2º CICLO MESTRADO EM ESTUDOS MEDIEVAIS

O D. Fernando (1433-1470): elementos para uma biografia Maria Teresa Nunes Pedro Palma Coelho

M 2019

Maria Teresa Nunes Pedro Palma Coelho

O Infante D. Fernando (1433-1470)

Elementos para uma biografia

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Estudos Medievais, orientada pelo Professor Doutor Luís Miguel Ribeiro de Oliveira Duarte e coorientada pela Professora Doutora Maria Cristina Pimenta Aguiar Pinto

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Setembro de 2019

O Infante D. Fernando (1433-1470): elementos para uma

biografia

Maria Teresa Coelho

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Estudos Medievais, orientada pelo Professor Doutor Luís Miguel Ribeiro de Oliveira Duarte e coorientada pela Professora Doutora Maria Cristina Pimenta Aguiar Pinto

Membros do Júri

Professora Doutora Maria Cristina Almeida e Cunha Alegre Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Doutora Maria Barreto Dávila Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova do Lisboa

Professor Doutor José Augusto Pereira de Sotto Mayor Pizarro Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Professor Doutor Luís Miguel Ribeiro de Oliveira Duarte Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Classificação obtida: 19 valores

Para os meus pais, a quem devo tudo.

Sumário

Declaração de honra ...... 10 Agradecimentos ...... 11 Resumo ...... 12 Abstract ...... 13 Lista de abreviaturas e siglas ...... 14 Introdução ...... 15 Fontes ...... 17 Bibliografia Crítica ...... 22 Capítulo 1 – Os primeiros anos: a infância de D. Fernando ...... 33 1.1. Da gravidez da rainha à adopção pelos D. Henrique e D. Fernando (1433-1436) ...... 33 1.2. A morte de D. Duarte ...... 38 1.3. A educação de um príncipe ...... 48 Capítulo 2 – A década de 1440: da morte do condestável D. Diogo a Alfarrobeira (1442-1449) ...... 59 2.1. A chegada à Ordem de Santiago ...... 59 2.2. O casamento ...... 61 2.3. Alfarrobeira ...... 67 Capítulo 3 – O Pós Alfarrobeira e a década de 1450 ...... 73 Capítulo 4 – D. Fernando e o Norte de África ...... 77 4.1. As idas a Marrocos ...... 78 4.1.1. De Ceuta a Alcácer-Ceguer ...... 78 4.1.2. A ‘maldita’ Tânger: sepultura de Yfantes de Portugal ...... 84 4.1.3. Cai o pano em África: Anafé ...... 89 4.2. (...) Porque se deveria todo deixar de fazer guerra de taõ pouco proveito (...) ...... 91 Os pareceres sobre Marrocos: uma ‘tradição’ entre os príncipes de Avis ...... 91 Capítulo 5 – A morte do infante D. Henrique e o problema das alterações testamentárias ...... 101 Capítulo 6 – A Casa e o Património de um príncipe ...... 108 6.1. A primeira casa de D. Fernando e o problema da herança do Infante Santo ...... 108 6.2. Herdar do Infante D. Henrique ...... 114 6.2.1. Títulos, bens, doações e privilégios de D. Fernando em torno dos anos de 1450 e 1460 ...... 114 8

Capítulo 7 – O infante, as ilhas e o mar ...... 125 Capítulo 8 – D. Fernando, governador e administrador das Ordens Religioso-Militares de Santiago (1444-1470) e de Cristo (1461-1470) ...... 146 Conclusão ...... 158 Fontes ...... 164 Fontes Manuscritas ...... 164 Fontes Impressas ...... 165 Bibliografia ...... 169

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Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação é de minha autoria e não foi utilizada previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito académico.

Porto, 26-09-2019

Maria Teresa Coelho

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Agradecimentos

As minhas palavras de agradecimento são dirigidas, em primeiro lugar, aos orientadores desta dissertação. Ao professor Luís Miguel Duarte, meu professor de muitos anos, agradeço a ajuda incansável, os inúmeros livros emprestados, as sugestões, o rigor, o interesse, dedicação e tempo despendido a discutir e a corrigir mais este trabalho final de ciclo. Escrevi mais um trabalho porque também aceitou ser o meu orientador do Seminário final de licenciatura, em História Medieval, concluído em 2016. Estou grata pela sua amizade e apoio ao longo do meu percurso académico, bem como pelas sessões de orientação em que se propôs a trabalhar ao meu lado. À doutora Cristina Pimenta, agradeço a empatia e proximidade que comigo estabeleceu desde o primeiro momento em que se disponibilizou para me apoiar e orientar neste mestrado. Registo a amizade, a ajuda, o acesso a inúmera bibliografia que me facultou e o incentivo de nos deslocarmos ao Arquivo Nacional, para consultar e sumariar documentação das Ordens Militares de Cristo e Santiago. Com ela entrei pela primeira vez, e recordando uma expressão sua, com o pé direito, na Torre do Tombo. Agradeço igualmente a todos os professores de História Medieval da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Para o meu colega Duarte Babo segue igualmente uma palavra de agradecimento pela companhia de muitas horas na biblioteca da faculdade, pelas sugestões que me fez e pelo auxílio na construção da minha base de dados em Excel, que deu corpo ao trabalho.

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Resumo

Nesta dissertação pretendemos estudar a figura do infante D. Fernando (1433- 1470), irmão de D. Afonso V. Abordaremos as várias dimensões, que consideramos essenciais, da sua vida, tentando reconstruir os momentos mais marcantes da mesma e compreender a evolução dos seus poder, património e influência política. Herdeiro do infante D. Henrique e seu filho adoptivo, tornou-se num dos senhores mais ricos e poderosos do reino, governando os seus bens no continente e as ilhas no oceano, que administrou com autoridade, atentamente e na mira de uma tradição e legado que lhe tinha sido passado pelo seu antecessor, D. Henrique. Vasto património ao qual acrescentou o governo de duas ordens militares: Santiago e Cristo. Na sua estreita ligação ao Norte de África (militar e não só) encontraremos um dos aspectos mais interessantes da sua vida: a forma como contraditoriamente se posicionou face ao assunto e como o relacionou com os temas mais prementes da política nacional de então. Elementos estes que estão plasmados no parecer que redigiu para o monarca nos inícios da década de 1460. Será nosso objectivo sustentar as interpretações deste trabalho tendo em linha de conta, sempre que nos for possível, as ambições e posição do infante na documentação emitida e produzida pelo próprio. Infante, príncipe, duque, condestável, governador de ordens militares, e senhor de imensos bens, D. Fernando afirmou-se como um dos protagonistas do século XV português.

Palavras-chave: D. Fernando, duque de Viseu-Beja; D. Afonso V; Infante D. Henrique; Portugal; Política Atlântica.

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Abstract

This dissertation investigates and describes the historical figure of Infante Ferdinand (1433-1470), of Viseu and Beja, Afonso V’s brother. Our approach includes not only all the essential aspects of his life, in an attempt to reconstitute its most outstanding moments, but we also tried to understand the progression of his power and his wealth development, along with his political clout. As Henry’s main heir and adopted son, Ferdinand has soon become one of the wealthiest and powerful in the Portuguese kingdom, managing with firm hand his estates in Portugal mainland, as well as in the islands. Aside from upholding Prince Henry’s legacy, he managed to extend it too, as he became the Master of the Orders of Christ and of Santiago. The most significant aspects of his life, not merely in military terms, is deeply connected to Northern Africa due to the contradictory positions he has assumed concerning this issue and the way he later focused on these very same positions, in regards to the most burning matters in national politics. These elements are reflected on the reports he himself drafted to the monarch in the early years of the sixties. We aimed to support the various interpretations of this research paper according to Infante Ferdinand’s aspirations and stance, by analysing his own scripts. Either as a Prince, an Infante, a Duke, a Constable, a Master of Military Orders or even as the owner of extensive personal assets, Ferdinand has surely been one of the most remarkable figures of the XV century in Portugal.

Keywords: Ferdinand, duke of Viseu-Beja; Afonso V; Prince Henry the Navigator; Portugal; Atlantic Politics.

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Lista de abreviaturas e siglas

Crónica de D. Af. V - Chronica do Senhor Rey D. Affonso V

Crónica do Conde D. D. - Crónica do Conde D. Duarte de Meneses.

Crónica de D. D. - Chronica do Senhor Rey D. Duarte.

DCR- Documentos das Chancelarias Reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos.

MH- Monumenta Henricina.

L. Cav. - Livro da Ensinança da Arte de Cavalgar Toda Sela.

VB - O Livro da Virtuosa Bemfeitoria do Infante Dom Pedro.

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Introdução

Esta dissertação procura ser uma primeira tentativa de biografar o infante D. Fernando (1433-1470), filho de D. Duarte e irmão de D. Afonso V. Para além dos trabalhos e estudos que já existem sobre ele, tentámos construir uma perspectiva mais ampla e integrada da sua vida, que não seja apenas marcada por uma visão deste infante enquanto filho adoptivo do infante D. Henrique, irmão de D. Afonso V, marido de D. Beatriz e pai do rei D. Manuel. Encarámos o infante em si mesmo, tentando compreender a sua personalidade enquanto um dos homens mais ricos e influentes do Portugal da sua época, nos anos em que viveu e que é patente na forma como administrou e chefiou os arquipélagos atlânticos, manteve o seu património e construiu a sua numerosa casa, que tentámos estudar, conduziu a Universidade, na ausência do seu ‘pai’ e se envolveu nas questões políticas que preocupavam D. Afonso V. Em 1433 nascia o segundo filho varão de D. Duarte e de D. Leonor. A morte prematura do rei, que teve consequências políticas graves, plasmadas no desentendimento entre os infantes e a rainha, fez com que o pequeno infante e o futuro rei tivessem uma infância difícil e conturbada. É verdade que a mãe sempre tentara ter os filhos junto a si, mas não demoraria até que o regente D. Pedro obtivesse a sua tutoria e ficasse responsável pelos sobrinhos. Quanto a D. Leonor, foi obrigada a exilar-se em Castela, onde morreu pouco depois. Os elementos acerca da educação de D. Afonso V de que dispomos e que envolveram directamente o infante D. Pedro, pensamos poder aplicá-los à educação que D. Fernando terá recebido. A cronística e as obras régias redigidas pelos Avis na primeira metade do século XV fornecem pistas importantes no sentido de estabelecer um modelo educativo do príncipe, que é amplo. Este tanto abrange as actividades físicas, relacionadas com a caça, o contacto com cavalos e manuseio de armas, e sobre as quais D. Duarte abundantemente escreveu, como se debruça sobre aspectos mais intelectuais, alicerçados no conhecimento dos autores icónicos e carismáticos da Idade Média. Como veremos, a Bíblia é o livro por excelência, mas muitas outras obras nos 15 surgem citadas nestes textos de D. Duarte e do infante D. Pedro, ou seriam do seu conhecimento, nomeadamente o célebre Vegécio, igualmente utilizado por D. Fernando aquando da redacção do seu parecer sobre a guerra em Marrocos. Todos estes elementos estavam disponíveis na corte portuguesa de então, o que ajuda a explicar que D. Afonso V tenha sido educado por humanistas. Estamos em crer que D. Fernando poderá ter beneficiado destas mesmas condições. Tanto quanto possível decidimos seguir um fio condutor cronológico da vida do infante. Assim e antes de herdar o espólio henriquino, estudaremos o infante antes de este se tornar um grande senhor. Tal abrange as décadas de 1440 e de 1450. Veremos que estes anos são aqueles em que contrai matrimónio com a sua prima-irmã, D. Beatriz, em que se torna condestável e fronteiro do sul do reino, em que recebe a Ordem de Santiago, o ducado de Beja, Serpa e Moura, bem como os da sua presença em Alfarrobeira. Não menos importante será a sua estreia militar em Marrocos. Participará nas batalhas de Alcácer Ceguer, nas várias de Tânger (que já não verá conquistada em sua vida) e em Anafé. Estudar o infante e o Norte de África de um ponto de vista meramente militar torna-se demasiado redutor, uma vez que é preciso pensá-lo igualmente de uma forma política, patente na posição que o infante assume em inícios da década de 1460 no conselho que redige ao rei. O auge do seu poder será estudado nos últimos capítulos deste trabalho. Talvez um dos momentos mais impactantes da vida do infante D. Fernando tenha sido a morte daquele que o adoptara como filho, o infante D. Henrique. É com o desaparecimento deste último que o infante se torna um grande senhor e associa a si mais um ducado, Viseu. Como veremos, através de doações ainda henriquinas e depois régias e as respectivas confirmações, receberá os bens henriquinos, dos quais parece ter sido um competente e interessado administrador. Este controlo e administração dos seus bens é- nos testemunhado pela maior quantidade de documentação e estudos de que dispomos para esta fase da sua vida, durante a década de 1460, e visível nas cartas e regimentos que endereçou às ilhas, sobretudo à Madeira. Sem dúvida que uma das dimensões do infante que mais privilegiaremos será a senhorial, motivados igualmente pelas próprias circunstâncias históricas da sua época em que as grandes casas senhoriais são

16 estruturantes no Portugal do seu tempo e, para o infante, não deixarão de ser uma ‘herança familiar’. Um dos problemas mais importantes que tentaremos colocar relaciona-se precisamente com as origens da sua casa senhorial e a evolução da mesma, e com a forma como a construiu e administrou os seus bens. Abordaremos o Norte de África e o papel que desempenhará junto das ordens militares, bem como as polémicas que o envolveram relativamente a estes dois tópicos, tal como a intrigante alteração testamentária do infante D. Henrique face a D. Fernando e as interrogações acerca da herança do Infante Santo. Por fim, pretenderemos abordar o infante/príncipe D. Fernando, delimitando os passos e momentos mais marcantes da sua vida; compreender o seu poder e influência, nomeadamente junto do rei, e perceber a forma como os consolidou durante cerca de uma década em que foi dos mais poderosos e ricos do reino. Como veremos e já afirmámos acima, D. Fernando merece ser estudado isoladamente, per se, uma vez que as próprias fontes da época lhe deram largo protagonismo, notoriedade e visibilidade.

Fontes

Tentar biografar a vida de um infante implicou a consulta e o estudo de várias fontes. Tal não será de estranhar uma vez que este trabalho procura dar resposta, ainda que nalguns casos parcial, a várias questões que nos propusemos delinear desde o início. A tipologia das fontes utilizadas explica-se pela própria complexidade da figura que estamos a estudar, que foi o grande herdeiro do infante D. Henrique, um dos homens mais ricos e poderosos do Portugal do seu tempo, detentor de uma imensa casa senhorial, governador de duas ordens militares, duque de Beja e um atento administrador dos seus territórios insulares, para além de ter contraído matrimónio com uma mulher notável, ter sido progenitor de uma numerosa descendência e se ter envolvido directa e impulsivamente nos assuntos africanos, que tanto preocupavam a elite portuguesa da época.

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Para a reconstrução das etapas essenciais da vida do infante, o testemunho que se revelou mais importante foi a Crónica de D. Afonso V1, de Rui de Pina. Se é verdade que, na maioria dos casos, não encontramos os pormenores e as explicações de que gostaríamos, mas uma mera descrição encadeada de acontecimentos, também é justo referir que este texto de Pina é fundamental para entendermos os primeiros anos de vida e o período da infância de D. Fernando (é habitual sabermos muito pouco sobre esta fase da vida, mesmo de pessoas muito destacadas). É aliás característica da escrita deste cronista apresentar a história como base naquilo que os documentos oficiais relatam, numa sequência cronológica da realidade2. Assim considerámos que o maior contributo desta crónica para o nosso estudo se relaciona precisamente com este primeiro período da vida de D. Fernando, e, talvez um pouco menos, para outros acontecimentos marcantes que dela também fizeram parte e que são igualmente descritos na crónica. No entanto, para muitos deles não é possível encontrar informação complementar noutras fontes, o que ajuda a reiterar a importância deste texto. Ainda dentro do universo da cronística régia e nobiliárquica, recorremos a outras crónicas, sendo a maioria mais tardias que os textos de Pina. A única excepção foi a Crónica de D. Duarte de Meneses3, de Gomes Eanes de Zurara, onde são relatados dois dos episódios pelos quais o infante é célebre e que considerámos mais sugestivos acerca de D. Fernando: a usurpação do quinto de uma cavalgada levada a cabo por D. Duarte de Meneses e as circunstâncias de desentendimento com as ordens militares pelo frete de navios que transportariam os seus freires para o norte de África, em 1464. Trata-se da única crónica de Zurara onde o infante D. Fernando é mencionado, o que não é de estranhar uma vez que os temas sobre os quais escreveu na Crónica da Tomada de Ceuta (iniciada antes de 1449 e na Crónica de D. Pedro de Meneses são historicamente anteriores ao infante D. Fernando. No caso da Crónica dos Feitos da Guiné4, relativamente aos acontecimentos

1 PINA, Rui de - Chronica do Senhor Rey D. Affonso V, int. e rev. de M. Lopes de Almeida. Porto: Lello e Irmão editores, 1977. 2 GOMES, Rita Costa – “Rui de Pina”. In LANCIANI, Giulia, TAVANI, Giuseppe (coord.), Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993, p. 598. 3 ZURARA, Gomes Eanes de - Crónica do Conde D. Duarte de Meneses: edição diplomática de Larry . Lisboa: Universidade Nova de Lisboa (FCSH), 2006. 4 Para brevemente situarmos os cronistas e as crónicas no tempo recorremos à consulta destas obras: 18 lá tratados, não encontrou Zurara razões para se referir ao filho adoptivo do seu admirado e altamente elogiado infante D. Henrique porque o seu protagonismo e poder políticos seriam ainda muito ténues por essa altura, pelas décadas de 1440 e 1450, e porque não se lhe conhecem quaisquer viagens para essas regiões. Seguem-se nas nossas fontes dois importantes autores do século XVI: Damião de Góis e Duarte Nunes de Leão5. Do primeiro utilizámos a Crónica do Príncipe D. João6, já de 1567 e, portanto, redigida muito depois dos reinados de D. Afonso V e de D. João II terem terminado e que denota uma influência de Pina e de Garcia de Resende (como ele próprio afirma). Claro que sendo Pina o cronista oficial a ocupar-se da tarefa de redigir a história dos reis de Portugal e o primeiro a fazê-lo sobre os tempos de D. Duarte e D. Afonso V, aqueles que se lhe seguiram redigiram as suas crónicas muito baseados nos seus textos. Estes dois cronistas não foram excepção a isso e, ainda mais, se tivermos em conta o que é ser um autor naquele período, em que glosar, traduzir livremente e copiar conteúdos sem pedir autorizações (o que hoje nos colocaria muitas reservas) não é um problema, nem coloca restrições de espécie alguma. Diríamos que este aspecto é um ‘não assunto’ na Idade Média. Assim e nestes textos do século XVI, muitas das informações que encontramos a respeito do infante D. Fernando e a própria ordem com que estas nos são apresentadas e desenvolvidas parecem (e talvez sejam) um decalque da Crónica de D. Afonso V, de Rui de Pina7. No entanto, não deixa de ser interessante detectar alguns pormenores que fazem divergir os cronistas uns dos outros. Referimo-nos, por exemplo, à discordância que existe entre os autores relativamente a quem foram os padrinhos do príncipe D. João, quando este nasceu em 1455 e se D. Fernando transportou, ou não, o pequeno príncipe até ao altar. Deparámos igualmente com diferenças do uso do discurso directo entre as crónicas e com alterações nas

SERRÃO, Joaquim Veríssimo – Cronistas do Século XV posteriores a Fernão Lopes. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1989, pp. 27-32. SARAIVA, António José, LOPES, Óscar – História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2001. 5 LEÃO, Duarte Nunes de - Crónicas dos Reis de Portugal, introd. e rev. por M. Lopes de Almeida. Porto: Lello & Irmão, 1975. 6 GÓIS, Damião de - Crónica do príncipe D. João, ed. comentada por Graça Almeida Rodrigues, Lisboa: Universidade Nova de Lisboa (FCSH), 1977. 7 A título de exemplo refira-se que Garcia de Resende, secretário pessoal de D. João II, copiou visivelmente Rui de Pina em trabalhos seus e outros também o fizeram. SARAIVA, LOPES, 2001, pp. 283-284. 19 descrições da participação do infante no cerco a Alcácer Ceguer, o que nos coloca questões historiográficas. De resto e de uma maneira geral, as crónicas convergem na organização dos assuntos e nos temas. No entanto, estas colocam-nos muitos problemas de datação8, de localização dos acontecimentos e até dos próprios momentos políticos em que são escritas, senão não faria sentido questionarmo-nos por que é que na transição do século XVI para o XVII9 encontramos historiadores, como Duarte Nunes de Leão a (re)escrever as histórias e crónicas dos antigos reis, em 1600, decalcadas de textos muito anteriores. Para além destes problemas, coloca-se outro relacionado com a alteração de pequenos detalhes que variam entre os cronistas que em nada alteram a visão que se constrói do infante. Assim é-nos relatado um percurso de vida, sem que haja muitos dados e muito protagonismo por parte do irmão do rei, porque esse não é o objectivo do texto, até ao momento da sua morte, tendo acontecido tudo com muyta honra e grande sollenydade e com synaaes de grande dor e sentimento por parte dos familiares do príncipe. Tais menções elogiosas nunca são descartadas pelos cronistas na hora da despedida de alguém tão importante, ainda que no caso do infante D. Fernando, ao contrário de outras figuras, nenhum nos tenha dado uma descrição física e intelectual/psicológica deste. Grande parte da documentação recolhida nas colectâneas Monumenta Henricina10, Descobrimentos Portugueses11 e os Documentos das Chancelarias Reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos12, são fontes sobre D. Fernando, que o referem e citam, permitindo destrinçar aspectos de como construiu e conciliou a sua casa, de como formou o elemento humano da mesma, como geriu os seus bens e foi adquirindo o seu

8 No caso de Rui de Pina, que redigiu a mais antiga Crónica de D. Afonso V, deparamos com alguns problemas de datação de acontecimentos. No entanto, estas inconsistências são também detectadas em textos mais tardios, como é o caso da obra de Gaspar Dias de Landim, onde são cometidos mesmo alguns erros de datação e, consequentemente, de idade dos intervenientes. Veja-se, como exemplo, o engano das idades de D. Afonso V e de D. Fernando, no momento em que estes ficam aos cuidados de D. Pedro: LANDIM, Gaspar Dias – O Infante D. Pedro. Lisboa: Escriptorio, 1892, vol. II, p. 8. 9 COELHO, Jacinto do Prado – Historiografia. In COELHO, Jacinto do Prado (dir.) - Dicionário de Literatura. Porto: Figueirinhas, 1997, vol. 2, p. 407. 10 Monumenta Henricina (dir. António Joaquim Dias Dinis). : Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960-1974, 15 vols. 11 Descobrimentos Portugueses: documentos para a sua história, pub. e pref. por João Martins da Silva Marques. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1988, 5 vols. 12 Documentos das chancelarias reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos, dir. de Pedro de Azevedo. Lisboa: Academia das Sciências de Lisboa, 1915-1934, 2 vols. 20 património, assim como as suas relações familiares. A maior parte da documentação presente nestas compilações é oriunda da Chancelaria de D. Afonso V e compreende sobretudo cartas de perdão, a fonte mais importante na reconstrução da casa senhorial do infante D. Fernando e na busca de indivíduos que estiveram presentes em episódios marcantes célebres da sua vida. Para além da sua riqueza e de terem sido fundamentais neste processo de pesquisa, as cartas de perdão colocaram-nos muitos problemas relacionados com a homonímia medieval e a proveniência de todo este pessoal associado ao infante. A estas ainda acrescentaríamos aqueles documentos que encontrámos na Chancelaria de D. João II, assim como as várias doações, confirmações e textos referentes aos arquipélagos, igualmente presentes nestas colectâneas. Mas todos estes testemunhos referem o infante ou sobre ele tratam, ainda que o seu papel tenha sido pacífico na produção da cronística que referimos, ou da documentação presente em chancelarias ou noutros domínios como os das ordens militares que governou. Queremos dizer com isto que nos foi possível recolher um número considerável de documentação produzida pelo próprio ou pela sua chancelaria13. João Silva de Sousa refere que esta se foi perdendo com o tempo e que será hoje extraordinariamente sumária, o que nos permite apenas uma ideia muito superficial dos movimentos insulares e dos problemas internos14. Este dado deixa de ser muito significativo se compararmos D. Fernando com outros membros da sua família no que toca à produção escrita, mas no entanto é revelador o espírito com que escreve o conselho para o rei sobre a guerra em Marrocos (seguindo uma já longa tradição da casa de Avis na qual os reis pediram pareceres aos seus familiares mais próximos sobre a guerra no Norte de África); a preocupação na centralização e no bom funcionamento da sua administração

13 Sobre a qual temos dois indícios de que terá existido: a referência ao chanceler do infante. Por uma carta de perdão datada de 24 de Março de 1469, tomamos conhecimento de que o dito chanceler de D. Fernando (não identificado) e seu ouvidor Gil Afonso se veem envolvidos num caso de justiça de um tal Gil Gonçalves que fugira da prisão, depois de ter sido encarcerado por ter cometido falsidades no seu ofício. Chancelaria de D. Afonso V, liv. 31, fl. 20. A segunda referência data de 1467, quando D. Fernando confirma terra maninha dada a Fernão Gonçalves de Outeiro, no termo da aldeia de Joane, para ele continuar a explorar com as mesmas condições que já tinha em tempos do infante D. Henrique. Esta era destinada a sumagral e fora-lhe dada através do sistema de sesmaria. Por essa primeira carta ter ardido, este homem pediu ao infante uma outra, que ele dá para que ele aja livremente, tal como é declarado na carta. e manda asellar aa minha chançallaria. MH, vol. XIV doc. 150, pp. 340-341. 14 SOUSA, João Silva – Os Herdeiros do infante e o governo dos Açores. Arquipélago, 2ª série, IV, nº2 (2000), p. 24. 21 insular patente na redacção de dois regimentos endereçados à ilha da Madeira, de várias cartas, sentenças e decisões importantes de carácter económico que fez questão de tomar e de resolver respondendo às suas gentes das ilhas, quase todas elas datadas da década de 1460. Esta documentação, que é do maior interesse e importância para este trabalho, foi reunida no Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira15; para além das cartas e alvarás que dirigiu aos lentes, bedel e reitores da Universidade de Lisboa, da qual foi protector16. Por fim, de mencionar as crónicas de Jerónimo Román17 e toda a documentação e fundos que consultámos na Torre do Tombo. Em jeito de conclusão, foi-nos permitido estabelecer uma divisão entre as fontes que estudámos para o biografado: se por um lado, e na sua maior parte, temos documentos relativos ao infante D. Fernando presentes nas compilações documentais que indicámos, por outro lado encontramo-lo a operar directamente através da escrita de numerosos documentos (de diversa tipologia e com fins distintos) que invocam as suas preocupações na gestão dos seus domínios, no fazer cumprir as últimas vontades do seu pai adoptivo D. Henrique, na construção e reforço da sua casa e até em aspectos da política nacional.

Bibliografia Crítica

Estudar a vida de um infante da casa de Avis no século XV, significa tocar em muitos temas da historiografia portuguesa, como a nobreza e a relação com a coroa e os infantes; a organização de uma casa senhorial de um príncipe; as políticas marroquinas e as incursões no Norte de África, a Expansão marítima e as tendências atlânticas; o

15Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, pub. por Luís Francisco Cardoso de Sousa Melo. Funchal, 1972. Série documental, vol. XV. 16 A documentação referente à acção de D. Fernando na Universidade de Lisboa encontra-se nos volumes VI e VII dos Chartularium Universitatis Portugalensis. 17 ROMÁN, Fr. Jerónimo – História das Ínclitas Cavalarias de Cristo, Santiago e Avis, (dir. Luís Adão da Fonseca, coord. Paula Pinto Costa). Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 2008. Militarium Ordinum Analecta.

22 povoamento e administração das respectivas ilhas; os governos das ordens militares e a sua tutela por parte dos Avis, assim como a organização interna destas instituições eclesiásticas, o pensamento político da época; a cultura na corte de Avis e a criação dos grandes ducados atribuídos pela primeira vez aos herdeiros e sucessores de D. João I. Devido à época em que D. Fernando viveu, estes temas devem ser abordados. No entanto, seria desnecessário e sem sentido apresentarmos aqui toda a bibliografia sobre eles. Assim, não é nosso objectivo expor ‘toda’ a produção bibliográfica sobre o século XV português (e sobre os assuntos acima). Entendemos mais útil identificar as obras e principais autores que julgamos mais importantes para reconstruir a vida do infante D. Fernando. Procederemos a uma sumária organização em duas alíneas: uma mais baseada nos estudos e monografias sobre o tempo e as principais figuras políticas do nosso século XV; outra que aponte para estudos exclusivamente sobre o infante D. Fernando. A bibliografia sobre a dinastia de Avis e os seus protagonistas é extensa e antiga, dentro ou fora do círculo académico. Todos os seus reis e rainhas já foram alvo de biografias, editadas pelo Círculo de Leitores e pela Quidnovi, e mesmo os infantes (que não reis) e infantas foram objectos de livros e dissertações académicas, nos últimos e mais recentes anos. No entanto, e apesar de um maior destaque ser dado aos monarcas, a verdade é que outros membros da casa de Avis não têm sido descurados, começando pelo próprio infante D. Henrique, que conta com várias biografias e amplos e numerosos trabalhos desde Dias Dinis18 e Alberto Iria19 até Peter Russell20, João Silva de Sousa21, João Paulo Oliveira e Costa22, entre outros. O mesmo se aplica a outros filhos da casa de Avis: o infante D. Pedro, que nunca foi objecto de uma biografia integrada e completa, mas sim de um congresso e de trabalhos mais ou menos dispersos sobre a sua vida, política e obra em autores como Saul António Gomes, Humberto Baquero Moreno e artigos variados23. Já o seu filho, o condestável D. Pedro, fora

18 DINIS, A. J. Dinis - Estudos Henriquinos. Coimbra: Universidade, 1960 19 IRIA, Alberto - Estudos Henriquinos. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1989. 20 RUSSELL, Peter - Henrique, o Navegador. Lisboa: Livros Horizonte, 2004. (1ª ed.); RUSSELL, Peter – Henrique o Navegador. Lisboa: Livros Horizonte, 2016. (2ª ed.) 21 SOUSA, João Silva de - A casa senhorial do Infante D. Henrique. Lisboa: Horizonte, 1991. 22 COSTA, João Paulo Oliveira – Henrique, o Infante. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009. 23 VV.AA., Actas do Colóquio Dedicado ao Infante D. Pedro, Biblos, vol. LXIX, Coimbra, 1993. 23 estudado em dissertação de licenciatura24 e, posteriormente, no pioneiro doutoramento por Luís Adão da Fonseca: o Condestável D. Pedro de Portugal25. No caso dos infantes D. João e D. Fernando, o seu percurso de vida foi analisado em duas dissertações de mestrado de Maria Dulcina de Medeiros26 e de João Inglês Fontes27, respectivamente. Em França, Monique Sommé publicaria a biografia de D. Isabel28, filha de D, João I. De resto, faltar-nos-ia mencionar a tese de doutoramento de Humberto Baquero Moreno sobre a batalha de Alfarrobeira e sobre todo esse clima político, que se instaurou após a morte de D. Duarte, desencadeando o conflito entre o rei e o infante D. Pedro, então regente do reino. Também no lado da casa de Bragança, as investigações têm prosseguido desde o antigo trabalho de Montalvão Machado, médico que biografou o conde de Barcelos29, passando pelas actas do congresso do conde de Ourém, pelas dissertações de mestrado e doutoramento de Mafalda Soares da Cunha30, de Rui Pereira31 e pela mais recente biografia do condestável D. Nuno Álvares Pereira, da autoria de João Gouveia Monteiro32. Faltaria destacar os trabalhos de Maria Barreto Dávila33 e de Odete Martins34 dedicados à infanta D. Beatriz, duquesa de Beja e mulher de D. Fernando.

24 FONSECA, Luís Adão da - O Condestável Dom Pedro de Portugal: Subsídios para o estudo da sua mentalidade. Porto: edição policopiada, 1968. (2 vols.) 25 FONSECA, Luís Adão da - O Condestável D. Pedro de Portugal. Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de História da Universidade do Porto, 1982. 26 MEDEIROS, Maria Dulcina – O infante D. João (1400-1442): subsídios para uma biografia. Universidade de Lisboa: edição policopiada, 1999. 27 FONTES, João Inglês - Percursos e memória: do Infante D. Fernando ao Infante Santo. Cascais: Patrimonia, 2000. 28 SOMMÉ, Monique - Isabelle de Portugal duchesse de Bourgogne: une femme au pouvoir au XV siècle. Paris: Presses Universitaires du Septentrion, 1998. 29 MACHADO, J. T. Montalvão – Dom Afonso Primeiro Duque de Bragança, Sua Vida e Obra. Lisboa: Edição do Autor, 1964. Ainda deste autor, o artigo: MACHADO, J. T. Montalvão – Dom Afonso, 8o Conde de Barcelos, fundador da Casa de Bragança. Separata da Revista de Guimarães, vol. LXXIII. Guimarães, 1963. 30 CUNHA, Mafalda Soares da - Imagem, Parentesco e poder: a casa de Bragança (1384-1483). Lisboa: Fundação da Casa de Bragança, 1990. 31 PEREIRA, Rui Filipe Ferreira - D. Afonso, Duque de Bragança: da morte de D. Duarte a Alfarrobeira. Porto: edição policopiada, 2016. 32 MONTEIRO, João Gouveia – Nuno Álvares Pereira: Guerreiro, Senhor Feudal, Santo – os três rostos do condestável. Lisboa: Manuscrito, 2017. 33 DÁVILA, Maria Barreto — Dom Fernando I, 2º Duque de Bragança: vida e acção política. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2010. DÁVILA, Maria Barreto – Governar o Atlântico. D. Beatriz e a Casa de Viseu (1470-1485). Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de 24

Em poucas linhas se percebe a amplitude do interesse historiográfico por estes personagens e por este tempo, mas como referimos anteriormente não foi nosso objetivo transpor para este ‘estado da arte’ listas bibliográficas extensas e exaustivas. Então, interessar-nos-á debater, numa segunda fase, o que tem sido o percurso de estudos dedicados ao infante D. Fernando e ao seu tempo e que mais dizem respeito a este trabalho. É verdade que este filho de D. Duarte não tem sido objecto de muitos estudos e investigações, sendo muito poucos os trabalhos que lhe têm sido dedicados de forma exclusiva. Um dos nossos pontos de partida para a justificação do tema deste projeto foi o trabalho de Sebastiana Pereira Lopes35, cujo objetivo central foi o estudo do infante enquanto senhor de Serpa e Moura e a reconstrução das famílias que dominavam esses territórios, como se relacionavam com eles, assim como com o infante e com o poder central, isto é, a Coroa. Uma primeira parte é dedicada à formação do seu outro património, uma vez que era o filho adotivo do seu tio Infante D. Henrique e foi, por isso, agraciado com os títulos de duque de Viseu e de Beja e senhor de muitos territórios, cujas jurisdições e domínio antigamente pertenceram a D. Henrique. Refere- se, igualmente, todos os outros títulos como o de condestável de Portugal e de fronteiro- mor no Alentejo; o casamento e a respetiva descendência e o seu envolvimento nos assuntos de administração da Madeira, assim como nas campanhas do Norte de África e no ultramar. Outro tópico superficial é a sua presença nas ordens militares, que não foi descurada pela autora, mas a alusão cinge-se meramente a indicar os anos a partir dos quais seria governador, assim como alguns episódios considerados mais paradigmáticos da própria personalidade do infante patente no governo destas instituições; diz-se que o infante herda o cargo de mestre de Santiago na sequência da morte do infante D. Diogo, seu primo, e respeita a prática iniciada pelo avô, D. João I; aborda-se o problema da permanência de cavaleiros no Norte de África, situação acerca da qual o infante se impõe; quanto à Ordem de Cristo, discute-se a ruptura com Afonso V no que respeitou à administração desta após a morte do infante D. Henrique, uma vez que o rei estava

Lisboa, 2016. Recentemente editou mais um trabalho dedicado à infanta: DÁVILA, Maria Barreto – A Mulher dos Descobrimentos: D. Beatriz, infanta de Portugal. Lisboa: a Esfera dos Livros, 2019. 34 MARTINS, Maria Odete – Dona Brites- uma mulher da Casa de Avis. Quidnovi, 2009. 35 LOPES, Sebastiana Alves Pereira - O Infante D. Fernando e a Nobreza Fundiária de Serpa e Moura (1453-1470). Beja: Câmara Municipal. 25 interessado neste mestrado, mas D. Fernando conseguirá os seus objetivos36, sujeitando os interesses da Coroa aos seus. Por fim a autora menciona uma outra ocorrência nas circunstâncias expansionistas em África, mais concretamente na tentativa de conquista de Tânger, na qual o infante D. Fernando obrigou os seus cavaleiros de Cristo e Santiago a exagerados pagamentos, o que fez com que estes o ameaçassem com a possibilidade de fazer apelo ao papa. O infante acaba por ceder37. Sebastiana Lopes reconhece que não analisou a documentação das ordens de Cristo e Santiago para estudar o pessoal da casa do infante, porque esse não era o propósito central do seu trabalho38. De qualquer forma, a autora foi quem primeiro reuniu mais dados sobre este infante, numa sistematização da sua vida e casa senhorial que se impunha e continua a impor. Contudo, antes desta dissertação já Humberto Baquero Moreno redigira dois trabalhos sobre o irmão de D. Afonso V. Sendo artigos curtos e pouco desenvolvidos, não deixam de oferecer um guia com os principais acontecimentos da vida de D. Fernando, baseados essencialmente na Crónica de D. Afonso V e nas doações que encontrou na chancelaria deste monarca, feitas ao irmão. Redigido no âmbito do III Colóquio Internacional da História da Madeira, o historiador traça uma biografia do infante, concentrando os dados biográficos mais significativos, mas reflete, igualmente, sobre a sua intervenção na política da época; bens, propriedades, doações (muitos deles outorgados por D. Afonso V), os diversos títulos e o envolvimento nas campanhas de Marrocos. Enquanto herdeiro do tio, o infante D. Henrique sucedeu-lhe como administrador da Madeira (aspecto, a nosso ver, ainda pouco aprofundadamente estudado, sobretudo tendo em conta que no ano de 1461, o infante outorgava um Regimento ao Funchal, que significou uma boa administração e uma valorização das potencialidades económicas desse território). Também a menção às ordens militares de Santiago e Cristo é patente: lembra-se que na sua qualidade de mestre de Santiago lhe são outorgados diversos privilégios por D. Afonso V, em 1450. Quanto à Ordem de Cristo refere-se apenas que recebe vitaliciamente o governo dessa instituição, a partir de

36 LOPES, p. 63. 37 LOPES, p. 72. 38 LOPES, p. 83. 26

1461 e com o compromisso de continuar a guerra contra os sarracenos. A muito sucinta biografia de Baquero Moreno oferece, a nosso ver, a solidez e segurança de um trabalho histórico norteado pelo recurso constante a fontes e que nos permite, igualmente, estabelecer um quadro de recursos históricos que devemos utilizar. Refira-se ainda de Humberto Baquero Moreno: As Ordens Militares na sociedade Portuguesa do século XV. O apogeu e a queda do Mestrado de Santiago39. Neste artigo de síntese sobre a evolução da ordem de Santiago em paralelo com as suas relações com a coroa portuguesa, o autor não pode deixar de referir a solicitação de D. Fernando para mestre, na sequência da morte de D. Diogo (filho do infante D. João40), assim como considerar que o período de D. Fernando corresponde a uma fase de apagamento do mestrado desta instituição41. Para além destes trabalhos mais antigos e exclusivamente sobre este infante, encontramo-lo citado noutros títulos de âmbito mais geral, como as biografias régias que já referimos, ou nas dissertações dos últimos anos sobre a sua mulher, a infanta D. Beatriz, e que já referimos. No entanto, devemos destacar o trabalho de Peter Russell, biógrafo do infante D. Henrique e autor de diversos trabalhos sobre a história política, militar e cultural da Península Ibérica da Baixa Idade Média. Na sua biografia do infante D. Henrique, propõe uma explicação e uma interpretação para um dos problemas mais interessantes sobre a vida do infante D. Fernando e da relação com o seu tio e pai adoptivo: a questão dos testamentos henriquinos e as mudanças que o moribundo infante lhes fez na véspera da sua morte. D. Fernando perderia parte dos bens deste tio, com os quais quase sempre contara, e que passariam para D. Afonso V. O rei, por sua vez, manterá as disposições iniciais e fará executar a mais antiga versão do testamento de D. Henrique, através da qual D. Fernando herda tudo. Posteriormente, outros autores abordariam de forma breve a vida de D. Fernando: Luís Miguel Duarte, na sua biografia sobre D. Duarte, lembra-o enquanto

39MORENO, Humberto Baquero - As Ordens Militares na sociedade Portuguesa do século XV. O apogeu e a queda do Mestrado de Santiago. IZQUIERDO BENITO, Ricardo, RUIZ GÓMEZ, Francisco (coord.) – Las Órdenes Militares en la Península Ibérica: Volumen I: Edad Media. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla - La Mancha, 2000. pp. 773- 796. 40 MORENO, 2000, p. 793. 41 MORENO, 2000, p. 796. 27 filho do rei; Saul António Gomes obrigatoriamente e com mais sentido também o faz, enunciando os aspectos mais importantes da vida deste príncipe, sobretudo o seu envolvimento nas campanhas do Norte de África e pouco dando a conhecer a relação entre irmãos e, por fim, João Paulo Oliveira e Costa dedica-lhe um capítulo42, enquanto pai do seu biografado D. Manuel I e fundador da casa de Beja. Na sequência dos estudos sobre o infante D. Henrique e a sua casa, João Silva de Sousa redigiria alguns artigos 43 sobre o infante D. Fernando; pequenas biografias onde aborda igualmente os principais aspectos da sua vida, para além de menções noutros trabalhos44. Talvez seja no domínio da bibliografia sobre as ordens militares que as menções ao infante sejam mais numerosas, ainda que na sua maioria pouco aprofundadas. Tal explica-se por este não ser o tema de investigação nos estudos que consultámos. Veja- se, a título de exemplo, o trabalho de António Pestana de Vasconcelos45, que tem como fonte principal os estatutos da Ordem de Cristo de 1503, e data já do reinado de D. Manuel I, rei que acumula o cargo de governador da Ordem de Cristo e que nessa altura reúne capítulo em Tomar para atualizar os estatutos dos membros. A referência desta obra pode parecer-nos tardia46, mas o autor debruça-se sobre o entendimento daquilo que é um mestre e um governador em meados do século XV, tendo em consideração os estatutos de 1449, durante o governo do infante D. Henrique. Não nos poderão passar ao lado as disposições e prerrogativas daquilo que é ser um governador da instituição nesta fase e cuja grande alteração parece ter sido o facto de já não se eleger o mestre, mas este

42 COSTA, João Paulo Oliveira -D. Manuel I: um príncipe do renascimento. Mem Martins: Círculo de Leitores, 2005. 43 SOUSA, João Silva - “As origens da Casa Senhorial de D. Fernando, Duque de Viseu e de Beja”. In Anais do Município de Faro, nº 20, Faro, pp. 201-209; SOUSA, João Silva - “Os Herdeiros do Infante e o Governo dos Açores (1560-1485)”. Arquipélago, nº2, 2ª série, IV, (2000). 44 SOUSA, João Silva – “Casas Senhoriais no Portugal Quatrocentista”. Separata da Revista de Ciências Históricas, nº IX, Universidade Portucalense, 1994; SOUSA, João Silva – “O Ducado de Viseu no Século XV”. Anais de História de Além-Mar, vol. II, 2001, pp. 139-156; SOUSA, João Silva – Senhorias Laicas Beirãs no século XV. Lisboa: Livros Horizonte, 2005. 45 Tese de Mestrado em História Medieval apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1995 e editada pela Militarium Ordinum Analecta em 1999. VASCONCELOS, António Maria Falcão Pestana de - A Ordem militar de Cristo na Baixa Idade Média: espiritualidade, normativa e prática. Militarium Ordinum Analecta. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1999. 46 Uma vez que o governo de D. Fernando na Ordem de Cristo abrange os anos de 1461 a 1470, ou seja, o início da segunda metade do século XV. 28 cargo tornar-se de nomeação régia, confirmada, posteriormente, por bula papal47. Ora tal processo verificou-se com D. Fernando e a sua entrada para Cristo, enquanto sucessor do seu tio D. Henrique. São igualmente estudadas as funções do mestre ou governador, enquanto modelo de educação moral e espiritual, que deveria ouvir os freires da ordem, era o responsável pela administração financeira do convento, bem como pelo provimento material, no qual se incluía o alimentar. É ainda o mestre ou governador quem gere o património da ordem de Cristo, quer por intervenção direta, quer através de delegação, sendo ele a celebrar contratos, emprazamentos, aforamentos, a concessão de privilégios, etc.48. Acerca desta última função do mestre ou governador encontramos testemunho da outorga de um alvará e de um emprazamento de D. Fernando49, que se encontra no cartulário do Livro dos Copos da Ordem de Santiago e que nos obrigará a estabelecer uma comparação entre aquilo que é ser um mestre/governador em Cristo e em Santiago. Fica assim assegurado o importante contributo do trabalho de António Pestana de Vasconcelos para o nosso estudo, na medida em que a sua mais importante conclusão consiste em perceber que o período da governação do infante D. Henrique constitui uma viragem dentro da Ordem de Cristo já submetida aos interesses joaninos da Expansão, à qual o infante D. Fernando não foi alheio. Este é o herdeiro daquele no compromisso daquilo que são as funções do governador e como canalizar os cavaleiros de Cristo para as exigências da Expansão50.

