UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

WELLINGTON FERNANDO DA CONCEIÇÃO ARMANDILHA

SUBJETIVDADE DO ALUNO NEGRO E A REPRESENTATIVIDADE MIDIÁTICA TELEVISIVA

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2021

WELLINGTON FERNANDO DA CONCEIÇÃO ARMANDILHA

SUBJETIVDADE DO ALUNO NEGRO E A REPRESENTATIVIDADE MIDIÁTICA TELEVISIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientação: Profª Dra. Izabel Cristina Petraglia

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2021

FICHA CATALOGRÁFICA

Ar54s Armandilha, Wellington Fernando da Conceição Subjetividade do aluno negro e a representatividade midiática televisiva / Wellington Fernando da Conceição Armandilha. 2021. 109 p.

Dissertação (Mestrado em Educação) --Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2021. Orientação de: Izabel Cristina Petraglia.

1. Educação 2. Mídia - Televisão 3. Preconceito 4. Subjetividade 5. Negros - Televisão I. Título. CDD 371.98

A dissertação de mestrado intitulada: “SUBJETIVDADE DO ALUNO NEGRO E A REPRESENTATIVIDADE MIDIÁTICA TELEVISIVA”, elaborada por WELLINGTON FERNANDO DA CONCEIÇÃO ARMANDILHA, foi apresentada e aprovada em 2 de março de 2021, perante banca examinadora composta por Profª. Drª. Izabel Cristina Petraglia (Presidente/UMESP), Profª. Drª. Cristina Miyuki Hashizume (Titular/UMESP) e Profª. Drª. Ettiène Cordeiro Guérios (Titular/Universidade Federal do Paraná).

______

Profª. Drª. Izabel Cristina Petraglia

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

______

Profº. Dr. Sergio Marcus Nogueira Tavares

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Educação

Área de Concentração: Educação

Linha de Pesquisa: Políticas e Gestão Educacionais

Dedico este trabalho ao meu pai que faleceu uma semana após a minha banca de defesa e a todos e todas que já sofreram e sofrem algum tipo de preconceito.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) e a Universidade Metodista de São Paulo pelo acolhimento e possibilidades.

AGRADECIMENTOS

Às professoras Drª. Cristina Miyuki Hashizume e Drª. Ettiène Cordeiro Guérios, pela contribuição para o desenvolvimento desta dissertação e por suas participações na banca.

À minha orientadora, Drª. Izabel Cristina Petraglia, abrindo caminho e possibilidades com sabedoria, me guiando durante todo percurso, sempre na busca pelo melhor resultado, muito obrigado.

À minha família, pelo apoio durante essa minha trajetória. Agradeço à minha Mãe, ao meu Pai, às minhas irmãs Nádia e Amanda e aos meus sobrinhos Monise, Gustavo e Rafael.

Agradeço aos colegas, professores, funcionários do PPGE, que contribuíram para debates agregadores de conhecimento ao longo de todo o curso.

Agradeço também às figuras amigas que habitam minha vida ou passaram por ela em meio a confecção e elaboração deste trabalho, entre essas pessoas ressalto a importância de cada uma e deixo aqui minhas desculpas pelo estresse que eu possa ter causado. Agradeço aos amigos pessoais de longa data, Eurismar, Rodrigo, Taís, Laís, Thiagão, Vinicius, Michel, Rafael e Simone. A pessoas especiais por quem tenho enorme consideração, respeito, saudade e carinho, Enzo Sato e Stella. Agradeço imensamente uma amiga especial e colega de trabalho que esteve ao meu lado durante todas as dificuldades que tive devido a pandemia, Raquel vulgo “bruxa” e tantos outros(as) amigos e colegas.

RESUMO O Brasil tem 54,9% da sua população constituída por indivíduos negros e pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. No entanto, grande parte da população brasileira não consegue ter clara percepção da diminuta representatividade percentual dos negros na mídia brasileira, uma vez que, essa evidência numérica não fica nítida por meio da comunicação televisiva. Essa ferramenta midiática tem como principal objetivo levar comunicação, educação e cultura aos lares brasileiros (Inciso 1° e 2° do Artigo 221 da Constituição Federal de 1988). Essa dissertação tem como objetivo geral Verificar de que modo a ausência de representatividade midiática televisiva, no segmento das da rede Globo transmitidas no horário das 19h, pode impactar na construção da subjetividade do estudante negro. Como objetivos específicos pretendemos, (i) Conhecer e estudar conceitos/definições de subjetividade, preconceito, estigma, estereótipos buscando compreender seus efeitos sobre os discentes, (ii) Apresentar novelas das 19h da Rede Globo de Televisão como exemplos midiáticos de manutenção de estereótipos sociais e culturais, (iii) Examinar como a mídia pode afetar na construção da subjetividade do educando negro em sua perspectiva quanto sujeito, considerando que, seu grupo social racial tem pouca representatividade midiática; (iv) Compreender de que forma a educação escolar pode contribuir para que o estudante possa romper essa barreira, alavancando o potencial de sujeito. O corpus dessa pesquisa são as novelas: Deus salve o rei, O tempo não para e Verão 90. Utilizamos a metodologia de pesquisa bibliográfica, a partir de livros e artigos referentes aos campos da comunicação midiática televisiva e da Educação, buscando uma equalização que resulte numa tratativa adequada ao nosso problema de pesquisa. Consideramos como arcabouço teórico Morin (2005) e Taylor (2000) no âmbito da Educação, e Barbero (2008), Araújo (2000) e Sodré (1999) no seguimento das telenovelas. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

Palavras-chave: Educação. Mídia televisiva. Preconceito estrutural. Subjetividade. Representatividade.

ABSTRACT

Brazil has 54.9% of its population made up of black and brown individuals, according to the Brazilian Institute of Geography and Statistics, IBGE. However, a large part of the Brazilian population is not able to have a clear perception of the small percentage representation of blacks in the Brazilian media, since this numerical evidence is not clear through television communication. This media tool has the main objective of bringing communication, education and culture to Brazilian homes (Item 1 and 2 of Article 221 of the 1988 Federal Constitution). This dissertation has the general objective of verifying how the absence of television media representation, in the segment of Globo TV soap operas broadcast at 7:00 pm, can impact the construction of the black student's subjectivity. As specific objectives we intend, (i) To know and study concepts / definitions of subjectivity, prejudice, stigma, stereotypes seeking to understand their effects on students, (ii) Presenting 7 pm soap operas from Rede Globo of television as media examples of maintaining social stereotypes and cultural, (iii) Examine how the media can affect the construction of subjectivity of black students in their perspective as subjects, considering that their racial social group has little media representation; (iv) Understand how school education can contribute so that the student can break this barrier, leveraging the subject potential. The corpus of this research is the soap operas: Deus salve o rei, O tempo não para and Verão 90. We use the bibliographic research methodology, from books and articles referring to the fields of television media communication and Education, seeking an equalization that results in an appropriate approach to our research problem. We consider as a theoretical framework Morin (2005) and Taylor (2000) in the scope of Education, and Barbero (2008), Araújo (2000) and Sodré (1999) in the follow-up of telenovelas. This work was carried out with the support of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel - Brazil (CAPES).

Keywords: Education. Television media. Structural prejudice. Subjectivity. Representativeness.

SUMÁRIO

MEMORIAL ...... 11 1 INTRODUÇÃO...... 16

2 PRIMEIRA SEÇÃO ...... 29 2.1 Indivíduo, reconhecimento e subjetividade. Uma leitura filosófica ...... 29 2.2 Quem sou eu na concepção de Ricoeur e Taylor ...... 35 2.3 A ausência de reconhecimento para o aluno negro ...... 43 2.4 Distinção entre preconceito, estereótipo e estigma...... 48 2.5 Efeitos negativos do preconceito para o estudante negro...... 49 2.6 O conceito de preconceito...... 51 2.7 Surgimento de estereótipos...... 54 2.8 O estigma...... 56

3 SEGUNDA SEÇÃO ...... 60 3.1 A propagação do estereótipo pela mídia...... 60 3.2 As novelas das 7 dos últimos 10 anos ...... 64 3.3 As novelas e a transformação da realidade ...... 69 3.4 O Tempo Não Para, Verão 90, Deus Salve o Rei...... 74 3.5 O poder da Televisão ...... 80

4 TERCEIRA SEÇÃO...... 82 4.1 A educação escolar na contramão dos estereótipos...... 82 4.2 Os Sete Saberes ...... 90 4.3 Medidas pedagógicas ...... 94

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 99

REFERÊNCIAS ...... 100

11

MEMORIAL Rememorar minha trajetória pessoal, acadêmica e profissional como indivíduo, me faz entrar, inevitavelmente, num processo de autorreflexão sobre quem sou, quem eu era e pensar em quem serei num futuro não distante e tão presente. Isso me faz acreditar que as minhas escolhas foram assertivas, mesmo não podendo saber quem seria eu se esse meu eu tivesse tido outras escolhas.

Nascido em São Paulo, no bairro do Jabaquara há poucas décadas, meus pais são separados desde o meu nascimento, o que acarretou na minha criação e educação quase que, única e exclusivamente realizada pela minha mãe, Maria Raimunda da Conceição. Mulher forte, batalhadora que, deixava de comer para dar comida aos filhos, apelidada por suas amigas - após chegar em São Paulo vinda da Bahia - como Maria de Fátima, ou simplesmente, Fátima. Fui criado também com a ajuda de minha irmã mais velha Zenaide Maria, que diante de todas as dificuldades enfrentadas, teve que abrir mão de sua própria educação escolar para se dedicar a cuidar de mim e dos meus outros dois irmãos, Júlio César e Marco Antônio, enquanto minha mãe trabalhava para garantir a muito custo o nosso sustento.

Minha vida escolar teve início numa creche, lá mesmo no Jabaquara, não consigo me lembrar de quase nada dela, a não ser que todos os dias antes de irmos embora ficávamos sentados em bancos de madeira num corredor perto da porta, e assim que minha mãe ou irmã chegava para me buscar, uma das “tias” me dava um pão de mel. Após essa creche, com 5 (cinco) anos entrei no “prezinho”, EMEB Vereador Jorge Ferreira, que também se localiza no Jabaquara. Fiquei lá por dois anos e tenho um pouco mais de lembranças deste período, como uma festinha de São João em que dançávamos quadrilha. Lembro-me da quadra de esportes e especificamente de uma amiguinha que, pelo tempo passado e a memória ainda viva, talvez tenha sido meu primeiro amor, Jaqueline.

Quando eu terminei o segundo ano do EMEB, minha família se mudou para São Bernardo do Campo, minha mãe com a ajuda do meu Pai, Joaquim da Inversão Armandilha, caminhoneiro e trabalhador, que mesmo separado sempre se manteve por perto para nos ajudar. Conseguiram comprar um terreno e construir nossa casa, deixando o aluguel que pagavam no Jabaquara para trás. Nossa vida nunca foi fácil, bem pelo contrário, adversidades e desafios eram recorrentes, mas a superação se

12

fez presente em cada momento de dificuldade. E com toda certeza, essa perseverança da minha família está presente em minhas veias, hoje.

Já em São Bernardo, comecei a frequentar a Escola Estadual Nail Franco de Mello Boni, onde fiz minha primeira e segunda série do ensino fundamental I. Nesta escola tive meu primeiro melhor amigo, Josivelton e minha primeira namoradinha, Elisabeth. Lembro-me de chegar em casa e fazer os exercícios no caderno de caligrafia, o que convenhamos não deu muito certo, uma vez que minha letra é um verdadeiro garrancho. Uma lembrança curiosa desta escola foi uma festa que ocorreu, havia alguns campeonatos sendo disputados e um deles era o de dança, do qual eu participei dançando lambada, estava classificado para a fase final, mas infelizmente devido a um acidente cai de cabeça no chão e fui parar no hospital, dando fim a minha possibilidade de vitória naquele campeonato.

Fiz meu terceiro e quarto ano do ensino fundamental I na Escola Estadual Marineida Meneghelli de Lucca, que também ficava em São Bernardo. Era uma escola pequena, algumas salas eram feitas com contêiner, não me lembro de muitas coisas desta época, mas dentre as poucas que eu me lembro, foi um fato que considero como uma injustiça e que me acarretou na primeira e única advertência escolar escrita que recebi na vida. Dois alunos estavam brigando no pátio da escola no intervalo, um deles era meu amigo e então, ao ver a briga eu entrei para tentar separar, quando a inspetora viu aquela pequena confusão levou nós três para a direção, alegando que eu estava brigando também, minha fala ali era nula, ela era a autoridade.

Tive uma criação bem consciente dos meus deveres e responsabilidades, sendo criado basicamente por mulheres em casa e tendo elas (Mãe e Irmã) como norteadores da minha consciência ética e moral, seja pelos ensinamentos do que é certo e errado, seja pelas tarefas de casa que eram sempre dividas entre todos, desenvolvi muitas habilidades domesticas e um gosto pela culinária. Mas, sobretudo o início de uma visão ética e crítica da sociedade, algo que talvez naquele momento eu não sabia o que era e como viria a me ajudar no futuro atual.

Após esta troca de escolas em curtos períodos, fui transferido para a Escola Estadual Carlos Pezzolo, local que frequentei da quinta série do ensino fundamental I até a conclusão do ensino médio. Nesse período tive meus primeiros contatos reais com o preconceito, um deles que talvez tenha sido o mais significativo certamente

13

anos depois me fez buscar estudar esse fenômeno. Uma professora de matemática em plena aula me disse a seguinte frase: “Um dia, enquanto seus colegas estiverem passando pela rua de carro, você estará puxando uma carroça”. Naquele momento aquilo não surtiu um efeito imediato em mim, mas, ao passar dos anos tive um resgate em minha memória desta fala e então entendi o que havia acontecido ali, eu havia sido vítima de um preconceito social.

Após terminar o ensino médio, comecei um curso de informática, desses ofertados aos adolescentes. Neste curso percebi que tinha certa facilidade em me adaptar a novos conhecimentos, com rápida assimilação teórica. O curso me propiciou um domínio básico no Excel, que me levaria futuramente a ter sucesso no meu primeiro emprego com carteira registrada. Mas, antes disso, tive outra experiência acadêmica da qual os frutos colho até hoje, amizade.

Esse curso foi o de Técnico em Mecatrônica, que realizei na Escola Técnica Estadual (ETEC) Lauro Gomes em São Bernardo do Campo. Iniciei este curso por pressão da família, pela carreira do meu irmão Marco, que era funcionário da empresa Mercedes Benz. “Siga o caminho do seu irmão”, eles diziam, mas, numa conversa com esse meu irmão, ele me disse “nunca faça nada simplesmente por dinheiro, faça aquilo que te faz feliz”. Terminei o curso mesmo sabendo que nunca iria trabalhar na área, mas o que realmente levei dessa experiência foram os amigos que fiz, que até hoje tenho o prazer de conviver, mais de 10 (dez) anos se passaram e a amizade ainda se faz presente e ativa.

Trabalhei alguns anos com o meu pai, realizando mudanças e entregas, posteriormente comecei a trabalhar com teleatendimento e alguns meses depois devido ao meu até então pouco conhecimento em Excel tive minha primeira promoção na empresa Atento do Brasil, passei a ser Back Office, depois me tornei Assistente de Analista, Analista de SAC, Analista Financeiro chegando ao meu último cargo de Analista de Gestão de Inteligência. Trabalhando num Call Center, convivi com pessoas de todos os grupos sociais, idades, raças e credos, isso me fez perceber como existe uma segregação invisível e perceptível das classes no mercado de trabalho, e isso tem e teve um impacto na minha linha de pesquisa acadêmica de hoje. Aquele trabalho foi ficando sem sentido para mim, me fazendo pedir para ser demitido.

14

Dois anos após começar a trabalhar nesta empresa, comecei uma graduação no curso de Rádio e TV, oferecido pela antiga Universidade Bandeirantes de São Paulo, hoje essa universidade leva o nome de Faculdade Anhanguera. Durante o curso, meu lado artístico ficou mais aflorado, pude desenvolver trabalhos de cunho social na instituição, que abordavam temas considerados tabus, como por exemplo a sexualidade na adolescência. Neste curso, também presenciei e vivenciei situações de embate entre grupos socias, o que naquele momento já me causava enorme desconforto pessoal. Depois de sair daquela empresa, me encontrei num momento de introspecção e na busca por sentido, estava atrás de um sentido não só para a minha vida, mas no que essa vida representava para a sociedade, não estava contribuindo da forma que eu poderia e desejava. Após um mochilão que fiz pela Bolívia, mais precisamente no dia que estava no Salar de Uyumi1, entrei na fase mais intima de auto reflexão e ali decidi que seria professor, que atuaria de forma mais ativa na sociedade, ajudando os alunos a terem maior noção de sua própria identidade, de seu papel como cidadãos conscientes e críticos. Tentando diminuir assim as fronteiras que o preconceito assenta entre as pessoas e os grupos sociais.

Voltando da Bolívia, comecei a trabalhar com arte, seja na criação e venda de telas de pintura, seja no trabalho como modelo e fotografo experimental. Esses trabalhos me mantiveram fora do mercado de trabalho com carteira assinada. Pouco depois realizei inscrição para o curso de Licenciatura em Filosofia na UMESP (Universidade Metodista de São Paulo), fui aprovado com a Bolsa Social da própria instituição e no segundo mês fui contemplado com a bolsa PIBID (Programa Institucional de Bolsas de iniciação à Docência) da CAPES. Neste curso percebi que finalmente estava cursando aquilo que fazia sentido pra mim e que aquilo me ajudaria no meu projeto de vida. Logo no início do terceiro semestre, durante as aulas de Ética comecei a esboçar e pesquisar o tema que viria a ser meu TCC: “O Preconceito Perene Como Prática De Autopreservação Social”, que foi orientado pelo Professor Dr. Ricardo Rossetti.

Após a conclusão do curso de Licenciatura comecei a ministrar aulas na Escola Estadual Ministro Laudo Ferreira de Camargo, localizada na cidade de São Bernardo

1 Salar de Uyuni, localizado nos Andes no sudoeste da Bolívia, é o maior deserto de sal do mundo. Trata-se do legado de um lago pré-histórico que secou, deixando uma paisagem desértica de quase 11.000 km2 com sal branco e claro, formações rochosas e ilhas repletas de cactos.

15

do Campo (onde estou lecionando até a presente data). O contato direto com os alunos e os debates feitos nas aulas de Filosofia me fizeram querer mais, ajudar mais, entender mais e então comecei a elaborar projeto para o Mestrado. Fiquei exatamente 1 (um) ano elaborando, pesquisando e confeccionando o projeto, que tinha como título original “A Ausência de Representatividade Midiática na Construção da subjetividade do Educando Negro”, tive a ajuda/orientação da Professora Dra. Camila Escudero, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. E, foi com esse projeto de pesquisa que fui admitido no Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Metodista de São Paulo. A opção por um programa de pesquisa em Educação justificou-se por encontrar-me então na área e feliz em ser professor.

16

1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa tem como principal objetivo Verificar de que modo a ausência de representatividade midiática televisiva, no segmento das telenovelas da rede Globo transmitidas no horário das 19h, pode impactar na construção da subjetividade do estudante negro. Faz-se necessário ressaltar que durante o estado da arte, encontramos certa dificuldade em encontrar livros, teses, dissertações e pesquisas com a temática específica envolvendo os temas preconceito, mídia e Educação. O que pudemos encontrar foram trabalhos sobre preconceito nas escolas, como racismo por exemplo.

Para desenvolvermos o projeto no que diz respeito a mídia televisiva, utilizaremos as novelas globais, uma vez que a Rede Globo de Televisão é a principal emissora com sinal aberto do Brasil e a segunda do mundo baseado na renda comercial das redes, segundo a reportagem do site Observatoriodatv (UOL, 2017).

A escolha das novelas do horário das 19hs se dá pelo fato da indicação positiva da programação para a faixa etária dos alunos que serão os sujeitos da pesquisa, assim como pelo fato de que esses alunos já poderiam estar em casa nesse horário, tendo em vista que saem da escola às 18h35.

