instância de produção. Somente aqueles suscetíveis de serem apurados, alinhados e responderem aos critérios antes descritos ganham o status de noticiáveis. Essa peneira, que obedece às estratégias mercadológicas, tecnológicas e discursivas da emissora, pode variar de acordo com a linha editorial de cada telejornal. Assim, a mídia vai pautando o real, “a ela cabe determinar que acontecimentos do mundo natural e exterior merecem ser noticiados; aqueles sobre os quais se cala, simplesmente não ganham existência” (DUARTE, 2006, p.9). O tratamento discursivo a ser conferido às informações inicia com o ingresso do acontecimento na pauta do telejornal. A determinação dos fatos a serem abordados obedece a critérios de seleção universais, próprios do jornalismo, e, ainda, a avaliações particularizadas, variáveis de acordo com os profissionais envolvidos na produção e com o formato do programa. Calabrese afirma que não é tão simples estabelecer a relevância de determinados fenômenos que se confundem com tantos outros. A escolha de uns em detrimento de outros passa, para o autor, pela “emergência de alguns em relação ao desenrolar de outros que não provocam qualquer excitação” (CALABRESE, 1987, p.15). A excitação surge daquilo que foge à estabilidade, ao curso normal e esperado dos acontecimentos. A excitação é o resultado do surpreendente e como ao jornalismo falta a devida distância histórica para distinguir aquilo que é importante daquilo que não é, é claro que essas escolhas podem ser falhas ou fugirem de critérios claramente estabelecidos.

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França considera os fatos enquanto ocorrências do mundo real que não possuem identidade própria: eles estão na dimensão empírica. Já o acontecimento, na perspectiva da autora, pertence a um estágio posterior ao fato, correspondendo à sua narração, ou seja, à conferência de um sentido, de uma identidade. O acontecimento, assim, constitui-se enquanto “resultado da transformação sofrida pelas ocorrências quando traduzidas discursivamente” (FRANÇA, 2012, p.41). Já a notícia pertence a um terceiro estágio: o da transformação de um acontecimento em texto, no caso dos telejornais, em texto televisual. Para que isso ocorra, é preciso que o acontecimento apresente algumas características que são sistematizadas, de acordo com as teorias do jornalismo, em critérios de noticiabilidade. Ora, considerando que seria impossível incluir em uma única edição de telejornal a infinidade de acontecimentos que ocorrem no dia-a-dia, e, ainda, admitindo que tampouco haveria interesse das emissoras nessa veiculação, estabelecem-se filtros com o intuito de justificar as escolhas daquilo que é noticiado. Esses critérios são variáveis de emissora para emissora, mas todos costumam privilegiar a relevância dos acontecimentos para o público telespectador e o desejo da audiência. Silva define noticiabilidade como

[...] todo e qualquer fator potencialmente capaz de agir no processo de produção da notícia, desde características do fato, julgamentos pessoais do jornalista, cultura profissional da categoria, condições favorecedoras ou limitantes da empresa de mídia, qualidade do material (imagem e texto), relação com as fontes e com o público, fatores éticos e ainda circunstâncias históricas, políticas, econômicas e sociais (SILVA, 2014, p.52).

Os critérios de noticiabilidade podem, portanto, variar de acordo com a empresa de mídia, as condições de produção, os programas e os públicos para os quais se destinam, entre outros fatores. Existem, para Silva, três conjuntos diferenciados de critérios de noticiabilidade: (a) a seleção primária dos fatos, ou seja, os atributos próprios ou características típicas dos acontecimentos reconhecidos por diferentes profissionais e veículos de imprensa; (b) o tratamento dos fatos, ou seja, a seleção hierárquica dos mais e menos importantes, levando em consideração fatores inseridos dentro da organização, como formato do produto, qualidade do material jornalístico apurado, prazo de fechamento, infraestrutura e tecnologia, além da relação do repórter com as fontes e o público; e (c) a visão dos fatos, ou seja, os fundamentos

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éticos, filosóficos e epistemológicos do jornalismo, compreendendo conceitos de verdade, objetividade, interesse público e imparcialidade (SILVA, 2014). Na seleção primária, as características do fato em si funcionam como indícios determinantes da seleção dos assuntos a serem veiculados. A partir dessas características primárias, ocorre a hierarquização dos assuntos: dentre os noticiáveis, quais ganharão destaque nas chamadas dos telejornais. Silva reitera que as características primárias aplicáveis a qualquer seleção jornalística são a atualidade, a novidade, a importância e o interesse (SILVA, 2014). Enquanto novidade e atualidade constituem-se em princípios básicos do jornalismo, importância e interesse remetem àquilo que determinados públicos precisam, ou gostariam, de saber. Esses quatro atributos regem os demais, como negativismo vs otimismo, coletividade vs individualidade, e imprevisibilidade vs previsibilidade, etc. Para operacionalizar a seleção do que é noticiável, a autora propõe a recorrência a doze categorias, sendo elas: (1) o impacto, ou seja, o número de pessoas envolvidas, número de pessoas afetadas ou envolvimento de grandes quantias (dinheiro); (2) a proeminência, ou seja, o envolvimento de sujeitos dotados de notoriedade, celebridade, posição hierárquica, elite (indivíduo, instituição, país); (3) o conflito, ou seja, a presença de situações de guerra, rivalidade, disputa, brigas, greve, reivindicação; (4) a tragédia/drama, ou seja, os casos de catástrofes, acidentes, risco de morte e morte, violência, crime, suspense, emoção, interesse humano; (5) a proximidade, ou seja, a partilha de um mesmo espaço geográfico e/ou cultural; (6) a raridade, ou seja, o caráter incomum, original ou inusitado do acontecimento; (7) a surpresa, ou seja, o caráter inesperado do acontecimento; (8) o governo, ou seja, a abordagem de assuntos de interesse nacional, decisões e medidas, inaugurações, eleições, viagens, pronunciamentos; (9) a polêmica, ou seja, a presença de acontecimentos controversos ou escandalosos; (10) a justiça, ou seja, a presença de julgamentos, denúncias, investigações, apreensões, decisões judiciais e crimes; (11) o entretenimento/curiosidade, ou seja, o caráter de aventura, divertimento, esporte, comemoração do acontecimento; e, por fim, (12) o conhecimento/cultura, ou seja, o caráter de pesquisa, descoberta científica, invenção, progresso, ou o envolvimento de valores culturais e religiosos de determinadas atividades (SILVA, 2014, p.65-66). O caráter desviante costuma predominar nos acontecimentos selecionados para serem noticiados. A partir dessa triagem, as informações tornam-se matérias primas de um processo de enunciação e discursivização, que tem como resultado a construção de realidades discursivas com efeitos de verdade. Mas, como já se disse, jamais retratam com precisão o real, mundo natural: “as realidades televisuais apresentadas pelos telejornais são fruto da

66 fragmentação, da parcialidade; [...] são concebidas e estruturadas como uma sucessão de itens, de modo a satisfazer a curiosidade do telespectador”. (DUARTE, 2006, p.03-04). Há sempre a possibilidade da utilização de outras estratégias para a discursivização de um mesmo acontecimento. E, como bem ressalta Charaudeau, toda escolha se caracteriza por aquilo que retém ou despreza, cabendo ao informador se perguntar: “que efeito lhe parece produzir tal maneira de tratar a informação, e, concomitantemente, que efeito produziria uma outra maneira [...]”(CHARAUDEAU, 2006, p.38).

6.1.2 Actorialização

O dispositivo discursivo de actorialização pressupõe a instituição de atores no discurso, ou seja, a convocação de diferentes sujeitos, dotados de identidade e funções, para comporem a narrativa. Greimas e Courtés ressaltam que “cada discurso narrativo apresenta uma distribuição actorial que lhe é peculiar” (GREIMAS; COURTÉS, 2016, p.22). No caso dos telejornais, são dois os tipos de atores: os da enunciação e os do enunciado. Os atores da enunciação são os apresentadores/âncoras, repórteres, correspondentes, comentaristas, entrevistados, etc., que desempenham papéis na narrativa com funções de relatar acontecimentos, atestar sua veracidade e interpretar os reflexos deles para o telespectador. A atitude adotada pelos atores da enunciação, ou seja, a apresentação de uma vestimenta impecável, boa postura, gesticulação contida e fala correta, atribui credibilidade ao telejornal e à emissora, representando importante estratégia discursiva com intuito autopromocional (CASTRO, 2009). Nessa perspectiva, os apresentadores dos telejornais são os protagonistas centrais da emissão, já que “desempenham, no próprio texto, o papel de enunciadores, atuando como delegados de seus reais enunciadores: a instância institucional [...], e a instância de produção” (DUARTE, 2017, p.04). A instância institucional é a própria emissora de televisão, responsável final pela veiculação das informações; já a instância de produção comporta diferentes equipes de profissionais responsáveis pela realização do produto, sendo eles os cinegrafistas, fotógrafos, produtores, editores de texto e imagem, sonoplastas, etc. Dessa maneira, cabe aos atores da enunciação estabelecer a ligação entre a emissora e os telespectadores, funcionando como porta-vozes da realidade e preocupando-se em criar identificação com o público (CASTRO, 2009). Já os atores do enunciado são as fontes, ou seja, os atores sociais envolvidos com os acontecimentos narrados. Charaudeau considera que as mídias, de maneira geral, dividem o

67 mundo social em atividades de ação e de representação, e concebe, a partir disso, a existência de três domínios: (1) atividades políticas; (2) atividades cidadãs; e (3) atividades civis cotidianas (CHARAUDEAU, 2006). Assim, a seleção das fontes que vão compor as notícias dependeria da posição ocupada por elas nesses domínios, além de sua relação com os acontecimentos: (a) se tem notoriedade na atividade que desenvolve; (b) se é uma testemunha dos fatos; (c) se é plural; (d) se faz parte de um organismo especializado; etc. (CHARAUDEAU, 2006). A partir da seleção das fontes, e das declarações por elas proferidas sobre os acontecimentos, a edição constrói um discurso estruturado e consistente, articulando detalhes e estabelecendo relações coerentes entre causas e consequências. Sobre a seleção das fontes, Duarte lembra que essa escolha é pautada por uma legislação específica que obriga a televisão a buscar fontes confiáveis como garantia do discurso veiculado, a recolher provas, a convocar testemunhas dos acontecimentos de forma a conferir credibilidade aos relatos apresentados (DUARTE, 2017).

6.1.3 Espacialização

O dispositivo discursivo de espacialização comporta procedimentos de localização espacial efetuados pelo enunciador para “projetar fora de si e aplicar no discurso enunciado uma organização espacial mais ou menos autônoma, que serve de quadro para a inscrição dos programas narrativos e de seus encadeamentos” (GREIMAS; COURTÉS, 2016, p.176-177). Dessa maneira, os telejornais operam com dois tipos de espaços: os internos, de estúdio, espaços de referência a partir do qual se estruturam as demais narrativas; e os externos, locais próprios dos acontecimentos, ambientes do mundo real/natural. Os espaços internos constituem-se nos cenários dos telejornais, nos quais os apresentadores se movimentam e conduzem o programa. Tradicionalmente, esses ambientes contam com uma bancada, situada em um estrado mais alto, tendo muitas vezes, como fundo, diferentes mapas do globo terrestre, ou sequências de telas e/ou telões. A posição da bancada, de superioridade em relação aos demais elementos, revela quem detém o poder, ou seja, a informação (DUARTE, 2017). Completando o cenário, ao redor desse platô central, mas em plano mais abaixo, há, muitas vezes, uma série de mesas de trabalho com profissionais, todos em movimento, operando computadores, caminhando de um lado para outro, demonstrando um esforço contínuo de apuração das informações para o telespectador. Ao mostrar os bastidores, o em- se-fazendo da notícia, bem como as condições tecnológicas de que dispõem, as emissoras

68 promovem, para além do próprio programa, a si próprias, pois demonstram sua consideração e respeito pelo telespectador: todo aquele contingente de pessoas está lá a seu serviço, para garantir que ele receba a notícia de última hora. Já sobre os espaços externos, eles normalmente correspondem aos próprios locais dos acontecimentos no mundo real/natural. No entanto, há situações em que o espaço gravado não apresenta relação com os fatos narrados: isso acontece, principalmente, nos casos de notícias de última hora, em que o repórter é convocado a falar, de onde estiver, devido à urgência da informação.

6.1.4 Temporalização

A televisão, diferentemente de outras mídias, sempre pôde, desde o seu surgimento, operar em tempo real e cronológico. Atualmente, ela dispõe de tecnologias ainda mais avançadas que lhe dão condições de captação e transmissão direta de imagens e sons, de qualquer lugar do mundo, em perfeita sincronia com sua recepção por parte dos telespectadores. É essa possibilidade de captação, gravação e veiculação de acontecimentos do mundo exterior, em tempo real e simultâneo ao de sua ocorrência, que lhe permite operar com distintas temporalidades (DUARTE, 2017). O dispositivo discursivo de temporalização é responsável por ancorar temporalmente a narrativa, transformando-a em história (GREIMAS; COURTÈS, 2016). Esse dispositivo opera com três subcomponentes que realizam a conversão das estruturas narrativas em estruturas discursivas: (a) a programação temporal, ou seja, a conversão do eixo das pressuposições, que representa a ordem lógica do encadeamento dos programas narrativos, em eixo de consecuções, colocando em jogo categorias de anterioridade, posterioridade, concomitância, o que resulta em uma representação cronológica da narrativa; (b) a localização temporal, ou seja, a inscrição dos programas narrativos no interior de unidades temporais dadas, através de procedimentos de debreagem/embreagem, o que resulta em um sistema de referências que permite situar temporalmente diferentes programas narrativos, uns com relação aos outros, a partir de duas posições temporais zero: os tempos enuncivo e enunciativo; (c) e, por fim, a aspectualização, que consiste na atualização, no momento da discursivização, de um dispositivo de categorias aspectuais “mediante as quais se revela a presença implícita de um actante observador” (GREIMAS; COURTÉS, 2016, p.39), para quem a ação realizada por um sujeito instalado no interior do discurso aparece como um processo em desenvolvimento.

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Esses três subcomponentes temporais, responsáveis pela transformação da narrativa em discurso, incidem sobre outros tempos coexistentes nos telejornais. As instâncias de produção operam com três temporalidades distintas – a sucessão, a duração e a incidência –, atualizando diferentes possibilidades combinatórias entre duração e incidência. Assim, acontecimentos que apresentem concomitância com o horário de veiculação do telejornal, por exemplo, podem ser exibidos ao vivo, havendo uma sincronia entre a captação/gravação e a transmissão/exibição da notícia. Por outro lado, quando os acontecimentos são anteriores, cabe ao telejornal captá-los e condensá-los, através da montagem. Cada edição de um telejornal apresenta alguns, senão todos esses percursos temporais, o que pode confundir o telespectador sobre o que realmente está acontecendo no momento da exibição do programa, e o que foi gravado anteriormente. O presente, o aqui e o agora dos âncoras funciona como tempo referência, ou seja, representa a localização temporal do texto telejornal. O ao vivo da apresentação imprime sentido de atualidade, mesmo que muitos dos acontecimentos noticiados tenham ocorrido no tempo passado. Ao longo do programa, ocorrem diversos deslocamentos temporais, apresentados de forma intercalada, articulando o presente do enunciado com o anterior/posterior/concomitante das notícias. Nessa perspectiva, os enunciados englobados operam em temporalidades retrospectivas ou prospectivas, ambas não simultâneas à exibição. Há ainda casos em que os repórteres são convocados enquanto testemunhas de acontecimentos que estão ocorrendo concomitantemente à exibição da edição do telejornal, através de participações ao vivo. Essa estratégia, que distingue os telejornais dos demais programas de televisão, na verdade não passa de mera fragmentação do acontecimento. O tempo de participação do repórter ao vivo não ultrapassa uns poucos minutos, enquanto o tempo de duração dos acontecimentos pode ser muito maior. Mesmo assim, o sentido produzido é de simultaneidade, presença, testemunho da realidade e da verdade. Finalmente, além do tempo de duração de um telejornal, cabe ainda considerar aquele referente à sua distribuição na grade de programação, bem como a relação deste tempo com os acontecimentos do mundo e com as rotinas da vida em sociedade. Duarte ressalta a existência de três eixos temporais, que ultrapassam as questões internas referentes à transformação dos acontecimentos em narrativa, interferindo na construção dos textos dos telejornais: (a) as relações de incidência do horário de veiculação do telejornal sobre o tempo social e cultural de uma dada comunidade, ou seja, os horários de trabalho, de descanso, de vida familiar, etc.; (b) o tempo social e cultural e as diferenças de fusos horários, ou seja, a divergência entre os horários dos acontecimentos em níveis planetários; e (c) o tempo total

70 dedicado à produção do telejornal, ou seja, a diminuição do grau de elaboração das notícias quanto menor for o tempo dessa produção (DUARTE, 2017). Assim, essas variações temporais interferem não só na configuração do público alvo de determinado telejornal, como na relação entre o horário dos acontecimentos e o de sua veiculação. Delas dependem, não só o formato adotado pelo telejornal, mas também, a configuração dos acontecimentos e temas por ele abordados. O tratamento das notícias corresponde a essas diferentes temporalidades, recorrendo a estratégias de reconfiguração de notícias velhas e ao agendamento de acontecimentos futuros com a finalidade de conferir a necessária atualidade ao noticiário. Finalmente, cabe lembrar que, as operações discursivas dos dispositivos de actorialização, espacialização e temporalização ajudam a compor um simulacro da enunciação, chamado, em Semiótica Discursiva, de enunciação-enunciada10: “[...] trata-se de um simulacro que imita, dentro do discurso, o fazer enunciativo: o “eu”, o “aqui” e o “agora” encontrados no discurso enunciado e que não representam de maneira nenhuma o sujeito, o espaço e o tempo da enunciação” (GREIMAS; COURTÉS, 2016, p.168). Dessa maneira, nos telejornais, as premissas da enunciação enunciada são estabelecidas a partir do espaço “estúdio”, do tempo “ao vivo”, e dos atores “âncoras”, delegados da instância da enunciação para apresentar as notícias.

6.1.5 Tonalização

Se as operações com os dispositivos discursivos de actorialização, espacialização e temporalização reforçam uma normatização entre os diferentes formatos de telejornais, a tonalização os diferencia. Para Duarte, a tonalização é o “processo de conferência de um tom ao discurso, isto é, a produção de determinados efeitos de sentido” (DUARTE, 2006, p.10). Assim, a conferência de um tom, ou de uma combinatória tonal, diz respeito a um ponto de vista a partir do qual a sua narrativa quer ser reconhecida. O processo de tonalização tem por tarefa a atribuição de um tom principal ao discurso produzido e a sua articulação com outros tons a ele correlacionados, comportando um conjunto de procedimentos com vistas à harmonização das categorias modalização e passionalização e à sua compatibilização com as condições de produção e reconhecimento (DUARTE, 2006). O resultado é a expressão de um

10 Em Dicionário de Semiótica (2016), Greimas e Courtés esclarecem que a enunciação é o pressuposto lógico do enunciado, enquanto a enunciação-enunciada é o simulacro que imita o fazer enunciativo.

71 tom principal e a organização, em torno dele, de outros tons que se sucedem no decorrer da discursivização. Duarte ressalta que o tom se constrói sobre uma relação particular que se estabelece entre forma de expressão e forma de conteúdo, cujas fronteiras nem sempre são facilmente determináveis, ficando muitas vezes no limite dos dois planos de linguagem. Dessa maneira, o tom agrega ao discurso produzido um modo de dizer que se projeta diretamente sobre os sujeitos da comunicação – enunciador e enunciatário -, operando sobre ambos. Assim, a decisão pelo tom perpassa toda a instância discursiva, interferindo na escolha estratégica das formas de configuração dos atores, do tempo e do espaço, bem como, muitas vezes, na própria forma de organização da narrativa em nível discursivo. Eis o caráter interativo do tom: para Duarte, “acertar o tom, ou melhor, sua expressão, implica que ele seja reconhecido e apreciado pelo telespectador” (DUARTE, 2006, p.11). O desafio para a instância da produção é duplo: descobrir o tom e zelar pela sua manutenção. Nos telejornais, o tom principal, expectativa do subgênero, é o de seriedade, pois ele confere efeitos de sentido de verdade, confiabilidade, credibilidade ao que está sendo noticiado. A esse tom principal, agregam-se tons complementares, tais como formalidade, neutralidade, objetividade, contração, profundidade, distanciamento, etc. Essas configurações tonais podem manifestar-se através do cenário, da postura dos âncoras e repórteres, dos sons, do jogo de câmeras, da edição, dos figurinos, etc. As escolhas realizadas, dentre as opções tonais, passam a identificar um produto televisual enquanto formato. Todo subgênero televisual, segundo Duarte, já tem como dado o tom que lhe seria adequado, mas, cada produto pode acessar, opcionalmente, novas combinatórias tonais que distingam seu formato. Na história da televisão brasileira, diferentes tentativas foram realizadas pelas emissoras em direção à inovação através de novas combinatórias tonais, e, portanto, novos formatos. Porém, como pontua Jost, por mais que inovem, todos os programas guardam sempre os traços daqueles que o anteciparam, seja sob forma de empréstimos ou de reescritura, de tal maneira que seria “[...] absurdo crer que um programa inove radicalmente ou que represente o último estágio de uma evolução” (JOST, 2004, p.51).

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7 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS SELECIONADAS

A presente seção apresenta uma breve caracterização da conformação em formatos dos cinco telejornais da RGT selecionados para comporem o corpus desta pesquisa – Hora 1 da Notícia (H1), Bom Dia Brasil (BDB), Jornal Hoje (JH), Jornal Nacional (JN) e Jornal da Globo (JG) –, com vistas a examiná-los inicialmente em relação ao paradigma do subgênero telejornal e, posteriormente, às especificidades de cada um desses cinco formatos. Neste capítulo examina-se, ainda, o texto das notícias selecionadas para comporem o corpus da pesquisa, analisando-as do ponto de vista de suas relações paratextuais, intertextuais e intratextuais, com ênfase nas relações internas por elas contraídas entre expressão e conteúdo, descrevendo os procedimentos empregados, em seus níveis discursivo e expressivo, em especial os procedimentos adotados na manifestação de seus dispositivos de tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização. Nesse procedimento descritivo, confere-se especial atenção às relações sintagmáticas contraídas entre as diferentes notícias sobre um mesmo acontecimento, isto é, do texto da notícia sobre um acontecimento, com as que a precedem ou sucedem, sobre o mesmo tema, visto que, esse tipo de relação é fundamental para o entendimento do processo de reconfiguração das notícias apresentadas nos diferentes telejornais, e, das estratégias discursivas utilizadas nessa reiteração. As formulações teóricas abordadas nos capítulos anteriores são, neste estágio da pesquisa, mobilizadas com o intuito de fundamentar a descrição das etapas concernentes às diferentes reconfigurações das notícias sobre um mesmo acontecimento.

7.1 CONFORMAÇÃO DOS TELEJORNAIS DA RGT

A RGT, atendendo a seus propósitos mercadológicos e a seus princípios editoriais nos quais se compromete a – “[...] prover o direito do cidadão à informação precisa, honesta e que busque a verdade”, propondo-se a “apurar com isenção, correção e agilidade as informações junto às fontes, garantindo o contraditório” (PRINCÍPIOS, 2011) – inclui, em sua grade de programação, diversos telejornais. Foram selecionados para comporem o corpus desta pesquisa textos de notícias dos cinco telejornais que a emissora apresenta em rede nacional.

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São eles: Hora 1 da Notícia (H1), Bom Dia Brasil (BDB), Jornal Hoje (JH), Jornal Nacional (JN), e Jornal da Globo (JG). Cada um desses telejornais, devido ao horário em que é veiculado, destina-se a um público determinado, isto é, formula, segundo Jost, uma promessa diferenciada ao telespectador e adota um formato com ele compatível, que o identifica e distingue dos demais (JOST, 2004). Na sequência, são investigadas as especificidades das conformações de cada um dos cinco telejornais analisados por esta pesquisa com o intuito de delimitar o entorno que envolve cada um dos textos das notícias posteriormente analisados.

7.1.1 Hora 1 da Notícia (H1)

O telejornal Hora 1 da Notícia, mais conhecido como Hora 1, estreou na grade de programação da RGT em dezembro de 2014, sendo produzido no estúdio da emissora em São Paulo e exibido, de segunda a sexta-feira das 5h às 6h da manhã. O programa adota uma linha editorial de prestação de serviços com a veiculação de informações sobre os principais acontecimentos do dia anterior, economia, esportes, clima, trânsito, manchetes dos principais jornais impressos, além do agendamento das principais ocorrências previstas para o dia que está iniciando. O telejornal, que veio substituir os programas Telecurso (36 anos no ar) e Globo Rural (14 anos no ar) que ocupavam esse horário, entrou no ar devido à concorrência do SBT, que vinha liderando os índices de audiência na faixa horária das 4h às 6h com a reprise do Jornal do SBT. A estreia do H1 obteve resultados bastante positivos, visto que houve um aumento significativo de audiência para o horário, de até 63% em São Paulo e 57% no Rio de Janeiro (HORA, 2015). A equipe de jornalismo do H1 é composta, em parte, pelos profissionais que trabalhavam na edição diária do Globo Rural. O telejornal adota um formato bem definido, que se repete diariamente. Com duração de uma hora, o programa estrutura-se em três blocos, iniciando pela apresentação da vinheta de abertura em cores amareladas, uma referência ao amanhecer, à qual se sobrepõe a marca do telejornal, inscrita em uma bola amarela, representando o sol. Na sequência, é exibida uma escalada com o resumo dos principais assuntos a serem abordados na edição, ilustrados com imagens captadas no dia anterior. Em seguida, acontece a aparição da âncora, a jornalista Monalisa Perrone, que, após se apresentar e declinar o dia e o horário da emissão, enuncia a apresentação das notícias, alternadas com comentários em tom de seriedade e descontração.

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Cabe destacar a atuação de Monalisa Perrone enquanto âncora do H1. Monalisa tem 48 anos, cabelos castanhos em comprimento médio, vestindo-se sempre com elegância, e, até mesmo, com certa ousadia, já que por vezes seus figurinos fogem do padrão tradicional adotado comumente pelos apresentadores dos telejornais. A ancoragem do programa é impregnada de um tom de leveza, como se Monalisa estivesse sempre conversando diretamente com o telespectador. Em entrevista ao Fantástico, em 29.11.2014, a própria Monalisa definiu essa maneira de apresentar o telejornal: “É um bate papo. Esse é o tom do Hora 1” (Monalisa Perrone no Fantástico de 29.11.2014). Na ausência de Monalisa Perrone, o H1 é conduzido por Izabella Camargo, apresentadora da Previsão do Tempo. O telejornal veicula reportagens gravadas, transmissões em tempo real do trânsito, e participações de repórteres, correspondentes internacionais e comentaristas ao vivo. A exibição de imagens das câmeras de monitoramento do trânsito em algumas capitais é repetida diversas vezes ao longo do telejornal. As participações ao vivo, veiculadas em tempo real ao da exibição do programa, ficam, em geral, por conta de correspondentes internacionais de países da Europa e também da Ásia, nos quais o dia já corre avançado em relação ao Brasil no momento da exibição do programa. Quem também participa ao vivo é a apresentadora do quadro de previsão do tempo, Izabella Camargo, que antecipa como será o comportamento do clima ao longo do dia. O formato tradicional adotado, semelhante a outros telejornais, só é rompido quando, aproximadamente aos 30 e 45 minutos da emissão, é apresentado um resumo das notícias já veiculadas naquela edição. Trata-se de uma inovação em relação ao modelo tradicional de telejornal, em que os temas são esgotados em uma única exibição. O resumo das notícias atende ao fato de que o telejornal, em função do horário que ocupa na grade de programação, não é assistido pela maioria dos telespectadores na íntegra. Assim, quem só liga a televisão a partir das 5h30, fica sabendo do que foi exibido anteriormente. O programa claramente se destina aos telespectadores que começam sua jornada diária bastante cedo, ou aos que terminam sua jornada diária bastante tarde.

7.1.2 Bom Dia Brasil (BDB)

O telejornal Bom Dia Brasil estreou na grade de programação da RGT em janeiro de 1983, sendo produzido no estúdio da emissora no Rio de Janeiro e exibido das 7h30 às 8h45 da manhã de segunda a sexta-feira. O programa adota uma linha editorial que prioriza a veiculação de temas sociais, políticos e econômicos, com a participação de comentaristas, e

75 espaços dedicados à prestação de serviços, através da veiculação de informações sobre clima e o agendamento dos principais acontecimentos previstos para o dia que está iniciando. O telejornal, desde seus primeiros anos, teve como foco o noticiário político e econômico, adotando uma linguagem informal e acessível aos telespectadores. O conteúdo do programa consiste no resumo dos principais acontecimentos do dia anterior, na referência ao que deve ocorrer no dia que se inicia, em matérias sobre política, economia, segurança, na previsão do tempo e em eventuais entrevistas realizadas no estúdio com a participação dos apresentadores e comentaristas que costumam tecer breves comentários no início ou no fim das matérias. A equipe de jornalismo do BDB é composta, em parte, por jornalistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, contando, além disso, com a participação de comentaristas de Brasília e correspondentes internacionais dos Estados Unidos, Inglaterra e Japão. A ancoragem é realizada pelos jornalistas e Ana Paula Araújo, que além de anunciarem as notícias, emitem comentários. Cabe destacar a atuação de Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo enquanto âncoras do BDB. Chico tem 64 anos, cabelos curtos grisalhos, vestindo-se sempre com elegância, usando terno e gravata. A sua maneira de ancoragem do programa é impregnada de um certo tom de informalidade, como se Chico estivesse conversando diretamente com o telespectador. Além disso, o âncora faz diversos comentários sobre diferentes matérias e é o autor de bordões como o enunciado todas as sextas-feiras no final da edição: “graças a Deus hoje é sexta-feira, é vida que segue!”. Ana Paula tem 45 anos, cabelos de comprimento médio e da cor castanho escuro, vestindo-se sempre com elegância, normalmente usando saia, camisa e salto alto. A sua maneira de ancoragem do programa é impregnada de um tom de seriedade, fazendo, por diversas vezes, comentários críticos sobre diferentes matérias. Na ausência de Chico Pinheiro, o BDB é conduzido por Rodrigo Bocardi, já Ana Paula Araújo normalmente é substituída por Ana Luiza Guimarães. Em determinadas ocasiões, o BDB é apresentado por um âncora apenas. O telejornal adota um formato bem definido que é repetido diariamente. Com duração de aproximadamente 1h30, o programa é dividido em seis blocos, sendo o primeiro deles o de maior duração, com cerca de 30 minutos. O programa inicia com a exibição da escalada com as manchetes daquela edição, apresentando, na sequência, a vinheta de abertura em cores predominantemente azuladas e amareladas, fazendo referência ao amanhecer, e conformando graficamente as palavras “bom dia” sobre o globo terrestre.

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O telejornal veicula reportagens gravadas, comentários, participações de correspondentes e entradas ao vivo de repórteres. Os apresentadores movimentam-se entre os espaços que compõem o estúdio: a bancada, o telão e a sala. Ao final de cada bloco, os âncoras enunciam, além dos destaques dos blocos seguintes, uma marcação temporal, com a hora de Brasília sendo exibida no canto direito da tela. Há, ainda, dois quadros fixos no programa: a previsão do tempo, do estúdio em São Paulo; e o esporte, do estúdio no Rio de Janeiro. Ao final de cada edição, o telejornal encerra em um tom de leveza: os correspondentes internacionais e apresentadores de outros estados aparecem, em uma superposição de telas, fazendo seus últimos comentários e desejando um bom dia aos telespectadores.

7.1.3 Jornal Hoje (JH)

O telejornal Jornal Hoje estreou na grade de programação da RGT em abril de 1971, sendo produzido em São Paulo e exibido das 13h20min às 14h, de segunda a sábado. O programa adota uma linha editorial que prioriza os assuntos em se fazendo notícia no horário de sua exibição, por isso conta com muitas participações ao vivo de repórteres e correspondentes. Além disso, veicula reportagens sobre os acontecimentos da manhã, sejam eles sociais, políticos, econômicos ou culturais, incluindo as informações sobre o clima. O programa nasceu direcionado ao público feminino com a exibição de notícias sobre os acontecimentos da manhã, além de assuntos culturais, como reportagens sobre arte, espetáculos e entrevistas. Nos anos de 1980, o JH sofreu uma importante reformulação na linha editorial: além de investir nas hard news, abriu espaço para reportagens especiais. Manteve, não obstante, os temas relacionados a comportamento e variedades, principalmente os direcionados ao público feminino. A equipe de jornalismo do JH é composta, em parte, por profissionais da redação em São Paulo, além das equipes de reportagem espalhadas pelo país e os correspondentes internacionais. O telejornal adota um formato bem definido que é repetido diariamente. Com duração de 40 minutos, o programa estrutura-se em três blocos, e, normalmente, é apresentado por uma ou duas pessoas. Os âncoras titulares são e Dony de Nuccio. Cabe destacar a atuação de Sandra Annenberg e Dony de Nuccio enquanto âncoras do JH. Sandra tem 49 anos, cabelos pretos curtos, vestindo-se sempre com elegância, normalmente usando calça e camisa. A sua maneira de ancoragem do programa é impregnada de um certo tom de informalidade, como se Sandra estivesse conversando diretamente com o

77 telespectador. Além disso, a âncora faz diversos comentários sobre diferentes matérias e costuma parecer bastante simpática e sorridente, principalmente na veiculação de notícias com temática mais leve. Dony de Nuccio tem 33 anos, cabelos curtos pretos, vestindo-se sempre com elegância, usando terno e gravata. A sua maneira de ancoragem do programa é impregnada de um tom de seriedade, quase não fazendo comentários críticos e dotando sua fala de uma pretensa objetividade. Na ausência de Sandra Annenberg ou de Dony de Nuccio, o JH é conduzido por apenas um âncora. Outros apresentadores, como Maria Júlia Coutinho, Zileide Silva e Rodrigo Bocardi, revezam-se na apresentação do JH aos sábados. O telejornal inicia pela exibição da escalada, quando, da bancada, os âncoras enunciam os principais destaques daquela edição. As manchetes são acompanhadas por imagens dos acontecimentos e também pela trilha sonora do programa. Durante a escalada, há um movimento de câmera de aproximação aos apresentadores, repetido em todas as edições. Na sequência, ocorre a veiculação da vinheta, um grafismo elaborado em referência aos seis monitores que se movimentam no estúdio que e que culmina na formação da letra “H” com o mapa do mundo ao fundo. Os outros dois blocos do JH apresentam a mesma estrutura do primeiro. Os apresentadores movimentam-se no estúdio: levantam-se para conversar com repórteres e correspondentes internacionais no telão, e, da bancada anunciam as reportagens. A previsão do tempo também é apresentada do mesmo estúdio. Desde 2014, o programa ocorre em um cenário com uma bancada sobreposta em um espaço circular, um telão ao fundo, seis monitores que se movimentam atrás dos apresentadores, além de uma área de poltronas, exclusiva para entrevistas. O cenário é vazado, o que significa que se pode observar o trabalho dos jornalistas da redação ao fundo.

7.1.4 Jornal Nacional (JN)

O telejornal Jornal Nacional estreou na grade de programação da RGT em setembro de 1969, sendo produzido no Rio de Janeiro e exibido de segunda a sábado das 20h30 às 21h15. O programa adota uma linha editorial hard news, veiculando, prioritariamente, as notícias referentes aos acontecimentos mais relevantes à população brasileira em geral. Além disso, destina importante espaço ao noticiário internacional, às informações sobre o clima e às informações sobre o esporte. A equipe de jornalismo do JN é composta, em parte, por profissionais do Rio de Janeiro e de São Paulo, além dos alocados nas outras emissoras, nas afiliadas e nos escritórios

78 do exterior. O telejornal adota um formato bem definido que é repetido diariamente. Com duração de cerca de 45 minutos, o programa estrutura-se em quatro blocos: o primeiro, com maior duração, tem 20 minutos. O telejornal inicia pela exibição da escalada, quando, da bancada, os âncoras enunciam os principais destaques daquela edição. A enunciação das manchetes se dá de forma alternada entre os apresentadores e é acompanhada pela exibição de imagens dos acontecimentos, trechos de entrevistas e a trilha sonora do programa. Na sequência, ocorre a veiculação da vinheta: o grafismo faz referência ao mapa do mundo e culmina com a formação, em primeiro plano, das letras “JN”. O telejornal segue com a apresentação de reportagens, entradas ao vivo de repórteres e informações da previsão do tempo. Os outros blocos do JN adotam a mesma estrutura do primeiro. Os âncoras movimentam-se no estúdio, levantam-se para conversar com repórteres e correspondentes internacionais no telão e da bancada anunciam reportagens. O cenário do programa chama a atenção pelo tamanho das telas: em entradas ao vivo de repórteres, o tamanho do âncora é o mesmo, ou menor, do que o tamanho do repórter no monitor. É isso que acontece no quadro da previsão do tempo em que a apresentadora Maria Júlia Coutinho parece fazer parte da primeira tela. Esse efeito visual provoca um sentido de presença, como se os dois atores discursivos estivessem próximos, ou até, ocupando o mesmo espaço. Cabe destacar a atuação de William Bonner e enquanto âncoras do JN. William Bonner tem 54 anos, cabelos curtos levemente grisalhos, vestindo-se sempre com elegância, usando terno e gravata. Bonner é âncora do JN desde 1996 e sua maneira de condução do programa sofreu alterações ao longo desses mais de 20 anos. Atualmente, o apresentador articula, além do tom de seriedade já tradicionalmente adotado, um outro, o de informalidade, na tentativa de suavizar a enunciação. Nos últimos anos, a realização de comentários sobre diferentes matérias também tem se tornado mais comum. Renata Vasconcellos tem 45 anos, cabelos pretos de comprimento médio, vestindo-se sempre com elegância, normalmente usando saia, camisa e sapatos de salto alto. A sua maneira de ancoragem do programa é impregnada de um tom de seriedade, quase não fazendo comentários críticos e dotando sua fala de uma pretensa objetividade, porém com certa simpatia. Na ausência dos âncoras titulares, o JN é apresentado por Sandra Annenberg, Ana Paula Araújo, Monalisa Perrone, Rodrigo Bocardi, Heraldo Pereira, Chico Pinheiro, entre outros. Ao longo dos anos, o JN foi pioneiro: ampliou as coberturas internacionais; atribuiu maior importância ao papel dos repórteres; abriu espaço para comentaristas e chargistas;

79 adotou o padrão americano de ancoragem com casais, etc. Mudanças tecnológicas também alteraram a dinâmica do telejornal que, desde 2013, é totalmente produzido em alta definição e que, em 2017, estreou um cenário com efeitos em 3D. 7.1.5 Jornal da Globo (JG)

O telejornal Jornal da Globo estreou na grade de programação da RGT em abril de 1979, sendo produzido em São Paulo e exibido de segunda a sexta-feira, em horário variável, normalmente depois da meia noite. O programa adota uma linha editorial que prioriza assuntos políticos e econômicos, incluindo a veiculação de análises de especialistas e comentaristas. O JG dedica espaço especial ao noticiário internacional, cultural e esportivo. Desde seus primeiros anos, o telejornal apresentou reportagens, séries e entrevistas voltadas à análise do cenário político e econômico nacional e internacional. Entre os anos de 1981 e 1982, o programa foi substituído pelo JN – 2ª Edição. Ao ser retomado, disponibilizou espaço para o humor crítico e reflexivo com a participação de chargistas, comediantes, cartunistas, etc. A equipe de jornalismo do JG é composta, em parte, por profissionais de São Paulo, além de repórteres de todo o país e correspondentes internacionais. O telejornal adota um formato bem definido que é repetido diariamente. O programa começa com um pequeno comentário do/da âncora sobre o principal assunto do dia e, na sequência, exibe a escalada com outras manchetes da edição. A abertura encerra com a exibição da vinheta, em tons de azul, com a formação gráfica da palavra “Globo”. O JG tem cinco blocos e duração média de 45 minutos. Os telões do cenário são utilizados não só para a veiculação de informações gráficas que auxiliam na explicação das notícias, como também para a interação com repórteres, comentaristas e correspondentes. O/a âncora movimenta-se pelo cenário, enunciando os assuntos ora sentado, ora em pé. O JG também reserva espaço para comentários e um quadro fixo de opinião apresentado por Arnaldo Jabor. Cada bloco termina com a referência aos destaques do bloco seguinte, e todos os blocos seguem basicamente a mesma estrutura com a exibição de notícias do esporte, cultura, além das informações sobre política e economia. O tom adotado é o de seriedade, formalidade, e ironia, abrindo espaço para o aprofundamento das análises e opiniões. Cabe destacar, ainda, as alterações ocorridas na ancoragem do JG no ano de 2017. Até novembro, o telejornal era ancorado por William Waack, jornalista, de 65 anos, cabelos grisalhos, usando sempre terno e gravata e dotando a condução do programa de um tom de seriedade, porém emitindo diversos comentários críticos e análises, principalmente quando da

80 veiculação de matérias sobre a temática política e econômica. Porém, após a divulgação de um vídeo, nas redes sociais, em que Waack aparece proferindo uma frase racista, o apresentador foi demitido da RGT e substituído pela jornalista Renata Lo Prete. Há que se fazer menção à forma de encerramento dos cinco formatos analisados por esta pesquisa: em todas as edições, os âncoras informam o horário do próximo telejornal na grade de programação e ressaltam, ainda, que os conteúdos são disponibilizados, na íntegra, na plataforma Globoplay.