47 VASCONCELOS, 1999, p. 33. 48 VASCONCELOS, 1999, pp. 33-35. 49 Apesar de ainda não conhecermos a documentação dos fundos das duas ordens que estudaremos por isso implicar deslocação e trabalho no ANTT, julgamos que iríamos encontrar sobretudo diplomas de caráter económico, o que se coaduna perfeitamente com as funções e atribuições dos mestres nesta altura e às quais D. Fernando não constitui exceção. 50 Relembremos os documentos papais da década de 60, através dos quais os papas revogam e confirmam a não obrigação das ordens militares de Cristo, Avis e Santiago de construção e fundação e conventos em África. (Livro dos Copos e Monumenta Henricina). Acrescente-se outro testemunho que evidencia a participação das Ordens de Cristo e de Santiago nas conquistas ultramarinas ao tempo do infante D. Fernando, na Crónica do Conde D. Duarte de Meneses. ZURARA, 2006, p. 347. Ordenava o infante no âmbito da conquista de Tânger, relativamente aos cavaleiros de Cristo e de Santiago: a todollos cavalleyros que o servissem aas suas próprias despesas e ainda pagavom os fretes dos navyos ao Jffante mesmo em que passarom, exigência que gerou controvérsia e indignação dos cavaleiros. 29

Passemos ao trabalho de Isabel Morgado e Silva: A Ordem de Cristo – 1417- 152151. Contrariamente ao de António Pestana de Vasconcelos, que se debruça sobre a análise da normativa e dos estatutos para assim conseguir reconstruir os cargos e toda a hierarquia desta instituição nos finais da Idade Média, Isabel Morgado amplia a cronologia e estuda as estruturas jurídicas de Cristo nas suas ligações com a monarquia, com a Santa Sé e internamente, isto é, as comendas, as visitações e os rendimentos; desenvolve, através de listas, as hierarquias de dignidades: mestres, comendadores, vigários, claveiros. Trata-se de um trabalho da maior importância para o nosso estudo, na medida em que abrange o período no qual nos movemos, ou seja, o mestrado do infante D. Fernando. Este aparece referido logo no primeiro capítulo, uma vez que nele se traça o elenco dos administradores da ordem nesta cronologia. Mas o objetivo final não é o estudo do governo do infante na Ordem de Cristo, antes perceber o que é esta instituição de forma geral, privilegiando as suas dimensões económicas e jurisdicionais e, em parte, políticas (Cristo é exemplar nas boas relações que a Monarquia portuguesa queria manter com as suas instituições religioso-militares52 e sempre foi de todas elas a mais próxima e institucionalizada pela Coroa). Assim, volta a acentuar-se o peso reforçado da Coroa junto desta ordem, com D. Henrique a orientá-la no sentido dos objetivos da monarquia, tendo em vista a cruzada53. Quanto a D. Fernando, ficamos a saber acerca das suas viagens a África, doações, atuação política, casamento, morte e algumas sucintas linhas acerca dele, enquanto governador de Ordem de Cristo. Por fim, saliente-se a importância desta obra pela panorâmica que oferece sobre o século XV e que deve ser complementada com as dimensões mais normativas, estudadas por António Pestana Vasconcelos e que já referimos, nomeadamente o estatuto de 1449, que apanha o governo do infante D. Fernando assim como com a dissertação de doutoramento54 sobre os indivíduos que pertenciam às ordens no final da Idade Média. Este último aspeto é essencial para entender as estratégias das linhagens dentro das

51 SILVA, Isabel Morgado – A Ordem de Cristo - 1417-1521. Militarium Ordinum Analecta. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 2002. 52 SILVA, 2002, p. 45. 53 SILVA, 2002, p. 66. 54 VASCONCELOS, António Pestana de – Nobreza e Ordens Militares: Relações Sociais e de Poder. Militarium Ordinum Analecta. Porto: CEPESE, 2012. 30 ordens militares, assim como as dimensões reais de poder e de sociedade emanadas destas instituições religiosas, entre os reinados de D. João I e os finais do de D Manuel I. A principal preocupação da obra é o estudo linhagístico e sociológico, que permite ao autor concluir que a inclusão destes indivíduos da nobreza nos universos das ordens militares é tanto mais acentuada quanto mais nos aproximamos da baixa Idade Média. Para além de analisar a evolução destas instituições desde o final recente da Reconquista55 já com D. Dinis, até D. Manuel I, propõe-se sempre essa visão das relações entre a Coroa e as ordens, bem como as suas diferenças e proximidades no que às regras, práticas, hábitos, profissão, cargos e administração diz respeito. Consideramos que o grande contributo deste trabalho para nós é a evolução no sentido da laicidade que estas instituições acusam ao longo destes reinados, assim como as formas que esses reis foram encontrando de orientar as ordens militares para os seus interesses, objetivos e estratégias56, entre as quais os governos de D. Fernando em Santiago e Cristo são paradigmáticos. Em As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média: o governo de D. Jorge57, Cristina Pimenta volta a privilegiar muito daquele que tem sido o fio condutor na investigação em ordens militares nas últimas duas a três décadas: as relações entre estas instituições monástico-militares e a monarquia, tendo como enfoque principal a administração de D. Jorge, filho de D. João II, abordando os níveis de relacionamento entre as duas ordens e o poder régio durante os seus longos anos de governo. Cristina Pimenta também refere a administração de D. Fernando, enquanto dirigente da ordem de Santiago numa lógica clara e sequencial de infantes que se vão sucedendo nestes governos desde o reinado de D. João I. Nesta parte discute as opções tomadas pelo infante D. Pedro durante o período da Regência, que o terão motivado para a escolha do jovem infante para a ordem de Santiago58. São também mencionados diplomas da altura do seu governo e que denotam uma preocupação constante com a manutenção e

55 Termina com D. Afonso III, mas a dissertação de Pestana de Vasconcelos começa no reinado de D. Dinis. 56 Nomeadamente a guerra e a expansão no Norte de África. 57 PIMENTA, Cristina - As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média: o governo de D. Jorge. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 2001. Militarium Ordinum Analecta. 58 PIMENTA, 2001, p. 47. 31 confirmação de privilégios concedidos pela Santa Sé à ordem de Santiago59 e simultaneamente uma ausência assinalável no governo desta ordem, que a autora justifica com a sua ativa participação nas campanhas expansionistas empreendidas pelo irmão, D. Afonso V60. O sentido deste governo parece ser de continuidade com aquilo que é a política portuguesa no século XV. Cristina Pimenta é também autora de um artigo61 sobre as ordens de Cristo e Avis ao tempo de Alfarrobeira, que oferece uma panorâmica geral sobre estas instituições em Portugal em meados do século XV, assim como as suas relações com a monarquia. O governo de D. Fernando em Santiago é abordado numa postura de aproximação à milícia e numa prática de continuidade de colaboração com a Coroa (mesmo após a morte do regente). Finalmente são referidas as suas preocupações face à concessão de benesses, privilégios, doações e confirmações à ordem. No que se refere à nomeação de D. Fernando para governador da ordem de Santiago, também Luís Filipe Oliveira62 avança com esta questão de forma breve, pensando aquilo que poderá ter sido a sua ação enquanto governador em paridade com as suas escolhas políticas, isto é, o apoio a D. Afonso V na ocasião da batalha de Alfarrobeira63, na qual o infante D. Pedro faleceria, em 1449. A referência a D. Fernando nesta dissertação surge quando estuda os mestres de Santiago, seguindo um modelo prosopográfico, bem como os comendadores, para além de não perder de vista os respetivos perfis sociológicos, a lenta aristocratização que se vai fazendo sentir nestes últimos e a administração interna destas instituições desde 1330 até ao final da Regência, em 1449.

59 Documentos que já descriminámos no Livro dos Copos. 60 PIMENTA, 2001, p. 53. 61 Sobre a situação das ordens de Santiago e Cristo à época da batalha de Alfarrobeira vejam-se: SILVA, Isabel Morgado – A Ordem de Cristo ao tempo de Alfarrobeira. In FONSECA, Luís Adão da; AMARAL, Luís Carlos; SANTOS, Maria Fernanda (coord.) Os Reinos Ibéricos na Idade Média: Livro de Homenagem ao Professor Doutor Humberto Carlos Baquero Moreno. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Civilização Editora, 2003. Vol. II. pp. 511-517; PIMENTA, Maria Cristina – As Ordens de Avis e Santiago no século XV: o antes e o depois de Alfarrobeira Ibidem, Vol. II. pp. 987-994. 62 OLIVEIRA, Luís Filipe – A Coroa, os Mestres e os Comendadores.: As Ordens Militares da Avis e de Santiago (1330-1449). Universidade do Algarve, 2009. Sobre o infante D. Fernando vejam-se as páginas 283-285.

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Capítulo 1 – Os primeiros anos: a infância de D. Fernando

1.1. Da gravidez da rainha à adopção pelos infantes D. Henrique e D. Fernando (1433-1436)

D. João I morre em meados de Agosto de 1433. A morte do monarca, e a simbologia em torno dela, significou não apenas o início de um novo reinado, como seria de esperar, apesar de D. Duarte há muito cogovernar com o seu pai e estar activamente envolvido nos assuntos políticos do reino, mas também a primeira referência a um novo príncipe de Avis que estava por nascer. A morte de D. João I, como se sabe, fora retratada de forma perfeita e exemplar, digna de um rei. No entanto, modelar tinha sido igualmente a actuação de D. Duarte que, ainda infante e futuro rei, tendo casado em Setembro de 1428, já começara a produzir herdeiros. Casara com uma infanta dita de Aragão, D. Leonor e com ela teve nove filhos. Logo no primeiro ano de casamento nasce D. João, com o nome do avô e fundador da casa dinástica, mas que morreria pouco depois. Em 1430 nasce D. Filipa, que não ultrapassou os oito, nove anos; em 1432 nascem, para nosso espanto, o herdeiro e futuro rei D. Afonso V e uma menina, Maria, certamente muito pouco saudável, que morreria pouco depois. Em 1433 nasce D. Fernando, que ganha o nome do avô paterno Fernando de Antequera, nome que seguia também uma linha de nomes de reis e príncipes do lado português. Seguir- se-iam ainda, Leonor em 1434, a futura imperatriz da Alemanha; em 1436 nasceria Catarina e em 1439 Joana, que D. Duarte já não viria a conhecer. Como se percebe, o Eloquente tivera a maior parte dos seus filhos ainda antes de se tornar rei, garantindo a segurança da sua casa e dinastia e cumprindo aqueles que eram, sem dúvida, os seus deveres políticos como futuro rei. Referimos que a morte e a celebração das exéquias de D. João I significaram também a menção de que um novo infante estava para vir. Esta é a primeira referência documental que temos relativamente a D. Fernando, ainda antes de nascer e no ventre da rainha sua mãe, simplesmente por esta se encontrar em período final de gestação, de tal modo que não pôde comparecer às cerimónias e cortejos que permitiram trasladar o

33 corpo do sogro para Santa Maria da Vitória na Batalha, local de resto muito querido a D. João I64. Pela mesma razão foi sentida a ausência da mulher do infante D. Pedro. Foi da máxima preocupação de D. Duarte a organização das cerimónias fúnebres do seu pai para o panteão dos Avis na Batalha (ocorridas sensivelmente dois meses depois da morte do rei), que contaram naturalmente com as mais importantes figuras e dignidades do reino, como muitos abades, toda a clerezia, prelados relevantes, todos os infantes, o conde de Barcelos e os respectivos filhos, conde de Arraiolos e conde de Ourém e as mais ilustres senhoras: condessa de Barcelos, a infanta D. Isabel, mulher do infante D. João, a condessa de Arraiolos e outras donas e senhoras do reino. Neste dia grandioso e certamente muito emotivo para todos, apenas se registaram as ausências da rainha D. Leonor e da sua cunhada Isabel de Urgel, duquesa de Coimbra. No entanto, a morte de D. João I abriu oportunidade para que os dois filhos mais velhos do falecido monarca se reaproximassem: o rei D. Duarte e o infante D. Pedro. Este último fora o único a não estar presente à cabeceira do pai, aquando do momento da sua morte. A partida para a Batalha significou um regresso à corte por parte de D. Pedro, como explica Rui de Pina. No entanto o seu papel ainda viria a ser mais determinante, significativo e provavelmente marcante na infância de D. Afonso V e do irmão, D. Fernando. De facto, D. Pedro andara afastado de todo este processo e o seu próprio casamento, anos antes, gerara algum desconforto e desencontros, mas não hesitou em dirigir-se aos Paços de Belas para se encontrar com D. Duarte, donde seguiram para Sintra, onde D. Pedro prestou as primeiras menagens ao seu irmão como rei recém aclamado. Para além das amizades, apoios e vassalagens devidamente restabelecidas, Pina refere que foi introduzida uma outra novidade nesta altura: o infante D. Afonso, muito pequeno, foi jurado herdeiro do seu pai e chamado príncipe, o que até então nunca tinha acontecido. Foi o primeiro infante herdeiro a ter esta designação. A D. Fernando, consequentemente, pouco depois seria dada essa mesma oportunidade, quando viesse a ser jurado herdeiro. A morte de D. João I coincidiu portanto com o próximo nascimento de mais um dos seus netos, que já não conheceram o avô. Assim foi o início da vida de D. Fernando,

64 PINA, Rui de – Chronica do Senhor Rey D. Duarte, int. e rev. de M. Lopes de Almeida. Porto: Lello e Irmão editores, 1977, p. 499. 34 que acabaria por nascer no dia 17 de Novembro de 1433 em Almeirim e, segundo D. Duarte, numa terça feira tres oras ante meio dia65. O nascimento de mais um infante nesta terra ribatejana não é descabido, uma vez que D. Duarte permaneceu praticamente todo o mês de Novembro desse ano em Santarém (no âmbito de cortes) e efectuou algumas deslocações a localidades próximas da vila, como Almeirim e Coruche (a primeira precisamente onde o infante nasceu.) Tal indica-nos a provável proximidade da rainha e dos outros infantes ao rei66, que acompanhavam com frequência a corte e o rei. Como explica Humberto Baquero Moreno, existe uma clara tendência de D. Duarte para se restringir aos territórios entre Santarém e Évora e pouco se deslocar ao centro e norte do país. Tal inclinação estendeu-se a outros reis da casa de Avis67, que pareceram pouco valorizar as regiões do norte relativamente ao centro e sul. Com a necessária cautela, é de supor que o infante D. Fernando acompanhou estas deslocações e participou desta propensão da corte e dos reis para viverem mais por Lisboa, pelo Ribatejo e Alentejo, uma vez que a documentação permite poucas conclusões acerca dos locais por onde ele viveria. As Crónicas de D. Duarte e de D. Afonso V de Rui de Pina são as fontes que mais pormenores e informações nos oferecem acerca desta fase da vida do infante. Tentar reconstruir o percurso da infância de alguém, ainda que de um príncipe, para um período tão recuado é algo que abre espaço a muitas especulações. Pouco sabemos sobre a infância dos filhos de D. Duarte e sobre a de D. Fernando, em concreto. No entanto, sabemos mais do que aquilo que se poderia esperar. Isto é, o contexto político que se segue à morte de D. Duarte, com a menoridade de D. Afonso V, explicam algumas referências que temos à vida do infante durante estes primeiros anos da sua vida e crescimento. A situação de confusão política, de desentendimento entre os infantes de Avis e a rainha viúva e de outros episódios de que falaremos revelam-nos uma infância instável, conturbada e talvez comprometedora para quando chegasse o momento de escolher lados políticos, nos momentos finais da Regência de D. Pedro. Mas não nos

65 DUARTE, D. – Livro dos Conselhos de El- Rei D. Duarte (Livro da Cartuxa), ed. e transc. João Alves Dias. Lisboa: Editorial Estampa, 1982, p. 146. 66 MORENO, Humberto Baquero – Itinerários de El-Rei D. Duarte (1433-1438). Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1976, pp. 11-12. 67 MORENO, 1976, pp. 34-35. 35 adiantemos, sem antes referir as grandes festas que D. Duarte organizou com grande solenidade e grandiosidade em Lisboa, em 1435 e tendo o infante apenas dois anos68. Festejavam-se as unções pelos santos óleos dos filhos do rei, que contaram com a presença dos grandes do reino. No entanto, um problema de ordem familiar pareceu abalar o rei nesse dia e toda a sua alegria se converteu em tristeza e dor, uma vez que fora notificado que os seus cunhados - o rei D. Afonso de Aragão e de Nápoles, D. João rei de Navarra e D. Henrique, mestre de Santiago de Castela - tinham sido feitos prisioneiros no mar pelos Genoveses e estavam agora nas mãos do duque de Milão, que também era senhor de Génova. Pina não menciona mais pormenores, mas apenas que D. Duarte cancelou tudo e ficou sem disposição. Questiona-se o cronista acerca de como havia senhores em Itália a aprisionarem reis hispânicos e continua com um breve apontamento sobre os infantes de Aragão69. Regressemos à infância de Fernando. Sabemos que não conheceu os avós, e que poucas memórias teria dos seus pais, dado que D. Duarte morreu quando ele tinha apenas cinco anos e que ficaria junto da sua mãe por pouco tempo, passando depois para os cuidados do infante D. Pedro, seu tio. Qual terá sido a sua percepção dos acontecimentos da crise política que se fez sentir após a morte do rei? Sabemos que era apenas uma criança, mas deverá ter sentido alguns desses efeitos, sobretudo quando o separaram da mãe, que nunca mais voltou a ver70. Quem o educou e como foi educado? Que influência e papel, efectivamente, desempenhou o infante D. Pedro junto do seu sobrinho? Como e quando foi constituída a sua casa? E qual a relação com os outros irmãos, sobretudo com D. Afonso, de quem permaneceu mais perto nesta fase? Qual a proximidade com os seus outros tios infantes, irmãos do pai? Não conseguimos encontrar resposta para a maior parte destas interrogações. No entanto, algumas alusões na cronística da época permitem-nos estabelecer um fio condutor para estes primeiros anos e ajudar a lidar com algumas destas perguntas. Sabemos que os anos de 1435 e 1436 foram marcados pela cerimónia, cancelada, dos santos óleos aos filhos de D. Duarte e pela adopção pelos seus tios,

68 PINA – Crónica de D. D, p. 509. 69 PINA, Crónica de D. D, pp. 509 e ss. 70 Esta faleceu em 1445. 36 infante D. Henrique e D. Fernando, do pequeno infante. Por esta altura o infante D. Henrique andava obcecado em prosseguir as incursões militares em terras de África, para além de não podermos esquecer o parecer sobre a guerra em Marrocos71 que redigiu a pedido de D. Duarte, que o mostra como um verdadeiro cruzado e defensor convicto deste tipo de práticas militares e religiosas. Opinião menos convincente (relativamente à dos outros seus irmãos D. Pedro e D. João), mas igualmente paradigmática numa personalidade e caráter como os do infante D. Henrique, encontramos no seu parecer, de 1436. São unânimes Peter Russell72 e Luís Miguel Duarte73 ao referirem a previsibilidade e total falta de originalidade de D. Henrique, neste texto. No seu parecer ressaltam desde logo os valores de guerra santa e de cruzada, que tornam este texto num testemunho único e radicalmente diferente do dos seus irmãos e sobrinhos. Dizemos diferente porque defende ardentemente a guerra em Marrocos, como de resto o fará ao longo da sua vida. Peter Russell, um dos seus biógrafos, chama à atenção para a incoerência e falta de nexo do texto, quando comparado com os dos outros autores e refere a construção de uma imagem de asceta e de cruzado, que D. Henrique quis legar para a posteridade74. Menciona apenas que é justo e correto fazer a guerra contra os mouros porque a igreja o determina e defende, pela fé, glória eterna, honra e prazer. Conceitos que não surgem devidamente explicados nem fundamentados e que revelam uma argumentação pobre. Talvez sentindo-se incapaz de convencer o irmão D. Duarte para que o autorizasse a prosseguir com a guerra em África, decidiu-se pela adopção do segundo filho varão do rei. Como explica Pina, tal expediente pretendia atingir a rainha, para que ela se sentisse inclinada nesse seu desejo e o ajudasse a persuadir o rei75. O infante D. Fernando, que subscrevia as opiniões do seu irmão mais velho, recorreu à mesma táctica, sobretudo porque queria ser armado cavaleiro em cenário de guerra, como Duarte, Pedro, Henrique e João. Então, nas vésperas de Tânger, ficou estipulado que depois das mortes

71 “Resposta do infante D. Henrique … (1436)” in Monumenta Henricina, vol. V, doc. 101, pp. 201-204. 72 RUSSELL, 2016. p. 160. 73 DUARTE, Luís Miguel – D. Duarte: requiem por um rei triste. Rio de Mouro: Temas e Debates, 2007. p. 315. 74 RUSSELL, 2016, pp. 160-161. 75 PINA – Crónica de D. D, p. 520. 37 dos dois infantes, o seu sobrinho D. Fernando herdaria tudo de ambos. Da parte do infante D. Fernando, ‘o santo’, tal decisão não poderia ser mais clara: E, avendo hi tantos de meus beens per que todallas cousas e legados conteudas em este meu testamento seiam compridas e pagadas, mando e quero que o iffante dom Fernando, meu prezado e amado sobrinho herde de meus beens, movis e de rraiz , todo o que sobeiar.76 Esta afirmação, que coincide com o discurso de Pina, surge-nos no testamento de D. Fernando, datado de 18 de Agosto de 1437, onde após descrição exaustiva e pormenorizada de como e onde queria que fossem as suas exéquias (na eventualidade de morrer em África) e depois de enumerar as doações e pagamentos que queria fazer a mosteiros e ao pessoal da sua casa, mandava que todos os bens móveis e de raiz e o que sobrasse ficassem nas mãos do seu sobrinho, o pequeno D. Fernando, como já vimos. A este testamento antecipara-se o infante D. Henrique, que redigira ou mandara redigir um alvará (ou primeira forma de testamento) em Março de 1436, no qual doava e deixava tudo ao sobrinho adoptado. Nesse documento toma-o por filho e herdeiro77. Mas voltaremos ao problema dos testamentos. O tempo, por sua vez, mostraria ao ainda pequeno infante D. Fernando a enorme diferença de ser herdeiro de D. Fernando e de D. Henrique.

1.2. A morte de D. Duarte

Dilacerado com o encarceramento do seu irmão Fernando, em Fez, e atacado pela peste, D. Duarte morre a 10 de Setembro de 1438 em Tomar. Todos os familiares mais próximos foram avisados da doença e da morte do rei, à excepção do infante D. João, que também se encontrava doente na altura e a quem foram ocultadas a doença e o óbito do rei. O infante D. Pedro viera mais cedo de Coimbra para organizar as cerimónias fúnebres do falecido rei e para providenciar aquele que deveria ser o passo seguinte: a

76 MH, vol. VI, doc. 52, 1964. p. 130. 77 MH, vol. V, doc. 102, 1963. pp. 205-207. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. I, docs. 96-97, p. 125. 38 aclamação de um novo monarca, neste caso D. Afonso V78. O rei era uma criança de apenas seis anos e os tempos que se seguiriam seriam de um árduo caminhar até que D. Pedro conseguisse estabilizar a sua regência e a situação política no reino, tendo em conta uma menoridade régia sempre delicada. Após a morte do rei, a rainha fez com que se procedesse ao conhecimento do testamento do marido, mandando reunir o Conselho e trazer junto de si o infante D. Pedro e o arcebispo de Lisboa. Pina explica que parte do conteúdo desse documento previa que a rainha, sem a ajuda de mais ninguém, ficaria tutora exclusiva dos seus filhos, herdeira de todos os bens temporais e regente do reino. Acrescentava D. Duarte o seu desejo de que o seu irmão mais novo fosse libertado das mãos dos muçulmanos e que se entregasse Ceuta em troca dele. No entanto, a situação estava longe de ser simples; e nas últimas linhas da Crónica de D. Duarte, Pina pretendeu ‘adivinhar’ os conflitos, desentendimentos, escrevendo que antre a Raynha e o Ifante Dom Pedro ouve grandes divissoees e mudanças, de que a ella se seguio e causou despois sua morte, e sua sayda destes Regnos com muyto trabalho, e ao Regno e naturaaes delle pouco descanso79. Não é este o lugar para descrever exaustivamente a evolução dos acontecimentos e do clima político durante estes anos, mas apenas para tentar recordar os episódios mais marcantes que implicaram o infante D. Fernando. Como explica Humberto Baquero Moreno, a vinda do infante D. Henrique (que ainda não aparecera na Corte desde o desastroso ataque a Tânger) do Algarve a Tomar traria alguma calma à rainha e aos cunhados e entre todos se decidiu que se deveria reunir cortes80. Para além desta decisão, outros assuntos foram tratados em Tomar, como a trasladação dos restos mortais de D. Duarte, que só ocorreu no Outubro seguinte. No entanto, é também desta altura que data a importante iniciativa do infante D. Pedro, enquanto esperava por cortes e que D. Duarte tivesse o seu funeral, para que o muito jovem infante D. Fernando (de apenas cinco anos) fosse intitulado e jurado por príncipe e herdeiro do seu irmão. D. Pedro preocupava-se com a descendência do irmão

78 PINA – Crónica de D. D., pp. 574-575. 79 PINA – Crónica de D. D., p. 575. 80 MORENO, Humberto Baquero – A Batalha de Alfarrobeira – antecedentes e significado histórico. Universidade de Lourenço Marques, vol. V, serie B, 1973, p. 8. 39 e o prosseguimento da sua casa. Os seus argumentos relacionavam-se com a menoridade de D. Afonso V, do muito tempo que ainda faltava até que se fizesse um homem maduro e adulto, se casasse e tivesse herdeiros; para além de que a vida podia ser muito efémera e perigosa. Não apenas no caso do pequeno rei, mas também em todos os meninos da sua idade, que sujeitos a muytos casos e desastres, de que Deos nosso Senhor ho guarde (ao rei) e defenda 81. Para que não houvesse qualquer dúvida e insegurança, D. Pedro elaborou um discurso, reproduzido um tanto ficcionadamente pelo cronista, no qual se batia pelo juramento do sobrinho enquanto herdeiro do rei. Nesse momento, tal medida de segurança proposta pelo infante D. Pedro pareceu funcionar apenas na teoria, para que as relações com a rainha serenassem um pouco, e para mostrar que ele próprio não tinha quaisquer ambições. Na prática, perante dois varões herdeiros tão novos, a decisão mais importante estava por vir: quem regeria o reino. Desta forma, o infante D. Fernando intitulou-se príncipe até ao nascimento do príncipe D. João, herdeiro de D. Afonso V. Neste acto solene em Tomar estiveram presentes todos os grandes senhores do reino, entre os quais os infantes e o conde de Barcelos, enquanto aguardavam as cortes. No entanto, não temos notícias concretas onde se encontrava D. Fernando no momento da morte do pai e nos dias que se seguiram até à aclamação do novo rei e à sua intitulação enquanto príncipe herdeiro. Provavelmente estaria junto dos tios, do irmão e sobretudo da mãe, uma vez que todos se encontravam reunidos em Tomar nestes dias. É natural que assim fosse; a proximidade à rainha era seguramente maior e assim se manteria, pelo menos nos tempos mais próximos. Ao que parece, o discurso de D. Pedro funcionou e alcançou os seus objectivos, uma vez que todos pareceram concordar que tal intitulação seria benéfica naquele momento e eficaz na manutenção de relações tranquilas com a rainha. Tal ficaria comprovado com a aceitação, por parte do infante D. Pedro e de D. Leonor, de uma vontade manifesta de D. Duarte, o casamento entre o príncipe herdeiro e a filha do duque de Coimbra, D. Isabel. Tais afirmações do cronista serão essenciais para tentarmos compreender, em momento oportuno, as decisões acerca dos casamentos dos filhos de D. Duarte, pensados e consolidados pelo infante D. Pedro.

81 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 593.

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No entanto, estes acontecimentos que precedem as cerimónias fúnebres de D. Duarte e as cortes de Torres Vedras não estão ainda isentos de alguma tensão, bem como o momento da chegada do corpo do rei ao Mosteiro da Batalha. Estávamos em Outubro de 1438 e o infante contava apenas com cinco anos. Como se consegue vislumbrar na Crónica de D. Afonso V, a tensão e a discórdia teriam início nesta fase de reunião em Cortes, em Torres Vedras, na escassa simpatia dos procuradores pela rainha e nas contradições sobre quem devia deter o regimento. Após a abertura das cortes, a rainha solicitou de imediato ao infante D. Henrique que convocasse para junto dela o infante D. Pedro. Este respondeu prontamente, em gesto de muito respeito, e juntos decidiram que a rainha teria a responsabilidade de criar os seus filhos e teria a seu cargo a fazenda do reino, ficando ao infante D. Pedro o regimento da justiça e o tytulo de defensor dos reynos por elrey82. Como explica Humberto Baquero Moreno, os debates das cortes prologaram-se durante alguns dias e o infante D. Henrique não deixou de participar nas principais decisões políticas da altura, relacionadas com o regimento. Ele era um profundo conhecedor dos problemas latentes e antigos que se começavam a revelar: o escasso entendimento entre D. Pedro e a rainha, a indisfarçada oposição do seu meio-irmão o conde de Barcelos, que parecia estar contra tudo, os desentendimentos, igualmente sentidos, por parte dos povos, desconfiados de uma regência entregue a uma mulher (pior do que isso: uma mulher estrangeira!), mas igualmente das ligações fortes entre os filhos de D. João I. Estas foram mais uma vez patentes na protecção dada ao infante D. João, para que não soubesse da doença e morte de D. Duarte, dado o seu estado de fragilidade e porque o rei o tinha educado e amado sempre como seu próprio filho. Esta ligação, segundo Pina, remonta ao período da morte de D. Filipa de Lencastre, que deixara dois filhos pequenos: os infantes D. João e D. Fernando. Duarte tomara sempre conta de D. João e o rei, D. João I, olhara sempre por D. Fernando. D. João por sua vez construiria uma relação forte com o seu outro irmão, o infante D. Pedro, que lhe valeu em momentos muito importantes do início da sua regência. Estas informações, que não deixam de ser curiosas, poderão estar na origem das decisões levadas a cabo pelo

82 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 599. 41 regente aquando de organizar os casamentos dos sobrinhos e nas quais o infante D. Fernando está directamente envolvido, como se verá mais adiante. Regressemos às propostas do infante D. Henrique e sobretudo às que dizem respeito à educação dos sobrinhos Afonso e Fernando. Defendia o infante que a rainha devia ser tutora e curadora do rei e dos seus restantes filhos, e que os outros poderes seriam repartidos, nomeadamente entre o infante D. Pedro e o conde de Arraiolos. A rainha não consentiu tal porque desejava que o regimento ficasse integralmente para ela. Permaneciam os filhos com a rainha e junto com o seu aio, Nuno Martins de Silveira, quando se iniciou o seu regimento; e faleceu entretanto a infanta D. Filipa. Estávamos em Março de 1439. Esta menina deixava o mundo com onze anos, devido à peste que grassava em Lisboa. Mas uma nova infanta estava para nascer, D. Joana; seria dada à luz em Almada, junto dos seus irmãos e para onde a rainha se mudara. A partir desde momento os jovens príncipes e a sua mãe nunca mais estabilizariam, fixando-se em alguma vila ou cidade do reino, para aí crescerem e serem educados. A rainha permaneceu algum tempo na sua quinta de Monte Olivete (Almada), onde foi frequentemente visitada pelo infante D. Pedro. Tal dever-se-ia, supomos, à presença dos dois infantes varões junto da mãe, com quem terão permanecido até Julho de 143983. A partir de então, os infantes terão deixado a quinta e regressado a Lisboa, passando a viver com a rainha em Sacavém. Os tempos seguintes seriam de grande turbulência, viagens constantes motivadas pela própria insegurança da rainha e pelas circunstâncias políticas confusas, pouco definidas e em constante mudança. Esta situação existiu em grande parte devido ao facto de nunca ter existido uma aceitação sincera, por parte do infante D. Pedro, naturalmente ambicioso, de que a sua cunhada fosse uma regente legítima e capaz84. As desconfianças mútuas sempre prevaleceram e estão patentes em episódios bastante ilustrativos, como o alvoroço que se sentiu em Lisboa, alimentado pelos principais da cidade e pelos oficiais da Câmara, e que motivou a intervenção do infante D. Pedro para os repreender; ou como o castelo mais importante do reino, o de

83 MORENO, 1973, p. 28. 84 Bem como pela desconfiança que lhe suscitavam os belicosos e muito mais ambiciosos “Infantes de Aragão”, irmão de Leonor. 42

Lisboa, foi entregue ao infante D. João, o grande aliado de Pedro,85 expulsando aqueles que sustinham a cidade pela causa da rainha e que a ela se justaram depois. Este é um momento chave, o da adesão da capital do reino à causa do infante D. Pedro, para além do corte de relações definitivo entre os dois: a rainha ainda estava em Sacavém com os filhos, quando o infante D. Pedro lá passou para se despedir do rei. Dirigiu-se então à cunhada, referindo os problemas em que estavam envolvidos e que atéely a raynha o tevera como ella queria, e que d’ hy em dyante o tomaria como o achase86, e que dela só recebera ódio e má vontade. A tudo isto, acrescente-se as cartas que D. Pedro enviou para todas as Cidades e Vylas do Reyno a informá-las dos movimentos e evolução da cena política, para que estivessem do seu lado, quando chegasse um momento de urgência. Talvez o infante o tenha feito para provocar um levantamento contra a rainha e por algum receio dos infantes de Aragão que poderiam ser um perigo para Portugal, mas Pina não tem a certeza. No entanto, julgamos que considerou tal acção do infante muito justificável, pelas mesmas razões que a rainha fizera o mesmo, ao escrever a fidalgos poderosos que viessem ter com ela e a protegessem. Como explica o cronista, o yfante o nom o faria sem causa (...)87. Por sua vez, a rainha perturbada com os desacatos em Lisboa, mandava expulsar da sua casa duas senhoras de quem desconfiava serem apoiantes do infante D. Pedro88. Eram elas filhas de Isabel Gomes da Silva, mulher do vedor da fazenda. Tal comportamento de D. Leonor gerou grande indignação em Lisboa e foi tida como a primeira grande demonstração de que era efectivamente inimiga do infante D. Pedro, que cada vez reunia mais as preferências do povo. Não nos é possível referir com certeza, mas correria o ano de 1439 quando este episódio sucedeu e a rainha encontrava- se com os filhos em Sacavém. A partir do momento em que Lisboa fica garantida para apoiar o infante D. Pedro, através da presença do infante D. João, que ‘segurou’ a cidade para o irmão, os

85 Veja-se o capítulo XLI da Crónica de D. Afonso V, pp. 630-632. Para evitar escândalos e tragédia, o infante D. João convenceu a mulher de D. Afonso, alcaide-mor de Lisboa por parte da rainha, tal como o seu filho, a entregar-lhe o castelo sem alvoroço e até porque o povo já começara a manifestar-se. 86 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 620. 87 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 619. 88 Veja -se o capítulo XXIII da Crónica de D. Afonso V. 43 acontecimentos começam a desenrolar-se a um ritmo mais acelerado. A maior e mais importante cidade do reino assiste a discussões do foro jurídico e mesmo religioso para justificar que o rei e a regência não deviam ser entregues a uma mulher e que D. Pedro deveria reger sozinho. Discutiam os vereadores e pessoas em quem o povo confiava, como o doutor Diogo Mangancha e Lopo Fernandes, tanoeiro de Lisboa que chamavam a atenção para os perigos de uma governação feita por uma mulher, assim como os malefícios que uma educação ministrada pela rainha ao seu filho também poderia trazer: era grande perigo e alleijam elrey ser mais criado em poder de mulheres (...89). As tensões faziam sentir-se cada vez mais e a rainha encontrava-se isolada com os filhos. Depois das escaramuças em Lisboa, D. Leonor retira-se de Sacavém para Alenquer, onde ainda não se sentia segura pela proximidade à capital. Aí permanecerá com os filhos e com a sua casa durante algum tempo, enquanto Lisboa se declara abertamente pelo infante D. Pedro: o ‘povo da cidade’ (através dos seus líderes autoproclamados, como já acontecera em 1383-85)) elabora e assina um documento segundo o qual não consentiria que o infante não fosse regedor do reino. Outros episódios se seguiriam nesta luta pela regência e pela educação do pequeno rei. Apesar de não termos datas concretas, acreditamos que a rainha ficou tempo suficiente em Alenquer para tomar a decisão de lá se amuralhar, após a assinatura do acordo de Lisboa, que colocava a regência nas mãos do cunhado, e por ter receio que este a cercasse e lhe tirasse o rei para o levar a cortes. Tal comportamento não veio a suceder. No entanto D. Leonor mandou vellar, afortalezar e repairar a vylla, de muros, gentes, armas e mantimentos e se pôs em som de defesa, se tal caso sobreviesse90. De lá procurou a viúva de D. Duarte desenvolver um intenso envio de cartas para os seus apoiantes, entre os quais, pensava ela, o infante D. Henrique. Escreveu-lhe secretamente para tentar semear a discórdia entre ele e o infante D. Pedro, mas este apercebeu-se do plano e conseguiu interceptar a missiva. Os infantes acabariam por se encontrar e por acordar que o infante D. Henrique teria um desempenho moderador, sendo incumbido de se dirigir à rainha para que esta autorizasse o rei a vir às cortes de Lisboa.

89 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 625. 90 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 633. 44

Ambiente revolucionário é uma expressão91 de Humberto Baquero Moreno para descrever toda esta fase de crise, uma vez que, em certa medida, se estava a desrespeitar as vontades do anterior rei, D. Duarte. Dado o protagonismo da cidade de Lisboa em todo este processo, chega a ser tentador relembrarmos a Lisboa da crise de 1383-85: um verdadeiro pronunciamento patriótico e masculino contra a, neste caso, regente- mulher-estrangeira92. Entretanto os infantes reuniam-se e procuravam uma solução para o problema político que dividia o reino, uma vez que a rainha não consentia que o regimento lhe fosse retirado, nem os seus filhos. Será o infante D. Henrique o responsável por demover a cunhada nos seus propósitos; por fim ela acompanhou-o de Alenquer para Lisboa apenas um dia depois. Na comitiva estavam também o rei e o príncipe D. Fernando, tendo-se mudado de Alenquer para Santo António, Câmara do Arcebispado de Lisboa. Chegaram na véspera de Natal de 1439, tendo-a celebrado nesse local. Já falámos na proximidade entre o infante D. Henrique e D. Leonor. O infante parece ter usado isso em 1436, quando fez do sobrinho D. Fernando seu herdeiro para convencer D. Duarte a dar o aval positivo sobre Tânger; e D. Pedro, que também se apercebera disso, enviou D. Henrique para a convencer a estar presente em Lisboa aquando da reunião de Cortes. Conseguiram ambos o que queriam e agora chegava D. Afonso V, com a rainha-mãe, o seu irmão D. Fernando e outros ilustres do reino, a Lisboa. Escreve Pina que entraram solenemente a cavalo, passaram pela Sé e pelos Paços da Alcáçova, onde se realizou a abertura solene das cortes. Como explica Armindo de Sousa, estas cortes realizavam-se pelas exéquias do primeiro aniversário de morte de D. Duarte, apesar de não se saber quando se terão iniciado93, o que se junta a muitas inexatidões e omissões cronológicas que fomos encontrando ao longo do texto de Pina. Os objectivos destas cortes centraram-se na abolição daquilo que tinham sido as disposições das anteriores, isto é, das cortes de 1438, celebradas em Torres Novas. Nestas últimas, o ponto mais sustancial tinha sido a decisão sobre quem teria o regimento do reino, para além das várias menagens prestadas ao rei menino. Na sequência delas estabelecera-se

91 Porventura demasiado forte. 92 SOUSA, Armindo de – As Cortes Medievais Portuguesas (1385-1490). Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1990, p. 356. 93 SOUSA,1990, p. 354. 45 também uma concórdia entre a rainha e o infante D. Pedro, que dividiram tarefas entre si, como dissemos atrás: a rainha criaria os filhos e ficaria com a governação de toda a fazenda e D. Pedro com o regimento da justiça e a responsabilidade de defender o reino, em nome do rei94. Mas a crescente tensão entre cunhados levaria a que o acordo se quebrasse e, nas cortes do ano seguinte, a rainha tentaria mesmo boicotá-las, exortando os seus apoiantes a que não comparecessem às cortes. Esta tensão plasmava-se igualmente nas divisões internas que se faziam sentir no reino: porque a nobreza estava firme na sua opinião de que se não podia, nem devia tirar o governo á Rainha; o povo e procuradores insistiam tumultosamente que se havia de dar inteiramente ao Infante D. Pedro; a terceira opinião era dos Infantes D. Henrique e D. Affonso, e dos condes de Ourem e de Arrayollos, com outras pessoas de grande qualidade que queriam que se repartisse o governo entre a Rainha e o Infante na forma de concordia entre eles feita (...).95 Com o acordo sem efeito e os desentendimentos com o infante, pretendia D. Leonor impedir que o anterior acordo de 1438 fosse revisto e abrogado por uma moção de ordem96, nas palavras de Armindo de Sousa. Mas foi também no âmbito destas cortes que se reflectiu sobre o destino do rei e a sua educação. Sobre estas matérias se pronunciou um homem do Norte, João Gonçalves, procurador da cidade do Porto e já no momento em que se encerravam os trabalhos. Num discurso certamente recriado ou inventado, mas muito importante porque reflecte o espírito da época e as circunstâncias que então se estavam a viver, refere este procurador os múltiplos danos de o rei ser educado por uma mulher: tornar-se-ia fraco e efeminado e colocar-se-ia contra o regente e contra o seu próprio povo. Se tal já era perigoso para um homem comum, quanto mais para um rei. Todos os procuradores do Povo insistiram que o rei e o irmão D. Fernando deveriam ficar em poder do infante D. Pedro. Não nos interessa aqui descrever todos os assuntos debatidos nesta reunião de estados, mas sim reter duas das suas mais importantes conclusões: as cortes colocaram a regência nas mãos do infante D. Pedro e decidem o destino do jovem do rei o seu irmão D. Fernando. Manifestou-se a opinião generalizada de que os príncipes não deveriam ficar com a mãe, pelas razões que já

94 PINA, Crónica de D. Af. V, pp. 598-599. 95 LANDIM, 1892, vol. I, p. 40. 96 SOUSA, 1990, p. 355. 46 expusemos e de facto a rainha acabaria por ser privada dos seus filhos. D. Pedro teria hesitado antes de tomar a decisão de receber os sobrinhos, mas acabou por ceder e aceitar. A rainha também não conseguiu resistir e deixou os filhos varões com D. Pedro, permanecendo com as filhas e retirando-se para Sintra; aí foi o regente buscar os sobrinhos. Apesar de a cronística não nos dar um dia concreto, Humberto Baquero Moreno data criticamente este acontecimento de Janeiro de 1440. A separação da mãe dos filhos parece ter sido trágica, como era de esperar. O episódio é-nos descrito por Pina97 quando D. Leonor fez allevantar os Fylhos da cama, mas Gaspar Dias de Landim ainda conseguiu atribuir maior tragicidade e dramatismo à cena em questão: E com estas se despediu d’elle e do Infante D. Fernando a quem teve por outro espaço em seus braços com tão grande pranto seu e do mesmo Rei e Infante, e de todos os mais que se achavam presentes que foi para todos um triste e choroso espectaculo (...)98. A regência do infante D. Pedro iniciava-se oficialmente e este tornava-se o tutor, educador e principal responsável pelas duas crianças. Mas as dissensões com a rainha não ficariam por aqui. Seguir-se-ia uma campanha militar contra o prior do Crato, forte apoiante de D. Leonor. D. Fernando estava a caminho dos sete anos, praticamente não conhecera o pai, nunca mais veria a mãe, mudara-se para Lisboa para receber a sua casa e os seus próprios oficiais (até então partilhava-os com o seu irmão rei, como explica Pina), já tinha sido jurado herdeiro do trono e era-o também do seu tio D. Henrique; seria educado por D. Pedro, certamente em conjunto com o jovem D. Afonso V. Fora uma viragem muito importante na sua vida e com tão reduzida idade.

97 PINA, Crónica de D. Af. V, capítulo LI. 98 LANDIM, 1893, vol. II, p. 21. 47

1.3. A educação de um príncipe99

A partir do início de 1440, os pequenos Afonso V e Fernando ficavam, portanto, em poder do tio, o infante D. Pedro. Quem melhor do que um príncipe para educar outros dois? D. Pedro não era, de forma alguma, uma má escolha. Quiçá um dos responsáveis pela introdução das ideias humanistas em Portugal, tradutor e autor, profundo conhecedor da política internacional do seu tempo, desenvolveu uma complexa teoria do poder, na Virtuosa Benfeitoria, onde para além de expor as suas visões políticas, revela uma profunda cultura necessária ao comentário e à escrita de uma obra desta envergadura.100 A obra é partilhada com frei João Verba e o tema da autoria tem sido abordado por especialistas, havendo, no entanto, partes desta que pertencem sem dúvida ao infante, como a carta-dedicatória, bem como as múltiplas referências que faz aos senhores e príncipes. Quanto ao seu coautor, frei João Verba, Joaquim de Carvalho citado por Sebastião de Pinho, identifica-o no método expositivo, na escrita escolástica e no desenvolvimento da erudição escriturária, teológica e filosófica.101. O tema permanece em aberto. Mas encontramos em D. Pedro, tal como no pai e no irmão Duarte, a presença constante da Bíblia e o recurso constante aos antigos e alguns dos principais teólogos medievais. Vejam-se os seguintes excertos: Aristotilles philosopho muy sottil, querendo enssinar o modo perq uymos em conhecimento das cousas. Diz no postumeiro liro da lógica, q primeyramente devemos de saber da cousa

99 Alguns excertos desta alínea são provenientes do meu relatório final de Seminário de História Medieval intitulado “A questão da autoria na literatura dos Príncipes de Avis” e publicado em Omni Tempore: Encontros da Primavera 2016. 100 A obra é partilhada com frei João Verba e o tema da autoria tem sido abordado por especialistas, havendo, no entanto, partes desta que pertencem sem dúvida ao infante, como a carta-dedicatória, bem como as múltiplas referências que faz aos senhores e príncipes. Quanto ao seu coautor, frei João Verba, Joaquim de Carvalho citado por Sebastião de Pinho, identifica-o no método expositivo, na escrita escolástica e no desenvolvimento da erudição escriturária, teológica e filosófica.100. 101 PINHO, Sebastião Tavares – “O Infante D. Pedro e a Escola de Tradutores da Corte de Avis”. In Biblos, vol. LXIX, 1993. p. 134. 48 se ella he;102 no capítulo da obra em que dá graças a Deus pela conclusão da mesma, recorre a S. Gregório. Escreve então: E porem diz sam gregorio no XXV livro da obra moral, que deos he dentro em todo sem ençarramento, e he fora de todo, nom seendo apartado, e sem baixeza o mundo sostem, sobre todo se exalça sem perlongança103. O Infante parecia não encontrar melhor ideia e princípio para exaltar a Deus e assim serve- se de um grande entendido sobre a matéria. A Virtuosa Bemfeitoria evidencia uma vasta gama de essências distintas e inscreve-se na tipologia de traduções da época, assente numa constante e sistemática medievalização dos textos e das ideias presentes no original. Bastaria, ainda que muito diminuta, a amostra dos excertos citados para demonstrar essa variada proveniência de ideias e de conhecimentos que comentam o De Beneficiis, de Séneca: a Sagrada Escritura, autoridades medievais, como S. Gregório; antigas, como Aristóteles (que acentua a sua presença na cultura portuguesa nos séculos finais da Idade Média, sendo amplamente aproveitado pelos Avis na sua dimensão ético-política104) e mesmo num sentido mais ficcional, quanto à comparação da importância de lugares ocupados pelo rei Príamo e pelo seu filho Heitor na sociedade com a hierarquização que estabelece entre os benefícios e as partes da obra.105 Heitor ocupa o segundo lugar face ao rei, seu pai, porque este se encontra acima de tudo, enquanto monarca. No entanto, por ser majestoso cavaleiro o filho é a figura que imediatamente se lhe segue. Estará o infante a apelar à hierarquização social e à valorização da cavalaria, enquanto atributo e valor da nobreza? Eis um possível exemplo da continuação da medievalidade na obra de D. Pedro, na forma como relaciona as ideias e os princípios de Séneca com os da sua época e com as concepções de construção de um texto. A VB resulta da visão medieval de uma tradução comentada e amplificada do De Beneficiis106. O benefício é apresentado como

102 PEDRO, Infante D., O Livro da Virtuosa Bemfeitoria do Infante Dom Pedro, ed. e anotado por Joaquim Costa, Porto: Empresa Industrial Gráfica do Porto, 1946, p. 31. 103 VB, p.334. 104 CAEIRO, Francisco da Gama – “Aristotelismo em Portugal (período medieval)”. In LANCIANI, Giulia, TAVANI, Giuseppe (coord.), Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993, p. 61-62. 105 VB, p.34. 106 GOMES, Rita Costa – “Virtuosa Benfeitoria”. In LANCIANI, Giulia, TAVANI, Giuseppe (coord.), Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993, p. 681. 49 forma de reforçar as relações entre os grupos sociais, o que nos remete mais uma vez para a orgânica da sociedade medieva. Comentar e traduzir um texto de um autor clássico, que vive no século de Augusto (século primeiro da nossa era), com base na Bíblia, em Santo Agostinho, S. Gregório e evidenciando o espírito de cavaleiro é prova mais do que suficiente dessa medievalização textual. O infante conferiu uma tonalidade do seu tempo (charneira entre duas épocas, em que conviviam tradição e modernidade)107 e onde a realeza e o príncipe aparecem como um ofício, que pressupõe instrução e formação, adquirida através do contacto com bons autores108e a afirmação do papel mais centralizador do estado, bem como da definição dos direitos e deveres de governados e governadores. Na Baixa Idade Média, o príncipe é como um espelho109 ou exemplo de virtudes da comunidade, que vai de encontro à forma como a época via a sociedade110. Assim se explica também a VB, não apenas como essa janela para o medievo, mas igualmente como portadora da herança clássica na cultura portuguesa de finais da Idade Média. Uma herança que só se concebe numa perspectiva de prolongamento e actualização,111 nas palavras de Michel Zimmermann. Da mesma forma estes princípios de construção de uma obra aplicaram-se ao Livro dos Ofícios. Como explicam António José Saraiva e Óscar Lopes, o advento da dinastia de Avis intensificou na corte portuguesa o interesse pelos problemas teóricos e doutrinários, religiosos, políticos, morais e até psicológicos112. Tal afirmação resume aquela que foi a produção literária dos reis D. João I e D. Duarte e do infante D. Pedro ao longo da primeira metade do século XV, patente em obras como o Livro da Montaria, de D. João I; o Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela e o Leal Conselheiro, de D. Duarte. Todos eles didáticos, informativos e provavelmente inspirados naquela que era literatura lida e utilizada à época: os espelhos de príncipes.