Dentre as novelas selecionadas, Deus salve o rei, O tempo não para e Verão 90, faremos alguns recortes de cenas que demonstrem a retratação do papel do negro. Buscaremos dentre esses recortes, selecionar cenas que retratem o estereótipo do negro no Brasil, outras que quebrem esse estereótipo, dando maior representatividade pelo aspecto social do personagem e cenas que apresentem algum tipo de neutralidade. Com isso, pretendemos expor três cenários sociais e midiáticos para os alunos antes que eles respondam ao questionário desenvolvido para tal pesquisa.

Traremos mais algumas indagações com base neste objetivo principal. A primeira delas será verificar de que modo o educando negro se auto reconhece no que diz respeito a raça. Essa indagação nasceu através de uma observação que tive lecionando na escola, onde um aluno do sétimo ano do ensino fundamental, de pele negra, ao responder um questionário enviado pelo Governo do Estado de São Paulo, que tinha como foco obter a opinião dos alunos a respeito de disciplinas optativas para o próximo ano (2020), se deparou com uma questão que perguntava a raça do aluno,

17

dentre as opções, estavam: Branco, Negro, Pardo e Amarelo, e o aluno se colocou a observar a cor de seus próprios braços em busca de uma resposta, ao não encontrar ou ficar em dúvida, ele chamou o professor e perguntou: “Professor, eu sou o que?”. Esse fato, fez com que a pergunta sobre a subjetividade do aluno fosse reforçada nesta pesquisa, tendo a possibilidade de que em face de um preconceito social o aluno não queira se reconhecer como negro ou mesmo.

Não temos uma visão clara de que 54,9% da população brasileira é composta por pardos e negros (IBGE, 2016), afinal, majoritariamente o que vemos na mídia hegemônica televisiva é uma representação massiva de atores/atrizes, apresentadores (as) brancos, chegando a impressionantes 96,3% segundo o mais recente levantamento feito pela revista Vaidapé (2017).

Em uma leitura histórica, o primeiro papel de destaque de um indivíduo negro na TV brasileira ocorreu em 1969, com a atriz Ruth de Souza, na novela “A cabana do pai Thomás”. Desde então, já se vão 49 anos e a representatividade e presença dos negros na televisão ainda são escassas. Poucos papeis de destaque, pouca representatividade e poucas figuras marcantes. Isso sem falar na estética de como o negro é representado, onde padrões de beleza são diferenciais nos papeis que ocupam. Iremos tratar ao longo desta pesquisa da população de negros e pardos, como negros, tal qual aparecem nas pesquisas realizadas pelo IBGE.

Aos olhos de uma criança, ou de um adolescente negro, os números percentuais aqui apresentados que mostram a ausência de personagens negros na tv podem se concretizar numa construção de invisibilidade social, ou seja, ele não se identifica como sujeito frente aquilo que lhe é apresentado como cultura.

Essa invisibilidade social surgiu de um esforço direcionado para a tentativa de criar uma sociedade pautada na branquitude como modelo estético e que ao mesmo tempo gerasse uma negação dos aspectos de negritude. Esse esforço começou a ser instaurado no país dois anos após a assinatura da lei Aurea em 1888, através de dois decretos do governo brasileiro, sendo o primeiro em 1890 e o segundo mais acintoso era o decreto-lei N° 7.967, de 18 de junho de 1945, que procurava preservar a ascendência europeia do Brasil.

18

Os interditos do tabu racial, que rejeitam a negritude e promovem a branquitude, com seus modelos de estética e bom gosto calcados nas construções do mundo branco, trouxeram também problemas discriminatórios no meio e na imagem da televisão[...] Além da , podemos ver os reflexos dessa realidade nos comerciais de tevê. Aí percebemos as conseqüências do desinteresse histórico da elite brasileira em formar um mercado consumidor amplo, em seu próprio país, e da preferência pela imigração da mão-de-obra européia no período final da escravidão, em detrimento do trabalhador negro[...]. Na lógica dessa maioria, preto é igual a pobre, que é igual a consumo de subsistência. (ARAÚJO, 2000, p.38-39).

Segundo o Painel Nacional de Televisão, do Ibope Media (2015), crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos de todas as classes sociais passam em média 5h35 (cinco horas e trinta e cinco minutos) em frente à televisão, dentro deste período de tempo, elas são expostas aos conteúdos multifacetados e carregados de estereótipos e estigmas. Esse número é superior ao tempo que as crianças e adolescentes passam na escola. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) o tempo mínimo de permanência na escola é de quatro horas, e a média brasileira é de quatro horas e meia. Frente a isso, esse grupo social é mais condicionado do que educado academicamente. “Vista a partir da institucionalidade, a comunicação se converte em questão de meios, isto é, de produção de discursos públicos cuja hegemonia se encontra hoje paradoxalmente do lado dos interesses privados”. (BARBERO, 2008, p.

18).

A segunda indagação que pretendemos levantar é o motivo ou motivador social para esse auto reconhecimento e/ou a sua ausência de reconhecimento. Para responder a essa indagação, utilizaremos especificamente a ideia de reconhecimento e alteridade na visão do filósofo francês Paul Ricoeur, usaremos especificamente sua obra, Percurso do Reconhecimento. Essa obra é entendida como um convite ao auto reconhecimento. Ricoeur ainda estabelece o percurso de passagem do reconhecimento como noção epistemológica enquanto identificação. Desta forma, poderemos entender se a ausência de reconhecimento na subjetividade do aluno negro se dá por medo de se reconhecer como tal, por um reflexo midiático que acaba moldando sua personalidade ou pela simples e complexa falta de conhecimento sobre quem ele é (aluno).

Nossa terceira indagação é discutir de que modo o educador como formador de saberes, pode contribuir para que a ausência de representação midiática não

19

impacte na construção da subjetividade do educando somada às próprias questões do auto reconhecimento na sua subjetividade.

Neste ponto, a visão de complexidade do pensador francês Edgar Morin se fará presente, uma vez que, o autor faz crítica à fragmentação do conhecimento que é um dos pontos chave na ruptura deste fenômeno social que é o preconceito. Um professor que enxergue o aluno pela tríplice coroa sugerida por Morin, ou seja, que o veja não só como aluno, mas tenha a noção de subjetividade: sociedade, indivíduo e espécie assim como um olhar transdisciplinar, que vai além daquilo que sua disciplina pede, um olhar para o micro e o macro sistema, para os âmbitos social, educacional, político, econômico, lúdico.

PROBLEMÁTICA O preconceito estrutural pode ser visto como social e cultural, presente em todas as esferas da sociedade e muitas vezes sendo propagado de forma abundante através de ferramentas midiáticas, como nas telenovelas da Rede Globo de Televisão que é nosso objeto de análise. Realizaremos a análise de três novelas globais da faixa das 19hs (conhecida como novela das 7). A escolha se dá pelo fato de que a novela é transmitida numa faixa horária em que os alunos do ensino fundamental 2 estão chegando em casa após a escola, e possam assistir. Outro fato que justifica essa escolha é que a faixa etária é condizente com a classificação indicativa de 10 a 12 anos, e os alunos sujeitos da pesquisa têm entre 12 e 16 anos.

Frente a possível exposição estereotipada dos personagens negros nas novelas, grande parte da população pode tomar essas informações veiculadas como verdadeiras ou mesmo que, a utilizem para potencializar seus próprios preconceitos e estereótipos. Muitos grupos sociais são divididos dentro da sociedade devido a: culturas diferentes, posicionamentos políticos, hábitos, religiões, crenças, diferenças linguísticas, regionalização, condição financeira, entre vários outros aspectos sociais sendo alguns deles considerados banais, como o gosto musical. Entre esses grupos, está presente um grupo social que podemos entender como frágil de acordo com sua formação da subjetividade e que são constantemente bombardeados pela mídia, o de crianças e adolescentes.

20

De acordo com o psicólogo inglês Gordon Allport, em sua obra La naturaleza del prejuicio (1955), a estereotipagem é conhecida como “lei do menor esforço”. Ainda segundo ele, o mundo é muito complexo para que criemos atitudes diferenciadas a respeito de cada coisa. Ao invés disso, confiamos em crenças e esquemas simples e generalizantes, considerando nossa capacidade limitada de processar muitas informações ao mesmo tempo. Ou seja, o ser humano necessita pensar em categorias, fazer um agrupamento para que possa ser mais “fácil” e menos complexo entender e compreender o mundo.

Mas, acerca desta padronização do pensamento, Morin em seu livro Introdução ao Pensamento Complexo, afirma:

o conhecimento necessita ordenar os fenômenos rechaçando a desordem, afastar o incerto, isto é, selecionar os elementos da ordem e da certeza, precisar, clarificar, distinguir, hierarquizar... Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de provocar a cegueira, se elas eliminam os outros aspectos do complexus [...]. A dificuldade do pensamento complexo é que ele deve enfrentar o emaranhado (o jogo infinito das inter-retroações, a solidariedade dos fenômenos entre eles, a bruma, a incerteza, a contradição). (2005, p.13-14)

A complexidade do impacto cultural que a mídia televisiva gera sobre a sociedade é notável, produtos ganham mercado, desconhecidos viram celebridades. Uma discussão pode ser construída dentre os mais diversos grupos sociais por meio de uma simples notícia de jornal. Mas, e quando os espectadores constroem seus sonhos a partir daquilo a que são expostos pela televisão? Como por exemplo: Jogador de futebol; Modelo; Atriz; Modelos são observados e transformados em referências cotidianamente, entretanto, alguns destes expectadores não se veem representados na tela em profissões que alavanquem seu status social. Como posso ser aquilo que não vejo?

De acordo com a psicoterapeuta infantil e conselheira do Projeto Criança e Consumo, Ana Olmos, em entrevista ao site EBC (2015), “A criança fica passiva em frente à televisão, como se dispusesse do desejo de sujeito, fica como objeto em relação à televisão, pois se trata de uma mídia sem interatividade”. Portanto sintetizamos dessa maneira o seguinte problema de pesquisa: De que modo o

21

educador pode minimizar os efeitos negativos que a mídia hegemônica lança sobre os jovens e adolescentes negros?

PROBLEMA DA PESQUISA De acordo com a discussão apresentada, demonstramos aqui o problema da pesquisa que irá nortear nossa investigação: De que modo a ausência de representatividade midiática televisiva, no segmento das telenovelas da rede Globo transmitidas no horário das 19h, pode impactar na construção da subjetividade do estudante negro?

OBJETIVOS

GERAL • Verificar de que modo a ausência de representatividade midiática televisiva, no segmento das telenovelas da rede Globo transmitidas no horário das 19h, pode impactar na construção da subjetividade do estudante negro.

ESPECÍFICOS • Conhecer e estudar conceitos/definições de subjetividade, preconceito, estigma, estereótipos buscando compreender seus efeitos sobre os discentes; • Apresentar novelas das 19h da Rede Globo de Televisão como exemplos midiáticos de manutenção de estereótipos sociais e culturais; • Examinar como a mídia hegemônica pode afetar na construção da subjetividade do educando negro em sua perspectiva quanto sujeito, uma vez que, seu grupo social racial tem pouca representatividade midiática; • Compreender de que forma a educação escolar pode contribuir para que o estudante possa romper essa barreira, alavancando assim o potencial de sujeito.

22

REVISÃO DE LITERATURA A revisão de literatura foi realizada no primeiro semestre de 2019, a pesquisa foi feita nos repositórios da PUC-SP, USP, UNICAMP e da Universidade Metodista de São Paulo. A busca foi direcionada aos temas Preconceito Racial, Mídia e Educação. Optamos por um recorte temporal entre os anos de 2014 e 2019, A seguir apresentamos os resultados mais relevantes para o nosso trabalho.

A dissertação realizada pela pós-graduanda Mariana Avelina Miranda Carvalho, do programa de Psicologia da Educação da PUC-SP no ano de 2019, buscou compreender como as questões étnico-raciais estão se concretizando nesta escola a partir do olhar dos docentes. E, também, investigar quais são as compreensões dos professores sobre as relações raciais; quais desdobramentos a discussão sobre esta temática traz para a instituição e como se dá a sensibilização desse professor no cotidiano escolar

A dissertação de mestrado realizada por Faco, Hugo Fernando do Couto no ano de 2018, pela instituição UNICAMP, com título “Produção cultural midiática e a construção de identidades negras: uma análise de produções infanto-juvenis (Malhação 1999 e 2010) da Rede Globo de TV e proposta de produto final para ser aplicada em sala de aula”, buscou analisar como são representadas as identidades negras em duas temporadas da telenovela Malhação (1999 e 2010) voltadas ao público infanto-juvenil, analisando mudanças e permanências sobre as representações que permeiam tais identidades.

No ano de 2019, as autoras Fernanda Wanderer e Mônica Nunes da Universidade de Passo Fundo (UPF), publicaram um artigo na UNICAMP com o título “Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade. No artigo o material de pesquisa escrutinado foi composto por observações de aulas e registros de atividades pedagógicas postas em ação em uma turma do 8o Ano do Ensino Fundamental. A análise mostrou a existência de práticas discriminatórias na cidade onde vivem os discentes, em especial, em relação aos negros. Por outro lado, os estudantes afirmam que tais práticas não se fazem presentes na escola. Além disso, os alunos negros não se identificam com sua negritude, autodenominando-se de “morenos” ou “meio morenos”, mostrando que o pertencimento étnico-racial se constitui em um processo envolto em tensões que

23

frequentemente geram negação ou rejeição ao sentimento de pertença a um determinado

No artigo “Mídias e juventudes: representações da juventude negra em propagandas”, publicado em 2018, o doutorando pela UNICAMP João Gabriel do Nascimento Nganga, tem como intuito problematizar e analisar representações da população negra, em particular da juventude negra que foram veiculadas em propagandas publicadas na revista Veja e veiculadas no canal de comunicação Globo no período de 2001 a 2010, para assim, se refletir sobre identidades, imaginários sociais, racismo e outros referenciais que marcam a juventude negra brasileira

“Os jovens negros e universitários moradores da periferia da cidade de São Paulo: expectativas, conflitos e contradições” é o título da tese de doutorado realizada por Rogério Tineu no ano de 2019 pela instituição PUC-SP, como resumo ele defende que a natureza deste trabalho está centrada no estudo das expectativas de vida, dos conflitos e das contradições sociais oriundas do racismo e da segregação socioespacial vivenciada pela população negra da cidade de São Paulo, em especial ao jovem negro universitário, estudante de instituições privadas de ensino superior e morador dos bairros periféricos. A importância desta investigação situa-se no fato do aumento significativo de negros nas universidades brasileiras nos últimos vinte anos por meio de diversas políticas públicas, o que, provavelmente, produziu uma geração de jovens negros que compreendem melhor o seu espaço de luta.

Outro estudo encontrado tem com o título “Juventude(s), mídia e escola: ser jovem e ser aluno face à midiatização das sociedades contemporâneas”, tese datada de 2014 e realizada por Cirlene Cristina de Sousa na pós-graduação da Faculdade de Minas Gerais. Dentro desta pesquisa, é investigado como os processos de midiatização marcam a juventude dos alunos dentro da cultura contemporânea, e como esses processos impactam o modo como o educando interage dentro do ambiente escolar.

Outro artigo encontrado é um trabalho conjunto intitulado “Construção da identidade negra na sala de aula: passando por bruxa negra e de preto fudido a pretinho no poder.”, trabalho desenvolvido por Náiade Cristina de Oliveira Mizael e Luciane Ribeiro Dias Gonçalves, publicado em 2015. Nesta pesquisa é feito um debate sobre as questões referentes à educação das relações étnico-raciais e à

24

formação da identidade negra no cotidiano da sala de aula. Buscou-se compreender como os (as) alunos (as) negros (as) percebem e vivenciam essas relações de identidade e alteridade e de que maneira é construída (ou não) a identidade negra neste espaço.

Como base teórica para o desenvolvimento desta pesquisa, dentro do campo da filosofia da educação, teremos como principal referência Edgar Morin, além de contrapontos feitos com Paul Ricoeur e para compreender melhor o papel da educação na construção do indivíduo e da sociedade.

Além disso, utilizaremos autores da semiótica da cultura para que uma análise possa ser realizada referente a influência da mídia, assim como sua colaboração na propagação de preconceitos. Autores como, Martin Barbero e Muniz Sodré.

Maior ainda, no entanto, pode ser o problema da autodiscriminação, devido à internalização pelo indivíduo escuro de imagens negativas sobre si-mesmo. Por que maior? Porque se trata de processos inconscientes de autodesvalorização, difíceis portanto de serem submetidos ao escrutínio político ou racional. (SODRÉ, 1999, p. 235)

Pretendemos, com uma aproximação entre Educação e Comunicação, examinar e investigar os métodos e as formas comunicacionais sociais entre professor-discente e mídia-discente, traçando linhas de influências sobre a construção de suas subjetividades. E a partir das relações interculturais e de suas representações sociais de forma geral, para este fim utilizaremos Amartya Sen e Norberto Bobbio sobre os aspectos das divisões dos grupos sociais e preconceitos disseminados.

Quando deslocamos nossa atenção da noção de idêntico a si mesmo para a de compartilhamento de uma identidade com outros de um determinado grupo (forma que a ideia de identidade social assume com frequência), a complexidade aumenta ainda mais. De fato, muitas questões políticas e sociais contemporâneas giram em torno de alegações conflitantes de identidades díspares que envolvem diferentes grupos, uma vez que a concepção de identidade influencia, de várias maneiras, nossos pensamentos e ações. (SEN, 2015, p. 9)

Desta forma, segundo Sen é complexo entender como outro e ter esse reconhecimento, uma vez que, em cada indivíduo existem inúmeras características que o tornam diferente, único, mesmo que esses indivíduos vivam numa mesma sociedade e/ou pertençam a um mesmo grupo social. Assim, é essencial reconhecer

25

que as características são diversas e que exatamente por essa diversidade individual o reconhecimento se faça presente.

JUSTIFICATIVA Além das motivações empíricas que presenciei ao longo da minha vida como sendo um indivíduo negro e residente numa área de periferia, essa pesquisa é um desdobramento de uma inquietação que surgiu enquanto cursava a Graduação em Filosofia na Universidade Metodista de São Paulo, mais precisamente nas aulas de ética e a partir do desenvolvimento do meu TCC intitulado “O preconceito perene como prática de autopreservação social” que partiu do pressuposto de que, o preconceito é utilizado por indivíduos e grupos para se manterem num numa posição social que eles consideram superior, como uma pirâmide social sem base, onde os indivíduos e grupos lançam um olhar racional ou não sobre aqueles que eles consideram uma ameaça a sua própria subsistência.

Somos indivíduos vivendo em sociedade e justamente por isso carregamos conosco hábitos, costumes, cultura etc. Já pré-existentes na sociedade em que somos lançados, algumas particularidades como a língua, hábitos alimentares, vestimenta e até alguns aspectos sociais, entre eles o preconceito racial. Ora num rápido resumo podemos considerar que a maior parte dos seres humanos carrega consigo algum tipo de preconceito, seja ele de caráter individual que posso chamar aqui de superstições como por exemplo um indivíduo que acredita que cruzar com um gato preto na rua lhe trará azar, ou de caráter coletivo que se propaga socialmente entre grupos distintos.

A importância dessa pesquisa e do tema se deve, inicialmente por se tratar de uma pesquisa sobre um assunto (preconceito racial) considerado verbalmente inexistente, porém, tão presente e sentido nas relações sociais. Outro ponto de extrema importância se faz diante da ausência de representatividade da população negra na grande mídia e seu impacto na construção da subjetividade do aluno, uma vez que, esse problema acarreta aspectos negativos não só para o indivíduo, mas também para toda a sociedade. O terceiro ponto envolve a melhor ferramenta de mudança social, que é a educação, representada neste projeto na figura do docente.

26

Não há conscientização se, de sua prática não resulta a ação consciente dos oprimidos, como classe explorada, na luta por sua libertação. Por outro lado, ninguém conscientiza ninguém. O educador e o povo se conscientizam através do movimento dialético entre a reflexão crítica sobre a ação anterior e a subsequente no processo de luta. (FREIRE. 1987, p. 109-110).