Tabela 3 – Comparação dos cinco formatos de telejornais: H1, BDB, JH, JN e JG.

Âncoras Horário de exibição Temáticas Preferenciais H1 Monalisa Perrone Das 5h às 6h. Clima, trânsito, política, economia, notícias regionais, notícias internacionais e esportes. BDB Chico Pinheiro Das 7h30 às 9h. Política, economia, serviços sociais, Ana Paula Araújo segurança, clima, notícias regionais, notícias internacionais e esportes. JH Sandra Annenberg Das 13h20 às 14h. Política, economia, serviços sociais, Dony de Nuccio segurança, cultura, clima, notícias internacionais. JN William Bonner Das 20h30 às 21h15. Política e economia (nacional e Renata Vasconcellos internacional), segurança, esportes e clima. JG Renata Lo Prete A partir da 0h. Política e economia (nacional e (substituta de William internacional), cultura e esportes. Waack)

7.2 DESCRIÇÃO DAS NOTÍCIAS SELECIONADAS

Foram selecionadas para a análise, de acordo com o percurso metodológico anteriormente estabelecido, as notícias sobre seis acontecimentos distintos, veiculadas nas diferentes edições dos cinco telejornais de âmbito nacional da RGT, Hora 1 da Notícia, Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da Globo, no período de 25.09 a 29.09.2017. As notícias analisadas foram selecionadas e agrupadas, considerando os acontecimentos abordados pelas suas narrativas, de acordo com os seguintes critérios:

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 Grupo 01: 02 acontecimentos veiculados em apenas um telejornal do referido período de 24h, um da ordem da previsibilidade e outro da ordem da imprevisibilidade;  Grupo 02: 02 acontecimentos veiculados em todas as edições de telejornais do referido período de 24h, um da ordem da previsibilidade e outro da ordem da imprevisibilidade;  Grupo 03: 02 acontecimentos veiculados em apenas algumas edições de telejornais do referido período de 24h, um da ordem da previsibilidade e outro da ordem da imprevisibilidade. O texto das notícias é analisado do ponto de vista de suas relações para, inter e intratextuais.

7.2.1 Grupo 01: acontecimentos não repetidos

Foram selecionados, nesta etapa, para serem submetidos à análise, 02 acontecimentos transformados em notícias que tiveram veiculação única, ou seja, que entraram na pauta de apenas uma edição de telejornal da RGT no período de 24h, definido por esta pesquisa, não havendo sido repetidos nas demais edições: (1) Festival sobre a Lenda do Boto, que se trata de ocorrência da ordem da previsibilidade, veiculada apenas na edição do telejornal Hora 1 da Notícia, do dia 25.09.2017; e (2) Filho de prefeita de 11 anos dirige carro, que se trata de ocorrência da ordem da imprevisibilidade, veiculada apenas na edição do telejornal Bom Dia Brasil, do dia 28.09.2017.

7.2.1.1 Acontecimento 01: Festival sobre a Lenda do Boto

O acontecimento referente ao Festival sobre a Lenda do Boto foi veiculado, sob forma de notícia, somente na edição do telejornal Hora 1 da Notícia de 25.09.2017, às 5h58, com duração de 02 minutos e 17 segundos, configurando-se como uma reportagem. A narrativa, na configuração discursiva deste acontecimento sob forma de notícia, relata a disputa entre duas agremiações do Pará pela conquista do título de campeã do festival que elege a melhor representação artística da Lenda do Boto, uma fábula que faz parte do folclore das comunidades do norte do Brasil.

7.2.1.1.1 Caracterização geral da notícia

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O acontecimento objeto da notícia em análise, em sua única configuração, trata-se de uma ocorrência da ordem da previsibilidade: a realização do Festival do Sairé em Santarém, no Pará, onde aconteceu também a disputa entre duas agremiações pelo título de melhor interpretação da Lenda do Boto. O festival, realizado entre os dias 21.09 e 25.09.2017, entrou na pauta da edição do telejornal H1 no dia 25.09.2017. O texto da notícia referente ao Festival sobre a Lenda do Boto, apresentado sob a forma de reportagem, atende fragilmente às características consideradas em qualquer seleção jornalística, já que responde apenas ao critério maior de atualidade, ao qual se agregam traços de conhecimento/cultura e entretenimento/surpresa frente ao acontecimento noticiado. A apresentação de acontecimento que, embora bastante conhecido e tradicional no norte do Brasil, fica restrito a uma região específica do país, parece só ter sido incluída na pauta da edição porque faz referência a um conteúdo dramatúrgico, cuja veiculação, à época, estava em curso na grade de programação da emissora. Essa pressuposição se ancora também no fato de o tempo dedicado à reportagem ser bastante reduzido – 2min17segundos –, o que diz de sua pouca relevância. Ressalte-se, ainda, que o acontecimento não foi noticiado nos demais telejornais da RGT.

7.2.1.1.2 Análise paratextual de caráter contextual

A lenda do boto faz parte da história e da cultura dos moradores da região norte do Brasil, principalmente das comunidades que vivem à beira de rios da bacia amazônica. Segundo a narrativa, o boto, mamífero de água doce que habita os rios amazônicos e é muito parecido com um golfinho, transforma-se, nas noites de lua cheia, em um belo rapaz, vestido de branco e com um chapéu na cabeça, que aparece para as meninas solteiras ribeirinhas. Ele então escolhe a mais bonita delas, leva-a para o fundo do rio, e de lá a moça volta grávida. A lenda é usada para justificar o nascimento de crianças de mães solteiras ou ainda de filhos fora do casamento. Assim, na região, crianças de pais desconhecidos são chamadas de “filhos do boto” (CASCUDO, S/D). No oeste do Pará, na cidade de Santarém, acontece, há mais de 300 anos, a Festa do Sairé, criada no séc. XVII por missionários jesuítas com o intuito de evangelizar os índios no processo de colonização da região amazônica (CADETE, 2017). A festividade, de caráter folclórico-religioso, ocorre em uma vila balneária da cidade de Santarém, chamada Alter do Chão. Com duração de cinco dias, congrega rituais religiosos, danças, músicas e culinária da

83 região, além de contar com a encenação da lenda do boto. Nesse período festivo, a comunidade, que tem cerca de seis mil moradores, recebe um público de mais de 100 mil pessoas (CADETE, 2017). Inicialmente, o evento consistia em uma procissão, em que o símbolo mais importante, o arco do Sairé, uma representação do Divino Espírito Santo, era conduzido pelos jesuítas e pelos índios. Depois da procissão, acontecia uma oração e um jantar. Com o passar dos anos, a festividade ganhou novas manifestações, entre elas, o concurso de melhor encenação da lenda do boto. Atualmente, a disputa ocorre entre duas agremiações: a do boto tucuxi (boto cinza) e a do boto cor de rosa. As performances contam com fantasias e alegorias; já a música e a dança recorrem ao ritmo do carimbó, um tipo de coreografia executada com saias rodadas e no compasso de tambores.

7.2.1.1.3 Análise paratextual de caráter enunciativo

A veiculação da notícia, sob forma de reportagem, do Festival sobre a Lenda do Boto exibida pelo H1 (25.09.2017), ocorre ao mesmo tempo em que a vida e os costumes das comunidades ribeirinhas amazônicas faziam parte dos temas abordados pela RGT na teledramaturgia. A telenovela mais importante da grade de programação, exibida na faixa das 21h, no período de abril a outubro de 2017, foi A força do querer, de Glória Perez. A história de alguns dos principais personagens dessa novela começou no interior do Pará, em uma comunidade ribeirinha chamada Parasinho. As cenas envolvendo os personagens do núcleo de Parasinho reforçam costumes regionais como as festas com a dança do carimbó e a religiosidade. O destaque fica por conta da personagem Ritinha, interpretada pela atriz Isis Valverde, que, na novela, acredita ser filha de um boto, trabalha como sereia em piscinas de Belém e do Rio de Janeiro e dança carimbó. A RGT, como instância enunciativa maior, responsável por toda a produção da emissora, tem, nessa perspectiva, interesse na veiculação da notícia do Festival sobre a Lenda do Boto. Tudo indica ser essa a razão pela qual a instância enunciativa do telejornal H1 a incluiu na pauta de uma edição do programa de segunda-feira, durante a madrugada. Normalmente, os telejornais da manhã, no primeiro dia útil da semana, diante da pobreza de informações novas, centram sua atenção na veiculação de notícias sobre acontecimentos ocorridos no fim de semana, muitos deles ligados à arte e ao lazer. As notícias de caráter sociocultural costumam fazer parte do conteúdo dos telejornais nesse período devido à carência de acontecimentos nas esferas política e econômica.

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No caso da notícia do festival sobre a lenda do boto, a RGT, para preencher os espaços vazios e, ao mesmo tempo, promover sua telenovela, lançou mão da estrutura de sua afiliada, a TV Tapajós, aproveitando seus serviços na coprodução da reportagem, o que fica bastante perceptível quando se observa a escalação dos profissionais da afiliada para a realização da matéria. A notícia, sob forma de reportagem, veiculada na edição do H1 de 25.09.2017, não esteve entre as manchetes do programa neste dia, mas outras matérias foram destacadas na abertura do telejornal, entre elas, a tensão na favela da Rocinha por causa da guerra entre traficantes; o combate aos escorpiões em cidades do interior de São Paulo; e o resultado das eleições na Alemanha. A reportagem, em análise, teve veiculação no terceiro bloco da edição do H1, sendo precedida por uma reportagem sobre a última noite do Rock in Rio, e, sucedida pelo encerramento da edição. Verifica-se, assim, a utilização de estratégia de roteirização através da exibição, em sequência, de matérias sobre temas culturais/artísticos, atribuindo sentido de leveza ao encerramento do programa. Através da veiculação da reportagem do Festival sobre a Lenda do Boto, a RGT, enquanto instância enunciativa maior, e o H1, enquanto instância enunciativa imediata, atendem à promessa firmada com a audiência de informar a audiência sobre os principais acontecimentos artísticos e culturais em âmbito nacional.

7.2.1.1.4 Análise intertextual de caráter paradigmático

A notícia do Festival sobre a Lenda do Boto, em análise, é configurada, pelo H1, sob forma de reportagem. A estrutura da conformação em análise segue o paradigma tradicionalmente adotado pelo seu modelo. O modelo de reportagem, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça da reportagem, apresentada pelo(s) âncora(s), a própria matéria, gravada e editada, que conta com a narração de um repórter em off, intercalada por declarações de entrevistados envolvidos com o acontecimento divulgado, além do boletim de passagem do repórter, momento em que ele aparece no vídeo, assinando a matéria. O modelo tradicional de reportagem pode contar, ainda, com a nota pé, ou seja, com a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s) do estúdio.

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A reportagem veiculada pelo H1 segue os moldes desse paradigma: a âncora Monalisa Perrone introduz o assunto que prossegue com a narração em off pela repórter Débora Rodrigues, apresentando uma única entrevista, bem como um boletim de passagem, com a figura da repórter. O formato, bastante previsível, em nada surpreende o telespectador. Os recursos empregados em entrevistas são bastante modestos – apenas um artista, participante do festival, ganha voz no texto publicado pelo telejornal. Cabe ainda destacar que, ao invés de amenizar o regionalismo através de uma narração em off sem distinção de sotaque, como normalmente acontece em telejornais de exibição nacional, neste caso o localismo é acentuado, não apenas pela forma como a repórter pronuncia as palavras, como também pela utilização de expressões de linguagem próprias da região norte do país.

7.2.1.1.5 Análise intratextual da notícia

A análise intratextual de caráter discursivo/expressivo do texto da notícia sobre o Festival sobre a Lenda do Boto, veiculada sob forma de reportagem, descreve, na sequência, os procedimentos por ele adotados na manifestação dos dispositivos discursivos/expressivos, referentes à tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização.

 Tematização/Figurativização

O texto da notícia sobre o acontecimento, aqui analisado, propõe como tema central a oposição realidade vs fantasia, figurativizada pela competição na qual duas agremiações disputam o título de melhor representação da lenda do boto, tema esse que se articula a partir das seguintes oposições: crença vs ceticismo, sagrado vs profano, competição vs cumplicidade. Assim, a lenda do boto é figurativizada através da narração do desempenho dos grupos participantes do festival, na representação dessa lenda.

 Actorialização

A narrativa contida no texto da notícia do Festival sobre a Lenda do Boto, sob forma de reportagem veiculada na edição do telejornal H1, comporta os seguintes atores: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone; a jornalista, Débora Rodrigues, responsável pela condução da reportagem; e o artista, Fabiano Alencar, que interpreta a transformação de uma cobra em

86 curandeiro. O protagonista principal da narrativa do festival é, sem dúvida, o artista Fabiano Alencar, único a ser entrevistado na reportagem. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados, sendo eles, dois cantores reconhecidos regionalmente, David Assayag e Dona Onete; os dançarinos que, fantasiados, realizam as performances; e o público que, animado, dançante e acenando bandeirinhas para o alto, assiste ao festival. Já os protagonistas principais da reportagem são a repórter, que apresenta o acontecimento, e a âncora do H1 que veicula a matéria, demonstrando, no texto desta notícia, animação frente ao festival.

 Espacialização

De maneira geral, o modelo – reportagem – adotado na configuração do texto da notícia do Festival sobre a Lenda do Boto, recorre a dois espaços principais: (1) um interno, o estúdio do telejornal H1 localizado em São Paulo, comportando uma bancada transparente, uma cadeira branca, um telão e detalhes ao fundo, em cores brancas e amarelas; e, (2) um externo, a arena do festival na cidade de Santarém no Pará, comportando arquibancadas, e no centro, uma grande quadra na qual acontecem as performances das agremiações, e onde também está a repórter. Nessa arena, cuja arquibancada é elevada, o público assiste à competição. Nas encenações executadas pelos dois grupos, a quadra representa o lago dos botos e nela acontecem as coreografias. A captação das imagens pelas câmeras é realizada a partir da perspectiva de quem está no chão e também de quem vê o espetáculo de cima. Já na cabeça da reportagem, Monalisa Perrone é enquadrada em um plano médio.

 Temporalização

O modelo do texto da notícia aqui analisada recorre a diferentes temporalidades: sua referência temporal é o presente representado pela emissão, ao vivo, do estúdio, do telejornal H1, mais precisamente às 5h58 da manhã, no final da edição de 25.09.2017, quando a âncora Monalisa Perrone chama a reportagem; há o tempo de feitura da reportagem produzida no passado em relação ao presente da emissão, podendo ter ocorrido entre os dias 21.09 a 24.09.2017, período de tempo em que se desenvolveu a Festa do Sairé; há, ainda, o tempo presente do festival, em andamento e o tempo passado das apresentações artísticas da lenda do boto. Cabe salientar ainda que, nem a cabeça proferida pela âncora, nem a narrativa da reportagem especificam a data de ocorrência do festival. Monalisa Perrone, ao anunciar a

87 comemoração, utiliza o presente: “Em Santarém, no Pará, duas agremiações disputam para saber quem encena melhor a Lenda do Boto, uma das mais famosas da Amazônia. O festival reúne de um lado a turma do boto cor de rosa e de outro a do boto tucuxi”. A fala da âncora também não esclarece a data de término do festival. Já a reportagem traz o relato das apresentações do festival como ocorridas em um passado não delimitado em relação à própria produção da matéria: “O boto cor de rosa entrou em cena para destacar a arte dos sons. E a abertura foi ao som da bateria”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 2min17s, sendo que desses, 23s foram ocupados com a enunciação da cabeça pela âncora Monalisa Perrone, e 1min54s pela própria reportagem; bem como de sua localização temporal no desenrolar da emissão do telejornal – ela foi apresentada como última matéria da emissão, sendo exibida às 5h58min.

 Tonalização

De maneira geral, o texto da notícia em análise, devido ao próprio tema central abordado – realidade vs fantasia – e suas articulações temáticas – crença vs ceticismo, sagrado vs profano, competição vs cumplicidade, entre outros – está impregnado por um tom geral comemorativo, que se articula com outros tons, tais como os de leveza, alegria, exaltação, nesse caso, em relação à cultura da região norte do país. Essa articulação tonal se expressa desde o anúncio da cabeça pela âncora Monalisa Perrone que, de forma sorridente, introduz a reportagem, empregando uma entonação de voz descontraída e alegre. Já a exaltação regionalista se expressa não só pelo acontecimento em si abordado como tema da reportagem, mas também pelo sotaque da repórter, bem característico dos moradores locais. Além disso, o único entrevistado na matéria, o artista Fabiano Alencar, emprega expressões da linguagem indígena, como em: “[...] todos os seres abaixo da terra, do mundo nami budi, o mundo subterrâneo”.

7.2.1.1.6 Análise intertextual de caráter sintagmático

A notícia em exame, veiculada na edição do telejornal H1 de 25.09.2017, não marcou presença na pauta de outras edições dos telejornais durante o período mapeado (de 25.09 a 29.09.2017). Dessa maneira, não foi possível estabelecer suas relações de intertextualidade com outras notícias que operassem sobre o mesmo acontecimento.

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Parece pertinente, não obstante, examiná-la em outro tipo de relação sintagmática: aquela que ela contrai com as notícias que a precederam e ou sucederam no corpo da edição do telejornal. A apresentação da notícia sobre o festival da lenda do boto foi precedida pela de matéria sobre outro festival, o Rock in Rio, com duração de 6min33s. A RGT, por manter relações comerciais muito próximas com o Rock in Rio, realiza tradicionalmente amplas coberturas sobre o evento, o que pode ser confirmado pelo tempo disponibilizado pelo H1 para o assunto. Assim, a reportagem em análise ser a última matéria veiculada pela edição do H1, e, não, o Rock in Rio, rompe com a expectativa do telespectador de que a emissão finalizasse com a exibição do último dia do festival do rock, como comumente acontece com outras edições de telejornais. Cabe ainda ressaltar que a relação sintagmática mais significativa estabelecida pela notícia em análise é sua referência à dramaturgia da emissora, pois estabelece um vínculo entre a o factual e o ficcional, a partir da constatação de que a lenda do boto faz parte tanto da narrativa jornalística quanto da telenovela. Mesmo que a reportagem não cite, diretamente, a novela, o telespectador que acompanha a programação da RGT percebe de pronto o vínculo atualizado. Por outro lado, vale destacar que, nessa mesma edição, além do festival do boto no Pará, o H1 veiculou outras três temáticas regionais: uma fazenda invadida por índios na Bahia, um casal preso por traficar aves em Goiás, e procissões religiosas no Rio Grande do Sul. Todas essas temáticas fogem do eixo principal de cobertura do programa que passa pelas grandes capitais do país, com foco em Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

7.2.1.2 Acontecimento 02: Filho de vice-prefeita de 11 anos dirige carro

O acontecimento referente ao Filho de vice-prefeita de 11 anos que dirige carro foi veiculado, sob forma de notícia, apenas na edição do telejornal Bom Dia Brasil de 28.09.2017, às 7h38, com duração de 02 minutos e 46 segundos, configurando-se como uma reportagem. A narrativa, na configuração discursiva deste acontecimento sob forma de notícia, relata dois flagrantes de uma criança de 11 anos, filho da vice-prefeita da cidade de Mamanguape, no interior da Paraíba, dirigindo carros, em circunstâncias distintas, sem que fosse abordado pela fiscalização policial.

7.2.1.2.1 Caracterização geral da notícia

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O acontecimento objeto da notícia em análise, em sua única configuração, trata-se de uma ocorrência da ordem da imprevisibilidade: uma criança de 11 anos de idade, filho da vice-prefeita da cidade de Mamanguape no interior da Paraíba, flagrada em imagens de celular dirigindo carros, em duas circunstâncias distintas, sem ser abordado pela fiscalização policial. Esses flagrantes, sem data de produção especificada na reportagem e sem nomear ou exibir o rosto do menino, entraram na pauta da edição do telejornal BDB no dia 28.09.2017. O texto da notícia referente ao Filho de vice-prefeita de 11 anos que dirige carro, apresentado sob a forma de reportagem, atende às características consideradas em qualquer seleção jornalística, já que responde aos critérios maiores de atualidade, novidade, e interesse ao qual se agregam traços de proeminência dos sujeitos envolvidos e raridade/surpresa frente ao noticiado. A apresentação de acontecimento que, embora restrito a uma pequena cidade do interior da Paraíba, parece ter sido incluída na pauta da edição porque faz referência a um conteúdo raro e surpreendente: uma criança, filho de uma das principais lideranças políticas da cidade, é flagrada, mais de uma vez, dirigindo carros, e, ainda, gravando vídeos de celular para publicação em redes sociais, sem, em nenhum momento, ser abordada por policiais ou qualquer outro tipo de fiscalização. Apesar do espanto diante do noticiado, a baixa relevância atribuída ao acontecimento pode ser observada pelo tempo – 2min46s – dedicado ao assunto na edição do telejornal aqui analisado. Ressalte-se, ainda, que o acontecimento não foi noticiado nos demais telejornais da RGT.

7.2.1.2.2 Análise paratextual de caráter contextual

A condução de veículos no Brasil, regulamentada pelo Código de Trânsito Brasileiro, estabelece regras para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), necessária para dirigir motos, carros e outros veículos de transporte em todo o território nacional. Dentre as regras vigentes, a legislação determina que o candidato à motorista seja imputável, isto é, maior de 18 anos, idade mínima para ser responsabilizado civil e criminalmente por eventuais ilegalidades cometidas. Além disso, ele deve saber ler e escrever e possuir um documento de identificação. Somente correspondendo a esses requisitos, o indivíduo pode participar de aulas teóricas e práticas sobre trânsito e realizar os exames necessários antes de obter a CNH, que lhe dá o direito de conduzir veículos em todo o território brasileiro (BRASIL, 1997). Dessa forma, o flagrante exibido pela reportagem em análise consiste em uma infração de trânsito, na qual uma criança de 11 anos dirige um veículo e aparece em imagens gravadas através de celular.

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Esses flagrantes, não obstante, ocorrem no litoral norte da Paraíba, na cidade de Mamanguape, com população estimada de 45.005 habitantes (IBGE CIDADES, 2018), governada por duas mulheres – a prefeita Maria Eunice do Nascimento Pessoa do PSB e a vice-prefeita Baby Helenita Veloso Silva do PRTB, essa última mãe do menino flagrado dirigindo. A chapa das duas políticas foi cassada pela justiça eleitoral em 2017 sob a acusação de compra de votos na campanha eleitoral do ano anterior. De acordo com a investigação, as duas candidatas ofereceram, por apoio na campanha eleitoral, dinheiro, empregos e até cachaça para eleitores e candidatos a vereador (JUSTIÇA, 2017). Apesar das graves acusações, as duas políticas recorreram da decisão e seguiram governando a cidade. O flagrante do filho da vice-prefeita dirigindo carros ocorre em um contexto amplo de desmoralização dos políticos brasileiros, provocado pelas diversas denúncias de corrupção em âmbito nacional, desencadeadas, principalmente, pelas ações e desdobramentos da Operação Lava Jato. A proeminência do sujeito envolvido na infração de trânsito abordada pela reportagem, ou seja, o fato de se tratar de filho da vice-prefeita de pequeno município do interior da Paraíba, reforça a sensação de impunidade em relação àqueles detêm o poder, partilhada pela maior parte da população brasileira, além de demonstrar a fragilidade dos órgãos de fiscalização em municípios menores, pertencentes a territórios, aparentemente, sem leis.

7.2.1.2.3 Análise paratextual de caráter enunciativo

A veiculação da notícia, sob forma de reportagem, sobre o Filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carro, exibida pela edição do BDB (28.09.2017), ocorre ao mesmo tempo em que é noticiado o aumento de 8% no número de indenizações por acidentes de trânsito no país. Assim, ao dar prosseguimento ao assunto trânsito, a edição do BDB exibe a matéria do filho da vice-prefeita que dirige carro. A reportagem alia os sentidos de impunidade, relativo aos políticos e seus acobertados, e de imprudência entre os motoristas. A notícia, sob forma de reportagem, veiculada na edição do BDB de 28.09.2017, não esteve entre as manchetes do programa neste dia, mas outras matérias foram destacadas, entre elas, as consequências da tragédia da Samarco na vida dos moradores ribeirinhos, o aumento no número de indenizações por acidentes de trânsito no país, e o afastamento de Aécio Neves do Senado. A reportagem, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição do BDB, sendo precedida por outra reportagem sobre o aumento no número de indenizações por causa de

91 acidentes de trânsito, e, sucedida por uma matéria especial sobre as consequências da tragédia da Samarco na vida de moradores ribeirinhos. Verifica-se, assim, a utilização de estratégia de roteirização através da exibição, em sequência, de matérias sobre infrações de trânsito, produzindo um sentido de continuidade do tema, entre uma e outra. No caso da reportagem em análise, a RGT lançou mão da estrutura de sua afiliada, a TV Paraíba, aproveitando seus serviços na coprodução da notícia, o que fica bastante perceptível quando se observa a escalação dos profissionais da afiliada para a realização da matéria. Além disso, o texto é composto por imagens gravadas com câmeras de celular e publicadas em redes sociais. Através da veiculação da reportagem sobre o Filho da vice-prefeita de 11 anos dirige carro, a RGT, enquanto instância enunciativa maior, e o BDB, enquanto instância enunciativa imediata, atendem à promessa firmada com a audiência de informar/denunciar irregularidades e privilégios e educar os cidadãos sobre o comportamento a ser adotado no trânsito.

7.2.1.2.4 Análise intertextual de caráter paradigmático

A notícia sobre o Filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carro, em análise, é configurada, pelo BDB, sob forma de reportagem. A estrutura da conformação em análise segue o paradigma tradicionalmente adotado pelo seu modelo. O modelo de reportagem, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça da reportagem, apresentada pelo(s) âncora(s), a própria matéria, gravada e editada, que conta com a narração de um repórter em off, intercalada por declarações de entrevistados envolvidos com o acontecimento divulgado, além do boletim de passagem do repórter, momento em que ele aparece no vídeo, assinando a matéria. O modelo tradicional de reportagem pode contar, ainda, com a nota pé, ou seja, com a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s) do estúdio. A reportagem veiculada pelo BDB segue os moldes desse paradigma: o âncora Chico Pinheiro introduz o assunto que prossegue com a narração em off pelo repórter Giuliano Roque, apresentando quatro entrevistas, bem como um boletim de passagem, com a figura do repórter. O formato, bastante previsível, só surpreende o telespectador pela utilização de vídeos gravados através de celular e publicados pelos envolvidos no caso, em suas redes sociais. Esses vídeos revelam a criança de 11 anos dirigindo um carro em duas circunstâncias distintas, sendo que, em uma delas, o menino realiza a ultrapassagem de uma viatura policial,

92 e, na outra, conduz a mãe, a vice-prefeita de Mamanguape, até o local de sua festa de aniversário. A reportagem encerra com uma nota pé proferida do estúdio pelos âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo. Cabe ainda destacar que o regionalismo não é atenuado na reportagem, haja vista a narração em off com sotaque nordestino. 7.2.1.2.5 Análise intratextual da notícia

A análise intratextual de caráter discursivo/expressivo do texto da notícia sobre o Filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carro, veiculada sob forma de reportagem, descreve, na sequência, os procedimentos por ele adotados na manifestação dos dispositivos discursivos/expressivos, referentes à tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização.

 Tematização/Figurativização

O texto da notícia sobre o acontecimento, aqui analisado, propõe como tema central a oposição prudência vs imprudência, figurativizada pelos flagrantes de uma criança de 11 anos, filho da vice-prefeita de Mamanguape, dirigindo carros em duas circunstâncias distintas, uma delas acompanhado pela mãe, sem ser abordado pela fiscalização policial, tema esse que se articula a partir das seguintes oposições: certo vs errado, permitido vs proibido, honestidade vs improbidade, idoneidade vs corrupção. Assim, a temática da imprudência no trânsito é articulada com a da impunidade entre políticos, já que, na narrativa, o cargo de vice- prefeita ocupado pela mãe da criança é determinante na realização do texto da notícia.

 Actorialização

A narrativa contida no texto da notícia sobre o Filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carro, veiculada sob forma de reportagem na edição do telejornal BDB, comporta os seguintes atores: o(s) âncora(s) do telejornal, Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo; o jornalista Giuliano Roque, responsável pela condução da reportagem; a vice-prefeita de Mamanguape e, também, mãe da criança flagrada dirigindo um carro, Baby Helenita Veloso Silva; um homem, não nomeado pela reportagem, que emite uma opinião contrária ao fato de uma criança estar dirigindo; o major, Alberto Filho, comandante da Polícia Militar; e outro homem, também não nomeado pela reportagem, que profere opinião contrária à falta de fiscalização no trânsito de Mamanguape. Os protagonistas principais da narrativa são, sem

93 dúvida, a vice-prefeita Baby Helenita Veloso Silva; e seu filho de 11 anos que aparece dirigindo carro e cuja imagem é mostrada com o rosto borrado. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados na narrativa, sendo eles, o comandante da Polícia Militar de Mamanguape, que se apresenta como um personagem complementar, demonstrando, de certa forma, conivência com a ilicitude; e os moradores da cidade que funcionam quase como figurantes. Já os protagonistas principais da reportagem são o repórter, que apresenta o acontecimento, e os âncoras do BDB que desempenham o papel de destinadores julgadores, demonstrando o posicionamento da emissora.

 Espacialização

De maneira geral, o modelo – reportagem – adotado na configuração do texto da notícia sobre o Filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carro, recorre a dois espaços principais: (1) um interno, o estúdio do telejornal BDB, localizado no Rio de Janeiro, comportando uma bancada transparente com computadores, duas cadeiras pretas, um telão horizontal e o globo terrestre ao fundo, juntamente com o mapa do Brasil; e, (2) um externo e real, a cidade de Mamanguape no interior da Paraíba, comportando, por sua vez, o interior dos dois carros dirigidos pela criança, a fachada do prédio do Conselho Tutelar, uma sala do prédio do Comando da Polícia Militar e ruas da cidade de Mamanguape com tráfego de veículos. Na cabeça da reportagem, Chico Pinheiro é enquadrado pela câmera em um plano médio. Já na nota pé, Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo são enquadrados pela câmera, também em plano médio. O repórter aparece no boletim de passagem em um espaço condizente com uma praça. A captação das imagens pela câmera é realizada a partir da perspectiva de quem está no chão.

 Temporalização

O modelo do texto da notícia aqui analisada recorre a diferentes temporalidades: sua referência temporal é o presente representado pela emissão, ao vivo, do estúdio, do telejornal BDB, mais precisamente às 7h38 da manhã, no início da edição de 28.09.2017, quando os âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo chamam a matéria; há o tempo de feitura da reportagem, produzida no passado em relação a esse presente da emissão; e há, ainda, o tempo passado de ocorrência das infrações, sem precisão de data e horário. De toda maneira, o sentido atribuído à narrativa é de atualidade frente ao noticiado.

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Chico Pinheiro, ao anunciar o flagrante da criança dirigindo, mescla a utilização de verbos tanto no presente, correspondentes à enunciação e à idade atual da criança, quanto no passado, relativos ao tempo em que o flagrante ocorreu: “Vamos falar agora também da irresponsabilidade no trânsito. O filho da vice-prefeita de uma cidade no interior da Paraíba foi flagrado dirigindo. O problema é que o menino tem 11 anos”. A reportagem também se utiliza de verbos no presente e no passado. A descrição das imagens do filho da vice-prefeita dirigindo são narradas no presente: “Quem aparece dirigindo e cantando com um amigo nesse vídeo é o filho da vice-prefeita de Mamanguape na Paraíba. O menino tem onze anos de idade. As crianças estão atrás de um carro da polícia militar”. Já o tempo passado é utilizado para fornecer as explicações da vice-prefeita para o fato: “Baby Helenita Veloso Silva do PRTB disse que o filho aprendeu a dirigir sozinho e pegou o carro sem autorização. Mas admitiu que o menino já dirigiu outras vezes em um sítio da família.” O passado também é utilizado para detalhar as tramitações da investigação pelo Ministério Público: “O Ministério Público decidiu entrar no caso e a promotora da Vara da Infância e da Juventude abriu um procedimento para apurar tudo o que aconteceu”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 2min46s –, sendo que desses, 13s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelo âncora Chico Pinheiro, 2min12s pela própria reportagem, e 21s foram ocupados com a nota pé proferida pelos âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo; bem como de sua localização temporal no desenrolar da emissão do telejornal – ela foi apresentada como a segunda matéria da emissão, sendo exibida às 7h38min.

 Tonalização

De maneira geral, o texto da notícia em análise, devido ao próprio tema central abordado – prudência vs imprudência – e suas articulações temáticas – certo vs errado, permitido vs proibido, honestidade vs improbidade, idoneidade vs corrupção, entre outros – está impregnado por um tom geral acusatório, que se articula com outros tons, tais como os de contestação, indignação e até ironia. Esse tom irônico pode ser percebido, principalmente, quando a vice-prefeita é desmentida pela própria reportagem ao afirmar que não tinha conhecimento de que o filho de 11 anos dirigia: “[...] nesse outro vídeo a própria vice-prefeita chega a uma festa em um conversível dirigido por uma criança que tem as mesmas características do filho”, narrou o repórter. Já a reprovação se expressa desde o anúncio da

95 cabeça pelo âncora Chico Pinheiro que, de forma incisiva e indignada, introduz a reportagem enfatizando que o motorista do carro sobre o qual se falará só tem 11 anos.

7.2.1.2.6 Análise intertextual de caráter sintagmático

A notícia em exame, veiculada na edição do telejornal BDB de 28.09.2017, não marcou presença na pauta de outras edições dos telejornais durante o período mapeado (de 25.09 a 29.09.2017). Dessa maneira, não foi possível estabelecer suas relações de intertextualidade com outras notícias que operassem sobre o mesmo acontecimento. Parece pertinente, não obstante, examiná-la em outro tipo de relação sintagmática: aquela que ela contrai com as notícias que a precederam e/ou sucederam no próprio corpo da edição do telejornal. A apresentação da notícia sobre o filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carro foi precedida pela matéria sobre o aumento no número de indenizações por acidentes de trânsito em todo o país, reportagem com duração de 5min22s, também de veiculação única entre os telejornais da RGT nos dias analisados. Essas duas publicações foram as únicas, em toda a edição do BDB nesse dia, que apresentaram ligação com a temática segurança no trânsito. Dessa maneira, percebe-se a existência de uma preocupação por parte da instância de produção, representada pela equipe de jornalistas do BDB, em atribuir um sentido maior ao roteiro do programa, ou seja, à ordenação da exibição das matérias. A veiculação aproximada de reportagens que abordam assuntos semelhantes entre si dá ao telespectador uma sensação de harmonia, evitando rupturas bruscas na produção de sentido e conferindo suavidade e fluidez ao programa. Cabe ainda ressaltar que a reportagem em análise é sucedida por outra, sobre a dificuldade de abastecimento de água entre os moradores que vivem próximos à Mariana-MG, onde ocorreu, há 02 anos, a Tragédia da Samarco. A RGT, através do seu núcleo de produção chamado de Globo Natureza, veiculou no BDB, ao longo do período aqui analisado, cinco reportagens especiais longas, com cerca de dez minutos cada uma, sobre as consequências do rompimento da barragem da Samarco na vida dos moradores de cidades próximas ao Rio Doce. Essas matérias, que fugiam do formato tradicional, mostraram o percurso deste rio de Mariana até alcançar o mar, e, as consequências ambientais da tragédia. Ao anunciar essa reportagem, a âncora Ana Paula Araújo atribui, pela entonação da voz, o sentido de mudança de tema, ao dizer: “Bom, vamos agora trazer mais uma reportagem da nossa série que mostra

96 como está a área que sofreu com a maior tragédia ambiental do país [...]”, marcando, com isso, o encerramento das temáticas referentes à imprudência no trânsito e impunidade política e dando início à outra. Vale destacar ainda que, nessa mesma edição, além da reportagem sobre o filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carro, o BDB veiculou outra temática regional: uma rebelião na delegacia da cidade de Umuarama, no Paraná, depois que um dos presos confessou ter matado uma criança de 06 anos. Esse fato foi abordado também no telejornal seguinte, o JH, e, posteriormente, sumiu das edições de telejornais analisadas. Essa temática foge do eixo principal de cobertura do programa que passa pelas grandes capitais do país, com foco em Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. No entanto, na edição do BDB em análise, entre os assuntos de veiculação única, que não foram repetidos nos demais programas, o telejornal exibiu duas reportagens de amplitude nacional: o aumento no número de indenizações por acidentes de trânsito no Brasil e o período de abertura de vagas temporárias, também em todo o país. Ambas as reportagens foram produzidas por equipes de profissionais alocados em São Paulo.

7.2.1.3 Comparação dos dados obtidos

A notícia do Festival sobre a Lenda do Boto, exibida na edição do telejornal H1 de 25.09.2017 e com veiculação única entre as edições dos telejornais analisados nesta pesquisa, não contemplou, em sua conformação, informações básicas que, de acordo com os manuais, devem constar em narrativas jornalísticas. O relato parte da pressuposição de que o telespectador tenha conhecimento do enredo da lenda do boto, já que essa informação não é explicitada ao longo da reportagem. Da mesma forma, ele não é informado sobre a data de ocorrência do festival, tampouco sobre quem foi o vencedor do concurso. A forma de expressão do festival é bastante atraente ao telespectador já que a reportagem é composta por imagens captadas do chão e também do alto. As fantasias coloridas, as grandes alegorias e a intensa e colorida iluminação valorizam a captação das imagens do festival realizada por uma equipe de reportagem da afiliada da RGT. A narração da repórter, com sotaque regional, recorre, ao longo da história, a diversas expressões próprias da linguagem local. A reportagem também mostra dois cantores regionais sem apresentar maiores explicações, tratando-os como se já fossem conhecidos do público telespectador em geral.