107 SOARES, Nair de Castro – “A Virtuosa Benfeitoria”. In Biblos, vol. LXIX, 1993. p.298. 108 SOARES, 1993, p.293. 109 Tema acerca do qual D. Duarte tinha o livro Regimento de Príncipes, de Egídio Romano. 110 MONTEIRO, João Gouveia, “Orientações da Cultura de Corte na 1ª metade do séc. XV (a literatura dos príncipes de Avis)”. In Vértice, 2ª Série, nº 5, Agosto,1988, p.92. 111 ZIMMERMANN, Michel – “Abertura do Colóquio”. (2001) In Michel Zimmermann (dir.), Auctor & Auctoritas. Invention et conformisme dans l’écriture médiévale. Actes du Colloque de Saint-Quentin-en- Yvelines (14-16 juin 1999), Paris: École des Chartes. p.11. 112 SARAIVA, LOPES, 2001, p. 111. 50

D. Pedro via a sociedade medieva como muitos dos seus contemporâneos, através de uma concepção antropomórfica,113 como um grande organismo colectivo, que apelava à cooperação entre os seus constituintes para que se gerasse harmonia. À cabeça estava o príncipe que deveria ser o exemplo máximo das virtudes. João Gouveia Monteiro explica o surgimento desta nova linha literária, e a sua influência na corte de Avis, pela crise que varreu a Europa na baixa Idade Média e que fez com os príncipes fossem encarados como o motor de desenvolvimento e de recuperação dos reinos.114 Para tal deveriam ser ilustres e muitíssimo bem formados. Os espelhos, tidos como a arte de bem governar, tão em voga ao longo de toda a Idade Média, ganhavam agora um novo fôlego e entraram na nossa cultura. Zurara recorda que D. João I ordenava que se lesse frequentemente o regimento de Egídio Romano na sua câmara e que por essa mesma altura se mandara traduzir para a rainha D. Filipa de Lencastre a Confessio Amantis, de John Gower,115 igualmente sobre o bem governar. Estas preocupações serão depois transportadas para as obras dos príncipes de Avis, pelo que os séculos XIV e XV são propícios ao aparecimento de homens que medeiam entre uma mentalidade medieval e humanista, sendo, portanto, difíceis de ‘catalogar’ e dos quais Alonso de Cartagena, D. Duarte e o infante D. Pedro são exemplos notáveis.116 Trata-se de uma época sensível a múltiplas mudanças e a tentativa de uma caracterização demasiado maniqueísta, aplicada a estas figuras, pode ser historicamente perigosa e um tanto deformadora da realidade. A breve exposição que fizemos sobre as principais orientações culturais da corte de Avis serve-nos para compreendermos o ambiente político, moral e cultural em que D. Afonso V e D. Fernando terão sido educados, debaixo do olhar atento do seu tutor. No entanto, há vários problemas relacionados desde logo com as próprias diferenças entre o monarca e o infante. Isto é, temos alguns elementos que comprovam que o infante D. Pedro investiu na educação do sobrinho mais velho, e que lhe terá passado

113 MONTEIRO, 1988, p.102. 114 MONTEIRO, 1988, p. 92. 115 MONTEIRO, 1988, p. 94. 116 Veja-se a este propósito, por exemplo, a sexta alínea da introdução de José María Liste ao Doctrinal de los Cavalleros, de Alonso de Cartagena, sobre as ambiguidades da obra deste e a existência de uma tensão de mentalidades medieval e renascentista. CARTAGENA, Alonso, Doctrinal de los Cavalleros, ed. José María Viña Liste, Universidade de Santiago de Compostela, 1995, p. LX. 51 muito das suas cultura e erudição políticas, mas relativamente a D. Fernando poderemos apenas imaginar e especular que D. Pedro teve com ele os mesmo cuidados e formação que teve com o futuro rei: D. Fernando era um príncipe que devia ser devidamente preparado, caso algo trágico ocorresse com D. Afonso V. Por isso estamos em crer que D. Fernando participou das orientações educacionais que D. Pedro preparou, durante a regência, para D. Afonso V. O regente não pode ter deixado de delinear a instrução e a disciplina do pequeno Fernando. O jovem monarca foi educado por italianos: Estêvão de Nápoles e Mateus Pisano, chamados por D. Pedro, para o efeito. O rei, por sua vez, encomendaria ao humanista Justo Baldino a tradução para latim das crónicas portuguesas, e seria mecenas de Zurara117. Como refere Joaquim Veríssimo Serrão, a presença de Mateus Pisano já era sentida em Portugal a partir de 1446, sendo perceptor do monarca por essa altura. Era poeta e filósofo e a sua vinda para o reino confirma a existência de uma corrente italiana nos meados do século XV que exerceu acção fecunda na cultura portuguesa.118 Comporia em latim a descrição da tomada de Ceuta, para que D. Afonso V conseguisse dar uma projecção europeia ao feito. Passou também para latim uma Crónica de D. Pedro de Meneses, entretanto perdida. Toda esta influência italiana deve ser pensada tendo também em conta as viagens que o agora tutor do rei e de D. Fernando fizera na década de 1420. Terá visitado várias cidades italianas e levanta-se a possibilidade de ter conhecido a obra de Dante nessa altura,119 tal como outros livros que terá adquirido, nomeadamente em Veneza, como uma cópia da tradução latina do Livro de Marco Paulo, possivelmente o exemplar que existia na biblioteca de D. Duarte.120 Nessas viagens também adquiriu o infante conhecimentos cartográficos, que talvez estejam na origem do interesse por parte de D. Afonso por este saber, e que o motivariam a encomendar um mapa a Fra Mauro.

117 SARAIVA. LOPES, 2001, p. 177. 118 SERRÃO, 1989, p. 38. 119 SODRÉ, Paulo Roberto – “A vertuosa compilaçom do Infante D. Pedro e Frei João Verba”. In MONGELLI, Lênia Márcia (coord.), A Literatura Doutrinária na Corte de Avis, São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 346. 120 SIMÕES, M – “Pedro, Dom (Infante e Duque de Coimbra)”. In LANCIANI, Giulia, TAVANI, Giuseppe (coord.), Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993, p. 529. 52

Entre a medievalidade e o humanismo que estava a despontar, preocupou-se o infante com a educação dos dois sobrinhos que tinha a cargo e que se plasmou no conhecimento erudito e escrito da época e em gerar governantes informados, cultos e preparados, para os quais terá mandado traduzir obras.121 D. Pedro conhecia bem as obras do seu tempo que tratavam destes temas da conduta e decoro dos príncipes, invocando-as no vigésimo sexto capítulo do livro II da Virtuosa Benfeitoria: (...) o livro da ensynança dos prinçipes, que compos meestre frey thomas de aquyno, e o livro do rregimento dos prinçipes, composto per frey gill de Roma122. Enunciava e recomendava o infante estas obras para aqueles que quisessem saber mais sobre as benfeitorias e benefícios outorgados pelos príncipes perante qualquer estado. Mas tais contornos da educação de um príncipe não se medem apenas no domínio das letras. Quando, por finais de 1439 ou princípios de 1440, os cidadãos de Lisboa se dirigem ao infante D. Pedro para o convencer de que deve ser ele o regente do reino e o tutor do rei, são ditas as referidas palavras: Antes pois em vós pera ysso há tantas rezoões, he rezam que o crieis, e façaes insynar em letras, e reaaes custumes, e o leveis ao monte e aa caça, e lhe mostreis per vós o exercicio das armas, e per enxemplos e doutryna, e merecimentos da cavalaria. E assy as outras cirimonias, manhas, e cousas que ao Estado de hum tal Pryncepe convem, assy pera os tempos publicos, como secretos, e com esto elle he de tam saaõ, e perfeito entender, que conhecera que o servis bem e lealmente123. Esta afirmação de um discurso directo construído por Pina sintetiza bem aqueles que são os principais vectores da educação de um príncipe e que, certamente, fizeram parte do crescimento e da vida de D. Fernando, enquanto senhor e infante. Estes não se restringem ao domínio intelectual, mas também abrangem uma forte componente física relacionada com o cavalgar, a luta, a caça e a montaria, apanágios dos príncipes e dos nobres. Assim, não é de estranhar que o monarca D. Fernando tenha ordenado a Pero Menino, seu falcoeiro, a feitura do chamado Livro de Falcoaria. Antes dele, e nos tempos de D. Dinis, o seu físico pessoal,

121 Muitas vezes o próprio D. Pedro ocupou-se dessas traduções, como a do Livro dos Ofícios. 122 VB, p. 150. 123 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 645. 53 mestre Giraldo, tinha escrito um Livro d’Alveitaria124. Esta tradição de uma literatura mais técnica e prática passaria para a corte de Avis e seria visível nas obras de D. João I e de D. Duarte: o Livro da Montaria e o Livro da Ensinança de Bem Cavalgar toda Sela, respectivamente. O primeiro é um livro de caça e de assuntos práticos, mas não só. Atrever-nos-íamos a referi-lo, para além de um tratado técnico e de gineta, como um espelho da relação entre o Homem e a Natureza. Uma leitura mesmo pouco aprofundada permite detectar um conjunto de sinestesias (de cheiros, de sons…) só perceptíveis por quem, de facto, se desloca para tomar contacto com o mundo natural e experiencia essas actividades com os animais e com a Natureza. É nesta última característica e na sua complexidade que residem as singularidades do Livro da Montaria: a sensibilidade com o que o mundo natural é abordado e por esta advir de um contacto directo com este, que o rei compôs com a ajuda e o acordo de muytos bõos monteiros125. Caçar e ir para o monte, entre muitas outras coisas, eram as propostas de D. João I. Quanto ao Livro de Cavalgar, de D. Duarte, há que lhe reconhecer uma vertente técnica intimamente ligada com o domínio militar, uma vez que o rei reflecte acerca das selas, das bestas, fornece conselhos sobre como cavalgar, sobre o freio, as correias, como cavalgar numa justa, como ferir com a espada e com a lança, como ferir com as esporas e como usar os estribos. No entanto, o que interessava reter para a posteridade era o seguinte: ...screvo principalmente pera enssynar meus subdictos126 ou faço por ensinar os que tanto nom souberem (…).127 Alguns capítulos reportam-se a considerações sobre a honra e o bem dos quais os cavaleiros e escudeiros são merecedores por cavalgarem de forma ‘correcta’, como se observa no capítulo I ou mesmo nas primeiras linhas do prólogo: a manha de seer boo cavalgador he hua das principaaes que os senhores cavalleiros e scudeiros devem aver128, screvo alguas cousas per que seran ajudados pera a melhor percalçar. Claramente há o princípio de que os exercícios militares, as boas práticas de cavalaria, de caça e de montaria devem integrar a boa formação do nobre e D. Duarte

124 MONTEIRO, 1988, p. 92. 125 Livro da Montaria Feito por D. João I, rei de Portugal- “Prologo”, pub. Academia das Sciências de Lisboa por Francisco Esteves Pereira, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1918. p.I. 126 DUARTE, D. - Livro da Ensinança da Arte de Cavalgar Toda Sela, ed. crítica de Joseph Piel, Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986, p. 131. 127 L. Cav., p.1. 128 L. Cav., p.1. 54 reconhece-o no excerto que acabámos de expor. O rei faleceu precocemente, não podendo ver os seus filhos crescer e, quiçá, cavalgar pela primeira vez, mas estas preocupações técnicas e formativas não foram certamente esquecidas pelo tio D. Pedro. Este escreveu sobre elas ao reflectir acerca dos benefícios que os pais devem fazer aos filhos para os bem educar. O infante estabelece que são dois: o castigo e a boa ensinança. Mas é neste último que a disciplina física adquire a atenção de D. Pedro no que à educação dos príncipes diz respeito. Refere D. Pedro que o imperador Octaviano educou exemplarmente os seus herdeiros: (...) fez enssynar seus filhos em todallas artes de cavallaria a correr e em fazer saltos e a nadar e rremessar per todollos modos que sse pode fazer e a ferir com bestas e pedras de maao e de funda. E mandoulhes aprender as maneiras per que soportaryam melhor as peleias, e as artes com q seriam em ellas mais avisados129. As meninas, por sua vez, seriam ensinadas a fiar, e a teçer, e usavam de todallas artes en que sse occupar o stado das molheres, e que pudessem fazer vestidos, e a coser as mandou acostumar (....).130 As valências da Antiguidade na Idade Média, uma vez que o infante se inspirou em Policrato para redigir este pequeno excerto sobre a formação dos herdeiros de Augusto, são um exemplo que em certa medida se mantinha na sua época. Não sabemos até que ponto o infante se terá envolvido em todas estas actividades educacionais e se o fez com algum sucesso, até porque a cronística não nos oferece um retrato deste príncipe que nos permita especular acerca das suas qualidades físicas e intelectuais. Sabemos que o popular Vegécio, tão citado e conhecido na Idade Média, lhe era familiar, e provavelmente talvez mais alguns autores. No entanto, não podemos afirmar com segurança se conheceria as obras do avô, do pai e do seu tio, o regente D. Pedro. Contudo, os treinos físicos, o montar, a caça, o contacto com animais como os cães e os falcões, as aprendizagens relacionadas com a etiqueta e a postura eram praticadas desde a infância e adolescência, como explica Rita Costa Gomes.131 Sobre estes assuntos existia literatura suficiente à época, como vimos.

129 VB, p. 148. 130 VB, p. 148-149. 131 GOMES, Rita Costa – D. Fernando. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005, p. 47. 55

Outro aspecto fundamental diz respeito àquilo que a autora chama de mediação na educação do príncipe, isto é, a autoridade sobre os infantes pertence ao pai, mas esta pode ser distribuída e delegada noutros agentes que auxiliem nesse processo formativo.132 Outros personagens interagiam com os infantes e educavam-nos mais de perto e directamente do que o pai, ou neste caso, o tio D. Pedro. É neste tópico que emergem as figuras dos aios que D. Fernando terá tido, responsáveis pela sua formação e por todos os cuidados que lhe deviam ser prestados. O aio é uma extensão da autoridade paterna, sempre presente junto dos filhos. Foram aios e educadores do infante D. Fernando, e na maior parte das vezes em conjunto com D. Afonso V, Nuno Martins da Silveira e Álvaro Gonçalves de Ataíde. O primeiro fora escrivão da puridade de D. Duarte e embaixador. Pertencia ao conselho régio e era governador e regedor da sua casa, confiando-lhe D. Duarte a educação dos seus filhos (incluindo o rei e o infante D. Fernando133). Com a subida ao poder do regente, viu-se afastado dos cargos de escrivão da puridade e de governador das casas do rei D. Afonso e de D. Fernando134 e foi substituído por Álvaro Gonçalves de Ataíde, governador da casa do infante D. Pedro, membro do conselho do rei, sendo também cavaleiro de D. Pedro. A sua vida atravessa os reinados de D. João I, D. Duarte e D. Afonso V. Talvez a enorme confiança depositada nele pelo infante D. Pedro explique a sua escolha para aio de D. Afonso V e de D. Fernando.135 Em 1452 deparamos ainda com um amo do infante D. Fernando, Luís Afonso, quando D. Afonso V concede a Duarte, filho daquele, 3530 reais brancos, para mantimento do seu estudo na universidade, pagos anualmente136. No entanto, mais nada sabemos sobre este amo do infante, nem quando terá, efectivamente, desempenhado essa função. Os anos da regência foram os anos do crescimento físico e intelectual do infante e do seu irmão Afonso V. Foram os tempos da infância dos infantes meninos, essa fase

132 GOMES, 2005, p. 46. 133 O seu filho, Fernão da Silveira, seria fidalgo da casa do infante D. Fernando. Após o falecimento deste último, passou a integrar o conselho do rei. MORENO, 1973, pp. 957-958. 134 MORENO, 1973, p. 962-966. 135 FREIRE, Anselmo Braamcamp - Brasões da Sala de Sintra. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1973, vol. I, p. 81. 136 Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. V. doc. 1634, pp. 264-265. 56 tão importante do desenvolvimento humano, como explica Armindo de Sousa.137 Foi nela que, talvez juntos, os irmãos terão ganhado interesse e gosto pelos livros, pela ars militaris, pela escrita, pela cavalaria e pelas atividades físicas. Sem dúvida que D. Afonso V, enquanto rei, terá adquirido maior protagonismo no processo, até pela motivação que terá sentido para a redacção de textos, que hoje se encontram perdidos: Tratado da Milícia conforme o Costume de Batalhar dos Antigos Portugueses e Discurso em que se Mostra que a Constelação chamada Leão Celeste consta de Vinte e Nove Estrelas e a Menor de Duas138. No entanto, acreditamos que o pequeno Fernando acompanhou o irmão nesta etapa até porque, como explica Saul António Gomes, na corte avisina de Quatrocentos a educação processava-se inter principes, com vários fidalgos a serem educados em conjunto com o rei D. Afonso V, ambiente que certamente terá servido para os seus próprios filhos e quiçá, anteriormente, para o seu irmão mais novo139. Seria da maior importância, para explicar decisões e comportamentos posteriores do infante, conhecermos um pouco da relação que teria com o seu pai adoptivo, o tio D. Henrique e os afectos, relacionamentos e proximidades que terá estabelecido com outros membros da sua família, nomeadamente com o seu maior responsável, o infante D. Pedro. Nos finais de 1448, este escrevia ao seu sobrinho, o conde de Arraiolos, em quem confiava, demonstrando todo o desconforto que sentia à época pela existência de inimigos e de pessoas descontentes com a sua regência. Nesta carta encontramos um D. Pedro ressentido e ameaçado, que se vê chegar a uma situação política insustentável, relembrando a criação dos príncipes meninos, tutoria que conseguira nos inícios da regência: Nom curo de fazer aqui mençam dos feitos de começo de meu regimento e de como me ouve em elle, asi em a criaçam delrrei e de seus irmãaos (...)140 Dos anos que medeiam entre as cortes de Lisboa de 1439 (e os princípios de 1440) e o período pré-Alfarrobeira, muitos aspectos permanecem desconhecidos acerca do infante D. Fernando: a evolução na constituição da sua casa senhorial (que já deveria

137 SOUSA, Armindo – 1325-148). In MATTOSO, José (dir.), A Monarquia Feudal, 2º vol. da História de Portugal (coord.J osé Mattoso)Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, p. 505. 138 GOMES, Saul António – D. Afonso V. Lisboa: Temas e Debates, 2009, p. 73. 139 GOMES, 2009, p. 74. 140 MH, vol. IX, doc. 211, p. 356. 57 estar em marcha desde tenra idade), a relação que teria com os seus tios e com o irmão rei, onde viveria, e de que bens já seria, efectivamente, senhor, quais seriam as suas ambições. No entanto, temos notícias do seu casamento nesta década de 1440, bem como de outros acontecimentos.

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Capítulo 2 – A década de 1440: da morte do condestável D. Diogo a Alfarrobeira (1442-1449)

2.1. A chegada à Ordem de Santiago

Foi durante a década de 1440 que D. Fernando viveu os anos da sua adolescência. Continuamos sem saber a que espaços do reino se deslocou, qual a efectiva dimensão e localização da sua casa e bens patrimoniais. No entanto, nesta altura, temos notícias da entrega que lhe é feita do mestrado de Santiago, da celebração do seu contrato de casamento e da sua participação na batalha de Alfarrobeira. A nossa escolha do ano de 1442 para iniciarmos o estudo desta fase da vida do infante recai exclusivamente na morte do condestável D. Diogo e o que tal significou para o seu primo irmão. Como é sabido os inícios dos anos de 1440 ficaram marcados por várias mortes no seio da família de Avis: em Outubro de 1442 falece o infante D. João, nos inícios do ano seguinte morre o seu filho, D. Diogo, entretanto nomeado pelo regente, condestável do reino e mestre de Santiago, e ainda nesse ano, mas mais tardiamente morre em África D. Fernando, o infante Santo. Como se verá, todas estas mortes terão uma relação e um peso directos na vida do jovem D. Fernando: o precoce desaparecimento do seu primo D. Diogo traria o mestrado de Santiago para a sua posse; casaria com a filha do infante D. João, falecido, e era, desde criança, herdeiro do cativo infante D. Fernando. Não temos dúvidas de que o infante D. Pedro, enquanto regente, mas também enquanto irmão e pai, manobrou estrategicamente a atribuição dos mestrados nesta altura e preparou os casamentos dos sobrinhos, filhos dos seus irmãos já desaparecidos (D. Duarte e o infante D. João), não esquecendo a sua condição de tutor dos filhos do primeiro, onde se inclui o rei.

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Assim, após a morte do sobrinho D. Diogo, o regente apressou-se a enviar a Roma o bispo de Ceuta, D. João Manuel para assegurar a sucessão no mestrado de Santiago141. Numa carta de quitação de 1446, entre as despesas enunciadas e levadas a cabo pelo bispo de Ceuta, D. João Manuel, menciona-se o custo de quinze ducados pelas letras de dispensa de casamento do Infante D. Fernando, cujo contrato data igualmente do ano desta quitação passada pelo infante D. Pedro. Refere-se no documento que no ano de 1443, o regente enviara à Santa Sé este emissário. Os resultados desta ida revelar-se-iam com data de 23 de Maio de 1444, com Eugénio IV a emitir duas bulas: uma delas dirigida ao infante D. Fernando a nomeá-lo governador e administrador da ordem de Santiago142 e uma outra endereçada aos cavaleiros da instituição para que o reconhecessem como tal143. Sendo o infante menor e apenas com a idade de onze anos (idade não perfeita para ocupar a dignidade, de acordo com a norma)144, o pontífice determina na primeira bula que o governo da ordem fosse entregue a dois freires escolhidos pela Coroa. Como explica Luís Filipe Oliveira, D. Pedro foi muito rápido a decidir-se quanto aos destinos da ordem de Santiago pela instabilidade política que se vivia em Castela nesses anos e por facilmente controlar um sobrinho muito novo, que o ajudaria a tomar igualmente o controlo dessa instituição. Contava o infante em ter nas suas mãos a principais forças do reino dado o perigo de um conflito com Castela145. O autor ainda afirma que os primeiros tempos do governo de Santiago por parte do infante D. Fernando são marcados pela direcção e tomada de decisões levadas a cabo pelo regente D. Pedro146. É citada alguma documentação da chancelaria de D. Afonso V,

141Carta de Quitação de Junho de 1446 publicada em MH, vol. IX, doc. 126, pp. 169-171. Também publicada em Documentos das Chancelarias Reais anteriores a 1531, relativos a Marrocos, tomo I, doc. CCLXXXV, 1915, pp. 322-324. 142 MH, vol. VIII, doc. 107, pp. 165-168. Cfr. BARBOSA, Isabel Maria Lago – A Ordem de Santiago em Portugal nos finais da Idade Média. In As Ordens de Cristo e de Santiago no início da Época Moderna: a normativa. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1998, 120, nt. 42. Militarium Ordinum Analecta. 143 MH, vol. VIII, doc. 108, pp. 168-169. 144 A idade perfeita seria ter já 14 anos. Cfr. Estabelecimentos ordenados pelo mestre D. Henrique de Aragão em 1440 e prevê os 14 anos feitos. Publicado BARBOSA, p. 141 e 174. 145 OLIVEIRA, 2009, p. 283. Para uma visão global da conjuntura política na Península Ibérica nestas cronologias veja-se FONSECA, Luís Adão da - La época de Enrique IV y Juan II de Aragón. In Historia General de España y América, tomo V. Madrid: Rialp, 1981, pp. 405-447; FONSECA, Luís Adão da - Una elegia inédita sobre la família de Avis. Un aspecto de la propaganda política en la Península Ibérica a mediados del siglo XV, Anuario de Estudios Medievales, vol. 16, 1986, pp. 449-463. 146 OLIVEIRA, 2009, pp. 283-284. 60 onde entre alvarás, quitações e decisões sobre comendas, é o infante D. Pedro quem tem a última palavra e intervenção directa nos assuntos da ordem, provavelmente na nomeação de um regedor para a ordem, enquanto o infante D. Fernando não atingisse a idade para o cargo. Foi este Fernão Martins Mascarenhas, comendador-mor de Santiago que, em 1444, foi apontado como o regente da milícia e recebe da coroa as comendas de Mouguelas e da Roliça da comarca de Óbidos, pela morte de Gonçalo Mendes de Vasconcelos com todas as rendas e respectivos direitos147. Apesar dos seus tenros onze anos e do assumido controlo por parte do tio regente é com as bulas papais de 23 de Maio de 1444 que se inicia a ligação do infante D. Fernando a esta Ordem Militar. Mais tarde, como ainda veremos, ficará responsável, em simultâneo, pela Ordem de Cristo. Tais responsabilidades, a que acrescem diversos bens e propriedades auferidas desde cedo, podem, no futuro, explicar as fontes de riqueza e a diversidade dos seus domínios assim como a sua capacidade de intervenção política148 no quadro geral do reino.

2.2. O casamento

É necessário regressarmos à carta de quitação de Junho de 1446 outorgada pela Coroa para encontrarmos a referência mais antiga ao casamento do infante D. Fernando, que por essa altura se estaria a equacionar. Este documento tem efeitos retroactivos uma vez que é referente a despesas efectuadas no ano de 1443, entre as quais deparamos com os quinze ducados pagos pelas letras de dispensa do casamento do infante D. Fernando. Não é possível saber a partir de que altura o matrimónio deste infante terá começado a

147 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 24, fl. 32. 148 Relativamente à sua importante proximidade política com o rei, veja-se este documento (confirmação a D. Isabel de Urgel da aprovação do seu contrato de casamento com o infante D. Pedro.) no qual D. Fernando aparece conjuntamente com o rei e a rainha na titulação em conjunto: Dom Affonsso, pella graça de Deus, etc. Emsembra com minha molher, a rrainha dona Isabell, que sobre todas amamos e preçamos, e com o iffante dom Fernando, meu muito prezado e amado irmãao. MH, vol. IX, doc. 175, p. 276. Na verdade, desde que fora retirado à mãe nunca mais o infante D. Fernando parecera afastar-se do seu irmão D. Afonso. Encontramo-lo a confirmar este contrato de casamento dos duques de Coimbra já nos finais da regência de D. Pedro e num momento em que este já se encontrava um tanto debilitado politicamente, mas também o encontramos em Lisboa, junto do rei, quando este se dirige pela primeira vez a cortes e no momento em que ambos se casam. Apesar de tudo D. Fernando era um príncipe herdeiro e interessava a D. Pedro mantê-lo perto de si e, talvez, até incluí-lo na titulação de documentação neste ciclo difícil que antecede Alfarrobeira, que lhe pudesse garantir ainda alguma estabilidade política. 61 ser preparado, mas devemos fazer remontá-lo a 1443. Voltaremos a ter notícia do matrimónio só em 1446, através da celebração do respectivo contrato. D. Fernando casou com D. Beatriz, filha do seu já falecido tio, o infante D. João. O contrato data de 9 de Outubro de 1446,149 e nele se estabelece que se não acontecesse o casamento entre o rei de Castela e D. Isabel, sessenta mil florins seriam entregues ao infante D. Fernando e a D. Beatriz para se casarem. Porquê a referência à outra irmã da infanta D. Beatriz? Tal deve-se ao facto de existir uma carta régia mais antiga do que este contrato assinado em Évora. Poucos dias antes, a 28 de Setembro, os infantes D. Pedro e D. Henrique e o duque de Bragança acordaram em Coimbra os casamentos das filhas do Infante D. João, já falecido. D. Isabel deveria casar com o rei de Castela e D. Beatriz com o irmão do rei, o infante D. Fernando. São referidos os dotes e o destino das suas heranças, em caso de mortes ou de herdeiros (ou o contrário). Dita então o contrato que: se D. Beatriz e o infante morressem com filhos, estes herdariam aquilo que lhes era devido; mas se a união não gerasse descendentes, os bens herdados pela infanta da sua mãe, D. Isabel de Barcelos, regressariam aos herdeiros do condestável D. Nuno Álvares Pereira (o conde, que surge mencionado).150 É importante relembrar e sublinhar esta ligação de Beatriz e Fernando ao velho companheiro de D. João I porque os bens que D. Beatriz herda e que D. Fernando recebe, por ocasião do seu casamento, chegam-lhes por via de Isabel de Barcelos, neta do condestável. Esta tinha-os herdado do avô em 1422, tal como os outros netos, os condes de Ourém e de Arraiolos151. Pina referencia duas vezes o casamento do infante D. Fernando. Fá-lo aquando da menção da morte do infante D. João e ao descrever a sua descendência, entre a qual D. Beatriz, futura esposa do infante. Antecipa-se um pouco e acrescenta que esta será a mãe de D. Manuel I e da rainha D. Leonor, mulher de D. João II152. A segunda indicação é a do momento do casamento: escreve o cronista que o infante D. Pedro casou as sobrinhas, filhas do falecido irmão, nas Alcáçovas, no alto Alentejo: o casamento terá ocorrido em inícios de 1447, quando o regente e o rei se deslocaram de Évora para as Alcáçovas nessa altura: E no começo do ano de mil e quatrocentos e

149 MH, vol. IX, doc. 138, pp. 191-201. 150 MH, vol. IX, doc. 134, pp. 186-188. 151 DÁVILA, 2019, p. 30. 152 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 688. 62 quarenta e sete, ho Yfante Dom Pedro se partio com ElRey da Cidade d' Evora pera o lugar das Alcaçovas, honde per concerto veo a Yfante Dona Ysabel Molher do Yfante Dom Joam, e trouxe consygo duas Fylhas, que ally juntamente casaram (...), e Dona Briatiz com o Yfante Dom Fernando (...)153. Entretanto, o regente preparava D. Afonso para ser rei, levara o jovem monarca a cortes pela primeira vez, no ano anterior de 1446, quando este atingira a maioridade (completara catorze anos), para lhe entregar o reino. As reuniões dos estados tinham sido gerais e tinham decorrido em Lisboa. Depois das decisões e do cerimonial, o rei recolheu à sua câmara onde estavam o infante D. Henrique, outros senhores e o seu irmão, o infante D. Fernando.154 Como temos visto, o infante D. Pedro esteve à frente dos destinos dos seus sobrinhos e, naquilo que aos seus casamentos disse respeito, optou por uma política matrimonial que tivesse em vista o reforço da coroa e dos laços entre os vários membros da casa de Avis. Terá sido esse o pensamento e o objectivo do infante D. Pedro ao casar a sua filha com o rei D. Afonso e o infante D. Fernando com D. Beatriz, filha do infante D. João. Os casamentos foram estrategicamente programados de forma a garantir a estabilidade política e da dinastia e terão extravasado os próprios domínios nacionais, uma vez que interessaria ao infante D. Pedro manter as boas relações com Castela, quiçá casando uma sobrinha com o rei vizinho, por razões de estado, tal como veio a suceder. Contrariamente àquilo que o seu avô, o conde de Barcelos, teria desejado. Este queria tê-la casado com D. Afonso V. Arriscamos referir que as visões e objectivos políticos dos líderes da casa de Avis ou de outros senhores de grandes casas senhoriais são idênticos, no sentido de, através dos casamentos, enobrecerem ou fortaleceram mais as suas casas ou a coroa, conforme os casos. Veja-se, a título de exemplo, o casamento planeado por D. João I do seu filho natural D. Afonso com a filha do homem mais poderoso de Portugal à altura, com todo o seu prestígio e enorme riqueza. Como explica Maria Helena da Cruz Coelho, o rei ainda propusera ao condestável que a sua filha casasse com o herdeiro, por forma a que a que a coroa integrasse o domínio deste grande senhor, Nuno Álvares

153 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 698. 154 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 696. 63

Pereira155. Para o rei e para o seu condestável estabelecer-se-ia a satisfação de interesses mútuos. Tal como D. Pedro, que casara uma das suas sobrinhas em Castela e guardara a outra para um âmbito nacional, ao casá-la com o irmão do rei; mas a nosso ver esta jogada também poderá ter tido contornos pessoais. D. Beatriz nunca poderia competir com a futura fortuna do seu marido. Grande parte do poder e notoriedade que obterá durante as décadas de 1470 e de 1480156 deve- os a infanta ao seu marido e à impressionante herança que este lhe deixara. A emancipação de D. Beatriz ocorre após a morte do cônjuge, tornando-a numa das mulheres mais poderosas, ricas e influentes do Portugal da segunda metade do século XV. Visibilidade que extravasou os limites do próprio reino e se estendeu a níveis ibéricos, uma vez que a encontramos directamente envolvida nas Terçarias de Moura e no Tratado de Alcáçovas-Toledo. Tal como a sua geração de primos irmãos e a anterior, D. Beatriz nasceu em berço de ouro. Era filha do infante D. João e de D. Isabel, filha do conde de Barcelos e, portanto, neta de D. João I e do seu filho mais velho D Afonso. Como se pode calcular, a união dos seus pais tivera certamente em vista uma legitimação e enobrecimento da casa de Barcelos, o que não é estranho nem pouco usual para os membros da Casa de Avis, nesta altura. Quanto à riqueza, experiência e movimentação em jogos políticos, o infante D. João seria ultrapassado pelo irmão e sogro D. Afonso, conde de Barcelos. Mas D. João I, através deste casamento de um dos seus filhos mais novos, repetiria em certa medida aquilo que tinha feito com o seu primeiro filho, ao casá-lo com a herdeira de uma grande casa senhorial e ao estabelecer uma maior proximidade à coroa. Mas como explica Maria Odete Martins, o infante D. João pouco trazia para o casal157. A sua casa seria muito diminuta relativamente à dos seus irmãos mais velhos, detentores de ducados, apesar de ser administrador da Ordem de Santiago a partir de 1418. Com o seu casamento recebeu, em 1424, o reguengo e lugar de Colares e

155 COELHO, Maria Helena da Cruz, D. João I: O que re-colheu Boa Memória. Rio de Mouro: Temas e Debates, 2008, p. 177. 156 Mais concretamente até 1484-85, quando o seu filho é assassinado por D. João II, o poder e influência política da duquesa começam a desvanecer-se e a manutenção e administração da sua casa passam para as mãos do Príncipe Perfeito, como sugere Maria Barreto Dávila. DÁVILA, 2016, pp. 313-314. 157 MARTINS, 2009, p. 17. 64

Serpa,158 assim como o paço de Belas com todas as suas terras, tributos e bens. Como se vê, não era senhor de uma casa muito abastada, sendo incomparavelmente menor do que a dos seus irmãos, os D. Pedro e D. Henrique e a do seu sobrinho, o infante D. Fernando, cuja componente humana da casa senhorial tentámos reconstruir. Mais pobre em bens, mas não em capacidade e destreza intelectual face aos irmãos, como é sabido. O sogro do infante D. Fernando é conhecido pelo seu papel de mediador entre os seus familiares em momentos essenciais que marcam a história política desta época e que bem poderiam ter evitado o desfecho de Alfarrobeira,159 mas igualmente pelo seu brilhantismo, patente na forma como expôs os seus argumentos relativamente às campanhas militares portuguesas no Norte de África, em 1432.160 Mas a acção deste filho de D. João I não se esgota nestes aspectos. Se regressarmos aos contornos familiares visíveis nas estratégias matrimoniais levadas a cabo pelo infante D. Pedro para os sobrinhos, pensamos que é possível explicar, em parte, o casamento de Fernando e Beatriz pelas fortes ligações e afeição entre os infantes D. Pedro e D. João. A sintonia e apoio mútuo entre irmãos são constantes e mais do que evidentes. Isso foi sempre claro em episódios importantes e em momentos decisivos: no primeiro caso referimo-nos às cortes de Leiria de 1438, palco do debate sobre o desastre de Tânger e o problema do cativeiro do infante D. Fernando, onde os dois infantes se uniram e se bateram pela entrega de Ceuta e pela libertação do irmão sem alguua mais detença, nem impidimento (...)161. Acerca da guerra em África concordaram sempre, ao invocarem argumentos semelhantes e resumindo a D. Duarte, no decorrer da década de 1430, as razões pelas quais os portugueses não deveriam continuar com essas campanhas.162 Quanto aos momentos decisivos, como se disse, o infante D. João foi o grande aliado do infante D. Pedro para que este conseguisse e mantivesse a regência, convencendo-o dos males e da vergonha que seria serem governados por uma rainha estrageira, se D. Pedro

158 SERRÃO, Joaquim Veríssimo – “Infante D. João”. In SERRÃO, Joel (dir.) - Dicionário de História de Portugal. Porto: Figueirinhas, 1986, p. 604. 159 SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal (1415-1495). Editorial Verbo, vol. II, p. 14. 160 “Conselho do Infante D. João… (8 de maio de 1432)” in Monumenta Henricina, vol. IV, doc. 23, pp. 111-123. 161 PINA – Crónica de D. Duarte, pp. 567-568. 162 Posterior ao parecer do infante D. João é o conselho do infante D. Pedro: “Conselho do infante D. Pedro… (1437)” in Monumenta Henricina, vol. VI, doc. 1, pp. 1-7. 65 não aceitasse ser regente, para além do desacordo e da divisão que se gerariam no reino.163 É o infante D. João quem chama a atenção ao irmão mais velho para estes problemas numa fase de grande instabilidade governativa e em que ainda não era claro quem detinha ou deteria o regimento. Os encontros entre estes dois irmãos para discutirem o reino parecem ser recorrentes nestes tempos de grande indefinição política, ao mesmo tempo que D. Pedro se preparava para assumir a regência. A crise que se vivia gerava constantes mudanças em Lisboa, confusões e alvoroços, deixando a rainha desconfortável. É nessa fase que D. João decide dar mais uma mostra da sua enorme cumplicidade com D. Pedro ao ‘conquistar’ o castelo de Lisboa para a causa do irmão, castelo esse que estava em mãos de partidários da rainha: D. Afonso senhor de Cascais e seu filho D. Fernando.164 Com a moderação e a temperança que parecem caracterizá-lo e que são evidentes no discurso165 que fez a D. Maria de Vasconcelos, mulher do alcaide de Lisboa, o infante D. João segurou a cidade mais importante do país para o seu irmão. Se por um lado encontramos o infante D. Henrique mais inclinado para apoiar a rainha (ainda que por vezes as suas acções nos pareçam um tanto nebulosas e difíceis de compreender), por outro lado encontramos D. João a incentivar a que o rei e o seu irmão D. Fernando fossem entregues ao infante D. Pedro166. Relativamente ao infante D. João, sintetiza Maria Helena da Cruz Coelho: a sua morte abrupta aos 42 anos de idade retirou um forte e mesmo imprescindível esteio à causa pedrista.167 O desafortunado infante deixava quatro filhos: Diogo, Isabel, Beatriz e Filipa. Para além dos contornos políticos que terão motivado o infante D. Pedro a preparar os matrimónios destas sobrinhas (Isabel e Beatriz), como poderia o infante regente esquecer os filhos de um dos seus mais fiéis e queridos irmãos e, quiçá, um dos responsáveis pela sua regência, como expusemos anteriormente. Se bem que devamos

163 PINA, Crónica de D. Afonso V, pp. 609-610. 164 Veja-se o capítulo XLI da Crónica de D. Afonso V. 165 Encontramos um discurso quase igual do infante D. João na crónica sobre o infante D. Pedro de Gaspar Dias de Landim. Apenas lhe altera o autor alguns vocábulos. Veja-se o capítulo XXVI de O Infante D. Pedro, vol. I. 166 LANDIM, 1893, vol. II, p. 11. 167 COELHO, 2008, p. 169. 66 entender a acção e as decisões tomadas pelo infante D. Pedro dentro de uma linha de centralização política,168 como sublinhou Luís Adão da Fonseca,169 podemos arriscar o apontar de alguma amizade ou afinidade que sentiria pelos sobrinhos, filhos dos irmãos que já perdera e com os quais trocara tanto apoio e cumplicidade. D. Pedro mantinha as ambições políticas, fortalecia a regência e assegurava supostamente um futuro promissor aos seus filhos e sobrinhos, por meio dos casamentos que organizou. Deste modo, D. Beatriz, uma menina que recebeu da sua mãe um riquíssimo e diversificado dote,170 celebrava o seu casamento com o príncipe de Portugal D. Fernando, entre as joias, esmeraldas, prata, ouro, rubis, pérolas, crespinas de ouro, de cambraia e de veludo, as toucas, os mantos, tabuleiros, cortinas, castiçais, perfumes, picheis, saleiros, as arcas da Flandres e os cofres de Aragão e outras peças de grande preciosidade171. Toda a riqueza digna daqueles que não foram, mas poderiam ter sido, reis de Portugal.

2.3. Alfarrobeira

Chegados aos finais da década de 1440, o poder, a influência e o respeito por aquele que tinha sido o regente do reino estavam claramente em declínio. A partir de 1447 assistiremos a um conjunto e sequência de episódios demonstrativos da tensão que se vivia entre o rei, juntamente com o duque de Bragança, e o infante D. Pedro e que estarão na origem da morte deste último. Mais uma vez a Crónica de D. Afonso V, de Rui de Pina, oferece-nos uma descrição, naturalmente incompleta e enviesada, de todos estes acontecimentos, que relembraremos brevemente, seguindo de perto apenas este texto.

