Tectónica E Sismicidade Na Ilha Do Faial Eosismo De 9 De Julho De 1998

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Tectónica E Sismicidade Na Ilha Do Faial Eosismo De 9 De Julho De 1998 TECTÓNICA E SISMICIDADE NA ILHA DO FAIAL EOSISMO DE 9 DE JULHO DE 1998 JOSÉ MADEIRA &ANTÓNIO BRUM DA SILVEIRA Madeira, J. & Brum da Silveira, A. (2007), Tectónica e sismicidade na ilha do Faial e o sismo de 9 de Julho de 1998. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 61-79. Sumário: Tal como as restantes ilhas dos grupos central e oriental, o Faial encontra-se sujeito a fenómenos sísmicos frequentes. Umas vezes tratam-se de abalos com origem distante, outras são sismos próximos, ocasionalmente causando destruição e vítimas. Desde a época do povoa- mento até ao início do século XX a ilha esteve preservada da destruição sísmica. Somente em 1920, 1924, 1926, 1958 e 1998 a população do Faial se viu confrontada por terramotos ou crises sísmicas com efeitos destrutivos. Contudo, a morfologia da ilha está marcada pelas cica- trizes de numerosos eventos sísmicos de magnitude moderada a alta. A leitura do registo geoló- gico, através das técnicas da neotectónica e da paleossismologia, revelou a ocorrência de eventos sísmicos concentrados no tempo, com aquelas concentrações separadas por períodos da ordem dos 500 anos. Esse intervalo de tempo é compatível com o período que decorreu entre o início do povoamento e o século passado (cerca de 470 anos), após o qual se verificou uma concentração de sismos ou enxames sísmicos num período de cerca de 80 anos. O mais recen- te destes eventos, o sismo de 9 de Julho de 1998, foi um dos mais destrutivos. Descrevem-se os seus efeitos no património construído e as alterações físicas do terreno que desencadeou. Final- mente tecem-se algumas considerações sobre o risco sísmico na ilha do Faial e no arquipélago em geral. Madeira, J. & Brum da Silveira, A. (2007), Tectonics and seismicity in the Island of Faial (Azores) and the 9th of July 1998 earthquake. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 61-79. Summary: Like the remaining islands in the central and eastern groups of the Azores, Faial is subject to frequent earthquakes. Sometimes those are distant events without any consequences for the island; however, the island is occasionally struck by local earthquakes that, in some cases, cause destruction and casualties. Since settlement, in mid 16th century, until the beginning of the 20th century, Faial has been preserved from destruction by earthquakes. But in 1920, 1924, 1926, 1958 and 1998 the population of the island was confronted with destructive earthquakes and seismic swarms. However the island’s morphology is marked by the scars of numerous seismic events of moderate to high magnitude that affected its topography in pre-historic times. Reading the geologic record through the use of neotectonic and paleoseis- mology techniques revealed the occurrence of clusters of earthquakes in time. The clusters are 62 Boletim do Núcleo Cultural da Horta separated by periods of the order of 500 years. That time interval is comparable to the period since the settlement and the beginning of the last century (approximately 470 years), after which a cluster of earthquakes and seismic swarms occurred in about 80 years. The most recent of those events, the earthquake of the 9th of July, 1998, was one of the most destructive. Its effects on the buildings and infrastructures and the physical modifications caused in the topography of Faial are described. Finally, some considerations on the seismic hazard and risk in the island of Faial and the Azores archipelago are made. José Madeira e António Brum da Silveira – Departamento de Geologia da Faculdade de Ciên- cias da Universidade de Lisboa e LATTEX – Laboratório de Tectonofísica e Tectónica Experi- mental. Edifício C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. Palavras-chave : Faial, Açores, neotectónica, paleossismicidade, sismicidade histórica, risco sísmico. Key words: Faial, Azores, neotectonics, paleoseismicity, historic seismicity, seismic risk. INTRODUÇÃO Pelo seu enquadramento e evolução relevo da ilha. Numerosas vertentes geodinâmica, condicionada pela loca- de forte declive, designadas por «es- lização no contexto das placas litosfé- carpas de falha», reflectem a defor- ricas e tipo de interacção entre placas, mação superficial acumulada produ- o arquipélago dos Açores encontra-se zida em falhas que geraram suces- sujeito a sismicidade frequente e a sivos eventos sísmicos, em período vulcanismo activo. Os eventos sísmi- anterior ao povoamento, com rotura cos sentem-se em todo o arquipélago, superficial e de magnitude moderada mas são mais frequentes e de magni- a alta (M >6). tude mais elevada nas ilhas dos gru- Apenas no século XX ocorreram sis- pos central e oriental. Na ilha do Faial a actividade sísmica mos significativos na ilha do Faial. desde o povoamento, em meados do Os eventos em causa foram sismos ou século XVI, até ao início do século crises sísmicas de natureza tectónica XX foi pouco importante e esteve (sismo de 9 de Fevereiro de 1924; relacionada, fundamentalmente, com crise de Abril a Setembro