Já é sabido que, o papel do professor e da escola não é apenas o de lecionar sua disciplina deixando de lado os aspectos sociais que o rodeiam e influenciam seus alunos, o professor como educador tem um papel central e de grande importância na construção e desenvolvimento de alunos críticos, conscientes da sua importância no meio social e de seus potenciais. Esse papel deve ser uma ponte entre o conhecimento acadêmico e sua aplicabilidade social, assim como a formação do indivíduo que se caracteriza como aluno como um ser social. Esse papel deveria resgatar a essência da Paideia Grega, que constrói o homem, ou seja, o indivíduo como cidadão.

A educação, que é complexa por essência, influi e é influenciada pelas partes e aspectos que a define e constitui [...] é urgente repensá-la a partir de uma visão totalizadora que a torne envolvida com as partes e os recortes, mas sempre em função das partes e de um todo uno, múltiplo e complexo, simultaneamente. (PETRAGLIA, 2020, p. 16).

Cada vez mais, a comunicação na forma midiática tem tomado as rédeas e definido como a sociedade deve se portar, seja influenciando o mercado de consumo, criando divergências políticas, separando cada vez mais os grupos sociais por etnia, crença, cor, gêneros etc. E consequentemente essas influências são propagadas de forma comum, reforçando assim os estigmas e estereótipos que já são conhecidos.

Pesquisar a complexidade deste fenômeno, o impacto sobre o aluno negro e o papel do docente frente a esse cenário não é apenas uma produção que visa um título ou um amontoado de laudas com teorias, ele é um alerta sobre um problema que aflige toda a sociedade e que desencadeia ainda mais desigualdades, ele uma tentativa acadêmica de elucidar possíveis soluções para tal problema a fim de tornar nossa sociedade justa e igualitária, demonstrar que o papel do professor pode ser

27

muito mais social e representativo. Por isso, talvez seja importante uma análise sobre esse tema que mescla educação, comunicação numa perspectiva social.

METODOLOGIA A metodologia que utilizaremos será a pesquisa bibliográfica. Segundo Marconi e Lakatos (1992), a pesquisa bibliográfica trata-se de um levantamento de vasta bibliografia publicada, que pode ser encontrada em livros, revistas, publicações avulsas e artigos. Tem como propósito aproximar o pesquisador do tema e possibilitá- lo o contato direto com esse material escrito sobre determinado assunto, auxiliando-o na análise dos dados e/ ou na manipulação de suas informações.

Consultaremos autores que dialoguem com a questão racial midiática como o cineasta e pesquisador brasileiro Joel Zito Araújo, com a obra A Negação do Brasil (2000). Utilizaremos também autores como Paul Ricoeur (1983) e Charles Taylor (1998) para aprofundarmos as noções de subjetividade e representatividade. Já no âmbito educacional, recorreremos a diversas obras de Edgar Morin, como Os sete saberes necessários à educação do futuro (2000).

Esta dissertação estrutura-se em 03 seções precedidas pela Introdução, que aqui apresenta os passos metodológicos da pesquisa científica e finalizada com algumas considerações finais. As seções são assim apresentadas:

A primeira seção trata de ideias e conceitos fundamentais ao trabalho teórico, tais como: reconhecimento, subjetividade, preconceito, estereótipo, estigma. A seção procura desenvolver uma interpretação acerca das relações humanas e da concepção de subjetividade do indivíduo. Utilizaremos aqui, ideias de autores como Charles Taylor (1998), Paul Ricoeur (2004), Amartya Sen (1999), Sócrates, Kierkegaard (1949).

A segunda seção traz uma análise acerca das novelas exibidas pela rede globo na faixa das 19hs, num recorte feito entre os anos de 2000 até 2019. A seção também apresenta a relação entre os personagens negros destas telenovelas e sua representatividade na sociedade. Para tal, utilizaremos autores como Morin (2002), Goffman (2017), Althusser (1985), Barbero (2005), Araújo (2000).

28

A terceira seção além de apresentar os procedimentos e as técnicas metodológicas da pesquisa, buscará concluir as análises teóricas e demonstrar os resultados desta pesquisa com os autores de referência que deram luz aos capítulos anteriores.

As considerações finais buscarão retornar à introdução para apontar limites e possibilidades do estudo, bem como iluminar as principais conclusões da dissertação.

29

2 PRIMEIRA SEÇÃO

2.1 Indivíduo, reconhecimento e subjetividade. Uma leitura filosófica

Nesta seção verificaremos de que modo o educando negro se auto reconhece no que diz respeito a identidade racial. Para tal abordagem refletiremos sobre os conceitos de Subjetividade e Reconhecimento, a fim de discutir e analisar o modo como o indivíduo se percebe frente a sua própria identidade racial. Abordaremos também conceitos e ideias a respeito de preconceito, estereótipo e estigma.

Pensadores de diversas áreas como: Filosofia, Antropologia, Economia e Sociologia convergem nas ideias, acerca da construção da subjetividade e do reconhecimento do indivíduo. Como principal arcabouço teórico no desenvolvimento desta reflexão sobre o Reconhecimento utilizaremos o trabalho do filósofo canadense Charles Taylor, na obra “Multiculturalismo” (1998). A escolha da obra e do pensador se dá em virtude de que Taylor demonstra um interesse ímpar sobre as relações humanas, assim como sua filosofia para o reconhecimento e afirmação da dignidade do indivíduo. Entretanto, esse não será nosso único teórico, nos fundamentaremos em outros pensadores que também se dedicam a entender a subjetividade do indivíduo. Para ampliar nossa gama de entendimento acerca do tema, utilizaremos também os seguintes pensadores: Paul Ricoeur (2004), Amartya Sen (1999), Sócrates, Kierkegaard (1949).

Buscar entender os aspectos sociais e estruturais que rodeiam os conceitos (Subjetividade e Reconhecimento) é o ponta pé inicial para entendermos a situação do aluno negro quando se depara com a ausência de representatividade midiática televisiva. Entender como a subjetividade deste grupo social se constrói, como ele se auto reconhece e o que eles veem será o foco desse trabalho. Estabelecer um aparato teórico que tem início na filosofia clássica com Sócrates até pensadores contemporâneos é importante para que possamos dar sustentação às nossas ideias subsequentes.

30

Aqui lançamos uma pergunta de cunho filosófico para que possamos ter percepção do efeito negativo da ausência de representatividade de um grupo social. Como posso ser aquilo que não vejo?

Antes de darmos início às investigações e ao aprofundamento do tema, consideramos que se faz necessário evidenciar o conceito, etimologia e significado das duas palavras chaves que nos nortearão neste capítulo. Para tal, utilizaremos o “Dicionário básico de Filosofia” (1996) e o Dicionário Brasileiro Aurélio, na versão virtual. Começaremos com a palavra Subjetividade: recorrendo a sua dimensão etimológica. Subjetividade vem de sub-jectum, do latim: sub, o que está debaixo e jacere, estar deitado. Já no “Dicionário básico de Filosofia” Subjetividade é uma “característica do sujeito; aquilo que é pessoal, individual, que pertence ao sujeito e apenas a ele, sendo, portanto, em última análise, inacessível a outrem e incomunicável” (1996, p.179)

Já no dicionário online de português, temos a palavra Subjetividade sendo descrita como, “Qualidade de subjetivo, individual, particular; relativo ou próprio do indivíduo. Estado psíquico e cognitivo do sujeito cuja manifestação pode ocorrer tanto no âmbito individual quanto no coletivo, fazendo com que esse sujeito tome conhecimento dos objetos externos a partir de referenciais próprios.”. (SUBJETIVIDADE, 2020)

Trazemos agora a descrição da palavra Reconhecimento:

(in. Recognition; acknowledgment; Ir. Reconnaissance-, ai. Anerknnung; it. Riconoscimento). 1. Em geral, conhecer algo por aquilo que é. Neste sentido diz-se, p. ex., "Reconheci-o como ladrão", ou "Reconheço a justiça dessa observação". 2. Um dos aspectos constitutivos da memória, porquanto os objetos lhe são dados como já conhecidos (v. MEMÓRIA). (ABBAGNANO, 2007, p.836)

Já no dicionário online de português, temos a palavra Reconhecimento sendo descrita como “Ato ou efeito de reconhecer, admitir como verdadeiro: reconhecimento de um direito”. (RECONHECIMENTO, 2020)

Segundo Woodward (2009), existe uma ligação entre os termos subjetividade e identidade. A subjetividade é formada por dois elementos centrais: o sujeito (ou

31

indivíduo) e o meio social. “A subjetividade inclui as dimensões inconscientes do eu” (WOODWARD, 2009, p. 55). De acordo com a pensadora a subjetividade ajuda o indivíduo no processo de produção da identidade.

Para Morin (1996), a subjetividade está ligada a noção de sujeito por meio de uma base biológica e também cultural. Há dois planos antagônicos e complementares, simultaneamente: um reflexivo, compreensivo e outro determinista, objetivo. Dentro do entendimento biológico é estudado a genética e a dimensão cognitiva, já na base reflexiva o sujeito se reconhece por meio da reflexão acerca dele mesmo, por fim, no plano objetivo o sujeito dá lugar a uma noção mais ampla de indivíduo e passa a ser compreendido cientificamente pela noção do trinômio: sociedade – indivíduo – espécie.

Na compreensão de Morin, o sujeito é autônomo dentro das limitações que o meio social permite que ele seja, portanto, é também dependente, uma vez que o sujeito precisa do meio para sobreviver, assim, ao fazer trocas com o meio o sujeito está realizando um movimento de auto-organização, já que o sujeito está absorvendo elementos do meio e se reorganizando enquanto sujeito. Esse movimento que é constante, Morin (1996, 2003) denomina de auto-eco-organizador.

Para definir a noção de sujeito, Morin (2003) apresenta quatro princípios de identidade. O primeiro princípio pode ser chamado de denominado “princípio da distinção, da diferenciação e da reunificação”, pois permite entender e distinguir a noção de interior e exterior do sujeito, assim como uma visão subjetiva e outra objetiva. O segundo princípio é o da permanência da autorreferência, em que o sujeito se reconhece da mesma forma mesmo com as mudanças pelas quais passa ao longo da vida, este é um processo recursivo.

Já o terceiro e quarto princípios são os da exclusão e de inclusão. O princípio da exclusão possibilita que só o sujeito possa se referir a ele e ninguém mais, em seu lugar, e o princípio da inclusão dá a possibilidade para que o sujeito incorpore características de outros e do meio nele mesmo. Este princípio pode ser visto como contraditório, uma vez que, ao atrelar características do meio e de outros o sujeito se faz com o meio sem perder sua individualidade. Desta forma, a produção de subjetividade está inter-relacionada com todas as relações produzidas e reproduzidas no mundo.

32

Dessa forma, para Morin (2005) a produção de subjetividade está ligada às relações sociais, ao meio, e planetárias. Ou seja, do sujeito e esse exercício pode proporcionar ao sujeito a constatação de que o ser humano mantém operadores cerebrais hologramático, recursivo e dialógico, simultaneamente.

O ser humano é um ser racional e irracional, capaz de medida e desmedida; sujeito de afetividade intensa e instável. Sorri, ri, chora, mas sabe também conhecer com objetividade; é sério e calculista, mas também ansioso, angustiado, gozador, ébrio, extático; é um ser de violência e de ternura, de amor e de ódio; é um ser invadido pelo imaginário e pode reconhecer o real, que é consciente da morte, mas que não pode crer nela; que secreta o mito e a magia, mas também a ciência e a filosofia; que é possuído pelos deuses e pelas ideias, mas que duvida dos deuses e critica as ideias; nutre-se dos conhecimentos comprovados, mas também de ilusões e de quimeras. E quando, na ruptura decontroles racionais, culturais, materiais, há confusão entre o objetivo e o subjetivo, entre o real e o imaginário, quando há hegemonia de ilusões, excesso desencadeado, então o Homo demens submete o Homo sapiens e subordina a inteligência racional a serviço de seus monstros” (MORIN, 2000, p.59-60).

Segundo Solé (2006), no processo de ensino aprendizagem existe um aspecto que está diretamente ligada a forma como a pessoa se vê. Assim, a subjetividade do indivíduo pode auxiliar ou não em sua aprendizagem e em como ela se relaciona com o mundo.

Para Rey (2011), negar o indivíduo como singularidade subjetivamente constituída é ignorar a complexidade da subjetividade, a qual se constitui simultaneamente em uma multiplicidade de níveis, que podem ser contraditórios em si, mas de cujo funcionamento dependem os diferentes momentos do desenvolvimento subjetivo. As subjetividades social e individual representam dois níveis que participam na manifestação qualitativa do subjetivo, mas que também apresentam, dessa maneira, períodos de tensão e contradição atuando como motor da elaboração das duas instâncias da subjetividade. Portanto, a subjetividade é estabelecida em unidades complexas, envolvidas de maneiras distintas com o sistema subjetivo total, ou seja, no arranjo distinto do sujeito concreto e nos diferentes níveis da subjetividade social.

33

Quem sou eu? Essa é uma pergunta que vem sendo pensada, debatida e estudada há milhares de anos. No decorrer da história da humanidade a necessidade de saber quem somos, assim como buscar entender nossa identidade tem sido constante. A icônica frase “conhece-te a ti mesmo”, que é atribuída ao filósofo grego Sócrates (469-399 a.C), mas que na verdade era uma inscrição que se via na entrada do Oráculo de Delfos2, já propunha uma reflexão sobre quem somos, buscando levar ao entendimento acerca de nossa subjetividade. Na concepção socrática, a frase “conhece-te a ti mesmo” virou um modelo na busca não só do autoconhecimento, mas do conhecimento do mundo, da verdade, mas também era uma tentativa de fazer com que cada indivíduo se sentisse mais feliz e completo por meio da autoanálise e do autoconhecimento.

A filosofia clássica de Sócrates tinha como fundamento principal a busca da verdade, e para tal, o filósofo ateniense usava a frase “conhece-te a ti mesmo” na essência de sua filosofia, fazendo com que os indivíduos tivessem, antes mesmo de um encontro com a verdade que procuravam, um contato consigo mesmo e um reconhecimento daquilo que não sabiam. O indivíduo precisa auto analisar-se, reconhecer sua própria ignorância saber quem se é, ter uma clara ideia de sua individualidade.

Uma segunda técnica utilizada por Sócrates era a Maiêutica, que significa basicamente “técnica de trazer à luz”. Para o filósofo mestre de Platão, a verdade já estava presente no próprio indivíduo, mas que por alguns motivos ele não poderia atingi-la. Entre os motivos, podemos citar as falsas ideias que envolvem cada um dos seres humanos, os preconceitos e a falta de empenho em se buscar a verdade e o conhecimento. Crer fielmente em nossas verdades talvez seja o principal motivo para não alcançarmos a verdade, e com isso corremos o risco de nos perdermos em meio às falsas convicções e aos preconceitos. Um preconceito pode ser tanto para com outro indivíduo como para com nós mesmos, não nos reconhecendo.

O perigo deste não reconhecimento transformado em preconceito é bem demonstrado pelo filósofo italiano Norberto Bobbio, em seu livro “Elogio da serenidade e outros escritos morais”, de 2002. Ele descreve o preconceito como:

2 Fundado por volta de 750 (A.C.) e situado em Delfos na Grécia Antiga, o Oráculo de Delfos era dedicado principalmente ao Deus Apolo e era o mais importante local religioso do antigo mundo grego.

34

Uma opinião ou um conjunto de opiniões, às vezes até mesmo uma doutrina completa, que é acolhida acrítica e passivamente pela tradição, pelo costume ou por uma autoridade de quem aceitamos as ordens sem discussão: ‘acriticamente’ e ‘passivamente’, na medida em que a aceitamos sem verificá-la, por inércia, respeito ou temor e a aceitamos com tanta força que resiste a qualquer refutação racional, vale dizer, a qualquer refutação feita com base em argumentos racionais. Por isso se diz corretamente que o preconceito pertence à esfera do não racional, ao conjunto das crenças que não nascem do raciocínio e escapam de qualquer refutação fundada num raciocínio. (BOBBIO, 2002, p.103)

Outro filósofo que deu significativa importância a essa questão, foi o dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855) que além de ser considerado o pai do existencialismo, também era teólogo, poeta e crítico social. Em seu livro “O desespero humano” publicado em 1849, lança a seguinte reflexão socrática: “uma vida irrefletida não vale a pena ser vivida”. Com isso, Kierkegaard classifica diversos graus de desespero humano. Para ele o mais baixo e mais frequente é o desespero resultante da ignorância. Ou seja, o indivíduo tem uma percepção errônea sobre quem ele realmente é, sobre o seu Eu. Fazendo com que ele não consiga ter clara acuidade sobre sua existência, sobre sua subjetividade, sua natureza e seu potencial.

O entendimento de indivíduo, segundo Kierkegaard, subsiste porque na interioridade mora a possibilidade. “A possibilidade é, por conseguinte, a mais pesada de todas as categorias [...] Na possibilidade tudo é igualmente possível...” (KIERKEGAARD, 2010, p.164). A constituição do indivíduo kierkegaardiano se dá a partir de sua individualização, uma vez que ele não nasce completo, mas no decorrer de sua vida, de sua existência ele vai se tornando quem ele é, torna-se o que é devido a um auto reconhecimento de quem se é, e não por conta de uma influência externa e/ou totalmente social. Uma vez que o meio social pode influenciar na construção da subjetividade do indivíduo, para que ocorra esse processo de individualização, de auto reconhecimento, é necessário que se tome decisões, se faça escolhas e acima de tudo, se assuma e se reconheça. “Ao alcance de cada um tornar-se o que é, um Indivíduo; absolutamente ninguém está excluído de o ser, exceto quem se exclui a si próprio, tornando-se multidão”. (KIERKEGAARD, 1986, p.102).

35

Kierkegaard assinala que quando o indivíduo ao se assumir existencialmente dentro deste processo de individualização, ocorre uma supressão da multidão (podemos entender como os grupos sociais que rodeiam o indivíduo), que para ele são as falsas verdades, neste momento assim como no exercício da maiêutica de Sócrates, o indivíduo busca se conhecer e se identificar antes. Esse processo é fundamental para que ocorra a quebra de estereótipos, preconceitos estruturais e estigmas sociais, pois se reconhecer como indivíduo e ser consciente de sua individualização denota que o outro também é único e que sua individualidade deve ser compreendida e respeitada.

2.2 Quem sou eu na concepção de Ricoeur e Taylor

A pergunta “Quem sou eu” se apresenta na compreensão de Paul Ricoeur (1913-2005), filósofo francês que têm seu pensamento e ideias em contato direto com o existencialismo, o personalismo, a hermenêutica e a fenomenologia como uma reflexão do reconhecimento de si e do outro. Diante desta perspectiva, Ricoeur faz uma distinção do reconhecimento em seu livro “Percurso do Reconhecimento” (2006).

Em três estudos, Ricoeur (2006) busca estabelecer um debate acerca do conceito de reconhecimento, tendo assim: (a) uma noção epistemológica enquanto identificação. Nesta etapa ele já aborda a questão de que a identificação do indivíduo necessita do outro para assim então se ter o reconhecimento de si, (b) visão antropológica do reconhecimento de si. Aqui Ricoeur traz a problemática acerca do Ser reconhecido, e (c) noção do reconhecimento como entendimento político deste conceito, assim como na necessidade de o reconhecimento ser algo mútuo. Nesta última etapa, o filósofo francês acrescenta que, para o reconhecimento mútuo é inevitável o exercício da alteridade3, não só como prática política, mas como hábito social.

Ricoeur (2006) nos apresenta um aspecto da filosofia hermenêutica do si como capacidade. As capacidades são classificadas e enumeradas em três partes,

3 Do latim alteritas, que parte da concepção de que todo ser humano interage e é interdepende do outro. Segundo a enciclopédia Larousse (1998), alteridade é um “Estado, qualidades daquilo que é outro, distinto (antônimo de Identidade) (1998, p.220). Conceito da filosofia e psicologia: relação de oposição entre o sujeito pensante (o eu) e o objeto pensado (o não eu).