168 FONSECA, 1982, p. 34. 169 Patente no controlo do acesso aos cargos de condestável e administradores das ordens militares e nos casamentos dos sobrinhos, por exemplo, e que explica todas as decisões de reforço militar e político que levou a cabo durante a regência e relativamente às quais o infante D. Fernando não ficou imune; tal como o seu filho, o condestável D. Pedro, nos surge como um simples instrumento nas mãos paternas, o mesmo se aplicou ao seu primo irmão mais novo, D. Fernando, por parte de D. Pedro. 170 Veja-se a este respeito: DÁVILA, 2019, pp. 33-37. 171 SOUSA, António Caetano de - Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa. Coimbra: Atlântida, 1947, tomo I, livro III, pp. 289-296. 67

Temos que referir a desonrosa concórdia de paz orquestrada pelo duque de Bragança ao mesmo tempo que a corte dirigia a todas a cidades e vilas do reino cartas de geeraes percebimentos de guerra,172 sem que D. Pedro e o seu filho condestável as recebessem; para se livrar de todas as mentiras e culpas de que o acusavam mostrou o infante D. Pedro ao enviado do rei, Diogo da Silveira, os seus castelos de Montemor e de Coimbra, para comprovar que não se preparava para prejudicar o rei com armas e mantimentos, como se dizia; os ‘saneamentos’ que D. Afonso V levou a cabo de pessoas que eram fiéis e da confiança do infante: tirou ao conde de Abranches o castelo de Lisboa, a Aires Gomes da Silva o ofício de regedor de justiça da Casa do Cível e a Luís de Azevedo o ofício de vedor da fazenda. As mortaaes perseguiçõoes a D. Pedro continuariam durante estes anos e assumiriam contornos particularmente graves para este quando o rei ordenou que desarmasse a sua casa e entregasse as armas que teria nos seus arsenais e armazéns em Coimbra, o que o infante se recusou a fazer; mas também uma guerra eminente quando D. Pedro decidiu impedir a passagem de D. Afonso, duque de Bragança, dirigindo-se para a Lousã e depois para Serpins na companhia do seu grande apoiante, o conde de Abranches, que colocou na retaguarda e de D. Jaime, seu filho, que colocou na vanguarda dos seus exércitos. D. Pedro estava mesmo preparado para um conflito armado. No entanto, não se sentindo suficientemente seguro, o duque de Bragança evita um recontro directo com o seu irmão, consegue atravessar a muito custo a Serra da Estrela e escapar a D. Pedro, chegando até junto do rei que se encontrava em Santarém. Por esta altura, para D. Afonso V, D. Pedro já era visto como rebelde e desleal. Entretanto D. Pedro também já não era regente desde Julho de 1448, o que se traduziu numa perda de influência junto do jovem rei, mas também levou a que na corte denegrissem a sua imagem e chegassem a acusá-lo da morte dos seus irmãos e da sua cunhada, D. Leonor, entretanto falecida em Castela.173 O infante lamentava todas as invejas e incómodos que causara a inimigos e opositores, que nunca descansariam até lhe retirarem a regência do reino e a tutela dos infantes príncipes; estes teriam sido convencidos de que D. Pedro nunca abdicaria do poder para o devolver ao rei, quando

172 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 707. 173 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 704. 68 fosse tempo disso.174 Numa carta de 1448 endereçada ao seu sobrinho, o conde de Arraiolos, D. Pedro dá conta do desconforto e perigo que sente relativamente aos comportamentos recentes de que tinha sido alvo e, nomeadamente, de que o conde de Ourém o implicara numa intriga, o perseguira armado e o mandara espiar, fazendo o infante temer pela vida e deixando-o assustado.175 O conde de Ourém tornara-se um forte inimigo do antigo regente no momento em que este lhe negara o acesso ao cargo de condestável do reino; e este odio do Conde d’Ourem foy a causa pryncipal da morte, e destruyçam do Yfante Dom Pedro, como se diraa.176 No decorrer desse ano, D. Pedro percebeu que tamanhas rupturas só poderiam ser resolvidas mediante um conflito armado e começou a preparar-se para fazer frente aos seus inimigos, o duque de Bragança e o seu filho conde de Ourém, as personagens que agora dominavam o rei.177 O resultado culmina com a morte do infante no arraial onde terá decorrido a batalha, perto de Alverca, junto de hum ribeiro que se diz d’Alferrobeira. Esta breve exposição sobre o evoluir dos acontecimentos entre os finais da regência e o conflito de Alfarrobeira serve-nos apenas para compreender com mais clareza o estado do reino durante esses anos do crescimento e adolescência de D. Fernando. Não é nosso objectivo, nesta dissertação, aprofundar os motivos de D. Pedro e dos seus inimigos, as agressões perpetradas entre eles, nem como tudo se desenrolou, mas sim tentar compreender as suas acções, nesta altura, e o que elas significaram. Tal exercício não é muito fácil, uma vez que temos pouquíssimas referências ao infante D. Fernando durante este período pré-Alfarrobeira. Contudo, sabemos que é nesta fase que adquire o cargo de condestável do reino, que fora concedido pelo seu irmão, D. Afonso V, na sequência do afastamento de vários apoiantes do infante D. Pedro de cargos muito importantes. Mais uma vez, o conde de Ourém tentaria a sua sorte pedindo directamente

174 GOMES, 2009, p. 88. 175 MH, vol. IX, doc. 211, 1968. pp. 344-356. 176 Rui de Pina, na posse privilegiada de informação e conhecendo o futuro que se avizinhava para D. Pedro e para os restantes membros da casa de Avis, interpreta a desilusão e o ódio do conde de Ourém como o responsável pela morte do ex-regente em Alfarrobeira. Este afastamento entre sobrinho e tio fora motivado pelo facto de D. Pedro ter atribuído o cargo de condestável ao seu filho D. Pedro, pela morte de D. Diogo, filho de infante D. João, que detinha o cargo e não tinha mais irmãos varões. PINA, Crónica de D. Af. V, pp. 689-690. 177 GOMES, 2009, p. 92. 69 o lugar ao condestável D. Pedro, mas o rei negou-lhe essa honra, atribuindo-o ao seu irmão D. Fernando. Tal deverá ter ocorrido por Dezembro de 1448.178 No entanto, as trocas de cargos e novas nomeações, que pretendiam afastar os partidários do ex- regente, não ficaram por aqui. Tal foi particularmente sentido por D. Fernando, uma vez que para além ter sido agraciado com o cargo de condestável, recebeu também, por esta altura, o de fronteiro mor no Alentejo e no Algarve.179 As nomeações percebem-se devido à necessidade de D. Afonso V colocar pessoas próximas e de confiança em postos-chave, sobretudo militares, o mesmo se aplicando à nomeação de fronteiro de Trás-os-Montes e Entre-Douro-e-Minho a favor do duque de Bragança. O verdadeiro significado da atribuição destes cargos ao muito jovem infante D. Fernando prende-se com a desconfiança face a D. Pedro, com o objectivo de o afastar politicamente. No entanto, para Luís Adão da Fonseca e Humberto Baquero Moreno, tal também teve a ver com o possível envolvimento de Castela em todo este processo de desentendimento entre rei e ex-regente e com os receios de D. Afonso V e da alta nobreza face a Álvaro de Luna. As enormes divergências, cada vez mais acentuadas, entre D. Pedro e o rei à medida que a situação foi evoluindo até à batalha de Alfarrobeira permitiram que o infante D. Fernando fosse adquirindo mais protagonismo e, consequentemente, mais poder, mas também que tivesse obrigatoriamente que optar por um lado, um partido. É óbvio que a sua escolha seria pelo irmão, contra o tio. E se as suas acções e escolhas se mantiveram silenciosas nas fontes (o que nos poderia fazer pensar que até determinada altura se manteve neutro), a ida em auxílio do duque de Bragança tira-nos qualquer dúvida acerca da opção que havia tomado. Na tentativa de convencer o seu pai a avançar para Santarém (ao mesmo tempo que D. Pedro se encontrava em Serpins para se defrontar com o duque de Bragança), o conde de Ourém convence D. Fernando a ajudar, a colocar-se do lado do duque180 e a dirigir-se ao arraial deste quando esteve quase a entrar em choque com D. Pedro. Antes o infante enviara cartas ao duque de Bragança a confirmar-lhe o seu apoio: E porém o Yfante Dom Fernando como era de

178 FONSECA, 1982, p. 52. 179 MORENO, 1973, p. 330. 180 Vejam-se os capítulos XCIX e CIII da Crónica de D. Afonso V. 70 muy pequena ydade em que o sangue fervya, nom somente satisfez ao Conde com cartas que ordenou aa sua vontade, mas aynda se ofereceo hir em pessoa em ajuda ao Duque (...)181 O apoio prestado ao duque de Bragança foi igual ao apoio prestado ao irmão, o rei, na batalha de Alfarrobeira182. Terá estado presente nesta, juntamente com alguns membros da sua casa. Não teve particular protagonismo militar na batalha (nem faria sentido que tivesse, dadas as características da batalha), o que é notório no pessoal da sua casa senhorial que levou consigo, e que combateu em Alfarrobeira. Entre estes destacam-se D. Martinho de Ataíde, seu mordomo-mor;183 Gonçalo Vaz de Castelo Branco, fidalgo e seu cavaleiro184 e João de Cáceres, fidalgo da sua casa e que terá combatido na batalha junto do infante.185 Podemos sugerir a presença de mais pessoas junto do infante no conflito, apesar de nada sabermos sobre a sua casa nesta altura; contudo apenas nos é confirmada a ida destes três homens, que contrasta fortemente com a presença de outras casas senhoriais, das quais destacaríamos a casa de D. Henrique, de D. Afonso e mesmo do infante D. Pedro (todas elas reconstruídas por Humberto Baquero Moreno, ao estudar os partidários do rei e do infante na batalha). As opções tomadas pelo infante D. Fernando nunca poderiam ter sido outras: alinharia sempre pelo lado do irmão, independentemente da pressão feita pelo seu primo, o conde de Ourém. Esta poderá apenas ter acelerado a decisão e o envolvimento em todo este processo movido contra D. Pedro e que significou a ida de Fernando até Alfarrobeira ao lado do irmão. Mas seria importante percebermos o que o oporia de facto ao ex-regente, qual a relação entre ambos ao longo do crescimento do infante. Haveria proximidade entre tio e sobrinho? Como é que D. Pedro cuidou da infância de D. Fernando? Teria o jovem príncipe, desde tenra idade, algum ressentimento devido ao brusco afastamento da mãe? É possível colocar muitas questões numa tentativa de explicar algum desagrado que sentisse relativamente ao tio que o criou ou que ordenou que o criassem e como deviam fazê-lo. Não temos como estudar a relação que manteve

181 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 715. 182 MORENO, 1973, p. 531. 183 MORENO, 1973, pp. 726-729. 184 MORENO, 1973, p. 769. 185 MORENO, 1973, p. 752. 71 com os seus familiares, e menos ainda com o infante D. Pedro. A verdade é que em 1455, quando D. Afonso V se preparava para acalmar ânimos depois do conflito com o tio e decidiu finalmente dar descanso ao corpo deste no local que lhe era devido (sem dúvida devido à intervenção muito dura da tia, D. Isabel de Borgonha), nem o conde de Ourém, nem D. Fernando compareceram na trasladação de D. Pedro para o mosteiro da Batalha186. Pina quis destacar estas ausências, ainda que não as explique: (...) e vieram todolos Senhores e Senhoras pryncipaaes do Reyno, salvo o Ifante Dom Fernando, e o Marques de Vallença, que tomaram outra opiniam contraira ao prazer e contentamento da Raynha. Quanto ao conde de Ourém (o marquês de Valença) arriscamos a referir que manteria a animosidade contra D. Pedro e cujo motivo é conhecido. Relativamente a D. Fernando, não conseguimos explicar a sua ausência, a não ser pela existência de ressentimentos que nos são desconhecidos, bem como a sua origem. Se quisermos seguir a ideia de Armindo de Sousa187 de que o maior fracasso político do infante D. Pedro se revelou na forma como educou ou ordenou que fosse educado o seu sobrinho D. Afonso V, não o conseguindo conquistar ou cativar para suas ideias de ‘Estado’ e permitindo que fosse presa fácil para aqueles que seriam os seus maiores inimigos, poderemos afirmar o mesmo para o príncipe D. Fernando. Este sofrera exactamente com as mesmas circunstâncias do irmão rei, tendo ambos comido o pão da instabilidade afectiva, sem qualquer modelo disponível de pai.188 Talvez nesta primeira fase da sua vida se encontrem os motivos de todo o distanciamento e desconfiança que sentiria desde muito cedo pelo tio e que facilmente o levariam a virar-se contra ele.

186 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 770. 187 SOUSA, Armindo – 1325-1481. In MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal: a Monarquia Feudal. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 505, vol. II. 188 Armindo de Sousa não perguntou, e por isso atrevemo-nos a fazê-lo, por que razão D. Pedro, tutor, não foi esse modelo de pai. 72

Capítulo 3 – O Pós Alfarrobeira e a década de 1450

Decidimos tomar o ano da batalha de Alfarrobeira como ponto de partida para entrarmos na década de 1450 e no que ela significou para a vida de D. Fernando. Como vimos a sua participação neste conflito não se revestiu de qualquer protagonismo. Julgamos igualmente que não terá lucrado com a morte de D. Pedro, num momento em que o seu irmão já governava o reino, contando com a proximidade do duque de Bragança e do infante D. Henrique. O período de maior poder e riqueza para o infante ainda demoraria cerca de uma década a concretizar-se. Até 1449, a sua casa senhorial não parece ter grande relevância, apesar de nada sabermos: quantos efectivos teria, que estrutura, que nível de património, rendas e bens de outro tipo? Afirmámos que ela existe a partir do momento em que D. Pedro se torna tutor e protector do rei e do irmão, mas o problema da caracterização da Casa persiste. Certamente seria ainda pequena e muito distante das grandes casas senhoriais existentes à época; a grande herança que D. Fernando viria a receber ainda tardaria a cair-lhe nas mãos. Referimo-nos a todo o património do infante D. Henrique, que por esta altura se encontrava vivo e continuaria por mais dez anos e que, pouco tempo antes de falecer, decidiria proceder a alterações no testamento, retirando ao infante D. Fernando uma parte valiosa da herança que inicialmente lhe caberia, como veremos mais à frente. No entanto o desfecho não será esse devido à intervenção de D. Afonso V. O facto de ainda não ser detentor de uma casa senhorial forte e rica não significou que por esta altura não tivesse cargos e poder. Como vimos, já era condestável e fronteiro-mor do Alentejo e Algarve, não esquecendo a administração da Ordem de Santiago. Explicámos, igualmente, as circunstâncias em que tais nomeações ocorreram. O destaque do infante nesta altura é ainda comprovado quando, em 1451, em Lisboa, nas celebrações, do casamento da sua irmã Leonor com o imperador germânico, é mencionado repetidas vezes a participar activamente nas magníficas recepções organizadas por D. Afonso V para o efeito. A sua presença é notória em todos os festejos e cerimónias mais formais, ocupando sempre um lugar destacado. D. Fernando esteve no seu melhor pela forma como se apresentou no dia 13 de Outubro, durante as

73 festas: Depois veio o infante D. Fernando, com a sua corte, muito engalanada todos numa só cor, bem vestidos; trazia uma carta na mão, anunciando a sua chegada como seu exército, para tomar parte nesta festa nupcial189. O embaixador e autor do texto conta que o irmão do rei tinha a sua própria corte e que vestia aqueles que o acompanhavam de forma muito rica. Com os seus 18 anos, Fernando evidenciava enorme riqueza, antes de herdar o que quer que fosse... A referência a uma corte sugere que teria uma entourage que o acompanharia, tão típica e digna da sua condição de príncipe. Quanto a vestir bem os seus homens era prática entre os grandes senhores da altura: enquanto esperava, no Algarve, pelo sobrinho regressado de África, o infante D. Henrique comprou sedas e lã em Cádis para vestir toda a gente que se encontrava com os infantes em Castro Marim;190 e já quase quarenta anos antes do casamento que aqui referimos, em 1414, D. Henrique encomendara em Lisboa e no Porto panos de lã e seda para a realização de umas festas em Viseu.191 Certamente que o infante D. Fernando queria o seu séquito bem vestido porque tal era uma expressão de poder e de distinção social. Não temos a descrição de como o infante e os seus homens foram exactamente vestidos para as festas de Lisboa, mas certamente que o gosto pelo luxo da sociedade da época esteve presente nas escolhas de traje, bem como a elegância, os adornos, a exuberância das cores e a riqueza dos tecidos e das vestes.192 Nas sete referências ao infante que nos surgem nesta fonte sobressaem o seu protagonismo, o envolvimento e conhecimento das questões de estado e a constante proximidade ao poder e ao rei, como aconteceria noutros momentos da sua vida. Nos anos 50 do século XV, D. Fernando tornar-se-ia duque de Beja, arrecadaria mais umas vilas alentejanas como Serpa e Moura e teria os primeiros contactos com o norte de África, nomeadamente do ponto de vista militar. A relação com este espaço duraria até praticamente às vésperas da sua morte e foi reveladora de ‘contradições’ ditada pelas próprias circunstâncias desses anos. Estas escassas ideias resumem o que de

189 VALCKENSTEIN, Nicolau Lanckman de - Leonor de Portugal, Imperatriz da Alemanha: diário de viagem do embaixador Nicolau Lanckman de Valckenstein, ed. do texto lat. e trad. Aires A. Nascimento. Lisboa: Cosmos, 1992, p. 33. 190 PINA, Crónica de D. Af. V, pp. 766-767. 191 SOUSA, João Silva de – 1394-1494: Do Infante a Tordesilhas. Cascais: Patrimonia, 1995, p. 26. 192 MARQUES – A. H. de Oliveira – A Sociedade Medieval Portuguesa. Lisboa: Esfera dos Livros, 2010 (6ª ed.), pp. 47-58. 74 mais importante sucedeu a D. Fernando durante os anos de 1450, que para ele significaram sobretudo a criação de um novo ducado e o alcance de influência militar. Este por sua vez é demonstrativo de mais e novos sinais de poder do infante, que muito devem à sua capacidade de chamar a atenção e de manobrar junto de D. Afonso V. Seria ainda nesta década que os filhos de D. Duarte manteriam uma acesa troca de correspondência com o tio, o rei D. Afonso V, rei de Aragão e, depois, com D. João II do mesmo reino (cartas escritas 1450 e 1459193. Os assuntos abordados entre o rei e os sobrinhos variavam entre as recomendações de servidores194 que o rei aragonês fazia aos infantes, o norte de África até ao agradecimento das notícias que tivera do rei e dos infantes de Portugal sobre o seu entusiasmo relativo à cruzada e à organização de uma armada contra o turco, que pareceria interessar o monarca aragonês (ou ele cortesmente dava sinais disso). Entre outros assuntos que se discutem entre Portugal e Aragão, nestes anos, esteve o casamento entre D. Catarina e o príncipe D. Carlos de Viana, que parecer interessar muito D. Fernando.195 Por fim, um episódio importante é o batizado do príncipe D. João (futuro D. João II), filho de D. Afonso V, que foi levado à pia batismal da Sé de Lisboa nos braços do infante D. Fernando,196 para ser batizado197; estávamos em 1455. Pina refere que foram padrinhos o duque de Bragança, o prior do Crato e Dona Beatriz de Vilhena. Os cronistas não são unânimes quanto aos padrinhos de pequeno D. João,198 mas concordam que foi D. Fernando que o transportou até à pia baptismal. Pouco depois destas cerimónias, D. Afonso V nomeava o infante D. Henrique e o infante D. Fernando curadores do príncipe D. João,199 para que os três estados o reconhecessem como senhor. Os dois infantes receberiam as menagens e juramentos que fossem feitos ao

193 Documentação que se encontra publicada nos volumes XI, XII e XIII dos Monumenta Henricina. 194 Recomenda por exemplo o seu monteiro e mossem Vasco de Gouveia. (MH, vol. XII, doc. 96, pp. 187-188). Sabemos que este Vasco de Gouveia viria a pertencer ao conselho de D. Afonso V e que, em 1456, o rei lhe doaria a vila de Gouveia, antiga propriedade do infante D. Henrique. Este último tinha-a doado ainda em vida ao rei. (MH, vol. XIII, doc. 38). Como veremos, esta seria propriedade do infante D. Fernando, ainda antes também de o infante D. Henrique falecer. 195 MH, vol. XIII, p. 199. 196 MH, vol. XII, doc. 68, 1971. p. 133. 197 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 769. 198 Os indicados por Damião de Góis (GÓIS, Crónica do príncipe D. João, pp. 12-13, cap. II) e Duarte Nunes de Leão (LEÃO, Crónicas dos Reis de Portugal, p. 862, cap. XXV) diferem dos de Pina. 199 MH, vol. XII, doc. 73, pp. 143-145. 75 jovem príncipe. As personagens que vêm manifestar a sua obediência surgem todas devidamente identificadas: o conde de Barcelos, D. Pedro, mestre de Avis, os condes de Ourém, Arraiolos, Vila Real, Atouguia e Marialva; os arcebispos e bispos, o prior do Hospital, toda a clerezia do reino, assim como os ricos homens, cavaleiros, escudeiros, alcaides, representantes dos concelhos e povo das cidades. Todos se encontravam na sala grande do Paço régio de Lisboa, ocupando o infante uma das mais importantes posições na disposição hierárquica da cerimónia. De seguida começou a celebração e D. Fernando fez um discurso, no qual reconhece D. João como herdeiro do trono; é interessante pensarmos que, ao formalizar a posição de herdeiro legítimo do pequeno João, Fernando estava a enterrar para sempre algum sonho ou ambição que tivesse de suceder ao seu irmão. Segue-se o infante D. Henrique a prestar a sua homenagem. E o mesmo fizeram, em sequência, todas as dignidades presentes.200

200 MH, vol. XII, doc. 74, pp. 145-151. 76

Capítulo 4 – D. Fernando e o Norte de África

São fáceis de contar o historial e os momentos que o infante D. Fernando passou em África. Com esse espaço manteve uma relação e um interesse de muitos anos, revelando opiniões, por vezes contraditórias, sobre qual deveria ser o rumo dos portugueses relativamente a Marrocos. Isto é, se por um lado o encontramos a exercer um esforço constante de persuasão junto do rei para que prossiga as tentativas de tomar Tânger, por outro, vemo-lo a aconselhar D. Afonso V a ser prudente com Marrocos e a pesar os contras de uma campanha que muito poderia prejudicar o reino. A ligação do infante ao norte de África foi um misto de impulso e obstinação e de prudência e pragmatismo político, que em determinado momento pareceram caracterizar o seu discurso. Atitudes e sentimentos opostos, mas que D. Fernando manifestou, revelando que, apesar de facilmente sintetizável a sua participação militar em Marrocos, esta revestiu-se ainda assim de alguma complexidade, assente nessa aparente contradição. O seu percurso ‘marroquino’ não foi excepcional nem esteve perto disso. Foi tantas ou mais vezes a África do que os seus importantes familiares e defendeu opiniões diversas: se houve momentos em que a teimosia ou obstinação pura e a persistência falaram mais alto, também houve circunstâncias em que se preocupou com a ameaça castelhana se o rei abandonasse Portugal, ou se questionou se o reino teria os efectivos suficientes para confrontar o rei de Fez. O seu pensamento e acção fazem-nos lembrar as tomadas de posição assumidas pelos infantes D. Henrique e D. Pedro: um genuíno espírito cruzadístico aliado a uma ambição e a uma teimosia de que falávamos e dos quais D. Henrique não abriu mão até morrer; e os perigos de um colapso económico, bem como a falta de recursos humanos para os quais o infante D. Pedro chamara a atenção. Encontramos no discurso e na actuação do infante D. Fernando um pouco das ideias dos tios. Não sabemos até que ponto conheceria aquilo que estes pensavam acerca da política marroquina e nem podemos afirmar que houve uma influência directa dos pareceres destes sobre o do infante D. Fernando. No entanto, estes assuntos circulavam e eram debatidos junto do rei e da corte e nas mais altas esferas do poder político, e o infante estaria familiarizado com eles. Regressaremos a estes pareceres mais adiante.

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Para além da semelhança de opiniões e ideias, tal como os tios e o pai, o infante D. Fernando estrear-se-ia militarmente em Marrocos.

4.1. As idas a Marrocos

4.1.1. De Ceuta a Alcácer-Ceguer

O primeiro contacto do infante com Marrocos dá-se, segundo Pina, em 1457, ainda que no seu discurso a idade de D. Fernando e o ano em que esta situação ocorre não coincidam:201 em 1457, quando D. Afonso V se encontrava em Évora teve com o irmão alguns desentendimentos por pedidos que este último fez ao rei e que não foram satisfeitos. De seguida, Pina enuncia que vários motivos podem explicar a subsequente deslocação, quase clandestina, do jovem infante para o norte de África. Muito provavelmente estaria desapontado com as decisões do irmão em não lhe conceder aquilo que desejaria, mas o cronista acrescenta o seu intuito de querer alcançar honra e glória por meio da guerra e o objectivo de se encontrar, em Nápoles, com o seu tio D. Afonso V de Aragão, que não tinha filhos herdeiros.202 De Évora rapidamente alcançou o Guadiana, onde lhe prepararam uma caravela que o levou até Ceuta. Entristecido com a atitude do irmão, D. Afonso V não perdeu tempo a preparar o regresso de Fernando ao reino, ordenando a alcaides e ao capitão de Ceuta, o conde D. Sancho, que o fizessem regressar. De Ceuta foram avistadas duas embarcações: huma galee e huma caravella ambas juntas, e a galee era de hum Peroso cosairo ytaliano, que naquele estreyto andava d’armada, e na caravella vinha o Ifante após quem o cosairo vinha, já avysado de quem era, e pera o deter e nom leixar passar(...).203

201 Para além das motivações de D. Fernando que o levaram a escapar secretamente para África, adverte ainda Braamcamp Freire que o cronista põe a primeira sexta feira de Quaresma do ano de 1453 no dia 17 de fevereiro, mas fora a 16; Serpa só passou a ser seu senhorio em Fevereiro de 1457, sendo também o primeiro documento onde é intitulado duque de Beja. Quanto aos outros títulos de senhor de Moura, condestável e governador da ordem de Santiago, surgem todos no instrumento de 25 de Junho de 1455 de juramento de príncipe D. João (FREIRE, Anselmo Braamcamp - Brasões da sala de Sintra. 2ª ed. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1930, vol. III, p. 279-280). 202 PINA, Crónica de D. Af. V, pp. 764-765. 203 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 765. 78

Assim que desembarcou em Ceuta, D. Fernando visitou Santa Maria de África e foi- lhe entregue com grande pompa a vara da governação e capitania da cidade pelo seu capitão, que D. Fernando recusou. D. Afonso V, entretanto, já se deslocara ao Algarve e encontrava-se em Tavira quando obteve notícias do irmão em Ceuta. É igualmente informado dos propósitos de D. Fernando de ser fronteiro em Ceuta, posição que obteve, mas por pouco tempo, uma vez que rapidamente regressou ao reino devido à peste que grassava no norte de África. É-nos relatada uma última troca de impressões que manteve com o conde D. Sancho, na qual manifesta solidariedade com este ao pedir-lhe que apare a sua barba, que o conde mantinha bastante crescida pelo luto de familiares próximos, como era costume da época. De regresso a Portugal esperava-o o seu pai adoptivo, D. Henrique, em Castro Marim. Pina refere que por todo o amor que lhe tinha o tratara muito bem e ordenara a organização de festas. O entusiasmo de receber o sobrinho terá sido tamanho que o terá vestido a si e aos fidalgos que o acompanhavam de muytos panos de seda e de laã, que em Callez pera ysso mandou comprar. Depois de passar oito dias com o infante no Algarve, D. Fernando dirige-se ao Alentejo, passando por Mértola até se encontrar com o rei em Beja, onde o rei lhe faz as doações das vilas de Beja, Serpa e Moura. Não fora muito auspicioso este primeiro contacto do infante com o norte de África, mas a fuga e o ressentimento levaram a melhor. Conheceria bem D. Afonso V e saberia como proceder para o pressionar por forma a que o monarca acabasse por ceder àquilo que pretendia. As relações humanas nunca são lineares e simples e no caso destes dois irmãos, agora no que à Ordem de Cristo disse respeito, a quezília que os opôs não mostrou um monarca que facilmente cedesse perante o seu irmão infante, ao contrário do que se poderia pensar. No entanto, cremos que D. Fernando, apesar de nem sempre ter os resultados imediatos daquilo que desejava, soube pressionar e manter a atenção e o constante interesse do monarca de todas as vezes que lhe desobedeceu, fugindo para Ceuta e tentando tomar Tânger pela segunda vez sem a autorização do rei, por exemplo. Os episódios de desavenças entre os irmãos mais visíveis que conhecemos tiveram sobretudo como pano de fundo Marrocos, em situações nas quais a autoridade régia foi claramente questionada pelo infante. Mas as intervenções de D. Afonso V relativamente

79 a D. Fernando não se esgotaram em episódios africanos, como veremos. As premissas da relação com D. Afonso V devem, a nosso ver, ser entendidas como a base do seu poder, alicerçado no vasto património e nas instituições que controlou. Na sua curta vida, D. Fernando parece nunca se ter distanciado politicamente de D. Afonso V e as questões de estado, relacionadas com África e bastante debatidas à altura, envolveram-no profundamente, como é verificável nas crónicas de Rui de Pina e de Zurara. No entanto, não nos é possível apurar se seria tão escrupuloso religiosamente e zeloso de um espírito cruzadístico como o monarca, seu irmão, ou como o tio de ambos, o infante D. Henrique. São vários os testemunhos que nos permitem afirmar que essa característica esteve presente nestas duas personalidades, mas no caso do infante D. Fernando as certezas não são de forma alguma óbvias. A sua presença em Ceuta, na tomada de Alcácer Ceguer, nas duas tentativas falhadas de conquistar Tânger, na destruição de Anafé e na correria a Benamaqueda revelam o seu interesse nestes territórios, mas não necessariamente que os propósitos de ‘dilatar’ a fé estivessem totalmente presentes. Queremos com isto dizer que talvez estivesse mais inclinado para obter dividendos materiais, protagonismo pessoal e poder ao manter-se junto do rei, ao apoiá-lo e, por vezes, ao sugerir-lhe ataques, como fez. Tudo isto é comprovável pelas várias vezes que esteve em Marrocos, mas não só. Julgamos que esta ambição que o caracterizava o fez ter atitudes condenáveis pelos próprios cronistas do seu tempo (que decerto faziam eco de opiniões mais generalizadas ao tempo, pelo menos nos círculos da Corte), patentes em dois dos episódios mais conhecidos. Estes são-nos relatados por Zurara na Crónica de D. Duarte de Menezes e referem D. Fernando como um usurpador do quinto dessa espécie de fossado que o capitão de Alcácer Ceguer levara a cabo,204 assim como o episódio das ordens militares de Cristo e Santiago, no qual o Infante D. Fernando, ao preparar a armada para Tânger, ordenou que estes cavaleiros pagassem as suas próprias despesas e os fretes dos navios que usassem. Estes reuniram e 'lembrarão' ao infante as suas tradicionais “liberdades”, com a ameaça de recorrerem ao papa. O infante ouviu os cavaleiros e respondeu que compreendia e que não os faria servirem-no

204 ZURARA - Crónica do Conde D. D., pp. 334-335, cap. CXXXVII. 80 daquela forma, justificando que o seu pedido/ordem tinha sido por necessidade.205 Tais episódios contribuíram para um reforço, dentro de um mesmo texto, de uma imagem negativa de D. Fernando, algo que Zurara não se preocupou em esconder. As conquistas militares em África durante o reinado de D. Afonso V estão amplamente estudadas, não tendo cabimento repetir descrições. Interessa-nos apenas compreender a participação do irmão de D. Afonso V nas campanhas. As fontes cronísticas são muito claras: o infante D. Fernando esteve presente na conquista de Alcácer Ceguer, em 1458, onde se estreou militarmente. Como vimos, não fora a sua primeira vez em África, nem a primeira que se envolvera em assuntos africanos, já tendo estado anos antes em Ceuta e tendo pedido autorização ao monarca para ir socorrer, em vésperas de partida para Marrocos, o conde de Odemira, D. Sancho, face à ameaça do rei de Fez em cercar a cidade. É quando esta expedição é organizada que D. Afonso, mudando de ideias, decide atacar Alcácer em vez de Tânger. Esta alteração de planos pode ser explicada estrategicamente, uma vez que Alcácer seria um bom ponto de apoio para os portugueses206 relativamente à praça-forte de Ceuta, que se queria protegida, para além de ser uma base de constantes ataques ao Algarve, que urgia suprimir; ou, prosaicamente, O “Africano” não se sentiu com confiança para encarar Tânger, sendo Alcácer Ceguer bem mais acessível. Mais uma vez uma ida sobre Tânger ficaria adiada, mas não a intenção. Mas agora tudo se preparava para a ida a Alcácer, com os responsáveis a tratarem de todas as tropas e recursos necessários para a viagem e campanha, entre os quais (responsáveis) se contavam o infante D. Henrique, o marquês de Valença e o conde de Odemira, que contribuíra com quatro fustas e um barinel, segunda Pina. Neste estado de preparação da armada que seguiria para Alcácer, sabemos que D. Fernando passara pella grande doença de febre (...), de que Deos em breve o livrou,207 de que D. Afonso V se terá apercebido em Setúbal, encontrando o irmão nesse estado. No entanto, a força e a vontade seriam tantas que recuperou e chegou a exigir que o levassem

205 ZURARA - Crónica do Conde D. D., pp. 347-349, cap. Clij. 206 BRAGA, Paulo Drumond – A Expansão no Norte de África. In SERRÃO, Joel, MARQUES, A. H. DE Oliveira (dir.) – Nova História de Expansão Portuguesa: A Expansão Quatrocentista. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Vol. 2, p. 270. 207 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 775. 81 mesmo doente, no leito, para o mar e para prosseguir viagem. Juntar-se-ia ao seu irmão e ao seu primo co-irmão, o antigo condestável D. Pedro, que unira esforços com o rei de Portugal, e passando além do Cabo de S. Vicente, seguiriam para Sagres, onde eram aguardados pelo infante D. Henrique e onde esperaram por frotas de outros lugares do reino. Tudo isto sucedeu em finais de Setembro de 1458, uma vez que uma notícia do dia 27 dava conta que a frota saiu de Setúbal no último dia desse mês,208 para chegar ao Algarve e daí partir para África. Na nau Santo António fizera o convalescido a viagem até ao Algarve e aos domínios do pai adoptivo, onde todos já reunidos escutariam um discurso do monarca; o infante D. Fernando, num gesto de profunda admiração e apoio ao irmão, colocou-se de joelhos perante ele e beijou-lhe as mãos, antes de partirem de Lagos209. D. Fernando voltaria a destacar-se já no arraial de batalha, instigando ao orgulho, fervor e esperança dos homens que ali se encontravam para combater, mandando tocar as trombetas, ordem que partilhou com o irmão, de quem se manteve sempre próximo no decorrer do conflito,210 nomeadamente quando os portugueses recorreram a engenhos de guerra. Nessa altura terá combatido junto das escadas entretanto colocadas junto aos muros da cidade. Das façanhas do infante D. Henrique em Alcácer foram notificados o rei e D. Fernando. Quando o velho infante D. Henrique ordenou que os mouros fossem atacados por uma bombarda, que os fez desesperar e pedir a clemência deste, ele respondeu que não procurava bens, nem resgates, apenas queria que os muçulmanos abandonassem a cidade e libertassem os cativos, algo que aconteceria na manhã seguinte ao combate. D. Fernando encarregar-se-ia da saída em segurança dos habitantes de Alcácer, assegurando que, de seguida, o rei entrasse com os seus súbditos para dentro da cidade e se dirigisse desde logo à mesquita, entretanto convertida em igreja de Santa Maria de Misericórdia. Tudo isto sucedeu numa quarta- feira pela manhã, ficando o rei em Alcácer até domingo. Não sabemos se D. Fernando se manteve nesta praça ou saiu juntamente com o irmão, que em determinada altura regressou a Faro, no Algarve. Não teremos mais notícias do infante até ao momento em que pede autorização ao rei para, de Alcácer, partir em cavalgada e foy correr humas

208 MH, vol. XIII, doc. 84, pp. 149-150. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. I, doc. 432, pp. 551-552. 209 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 775. 210 GÓIS, Crónica do príncipe D. João, pp. 37- 39. 82 aldeas, que sam na faldra da serra de Benaminir terra muito fragosa, e muyto povorada (...) de que mataram até duzentos Mouros, e trouxeram cativos duzentas e vinte almas com muito gado e outro grande despojo, e se tornou a Alcacere. Quis o Ifante aver e ouve pera sy o quynto desta cavalgada211, que pertenciam ao conde e capitão de Alcácer D. Duarte de Meneses. Já nos tínhamos referido a este episódio de muita gravidade e o desrespeito pelas tradições cavaleirescas, pela ilegalidade cometida pelo infante, também presente no texto de Zurara. Com explica Oliveira Marques, os fossados eram prática antiga no reino de Portugal e serviam para penetrar em território inimigo, explorar esses campos e retirar os despojos que lá se encontrassem, com regresso ao ponto de partida. Do saque que era recolhido, a quinta parte pertencia ao rei, ao senhor responsável ou a quem os representava. Tal prática significou, nos primeiros tempos do reino, a ligação entre o norte e o sul, no âmbito da Reconquista212. Tal como o cronista seu antecessor, Rui de Pina não deixa de destacar que esta situação gerou agravo para D. Duarte, a quem pertenciam os quintos da vila e que D. Afonso V teve, posteriormente, que compensar, pagando a dívida contraída pelo irmão com dinheiro da sua própria fazenda. Parecia que o infante e as suas atitudes uma vez mais levavam a melhor. É facilmente compreensível a gravidade da situação, uma vez que esta prática bélica tinha as suas regras definidas desde os tempos dos primeiros reis, chegando ao período henriquino, no qual os portugueses continuavam não a fazer fossados em território nacional, mas pelas serras e aldeias marroquinas, como esta cavalgada na qual o infante participara. A ’reconquista’ aos mouros mantinha-se, apenas o cenário se alterara para África. Os primeiros esforços militares do infante não pareciam muito meritórios, nem particularmente brilhantes. Como príncipe que era estaria presente na batalha, junto com o seu irmão monarca. Mas como notou Luís Miguel Duarte, os cronistas que escreveram sobre o confronto de Alcácer (Zurara, Pina e Damião de Góis) convergiram no facto de o comando das operações ter pertencido ao infante D. Henrique, que com o seu

211 PINA, Crónica de D. Af. V, pp 799-800. 212 OLIVEIRA MARQUES, A. H. – A Expansão no Atlântico. In SERRÃO, Joel, MARQUES, A. H. DE Oliveira (dir.) – Nova História de Expansão Portuguesa: A Expansão Quatrocentista. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Vol. 2, pp.11-12. 83 prestígio, idade e experiência ‘resolveu’ a batalha213 e foi decisivo para o seu resultado final, talvez obscurecendo a participação do rei e do infante D. Fernando. No entanto, esta questão extravasa a imagem de D. Fernando nas crónicas e a forma como a sua participação é apresentada pelos seus autores, uma vez que deve ter pesado também o facto de que era jovem que nenhuma experiência bélica tinha à altura, sendo por isso natural que fosse alguém mais experiente a coordenar as operações quando fosse necessário. Não é de estranhar que o jovem infante assumisse pouco protagonismo militar no momento do conflito. Terá permanecido sempre junto ao rei e aguardado o momento, em que foi informado de que o tio preparara a expulsão dos mouros da cidade. Pouco depois desrespeitara o tradicional fossado português, algo que passou impune. Mas as ‘aventuras’ africanas de D. Fernando não ficariam por aqui. No intervalo entre a campanha de Alcácer e os preparativos dos anos seguintes para assediar Tânger e para premiar a condição da cavalaria e nobreza operante no Norte de África, D. Afonso V cria a Ordem de Espada (1459-1460), restrita a 27 pessoas; entre os primeiros escolhidos para a integrarem conta-se o infante D. Fernando.214 Seria ainda na altura do seu governo na Ordem de Santiago que Alcácer do Sal passaria a ser designada como tal. O sal era sinónimo da riqueza desse espaço e o objectivo foi distinguir as duas Alcáceres portuguesas (Alcácer do Sal e Alcácer- Ceguer)215.

4.1.2. A ‘maldita’ Tânger: sepultura de Yfantes de Portugal

Após o êxito experimentado na conquista de Alcácer-Ceguer, a partir de 1462 o rei de Portugal começa de novo a equacionar a hipótese de tomar Tânger216. Como se sabe, a ideia nunca abandonara D. Afonso V. Pode ter sido reforçada com a queda de Constantinopla às mãos dos turcos. Não tendo participado em cruzadas contra

213 DUARTE, Luís Miguel – África. In BARATA, Manuel Themudo, TEIXEIRA, Nuno Severiano – Nova História Militar de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2003. Vol. 1, p. 425. 214 MARQUES, A.H. de Oliveira - Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV. Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 261. (Volume IV da Nova História de Portugal, dir. SERRÃO, Joel, MARQUES, A. H. Oliveira ) 215 PEREIRA, Maria Teresa Lopes – Os Cavaleiros de Santiago em Alcácer do Sal: século XII a fins do século XV. Lisboa: Edições Colibri, 2015. 216 DUARTE, 2003, p. 426. 84 o turco, D. Afonso V procuraria reforçar as posições portuguesas em África. O primeiro alvo fora a pequena povoação de Alcácer, que naquela altura não era muito mais do que um local de piratas. Após esta primeira conquista, a partir de 1460 o impulso militar em África ganha um novo rumo com os portugueses a ‘regressarem’ a Tânger. Foi neste contexto que o monarca pediu opiniões e conselhos dos seus familiares mais próximos sobre uma nova investida em Marrocos. Trataremos a matéria na parte seguinte. No decorrer das campanhas de 1463217 e 1464, houve duas tentativas de tomar Tânger, que se saldaram por (mais) dois fracassos. Pina relata o início das operações e a partida do rei e do infante D. Fernando do Algarve para Marrocos numa altura em que tinham sido aconselhados a aguardar, pela tempestade que se anunciava no mar. D. Afonso V teimosamente não cedeu e durante dias enfrentou a tormenta no mar até irem dar a Ceuta218. Com isso perderam-se homens e recursos; o começo não tinha sido o melhor. De Ceuta o rei partiria para Alcácer: Pina não diz se o infante o acompanhou, mas é provável que o tenha feito. A partir de Alcácer, D. Afonso V prepararia o escalamento de Tânger. Sabe-se que o infante D. Fernando e o antigo condestável D. Pedro se juntaram ao exército do rei por terra (paralelamente a navios que seguiam por mar), mas os muçulmanos da cidade estavam preparados para um ataque às muralhas com uma bombarda; a investida redundou num falhanço para os portugueses. De facto, D. Afonso V fora aconselhado a desistir de tal ideia, o que acabou por fazer. O

217 Em Outubro de 1463 escrevia o rei D. Afonso V aos fidalgos, cavaleiros, vereadores, juízes, procuradores e homens bons a anunciar a sua passagem por África, deixando o seu filho, príncipe D. João, como regedor do reino. O rei explicava que queria voltar a Alcácer e a Ceuta, enquanto tivesse idade e disposição e para que as pessoas da sua corte e da casa dos seus irmão e primos pudessem fazer algum serviço a Deus e exercitar-se na guerra, dando continuidade ao legado de D. João I; o infante D. Fernando teria sido um dos conselheiros do rei neste assunto e a incentivá-lo. Alguns são dispensados de ir, excepto aqueles que por cartas régias ou de D. Fernando estivessem convocados para aexpedição: E assy como em nossa corte e assy em casa do Iffamte meu muito prezado e amado irmaao e nas cassas de meus primos e doutros senhores e fidalguos dos dittos nossos regnos ha muta jente que ao pressemte pouco trabalha em serviço de deus propossemos e detriminamos com comsselho do dito meu irmaao e dos sobre ditos e doutros de nosso comsselho. Com ajuda de nosso senhor por alguuns messes passarmos a çeeepta e alcaçeer (...) Livro Antigo de Cartas e Provisões dos Senhores Reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I, pref. e notas de Artur de Magalhães Basto. Porto: Publicações da câmara Municipal do Porto, vol. V, p. 6. 218 PINA, Crónica de D. Af. V, pp. 797-798. 85 problema centrara-se na descoberta, por parte dos habitantes de Tânger, das manobras do atacante, e numa entrada de mar que era muito perigosa para os efectivos portugueses. Certamente desiludido, o rei regressa a Alcácer e depois a Ceuta, na companhia do seu irmão. O desapontamento e a sensação de fracasso devem ter sido tais tanto maiores quanto o rei e o infante D. Fernando, segundo Zurara, tinham manifestado tamanha alegria e entusiasmo com a possibilidade de conquistar Tânger que não quiseram prestar atenção aos conselhos em sentido contrário, nomeadamente os do experiente conde D. Duarte. Segundo o cronista, D. Fernando pensava ir reconhecer dissimuladamente o terreno; responsável por duas ordens militares, deveria empenhar-se mais ainda na expansão da fé católica. Zurara acrescentou: E como aaquel tempo [o infante] era a principal pessoa do regno despois de seu Jrmãao, caasy todos pedyam licença pera o yr servyr naquella yda.219 Entretanto o rei pensou também em atacar Arzila, mas nunca houve oportunidade para tal, até por ser Inverno. Mas tudo isto nos vai dando sinais da estratégia totalmente errante (ou da ausência de estratégia) do rei de Portugal, nesta volumosa e cara expedição a África: vamos até Ceuta e Alcácer; claro, se pudermos finalmente conquistar Tânger; e já agora, porque não Arzila, que é grande, importante e nem fica longe? Na guerra contam-se pelos dedos os ‘milagres’; este não foi um deles. E, apetece dizê-lo, nem Afonso V o merecia, tal o desnorte, a imprudência e o não escutar a opinião de quem sabia, que manifestou. Por sua vez D. Fernando não abandonava a ideia de Tânger, querendo pôr um fim a este assunto. Como sabemos tal glória não lhe estava destinada: Tânger cairia apenas em 1471, um ano após a sua morte. Mas nestes anos de 1463 e 1464 revelou-se muito determinado nos assaltos à cidade, chegando para isso a reunir um conselho de pessoas, gente ilustre, para discutir Tânger. Acerca deste tópico, e relativamente à Crónica de D. Afonso V, de Pina, a Crónica de D. Duarte Menezes oferece mais detalhes sobre a forma como o infante conduziu os preparativos para mais duas tentativas de submeter a cidade. O cronista recorre ao discurso directo entre o infante e os condes dodemyra e de vyana e de maryalva e com o marichal e gomez freyre e com o

219 ZURARA - Crónica do Conde D. D., p. 312. 86 comendador moor de christus e com Joham de sousa e Fernam tellez e aquelles aazadores do scallamento.220 Começou o infante por referir que, na ausência do rei, devia ser ele a tomar a iniciativa do ataque. Foi questionado sobre o número de homens necessários para tal ataque. O assunto foi tratado sem cuidado nem profundidade, ao ponto de uns sugerirem apenas vinte homens e outros duzentos; e tudo isto sem o rei ser informado. Nos pontos substanciais, do número de efectivos e do pedido de autorização ao rei, o infante não revelou quaisquer preocupações. Desta forma despreocupada e irreflectida foi pensado o segundo ataque a Tânger entre D. Fernando e os homens com quem se reuniu. Os argumentos de que encontraria muitos combatentes inimigos na cidade, bem armados e equipados e muito superiores em número, não detiveram o infante na sua obstinação. Pina conta que D. Fernando se considerava para altas cavalarias e que sempre sospirou por grandes e arduas empresas; não se contentava em obedecer nem estar sob o mando de alguém quando de façanhas militares se tratasse. O infante parte então para Tânger, mas o monarca é avisado. Tendo andado desencontrado durante quase um dia e depois reencontrando-se, o infante não escaparia a uma dura repreensão do monarca por lhe ter desobedecido e ter preparado tudo em segredo. Acabava assim a segunda tentativa de tomar Tânger em tempos do rei D. Afonso V e a terceira desde tempos de D. Duarte. Mais uma vez, a falta de preparação estratégica e táctica, o impulso e a inconsciência, bem como a arrogância de não querer ouvir os que sabiam mais, foram os principais culpados. Os relatos relativamente a Tânger não ficam por aqui. As crónicas mencionam ainda mais um ataque em tempos de D. Fernando, um terceiro assalto, portanto. Depois da repreensão do irmão, D. Fernando manteve-se em Alcácer, quando o rei se dirigiu a Ceuta. A Ceuta iria também D. Fernando, para desta vez, pedir autorização ao irmão para avançar sobre a cidade. Esta foi-lhe concedida, apesar de D. Afonso se encontrar francamente pessimista e deixar tudo nas maãos de Deos. Regressa D. Fernando a Alcácer e no dia 19 de Janeiro de 1464 parte desta cidade até Tânger, mandando carregar quatro escadas. Os fracassos anteriores explicam o desaventurado pronostico referido por Pina e pressentido pelos homens que acompanharam com o infante nesta

220 ZURARA - Crónica do Conde D. D., p. 337. 87 terceira tentativa, para além de ‘avisos’, muito habituais ao tempo, que terão surgido no céu à medida que se deslocavam: parece terem avistado sobre um monte, um cometa que lançavam raios de fogo em forma de dragão. O projecto parecia estar condenado à partida. As escaramuças iniciar-se-iam na manhã seguinte e entre pontes, lutas, escadas e movimentações de tropas, os muçulmanos rapidamente se aperceberam da presença e das intenções portuguesas e mobilizaram a cidade. O infante dirigiu-se para os muros, donde comandou parte das operações, onde os homens se foram amontoando, sem espaço para combater. Houve enormes perdas entre os cristãos porque o alcaide de Tânger fez deslocar rapidamente besteiros e espingardeiros para um pomar próximo da localização portuguesa, infligindo muitas perdas. As escadas do infante também foram prontamente tomadas pelo inimigo. E assim, sendo as escallas tomadas nom tynham algum remedio de salvaçam221. João de Sousa avisa o infante que não deixe subir mais ninguém, mas o infante insistiu em subir uma escada encostada à muralha, porque achava que deveria morrer com os seus servidores e bons criados (o tipo de comportamento aparentemente heróico e de mártir, mas que na prática agravava o desastre e permitir-lhe-ia não responder pela sua incompetência como líder militar). Mas foi detido pelo conde de Odemira e pelo comendador mor de Cristo, que o convenceram a não cometer mais uma imprudência. A falta de um Príncipe era diferente da falta de um simples soldado: o Reyno teria delle pera sempre muita myngoa e grande necessidade, uma vez que Tangere fosse tantas vezes sepultura de yfantes de Portugal. Não queriam que isso se repetisse. D. Fernando acabou por aceitar e regressou a Alcácer. O resultado seria a morte e o cativeiro de muitos combatentes portugueses, mais um pranto para o reino e o terceiro fracasso do infante em Tânger. Não se nega que tivesse feito prova de valentia e coragem quando se acercou das escadas e mostrou a intenção de morrer junto dos seus homens no topo do muro, mas fora ambicioso, impulsivo, teimoso e correra perigo de vida, vendo-se envolvido numa situação muito perigosa. Curiosamente, Fernando parece ter decalcado as características militares do ‘pai’, o infante D. Henrique, que tinha tanto de corajoso (a raiar a

221 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 807. 88 inconsciência) como de péssimo comandante militar, como provou em 1415, em Ceuta, e em 1437, em Tânger. Alguma da mais destacada e experiente nobreza de Portugal, com o marechal à frente, deixa-se sacrificar numa aventura irresponsável liderada por infante militarmente inepto.222 É quase certo que teria morrido se não tivesse sido impedido de escalar as muralhas da cidade. Tânger continuaria perdida e poderia ter causado a morte de um segundo Fernando de Portugal. A cidade norte-africana era um objectivo militar muito difícil; D. Fernando deve ter compreendido que não seria prudente insistir mais nela. Já D. Afonso V cumpriria o sonho de a ocupar. Apesar destas desventuras africanas, o infante permaneceria interessado no território, não pondo um fim à sua ligação a Marrocos após os desastres consecutivos de Tânger. Como resume Luís Miguel Duarte: do ponto de vista militar, a armada de 1463-1464, foi Portugal no seu pior.223

4.1.3. Cai o pano em África: Anafé

Anafé e a sua destruição foram o último episódio africano que envolveu directamente a participação do infante D. Fernando, cinco anos após a última fatalidade vivida em Tânger, porque morreu pouco depois, em 1470. O seu entusiasmo e até resiliência relativamente aos territórios africanos sugerem-nos que teria gostado muito de estar presente nas conquistas de Arzila e, finalmente, na ocupação de Tânger em 1471. Escreve Rui de Pina que Fernando, sempre com o desejo de alcançar honra e Estado, procurou fazer, mais uma vez, guerra contra os muçulmanos em África. Decide então organizar uma armada (com a ajuda de D. Afonso V, como tinha de ser), que teve por certo alguma dimensão, dada a descrição do cronista de que as gentes de Anafé, quando viram aproximar-se uma grande frota, não lhe ofereceram qualquer resistência. À vista dos barcos portugueses, os habitantes abandonaram a povoação, que foi invadida e saqueada pelos portugueses. Anafé teria uma muralha forte: D. Fernando

222 DUARTE, 2003, p. 428. 223 DUARTE, 2003, p. 429. 89 percebeu que não a poderia defender e manter com os recursos que levara consigo. Por isso decidiu destruir tudo e regressar ao reino, em 1469.224 Segundo Damião de Góis terá levado consigo dez mil homens, mandando primeiro espiar o porto marroquino, por Estêvão da Gama. Este fizera-se passar por mercador de figos do Algarve e depois por marinheiro que vendia esses figos pela vila225. O infante D. Fernando montara este ardil para obter informações sobre a terra, as suas gentes, quão forte era esse espaço e quantos efectivos seriam precisos para o tomar. Damião Góis acrescenta que D. Afonso V teve interesse na sua destruição, porque de lá vinham embarcações que atacavam e faziam uma pirataria violenta sobre as costas de Castela e de Portugal.226 No discurso de Pina aparentemente a decisão do infante não revelara qualquer preocupação estratégica num ataque a Anafé, mas este era um conhecido porto de galés e fustas de corso, sobretudo de pirataria vinda de Salé,227 como é referido por Damião de Góis. Duarte Nunes de Leão ainda acrescenta um dado novo: o interesse do rei de Portugal por Anafé prendia-se igualmente por lá se colher bom trigo: Da grandeza, e formosura della daõ bom testemunho alguns edificios, que ainda hoje se veem. Era aquella Cidade tambem celebrada, e nomeada pello muito, e bom trigo, que em sua comarca se colhe, donde veio a semente do trigo, que em Portugal se chama Anafil, que quer dizer de Anafee228 Assim o infante poderá ter ajudado a resolver temporariamente um problema. Portugal manteria o interesse em Anafé para, em 1487, tentar a sua conquista, claramente por ser uma base de piratas e corsários e de espionagem portuguesa. Faz sentido: o raid de D. Fernando terá então sido muito mais do que um ataque gratuito e desmiolado a um porto de pescadores, que se ficou pelo saque e pela destruição. De forma mais positiva e produtiva, em Anafé terminavam as nem sempre felizes peripécias do infante D. Fernando por terras africanas.