de 1926, fontes sísmicas distantes. Contudo, a com o sismo principal a 31 de Agosto; expressão morfológica da actividade sismo de 9 de Julho de 1998) e a crise sismotectónica está bem patente no sismo-vulcânica associada à erupção José Madeira & António Brum da Silveira 63 dos Capelinhos (veja-se SILVA, 2005; neotectónica, da paleossismicidade e 2007, neste volume). da sismicidade histórica da ilha do Neste trabalho apresentam-se e rela- Faial, incluindo a descrição dos efei- cionam-se os principais aspectos da tos do sismo de 1998. ENQUADRAMENTO TECTÓNICO DO ARQUIPÉLAGO Os Açores localizam-se na região cana. O movimento relativo é de onde ocorre a junção tripla entre três cerca de 0,3 a 0,5 cm/ano (MADEIRA, placas tectónicas: as placas Ameri- 1998; MADEIRA &BRUM DA SILVEIRA, cana, Eurasiática e Africana. As ilhas 2003), os quais são acomodados no do Grupo Ocidental, Flores e Corvo, vasto conjunto de falhas que recorta foram edificadas sobre a placa Norte- a Plataforma dos Açores. Como este -Americana, a qual é limitada a Este sector da fronteira de placas é oblíquo pelo vale central (rifte) da Crista Mé- à direcção de expansão do fundo dia Atlântica. Para oriente desta fron- oceânico, a movimentação é também teira situam-se as placas da Eurásia e oblíqua, apresentando componentes África, separadas pela Falha Açores- de desligamento e de abertura. A este -Gibraltar (veja-se também MADEIRA, regime tectónico dá-se o nome de 2007, neste volume). As ilhas dos transtensão. grupos Central e Oriental localizam- A sismicidade no arquipélago pode -se sobre uma faixa que corresponde ter origem tectónica ou vulcânica: ao segmento açoriano daquela fron- a que se relaciona com actividade teira de placas. Trata-se de uma estru- vulcânica é desencadeada pela movi- tura que se estende do ponto triplo mentação dos produtos magmáticos dos Açores, sensivelmente a meia (magma e gases) e consequente frac- distância entre o Faial e as Flores, até turação da rocha encaixante, enquan- algumas dezenas de quilómetros a to que a de natureza tectónica resulta oriente de Santa Maria. Este sector da da libertação súbita de tensões acumu- fronteira de placas acomoda o movi- ladas na porção frágil da litosfera. mento diferencial resultante da dife- Distinguem-se três tipos de sequên- rença das taxas de expansão crustal a cias sísmicas: as que resultam de acti- norte e a sul do ponto triplo. Assim, vidade vulcânica correspondem a como a taxa de expansão é um pouco crises sísmicas mais ou menos pro- superior a norte do ponto triplo, a pla- longadas durante as quais é comum a ca Eurasiática desloca-se para Este ocorrência de tremor vulcânico (sis- mais rapidamente que a placa Afri- mos de longa duração e baixa fre- 64 Boletim do Núcleo Cultural da Horta quência); as sequências de natureza (Faial; 8 mortos); 1935 (S. Miguel; tectónica que são caracterizadas por 1 morto); 1980 (S. Jorge e Terceira; um sismo principal ao qual se segue 54 mortos); 1998 (Faial; 9 mortos). uma sequência sísmica em frequência A esta lista acrescente-se o sismo da e magnitudes decrescentes; e as crises Terceira de 1841 que apenas não de natureza tectónica em que o sismo causou numerosas mortes porque o ou sismos principais se verificam sismo principal se deu no decurso de após (por vezes muitos dias depois) o uma crise; este facto fez com que a início de um enxame sísmico. população abandonasse as habitações Desde o povoamento do arquipélago antes do sismo maior ocorrer (COSTA ocorreram cerca de trinta sismos ou JUNIOR, 1983 [1841]). crises sísmicas tectónicas ou vulcâ- Frequentemente, a destruição e o nú- nicas importantes (TABELA I). Nesta mero de vítimas são consequência de listagem constam os três tipos de efeitos secundários (como escorrega- sequências sísmicas mencionadas. mentos e quebradas) resultantes de Destes, doze causaram destruição especificidades topográficas locais, significativa e/ou provocaram víti- ou da vulnerabilidade do edificado mas mortais: 1522 (subversão de Vila (parque habitacional sem resistência Franca, S. Miguel; ~ 5.000 mortos), sísmica e/ou fragilizado por sismos 1547 (Terceira; alguns mortos), 1614 anteriores), e não da magnitude do (Lajes, Terceira; 93 mortos); 1757 sismo e da intensidade com que este (S. Jorge; 1045 mortos); 1801 (Ter- se faz sentir. Outras circunstâncias, ceira; 1 morto em S. Sebastião); 1837 como a hora do dia, podem, igual- (Guadalupe, Graciosa; 3 mortos); mente, ter consequências no número 1852 (S. Miguel; 9 mortos); 1926 de feridos e mortos. NEOTECTÓNICA NA ILHA DO FAIAL Na ilha do Faial distinguem-se nume- -noroeste – És-sueste (WNW-ESE) e rosas formas de relevo resultantes da Nor-noroeste – Su-sueste (NNW-SSE). actividade neotectónica. Com efeito, O primeiro conjunto, que tem expres- a rotura superficial co-sísmica ocorri- são topográfica mais marcada, é for- da num importante conjunto de falhas mado pelas falhas da Ribeirinha, Chã que atravessa a ilha, deslocou suces- da Cruz, Lomba Grande, Ribeira do sivamente a superfície topográfica e Rato, Rocha Vermelha, Espalamaca, originou escarpas de falha – as «lom- Flamengos, Lomba do Meio, Lomba bas» do Faial.
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