36

retratando assim a figura do indivíduo capaz. São elas: o poder dizer; o poder fazer e, o poder narrar e narrar-se.

Para nossa reflexão e desenvolvimento dessa pesquisa, abordaremos apenas a terceira parte: o poder narrar e narrar-se, tendo em vista a confluência com a questão aqui abordada do reconhecimento. Narrar-se demonstra a importância de se reconhecer em face de sua própria subjetividade, pois o indivíduo ao discursar sobre quem é, denota e configura uma dimensão que o sujeito tem dele mesmo, ou seja, são evidenciados suas percepções e o imaginário dele e do meio que o cerca.

Esse exercício é direcionado a si e ao outro na busca por uma subjetividade. Em outras palavras, o indivíduo ao se reconhecer e ao fazer o exercício de individualização, não permitindo que as influências externas julguem ou digam quem ele é, busca construir uma subjetividade que pertence apenas a ele, o reconhecimento de si. Desta forma, a individualidade permanecerá como fator preponderante para que o Eu seja único para si e para outras narrativas.

Assim, podemos dizer que a educação tem papel fundamental neste exercício de reconhecimento mútuo, que por si só, requer o reconhecimento de si. Uma vez que, a educação pode e deve ter um papel transformador na compreensão da realidade a qual estamos colocados, como por exemplo no entendimento de nossas potencialidades, e ainda mais presente está o anseio humano pelo reconhecimento do seu Eu por outrem, já que necessitamos da presença, da estima do outro (Ricoeur, 1991).

O que espero do meu vizinho é que me ofereça a imagem da minha humanidade, que me demonstre sua estima proclamando minha humanidade. Este frágil reflexo de mim mesmo na opinião dos outros tem a consistência de um objeto e se introduz na objetividade de um fim existente que limita qualquer pretensão de se dispor pelos bens de si mesmo: esta é a objetividade na qual e pela qual posso ser reconhecido. (RICOEUR, 1991, p.139)

Charles Taylor, pensador e filósofo contemporâneo, nascido em 5 de novembro de 1931 na cidade canadense de Montreal tem seus trabalhos voltados principalmente para a área da Filosofia Política e Ciências Sociais. A contribuição de Taylor para o entendimento moderno da identidade e do reconhecimento são configurados como uma questão de multiculturalismo. Essa linha de trabalho e pensamento desenvolvida

37

pelo autor visa entre outros pontos uma possível saída ou mesmo resolução dos problemas resultantes das mais diversas diferenças culturais que permeiam a sociedade. Talvez o grande motivador de Taylor tenha sido entender a identidade de modo singular e coletivo, pois ele busca compreensão dos mais diversos pontos da história humana ocidental.

Na visão de Taylor (1998) existe uma ligação indissociável entre o discurso antropológico e o discurso moral, uma vez que, a nossa concepção de sujeito está diretamente ligada ao nosso espaço social e cultural, pois, somos indivíduos vivendo em sociedade e justamente por isso carregamos conosco hábitos, costumes, cultura etc. Já pré-existentes na sociedade em que somos lançados, algumas particularidades como a língua, hábitos alimentares, vestimentas e até alguns aspectos sociais, entre eles o preconceito que como visto pode ser fruto do nosso não reconhecimento.

Taylor (1998) tem a pretensão de dar um novo olhar para o ser humano, esse novo olhar busca categorizá-lo numa concepção de sujeito enquanto linguagem e cultura, já que esse indivíduo consegue ter reconhecimento como tal por viver em sociedade. A “comunidariedade” é uma marca do taylorismo, tendo em vista que, nós enquanto indivíduos, vivemos em uma constante troca social de interlocutores. Para o aluno negro, essa troca de interlocutores pode ser algo decisivo na sua construção da subjetividade, já que para ele o que o outro fala dele o constitui como sujeito frente a sua própria compreensão de mundo, seus aspectos culturais e sua ideologia. Mas, quando ele não consegue expor quem é e como se vê, fica à mercê da descrição do outro.

É importante salientar aqui, que para Taylor (1998), não há possibilidade de um indivíduo se constituir (viver/ser) sem que seja num espaço de interação social, tanto pela dependência humana de convivo quanto pela própria interação. Evidenciando esta ideia do pensador canadense, lembramos aqui de “O Enigma de Kaspar Hauser” (1974), episódio ocorrido na Alemanha no início do século XIX que retrata a história de um rapaz que passou a juventude aprisionado em um calabouço e, em consequência disso não tinha nenhum contato com o mundo físico e com a sociedade, a não ser com as poucas palavras que ouvia de seu pai quando ia até o calabouço para levar comida e água. Tinha também algum contato com um velho brinquedo de

38

madeira que representava um cavalo, algumas peças de roupa e outros utensílios básicos. Hauser não sabia o que era devido a sua limitação cognitiva e linguística. Poderíamos relacionar a experiência de Kaspar Hauser com o mito da caverna de Platão, onde o calabouço seria a caverna e após sair do cárcere, Hauser se defronta com o mundo real, assim como o sujeito que consegue sair da caverna que é um mundo de ilusão. A necessidade de outro para que o indivíduo reconheça sua subjetividade é vista por Taylor da seguinte forma:

A descoberta da minha identidade não significa que eu me dedique a ela sozinho, mas, sim, que eu a negocie, em parte, abertamente, em parte, interiormente, com os outros. É por isso que o desenvolvimento de um ideal de identidade gerada interiormente atribui uma nova importância ao reconhecimento. A minha própria identidade depende, decisivamente, das minhas reacções dialógicas com os outros. (TAYLOR, 1998, p.54)

Assim, o indivíduo só pode ter reconhecimento de sua individualidade e do seu lugar no mundo quando participa e tem convívio com a sociedade em que está presente, assim como com a cultura. É nesse momento que a linguagem aparece como estrutura fundamental para a teoria do reconhecimento de Taylor (1998), pois para ele a linguagem está no alicerce da sociedade e da cultura que a determina como sociedade moderna. O autor entende que a linguagem ultrapassa os limites da universalidade do indivíduo, pois ela abrange toda a sociedade da qual o sujeito faz parte, desta forma o indivíduo necessita da linguagem para reconhecer sua realidade, sua sociedade e também sua própria subjetividade, pois ele precisa se reconhecer para ser.

O pensamento filosófico da teoria do reconhecimento moderno enquanto ação ética e política surgiu em meados do século 19, a partir do pensamento do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), considerado um dos mais importantes e influentes de toda a história da filosofia e do pensamento ocidental. Hegel, em seu livro Fenomenologia do espírito (1807), demonstra um modelo essencial na forma de se considerar e entender o indivíduo e de suas relações sociais, isso fica mais evidente no capítulo 4 da obra, na qual ele aborda a questão entre o Senhor e o Escravo. Entretanto, para Taylor (1998), se faz necessária um recuo, uma viagem mais antiga para entender melhor a história humana e de sua formação no pensamento acerca do próprio ser humano.

39

Para Taylor (1998), duas mudanças foram cruciais para que houvesse uma maior atenção para as questões da subjetividade e do reconhecimento. Em primeiro lugar, Taylor salienta a ruptura nas hierarquias sociais, onde o status social era fator preponderante para que o sujeito fosse digno de reconhecimento. Isso se estendia não só única e exclusivamente para o indivíduo, mas também para sua família que sofria pelas mesmas condições de invisibilidade social. Exemplo claro disso eram os impérios monárquicos que reinavam por toda a idade média. O segundo fato que teve significância para isso foi uma nova compreensão da identidade do indivíduo. Taylor compreende que:

Podemos falar de uma identidade individualizada, ou seja, aquela que é especificamente minha, aquela que eu descubro em mim. Esta noção surge juntamente com um ideal: o de ser verdadeiro para 54 comigo mesmo e para com a minha maneira própria de ser. (TAYLOR, 1998, p.48)

Podemos entender esta fala da seguinte maneira: o indivíduo participa de diversos grupos sociais, geralmente em cada um desses grupos o sujeito se comporta de maneira distinta da outra. Por exemplo, o comportamento do aluno na escola é provavelmente diferente do seu comportamento em casa, uma vez que o ambiente se torna singular. Para Taylor (1998), quando o indivíduo tem um mesmo comportamento em relação a sua própria identidade em lugares distintos ou mesmo em relação a pessoas diferentes, ele evidencia ali uma subjetividade que é fator de reconhecimento de si. Para o filosofo essa identidade recorrente é a autenticidade do sujeito. E, fazendo uma ligação entre subjetividade e reconhecimento, põem-se aqui a máxima de Heidegger, onde o indivíduo só é na sua relação com o outro e com o mundo. “Verdadeiros agentes humanos, capazes de nos entendermos e, assim, de definirmos as nossas identidades, quando adquirimos linguagens humanas de expressão, ricas de significado”. (TAYLOR, 1998, p.52).

É importante ressaltar que para Taylor (1998), a linguagem não é meramente uma ferramenta de comunicação verbal, ou mesmo um meio de interlocução entre os indivíduos. Para ele, a linguagem vai muito além deste aparato comunicativo, linguagem comporta “não só as palavras que proferimos, mas também outros modos

40

de expressão, através dos quais nos definimos, incluindo as «linguagens» da arte, do gesto, do amor, e outras do gênero” (Taylor, 1998, p.52). Para o autor:

As pessoas não aprendem sozinhas as linguagens necessárias à auto definição. Pelo contrário, elas são-nos dadas a conhecer através da interação com aqueles que são importantes para nós – os «outros- importantes», como George Herbert Mead lhes chamou. A formação da mente humana é, neste sentido, não monológica, não algo que se consiga sozinho, mas dialógica. (TAYLOR, 1998, p.52-53).

Podemos compreender, então, que, a linguagem para o pensador canadense tem enorme importância no que diz respeito a formação do indivíduo e no seu processo de individualização, assim como no processo de reconhecimento.

Não nos limitamos a aprender as linguagens em diálogo para, depois, continuarmos a usá-la para os nossos próprios fins. [...] Não é assim que se passa com as questões importantes, como a definição da nossa identidade. Definimo-la sempre em diálogo sobre, e, por vezes, contra, as coisas que os nossos outros-importantes querem ver assumidas em nós. Mesmo depois de deixarmos para trás alguns desses outros importantes – os nossos pais, por exemplo – e de eles desaparecerem das nossas vidas, o diálogo com eles continua para o resto de nossas vidas. (TAYLOR, 1998, p.53)

Não somente diante desta introdutória argumentação a respeito da subjetividade, vale lembrar, que para o autor (1998), o indivíduo é também um apanhado de tudo aquilo que vivenciou ao longo de sua vida. São suas experiências, sua cultura, seu olhar de mundo e também o acúmulo das suas relações interpessoais que o definem. Taylor, assim dirá que o indivíduo:

É aquilo que nós somos, «de onde nós provimos». Assim definido, é o ambiente no qual os nossos gostos, desejos, opiniões e aspirações fazem sentido. Se algumas das coisas a que eu dou mais valor estão ao meu alcance apenas por causa da pessoa que eu amo, então ela passa a fazer parte da minha identidade. (TAYLOR, 1998, p.54)

A relação entre subjetividade e reconhecimento ganha novos ares e uma nova perspectiva filosófica e humana na modernidade. Antigamente o sujeito já tinha como pré-definida a sua subjetividade, não era algo que ele se preocupasse em alcançar,

41

com isso, seu reconhecimento também ficava estagnado sobre aquilo que ele mesmo já tinha como certo. Ou seja, “o que a identidade moderna tem de novo não é a necessidade de reconhecimento, mas sim as condições que podem levar uma tentativa de reconhecimento ao fracasso” (Taylor, 1998, p.55).

O desvelamento acerca destes conceitos e utilizações mudou o pensamento humano moderno, trazendo novas reflexões filosóficas, isso porque:

Não se falava em «identidade», nem em «reconhecimento» – não porque as pessoas fossem destituídas de (aquilo a que chamamos) identidade, ou porque estas não dependiam do reconhecimento, mas, sim, porque, não eram suficientemente problemáticas para serem discutidas como tal. (TAYLOR, 1998, p.55)

Podemos entender, então, que o reconhecimento habita o campo da ética, já que para se ter um reconhecimento de si e do outro, se faz necessário previamente um julgamento acerca das práticas, das características e das subjetividades múltiplas que podemos encontrar em meio à sociedade (e até mesmo nossas mais variadas subjetividades). Entretanto, nós podemos abarcar a noção do Reconhecimento dentro do campo da justiça, uma vez que, sabendo que a justiça requer o reconhecimento de todos como iguais perante as leis e deveres, seria um caso de injustiça que um indivíduo ou grupo social sofresse por marginalização frente a sua individualidade, atrelada ao seu reconhecimento.

Ou seja, trazendo para a questão educativa dos alunos negros, nos parece injusta que sua construção da subjetividade seja colocada em xeque diante de uma ausência de visibilidade midiática televisiva. O indivíduo que não se vê representado, também corre o risco de ter sua identidade marginalizada socialmente por conta desta não representatividade. A sociedade pode enxergar e fazer falso juízo deste sujeito com base no que é televisionado nas novelas, essas que por sua vez tem um papel de representar a realidade social do país.

Na obra Cultura de Massa do Século XX (2002), Morin utiliza o conceito de projeção-identificação. Nesse contexto destacam-se as mídias audiovisuais, isso porque, essas mídias têm poder de construir um imaginário capaz de interferir na subjetividade dos indivíduos, uma vez que, a cultura de massa se dá por meio de instrumentos de identificação e projeção dos indivíduos.

42

A identificação se dá através das características, tanto afetivas quanto físicas, presentes nas personagens que o público leva à sua própria vida. A projeção ocorre mediante aquelas ações menos possíveis de serem realizadas socialmente. Ao se projetarem, os indivíduos aliviam as tensões diante de uma história narrada pela indústria cultural (MORIN, 2002, p.78).

Ou seja, a identificação se dá pela proximidade que criamos com os personagens e pela projeção que fazemos de nós mesmos neles ou em suas vidas fictícias. Assim, o processo de identificação e projeção molda a subjetividade do indivíduo servindo-lhe como um modelo de vida e/ou conduta.

O processo de identificação ocorre quando o espectador assume o ponto de vista da pessoa ou da personagem, tomando-o para si como um reflexo de sua situação de vida. Já a projeção acontece quando o espectador projeta seus sentimentos sobre o sujeito ou personagem televisivo, amando aqueles que o outro ama, odiando da mesma forma que o outro odeia e assim por diante. Esses processos de identificação e de transferência referem-se a níveis muitas vezes inconscientes do espectador. Anteriormente, as projeções davam-se com deuses e heróis, com seus poderes sobre-humanos. Hoje, os heróis pertencem à indústria cultural, são as estrelas do cinema e das novelas, os ídolos do esporte e da música. Podemos projetar no ídolo da televisão não só nossos desejos, mas também, sobretudo, nossos medos, tristezas, incertezas e, principalmente, aquilo que não temos coragem de viver, ou não temos condições de fazer (ORMEZZANO, 2005, p.03).

Nesta perspectiva, as telenovelas têm um papel central na projeção- identificação, já que ela pode alcançar todos os níveis sociais, faixas etárias, ideologias e culturas de uma sociedade, e seus personagens variados são destinados ao grande público comum, justamente por representar características e temas diversos.

A telenovela revela, um processo de construção do cotidiano. Jesús Martin- Barbero (1997), por sua vez, apresenta a importância do melodrama para a cultura latino-americana como matriz da nossa cultura. Entretanto, como veremos na segunda seção desta dissertação, essa matriz pode ser prejudicial para a própria cultura.

43

2.3 A ausência de reconhecimento para o aluno negro

A ausência de reconhecimento para o aluno negro (e não só ele) consiste numa diminuição de sua autoestima e compreensão de si. Muitas vezes essa depreciação é resultante de uma cultura hegemônica que se julga ou é julgada como dominante, que nesse caso específico podemos entender como uma cultura eurocêntrica perpetuada no Brasil como sendo um padrão a ser seguido e disseminado. Esse efeito de não reconhecimento resulta num agravo negativo em relação à subjetividade do indivíduo e do seu grupo social racial. Logo, buscar uma representatividade para esse grupo muitas vezes marginalizado é o mesmo que reivindicar o reconhecimento para tal. Isso requer que tais indivíduos tenham consciência plena e segura de sua subjetividade e queiram ao mesmo tempo alavancar essa representatividade, a fim de ter sua subjetividade reconhecida, respeitada e propagada pela televisão de modo imparcial e sem aspectos estigmatizados.

O economista e filósofo indiano Amartya Kumar Sen, ganhador do prêmio Nobel de Economia no ano de 1998 por sua contribuição às teorias da escolha social e do bem-estar social, em sua obra: “Identidade e Violência”, reflete sobre o embate social que ocorre na busca por subjetividade e ainda sobre a possível hierarquização que pode vir a surgir. Para Sen:

Uma razão é que a identidade pode ser uma fonte de riqueza e generosidade, ao mesmo tempo que de violência e terror, e faria pouco sentido tratar a identidade como um mal geral. Preferivelmente, temos de deter-nos na compreensão de que a força de uma identidade belicosa pode ser desafiada pelo poder de identidades rivais. Estas podem, claro, incluir a ampla comunidade de nossa humanidade compartilhada, mas também muitas outras identidades que todo mundo tem simultaneamente. (SEN, 2015, p.23)

O autor nos faz pensar sobre esse embate de identidades, algo presente no cotidiano dos alunos negros. Diante da ausência de representatividade midiática o discente pode se colocar em dúvida quanto à sua própria identidade, isso porque, a identidade representada dos personagens negros é quase sempre uma identidade marginalizada e estereotipada, (como veremos com mais profundidade na segunda seção).

44

Uma sociedade que busca desde sua formação enquanto nação independente um ideal de branqueamento de sua população é a mesma sociedade que não reconhece o indivíduo negro com os mesmos direitos que o restante. Essa segregação velada fica clara nas telenovelas globais. Logo, o embate de identidades ocorre tanto nos grupos sociais quanto no próprio sujeito, que ao se confrontar com esse cenário pode ter dificuldade em se auto reconhecer.

Mesmo com o enfrentamento de um embate interno que pode ocorrer em relação a subjetividade, o indivíduo ainda se vê muitas vezes diante de outro desafio, que é o de buscar o reconhecimento a partir da visão do outro. Para Sen, “mesmo quando está claro o modo como desejamos ver a nós mesmos, ainda podemos ter dificuldade em conseguir persuadir os outros a ver-nos da mesma maneira.” (SEN, 2015, p.25).

Aqui, a ideia de persuadir não está atrelada ao conceito de convencer o outro, mas sim de fazer com que esse outro te veja como outro, e desta forma possa ter o conhecimento de que sendo outro você é diferente, um indivíduo, um sujeito. Tal qual o conceito de reconhecimento de si e do outro apresentado por Ricoeur (2015), qual seja a direção, o indivíduo busca reconhecer-se a si mesmo numa identidade constituída de capacidades e falibilidades na pessoa do outro, tanto quanto reconhecer uma identidade nas constituições do outro em si mesmo.

Para o pensador indiano, se o indivíduo não buscar esse reconhecimento de si:

Ela teria sido tipicamente colocada na categoria que o Estado e os membros dominantes da sociedade lhe reservavam. Nossa liberdade para fazer valer nossas identidades pessoais pode às vezes ser extraordinariamente limitada aos olhos dos outros, não importa como vejamos a nós mesmos. De fato, às vezes podemos não estar plenamente conscientes de como os outros nos identificam, o que pode diferir da percepção de si mesmo. (SEN, 2015, p.25)

Sem (2015) então ressalta uma problemática que, ao mesmo tempo em que a subjetividade e o reconhecimento dela possa trazer certo contorto e aceitação para o indivíduo, ela também pode resultar num impedimento social, justamente pela sociedade ser composta por inúmeros grupos sociais divididos entre raça, religião,

45

classe, ideologia política, culturas etc. Neste cenário, se encaixa o aluno negro e a representatividade dos negros nas telenovelas. Pois, será que alcançando esse reconhecimento identitário, o aluno negro será de fato reconhecido como tal?