224 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 816. Segundo Damião de Góis o infante D. Fernando foi a Anafé no ano de 1468. GÓIS, Crónica do príncipe D. João, pp. 54-55, cap. XVII. 225 Um interessantíssimo indicador da importância daqueles frutos e do seu comércio por estes anos. 226 Tais dados não são referidos por Pina na Crónica de D. Afonso V. GÓIS, Crónica do príncipe D. João, pp. 54-55. 227 VICENTE, Paulo David – Anafé. In DOMINGUES, Francisco Contente (dir.) – Dicionário da Expansão Portuguesa (1415-1600). Porto: Círculo de Leitores, 2016. Vol. 1, p. 72. 228 LEÃO, Crónicas dos Reis de Portugal, p. 895. 90

A cidade seria depois doada, de juro e herdade, com toda a jurisdição cível e crime e sem reserva da alçada para o rei, ao duque de Viseu e Beja, D. João, em Julho de 1472 – prova que a destruição esteve longe de ser total.229

4.2. (...) Porque se deveria todo deixar de fazer guerra de taõ pouco proveito (...)

Os pareceres sobre Marrocos: uma ‘tradição’ entre os príncipes de Avis

O século XV português ficou marcado por uma intensa discussão política em torno da conquista de novas praças e territórios no espaço norte africano – da expansão marroquina, em suma. Para além de outros testemunhos nas fontes da época, são de realçar os conselhos por escrito nas décadas de 1430 e 1460, a pedido dos reis da altura. Tudo começou com a ida a Ceuta, profundamente debatida, antes, e profundamente debatida (manter ou abandonar a cidade) depois da conquista. Mas desses debates não temos testemunhos escritos na primeira pessoa, apenas relatos de Zurara. A segunda fase inicia-se nos anos 30, tendo como pretexto uma possível participação do Infante D. Henrique na Guerra de Granada, sob o comando do rei de Castela, e depois uma expedição militar para conquistar Tânger. Contou com as opiniões do infante D. João230, do conde de Barcelos231 e dos seus filhos, o conde de Ourém232 e o conde de

229 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 30, fl. 122. 230 “Conselho do Infante D. João… (8 de maio de 1432)” in MH (dir. António Joaquim Dias Dinis), Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vol. IV, doc. 23, 1962. pp. 111-123. 231 “Conselho do Conde de Barcelos… (19 de maio de 1432)” in MH (dir. António Joaquim Dias Dinis), Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vol. IV, doc. 24, 1962. pp. 123-126. 232 “Conselho do Conde de Ourém… (4 de junho de 1432)” in MH (dir. António Joaquim Dias Dinis), Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vol. IV, doc. 26, 1962. pp. 129-133. 91

Arraiolos233 (todas de 1432); e nesse debate procurou-se refletir em geral sobre a justeza e a legitimidade da guerra em territórios do ‘infiel’, assim como acerca da cruzada e do papel do rei neste tipo de evento. Em 1436 (já no reinado de D. Duarte) caberia ao infante D. Henrique234 a responsabilidade de redigir o seu testemunho e, por fim, em 1437, ano do desastre de Tânger, seria o infante D. Pedro235 a pronunciar-se sobre o assunto. No entanto, estas preocupações não cessariam, uma vez que em 1460 (passadas quase três décadas), e preparando-se D. Afonso V para novas incursões militares em África, volta a recorrer àqueles que lhe são próximos, nomeadamente ao seu irmão, o infante D. Fernando, e a dois dos seus primos irmãos, o conde de Arraiolos (e marquês de Vila Viçosa) e o condestável D. Pedro. Portanto duas gerações distintas debateram um mesmo problema, mas em conjunturas diferentes; o infante D. Fernando foi apenas mais um interveniente. É do maior interesse registar as profundas diferenças de opinião entre os textos, o recurso a autores e autoridades, a argumentação e aquelas que foram as principais ideias e concepções políticas (sobretudo relacionadas com a guerra justa e santa) dentro da aristocracia e das mais importantes figuras políticas dos finais da Idade Média portuguesa. Relembre-se, no entanto, que não estamos na presença de autores políticos por natureza, mas sim de textos inspirados naquilo que inquietava os reis, os infantes e os seus familiares relativamente à guerra africana que a todos envolveu. São testemunhos reveladores das principais preocupações do Portugal da época. A tradição de pedir conselhos sempre que se planeava uma incursão militar é muitíssimo antiga e está atestada pelo menos desde as mal chamadas “civilizações pré- clássicas”. Em Portugal e na 2ª dinastia, como acabámos de resumir, começa quando D. João I se preparava para atacar Ceuta. Antes da conquista já o rei debatera com a sua entourage mais directa e restrita e com os seus filhos e infantes mais velhos qual a

233 “Conselho do Conde de Arraiolos… (22 de abril de 1432)” in MH (dir. António Joaquim Dias Dinis), Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vol. IV, doc. 21. pp. 99-108. 234 “Resposta do infante D. Henrique … (1436)” in MH (dir. António Joaquim Dias Dinis), Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vol. V, doc. 101, 1963. pp. 201- 204. 235 “Conselho do infante D. Pedro… (1437)” in MH (dir. António Joaquim Dias Dinis), Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vol. VI, doc. 1, 1964. pp. 1-7. 92 melhor opção a tomar. Sabe-se que D. João I planeara a organização de grandiosas festas para armar os seus filhos cavaleiros. Tal terá desagradado aos infantes, que preferiam receber essa honra após uma batalha digna. Pedir opinião e o aconselhamento de homens experientes, próximos do rei e conhecedores do território inimigo parece ter sido prática corrente com D. João I, D. Duarte e D. Afonso V quando as circunstâncias assim o exigiram (como era prática por todo o mundo conhecido do tempo). Como aponta Luís Filipe Reis Thomaz, já na fase final da sua vida (D. João I) e para fazer face às obstinações do Infante D. Henrique em ir ajudar os castelhanos na reconquista granadina, o velho rei começou a pensar seriamente numa grande expedição real a Tânger ou a Arzila.236 É quase sempre claro nestes textos e pareceres sobre a guerra em Marrocos que a última palavra cabe ao rei, que apesar de ser, com frequência, aconselhado a não avançar com a guerra, decide precisamente o contrário (ou, dito de outro modo, antes de pedir opiniões alheias, o monarca já tinha a sua decisão tomada). Contudo, não eram só os reis que procuravam conselho junto dos seus próximos ou dos notáveis da corte. O caso do infante D. Fernando é disso exemplo. Conta-nos Zurara que, quando o príncipe entendeu que queria pôr um fim ao problema de Tânger, reuniu e aconselhou-se com os condes de Odemira, de Marialva, com o marechal, com Gomes Freire, com o comendador mor de Cristo, com João de Sousa e Fernão Teles, que o ouviram e lhe fizeram perguntas sobre a preparação da expedição. Entre todos discutiram os efectivos necessários para um escalamento da cidade.237 Num episódio posterior da Crónica de D. Duarte de Menezes, o infante voltaria a falar com o conde de Odemira e com o comendador mor de Santiago, que lhe recomendaram que prosseguisse a empresa contra Tânger. D. Fernando inscrevia-se assim numa tradição herdada do seu avô e pai de se aconselharem para melhor fundamentarem as suas decisões. Esta forte expressão do debate em torno da guerra e da sua legitimidade não é de estranhar, uma vez que praticamente todo o século XV português se confronta com os avanços do comércio marítimo e da expansão, o interesse por novos espaços, e igualmente, com conquistas e projetos militares que incluíram as Canárias, o reino de

236 THOMAZ, Luís Filipe – De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1994. p. 85. 237 ZURARA - Crónica do Conde D. D., pp. 312. 93

Granada e o Norte de África. Evidentemente, conforme as conjunturas políticas e os reinados, assim a maior ou menor inclinação dos governantes para uma aposta mais na economia e no comércio externo, no avanço das explorações marítimas e do reconhecimento territorial (como aquela que se assume ter ocorrido no período da regência do Infante D. Pedro – 1439-1448); ou para uma vertente mais conquistadora e militar, patente em Afonso V e que muito envolveu o infante D. Fernando. Naturalmente estes desígnios podiam ser contraditórios ou complementares. Regressando ao problema dos debates acerca da guerra em Portugal, já frisámos porque é que estes fizeram sentido ao longo das décadas deste século, tendo acompanhado sobretudo os reinados de D. Duarte e de D. Afonso V. São de resto uma fracção da prática de aconselhamento dos monarcas da Cristandade.238 Assim se explica igualmente o contexto e o propósito da carta de Bruges, um verdadeiro tratado político de temática variada, que o infante D. Pedro escreve para o irmão, D. Duarte, ainda este não era rei. Esta carta, datada de 1426, não esquece o problema de Marrocos e revela uma opinião forte, que seria semelhante à do seu parecer emitido em 1436 ou 1437 aquando dos debates sobre a ida a Tânger. Escreve o infante que enquanto Ceuta mantiver a administração como então tinha he muy bom sumydoiro de gente de vossa terra e d’ armas e de dinheiro (...)239. A interpretação que demos à Carta de Bruges serve para percebermos melhor o significado dos pareceres escritos na década de 1430 e de 1460, durante os reinados de D. Duarte e de D. Afonso V, respetivamente. Estamos perante textos de opinião, pareceres, sobre a guerra no norte de África, que comprovam a ideia de um debate vivo e expressivo na sociedade política do Portugal de então e que visam analisar os prós e os contras de uma possível incursão militar e de conquistas em Marrocos. Se é verdade que existe alguma semelhança nas preocupações e nos temas, os textos devem ser lidos em conformidade com os contextos políticos de cada década e tendo em conta que os autores e as argumentações são

238 Veja-se o trabalho de Béatrice Leroy– Du Franc Parler en Politique: aimer et devoir écrire aux souverains en Castille au XVe siècle. Limoges: Pulim, 2014. 239 DUARTE, D. – Livro dos Conselhos, p. 37. Acrescenta ainda o infante que a ideia de os portugueses manterem a cidade no norte de África não era muito bem vista por fidalgos ingleses, com quem, durante as suas viagens, D. Pedro terá tomado contacto. 94 distintos, o que acaba por fazer deles textos desiguais, quer na extensão, quer na organização e conteúdo. Acrescente-se que, apesar dos textos se debruçarem mais sobre aspetos práticos, logísticos e consequências económicas, sociais e demográficas que uma guerra poderia trazer a Portugal, que recomendariam que esta não se viesse a realizar, estes pareceres não esquecem alguns temas essenciais de teoria política. Tal como D. Duarte pedira conselho aos seus mais próximos, também D. Afonso V seguiu a mesma linha de ideias. Esta prática da Casa de Avis parece converter-se numa tradição e, em 1460, o rei volta a pedir conselho aos grandes do reino. Os anos de 1460/61 ficam marcados pela preparação de novas expedições militares que o rei tem em mente (e acerca das quais já vimos a participação e envolvimento do infante D. Fernando) e pela morte de alguns dos actores mais decisivos do Estado e de Portugal durante este período: o conde de Barcelos (e primeiro duque de Bragança), o seu filho, o conde de Ourém e o Infante D. Henrique; também já não estavam D. Pedro e D. João. Todos tinham sido consultados por D. Duarte, acerca da guerra com Granada ou em Marrocos. Agora D. Afonso V recorreria a outras pessoas para lhe darem a sua opinião, numa altura em que o rei se preparava para uma nova expedição em África. Como explica Rocha Madahil: o rei quis ouvir a opinião daqueles Grandes do Reino que, não constituindo propriamente um corpo consultivo ou Conselho constitucional do rei, acompanham, não obstante, amiúde, com a sua opinião e avisos, a política desenvolvida pelo monarca.240 Nesta fase são três os pareceres conhecidos241 destinados a ajudar D. Afonso V na sua política africana: o do infante D. Fernando, o do conde de Arraiolos (que emite a sua opinião pela segunda vez) e o de D. Pedro, antigo condestável e filho do infante D. Pedro. O infante D. Fernando foi herdeiro de todos estes desafios, problemas e ideias que vinham desses antigos textos dos seus tios e primos irmãos da década de 1430; e ao que parece conhecia-os e assimilou-os bem. O seu parecer pouco abona em favor de teorias políticas e de uma argumentação baseada nelas. Não defende a continuação da

240 ROCHA MADAHIL, A.G. - A Política de D. Afonso V apreciada em 1460. Biblos. Vol. VII (nº 1 e 2) (1931), Coimbra: Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra. p. 41. 241 Os três pareceres de 1460 foram publicados no artigo de A. G. da Rocha Madahil: “A Política de D. Afonso V apreciada em 1460”. Biblos, nº 1-4 (Jan.-Abril), Coimbra: Faculdade de Letras, vol, VII, 1931. pp. 35-61/pp. 123-140. 95 guerra em Marrocos, explicando ao seu irmão, o rei, que tal não seria apropriado para um reino como Portugal. O seu conhecimento do território africano e das cidades é notório, assim como dos efetivos militares do rei de Fez o que o faz aconselhar D. Afonso V a desistir da empresa. A argumentação do longo texto baseia-se apenas em exemplos práticos e de comparação constante entre o reino português e o reino de Fez, com as suas cidades, que o rei ia tentar conquistar. D. Fernando, na sua visão aristocrática do problema da guerra marroquina, afirma em primeiro lugar o erro que seria fazer da cavalaria a força motriz do exército, muito mais fraco do que aquele que o rei de Fez conseguiria reunir, recorrendo a experiências que o próprio infante tinha vivenciado, como a conquista de Alcácer. Relembra a D. Afonso V que o rei de Fez não conta apenas com o exército do seu próprio reino, mas que este pode ser composto por homens recrutados das Serranias e dos logares escomtra Ceita242. Fernando conhecia bem as táticas guerreiras dos mouros do norte de África. A guerra era desvantajosa, ruinosa e iria acarretar problemas de vária ordem política: atrapalharia as negociações do casamento da irmã do rei, poderia significar uma invasão castelhana de Portugal, uma vez que D. Afonso V se encontrava em África e o reino ficava sem o seu rei; estavam ainda por pagar as dívidas relativas ao matrimónio da irmã Leonor com Frederico III (o dote); estaria a pôr em causa o número de homens que ficara de enviar ao papa para a participação da cruzada contra os turcos e, como explica D. Fernando, a não muita certeza que hi ha de serviço de Deus (…) e perigo que tam soomente sospeitariamos que Deos nam nos ajudaria mas que nos estorvaria.243 Explica que os livros estão cheios de exemplos de um Deus vingador e que destrói os reis e os seus exércitos em plena batalha. Seguem-se outros problemas como a falta de confiança que tinha nos mouros que residiam em Portugal: Senhor, nam cuido que venham á vossa obediência nem se queiram tornar Cristaõs; questiona-se sobre onde se irá buscar o dinheiro, a comida, os mantimentos, como se pagarão as despesas de uma guerra; os próprios corsários de vários países aproveitariam a situação e atacariam os navios portugueses, e os franceses, tão desejosos de tomarem as ilhas portuguesas, não perderiam tal ocasião. Não nega que se trata de um serviço a Deus - e nesta opinião

242Conselho do Infante D. Fernando…, p. 50. 243Conselho do Infante D. Fernando…, p. 52. 96 convergem todos os autores dos pareceres, mas pensa que são sempre maiores as desvantagens, a incapacidade militar, os problemas sociais assentes na falta de gente, as dívidas por saldar e a falta de recursos. Termina D. Fernando, dando a entender que os problemas do reino requerem atenção e que não é o momento oportuno para tal expedição, até porque os mouros poderiam pensar que dois mil cavaleiros seriam todo o poder militar de Portugal e perderiam o medo: e vendo os Mouros que vós e quantas pessoas ha de maneira que Portugal estáa em Ceita com dous mil cavalos cuidaram que he todo o poder do Reino (…)244.Dever-se-ia fazer serviço a Deus, mas com as condições adequadas e só quando Portugal estivesse preparado e sem compromissos mais urgentes, nomeadamente aqueles que D. Afonso V tinha com o papa na luta contra o turco. Comparado aos exemplos, às argumentações do marquês de Vila Viçosa e às teorias sobre o modelo de rei do condestável D. Pedro, D. Fernando apresenta, na nossa opinião, o texto mais objectivo e realista dos três, e que muito poderá ter servido D. Afonso V. Sem teorias, sem razões teóricas, os factos eram aqueles e não havia como contorná-los. Nas suas linhas ecoam as ideias do infante D. Pedro, e mesmo do infante D. João, quando reflecte sobre a incapacidade de Portugal, em tomar e manter territórios, alicerçada na falta de pessoas e de recursos, nos graves custos e despesas que isso traria ao reino e ao colocar-se na perspectiva dos inimigos, lembrando que não teriam qualquer interesse em tornar-se cristãos. Para além da falta de um exército capaz, outros problemas militares se levantavam, baseando-se em Vegécio: (...) os Mouros sabiam parte da vosa gente e vos nam da sua, e que pensavam que vos recolhieis q he cousa que poem grande esforço aos cometedores e grande emfraquecimento aos que se recolhem; isso mesmo os vossos iriam mui cansados e jemte nam mui bem tratada, de que Vegecio faz muita estima (...).245 O texto do infante D. Fernando, passados bastantes anos, é testemunho de que os mesmos óbices e dificuldades permaneciam em Portugal. Os factores detectados pelo infante já o tinham sido pelos seus tios quase trinta anos antes. Os desafios e problemas do reinado de D. Duarte, devidamente sublinhados pelos infantes da primeira geração de Avis, eram os mesmos em tempos de D. Afonso V. Para além de tudo isto, é importante notar que o infante não deixa de propor, ainda que

244Conselho do Infante D. Fernando…, p. 59. 245 Conselho do Infante D. Fernando…, p. 51. 97 implicitamente, um modelo de rei, no qual a responsabilidade, a prudência e o compromisso são os princípios que mais ressaltam e que maior importância parecem ter, para ele. No entanto, o conselho de D. Fernando torna-se mais interessante quando observamos a sua acção e atitude, nos preparativos e nos campos de batalha africanos, nos anos seguintes. Podemos questionar-nos sobre o que terá ocorrido para que a sua opinião e pensamento mudassem, quase radicalmente, num espaço de três a quatro anos, fazendo com que a sua posição de discordância relativamente às conquistas em Marrocos evoluísse para o contrário. Em 1460 encontramo-lo cauteloso, prudente e receoso acerca dos custos que uma guerra sem qualquer proveito possa trazer a Portugal, desaconselhando totalmente o rei a ir para África; nos anos das campanhas de Tânger (1463-1464) o seu comportamento parece alterar-se e contradizer-se, revelando a já referida obstinação e teimosia em prosseguir com conquistas falhadas e que tanto o parecem caracterizar nesta fase. Depois de se conhecer o seu contributo nos anos em que esteve por Alcácer e a tentar tomar Tânger, ler e interpretar a posição do infante D. Fernando no seu parecer sobre a guerra no norte de África coloca-nos questões de difícil interpretação. Segue-se a opinião de D. Pedro, filho do infante D. Pedro e antigo condestável do reino. Tal como o seu pai, são-lhe atribuídas várias obras. Trata-se, como é sabido, de uma tradição dos Avis desde D. João I, passando por D. Duarte e pelo infante D. Pedro, autor da obra de teoria política mais importante da primeira metade do século XV em Portugal.246 É inegável a sua enorme cultura, experiência militar e política, que ajudam a explicar o pedido do rei para que este se pronunciasse sobre a guerra, que D. Pedro desaconselha completamente, recomendando que o monarca governasse com retidão, justiça e fosse presente nos assuntos internos do seu reino, permanecendo mais em Portugal. Talvez pensasse que D. Afonso V passava demasiado tempo em África e envolvido a planear conquistas em Marrocos, algo que o seu conhecimento e experiência política (pelo menos da realidade ibérica, e não apenas de Portugal, uma vez que ainda foi rei de Aragão durante cerca de dois anos) levariam a avaliar com

246 FONSECA, 1982, p. 308. 98 prudência. O lugar do rei era no seu reino, a governar com justiça e salvaguardar-se de perigos externos, que poderiam advir por se encontrar fora da sua ‘área de conforto’. D. Pedro oferece-nos assim o seu modelo de rei, que parece não sair muito das ideias dominantes sobre o soberano ideal. O último parecer foi escrito pelo conde de Arraiolos, já chamado por D. Duarte, na década de 1430, para se pronunciar sobre a guerra. Começa com uma breve comparação da guerra com o fogo e as labaredas, que rapidamente se podem desencadear e espalhar, mostrando-se contra esta, de uma maneira geral, e que agrada a Deus que venha aconselhar o rei de Portugal numa matéria tão delicada para a casa real, assim como para a Espanha (a Península Ibérica). As suas ideias, para além dos diversos exemplos históricos e bíblicos247, apontam sempre no sentido de uma guerra defensiva e santa, que deve ser sempre justificada por uma forte necessidade: pera todos elles se naõ for necesidade de guerra que vos constranja pero vos defender ou mandados da igreja que pertença aa fee248.O parecer encontra-se dividido em duas partes: na primeira critica a adulação ao rei na corte e aconselha o rei a manter a paz com os castelhanos, não se envolvendo nos seus problemas internos. Relembra constantemente a D. Afonso V uma das máximas do seu texto: E as cousas pasadas sam exemplo das cousas que sam por vir,249 sobrecarregando o parecer com exemplos e episódios da história castelhana, aragonesa e até mesmo navarra. Portugal dever-se-ia manter à margem e nunca esquecer aquele que tinha sido um valioso contributo de D. João I, ao conseguir as pazes com Castela. Pouca honra teria o rei de Portugal se se convertesse numa espécie de mercenário nos reinos vizinhos: Rey de Portugal, que ao outro dia dizia que queria conquistar Afriqua, andar por soldadeiro dos cavalheiros de Castella; muito abateria na victoria que lhe Deos deo no seu proveito que a tal desonra se poode igualar250. Só depois de todo este discurso sobre uma herança histórica de paz, que caberia a D. Afonso V manter, o marquês de Vila Viçosa se debruça sobre a guerra em África. Do seu longo texto o que nos interessa diz respeito essencialmente ao conceito

247 Que ajudam o autor a justificar a importância do seu conselho escrito para o rei: e por esto o rei deve amar muito todos aqueles que sobre boas tenções lhe dizem a verdade (…), p. 130. 248Conselho do Marquês de Vila Viçosa…, p. 128. 249Conselho do Marquês de Vila Viçosa…, p. 131. 250Conselho do Marquês de Vila Viçosa…, p. 132. 99 de guerra. O marquês vê-a como algo que deve ser espoletado apenas em casos de necessidade ou de defesa. Sem dúvida uma posição pacifista, na medida em que aconselha o rei a manter-se em paz e, para isso, avança uma ideia clássica altamente sugestiva: por que, como diz Boecio, nao há no mundo tam maa ventura como depois de boa ventura cahir em maa ventura.251 Explica que os reis não devem fazer guerra por cobiça, fama e desejo de glória, mas apenas por justiça. A causa tem, portanto, que estar garantida, ser justificável, justa. Qualquer governante que planeie uma guerra deve aconselhar-se: em tal guisa que vier carregue sobre muitos e nam sobre hu; entaõ se poderaa milhor remedear, eu asi vos conselho que mandeis primeiro chamar todos os grandes e todos os povos de vosos reinos e que em cortes ho determineis polas razoes acima declaradas e isto vos conselho mas soomente por vosso proveito.252 Para isto escreve o marquês que Ricardo II de Inglaterra, filho do Príncipe de Gales, organizou uma guerra contra a vontade do reino e, quando dela regressou, tinha sido substituído. Foi depois preso e no cárcere morreu. Para todas estas matérias reconhece o autor q ho livro da vida dos Princepes que muito proveitozo seraa a todos os Reys.253 Depois de refletir sobre a importância das alianças políticas, nomeadamente com Castela e sobre o equilíbrio político que deve existir na Península Ibérica, o marquês sintetiza as ideias mais importantes do seu texto sobre a guerra e como ele a entende: e porem escusado he a nenhum Rey seu vizinho lha aver de dar senaõ por necessidade de se defender ou polo que pertence á fee pola qual cada hum he obrigado a aventurar se a morrer e a perder o que tiver.254 Mostra-se contra a guerra entre cristãos e explica que, se tiver de haver conflitos armados, que sejam em África e que aqueles que desejam fazer guerra contra os castelhanos canalizem os seus esforços, trabalhos e objetivos para um conflito em Marrocos.

251Conselho do Marquês de Vila Viçosa..., p. 134. 252Conselho do Marquês de Vila Viçosa..., p. 135. 253Conselho do Marquês de Vila Viçosa..., p. 134. 254Conselho do Marquês de Vila Viçosa..., p. 136. 100

Capítulo 5 – A morte do infante D. Henrique e o problema das alterações testamentárias

Nos inícios da década de 1460, acabámos de o lembrar, ocorreram várias mortes no seio da família de Avis: falecia o conde de Ourém, o duque de Bragança, seu pai e o infante D. Henrique. Este último desaparecimento viria a ter um profundo impacto em D. Fernando. O quarto filho de D. João I morria no Algarve, aos sessenta e seis anos de idade na sua Vila do Infante perto de Sagres, por causa desconhecida. As crónicas255 revelam a participação e envolvimento do infante D. Fernando nas cerimónias fúnebres de D. Henrique. Zurara refere que foi ele que procedeu à trasladação das ossadas do tio da Igreja de Lagos para o Mosteiro da Batalha, fazendo-o com grande respeito e honra,256 colocando-as na capela de D. João I.257 A aproximação da morte traz consigo os testamentos e a preocupação com estes e, no caso do infante, esta parece ter sido renovada poucos dias antes de falecer. Os seus testamentos desdobram-se em vários textos: desde o alvará de 1436 até ao testamento final de 1460, passando por outros instrumentos testamentários e pelo “Escritos das Capelanias”, onde são contabilizadas e enumeradas todas as obras de fé e igrejas que mandara construir fora de Portugal.258 Para o infante D. Fernando estes dois testamentos são da maior importância e levantam talvez uma das mais interessantes questões acerca da sua vida: referimo-nos às alterações testamentárias levadas a cabo pelo pai adoptivo, pouco antes de morrer, no seu segundo testamento e que culminara no deserdamento parcial de D. Fernando. É sabido que em 1436 o infante D. Henrique nomeara o príncipe como seu pleno herdeiro. No entanto, em 1460 o infante anulará parte dessas disposições sem que se saiba as verdadeiras razões que o motivaram. Como aconteceu

255 Veja-se o excerto em latim de Martinho da Boémia sobre a trasladação de D. Henrique para o panteão dos Avis: Tunc rex jussit ire fratem infantem dominum Ferdinandum, ducem de Begia, et episcopos e comites, ut corpus portarent usque ad monasterium de Batalha supradictum, ubi rex corpus defuncti exspectabat. Et positum est corpus infantis in capellam pulcherrimam et magnam, quam fecit pater ipsius, rex Johannes, ubi idem rex jacey et uxor ejus, domina Philippa, ater ejus, et quinque frates ipsius, quorum omnium laudabilis memoria est usque in sempiternum. Et requiescant in sancta pace. Amen. Narrativa publicada em MH, vol. XIV, doc. 17, pp. 76-77. 256 ZURARA - Crónica do Conde D. D., pp. 276-277. 257 GÓIS, Crónica do príncipe D. João, p. 48. 258 RUSSELL, 2016, p. 321. 101 com a maior parte dos biógrafos e estudiosos do infante D. Henrique, só nos é possível levantar a questão e sugerir uma ou outra resposta, sem obter respostas definitivas ou, sequer, seguras. Em 1436 D. Henrique redigia um texto sintético, sem as formalidades legais de um testamento, evocando que a vida dos Homens é efémera e que todos desejam ter geração sucessória e prosseguia doando os seus bens ao seu sobrinho, o infante D. Fernando. Neste documento toma-o igualmente por filho e, consequentemente, herdeiro. A ele deveriam pertencer todos os bens móveis e de raiz que tinha no reino. Reservava para si um terço das rendas destinadas a missas e orações pela sua alma259. Garante que, os bens que viesse a herdar da coroa ficassem depois em mãos do infante D. Fernando, algo que D. Duarte, certamente agradado, confirmará.260 Tal documento tem um claro objectivo político, como vimos, relacionado com a ida a Tânger. Terá tido a eficácia desejada pelo seu autor, como explica Dias Dinis ao classificá-lo de testamento sumário, de urgência.261 Nesta sequência documental segue-se o pedido do infante D. Fernando para que o rei D. Afonso V volte a confirmar, em 1451,262 o alvará testamentário do infante D. Henrique e a primeira confirmação de D. Duarte, não datada. Por que teria sentido o jovem infante D. Fernando necessidade de pedir ao rei uma reconfirmação da herança do seu pai adoptivo? Será que, pelos inícios da década de 1450, havia algum desconforto entre ambos que sugerisse a D. Fernando que o tio poderia mudar de ideias? Não é possível saber. No entanto, por esta altura e com esta carta régia percebe-se que tal decisão não estaria ainda na mira de D. Henrique. Mais uma vez insistimos como seria importante conhecer a relação entre tio e sobrinho para perceber o aspecto mais surpreendente do segundo testamento do infante D. Henrique, datado de 1460. Enquanto, em 1436, nomeara o seu sobrinho D. Fernando seu herdeiro universal, deixando-lhe tudo o que fossem os seus bens móveis e imóveis, passados quase trinta anos anula estas disposições e faz do rei D. Afonso V seu herdeiro universal: E o leixo

259 MH, vol. V, doc. 102, pp. 205-207. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. I, docs. 96-97, p. 125. 260 MH, vol. V, doc. 103, p. 207. 261 DINIS, A. J. Dias – Estudos Henriquinos. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1960, vol. I, p. 114. 262 MH, vol. XI, doc. 96, pp. 118-119. 102 por meu herdeiro de todo o que a mym pertencer aa ora de minha morte, assy de rraiz como de movvell, rresalvando o de que fiz herdeiro ho senhor ifante dom Fernando, meu filho. Esta última ressalva não deixa de ser reveladora e interessante, uma vez que não se conhecem quaisquer doações do infante D. Henrique a D. Fernando desde o alvará de 1436 até praticamente à sua morte. Tal leva-nos a crer que só verdadeiramente com a morte do duque de Viseu é que D. Fernando deverá ter herdado e reunido parte do antigo património do tio. A ressalva, provavelmente, não contaria com bens que passassem para D. Fernando, uma vez que as referências documentais de doações henriquinas de património continental263 a este, antes da morte do primeiro, que encontrámos são apenas a doação de Gouveia, em Maio de 1460 e segundo a qual D. Afonso V doa a vila ao infante D. Fernando pela morte de Vasco de Gouveia, e uma vez que ela faz parte dos bens do infante D. Henrique.264 A outra referência é-nos facultada por Dias Dinis: em Agosto de 1460, o infante D. Henrique doa ao sobrinho a temporalidade das ilhas da Terceira e Graciosa, que D. Afonso V confirmará no Outubro seguinte.265 Como a perfilhação nunca tinha sido alterada, o próprio rei doava aqueles que sabia serem territórios do infante, directamente, ao seu irmão. Quando em 1460, sem que se saiba porquê, o infante altera o seu herdeiro universal, há bens que ainda ficam em mãos do infante D. Fernando, para além daqueles que D. Afonso V pudesse desejar distribuir pelo irmão. Este último aspecto seria uma escolha do rei, mas a ressalva feita àquilo que já era património do infante D. Fernando inclui as terras que o infante D. Henrique teve da coroa, como afirma no primeiro testamento. Não se percebe com o que o ficaria D. Fernando pela ressalva feita em 1460. No entanto, parece-nos que teria apenas o senhorio dessas duas ilhas dos Açores e Gouveia, uma vez que tudo o resto reverteria para a coroa. Quanto à Madeira, o problema já seria mais grave para D. Fernando, uma vez que impedia o acesso a uma riqueza considerável, numa altura em que o desenvolvimento económico do arquipélago já se fazia sentir fortemente.266 Acrescente-se a tudo isto os bens do ducado de Viseu,

263 Existem ainda doações de ilhas ao infante D. Fernando antes da morte de D. Henrique, que serão referidas mais adiante, na parte do património do infante. 264 MH, vol. XIII, doc. 170, pp. 274-275. 265 DINIS, 1960, pp. 213-214. 266 RUSSELL, 2016, p. 324. 103 do Algarve e a Ordem de Cristo. Num importante trabalho que intitulou Reflexos Políticos do Segundo Testamento Henriquino267 e onde aborda a questão do deserdamento do infante D. Fernando, Dias Dinis enumera e sugere factores que poderão explicar essa decisão de D. Henrique. Um deles prende-se com o uso da Lei Mental, segundo a qual D. Afonso V não poderia ter encontrado ilegalidades na perfilhação do infante D. Fernando, até porque D. Duarte a confirmara, como vimos, sendo tudo legal. Aconteceram várias circunstâncias que revelaram alguma animosidade entre D. Fernando e o rei D. Afonso, às quais já fizemos referência neste trabalho. Relacionam-se com o facto de o rei não ter querido que fosse o irmão a comandar a frota que levou a irmã de ambos, D. Leonor, para se casar com o imperador alemão. Tal teria perturbado o ambicioso infante, que por essa altura também fugiria para Ceuta sem autorização do irmão. A partir de então começam as sucessivas dádivas régias para apaziguamento do insaciável D. Fernando,268 gerando um maior entendimento entre os irmãos. No entanto, D. Afonso V poderá ter convencido o tio a restringir as doações ao seu irmão uma vez que os dois filhos de D. Duarte tinham uma relação complicada e Fernando poderia vir a tornar-se demasiado poderoso face ao monarca, que também se debatia com graves problemas financeiros. Mais provavelmente, e como sugere Peter Russell,269 a decisão de D. Henrique pode ter sido motivada por um distanciamento que se esboçou entre ele e o seu filho adoptivo, sem que tal também possa ser fundamentado. Talvez não tenha gostado do seu desapego à ideia de cruzada e de tentar travar uma guerra que seria ruinosa para o reino, obrigando os homens que não queriam ser cristãos a sê-lo. Se o infante tivesse tomado conhecimento de tais opiniões do seu herdeiro ter-se-ia sem dúvida enfurecido, porque elas contrariavam toda a vida de Henrique. Dada a personalidade de D. Henrique, pensamos que esta hipótese levantada por Peter Russell é a mais verosímil. O argumento é forte, mas também nos questionamos se seria suficiente para deserdar o filho. Permanece o problema em aberto. Que fim? D. Afonso V não respeitará as disposições e últimas vontades do

267 Incorporado nos Estudos Henriquinos, pp. 213- 246. 268 DINIS, 1960, p. 228. 269 RUSSELL, 2016, p. 325. 104 infante D. Henrique patentes no seu derradeiro testamento, uma vez que D. Fernando acaba por herdar tudo tal como estava previsto de 1436. Ignorado por completo o velho infante D. Henrique, D. Fernando começava agora a reunir a sua promissora herança, vindo a ser o mayor Senhor, que nunca houve em Hespanha, que naõ fosse Rey.270 Contrariamente ao irmão, D. Fernando pareceu preocupar-se de verdade com as últimas vontades do pai adoptivo e nisso evidenciou bastante sensibilidade: começou por fazer cumprir um dos últimos desejos de D. Henrique, ao fazê-lo descansar eternamente na Batalha, manteve o sustento dos criados do infante, como ele pedira no seu último testamento. Escreve a este propósito João Silva de Sousa que documentos posteriores ao desaparecimento de D. Henrique, relacionados com os criados deste, comprovam que o infante se preocupou com estas pessoas. Os seus percursos foram diferenciados: desde serem incorporados nas casas do infante D. Fernando ou do rei, até serem nomeados para cargos de responsabilidade,271 sem que seja possível apurar se todos foram protegidos. Por fim, talvez das mais importantes preocupações do infante D. Henrique que o filho fez cumprir: as missas de sufrágio. O infante D. Fernando asseguraria esta obrigação durante vários anos, entre 1461 até 1466. Logo no dia 23 de Novembro de 1461 escrevia, de Tomar, três cartas destinadas a três locais e destinatários distintos: uma endereçada ao seu almoxarife na ilha da Madeira, Manuel Afonso, para lhe referir que o infante D. Henrique estabelecera no seu testamento capelas e missas que lhe deveriam ser cantadas anualmente pela sua alma. Seria isto nas ilhas da Madeira, Porto Santo e Deserta, onde houvesse igrejas e capelães que lhe cantassem missa todos os sábados, sobretudo na igreja de Santa Maria a Maior, a principal da ilha da Madeira. O infante mostra-se disposto a fazer cumprir estas disposições testamentárias e ordena ao almoxarife que pague aos vigários e capelães as missas que D. Henrique tinha pedido, para o ano de 1462. Porto Santo e Deserta não são tão povoados, mas recebem a mesma quantia para que sejam ditas as missas.272 A segunda seguiria para o seu almoxarife na Beira a relembrar que o infante D. Henrique

270 SOUSA, António Caetano - Historia Genealogica da Casa Real Portugueza. Coimbra: Atlântida, cap. VIII, tomo II, pp. 284-289. 271 SOUSA, 1991, pp. 268-269. 272 MH, vol. XIV, doc. 65, pp. 186-187. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 6, pp. 12-13. 105 estabelecera no seu testamento que em certas capelas se cantassem anualmente missas, responsos e orações. Para além das capelas e igrejas nas ilhas, esta carta tem como destinatário o Mosteiro da Batalha, na sua capela e onde se encontrava o seu jazigo. Lá se deveriam rezar três missas pelo custo de 16 marcos de prata, através das rendas das terras de Tarouca e Valdigem. Fala-se também de 320 marcos de prata, aos quais Fernando renuncia para o pagamento destes sufrágios ao prior e guardião do dito mosteiro. Reconhece que as despesas do testamento do infante D. Henrique são bastante altas e difíceis de suprir, pelo que decide quitar estes 320 marcos de prata para ajudar. Algumas partes interessantes do documento dizem respeito a uma certa espiritualidade e ao desejo de cumprir os desejos dos seus antepassados, afirmando que houve coisas que Deus encomendou aos homens: devem-se cumprir os desejos dos mortos para assegurar a salvação das suas almas; em segundo lugar, ele tinha uma forte obrigação perante D. Henrique, seu pai adoptivo e que tudo lhe deixou e, por último, fazer o que queria que os seu sucessores e herdeiros lhe fizessem e reconhecer que tudo isto era um serviço a Deus273. A terceira e última segue para Lisboa, destinada a Pero de Barcelos, seu escrivão da câmara, escudeiro da sua casa e seu recebedor da vintena da Guiné na cidade de Lisboa, a lembrar outra vez que o infante D. Henrique deixara no seu testamento que lhe fossem cantadas missas. Mas esta carta diz respeito a frei Antão Gonçalves (provedor dos sufrágios pela alma de D. Henrique), comendador e alcaide- mor do castelo de Tomar, ao qual deveriam ser entregues anualmente sete marcos de prata, a partir de janeiro do “próximo ano”, ou seja, de 1462 e para sempre, da dita vintena274. Nos Monumenta Henricina encontramos mais uma carta fernandina, emitida em 1462, na qual o infante escreve a João Borges, seu almoxarife nas terras da Beira, a lembrar os sufrágios e encomendas de alma que o infante D. Henrique deixou em testamento. Ordena-lhe um complemento da carta de 23 de Novembro, ano anterior, e que os 16 marcos que mandou entregar na Batalha pelas missas diárias de D. Henrique sejam pagos a 1200 reais o marco, o que produz um total anual de 19200 reais, extraídos das suas terras de Tarouca e Valdigem. D. Fernando acrescenta algo que não

273 MH, vol. XIV, doc. 66, pp. 188-190. 274 MH, vol. XIV, doc. 67, 1973, pp. 190-192. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 7, pp. 12-14. 106 tinha na carta anterior: como quer que se pague o marco275. Tal situação continuaria até ao reinado de D. Manuel, filho do duque de Viseu, relativa ao infante D. Henrique e ao seu ‘pai’, D. Fernando, quando o rei ordena, em 1508, que haja pela primeira vez na igreja maior da cidade do Funchal oito raçoeiros, com obrigação de dizerem missa pela alma do infante D. Fernando, pai do rei, pelos benfeitores da ordem de Cristo e pelo infante D. Henrique, tal como mandava o seu testamento.276

275 MH, vol. XIV doc. 88, 1973. pp. 229-230. Outras são mencionadas em SOUSA, 1991, p. 263. 276 MH, vol. XV, doc. 96, pp. 151-153. 107

Capítulo 6 – A Casa e o Património de um príncipe

6.1. A primeira casa de D. Fernando e o problema da herança do Infante Santo

São várias as informações que comprovam a ligação próxima que o infante D. Fernando manteria com o rei, seu irmão, e provavelmente com a corte avisina do seu tempo. Os múltiplos episódios em que o encontramos junto do monarca e, provavelmente, junto do infante D. Henrique levam-nos a crer que, a constante proximidade ao mais alto poder, terá influenciado a construção do imenso património de que viria a ser detentor já nos últimos anos da sua curta vida. A relação nem sempre muito fácil e linear com D. Afonso V e o aparente deserdamento, patente no testamento final do infante D. Henrique, não impediram que D. Fernando se viesse a tornar um dos mais poderosos, ricos e influentes senhores do Portugal da segunda metade do século XV. No entanto, não é fácil reconstruir o percurso da sua casa, uma vez que nos escasseia a documentação e a informação mais relativa à sua evolução, gestão, relação com seus dependentes (ainda que por vezes o encontremos a conceder privilégios e a interceder por alguém junto de D. Afonso V), às rendas e à riqueza bruta adquirida. Até quanto iria a sua fortuna? Como se combinavam as rendas? Quando e como começou a desenvolver negócios relacionados com o mar e outros centros económicos que não os seus, uma vez que tinha variadas embarcações como galeotas, fustas e naus? Que tipo de riqueza lhe provinha daí? Perguntas a que não nos é possível responder, para além daquela mais central e importante e que se relaciona com a forma como terá herdado o património do infante D. Henrique: um filho que herda uma herança à partida já delapidada. Como terá o infante lidado com esse problema? Se as dúvidas e as interrogações se acumulam, a origem da sua casa e aquilo de que efectivamente foi senhor não oferecem especiais obstáculos sobre o quando e o quê. A primeira e mais antiga referência à possível casa do infante é-nos facultada por Pina, numa circunstância muito especial, e que mudaria para sempre a vida dos pequeninos varões de D. Duarte, quando o infante D. Pedro se torna o responsável e tutor dos sobrinhos. Foram os infantes D. Pedro e D. João a Santo António buscar os meninos trazendo-os para Lisboa, onde a cada um deram uma casa com os respectivos 108 oficiais, porque até aí tudo isso tinham partilhado277. Ficamos a saber que, desde a mais tenra idade, teria os seus oficiais e casa separados do irmão, certamente escolhidos pelos tios. O atento D. Pedro não terá descurado igualmente as escolhas para os amos dos meninos, como de resto já vimos, que fazem parte da fase inicial e infantil dos príncipes. Sobre esta ‘primeira’ casa e oficiais do infante mais nada sabemos. Iniciava-se agora a regência de dez anos do infante D. Pedro e faltava ainda muito para o desenrolar dos acontecimentos que levariam ao encontro de Alfarrobeira. Seria preciso chegarmos a esse momento para, na batalha, encontrarmos indivíduos relacionados com D. Fernando, que já mencionámos. Relembrando estes homens: D. Martinho de Ataíde, seu mordomo-mor278; Gonçalo Vaz de Castelo Branco, fidalgo e seu cavaleiro279e João de Cáceres, fidalgo da sua casa. Talvez estivessem presentes mais, ao lado do infante, mas tal é-nos desconhecido. No entanto, a existência de um mordomo e de cavaleiros pressupõe uma casa senhorial, pelo menos em embrião, que certamente teria muitos mais oficiais e cargos senhoriais e de cariz doméstico, administrativo e económico a operar junto do infante. A vida senhorial de D. Fernando na década de 1440 é muito obscura relativamente às décadas seguintes, nas quais a documentação permite uma melhor percepção daquilo que seriam a sua casa e património, sobretudo a partir de 1460. Que opções terá tomado o infante D. Pedro ao constituir as casas dos sobrinhos? Poucos anos antes, D. Duarte escrevera sobre estes assuntos e justificava as restrições dentro das casas senhoriais como favoráveis às reduções de gastos, de inutilidades, de corrupção e de vícios dos senhores.280 Até sobre a gestão da sua casa e a reforma que nela fez, o responsável e cauteloso D. Duarte pareceu ter uma opinião cuidada. As restrições de pessoal encontrariam eco entre os irmãos Pedro e Fernando, estabelecendo-se uma lista ‘ideal’ de oficiais de serviço doméstico e religioso que deveriam servir os respectivos senhores,281 contabilizando-se um total de 373

277 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 647-648. 278 MORENO, 1973, pp. 726-729. 279 MORENO, 1973, p. 769. 280 FARO, Jorge – Receitas e Despesas da Fazenda Real de 1384-1481. Lisboa: Instituto de Nacional de Estatística, 1965, p. 156. 281 Veja -se a lista em FARO, 1965, pp. 157-158. 109 servidores. Será este número aplicável aos inícios da casa do infante D. Fernando? Parece demasiado. Um pequeno príncipe requereria todo este pessoal? Ou estamos a referir-nos a casas já estabelecidas de grandes senhores? Teria o infante D. Pedro seguido os conselhos do irmão ao constituir as casas dos príncipes? Não nos é possível saber e muito menos perceber se alguma vez na sua vida o infante D. Fernando se preocupou com os gastos excessivos relativos ao seu pessoal e oficiais, como o seu pai D. Duarte fez. Em 1434 o monarca dava um espelho daquilo que deveria ser uma casa de um senhor e do número exacto de oficiais e servidores, desde os capelães aos moços de capelas, aos escudeiros, moços de copa de monte, caçadores, trombetas, porteiros, moços de câmara, de estribeira, reposteiros, confessores, cavaleiros, entre outros. Uma imagem de poder e de riqueza a que estes infantes aderiram e que o infante D. Henrique parece ter extravasado, tendo em conta os cerca de 900 indivíduos que o serviram ao longo da sua vida; no caso do infante D. Fernando, nada sabemos. Além dos problemas de estudo que se colocam para esta fase da vida do infante, não temos notícias de quaisquer doações que lhe tenham sido feitas nesta altura. Tal pode sugerir que não teria uma casa e bens de grande visibilidade e riqueza ao momento, apesar de ter a Ordem de Santiago e da suposta herança do outro infante D. Fernando, morto em 1443. Ilações aceitáveis se as compararmos com as décadas que se seguem. Apesar de nada sabermos sobre estes anos, em 1443 o infante D. Fernando morreu cativo em Fez. Tal como ficara referido no seu testamento, antes da partida para Tânger, ele nomeava herdeiro o seu sobrinho, filho segundo de D. Duarte: E, avendo hi tantos de meus beens per que todallas cousas e legados conteudas em este meu testamento seiam compridas e pagadas, mando e quero que o iffante dom Fernando, meu prezado e amado sobrinho herde de meus beens , movis e de rraiz , todo o que sobeiar. Eram estas as vontades de um tio que não tinha um património particularmente extenso e do qual nos parece que o infante D. Fernando não iria usufruir nem provavelmente herdar, como ficara em testamento, como se verá.

