A População Da Ilha Do Faial No Contexto Açoriano 1950-1970
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APOPULAÇÃO DA ILHA DO FAIAL NO CONTEXTO AÇORIANO 1950-1970 GILBERTA PAVÃO NUNES ROCHA Rocha, G. P. N. (2007), A população da ilha do Faial no contexto açoriano 1950-1970. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 117-136. Sumário: A intensidade da emigração faialense resultante da erupção do vulcão dos Capelinhos dá-se numa época em que as saídas dos açorianos para o estrangeiro eram bastante reduzidas, o que se verifica desde o início dos anos trinta. Esta evolução tinha conduzido a um forte aumento e rejuvenescimento demográfico do conjunto do arquipélago, com influência na mor- talidade e na natalidade, que apresenta alguma diversidade entre as várias ilhas. A importância da emigração faialense do final dos anos cinquenta e princípios de sessenta contribuiu para modificações na dinâmica demográfica e alterou ainda a configuração interna da distribuição da população, assistindo-se a uma maior concentração urbana e desertificação das freguesias rurais, principalmente as mais atingidas por aquela catástrofe natural. Rocha, G. P. N. (2007), Faial Population in the Azorean Archipelago 1950- -1970. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 117-136. Summary: The emigration of Faial as result of Capelinhos’s vulcanic eruption was an excep- tional one. Indeed, during the XX century the Azoreans did not go out to live abroad since the earlier thirties, which had resulted in a population increase and had consequences too in the age structure and in the levels of mortality and fertility. This dynamic had contributed to a greater diversity in the demographic variables in the different islands of the archipelago. That emigra- tion had yet a great influence in the distribution of the population inside the island, with a decline of the rural population, namely those who were victims of that natural catastrophe. Gilberta Pavão Nunes Rocha – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais. Univer- sidade dos Açores. Rua da Mãe de Deus. Apartado 1422. 9501-801 Ponta Delgada Codex. Palavras-chave: Dinâmica demográfica, mortalidade, natalidade, emigração, concentração urbana. Key-words: Demographic dynamic, mortality, fertility, emigration, rural population. 118 Boletim do Núcleo Cultural da Horta O impacto demográfico da erupção cidade faialense nas décadas de cin- vulcânica dos Capelinhos, como con- quenta e sessenta surgem evidencia- sequência da forte emigração dela de- das, como não podia deixar de ser, corrente, já foi minuciosamente trata- uma vez que a emigração aparece de do por Ricardo Madruga da Costa em forma destacada na sua excepciona- artigo com o mesmo nome (COSTA, lidade. 1998: 339-351). Servindo-se, prin- Neste sentido, tendo como ponto de cipalmente, da informação constante partida os estudos acima referidos, nos registos de passaportes do ano pretendemos, tanto quanto possível, de 1959, traça-nos um perfil do emi- dar uma visão um pouco mais alarga- grante da ilha do Faial que contempla da do movimento da população faia- aspectos que vão desde a sua naturali- lense nos anos cinquenta e sessenta. dade, residência, idade e sexo – fun- Contudo, a informação demográfica damentais para uma caracterização disponível é já quase toda conhecida estritamente demográfica – a outros e trabalhada, exceptuando, tanto quan- de cariz mais social ou sócio-demo- to sabemos, o volume demográfico gráfico, como o estado civil, a pro- por freguesias. Claro que muito há fissão, o nível de instrução ou até o ainda a fazer no que respeita especifi- destino. Daí avança para uma síntese camente ao conhecimento da emigra- da própria emigração, enquanto fenó- ção ao longo deste período, recorren- meno determinante da evolução popu- do aos dados constantes nos registos lacional do Faial num período mais de passaportes, como fez Ricardo alargado, de cinquenta anos, que vai Madruga da Costa para o ano de 1959 de 1920 a 1980, através da Taxa Bruta e que possibilitou a análise pormeno- da Emigração, nas várias décadas que rizada que consta no artigo referido. o compõem. Todavia, este tipo de trabalho requer A dinâmica demográfica desta ilha uma investigação de algum fôlego, também já foi por nós tratada no con- que não temos realizada, e que, assim, texto mais vasto do arquipélago, da não pode ser agora objecto da nossa sua unidade e diversidade ao longo análise, pelo que esta pequena refle- dos primeiros oitenta anos do século xão se fará, como referimos, balizada passado (ROCHA, 1991), no qual se fundamentalmente pelos trabalhos inserem as datas que se pretende aqui acima referidos. Uma análise de âm- assinalar. Embora o período em ques- bito social mais vasto, que não res- tão tenha como enquadramento a peite especificamente à emigração, é periodicidade e tipologia adoptadas igualmente dificultada pela falta de para o conjunto da região, a especifi- informação a nível de ilha, ou conce- Gilberta Pavão Nunes Rocha 119 lho, uma vez que os dados censitários verificam-se nos