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Assim, a sustentação dessa matéria no telejornal H1 de 25.09.2017 parece estar vinculada à carência de acontecimentos com características mais consistentes de noticiabilidade. Além disso, há a relação, mesmo que não explícita, da temática do festival com a trama da novela A Força do Querer. Vale destacar ainda que, na edição analisada do H1 de 25.09.2017, 09 notícias veiculadas tiveram exibição única, ou seja, não foram reconfiguradas em nenhuma outra edição de telejornal da RGT analisada por esta pesquisa. As notícias não repetidas dessa edição do H1 agrupam-se da seguinte maneira: - 05 notícias sobre acontecimentos ocorridos no Brasil, mas com abrangência regional, não pertencendo às capitais dos estados e nem às cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, sendo elas: fazenda invadida por índios no interior da Bahia; tráfico de aves em Goiás; procissões religiosas no Rio Grande do Sul; escorpiões em escolas no interior de São Paulo; e festival sobre a lenda do Boto no Pará; - 04 notícias sobre acontecimentos internacionais, mas de pequena repercussão, sendo eles: cães e gatos perdidos uma semana depois do terremoto no México; consequências do furacão Maria em Porto Rico; vulcão em atividade na Indonésia; e novas imagens da Aurora Boreal. Já a notícia sobre o Filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carro, exibida na edição do telejornal BDB de 28.09.2017 e que também teve veiculação única entre as edições dos telejornais analisados nesta pesquisa, contemplou, em sua configuração, informações básicas que, de acordo com os manuais, devem constar em narrativas jornalísticas, negligenciando apenas a referência às datas em que os flagrantes da criança dirigindo foram produzidos. A forma de expressão dessa notícia, através da utilização de vídeos captados por celular e publicados em redes sociais, potencializa o tom de denúncia e indignação trazido pela reportagem, levando o telespectador a concordar com a opinião defendida pela emissora de que, tratando-se de ato ilegal, a condução de um veículo por uma criança de 11 anos deve ser combatida, principalmente quando esse ato é avalizado por uma representante pública, nesse caso, a mãe e também vice-prefeita de Mamanguape, Baby Helenita Veloso Silva. A relevância desses flagrantes que comprovam que a criança de 11 anos estava dirigindo, justifica a utilização, na reportagem, de dois vídeos gravados por celular com um tamanho de imagem menor do que a extensão da tela da televisão. A diferença entre o tamanho da imagem produzida pelo celular e a da televisão faz com que haja um vazio na tela da TV

98 preenchido por uma arte gráfica, o que leva a instância de produção a assumir, frente ao telespectador, que está usufruindo de material produzido por terceiros. Cabe ainda ressaltar que a sustentação desse tema por parte do telejornal BDB de 28.09.2017 está vinculada a dois fatores: (a) a possibilidade de comprovação da ilegalidade, ou seja, a utilização de vídeos de celular que provam que uma criança de 11 anos dirigiu carros e que ela é o filho da vice-prefeita de uma cidade do interior; e (b) a vinculação desse assunto regional a um tema de relevância nacional, no caso, o da reportagem predecessora sobre o aumento no número de indenizações por acidentes de trânsito no Brasil. Na edição do BDB de 28.09.2017, somente 04 notícias exibidas não foram reconfiguradas e reapresentadas em nenhuma outra edição de telejornal da RGT analisada por esta pesquisa. As notícias não repetidas nessa edição do BDB agrupam-se da seguinte maneira: - 01 notícia sobre acontecimento ocorrido no Brasil com relevância nacional: o aumento do número de indenizações por acidentes de trânsito; - 01 notícia sobre acontecimento ocorrido no Brasil com relevância para os telespectadores localizados na capital de São Paulo: lentidão no serviço de trem em São Paulo; - 01 notícia sobre acontecimento ocorrido no Brasil com relevância regional: filho da vice-prefeita de 11 anos é flagrado dirigindo carros; - 01 notícia sobre acontecimento ocorrido internacionalmente com pouca relevância, veiculada apenas pela curiosidade que desperta: mulher casa-se com ela mesma na Itália. A partir dos dados apresentados, a comparação das notícias de veiculação única no H1 de 25.09.2017 e no BDB de 28.09.2017 demonstra a existência de uma maior disponibilidade de espaço, no telejornal H1, para as matérias consideradas de menor interesse, e, por isso mesmo, não reconfiguradas nos demais telejornais. Mesmo que esse telejornal, exibido às 5h da madrugada, disponha de um tempo menor de realização, em média 56min, ele, ainda assim, veicula um maior número de notícias que não são reconfiguradas pelos demais telejornais analisados, principalmente abordando acontecimentos considerados de relevância regional. Além disso, deve-se observar a relação que as notícias não reapresentadas pelos demais telejornais estabelecem com outras notícias exibidas na mesma edição do programa. No caso da reportagem sobre o filho da vice-prefeita de 11 anos que dirige carros, exibida no BDB, esse assunto mantém uma relação com outro, veiculado anteriormente, sobre o aumento no número de indenizações por acidentes de trânsito em todo o país. O vínculo entre esses

99 dois acontecimentos é utilizado como uma estratégia discursiva para atribuir um sentido de coerência ao roteiro do telejornal e, por isso, a aparição dessas matérias ocorre em uma sequência aproximada. Assim, mesmo que não seja contemplada em outros telejornais da mesma emissora, a reportagem ganha sustentação na edição do programa pela relação que estabelece com a temática de outra notícia. Cabe ainda pontuar que no BDB, houve a exibição de reportagem não repetida com relevância nacional; porém, o assunto era desprovido de factualidade imediata, ou seja, da necessidade de publicação naquela edição. Enquadra-se nessa característica a reportagem sobre o aumento do número de indenizações por acidentes de trânsito no Brasil. Reportagens como essa, que podem ser publicadas em qualquer edição de telejornal em um dado período, também podem ficar guardadas, por um determinado tempo, na “gaveta”, que, no jargão jornalístico, significa um banco de reserva de reportagens publicáveis em qualquer dia, no caso de falta de outros acontecimentos relevantes. Cada telejornal possui uma reserva própria, e elege, assim, os assuntos considerados relevantes quando da não ocorrência de fatos mais importantes. Dessa maneira, a divergência temática das veiculações únicas nos telejornais pode ser oriunda das diferentes “reportagens reserva” que mantêm em sua “gaveta”, diante da possibilidade de ter que preencher a sua pauta.

7.2.2 Grupo 02: acontecimentos repetidos em todas as edições

Foram selecionados, nesta etapa, para serem submetidos à análise, 02 acontecimentos transformados em notícias que tiveram, pelo menos, cinco veiculações, ou seja, que entraram na pauta das edições dos cinco telejornais da RGT em análise, no período de 24h, definido por esta pesquisa: (1) Militares do exército deixam a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, que se trata de ocorrência da ordem da previsibilidade, veiculada nas edições dos telejornais Jornal da Globo do dia 28.09.2017, Hora 1 da Notícia do dia 29.09.2017, Bom Dia Brasil do dia 29.09.2017, Jornal Hoje do dia 29.09.2017 e Jornal Nacional do dia 29.09.2017; e (2) Palocci escreve carta pedindo desfiliação do PT, que se trata de ocorrência da ordem da imprevisibilidade, veiculada nas edições dos telejornais Jornal Nacional de 26.09.2017, Jornal da Globo de 26.09.2017, Hora 1 da Notícia de 27.09.2017, Bom Dia Brasil de 27.09.2017 e Jornal Hoje de 27.09.2017.

7.2.2.1 Acontecimento 01: Militares do exército deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro

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O acontecimento referente aos Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro foi veiculado, sob forma de notícia, nas edições de cinco telejornais: - a notícia 01, na edição do telejornal Jornal da Globo de 28.09.2017, às 23h58min, com duração de 02 minutos e 22 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 02, na edição do telejornal Hora 1 da Notícia de 29.09.2017, às 05h05min, com duração de 02 minutos e 42 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 03, na edição do telejornal Hora 1 da Notícia de 29.09.2017, às 05h48min, com duração de 03 minutos e 52 segundos, configurando-se como uma entrada ao vivo; - a notícia 04, na edição do telejornal Bom Dia Brasil de 29.09.2017, às 07h37min, com duração de 01 minuto e 59 segundos, configurando-se como uma entrada ao vivo; - a notícia 05, na edição do telejornal Jornal Hoje de 29.09.2017, às 13h36min, com duração de 04 minutos e 07 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 06, na edição do telejornal Jornal Nacional de 29.09.2017, às 20h34min, com duração de 04 minutos e 45 segundos, configurando-se como uma reportagem. As narrativas, nas seis diferentes configurações discursivas deste acontecimento sob a forma de notícia, relatam a saída de quase mil militares do Exército Brasileiro da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, depois de 07 dias de policiamento ostensivo, realizado em função de uma guerra entre traficantes de facções rivais pelo domínio do tráfico de drogas nessa comunidade do Rio de Janeiro. Em todas as narrativas apresentadas pelos telejornais, repercutiu a saída do exército sem que fossem presos os chefes do tráfico de drogas, responsáveis pela guerra no interior da comunidade.

7.2.2.1.1 Caracterização geral das notícias

O acontecimento objeto das notícias em análise, em suas seis configurações, trata-se de uma ocorrência da ordem da previsibilidade: a retirada, anunciada pelo Ministério da Defesa, de quase mil militares do exército, da favela da Rocinha no Rio de Janeiro, comunidade que estava sofrendo com a insegurança, provocada por uma guerra entre facções rivais pelo domínio do tráfico de drogas no local. A ocupação da favela pelos militares, iniciada sete dias antes, foi encerrada na madrugada do dia 29.09.2017, entrando na pauta da edição do telejornal JG de 28.09.2017, e nas edições dos telejornais H1 (com duas veiculações), BDB, JH e JN no dia 29.09.2017.

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Os seis textos das notícias referentes aos Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, apresentados respectivamente sob a forma de reportagem e entrada ao vivo, atendem fortemente às características consideradas em qualquer seleção jornalística, já que respondem aos critérios maiores de atualidade, novidade, importância e interesse, aos quais se agregam traços de impacto, conflito, tragédia/drama, e justiça, frente ao acontecimento noticiado. A apresentação de acontecimento sobre uma guerra entre traficantes que ameaça a vida de milhares de moradores da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, fazendo com que essa população tema a própria morte, além de se tratar de fato que recai, negativamente, sobre a imagem de uma das mais importantes cidades brasileiras, pois evidencia uma situação descontrolada no que tange à segurança, justifica a inclusão da matéria nas pautas dos cinco telejornais da RGT. A alta relevância conferida à matéria pode ser observada pela duração total do tempo – aproximadamente 20min –, dedicado à veiculação das notícias, nas edições dos cinco telejornais aqui analisados. Ressalte-se, ainda, que o acontecimento foi noticiado em todos os telejornais da RGT.

7.2.2.1.2 Análise paratextual de caráter contextual

A Rocinha, no Rio de Janeiro, é, de acordo com o censo do IBGE de 2010, a maior favela brasileira, com 69.156 habitantes e 23.357 domicílios, sendo que, em 71% deles, o chefe da família ganha menos que dois salários mínimos. Além disso, 32% dos moradores da Rocinha têm idade entre 15 e 29 anos. Historicamente, a favela da Rocinha é um local bastante disputado por diferentes facções do tráfico de drogas, principalmente pelo seu posicionamento geográfico privilegiado: a favela situa-se na principal ligação entre a zona sul e a zona oeste do Rio de Janeiro, além de contar com grande área de mata no alto do morro, o que facilita a fuga dos bandidos durante as ações policiais (PAMPLONA; VETTORAZZO, 2017). O tráfico de drogas na Rocinha, entre os anos de 1980 e 2000, foi controlado pelo Comando Vermelho (CV), sendo este destituído em 2007, após diversos confrontos com outras facções criminosas que culminaram com a ascensão do traficante Antônio Bolfim Lopes, o Nem da Rocinha. Antes de a favela contar com uma UPP, Unidade de Polícia Pacificadora, houve ainda outro líder no comando do tráfico de drogas, Erismar Rodrigues Moreira, o Bem-te-vi (PAMPLONA; VETTORAZZO, 2017). Em 2008, o então secretário de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, implementou um modelo de policiamento comunitário em favelas

102 fluminenses que prometia tornar o estado do Rio de Janeiro mais seguro, além de levar serviços públicos básicos às populações carentes que habitavam essas favelas. Assim, desde a criação do Comando de Polícia Pacificadora, 38 unidades conhecidas como UPPs, foram instaladas no Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense. O projeto que, nos primeiros anos, fez os índices de criminalidade caírem, servindo, inclusive, de propaganda eleitoral para a reeleição do governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), posteriormente sofreu grande defasagem em repasses de recursos públicos e treinamento de policiais, deixando de atingir seu propósito maior de promover uma aproximação entre a população das favelas e o Estado. Os objetivos da polícia comunitária também não foram alcançados, porque havia urgência na entrega de uma cidade segura para a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, o que aumentou a hostilidade dos policiais em relação aos moradores. O que se viu, então, foi a reiteração do que já ocorria anteriormente a essa tentativa de pacificação – uma relação opressora dos policiais sobre os moradores e a retomada dos altos índices de criminalidade nessas comunidades (ABRANTES, 2016). O fracasso do projeto de pacificação, apesar de não admitido pelos governantes, ficou evidente com a aposentadoria, em 2016, de seu idealizador, o secretário Beltrame. Mesmo assim, as 38 UPPs continuam em atividade, apesar de contarem, atualmente, com um número cada vez menor de policiais, situação agravada ainda pela crise econômica vivenciada pelo estado do Rio de Janeiro, que atrasa o pagamento dos salários dos policiais, não conseguindo, em diferentes momentos, arcar também com benefícios, tais como o décimo terceiro salário e as horas extras. A crise financeira do Estado reflete-se, no caso dos moradores de favelas no Rio de Janeiro, pelo retorno de intensos tiroteios entre criminosos, que, em diferentes circunstâncias, acabam também por vitimar inocentes (BRETAS, 2017). Em setembro de 2017, os confrontos armados entre facções rivais, que motivaram o acionamento das Forças Nacionais de Segurança, foram liderados por dois traficantes: Nem e Rogério 157. Em meio à guerra do tráfico de drogas nas favelas cariocas, principalmente na Rocinha, o Rio de Janeiro teve, em 2017, o primeiro semestre mais violento dos últimos sete anos. De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), nesse período, foram registradas 3.457 mortes violentas, o pior índice desde 2009 (FRANCO; VETTORAZZO, 2017). A veiculação de notícias sobre a retirada dos militares da Força Nacional, da favela da Rocinha, incita não só a discussão sobre o descontrole da criminalidade no Rio de Janeiro, como também demonstra o posicionamento contrário da RGT quanto à ineficiência dos governos, já que, no período da implementação do projeto de pacificação, a emissora deu

103 amplo apoio editorial a esses acontecimentos, destinando muitas horas de sua programação à cobertura jornalística sobre a pacificação das favelas.

7.2.2.1.3 Análise paratextual de caráter enunciativo

A veiculação de matérias, sob forma de reportagem, nas notícias 01, 02, 05 e 06, exibidas, respectivamente, pelo JG, H1, JH e JN, e de entrada ao vivo nas notícias 03 e 04, veiculadas pelo H1 e BDB, sobre os Militares do exército que deixam a favela da Rocinha no Rio de Janeiro (28.09.2017 e 29.09.2017), ocorre ao mesmo tempo em que a escolha do relator da segunda denúncia por obstrução de justiça e organização criminosa contra o presidente Michel Temer é realizada na Câmara dos Deputados, bem como a assinatura, em um único dia, dos recibos de aluguel do ex-presidente Lula, na suposta locação do imóvel por ele utilizado em São Bernardo do Campo ganha destaque nas edições dos telejornais. Ainda assim, os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro estiveram entre as manchetes das cinco edições dos telejornais em que foram veiculados, recebendo, também, um grande destaque no interior desses programas. A notícia 01, sob forma de reportagem, veiculada na edição do JG de 28.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, a escolha do relator da segunda denúncia por obstrução de justiça e organização criminosa contra o presidente Michel Temer; a pesquisa contendo os baixos índices de popularidade de Temer; e os recibos de pagamento de aluguel do ex-presidente Lula assinados em um mesmo dia na suposta locação de um apartamento em São Bernardo do Campo. A reportagem, em análise, teve veiculação no início do terceiro bloco da edição do JG, sendo precedida pelo intervalo comercial e vinheta de abertura do bloco, e, sucedida por uma reportagem sobre a realização, pela primeira vez em São Paulo, da Oktoberfest. Não se verifica, assim, a utilização de estratégia de roteirização que justifique a adoção dessa sequência de assuntos na edição em análise. As notícias 02 e 03, sob forma, respectivamente, de reportagem e entrada ao vivo, veiculadas na edição do H1 de 29.09.2017, dividiram espaço com outras manchetes, entre elas, a prisão de uma quadrilha que roubava vans em São Paulo; o relator da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer por obstrução à justiça e organização criminosa; e à suspensão do leilão dos bens do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB).

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A reportagem, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição, sendo precedida por informações sobre o tempo e o trânsito em algumas capitais brasileiras, e, sucedida por uma nota coberta sobre um assalto a uma lanchonete no Rio de Janeiro. Verifica-se, assim, uma coerência dessa parte do roteiro pela aproximação de duas notícias sobre criminalidade, o que justifica a veiculação dessas matérias, sequencialmente, na edição do telejornal. Cabe ressaltar, ainda, que as informações, veiculadas nessa reportagem sobre a saída dos militares da favela da Rocinha, foram exatamente as mesmas veiculadas pela reportagem do telejornal anterior, o JG de 28.09.2017, apresentando, inclusive, a mesma sequência de frases e imagens, os mesmos trechos de entrevistas, a mesma repórter, alterando-se, apenas, a cabeça da reportagem proferida pelos âncoras e a arte gráfica utilizada em cada uma das edições. Já a entrada ao vivo, em análise, teve veiculação no terceiro e último bloco da edição do H1, sendo precedida pelo intervalo comercial e vinheta de abertura do bloco, e, sucedida pelo quadro da previsão do tempo. Não se verifica, assim, uma coerência na roteirização que justifique a adoção dessa sequência de exibição das matérias. Porém, é preciso destacar que a entrada ao vivo, mostrando o curso dos acontecimentos, atualiza o texto da reportagem, exibida no primeiro bloco da mesma edição. A notícia 04, sob forma de entrada ao vivo, veiculada na edição do telejornal BDB de 29.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, a redução do preço das passagens aéreas em função da cobrança independente das bagagens dos passageiros; o relator escolhido da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer; e ao aumento no índice de mortes de caminhoneiros nas rodovias brasileiras. A entrada ao vivo, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição, sendo antecedida por uma reportagem sobre o preço das passagens aéreas no Brasil depois da mudança no sistema de cobrança das bagagens transportadas pelos passageiros, e, sucedida pelo aumento no número de caminhoneiros mortos em acidentes nas rodovias brasileiras. Não se verifica, assim, uma coerência na roteirização que justifique a adoção dessa sequência de exibição dos assuntos. A notícia 05, sob forma de reportagem, veiculada na edição do telejornal JH de 29.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, a queda no índice de desemprego no Brasil; o relator escolhido para a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer; e um passeio pelo arquipélago de Alcatrazes, exibido no quadro Tô de Folga. A reportagem, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição, sendo antecedida por uma entrada ao vivo sobre o afastamento de Aécio Neves do cargo de senador por suspeita de corrupção, e, sucedida por uma nota coberta sobre a morte de pessoas pisoteadas

105 em uma estação de trem na Índia. Não se verifica, assim, maior coerência na roteirização que justifique a adoção dessa sequência de exibição das matérias. A notícia 06, sob forma de reportagem, veiculada na edição do telejornal JN de 29.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, os detalhes da linha de defesa adotada pelo presidente Michel Temer na segunda denúncia por obstrução de justiça e organização criminosa; a queda no índice de desemprego no Brasil; e os funcionários americanos que foram retirados da Embaixada dos Estados Unidos em Cuba, por ordem do presidente Trump. A reportagem, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição, sendo precedida pela escalada, contendo as manchetes da edição, e vinheta de abertura, e, sucedida por uma nota pelada sobre a queda no índice de desemprego no Brasil. Não se verifica, assim, maior coerência na roteirização que justifique a adoção dessa sequência de exibição dos assuntos. Cabe destacar, porém, que a reportagem sobre a saída dos militares da favela da Rocinha foi a primeira a ser veiculada pela edição do telejornal, o que diz de sua importância, já que o assunto mais relevante é, costumeiramente, veiculado na abertura do programa. As pequenas diferenças entre os temas abordados pelas manchetes dos cinco telejornais ficam por conta do destaque conferido às notícias de veiculação única: no JG, a obra de Gilberto Freyre; no H1, a quadrilha que roubava vans; no BDB, a contaminação da água do Rio Doce pela lama de rejeitos na tragédia da Samarco; no JH, o endividamento de servidores públicos do Piauí; e, no JN, os funcionários americanos que foram retirados da Embaixada dos Estados Unidos em Cuba, obedecendo a ordens do presidente Trump. Essa recorrente diferenciação das manchetes, possivelmente, tenha o intuito de conferir singularidade a cada um dos programas, mesmo que, no interior de suas edições, outras matérias, que não integraram as manchetes, tenham sido veiculadas por todos os telejornais. Dessa maneira, em que pesem as particularidades de cada uma das edições, os telejornais, de uma edição para a outra, prosseguem, recorrendo a um mesmo plantel de notícias que vão sendo atualizadas, ou simplesmente repetidas, de um programa para outro. Assim, no caso das reportagens e das entradas ao vivo aqui analisadas, a RGT, além das equipes próprias de cada um dos cinco telejornais, lançou mão também da estrutura de sua equipe de reportagem do Rio de Janeiro, aproveitando seus serviços na produção das notícias, o que fica bastante perceptível, quando se observa a escalação dos profissionais para a realização das seis configurações dos textos das notícias em análise. Esses textos, além disso, recorrem a imagens gravadas, via celular, por moradores da favela da Rocinha, e, até mesmo,

106 pelos policiais, que mostram os tiroteios ocorridos na comunidade em situações de enfrentamento entre policiais e criminosos, ou, até mesmo, dos criminosos entre si. Através da veiculação das reportagens e das entradas ao vivo sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, a RGT, enquanto instância enunciativa maior, e os telejornais JG, H1, BDB, JH e JN, enquanto instâncias enunciativas imediatas, atendem à promessa firmada com a audiência de atuar no combate à violência e à insegurança através da veiculação de informações, além da cobrança por uma solução efetiva para a situação de descontrole da criminalidade na favela mais populosa do país. Tudo leva a crer que a saída dos militares das Forças Armadas, da favela, sem a prisão de importantes traficantes envolvidos na guerra pelo domínio do tráfico de drogas, potencializou o esforço empregado nessa cobertura, delineando, dessa maneira, o posicionamento contrário da emissora à desocupação da favela da Rocinha.

7.2.2.1.4 Análise intertextual de caráter paradigmático

As notícias sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, em análise, são configuradas pelo JG, H1, JH e JN, sob forma de reportagem, e, pelo H1 e BDB, sob forma de entrada ao vivo. As estruturas das seis conformações em análise seguem os paradigmas tradicionalmente adotados pelos seus modelos. O modelo de reportagem, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça da reportagem, apresentada pelo(s) âncora(s), a própria matéria, gravada e editada, que conta com a narração de um repórter em off, intercalada por declarações de entrevistados envolvidos com o acontecimento divulgado, além do boletim de passagem do repórter, momento em que ele aparece no vídeo, assinando a matéria. O modelo tradicional de reportagem pode contar, ainda, com a nota pé, ou seja, com a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s) do estúdio. A notícia 01, reportagem veiculada pelo JG, segue os moldes desse paradigma: o âncora do telejornal, William Waack, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pela repórter Fernanda Graell, apresentando, ainda, dois trechos de uma sonora, gravada pelas equipes de reportagem com o ministro da defesa Raul Jungmann, bem como um boletim de passagem, com a figura da repórter, não contendo nota pé. A reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador.

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A notícia 02, reportagem veiculada pelo H1, também segue os moldes do paradigma já descrito: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pela repórter Fernanda Graell, apresentando, ainda, dois trechos de uma sonora, gravada pelas equipes de reportagem, com o ministro da defesa Raul Jungmann, bem como um boletim de passagem, com a figura da repórter, não contendo nota pé. A reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador. Cabe destacar, ainda, que as informações narradas no H1 são exatamente as mesmas apresentadas na reportagem anterior, exibida pelo JG, sendo mantidas, inclusive, as mesmas frases, a ordem das informações e a sequência de imagens, as entrevistas e o boletim de passagem da repórter. Fica evidenciada, de maneira explícita, a repetição da notícia e o reaproveitamento pelo H1 do trabalho de conformação realizado pela equipe do telejornal JG. A notícia 05, reportagem veiculada pelo JH, segue, da mesma forma, os moldes já descritos desse paradigma: o âncora do telejornal, Dony de Nuccio, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pelo repórter Ari Peixoto, apresentando, ainda, cinco trechos de sonoras, contendo entrevistas concedidas por: Roberto Itamar, porta-voz do Comando Militar do Leste; Roberto Sá, secretário estadual de segurança do Rio de Janeiro; dois moradores da favela da Rocinha, não identificados pela reportagem; e, Raul Jungmann, ministro da defesa. A reportagem conta, ainda, com o boletim de passagem, com a figura do repórter, além de uma longa nota pé. Cabe destacar a utilização, por parte da reportagem, de vídeos de celular, captados por moradores e também, de outros, divulgados pela polícia, além de imagens de arquivo da emissora. A reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador. A notícia 06, reportagem veiculada pelo JN, segue, da mesma maneira, os moldes do seu paradigma já descritos: a âncora da edição, Sandra Annenberg, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pelo repórter Paulo Renato Soares, apresentando, ainda, sete trechos de sonoras, contendo entrevistas concedidas por: um morador da favela da Rocinha, não identificado; um adolescente vítima de sequestro, também não identificado; Aginaldo Oliveira Vieira, defensor público federal; Raul Jungmann, ministro da defesa; Luiz Fernando Pezão, governador do Rio de Janeiro; Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados; e, Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal. A reportagem em análise conta, ainda, com o boletim de passagem, com a figura do repórter, não apresentando nota pé. Cabe destacar a utilização, pela reportagem, de vídeos de celular captados por moradores e, também, de outros divulgados pela polícia, além de imagens de arquivo da emissora. A reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador.

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O modelo de entrada ao vivo, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça da entrada ao vivo, proferida pelo(s) âncora(s), normalmente posicionados próximos a um telão, dentro do estúdio, a própria matéria, exibida ao vivo, que consiste na participação do repórter, in loco e simultaneamente à exibição do programa, narrando os acontecimentos em se fazendo notícia, ao vivo. Essa participação pode contar, ainda, com a realização de entrevistas com atores sociais que possuam envolvimento com o acontecimento noticiado, além da exibição de imagens gravadas anteriormente. O modelo tradicional de entrada ao vivo pode conter, ainda, uma nota pé, ou seja, a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s), do estúdio. A notícia 03, entrada ao vivo veiculada pelo H1, segue os moldes de seu paradigma: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone, introduz o assunto, ao mesmo tempo em que caminha em direção a um telão, no qual já aparece o repórter Pedro Figueiredo, ao vivo, in loco, na favela da Rocinha. Além de o repórter, apresentando as informações, essa entrada ao vivo contou, ainda, com a exibição de imagens gravadas durante a madrugada, tendo, também, uma longa nota pé, proferida pela âncora Monalisa Perrone. A entrada ao vivo adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador. A notícia 04, entrada ao vivo veiculada pelo BDB, segue os moldes de seu paradigma: a âncora do telejornal, Ana Paula Araújo, introduz o assunto e, mesmo que não se aproxime do telão, nele já aparece o repórter Pedro Figueiredo ao vivo, in loco, na favela da Rocinha. Além de o repórter, apresentando as informações, essa entrada ao vivo contou, ainda, com a exibição de imagens gravadas durante a madrugada, contendo, também, uma longa nota pé proferida pelos âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo. A entrada ao vivo adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador. Não obstante, cabe destacar que a equipe de profissionais que realizou a entrada ao vivo no H1, na notícia 03, foi a mesma utilizada na realização da entrada ao vivo seguinte, no BDB, na notícia 04, ficando clara a estratégia de aproveitamento de recursos humanos para a produção desses textos jornalísticos da RGT.

7.2.2.1.5 Análise intratextual das notícias

A análise intratextual de caráter discursivo/expressivo dos textos das notícias sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, veiculadas sob forma, respectivamente, de quatro reportagens e duas entradas ao vivo, descreve, na

109 sequência, os procedimentos por eles adotados na manifestação dos dispositivos discursivos/expressivos, referentes à tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização.

 Tematização/Figurativização

Os textos das seis notícias sobre o acontecimento, aqui analisados, propõem como tema central a oposição vida vs morte, figurativizada pela guerra entre criminosos na disputa do domínio do tráfico de drogas, tema esse que se articula a partir das seguintes oposições: segurança vs insegurança, legalidade vs ilicitude, tranquilidade vs medo, paz vs guerra, liberdade vs opressão, estado controlado vs estado sem controle. Assim, o medo da morte, que identificaria os moradores da favela da Rocinha, devido à convivência permanente com a guerra entre os traficantes, é figurativizado também pela saída dos militares das Forças Armadas da favela, depois de uma semana de cerco aos criminosos, e, suspostamente, de maior tranquilidade na rotina diária das famílias dessa comunidade.

 Actorialização

As narrativas contidas nos textos das notícias sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro comportam os seguintes atores: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JG: o âncora do telejornal, William Waack; a jornalista, Fernanda Graell, responsável pela condução da reportagem; o ministro da defesa, Raul Jungmann; militares do Exército; policiais militares do Rio de Janeiro; cães farejadores; moradores da Rocinha; estudantes de escolas; e o traficante Rogério 157. Os protagonistas principais da narrativa relatada são, sem dúvida, os militares que, na reportagem, aparecem armados com fuzis, vestindo farda verde e capacetes e realizando fiscalizações, demonstrando, assim, poder e controle sobre os criminosos. Cabe destacar que o porta-voz desses militares é o ministro da defesa, Raul Jungmann, que, ao conceder entrevista à equipe de reportagem, reforça discursivamente a sensação de segurança e de controle do crime organizado pelo Estado, mesmo que essa segurança seja apenas textual. Já os antagonistas, na narrativa relatada pela reportagem em análise, são os traficantes, personificados, na notícia

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01, pelo chefe do tráfico de drogas, Rogério 157, que tem seu rosto exibido em uma fotografia de “procurado”, divulgada pela polícia. Já as protagonistas principais da reportagem são a repórter, que apresenta o acontecimento vestindo um colete à prova de balas, o que reforça o sentido de insegurança, e o âncora do JG que veicula o acontecimento e, no texto desta notícia, demonstra descontentamento com a retirada das tropas do exército, sem que o traficante mais procurado da favela tenha sido preso pela polícia. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo H1: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone; a jornalista, Fernanda Graell, responsável pela condução da reportagem; o ministro da defesa, Raul Jungmann; os militares do Exército; os policiais militares do Rio de Janeiro; os cães farejadores; os moradores da Rocinha; os estudantes de escolas; e o traficante, Rogério 157. Os protagonistas principais da narrativa relatada são, sem dúvida, os militares que, na reportagem em exame, aparecem armados com fuzis, vestindo farda verde e capacetes, realizando fiscalizações, demonstrando, com isso, poder e controle sobre os criminosos. Cabe destacar que o porta-voz desses militares é o ministro da defesa, Raul Jungmann, que, ao conceder entrevista à equipe de reportagem, reforça discursivamente a sensação de segurança e de controle do crime pelo Estado, mesmo que essa segurança seja apenas textual. Já os antagonistas, na narrativa relatada pela reportagem em análise, são os traficantes, personificados, na notícia 02, pelo chefe do tráfico de drogas, Rogério 157, que tem seu rosto exibido em uma fotografia de “procurado”, divulgada pela polícia. Já as protagonistas principais da reportagem são a repórter, que apresenta o acontecimento vestindo um colete à prova de balas, o que reforça o sentido de insegurança, e a âncora do H1 que veicula o acontecimento, demonstrando descontentamento pela retirada das tropas do exército sem que o traficante mais procurado da favela tenha sido preso pela polícia. - na notícia 03, entrada ao vivo veiculada pelo H1: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone; o repórter, Pedro Figueiredo, responsável pela condução da entrada ao vivo; os militares das Forças Armadas; e os moradores da favela da Rocinha. Os protagonistas principais da narrativa relatada pela entrada ao vivo são, sem dúvida, os militares que aparecem armados com fuzis, vestindo farda verde e capacetes, e realizando fiscalizações, demonstrando, com isso, poder e controle sobre os criminosos. A atuação ostensiva dos militares é reforçada pela utilização de carros blindados e caminhões de guerra, que também aparecem em deslocamento. Já os antagonistas são os traficantes, personificados, na notícia 03, pelo chefe de uma das facções criminosas, Rogério 157, que, nessa configuração, apenas é citado, sem que sua imagem apareça na tela. Já os protagonistas principais da entrada ao vivo são o repórter, que apresenta o acontecimento vestindo um colete à prova de balas, reforçando

111 o sentido de insegurança, e a âncora do H1, que veicula o acontecimento, enfatizando a gravidade da violência na favela. - na notícia 04, entrada ao vivo veiculada pelo BDB: os âncoras, Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo; o repórter, Pedro Figueiredo, responsável pela condução da entrada ao vivo; os militares das Forças Armadas; e os moradores da favela da Rocinha. Os protagonistas principais da narrativa relatada são, sem dúvida, os militares que aparecem armados com fuzis, vestindo farda verde e capacetes, e realizando fiscalizações, demonstrando, com isso, poder e controle sobre os criminosos. A atuação ostensiva dos militares é reforçada pela utilização de carros blindados e caminhões de guerra, que também aparecem em deslocamento. Já os antagonistas são os traficantes, personificados, na notícia 04, pelo chefe de uma das facções criminosas, Rogério 157, que, nessa configuração, é apenas citado, sem que sua imagem apareça na tela. Já os protagonistas principais da entrada ao vivo são o repórter, que apresenta o acontecimento vestindo um colete à prova de balas, reforçando o sentido de insegurança, e os âncoras do BDB, que veiculam o acontecimento e demonstram grande descontentamento com a retirada das tropas do exército da Rocinha, apesar de a demanda por policiamento continuar sendo grande, e sem que tenham sido efetuadas as prisões dos traficantes mais perigosos. - na notícia 05, reportagem veiculada pelo JH: o âncora, Dony de Nuccio; o repórter, Ari Peixoto, responsável pela condução da reportagem; o porta-voz do Comando Militar do Leste, Roberto Itamar; o secretário estadual de segurança do Rio de Janeiro, Roberto Sá; dois moradores da favela da Rocinha, não identificados; o ministro da defesa, Raul Jungmann; os traficantes Nem, Rogério 157, Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP; o defensor público, Anginaldo Oliveira Vieira; o ministro do STF, Alexandre de Moraes; o governador do Rio de Janeiro, Luís Fernando Pezão (PMDB); os militares das Forças Armadas; e os moradores da favela da Rocinha. Os protagonistas principais da narrativa relatada são, sem dúvida, os órgãos de segurança pública, através da atuação dos militares e dos demais policiais na favela da Rocinha. O sentido de segurança é reforçado por imagens que mostram a utilização de carros blindados e caminhões de guerra, que aparecem em deslocamento. Cabe ressaltar, porém, que esses militares só ganham voz através das entrevistas concedidas pelos chefes dos órgãos de segurança, sendo eles, o Chefe do Comando Militar Leste, o Secretário Estadual de Segurança e o Ministro da Defesa que, discursivamente, demonstram poder, controle e normalidade na segurança da Rocinha. Já os antagonistas são os traficantes, personificados, na notícia 05, por imagens de arquivo dos chefes do tráfico de drogas, e, também rivais, Rogério 157 e Nem. Nessa narrativa relatada, há um detalhamento das ações que transformaram esses

112 dois criminosos, antes amigos, em rivais, rivalidade essa que culminou com a guerra na Rocinha. Na notícia 05, os moradores da Rocinha são reduzidos a meros figurantes. Já os protagonistas principais da reportagem são o repórter, que apresenta o acontecimento vestindo um colete à prova de balas, reforçando o sentido de insegurança, e o âncora do JH, que veicula o acontecimento, sem emitir juízos de valor sobre a reportagem. - na notícia 06, reportagem veiculada pelo JN: os âncoras, William Bonner e Sandra Annenberg; o repórter, Paulo Renato Soares, responsável pela condução da reportagem; um morador, que tem o rosto borrado; um adolescente, vítima de tortura, que tem o rosto borrado; o defensor público, Anginaldo Oliveira Vieira; o ministro da defesa, Raul Jungmann; o governador do Rio de Janeiro, Luís Fernando Pezão (PMDB); o ministro do STF, Alexandre de Moraes; os militares do exército; os policiais militares do Rio de Janeiro; os suspeitos investigados por tráfico de drogas; o secretário estadual de segurança do Rio de Janeiro, Roberto Sá; a procuradora geral da República, Raquel Dodge; um homem acusado por tentativa de homicídio ao vingar o filho torturado; o traficante suspeito de ter realizado a tortura; e os traficantes, Nem, Rogério 157 e Elias Maluco. Na narrativa relatada pela reportagem em análise, a rivalidade entre Nem e Rogério 157 não é citada, porém, o antagonismo conferido a esses traficantes é dividido com outro ator, o defensor público, Anginaldo Oliveira Vieira, criticado por realizar um pedido de habeas corpus coletivo, na tentativa de devolver aos presídios do Rio de Janeiro 55 traficantes perigosos, em meio à guerra na favela da Rocinha. O protagonismo dessa narrativa é, sem dúvida, dividido entre os órgãos de segurança pública, de justiça e os moradores da Rocinha, que demonstram indignação com a situação de insegurança e, principalmente, com o pedido judicial de habeas corpus que beneficiaria os criminosos presos. Já os protagonistas principais da reportagem são o repórter, que apresenta o acontecimento vestindo um colete à prova de balas, reforçando o sentido de insegurança, e os âncoras do JN que veiculam o acontecimento, demonstrando indignação com o pedido da defensoria pública de habeas corpus para 55 traficantes presos, em meio à guerra na Rocinha. A comparação das notícias sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, em suas seis configurações aqui analisadas, permite constatar uma crescente mobilização actorial, de uma notícia para a outra, no que concerne ao relato da saída dos militares da favela da Rocinha e à sensação de insegurança vivenciada pelos moradores que convivem com os confrontos entre os bandidos. O que distingue as notícias entre si são, não só seus enunciadores, ou seja, os âncoras e repórteres, diferentes de um telejornal para outro, mas também os atores sociais, sujeitos que, por suas variadas relações

113 com o acontecimento, foram convocados na composição das narrativas. Dessa maneira, constata-se maior complexificação, do ponto de vista actorial, de uma notícia para outra, caracterizando um movimento ascendente dessa cobertura jornalística.