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Como explicou Oliveira Marques, a formação de grandes senhorios é uma das características mais marcantes dos finais da Idade Média portuguesa282. Os filhos e netos de D. João I foram os grandes protagonistas desse processo que se começa a desencadear a partir de 1411, data a partir da qual é consensual afirmar que se começam a conceber esses senhorios. No entanto, também é verdade que o rei começara a cuidar do património dos filhos mais cedo, já nas cortes de Évora de 1408,283 pouco depois de regressar de Ceuta, e que a estas casas foram sendo acrescentadas novas doações e mercês régias ao longo do tempo, como por exemplo a doação do mestrado de Cristo ao infante D. Henrique em 1420. Muitos são os trabalhos disponíveis sobre os bens e ducados da primeira geração dos infantes de Avis: vejam-se os estudos de Dias Dinis284, de João Silva de Sousa285, de Peter Russell286, de Humberto Baquero Moreno,287 que trouxeram luz sobre o amplo património dos vários infantes. Interessa-nos relembrar sinteticamente a constituição de três destes fortes núcleos patrimoniais para perceber aquilo que viriam a ser as doações e o próprio património do infante D. Fernando, uma geração depois. Cronologicamente faz sentido começar por mencionar os bens de um dos filhos mais novos de D. João I, o infante D. Fernando, uma vez que este faleceu muito antes do infante D. Henrique e que o seu sobrinho D. Fernando terá herdado os seus bens. A inexistência de documentação que comprove que a herança foi recebida pelo jovem sobrinho coloca-nos dúvidas relativamente àquilo que, dentro de todo o património do infante D. Fernando, terá sido herdado do seu tio. Isto é, será que herdou efectivamente algo do que eram os bens do

282 MARQUES, A.H. de Oliveira – A propriedade Fundiária e a Produção. In SERRÃO, Joel, MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.) - Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV. Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 82. 283 SOUSA, 2001, p. 139. 284 DINIS, António Joaquim Dias – O Primeiro Duque de Viseu. Estudos Henriquinos, vol. 1, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1960. 285 SOUSA, João Silva de – A casa Senhorial do Infante D. Henrique... e os artigos: “D. Duarte, infante e rei e as casas senhoriais (1411/1415-1438)”, Lisboa, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 1991, e as Casas Senhoriais no Portugal Quatrocentista. Revista de Ciências Históricas, vol. IX, 1994, pp. 95-104. 286 A já citada biografia do infante D. Henrique. 287 MORENO, Humberto Baquero – A Batalha...; “O infante D. Pedro e o Ducado de Coimbra”, Revista de História, vol. V, Porto, 1983-84, pp.27-51. Acrescente-se sobre o infante D. Pedro o artigo de Maria Helena Coelho no volume da revista Biblos dedicado exclusivamente a este: COELHO, Maria Helena – “O infante D. Pedro duque de Coimbra”, Biblos, vol. LXIX, 1993, pp. 15-57. 111 infante D. Fernando? Entre 1429 e 1431 recebia o “Infante Santo”, do seu pai, aquilo que viria a constituir o eixo central do seu pequeno património: a vila de Salvaterra, com a sua jurisdição, padroado, termo e igreja, a lezíria de Romão e os direitos régios sobre o campo de Sacarabotão; a vila de Atouguia da Baleia, com os respectivos direitos e rendas e, em data já desconhecida, as ilhas das Berlengas e do Baleal, a feira franca anual de Salvaterra de Magos, para além dos acrescentamentos proporcionados por ser governador e administrador de Avis e de bens que teria em Alcobaça.288 Relativamente à milícia sabemos que o infante não foi dela governador; quanto ao cenóbio alcobacense, não temos quaisquer notícias da ligação deste a D. Fernando. No que diz respeito às ilhas que pertenciam ao tio, nunca o infante terá sido delas senhor nem após a morte do homónimo, uma vez que foram doadas ao infante D. Henrique289 em Dezembro de 1449, nem após a morte deste último, dado que em Abril de 1464, D. Afonso V as doaria a Jorge de Vasconcelos, filho de um fidalgo régio, tal como Atouguia.290 Assim, do principal núcleo de bens do infante D. Fernando, a feira de Salvaterra foi transferida para o jovem infante, ainda o tio não tinha falecido cativo.291 A doação da feira ao infante D. Fernando, irmão do rei, ocorre em Junho de 1439, quando o seu senhor ainda era vivo no norte de África. Por esse documento o rei confirmava todas as prerrogativas e privilégios da feira franca de Salvaterra tal como a tinha o tio do infante desde 1434: era anual, tinha início no dia 10 de Setembro, durava oito dias, isentava os que a ela fossem do pagamento de metade as sisas, excepto no caso da venda de carne de talho, do vinho de taberna e de outros bens de raiz, que não lhe fossem retiradas as bestas ou impostos, que não fossem presos, acusados por crimes ocorridos fora do recinto da feira. Para além de que proibia a correição de meirinhos e corregedores na mesma.292 Recebia assim o infante D. Fernando, de apenas seis anos, a sua primeira doação e privilégio de feira de Salvaterra de Magos, provavelmente pelas disposições testamentárias do malogrado infante Fernando, que o tornaram seu herdeiro,

288 FONTES, 2000, pp. 26-35. 289 MH, vol. X doc. 96, p. 150. 290 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 8, fl. 67v. O diploma régio contempla igualmente a doação da Atouguia, o que significa que não caíra em mãos do infante D. Fernando (como era de prever) num momento em que a constituição da sua casa, património e poder atingiam o auge. 291 RAU, Virgínia – Feira Medievais Portuguesas. Lisboa: Editorial Presença, 1983, p. 147. 292 Veja-se o referido diploma régio em Chancelaria de D. Afonso V, liv. 18, fl. 80-80v. 112 mas sem que isso seja uma explicação directa, uma vez que todo o outro património não parece ter-lhe sido atribuído, como vimos. Posteriormente, em 1451 receberia do monarca a confirmação do senhorio da referida feira, com as mesmas condições.293 No entanto, a feira de Salvaterra não seria a única doação dentro dos bens do “Infante Santo” a chegar a mãos do infante D. Fernando. Em Abril de 1461 era-lhe confirmada a doação dos lugares do Campo de Sacarabotão e de Romão,294 associados também a Salvaterra e que tinham pertencido ao infante D. Fernando. Não sabemos quando esta doação foi feita, apenas que lhe foi confirmada já depois da morte do infante D. Henrique. Como veria tudo isto o infante preso em África, numa altura em que ainda se correspondia com o irmão regente?295 O problema da herança do infante D. Fernando, que aparentemente não foi respeitada, agrava-se quando deparamos com a existência de um segundo e último testamento seu. Frei João Álvares referiu que D. Fernando, em 1441, se propôs redigir um segundo e final testamento, para além de dois codicilos que terá enviado ao infante D. Pedro na mesma altura. Dias Dinis reconhece que os textos não são conhecidos, o que nos coloca a questão obrigatória sobre as alterações a que o infante terá procedido no seu último testamento. Teria voltado atrás nas suas disposições iniciais de manter o jovem infante D. Fernando enquanto seu herdeiro? É verdade que essa decisão fora tomada em circunstâncias muito especiais, para persuadir D. Duarte a aceitar o ataque a Tânger? Mas as preocupações do infante cativo pareciam agora ser outras. Numa das suas cartas endereçadas a D. Pedro, D. Fernando revela as ajudas preciosas com que tinha contado no acesso aos bens de primeira necessidade como a alimentação, para a qual recebeu ajuda e o dinheiro de mercadores genoveses, que cita nessa carta. Pede o infante a D. Pedro que o infante D. João, que este nomeara para cuidar dos bens e fazenda de D. Fernando, procedesse ao pagamento do dinheiro que estes homens lhe haviam emprestado para que sobrevivesse: (...) ao infante D. João, nosso irmão, eu bos peço, por merce lhe façais esto saber e isto mesmo que mandeis a meus officiaes que correjão este erro, que certamente he tamanho, porque eu

293 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 34, fl. 135. 294 SOUSA, 1991, p. 280. 295 “A Última Carta do Infante Santo e a Falência do Seu Resgate”, (pub. Domingos Maurício Gomes dos Santos), Anais da Academia Portuguesa da História. Série II, Vol. 7, (1956), pp. 9-32. 113 e os meus sedo poderei perecer de fame e que logo trigosamente se encaminhe o pagamento de todo o que devido for a mice Venceguerree também tudo o que ora me tem emprestado o dito mice Pollo de Franquèm (...).296 Ainda surge o nome do mercador maiorquino Cristóvão Axalón, grande auxílio do infante, e dos que com ele se encontravam no cárcere. Além de pedir que fizessem estes pagamentos, o infante voltava mais uma vez a preocupar-se com a protecção das famílias daqueles que o serviam no cativeiro, encomendando a sua mercê ao infante regente.297 À semelhança do que fizera no seu primeiro testamento, seriam estes os novos contemplados do seu segundo texto, juntamente com os mercadores que mencionámos? Manteria a posição de herdeiro do seu sobrinho no novo texto? Ou não o mencionou, o que pode explicar o porquê de este ter herdado apenas a feira de Salvaterra e as terras envolventes? No entanto, é pouco provável que os infantes em Portugal tivessem conhecimento deste último texto, uma vez que quem o terá transportado até ao Regente em Portugal, Cristóvão Axalón, morreu na viagem para viagem para Lisboa.298 Independentemente da existência de um segundo documento tido como testamento do “Infante santo”, o infante D. Fernando herdaria apenas deste tio, Salvaterra (a feira e os supracitados campos), espartilhando-se assim o pouco extenso núcleo patrimonial do primeiro.

6.2. Herdar do Infante D. Henrique

6.2.1. Títulos, bens, doações e privilégios de D. Fernando em torno dos anos de 1450 e 1460

A data do falecimento do infante D. Henrique deverá ser vista como um dos momentos cruciais da vida do infante D. Fernando. Como vimos, a herança que supostamente deveria receber do “infante santo” nunca foi sua. Assim, seria com o desaparecimento do seu pai adoptivo que D. Fernando se tornaria duque de Viseu e governador da Ordem de Cristo. Para além dos óbices colocados pelo infante D.

296 “Carta do Infante Santo ao Regente D. Pedro, datada da masmorra de Fez a 12 de junho de 1441” (pub. por António Joaquim Dias Dinis), Anais da Academia Portuguesa de História, 2ª Série, vol. XV, 1965, p. 166. 297 Carta do Infante Santo..., p. 170. 298 Carta do Infante Santo..., p. 160. 114

Henrique a que D. Fernando herdasse o seu património, como já se referiu, a verdade é que a partir de 1460 a casa de Viseu ganha um novo senhor para aqueles que eram os extensos domínios continentais do infante D. Henrique e os respectivos bens insulares. Ainda que a documentação relativa à administração de património de D. Fernando seja quase inexistente, interessa lembrar as posses do infante D. Henrique para compreendermos aquilo que D. Fernando herdou, ainda que não nos seja possível traduzir isso em riqueza efectiva. Como se sabe, a bibliografia e a dedicação dos investigadores ao infante D. Henrique é ampla e tal inclui, como devia, o estudo dos seus bens e casa. Tais estudos já foram citados nos momentos próprios deste trabalho e remetem-nos para o património henriquino, que se conjuga com uma das características mais importantes do século XV português, a formação dos grandes senhorios, dos quais o do infante D. Henrique terá sido certamente um dos mais poderosos. Uma breve história destes grandes senhorios299 tem que entroncar obrigatoriamente na Coroa, quando a partir de 1411 o rei D. João I começa a constituir o património dos seus filhos mais velhos300: D. Pedro e D. Henrique. D. Pedro torna-se duque de Coimbra, concentrando em si territórios em torno dessa cidade e à volta de Aveiro; e o infante D. Henrique, cujo património laico se distribuía pela Beira (Viseu, Covilhã, Gouveia, Lafões, Linhares, Seia, S. Romão, Penalva, Celorico da Beira, Tarouca, Aguiar da Beira, Sátão, Rio de Moinhos, Guardão, Calvos, Lalim, Valdigem, Sul, Gulfar, Matança, Vila Cova, Santa Marinha, Reriz, etc.), se prolongava até ao Algarve (Alvor e Lagos), até todas as ilhas que o infante povoou e administrou e aos bens da Ordem de Cristo, que também lhe ‘pertenciam’. Ainda dele foram Pombal e Tomar (comendas de Cristo, onde manteve comendadores que a ele se encontravam ligados e que geriam esses espaços), os lugares de Montalvão, Alpalhão e Arez (no Alentejo - arredores de Nisa), alguns bens em Évora, as pousadas de Alenquer já no Ribatejo, bens imóveis em Lisboa, nomeadamente em S. Vicente de Fora, nas tercenas da cidade, junto à casa de Ceuta, uns quartos no Lumiar e casas na freguesia de S. Nicolau;301 fora protetor do estudo geral na capital, cargo continuado a exercer pelo

299 E não nos ocupando aqui da Casa de Barcelos sobretudo após a titularidade de Nuno Álvares Pereira. 300 MARQUES, 1987, pp. 86-87. 301 Para todos estes espaços, lugares e vilas henriquinos veja-se SOUSA, 1991, pp. 87-97. 115 seu herdeiro. Pese o facto de todas estas terras se encontrarem distribuídas por diversas regiões do reino, desde o norte-centro, passando pela capital (proximidade à coroa e à gestão dos assuntos ultramarinos como a Casa de Ceuta, por exemplo) até ao Ribatejo, sobretudo Alto Alentejo e Algarve. Um bom ‘panorama’ para um infante herdeiro que tantas vezes demonstrou ser ambicioso. Ainda relacionados com todas estas terras e bens, devem ser acrescentados todos os direitos e monopólios de D. Henrique. A doação de territórios vem sempre acompanhada dos respectivos direitos senhoriais e de outros rendimentos. O infante, tal como outros senhores do seu tempo, teve o direito de julgar e de aplicar justiça (nomeadamente através de prisões, que as tinha, tal como o infante D. Fernando também teve),302 de organizar e comandar303 dentro das suas terras, tendo em parte para isto essas cadeias, como as tinha o infante D. Fernando, com os respectivos carcereiros; tinha o direito de receber rendas em serviços, géneros ou dinheiro; era senhor das feiras na cerca da Vala da Cidade de Viseu e de Tomar e dos valiosíssimos privilégios da de Trancoso, de longe a maior feira do país, para além de outras riquezas materiais que passaremos a enumerar. João Silva de Sousa fala de uma transumância organizada pelas suas terras da Beira, através da qual beneficiaria da exploração da lã. Esta foi apenas uma das várias ‘indústrias’ das quais o infante retiraria ainda mais dividendos, como as madeiras das ilhas (com as suas variadas utilizações, nomeadamente para utensílios agrícolas, mas também para negócios da expansão ultramarina em que esteve envolvido); as saboarias de sabão preto e branco, que tinha em Lisboa, na Ribeira de Santarém e noutros locais do reino, das quais chegou mesmo a ter o monopólio; as pescarias (nas sua coutadas de pesca) realizadas entre Portugal e os espaços ultramarinos nas ilhas atlânticas e na costa africana e o exclusivo de algumas delas

302 Numa carta perdão de 1490 é-nos contada a história de Pedro Fernandes, escudeiro de Alcácer do Sal e que fora preso em Setúbal por proferir palavras ofensivas contra os seus juízes. Refere-se de seguida que o carcereiro o trazia solto nos antigos paços do infante D. Fernando em Setúbal, onde também ficava a cadeia (Chancelaria de D. João II, liv. 13, fl. 25v-26). Veja-se ainda outro exemplo: em 1465, estando a cadeia do infante D. Fernando, que andava perante Gil Afonso, seu ouvidor, em Celorico da Beira, fora dado o encargo ao réu Fernão Vasques de a guardar durante uns dias por o carcereiro estar ocupado. Este deixou os presos escapar da cadeia (Chancelaria de D. Afonso V, liv. 14, fl. 56v. 57). E por fim, a menção a um carcereiro do infante D. Fernando na prisão de Beja: João Vasques (Chancelaria de D. Afonso V, liv. 14, fl. 92v). 303 SOUSA, 1991, p. 189. 116

(como o da pesca do atum e da pesca do coral em Portugal); os exclusivos da tinturaria e da exploração de pastel, riqueza a que se somaram o ouro, os escravos africanos e o acesso à malagueta da Guiné,304 com os quais gastou largas quantias de dinheiro, mas que significaram o engrossar poderoso do seu património e riqueza. Antes de receber a herança henriquina, D. Fernando já era duque de Beja e senhor de Serpa, Moura e da feira de Salvaterra, sucedendo aqui ao “Infante Santo”, como vimos, e governador da Ordem de Santiago. No que a títulos diz respeito, para além de ser duque de Beja, era ainda condestável do reino e fronteiro-mor no sul. Estes eram os cargos, títulos e bens que o infante já tinha antes da morte do infante D. Henrique. Acrescente-se as doações henriquinas de Gouveia,305 já por nós referidas, e do temporal das ilhas da Terceira e Graciosa, feitas ainda antes da morte do ‘Navegador’, em Maio e Agosto de 1460, respectivamente. Destas duas últimas falámos em momento oportuno. Cabe agora acrescentar as doações feitas ao infante relativamente às ilhas e que também aconteceram antes do falecimento do infante D. Henrique: a primeira data de 1457,306 quando D. Afonso V doa ao infante D. Fernando e aos seus sucessores todas as ilhas que este venha a descobrir e que delas faça seu senhorio, assim como das suas gentes; o rei reserva para si os feitos crime que impliquem morte ou talhamento de membros, uma vez que os outros pleitos cíveis e crimes seriam os oficiais de D. Fernando a desembargar. A segunda doação307 é feita pelo próprio infante D. Henrique, já em Agosto de 1460, quando, manifestando o infante D. Fernando o desejo de povoar algumas ilhas, como serviço de fé a Deus, perante ilhas henriquinas que estão desabitadas, decidiu o seu pai adoptivo fazer-lhe esta doação, a ele e aos seus descendentes. Estes são citados como sendo de linha lidima mascolina; doa-lhes então a ilha de Jesus Cristo, a ilha Graciosa com todas as suas rendas, direitos, jurisdição, cível e crime e mero e misto império, resguardando para a Ordem de Cristo a espiritualidade das mesmas, assim como a vintena e a responsabilidade de lá colocar vigário,

304 SOUSA, 1991, pp. 191-216. 305 MH, vol. XIII, doc. 170, pp. 274-275. 306 MH, vol. XIII, doc. 66, 1972. pp. 113-114. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. I, doc. 425, pp. 543-544. 307 MH, vol. XIII, doc. 187, 1972. pp. 335-337. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. I, doc. 450, pp. 574-576. 117 confirmado pelo governador. Por fim, o infante D. Henrique demite-se do senhorio destas ilhas. Ainda antes do desaparecimento do infante D. Henrique, em 1459, obteve o infante D. Fernando as lezírias dos Barrocais de Redinha. No ano seguinte receberia do rei os quartos régios do Lumiar, a quinta de Carnide, os bens que João Fernandes Pacheco tinha em Lisboa e casais em Loures308. Refere ainda António Caetano de Sousa que o infante herdou as terras que foram da sua sogra, D. Isabel, a mulher do infante D. João, seu tio.309 Tal faz todo o sentido pelos seus laços matrimoniais com a filha desta. Talvez esta herança explique a razão pela qual o infante tenha pedido ao irmão que, em 1463, os lavradores, caseiros e reguengueiros do reguengo de Colares, da infanta D. Isabel, fossem isentos do pagamento de impostos e encargos concelhios, de serem postos por besteiros do conto, bem como do direito de pousada.310 D. Isabel de Barcelos era detentora das terras e jugados de Lousada; da terra de Paiva e de Tendais, com suas rendas e direitos; da vila de Almada com suas rendas e direitos311 e das rendas e direitos de Loulé e seu termo. Tudo isto tinha D. Isabel obtido pela doação do seu avô, o condestável D. Nuno, em 1422.312 Os bens seriam herdados pela filha, e certamente pelo genro que, se herdou, terão sido os da sogra e os do sogro, o infante D. João.

A adopção pelo infante D. Henrique (e do qual não foi o único herdeiro directo) fez com que ficasse com o ducado de Viseu, o que significou o acesso a todos os bens e património que elencámos em cima. Tal dar-lhe-ia ainda o senhorio sobre as terras de Besteiros, Lafões, Catam, Covilhã, a alcaidaria da Guarda, Tavira, Marvão e os direitos reais de Santarém, a judiaria, a mouraria e reguengo daquela vila313. Ainda nem um mês se passara desde a morte de D. Henrique, e já o infante estava a receber a Madeira e as ilhas açorianas e cabo-verdianas; a 9 de Dezembro desse mesmo ano D. Afonso V entregava ao irmão as saboarias brancas e pretas de todo o reino, no mesmo regime em

308 SOUSA, 1991, p. 279. 309 SOUSA, 1947, pp. 284-289. 310 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 9, fl. 54v. 311 Com a excepção dos direitos da quinta de Murfacém - dados a Gil Aires enquanto fosse vivo. 312 MONTEIRO, 2017, p. 196. 313 SOUSA, António Caetano de - Historia Genealogica da Casa Real Portugueza. Coimbra: Atlântida, 1947, pp. 284-289, cap. VIII, tomo II. 118 que as tivera o infante D. Henrique314, isto é, em monopólio e que determinara no seu testamento que passariam para D. Fernando. O monopólio das saboarias causa protesto entre os povos: as queixas pelo facto de estas serem monopólio dos duques de Viseu prolongam-se e agravam-se já desde os tempos do infante D. Henrique. Tal é visível num capítulo de cortes de Março de 1473,315 pouco depois da morte do infante D. Fernando, quando há reclamações que querem o fim do monopólio do fabrico e venda de sabão no reino por parte dos duques de Viseu. Alegam que é grande agravo não poderem fazer o seu próprio sabão do seu azeite para uso doméstico: (...) porque asas he gramde agravo nam poder cada huu ffazer sabam do seu azeite, sequer pera despesa de sua casa; relembram umas cortes feitas em Santarém nas quais já se falara em tal assunto e que o rei dissera que não poderia retirar esse monopólio ao seu tio, mas que com a sua morte iria agradar ao povo. Ora tal não se verificou, porque continuou em mãos do seu irmão; e como este agora já falecera, tentavam as pessoas conseguir esse benefício. O rei responde que fizera essa mercê ao seu sobrinho e que era necessário o problema ser examinado, acabando por deixar o assunto em suspenso. Foi-lhe dado o ducado de Viseu; o senhorio da Covilhã;316 o monarca concedeu privilégios aos pastores castelhanos que trouxessem os seus gados a Campo de Ourique a pedido do infante,317 em Março de 1461. A ordem de Cristo também acabaria por lhe ser entregue em 1461; em 1462 o rei doar-lhe-ia as ilhas de Cabo Verde encontradas por António da Noli com todos os direitos e jurisdições, reservando o rei para si a alçada e crimes que pudessem implicar pena de morte e amputação.318 Em 1463 era senhor de Goujoim, termo de Santão;319 em 1464, D. Afonso V doa ao irmão vitaliciamente a vila henriquina de Lagos e o seu castelo com a sua jurisdição cível e crime, rendas e direitos, ressalvando para a Coroa a sua correição.320 Lagos trazia consigo um privilégio desde os tempos do infante D. Henrique e que se estende a D. Fernando. Tal é demonstrado num documento

314 MH, vol. XIV, doc. 35, pp. 108-109. 315 MH, vol. XV, doc. 42, 1974. pp. 62-63. 316 Por exemplo: em 1463, D. Afonso V privilegia o irmão, concedendo à ferraria de Teixoso, termo da Covilhã, isenção do pagamento da sisa, de outros tributos pagos sobre a venda do ferro e da prestação de serviços para as pessoas que nela trabalhassem. Chancelaria de D. Afonso V, liv. 9, fl. 79v.- 1463 317 SOUSA, 1991, p. 280. 318 Chancelaria de D. Afonso V, liv. I, fl. 61. 319 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 9, fl. 24. 320 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 8, fl. 34. 119 de D. João II, onde este confirma duas cartas de D. Afonso V, de 1460 e de 1470, já depois das mortes dos infantes D. Henrique e D. Fernando. Estas dizem respeito ao privilégio da cidade de Lagos ser sempre real e não ser dada a nenhum senhor. Na primeira o infante D. Henrique pede que depois da sua morte a vila não seja dada a mais ninguém; D. Afonso V compromete-se a cumprir tal requerimento. No entanto, o estatuto de a vila ser sempre realenga não parece significar que não seja dada a outro membro da família real, uma vez que D. Afonso V fará mercê dela ao seu irmão, o infante D. Fernando, verificada em carta de 1470 e onde se pede que se ratifique o privilégio do infante D. Henrique, depois da morte de D. Fernando. D. João II confirmaria isto a Lagos321. Na vila, D. João II confirmaria a Diogo Gil, em 1486, o cargo de juiz dos órfãos de Lagos, como já o tinha por carta de D. Afonso V (de 7 de Novembro, 1470), do infante D. Henrique e do infante D. Fernando.322 Por fim, o novo duque de Viseu alcançava a protecção e o governo da Universidade, um outro resquício do poder henriquino que remontava aos inícios da década de 1420.323 Exerceu o seu poder na Universidade, de forma atenta, tal como o faria em outros âmbitos dos seus domínios: a sua acção desdobrou-se junto dos lentes, reitores e estudantes do estudo geral de Lisboa. As boas normas, a conduta adequada, o respeito pelas regras, pela instituição e pela excelência da mesma 324 preocuparam-no tal de forma que, ao longo da década de 1460, redigiu alvarás como aqueles em que se dirige a Fernão Gonçalves, bedel da Universidade de Lisboa, para que tenha cuidado e vigie os lentes que não leccionarem as respectivas lições, para que lhes seja descontado no soldo; para aqueles que colocarem outros a dar as suas aulas, ordena o infante que apenas se lhes pague metade; o bedel devia entregar estas informações ao reitor.325 Ainda no mesmo dia (24 de Julho) escrevia aos reitores, lentes, e conselheiros do estudo e universidade de

321 Chancelaria de D. João II, liv. 8, fl. 216-17. 322 Chancelaria de D. João II, liv. 19v, fl.6v. 323 COSTA, 2009, p. 134. 324 Tal também pareceu preocupar o rei quando, em 1469, escreve ao irmão, que enquanto protector da universidade deveria fazer com que as cadeiras de ciências do dito estudo fossem dadas pelos mais afamados e prudentes lentes, segundo o regimento e estatutos do estudo. Alerta-o para ver bem as rendas do estudo, para mandar que sejam remunerados os bons lentes e letrados segundo o mérito de seus trabalhos e a excelência do seu saber e engenho. Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. VI, doc. 2245, pp. 472-473. 325 Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. VI, doc. 2002, p. 237. 120

Lisboa, proibindo os lentes e estudantes do estudo geral de atentarem contra a instituição, sob pena de os lentes perderem o salário de um ano de cada vez que tal fizessem. Este dinheiro era entregue pelo bedel ao recebedor, que o não devia entregar em caso de incumprimento. Se fossem escolares a transgredir as regras, D. Fernando ordenava que fossem postos fora do estudo e que não fossem aceites até o infante lhes dar mercê em contrário.326 Em Outubro de 1467, instituía uma certidão que comprovasse que os lentes tinham trabalhado durante o ano na universidade. Estes só deveriam receber o seu salário com este alvará de certidão. Tal documento seria passado pelo bedel. Especifica-se o lente de teologia, que deverá ter tal alvará quando for receber o seu salário junto do infante.327 Tratou o infante ainda da gestão do património da universidade, mediando um conflito relacionado com um emprazamento da Quinta dos Mogoos (que pertencia à instituição). Fora este primeiramente feito a João da Porta Nova, mas que o licenciado mestre Joane, cavaleiro da sua casa, refere como ilegítimo e que seria necessário desfazer. Serve este documento para desfazer o emprazamento e o transferir para o referido Joane, considerando que assim seria mais proveitoso.328 Os três alvarás fernandinos passados à Universidade de Lisboa (dois de 1462 e o último de 1467) deverão ter causado impacto e ter-se tornado estruturais na condução dos assuntos internos da mesma, para que em 1471, já depois da morte do infante, o rei acentue que eles deveriam ser cumpridos e os confirme.329 Ao mesmo tempo que recebia a herança henriquina, o infante recebia um assentamento de 2 208 561 reis, entre os anos de 1461 e 1469, retirados pelo menos dos seguintes almoxarifados: Setúbal, Faro, Tavira e Beja330. Terá sido este o maior assentamento feito no reinado de D. Afonso V, neste caso, para o seu irmão. Na inexistência de qualquer documentação que contenha dados quantitativos sobre o

326 Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. VI, doc. 2003, p. 238. 327 Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. VI, doc. 2192, pp. 423-424. 328 Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. VI, doc. 2260, pp. 483-484. 329 D. Afonso V dirige-se aos reitores, lentes e conselheiros e a outros oficiais do estudo de Lisboa, referindo que viu três alvarás do infante D. Fernando a essa instituição. Serve esta carta para os confirmar e para que estes os cumpram. Estabelece que os lentes vão aos conselhos a cada quinze dias, que cumpram os horários e determina as obrigações do bedel: esteja atento se os oficiais cumprem o seu serviço como devem e, se não, que tome nota daqueles que não fazem bem o seu serviço à universidade. Se este não cumprir as suas obrigações deverá ter cortes no salário. Chartularium Universitatis Portugalensis, vol. VII, doc. 2335, pp. 8-9. 330 FARO, 1965, p. 198. 121 dinheiro que um senhor como o infante teria, estes dados são reveladores sobre a enorme quantidade de numerário de que deveria precisar para se sustentar a si e a todos aqueles que protegia e que dele dependiam. Usufruiria deste valor até praticamente às vésperas da sua morte, ou não fosse um senhor ciente da necessidade de manter o seu poder, a representação social e de engrossar a sua riqueza e património. Como poderoso e influente que era, D. Fernando obteve e concedeu privilégios para aqueles que habitavam e trabalhavam nos seus domínios, tendo intercedido por várias pessoas. Talvez um dos mais notáveis privilégios que tenha recebido esteja relacionado com Ceuta, cidade da qual nunca foi governador, ao contrário do seu pai adoptivo, mas à qual esteve sempre muito ligado. Em 1462, D. Afonso V concedia ao conde de Vila Real, capitão de Ceuta, amplos privilégios e faculdades no governo desta cidade, tais como os infantes D. Henrique e o seu irmão as tinham tido. Eram estas: o poder de nomear e dar todos os ofícios da cidade, como o vedor da fazenda, tesoureiro-mor, contadores, escrivães da fazenda e contos e recebedores; poder criar outros ofícios que ache necessários para a governança da cidade; que tenha inteiramente a jurisdição das lezírias, reguengos e jugadas da cidade; que ele seja responsável pelos oficiais e pelas terras e por quem as lavre, arrenda, explora e pelas suas rendas; que a partir do janeiro seguinte os mercadores que têm firmado trato com o rei sobre a governação da cidade acudam ao conde ou a quem a ele mandar; e por esta carta deixam de estar obrigados perante o rei, mas sim perante o conde, tal como os dinheiros que deste trato faziam parte. O rei concede ainda poder para que o conde possa controlar os mercadores e os rendeiros, poder sobre os oficiais, as terras, rendas e tudo o que seja associado à cidade; manda que todos os oficiais, rendeiros e pessoas que lhe obedeçam em tudo e que executem os seus mandatos, tal como se fosse o rei a ordenar; se tal não fizerem o rei dá poder ao conde para lhes aplicar a pena que melhor lhe parecer.331 No caso dos pedidos que D. Fernando fez ao rei e pelos quais intercedeu e dos privilégios que concedeu enquanto senhor, vejam-se os exemplos que se seguem. Em 1463 queixava-se o concelho de Beja do agravo que os oficiais de justiça sofriam ao pagar portagens noutras zonas do reino. Pedem ao rei que penalize quem não cumprir o

331 MH, vol. XIV, doc. 77, pp. 210-212. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 15, pp. 23-25. 122 privilégio, pagando 6000 soldos d' encoutos, que os almoxarifes deverão arrecadar, com o que D. Afonso V concorda, querendo fazer graça ao seu irmão, senhor da vila de Beja.332 Outro caso é o de Estêvão Eanes do Monte, morador em Beja, para quem o infante pede, em 1469, privilégios, honras, liberdades e franquezas, como não andar por mar, nem por terra, em períodos de paz ou de guerra, ou de qualquer outra forma junto do rei, do príncipe e do respectivo infante333. Conhecemos o exemplo de João Garcês, que foi feito cavaleiro pelo infante em Anafé,334 privilégio que recebeu directamente do infante. Quando em 1486 D. João II confirma aos moradores de Alcácer do Sal, sobretudo aos moradores do castelo, um privilégio geral, de escusa de aposentadoria (aplica-se esta às casas de morada, adegas, cavalariças, roupa de cama, alfaias de casa, pão, vinho, cevada, palha, lenha, galinhas, gados, bestas de sela nem de albarda), nem outra nenhuma coisa que seja conta sua vontade, nem vão com presos, nem com dinheiros, nem sejam postos nem dados por besteiros do conto, ficamos a saber que tais privilégios tinham sido concedidos pelo infante a 16 de Janeiro de 1466.335 Já em 1450 tinha pedido a D. Afonso V que privilegiasse Gonçalo Martins Azambujo, morador em Alcácer e criado do infante D. João, isentando-o do pagamento de diversos impostos e de ir à guerra, salvo com os infantes.336 Em 1468 o infante surge envolvido num outro caso onde apela ao rei por alguns homens. O contexto deste documento da Chancelaria de D. Afonso V implica a conturbada alcaidaria de Pedro Caldeira em Marvão. Tinha-a obtido na sequência da batalha de Alfarrobeira. Durante a sua vigência como alcaide vários são os conflitos com homens que o tentaram matar e várias cartas de perdão são passadas nesse contexto. Dois dos seus homens acabam feridos. E é nesse esforço de conciliar as partes que encontramos o infante D. Fernando a interceder pelos homens que foram contra o alcaide: Fernão d' Álvares, João

332 Chancelaria de D. João II, liv. 8, fl. 193v. 333 Chancelaria de D. João II, liv. 8, fl. 193v. 334 Em 1481, D. João II concede-lhe o título de fidalgo e cota de armas (e aos seus descendentes vitaliciamente, com todos os direitos e privilégios que os senhores sempre tiveram) por ser cavaleiro da sua casa, escrivão da sua fazenda, e por todos os serviços que prestou ao reino e ao rei. Entre estes contam-se os combates em Alcácer, a presença na expedição militar que matou D. Duarte de Meneses, na cidade de Anafé e onde foi feito cavaleiro pelo infante D. Fernando, bem como nos combates em Arzila e Tânger e em outras batalhas, entre as quais se conta a batalha de Toro, como se refere. Chancelaria de D. João II, liv.2, fl. 157. 335 Chancelaria de D. João II, liv. 8, fl. 224-224v. 336 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 34. fl. 75v-76. 123

Gonçalves, João Afonso Marnarouro e Martim Afonso Marques, moradores em Marvão. A queixa recai sobre estes e sobre Luís e Diogo de Sousa, que tentaram matar o alcaide, mas acabaram por ferir James e Afonso Martins, homens deste. Estes últimos passam uma certidão de perdão, num instrumento público de um tabelião do rei em Marvão, que é assinada por D. Fernando.337 Em 1469 intercede o infante por Vicente Chileiros, homiziado há 28 anos em Castro Marim por morte de um homem em Vale de Boi (termo de Lagos), que sendo já de idade de 70 anos e “fraca disposição”, pede ao rei que o deixe usufruir dos bens que a família lhe quer deixar em Portugal. Isto porque os seus filhos e quatro netos iam morar para a ilha de Santiago e queriam que o pai ficasse em Sagres, onde tinham bens, nomeadamente um couto, que o rei aceita.338 Caso semelhante é o de Catarina Fernandes, moradora em Beja, que cometera adultério e incesto contra o marido e que o rei decidira que seria açoitada publicamente. D. Fernando pede que a pena seja comutada noutra, porque o marido não a aceitaria mais. O pedido é aceite e ela condenada a pagar 2500 reais a Pero Vaz, capelão do rei.339 Em 1468 pediria ainda pelos homicidas de Rui do Cadaval, escudeiro de D. João, sobrinho do rei – André Gomes Jordeiro,340 João Vasques341 e Pero Vasques.342 Este último escudeiro do infante. Talvez estes casos sejam apenas uma amostra dos privilégios e ajuda que pediu para pessoas que, de uma maneira ou outra, o serviram ao longo dos anos, demonstrando ter por elas cuidado e atenção. A todos o rei anuiu, concedendo aquilo que lhe foi pedido pelo irmão, como em todas outras circunstâncias que temos vindo a analisar.

337 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 31, fl. 6. Sobre este caso da alcaidaria de Marvão veja-se também DUARTE, 1993, pp. 331-334. 338 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 31, fl. 114v. 339 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 9, fl. 136v.-137. 340 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 28, fl. 112v. 341 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 28, fl. 109v. 342 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 28, fl. 110v. 124

Capítulo 7 – O infante, as ilhas e o mar

A partir de 1460, D. Fernando, por ser filho do infante D. Henrique, torna-se senhor incontestado de todas as ilhas descobertas à época. Como vimos já recebera, por doação, a ilha de Jesus Cristo e a Ilha Graciosa, pouco tempo antes de o infante falecer. Recebera-as por estas serem ilhas henriquinas que estavam por povoar e porque mostrara interesse e vontade nesse aspecto. Em Setembro de 1460, D. Henrique tentava fazer cumprir as últimas disposições testamentárias e redige uma carta confirmando a salvaguarda das condições reservadas à ordem de Cristo relativas à espiritualidade, à vintena e aos vigários e acrescenta que esses vigários, durante a sua vida e depois da sua morte (do infante D. Henrique) deveriam celebrar todos os sábados uma missa de Santa Maria por sua alma assim como rezar o Pai Nosso e a Avé Maria343. Nesse mesmo dia faz o infante D. Henrique doação a D. Afonso V, rei de Portugal, das ilhas de S. Luís, S. Dinis, S, Jorge, S. Tomás, S. Eirea, com as mesmas condições que doara as de Jesus Cristo e Graciosa ao outro sobrinho, o infante D. Fernando344. Como sabemos, esta era uma das novidades do último testamento henriquino: à excepção das ilhas que já tinham sido doadas ao sobrinho, as restantes ficariam para a Coroa. Como as últimas vontades do infante não foram respeitadas, D. Afonso V transfere as ilhas para os domínios do irmão, fazendo-lhe mercê das seguintes: Madeira, Porto Santo, Deserta, S. Luís, S. Dinis, S. Jorge, S. Tomás, S. Eyrea, Jesus Cristo, Graciosa, S. Miguel, Sta Maria, S. Jacobo e Filipe, ilhas Mayas, ilha de S. Cristovão, ilha Lana345, com todas as rendas, direitos e jurisdições tal como as tinha o infante D. Henrique. Acrescenta ainda o monarca que esta doação se estendia ao filho barão primogénito de D. Fernando e que os reis que se seguiam deveriam respeitar e manter esta mesma doação e disposição346.

343 MH, vol. XIII, doc. 191, pp. 343-345. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. I, doc. 456, pp. 581-582. 344 MH, doc. 192, vol. XIII. 345 MH, vol. XIV doc. 31, pp. 103-104. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. I, doc. 464, pp. 593-594. 346 A 11 de Janeiro de 1473 (já D. Fernando era falecido), D. Afonso V faz doação das ilhas Deserta e da de Porto Santo, tal como as havia o infante D. Fernando e com todas as suas jurisdições, rendas e direitos, a D. Diogo, duque de Viseu e de Beja e filho do infante. MH, vol. XIV doc. 31, pp. 103-104. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. I, doc. 464, pp. 593-594. 125

Para além das ilhas henriquinas que herda, D. Fernando achara ou descobrira ilhas também já em seu tempo: em 1462, D. Afonso V relembrava uma carta que lhe foi mostrada pelo infante D. Fernando, de 1457, onde este lhe fazia doação a si e aos seus herdeiros, de todas as ilhas que fossem encontradas, com a jurisdição cível e crime, à excepção das alçadas de morte e talhamento de membro; entretanto foram descobertas 12 ilhas, como se diz: cinco por António de Noli (ilha de Santiago, S. Filipe, das Mayas, S. Cristóvão, e ilha do Sal- que são na Guiné e ainda em tempo de D. Henrique) e mais sete achadas por D. Fernando: ilha Brava, ilha de S. Nicolau, ilha de S. Vicente, ilha Rasa, ilha Branca, ilha de Sta Luzia, e a ilha de S. Antão, que são em Cabo Verde. Concedia agora o monarca o último grupo de ilhas ao infante D. Fernando, que já foram descobertas entre 3 de Dezembro de 1460 e 19 de Setembro de 1462 e já em tempo do infante. Estas ilhas mais recentes foram: Brava, S. Nicolau, ilhéus Raso e Branco, Santa Luzia e Santo Antão. Doação que se estenderia aos seus descendentes, com o seu senhorio, povoamento e com o livre usufruto dos rios, ancorações, madeiras, pescarias, coral, tintas, aviveiros, vieiros e com todos outros direitos e jurisdição cível e crime, reservando o rei para si as alçadas criminais de morte e talhamento347. Definidas as doações e o património henriquino que herda em ilhas, bem como aquele que acrescenta de sua própria iniciativa, interessa-nos agora perceber o papel do infante D, Fernando enquanto administrador dos seus bens ultramarinos. A Madeira ocupa um lugar único e cimeiro neste processo até porque a documentação de que dispomos é mais numerosa no que a esta ilha diz respeito. Muito chamou à atenção Joel Serrão para a riqueza do Arquivo Distrital do Funchal para se conhecer melhor os meandros da exploração e administração económica da Madeira do período do infante D. Fernando, referindo-se às várias cópias do regimento que endereçou ao Funchal348. Foram estas feitas entre os anos de 1461 e 1466 e revelam bem a importância de tal documento, para a colonização da ilha, nesta fase.