anos de mudança de publicados para esta época respeitam sentido situações distintas, nos quais ao conjunto do distrito. Neste sentido, algumas ilhas apresentam situações o estudo de Ricardo Madruga da similares às do período antecedente e Costa, ainda que respeitante unica- outras já às do subsequente. A década mente aos emigrantes, dá também de cinquenta é disto paradigmática uma perspectiva importante do que com as ilhas de Santa Maria, S. Mi- poderá ser o perfil social do faialense guel e Terceira ainda com ritmos de nessa época, em termos profissionais crescimento positivos e as restantes e de habilitações académicas. já com decréscimos. Nestas últimas, destacam-se o Faial e as Flores com Se podemos identificar três tendên- os declínios mais significativos, da cias bem distintas na evolução da ordem dos 16%. população açoriana no século XX Observando o GRÁFICO I, constata-se – 1900-1920, 1920-1960 1960-2001 que a diminuição da população na (ROCHA, 1991; ROCHA et al., 2005), ilha do Faial é superior à verificada o primeiro e o último de declínio e o no conjunto do arquipélago. Todavia, segundo de aumento demográfico –, se na década de cinquenta os valores GRÁFICO I VARIAÇÃO PERCENTUAL DA POPULAÇÃO DOS AÇORES E DA ILHA DO FAIAL NAS DÉCADAS DE CINQUENTA E SESSENTA 5,00 0,00 1950/1960 1960/1970 -5,00 AÇORES -10,00 FAIAL -15,00 -20,00 -25,00 FONTE: Recenseamentos da População de 1950 a 1970. 120 Boletim do Núcleo Cultural da Horta globais se devem, fundamentalmente, nuição populacional, tanto aqueles à dinâmica demográfica das ilhas de que se situam entre 1900 e 1920, maior dimensão – S. Miguel e Ter- como de 1960 a 1981, correspondem ceira –, embora com aumentos menos a elevados valores de saídas para o significativos do que nas décadas an- estrangeiro, enquanto que o de au- teriores, já na de sessenta, onde o de- mento, verificado entre 1920 e 1960, clínio é generalizado, o Faial regista respeita a anos nos quais a emigração um dos maiores decréscimos, ainda é de fraca intensidade, o que é espe- que nestes anos ele seja mais expres- cialmente uma realidade muito evi- sivo em Santa Maria e no Corvo. dente nos anos trinta e quarenta da Com efeito, a variação percentual do centúria passada. volume demográfico é da ordem dos O aumento da emigração tem igual- 25% na primeira destas ilhas e dos mente influência na estrutura etária, 30% na segunda, enquanto que no envelhecendo-a no topo e rejuvenes- Faial é inferior a 20%, com quanti- cendo-a na base, uma vez que as saí- tativos similares aos que encontra- das são mais preponderantes no grupo mos em S. Jorge, Pico ou mesmo na em idade activa. Todavia, o maior ou Graciosa. Ou seja, apesar da diferen- menor envelhecimento demográfico ça do Faial face ao conjunto do arqui- é também resultado da intensidade pélago, sempre bastante influenciado das variáveis do movimento natural, pela situação da ilha de S. Miguel, cuja diversidade está bem patenteada onde residem sensivelmente metade dos habitantes dos Açores, encon- nas ilhas açorianas em meados do tramos, neste período, ilhas que, de século XX (ROCHA, 1991). algum modo, não se distinguem da Independentemente da grandeza dos tendência de diminuição do volume valores, tanto dos nascimentos como populacional observada no Faial, que dos óbitos, respeitantes à totalidade viveu acontecimentos que normal- do arquipélago (GRÁFICO II) e da ilha mente abalam, e abalaram, de modo do Faial (GRÁFICO III), obviamente significativo a sua caracterização de montantes distintos, facilmente se demográfica. verifica que as respectivas tendên- Os fluxos emigratórios de relativa cias não são perfeitamente similares, expressividade têm sempre uma in- designadamente ao nível dos aconteci- fluência decisiva na dinâmica demo- mentos que determinam a natalidade. gráfica e, no caso dos Açores, são res- O acréscimo global deste fenómeno, ponsáveis pela periodicidade acima que atinge o seu grau mais elevado referida. Com efeito, os anos de dimi- por volta de 1960, não tem, com Gilberta Pavão Nunes Rocha 121 GRÁFICO II EVOLUÇÃO DOS NASCIMENTOS E ÓBITOS NOS AÇORES 1950 A 1970 Açores 12000 10000 8000 NASC 6000 OB 4000 2000 0 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 FONTE: INE, Estatísticas Demográficas (Anuário Demográfico). efeito, correspondência na população conhecer pela aplicação de métodos faialense. indirectos, que pressupõem uma boa O saldo positivo do movimento natu- qualidade dos restantes dados para ral é, no entanto, uma realidade tam- poderem ter credibilidade. De qual- bém para o Faial, pelo que a dimi- quer modo, estas não nos parecem re- nuição da população observada no levantes nos anos cinquenta e sessen- GRÁFICO I resulta, consequentemente, ta do século XX (ROCHA, 1991), como de saídas por via da mobilidade, em posteriormente veremos. particular da emigração, embora não As diferenças respeitantes à mortali- se possam à partida excluir as migra- dade e à natalidade são perfeitamente ções internas, quer no interior da re- visíveis e comparáveis nos GRÁFICOS gião, como para outros pontos do país.