 Espacialização

De maneira geral, os modelos – reportagem e entrada ao vivo – adotados na configuração dos textos das notícias sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, recorrem a dois espaços principais: (1) um interno, os estúdios dos telejornais, JG, H1 e JH, localizados em São Paulo, e BDB e JN, localizados no Rio de Janeiro; e, (2) um externo, a própria favela da Rocinha no Rio de Janeiro. As diferenças espaciais ficam evidenciadas pelo modelo próprio, adotado por cada um dos telejornais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JG, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta uma bancada transparente com linhas retas em um design fluido, cuja cor predominante é o azul; sobre a bancada fica um computador, com a logomarca da RGT, do qual o âncora acompanha o roteiro do telejornal; a cadeira na qual ele senta não aparece com clareza; o platô, predominantemente nas cores branco e azul, tem um formato circular; atrás do apresentador é possível visualizar três logomarcas do JG, além de um grande telão constituído pela articulação de seis telas menores. Durante a cabeça da reportagem, nesse telão ao fundo, é projetada uma imagem aérea da favela da Rocinha, sendo possível visualizar diversos casebres do morro. O âncora, William Waack, é enquadrado pela câmera em um plano aberto. Já o espaço externo, na notícia 01, é a própria favela da Rocinha, localizada no Rio de Janeiro, que, nessa conformação, pode ser identificada pelas ruas, calçadas, fachadas de hospitais, fachadas de escolas, fachadas de delegacias e postos policiais, além dos grandes pátios onde são depositadas armas e drogas apreendidas, pontos de táxi e praças, por onde centenas de militares circulam com seus carros blindados, realizando fiscalizações e prendendo suspeitos. Além deste espaço principal, outros são utilizados na narrativa relatada: uma sala de estar, na qual o ministro da defesa, Raul Jungmann, concede entrevista à equipe de reportagem, em cor predominantemente amarela, composta por um sofá branco, uma luminária e um quadro com figuras abstratas; imagens aéreas da favela da Maré, que mostram os milhares de casebres existentes na comunidade. As imagens são captadas sob duas perspectivas: a de quem acompanha as atividades dos militares do chão e a de quem

114 sobrevoa as favelas da Rocinha e da Maré. Já no boletim de passagem, a câmera está na mesma altura da repórter. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo H1, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta um painel, predominantemente nas cores branco e amarelo, com a logomarca do telejornal H1 também em amarelo, em frente ao qual a âncora, Monalisa Perrone, aparece, apresentando a matéria em pé, segurando folhas brancas de papel. O enquadramento adotado é um plano médio. Já o espaço externo é a própria favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, que, nessa conformação, pode ser identificada pelas ruas, calçadas, fachadas de hospitais, fachadas de escolas, fachadas de delegacias e postos policiais, além dos grandes pátios onde são depositadas armas e drogas apreendidas, pontos de táxi e praças, por onde centenas de militares circulam com seus carros blindados, realizando fiscalizações e prendendo suspeitos. Além deste espaço principal, outros são utilizados na narrativa relatada: uma sala de estar, na qual o ministro da defesa, Raul Jungmann, concede entrevista à equipe de reportagem, em cor predominantemente amarela, composta por um sofá branco, uma luminária e um quadro com figuras abstratas; imagens aéreas da favela da Maré, que mostram os milhares de casebres existentes na comunidade. As imagens são captadas sob duas perspectivas: a de quem acompanha as atividades dos militares do chão e a de quem sobrevoa as favelas da Rocinha e da Maré. Já no boletim de passagem, a câmera está na mesma altura da repórter. - na notícia 03, entrada ao vivo veiculada pelo H1, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta uma bancada branca em linhas retas, cujas cores predominantes são o branco e o amarelo. Sobre a bancada fica um computador, além de folhas de papel para a consulta do roteiro do telejornal pela âncora, Monalisa Perrone, cuja cadeira é branca. Atrás dela, há um painel, em cores predominantemente branca e amarela, com a logomarca do telejornal. No entanto, ao longo da apresentação da cabeça, o espaço interno se modifica, já que Monalisa se levanta e caminha até uma tela na qual aparece a imagem do repórter Pedro Figueiredo, ao vivo, diretamente da favela da Rocinha. Assim, o enquadramento adotado é de um plano aberto, tanto na cabeça quanto nota pé. Já o espaço externo é a própria favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, que, nessa conformação, pode ser identificada pela calçada na qual está o repórter Pedro Figueiredo, em frente a um grande prédio com portões fechados, e, pela rua que aparece atrás dele, na qual uma equipe de militares do Exército trabalha no policiamento. Na notícia 03, são mobilizados ainda, outros espaços, através da veiculação de imagens gravadas à noite, exibidas durante a entrada ao vivo, como ruas por onde motos, caminhões e carros blindados do exército deixam a favela da

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Rocinha. As imagens são captadas sob a perspectiva de quem acompanha as atividades dos militares do chão, mesmo enquadramento adotado para o repórter que realiza a entrada ao vivo. - na notícia 04, entrada ao vivo veiculada pelo BDB, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado no Rio de Janeiro, comporta uma bancada transparente em linhas retas, cuja cor predominante é o marrom. Sobre a bancada ficam dois mouses e dois teclados de computadores em cor branca, cujas telas não ficam evidentes. Atrás dos apresentadores há um painel, predominantemente em cor marrom e com listras, contendo um globo terrestre e o mapa do Brasil. Na cabeça da entrada ao vivo, Ana Paula Araújo é enquadrada pela câmera em um plano médio, porém, esse enquadramento vai mudando para um plano aberto, passando a mostrar também Chico Pinheiro e o repórter no telão. No encerramento, o enquadramento é em plano aberto, articulando os espaços interno e externo. Já o espaço externo é a própria favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, que, nessa conformação, pode ser identificada pela calçada na qual está o repórter Pedro Figueiredo, em frente a uma rua de grande movimentação de carros, mas sem exibir militares ou policiais atuando, dando a ver apenas, ao fundo, moradores que andam tranquilamente. Na notícia 04, são mobilizados ainda, outros espaços, através da veiculação de imagens gravadas à noite, exibidas durante a entrada ao vivo, como ruas por onde motos, caminhões e carros blindados do exército deixam a favela da Rocinha. As imagens são captadas sob a perspectiva de quem acompanha as atividades dos militares do chão, mesmo enquadramento adotado para o repórter que realiza a entrada ao vivo. - na notícia 05, reportagem veiculada pelo JH, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta, por trás do apresentador, monitores que formam um grande telão, e exibem uma arte gráfica com o mapa do mundo e a logomarca do JH em cores predominantemente amarelas. Na cabeça da reportagem, Dony de Nuccio é enquadrado pela câmera em um plano fechado. Já na nota pé são utilizados dois enquadramentos: um plano fechado e um plano médio, o que provoca uma modificação no espaço interno, já que o estúdio é enquadrado a partir de outro ângulo, tornando possível a visualização do telão constituído por três monitores, que se localiza atrás do apresentador, além de pessoas trabalhando, mais ao fundo, em computadores. Já o espaço externo, o principal da narrativa, é a própria favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, que, nessa conformação, pode ser identificada por diversas ruas e calçadas que compõem a comunidade, nas quais aparecem centenas de militares realizando fiscalizações, apreendendo drogas, armas e munições e prendendo suspeitos de tráfico de drogas. Na notícia 05, são mobilizados ainda, outros espaços como

116 fachadas de escolas, fachadas de hospitais, fachadas de órgãos de segurança, grandes pátios nos quais são armazenados os materiais apreendidos, e grandes salas nas quais são concedidas entrevistas coletivas pelas autoridades. As imagens são captadas sob a perspectiva de quem acompanha as atividades dos militares do chão, e de quem sobrevoa as favelas. Já no boletim de passagem, a câmera está na mesma altura do repórter. - na notícia 06, reportagem veiculada pelo JN, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado no Rio de Janeiro, comporta uma bancada transparente em linhas retas, cuja cor predominante é azul. Sobre a bancada fica um computador, um mouse e folhas de papel branco contendo o roteiro da edição para a consulta da âncora. Atrás dela, há a projeção de um grafismo em 3D, que mostra o mapa da América e a logomarca do JN, predominantemente em cor azul. Na cabeça da reportagem, Sandra Annenberg é enquadrada pela câmera em dois planos: um fechado e um médio. Já o espaço externo, o principal da narrativa, é a própria favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, que, nessa conformação, pode ser identificada por diversas ruas e calçadas que compõem a comunidade, e também por imagens aéreas que mostram a favela do alto. Aparecem, centenas de militares realizando fiscalizações, apreendendo drogas, armas e munições e prendendo suspeitos de tráfico de drogas, em meio à rotina dos moradores locais. Podem ser visualizados também espaços por entre os casebres nos quais ocorrem confrontos entre criminosos e policiais. Na notícia 06, são mobilizados ainda, outros espaços, tais como fachadas de escolas, fachadas de hospitais, fachadas de órgãos de segurança, grandes pátios nos quais são armazenados os materiais apreendidos, como drogas e armas, e salas nas quais as fontes oficiais concedem entrevistas. As imagens são captadas sob a perspectiva de quem acompanha as atividades dos militares do chão, e de quem sobrevoa as favelas. No boletim de passagem, a câmera está na mesma altura do repórter. Assim, os cinco telejornais analisados, JG, H1, BDB, JH e JN, recorrem a uma estrutura espacial bastante complexa para compor as narrativas. Pode-se perceber o grande esforço despendido na realização dessa cobertura, com a articulação de imagens de arquivo, com as gravadas via celular por moradores e policiais, e aquelas captadas pelas equipes de reportagem. Vale ainda destacar que, se comparados sintagmaticamente, todos os textos analisados apresentam uma grande variedade de articulações espaciais, em suas seis conformações.

 Temporalização

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Os modelos dos textos das notícias aqui analisadas recorrem a diferentes temporalidades: sua referência temporal é o presente representado pela emissão, transmitida ao vivo diretamente dos estúdios dos telejornais JG, H1, BDB, JH e JN; há, também, o tempo de feitura das reportagens, produzidas no passado em relação ao presente da emissão; e, o tempo de feitura das entradas ao vivo, concomitantes ao tempo da emissão; há, ainda, o tempo da desocupação da favela da Rocinha pelos militares do Exército, ocorrida, gradativamente, ao longo da manhã do dia 29.09.2017, resultando, assim, em três articulações temporais nessa cobertura jornalística: a antecipação da veiculação da notícia em relação a um acontecimento futuro; a concomitância entre a veiculação da notícia e o acontecimento presente; e, o passado do acontecimento narrado pela notícia – a saída das tropas do exército da favela da Rocinha – em relação ao presente da emissão. Cabe destacar as especificidades de cada uma das conformações analisadas e de suas articulações temporais: - na notícia 01, reportagem veiculada no JG, o tempo presente da emissão é representado pelo âncora William Waack que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 23h58min da noite, na abertura do terceiro bloco da edição do telejornal de 28.09.2017, chama a reportagem. O tempo futuro, referente à saída das tropas do exército, da favela da Rocinha, a se realizar no dia seguinte predomina na narrativa e já se expressa na cabeça da reportagem, quando Waack se utiliza do futuro para anunciar o assunto: “As tropas federais vão deixar a favela da Rocinha nesta sexta-feira, segundo o anúncio feito hoje pelo ministro Raul Jungmann”. A temporalidade futura segue sendo articulada no início da reportagem com a narração da repórter Fernanda Graell em off: “depois de uma semana de ocupação, blindados e homens das Forças Armadas vão deixar a comunidade”. Cabe, porém, destacar a existência de uma articulação do tempo futuro da saída dos militares com o passado, referente aos 07 dias em que o exército realizou o policiamento, o que fica evidenciado em alguns trechos da narração em off da repórter, como em: “ao todo, nesses 07 dias, a operação conjunta na Rocinha encontrou 25 fuzis e prendeu 24 suspeitos”. A reportagem apresenta, ainda, uma outra articulação temporal – a do futuro da saída das tropas, da favela, com o presente da estabilidade na segurança – quando, em entrevista, o ministro Raul Jungmann diz: “neste momento, a Rocinha está estabilizada [...], então neste momento não se faz necessária a presença desses quase mil homens que lá se encontram”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 2min22s –, dos quais, 10s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelo âncora William Waack e 2min12s pela própria reportagem, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar

118 da edição do telejornal – ela foi apresentada como a primeira matéria do terceiro bloco da emissão, sendo exibida às 23h58min. - na notícia 02, reportagem veiculada no H1, o tempo presente da emissão é representado pela âncora Monalisa Perrone que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 05h05min da manhã, no primeiro bloco da edição do telejornal de 29.09.2017, chama a reportagem. O tempo presente, referente à saída das tropas do exército, da favela da Rocinha, que ocorre simultaneamente ao da emissão, expressa-se na cabeça da reportagem, quando Monalisa se utiliza da noção de presente para anunciar o assunto: “As tropas federais começaram a deixar a Rocinha, no Rio de Janeiro. Eles começaram a deixar agora há pouco, às 3 horas e 30 minutos da manhã, a gente acabou de receber essa informação”. No entanto, a temporalidade futura do acontecimento em relação à emissão continua predominante na reportagem, a mesma veiculada no JG, através da narração da repórter Fernanda Graell em off: “depois de uma semana de ocupação, blindados e homens das Forças Armadas vão deixar a comunidade”. Cabe, ainda, destacar a existência de uma articulação, no off da reportagem, entre o tempo futuro da saída dos militares com o passado, referente aos 07 dias em que o exército realizou o policiamento na favela, que fica evidenciada em alguns trechos da narração em off da repórter, como no qual ela diz: “ao todo, nesses 07 dias, a operação conjunta na Rocinha encontrou 25 fuzis e prendeu 24 suspeitos”. A reportagem apresenta ainda uma outra articulação temporal – a do futuro da saída das tropas, da favela, com o presente da estabilidade na segurança – quando, em entrevista, o ministro Raul Jungmann diz: “neste momento, a Rocinha está estabilizada [...], então neste momento não se faz necessária a presença desses quase mil homens que lá se encontram”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 2min42s –, dos quais, 30s foram ocupados com a enunciação da cabeça pela âncora Monalisa Perrone e 2min12s pela própria reportagem, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi apresentada no primeiro bloco da emissão, sendo exibida às 05h05min. - na notícia 03, entrada ao vivo veiculada no H1, o tempo presente da emissão é representado pela âncora Monalisa Perrone que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 05h48min da manhã, no terceiro bloco da edição do telejornal de 29.09.2017, chama o repórter ao vivo. O tempo presente, referente à saída das tropas do exército, da favela da Rocinha, que ocorre simultaneamente ao da emissão, expressa-se na cabeça da entrada ao vivo, quando Monalisa se utiliza da noção de presente para anunciar o assunto: “As Forças Armadas começaram a sair da favela da Rocinha, no Rio

119 de Janeiro. [...] Vamos ao vivo então para o Rio de Janeiro conversar com o repórter Pedro Figueiredo que tem todas as informações”. A concomitância entre a temporalidade presente do acontecimento e a da emissão continua predominante na entrada ao vivo, quando o repórter Pedro Figueiredo diz:

Olha, o que eu tô observando é que, na verdade, a gente tem aí ainda a presença de algumas forças armadas, olha, o Vilson Ferreira vai mostrar aqui pra gente, que atrás de mim ainda tem alguns militares do exército presentes, mas esse deslocamento, essa saída dos militares começou ainda durante a madrugada. (Repórter Pedro Figueiredo no H1 de 29.09.2017)

Cabe, ainda, destacar a existência de uma articulação entre o tempo presente, da saída dos militares da favela, com o passado, referente às ações das Forças Armadas ao longo dos 07 dias de policiamento na Rocinha, evidenciada em alguns trechos da narração ao vivo do repórter, tal como: “essa operação integrada que começou na sexta-feira passada, ela contava tanto com militares do exército, da marinha e da aeronáutica que vieram aqui dar um suporte para as polícias civil e militar [...]”. A entrada ao vivo apresenta ainda uma outra articulação temporal – a do presente da saída das tropas, da favela, com o futuro de seu possível retorno, em caso de necessidade – quando, em nota pé, a âncora Monalisa Perrone diz: “há um esquema de plantão, permanente, porque a instabilidade, a insegurança pública tá muito pesada no Rio de Janeiro”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 3min52s –, dos quais 32s foram ocupados com a enunciação da cabeça pela âncora Monalisa Perrone, 2min20s pela própria entrada ao vivo e 1min com a nota pé proferida pela âncora, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi apresentada no início do terceiro bloco da emissão, sendo exibida às 05h48min. - na notícia 04, entrada ao vivo veiculada pelo BDB, o tempo presente da emissão é representado pelos âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 7h37min da manhã, no primeiro bloco da edição do telejornal de 29.09.2017, chamam o repórter ao vivo. O tempo presente, referente à saída das tropas do exército, da favela da Rocinha, expressa-se na cabeça da entrada ao vivo, quando Ana Paula Araújo se utiliza da palavra hoje para anunciar o assunto: “Depois de uma semana de ocupação da Rocinha, no Rio, as Forças Armadas começaram a deixar a favela hoje [...] Vamos saber os detalhes com o Pedro Figueiredo, ao vivo [...]”. Porém, mesmo que o repórter esteja ao vivo e in loco, a temporalidade predominante da narrativa é o passado, um passado recente, evidenciado desde o início da fala do repórter

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Pedro Figueiredo: “[...] os militares acabaram de deixar a Rocinha, a saída do último grupo de militares do exército brasileiro foi agora há pouco, às 7h30min da manhã, nós registramos esse momento”. Cabe, ainda, destacar a existência de uma articulação entre o passado recente, representado pela saída dos militares da favela, com um passado anterior, referente às ações das Forças Armadas ao longo dos 07 dias de policiamento na Rocinha, ficando clara em alguns trechos da narração ao vivo do repórter, tal como: “mil militares das Forças Armadas chegaram à Rocinha na última sexta-feira, depois de dias de intensos tiroteios por causa de uma guerra de bandidos pelo domínio do tráfico de drogas na favela [...]”. A entrada ao vivo apresenta ainda uma outra articulação temporal – a do passado recente, da saída das tropas, com o presente, da rotina dos moradores – quando, no fim da entrada ao vivo o repórter diz: “[...] agora de manhã, os moradores estão indo trabalhar, estão indo para a escola, mas eles ainda sentem muito medo [...]”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 1min59s –, dos quais, 21s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelos âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo, 1min16s pela própria entrada ao vivo e 22s com a nota pé proferida pelos âncoras, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi apresentada no primeiro bloco da emissão, sendo exibida às 07h37min. - na notícia 05, reportagem veiculada pelo JH, o tempo presente da emissão é representado pelo âncora Dony de Nuccio que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 13h36min da tarde, no primeiro bloco da edição do telejornal de 29.09.2017, chama a reportagem. O tempo passado, referente à saída das tropas do exército, da favela da Rocinha, expressa-se na cabeça da reportagem, quando Dony de Nuccio se utiliza de verbo no passado para anunciar o assunto: “No Rio, as Forças Armadas deixaram, hoje de manhã, a favela da Rocinha, depois de uma semana de cerco”. A predominância do tempo passado prossegue na narrativa em off do repórter Ari Peixoto: “A operação das Forças Armadas durou uma semana. Na madrugada de hoje, o cerco à favela da Rocinha foi suspenso e os quase mil militares começaram a se retirar”. Cabe, ainda, destacar a existência de uma articulação entre o passado recente, representado pela saída dos militares da favela, com um passado anterior, referente às ações das Forças Armadas ao longo dos 07 dias de policiamento na Rocinha, ficando essa articulação clara em alguns trechos da narração em off do repórter, tal como: “As Forças Armadas ficaram no entorno da Rocinha em apoio às operações feitas pelas polícias civil e militar. Durante essa semana, os militares apreenderam 25 fuzis, 14 granadas, 07 bombas de

121 fabricação caseira e 125 carregadores de armas”. A reportagem apresenta, ainda, uma outra articulação temporal – a do passado recente, da saída das tropas, com o futuro, representado, entre outros trechos da matéria, pelo possível resultado do pedido de habeas corpus em favor de perigosos traficantes presos em penitenciárias federais – quando, no fim da reportagem o repórter diz: “[...] se o pedido de habeas corpus coletivo for aceito pelo Supremo Tribunal Federal, 55 traficantes podem voltar para presídios do Rio [...]”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 4min07s –, dos quais, 9s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelo âncora Dony de Nuccio, 3min28s pela própria reportagem e 30s com a nota pé proferida pelo âncora, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi apresentada no primeiro bloco da emissão, sendo exibida às 13h36min. - na notícia 06, reportagem veiculada pelo JN, o tempo presente da emissão é representado pelos âncoras William Bonner e Sandra Annenberg que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 20h34min da noite, no primeiro bloco da edição do telejornal de 29.09.2017, chamam a reportagem. O tempo passado, predominante na narrativa, expressa-se já na cabeça da reportagem, quando Sandra Annenberg se utiliza de verbos no passado para anunciar o assunto:

No dia em que as Forças Armadas encerraram a operação na favela da Rocinha, cidadãos do Rio de Janeiro tomaram conhecimento de que a Defensoria Pública da União quer que o estado receba de volta chefes do tráfico de drogas que estão em presídios federais. E isso em nome da lei. (Sandra Annenberg no JN de 29.09.2017)

A predominância do tempo passado prossegue na narrativa em off do repórter Pedro Renato Soares, que, ao longo da reportagem, articula diversos passados, os mais recentes, com os mais distantes, como em: “Os últimos militares deixaram a Rocinha hoje no começo da manhã. Ontem à noite, houve mais tiroteios dentro da favela. Um homem morreu”. Cabe, ainda, destacar a existência de outra articulação entre passados, os das ocorrências dentro da favela da Rocinha nas últimas semanas, e o do pedido de habeas corpus em favor de traficantes perigosos, como no trecho da narração em off do repórter: “A defensoria pública da união pediu um habeas corpus para que todos os presos que estão em presídios federais há mais de dois anos sejam mandados para as cadeias dos estados de onde eles saíram”. A reportagem apresenta, ainda, uma outra articulação temporal – a do passado recente, da saída das tropas e da insegurança na Rocinha, com o futuro, representado pela ameaça de liberação de traficantes perigosos dos presídios federais. Essa articulação pode ser

122 identificada nas entrevistas, utilizadas na reportagem, com autoridades que repudiam esse possível retorno dos traficantes ao Rio de Janeiro, tais como, o ministro da defesa, Raul Jungmann, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia que diz: “[...] fazer um pleito como carioca, como fluminense, que ele (Alexandre de Moraes) não tome essa decisão, não atenda esse pleito da defensoria, porque isso será muito ruim para o Rio de Janeiro [...]”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 4min45s –, dos quais, 20s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelos âncoras William Bonner e Sandra Annenberg e 4min25s pela própria reportagem, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi a primeira matéria do primeiro bloco da emissão, sendo exibida às 20h34min. Assim, considerando as seis configurações das notícias sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, pode-se dizer que elas, em conjunto, movimentam-se entre quatro temporalidades principais: o presente da emissão dos estúdios dos telejornais, o futuro/presente/passado da saída das tropas da favela da Rocinha, o passado distante da guerra dos traficantes, e o futuro, ou seja, a ameaça à segurança representada pela liberação de criminosos perigosos. No entanto, cabe ressaltar que o acontecimento narrado foi tratado com diferentes articulações temporais pelas notícias em análise, de acordo com o horário de exibição do telejornal: na notícia 01, no JG, houve a prospecção do acontecimento que se daria no dia seguinte; na notícia 03, no H1, houve concomitância entre o acontecimento e a emissão; e na notícia 06, no JN, houve a recuperação do acontecimento ocorrido em um tempo passado. Tudo leva a crer que essa articulação temporal se dá – desde a antecipação do acontecimento, até sua posterior interpretação – com o intuito de atribuir o sentido de atualidade ao que ainda não aconteceu, ao que está acontecendo, ao que acabou de acontecer e até mesmo ao que já aconteceu há algum tempo. Dessa maneira, a comparação sintagmática, entre as seis notícias aqui analisadas, permite visualizar, com bastante clareza, o acompanhamento que a emissora faz do acontecimento, ao mesmo tempo em que vai reapresentando a matéria, diversas vezes, em diferentes telejornais, sempre como se essa fosse uma novidade.

 Tonalização

De maneira geral, os seis textos das notícias em análise, devido ao próprio tema central abordado – vida vs morte – e suas articulações temáticas – segurança vs insegurança,

123 legalidade vs ilicitude, tranquilidade vs medo, paz vs guerra, liberdade vs opressão, controle vs descontrole, entre outros – estão impregnados por um tom geral de seriedade, que se articula com outros tons, tais como os de descontentamento, medo, indignação, que predominam apesar de os discursos das autoridades tentarem atenuar esses tons. Há, não obstante, particularidades no que concerne a cada uma das notícias que merecem destaque: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JG, o âncora anuncia a saída dos militares da favela da Rocinha, enfatizando o tom de descontentamento frente à ineficiência da operação, já que o principal traficante da favela da Rocinha “ainda não foi preso”. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo H1, o destaque é conferido ao tom de seriedade frente à atualidade do acontecimento noticiado, quando Monalisa Perrone diz: “informação importante do Rio de Janeiro [...] a gente acabou de receber essa informação”. A âncora também enfatiza que o traficante mais procurado da favela da Rocinha não foi preso nos 07 dias de operação. - na notícia 03, entrada ao vivo veiculada pelo H1, o destaque é conferido ao tom de seriedade frente à relevância do acontecimento noticiado, quando Monalisa Perrone diz: “notícia importante da madrugada”. Já o repórter, na entrada ao vivo, dá um depoimento pessoal a respeito de um tiroteio que presenciou durante a cobertura jornalística, empregando um tom de indignação à narrativa. Ao final da notícia, a âncora também enfatiza, em tom pedagógico, o motivo pelo qual ela não consegue continuar a conversa com o repórter, visto que ele retirou o ponto eletrônico do ouvido. - na notícia 04, entrada ao vivo veiculada pelo BDB, o destaque aos tons de indignação e medo frente à permanente situação de insegurança mesmo depois da operação dos militares na favela da Rocinha, quando Ana Paula Araújo diz: “a saída das tropas coincide com uma noite de tiroteios [...] as pessoas ainda com muito medo por lá”. Os âncoras também enfatizam que o criminoso mais procurado pelos militares não foi preso. - na notícia 05, reportagem veiculada pelo JH, o tom predominante é o de seriedade, já que o âncora, Dony de Nuccio, enuncia poucas frases, limitando-se a dar informações sem emitir opinião, nem se utilizar de outras expressões faciais que não as comumente adotadas; - na notícia 06, reportagem veiculada pelo JN, o tom conferido é de indignação, descontentamento com o pedido de habeas corpus em favor de chefes do tráfico de drogas presos em penitenciárias federais, quando Sandra Annenberg diz: “cidadãos do Rio de Janeiro tomaram conhecimento de que, a defensoria pública da união quer que o estado receba de volta chefes do tráfico de drogas [...] e isso em nome da lei”. O repórter também enfatiza que nenhum chefe do tráfico de drogas foi preso.

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Nos seis textos em análise, predominam os tons de seriedade, indignação e descontentamento que perpassam as notícias veiculadas sobre o acontecimento, tons esses, algumas vezes, explicitados pelos próprios moradores da favela da Rocinha e compartilhados pelos atores – apresentadores e repórteres – ligados à RGT. Já as autoridades oficiais entrevistadas tentam amenizar esses tons impregnando suas falas de tons de tranquilidade e normalidade.

7.2.2.1.6 Análise intertextual de caráter sintagmático

As notícias sobre o mesmo acontecimento, veiculadas sob seis diferentes configurações, respectivamente nas edições dos telejornais JG, no dia 28.09.2017, e H1, BDB, JH e JN, no dia 29.09.2017, caracterizam-se, do ponto de vista de sua relação sintagmática, por um movimento de alargamento nas articulações dos dispositivos discursivos de actorialização, espacialização e temporalização na cadeia de notícias sobre o acontecimento que vai da primeira veiculação até a última. Mas, identificam-se pequenas alterações no enfoque editorial adotado para compor cada uma das narrativas. Essa linha crescente, que vai de um menor a um maior detalhamento, pode ser verificada através da comparação sequencial das seis veiculações, o que atesta um aumento gradativo do status de noticiável desse acontecimento, durante a cadeia temporal, de ordem sintagmática, analisada. Dessa maneira, na notícia 01 veiculada pelo JG, quando a temporalidade predominante era o futuro, a prospecção do acontecimento, a articulação entre atores e espaços obedeceu a uma menor variedade, se comparada com as veiculações seguintes. Já quando a temporalidade predominante foi o presente, nas notícias 02 e 03 veiculadas pelo H1, e na notícia 04 veiculada pelo BDB, embora a articulação de atores tenha se mantido a mesma, houve uma ampliação das articulações espaciais: foram utilizados dois espaços distintos – a favela da Rocinha antes, e durante, a desocupação dos militares. A veiculação do acontecimento em se fazendo notícia potencializou, ainda, os sentidos de atualidade, novidade, e logo, relevância, do fato noticiado. Além disso, diante da predominância de temporalidade passada, ou seja, da retrospecção do acontecimento em relação à emissão, a articulação de atores e espaços, nessa cadeia sintagmática, atinge o ápice, sendo que, nas notícias 05 (JH) e 06 (JN), foram utilizados diferentes atores sociais e espaços para, além de relatar o acontecimento, interpretá- lo através dos discursos desses personagens.

125

Cabe, ainda, examinar essas seis veiculações em outro tipo de relação sintagmática: aquela que elas contraem com as notícias que as precederam e/ou sucederam no próprio corpo de cada edição dos telejornais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JG, a apresentação da matéria sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro foi precedida pelo intervalo comercial e a exibição da vinheta de abertura do terceiro bloco da edição. A notícia sobre a referida saída dos militares da Rocinha foi sucedida pela veiculação de uma reportagem sobre a realização, pela primeira vez, da Oktoberfest em São Paulo, reportagem com duração de 2min10s, produzida pela equipe da RGT em São Paulo, tendo sido essa matéria também veiculada no H1 de 29.09.2017 e no BDB de 29.09.2017. Percebe-se, assim, a inexistência, neste caso, de uma preocupação por parte da instância de produção, representada pela equipe de jornalistas do JG, em atribuir um sentido maior ao roteiro do programa, ou seja, à ordenação da exibição das matérias. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo H1, a apresentação da matéria sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro foi precedida pelas informações do tempo e do trânsito em algumas capitais brasileiras, com duração de 2min31s. A notícia da saída dos militares da Rocinha foi sucedida por uma nota coberta sobre uma tentativa de extorsão, por parte de um grupo de criminosos, aos atendentes de uma lanchonete no Rio de Janeiro, nota coberta com 50s de duração, produzida pela equipe do H1 com a utilização de fotos e de imagens de câmeras de vigilância. Verifica-se, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal, concentrando o noticiário sobre a insegurança no Rio de Janeiro neste bloco. - na notícia 03, entrada ao vivo veiculada pelo H1, a apresentação da matéria sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro foi precedida pelo intervalo comercial e apresentação da vinheta de abertura do terceiro bloco. A notícia da saída dos militares da Rocinha foi sucedida pelo quadro da previsão do tempo, com a apresentadora Isabella Camargo, com duração de 03min28s. Não se verifica, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal. Porém, cabe assinalar que, a entrada ao vivo em análise, na mesma edição em que já havia sido veiculada, no primeiro bloco, uma reportagem sobre a saída dos militares da Rocinha, teve o objetivo claro de atualizar, em tempo real e simultâneo à emissão, as informações da reportagem anterior, que havia sido editada na noite e, portanto, estava ultrapassada, visto o avanço do desenrolar do acontecimento. Ao telespectador fica

126 nítida a sensação de que o repórter Pedro Figueiredo foi colocado in loco, na favela da Rocinha, às pressas, com o intuito de corrigir uma defasagem de informações do primeiro para o terceiro bloco do programa. - na notícia 04, entrada ao vivo veiculada pelo BDB, a apresentação da matéria sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro foi precedida por uma reportagem, com duração de 5min16s, sobre a alteração no preço das passagens aéreas no Brasil depois do início da cobrança do despacho de bagagens, produzida pela equipe da RGT em São Paulo. A notícia da saída dos militares da Rocinha foi sucedida por outra reportagem sobre o aumento no número de mortes de caminhoneiros por acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras, com duração de 2min43s, produzida pela afiliada da RGT em Goiás, TV Anhanguera. Não se verifica, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal. - na notícia 05, reportagem veiculada pelo JH, a apresentação da matéria sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro foi precedida por uma entrada ao vivo, com duração de 01min42s, sobre o afastamento de Aécio Neves do cargo de senador por suspeita de corrupção, produzida pela equipe da RGT em Brasília. A notícia da saída dos militares da Rocinha foi sucedida por uma nota coberta, com duração de 25s, sobre a morte de 22 pessoas em um tumulto em uma estação de trem na índia, produzida com a utilização de imagens do canal de televisão TV9. Não se verifica, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal. - na notícia 06, reportagem veiculada pelo JN, a apresentação da matéria sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro foi precedida pela veiculação da escalada com as manchetes da edição e a vinheta de abertura do telejornal. A notícia da saída dos militares da Rocinha foi sucedida por uma nota pelada, com duração de 28s, sobre a queda no índice de desemprego no Brasil. Não se verifica, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal. Há, não obstante, outra relação sintagmática que necessita ser considerada: a dos textos das notícias aqui analisados sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro com o texto de outra narrativa, da telenovela das 21h da RGT, A Força do Querer, em exibição no período analisado por esta pesquisa. Ao mesmo tempo em que, na vida real, a Rocinha, no Rio de Janeiro, registrava uma verdadeira guerra motivada pela disputa entre dois traficantes, antes amigos, mas agora rivais, na dramaturgia, Rubinho e

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Sabiá – traficantes fictícios – também desfaziam uma amizade e se tornavam rivais disputando o posto de chefe do tráfico de drogas. As cenas reais – de tiroteios, moradores com medo, policiais em operação –, exibidas pelo JN, apresentam uma ligação direta com as cenas exibidas no programa seguinte, a telenovela das 21h, dando ao telespectador a sensação de que a história real seguia na ficcional. E se, nas narrativas factuais, os traficantes eram encobertos de sentidos negativos como a periculosidade, a ilegalidade e a ameaça, na narrativa ficcional, os traficantes Rubinho e Sabiá eram revestidos de sentidos positivos, como o glamour e o poder. Ora, é preciso considerar que a atribuição de sentidos positivos a atores que assumem atividades sociais ilegais só seria aceita se ocorresse, como é o caso, no âmbito da ficção. Além do mais, tudo leva a crer que, a similaridade entre os acontecimentos do mundo real e do ficcional, nos textos em análise, justifique o aviso emitido pela RGT no início dos capítulos da telenovela: “Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real, terá sido mera coincidência”.

7.2.2.2 Acontecimento 02: Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT

O acontecimento referente à Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT foi veiculado, sob forma de notícia, nas edições de cinco telejornais: - a notícia 01, na edição do telejornal Jornal Nacional de 26.09.2017, às 20h37min, com duração de 05 minutos e 21 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 02, na edição do telejornal Jornal da Globo de 26.09.2017, às 00h17min, com duração de 04 minutos e 29 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 03, na edição do telejornal Hora 1 da Notícia de 27.09.2017, às 05h34min, com duração de 04 minutos e 32 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 04, na edição do telejornal Bom Dia Brasil de 27.09.2017, às 08h02min, com duração de 04 minutos e 16 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 05, na edição do telejornal Jornal Hoje de 27.09.2017, às 13h44min, com duração de 03 minutos e 46 segundos, configurando-se como uma nota coberta. As narrativas, nas cinco diferentes configurações discursivas deste acontecimento sob a forma de notícia, relatam a divulgação de uma carta pelo ex-ministro da Defesa e da Casa Civil do governo Lula, Antonio Palocci, preso, há mais de um ano, por corrupção e lavagem de dinheiro, na qual pede sua desfiliação do Partido dos Trabalhadores (PT), já que vinha sofrendo um processo de expulsão depois de tentar realizar delação premiada com os promotores do Ministério Público Federal, atuantes na Operação Lava Jato. Além do pedido

128 de desfiliação, na carta, Palocci faz diversas acusações contra o ex-presidente Lula, principalmente a respeito da participação do ex-presidente em esquemas de corrupção. Em todas as narrativas apresentadas pelos telejornais, a carta divulgada por Palocci repercutiu pelo seu teor acusatório.

7.2.2.2.1 Caracterização geral das notícias

O acontecimento objeto das notícias em análise, em suas cinco configurações, trata-se de uma ocorrência da ordem da imprevisibilidade: a divulgação de uma carta por Antonio Palocci, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil do governo Lula e preso por corrupção e lavagem de dinheiro pela Operação Lava-Jato, na qual pede sua desfiliação do Partido dos Trabalhadores (PT). A motivação para esse pedido de desfiliação foi o processo de expulsão movido pelo PT contra Palocci, depois dele tentar negociar uma delação premiada com os promotores, do Ministério Público Federal, atuantes na Operação Lava Jato. A carta, divulgada no dia 26.09.2017, entrou na pauta das edições dos telejornais JN e JG no dia 26.09.2017 e H1, BDB e JH no dia 27.09.2017. Os cinco textos das notícias referentes à Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT, apresentados respectivamente sob a forma de reportagem e nota coberta, atendem fortemente às características consideradas em qualquer seleção jornalística, já que respondem aos critérios maiores de atualidade, novidade, importância e interesse, aos quais se agregam traços de proeminência relativa aos sujeitos envolvidos, conflito, gestão pública, justiça e surpresa frente ao acontecimento noticiado. A apresentação de acontecimento sobre o pedido de desfiliação de Antonio Palocci do PT, tendo sido ele um dos mais importantes aliados do ex-presidente Lula à época de seu governo, e sendo atualmente, como o próprio Lula, investigado e até condenado por participação em diversos esquemas de corrupção, justifica a inclusão da matéria nas pautas dos cinco telejornais da RGT. A alta relevância conferida à matéria pode ser observada pela duração total do tempo – aproximadamente 24min –, dedicado à veiculação das notícias, nas edições dos cinco telejornais aqui analisados. Ressalta-se, ainda, que o acontecimento foi noticiado em todos os telejornais da RGT.