Novamente a ideia de reconhecimento do outro tratada por Ricoeur (2015) vem à tona. Não basta o indivíduo se reconhecer, é necessário que o outro também o reconheça. Desta forma, a representatividade midiática é de importância ímpar, pois ao tratar os personagens negros afastados dos estereótipos, a sociedade teria uma imagem mais real e humanizada deste grupo social, fazendo com que a imagem da telinha fosse aos poucos refletida nas relações sociais e culturais (veremos mais sobre esse reflexo no próximo capitulo).

O reconhecimento para Sen (2015), aborda a noção de justiça social, uma vez que, o pensador e também economista indiano considera que para se alcançar uma real liberdade que propicia ao indivíduo se identificar como é e se reconhecer como tal, mas, para tal, é necessário que o indivíduo tenha respeito pelos direitos reais de uma sociedade. Assim dizendo, para ser respeitado enquanto sujeito e ter sua identidade respeitada, é preciso que também se respeite a identidade do outro. Essa ideia para Sen é de responsabilidade social, em que a liberdade individual do sujeito esteja diretamente ligada à noção de justiça social.

O que queremos dizer acerca do reconhecimento como justiça é que, quando um grupo social ou mesmo um indivíduo tem condições negadas em relação a outros grupos e/ou indivíduos, apenas pelo fato de algum padrão, seja ele físico, estético, cultural, já estar imposto ou mesmo ser um aspecto estruturante da sociedade, esse indivíduo ou grupo está sofrendo uma injustiça. Em outras palavras, quando o sujeito se vê diante de condições contrárias à justiça ou mesmo quando alguma configuração social lhe limita enquanto indivíduo, devemos entender que estamos frente a um cenário de injustiça social.

Quando temos em nosso país um percentual de mais de 54% da população composta por negros e pardos e, nas telenovelas o percentual de atores e atrizes negros não passa de 8%, segundo notícia assinada pelo repórter Gilvan Marques para o site do Uol no seguimento de TV e Famosos em 16 de maio de 2018 (UOL, 2018). constatamos a ausência de equidade.

46

A disparidade entre esses números demonstra de forma clara e transparente a ausência de representatividade negra nas telenovelas nacionais, se não existe uma igualdade sendo retratada pelo meio de comunicação de maior alcance nacional, é de se esperar que os negros na sociedade sofram com essa ausência de representatividade. Esse impacto pode ser ainda maior sobre os alunos negros, pois além de fazer parte deste grupo social, os alunos estão numa fase de construção da subjetividade em que a ausência de representatividade social e midiática é fator de impacto negativo.

Como consta em nossa constituição federal de 1988:

Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (BRASIL, 1988)

A igualdade perante a lei é um fator preponderante para que o indivíduo possa ser livre para se reconhecer como tal. O princípio da igualdade assegura que nenhum tipo de diferenciação arbitrária possa limitar a atuação de nenhum indivíduo, uma vez que essa limitação seria vista como injusta. Qualquer condição que desfavoreça algum tipo de convívio social, apenas pelo fato de diferenças culturais ou mesmo por conta de padrões estéticos socialmente construídos com base em algum tipo de discriminação tem por finalidade a injustiça social para este grupo que poderá sofrer com as consequências desta ação injusta.

Não participar de condições igualitárias e ter suas inerentes características julgadas e usadas para algum tipo de separação, mesmo que essa separação surja em face de uma representação midiática é no mínimo uma afronta para aqueles que são colocados como desiguais (no modo pejorativo) em face de um estereotipo criado e sustentado socialmente, como ocorre na mídia televisiva brasileira.

Uma vez que a subjetividade do indivíduo é construída ao longo de sua vida (ZACARÉS, 1997), mas é na adolescência que ela tem uma maior significância, uma vez que a fase entre a adolescência e a idade adulta resulta em definir quem a pessoa é. Para o professor Ph.D. da universidade de Valência, Juan José Zacarés, o que determina a adolescência é a “maturação biológica, o desenvolvimento cognitivo alcançado e as demandas sociais para comportamentos mais responsáveis” (1997,

47

p.2). De acordo com o psicólogo, a adolescência é a “primeira etapa da vida em que estão reunidos todos os ingredientes para a construção de uma identidade pessoal” (1997, p.2).

Já para o psicanalista alemão Erik Homburger Erikson (1902-1994), responsável pelo desenvolvimento da teoria do desenvolvimento psicossocial na psicologia e um dos mais importantes teóricos da psicologia do desenvolvimento, é na adolescência que o indivíduo faz um direcionamento sobre quem ele pretende ser ao longo de sua vida. Para o psicanalista (1976), a identidade é o reconhecimento que o sujeito tem dele mesmo, e esse reconhecimento abarca vários fatores sociais e culturais as quais ele está comprometido e/ou envolvido. Além disso, para o pensador alemão, a identidade pode ser entendida de duas formas: na primeira, o indivíduo tem uma mesma identidade, seja na questão temporal ou espacial, o indivíduo que tem uma mesma identidade em vários grupos sociais ou se porta da mesma forma com outros indivíduos distintos. Já na segunda forma se dá no reconhecimento, onde para Erikson (1976) quando temos essas semelhanças sendo reconhecidas, temos então uma identidade de certa forma moldada a quem somos.

Vale lembrar aqui que, a faixa etária da adolescência no Brasil segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, doravante ECA, de acordo com a lei 8.069, de 1990, considera a adolescência dos 12 aos 18 anos de idade, de acordo com o seu artigo 2º. (ECA, 1990).

De acordo com afirmações de Kimmel e Weiner (1998), quanto maior a sensação de desenvolvimento da identidade, mais o indivíduo aprecia o jeito no qual ele se diferencia ou se aproxima dos outros indivíduos e consequentemente, maior é seu reconhecimento perante suas capacidades e limitações. Em contrapartida, os autores entendem que quando o indivíduo tem sua identidade pouco desenvolvida, maior será a necessidade de buscar essa construção apoiado nas opiniões exteriores, ou seja, sua construção da subjetividade se dará no reconhecimento que os outros têm dele, e isso pode acarretar uma injustiça pessoal, em que o indivíduo estará se reconhecendo pelos olhos dos outros.

Podemos entender então que, de acordo com Kimmel e Weiner (1998), o indivíduo pode ter sua identidade composta por uma visão exterior a que ele tem de si mesmo, fazendo com que o seu reconhecimento seja espelhado na visão do outro.

48

Morin (2002) afirma que o processo de identificação ocorre através de características físicas e emocionais que o público identifica nas personagens e posteriormente projeta em si mesmo, buscando aliviar as tensões da vida real diante de uma história narrada.

O aluno negro pode sofrer danosamente por esta ação, quando o reconhecimento é provindo de outro sujeito, as consequências podem ser desastrosas. O aluno negro pode não se reconhecer como tal e com isso, acaba moldando um espectro de individualidade que não condiz com a sua realidade, com a sua cultura e mesmo com suas relações interpessoais. Esse fato pode acarretar num afastamento do indivíduo para com seu grupo social (ou grupos sociais) e com isso causar um efeito “dominó”, onde os outros integrantes do grupo podem tomar essa ação como ideal e também se afastarem do grupo, causando uma fragmentação cultural. Esse modelo foi muito empregado no Brasil no cunho político e social com a ajuda da mídia televisiva. Nos aprofundaremos nesse tema no próximo capítulo, quando traremos uma visão crítica acerca do papel da mídia televisiva na ausência de representatividade para o aluno negro (e toda a comunidade negra brasileira).

2.4 Distinção entre preconceito, estereótipo e estigma

Com tantas semelhanças, qual seria a distinção entre preconceito e estereótipo? O estereótipo, diferentemente do preconceito, é um componente cognitivo, ou seja, não é necessariamente desprovido de um pré conhecimento. Ele pode ser positivo ou negativo, não leva a atos de hostilidade e prende-se na maioria dos casos nas generalizações sobre todo um grupo social (e não sobre uma característica específica de um indivíduo, como é o caso do preconceito). O estereótipo então pode ser entendido como um ato de atribuir características idênticas a todos os membros de um grupo. Faço aqui um breve “experimento”: imagine uma mulher baiana, se ao imaginar essa mulher, em sua imaginação apareceu uma mulher negra, com roupa branca então você teve uma visão estereotipada, isso não significa que essa visão faz com que essa mulher seja vista como inferior (na visão de um preconceituoso em relação as mulheres baianas), simplesmente é uma confirmação de que o estereótipo parte de premissas errôneas que, caracterizam um grupo de indivíduos presos a uma determinada característica. Do estereótipo pode nascer o preconceito.

49

Já o estigma, palavra de origem grega “stygma” que significa marca (marcar), a palavra ganhou alguns significados distintos ao longo da história. Inicialmente, na Grécia Antiga, era utilizada para sinalizar as marcas corporais de escravos e criminosos. Na Idade Média, a palavra passou a designar as marcas da graça divina ou sinais físicos causados por doenças. Atualmente, a palavra possui diferentes significados, mais especialmente, no que se refere aos seus aspectos sociais. O conceito de estigma social está relacionado a categorização de um grupo por outro, conferindo-lhe um grau inferior. Essa atribuição está diretamente ligada a um pré- julgamento, pré-conceito, fazendo com que o estigma seja associado aos conceitos de preconceito e estereótipos.

O processo de estigmatização pode ser extremamente cruel, uma vez que a identidade atribuída à um determinado grupo ou indivíduo pode se tornar a identidade que esse mesmo grupo ou indivíduo atribui a ele mesmo. A normalização imposta faz com que o grupo e/ou indivíduo estigmatizado aceite as posições inferiores de status sociais devido a internalização da categoria que lhe é imposta. Com isso o estigma acaba tendo a função de separar os grupos, entre os que pertencem a ele e os que não pertencem.

Temos então aqui, uma distinção pontual entre preconceito, estereótipo e estigma, mesmo com as três ideias sendo comumente utilizadas juntas, cada uma tem sua própria definição e aspectos negativos para a sociedade. Mas é certo que essas ideias estão atreladas numa condição de realizar separação entre indivíduos e grupos, apenas por carregarem consigo características intrínsecas, biológicas ou culturais

2.5 Efeitos negativos do preconceito para o estudante negro

Ainda sobre os efeitos negativos da ausência de representatividade, do racismo estrutural 4 que isso pode acarretar e dos impactos sobre o aluno negro, trazemos

4 O racismo estrutural, segundo o filósofo e diretor-presidente do Instituto Luiz Gama, Silvio Luiz de Almeida em seu livro O que é Racismo Estrutural (2018) é um conjunto de atos e não se resume apenas um fenômeno restrito às práticas institucionais. Para ele é um processo histórico e político em que as condições de subalternidade mostram de forma clara, as classes subalternas sendo uma parte da sociedade que é submetida às margens pela classe dominante/hegemônica, encontrando-se nas mãos da exploração e opressão constantes.

50

uma entrevista feita por Neusa Santos Souza (1948-2008) no livro Torna-se Negro (1983). Souza além de escritora era psiquiatra e psicanalista, no livro ela retrata a realidade de algumas mulheres negras, o aspecto emocional de suas vidas, a forma como elas enxergava sua realidade, como se identificavam e negavam sua própria cultura. Um dos grandes relatos no livro, Souza apresenta uma entrevista com uma mulher chamada Luísa, essa por sua vez relata sua negação de identidade desta forma:

Aí eu não sabia meu lugar, mas sabia que negro eu não era. Negro era sujo, eu era limpa; negro era burro, eu era inteligente; era morar na favela, e eu não morava, e, sobretudo, negro tinha lábios e nariz grossos e eu não tinha. Eu era mulata, ainda tinha esperança de me salvar. (1983, p.48)

O preconceito gerado por uma estigmatização não atinge apenas os grupos e indivíduos que estão fora, mas afeta de modo cirúrgico os próprios membros destes grupos, assim como podemos notar nessa entrevista. Os negros muitas vezes se sentem marginalizados e com sensação de serem inferiores socialmente devido seus traços genéticos físicos, assim como quando são representados na televisão em papeis secundários, como em papeis estereotipados. Eles veem suas múltiplas capacidades sendo diminuídas numa representação televisiva. Ora, se o indivíduo, o aluno negro vê aquele personagem negro como ele na televisão sendo colocado à margem da sociedade, o aluno, muito provavelmente não irá se reconhecer nessa representação, uma vez que, igualando-se ao personagem, ele crê que sua subjetividade será condicionada da mesma forma estereotipada, ou seja, ele prevê que irá ser considerado inferior aos olhos da sociedade, pois esse é o retrato que essa mesma sociedade está acostumada a ver na televisão diariamente.

Assim como no relato de Luísa, o estudante cria um estereotipo sobre sua própria raça baseando-se em aspectos inverídicos, mas que pra ela, naquele momento eram reais. Essa ideia de não se reconhecer por medo de um possível preconceito social decorre do fato de que as pessoas brancas são mais valorizadas enquanto as pessoas de pele com tom mais escuro são menos valorizadas e sofrem mais discriminações (Moura, 1994).

51

2.6 O conceito de preconceito

A palavra preconceito é composta por duas palavras distintas, primeiramente a palavra pré, que remete a ideia de algo anterior, antecedente e a palavra conceito (Do Grego XóyoΣ. Do Latim, Conceptus) que faz referência aquilo que se compreende sobre algo. Sua derivação do latim conceptus se refere à construção ideal do ser ou de objetos apreensíveis cognitivamente, em seu sentido geral. O conceito é uma noção abstrata ou ideia geral. Designando seja um objeto suposto único (ex.: o conceito de Deus), seja uma classe de objetos (ex.: o conceito de cão). Do ponto de vista lógico, o conceito é caracterizado por sua extensão e por sua compreensão.

Termo chave em filosofia, o conceito designa uma idéia abstrata e geral sob a qual podemos unir diversos elementos. Só em parte é sinônimo de idéia, palavra mais vaga que designa tudo o que podemos pensar ou que contém uma apreciação pessoal: aquilo que podemos pensar de algo. Enquanto idéia abstrata construída pelo espírito, o conceito comporta, como elementos de sua construção: a) a compreensão ou o conjunto dos caracteres que constituem a definição do conceito (o homem: animal mamífero, bípede etc.): b) a extensão ou o conjunto dos elementos particulares dos seres aos quais se estende esse conceito. A compreensão e a extensão se encontram numa relação inversa: quanto maior for a compreensão menor será a extensão: quanto menor for a compreensão maior será a extensão. (JAPIASSU, 1996, p.39)

Partimos aqui em direção a distinção entre as duas formas de preconceito que temos e que é demonstrado de forma clara pelo pensador Bobbio. Esses dois tipos são classificados como preconceito individual e preconceito coletivo. O primeiro trata do que conhecemos como superstições, crenças na sorte ou azar, utilização de amuletos e a não realização de ações como por exemplo passar debaixo da escada, evitar cruzar com um gato preto, não sair de casa na sexta feira treze etc. Bobbio em seu livro Elogio da Serenidade e Outros Escritos Morais (2002), descreve o preconceito como sendo:

Uma opinião ou um conjunto de opiniões, às vezes até mesmo uma doutrina completa, que é acolhida acrítica e passivamente pela tradição, pelo costume ou por uma autoridade de quem aceitamos as ordens sem discussão: ‘acriticamente’ e ‘passivamente’, na medida em que a aceitamos sem verificá-la, por inércia, respeito ou temor e a aceitamos com tanta força que resiste a qualquer refutação racional, vale dizer, a qualquer refutação feita com base em argumentos

52

racionais. Por isso se diz corretamente que o preconceito pertence à esfera do não racional, ao conjunto das crenças que não nascem do raciocínio e escapam de qualquer refutação fundada num raciocínio. (2002. p.103)

De acordo com esse pensamento, podemos entender que o preconceito pode ser considerado como um conjunto de ideias que nem sempre estão submetidas ao controle da razão, ao reconhecimento do outro como indivíduo, à reciprocidade e à alteridade, mas sim a ideias levadas por interesses individuais ou de grupos, culturas sociais e/ou a crenças. A razão aqui deve ser entendida como a única ferramenta capaz de dissipar a generalização acerca de um pensamento estereotipado, pré- definido, culturalizado, dogmatizado, imposto etc. Olhar para outro indivíduo, o reconhecer como indivíduo, identificar no outro particularidades distintas e não ter um sentimento de alteridade/reciprocidade, é o mesmo que olhar para outro indivíduo e não vê-lo como outro ser humano e é aqui que o preconceito se instala, no não reconhecimento do outro como outro.

Complementando, Bobbio afirma:

O pertencimento à esfera das idéias que não aceitam se submeter ao controle da razão serve para distinguir o preconceito de qualquer outra forma de opinião errônea. O preconceito é uma opinião errônea tomada fortemente por verdadeira, mas nem toda opinião errônea pode ser considerada um preconceito. (2002. p.107)

Para Bobbio, todo preconceito é um erro, uma falha no modo de deliberar sobre alguma coisa, um entendimento equivocado mas nem todo erro pode ser tido como preconceito, como por exemplo um estudante ao começar a aprender conceitos matemáticos, é quase inevitável que esse aluno irá cometer erros enquanto estiver aprendendo esses novos conceitos, já que ele não terá familiaridade e por eles serem estranhos a ele, o erro é parte do aprendizado, mas assim que esse aluno aprende e adquire uma concepção racional sobre como utilizar esses conceitos, os erros serão progressivamente minimizados até que não reste nenhum. Ou seja, a racionalidade faz com que o erro não se torne um preconceito. Novas formas de preconceito surgem conforme a humanidade avança em conhecimentos tecnológicos, científicos, filosóficos etc. Pois frente a uma nova descoberta estará presente um grupo que faça oposição contra a mesma, seja ela no que tange o avanço cultural, religioso, social,

53

humano de forma geral também propícia o surgimento de novas formas de preconceito e discriminação. Para elucidar um pouco listarei aqui alguns tipos (mais comuns) de preconceito que temos em nossa sociedade, sendo eles: O preconceito racial (racismo), social, linguístico, religioso, cultural (etnocentrismo e a xenofobia), sexual (homofobia, transfobia, sexismo), machismo, antissemitismo, misoginia entre outros.

Com essa variedade de formas discriminatórias presentes numa sociedade e com os avanços tecnológicos e culturais crescendo em larga escala, podemos supor que as diferenças e rupturas entre os mais diversos grupos tendem a sempre existir em meio a nossa sociedade, assim como uma possível intolerância entre elas, mas se voltarmos ao que foi mencionado no início deste texto veremos lá que somos seres sociais o que mostra uma contradição referente ao problema aqui apresentado, pois, somos seres sociais que não buscam sempre uma socialização pacífica, como mostra nossa história humana, em outras palavras, cada vez menos tolerante a nossa própria sociedade. E isso pode ser evidenciado na ausência de representatividade midiática da população negra, pois ao fazer isso, a mídia está ocultando de certa forma esse grupo social para a sociedade, além de ser injusta, esta ação pode também alavancar o preconceito social e com isso impactar na construção da subjetividade do aluno negro, pois esse por sua vez pode ter medo (como pretendemos evidenciar em nossas entrevistas) de se reconhecer como negro e com isso sofrer algum tipo de discriminação social.

O preconceito social além de poder ser descrito como uma forma de autopreservação (do grupo que se utiliza dele) é uma forma de hierarquizar as classes sociais, culturais, religiosas, econômicas, em que uma classe acaba por gerar ou se valer da intolerância sobre outra para que possa se manter numa posição acima, no que chamo de pirâmide sem base. Como por exemplo: Um homem branco de poder aquisitivo alto tem preconceito para com outro homem branco menos afortunado, esse por sua vez tem preconceito para com outra funcionária mulher, que por sua vez tem preconceito com outra funcionária negra, que tem preconceito com um funcionário homossexual, que tem preconceito com um cristão, que tem preconceito com um ateu, que por sua vez tem preconceito com o chefe por ele ter uma visão política diferente da dele.... E assim temos um ciclo social de preconceitos, onde nenhuma figura quer

54

ser ou se deixa permanecer na base, sempre se cria preconceito e intolerância para com uma pessoa que o consideram inferiores de alguma forma.