347 MH, vol. XIV, doc. 86, pp. 225-227. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 22, pp. 33-34. 348 SERRÃO, Joel – O infante D. Fernando e a Madeira (1461-1470): elementos para a formulação de um problema. In Temas Históricos Madeirenses. Funchal: Secretaria do Turismo, Cultura e Emigração, 1992, p. 35. 126

Assim pouco tempo após se ter tornado senhor da ilha, dirigia-se o duque aos habitantes do Funchal por meio de um regimento que tratava dos assuntos mais diversos. Era este dado em resposta a capítulos que a câmara e povo do Funchal apresentaram ao infante através dos seus procuradores Pedro Lourenço e João Fernandes, escudeiros e criados do falecido infante D. Henrique. Mandava o infante D. Fernando a sua resposta endereçada a João Gonçalves de Câmara de Lobos, seu cavaleiro e capitão na ilha da Madeira e aos escudeiros, cavaleiros, juízes, vereadores, procuradores e homens bons desse território. Estes tinham-lhe mandado, por escrito, assuntos sobre os quais queriam que o infante se pronunciasse. Assim, o 1º item dizia respeito aos capelães, que o povo se queixava serem poucos (uma vez que no tempo do infante D. Henrique as gentes eram poucas, mas agora a população crescera e eram necessários mais). Responde o infante que peçam ao vigário da ilha e que depois lhe enviem a sua resposta para que decidisse; o 2º item dizia respeito à justiça e à implementação de dois procuradores na ilha; o 3º tópico relaciona-se com a eleição de juízes, vereadores e procurador, que deve ser feita todos os anos e que esta se faça conforme os costumes do reino, com a participação dos pelouros e dos homens bons; o 4º item refere-se ao escrivão da câmara e da almotaçaria que devem ser postos no concelho e somente através de cartas do infante; o 5º ponto refere as cartas de segurança, que ordena poderem ser passadas pelo seu capitão na ilha para que estas sejam utilizadas em alguns negócios e homizios; o 6º ponto é sobre a dízima e sobre uma queixa que o povo lhe fez de um almoxarife que lhes mostrava um regimento em que se cobrava dízima sobre coisas e materiais, algo que o infante desmente. Entre estes contam-se a pedra e a madeira que cada um utiliza para a construção das suas casas, a lenha e para as forcas e trizeas e outra madeyra delgada, que sse poem nas latadas e vinhas e tapadura. Refere o infante que, nestes assuntos, mantém os regimentos e foral que tinha feito o infante D. Henrique (desconhecido); mantém que não se pague dízima desde que não seja madeira de cedro e de teixo; o 7º tópico recai sobre a dízima da pedra que se leva do reino para a ilha para fazer cal- é dízima real e deve ser mantida; 8º item diz respeito aos serviçais e braceiros e à dízima sobre eles e para que esta não se pague. Neste ponto o infante não se alonga referindo que, nesse momento, não encontra

127 outra forma de resolver o problema a não ser como o infante D. Henrique o tinha estipulado (o que não sabemos). O 9º ponto é relativo ao carregamento de vinhos, açúcar e madeira, pão e etc sem pagar a dízima da carga o que o infante não permite e refere que se devem manter mais os seus interesse do que os do povo, tal como o infante D. Henrique havia decidido; o 10º ponto diz respeito aos judeus e genoveses que não tratem na ilha, ao que o infante responde que se mantenham as disposições de D. Henrique (que também desconhecemos); o 11º assunto refere-se à venda exclusiva do sal pelo capitão da ilha, e que os moradores não o levem para casa para as suas despesas e ao aumento do preço do mesmo, ao que responde o infante que tudo se mantenha tal como o D. Henrique tinha estipulado; o mesmo se aplicaria ao sabão, do qual o infante detém o monopólio, não permitindo que alguém o faça, venda e leve de um lado para o outro, a não ser a pessoas por ele autorizadas, como João Gonçalves, capitão da Madeira que lá detém as saboarias. O 12º item relata que a gente mais poderosa não deixa que os pobres cortem madeira e ordena o contrário, porque é disto que a gente miúda vive, à excepção de áreas cercadas. O 13º tópico incide sobre as altas coimas que a gente poderosa coloca sobre a bestas e gado e para as quais devem ser seguidas as posturas do concelho, com os preços estipulados. De seguida debruça- se sobre o assunto de quem tem a posse das águas e dos seus engenhos na ilha, referindo que ao contrário daquilo que as pessoas pensavam, o capitão da ilha não tinha qualquer carta de mercê que lhe desse o monopólio de fazer uso das águas, de engenhos e moenda, mas este não tem moinhos. Assim, dá autorização a pessoas do seu termo que os façam com a condição de lhe pagarem trinta alqueires de trigo. Responde o infante que considera que as pessoas estão a ser prejudicadas por não terem moinhos mesmo de construção e ordena ao capitão que faça os moinhos do Funchal de parede ou madeira, cobertos de telha, de tal maneira que o povo que neles moer não receba danos e perdas pela eventual chuva e vento. Quanto aos moinhos do termo, esses devem continuar a pagar a maquia ao seu dono, aquele que o construir e nada ao capitão. No 15º tópico fala-se dos fornos e que o capitão não deixa as pessoas ter em casa os seus fornos para cozerem o próprio pão, à excepção de fornalha que leva hum alqueire; responde o infante que os fornos são senhoriais e que dando licença de que cada um tenha um, perde-se o direito deles, o que

128 ele não acha bem. No próximo item pede o povo da ilha autorização para eleger, anualmente, dois homens bons, que repartam as águas para os seus açúcares e lugares; ele aceita e autoriza. Segue-se um pedido sobre as sesmarias, que duram cinco anos para as terras serem exploradas, e que depois desse período são dadas a outras pessoas. Queixam-se as pessoas de que os cinco anos são um período muito curto, uma vez que as terras são bravas e têm muitos arvoredos e pedem que lhe aumente o tempo das sesmarias. O infante considera que cinco anos é um tempo razoável para se explorar qualquer terra, mas autoriza que se alguém tiver na posse de uma terra e a tiver explorado sempre e se os cinco anos não chegarem, que peça ao almoxarife do infante que lhe estenda o tempo. Depois pedem autorização para fazer uma casa da relação e outra para audiência, com as quais concorda e ordena ao capitão e ao almoxarife que ordenem lugares para estas serem feitas. Detectam-se problemas com a venda de trigo para a Guiné, ficando estes habitantes com dificuldades em vender e carregar o pão em qualquer parte e expostos à arbitrariedade dos mercadores - quanto a isto refere o infante que nada se pode fazer uma vez que se trata de um trato real. Coloca-se, de seguida um problema relacionado com o privilégio de que estes habitantes não respondam perante justiça alguma, a não ser perante os seus juízes e se em Portugal os demandassem, que fosse apenas perante o seu ouvidor. Tal privilégio, já passado pelo infante D. Henrique, confirma-o o infante D. Fernando. Pedem, de seguida, as liberdades que tinham em tempos do infante D. Henrique, como o não pagarem peita, nem finta, nem taxa, nem pedido, nem portagem e que não fossem constrangidos por nenhuns serviços; refere o infante que lhe prazerá requerer isto ao rei e fazer o que estiver ao seu alcance para lhe serem outorgadas essas liberdades, porque não tem menos vontade disso daquela que tinha o infante, seu pai. Pedem-lhe selo e bandeira, ao que o infante responde que lhes mandará dois: uma das suas armas para as coisas da justiça e tudo a que ele disser respeito e outro dos sinais e a bandeira, logo nos primeiros navios que para a ilha forem. Pedem que lhe seja enviada ao traslado da carta de mercê do capitão da ilha para ser registada no livro da câmara e saber a mercê que lhe foi feita: o capitão não pode ultrapassar o que nela se diz e em instituir outros foros e costumes, o que o infante irá fazer. Já a aproximar-se do fim, manda que ao capitão,

129 juízes e vereadores e outros que guardem este seu regimento. Acrescenta, ainda no fim, que volta atrás sobre a questão dos fornos, permitindo que no lugar onde está Santa Maria, a Maior, que essas herdades tenham os seus fornos e por ter respeito ao bem e segurança dessa terra e aos moradores dela, permite que assim seja349. É possível deduzir aspectos muito importantes e estruturantes na administração da ilha nesta altura e que são visíveis no longo regimento que o infante passou ao Funchal. Em primeiro lugar detecta-se claramente uma ‘política’ de continuidade350 relativamente aos actos do infante D. Henrique, enquanto senhor da ilha, isto é, não são poucas as vezes que D. Fernando mantém medidas que o seu antecessor tinha aplicado, fazendo nomeadamente referência a um foral, que nos é desconhecido hoje e que o novo duque de Viseu decide continuar a aplicar. Assume-se ainda que a ilha está num período de crescimento populacional, uma vez que a população está a pedir mais capelães ao infante; que existem claramente aspectos que são exclusivos ao trato real, e que nesses domínios o infante D. Fernando não pode interferir, nomeadamente com a arbitrariedade dos mercadores que, na ilha, tratam do trigo da Guiné. Tenta ainda o infante que as suas ordens e directivas sejam cumpridas. Ele é quem é, efectivamente o senhor, e reduz, nalgumas circunstâncias, como vimos, o poder do capitão donatário, colocando os seus interesses, enquanto senhor, acima de tudo e de todos. Mantém um certo padrão tradicional naquilo que ao monopólio da venda do sal e da produção do sabão diz respeito, mantendo-as nas mãos do capitão. No entanto também não esquece o bem- estar da população, preocupando-se com a segurança da mesma. Por isso também respondeu favoravelmente a alguns dos pedidos que lhe foram feitos. Joel Serrão acrescenta que D. Fernando também ocupou grande parte do seu regimento tratando de assuntos que se relacionam com o pão e que vão desde as farinhas e os moinhos, até aos fornos, bem como o trigo para a Guiné. Tal explica-se pela importância que o cereal ocupava neste momento na economia madeirense e no conjunto económico português

349 MH, vol. XIV doc. 58, pp. 162-172. Publicado também em: Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 4, pp. 11-20. 350 Veja-se este exemplo de confirmação: Menda Afonso, estimador nomeado pelo capitão donatário, advoga ser isento de encarregos do conselho por ter recebido um alvará do infante D. Henrique e que lhe fora confirmado pelo infante D. Fernando. Vereações da Câmara Municipal do Funchal - século XV, pub. por José Pereira da Costa. Funchal: Secretaria Regional de Turismo e Cultura: Centro de Estudos de História do Atlântico, 1995, pp. 29-30. 130 do Atlântico351. Como explicou Vitorino Magalhães Godinho, o trigo era de facto muito importante nesta altura, o que ajuda, igualmente a explicar, as várias preocupações do infante com este assunto. Chegava a produzir-se em quantidades excendentárias para a população que habitava a ilha, em meados do século, o que permitia que algum fosse reservado ao embarque para se exportar. Assim se compreendem as menções de D. Fernando do trato de Guiné, através do qual o rei fizera contrato com mercadores que para lá deveriam levar esse trigo e para mais nenhuma parte352. Percebe-se então a razão pela qual o infante nada podia fazer relativamente aos agravos deste monopólio de que se queixavam os madeirenses. A exportação fernandina de trigo estender-se-á pela década de 1470 e continuará desde 1466, quando o infante embarcou os trigos por conta de um mercador catalão ou chamado Catelam e quando, posteriormente, D. Beatriz firma contrato com Batista Lomelim, com o mesmo objectivo353. Ainda em 1466, quando há, pela primeira vez, protestos por se embarcar o trigo, o infante não pode voltar atrás, mas permite que se importe trigo, durante um ano. Questiona-se Godinho se tal decisão se relaciona com um mau ano de colheita ou se já se iniciava o défice crónico, quando na verdade o trigo nunca teve um ciclo de excelência na Madeira?354Abre-se agora um novo período: o da importação de cereal. Entretanto a Madeira tornar-se-á um produtor e um mercado de açúcar bastante bem reputado. Tal realidade, como é sabido, remonta ao período henriquino, mas a importância e o papel do açúcar na economia da ilha também os herdaria o infante D. Fernando. Assim se explica a documentação fernandina existente sobre este assunto e as preocupações com os impostos e os preços que deram que pensar ao infante na década de 1460. Por fim e relativamente ao seu regimento de 1461, Miguel Jasmins Rodrigues chamou à atenção para o facto de já se desenhar, nesta altura, na Madeira, a existência de uma elite concelhia suficientemente organizada para tentar obter privilégios significativos em três domínios: redução de alguns tributos devidos ao duque; vantagens no seu contencioso económico com o capitão e formalização da sua

351 SERRÃO, 1992, p. 37. 352 GODINHO, Vitorino Magalhães – A Expansão Quatrocentista Portuguesa. Lisboa: Dom Quixote, 2008 (1ª ed.-1962), pp. 303-304. 353 GODINHO, 2008, p. 304. 354 GODINHO, 2008, p. 305. 131 organização colectiva355. Em suma, o infante cerceou o os poderes do capitão donatário, negou a redução dos seus tributos a pagar pelos madeirenses e estimulou a hierarquização dentro da organização social e económica da ilha nos vários temas para os quais a documentação nos remete e sobre os quais teve que se pronunciar, enquanto senhor. Em 1462, o duque emitia, de Tomar, uma carta destinada à Madeira356. Era esta sobre os direitos do açúcar que se deveriam pagar e que nos dá a entender tratar-se de uma resposta do infante D. Fernando ao seu povo na ilha da Madeira sobre o açúcar. Refere-se que em tempos do infante D. Henrique se pagava de cada alçaprema por mês uma arroba e meia e que agora o almoxarife de D. Fernando pedia o terço do açúcar que as pessoas produziam em casa, referindo que assim estava escrito no regimento. As pessoas pedem que se continue a fazer como em tempos de D. Henrique, porque o contrário os prejudica. D. Fernando autoriza que assim seja. Acrescenta o infante que se o seu povo alguma vez se sentir constrangido com alguma das suas medidas, que o avise, que ele ficará mui ledo em poder resolver. Era um valor exorbitante a pagar ao senhor e D. Fernando, perante a ameaça de não mais se produzir açúcar, volta atrás na sua política tributária. Ao fazer esta exigência D. Fernando aproximava-se do seu auge enquanto senhor da Madeira, algo que ainda se faria sentir aquando do seu projecto de monopólio do açúcar em 1469357. Como se pode constatar, o infante não abandonava a ideia de vir a poder monopolizar o açúcar, contra a qual os madeirenses sempre se manifestaram. Desejava evitar-se uma prepotência económica do duque, mas também combater a influência externa de mercadores e estrangeiros358. Assim se compreende que a resistência ao objectivo de D. Fernando vá diminuindo. Ainda nesse ano recebia o duque mais uma ilha, que diz ter sido vista por Gonçalo Fernandes morador em Tavira, a loes noroeste das Canárias e da Madeira, ao regressar de pescarias do rio do Ouro. Pediu o infante ao rei que lha desse, tal como D. Afonso V

355 RODRIGUES, Miguel Jasmins – Organização dos Poderes e Estrutura Social – a Madeira (1460- 1521). Cascais: Patrimonia, 1996, pp. 59-60. 356 Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 9, pp. 15-16. Publicado também em: Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 6, pp. 25-26. 357 RAU, Virgínia, MACEDO, Jorge de – O Açúcar da Madeira nos fins do século XV: problemas de produção e comércio. Lisboa: Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, 1962, pp. 26-27. 358 RAU, MACEDO, 1962, p. 27 132 já tinha feito com outras sete ilhas que Diego Afonso, seu escudeiro, tinha achado através de Cabo Verde. Concede-lhas com todas a rendas, direitos e jurisdição359. A sua administração e governo prosseguiam até por outros arquipélagos (como os Açores), ao longo dessa década, com o duque a doar a Jos de Utra, da Flandres, e aos seus descendentes por linha masculina a capitania da ilha do Faial, nos Açores360. Uma das razões parece ter sido a das boas relações entre este e os flamengos que se encontravam nesta ilha. Esta capitania é dada com os mesmos poderes que os outros capitães de D. Fernando têm. Terá direito à dízima do que houver na ilha e a redízima lhe será dada pelo almoxarife e escrivão do infante361. É conhecido ainda um outro acto, enquanto governador e senhor da Terceira, quando em, 1470 envia frei Gonçalo para a referida ilha para aí ser capelão362. Rute Gregório acredita que a passagem da Terceira para o governo do infante foi mais dinâmica relativamente ao povoamento da ilha, pelos seus desejos de divisão da capitania da mesma. Refere inclusive a existência de um projecto fernandino para a Terceira, sem que se alongue no assunto363. Por sua vez e, incentivando o referido povoamento, nos finais de década de 1460, o infante motivará uma segunda ida de emigrantes flamengos para o arquipélago dos Açores364, prosseguindo com a política de crescimento e desenvolvimento da ilha. Ao longo da década de 1460, o infante manterá sempre o contacto com a ilha, correspondendo-se com alguma frequência ao longo destes anos e revelando um governo atento, visível no envio de mais regimentos365. A 7 de Maio de 1466, o duque

359 Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 23, pp. 34-35. 360 Quanto às ilhas açorianas, sabemos que eram as possessões mais antigas do infante, uma vez que recebera de D. Henrique as ilhas Terceira e Graciosa ainda antes da morte do infante D. Henrique, que lhas doara antes de falecer. Recebera-as o infante em Agosto de 1460, como vimos. 361 Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 54, pp. 76-77. Este documento coloca dúvidas quanto à datação. Tal doação viria a ser confirmada por D. Manuel, duque de Beja, a 5 de Março de 1491. Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 245, pp. 366.367. 362 Archivo dos Açores, ed. Ernesto do Canto. Ponta Delgada: tipografia do Archivo dos Açores, 1881, vol.III, p. 9. 363 GREGÓRIO, Rute – Terra e Fortuna: os primórdios da humanização da Ilha Terceira (1450?-1550). Ponta Delgada: Centro de História de Além-mar (FCSH-Universidade Nova), 2007, pp.31-32. 364 VERLINDEN, Charles - La position de Madère dans l’ensemble des possessions insulaires portugaises sous L’ Infant Dom Fernando (1460-1470). Colóquio Internacional de História da Madeira. Funchal: Secretaria Regional do Turismo e Cultura /Centro de Estudos de História do Atlântico, 1989, vol. I, pp. 59. 365 Por exemplo para retribuir a Nuno da Cunha, o direito de três dias de água da ribeira de S. Francisco, que Dinis Eanes lhe tinha usurpado. Serviu esta carta para tirar esse direito de um para outro, que 133 emite dois diplomas para a Madeira: num deles pronuncia-se sobre o sal e a sua venda: uma vez que o povo se queixava de que o capitão o vendia mais caro do que aquilo que tinha sido estipulado pelo infante D. Henrique (o alquer do sal por meio real de prata). O capitão vendia a dez reais. Conclui o infante que nada pode fazer até o capitão ser ouvido, mas sugere que lhe enviem um instrumento com todas as queixas e razões para que se possa dar despacho e resolver o problema366. Na outra carta responde ao pedido dos fidalgos, cavaleiros e escudeiros da ilha para este isentar da dízima todas as armas e selas, que à ilha chegarem, ao que o infante responde favoravelmente. Disseram-lhe que os rendeiros dos seus gados cortam a carne e não a querem vender pelo preço dos carniceiros da terra, mas sim pelos preços que lhe apraz, queixando-se deste agravo; ao que ordena o infante que os preços sejam os mesmos, para que mais não se prejudique o povo. De seguida queixam-se que a mulher do capitão João Gonçalves, que tem o monopólio do fabrico e venda do sabão, o vende muito caro e pedem-lhe que fixe um preço. Este decide que o sabão se venda a dez reais o arratall. Por fim, pedem-lhe que nenhum homem bom esteja fora dos ofícios do concelho e que não sejam escusados deles. Todos eles devem servir nesses ofícios. É também nesse ano que D. Fernando envia Dinis Anes da Grã, cavaleiro e ouvidor da sua casa, para a Madeira em seu serviço, com o seu poder e em seu nome. Este fica incumbido de fazer a eleição dos juízes e oficiais, segundo lhe parecer proveitoso para a ilha e para o serviço do infante; deve despachar os feitos crimes e cíveis sobre dívidas e contratos, sem que estes cheguem ao infante; resolver os problemas relacionados com as águas, mas se ele e o capitão estiverem em desacordo nas decisões a tomar, que lhe escreva um requerimento com as razões de cada um, para que o infante possa decidir justamente e dar as ditas águas a quem não as tiver e sem prejudicar ninguém. Este tinha ainda a responsabilidade de repartir correctamente as águas de forma a que toda a terra seja aproveitada, resguardando-se a justiça e o proveito do infante e deve enviar aos

ocorreria de 20 em 20 dias. Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 40, pp. 60-61. Em Novembro do ano seguinte, 1468, D. Fernando emitia uma carta de sentença para confirmar e manter na posse do autor o direito: os tais três dias de água da ribeira de S. Francisco, como uma Maria Afonso a ficar com a posse de um dia. Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 41, pp. 61-62. 366 Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 8, pp. 29-30. 134 tabeliães e oficiais de justiça todas as querelas, denuncias e penas, para assim cumprir devidamente o serviço nesse lugar367. As causas do envio deste homem para a ilha são justificas e enumeradas pelo próprio infante: referindo que sempre se preocupa com a boa ordenança da ilha, com a administração da justiça, e o proveito comum dos moradores e que por ter muito serviço no reino e sabendo que estas coisas se encontram frouxas na ilha, mandou uma pessoa para assegurar a boa governação, referindo, no entanto, a sua vontade de ir à ilha se tal se justificasse, mas conhecendo a bondade e discrição de Dinis Eanes da Grã e confiando nele, ordenou que ele fosse para a ilha, mandando a todos os fidalgos, juízes, cavaleiros, procuradores, homens bons, vereadores e povo que lhe obedeçam368. Este não demora a fazer uso do seu poder e prerrogativas ao dirigir-se ao capitão João Gonçalves, capitão da ilha, aos juízes, vereadores, procuradores e homens bons, para os informar de que os oficiais da câmara lhe tinham requerido que este lhes desse coutada para os seus gados: bois de arar e bestas. Então decide dar-lhas enunciando que: da Ribeira Seca como vaa da praça fremosa asy como vay emtestar na terra de pero gomçalvez de crara e pllo caminho do comçelho atee o mar E que ho gaado alferio e porcos e ovelhas e vacas e eguas que nom emtrem nella sob pnna de pagar por cada cabrça dez reais pera camara do concelho369. Em Novembro de 1466, enviava ao Funchal, o infante, outro importante regimento ou apontamentos, onde o tema predominante parece ser o açúcar370. D. Fernando dirige-se aos fidalgos, cavaleiros, escudeiros, juízes, vereadores, homens bons e povo da sua ilha da Madeira, através de Vasco Fernandes, com as respostas às questões que estes lhe tinham enviado através dele. O primeiro assunto diz respeito ao contrato que fizeram com o infante sobre lhe pagarem o quarto do açúcar, quando antigamente era o quinto e que isto lhes traz agravo; manda o infante que os seus

367 Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 10, pp. 32-33. 368 Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 11, pp. 34-35. 369 Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 12, pp. 35-36. 370 Ao contrário do que fora no primeiro regimento de 1461, onde tudo que se relacionasse com o pão e o trigo ocupou um lugar prevalecente. 135 almoxarifes recebam aquilo que lhe pertence. Segue-se, o pedido destas pessoas para carregarem as suas novidades para fora do reino e para não lhes levar qualquer direito, a não ser do que trouxerem de regresso porque tal era bom serviço para o infante e o enriqueceria; decide o infante, tendo em conta que o seu predecessor o infante D. Henrique que tinha tão boa experiência em todas as coisas e que sempre nelas acertava, não mudar, em nada, o que este tinha estipulado. Queixam-se, a seguir, dos grandes trabalhos exigidos pela produção de açúcar, que os mancebos se vão embora e também pela redízima e os que ficam querem levar tam grandes soldadas que amtes os leyxam por nam tirarem per roll do serviço que lhes fazem emcarregamdo mais em negros lhes pode viir algum perigo E que me pidem por meçee que lhes releve; decide o infante que tudo se mantenha; objecta-se acerca da míngua da lenha e que os donos das terras a limpam através de queimadas; responde o infante, que limpem as terras doutra forma, sem ser com fogo. De seguida pedem-lhe que suprima o ofício de distribuidor, que para nada serve e só traz encargo para o povo; responde o infante que não há-de tirar, mas aquele que o quiser ter, ele ordena, que não leve dinheiro algum ao povo. Sobre o selo: que seja como nos outros concelhos do resto do reino. De seguida pedem-lhe que lhes perdoe a dízima sobre o trigo que for de fora e manda vender o seu, o que o infante lhe faz mercê. Pede-se ainda ao infante que os proveja de missas pelo vigário, que afirma que não é obrigado a celebrar missas a não ser ao domingo e ocasião de festas; responde o infante que não é costume no reino os vigários e priores dizerem missas para além dos domingos e dos dias de festa e que neste caso, o vigário tem a sua cargo as missas por alma do infante D. Henrique e que, ainda aqueles que quiserem mandar dizer missas que, o façam às suas custas. Pedem também ao infante que lhes faça mercê da dízima de algumas coisas que enviaram à Canária para provimento da sua casa e do retorno: carne, queijos e os escravos que foram em seu serviço; diz-lhes que não visa alterar o que o infante D. Henrique tinha ordenado. Segue-se o pedido de que mande melhor prover os lagares assim como para seu serviço, como para serviço do povo; responde o infante que tal é sua intenção e que tal vai mandar fazer. Existe a preocupação com a vigaria de Machico; responde o infante que lhe praz que qualquer homem pode desempenhar um cargo, se for honesto, de boa vida e se for frade que tenha licença do seu maior e

136 autoridade do vigário de Machico para cantar. Pede-se que não haja procuradores, algo que o infante responde que não pretende mudar, até porque eles lhe tinham pedido que ele lhos desse, como relembra. Segue-se um pedido de isenção da dízima, a qual são obrigados a pagar pelo privilégio; responde o infante que já falou nisso ao rei, mas ainda não parece estar resolvido. Por fim refere-se problema entre os juízes ordinários e os capitães e de quem ouve os feitos, que são os juízes e não os capitães, aos quais ficam reservados as apelações e agravos e que não devem soltar nenhum preso que os juízes prenderam, apenas quando for por apelação. O problema aqui era o povo sentir-se agravado pelos capitães, aos quais o infante responde que lhe mandem que lhe enviem carta quando isso acontecer, que este se entenderá directamente com o capitão371. Dentro daquilo que se mantém relativamente ao regimento de 1461, continua o infante a querer melhor controlar e diminuir os poderes dos capitães, no que a aspectos económicos diz respeito, mas igualmente em matéria de justiça e, como explica Joel Serrão, o fortalecimento da organização concelhia implicava necessariamente o enfraquecimento do poder do capitão donatário372. Percebe-se também que o açúcar era a grande fonte de preocupação do duque que já tinha conseguido impor valores exorbitantes relativos ao mel e ao açúcar. Os açucareiros pediam-lhe ainda que os aliviasse na exportação do produto para fora do reino, ao qual se recusava alegando a continuidade daquilo que tinham sido as decisões do infante D. Henrique. Recusará também prejudicar os mercadores e ao mesmo tempo não elimina a dízima dos bens que foram enviados para as Canárias. A documentação dá conta que o ano de 1469 foi importante para os supracitados projectos de monopólio do açúcar do infante, sendo talvez dos actos coloniais mais importantes de D. Fernando para tentar impor, sem sucesso, o monopólio. Apercebendo-se o infante do desfallecimento que se seguirá pela baixa do açúcar, cujo preço está baixo em todo o lado e tentando arranjar uma solução, antes que os inconvenientes surjam, propõe que os mercadores pudessem fazer algum trato em Bruges. Refere que falou com pessoas, que o fizeram entender que o açúcar ainda é

371 Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 13, pp. 36-40. 372 SERRÃO, 1992, p. 40. 137 mercadoria devassa, que vai para a Flandres através de marinheiros e outros homens que não o vendem pelo preço que o valorizaria. Tenta arranjar um conserto com os mercadores de Lisboa para fixar o seu preço e assegurar o seu monopólio da venda na Flandres, que seja de proveito para todos, nomeadamente os fidalgos, cavaleiros e escudeiros da ilha, que veriam concertados os preços e as condições justas da venda do seu açúcar373. O que significa esta hipótese colocada por D. Fernando. Na verdade, o aumento da produção que se fazia sentir nesta época fazia, inevitavelmente, com que os preços já não fossem tão apetecíveis para este. Pretendia, o infante, salvaguardar os seus direitos senhoriais, mas fazer com que os negócios prosseguissem e fossem executados por mercadores em seu nome. Daí que este refira os mercadores de Lisboa que lhe compram o produto e com eles se aconselhe para solucionar o problema dos preços. Como explica Joel Serrão existe uma competição entre os preços do açúcar dos madeirenses e os do infante374. Este, que não estava a receber os valores que quereria pela descida dos preços, queria que os madeirenses se tornassem apenas produtores e não mais comerciantes. Então pretenderia que os açúcares fossem vendidos da mesma forma e sem qualquer disparidade nas transações. Por isso falara com os mercadores que lho compravam e que com ele concordaram que deveria ‘unir os dois açúcares’ e assim atingir um monopólio. É este último aspecto que está em causa nesta carta fernandina. A respectiva resposta dos fidalgos, cavaleiros, escudeiros e povo da ilha da Madeira é negativa. Referem, depois de escutarem o que foi proposto pelo infante, que acham que este não devia aceitar tal partido e enunciam as razões pelas quais isto não era proveito para o infante: em primeiro lugar porque é desvantajoso fazerem trato com um só mercador, até porque todos os meses e semanas circulam na ilha outros mercadores e mercadorias, os quais compram açúcar; porque seria uma sujeição comprar e vender a um só mercador, quando há tantos para negociar e que a rua dos mercadores, junto do mar, está povoada daqueles que fazem trato do açúcar375. Não aceitaram porque havia tantos mercadores que ainda seria possível conseguir bons preços (por vezes até quase

373 Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 45, pp. 65-66. Publicado também em: Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 17, pp. 45-47. 374 SERRÃO, 1992, p. 44. 375 Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 48, pp. 67-68. Publicado também em: Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 18, pp. 47-49. 138

1000 r., quando os valores andavam entre os 650 e 800 r; o que aconteceria à prosperidade comercial e económica do Funchal se esses mercadores se fossem embora? A verdade é que D. Fernando não levaria a melhor, desta vez, e tudo se manteve. Em 1470 respondia o infante a estas disposições ao povo e procuradores da Madeira na sequência da referida carta, informando que tem recebido informação de feitores da Flandres e outros homens. Refere que tem outras maneiras de fazer o abate do preço e que todas as ordenanças e posturas devem passar pela sua autorização, nomeadamente no que toca ao carregamento de meles. Muito menos, neste assunto, poderiam os povos e vassalos do duque tomar medidas sem o seu conhecimento e confirmação, uma vez que este assunto tanto lhe interessava e a ele estava ligado. No entanto, estes parecem ter agido sem a sua outorga, não tendo a informação de que baixariam os preços do açúcar e o valor dos meles. De seguida explica o que causou a baixa dos açúcares: a muita multiplicação deles, andarem em muitas mãos, serem vendidos a muitos preços; e que o remédio seria haver apenas uma mão e este ser vendido por apenas um feitor, que por o infante foi apontado. Quanto aos meles, explica que o seu preço não desceu pelo míngua do mel da abelha, uma vez que em lugar dele se gastam açúcares376. Continuava o infante a insistir em controlar sozinho os negócios do açúcar e que a culpa dos preços estarem em tão má situação se deveria ao facto de haver tantos comerciantes a transacioná-lo. No entanto, a documentação fernandina para o governo da Madeira não se cinge ao assunto sacarino. Esta aborda ainda outros temas como a nomeação e o controlo do desempenho dos ofícios os usos e usufrutos das águas, dos engenhos, as construções que devem ser feitas, as questões religiosas, económicas e de monopólios que o infante doara ao capitão, bem como aspectos ligados à justiça e de jurisdição377. Como explicou

376 Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 23, pp. 52-53. 377 Destacamos apenas alguns desses documentos, uma vez que a lista é longa. Em Julho de 1470, D. Fernando escrevia ao seu capitão na ilha da Madeira na parte do Funchal, João Gonçalves da Câmara, e aos juízes e oficiais homens bons, como resposta dada a apontamentos que lhe foram feitos por Gonçalo Eanes de Velosa, seu escudeiro e procurador. O problema consistia nos tabeliães que escolhiam e punham escrivães nos seus ofícios, o que tal não podiam fazer. Pedem ao infante que resolva este problema e este concorda em não conceder mais alvarás aos tabeliães, ordenando ao capitão e juízes que, a partir desse momento, que estes ponham pessoas que estejam habilitadas a desempenhar o cargo. Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 24 pp. 53-54. 139

Charles Verlinden378, o governo do infante D. Fernando foi essencial para o desenvolvimento da cultura do açúcar na Madeira e no que à sua comercialização para o exterior disse respeito (a Europa). Peter Russel escreveu que houve um conjunto de ilhas atlânticas a ser descoberto já na última década de vida do infante D. Henrique por navegadores que partiam para a Guiné. Estamos a referir-nos a Cabo Verde, cujas ilhas foram do infante D. Fernando. Não seria feito qualquer esforço para as colonizar em vida de D. Henrique379. Assim, seria o seu filho aquele que se encarregaria de as povoar, acção que deverá ter começado a desenvolver desde 1462380. Rapidamente a Ilha de Santiago, cujos

O infante escreve ao capitão do Funchal, João Gonçalves da Câmara, avisando que o procurador dos homens bons e do povo, Gonçalo Anes Velosa, que lhe fez apontamentos sobre o Funchal enquanto vila. Isto é, que o Funchal, enquanto vila, devia ter determinados estruturas, como casa para a câmara, um curral do concelho, para se acomodarem as bestas e o gado. Pedia o procurador que o infante autorizasse porque estas coisas eram necessárias e porque se este se envolvesse estas construções teriam fim. O infante parece aceitar que as coisas sejam terminadas, se disso os habitantes se encarregarem. Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 25, pp. 54- 55. Em 1461, D. Fernando escreve aos seus juízes e oficiais na ilha da Madeira e ao capitão da ilha, João Gonçalves a informar que a ele foi mostrada uma carta, onde se inscreviam agravos feitos aos sapateiros do Funchal. Refere o infante que, depois de tudo examinado, anualmente se acorde com os ditos sapateiros que estes ganhem o terço dos ganhos, segundo o costume de Tomar e de Santarém; e se venderem os sapatos por maior preço que os percam; que um vedor verifique se os sapateiros cumprem as regras. Por fim, salva os sapateiros das penas que lhe são impostas. Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 74, pp. 111-112. D. Fernando dirige-se ao seu capitão João Gonçalves da Câmara, aos juízes, vereadores, procurador e homens bons, a informar que fora avisado dos agravos dos sapateiros, barbeiros, alfaiates, ferreiros e outros oficiais. Estes queixavam-se que os acima os constrangiam que fizessem taxa e que lhe mostram estormentos públicos e em como também o infante lhes mandara uma carta como anualmente, se corte com os sapateiros e tirados todos os custos, lhe seja dado o terço do ganho, segundo o costume de Santarém e Tomar. Manda o infante que a sua carta seja guardada e cumprido o seu conteúdo e que não se introduzam novidades nomeadamente relacionadas com as taxas de Lisboa, porque não é geral no reino, nem se faz noutro lugar. Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal – Arquivo Histórico da Madeira, I, doc. 74, pp. 112. 378 VERLINDEN, 1989, pp. 53-63. 379 RUSSELL, 2016, p. 118. 380 Por este documento de 1466, ficamos a saber que D. Afonso concedeu privilégios aos moradores da ilha da Santiago, que o infante D. Fernando começara a povoar havia quatro anos, que por ser muito longe de Portugal, ninguém queria ir para lá viver a não ser com grandes liberdades e franquezas. Assim pediu o infante D. Fernando ao rei, seu irmão, essas liberdades. Outorga o rei: a alçado do cível e do crime sobre os mouros, brancos e negros e todas as suas gerações que estejam na ilha e sejam cristãos; permite que os moradores da ilha possam com navios tratar nas partes da Guiné, ressalvando a zona de Arguim; que sejam isentos de pagarem dízimas sobre as mercadorias que houver nas ilhas, ou que colham nas suas herdades e propriedades e de coisas que comprem ou escambem nas Canárias, Madeira, Açores e Porto Santo e em todas as ilhas no oceano que sejam de Portugal. As Gavetas da Torre do Tombo, XI (gav. XX, maços, 8-15). Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos da Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1975, pp. 32-34. Tais privilégios parecem vir a ser confirmados por carta de declaração e 140 habitantes recebiam os mesmos privilégios de outros colonos das ilhas portuguesas a pedido do infante D. Fernando em 1466, se tornaria num privilegiado e próspero empório marítimo e escala para o comércio da Alta Guiné em geral e do comércio de escravos em particular381. A verdade é que Portugal não descuraria este Arquipélago, pela sua óptima posição estratégica relativa ao estreitar de laços comerciais e de exploração da costa ocidental, como então se levava a cabo. Assim, a investida do infante D. Fernando torna-se mais clara, pela riqueza da região e os lucros que daí lhe poderiam advir. O povoamento ordenado pelo infante começa logo em 1462, quando envia o seu escudeiro Diogo Afonso para reconhecer as dez ilhas, sendo acompanhado dos primeiros colonos num interesse claramente comercial, no que respeita à zona sul do Bojador382. Abriam-se fortes vantagens para quem fosse viver para Santiago, nomeadamente a possibilidade de estabelecer trato comercial com a Guiné, com excepção de Arguim, que era domínio da Coroa383. Como em todas as ilhas desta altura, também este arquipélago sentiu a necessidade de, ao ser povoado, lhe concedido um modelo de administração. Neste caso, uma administração senhorial uma vez que era pertença da Casa de Viseu-Beja, tal como o eram os Açores e a Madeira, confirmada pela doação de 1462 de Cabo Verde ao infante: no início do documento, D. Afonso V relembra uma carta que lhe foi mostrada pelo infante D. Fernando, em 1457, onde este lhe fazia doação a si e aos seus herdeiros, de todas as ilhas que fossem encontradas, com a jurisdição cível e crime, à excepção das alçadas de morte e talhamento de membro. Entretanto foram descobertas 12 ilhas, como se diz: cinco por António de Noli (ilha de Santiago, S. Filipe, das Mayas, S. Cristóvão, e ilha do Sal- que são na Guiné e ainda em tempo de D. Henrique) e mais sete achadas por D. Fernando: ilha Brava, ilha de S. Nicolau, ilha de S. Vicente, ilha Rasa, ilha Branca, ilha de Santa Luzia, e a ilha de S. Antão, que são em Cabo Verde. Concede-se agora o último grupo de ilhas ao infante D. Fernando, que já foram descobertas entre 3 limitação de D. Afonso V, em 8 de Fevereiro de 1472, já o infante tinha falecido. Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 81, pp. 107- 109. 381 RUSSELL, 2016, p. 118. 382 TEIXEIRA, André – O Arquipélago de Cabo Verde. In SERRÃO, Joel, MARQUES, A.H.de Oliveira (dir.) – Nova História de Expansão Portuguesa: A colonização Atlântica. Lisboa: Editorial Estampa, 2005, tomo II, p. 14. 383 As Gavetas... XI (gav. XX, maços, 8-15), pp. 32-34. 141 de Dezembro de 1460 e 19 de Setembro de 1462384, já em tempos exclusivos de D. Fernando. Estas ilhas mais recentes foram: Brava, S. Nicolau, ilhéus Raso e Branco, Sta. Luzia e Santo Antão. Doação que também foi feita para os seus descendentes, com o seu senhorio, povoamento e o livre usufruto dos rios, ancorações, madeiras, pescarias, coral, tintas, aviveiros, vieiros, peçoos e com todos outros direitos como jurisdição cível e crime, reservando o rei para si as alçadas criminais de morte e talhamento, e que possa também colocar foros, tributos e direitos como bem quiser. Mercê que foi feita sem embargo da lei mental, de outras leis e ordenações. A carta dá conta das amplas propriedades e poderes conferidos a D. Fernando e aos posteriores administradores da Casa de Viseu-Beja: a nível jurisdicional, jurídico (com a salvaguardas das alçadas régias), económico e fiscal, podendo criar e aplicar o duque os foros, direitos e tributos que quiser. D Fernando engrossava ainda mais o seu já imenso património. Os inícios do povoamento trouxeram consigo também a construção dos primeiros edifícios, entre os quais a igreja do Espírito Santo na Ribeira Grande que teria sido mandada construir pelo infante, entre 1466 e 1470385. Damo-nos ainda conta de que se terão gerado grandes fortunas pelas doações e mercês que o infante terá feito a esses primeiros colonos que muito enriqueceram por serem senhores de ricas terras da ilha386, bem como os tratos económicos e comercias que estabelecera durante o seu governo387. Relativamente ao arquipélago de Cabo Verde foi o infante capaz de acabar de descobrir novas ilhas, como vimos, e criar condições para o desenvolvimento económico, ancorado no tráfico de escravos, na exploração do coral e no comércio de

384 MH, vol. XIV, doc. 86, pp. 225-227. Publicado também em: Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 22, pp. 33-34. 385 TEIXEIRA, 2005, p. 205. 386 MATOS, Artur Teodoro – O Mundo Insular Atlântico. In SERRÃO, Joel, MARQUES, A.H.de Oliveira (dir.) – Nova História de Expansão Portuguesa: A colonização Atlântica. Lisboa: Editorial Estampa, 2005, tomo II, p. 477. 387 Por uma carta de Setembro de 1469, ficamos a saber do trato que o infante D. Fernando fizera da urzela das suas ilhas de Cabo Verde com os mercadores João de Lugo e Pedro de Lugo, mercadores castelhanos e moradores em Sevilha, com a condição de levarem a urzela em navios de Castela. Estes, com receio e medo de represálias, pediram um salvo seguro ao rei de Portugal, que lho concede. Assim podem circular de forma segura em portos, rios, águas, ancorações, sem qualquer tipo de represália, embargo ou retenção. Descobrimentos Portugueses, vol. III, doc. 49, pp. 69-70. 142 plantas tintureiras. Conseguiu tudo isto através da obtenção dos privilégios do trato da Guiné e da redução de direitos junto do rei388. As ligações ao mar do infante D. Fernando não convergiram apenas nas suas ambições atlânticas e no governo dos arquipélagos que lhe pertenciam, uma vez que manteve frota no Mediterrâneo e com ela procedeu a saques. Estamos a referir-nos àquele que ocorreu sobre a caravela Santa Maria do valenciano Daniel Valleriola, em 1462389. Numa acção de corso, a caravela foi capturada e os seus homens presos, causando um enorme prejuízo a todos os mercadores envolvidos neste negócio, quando iam comerciar ao Norte de África, a Honein e a Orão. A partir de 1464 iniciar-se-á um processo pela indemnização destes homens, pelos danos causados pela frota do infante, e que nunca virá a ser resolvido. Na verdade, logo após o assédio à caravela, o infante D. Fernando e o rei são alvo de cartas e missivas com vista a resolver o problema. A primeira data de uma semana depois do incidente, e nela pretenderam os valencianos informar o infante D. Fernando do tinha sucedido.390 Não são conhecidas quaisquer respostas do rei e do irmão. Outras cartas se seguiram praticamente iguais em termos de conteúdo. Uma é importante no sentido em que é dirigida ao secretário do infante D. Fernando e na qual as autoridades valencianas lhe agradecem os esforços que fez na recuperação da caravela assaltada391. O prejuízo do corso causado pela frota do infante aos valencianos converteu-se na necessidade de impor tributos especiais aos mercadores estrangeiros, algo muito em voga nos reinos medievais.392 Apesar de ser temporário, o Dret dos portugueses tornou- se definitivo e estendeu-se ao século XVI, numa extensa área de implementação e

388 BETHENCOURT, Francisco – Configurações do Império. In BETHENCOURT, Francisco, CHAUDHURI, Kirti (dir.) – História da Expansão Portuguesa: a formação do império (1415-1570). Navarra, Círculo de Leitores, 1998, p. 346. 389 Sobre o Dret dos Portugueses seguimos os seguintes artigos: DÍAS BORRÁS, Andrés; TRENCHIS ÒDENA, José – El Fracasso de la Expansión Portuguesa em el Mediterráneo a través de la documentación valenciana: 1450-1500. Estudis Castellonencs. Castellón: Diputación de Castelló. Nº 4 (1987/88) 377-440; MONTALVO, José Hinojosa – Intercambios Comerciales entre Portugal y Valencia a fines del siglo XV: El “Dret Portogues”. Actas das II Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval. Porto: Instituto de Investigação Científica, 1987. pp. 759-779. 390 DÍAS BORRÁS, TRENCHIS ÒDENA, 1987, p. 413. 391 DÍAS BORRÁS, TRENCHIS ÒDENA, 1987, p. 417. 392 MONTALVO, 1987, p. 763. 143 prejudicou as relações comerciais entre Portugal e Valência. Era assim uma represália contra os comerciantes portugueses. Mais do que um novo imposto que se incorporava na fiscalidade de Valência, o Dret dos portugueses ilustra bem aqueles que eram os produtos e os locais envolvidos neste comércio dos dois espaços, sendo que a prova de que os portugueses nunca indemnizaram os valencianos dos danos económicos causados, reside nas cartas que se prolongam até, pelo menos 1503 e que vão identificando os locais onde esse direito deveria ser ou continuar a ser aplicado. Desde pelo menos 1452 que embarcações do infante circulam pelos mares. A primeira notícia que temos data precisamente desse ano, quando D. Afonso V se dirige ao almoxarife da alfândega de Lisboa, Álvaro Borges, ordenando o pagamento, ao infante D. Fernando, de uma coroa por cada tonelada que levar sob a coberta da sua nau, que acabara de chegar da Flandres. Pagamento que era feito pela dízima da carga da referida nau e, se fosse insuficiente, também pela dízima da primeira viagem que fizer.393 Em 1459, nos capítulos da cidade do Porto, apresentados nas cortes de Lisboa, é referida a nau do infante D. Fernando e as suas trocas com a Flandres, que para lá, nos parece que, carregava barris de mel.394 São ainda muitas as referências à galiota do infante D. Fernando em cartas de perdão, para onde vários foram condenados a trabalhar por D. Afonso V. Em 1455 temos notícias de que esta já se perdera395 e no ano anterior temos referência a uma fusta do infante. 396 Seria ainda proprietário de uma caravela. 397 Pouco sabemos sobre estas embarcações, uma vez que a documentação é escassa e a que existe não nos fornece grandes pormenores acerca do que transportavam, por onde circulavam e para onde se dirigiam (à excepção da Flandres, que surge aqui destacada). Este problema é tanto mais notório quando nos debruçamos sobre a política dos descobrimentos após 1460, uma vez que existe um suposto

393 Descobrimentos Portugueses, vol. I, doc. 392, pp. 491-492. 394 Descobrimentos Portugueses, vol. I, doc. 1195, pp. 580-581. 395 MH, vol. XII, doc. 55, 1971, pp. 108-109. / Documentos das Chancelarias Reais anteriores a 1531, relativos a Marrocos, tomo II, doc. CCLVII, 1934, pp. 267-268. 396Documentos das Chancelarias Reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos, tomo II, doc. CXCVII, 1934, pp. 203-204. 397 MH, vol. XIII, doc. 121, 1972. pp. -192-193. 144 enfraquecimento desta, sob a liderança do infante. Talvez tal tenha sucedido com a direcção das descobertas na mão do infante, a quem esta coube com a morte de D. Henrique. Nada se sabe sobre esta fase no que ao prosseguimento da exploração e descobrimento fernandinos diz respeito398 São muito importantes estas afirmações de Oliveira Marques, dado que vêm confirmar parte das nossas interpretações: a predominância em D. Fernando de prosseguir com conquistas Marroquinas, no decorrer da década de 1460, e de controlar e governar as ilhas atlânticas. Ambições que encontramos no infante e que são muito mais acentuadas do que, provavelmente, a continuação da progressão pela costa africana, que se fazia nesta altura. Tal poderá ajudar a explicar a ausência destas referências na documentação e o sugerido por Oliveira Marques e também por Joel Serrão399.