7.2.2.2.2 Análise paratextual de caráter contextual

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Antonio Palocci Filho é médico especialista em medicina preventiva, formado pela USP de Ribeirão Preto e também político com ampla carreira no Brasil. Filho de um artista plástico com uma militante de esquerda, Palocci começou a militância política de esquerda nos diretórios estudantis. Em 1980, juntamente com Luiz Inácio Lula da Silva, fundou o Partido dos Trabalhadores (PT), pelo qual se elegeu, em 1988, vereador em Ribeirão Preto; em 1990, deputado estadual em São Paulo; em 1992, prefeito de Ribeirão Preto; em 1998, deputado federal pelo estado de São Paulo; e em 2000, novamente prefeito de Ribeirão Preto. Em 2002, nas eleições presidenciais, foi coordenador da campanha que elegeu, pela primeira vez, Lula como presidente do Brasil (BASTOS, 2018). Em 2003, após a vitória de Lula nas urnas, Palocci assumiu o cargo de ministro da fazenda, adotando uma política econômica baseada no controle da inflação e na manutenção dos marcos gerais do Plano Real. Os bons resultados econômicos, referentes à valorização do real frente ao dólar, não foram suficientes, porém, para manter Palocci no cargo, já que ele passou a ser investigado por prática de lobby na CPI dos Bingos, em Ribeirão Preto. A quebra ilegal do sigilo bancário de um caseiro, Francenildo dos Santos Costa, atribuída a Palocci, culminou em seu pedido de demissão do Ministério da Fazenda, sendo substituído por Guido Mantega (BASTOS, 2018). Em 2011, no governo da presidente Dilma Rousseff, Palocci assumiu, novamente, a liderança de um ministério, o da Casa Civil, permanecendo no cargo por seis meses. O pedido de demissão, em junho de 2011, foi motivado por denúncias de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito, entre elas, a compra, à vista, de um apartamento de seis milhões de reais. Em 2015, já no âmbito da Operação Lava Jato – a maior investigação de corrupção já conduzida no Brasil –, a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o recebimento ilícito de recursos por Palocci. As investigações apontaram o ex-ministro como importante articulador político em favor dos interesses da empresa Odebrecht, agindo para a aprovação de medida provisória que beneficiaria a empreiteira, além da liberação de crédito no BNDES e o contrato de compra de 21 navios sonda, sendo recompensado por essas vantagens com o recebimento de propinas. Em listas apreendidas pela Polícia Federal com o balanço da distribuição das propinas, o ex-ministro era identificado pelo codinome “Italiano”. Em 2016, o juiz Sérgio Moro, condenou Palocci a doze anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro (JUSTI, 2016). Diante da condenação, a defesa de Palocci passou a negociar com o Ministério Público Federal um acordo de delação premiada, no qual o político traria novas informações sobre o modo de funcionamento do cartel de empreiteiras que recebiam vantagens em contratos com a

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Petrobrás, além de fornecer um detalhamento sobre os envolvidos no esquema, em troca do que receberia um abrandamento de sua pena. Os depoimentos de Palocci à justiça passaram, então, a conter acusações diretas sobre a participação do ex-presidente Lula nos esquemas de corrupção e recebimento de propinas, resultando na abertura de um processo interno, pelo Partido dos Trabalhadores, para a expulsão de Palocci. O ex-ministro, informado pela imprensa da abertura de tal procedimento, divulgou uma carta pedindo sua desfiliação do PT (AFFONSO, 2017). Cabe ainda destacar que o ex-presidente Lula, apesar de todas as denúncias, investigações e, até mesmo, condenações por corrupção passiva que pesam contra ele, conta com grande popularidade no Brasil, principalmente entre a população mais desfavorecida, a maior beneficiária das ações sociais de seus governos no combate à miséria e no amplo acesso à educação e ao emprego. Desde a deflagração da Operação Lava Jato pelos órgãos federais de justiça, tem havido grande esforço investigativo com vistas a comprovar o comprometimento do ex-presidente nos esquemas de corrupção, envolvendo empreiteiras e a Petrobrás. No entanto, o próprio Lula e o PT, a despeito das provas apresentadas, adotam um discurso de vitimização e perseguição política por parte do judiciário e da mídia hegemônica. Dessa forma, qualquer liderança do PT que refute essa narrativa de perseguição política é banida do partido e considerada uma perseguidora. A veiculação de notícias sobre a carta divulgada por Palocci, pedindo sua desfiliação do PT, demonstra a prioridade atribuída pela RGT à veiculação de notícias sobre o cenário político brasileiro, principalmente sobre os acontecimentos que envolvem políticos nos casos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato. A despeito das acusações destinadas à RGT por, supostamente, tentar desconstruir a popularidade de Lula através de seus telejornais, esse amplo destaque conferido à carta e às acusações de Palocci contra o ex-presidente, mesmo sem a apresentação de provas, corrobora com o suposto posicionamento editorial, contrário a Lula, do qual a RGT é acusada.

7.2.2.2.3 Análise paratextual de caráter enunciativo

A veiculação de matérias, sob forma de reportagem, nas notícias 01, 02, 03 e 04, veiculadas, respectivamente, pelo JN, JG, H1 e BDB, e de nota coberta, na notícia 05, veiculada pelo JH, sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT (26.09.2017 e 27.09.2017), ocorre ao mesmo tempo em que a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer por obstrução de justiça e organização criminosa é lida na Câmara

131 dos Deputados, e em que é tornado público o aumento da pena, determinado pela justiça, de José Dirceu, por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, ganhando ambas as matérias destaque nas edições dos telejornais. Ainda assim, a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT esteve entre as manchetes de quatro das cinco edições dos telejornais em que foram veiculados, tendo grande repercussão no interior desses cinco programas. A notícia 01, sob forma de reportagem, veiculada na edição do JN de 26.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, a leitura, na Câmara dos Deputados, da segunda denúncia por obstrução de justiça e organização criminosa contra o presidente Michel Temer; o afastamento do senador Aécio Neves, determinado pelo Supremo Tribunal Federal; e o aumento da pena de José Dirceu por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A reportagem, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição do JN, sendo precedida por outra reportagem sobre a doação de 4 milhões de reais pela Odebrecht ao Instituto Lula, e, sucedida por uma reportagem sobre o aumento da pena de José Dirceu. Verifica-se, assim, a utilização de estratégia de roteirização através da exibição, em sequência, de matérias sobre temas afins, nesse caso, a corrupção envolvendo políticos brasileiros. Essas matérias foram veiculadas no primeiro bloco do telejornal, recebendo grande destaque, e produzindo, pela sequencialidade, um sentido de continuidade do tema, entre uma e outra, já que todas narram casos de corrupção. A notícia 02, sob forma de reportagem, veiculada na edição do telejornal JG de 26.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, a leitura, na Câmara dos Deputados, da segunda denúncia por obstrução de justiça e organização criminosa contra o presidente Michel Temer; o afastamento do senador Aécio Neves, determinado pelo Supremo Tribunal Federal; e o aumento da pena de José Dirceu por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A reportagem, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição do JG, sendo precedida pela vinheta de abertura do programa, e, sucedida por uma reportagem sobre o afastamento do senador Aécio Neves determinado pelo Supremo Tribunal Federal. Verifica- se, assim, a utilização de estratégia de roteirização através da exibição, em sequência, de matérias sobre temas afins, nesse caso, a corrupção envolvendo políticos brasileiros. Essas matérias foram veiculadas no primeiro bloco do telejornal, recebendo grande destaque, e produzindo, pela sequencialidade, um sentido de continuidade do tema, entre uma e outra, já que todas narram casos de corrupção.

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A notícia 03, sob forma de reportagem, veiculada na edição do telejornal H1 de 27.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, a leitura, na Câmara dos Deputados, da segunda denúncia por obstrução de justiça e organização criminosa contra o presidente Michel Temer; o afastamento do senador Aécio Neves, determinado pelo Supremo Tribunal Federal; e o aumento da pena de José Dirceu por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A reportagem, em análise, teve veiculação no segundo bloco da edição do H1, sendo precedida por outra reportagem sobre o aumento da pena de José Dirceu, determinado pela justiça, e, sucedida por uma reportagem sobre o fundo público de financiamento de campanha, previsto pela reforma política. Verifica-se, assim, a utilização de estratégia de roteirização através da exibição, em sequência, de matérias sobre temas afins, nesse caso, sobre os principais acontecimentos do cenário político brasileiro. O noticiário político foi concentrado no segundo bloco do telejornal, produzindo, pela sequencialidade, um sentido de continuidade do tema. A notícia 04, sob forma de reportagem, veiculada na edição do telejornal BDB de 27.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, as consequências da tragédia da Samarco na vida dos moradores ribeirinhos; o afastamento do senador Aécio Neves, determinado pelo Supremo Tribunal Federal; e o fundo de financiamento partidário político, das campanhas eleitorais, proposto pela reforma política. A reportagem, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição do BDB, sendo precedida por outra reportagem sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal em afastar do cargo o senador Aécio Neves, e, sucedida pelos destaques do bloco seguinte, no a seguir. Verifica-se, assim, a utilização de estratégia de roteirização através da exibição, em sequência, de duas matérias sobre temas afins, nesse caso, sobre corrupção no contexto político brasileiro. No entanto, cabe destacar que o noticiário político, de maneira geral, foi diluído ao longo de três dos cinco blocos dessa edição do programa. A notícia 05, sob forma de nota coberta, veiculada na edição do telejornal JH de 27.09.2017, não esteve entre as manchetes do programa neste dia, tendo sido destacados outros assuntos, como os leilões de usinas de petróleo e gás pelo governo federal; o afastamento do senador Aécio Neves, determinado pelo Supremo Tribunal Federal; e as indicações da RGT ao prêmio Emmy Internacional. A nota coberta, em análise, teve veiculação no primeiro bloco da edição do JH, sendo precedida por uma reportagem sobre a segunda denúncia por obstrução à justiça e organização criminosa contra o presidente Michel Temer, e, sucedida por uma entrada ao vivo sobre o

133 fundo público de financiamento de campanhas eleitorais, previsto pela reforma política. Verifica-se, assim, a utilização de estratégia de roteirização através da exibição, em sequência, de matérias sobre temas afins, nesse caso, sobre os principais acontecimentos no cenário político brasileiro. O noticiário político foi todo concentrado no primeiro bloco do telejornal, produzindo, pela sequencialidade, um sentido de continuidade do tema. A comparação sintagmática das manchetes das cinco edições dos telejornais aqui analisados permite afirmar que a variação de acontecimentos noticiados, de um telejornal para outro, é pequena. Notícias como a denúncia contra o presidente Michel Temer, o afastamento do senador Aécio Neves, e o aumento da pena de José Dirceu estão entre as manchetes, e no interior de todas as edições analisadas. As pequenas diferenças entre os temas abordados ficam por conta do destaque conferido às notícias de veiculação única: no JG, o incêndio na serra da Bocaina; no H1, o direito de dirigir conquistado pelas mulheres sauditas; no BDB, a imprudência dos motoristas brasileiros; e no JH, grampos ilegais atribuídos a servidores públicos do Mato Grosso. Cabe destacar que, na edição analisada, o JN trouxe, em suas manchetes, exclusivamente o noticiário político nacional. Já a edição do BDB foi a que mais apresentou manchetes exclusivas, diferenciando-se, de maneira bastante perceptível, dos demais telejornais e conferindo, assim, singularidade à abertura da edição, mesmo que, no seu interior, outras matérias, que não integraram as manchetes, tenham sido veiculadas pelo BDB e pelos demais telejornais. Dessa maneira, em que pesem as particularidades de cada uma das edições, os telejornais, de uma edição para a outra, prosseguem, recorrendo a um mesmo plantel de notícias que vão sendo atualizadas, ou simplesmente repetidas, de um programa para outro. No caso das reportagens e da nota coberta aqui analisadas, a RGT, além das equipes próprias de cada um dos cinco telejornais, lançou mão também da estrutura de sua afiliada no Paraná, aproveitando seus serviços na produção das notícias, o que fica bastante perceptível quando se observa a escalação dos profissionais para a realização das cinco configurações dos textos das matérias em análise. Esses textos, além disso, recorrem a recursos gráficos que transformam, na narrativa, a carta de Palocci em um espaço criteriosamente analisado pelas notícias. Através da veiculação das reportagens e da nota coberta sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT, a RGT, enquanto instância enunciativa maior, e os telejornais JN, JG, H1, BDB e JH, enquanto instâncias enunciativas imediatas, atendem à promessa firmada com a audiência de realizar um acompanhamento diário do noticiário político nacional, além de conferirem destaque aos desdobramentos de investigações de

134 corrupção envolvendo políticos do alto escalão. Tudo leva a crer que as acusações contidas na carta de Palocci contra o ex-presidente Lula potencializaram o esforço empregado nessa cobertura, delineando o posicionamento da emissora contrário à corrupção no meio político.

7.2.2.2.4 Análise intertextual de caráter paradigmático

As notícias sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT, em análise, são configuradas pelo JN, JG, H1 e BDB, sob forma de reportagem, e, pelo JH, sob forma de nota coberta. As estruturas das cinco conformações em análise seguem os paradigmas tradicionalmente adotados pelos seus modelos. O modelo de reportagem, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça da reportagem, apresentada pelo(s) âncora(s), a própria matéria, gravada e editada, que conta com a narração de um repórter em off, intercalada por declarações de entrevistados envolvidos com o acontecimento divulgado, além do boletim de passagem do repórter, momento em que ele aparece no vídeo, assinando a matéria. O modelo tradicional de reportagem pode contar, ainda, com a nota pé, ou seja, com a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s) do estúdio. A notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, segue os moldes desse paradigma: o âncora do telejornal, William Bonner, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pelo repórter Marcelo Rocha, não apresentando sonoras gravadas pelas equipes de reportagem, mas utilizando, em seu lugar, trechos da carta de Palocci narrados pelo mesmo repórter. A reportagem contou, ainda, com um boletim de passagem, com a figura do repórter, e uma longa nota pé. Exceto pela falta de sonoras, a reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador, pelo menos no que se refere ao formato. A notícia 02, reportagem veiculada pelo JG, segue os moldes desse paradigma: o âncora do telejornal, William Waack, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pelo repórter Marcelo Rocha, não apresentando sonoras gravadas pelas equipes de reportagem, mas utilizando, em seu lugar, trechos da carta de Palocci, narrados pelo mesmo repórter. A reportagem contou, ainda, com um boletim de passagem, com a figura do repórter, não apresentando nota pé. Exceto pela falta de sonoras, a reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador, pelo menos no que se refere ao formato. A notícia 03, reportagem veiculada pelo H1, segue os moldes desse paradigma: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pelo

135 repórter Marcelo Rocha, não apresentando sonoras gravadas pelas equipes de reportagem, mas utilizando, em seu lugar, trechos da carta de Palocci, narrados pelo mesmo repórter. A reportagem contou, ainda, com um boletim de passagem, com a figura do repórter, não apresentando nota pé. Exceto pela falta de sonoras, a reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador, pelo menos no que se refere ao formato. A notícia 04, reportagem veiculada pelo BDB, segue os moldes desse paradigma: o âncora do telejornal, Chico Pinheiro, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pela repórter Malu Mazza, não apresentando sonoras gravadas pelas equipes de reportagem, mas utilizando, em seu lugar, trechos da carta de Palocci narrados pela mesma repórter. A reportagem contou, ainda, com um boletim de passagem, com a figura da repórter, e com uma longa nota pé. Exceto pela falta de sonoras, a reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador, pelo menos no que se refere ao formato. O modelo de nota coberta, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça da reportagem, apresentada pelo(s) âncora(s), a própria matéria, gravada e editada, que conta com a narração do âncora em off, além de imagens do acontecimento, gravadas anteriormente, in loco, para posterior edição e veiculação. O modelo tradicional de nota coberta pode contar, ainda, com a nota pé, ou seja, com a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s) do estúdio. A notícia 05, nota coberta veiculada pelo JH, segue os moldes do paradigma acima descrito: o âncora do telejornal, Dony de Nuccio, introduz o assunto que prossegue com sua narração em off e a ilustração de imagens de arquivo e grafismos. Além disso, a matéria conta, ainda, com uma longa nota pé. A nota coberta adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador, pelo menos no que se refere ao formato.

7.2.2.2.5 Análise intratextual das notícias

A análise intratextual de caráter discursivo/expressivo dos textos das notícias sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT, veiculadas sob forma, respectivamente, de quatro reportagens e uma nota coberta, descreve, na sequência, os procedimentos por eles adotados na manifestação dos dispositivos discursivos/expressivos, referentes à tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização.

136

 Tematização/Figurativização

Os textos das cinco notícias sobre o acontecimento, aqui analisados, propõem como tema central a oposição verdade vs mentira, figurativizada pela carta divulgada por Palocci com acusações ao ex-presidente Lula de envolvimento em casos de corrupção, tema esse que se articula a partir das seguintes oposições: honestidade vs desonestidade, legalidade vs ilicitude, correção vs incorreção, fidelidade vs traição, culpa vs inocência, moralidade vs imoralidade. Assim, os supostos atos de corrupção cometidos pelo ex-presidente Lula são figurativizados através dos enunciados acusatórios contidos na carta divulgada por Palocci e endereçada ao PT. Nas narrativas das notícias, a veracidade das acusações é colocada em cheque pelo próprio acusado, Lula, e também pelo Partido dos Trabalhadores.

 Actorialização

As narrativas contidas nos textos das notícias sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT comportam os seguintes atores: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN: os âncoras do telejornal, William Bonner e Ana Paula Araújo; o jornalista, Marcelo Rocha, responsável pela condução da reportagem; o ex-ministro da fazenda e da casa civil, Antonio Palocci; o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva; a ex-presidente da república, Dilma Rousseff; o ex- presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli; e a esposa de Lula, Marisa Letícia. Os protagonistas principais da narrativa contida na carta são, sem dúvida, Antonio Palocci que, na reportagem, ora aparece como mocinho, ora aparece como vilão, ao relembrar, no interior da carta, ações de corrupção ocorridas no passado, nas quais atuaram ele e o ex-presidente Lula; e, ainda, Lula, que alterna, com Palocci, esses mesmos papéis, de mocinho e vilão, ao rebater as acusações a ele direcionadas. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados na tentativa de elucidar a disputa e recuperar a verdade, tais como: a ex-presidente, Dilma Rousseff; a esposa de Lula, Marisa Letícia; o ex-presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli; e o próprio PT que, apesar de se tratar de partido político, desempenha papel de ator no texto em análise. Já os protagonistas principais da reportagem são o repórter, que apresenta

137 o acontecimento, e os âncoras do JN que veiculam a matéria, demonstrando, no texto desta notícia, sua reprovação frente aos comportamentos relatados na carta divulgada por Palocci. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo JG: o âncora do telejornal, William Waack; o jornalista, Marcelo Rocha, responsável pela condução da reportagem; o ex-ministro da fazenda e da casa civil, Antonio Palocci; o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva; a ex-presidente da república, Dilma Rousseff; o ex-presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli; e a esposa de Lula, Marisa Letícia. Os protagonistas principais da narrativa contida na carta são, sem dúvida, Antonio Palocci que, na reportagem, ora aparece como mocinho, ora aparece como vilão, ao relembrar, no interior da carta, ações de corrupção ocorridas no passado, nas quais atuaram ele e o ex-presidente Lula; e, ainda, Lula, que alterna, com Palocci, esses mesmos papéis, de mocinho e vilão, ao rebater as acusações a ele direcionadas. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados na tentativa de elucidar a disputa e recuperar a verdade, tais como: a ex-presidente, Dilma Rousseff; a esposa de Lula, Marisa Letícia; o ex-presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli; e o próprio PT que, apesar de se tratar de partido político, desempenha papel de ator no texto em análise. Já os protagonistas principais da reportagem são o repórter, que apresenta o acontecimento; e o âncora do JG, que veicula a matéria, ambos demonstrando, no texto desta notícia, reprovação e indignação frente aos comportamentos relatados na carta divulgada por Palocci. - na notícia 03, reportagem veiculada pelo H1: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone; o jornalista, Marcelo Rocha, responsável pela condução da reportagem; o ex- ministro da fazenda e da casa civil, Antonio Palocci; o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva; a ex-presidente da república, Dilma Rousseff; o ex-presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli; e a esposa de Lula, Marisa Letícia. Os protagonistas principais da narrativa contida na carta são, sem dúvida, Antonio Palocci que, na reportagem, ora aparece como mocinho, ora aparece como vilão, ao relembrar, no interior da carta, ações de corrupção ocorridas no passado, nas quais atuaram ele e o ex-presidente Lula; e, ainda, Lula, que alterna, com Palocci, esses mesmos papéis, de mocinho e vilão, ao rebater as acusações a ele direcionadas. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados na tentativa de elucidar a disputa e recuperar a verdade, tais como: a ex-presidente, Dilma Rousseff; a esposa de Lula, Marisa Letícia; o ex-presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli; e o próprio PT que, apesar de se tratar de partido político, desempenha papel de ator no texto em análise. Já os protagonistas principais da reportagem são o repórter, que apresenta o acontecimento; e a âncora do H1 que veicula a matéria, ambos demonstrando, no texto desta notícia, reprovação e indignação frente aos comportamentos relatados na carta divulgada por Palocci.

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- na notícia 04, reportagem veiculada pelo BDB: os âncoras do telejornal, Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo; a jornalista, Malu Mazza, responsável pela condução da reportagem; o ex-ministro da fazenda e da casa civil, Antonio Palocci; o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva; a ex-presidente da república, Dilma Rousseff; o ex- presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli; e a esposa de Lula, Marisa Letícia. Os protagonistas principais da narrativa contida na carta são, sem dúvida, Antonio Palocci que, na reportagem, ora aparece como mocinho, ora aparece como vilão, ao relembrar, no interior da carta, ações de corrupção ocorridas no passado, nas quais atuaram ele e o ex-presidente Lula; e, ainda, Lula, que alterna, com Palocci, esses mesmos papéis, de mocinho e vilão, ao rebater as acusações a ele direcionadas. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados na tentativa de elucidar a disputa e recuperar a verdade, tais como: a ex-presidente, Dilma Rousseff; a esposa de Lula, Marisa Letícia; o ex-presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli; e o próprio PT que, apesar de se tratar de partido político, desempenha papel de ator no texto em análise. Já os protagonistas principais da reportagem são a repórter, que apresenta o acontecimento; e os âncoras do BDB que veiculam a matéria, todos demonstrando, no texto desta notícia, reprovação e indignação frente aos comportamentos relatados na carta divulgada por Palocci. - na notícia 05, nota coberta veiculada pelo JH: o âncora do telejornal, Dony de Nuccio; o ex-ministro da fazenda e da casa civil, Antonio Palocci; o ex-presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva; a ex-presidente da república, Dilma Rousseff; o ex- presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli; e a esposa de Lula, Marisa Letícia. Os protagonistas principais da narrativa contida na carta são, sem dúvida, Antonio Palocci que, na nota coberta, ora aparece como mocinho, ora aparece como vilão, ao relembrar, no interior da carta, ações de corrupção ocorridas no passado, nas quais atuaram ele e o ex-presidente Lula; e, ainda, Lula, que alterna, com Palocci, esses mesmos papéis, de mocinho e vilão, ao rebater as acusações a ele direcionadas. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados na tentativa de elucidar a disputa e recuperar a verdade, tais como: a ex-presidente, Dilma Rousseff; a esposa de Lula, Marisa Letícia; o ex-presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli; e o próprio PT que, apesar de se tratar de partido político, desempenha papel de ator no texto em análise. Já o protagonista principal da nota coberta é o âncora do JH que veicula a matéria, demonstrando, no texto desta notícia, reprovação e indignação frente aos comportamentos relatados na carta divulgada por Palocci. A comparação das notícias sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT, em suas cinco configurações aqui analisadas, permite constatar uma

139 idêntica mobilização actorial no que concerne ao relato contido na carta e também nas matérias sobre ela veiculadas: protagonista e antagonista revezam-se nessas posições e coadjuvantes também se mantêm os mesmos nas cinco configurações analisadas. O que distingue as notícias entre si são seus enunciadores, ou seja, os âncoras e repórteres que são diferentes de um telejornal para outro. Dessa maneira, não se constata maior ou menor complexificação, do ponto de vista actorial, de uma notícia para outra, que pudesse caracterizar um movimento ascendente ou descendente dessa cadeia sintagmática em análise.

 Espacialização

De maneira geral, os modelos – reportagem e nota coberta – adotados na configuração dos textos das notícias sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT, recorrem a três espaços principais: (1) um interno, os estúdios dos cinco telejornais, JG, H1 e JH, localizados em São Paulo e BDB e JN, localizados no Rio de Janeiro; (2) um interno e virtual, a reprodução gráfica da carta na tela do telejornal, com destaques às declarações de Palocci; e (3) um externo, os espaços indicados no interior das imagens de arquivo apresentadas, não facilmente identificáveis. As diferenças espaciais ficam evidenciadas pelo modelo próprio, adotado por cada um dos telejornais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado no Rio de Janeiro, comporta uma bancada transparente em linhas retas, cuja cor predominante é cinza. Sobre a bancada fica um computador e um mouse. Atrás dela, há a projeção de um grafismo em 3D que mostra a logomarca do JN, predominantemente em cor azul. Na cabeça da reportagem, o enquadramento é composto por um plano médio, enquanto na nota pé por planos fechados, em cada um dos âncoras. Já o espaço interno e virtual, o principal da narrativa, é a própria carta assinada por Palocci, que, nessa conformação, aparece em dois grafismos diferentes, produzidos pela instância de realização: no primeiro, a carta branca com os parágrafos escritos em preto aparece no meio da parede de um prédio, de cor cinza, com seis janelas pretas gradeadas, sobre um chão cheio de notas de dinheiro; no segundo, a carta está sobre uma escrivaninha cinza na qual também aparecem três livros e uma caneta branca. Cabe ressaltar que esses dois ambientes são virtuais, criações da equipe de arte do telejornal. À medida que os trechos da carta são lidos pelo repórter, as frases são colocadas em primeiro plano, com destaque. Aparecem, ainda, imagens de arquivo, que mostram espaços externos, tais como Palocci sendo preso pela Polícia Federal, ou, em suas atuações como ministro. Da mesma forma, podem também ser visualizados outros espaços

140 recuperados via imagens de arquivo da emissora – palcos nos quais o ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma realizam discursos, a fachada da sede do PT e uma sala de audiências judiciais, na qual Sérgio Gabrielli aparece prestando depoimento à Operação Lava Jato. O boletim de passagem do repórter é gravado em um lugar externo, porém, não identificado, no qual se podem ver apenas uma cerca, ao fundo. As imagens foram produzidas na perspectiva de quem lê a carta de frente. Já, no boletim de passagem, a câmera está na mesma altura do repórter. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo JG, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta uma bancada transparente com linhas retas em um design fluido, cuja cor predominante é cinza; sobre a bancada fica um computador, com a logomarca da RGT, no qual o âncora acompanha o roteiro do telejornal; a cadeira na qual ele senta não aparece com clareza; atrás do apresentador é possível visualizar três monitores que, juntos, formam um telão usado para exibir a imagem de Palocci preso; atrás do telão, podem-se ver pessoas trabalhando em computadores. Na cabeça da reportagem, o enquadramento é composto por um plano médio. Já o espaço interno e virtual, o principal da narrativa, é a própria carta assinada por Palocci, que, nessa conformação, aparece em um grafismo produzido pela instância de produção, no qual a carta branca com os parágrafos escritos em preto é posta no meio da parede de um prédio, de cor cinza, com seis janelas pretas gradeadas, sobre um chão cheio de notas de dinheiro. Cabe ressaltar que esse é um espaço virtual, criado pela equipe de arte do telejornal. À medida que os trechos da carta são lidos pelo repórter, as frases são colocadas em primeiro plano, com destaque. No mesmo grafismo, são exibidos também os posicionamentos divulgados por Lula, Dilma e pelo PT. Aparecem, ainda, imagens de arquivo, que mostram espaços externos, tais como Palocci sendo preso pela Polícia Federal, ou, em suas atuações como ministro. Da mesma forma, podem também ser visualizados outros espaços recuperados via imagens de arquivo da emissora – palcos nos quais o ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma realizam discursos, um auditório no qual Sérgio Gabrielli concede uma entrevista coletiva, uma sala de audiências judiciais, na qual Gabrielli também aparece prestando depoimento à Operação Lava Jato e a fachada da sede do PT. Cabe pontuar, porém, que há uma variação nas imagens de arquivo utilizadas, diferenciando a configuração da notícia 02, em análise, da anterior, notícia 01 exibida pelo JN. O boletim de passagem do repórter também é diferente, gravado em um lugar externo, porém, não identificado, no qual se podem ver árvores e um poste de luz, ao fundo. As imagens foram produzidas sob a perspectiva de quem lê a carta de frente. Já, no boletim de passagem, a câmera está na mesma altura do repórter.

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- na notícia 03, reportagem veiculada pelo H1, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta um telão com a logomarca do telejornal H1 em amarelo e cinza, e em um fundo branco, em frente ao qual a âncora, Monalisa Perrone, aparece, apresentando a matéria em pé. Na cabeça da reportagem, o enquadramento é composto em um plano médio. Já o espaço interno e virtual, o principal da narrativa, é a própria carta assinada por Palocci, que, nessa conformação, aparece em um grafismo produzido pela instância de produção, no qual a carta branca com os parágrafos escritos em preto é posta no meio da parede de um prédio, de cor cinza, com seis janelas pretas gradeadas, sobre um chão cheio de notas de dinheiro. Cabe ressaltar que esse é um espaço virtual, criado pela equipe de arte do telejornal. À medida que os trechos da carta são lidos pelo repórter, as frases são colocadas em primeiro plano, com destaque. No mesmo grafismo, são exibidos também os posicionamentos divulgados por Lula, Dilma e pelo PT. Aparecem, ainda, imagens de arquivo, que mostram espaços externos, tais como Palocci sendo preso pela Polícia Federal, ou, em suas atuações como ministro. Da mesma forma, podem também ser visualizados outros espaços recuperados via imagens de arquivo da emissora – palcos nos quais o ex- presidente Lula e a ex-presidente Dilma realizam discursos, um auditório no qual Sérgio Gabrielli concede uma entrevista coletiva, uma sala de audiências judiciais, na qual Gabrielli também aparece prestando depoimento à Operação Lava Jato e a fachada da sede do PT. O boletim de passagem do repórter é gravado em um lugar externo, porém, não identificado, no qual se podem ver árvores e um poste de luz, ao fundo. As imagens foram produzidas sob a perspectiva de quem lê a carta de frente. Já, no boletim de passagem, a câmera está na mesma altura do repórter. Cabe pontuar que a configuração da notícia 03 é a mesma da notícia 02, veiculada pelo JG, com exceção do(a) âncora que apresenta o assunto. - na notícia 04, reportagem veiculada pelo BDB, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado no Rio de Janeiro, comporta uma poltrona vermelha na qual o âncora Chico Pinheiro está sentado. Atrás dele, aparece um painel nas cores amarela, marrom e branca, com listras. Tanto na cabeça quanto na nota pé, o espaço interno é o mesmo e o enquadramento adotado é um plano fechado. Já o espaço interno e virtual, o principal da narrativa, é a própria carta assinada por Palocci, que, nessa conformação, aparece em um grafismo produzido pela instância de produção, no qual a carta branca com os parágrafos escritos em preto é posta no meio da parede de um prédio, de cor cinza, com seis janelas pretas gradeadas, sobre um chão cheio de notas de dinheiro. Cabe ressaltar que esse é um espaço virtual, criado pela equipe de arte do telejornal. À medida que os trechos da carta são lidos pela repórter Malu Mazza, as frases são colocadas em primeiro plano, com destaque. Aparecem, ainda, imagens de arquivo,

142 que mostram espaços externos, tais como Palocci sendo preso pela Polícia Federal, ou, em suas atuações como ministro. Da mesma forma, podem também ser visualizados outros espaços recuperados via imagens de arquivo da emissora – palcos nos quais o ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma realizam discursos e uma sala de audiências judiciais, na qual Palocci aparece prestando depoimento à Operação Lava Jato. O boletim de passagem da repórter é gravado em um lugar externo, porém, não identificado, no qual se podem ver árvores, uma cerca e dois carros estacionados, ao fundo. As imagens foram produzidas sob a perspectiva de quem lê a carta de frente. Já, no boletim de passagem, a câmera está na mesma altura da repórter. - na notícia 05, nota coberta veiculada pelo JH, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta três monitores que formam um grande telão, e exibem uma arte gráfica com o mapa do mundo e a logomarca do JH em cores predominantemente amarelas. Atrás desse telão, há pessoas trabalhando em computadores. Pode ser visualizada, ainda, a bancada em cor cinza e um computador à disposição do âncora. Na cabeça da reportagem, Dony de Nuccio faz uma virada de câmera, passando de um plano médio para um fechado. Na nota pé, o espaço interno se modifica, já que o estúdio é enquadrado a partir de outro ângulo, tornando possível a visualização do apresentador e da redação de jornalismo, ao fundo, adotando um enquadramento composto por um plano médio e dois planos fechados, em três viradas de câmera. Já o espaço interno e virtual, a carta assinada por Palocci, aparece articulado com espaços externos, nessa conformação, através de um grafismo produzido pela instância de produção, no qual a carta branca com os parágrafos escritos em preto é sobreposta a imagens externas estáticas, de arquivo, que mostram diversos espaços externos, entre eles: Lula e Palocci lado a lado em eventos públicos; Lula apertando a mão de Barack Obama; Palocci prestando depoimento à justiça; a fachada do Palácio da Alvorada, em Brasília; e Lula discursando. Cabe ressaltar que esse é um espaço virtual, criado pela equipe de arte do telejornal, que se utiliza também de imagens externas de arquivo. À medida que os trechos da carta são lidos pelo âncora, as frases são colocadas em primeiro plano, com destaque. As imagens foram produzidas sob a perspectiva de quem lê a carta de frente. Assim, os cinco telejornais analisados, JN, JG, H1, BDB e JH, recorrem a uma estrutura espacial simples, e quase idêntica, nas cinco configurações das notícias aqui analisadas. Coube à emissora o trabalho editorial, e a ação da equipe de arte de cada um dos telejornais, na escolha dos trechos da carta de Palocci que ganhariam destaque em cada uma das notícias. Nem os posicionamentos dos citados pela carta foram gravados por equipe de reportagem. À RGT concorreu apenas divulgar as notas enviadas pelas assessorias de Lula,

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Dilma, Gabrielli e do PT. Vale ainda destacar que, quando comparados sintagmaticamente, os textos analisados apresentam a mesma variedade de articulações espaciais, espaços de estúdio, espaços virtuais e aqueles inscritos nas imagens de arquivo.

 Temporalização

Os modelos dos textos das notícias aqui analisadas recorrem a diferentes temporalidades: sua referência temporal é o presente representado pela emissão, ao vivo dos estúdios, dos telejornais JN, JG, H1, BDB, e JH; há o tempo de feitura das reportagens e da nota coberta, produzidas no passado em relação ao presente da emissão; há, também, o tempo, referente a um passado próximo, representado pela carta assinada por Antonio Palocci pedindo sua desfiliação do PT, datada de 26.09.2017; e há, ainda, outros tempos passados em relação à narrativa da carta, referidos no interior do relato, e reiterados por imagens de arquivo. Cabe destacar as especificidades de cada uma das conformações analisadas e de suas articulações temporais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, o tempo presente da emissão é representado pelos âncoras William Bonner e Ana Paula Araújo que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 20h37min da noite, no primeiro bloco da edição do telejornal de 26.09.2017, chamam a reportagem. O tempo presente, representado pela divulgação da carta pelo telejornal e de fragmentos de seu conteúdo, é articulado, durante todo o relato, com diferentes passados: o passado recente, da exibição da carta por Palocci; o passado intermediário, da escritura da carta; e passados distantes, que dizem respeito a episódios de corrupção referidos na carta. Na cabeça da reportagem, já se pode perceber essa articulação entre presente e passados:

O ex-ministro Antonio Palocci, que já estava provisoriamente suspenso do PT, enviou hoje uma carta de desfiliação do partido, ou, ao partido. No documento, ele reafirma acusações ao ex-presidente Lula de ter recebido propina e pergunta se o PT é um partido ou uma seita guiada por uma pretensa divindade? (William Bonner no JN de 26.09.2017)

A articulação entre presente e passado prossegue na narrativa em off do repórter Marcelo Rocha, como no trecho em que diz: “Antonio Palocci está preso há exatamente um ano. Na carta em que pede para deixar o partido que ajudou a fundar, o ex-ministro afirma: decidi colaborar com a justiça [...]”.

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No boletim de passagem do repórter, pode-se constatar, ainda, a articulação entre passado recente e distante: “Na carta o ex-ministro reafirmou o que disse no depoimento que prestou ao juiz Sérgio Moro no início do mês. Palocci relatou ao juiz, propinas ao PT e ao ex- presidente Lula”. Essa mesma articulação ocorre em outro trecho da reportagem narrado em off por Marcelo Rocha:

Segundo Palocci foi Lula quem encomendou a propina do projeto de sondas a serem usadas na exploração de petróleo do pré-sal [...]: um dia Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada onde Lula encomendou as sondas e as propinas. (narração de Marcelo Rocha no JN de 26.09.2017)

Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 5min21s –, dos quais 26s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelos âncoras William Bonner e Ana Paula Araújo, 3min58s pela própria reportagem, e 57s pela nota pé, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi a sexta matéria no primeiro bloco da emissão, sendo exibida às 20h37min. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo JG, o tempo presente da emissão é representado pelo âncora William Waack que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 00h17min da noite, no primeiro bloco da edição do telejornal de 26.09.2017, chama a reportagem. O tempo presente, representado pela exibição da carta pelo telejornal e de fragmentos de seu conteúdo, é articulado, durante todo o relato, com diferentes passados: o passado recente, da divulgação da carta por Palocci; o passado intermediário, da escritura da carta; e passados distantes, que dizem respeito a episódios de corrupção referidos na carta. Na cabeça da reportagem, já se pode perceber essa articulação entre presente e passados:

Um dos homens nos quais o ex-presidente Lula mais confiou ao final do primeiro e no seu segundo mandato, o ex-ministro Antonio Palocci escreveu uma carta com afirmações destruidoras ao chefe do PT. Ao pedir desfiliação do partido que o processa por ter incriminado Lula no depoimento ao juiz Sérgio Moro, Palocci pergunta se o partido ao qual pertenceu virou uma seita comandada por uma pretensa divindade. (William Waack no JG de 26.09.2017)

A articulação entre presente e passados prossegue na narrativa em off do repórter Marcelo Rocha, como no trecho em que ele diz: “Na carta em que pede a desfiliação do Partido dos Trabalhadores, Antonio Palocci reafirmou o que havia dito em depoimento ao juiz Sérgio Moro no início do mês [...]”.