2.7 Surgimento de estereótipos

A palavra estereótipo provém do grego, sendo uma palavra formada pela união de “stereos” (sólido) e “typos” (impressão, molde) que significa ‘impressão sólida’. O conceito de estereótipo foi criado em 1922, pelo escritor estadunidense Walter Lippmann (2017). Geralmente a palavra estereótipo é associada à palavra preconceito, sendo erroneamente utilizadas para uma mesma definição. Mesmo que ambos os conceitos sejam utilizados para uma rotulação de indivíduos e grupos, sua empregabilidade é distinta.

O estereótipo é um conceito infundado sobre algo e é geralmente depreciativo (assim como o preconceito), em que os indivíduos se baseiam em opiniões alheias e as tornam como verdadeiras. Para Allport (1955), a estereotipagem é conhecida como “lei do menor esforço”. Segundo ele, o mundo é muito complexo para que criemos atitudes diferenciadas a respeito de cada coisa. Ao invés disso, confiamos em crenças e esquemas simples e generalizantes, considerando nossa capacidade limitada de processar muitas informações ao mesmo tempo. Assim, é normal que tomemos atalhos e adotemos algumas regras na tentativa de compreender outras pessoas. A relação entre o observador e o objeto se inverte; E o que é visto, revela a figura de quem vê, porque o observador não vê a coisa em si, mas sim a sua superficialidade, o estereótipo, o preconceito. O observador então, sempre verá o que ele quer ver, ou seja, um preconceituoso só verá preconceito.

Diante desta reflexão, temos uma ideia de que os olhos velados por estereótipos e já acostumados com os mesmos hábitos e costumes presenciados ao longo de uma vida, ideias concretizadas e verdades individuais e/ou coletivas apenas nos deixam ver aquilo que queremos ver e que consequentemente, acreditamos ser o real. Sim, essa ideia está certa, ou pelo menos se desvela-la como certa e verdadeira com base nos estudos filosóficos e diante dos conceitos e referenciais teóricos que serão apresentados ao longo desta dissertação.

55

Considerando os modelos sociais de convivência contemporâneos, em que cada indivíduo ao nascer é lançado num mundo social, esse mundo por sua vez tem em suas raízes uma cultura própria baseada em aspectos linguísticos, tradicionais (tradições), religiosos etc. Além do âmbito cultural já pré-moldado de acordo com sua história e características intrínsecas, o indivíduo também é semeado com as exterioridades familiares, que entre tantas tem um modelo singular de hábitos e costumes, crenças e convicções que por sua vez são influenciados diretamente por razões sociais, políticas e econômicas. Logo, esse indivíduo se depara diante de um cenário completamente moldado que servirá como base para sua educação, assim sendo, ele será afetado inevitavelmente por esses aspectos exteriores que outrora eram estranhos a ele.

Ora, se essa contaminação por estereótipos e crenças provinda de todos aqueles indivíduos que rodeiam tal indivíduo sempre irá ocorrer, mesmo que por um período curto de tempo que compreende uma fase da sua educação, levando em consideração aqui que, todo e qualquer tipo de ensinamento e aprendizado adquirido ao longo da vida é de fato um meio de se educar e obter conhecimento. Logo, podemos dizer que estamos vivendo num cenário social no qual todo e qualquer indivíduo carrega consigo algum tipo de preconceito, seja ele individual ou coletivo. A diferenciação entre esses dois tipos de preconceito será esclarecida mais à frente neste trabalho, trazendo à tona a distinção utilizada por Bobbio acerca de ambos. O preconceito é o ato de fazer suposições gerais de uma pessoa ou de um grupo social baseado em um entendimento limitado, essa ação cria uma ignorância sobre o indivíduo ou sobre uma comunidade, consequentemente uma generalização de um grupo social.

Podemos ver aqui um exemplo de estereotipagem segundo as palavras de Amartya Sen:

Nas consequências de 11 de setembro, a estereotipagem de muçulmanos proveio muitas vezes de pessoas que não são especialistas muito versados, se é que posso julgar, no assunto. Mas teorias do choque civilizacional muitas vezes têm fornecido fundamentos presumivelmente requintados para convicções populares inferiores e grosseiras. Uma teoria cultivada pode reforçar o fanatismo descomplicado. (Sen, 2015, p.60)

56

De acordo com a afirmação de Sen, podemos perceber que a estereotipagem pode surgir diante de eventos diversos, como um atentado terrorista como ele mesmo exemplifica, aqui podemos entender que a novela pode ser um evento capaz de disseminar uma estereotipagem.

2.8 O estigma A falta de sensibilidade juntamente com a projeção de estereótipos para outras pessoas ou grupos podem criar um estigma social (forte desaprovação de características ou crenças pessoais, sentimento de vergonha ou valor social reduzido que frequentemente levam a marginalização). Os indivíduos pertencentes a um grupo reprimido devido a preconceito (os) contra eles, são colocados numa situação de marginalização sem qualquer tipo de benefício que possa ser atrelado a eles. Logo, se o comportamento/características deste grupo não está em conformidade com o grupo que se coloca como dominante ou dentro das normas que ele prega e defende, eles podem ser considerados como um desvio dentro desta sociedade e com isso sofrem consequências ocasionadas pelo preconceito, como por exemplo a estigmatização e a marginalização.

A forma extrema de marginalização é a que se pratica nas assim chamadas instituições totais, como as prisões e os manicômios. Também nesse caso o processo de emancipação coincide com o reconhecimento de uma discriminação e o reconhecimento de uma discriminação é quase sempre o efeito de uma tomada de consciência do preconceito. (Bobbio, 2002, p.116)

O indivíduo visado pelo preconceito é estigmatizado. Nessa confrontação de grupos, alguns indivíduos acabam por adotar o comportamento do grupo dominante de modo a escapar do preconceito, assim como demonstrado anteriormente com o experimento de Solomon Asch. Mas, ao adotar o comportamento do grupo dominante, a pessoa fica exposta para sofrer algum tipo de preconceito ou estigmatização do grupo ao qual ela fazia parte antes. Os estigmas levam à marginalização, o que significa que uma pessoa ou grupo se torna isolado da sociedade dominante e excluído das proteções que esse grupo possa lhe oferecer.

57

As complexidades de grupos plurais e lealdades múltiplas são apagadas quando se vê cada pessoa como firmemente encaixada em exatamente uma filiação, substituindo a riqueza de uma vida humana abundante pela estreita fórmula da insistência de que qualquer pessoa está “situada” em apenas um pacote orgânico. Certamente, a suposição da singularidade é não só o alimento básico de muitas teorias da identidade, mas também, como observei no capítulo anterior, uma arma com frequência usada por ativistas sectários que desejam que as pessoas visadas ignorem completamente todas as outras ligações que poderiam restringir sua lealdade ao rebanho especialmente marcado. (Sen, 2015, p.39)

Grupos internacionais de observação dos direitos humanos como a ONU, vêm a guerra e o genocídio como as formas extremas de marginalização, nas quais as pessoas são vistas como inimigas e desvalorizadas como seres humanos. Menos resultados extremos de marginalização levam à pobreza, à falta de saúde, à falta de educação e ao desemprego. O racismo (preconceito contra pessoas de cor) e o preconceito de orientação sexual (uma atitude negativa em relação às pessoas por causa das preferências sexuais) são duas formas comuns de marginalização.

Uma segunda onsequência, ainda mais grave, da discriminação é a marginalização social. O exemplo clássico é o gueto em que foram fechados os judeus, durante séculos, no mundo cristão. Mas, ainda que não institucionalizados, existem guetos de minorias étnicas ou sociais em todas as grandes cidades. (Bobbio, 2002, p.117)

Uma das principais consequências da estigmatização é a negação dos direitos a um determinado grupo, como por exemplo o apartheid ocorrido na África do sul. (Apartheid [apartáid] (pronúncia em africâner: [ɐˈpɐrtɦəit], significando “separação”) foi um regime de segregação racial adotado de 1948 a 1994 pelos sucessivos governos do Partido Nacional na África do Sul, em que os direitos da maioria dos habitantes foram cerceados pelo governo formado pela minoria branca Podemos pensar na situação de negros, pobres e imigrantes como exemplos de estigmas. Aos serem categorizados enquanto tal passam automaticamente a serem percebidos como indesejáveis, criminosos, preguiçosos, e de maneira geral como ameaça. E dessa forma que o aluno negro pode se sentir reconhecido pelo outro quando tem sua identidade negada ou mesmo sendo condicionada socialmente.

Na concepção do sociólogo canadense Erving Goffman (1922-1982), em seu livro Estigma (2017), ele afirma que a nossa sociedade vai estabelecer e construir

58

histórica e socialmente que alguns atributos são normais, naturais e aceitáveis de serem vividos e expressos na sociedade. Em contrapartida, outros atributos não serão considerados naturais, bons e aceitáveis. Eles precisam ser evitados na sociedade, assim se inicia o processo de estigmatização, em que determinados atributos, determinadas práticas, expressões culturais vão ser identificadas como negativas. Desta forma a sociedade vai estabelecer a partir das relações de poder quais são as práticas e as categorias legitimas e aceitas socialmente.

Ainda para Goffman (2017), a estigmatização é sempre a negação da identidade do outro, e essa negação pode legitimar dominação e exploração social, econômica, política e cultural. Assim, quando um grupo busca a dominação de outro, ele precisa construir mecanismos que possibilitem tal dominação, um desses mecanismos é justamente a estigmatização do outro, negando assim sua história, sua identidade e cultura.

Talvez, uma possível linha de enfrentamento para os problemas aqui apresentados esteja presente na ideia de Edgar Morin, mais precisamente em seu livro “A Humanidade da Humanidade, A Identidade Humana” (2010), livro esse que se encontra na coleção “O Método” que é composta de 6 volumes, onde o método número 5 aborda a humanidade da humanidade. Neste livro, Morin aborda a identidade humana e faz uma análise dos múltiplos sentidos da humanidade.

A primeira concepção abordada por Morin está relacionada à trindade humana, que para Morin abarca uma relação entre espécie, indivíduo e sociedade. A sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos, mas, a sociedade com sua cultura e sua língua, produz o caráter propriamente humano dos indivíduos. Dessa forma, espécie, indivíduo e sociedade se entre produzem (MORIN, 2010, p.205).

Ou seja, a cultura que a sociedade produz é resultado das interações entre os indivíduos, desta forma, se as interações forem estereotipadas, a sociedade e sua cultura também será assim, o rompimento desta fragmentação se dá na relação entre os indivíduos.

Nesta seção abordamos a forma como a subjetividade e a representatividade são construídos por meio de um viés teórico, assim também demonstramos como a ausência de representatividade e a negação de identidade pode acarretar ações

59

preconceituosas, capazes de gerar estigmas e estereótipos, negativando assim o indivíduo, sua história e cultura.

Na seção seguinte iremos abordar de que modo a mídia no segmento das telenovelas exibidas na faixa das 19h na Rede Globo ajuda e alicerça os processos de negação da identidade e representatividade negra no Brasil. Exibiremos através de um levantamento teórico com base nas últimas novelas exibidas pelo canal, desde 2004 até 2019, como o negro ainda é representado em situações subalternas.

60

3 SEGUNDA SEÇÃO

3.1 A propagação do estereótipo pela mídia

Ao longo desta seção apresentaremos de que forma a representatividade dos negros é retratada pela mídia televisiva, sobretudo no segmento das telenovelas globais exibidas no horário das 19h. Demonstramos também, por meio de dados e tabelas a expressividade dos personagens negros, desde a quantidade de personagens em cada novela de 2010 até o ano de 2019, e também dos seus papeis representados e suas características, fazendo assim um questionamento sobre como essa representatividade pode impactar na construção da subjetividade do aluno negro.

Estimulando de forma direta ou indireta a propagação do preconceito as instituições de poder, que se valem de seus próprios mecanismos de difusão em massa, podem limitar o ser humano na utilização da razão e, consequentemente, do livre ato de pensar e reconhecer o outro.

Essas instituições são múltiplas, e aqui utilizaremos a mídia televisiva no segmento das novelas. Sendo o preconceito um sentimento motivado pelo achismo, por uma percepção errônea baseada na crença que são pontos contrários ao que se espera de um ser dotado de razão e motivado por ela, podemos entender que o não esclarecimento e a impossibilidade de sermos levados e guiados por um juízo puro e sólido são a causa principal do preconceito e discriminação social.

Evitando aqui uma resposta ideal ou mesmo metafisica para uma possível solução deste problema, mas, considerando que a emancipação do indivíduo não pode e nem deve ser descartada como sendo um remédio contra esse sentimento que deturpa nossa razão, poderíamos dizer que de modo prático a escola, lê-se aqui educação, reciprocidade, alteridade, respeito, cidadania são de fato janelas pelas quais podemos enxergar nossas próprias limitações e a partir deste primeiro reconhecimento podemos trabalhar no nosso próprio eu, visando assim a eliminação da discriminação.

61

Segundo Allport em sua obra: La Naturaleza del Prejuicio (1955) o preconceito tem origem numa generalização errônea formada pela atitude e crença. Essas condições que dão origem ao prejulgamento, são capacidades naturais e comuns da mente humana. Allport descreve uma abordagem semelhante à do italiano Norberto Bobbio, quando afirma:

A mente humana tem que pensar com a ajuda de categorias (o termo usado aqui é equivalente a generalizações). Uma vez formadas, as categorias constituem a base do preconceito normal. Não há modo de evitar este processo. A possibilidade de viver de modo ordenado depende dela. (1955, p.35)

Partimos aqui em direção a distinção entre as duas formas de preconceito: o preconceito individual e o preconceito coletivo. Ambos são demonstrados de forma clara pelo filósofo Bobbio. O primeiro (preconceito individual) trata do que conhecemos como superstições, crenças na sorte ou azar, utilização de amuletos e a não realização de ações como por exemplo passar debaixo da escada, evitar cruzar com um gato preto, não sair de casa na sexta-feira treze etc.

[...] preconceitos individuais, tal como as superstições, as crenças mais ou menos idiotas no azar, na maldição, no mau-olhado, que nos induzem a cruzar os dedos e a carregar folhas de arruda, ou a fazer certos gestos de esconjuro, ou a não realizar certas ações, como viajar às sextas-feiras ou sentar-se à mesa em treze pessoas, a buscar apoio em amuletos para afastar o azar ou em talismãs para trazer sorte. (BOBBIO, 2002, p.105)

Bobbio não dá muita atenção a esse tipo de preconceito individual, pois segundo ele é uma forma de preconceito que não apresenta perigo a sociedade, pelo menos não no mesmo grau de periculosidade apresentado pelo preconceito coletivo. Uma única ressalva contrária que faço a esse pensamento acerca do preconceito individual, é de que ele tem a oportunidade de se tornar coletivo, visto que as ações partem do individual para o coletivo de forma geral e/ou vice e versa.

Logo, se um indivíduo que carrega consigo algum preconceito individual, como por exemplo a aversão a utilização de determinado objeto (para trazer sorte) ou que tenha a convicção que gato preto gera má sorte, chegar a ter algum tipo de poder na sociedade, como o poder político por exemplo, esse indivíduo então poderá se valer desse poder para perpetuar a sua crença individual, tornando-a coletiva e

62

consequentemente sendo negativa para a sociedade, dentro da concepção de que uma parte desta sociedade estará presente num grupo social que detém uma visão contrária a essa medida.

Na contramão do preconceito individual baseado em opiniões infundadas, superstições e crenças particulares está o preconceito coletivo, que diferentemente do individual, já carrega consigo a força e a predisposição de se tornar um ato discriminatório entre indivíduos e entre grupos.

Chamo de preconceitos coletivos aqueles que são compartilhados por um grupo social inteiro e estão dirigidos a outro grupo social. A periculosidade dos preconceitos coletivos depende do fato de que muitos conflitos entre grupos, que podem até mesmo degenerar na violência, derivam do modo distorcido com que um grupo social julga o outro, gerando incompreensão, rivalidade, inimizade, desprezo ou escárnio. Geralmente, este juízo distorcido é recíproco, e em ambas as partes é tão mais forte quanto mais intensa é a identificação entre os membros individuais e o próprio grupo. A identificação com o próprio grupo faz que se perceba o outro como diverso, ou mesmo como hostil. Para esta identificação-contraposição contribui precisamente o preconceito, ou seja, o juízo negativo que os membros de um grupo fazem das características do grupo rival. (BOBBIO, 2002, p.105)

O preconceito carrega consigo um elemento que gira em torno da generalização sobre os indivíduos que pertencem a determinado grupo. Essa generalização acaba por bloquear a real experiência particular. Tal ação preconceituosa é provinda de uma pré-categorização que se dá de uma classificação dos indivíduos e/ou grupos sociais, resultando assim no impedimento de um confronto da experiência individual com os estereótipos, de um confronto entre a razão e a classificação.

Porém, a experiência empírica frente ao indivíduo ou grupo de que se tem preconceito, não é capaz por si só de eliminar a crendice, uma vez que o preconceito em muitos casos surge sem o contato direto entre indivíduos e grupos. As influências que sofremos dentro do nosso âmbito social já nos proporciona visão deturpada sobre um grupo social distinto.

Ou seja, as características que geram preconceito de um indivíduo já estão presentes, fazendo com que a experiência por si só não surta efeito, podendo em alguns casos potencializar tal preconceito, elevando-o a um grau de discriminação

63

ativa. Isso ocorrerá caso o sujeito preconceituoso tenha em sua crença uma força que o impeça de desvelar o seu próprio olhar estereotipado.

O fato de o preconceito poder surgir sem qualquer ligação direta ou indireta entre os grupos, reforça a ideia de que qualquer tipo de comportamento preconceituoso possa surgir em qualquer ambiente. Esse comportamento nasce então de uma herança cultural ou de um preconceito individual que ganhou força e se tornou coletivo. O modo com o qual esse comportamento se espalha ou mesmo ganha força, é proveniente não só da herança cultural, mas também de uma visão deturpada da realidade ou até mesmo de um mal uso da linguagem acerca de um tema.

A confiança que temos em quem nos retrata um fato está diretamente ligada a força e a convicção que essa informação terá na vida do indivíduo. Crer em quem se conhece e se tem confiança é muito mais convencional do que sair de uma situação de conforto para buscar racionalmente a verdade sobre ela. Um exemplo de fácil entendimento é o que ocorreu (e ainda ocorre de modo mais sutil) com as mulheres e o mercado de trabalho. Elas eram vistas como incapazes de trabalhar fora de suas próprias casas, tendo como função principal o zelo pelo lar, mas com a primeira guerra mundial em que os homens eram recrutados para lutar em batalha, algumas mulheres tiveram que ocupar o lugar destes homens (na grande maioria as esposas ficavam no lugar dos seus maridos nos negócios próprios da família), ao final da guerra eles retornaram aos seus postos e algumas mulheres se questionavam sobre a visão que a sociedade tinha sobre sua capacidade de trabalho. Dito isso e olhando para os dias atuais vemos que as mulheres preenchem boa parte das vagas no mercado de trabalho.

A visão que a sociedade tinha acerca da capacidade de um grupo social foi, então, perdendo força ao longo da história, mas o estereotipo foi criado. Preconceitos foram formados por cima desta pressuposição e consequentemente houve discriminação para com as mulheres. Resquícios deste comportamento são vistos até os dias atuais. Ou seja, a história demonstra que assuntos que antes sequer eram discutidos ou cogitados, hoje em dia fazem parte da sociedade. O entendimento sobre esses assuntos é fundamental para o rompimento destas ideias pré-concebidas.

Mas mesmo com esse rompimento de ideias pré-concebidas, a mídia televisiva nos dias atuais continua propagando estereótipos e preconceitos como veremos a

64

seguir num levantamento feito com as novelas das 7 exibidas pela Rede Globo desde 2010 até o ano de 2019.