398 MARQUES, 1998, p. 83. 399 SERRÃO, 1992, p. 47. 145

Capítulo 8 – D. Fernando, governador e administrador das Ordens Religioso-Militares de Santiago (1444-1470) e de Cristo (1461-1470)

Ficou já referido neste texto que o Infante D. Fernando recebe, em momentos diferentes da sua vida, a responsabilidade do governo das Ordens de Santiago e de Cristo, um aspecto que tentaremos abordar nas próximas páginas. Não nos será possível apresentar um estudo detalhado sobre a sua acção mas, ainda assim, estamos em crer que valerá a pena reflectir em torno desta faceta, porventura a mais desconhecida400, o que encontra a sua melhor explicação na dificuldade de identificação da documentação disponível. Ela é, de facto, diminuta401. Outras ajudas, de diferente proveniência foram fundamentais; basta pensar na cronologia que sustenta a sua passagem pela Ordem de Santiago (a que D. Fernando recebe mais precocemente) para se perceber o inegável valor do trabalho de Luís Filipe Oliveira (que, no entanto, termina a sua investigação em 1449) ou de Isabel Morgado Silva (que estuda a Ordem de Cristo entre 1417-1521, a segunda que o Infante recebe)402. Relembrando, ainda, obras de carácter mais específico - por exemplo, dedicadas ao estudo de uma das comendas de Ordem - socorremo-nos de alguns títulos, com destaque para o trabalho de Maria Teresa Lopes Pereira sobre a comenda de

400 Vd. o que se escreveu no Capítulo da Bibliografia Crítica e onde fica claro que, no que se refere às duas Ordens Militares, a dedicação dos historiadores mais comprometidos com a matéria não foi muito além de breves referências circunstanciais. 401 Os fundos específicos de documentação sobre estas duas Ordens Militares estão referidos no elenco das Fontes. No entanto, gostaríamos de explicar que o critério que presidiu à sua escolha foi unicamente o critério cronológico, isto é, com base no inventário Mesa da Consciência e Ordens (ed. Farinha; Jara, 1997) foi consultada a documentação cujas balizas temporais estavam definidas no referido inventário, relacionadas com o tempo de governo do Infante em Santiago (1444-1470) e em Cristo (1461-1470). Na verdade e apesar de não muito abundante, os documentos encontrados constituem um núcleo esclarecedor de algumas das prerrogativas deste administrador e cumpriram o seu propósito de nos ajudar a identificar a linha de conduta que manteve o Infante à frente das referidas Ordens Militares. Uma palavra, ainda, para os fundos gerais, com destaque para a Chancelaria de D. Afonso V e a Leitura Nova (Mestrados), dois fundos que, por razões diferentes nos foi possível consultar. 402 OLIVEIRA, 2009, SILVA, 2002. 146

Alcácer do Sal. Também esta autora reconhece a parcimónia da documentação entre 1444-1470, tal como se pode ler no seu livro Alcácer do Sal na Idade Média403. Certamente que com estas limitações, de igual forma impostas pelo tempo disponível para a realização desta dissertação, nunca nos será possível apresentar um quadro detalhado que caracterize a acção deste Infante no governo de ambas as Ordens; tão-somente, alguns exemplos dela ilustrativos. Se esse fosse o nosso objectivo, tal implicaria uma investigação, quer ao nível das fontes, quer ao nível da imensa bibliografia existente, que poderá ser unicamente considerada numa outra oportunidade. Se o pudéssemos ter feito, é óbvio que não se estranharia a presença tutelar do Infante no quadro da resolução de problemas colocados pelas instituições, da mais variada índole, como transparece no caso de outros períodos já estudados404. Com efeito, e no caso da Ordem de Santiago importa começar por lembrar que os primeiros documentos de que há notícia datam do ano de 1444, e são anteriores ao recebimento da Bula que nomeia o Infante para a dignidade405. Dada a idade de D. Fernando, será o Rei (através do Regente D. Pedro) quem mantém a gestão quotidiana. Exemplos importantes desta década de 40 são a já mencionada doação que a coroa faz a Fernão Martins Mascarenhas, comendador-mor de Santiago e conselheiro régio, pelos serviços prestados, uma vez que este ocupava o lugar de regedor da ordem, enquanto D. Fernando não atingisse a idade perfeita, para além de ser comendador de Mouguelas e da Roliça (na comarca de Óbidos) 406 ou as cartas de nomeação do comendador de Sesimbra, João Fogaça, uma localidade vaga pela renúncia de Diogo Mendes de Vasconcelos ou Diogo Pereira, o moço, comendador de Arrábida, que recebe a comenda de Samora Correia407. No mesmo mês, também Vasco Gomes de Parada, comendador da Chouparia, recebe confirmação da doação enquanto prouver ao infante D. Fernando,

403 PEREIRA, Maria Teresa Lopes - Alcácer do Sal na Idade Média. Lisboa: Edições Colibri, 2000, pp. 20-22. 404 Cfr. a relação apresentada por OLIVEIRA; FONSECA; PIMENTA, COSTA, 2011, pp. 440-457. 405 OLIVEIRA, 2009, pp. 283-285. 406 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 24, fl. 32 de 8 de Fevereiro de 1444. O monarca, refere que D. Fernando ainda não está “… em hidade de a Reger…” De facto, a idade mínima para se receber o hábito consta dos Estabelecimentos ordenados pelo mestre D. Henrique de Aragão em 1440 e prevê os 14 anos feitos. Publicado BARBOSA, p. 141 e 174. 407 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 24, fl. 40-40v, de 20 de Fevereiro de 1444 e Chancelaria de D. Afonso V, liv. 24, fl. 25v de 28 de Fevereiro do mesmo ano, respetivamente. Cfr. OLIVEIRA, 2009, pp.421-422. 147 governador da Ordem de Santiago, de todas as rendas e direitos que a ordem tem nas estalagens de Coimbra e nos Casais da Nogueira do Ramo, termo da Feira408. Deste mesmo ano, a chancelaria informa, ainda, a existência de uma série de cartas pelas quais o monarca, em nome do Infante D. Fernando, confirma ofícios de tabeliães409 ou privilegia homens da Ordem, como acontece com Vicente Eanes Camarinha almoxarife da comenda de Ferreira, isento do pagamento de pedidos régios, pelos serviços prestados ao infante D. João, anterior administrador da Ordem410, entre outros. Luís Filipe Oliveira que já tinha identificado estes primeiros momentos da vida do Infante na Ordem de Santiago411, escreve o seguinte sobre a evolução dos anos subsequentes: O infante só assumiria o governo da milícia depois de casar com a sua prima, Beatriz, em 1447, no ano em que completava 14 anos. A união ajustara-se em 1445, o mais tardar, e rendia-lhe, aliás, uma legitimidade acrescida, pois, além de sucessor no mestrado, passava a ser genro e herdeiro do seu tio, o infante João. A partir daquele ano, multiplicam-se, de facto, as notícias do infante à frente da milícia412. Não se estranha, pois, que a 23 de Novembro de 1450, o Infante D. Fernando receba uma carta de confirmação dos privilégios para a Ordem que dirigia, carta essaque confirma o teor de uma outra concedida por D. João I ao Mestre Mem Rodrigues de Vasconcelos em 26 de Novembro de 1403, na sequência de uma queixa deste face ao comportamento dos corregedores, juízes e justiças nas terras da Ordem413. Este exemplo

408 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 24, fl. 15. Estes rendimentos, certamente muito compensadores, acabam por justificar uma carta posterior pela qual, em 6 de Agosto de 1460, o Comendador da Chouparia e cavaleiro da casa do Infante D. Fernando, Afonso Gonçalves, arrenda os frutos da sua comenda a João Afonso, pelo valor de 4.300 reais a pagar pelo Natal, com reserva do rendimento da estalagem para si próprio. (TT, Ordem de Santiago, Documentos Particulares, maço 3, doc. 2). 409 A 3 de Fevereiro de 1444, D. Afonso V confirma nomeação de João Esteves enquanto tabelião geral da Ordem de Santiago. (Chancelaria de D. Afonso V, liv. 24, fl. 43v) e a 24 do mesmo mês, confirma a nomeação de Diogo Álvares, criado do comendador mor de Santiago, para o cargo de tabelião do cível e crime na Messejana (TT, Chancelaria de D. Afonso V, liv 24, fl. 22). 410 Carta de 18 de Março de 1444 (Chancelaria de D. Afonso V, liv. 24, fl. 50v). 411 OLIVEIRA, 2009, pp. 283-285. 412 OLIVEIRA, 2009, pp. 284-285Ainda assim, é relevante que a 2 de Outubro de 1447, em Coimbra, na rua da Calçada, Vasco Gomes de Parada, comendador de Podentes e da Chouparia apresente uma procuração datada de 1425 que lhe havia outorgado o Infante D. João (anterior governador da Ordem) para poder aforar uma vinha e um olival a Gil Peres (TT, Ordem de Santiago, Documentos Particulares, maço 2, doc. 35). 413 TT, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 34, fl. 181; TT, Leitura Nova, Mestrados, 195v-196v. 148 ajuda a perceber a importância do relacionamento entre as ordens e os demais poderes à sua volta e justifica o interesse da instituição numa avaliação detalhada do seu património. Percebe-se, sem dificuldade que D. Fernando tenha enviado visitadores às comendas da Ordem, nomeadamente, em 1458 (a Samora Correia414) ou, mais tarde, ao Mosteiro de Santos415 (já em 1461). Para cumprir tal tarefa foi destacado Frei Rodrigo Amado, Prior-Mor da Ordem, que as conduziu. Apesar de serem ainda muito escassas as menções a este tipo de acção nas terras da Ordem em meados do século XV, é bem conhecido que o modelo “visitação” será amplamente utilizado nos tempos subsequentes416. Ainda nessa década de 60, pode referir-se que, por via de Fernão Pereira, fidalgo da casa do Infante D. Fernando, é dado conhecimento a António Vaz, juiz ordinário em Setúbal e ao tabelião Diogo Álvares, de uma carta do governador, de 23 de Novembro de 1462 pela qual se faz saber ao concelho de Aljezur que os cavaleiros e comendadores da Ordem tinham privilégios do Papa, do Rei e do próprio Infante, pelos quais, nas terras de Santiago, não se podia ordenar nenhuma postura, costume novo e taxa, sem o comendador do lugar ser chamado à vereação417. Também Alcácer do Sal, convento sede da Ordem nestas cronologias e pertença da Mesa Mestral da Ordem desde tempos imemoriais418, se apresenta com elevada importância para o Governador, tal como, em sede própria, já estudou Maria Teresa

414 OLIVEIRA, Luís Filipe, Em demanda das Visitações da ordem de Santiago. As actas anteriores a 1468. In As ordens militares e as ordens de cavalaria na construção do mundo ocidental. Palmela, coord. Isabel Cristina F. Fernandes, Lisboa: Ed. Colibri/Câmara Municipal de Palmela, 2005, pp. 524-525. Este autor publica a visitação a Samora Correia no citado estudo, pp. 531-535. 415 MATA, Joel Silva Ferreira – A Comunidade Feminina da Ordem de Santiago: A Comenda de Santos na Idade Média. Porto, Faculdade de Letras (ed. pol.), 1991, p. 106. Este autor informa que, na ocasião, a comendadeira de Santos era D. Beatriz de Meneses, a qual, por ocasião da visita, faz instruir uma avença e transacção entre o Mosteiro e Maria Rodrigues, sacristã, em razão de um furto, por esta praticado. 416 Nomeadamente durante o século XVI. Cfr. PIMENTA, 2001, pp. 20-23, Quadro nº2. Para uma visão geral da importância destes momentos na orgânica interna das Ordens Militares, veja-se COSTA, Paula Pinto, As visitações: As Ordens Militares Portuguesas entre poderes? In As Ordens Militares. Freires, Guerreiros, Cavaleiros, coord. Isabel Cristina F. Fernandes, vol. 1, Palmela: GEsOS/Município de Palmela, 2012, pp. 407-428 e demais bibliografia aí citada. 417 TT, OS/CP, Livro 272, fl. 211-211v. Publicado Livro dos Copos, doc. 244, 2006, pp. 431-432. 418 Pelo menos, desde 1327. Cfr. Establecimentos de D. Pedro Escacho de 26 de Maio de 1327, TT., Ordem de Santiago, Códice nº 141, fl. 1-13v (publicada por BARBOSA, pp. 231-235), e Ordem de Santiago, Códice nº 272, fl. 179-182, publicado Livro dos Copos, pp. 371-377. 149

Lopes Pereira419. O poder régio terá em linha de conta o significado dos rendimentos de Alcácer para a chefia da Ordem e, assim, por cartas420 de 5 de Março de 1445 e de 13 de Março de 1453, fica determinado que os Comendadores deveriam prover ao pagamento da colheita pela passagem da Ribeira do Roxo (entre Beja e Santiago do Cacém), em benefício do Infante D. Fernando, seu governador. Outros assuntos, não de menor interesse, foram identificados num conjunto de cartas relativas à Igreja de Santa Maria dos Mártires421 e, assim, para o conjunto da comenda, salientamos o documento de 31 de Janeiro de 1463 pelo qual Pero Gil422, mandatado pelo Infante D. Fernando, solicita ao seu ouvidor, Nuno Afonso, a outorga de todas as escrituras relativas à referida Igreja423. Não se admira, pois, que nos apareça uma carta de 30 de Novembro do mesmo ano424, pelo qual Gonçalo de Avis425, escudeiro e almoxarife do infante D. Fernando e João Martins, escrivão do almoxarifado de Alcácer do Sal, investem o mesmo Pedro Gil, bacharel, na posse da igreja de Santa Maria dos Mártires para dela ser perpétuo administrador. O interesse pela localidade é, ainda, ressaltado, por carta do Infante D. Fernando de 16 de Janeiro de 1466, pela qual os moradores do castelo, recebem escusa de aposentadoria (aplicava-se esta às casas de morada, adegas, cavalariças, roupa de cama,

419 PEREIRA, 2000 e PEREIRA, 2015, em especial. 420 TT, Leitura Nova, Mestrados, fl. 194v-195 e TT, Leitura Nova, Mestrados, 195v 421 PEREIRA, 2000, p. 156 e ss. PEREIRA, O Culto de Nossa Senhora dos Mártires em Alcácer do Sal, a Senhora da Cinta e as Cantigas de Santa Maria. Medievalista [Em linha]. Nº6, Julho de 2009. [Consultado 18.06.2019]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/ e O Santuário de Santa Maria dos Mártires de Alcácer do Sal (Séculos XIII a XVI). In Actas do V Encontro sobre Ordens Militares, ed. Isabel Cristina F. Fernandes, C. Municipal de Palmela/GEsOS, 2009, pp. 635-676. 422 PEREIRA, 2009, p. 676 balizou a sua acção entre 1462 e 1496. 423 TT, Ordem de Santiago, Documentos Particulares, maço 3, doc. 5. Com base nestes documentos que recebe, inicia uma sistemática gestão dos bens da Igreja, de que são exemplo vários diplomas: emprazamento de um pardieiro e chão, com data de 1 de Dezembro de 1462 (TT, Ordem de Santiago, Códice nº 357, fl. 10-11), emprazamento de um chão com oliveiras e figueiras a Bartolomeu Afonso, de 25 de Fevereiro de 1463 (TT, Ordem de Santiago, Documentos Particulares, maço 3, doc. 6), emprazamento de um olival, chãos e oliveiras a 1 de março de 1463 (TT, Ordem de Santiago, Códice nº 357, fl 8-8v), emprazamento de uma vinha e olival a Fernão Amado, de 7 de Março de 1463 (TT, Ordem de Santiago, Documentos Particulares, maço 3, doc. 7) ou emprazamento de uma vinha a Fernão Afonso, de 30 de Outubro de 1465 (TT, Ordem de Santiago, Documentos Particulares, maço 3, doc. 12), entre outros. Cfr. PEREIRA, 2015, pp. 320-336. 424 TT, Ordem de Santiago, Códice nº 357, fl.9v-10. O documento refere, alguns detalhes sobre o conteúdo da referida Igreja: onze livros, um caderno, vestimentas (mouriscas, de linho, umas compridas, outras velhas), mantos, toalhas lavradas com cruzes vermelhas, toalhas francesas, mantéis de linho, fronhas, frontais de pano mourisco e de linho. 425 Referido por PEREIRA, 2000, p. 174. 150 alfaias de casa, pão, vinho, cevada, palha, lenha, galinhas, gados, bestas de sela nem d’albarda), ao que acresce que não vão com presos, nem com dinheiros, nem sejam postos nem dados por besteiros do conto426. Atenção semelhante fica patente por carta de D. Afonso V de 10 de Julho de 1465427. Através dela sabemos que a comenda de Cacela se encontrava muito despovoada e que non avia hy outras casas senam o castello em que o Comendador morava. Para prover a esta situação e a pedido do Infante, o rei concede privilégios para 10 homens que aí quisessem morar e fazer casas, nomeadamente que não paguem fintas, talhas, peitas, serviços nem empréstimos, sejam régios ou concelhios, nem sejam postos por besteiros nem tenham cavalo nem armas. Importa notar que a carta refere expressamente que tais moradores não devem servir a Cepta nem a Alcacer. Para além do interesse manifestado perante tais acções do quotidiano da gestão corrente da Ordem de Santiago, importa, ainda, ressalvar o papel do Infante D. Fernando no processo de desvinculação da obediência da Ordem para com o ramo castelhano. Tal fica resolvido pela bula de 17 de Junho de 1452428, a instância do Infante D. Fernando, enquanto governador da Ordem de Santiago, que solicita ao papa Nicolau V as mesmas isenções, concessões e privilégios já na posse da homónima castelhana. Com este diploma, a Ordem em Portugal ficava isenta de toda a jurisdição, senhorio, poderio e visitação por parte do convento castelhano de Uclés, dependendo unicamente da Santa Sé, como explica Isabel Lago Barbosa429. Para enquadrar esta decisão, recorremos a palavras já escritas:

O contexto que envolve esta decisão papal, o qual colhe antecedentes importantes na solicitação ao Papa dos mestrados para os Infantes ou para familiares dos monarcas, não poderia fazer prever um cenário distinto: a Santa Sé, enquanto

426 Esta disposição foi, mais tarde, alvo de confirmação por parte de D. João II, já em 1486 (Chancelaria de D. João II, liv. 8, fl. 224-224v). Este documento foi confirmado por D. Manuel (Chancelaria de D. Manuel, liv. 28, fl. 97v), tal como se pode ler em PEREIRA, 2000, p. 60 e p. 169. 427 TT, Leitura Nova, Mestrados, fl. 199-199v. 428 Deve ver-se: TT, Ordem de Santiago, Códice nº 272, fls. 35v-39;33v-34v;32v-33v e 34v-35v. Publ. Militarium Ordinum Analecta, 2006, pp. 124-134. MH, vol. XI, docs. 143 e 144, pp. 189-194. 429 1998, p. 120. Cfr. TOOMASPOEG, Kristjan, «Règle», Prier et Combattre - Dictionnaire européen des Ordres Militaires au Moyen Âge, direcção de Nicole Bériou e Philippe Josserand, Paris, Éditions Fayard, 2009, p. 774 151 veículo legitimador destas instituições religioso-militares, acedeu às súplicas régias que apontavam no sentido da demarcação política entre as ordens. A conjuntura em que este processo se inscreve aproxima-se claramente dos interesses expansionistas da coroa portuguesa, igualmente sancionados positivamente pelos Pontífices, um argumento que pesou certamente na consolidação, por um lado, do papel da milícia enquanto instituição portuguesa e, por outro lado, na sua vinculação à monarquia. […] a partir daqui irá permanecer intacta a unidade regulamentar entre as instituições, porventura um reflexo da clara expressão da auctoritas do Papado que, para as monarquias que acolhem as ordens nos seus territórios, estaria, nestas cronologias, fora de questão contrariar430.

Importava, pois, deixar bem clara a separação política entre os ramos de Santiago, embora, como se sabe, a normativa posterior a este período exiba muitos exemplos de colaboração e proximidade entre as Ordens peninsulares. Em boa verdade, a condução do governo da ordem ficava, agora, muito comprometida com “as orientações da própria monarquia portuguesa” 431. Este processo, de resto, vai ser fundamental para entender a condescendência papal relativamente a Portugal e, no caso, para com D. Afonso V e o Infante D. Fernando, a propósito do governo de uma outra ordem militar. Tal momento, constitui uma segunda fase importante na vida do Infante a surgir quando, após a morte do Infante D. Henrique, recebe a administração da Ordem de Cristo. Como vimos, antes de tal acontecer, é o próprio D. Afonso V que a recebe do Papa432. A coroa, no entanto, havia acautelado a possibilidade do Infante D. Fernando receber o governo de uma segunda Ordem Militar, possibilidade prevista na bula de 13

430 PIMENTA, Maria Cristina, A Ordem de Santiago em Portugal: fidelidade normativa e autonomia política. In As Ordens Militares. Freires, guerreiros, cavaleiros (coord. Isabel Cristina F. Fernandes), vol.I, Palmela: Município de Palmela/GEsOS, 2012, p. 395. Cfr. FONSECA, Luis Adão; PIMENTA, Maria Cristina; COSTA, Paula Pinto, The Papacy and the Crusade in XVth Century Portugal. In The Papacy and the Crusades. Proceedings of the VIIth conference of the Society for the Study of the Crusades and the Latin East, Crusades-Subsidia, 3, ed. Michel Balard, 2011, pp. 141-154. 431 PIMENTA, 2012, p. 394. 432 MH, vol. XIV, doc. 42, 1973, pp. 125-129. 152 de Março de 1456, de Calisto III433. Este tema não é pacífico e tem subjacente o conteúdo de uma carta de D. Afonso V a D. Fernando da Guerra onde o rei menciona que o infante D. Fernando, após a recente morte do Infante D. Henrique, lhe requereu o mestrado de Cristo. O rei explica que tal não desejava porque o havia solicitado para si ou para o seu filho, o que terá deixado D. Fernando descontente434. O futuro dirá que a vontade de D. Afonso V seria adoptada pelos seus sucessores, mas, por agora, o certo é que no Verão de 1461435, D. Fernando podia intitular-se Governador das Ordens de Santiago e de Cristo. A avaliar por uma recente investigação, centrada no estudo dos livros da Ordem encomendados a Pedro Álvares Seco, sabemos que no período que medeia entre 1460 a 1484, Pedro Álvares apenas transcreve 32 documentos, dos quais 14 pontifícios e oito régios. Parece ter sido um período de menor intervenção régia na Ordem436. Tratando- se de uma obra orientada para a preservação de uma memória da Ordem, quer patrimonial, quer institucional, a quantidade diminuta dos diplomas não prejudica, antes ajuda a compreender melhor os objectivos das compilações feitas. Para o nosso caso, este trabalho foi uma ajuda preciosa, ao qual acrescentamos, na medida do possível pelo tempo disponível, outra documentação que nos ajuda a construir o retrato da breve passagem do Infante pela Ordem de Cristo. Os objectivos deste príncipe, para além da importância da conotação da Ordem de Cristo com a expansão portuguesa à qual não ficou alheio, passaram, como já vimos acontecer no caso da Ordem de Santiago, por tentativas de organizar o território e proventos da Ordem, objectivos importantes e imprescindíveis para qualquer governador. É, assim, muito interessante, a existência de excertos de uma visitação ao mestrado, ordenada em 1462, e levada a cabo por Frei Diogo da Cunha, ao que acresce

433 MH, vol. XII, doc. 138, pp. 289-291. Referido por LENCART, Joana, Pedro Álvares Seco: A Retroprojeção da memória da Ordem de Cristo no século XVI, Porto: FLUP, 2018, pp.43-44.

434 MH, vol. XIV, doc. 37, 1973, pp. 110-114. Cfr VASCONCELOS Antonio Pestana de, MENDONÇA, Manuel Lamas de, The Recruitment of the Portuguese Military Orders: A Sociological Profile (1385- 1521). In The Military Orders 5. Politics and Power, ed. Peter Edbury, Aldershot, 2012, p. 387-400. 435 MH, vol. XIV, doc. 57, 1973, pp. 158-162. Bula de Pio II de 11 de Julho de 1461. LENCART, 2018, p. 44. 436 LENCART, 2018, p. 172. 153 a probabilidade para a existência de outras, entre 1462 e 1466437. Talvez neste enquadramento se possa inserir um documento pelo qual Diogo da Cunha, cavaleiro da Ordem de Cristo e comendador de Casével e visitador da ordem eleito e com a concordância de Frei João Martins, prioste-mor do convento de Tomar, a quem pertence a comenda do Sonegado, emprazou a João Esteves e a sua mulher Constança Gonçalves, um olival da referida comenda438. Com uma acção muito circunscrita a Tomar439, como seria de esperar uma vez que aí se localizava o convento-sede da Ordem, o Infante inicia prontamente o cumprimento das disposições que, por ser herdeiro do Infante D. Henrique, estava obrigado. Assim, ordena o pagamento de certas prestações anuais, em prata, ao vigário e capelães das igrejas da Ordem de Cristo, nas ilhas da Madeira, Porto Santo e Desertas440. Para o cumprir, em Setembro de 1465, toma medidas no sentido de apresentar Frei Pedro de Abreu como vigário de Tomar e, pouco depois, a 5 de Outubro, sabemos da existência do documento de posse do referido vigário441. Esta nomeação, muito prestigiante, permitiria ao infante um relativo afastamento dos afazeres diários da gestão da Ordem, o que fica claro pela outorga, ao mesmo Frei Pedro de Abreu, de uma licença para dar terras de sesmaria, em Tomar e no termo442. Certamente que, a tipologia dos acontecimentos ditaria, também, a dedicação do infante e o exercício das suas prerrogativas de administrador. Por isso falamos de um relativo afastamento. Foi o que aconteceu, cremos, em Fevereiro de 1463, quando o infante profere uma sentença ordenada a Frei Antão Gonçalves, alcaide-mor da vila de Tomar relativamente aos direitos da alcaidaria mor443. Este processo encontra a sua explicação na idade avançada do alcaide, pelo que D. Fernando nomeia frei Fernando,

437 SILVA, 2002: p. 158; LENCART, 2018 pp. 66-67). 438 Carta de 7 de Junho de 1462, Junho, 7. TT, Ordem de Cristo, Documentos Particulares, maço 6, doc. 39. Outro caso pode ler-se em TT, Ordem de Cristo, Documentos Particulares, maço 7, doc. 2 (carta de Janeiro de 1467, pela qual Frei João Martins, prior mor da ordem de Cristo, empraza a Vasco Afonso, morador em Tomar, um olival com terra e mato). 439 SILVA, 2002, pp. 83 e ss. 440 Carta de 1461.11.23. Publ. Descobrimentos Portugueses, vol. 3, nº 6, pp. 12-13. 441 TT, OC/CT, liv. 52, fls. 9v-11v. 442 Documento de 17 de Janeiro de 1466. TT, OC/CT, liv. 2, fls. 47r-47v. 443 MH, vol. XIV, doc. 151, pp. 342-346. 154 vigário de Tomar, para juiz dos feitos da alcaidaria444. Intervenção de igual importância acontece já em Setembro de 1468, quando D. Fernando celebra um contrato com o concelho de Vila Franca determinante para assegurar os direitos da ordem nessa localidade445. Na ocasião, estando presente D. Fernando foi informado por Estevão Pires, juiz, por Diogo Pires, João do Paço e Estevão Afonso, vereadores, por João Martins procurador do concelho e outros muitos homens bons da vila que, desde há muito tempo que o alcaide da ordem, Diogo Anes de Valadares movera uma demanda com base na nomeação de um sucessor para a alcaidaria. O que parece estar em causa nesta contenda são os rendimentos das carceragens, a portagem paga por Mouros e Judeus, a posse das chaves da judiaria, a dízima dos bens transportados pelo Tejo, da madeira que vier por mar e por terra, entre outros de que o alcaide usufrui e que a Ordem subscreve, evidentemente446. Estes breves exemplos não nos autorizam a dar por finalizada esta reflexão em torno da relação entre o infante e as Ordens. Muito pelo contrário. A ausência de D. Fernando do reino em 1463 para participar na expedição a Tânger e o desfecho que daí advém, acaba por ajudar a compreender o seu perfeito entendimento da condição de Miles Christi a acarinhar por parte de um governador de uma Ordem religioso-militar. Esta circunstância obriga-nos a algumas palavras finais.

O que tentámos apresentar foi, com as deficiências decorrentes da redutora pesquisa documental que nos foi possível fazer, uma imagem do infante, enquanto governador de Santiago e de Cristo. A dotação de dois mestrados nas mãos do irmão do Rei de Portugal nos anos centrais do século XV corresponde, de facto, a uma fase interessante da associação, num membro da família real, das Ordens de Cristo e Santiago, modelo que não vai prevalecer

444 MH, vol. XIV, doc. 109, 1973, pp. 268-269, carta de 6 de Agosto de 1463. Mais tarde, em 13 de Fevereiro de 1468, a questão ainda persistia, existindo queixas feitas contra frei Antão Gonçalves, desta feita sobre os direitos e foros da alcaidaria. MH, vol. XIV, doc. 151 1973, pp. 342-346. 445 TT, OC/CT, Documentos Particulares, mç. 7, nº 4. 446 Este diploma permite conhecer, através do elenco das testemunhas, Diogo Gil Moniz, vedor da fazendo do infante e Luís de Sousa, claveiro da ordem de Cristo na época. 155 por muito tempo. Como já escreveu Luís Adão da Fonseca, haverá …uma alteração profunda que se verifica com D. João II: se a Ordem de Cristo continua ligada à família do Infante D. Fernando, Avis e Santiago passam a estar associadas à Casa Real, numa situação que se mantém até entrado o século XVI447. Por esta razão, devemos insistir e sublinhar que a administração conjunta de D. Fernando das Ordens de Santiago e de Cristo, referida a vários títulos ao longo desta dissertação, deve ser entendida como uma realidade que se entrecruza com as diversas fases da vida do infante e, como tal, não poderia ter sido considerada de outra forma. Que saibamos, não existe, ainda, um estudo que aborde, em exclusivo, esta dimensão, pelo que acreditamos valer a pena escrever algumas reflexões a este propósito. A solicitação ao Papa de um Mestrado para um membro da família real portuguesa era um procedimento já habitual quando o Infante D. Fernando recebe o governo da Ordem de Santiago em 1444. Por maioria de razão, em 1461, tornando-se Governador da Ordem de Cristo, persiste uma normalidade já anteriormente anunciada e praticada. Mesmo este acumular de dois mestrados num só administrador, apanágio da vontade régia na Idade Média tardia foi visível nesta década de 40, no quadro do que já se chamou o ciclo de Alfarrobeira448. Exemplo de tal situação é o da Ordem de Avis, concedida ao Infante D. Henrique após Alfarrobeira (quando já possuía a administração do mestrado de Cristo449.) Mais tarde, sabe-se que este será o caminho que a monarquia vai encontrar para uma aproximação decisiva às ordens solicitando-as ao Papado para os herdeiros do trono. E por esta razão vale a pena perguntar: onde se fundamenta o binómio religioso/militar que justifica e ampara estas instituições desde a sua origem? Para o podermos esclarecer torna-se importante ressaltar a importância do espírito das Ordens na conformação das estratégias ultramarinas da monarquia portuguesa450, um aspecto que já foi amplamente considerado nesta dissertação. Com

447 FONSECA, Luís Adão – As Ordens Militares e a Expansão. In A Alta Nobreza e a Fundação do Estado da Índia (coord.. João Paulo Oliveira e Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2004, p. 326. Cfr. LENCART, 2018, p. 44-45. 448 FONSECA, 2004, pp. 324-325. 449 MH, vol. X, docs. 7 e 50. Cfr. MORENO, MORENO, 1973, pp. 547-548; AYALA MARTINEZ, Carlos - Las Órdenes Militares Hispânicas en la Edad Media. Madrid: Marcial Pons, 2007, p. 527. 450 FONSECA, 2004, p. 334. 156 efeito, é inegável que a monarquia portuguesa sentiu, desde muito cedo, necessidade de utilizar o conceito de cruzada para alicerçar muitas das suas opções políticas, nomeadamente no quadro da expansão marítima que aparecia, assim, legitimada. As decisões tomadas nestes anos centrais do século XV no que ao Norte de África e à Costa Ocidental Africana se referem, encontram a sua melhor fundamentação no referido conceito (agora adaptado a uma época mais tardia451) e, a Ordem de Cristo, por maioria de razão, será a sua expressão mais visível, o seu rosto. De resto, bastará lembrar a atribuição à Ordem de Cristo da jurisdição espiritual sobre todas as terras descobertas, um atributo que, concedido pela Santa Sé, poderia vir a justificar que o seu futuro governador, o rei de Portugal D. Manuel I suscitasse no reino a crença de estar fadado para recuperar Jerusalém do poder Infiel452. Este monarca é, como sabemos, filho do Infante D. Fernando. Não será extemporâneo dizer que It was in the realm of ideas and images that crusading could still excite and inspire…453.

451 HOUSLEY, Norman – Introduction. In HOUSLEY, Norman (ed.) – Crusading in the Fifteenth Century. Message and Impact. Houndmills: Palgrave Macmillan, 2004, pp. 3-9. Cfr. FONSECA, PIMENTA, COSTA, 2011, p. 141-156 452 THOMAZ, Luís Filipe Reis. e ALVES, Jorge dos Santos, Da Cruzada ao Quinto Império. In A Memória da Nação (org. F. Bethencourt e D. R. Curto), Lisboa: Sá da Costa Editora, 1991, pp. 89-100 e pp.156-159). 453 HOUSLEY, Norman, Contesting the Crusades. Oxford: Blackwell Publishing, 2006, p. 140. 157

Conclusão

Em 1469, depois de regressar de Anafé, o infante D. Fernando adoecia. Não se sabe o problema que terá contraído, mas Pina refere que este foi vitimado por uma doença prolongada que lhe tiraria a vida no dia 18 de Setembro de 1470454. Morria o irmão do rei aos 36 anos de idade (depois de tanto termos falado dele, da sua vida, dos títulos, das honras, do património, das responsabilidades políticas e militares, da sua Casa, parece estranho termos a consciência de que ele morreu tão jovem!), em Setúbal, rodeado pelos familiares mais próximos: a infanta D. Beatriz sua mulher e o monarca seu irmão (que viveria ainda onze anos). Seria enterrado no Mosteiro de S. Francisco de Setúbal e só depois trasladado para Beja, para o Mosteiro da Conceição, fundado pela infanta D. Beatriz. Com a sua mulher, D. Fernando demorara muito tempo a gerar herdeiros. Na verdade, já tinham passado cerca de dez após o casamento quando o casal teve o seu primeiro filho em 1458, neste caso, uma menina, D. Leonor.455 Posteriormente, o infante foi progenitor de uma extensa descendência: as filhas - Leonor, Isabel e Catarina, e os filhos – João, Diogo, Simão, Duarte, Dinis e Manuel456. Estranhamente, Pina não refere nem Dinis, nem Catarina,457 que são acrescentados por Caetano de Sousa. Duarte Nunes de Leão também não os cita.458 Da mesma forma, os cronistas não dão qualquer indicação dos anos de nascimento dos filhos dos duques. No entanto, D. Fernando, já doente e antes de falecer, tivera ainda tempo de acordar com o rei o casamento do príncipe D. João com a sua filha mais velha, D. Leonor e de concertar o da sua outra filha Isabel com o conde de Guimarães, depois duque de Bragança.459 O futuro dos filhos começava a ser assegurado. D. Leonor seria rainha, D. Isabel duquesa de Bragança, os filhos João, Diogo e Manuel seriam duques

454 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 817. 455 DÁVILA, 2019, p. 42. 456 SOUSA, cap. VIII, tomo II. 457 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 817. 458 LEÃO, Crónicas dos Reis de Portugal, pp. 900-901. 459 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 816. 158 de Viseu-Beja e este último rei pela morte do filho de D. João II. Quanto a Duarte, o Pryncepe recolheo pera sy, e criandoo em sua casa com muyta honrra e grande amor como proprio Fylho, falleceo em moço (...)460. Simão faleceu também ainda menino, numa altura em que a mortalidade infantil era deveras alta. Em 1471, D. João, duque Viseu e de Beja obtinha do rei todos os privilégios e liberdades como se de infante se tratasse461. António Caetano de Sousa descreveu o infante como magnânimo, generoso e altivo, e afirmou que a sua casa era servida com magnificência e liberalidade, que atraía ao seu serviço os principais fidalgos do reino, aos quais fazia mercê das comendas das ordens. A sua casa assemelhava-se à corte de um soberano. A grandiosidade, ostentação e riqueza em que viveria foi notada nas fontes da época, quer no diário do embaixador alemão que se dirigiu a Portugal aquando do casamento da infanta D. Leonor (como vimos), quer na Crónica de D. Afonso V, quando Pina refere que o Yfante Dom Fernando veo com seus ventureiros vestidos de guedelhas de seda fina como selvajens , em cima de bõos cavalos envistydos e cubertos de figuras e cores (...) e o Ifante Dom Fernando por milhor justador venceo entam o grado (....).462 Sem dúvida que chamou a atenção nestes festejos do casamento da irmã, uma vez que ambas as fontes coincidem nesse aspecto. Um protagonismo, riqueza e influência que o tornaram num dos maiores senhores do seu tempo, algo favorecido pela morte do seu pai adoptivo, o infante D. Henrique. Esse foi o momento decisivo que lhe permitiu tornar-se duque de Viseu, senhor da Covilhã, governador de Cristo, protector da Universidade (para a qual redigiu três importantes alvarás), entre outros bens, e senhor incontestado do Atlântico. No oceano e pelas costas africanas o infante, totalmente ao contrário do “Navegador”, não parece ter apostado no prosseguimento do reconhecimento e exploração do território (nenhuma fonte o refere), mas manteve com toda a autoridade e preocupação a administração colonial desses espaços ultramarinos. Os seus interesses enquanto senhor deveriam vir em primeiro lugar relativamente aos capitães donatários que manteve nas ilhas e ao povo que as colonizava. É de assinalar a forma como dirigiu os assuntos

460 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 817. 461 Chancelaria de D. Afonso V, liv. 16, fl. 125v. 462 PINA, Crónica de D. Af. V, p. 761. 159 insulares, patente nos regimentos que redigiu para o governo das ilhas e que demonstra a sua enorme preocupação com os assuntos económicos do trigo e do açúcar que animavam a Madeira naquela fase. Sobre este último, o açúcar, tentou o infante obter o monopólio da produção, algo que nunca conseguiu, mas que mostra bem os seus interesses no trato do produto e o quanto investiu neste ao contactar com mercadores de Lisboa e da Flandres a fim de resolver uma crise de preços baixos que se agravava nesta altura. Foi na sua dimensão senhorial que encontrámos o seu poder efectivo, que se começou a desenhar desde muito cedo, logo quando fica sob a tutela do infante D. Pedro que lhe concede uma casa ainda ele era uma criança pequena. Tivemos que prosseguir até meados da década de 1440 e de 1450 para encontrarmos outras referências ao seu claro protagonismo na corte (desde 1444 ascende ao governo da Ordem de Santiago), à influência junto do monarca, com quem julgamos ter sido devidamente formado e educado dentro dos principais valores da educação de um príncipe medieval. Disciplinado e profundo conhecedor da cultura do seu tempo, bem como da arte da guerra, D. Pedro terá facultado ou mandado por intermédio de amos e aios que essa educação chegasse aos seus sobrinhos herdeiros. As letras, a cavalaria, o gosto pela guerra e o acesso àqueles que eram os textos mais importantes na educação de um príncipe não terão certamente passado despercebidos ao pequeno Fernando. Nunca saberemos que peso a experiência de uma infância difícil terá tido na sua personalidade e se motivou a oposição que fez ao seu tio em Alfarrobeira, ainda que se compreenda que nunca poderia ter ficado contra o rei. Ainda nesta fase inicial e dos primeiros anos de vida deverá ter fomentado o seu espírito senhorial e desenvolvido as competências que eram necessárias para se comportar como um grande senhor. As múltiplas referências ao seu legado enquanto administrador e à sua casa senhorial, que tentámos estudar, não nos permitiram, no entanto, perceber com clareza a evolução da mesma. O mesmo se poderá dizer em relação às ordens militares. A documentação é escassa e, em alguns casos inexistente. Pudemos obter apenas alguns quadros isolados, que não deixam de ser reveladores da enorme riqueza a que teve acesso, ainda que não se consiga explicar o estado em que

160 recebeu a herança e fortuna delapidada do infante D. Henrique. No entanto, Zurara descreve-o da seguinte forma: E o iffante dom Fernando como se vya filho delRey liidemo huum soo Iffante no regno de sua natureza criado no berço com seu Irmãao trazido a este mundo de tam grandes avoengas que ou per vya dereita ou colleteral cingya e abraçava toda a mayor parte do nobre / sangue de christiandade duas vezes duque com Senhoryo e mando de tantas fortellezas villas e lugares e de tanta e de tam specyal cavallarya como ha nas ordeens de christus e santyago aallem de condes e cavalleyros segraaes que eram postos em seu livro por seus vassalos e que por ello recebyam delle grandes teenças e mercees.463 Para além da faceta senhorial, Marrocos e o Norte de África constituíram um outro aspecto relevante na sua vida e onde a sua personalidade complexa se revelou plena de contradições dentro de um curto espaço de tempo. As suas preferências pessoais incidiram sobre este espaço e sobre como governar as possessões atlânticas, ainda que não tenha manifestado interesse nas actividades mercantis da expansão, ao contrário de D. Henrique. Peça central do senhorialismo português do século XV, senhor da guerra, poderoso, influente, muito rico e crítico junto do rei, relativamente a quem sempre levou a melhor em todas as disputas e desentendimentos entre ambos, o infante D. Fernando conseguiu afirmar-se com uma personagem quase única, no panorama dos príncipes de Avis, em muitos momentos da sua vida. Adrian Goldsworthy, notável historiador da Antiguidade clássica romana, escreveu a propósito das incoerências e contradições do imperador Augusto,464 demonstrando que estas são naturais e inevitáveis em homens de grande poder. Não estamos a comparar épocas e figuras, mas podemos pedir emprestada esta ideia para D. Fernando. Assim, o infante foi o homem que cresceu numa fase conturbada da história portuguesa e que foi ‘protegido’ pelo seu tio D. Pedro; mas também foi o homem que, chegado o momento de assumir uma posição, se colocou contra o seu tutor em Alfarrobeira.

463 ZURARA - Crónica do Conde D. D., p. 341. 464 GOLDSWORTHY, Adrian – Augusto: de revolucionário a imperador de Roma. Lisboa: Esfera dos Livros, 2016, pp. 486-487. 161

Foi o homem que seguiu entusiasmado para conquistar mais uma praça no Norte de África, Alcácer Ceguer, em 1458, mas também foi aquele que, em 1460, ou seja, dois anos depois, tentou demover o irmão de prosseguir com os assédios marroquinos, invocando fortes argumentos políticos, um enorme ‘sentido de estado’ e o peso que a responsabilidade do rei deveria significar. Mas foi também o homem que poucos anos depois se revelaria irredutível, obstinado, determinado e impulsivo em continuar a política de conquistas, chegando a colocar a sua vida em risco sob as muralhas de Tânger. Foi o homem que governou a Ordem de Santiago, símbolo de riqueza e poder plasmado na localização dos seus territórios e na exploração de recursos apetecíveis à exportação, mas também foi o homem que administrou a Ordem de Cristo aquela que colocou no mar os homens, o reino e a cruz. Foi o homem que manobrou o poder no sentido da realização dos seus projectos e interesses, mas também foi o homem que se preocupou com os pedidos daqueles que dependiam das suas ordens e viviam nos seus domínios. Foi o homem que desrespeitou as tradições, sendo ambicioso, prepotente e desobediente ao apoderar-se do quinto da cavalgada pertencente a D. Duarte de Meneses e ao fugir para África sem a autorização de D. Afonso V, mas também foi o homem que mostrou sensibilidade e nobreza de carácter pela forma como se encarregou de transportar as ossadas do infante D. Henrique para o panteão dos Avis, como protegeu os seus apaniguados e servidores e pessoalmente fez cumprir os últimos desejos deste. O infante explica os motivos: primeiramente, aas almas de nossos padres, as quaaes devemos conprir per ssua ssalvaçam, naquelo que per eles, aa ora de ssua morte, fforam ynstetuydas; e a ssegunda por a obrigaçam que ao dicto meu padre tenho, por dele ssoçeder e aver as cousas que me, per ssua morte, fficaram; e a terceyra por ffazer o que devo e que eu queria que os meus ssoçessores e herdeyros em meus estabileçimentos ffezessem. E, conhoçendo ssobretodo o grande serviço que em elo a Deus ffaço.465

465 MH, vol. XIV, doc. 66, p. 189. 162

Por fim, D. Fernando, condestável do reino, fronteiro-mor do Alentejo, governador das ordens de Santiago e Cristo e duque de Viseu e de Beja, príncipe, infante e senhor, foi o homem a quem as matérias da morte e da alma, tão importantes na época, também preocuparam ou não se rezassem, ainda em 1508, duas missas diárias pelo infante, no Funchal por ordem do seu filho, o rei D. Manuel I.466

466 Tombo 1º do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal - Arquivo Histórico da Madeira, IIII, doc. 326, pp. 517-519. 163

Fontes

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467 A consulta desta chancelaria foi possível devido à existência de uma base de dados disponível na Intranet da Torre do Tombo (consultada a 25-26 de Julho de 2019) que nos permite identificar o diploma para, depois, comprovarmos a sua existência na edição online da referida chancelaria (https://digitarq.arquivos.pt/details?id=3815943). 468 A razão pela qual optámos pela consulta deste fundo prende-se com o facto do mesmo se referir totalmente às Ordens Militares, o que nos pareceu uma boa escolha para a identificação de importantes cartas. 164

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