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No boletim de passagem do repórter, pode-se constatar, ainda, a articulação entre um presente em andamento, representado pelas atitudes do PT em apoio a Lula, e um passado mais recente da escritura da carta de Palocci: “Antonio Palocci se queixou ainda do tratamento que tem recebido do partido e questionou a defesa que o PT tem feito de Lula”. Cabe ainda ressaltar outra articulação temporal, a do passado dos casos de corrupção com o futuro, quando, na carta, Palocci faz um apelo a Lula, Dilma e Gabrielli para que falem a verdade. O trecho é narrado pelo repórter em off:

Palocci afirmou: cedo ou tarde o próprio Lula irá confirmar tudo isso, como chegou a fazer quando em uma importante entrevista na França esclareceu que as eleições do Brasil eram todas realizadas sob a égide do caixa dois, como ocorria em todos os partidos [...]: um dia Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada onde Lula encomendou as sondas e as propinas. (Marcelo Rocha no JG de 26.09.2017)

Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 4min29s –, dos quais 27s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelo âncora William Waack e 4min02s pela própria reportagem, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi a primeira matéria no primeiro bloco da emissão, sendo exibida às 00h17min. - na notícia 03, reportagem veiculada pelo H1, o tempo presente da emissão é representado pela âncora Monalisa Perrone que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 05h34min da manhã, no segundo bloco da edição do telejornal de 27.09.2017, chama a reportagem. O tempo presente, representado pela exibição da carta pelo telejornal e de fragmentos de seu conteúdo, é articulado, durante todo o relato, com diferentes passados: o passado recente, da divulgação da carta por Palocci; o passado intermediário, da escritura da carta; e passados distantes, que dizem respeito a episódios de corrupção referidos na carta. Na cabeça da reportagem, já se pode perceber essa articulação entre presente e passados:

E o noticiário político continua quente. Escutem essa notícia. Um dos homens que o ex-presidente Lula mais confiou durante seus dois governos, o ex-ministro Antonio Palocci escreveu uma carta com afirmações destruidoras ao maior líder PT. Ao pedir a desfiliação do partido que o processa né, por ter incriminado Lula no depoimento ao juiz Sérgio Moro, Palocci pergunta se o PT virou uma seita comandada por uma pretensa divindade. (Monalisa Perrone no H1 de 27.09.2017)

A articulação entre presente e passados prossegue na narrativa em off do repórter Marcelo Rocha, como no trecho em que ele diz: “Na carta em que pede a desfiliação do

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Partido dos Trabalhadores, Antonio Palocci reafirmou o que havia dito em depoimento ao juiz Sérgio Moro no início do mês [...]”. No boletim de passagem do repórter, pode-se constatar, ainda, a articulação entre um presente em andamento, representado pelas atitudes do PT em apoio a Lula, e um passado mais recente da escritura da carta de Palocci: “Antonio Palocci se queixou ainda do tratamento que tem recebido do partido e questionou a defesa que o PT tem feito de Lula”. Cabe ainda ressaltar outra articulação temporal, a do passado dos casos de corrupção com o futuro, quando, na carta, Palocci faz um apelo a Lula, Dilma e Gabrielli para que falem a verdade. O trecho é narrado pelo repórter em off:

Palocci afirmou: cedo ou tarde o próprio Lula irá confirmar tudo isso, como chegou a fazer quando em uma importante entrevista na França esclareceu que as eleições do Brasil eram todas realizadas sob a égide do caixa dois, como ocorria em todos os partidos [...]: um dia Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada onde Lula encomendou as sondas e as propinas. (Marcelo Rocha no H1 de 27.09.2017)

Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 4min32s –, dos quais 30s foram ocupados com a enunciação da cabeça pela âncora Monalisa Perrone e 4min02s pela própria reportagem, na mesma conformação exibida anteriormente, pelo JG, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi a quinta matéria no segundo bloco da emissão, sendo exibida às 05h34min. - na notícia 04, reportagem veiculada pelo BDB, o tempo presente da emissão é representado pelos âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 08h02min da manhã, no primeiro bloco da edição do telejornal de 27.09.2017, chamam a reportagem. O tempo presente, representado pela exibição da carta pelo telejornal e de fragmentos de seu conteúdo, é articulado, durante todo o relato, com diferentes passados: o passado recente, da divulgação da carta por Palocci; o passado intermediário, da escritura da carta; e passados distantes, que dizem respeito a episódios de corrupção referidos na carta. Na cabeça da reportagem, já se pode perceber essa articulação entre presente e passados, quando Chico Pinheiro diz: “O ex- ministro Antonio Palocci se antecipou ao processo de expulsão do partido, do PT, e pediu desfiliação. Ele ajudou a fundar o partido e agora sai. Ele questionou se o PT é um partido ou se transformou em uma seita”. A articulação entre presente e passados prossegue na narrativa em off da repórter Malu Mazza, como no trecho em que ela diz: “Antonio Palocci está preso há um ano. Na carta em

147 que pede para deixar o PT, o ex-ministro reafirmou o que disse ao juiz Sérgio Moro no início do mês. Palocci relatou ter participado de operações ilegais junto com o ex-presidente Lula [...]”. No boletim de passagem da repórter, pode-se constatar a articulação de duas temporalidades passadas, uma referente à escritura da carta e a outra referente aos casos de corrupção, quando Malu Mazza diz: “Na carta, Palocci disse ainda que foi Lula quem encomendou a propina no projeto das sondas, que seriam usadas na exploração do pré-sal. Neste trecho, ele citou a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli”. Já em outra narração em off da repórter, um presente em andamento é usado na reportagem, em um dos trechos em que reproduz as palavras escritas por Palocci na carta: “Agora que resolvo mudar a minha linha de defesa e falar a verdade, me vejo diante de um tribunal inquisitorial dentro do próprio PT”. Cabe ainda ressaltar outra articulação temporal, a do passado dos casos de corrupção com o futuro, quando, na carta, Palocci faz um apelo para que Lula fale a verdade, narrado em off pela repórter: “São situações que presenciei, acompanhei ou coordenei, normalmente junto ou a pedido do ex-presidente Lula. Tenho certeza que, cedo ou tarde, o próprio Lula irá confirmar tudo isso, como chegou a fazer no mensalão”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 4min16s –, dos quais 19s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelos âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo, 3min17s pela própria reportagem, e 40s pela nota pé, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi a última matéria no primeiro bloco da emissão, sendo exibida às 08h02min. - na notícia 05, nota coberta veiculada pelo JH, o tempo presente da emissão é representado pelo âncora Dony de Nuccio que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 13h44min da tarde, no primeiro bloco da edição do telejornal de 27.09.2017, chama a nota coberta. O tempo presente, representado pela exibição da carta pelo telejornal e de fragmentos de seu conteúdo, é articulado, durante todo o relato, com diferentes passados: o passado recente, da divulgação da carta por Palocci; o passado intermediário, da escritura da carta; e passados distantes, que dizem respeito a episódios de corrupção referidos na carta. Na cabeça da nota coberta, pode-se perceber, além das articulações temporais já citadas, uma outra, do tempo presente dos processos criminais pelos quais Palocci é julgado na justiça, quando Dony de Nuccio diz:

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O ex-ministro Antonio Palocci, homem forte do governo Lula e um dos fundadores do PT, pediu desfiliação do partido. A carta em que justifica a decisão tem a data de ontem, dia em que Palocci completou um ano preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Palocci foi condenado a 12 anos de prisão por corrupção, acusado de intermediar propinas da Odebrecht. Ele recorreu e o caso está para ser julgado em segunda instância. Palocci também responde ao processo relativo ao terreno para o Instituto Lula que está em fase final, na primeira instância. A carta de desfiliação é endereçada à direção nacional do PT. Vamos ver alguns trechos. (Dony de Nuccio no JH de 27.09.2017)

A articulação entre presente e passados prossegue na narrativa em off do âncora Dony de Nuccio, como no trecho em que ele diz: “Palocci afirma: sei dos erros e ilegalidades que cometi e assumo minhas responsabilidades. Mas não posso deixar de destacar o choque de ter visto Lula sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo”. Já em outra narração em off do âncora, um presente em andamento é usado na nota coberta, em um dos trechos em que reproduz as palavras escritas por Palocci na carta:

Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do homem mais honesto do país enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos, e até mesmo a sede do Instituto são atribuídos à Dona Maria? Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade? (Dony de Nuccio no JH de 27.09.2017)

Cabe ainda ressaltar outra articulação temporal, a do passado dos casos de corrupção com o futuro, quando, na carta, Palocci faz um apelo para que Dilma e Gabrielli falem a verdade, trecho narrado em off pelo âncora:

Um dia, Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda a nossa história. (Dony de Nuccio no JH de 27.09.2017)

Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 3min46s –, dos quais 38s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelo âncora Dony de Nuccio, 2min08s pela própria nota coberta, e 1min pela nota pé, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi a décima notícia no primeiro bloco da emissão, sendo exibida às 13h44min. Assim, as cinco configurações das notícias sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT apresentaram a articulação de cinco temporalidades principais: o presente imediato da emissão dos estúdios dos telejornais, o presente representado pela exibição da carta e de seu conteúdo, o passado recente referente à

149 divulgação da carta por Palocci, o passado menos recente concernente à escritura da carta e o passado distante dos casos de corrupção relatados na carta de Palocci. Cabe ressaltar que o acontecimento narrado pelas notícias em exame foi tratado com as mesmas articulações temporais nas cinco edições dos telejornais analisados, não apresentando nenhuma novidade de uma configuração para outra. Dessa maneira, a comparação entre as cinco notícias evidencia, com bastante clareza, o intuito da emissora de veicular o conteúdo da carta de Palocci nas cinco edições dos telejornais. Mesmo não havendo maiores avanços, desdobramentos, ou enxugamentos de uma configuração para a outra, a matéria é tratada, até a sua última veiculação, como se ainda fosse uma novidade.

 Tonalização

De maneira geral, os cinco textos das notícias em análise, devido ao próprio tema central abordado – verdade vs mentira – e suas articulações temáticas – honestidade vs desonestidade, legalidade vs ilicitude, correção vs incorreção, fidelidade vs traição, culpa vs inocência, moralidade vs imoralidade, entre outros – estão impregnados por um tom geral de desaprovação, que se articula com outros tons afins, tais como indignação, recriminação e, em algumas notícias, ironia. Cabe destacar que os tons principais da carta de Palocci são acusatório e confessional, tons esses que são reproduzidos pela RGT na conformação das cinco notícias analisadas. Há, não obstante, particularidades no que concerne a cada uma das notícias que merecem destaque: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, o âncora anuncia a divulgação da carta escrita por Palocci enfatizando um trecho impregnado por um tom irônico, escrito pelo próprio Palocci e reproduzido pelo JN: “[...] e pergunta se o PT é um partido, ou uma seita guiada por uma pretensa divindade?”. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo JG, o destaque é conferido à proximidade entre Palocci e Lula ao longo dos dois governos do ex-presidente, e, à surpresa frente às acusações contidas na carta do ex-ministro, qualificadas, pelo âncora do telejornal, como destruidoras. O âncora também enfatiza, em tom irônico, o questionamento de Palocci na carta: “se o partido ao qual pertenceu virou uma seita comandada por uma pretensa divindade?”. - na notícia 03, reportagem veiculada pelo H1, a âncora do telejornal define o noticiário político como quente e também destaca a proximidade entre Palocci e Lula ao longo dos dois governos do ex-presidente. Monalisa Perrone também qualifica as acusações

150 feitas por Palocci como destruidoras, assim como já havia ocorrido no JG. A âncora também enfatiza, em tom irônico, o questionamento de Palocci na carta: “se o partido ao qual pertenceu virou uma seita comandada por uma pretensa divindade?”. - na notícia 04, reportagem veiculada pelo BDB, o destaque é conferido à saída de Palocci do PT, partido que o ex-ministro ajudou a fundar. O âncora também ressalta, em tom irônico, o questionamento de Palocci sobre o PT ter se transformado em uma seita: “Ele questionou se o PT é um partido ou se transformou em uma seita”. - na notícia 05, nota coberta veiculada pelo JH, o âncora do telejornal define Palocci como o homem forte do governo Lula. Além disso, o telejornal enfatiza os processos nos quais Palocci vem sendo julgado por crimes de corrupção. Dony de Nuccio enuncia poucas frases, limitando-se a fornecer informações, sem emitir opinião, nem se utilizar de expressões faciais mais fortes, guardando uma certa imparcialidade. Nos cinco textos das notícias em análise, o tom de desaprovação da RGT, diante dos fatos narrados na carta de Palocci, fica evidente. A veracidade do conteúdo da carta de Palocci não é posta, em nenhuma das conformações analisadas, em questionamento pela RGT. Apenas ao apresentar o posicionamento contrário dos citados por Palocci – Lula, Dilma, Gabrielli, e o PT – a RGT dá a conhecer as suas versões dos fatos. Da mesma maneira, as conformações adotadas pelas cinco notícias em análise não apresentam indícios ou provas da veracidade das acusações, nem tampouco de sua falsidade.

7.2.2.2.6 Análise intertextual de caráter sintagmático

As notícias sobre o mesmo acontecimento, veiculadas sob cinco diferentes configurações, respectivamente nas edições dos telejornais JN e JG, no dia 26.09.2017, e H1, BDB e JH, no dia 27.09.2017, estabelecem, de pronto, uma relação intertextual de caráter sintagmático com a carta assinada por Palocci e endereçada à direção do PT, contendo o pedido de desfiliação do ex-ministro do partido, preso por corrupção desde o dia 26.09.2016. O PT já havia aberto um processo em que analisava a expulsão de Palocci, depois do ex- ministro ter incriminado Lula, em casos de corrupção, nos depoimentos que prestou à justiça. Antecipando-se à expulsão, Palocci divulgou um pedido de desfiliação, através de uma carta, que continha, ainda, diversas acusações contra Lula por participação em esquemas de corrupção. A relação intertextual de caráter sintagmático entre as cinco conformações em análise demonstra reiteração nas articulações dos dispositivos discursivos de actorialização,

151 espacialização, temporalização e tonalização, na cadeia das notícias que vai da primeira veiculação até a última, além de nenhuma alteração no enfoque editorial adotado para compor cada uma das narrativas. Essa linha contínua pode ser verificada através da comparação sequencial das cinco veiculações, atestando uma manutenção do status de noticiável desse acontecimento durante essa cadeia temporal de ordem sintagmática. As cinco conformações analisadas mantêm igual complexidade, mesmo que, de uma edição para outra, constate-se um distanciamento do horário do acontecimento, ou seja, da divulgação da carta escrita por Palocci, em relação ao horário de exibição de cada um dos telejornais analisados, demonstrando, assim, o esforço da RGT em publicizar o acontecimento em todos os seus telejornais. As cinco notícias sobre a carta divulgada por Palocci mantêm, ainda, relações intertextuais de caráter sintagmático com outras notícias que foram sendo veiculadas pela mídia, no decorrer do tempo, sobre os seis atores referidos na carta, notícias essas que, na maioria das vezes, são recuperadas pelos textos das notícias via imagens de arquivo da RGT e menção na própria carta. Cabe, ainda, examinar essas cinco veiculações em outro tipo de relação sintagmática: aquela que elas contraem com as notícias que as precederam e/ou sucederam no próprio corpo de cada edição dos telejornais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, a apresentação da matéria sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT foi precedida por uma reportagem, com duração de 5min33s, produzida pela RPC, afiliada da RGT no Paraná, sobre uma doação de 4 milhões de reais feita pela empreiteira Odebrecht ao Instituto Lula, reportagem na qual Antonio Palocci aparece prestando depoimento à Operação Lava Jato e confirmando a irregularidade da doação. A notícia sobre a referida carta de Palocci foi sucedida pela veiculação de uma reportagem sobre o aumento da pena de José Dirceu pelo crime de corrupção, determinado pela segunda instância do judiciário, com duração de 4min47s, produzida pela RBS TV, afiliada da RGT no Rio Grande do Sul. Cabe destacar que a reportagem sobre a doação de 4 milhões de reais da Odebrecht ao Instituto Lula foi veiculada apenas no JN de 26.09.2017, já o aumento da pena de José Dirceu foi veiculada por quatro das cinco edições aqui analisadas, ficando fora da pauta, apenas, do JH de 27.09.2017. Percebe-se, assim, neste caso, uma acentuada preocupação por parte da instância de produção, representada pela equipe de jornalistas do JN, em atribuir um sentido maior ao roteiro do programa, ou seja, à ordenação da exibição das matérias, colocando não apenas o noticiário

152 político em sequência, mas também aproximando o conteúdo dessas notícias que envolvem os mesmos atores sociais. - na notícia 02, reportagem veiculada pelo JG, a apresentação da matéria sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT foi precedida pelas manchetes da edição e a vinheta de abertura do telejornal. A notícia da carta de Palocci foi sucedida por uma reportagem sobre o afastamento de Aécio Neves do Senado, determinado pelo STF, com duração de 3min32s, produzida pela equipe da RGT em Brasília. Verifica-se, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal, concentrando o noticiário sobre política brasileira e investigações de casos de corrupção neste bloco. - na notícia 03, reportagem veiculada pelo H1, a apresentação da matéria sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT foi precedida por uma reportagem sobre o aumento da pena de José Dirceu pelo crime de corrupção, determinado pela segunda instância do judiciário, com duração de 2min32s, produzida pela RBS TV, afiliada da RGT no Rio Grande do Sul. A notícia da carta de Palocci foi sucedida por uma reportagem sobre as votações da reforma política na Câmara dos Deputados, com duração de 3min18s, produzida pela equipe da RGT em Brasília. Verifica-se, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal, veiculando o noticiário político nacional neste bloco. Cabe assinalar ainda que a conformação da reportagem sobre o aumento da pena de José Dirceu, veiculada pelo H1, foi a mesma conformação adotada pelo telejornal anterior, o JG, exceto pela retirada, na edição, da palavra “hoje”, narrada pela repórter Guacira Merlin no primeiro off da notícia do JG: “O recurso julgado hoje se refere ao processo [...]”, ficando o corte da palavra hoje da narração do H1 bastante perceptível ao telespectador, o que demostra, mais uma vez, o reaproveitamento de mão de obra entre esses dois programas. - na notícia 04, reportagem veiculada pelo BDB, a apresentação da matéria sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT foi precedida por uma reportagem sobre a decisão do STF de afastar o senador Aécio Neves por envolvimento em casos de corrupção, com duração de 3min14s, produzida pela equipe da RGT em Brasília. A notícia da carta de Palocci foi sucedida pelas manchetes do bloco seguinte, no a seguir, vinheta de encerramento do bloco e intervalo comercial. Verifica-se, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal, já que aproximou a veiculação de notícias relacionadas ao cenário político brasileiro.

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- na notícia 05, nota coberta veiculada pelo JH, a apresentação da matéria sobre a Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT foi precedida por uma entrada ao vivo sobre a segunda denúncia, por obstrução à justiça e organização criminosa, contra o presidente Michel Temer, com duração de 58s, produzida pela equipe da RGT em Brasília. A notícia da carta de Palocci foi sucedida por uma entrada ao vivo sobre as definições da reforma política na Câmara dos Deputados, com duração de 1min35s, produzida pela equipe da RGT em Brasília. Verifica-se, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal, já que aproximou a veiculação de notícias relacionadas ao cenário político brasileiro.

7.2.2.3 Comparação dos dados obtidos

As notícias sobre os Militares do exército que deixaram a favela da Rocinha no Rio de Janeiro, exibidas na edição do telejornal JG, no dia 28.09.2017, e nas edições dos telejornais H1, BDB, JH e JN, no dia 29.09.2017, apresentaram o desenrolar da saída das Forças Armadas, da favela da Rocinha no Rio de Janeiro, depois de uma semana de atuação desses militares no restabelecimento da segurança na comunidade, que convivia com uma guerra entre facções rivais, ligadas ao tráfico de drogas. Mesmo que os atores políticos envolvidos nas ações de segurança na Rocinha tentassem reforçar um sentido de retorno à normalidade, somente possível depois da ação das Forças Armadas na comunidade, as narrativas veiculadas pela RGT, nas seis conformações analisadas por esta pesquisa, mostram o acionamento de dispositivos discursivos por parte da instância de produção que colocaram em questão o sentido de segurança. São exemplos disso, a utilização de coletes à prova de balas pelos repórteres que realizaram a cobertura jornalística; o relato de que tiroteios continuavam sendo registrados ao longo das madrugadas; e o destaque ao fato de que os traficantes mais perigosos continuavam soltos. Dessa maneira, a RGT, enquanto instância enunciativa maior, confere contornos ao seu próprio posicionamento em relação ao tema, demonstrando sua contrariedade em relação à suposta segurança estabelecida na favela da Rocinha, o que permitiria a saída das Forças Armadas da comunidade com o pretenso restabelecimento da normalidade na rotina dos moradores. Cabe destacar que, ao longo dessa cobertura jornalística dando conta da saída dos militares, a variedade de atores acionados para compor os relatos aumentou, pois as narrativas passaram a se utilizar de depoimentos de moradores que reforçavam, em seus discursos, o sentimento de insegurança na comunidade. A multiplicidade de atores chegou ao ápice na última reportagem analisada, veiculada pelo JN

154 de 29.09.2017, quando relatos de vítimas da violência dos traficantes, de moradores da favela e de lideranças políticas e jurídicas, foram utilizados na composição da narrativa, conferindo uma pluralidade de pontos de vista, porém sempre encaminhando o sentido do texto para a necessidade de mais intervenções do estado na favela da Rocinha. A forma de expressão dos textos das notícias, nas seis conformações aqui analisadas, é bastante atraente ao telespectador, visto que a favela da Rocinha é o principal espaço das narrativas, e nele podem ser visualizados tiroteios captados através de gravações via celular, e, até mesmo, pelo Globocop. Além disso, a atuação ostensiva dos militares na abordagem de criminosos e de moradores também gera no telespectador uma expectativa a respeito do desfecho desse roteiro em curso, tendo em vista o risco à vida que as ações de policiamento representam. Dessa forma, as notícias procuram despertar o interesse do telespectador, tanto através das reportagens quanto das entradas ao vivo, ao deixarem sob suspeição o resultado das ações em curso na favela, com a forma de atuação do Estado sendo colocada em questionamento pela emissora, considerando que não parece haver um resultado efetivo na redução dos tiroteios, tampouco na prisão dos traficantes perigosos. Cabe ainda ressaltar a relação entre as narrativas de violência apresentadas pela RGT, tanto no mundo factual como no ficcional, pois a rivalidade entre facções criminosas envolvidas com tráfico de drogas é conformada tanto nos textos jornalísticos, quanto na telenovela A Força do Querer, na qual dois traficantes fictícios disputam, como no telejornal, o domínio do tráfico de drogas em uma favela. Assim, a sustentação desse acontecimento enquanto reportagens no JG de 28.09.2017, e no H1, JH e JN de 29.09.2017, além de entradas ao vivo no H1 e BDB de 29.09.2017, parece estar vinculada à ineficiência do Estado em resolver a situação de violência na favela da Rocinha depois que a comunidade se transformou em um cenário de guerra entre duas facções rivais do tráfico de drogas. Além disso, fica claro o posicionamento contrário da RGT em relação à decisão do Estado de retirar as Forças Armadas da comunidade mesmo sem ter obtido um resultado satisfatório com essa operação. Nas edições analisadas do JG de 28.09.2017 e H1, BDB, JH e JN de 29.09.2017, 03 acontecimentos, transformados em notícias, foram reconfigurados em todas as edições dos telejornais apresentados pela emissora. As notícias sobre dois dos três acontecimentos repetidos em todas as edições dos telejornais analisados trazem informações do noticiário político brasileiro, sendo referentes: - à segunda denúncia contra o presidente Michel Temer por organização criminosa e obstrução à justiça;

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- ao afastamento do senador Aécio Neves de seu cargo por corrupção, determinado pelo STF. Já o outro acontecimento transformado em notícias e repetido em todas as edições analisadas nesta etapa da pesquisa é a saída das Forças Armadas da favela da Rocinha. Já as notícias referentes à Carta divulgada por Palocci pedindo sua desfiliação do PT, exibidas nas edições dos telejornais JN e JG, no dia 26.09.2017, e H1, BDB e JH, no dia 27.09.2017, apresentam, em suas conformações, o conteúdo da carta assinada por Palocci e endereçada à direção nacional do PT, contendo, além de seu pedido de desfiliação, uma série de relatos acusatórios contra o ex-presidente Lula sobre seu envolvimento em casos de corrupção. Cabe considerar que a emissora, nas reportagens e na nota coberta em análise, limitou-se a apresentar a disputa retórica entre os atores supostamente envolvidos nos casos de corrupção relatados, não acrescendo as narrativas com outras provas ou atores que pudessem confirmar, ou não, a veracidade dos acontecimentos referidos pela carta, isto é, abstendo-se de emitir seu posicionamento e reduzindo a matéria à apresentação de argumentos e contra-argumentos, sem um resultado final. As formas de expressão dessas notícias, através da utilização de grafismos que transformaram a carta de Palocci em espaço dessas narrativas, levaram o telespectador a tomar conhecimento dos acontecimentos via roteiro definido por Palocci, e reproduzido pela RGT. Dessa maneira, as notícias tornaram-se atraentes à audiência não pelo que mostram em imagens, mas sim, pelo que foi revelado no relato sobre esses casos de corrupção. Cabe ainda ressaltar que a sustentação desse tema por parte dos telejornais JN e JG, no dia 26.09.2017, e H1, BDB e JH, no dia 27.09.2017, está vinculada à prioridade atribuída pela RGT à cobertura dos escândalos de corrupção envolvendo políticos brasileiros, principalmente depois do desencadeamento da Operação Lava Jato e de seus desdobramentos. A emissora tem atuado de forma intensa na veiculação de informações sobre esses casos de corrupção, que vão da apresentação de provas, ao acompanhamento de processos e julgamentos e, até mesmo, às discussões retóricas entre atores envolvidos. Nas edições analisadas do JN e JG de 26.09.2017, e, H1, BDB e JH de 27.09.2017, 05 acontecimentos, transformados em notícias, foram reconfigurados em todas as edições dos telejornais da RGT. As notícias de quatro dos cinco acontecimentos repetidos em todas as edições dos telejornais analisados nesta pesquisa fazem parte do noticiário político nacional, sendo referentes: - à leitura, na Câmara dos Deputados, da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer por obstrução à justiça e organização criminosa;

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- à carta de Palocci pedindo a desfiliação do PT; - ao aumento da pena de José Dirceu por crimes de corrupção determinado pela justiça; - ao afastamento, determinado pelo STF, do senador Aécio Neves. Já o outro acontecimento transformado em notícia e repetido em todas as edições analisadas nesta etapa da pesquisa foi a ação das Forças Armadas na favela da Rocinha depois que facções rivais iniciaram uma guerra pelo domínio do tráfico de drogas. A partir dos dados apresentados, a comparação das notícias analisadas com veiculação em todas as edições dos telejornais da RGT, especificamente no JN e JG, de 26.09.2017, no H1, BDB e JH de 27.09.2017, e ainda, no JG, de 28.09.2017, e no H1, BDB, JH e JN de 29.09.2017, demonstra a existência de, pelo menos, três tipos de resultados distintos na dinâmica da cadeia sintagmática representada pela comparação dessas notícias repetidas em todas as edições: (1) nas notícias sobre o acontecimento 01, concernentes à saída das Forças Armadas da favela da Rocinha, percebe-se uma linha crescente de complexificação dos dispositivos discursivos mobilizados, principalmente o de actorialização, visto que eles vão ganhando novos contornos e detalhamento de uma emissão para outra. Tudo indica que, pelos desdobramentos ocorridos em relação à situação de violência na Rocinha, a avaliação da instância enunciativa é de que as características de noticiabilidade se ampliaram com a saída dos militares da comunidade, o que justificaria não só a manutenção da matéria na cadeia sintagmática, como também a complexificação das narrativas. (2) nas notícias sobre o acontecimento 02, concernentes à carta divulgada por Palocci pedindo a desfiliação do PT, percebe-se a manutenção de uma mesma linha de complexificação dos dispositivos discursivos mobilizados, principalmente no que se refere à espacialização, temporalização e actorialização, visto que as notícias, embora repetidas em todas as edições, permanecem com seu contorno e detalhamento iniciais. Tudo indica uma disposição da RGT em enfatizar a matéria em todas as edições dos telejornais analisadas, mesmo sem que houvesse desdobramentos em relação ao acontecimento que justificassem sua manutenção na cadeia sintagmática representada pelos cinco telejornais. (3) duas notícias, uma referente ao acontecimento 01 e outra referente ao acontecimento 02, foram reapresentadas, ou seja, reprisadas em sua conformação inicial em edições dos telejornais JG e H1.

7.2.3 Grupo 03: acontecimentos repetidos em algumas edições

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Foram selecionados, nesta etapa, para serem submetidos à análise, 02 acontecimentos transformados em notícias que tiveram mais de uma veiculação, ou seja, que entraram na pauta de algumas das edições de telejornais da RGT no período de 24h, definido por esta pesquisa: (1) Votação, no Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, que se trata de ocorrência da ordem da previsibilidade, veiculada nas edições dos telejornais Jornal Nacional do dia 27.09.2017, Jornal da Globo do dia 27.09.2017, e Hora 1 da Notícia do dia 28.09.2017; e (2) Bebê brasileiro recebe benção do Papa, que se trata de ocorrência da ordem da imprevisibilidade, veiculada nas edições dos telejornais Hora 1 da Notícia do dia 28.09.2017, e Bom Dia Brasil do dia 28.09.2017.

7.2.3.1 Acontecimento 01: Votação, no Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras

O acontecimento referente à Votação, no Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras foi veiculado, sob forma de notícia, nas edições de três telejornais: - a notícia 01, na edição do telejornal Jornal Nacional de 27.09.2017, às 20h52min, com duração de 03 minutos e 36 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 02, na edição do telejornal Jornal da Globo de 27.09.2017, às 00h25min, com duração de 01 minuto e 06 segundos, configurando-se como uma nota coberta; - na notícia 03, na edição do telejornal Hora 1 da Notícia de 28.09.2017, às 05h46min, com duração de 01 minuto e 18 segundos, configurando-se como uma nota coberta. As narrativas, nas três diferentes configurações discursivas deste acontecimento sob forma de notícia, relatam a retomada pelo Supremo Tribunal Federal de uma votação iniciada em agosto de 2017 sobre a constitucionalidade do ensino religioso confessional, ou seja, de crenças específicas, em escolas públicas brasileiras. Os telejornais, em cada uma das veiculações dessa notícia, abordaram a decisão dos ministros de permitir que religiões específicas sejam ensinadas em disciplinas, nas escolas públicas, desde que a participação dos alunos seja facultativa.

7.2.3.1.1 Caracterização geral das notícias

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O acontecimento objeto das notícias em análise, em suas três configurações, trata-se de uma ocorrência da ordem da previsibilidade: a retomada do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do ensino religioso de crenças específicas em escolas públicas brasileiras. A votação, iniciada e interrompida em agosto de 2017, foi retomada e concluída no dia 27.09.2017, entrando na pauta das edições dos telejornais JN e JG no dia 27.09.2017, e na edição do telejornal H1 de 28.09.2017. Os três textos das notícias referentes à Votação, no Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, apresentados respectivamente sob a forma de reportagem e nota coberta, atendem fortemente às características consideradas em qualquer seleção jornalística, já que respondem aos critérios maiores de atualidade, novidade, importância e interesse, aos quais se agregam traços de impacto, polêmica e justiça frente ao acontecimento noticiado. A apresentação de acontecimento que representa, em um estado laico, resultado impactante à realidade escolar, mantendo a possibilidade de implantação de práticas religiosas específicas nas escolas públicas, bem como o número significativo de líderes políticos evangélicos em cargos públicos do país, justifica a inclusão da matéria nas pautas de três telejornais da RGT. No entanto, a média relevância atribuída ao acontecimento pode ser observada pelo tempo – 6min – dedicado ao assunto nas edições dos três telejornais aqui analisados. Ressalte-se, ainda, que o acontecimento não foi noticiado em todos os telejornais da RGT.

7.2.3.1.2 Análise paratextual de caráter contextual

O Brasil é um estado laico, ou seja, constitucionalmente imparcial em relação às questões religiosas, não definindo uma religião oficial. A Constituição, não obstante, garante aos cidadãos brasileiros a liberdade religiosa e de expressão. O país, que, na década de 1970, teve 91% da população autodeclarada católica (NÚMERO, 2012), e que hoje tem apenas 8% da população autodeclarada ‘sem religião’, vivencia uma redução no número de católicos romanos e um aumento no número de evangélicos. De acordo com o censo demográfico do IBGE, entre os anos 2000 e 2010, o número de católicos romanos autodeclarados caiu 12%, totalizando 65% da população, enquanto o número de evangélicos cresceu 61%, totalizando 22% da população brasileira (IBGE, 2012). A pesquisa do IBGE também registra outras religiões com menor número de autodeclarados no Brasil como o umbandismo, o candombleicismo e o espiritismo.

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O ensino religioso confessional, isto é, de doutrina religiosa específica nas escolas públicas brasileiras já vem sendo tratado pela legislação desde 1996, com última alteração em 1997, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que, no seu artigo 33, reza que:

O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação (BRASIL, 1997).

O tópico voltou a ser discutido pelo Supremo Tribunal Federal para a revisão do teor confessional da disciplina. O relator da ação de inconstitucionalidade, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu o ensino religioso não confessional, ou seja, sob uma perspectiva laica, pragmática e plural, em detrimento do ensino de religiões específicas nas escolas públicas (STF, 2017). Faz-se necessário pontuar que essa discussão ocorre em um contexto social perpassado pelo crescimento e consolidação de igrejas evangélicas, tais como a Assembleia de Deus, que, segundo o censo do IBGE, é o maior segmento evangélico do país, totalizando 12 milhões de fiéis. Igrejas como essa pregam valores morais rígidos, a preservação da família tradicional e oferecem alternativas assistencialistas a seus fiéis, a maioria deles pessoas com baixa escolaridade e renda. A expansão evangélica no país tem tido também reflexo na política: dos 513 parlamentares do Congresso Nacional, cerca de 90 fazem parte da chamada ‘Bancada Evangélica’ que, apesar de ser composta por políticos de diferentes partidos, une forças no combate a políticas de gênero, legalização do aborto, regulamentação do uso de drogas, etc. Na contramão desse movimento, surgem políticos e coletivos sociais que promovem resistência e buscam estratégias a diminuição do poder dessa bancada. Assim, a veiculação de notícias sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à constitucionalidade do ensino religioso específico em escolas públicas brasileiras representa mais uma iniciativa de incitação do debate social sobre os limites entre a laicidade, o ensino religioso livre e as relações de poder, principalmente político, que podem perpassar essa discussão.

7.2.3.1.3 Análise paratextual de caráter enunciativo

160

A veiculação de matérias, sob forma de reportagem, na notícia 01, exibida pela edição do telejornal JN, e de nota coberta, nas notícias 02 e 03, veiculadas nas edições dos telejornais JG e H1, sobre a Votação, no Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras (27.09.2017 e 28.09.2017), ocorre ao mesmo tempo em que o afastamento do senador Aécio Neves de seu cargo por corrupção, determinado pelo Supremo Tribunal Federal, bem como a notícia sobre os leilões de usinas de gás e petróleo promovidos pelo Governo Federal ganham destaque nas edições dos telejornais. Ainda assim, a Votação, no Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras esteve entre as manchetes das três edições dos telejornais em que foi veiculada, apesar de ter recebido um menor destaque no interior dos programas. A notícia 01, sob forma de reportagem, veiculada na edição do JN de 27.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, a repercussão do afastamento do senador Aécio Neves de seu cargo no Senado; os leilões de usinas de petróleo e gás pelo Governo Federal; e as indicações da RGT ao prêmio de televisão Emmy Internacional. A reportagem, em análise, teve veiculação no segundo bloco da edição do JN, sendo precedida pela notícia de outro acontecimento oriundo de Brasília – a criação de um fundo partidário público para o financiamento das campanhas eleitorais, e, sucedida por uma notícia regional, a chacina com quatro mortos, ocorrida em Natal no Rio Grande do Norte. Verifica- se, assim, a utilização de uma estratégia de roteirização, através da aproximação de assuntos ocorridos em Brasília. A notícia 02, sob forma de nota coberta, veiculada na edição do telejornal JG de 27.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, o afastamento do senador Aécio Neves pelo STF; os leilões das usinas de petróleo e gás pelo Governo Federal; e a autorização do ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras. As pequenas diferenças entre os assuntos abordados e evidenciados nas manchetes do JN e do JG nesse dia ficam por conta do destaque que o JG deu ao aumento no número de vagas temporárias de trabalho no país e às indicações da RGT ao prêmio de televisão Emmy Internacional, veiculada na escalada apenas do JG, apesar de as notícias terem sido abordadas no interior de todos os telejornais da emissora. A nota coberta, em análise, teve veiculação no segundo bloco da edição sendo precedida pela exibição do resultado dos leilões promovidos pelo Governo Federal para a venda de usinas hidrelétricas, de petróleo e gás, e, sucedida pelo a seguir, ou seja, pelos destaques do

161 bloco seguinte. Dessa maneira, não se identifica uma coerência no roteiro que justifique a veiculação da nota coberta nessa posição da edição do telejornal. A notícia 03, sob forma de nota coberta, veiculada na edição do telejornal H1 de 28.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, o aumento no número de registros de casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes em Santa Catarina; a aprovação pelos deputados federais de regras mais brandas para o refinanciamento de dívidas de empresas privadas; e o bebê brasileiro que recebeu uma benção do Papa Francisco. A nota coberta, em análise, teve veiculação no início do terceiro bloco da edição, sendo antecedida pelo intervalo comercial e a vinheta do programa, e, sucedida por uma nota pelada sobre o sorteio da Mega Sena, que não teve vencedor. Cabe ressaltar ainda que as informações veiculadas sobre o ensino religioso confessional em escolas públicas nos telejornais JG e H1 foram exatamente iguais, com a mesma sequência de frases e imagens, alterando-se apenas a voz de narração. Na comparação sintagmática das manchetes das três edições dos telejornais aqui analisados, a autorização de ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras foi a única que permaneceu evidenciada nos três telejornais. No caso da reportagem e das notas cobertas aqui analisadas, a RGT, além das equipes próprias de cada um dos três telejornais, lançou mão também da estrutura de sua equipe em Brasília, aproveitando seus serviços na produção das notícias, o que fica bastante perceptível quando se observa a escalação dos profissionais para a realização das três matérias. O texto, além disso, é composto por imagens transmitidas e cedidas pela TV Justiça, um canal de televisão público, sem fins lucrativos, coordenado pelo STF e responsável pela transmissão das votações. Através da veiculação da reportagem e das notas cobertas da Votação, no Supremo Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, a RGT, enquanto instância enunciativa maior, e os telejornais JN, JG e H1, enquanto instâncias enunciativas imediatas, atendem à promessa firmada com a audiência de informar os telespectadores sobre as principais alterações ocorridas na legislação que afetam a vida dos cidadãos, trazendo também informações sobre o posicionamento dos diferentes ministros do STF. Tudo leva a crer que, se a decisão dos ministros fosse outra, isto é, pela proibição do ensino religioso confessional nas escolas públicas, o destaque dedicado ao assunto nos telejornais seria maior do que o disponibilizado no caso da manutenção de uma lei existente há quase 20 anos.

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7.2.3.1.4 Análise intertextual de caráter paradigmático

As notícias sobre a Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, em análise, são configuradas pelo JN, sob a forma de reportagem, e pelo JG e H1, sob forma de nota coberta. As estruturas das três conformações em análise seguem os paradigmas tradicionalmente adotados pelos seus modelos. O modelo de reportagem, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça da reportagem, apresentada pelo(s) âncora(s), a própria matéria, gravada e editada, que conta com a narração de um repórter em off, intercalada por declarações de entrevistados envolvidos com o acontecimento divulgado, além do boletim de passagem do repórter, momento em que ele aparece no vídeo, assinando a matéria. O modelo tradicional de reportagem pode contar, ainda, com a nota pé, ou seja, com a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s) do estúdio. A notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, segue os moldes desse paradigma: o âncora do telejornal, William Bonner, introduz o assunto que prossegue com a narração em off pelo repórter Marcos Losekann, apresentando, ainda, três trechos do proferimento dos votos de ministros do STF, captados pela TV Justiça, e que ocupam o lugar de entrevistas, mesmo que não tenham sido concedidas ao repórter, bem como um boletim de encerramento, com a figura do repórter, não apresentando nota pé. A reportagem adota um modelo bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador. A notícia 02, nota coberta veiculada pelo JG, segue os moldes desse paradigma: o âncora do telejornal, William Waack, introduz o assunto que prossegue com sua narração em off e a exibição de imagens captadas pela TV Justiça que mostram os ministros do STF proferindo seus votos em plenário. A nota coberta não apresenta uma nota pé, adotando um modelo bastante previsível, que em nada surpreendendo o telespectador. A notícia 03, nota coberta veiculada pelo H1, segue, da mesma maneira, os moldes de seu paradigma: a âncora do telejornal Monalisa Perrone introduz o assunto do estúdio e o prosseguimento da narração se dá em off gravado também por ela com a exibição de imagens captadas pela TV Justiça que mostram os ministros do STF proferindo seus votos em plenário. A nota coberta não apresenta uma nota pé, adotando um modelo bastante previsível que em nada surpreende o telespectador. Cabe destacar, ainda, que as informações narradas no H1 são exatamente as mesmas apresentadas na nota coberta anterior, exibida pelo JG, sendo mantidas, inclusive, as mesmas frases, a ordem das informações e a sequência de imagens.

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Fica, portanto, nítido o reaproveitamento pelo H1 do trabalho realizado pela equipe do telejornal JG.

7.2.3.1.5 Análise intratextual das notícias

A análise intratextual de caráter discursivo/expressivo dos textos das notícias sobre a Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, veiculadas sob forma, respectivamente, de uma reportagem e duas notas cobertas, descreve, na sequência, os procedimentos por eles adotados na manifestação dos dispositivos discursivos/expressivos, referentes à tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização.