3.2 As novelas das 7 dos últimos 10 anos

Diante do processo de construção de subjetividade e da importância da representatividade para o aluno negro, como abordado na seção anterior, demonstraremos como e de que modo a representatividade do negro é retratada pela mídia televisiva, sobretudo no segmento das telenovelas da Rede Globo de televisão transmitidas às 19hs.

Nosso recorte temporal de 2010 a 2019 se dá pela faixa etária dos alunos que escolhemos pesquisar dos 12 aos 16 anos, assim, um aluno que hoje em dia está com 16 anos já poderia tido algum contato com as novelas desta faixa horaria desde sua infância. Outra ressalva que fazemos, é referente a classificação etária das novelas das 7, atualmente essa classificação é de 12 anos, o que vai ao encontro da faixa etária que delimitamos para o nosso público pesquisado.

Antes de apresentarmos essa retratação midiática, consideramos importante fazer uma breve leitura histórica dos personagens negros na história da televisão brasileira, assim como o impacto que essa história pode acarretar para a sociedade, uma vez que as novelas muitas vezes retratam da realidade de alguma parcela da sociedade.

No ano de 2004, estreou na Globo a novela , que teve pela primeira vez na história da emissora uma protagonista negra, Taís Araújo, que interpretava uma personagem chamada de “Preta”. Podemos perceber o quão carregado de preconceito e estereótipo, tanto o título da novela quanto o nome da personagem carregam.

O termo “da cor do pecado” é utilizado naturalmente como uma espécie de elogio para com as pessoas de pele escura. Isso se associa ao imaginário da mulher negra sensualizada, tanto que a imagem de abertura da novela era a frase “da cor do pecado” escrito no busto de uma mulher. A ideia de pecado também é negativa, pois remete a algo errado, considerando sociedade pautada na religião, como a brasileira, mesmo sendo um Estado Laico.

65

Já o nome da personagem “Preta” (Uma personagem pobre e feirante), fala por si, toda identidade individual é condicionada em relação a cor de pele da própria atriz que a representa.

Desde a primeira novela da Rede Globo, em 1965, foram 39 anos para que um personagem negro fosse protagonista. Nesse período e após ele também, algumas dezenas de atores e atrizes negros também tiveram papeis importantes na telinha global.

As novelas tendem a espelhar o cotidiano e a realidade social, fazendo com que o público que é receptor desta trama possa se identificar com um ou mais personagens. Desta forma a ficção da novela se mescla com a realidade do telespectador. Outra inclinação das telenovelas é atingir a grande cultura de massa, e para isso ela se adapta ao seu perfil, preocupando-se com o que teoricamente seria a preocupação do telespectador.

O termo cultura de massa, nascido na Alemanha, na Escola de Frankfurt e cunhado pelos filósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer, traz a ideia de que a indústria cultural existe em sua maioria para satisfazer a indústria capitalista, fazendo com que o conteúdo transmitido a população seja como um mero produto de consumo.

O poderio social que os espectadores adoram é mais eficazmente afirmado na omnipresença do estereótipo imposta pela técnica do que nas ideologias rançosas pelas quais os conteúdos efémeros devem responder. Todavia, a indústria cultural permanece a indústria da diversão. Seu controle sobre os consumidores é mediado pela diversão, e não é por um mero decreto que esta acaba por se destruir, mas pela hostilidade inerente ao princípio da diversão por tudo aquilo que seja mais do que ela própria. (ADORNO & HORKHEIMER, 2015, p. 112)

O estereótipo é transmitido e levado até o indivíduo dentro de sua própria residência, e se tratando da tv aberta brasileira em que o sinal chega a quase 80% dos lares segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (ASCOM 28/12/2018). E segundo o site da agência brasileira de conteúdo multimídia com foco nas temáticas sociais e nos direitos humanos observatorio3setor, 89% dos

66

brasileiros assistem tv (OBSERVATORIO3SETOR 08/05/2018). Com esses números podemos ter uma ideia do poder que a tv aberta pode ter sobre a população.

A indústria cultural produz e através do consumidor sabe se seu produto foi aceito ou não (se há audiência ou não). O consumidor não fala, ele vê ou recusa a ouvir e a ver. A cultura de massa é imposta do exterior ao público (e lhe fabrica pseudonecessidades, pseudo-interesses). Ou reflete as necessidades do público? É evidente que o verdadeiro problema é o da dialética entre o sistema de produção cultural e as necessidades culturais dos consumidores. A cultura de massa é o produto de uma dialética produção- consumo, no centro de uma dialética global que é a da sociedade em sua totalidade. (MORIN, 2002, p.35)

Morin também reforça a crítica da seguinte forma “o velho sábio virou o velhinho aposentado. O homem moderno virou o coroa’’. (2002, p.96). Em outras palavras, a cultura de massa tira a criticidade e a complexidade do indivíduo, visto que os meios de comunicação de massa em sua maioria são propriedades de grandes empresas que visam apenas o lucro. O conceito de cultura de massa diz respeito a uma cultura que não é autêntica. De acordo com o filosofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), a cultura tornou-se um elemento de mercado (1994).

Desta forma o olhar crítico do indivíduo para aquilo que lhe é apresentado através da retratação midiática, mesmo que com características ficcionais, não lhe causa incomodo e muitas vezes é aceita como verdade pela população permitindo que os estereótipos sejam frequentemente reforçados e propagados.

Para evidenciar a ausência de participação e representatividade dos personagens negros nas telenovelas, realizamos um levantamento dos personagens que estiveram presentes nas novelas das 7 horas da Rede Globo, de 2010 até 2019. Ressaltamos aqui que consideramos apenas os personagens do elenco, desconsiderando as participações especiais que ocorreram nas novelas. Como fonte de pesquisa para este levantamento, utilizamos o site Teledramaturgia, que é especializado em catalogar elencos, enredos e bastidores das novelas, o site observatóriodatv e o site Gshow, da própria Rede Globo. Procuramos expor nas tabelas presentes nesta seção o nome dos personagens negros, as suas características mais marcantes e evidenciadas nas tramas, assim como suas

67

profissões e ocupações para que pudéssemos obter uma visualização mais clara do estereótipo destes personagens.

Na tabela 1 apresentamos um levantamento demonstrando numericamente a quantidade de personagens em cada novela, de 2010 a 2019, e a quantidade de personagens negros, desta forma a disparidade pode ser melhor visualizada. Assim, de um total de 1008 personagens, apenas 129 eram negros, ou seja, 87,2% de todo o elenco utilizado na última década nas novelas globais exibidas na faixa das 19h era composto por personagens brancos.

Tabela 1

80 69

70 63 63 61 61 58 60 58 60 55 55 54 50 48 50 50 44 42 41 43 40 33

30 18 20 16 12 8 8 9 10 10 6 6 6 6 6 7 3 3

1 2 2 0 Novelas7 das 0

Personagens Personagens Negros

Fonte: Site Gshow, Teledramaturgia e Observatoriodatv (adaptado pelo autor)

O artigo 221 da constituição federal, de 1988, que diz respeito à produção e programação das emissoras de rádio e televisão, contém 4 incisos, que são:

I - Preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - Promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - Regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - Respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

68

Voltando nossa atenção para a disparidade entre a quantidade de personagens brancos e negros nas telenovelas e fazendo uma leitura atenta do artigo 221 da constituição, podemos notar que alguns aspectos não estão sendo respeitados, como sendo:

1) Preferência a finalidades educativas: uma vez que, a abordagem do conteúdo televisivo de uma emissora aberta deve ser uma abordagem plural e dentro desta pluralidade, os programas devem ou deveriam seguir pela linha de desenvolvimento da personalidade, pela formação da cidadania. 2) Promoção de cultura nacional: num país onde a maioria da população é negra, a não representatividade desta população vai contra a promoção de cultura nacional. 3) Respeito aos valores éticos e sociais: quando um grupo social é fortemente omitido, a população pode tomar isso como verdade e aos olhos da criança e do adolescente valores éticos podem ser construídos sobre essa ótica.

Mas o que isso pode ter em comum com a educação das crianças e adolescentes? Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), em seu artigo 76: “As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”.

É importante ressaltar que a finalidade educativa e cultural dos programas televisivos depende de como esse material chega até o receptor e como o mesmo interpreta tal conteúdo. Desta forma, é necessário que um diálogo entre ensino- aprendizagem e produção midiática seja feito com intuito de propiciar uma maior reflexão e educação para o público, buscando elevar sua formação pessoal.

Mas talvez essa formação pessoal seja direcionada por uma ideologia que está diretamente ligada aos interesses daqueles que produzem a cultura de massa. Para Pacheco (1985), a linguagem ideológica da mídia tem relação direta com a relação sociedade-cultura, considerando o conceito forjado pelo Adorno quanto a indústria cultural. A indústria cultural provoca então mudanças na ideologia através de uma lógica capitalista, “a constituição da indústria cultural é um elemento fundamental

69

dessa disseminação, sendo responsável pelas mudanças na ideologia.” (COELHO, 2008, p.79)

Desta forma uma sociedade voltada para o consumo pode ser justificada, pois a: “capacidade tecnológica de os veículos da indústria cultural criarem a sua versão da realidade, transformando-a na realidade, tornando supérflua a lógica argumentativa: onde o real tornou-se ideológico e a ideologia tornou-se real”. (COELHO, 2008, p. 80). Diante dessa argumentação em que a indústria cultural fomenta transformações na sociedade, apresentaremos a seguir como as telenovelas acabam se utilizando desta lógica para criarem versões da realidade.

3.3 As novelas e a transformação da realidade

Conforme observamos os personagens das 19 novelas, percebemos incômodos em relação a retratação dos personagens negros, seus papeis, suas aparições e seu caráter fortemente estereotipados. Assim, resolvemos apresentar alguns aspectos que consideramos indispensáveis para o andamento de nossa pesquisa.

De acordo com a tabela 1, consideramos importante destacar seis novelas, que são: , que teve um total de 12 personagens negros de um montante de 61, totalizando 19,7%; , que dos 58 personagens 16 eram negros, que representa 27,6%; Bom Sucesso, novela que apresenta 18 personagens negros de um total de 54, 33,3%. E as três novelas que utilizamos em nosso recorte: O tempo não Para, que teve apenas 20% de personagens negros, 10 de um total de 50; Verão 90, com 16,3% de personagens negros, sendo apenas 7 de um total de 43; E por fim a novela Deus Salve o Rei, que dos 41 personagens não teve nenhum negro.

Cheias de Charme, a novela que foi ao ar em 2012 abordava como trama principal a vida das empregadas domésticas e seus desafios contemporâneos. A novela teve 12 personagens negros, dos quais dois eram crianças que apenas compunham o elenco, o restante dos personagens negros ocupava as seguintes profissões:

70

Tabela 2 Personagem Negro(a) Profissão/Ocupação Maria da Penha Empregada doméstica Sandro Ex pedreiro Valda Cozinheira Dinha Trabalha em buffet Gracinha Babá Heraldo Trabalha em buffet Kleiton DJ

CheiasCharme de Naldo Faz tudo e faxineiro Niltinho Grafiteiro Jurema Diarista Fonte: Site Gshow, Teledramaturgia e Observatoriodatv (adaptado pelo autor)

Por um lado, ao abordar a vida e o cotidiano das empregadas domésticas, a novela Cheias de Charme propicia o reconhecimento da vida real de milhares de brasileiras, mas corre-se o risco de ter um efeito contrário, uma vez que as mulheres estão diretamente ligadas ao trabalho doméstico na novela e a falta de melhores oportunidades de trabalho. Essa reparação feita pela novela pode reforçar o estereótipo de que o trabalho da mulher na sociedade é voltado para o lar, ele sendo remunerado ou não, como demonstra uma pesquisa realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde aponta que 21,7% das mulheres se dedicam à economia de cuidado, enquanto esse oficio é ocupado por apenas 1,5% dos homens (ONU, 2019).

[...] os maiores percentuais de vulnerabilidade da mulher negra no universo dos trabalhadores ocupados se explicam, sobretudo, pela intensidade de sua presença no emprego doméstico. Esta atividade, tipicamente feminina, é desvalorizada aos olhos de grande parte da sociedade, caracterizando-se pelos baixos salários e elevadas jornadas além de altos índices de contratação à margem da legalidade e ausência de contribuição (DIEESE, 2009, p. 5)

As profissões dos personagens negros da novela exibida no ano de 2015, Totalmente Demais, cujo tema era uma comédia romântica, lembrando que três dos personagens negros eram crianças e foram retiradas desta tabela. As profissões eram:

71

Tabela 3 Personagem Negro(a) Profissão/Ocupação Florisval Motorista Dorinha Dona de casa Zé Pedro Contador Montanha Trabalha na equipe de atletismo Wesley Desempregado Jenifer Funkeira Cascudo Desempregado e briguento Jacaré Rancoroso e violento Adele Agente de modelos Totalmente Demais Totalmente Riscado Vendedor de balas nas ruas Kátia Garçonete Yasmin Designer gráfica Cleide Amiga de Rosângela Fonte: Site Gshow, Teledramaturgia e Observatoriodatv (adaptado pelo autor)

Duas das novelas com mais personagens negros exibidos pela Rede Globo no horário das 19h, apresentam também uma massiva estereotipização e estigmatização. Todas as profissões e trabalhos exercidos são dignos, mas quando a grande maioria das profissões representada pelos personagens negros numa telenovela são subalternos, pode criar-se um estigma e potencializar o preconceito racial. Quando o aluno negro se depara com tal ficção, além de pouco se ver representado, ainda tem essa representatividade marginalizada. Afinal, “ser é ser percebido”, essa é uma tese introduzida pelo filosofo irlandês George Berkeley (1685 – 1753) em sua obra Tratado Sobre os Princípios do Conhecimento Humano, acerca da natureza de determinados dados do conhecimento.

Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável [...]. Assim deixamos de considera-la criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande [...] (GOFFMAN, 2017, p.12).

Goffman ressalta ainda o papel da sociedade no processo de estigmatização “a sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos

72

considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias” (2017, p.12).

Em relação aos trabalhos subalternos, cabe aqui uma breve abordagem referente ao tema. Trabalho subalterno é aquele em que o indivíduo está sob ordens de outra pessoa, um trabalho muitas vezes visto como secundário. As telenovelas têm o poder de difundir determinada ideia de sociedade, a qual querem representar. Na ideia do teórico Louis Althusser, filósofo do Marxismo Estrutural a mídia serve como aparelho ideológico do Estado5, ou seja, está à mercê de uma classe dominante que tem suas próprias inclinações e interesses sobre a classe proletária/subalterna.

Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fundamento do representamen (PEIRCE, 1990, p.46).

Logo, a representação de um grupo social atrelado a esse tipo de trabalho pode condicionar uma ideia, um estereotipo e/ou um estigma para aquele que se depara com esse material audiovisual. O telespectador, que por muitas vezes é criança ou adolescente podem interpretar aquilo que veem como verdade. Lembrando que a classificação indicativa das novelas apresentadas pela Rede Globo na faixa das 19hs varia de 10 a 12 anos.

Já a novela com maior número de personagens negros presente no recorte que fizemos de 2010 até 2019 é a novela Bom Sucesso, apresenta algumas personagens que “fogem” a certo padrão que até então podia ser notado. A novela que teve 33,3% de atores negros no elenco aumentou a representatividade destes personagens, mas ainda assim expõe estereótipos que abordaremos a seguir, mas antes apresentamos a tabela com os personagens e profissões dos mesmos.

5 Para Althusser (1980), os Aparelhos Ideológicos do Estado são mecanismos de sustentação do Estado, como produtos políticos de uma ideologia.

73

Tabela 4 Personagem Negro(a) Profissão/Ocupação Ramon Técnico de basquete Gisele Assistente pessoal Alice Estudante Luan Estudante Waguinho Estudante Lulu Vendedora ambulante Francisca Professora Yuri Garçom Fabrício Vendedor ambulante Léo Trabalha na área comercial

Bom SucessoBom Elomar Diretora de Escola Bezinha Governanta Ester Costureira Mauri Médico Gláucia Diretora comercial Jeremias Bartender Henrique Estudante Claudia Inspetora de alunos Fonte: Site Gshow, Teledramaturgia e Observatoriodatv (adaptado pelo autor)

O aumento percentual de personagens negros nesta novela é significativo em relação a sua antecessora, passando de 16,3% para 33,3%. Um importante fato que pode explicar tamanha diferença está no âmbito jurídico, já que no ano de 2018 a Rede Globo de Televisão recebeu uma notificação do Ministério Público do Trabalho (MPT) para que a participação de negros e negras tivesse aumento nas produções audiovisuais da emissora. A medida foi motivada pelo MPT e noticiado por grande parte da mídia, como pelo site Agenciabrasil (AGENCIABRASIL, 2018) devido a significativa ausência de personagens negros na novela , exibida no ano de 2018 na faixa das 21h.

A novela era ambientada na capital da Bahia, Salvador. E esse foi um dos principais motivadores das denúncias ao MPT, uma vez que a população baiana é constituída por 81,1% de negros/negras segundo dados apresentados pelo IBGE em 2019. Essa representação populacional ficou bem longe de ser representada na telenovela. A partir disso outras produções globais começaram a ter maior participação de negros, assim como em todo os ambientes da emissora.

74

3.4 O Tempo Não Para, Verão 90, Deus Salve o Rei

Começamos pela novela O Tempo Não Para, exibida no ano de 2018. Com apenas 20% de personagens negros (10 do total de 50). A novela tem enredo que aborda no tempo. Na primeira parte da trama que se passa em 1886 (período em que o Brasil ainda sustentava o regime escravocrata) uma família junto com alguns escravos acaba congelada devido a um acidente de navio e todos despertam após 132 anos em São Paulo. (OBSERVATORIODATV, 2018).

A novela aborda o racismo e a situação do indivíduo negro com seriedade, uma vez que coloca os personagens que antes eram escravos e agora se encontram livres em posições semelhantes às que viviam quando eram escravizados. Ou seja, mesmo após os 132 anos passados na novela, pouca coisa mudou para o sujeito negro, que ainda enfrenta discriminação e preconceito na sociedade, mesmo que a sociedade tenha sofrido diversas alterações, tais como: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, como consta no art. 5º constituição brasileira de 1988 (BRASIL, 1988).

A seguir, apresentamos uma tabela com os personagens, as características e as profissões dos personagens da novela O Tempo Não Para:

75

Tabela 5 Personagem Negro(a) Caracteristicas Profissão Honesto e batalhador, é realista e Catador de material Eliseu prático reciclável Dona de uma loja de Mazé Mãe solteita cosméticos Aproveitador, se relaciona com mulheres mais velhas com boa Laércio condição financeira Personal trainer Vanda Objetiva e rigorosa Advogada Tem temperamento autoritário, juntou uma fortuna em joias de crioula (em ourivesaria e pedras preciosas confeccionadas por Cesária escravos).

O Tempo NãoPara Tempo O Escravo de guarda da casa-grande. Menelau Forte e calado, fiel como um cão Revoltado e escravo encarregado Cecílio de limpar as latrinas da casa Linda escrava Mina (escravos cobiçados pela beleza e Cairu desenvoltura). Modelo Damásia Escrava do lar Dama de companhia Coronela Fofoqueira e interesseira Dona de uma pensão Fonte: Site Gshow, Teledramaturgia e Observatoriodatv (adaptado pelo autor)

Alguns pontos importantes que foram evidenciados na novela em relação ao racismo: O personagem Eliseu foi confundido com um escravizado, devido sua cor; Uma das crianças negras da novela, Omar sofre preconceito ao não ser aceito num primeiro momento numa escola particular; Vanda, que é advogada também carrega consigo as marcas do racismo, por ser uma ex escravizada, ela demonstra uma personalidade mais ríspida por temer confiar nos outros (brancos); Coronela, refere- se aos negros de forma pejorativa e vive repetindo "Eu não sou negra!".

Mesmo sem ser o ponto focal da novela, alguns aspectos propiciam uma reflexão a respeito da não igualdade entre negros e brancos, cuja reflexão poderia ser abordada dentro das salas de aula com respaldo da Lei 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. E seus incisos:

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos

76

africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008)

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (BRASIL, 2008)

A relação entre mídia e educação teria uma fácil junção, visto que o tema escravidão/racismo estava presente na mídia televisiva e os docentes poderiam usar esse gancho para ampliar uma reflexão crítica para com os alunos.