 Tematização/Figurativização

Os textos das três notícias sobre o acontecimento, aqui analisados, propõem como tema central a oposição laico vs confessional, figurativizada pela votação dos ministros do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do ensino religioso confessional em escolas públicas brasileiras, tema esse que se articula a partir das seguintes oposições: liberdade vs determinismo, pluralidade vs singularidade, público vs privado, individual vs comunitário. Assim, a temática da livre docência do ensino religioso no Brasil articula-se com a dos espaços apropriados para essa manifestação religiosa.

 Actorialização

As narrativas contidas nos textos das notícias da Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras comportam os seguintes atores: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN: o(s) âncora(s) do telejornal, William Bonner e Sandra Annenberg; o jornalista, Marcos Losekann, responsável pela condução da reportagem; e os ministros do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Roberto Barroso, Luiz Fuks, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandovski. Os protagonistas principais da narrativa são, sem dúvida, o ministro Marco Aurélio Mello, o ministro Celso de Mello e a presidente do

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STF, ministra Cármen Lúcia, já que, as declarações desses três atores durante a votação são destacadas pela instância de produção para integrar o conteúdo da reportagem. Cabe destacar, ainda, que os demais atores convocados, na narrativa, são o público que acompanha a votação em plenário. Já os protagonistas principais da reportagem são o repórter, que apresenta o acontecimento, e os âncoras do JN que veiculam a matéria, não demonstrando, no texto desta notícia, nenhum posicionamento. - na notícia 02, nota coberta veiculada pelo JG: o âncora do telejornal, William Waack; e os ministros do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Roberto Barroso, Luiz Fuks, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandovski. A protagonista principal da narrativa é, sem dúvida, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, destacada como a responsável pelo desempate, na votação, a favor do ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras. Cabe destacar, ainda, que os demais atores convocados, na narrativa, são o público que acompanha a votação em plenário. Já o protagonista principal da nota coberta é o âncora do JG que veicula a matéria, não demonstrando, no texto desta notícia, nenhum posicionamento. - na notícia 03, nota coberta veiculada pelo H1: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone; e os ministros do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Roberto Barroso, Luiz Fuks, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandovski. A protagonista principal da narrativa é, sem dúvida, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, destacada como a responsável pelo desempate na votação a favor do ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras. Cabe destacar, ainda, que os demais atores convocados, na narrativa, são o público que acompanha a votação em plenário. Já a protagonista principal da nota coberta é a âncora do H1 que veicula a matéria, sem assumir posicionamento favorável ou contrário à decisão, enfatizando apenas sua concordância com o caráter facultativo da frequência nessa disciplina, direito conferido a todos os alunos. A comparação das notícias da Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, em suas três configurações aqui analisadas, permite constatar uma decrescente mobilização actorial no que concerne ao relato da votação, realizada pelo STF, sobre a constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras. O que distingue as notícias entre si são seus enunciadores, ou seja, os âncoras e o repórter que são diferentes de um telejornal para outro. Já os atores mobilizados pelas narrativas são os mesmos, nas três configurações, porém, sendo cada vez menos

165 utilizados de uma notícia para outra. Dessa maneira, constata-se menor complexificação, do ponto de vista actorial, de uma notícia para outra, caracterizando um movimento descendente dessa cadeia sintagmática em análise.

 Espacialização

De maneira geral, os modelos – reportagem e nota coberta – adotados na configuração dos textos das notícias sobre a Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, recorrem a dois espaços: (1) um interno, os estúdios do JN, localizado no Rio de Janeiro, e do JG e H1, localizados em São Paulo; e, (2) um externo e real, a sede do Supremo Tribunal Federal em Brasília. As diferenças espaciais ficam evidenciadas pelo modelo próprio adotado por cada um dos telejornais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado no Rio de Janeiro, comporta uma bancada transparente com linhas curvas em um design fluido cuja cor predominante é o azul; sobre a bancada ficam telas de computadores nas quais os âncoras acompanham o roteiro do telejornal; as cadeiras nas quais eles sentam não aparecem com clareza; atrás dos apresentadores é possível visualizar pessoas trabalhando. Durante a cabeça da reportagem, ao fundo, é projetada uma imagem gráfica, em 3D, que representa a fachada do prédio do STF. O enquadramento adotado é de um plano médio. Já o espaço externo é o prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília que, nessa notícia, é identificado por dois lugares distintos: o plenário do STF, onde os ministros realizam as votações, e o hall de entrada do prédio, onde o repórter Marcos Losekann grava o boletim de encerramento. No plenário, predominantemente em marrom, os ministros aparecem sentados em grandes poltronas e vestem uma capa preta. Além dos computadores, pilhas de processos impressos podem ser visualizadas sobre as bancadas; ao fundo, vê-se uma bandeira do Brasil. O público espectador da sessão aparece sentado, ao fundo, em poltronas menores. Já no hall de entrada, as cores predominantes são o branco, da pintura do prédio, e o preto, do céu, já que o boletim de encerramento foi gravado à noite; são visualizadas, ainda, partes da arquitetura curvilínea da edificação. No caso das imagens captadas no plenário, a perspectiva é de quem assiste à sessão de cima, já no boletim de passagem, a câmera está na mesma altura do repórter. - na notícia 02, nota coberta veiculada pelo JG, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta uma bancada transparente com linhas curvas em um design fluido cuja cor predominante é o azul. Sobre a bancada fica um computador, além dos

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óculos e da caneta do âncora William Waack cuja cadeira em que está sentado não aparece com clareza. Atrás dele, além das mesas de trabalho das equipes de produção, pode-se visualizar uma grande tela formada pela junção de três monitores em que são exibidas, durante a cabeça, imagens gravadas da votação no STF. O enquadramento adotado é um plano médio. Já o espaço externo é o plenário do Supremo Tribunal Federal em Brasília, predominantemente em marrom, local onde os ministros, sentados em grandes poltronas e vestindo capa preta, realizam as votações. Além dos computadores, pilhas de processos impressos podem ser visualizadas sobre as bancadas; ao fundo, vê-se uma bandeira do Brasil. O público espectador da sessão aparece sentado, ao fundo, em poltronas menores. Nas imagens captadas no plenário, a perspectiva é de quem assiste à sessão de cima. - na notícia 03, nota coberta veiculada pelo H1, o espaço interno, ou seja, o estúdio, localizado em São Paulo, comporta uma bancada branca em linhas retas cujas cores predominantes são o branco e o amarelo. Sobre a bancada fica um computador, além de folhas de papel com o roteiro do telejornal para a consulta da âncora Monalisa Perrone cuja cadeira é branca. Atrás dela há um painel, predominantemente branco e amarelo, com a logomarca do telejornal. O enquadramento adotado comporta um movimento de câmera que vai de um plano aberto a um plano médio. Já o espaço externo é o plenário do Supremo Tribunal Federal em Brasília, predominantemente em marrom, local onde os ministros, sentados em grandes poltronas e vestindo capa preta, realizam as votações. Além dos computadores, pilhas de processos impressos podem ser visualizadas sobre as bancadas; ao fundo, vê-se uma bandeira do Brasil. O público espectador da sessão aparece sentado, ao fundo, em poltronas menores. Nas imagens captadas no plenário, a perspectiva é de quem assiste à sessão de cima. Assim, com exceção do JN que se utilizou de dois espaços externos para a produção da reportagem, os outros dois telejornais, JG e H1, recorreram a uma estrutura espacial bastante simples para compor a narrativa. Além do mais, percebe-se um esforço mínimo por parte da instância de produção para a realização dessa cobertura, já que, a maioria absoluta das imagens veiculadas foi cedida pela TV Justiça, cabendo à RGT, simplesmente a gravação do boletim de encerramento do repórter Marcos Losekann. Vale ainda destacar que, se comparados sintagmaticamente, os três textos decaem em complexidade espacial, iniciando, na primeira reportagem exibida pelo JN, com três espaços distintos e finalizando, na nota coberta exibida pelo H1, com apenas dois espaços.

 Temporalização

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Os modelos dos textos das notícias aqui analisadas recorrem a diferentes temporalidades: sua referência temporal é o presente representado pela emissão, ao vivo dos estúdios, dos telejornais JN, JG e H1; há, ainda, o tempo de feitura da reportagem e das notas cobertas, produzidas no passado em relação ao presente da emissão; e o tempo da votação, ocorrida concomitantemente à captação das imagens e sons, mas em um tempo passado em relação à edição da reportagem e das notas cobertas. Mesmo assim, o sentido atribuído às narrativas é de atualidade frente ao noticiado: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, o tempo presente da emissão é representado pelo âncora William Bonner que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 20h52min da noite, no segundo bloco da edição do telejornal de 27.09.2017, chama a reportagem. O tempo passado, referente à votação e decisão do STF, já se expressa na cabeça da reportagem, quando Bonner se utiliza de verbo no passado para anunciar o assunto: “Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as escolas públicas podem ter aulas de religiões específicas”. A predominância de uma temporalidade passada, referente à votação, em relação ao presente da emissão, segue na reportagem, narrada em off, quando o jornalista Marcos Losekann diz: “o julgamento foi retomado com o placar de cinco a três contra o argumento da Procuradoria Geral da República”. Cabe destacar, porém, a existência de uma articulação do tempo passado da votação com o presente social, representado pela legislação brasileira que contém as regras atualizadas para a convivência em sociedade, o que fica evidenciado nas declarações dos ministros, como a de Marco Aurélio Mello que diz: “nas (escolas) públicas, espaço promovido pelo Estado para o convívio democrático das diversas visões do mundo, deve prevalecer a ampla liberdade de pensamento”. A reportagem apresenta ainda uma outra articulação temporal – a do passado da decisão do STF com o futuro – quando, no boletim de encerramento, o repórter Marcos Losekann afirma: “a partir dessa decisão do Supremo caberá ao Governo Federal, aos estados e municípios, responsáveis pela administração das escolas públicas, discutir a implementação das aulas de religião”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 3min36s –, dos quais, 14s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelo âncora William Bonner e 3min24s pela própria reportagem, bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi apresentada como a segunda matéria do segundo bloco da emissão, sendo exibida às 20h52min.

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- na notícia 02, nota coberta veiculada pelo JG, o tempo presente da emissão é representado pelo âncora William Waack que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 0h25min da noite, no segundo bloco da edição do telejornal de 27.09.2017, chama a nota coberta. O tempo passado, referente à votação e decisão do STF, já se expressa na cabeça da nota coberta, quando Waack se utiliza de verbo no passado para anunciar o assunto: “Em decisão apertada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que escolas públicas podem ter aulas de religiões específicas, mas o aluno só frequenta a aula se quiser”. A predominância de uma temporalidade passada, referente à votação, em relação ao presente da emissão, segue na nota coberta, narrada em off, quando o âncora diz: “o julgamento começou em agosto e foi retomado nesta quarta-feira”. Cabe destacar, porém, a existência de uma articulação do tempo passado da votação com o tempo presente social, representado pela legislação brasileira que contém as regras atualizadas para a convivência em sociedade, o que fica evidenciado em alguns trechos da narrativa como no que diz “a ministra Cármen Lúcia entendeu que os professores podem promover suas crenças em sala de aula e que a liberdade de escolha dos cidadãos fica garantida pelo fato de que as aulas religiosas são facultativas”. A nota coberta apresenta ainda outra articulação temporal – a do passado da decisão do STF com o futuro –, quando, em off, Waack diz: “caberá ao governo federal, aos estados e aos municípios, responsáveis pela administração das escolas públicas, discutir como as aulas de religião devem ser implementadas”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 1min6s –dos quais 11s foram ocupados com a enunciação da cabeça pelo âncora William Waack e 55s com a própria nota coberta; bem como a localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi apresentada como a segunda matéria do segundo bloco da emissão, sendo exibida às 0h25min. - na notícia 03, nota coberta veiculada pelo H1, o tempo presente da emissão é representado pela âncora Monalisa Perrone que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 5h46min da manhã, no terceiro bloco da edição do telejornal de 28.09.2017, chama a nota coberta. O tempo passado, referente à votação e decisão do STF, já se expressa na cabeça da nota coberta, quando Perrone se utiliza de verbo no passado para anunciar o assunto: “Estamos de volta para contar para vocês que em decisão apertada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que escolas públicas podem ter no currículo aulas de religiões específicas. Mas tem um detalhe muito importante, o aluno só frequenta a aula se quiser.”. A predominância de uma temporalidade passada, referente à votação, em

169 relação ao presente da emissão, segue na nota coberta narrada em off, quando a âncora diz: “o julgamento começou em agosto e foi retomado nesta quarta-feira”. Cabe destacar, porém, a existência de uma articulação do tempo passado da votação com o tempo presente social, representado pela legislação brasileira que contém as regras atualizadas para a convivência em sociedade, o que fica evidenciado em alguns trechos da narrativa como no que diz “a ministra Cármen Lúcia entendeu que os professores podem promover suas crenças em sala de aula e que a liberdade de escolha dos cidadãos fica garantida pelo fato de que as aulas religiosas são facultativas”. A nota coberta apresenta ainda outra articulação temporal – a do passado da decisão do STF com o futuro –, quando, em off, Monalisa diz: “caberá ao governo federal, aos estados e aos municípios, responsáveis pela administração das escolas públicas, discutir como as aulas de religião devem ser implementadas”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 1min18s –, dos quais 15s foram ocupados com a enunciação da cabeça pela âncora Monalisa Perrone e 1min3s com a própria nota coberta, bem como a sua localização temporal no desenrolar da emissão do telejornal – ela foi apresentada como a primeira matéria do terceiro bloco da emissão, sendo exibida às 5h46min. Assim, as três configurações das notícias da Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras apresentaram a articulação de quatro temporalidades: o presente da emissão dos estúdios dos telejornais, o passado da votação do STF, o presente social das determinações estabelecidas pela legislação brasileira, e o futuro representado pelas decisões dos administradores das escolas públicas sobre a implementação das aulas de religião. A diferença do tempo total das duas notas cobertas, exibidas no JG e H1, devem-se ao diferente ritmo da narração em off, já que o conteúdo das informações narradas é exatamente o mesmo, diferenciando-se, apenas, no proferimento das cabeças pelos dois âncoras.

 Tonalização

De maneira geral, os três textos das notícias em análise, devido ao próprio tema central abordado – laico vs confessional – e suas articulações temáticas – liberdade vs determinismo, pluralidade vs singularidade, público vs privado, individual vs comunitário, entre outros – estão impregnados por um tom geral de ceticismo, que se articula com outros tons, tais como

170 os de desconfiança, dúvida, e contrariedade. Há, no entanto, particularidades em cada uma das conformações que merecem destaque: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, o apoio da emissora ao caráter facultativo do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras fica evidenciado quando o âncora William Bonner, ao anunciar a cabeça, enfatiza: “[...] mas que a disciplina seja uma opção do aluno, como a constituição já determina”. - na notícia 02, nota coberta veiculada pelo JG, o destaque também é conferido à possibilidade de escolha do aluno em frequentar as aulas de religião. O âncora William Waack frisa: “Em decisão apertada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que escolas públicas podem ter aulas de religiões específicas, mas o aluno só frequenta a aula se quiser”. - na notícia 03, nota coberta veiculada pelo H1, a âncora Monalisa Perrone deixa ainda mais claro o seu apoio e o da emissora ao caráter facultativo do ensino religioso nas escolas públicas, quando diz: “[...] mas tem um detalhe muito importante, o aluno só frequenta a aula se quiser”. Não fica claro, nos três textos em análise, um posicionamento contrário da emissora à decisão do STF de permitir o ensino religioso em escolas públicas, mas o conflito existente entre a oferta dessa disciplina e a laicidade do Estado é alimentado através das narrativas veiculadas pela RGT.

7.2.3.1.6 Análise intertextual de caráter sintagmático

As notícias sobre o mesmo acontecimento, veiculadas sob três diferentes configurações, respectivamente nas edições dos telejornais JN e JG de 27.09.2017, e H1 de 28.09.2017, estabelecem, de pronto, uma relação intertextual de caráter sintagmático com os textos legislativos que estão sendo postos em questão. A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, em seu artigo 5º, inciso VI, determina que: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 1988). Além disso, outro decreto, o 9.475/1997, das diretrizes e bases da educação, diz em seu artigo 33 que o ensino religioso é parte integrante da formação básica e constitui disciplina no horário normal das escolas públicas, assegurado o caráter facultativo de sua matrícula. Dessa maneira, a possibilidade de alteração desses, e de outros textos legislativos que abordam o direito de liberdade religiosa, foi motivação primordial para produção e veiculação das notícias em análise, mesmo que elas não tenham recuperado, em sua totalidade, as leis.

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Apesar dessa subjacência, a relação entre os textos legislativos e as notícias estabelece-se, portanto, como importante relação sintagmática. As três notícias analisadas, embora apresentem um mesmo enfoque editorial, manifestam-se em linha descendente no que concerne à variedade de articulação de diferentes atores, tempos e espaços acionados para compor as narrativas. Essa linha decrescente, verificável através da comparação sequencial das três veiculações, atesta uma perda do status de noticiável desse acontecimento durante essa cadeia temporal de ordem sintagmática. A notícia 01, reportagem exibida pelo JN, contemplou três sonoras de ministros do STF, além da participação do repórter e do âncora. A narrativa destacou o debate sobre os limites entre a laicidade e o livre ensino da religiosidade em escolas públicas, uma questão latente na sociedade brasileira, agravada pelo ambiente político nacional. Como a decisão do STF transcorreu no sentido de manter a legislação como ela já é, desde 1997, respeitando a autorização para o ensino de religiões específicas em escolas públicas brasileiras, a notícia sobre a votação foi perdendo o fôlego nos telejornais subsequentes, sendo reduzida a duas notas cobertas – na notícia 02 veiculada pelo JG, e na notícia 03 veiculada pelo H1 –, desaparecendo, posteriormente, dos demais telejornais. Parece pertinente, não obstante, destacar a relação sintagmática entre as duas notas cobertas, nas notícias 02 (JG) e 03 (H1), sob a ótica da reutilização de materiais entre esses dois programas. A notícia 03 apresentou, em sua narrativa, as mesmas frases, a mesma sequência de imagens do plenário do STF e o mesmo enfoque editorial da notícia 02, nota coberta veiculada anteriormente pelo JG. A diferença entre elas ficou por conta da locução de William Waack que, no H1, foi substituída pela da âncora Monalisa Perrone, o que causou, devido ao ritmo conferido à narração, uma ampliação do tempo total na matéria no H1. Assim, fica mais uma vez comprovada a repetição, na sua forma mais notória, de notícias entre esses dois telejornais com a justificativa evidente de economia de recursos de produção. Cabe examinar, ainda, as três veiculações dessa notícia em outro tipo de relação sintagmática: aquela que elas contraem com as notícias que as precederam e/ou sucederam no próprio corpo de cada edição dos telejornais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, a apresentação da notícia da Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras foi precedida por uma reportagem sobre a criação de um fundo público partidário para o financiamento de campanhas eleitorais, reportagem com duração de 2min33s, produzida por uma equipe de reportagem de Brasília, tendo sido esse assunto veiculado em todos os telejornais da RGT analisados por esta pesquisa no dia 27.09.2017. A notícia da votação do

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STF foi sucedida por uma nota vivo sobre uma chacina que resultou na morte de quatro pessoas em Natal. Dessa maneira, percebe-se a existência de uma preocupação por parte da instância de produção, representada pela equipe de jornalistas do JN, em atribuir um sentido maior ao roteiro do programa, ou seja, à ordenação da exibição das matérias, já que duas reportagens oriundas da cidade de Brasília, capital federal, são exibidas em sequência. A veiculação aproximada de reportagens que abordam assuntos semelhantes entre si dá ao telespectador uma sensação de harmonia, evitando rupturas bruscas na produção de sentido e conferindo suavidade e fluidez ao programa. - na notícia 02, nota coberta veiculada pelo JG, a apresentação da notícia da Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras foi precedida por uma reportagem sobre os leilões de usinas de petróleo e gás pelo governo federal, reportagem com duração de 5min15s, produzida por uma equipe de reportagem do Rio de Janeiro, tendo sido esse assunto veiculado em todos os telejornais da RGT analisados por esta pesquisa no dia 27.09.2017 e em dois telejornais do dia 28.09.2017. A notícia da votação do STF foi sucedida pelo a seguir, com as manchetes do bloco seguinte, e o intervalo comercial. Não se verifica, dessa forma, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal. - na notícia 03, nota coberta veiculada pelo H1, a apresentação da notícia da Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras foi precedida pelo intervalo comercial e a vinheta de abertura do terceiro bloco do programa e sucedida por uma nota pelada sobre o resultado da Mega Sena que não teve vencedores, com duração de 43s, e com veiculação única entre os telejornais. Não se verifica, dessa forma, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal.

7.2.3.2 Acontecimento 02: Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco

O acontecimento referente ao Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco foi veiculado, sob forma de notícia, nas edições de dois telejornais: - a notícia 01, na edição do telejornal Hora 1 da Notícia de 28.09.2017, às 05h58min, com duração de 02 minutos e 07 segundos, configurando-se como uma reportagem; - a notícia 02, na edição do telejornal Bom Dia Brasil de 28.09.2017, às 08h37min, com duração de 32 segundos, configurando-se como uma nota-vivo.

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As narrativas, nas duas diferentes configurações discursivas deste acontecimento sob a forma de notícia, relatam a benção que o Papa Francisco deu a um bebê brasileiro de 01 ano de idade, na Praça São Pedro, no Vaticano. A menina Helena foi levada pelos pais à Itália para comemoração de seu primeiro aniversário. Em meio a um público de 20 mil fiéis presentes na praça, o Papa a escolheu para oferecer uma benção. Ambas as narrativas apresentadas pelos telejornais definem a atitude do Papa como um presente recebido pela menina na data comemorativa.

7.2.3.2.1 Caracterização geral das notícias

O acontecimento objeto das notícias em análise, em suas duas configurações, trata-se de uma ocorrência da ordem da imprevisibilidade: a benção do Papa Francisco a um bebê brasileiro na Praça São Pedro no Vaticano. A menina Helena, de 01 ano, foi levada pela família à Itália para a comemoração de seu primeiro aniversário, e, durante a viagem, esteve na Praça São Pedro para acompanhar a tradicional passagem do Papa. A surpresa é que, ao se aproximar, o pontífice tocou no rosto da menina, deu um beijo e fez um sinal de benção antes de devolvê-la à família. O acontecimento entrou na pauta das edições dos telejornais H1 e BDB no dia 28.09.2017. Os dois textos das notícias referentes ao Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco, apresentados respectivamente sob a forma de reportagem e nota vivo, atendem às características consideradas em qualquer seleção jornalística, já que respondem aos critérios maiores de atualidade, novidade, importância e interesse, aos quais se agregam traços de proeminência relativa ao sujeito envolvido, raridade, surpresa, e curiosidade frente ao acontecimento noticiado. A apresentação de acontecimento raro, curioso, e que, certamente, interpelaria o público telespectador brasileiro devido à nacionalidade do bebê abençoado pelo Papa Francisco, bem como a importância atribuída a esse líder religioso, justifica a inclusão da matéria nas pautas de dois telejornais da RGT. No entanto, a relativa relevância conferida ao acontecimento pode ser observada pela duração de tempo – 2min39s – dedicado ao assunto nas edições dos dois telejornais aqui analisados. Ressalte-se, ainda, que o acontecimento não foi noticiado em todos os telejornais da RGT, tendo sido apenas incluído na pauta de dois telejornais matutinos.

7.2.3.2.2 Análise paratextual de caráter contextual

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O cargo de Papa é o mais elevado na hierarquia da Igreja Católica, sendo o religioso que o ocupa chamado de Sumo-Pontífice, o sucessor de São Pedro, pai da Igreja e representação máxima de sua autoridade. Somente a morte de um Papa, ou sua renúncia, pode determinar a realização de um conclave para a eleição de um novo líder. Assim, após ser eleito, o Papa passa a representar os posicionamentos ideológicos e doutrinários da Igreja Católica, divulgados através de suas manifestações públicas e de suas decisões administrativas (JOYCE, 1911). O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi eleito pontífice no dia 13.03.2013, havendo adotado o nome de Papa Francisco em referência explícita à sua pretendida linha de atuação em relação aos pobres e carentes. Com sua ascensão ao Papado, a Igreja Católica, pela primeira vez na história, passou a contar com dois Papas vivos, pois seu antecessor, o alemão Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI, renunciou ao cargo em 28.02.2013, em razão de sua idade avançada, fato único em quase 600 anos. Durante o período de exercício de seu Papado, a Igreja Católica vivenciou uma crise moral, em meio a vazamentos de algumas cartas íntimas do já falecido Papa João Paulo II e também da divulgação ilegal de documentos oficiais da igreja (POR QUE, 2013). Em um momento em que a América Latina, região com o maior número de católicos do mundo, cerca de 50% do total, registrava uma significativa diminuição no número de fiéis católicos, pela primeira vez na história, um religioso latino-americano foi escolhido para ocupar o cargo mais importante do Vaticano (GASPARETTO JÚNIOR, S/D). Assim, o Papa argentino, que assumiu o cargo aos 76 anos, já teve como primeiro desafio o resgate de fiéis. À época de sua eleição, em 2013, foram recuperadas, pela mídia e críticos, posições conservadoras por ele assumidas no passado, porém, o exercício de suas atividades como Papa tem revelado um líder carismático, preocupado com as minorias e, também, surpreendente em suas declarações, como quando afirmou que “a Igreja Católica deveria buscar o perdão dos homossexuais pela maneira que eles foram tratados” (REUTERS, 2016). O posicionamento inovador trouxe resultados na busca de fiéis, isso porque, de acordo com os dados divulgados pelo próprio Vaticano, depois de sua eleição, o número de batizados aumentou em índices superiores aos da expansão demográfica, totalizando em 2014, uma população de fiéis de 1,17 bilhão, quase 18% da população mundial (CHADE, 2016). Os hábitos simples, as declarações inesperadas, e divergentes do tradicional conservadorismo católico, a atuação na política internacional e o jeito carismático atraem simpatia de religiosos, e até de não religiosos do mundo inteiro, alimentando, além disso, o turismo religioso que leva milhares de fiéis, diariamente, ao Vaticano, inclusive, para o

175 tradicional passeio pela Praça São Pedro. Em uma dessas aparições, um bebê brasileiro recebeu uma benção especial, acontecimento narrado nas notícias aqui analisadas.

7.2.3.2.3 Análise paratextual de caráter enunciativo

A veiculação de matérias, sob forma de reportagem, na notícia 01, exibida na edição do telejornal H1, e de nota vivo, veiculada na edição do telejornal BDB, sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco (28.09.2017), ocorre ao mesmo tempo em que o afastamento do senador Aécio Neves de seu cargo por corrupção, determinado pelo Supremo Tribunal Federal, bem como a liberação, por parte do governo federal, de emendas parlamentares para comprar os votos dos deputados pelo arquivamento da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer por obstrução à justiça e organização criminosa, ganham destaque nas edições dos telejornais. Ainda assim, o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco esteve entre as manchetes do telejornal H1, embora não tenha recebido o mesmo destaque nas do BDB, nem, tampouco, no interior deste programa. A notícia 01, sob forma de reportagem, veiculada na edição do telejornal H1 de 28.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, o aumento no número de registros de casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes em Santa Catarina; a aprovação pelos deputados federais de regras mais brandas para o refinanciamento de dívidas de empresas privadas; e a aprovação pelo STF do ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras. A reportagem, em análise, teve veiculação no final do terceiro e último bloco da edição do H1, sendo precedida por notícia do esporte – uma nota coberta com os resultados da rodada dos jogos de futebol da série B do Campeonato Brasileiro, e, sucedida pelo encerramento do programa. Percebe-se, assim, uma falta de afinidade entre os temas que justificasse a roteirização. Porém, cabe destacar que a reportagem ocupou a última posição no roteiro do telejornal, sendo distribuída dessa forma para que seu teor curioso e emotivo pudesse atrair a atenção do telespectador exatamente no fim da edição, funcionando como um bom dia, para que dessa maneira, o telespectador pudesse começar suas atividades depois de assistir a uma notícia feliz. A notícia 02, sob forma de nota vivo, veiculada na edição do telejornal BDB de 28.09.2017, dividiu espaço com outras manchetes, entre elas, o afastamento do senador Aécio

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Neves pelo STF; os leilões das usinas de petróleo e gás do Governo Federal; a liberação de emendas parlamentares pelo governo federal na tentativa de comprar os votos dos deputados para o arquivamento da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer; e a votação de parte do projeto de reforma política. As edições dos telejornais aqui analisados, H1 e BDB, abordaram assuntos diferentes entre as manchetes dos dois programas, preferindo conferir destaque às notícias de veiculação única, como, no caso do H1, aos abusos sexuais sofridos por crianças e adolescentes em Santa Catarina, e no do BDB, à desconfiança dos moradores ribeirinhos ao Rio Doce, em relação à qualidade da água depois da tragédia da Samarco. Apenas um assunto foi tratado pelas manchetes dos dois programas: o Cruzeiro campeão da Copa do Brasil. Dessa maneira, percebe-se a preocupação com a diferenciação das manchetes dessas duas edições dos telejornais, possivelmente com o intuito de conferir singularidade a cada um dos programas, mesmo que, no interior de suas edições, outras matérias, que não integraram as manchetes, tenham sido veiculadas por ambos os telejornais. A nota vivo, em análise, teve veiculação no quarto bloco da edição, sendo precedida pela exibição de reportagem sobre a tentativa do governo espanhol de impedir o plebiscito pela independência da Catalunha, e, sucedida por uma reportagem sobre a necessidade de ajuda a Porto Rico, território americano no Caribe, atingido por dois furacões. Dessa maneira, a coerência na roteirização fica justificada pela veiculação de notícias ocorridas em âmbito internacional em uma sequência do mesmo bloco da edição. Assim, nos casos da reportagem e da nota vivo, aqui analisadas, a RGT, além das equipes próprias de cada um dos dois telejornais, lançou mão também da estrutura de uma equipe de produção não identificada, na notícia 01; e de sua equipe em Londres, representada pela correspondente internacional Cecília Malan, na notícia 02. O texto, além disso, é composto por imagens transmitidas pela TV Vaticano, canal de televisão oficial da Igreja Católica, e por imagens de celular, captadas pela família da Helena. Na comparação das manchetes das edições dos telejornais aqui analisadas, o bebê abençoado pelo Papa só recebeu destaque no telejornal H1. Através da veiculação da reportagem e da nota vivo sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco, a RGT, enquanto instância enunciativa maior, e os telejornais H1 e BDB, enquanto instâncias enunciativas imediatas, atendem à promessa firmada com a audiência de informar os telespectadores sobre os principais acontecimentos internacionais, principalmente os que resultam em impacto ou afinidade com os telespectadores brasileiros.

7.2.3.2.4 Análise intertextual de caráter paradigmático

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As notícias sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco, em análise, são configuradas pelo H1, sob a forma de reportagem, e, pelo BDB, sob a forma de nota vivo. A reportagem do H1 apresenta uma defasagem em relação ao paradigma tradicionalmente adotado por esse modelo, enquanto a nota vivo corresponde exatamente ao seu paradigma. O modelo de reportagem, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça da reportagem, apresentada pelo(s) âncora(s), a própria matéria, gravada e editada, que conta com a narração de um repórter em off, intercalada por declarações de entrevistados envolvidos com o acontecimento divulgado, além do boletim de passagem do repórter, momento em que ele aparece no vídeo, assinando a matéria. O modelo tradicional de reportagem pode contar, ainda, com a nota pé, ou seja, com a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s) do estúdio. A notícia 01, reportagem veiculada pelo H1, segue, em parte, os moldes desse paradigma, apresentando, porém, algumas defasagens: a âncora do telejornal, Monalisa Perrone, introduz o assunto que prossegue com a narração em off por uma repórter que não é identificada na reportagem, nem através da exibição de seu nome na tela, tampouco pela utilização de um boletim de passagem, ficando impossibilitada a identificação da equipe de reportagem responsável pela produção da notícia. A reportagem apresenta, ainda, dois trechos de declarações do pai e da mãe do bebê, gravados em um celular e que substituem o espaço das entrevistas, mesmo que não tenham sido concedidas a um repórter. As imagens usadas na reportagem são aquelas, gravadas via celular da família, mostrando os passeios realizados durante as férias na Itália, além daquelas divulgadas pela TV Vaticano, que mostram o desfile do Papa Francisco pela Praça São Pedro. A defasagem da reportagem em relação ao seu paradigma ocorre pela inexistência de boletim de passagem, bem como da identificação da profissional que faz a narração, encerrando apenas com uma nota pé, proferida pela âncora. Assim, o modelo adotado é bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador, mas revela um esforço mínimo da instância de produção na feitura da notícia, tendo em vista a simplicidade dos recursos utilizados – imagens de arquivo pessoal da família e também da TV Vaticano. O modelo de nota vivo, comumente empregado pelos telejornais brasileiros, comporta, além da cabeça, apresentada pelo(s) âncora(s), a própria matéria, narrada, ao vivo, do estúdio, pelo âncora ou apresentador. Além disso, são exibidas imagens do acontecimento, gravadas

178 anteriormente, in loco, e editadas para veiculação. O modelo tradicional de nota vivo pode contar, ainda, com a nota pé, ou seja, com a explicitação de uma observação ou de um posicionamento de alguma das partes envolvidas, proferido pelo(s) âncora(s) do estúdio. A notícia 02, nota vivo veiculada pelo BDB, segue os moldes de seu paradigma: a correspondente internacional, Cecília Malan, introduz a matéria do escritório da RGT, em Londres, Inglaterra, e a notícia prossegue com a sua narração, ao vivo, ao mesmo tempo em que são exibidas imagens captadas pela TV Vaticano, além das gravadas pelo celular da família, que mostram o bebê de um ano sendo aproximado ao Papa por um segurança. O pontífice dá, então, um beijo na testa da menina, passa a mão em seu rosto e a abençoa. A nota vivo apresenta uma nota pé, um diálogo realizado entre a correspondente internacional, direto de Londres, e os âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo, do estúdio no Rio de Janeiro. O modelo adotado é bastante previsível, em nada surpreendendo o telespectador.

7.2.3.2.5 Análise intratextual das notícias

A análise intratextual de caráter discursivo/expressivo dos textos das notícias sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco, veiculadas sob forma, respectivamente, de uma reportagem e uma nota vivo, descreve, na sequência, os procedimentos por eles adotados na manifestação dos dispositivos discursivos/expressivos, referentes à tematização, figurativização, actorialização, espacialização, temporalização e tonalização.

 Tematização/Figurativização

Os textos das duas notícias sobre o acontecimento, aqui analisados, propõem como tema central a oposição amor vs desamor, configurada pela Igreja Católica e figurativizada pela ação do Papa, tema esse que se articula a partir das seguintes oposições: sagrado vs profano; bem vs mal; sorte vs azar, simplicidade vs complexidade; pureza vs impureza; poder vs submissão. Assim, o amor, que identificaria a Igreja Católica, é figurativizado pelo comportamento do Papa em relação ao bebê.

 Actorialização

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As narrativas contidas nos textos das notícias sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco comportam os seguintes atores: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo H1: a âncora, Monalisa Perrone; uma repórter, não identificada, que realiza a narração; o Papa Francisco; a menina Helena; os pais do bebê, Maísa Marques e Nelson Marques; os seguranças do Papa; o cinegrafista da TV Vaticano; e milhares de fiéis. Os protagonistas principais da narrativa são, sem dúvida, o Papa Francisco, que embora nada fale, demostra seu carinho e amorosidade para com a menina, bem como assume seu papel de representante de Deus na terra ao abençoá-la; a menina Helena, que, sem saber o que está acontecendo, é objeto das ações Papais; os pais, Maísa Marques e Nelson Marques, que, emocionados, relatam na reportagem, através de declarações gravadas pelo celular, como o fato ocorreu. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados, sendo eles, os milhares de fiéis que aparecem na Praça São Pedro e os profissionais que trabalham na segurança e na transmissão do evento pela TV Vaticano. Já as protagonistas principais da reportagem são a repórter, encarregada da narração da matéria, que impregna sua fala de emoção; e a âncora do H1, que assume, no interior da notícia, uma posição de encantamento diante do fato. - na notícia 02, nota vivo veiculada pelo BDB: a correspondente internacional, Cecília Malan; os âncoras, Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo; o Papa Francisco; a menina Helena; os pais do bebê, Maísa Marques e Nelson Marques; os seguranças do Papa; o cinegrafista da TV Vaticano; e milhares de fiéis. Os protagonistas principais da narrativa são, sem dúvida, o Papa Francisco, que demostra seu carinho e amorosidade para com a menina, bem como assume seu papel de representante de Deus na terra ao abençoá-la; e a própria menina Helena, que, sem saber o que está acontecendo, é objeto das ações Papais. Cabe destacar, ainda, que outros atores são convocados, sendo eles, os milhares de fiéis que aparecem na Praça São Pedro e os profissionais que trabalham na segurança e na transmissão do evento pela TV Vaticano. Já as protagonistas principais da nota vivo são a correspondente internacional, Cecília Malan; e os âncoras, Chico Pinheiro e Ana Paula, que ressaltam a relevância, para a família, da benção recebida pela menina. A comparação das notícias sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco, em suas duas configurações aqui analisadas, permite constatar uma decrescente mobilização actorial no que concerne ao relato da benção recebida por Helena no encontro com o Papa Francisco na Praça São Pedro, no Vaticano. O que distingue as notícias entre si são seus enunciadores, ou seja, os âncoras e a repórter que são diferentes de um telejornal para outro. Já os atores mobilizados pelas narrativas são os mesmos, nas duas configurações,

180 porém, sendo menos utilizados de uma notícia para outra. Dessa maneira, constata-se menor complexificação, do ponto de vista actorial, de uma notícia para outra, caracterizando um movimento descendente dessa cadeia sintagmática em análise.

 Espacialização

De maneira geral, os modelos adotados – reportagem e nota vivo – na configuração dos textos das notícias sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco, recorrem a dois tipos de espaços: (1) os internos, referentes aos estúdios e escritórios da RGT; e, (2) os externos, em que se passam os acontecimentos. As diferenças espaciais ficam evidenciadas pelo próprio modelo adotado em cada uma das narrativas dos textos das notícias veiculadas pelos dois telejornais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo H1, o espaço interno corresponde ao estúdio do programa, localizado em São Paulo, que comporta uma bancada branca em linhas retas, cujas cores predominantes são o branco e o amarelo. Sobre a bancada fica um computador, além de folhas de papel com o roteiro do telejornal para a consulta da âncora Monalisa Perrone, cuja cadeira é branca. Atrás dela, há um painel, predominantemente em branco e amarelo, com a logomarca do telejornal. Na cabeça, o enquadramento adotado é um plano médio. Já na nota pé, o enquadramento é composto por um plano fechado. Já o espaço externo é composto por diferentes lugares da Itália por onde a família passeou durante o período de férias: uma calçada na beira de um canal onde a Helena dá os primeiros passos, uma sala de estar onde ocorre a festa de aniversário dela, e outra sala de estar onde os pais falam sobre a benção dada pelo Papa à menina. Mas, sem dúvida, o espaço externo mais importante da narrativa é, não obstante, a Praça São Pedro, no Vaticano, local ocupado por milhares de fiéis e por onde o Papa Francisco desfila em um pequeno carro branco e aberto rodeado por seguranças. Nesse espaço, podem ser visualizadas as edificações no entorno da Praça, em formato circular e com muitas colunas, um conjunto de estruturas brancas baixas, destinado a isolar os fiéis, um grande telão, ao fundo da Praça, no qual as imagens da TV Vaticano são transmitidas, além de árvores altas atrás dos prédios e o céu azul com algumas nuvens. As imagens são exibidas em duas perspectivas: a da família, através de gravação via celular, e a do cinegrafista da TV Vaticano, localizado em cima do carro Papal. - na notícia 02, nota vivo veiculada pelo BDB, o espaço interno corresponde ao escritório da RGT em Londres, Inglaterra, que comporta uma mesa retangular branca na qual duas mulheres, além da correspondente, aparecem sentadas, de costas, trabalhando em frente

181 a computadores. Sobre a mesa ficam também várias edições de jornais impressos. Atrás da correspondente internacional, Cecília Malan, pode visualizar-se uma parede com tijolos aparentes e duas grandes janelas de vidro. Ao fundo, na sala, pode-se ver, ainda, uma divisória de vidro e, lá dentro, computadores para edição de audiovisuais, sendo que, em uma das telas é exibida a marca da RGT. Cabe ressaltar que, além desse espaço interno principal, existe outro, o estúdio do BDB no Rio de Janeiro que, na notícia em análise, é utilizado durante o proferimento da nota pé, momento em que os âncoras Chico Pinheiro e Ana Paula Araújo comentam o assunto com Cecília Malan, aparecendo em um grande telão, usado de forma a articular esses dois espaços internos. Os enquadramentos adotados são, portanto, um plano fechado e um plano aberto. Além do telão, no estúdio do BDB, aparece ainda uma bancada transparente com cadeiras pretas nas quais os apresentadores estão sentados. Sobre a bancada, podem-se ver os teclados brancos de dois computadores e, ao fundo, um painel em cor, predominantemente, marrom com listras. Já o espaço externo é a Praça São Pedro, no Vaticano, local tomado por milhares de fiéis e por onde o Papa Francisco desfila em um pequeno carro branco e aberto rodeado por seguranças. Nesse espaço, podem ser visualizadas as edificações no entorno da Praça, em formato circular e com muitas colunas, um conjunto de estruturas brancas baixas, destinado a isolar os fiéis, um grande telão, ao fundo da Praça, no qual as imagens da TV Vaticano são transmitidas, além de árvores altas atrás dos prédios e o céu azul com algumas nuvens. As imagens são exibidas em duas perspectivas: a da família, através de gravação via celular, e a do cinegrafista da TV Vaticano, localizado em cima do carro Papal. Cabe ressaltar que a notícia do H1 recorreu a uma estrutura espacial mais complexa, utilizando também os espaços que serviram de pano de fundo ao relato das férias da família da Helena na Itália, incluindo imagens de um passeio, da festa de aniversário da menina, da sala da casa onde a família está hospedada, além daquelas da Praça São Pedro no Vaticano. Já a notícia veiculada pelo BDB recorreu a uma estrutura espacial bastante mais simples para compor a narrativa, utilizando-se apenas da Praça São Pedro, no Vaticano, além dos dois espaços internos, o escritório da RGT em Londres e o estúdio do BDB no Rio de Janeiro. Mais ainda, percebe-se um esforço mínimo por parte da instância de produção para a realização dessa cobertura, já que nenhuma das imagens veiculadas foi captada por equipes de reportagem da RGT, tratando-se de material cedido pela TV Vaticano e pela própria família, restando à RGT somente o trabalho de edição desse material, que tampouco contou com gravação do boletim de passagem da repórter. Vale ainda destacar que, se comparados do

182 ponto de vista sintagmático, existe entre o primeiro e o segundo texto uma diminuição da complexidade espacial.

 Temporalização

Os modelos dos textos das notícias aqui analisadas recorrem a diferentes temporalidades: sua referência temporal é o presente representado pela emissão, ao vivo, dos estúdios e/ou escritórios da RGT; há, ainda, o tempo de feitura da reportagem e da nota vivo, produzidas no passado em relação ao presente da emissão; e há, ainda, o tempo do acontecimento, ou seja, da benção do Papa ao bebê, ocorrida concomitantemente à captação das imagens e sons, mas em um tempo passado em relação à edição da reportagem e da nota vivo. Mesmo assim, o sentido atribuído às narrativas é de atualidade frente ao noticiado: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo H1, o tempo referência é o presente da emissão, representado pela âncora Monalisa Perrone que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 5h58min da manhã, no terceiro e último bloco da edição do telejornal de 28.09.2017, chama a reportagem. O tempo passado, referente à benção do Papa à menina Helena, já se expressa na cabeça da reportagem, quando Monalisa se utiliza de verbo no passado para anunciar o assunto: “Gente, uma goianinha, que acaba de comemorar seu primeiro ano de vida, ganhou um presente inesquecível”. Porém, durante o proferimento da cabeça, a âncora faz uma articulação com o tempo presente do telespectador, referindo-se a sua rotina, quando diz: “essa história é linda, para um pouquinho aí a sua rotina para acompanhar”. Há a predominância de uma temporalidade passada, relativa à benção recebida em relação ao presente da emissão, e, mais ainda, há um passado anterior ao da própria benção, que pode ser percebido quando a repórter, não identificada, narra em off: “a família foi para a Itália para comemorar o aniversário de um aninho da Helena”. Cabe destacar, porém, a existência de uma articulação do tempo passado da benção com o presente da narração feita pela repórter:

As imagens, transmitidas ao vivo pela tevê oficial do Vaticano, mostram o Papa Francisco passando no Papamóvel, em meio à multidão de fiéis na Praça São Pedro. Logo se vê, à esquerda, a Helena erguida pelos braços do pai. O veículo para e a criança passa pelas mãos de um segurança que a leva até o Papa. Ele beija e abençoa Helena. (Repórter não identificada no H1 – 28/09/2017)

183

Essa articulação do passado da benção com o presente da narrativa também ocorre no relato da mãe da Helena: “A gente, na verdade, também deu muita sorte. Então a gente tá muito feliz e muito emocionado até agora. Toda vez que eu vejo o vídeo, eu choro.”. A reportagem apresenta ainda uma outra articulação temporal – a do passado da benção do Papa Francisco à menina Helena com o futuro – quando, na nota pé, proferida por Monalisa Perrone, ela afirma: “a família da Helena deve voltar para Goiânia ainda esta semana”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 2min07s –, dos quais 17s foram ocupados com a enunciação da cabeça pela âncora Monalisa Perrone, 01min45s pela própria reportagem, e 05s pela nota pé; bem como à localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi apresentada como a última matéria do terceiro e último bloco da emissão, sendo exibida às 5h58min. - na notícia 02, nota vivo veiculada pelo BDB, o tempo referência é o presente da emissão, representado pela correspondente internacional Cecília Malan que, ao vivo, em tempo real e simultâneo ao da exibição da emissão, mais precisamente às 8h37min da manhã no Brasil, no quarto bloco da edição do telejornal de 28.09.2017, chama a nota vivo. O tempo passado, referente à benção do Papa Francisco à menina Helena já se expressa na cabeça da nota vivo, quando Cecília Malan se utiliza de verbo no passado e da palavra ontem para anunciar a matéria: “Um bebê brasileiro ganhou um presente abençoado ontem no Vaticano”. A predominância de uma temporalidade passada, referente à benção, em relação ao presente da emissão, segue na narração ao vivo com a exibição das imagens, quando a correspondente internacional diz: “Helena estava com os pais na Praça São Pedro acompanhando a passagem do Papa Francisco. Um segurança levou a menina até o pontífice e ela ganhou um beijo na testa”. Cabe destacar, porém, a existência de uma articulação do tempo passado da benção com um passado anterior, representado pela viagem da família até à Itália, que, embora referido no presente, quando Cecília Malan diz, “a família, que é de Goiás, tá celebrando o primeiro ano de vida da pequena”, corresponde a um tempo anterior ao da própria benção Papal. A nota vivo apresenta também outra articulação temporal – a do passado da benção do Papa Francisco à Helena com o futuro –, quando, na nota pé, a âncora Ana Paula Araújo diz: “história para ser contada e recontada milhões de vezes”. Há ainda que se fazer menção ao tempo total de duração da notícia – de 32s –dos quais 4s foram ocupados com a enunciação da cabeça pela correspondente internacional Cecília Malan, 18s para a narração com imagens, e 10s para a nota pé dos âncoras; bem como à localização temporal da notícia no desenrolar da edição do telejornal – ela foi apresentada

184 como a segunda matéria do quarto bloco da emissão, juntamente com outras notícias internacionais, sendo exibida às 8h37min. Assim, as duas configurações das notícias sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco apresentam a articulação de cinco temporalidades: o presente da emissão diretamente dos estúdios dos telejornais e do escritório da RGT em Londres; o passado da benção do Papa Francisco à menina Helena, na Praça São Pedro, no Vaticano; o passado anterior à benção do Papa, representado pela viagem da família à Itália; o presente/passado da repercussão emocionada da família em relação à oportunidade de a menina ter sido abençoada; e o futuro, representado pela volta da família para o Brasil, trazendo essa história para contar.

 Tonalização

De maneira geral, os dois textos das notícias em análise, devido ao próprio tema central abordado – amor vs desamor – e suas articulações temáticas – sagrado vs profano; bem vs mal; sorte vs azar; afeto vs desafeto; simplicidade vs complexidade; pureza vs impureza; poder vs submissão, entre outros – estão impregnados por um tom geral de reverência, que se articula com outros tons, tais como os de afetuosidade, comemoração, curiosidade, incredulidade. Há, não obstante, particularidades no que concerne a cada uma das notícias que merecem destaque: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo H1, o acontecimento é definido pela âncora como lindo e inesquecível para a família envolvida; além disso, o telespectador é diretamente convidado a assistir a reportagem quando Monalisa diz: “[...] essa história é linda, para um pouquinho aí a sua rotina para acompanhar”. - na notícia 02, nota vivo veiculada pelo BDB, o destaque é conferido à benção enquanto presente de aniversário de Helena, quando Cecília Malan diz: “um bebê brasileiro ganhou um presente abençoado ontem no Vaticano”. O tom de incredulidade torna-se evidente na nota pé, pelas palavras do âncora Chico Pinheiro: “[...] guardar a imagem, essa imagem...”. Nos dois textos em análise, o tom de encantamento perpassa as notícias sendo explicitado pela família e compartilhado pelos demais atores ligados à RGT.

7.2.3.2.6 Análise intertextual de caráter sintagmático

185

As notícias sobre o mesmo acontecimento, veiculadas sob duas diferentes configurações, respectivamente nas edições dos telejornais H1 e BDB do dia 28.09.2017, embora apresentem um mesmo enfoque editorial, caracterizam-se, do ponto de vista de sua relação sintagmática, por um movimento de enxugamento da segunda em relação à primeira, no que concerne à variedade de articulação de diferentes atores, tempos e espaços mobilizados para compor suas narrativas. Essa linha decrescente, que vai de um maior a um menor detalhamento, pode ser verificada através da comparação sequencial das duas veiculações, atestando uma perda do status de noticiável desse acontecimento durante essa cadeia temporal de ordem sintagmática. A primeira veiculação, a reportagem exibida pelo H1, contemplou duas sonoras dos pais da Helena, a locução de uma repórter que, apesar de não ser identificada, estruturou a narrativa, além da âncora Monalisa Perrone. Na reportagem, foram utilizadas imagens das férias da família na Itália, da festa de aniversário da menina Helena, além daquelas referentes à benção do Papa Francisco à Helena na Praça São Pedro, no Vaticano sob duas perspectivas: a da família, via celular, e a da TV Vaticano, via imagens cedidas pela emissora. Como a benção Papal havia ocorrido no dia anterior, e tratava-se de acontecimento ameno em relação ao padrão do noticiário tradicional, a matéria sobre o acontecimento não só perdeu importância no telejornal subsequente, como desapareceu, posteriormente, dos demais telejornais da emissora. Cabe ainda examinar essas duas veiculações em outro tipo de relação sintagmática: aquela que elas contraem com as notícias que as precederam e/ou sucederam no próprio corpo de cada edição dos telejornais: - na notícia 01, reportagem veiculada pelo H1, a apresentação da notícia sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco foi precedida por uma nota coberta sobre os resultados dos jogos de futebol na rodada da série B do Campeonato Brasileiro, com duração de 30s, produzida pelas equipes da cobertura esportiva da RGT. A notícia sobre a referida benção Papal foi sucedida pelo encerramento da edição do telejornal H1 em 28.09.2017. Percebe-se, assim, a existência de uma preocupação por parte da instância de produção, representada pela equipe de jornalistas do H1, em atribuir um sentido maior ao roteiro do programa, ou seja, à ordenação da exibição das matérias, já que essa reportagem em análise foi veiculada no encerramento da edição, suavizando o tom e finalizando a emissão do programa com assunto agradável e prazeroso ao telespectador. - na notícia 02, nota vivo veiculada pelo BDB, a apresentação da notícia sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco foi precedida por uma nota vivo sobre a

186 tentativa do governo espanhol de impedir o plebiscito pela independência da Catalunha, com duração de 54s, produzida pela equipe da RGT em Londres na Inglaterra, tendo sido essa matéria veiculada também pela edição do JN no mesmo dia. A notícia da benção Papal foi sucedida por uma reportagem sobre o socorro aos moradores de Porto Rico que sofriam as consequências dos prejuízos causados por dois furacões, reportagem com 2min25s de duração, produzida pela equipe de profissionais da RGT nos Estados Unidos. Verifica-se, assim, a preocupação da instância de produção com o encadeamento de sentidos na roteirização dessa sequência da edição do telejornal, concentrando o noticiário internacional da edição neste bloco e, ainda, utilizando-se da apresentação da correspondente internacional Cecília Malan para o proferimento das cabeças.

7.2.3.3 Comparação dos dados obtidos

As notícias sobre a Votação do Supremo Tribunal Federal sobre ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, exibidas nas edições dos telejornais JN e JG no dia 27.09.2017, e do H1 no dia 28.09.2017, apresentaram os principais argumentos contrários à manutenção do ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras, conferindo destaque a apenas um favorável a essa manutenção, via veiculação de um trecho do voto da presidente do STF, Cármen Lúcia, que, em um discurso atrapalhado, afirmou não ver inconstitucionalidade no ensino religioso confessional, nas escolas públicas brasileiras, desde que se mantivesse seu caráter facultativo. Ao selecionar os trechos dos votos dos ministros que vão ser mobilizados para compor a narrativa, a RGT, enquanto instância enunciativa maior, confere contornos ao seu próprio posicionamento em relação ao tema que, no caso em análise, demonstra sua contrariedade em relação à manutenção da legislação que permite o ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras, razão pela qual possivelmente destina um espaço de tempo maior na reportagem para a apresentação dos votos que sustentam esse posicionamento. Além disso, a notícia 01, reportagem veiculada pelo JN, e as notícias 02 e 03, notas cobertas veiculadas pelo JG e H1, utilizam-se dos mesmos atores em suas configurações, um reducionismo detectável nas três notícias analisadas, tendo sido descartada pela RGT a possibilidade de dar voz a outras fontes, como religiosos ou até pesquisadores, que poderiam ter sido acionados para garantir maior amplitude de posicionamentos aos textos. A forma de expressão dos textos das notícias nas três conformações aqui analisadas é pouco atraente ao telespectador, visto que o plenário do STF é o principal espaço das

187 narrativas. A perspectiva é de quem assiste à votação de cima, um posicionamento de câmeras definido pela equipe da TV Justiça, já que as imagens utilizadas pela RGT foram cedidas pela emissora oficial do STF. Dessa forma, o interesse a ser despertado no telespectador, tanto pela reportagem quanto pelas notas cobertas, fica a cargo do confronto de argumentos entre os ministros, muito mais do que por quaisquer atrativos que as imagens possam revelar, já que não há uma grande variedade de elementos visuais. Esses argumentos se expressam pelo uso de uma linguagem oral formal, característica dos magistrados, que é suavizada, apenas, pela narração do repórter Marcos Losekann em uma linguagem mais próxima da coloquial, e, por conseguinte, mais acessível ao público telespectador em geral. Assim, a sustentação desse acontecimento enquanto reportagem no JN de 27.09.2017, nota coberta no JG de 27.09.2017, e nota coberta no H1 de 28.09.2017, parece estar vinculada ao debate latente na sociedade sobre a laicidade do Estado e os espaços apropriados para manifestações religiosas, residindo a discussão em serem as escolas públicas locais adequados, ou não, para oferta desse tipo de ensino. Além disso, há a evidente relação intertextual, entre as notícias em análise e o texto legislativo em debate pelo STF. A sustentação desse tema, por parte dos telejornais JN, JG e H1, de 27.09.2017 e 28.09.2017, está vinculada a dois fatores: (a) a possibilidade de alteração na legislação sobre o ensino religioso confessional em escolas públicas brasileiras; e (b) a polêmica gerada socialmente em relação às práticas de diferentes doutrinas religiosas e os espaços apropriados para essa finalidade. Nas edições analisadas do JN de 27.09.2017, JG de 27.09.2017 e H1 de 28.09.2017, 05 acontecimentos, transformados em notícias, foram reconfigurados em algumas, mas não em todas as edições dos telejornais apresentados pela emissora. As notícias sobre quatro dos cinco acontecimentos repetidos algumas vezes nas edições dos telejornais analisados têm abrangência internacional, sendo referentes: - à explosão de um depósito de armamentos na Ucrânia, veiculada pelo JN de 27.09.2017 e pelo H1 de 28.09.2017; - à morte do criador da revista Play Boy, veiculada pelo JG de 27.09.2017, pelo BDB de 28.09.2017, pelo JH de 28.09.2017 e pelo JN de 28.09.2017, não sendo exibida pelo telejornal H1; - aos prejuízos enfrentados por Porto Rico depois da passagem de dois furacões, veiculado pelo H1 de 28.09.2017 e pelo BDB de 28.09.2017; - e, ao bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco no Vaticano, veiculado pelo H1 de 28.09.2017 e pelo BDB de 28.09.2017.

188

Já o outro acontecimento transformado em notícias e repetido em algumas das edições analisadas nesta etapa da pesquisa é o aumento do número de vagas temporárias de trabalho no Brasil, veiculado pelo JG de 27.09.2017 e BDB de 28.09.2017. Já as notícias sobre o Bebê brasileiro que recebeu a benção do Papa Francisco, exibidas nas edições dos telejornais H1 e BDB, no dia 28.09.2017, apresentaram, em suas conformações, informações básicas que, de acordo com os manuais, devem constar em narrativas jornalísticas, negligenciando apenas a referência à equipe de reportagem responsável pela produção da notícia, informação omitida na veiculação da reportagem no H1. As formas de expressão dessas notícias, através da utilização de vídeos captados por celular pela família do bebê e, também, pela utilização das imagens cedidas pela TV Vaticano, é bastante atraente já que mostra, com exatidão, a sequência de ações que levam a Helena a ser beijada e abençoada pelo Papa: desde o momento em que a menina aparece erguida pelos braços do pai em meio à multidão de fiéis na Praça São Pedro no Vaticano, até àquele em que é carregada pelo segurança do Papa até o papamóvel, e, em seguida, beijada e abençoada pelo Papa Francisco. Não obstante, essa sequência de atos é registrada sob duas perspectivas, a da família, pelo celular, e a da emissora de televisão do Vaticano, o que proporciona ao telespectador da RGT dois ângulos diferentes de visão sobre o acontecimento. Não existe diferença entre o tamanho da imagem produzida pelo celular e daquela produzida pela TV Vaticano, não havendo, portanto, a necessidade de preenchimento de espaços vazios na tela. Cabe ainda ressaltar que a sustentação desse tema por parte dos telejornais H1 e BDB de 28.09.2017 está vinculada a dois fatores: (a) a identificação nacional dos telespectadores com os atores envolvidos na narrativa, ou seja, o fato do bebê abençoado pelo Papa ser brasileiro; e (b) a possibilidade de comprovação da benção Papal mediante a utilização de vídeos de celular e das imagens da TV Vaticano. Faz-se relevante considerar ainda que a reportagem, em análise, foi veiculada no H1 como a última notícia da edição do telejornal, com o intuito evidente de encerrar o programa com uma notícia alegre, leve, em que a protagonista é uma criança e que provoca o sentimento de empatia no telespectador que está iniciando sua jornada diária de atividades no horário da exibição do programa. Nas edições analisadas do H1 de 28.09.2017 e do BDB de 28.09.2017, 05 acontecimentos, transformados em notícias, foram reconfigurados em algumas, mas não em todas as edições dos telejornais da RGT. As notícias de três dos cinco acontecimentos

189 repetidos algumas vezes nas edições dos telejornais analisados nesta pesquisa têm abrangência internacional, sendo referentes: - à explosão de um depósito de armamentos na Ucrânia, veiculada pelo JN de 27.09.2017 e pelo H1 de 28.09.2017; - à morte do criador da revista Play Boy, veiculada pelo JG de 27.09.2017, pelo BDB de 28.09.2017, pelo JH de 28.09.2017 e pelo JN de 28.09.2017, não sendo exibido apenas pelo telejornal H1; - aos prejuízos enfrentados por Porto Rico depois da passagem de dois furacões, veiculados pelo H1 de 28.09.2017 e pelo BDB de 28.09.2017. Já os outros dois acontecimentos transformados em notícias e repetidos em algumas das edições analisadas nesta etapa da pesquisa são: - a votação do STF sobre a oferta de disciplinas de ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras, veiculada pelo JN de 27.09.2017, JG de 27.09.2017 e H1 de 28.09.2017; - e, o aumento do número de vagas temporárias de trabalho no Brasil, veiculado pelo JG de 27.09.2017 e BDB de 28.09.2017. A partir dos dados apresentados, a comparação das notícias com veiculação em algumas edições dos telejornais da RGT, especificamente no JN de 27.09.2017, JG de 27.09.2017, no H1 de 28.09.2017 e no BDB de 28.09.2017, demonstra a existência de uma linha decrescente de complexidade dos dispositivos discursivos mobilizados para a actorialização, espacialização e temporalização das notícias repetidas em algumas edições, na medida em que os assuntos passam da sua primeira veiculação para as seguintes, até desaparecerem dos telejornais. Tudo indica que, por não terem características de noticiabilidade suficientes para sua manutenção na cadeia sintagmática, esses temas, exibidos em apenas algumas edições de telejornais, vão sendo substituídos por outros mais recentes e com maior caráter de noticiabilidade, até a sua saída definitiva dos noticiários.

190

8 APONTAMENTOS FINAIS

A reapresentação/reconfiguração dos textos das notícias sobre os mesmos acontecimentos, de uma edição para outra dos telejornais, tornou-se uma prática comum adotada pelas emissoras de televisão brasileiras, em especial pela RGT. Essa repetição, levada à exaustão, mesmo que o acontecimento já tenha se esgotado, se deve a diferentes razões: a principal delas diz respeito à pretensão de veiculação de uma programação padronizada, em escala nacional, transmitida a todos os cantos do país via sinais de micro-ondas e satélites, tendo sido esse o motivo da criação de uma agenda nacional de acontecimentos, selecionados pelas emissoras por serem julgados relevantes para todos os brasileiros, e, por isso, transformados em notícias e reiterados em diferentes edições de telejornais. Ora, essa estratégia editorial, lançada oficialmente pelo JN em 1969, foi, à época, amplamente publicizada por representar um benefício à integração nacional, sonhada pelo governo militar (REZENDE, 2010). Somente essa aspiração de estabelecimento de uma pauta nacional já abriu, sozinha, o caminho rumo à ampla repetição de notícias pelos diversos telejornais distribuídos na grade de programação das emissoras, especialmente na da RGT. Aliás, corrobora com essa pretensão, o modelo de negócio adotado pela televisão brasileira, estritamente comercial, em que as empresas privadas, que têm por objetivo o lucro, administram, muitas vezes reduzindo, os custos de produção. Agregue-se a esses fatores, o entendimento por parte da televisão – amparado por diversas pesquisas sobre os hábitos de consumo televisual – de que os telespectadores, por terem outros compromissos em suas rotinas diárias, não assistem a todos os telejornais, o que justificaria a repetição dos principais assuntos em diferentes edições de um mesmo dia. A necessidade de otimização de recursos, seja de equipamentos, profissionais, meios de transporte, etc., para a produção de notícias, estimula o estabelecimento da prática da reconfiguração dos mesmos materiais, às vezes captados, in loco, em uma única ocasião, pela equipe de reportagem, para posteriormente, serem conformados de diversas maneiras e veiculados em mais de um telejornal. Essa reutilização de imagens, sonoras, passagens em novas configurações de notícias, ou, até mesmo, a mera repetição da mesma conformação em mais de um telejornal, acentua, no telespectador, a sensação de estar assistindo sempre à mesma notícia. Agregue-se a isso, a velocidade com a qual as notícias precisam ser produzidas, já que poucas horas distanciam uma emissão da outra, e, assim, a exibição de um

191 telejornal com matérias absolutamente novas vai se tornando uma intenção cada vez mais difícil de ser alcançada. Cabe destacar que essa agenda de notícias não é estática, ela movimenta-se e varia de acordo com o tempo social vivenciado e com a excitação provocada por determinados acontecimentos (CALABRESE, 1987). A análise empreendida por esta pesquisa demonstrou que, no período selecionado, as notícias mais vezes repetidas pela RGT referiam-se, prioritariamente, a acontecimentos ocorridos em dois âmbitos: (1) político/jurídico, representado pela insistente veiculação de notícias sobre os processos em andamento na justiça que investigam o envolvimento de políticos do alto escalão em casos de corrupção, relacionados, principalmente, com a Operação Lava Jato. Além disso, foram repetidas nos telejornais, notícias sobre a agenda do presidente da República e sobre votações, na Câmara dos Deputados, a respeito do desenrolar das propostas de reformas – política, previdenciária, trabalhista – apresentadas pelo governo de Michel Temer. Essas notícias referem- se a acontecimentos ocorridos, na maioria das vezes, em Brasília e/ou em Curitiba; (2) segurança pública, representado pela insistente veiculação de notícias sobre os índices de criminalidade, a insegurança nas favelas do Rio de Janeiro, além de notícias sobre casos de violência em outros estados brasileiros. Essas notícias referem-se a acontecimentos ocorridos, na maioria das vezes, no Rio de Janeiro. A instância de produção dos telejornais, durante a seleção das pautas a serem veiculadas, reage de maneira diferente diante de acontecimentos pertencentes à agenda nacional, considerando obrigatória sua veiculação em todas as edições, mesmo que o assunto já tenha sido veiculado em telejornais anteriores, e até mesmo se esgotado; nem que a única justificativa para a sua manutenção na cadeia sintagmática representada pelos diferentes telejornais seja, simplesmente, a preservação da própria agenda. A repetição de notícias sobre os mesmos fatos/acontecimentos, em todas as edições dos telejornais analisados nesta pesquisa, ocorre a partir de três operações narrativas: 1) o acréscimo, através da justaposição de desdobramentos do acontecimento principal noticiado, o que implica uma linha crescente no desenvolvimento dos dispositivos discursivos/expressivos – principalmente os de actorialização, espacialização e temporalização –, justificada pela descoberta de novos fatos relacionados ao acontecimento que, então, vão sendo acrescentados de uma narrativa para as seguintes; 2) o mero rearranjo do material já produzido e esgotado em sua primeira veiculação, o que implica uma

192 rearticulação dos dispositivos discursivos/expressivos – principalmente os de actorialização, espacialização e temporalização – para que a notícia pareça diferente das demais sobre o mesmo assunto; e 3) a repetição, tal e qual, da notícia sobre o assunto já veiculada em edição anterior. Nas reconfigurações que implicam uma linha crescente de complexificação dos dispositivos discursivos/expressivos, as notícias são conformadas com o acréscimo e a articulação de uma maior variedade de atores, espaços e tempos, além de uma crescente pluralidade de pontos de vista ao longo da cadeia sintagmática representada pelos cinco telejornais. A RGT, através de seus programas, ao tratar, por exemplo, da temática vida vs morte, como no caso das matérias sobre a Guerra na Rocinha, potencializa a sensação de insegurança, e até de pânico, ao apresentar todos os repórteres envolvidos na cobertura vestindo coletes à prova de balas, mesmo que, em volta deles, moradores aparecessem nas imagens seguindo suas rotinas sem demonstrar o mesmo receio. Assim, além de criar efeitos de veridicção e de perigo, a emissora promove também a si (CASTRO, 2009), pois essa vestimenta demonstra o risco que correm seus repórteres para realizar a cobertura e trazer a informação correta ao telespectador. Já nos meros rearranjos e reconfigurações do material, embora as notícias sejam conformadas com igual complexidade de atores, espaços e tempos, não só os apresentadores são diferentes, como, muitas vezes, também os repórteres; elas, não obstante, não apresentam uma pluralidade de pontos de vista ao longo da cadeia sintagmática representada pelos telejornais. No caso analisado, sobre a Carta de Palocci, a dificuldade de realizar uma interpretação correta sobre o atual cenário político brasileiro, e/ou a intenção de omitir seu posicionamento, fez com que a RGT, através dos seus telejornais, tenha se abstido de conferir maior complexidade à narrativa, não buscando outros atores sociais que garantiriam pluralidade de perspectivas ao texto das notícias, evitando comprometimento. Fica, portanto, clara a dinâmica adotada pela emissora, na qual diferentes atores, e seus posicionamentos em relação ao acontecimento narrado, são articulados não só com o intuito de expressarem sua versão sobre os fatos, mas também com aquele de conferir contornos ao próprio posicionamento da emissora, quando a ela interessa e/ou é permitida a explicitação dessa opinião. Ora, convenha-se que dentre as notícias analisadas, um posicionamento contrário à violência no Rio de Janeiro é unanimidade, o que nem sempre é tão bem aceito quando se trata de corrupção, envolvendo os poderosos. Ainda sobre a repetição de notícias com a apresentação de uma linha contínua de complexidade dos dispositivos discursivos/expressivos, cabe destacar outro acontecimento

193 narrado pelos telejornais, porém não analisado por esta pesquisa: a indicação da RGT ao Prêmio Emmy Internacional, que foi repetida em cinco edições consecutivas, com claro objetivo autopromocional. A repetição de notícias não reconfiguradas, que implicam tão somente a troca dos âncoras, embora as reportagens sejam as mesmas, também acontecem de forma significativa, estando muitas vezes na dependência do horário de apresentação do telejornal, tendo sido verificadas com maior frequência nos telejornais JG e H1. A análise revelou as relações que esses dois telejornais estabelecem entre si no reaproveitamento dos materiais captados para composição das notícias. Ambos possuem suas redações integradas na sede da RGT em São Paulo e são veiculados em horários ermos de audiência: no início e no fim da madrugada. Assim, a RGT planeja as matérias a serem exibidas por esses dois programas acreditando na renovação natural da audiência, ou seja, em que os telespectadores que assistiram ao JG não estarão em frente à televisão no horário do H1. Essa crença justifica a repetição, em sua forma mais genuína, das mesmas conformações das notícias nesses dois telejornais, prática não tão frequentemente detectada nos demais telejornais analisados pela pesquisa. As notícias repetidas em algumas, mas não em todas as edições de telejornais, decrescem em termos de complexidade no que concerne à articulação dos dispositivos discursivos de actorialização, espacialização e temporalização, ao longo da cadeia sintagmática representada pelos programas, até desaparecerem dos telejornais. Assim, nesses casos, a primeira veiculação do acontecimento em forma de notícia ocorre de forma mais complexa – apresentando maior diversidade de atores, espaços e tempos – do que as conformações subsequentes. Aliás, pôde-se observar que as reconfigurações seguintes são adaptações reduzidas daquela já veiculada, sem variação de atores sociais e tampouco de posicionamentos. As análises empreendidas nesta pesquisa demostram que a perda do status de noticiável de um acontecimento faz com que a notícia sobre ele seja substituída por outras, ao longo da cadeia sintagmática, até que desapareça da grade. O teor de noticiabilidade desses acontecimentos fragiliza-se, às vezes porque o impacto do acontecimento é menor do que o imaginado pela instância de produção, às vezes porque outros assuntos apresentam noticiabilidade mais consistente. Há ainda a possibilidade de o acontecimento ser considerado esgotado pela instância de produção, não necessitando, assim, de novas reconfigurações. Temáticas nacionais e internacionais, de menor repercussão e/ou com consequências não tão impactantes à coletividade, foram, curiosamente, as mais narradas nas notícias

194 veiculadas em algumas (mas não em todas) as edições dos telejornais analisados, como se eles necessitassem preencher espaços vazios no roteiro do programa. Há, ainda, as notícias de veiculação única, ou seja, as não repetidas de uma edição para outra dos telejornais. Mesmo que, para alguns formatos como o JN e o JG, as notícias não repetidas representem a menor porcentagem do total de notícias veiculadas em cada edição, ainda assim, elas têm grande importância por atribuírem singularidade às edições, diferenciando-as das demais que compõem a cadeia sintagmática representada pela sequência dos cinco programas. Através de veiculações únicas, os acontecimentos regionais, nacionais e internacionais, que não estão na chamada agenda nacional estabelecida pela emissora, mas que chamam atenção por corresponderem a alguns critérios de noticiabilidade, ganham oportunidade de exibição. E é a relação dessas notícias, de veiculação única, com aquelas insistentemente repetidas, que dá contornos a cada um dos formatos dos telejornais existentes na grade de programação da RGT. Cabe destacar que as notícias de veiculação única possuem, de acordo com os resultados obtidos por esta pesquisa, formas de expressão bastante atraentes, utilizando-se, em suas conformações, de imagens bonitas, cuidadosamente captadas pelas equipes de reportagem, ou, em alguns casos, precariamente gravadas, como as produzidas via celular, mas surpreendentes pelos flagrantes que revelam ao telespectador. Tudo leva a crer que exista um critério de seleção, relativo às notícias de veiculação única, que considera o potencial das imagens em despertar o interesse da audiência, algo que compensaria a falta de características consistentes de noticiabilidade que sustentassem a matéria em mais de uma veiculação em rede nacional, mas, que garantiriam, pela atratividade, a veiculação em única edição. Ainda em relação às imagens gravadas através de celulares, cabe destacar que, para a RGT, a relevância do que as imagens mostram prevalece sobre possíveis divergências entre formatos e dimensões das telas – da televisão e do celular –, não impedindo que os vídeos gravados pelos aparelhos celulares sejam veiculados em notícias, mesmo que não tenham sido gravados na horizontal, como a emissora passou a orientar os telespectadores em seus telejornais. A expressão de regionalismos como, por exemplo, o sotaque na narração dos repórteres, é mais frequente (e talvez mais permitido) em notícias de veiculação única. As duas reportagens analisadas por esta pesquisa registraram o uso do vocabulário regional e o sotaque dos atores, já que as notícias foram produzidas por equipes de reportagem das afiliadas da RGT. Diferentemente das notícias que compõem a agenda nacional, frequentemente produzidas pelas equipes alocadas nas mais importantes cidades do país, as de

195 veiculação única, principalmente as regionais, carregam narrativas contadas em diferentes ritmos, com uma maneira de dizer própria do local em que foram produzidas. A instância de produção busca, sempre que possível, estabelecer vínculos entre as notícias regionais e as outras, de relevância nacional. Assim, além de dar maior sustentabilidade à matéria na edição do telejornal, agregando, pela relação mantida com a outra, maior potencial de noticiabilidade, também torna o roteiro do telejornal agradável ao telespectador, promovendo, preferencialmente, alterações suaves entre as temáticas. A pesquisa identificou maior disponibilidade de espaço para exibição de notícias de veiculação única no formato adotado pelo Hora 1 da Notícia, que também registra uma veiculação mais numerosa de notícias regionais. As razões que justificam essa particularidade do H1 são, possivelmente, o espaço de relevância que ele ocupa na hierarquização dos diferentes telejornais da RGT, bem como seu horário menos privilegiado de exibição, o que significa menor audiência em relação aos demais telejornais, e o que o leva a lançar mão do trabalho das afiliadas para preencher as suas edições. Fica evidente que ao H1 é destinado um menor investimento em recursos de produção, representados por equipes de reportagem exclusivas para este programa. Ainda sobre as notícias não repetidas, e, talvez, o mais importante a ser dito sobre elas, é que tratam de acontecimentos que não necessitam de veiculação imediata. Notícias como essas – de caráter regional ou não –, podem ser publicadas em qualquer edição de telejornal em um dado período de tempo, podendo também ficar guardadas no banco de reserva de matérias publicáveis em qualquer dia no caso de falta de outros acontecimentos relevantes. Cada telejornal, possuindo seu próprio banco de reservas, e não o compartilhando com os demais telejornais, armazena, e posteriormente veicula, assuntos eleitos por ele como relevantes, em avaliações que são singulares de cada formato, obedecendo, também, a diferentes linhas editoriais. Assim, é esta uma das maiores vigas de sustentação das diferentes identidades adotadas pelos formatos, ou seja, aquilo que apenas um telejornal dispõe-se a publicar. Há ainda que se destacar a relação intertextual muitas vezes contraída pelas narrativas factuais do texto das notícias com outras de caráter ficcional, na cadeia sintagmática representada por toda a grade de programação da emissora. Por piores que sejam os fatos relatados nas notícias dos telejornais, a referência que fazem à dramaturgia da emissora demonstra o uso autopromocional que a RGT faz delas. Seja a narrativa jornalística positiva, como no caso da reportagem sobre a Lenda do Boto, seja ela negativa, como no caso das notícias sobre a Guerra na Rocinha, a referência que os textos das notícias fazem à telenovela

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A Força do Querer valorizam não só a pertinência do conteúdo da própria novela, como o do telejornal, já que, tratando-se de ficção, seu vínculo com a realidade, ou seja, sua possibilidade de ocorrência real é comprovada pelos telejornais. É possível verificar uma relação entre a repetição de notícias pela televisão e a publicação de notícias em páginas na internet. A reiteração de notícias sobre determinados acontecimentos por parte dos telejornais, seja com o intuito de atualizá-los ou apenas de relembrar o telespectador sobre sua existência, parece estar vinculada à necessidade de oferecer as principais notícias quase em tempo integral, como o faz a internet. Ao acessar um portal de notícias via computador, a qualquer momento o usuário pode consumir textos sobre as notícias consideradas mais importantes. Competir com essa livre oferta é um dos desafios atuais da televisão. A repetição insistente de determinadas notícias parece caminhar nessa direção, a de oferecer aquilo considerado o mais importante, periodicamente, com o objetivo de dar a conhecer a informação na hora mesma em que o telespectador consome televisão. As consequências dessa prática são sentidas pelos telespectadores mais assíduos que acabam por assistir sempre às mesmas coisas. A estética da repetição (CALABRESE, 1987), representada pela adoção, por parte dos telejornais, de formatos que se constituem em variações sobre idêntico, apresentando narrativas que conformam o texto das notícias de forma estruturalmente bastante semelhantes, nas quais os atores, por mais variados que sejam, desempenham sempre as mesmas funções, corrobora essa sensação de repetição já provocada pelas próprias notícias. No entanto, é preciso admitir que a permanente variação na veiculação de notícias seria de difícil absorção por parte dos telespectadores que, normalmente, dividem a atenção entre a programação e outras atividades. Assim, para que a repetição não seja tão exaustiva, há que se chegar a um ponto de equilíbrio entre a novidade e a repetição. Mesmo diante dos resultados aqui alcançados, as questões formuladas podem ser bastante mais investigadas para então se alcançarem respostas mais definitivas, especialmente as referentes à influência da internet na prática de reiteração de notícias pela televisão. E, ao considerarmos que a análise da cadeia sintagmática das notícias realizada por esta pesquisa foi interrompida no período de 24h, outra possibilidade de estudo futuro é a investigação da dinâmica subsequente, que vai da primeira até a última veiculação de notícias sobre o mesmo acontecimento e seu posterior desaparecimento das edições dos telejornais. Há que se considerar ainda a pertinência de um estudo comparativo de configurações de notícias sobre os mesmos acontecimentos realizadas por diferentes emissoras de televisão. Mas esses são objetos de investigações futuras.

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