A Escola (mas também outras instituições do estado como a Igreja ou outros aparelhos como o exército) ensinam ‘saberes práticos’ mas em moldes que asseguram a sujeição à ideologia dominante ou o manejo da ‘prática’ desta. Todos os agentes da produção, da exploração e da repressão devem estar de uma maneira ou de outra ‘penetrados’ desta ideologia, para desempenharem “conscienciosamente” a sua tarefa - quer de explorados (os proletários), quer de exploradores (os capitalistas), quer de auxiliares da exploração (os quadros), quer de papas da ideologia dominante (os seus ‘funcionários’), etc. (ALTHUSSER, 1985, p. 22).

Aqui temos um reforço da ideia de Althusser, sobre os aparelhos ideológicos do Estado. Podemos relacionar esse pensamento a definição de preconceito de Bobbio a qual abordamos na primeira seção. Para Bobbio a aceitação acrítica de uma doutrina, seja pelo costume, pela tradição ou por medo de uma autoridade pode nos levar a ter um comportamento/ação preconceituoso.

Assim, se olharmos ambos os pensamentos de Althusser e de Bobbio, podemos considerar que, quando o docente apenas ensina os saberes práticos, sem questionar a ideologia por trás deles, ou mesmo quando esse ensinamento não proporciona uma reflexão crítica da realidade na qual se encontram os alunos, quando esse docente fecha os olhos em relação a uma ideologia dominante, ele está mesmo que involuntariamente propagando uma ação preconceituosa, que pode ser limitante e limitadora do potencial de cada um dos alunos que ficam expostos a esse conteúdo ou a falta dele.

77

A próxima novela que iremos discutir, trata-se da novela exibida no ano de 2019: Verão 90. Com um elenco composto por 43 personagens e tendo entre eles o total de 7 personagens negros (16,3% de personagens negros). A novela ambientada na década de 1990, trazia ao ar a cultura, acontecimentos sociais e políticos da época. Mas a novela era uma comedia romântica e musical, que contava a história de um trio infantil que havia feito muito sucesso na década anterior e após alguns anos acaba se reencontrando e vivenciando sentimentos mal resolvidos (GSHOW/2019).

O percentual de personagens negros apresentado na novela é baixo se considerar a população negra do Estado do Rio de Janeiro na década de 1990. Segundo dados do Recenseamento Geral da População de 1991 (nome utilizado antigamente para o atual Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE) a população negra do Rio de Janeiro era composta por 44,3% do total de sua população. Desta forma, os 16% de personagens negros da novela Verão 90 fica muito abaixo do percentual da população negra da época em que a novela é ambientada. Essa representação pode passar a ideia de branquitude e de pouco espaço para o negro, algo que como vimos pelos números, não representa a verdade.

Além deste fato, em relação a população, a representação dos personagens pode ser vista na tabela a seguir:

Tabela 6 Personagem Negro Caracteristicas Profissão Dançarina e professora de Dandara Bonita, carismatica e telentosa lambada Diego Honesto e trabalhador Advogado Ticiano Cantor de Lambada Moana Estudante de jornalismo Verão 90 Verão Kika Faz tudo Produtora Trabalha em restaurante Catraca Sujeito boa-praça (faz tudo) Clarissa Criança espevitada e alegre Fonte: Site Gshow, Teledramaturgia e Observatoriodatv (adaptado pelo autor)

O baixo número de representantes negros na novela vai ao encontro da pouca representatividade nas sociedades? Os personagens negros que mais tem destaque na trama são Dandara e Ticiano, ambos envolvidos com a dança de lambada, o que

78

demonstra a sensualização do corpo, assim como já fora apresentado em outra novela aqui discutida: Da Cor do Pecado.

A objetificação, sexualização e até mesmo a desumanização do corpo negro é um processo de instrumentalização de opressão de uma sociedade preconceituosa. Os papeis desempenhados pelos atores e atrizes negros, muitas vezes vão ao encontro deste estigma, desta estereotipização. Quando a novela representa a mulher negra como babá, empregada doméstica, dançarina sensual e diarista, e representa características dos homens negros como atleta, briguento, violento, entre outros, existe aí a criação de uma imagem visual do perfil do negro visto na sociedade. Quem assiste de modo acrítico pode tomar essa imagem como uma representação fiel da realidade. O próprio estudante negro, ao se ver representado desta forma pode negar a própria identidade e subjetividade a fim de fugir deste tipo de estigma social. “Não quero ser reconhecido como negro, e sim como branco. Ora, […] quem pode proporcioná-lo, senão a branca? Amando-me ela me prova que sou digno de um amor branco. Sou amado como um branco. Sou um branco”. (FANON, 2008, p.69).

A última novela a ser estudada foi transmitida no ano de 2018, Deus Salve o Rei. Esta novela teve uma característica muito distinta das demais que observamos até o momento, isso porque, dos 41 personagens envolvidos na trama, nenhum era negro. Entretanto, se considerarmos todo o elenco, incluindo figurantes6 e participações especiais7, teremos um total de 148 personagens e desse total apenas 2 são negros, o que representa apenas 1,4%. Além disso, os personagens são carregados de estereótipos.

A primeira personagem negra da novela carrega o nome Mandingueira, uma curandeira e vidente que vive isolada na floresta. A personagem é vista e retratada por muitos como uma feiticeira, uma bruxa, e seu final na novela carrega também um outro estereotipo, mas esse típico da Era Medieval. A personagem acaba morta queimada na fogueira. Embora ela seja uma curandeira que ajuda o futuro Rei,

6 Figurantes são atores que atuam como composição de cenário

7 Terminologia usada no mundo das artes para informar que alguma está participando daquela obra, mas num papel secundário, normalmente essas participações ocorrem por alguns episódios da obra, não contemplando assim a novela como um todo.

79

salvando sua vida, o estereótipo que carrega é suficiente para que a população a julgue como culpada pela peste que assola o reino.

A retratação da única mulher negra da novela neste papel estereotipado coloca ainda mais um estigma sobre a pessoa negra, pois ela é vista como marginal, tem um aspecto negativo atrelado a sua personalidade, sendo julgada pela sociedade, assim como ocorreu com a personagem da novela.

Já a segunda personagem dessa novela, tem ainda mais características negativas em seu papel. Trata-se de Emídio, que é visto como um sujeito dissimulado, calculista, traiçoeiro e está sempre disposto a fazer qualquer coisa por dinheiro. O capítulo que foi ao ar no dia 16/03/2018 ilustra emblematicamente os antagonismos entre o “herói branco” e o “vilão negro”. Em uma cena, o protagonista Afonso, primeiro na linha de sucessão do reino de Montemor, representado como um homem ético, leal e justo, que se preparou por toda sua vida para assumir o trono descobre que Emídio sequestrava crianças e jovens e, posteriormente, os levava para trabalhos forçados em minas.

Constatando o fato, Afonso parte para cima de Emídio e os dois trocam socos. Por fim, Afonso, “vitorioso” no confronto, dá uma lição de moral em Emídio: “Você tem até o fim do dia para deixar Montemor [...] porque se eu encontrá-lo novamente, não me responsabilizarei pelos meus atos”. (OBVIOUSMAG, 2018)

Mesmo após 132 anos da abolição da escravidão, a população negra ainda carrega em suas costas uma marca histórica. O negro ainda é visto e retratado como malandro serviçal, mão de obra e sujeito não confiável. Esse estigma é demonstrado e disseminado diariamente por meio das telenovelas (como um instrumento ideológico do Estado).

O indivíduo que se depara com essa triste realidade, principalmente o indivíduo negro, pode se ver num embate de subjetividade. Será que o aluno quer ser visto e representado desta forma como vem sendo representado nas telenovelas, como um sujeito marginalizado? E o que será que ele pensa a respeito deste tipo de exibição e representação? Tentaremos responder essas questões no próximo capítulo. Mas antes disso, alguns pontos precisam ser apresentados a respeito da mídia televisiva e da telenovela.

80

3.5 O poder da Televisão

Além de possibilitar uma deformação na construção da subjetividade, a mídia televisiva pode carregar um viés ideológico por meio de sons e imagens. Essa ideologia pode ter sua raiz atrelada à lógica capitalista. Para os pensadores da Escola de Frankfurt como Adorno, Horkheimer, Marcuse, Fromm Benjamin, (que representam a primeira geração da Escola de Frankfurt); Habermas e Apel (representando a segunda geração), que buscavam uma contextualização social e cultural para o surgimento de teorias e valores do mundo da sociedade industrial avançada havia a afirmação de uma mudança na disseminação de ideologias. “A constituição da indústria cultural é um elemento fundamental dessa disseminação, sendo responsável pelas mudanças na ideologia.” (COELHO, 2008, p.79)

Ainda segundo Coelho, essa mudança estaria ocorrendo devido “capacidade tecnológica de os veículos da indústria cultural criarem a sua versão da realidade, transformando-a na realidade, tornando supérflua a lógica argumentativa: onde o real tornou-se ideológico e a ideologia tornou-se real”. (COELHO, 2008, p. 80)

Antes da chegada da mídia, a ideologia era difundida através da oralidade, das narrativas e seu poder de massificação era limitado. Com a chegada da mídia televisiva e com seu largo alcance, a ideologia dentro da lógica capitalista pôde ser espalhada com facilidade, chegando diretamente a vários grupos sociais, entre eles os alunos negros, seja com comerciais infantis, a criação de celebridades, padrões estéticos, padrões comportamentais, entre outros.

De acordo com o Doutor em filosofia pela Universidade de Kassel, Rodrigo Duarte:

Enquanto nos séculos precedentes a ideologia ocorria principalmente através de discursos, de narrativas, sobre como era a realidade e como deveria ser, a partir de inícios do século XX, depois do surgimento de meios cada vez mais realistas de reproduzir e difundir sons e imagens – num processo de desenvolvimento tecnológico que nunca estagnou -, a ideologia passou a ter por objeto o mundo enquanto tal, ou seja, as palavras se tornam supérfluas pois o que se quer fazer passar por verdadeiro pode ser mostrado, num processo em que a ‘divindade do real’ é garantida por sua mera repetição. (DUARTE, 2004, p.44-45)

81

Esta dominação está diretamente ligada as classes dominantes, que tem como foco principal manter seu poder. Para Gramsci, a classe dominante exerce uma função e busca “adequar a ‘civilização’ e a moralidade das mais amplas massas populares às necessidades do desenvolvimento continuado do aparelho econômico de produção, portanto elaborar também fisicamente novos tipos de humanidade” (GRAMSCI, 1968, p. 91).

Quando a mídia resolve não apresentar a realidade social como ela é, ou mesmo chegando mais próximo possível da realidade, ela pode estar agindo de forma ideológica, mascarando e expondo aquilo que a classe dominante quer que seja ocultado e/ou demonstrado. Os interesses por trás desta ação são múltiplos, mas todas elas têm o motivo de manter o poder.

Jornalistas, publicitários e profissionais de relações públicas são produtores de ideologia, e sua atuação é fundamental para o exercício da hegemonia pela classe dominante, já que são seus “pressupostos”, auxiliando-a no exercício de funções organizativas, como a conquista da “confiança’ dos investidores e compradores de mercadoria no plano caracterizado por Gramsci como hegemonia social. (COELHO, 2008, p. 84)

Assim, o que é apresentado na telinha não é nada mais que um produto que busca agradar o telespectador, ou melhor, o cliente. Se o cliente quer/prefere ver essa representação de falsa branquitude na tela, aqueles que estão por trás da tela irão transmitir exatamente isso. E essa busca por uma sociedade branca, dentro dos padrões europeus é algo que o Brasil busca a muito tempo.

Como podemos verificar nesta seção, a mídia televisiva no segmento das telenovelas globais exibidas na faixa das 19hs ainda faz a representação dos seus personagens negros com características estereotipadas, ajudando desta forma a perpetuar estigmas e preconceitos a respeito da população negra brasileira, incluindo nosso público de investigação, as crianças e adolescentes.

Na seção seguinte buscaremos demonstrar as conclusões resultantes das seções anteriores baseadas na nossa metodologia bibliográfica.

82

4 TERCEIRA SEÇÃO

4.1 A educação escolar na contramão dos estereótipos

Nesta seção buscaremos compreender de que forma a educação escolar pode contribuir para que o estudante possa romper a barreira criada pelos estereótipos que é alimentada pela mídia televisiva, podendo assim alavancar o seu potencial de sujeito. Para isso recorreremos à bibliografia de pensadores da educação, tais como Edgar Morin e Charles Taylor.

Aqui se faz necessária uma breve explicação da diferença entre sujeito e indivíduo, diferenciação essa realizada por Edgar Morin acerca dos termos. Para Morin (1996) a noção de sujeito está diretamente ligada à noção de autonomia, ao mesmo tempo, a autonomia está estreitamente ligada a noção de dependência do meio ambiente, "na autonomia, pois, há uma profunda dependência energética, informativa e organizativa a respeito do mundo exterior" (MORIN, 1996, p. 47). Já a noção de indivíduo está ligada a noção de individualidade "Desse modo, a sociedade é, sem dúvida, o produto de interações entre indivíduos" (MORIN, 1996, p. 48).

De acordo com Morin, Petraglia (2013) complementa a explicação ao considerar que o ser humano é, invariavelmente, indivíduo, porque apresenta características objetivas que o individualiza, como por exemplo: altura, cor da pele, timbre de voz. Mas, é também sujeito, pois tem subjetividade que, junto com as características objetivas, são colocadas em função de um projeto ou de uma causa. A subjetividade é aqui colocada como afetividade, emoções, o imponderável presente na metáfora, na poesia, na obra de arte, expressões manifestas pelo homo sapiens- demens.

Pudemos verificar nas seções anteriores o impacto que a mídia televisiva no âmbito das telenovelas pode ter sobre o indivíduo negro no que se refere a construção da sua subjetividade.

As novelas fazem em sua maioria uma representação de um ou mais assuntos ou aspectos sociais. Ou seja, ela espelha a sociedade. Dito isso e observando a

83

ausência de representatividade de atores e atrizes negros nas telenovelas, direcionamos nosso olhar para a sociedade para buscar entender ou mesmo compreender esse fenômeno.

Em sintonia com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério da Economia, referente ao ano de 2016, apresentamos os empregos com maior quantidade de negros e brancos, de acordo com o site rais.gov.br. O RAIS é um relatório de informações socioeconômicas solicitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego brasileiro às pessoas jurídicas e outros empregadores anualmente e ele tem alcance nacional. Diante das informações do RAIS, são baseados o suprimento às necessidades de controle da atividade trabalhista no país, o provimento de dados para a elaboração de estatísticas do trabalho e a disponibilização de informações do mercado de trabalho às entidades governamentais

Fonte: RAIS 2016 / Ministério da Economia

84

Fonte: RAIS 2016 / Ministério da Economia

Como podemos identificar nas tabelas anteriores, os empregos com maior concentração de pessoas negras são em sua maioria trabalhos braçais e do setor de prestação de serviços. Com isso, quando as telenovelas apresentam os personagens negros em trabalhos subalternos, ela está de certa forma representando uma realidade social. Entretanto, essa realidade não é e nem pode ser considerada absoluta.

As telenovelas ao apresentarem esta realidade, lançam sobre uma parcela da população negra, um retrato delimitado e condicionante. Ou seja, expõem um mundo limitado de possiblidades, onde o indivíduo negro tem seu espaço pré-estabelecido na sociedade com empregos direcionados.

Sendo assim, a educação escolar surge como um meio possível para que esse estereótipo midiático possa ser rompido ou pelo menos minimizado. Principalmente pela lei Lei 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-

85

brasileira e africana nas escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.

O parágrafo 1º do Artigo 26 A afirma que o

conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008).

Porém, a implementação desta Lei não garante que o ensino da história da África e dos africanos, abordando sua cultura e valores realmente irá acontecer e que o docente terá todos os meios necessários para informar aos seus educandos os conhecimentos sobre a Cultura Africana e Afro-brasileira e Indígena.

Segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC):

Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira (BRASIL, 2004, p.11-12)

Mesmo a escola sendo um espaço de desenvolvimento educacional, científico e humano podemos considerar que os espaços escolares são distintos em todo o território nacional, seja na questão de ensino voltado ao mercado de trabalho, seja nas condições estruturais da escola ou até mesmo nas políticas públicas em Educação. Ou seja, esses espaços escolares de certa forma ajudam na manutenção das diferenças sociais, nas desigualdades, ao mesmo tempo que propiciam um espaço democrático para a formação humana e para o exercício das diferenças culturais.

Mas, a histórica exclusão da população negra, seja no acesso ao ensino (aqui, podemos falar sobretudo do ensino superior), seja na ausência de conteúdos programáticos e mesmo na exposição e debates que levem a uma reflexão acerca destes hiatos. Assim, uma não abordagem ampla da cultura africana e afro-brasileira

86

em todo território nacional, vinculados com a cultura negra no Brasil apenas reforça a desigualdade destes espaços democráticos e também ajuda a manter silenciada a história do povo negro, mesmo com uma política que obrigue o ensino de tais conteúdos.

Tudo isso leva e direciona a educação escolar a manter os estereótipos, preconceitos e estigmas que são vistos na mídia televisiva. A escola neste sentido peca em não oferecer aos alunos negros (e não só eles) a possibilidade de enxergar essa negativa que é transmitida diariamente pela mídia e levar esses alunos a refletir não só sobre o porquê deste cenário, mas também sobre o seu papel na sociedade, sendo assim protagonista de sua história e construção de sua subjetividade.

Entendemos que a Lei 11.645/08 não é de fato aplicada como deveria, visto que a educação escolar brasileira pode ser apresentada, de um ponto de vista histórico, como um campo de exclusões e reprodução das desigualdades (BOURDIEU, 1975). No entanto, existem pensamentos e estratégias que visam uma educação com mais equidade, possibilitando que não só os conhecimentos específicos de cada disciplina sejam ensinados, mas também uma educação mais humanística, libertadora, emancipatória, que visa o aprimoramento do indivíduo e sua formação para a sociedade. Tais como: o seu papel como cidadão consciente, aprimorar e reavaliar seus saberes. Desta forma, a cultura e história são pontos fundamentais para serem alavancados dentro da sala de aula.

A aplicação desta lei é uma ação que busca promover a ruptura de um quadro de exclusão e velamento que se fazia e ainda faz presente na educação escolar brasileira. Através desta lei, espera-se que não só o conteúdo ministrado nas aulas tenha algum enfoque na história e cultura negra, mas sobretudo que ela indique um caminho para que debates e reflexões sejam construídas nas salas de aula para que ocorra gradativamente uma desconstrução nas práticas, falas, ações racistas que alicerçam o racismo estrutural no Brasil.

A educação constitui-se um dos principais ativos e mecanismos de transformação de um povo e é papel da escola, de forma democrática e comprometida com a promoção do ser humano na sua integralidade, estimular a formação de valores, hábitos e comportamentos que respeitem as diferenças e as características próprias de grupos e minorias. Assim, a

87

educação é essencial no processo de formação de qualquer sociedade e abre caminhos para a ampliação da cidadania de um povo (BRASIL, 2004, p.7).

Ao ser abordado em sala, temas sobre racismo, representatividade, acesso e permanência, cultura e história, cumpre-se o papel de elevar o conhecimento do aluno e romper com os preconceitos a esse respeito e não apenas substituir os conteúdos dos professores na sala. Tanto que todos esses temas podem e deveriam ser abordados por todas as disciplinas, não deixando isso apenas por conta da História, Geografia, Sociologia e Filosofia por exemplo.

a atividade pedagógica produz e reproduz as condições simbólicas (culturais, linguísticas, sociais, etc) da comunicação, pela organização metódica de parâmetros curriculares, de matrizes de um currículo que visa assegurar a assimilação e interiorização do código simbólico da cultura dominante. De modo mais geral, fica evidente que o modelo educacional reforça o privilégio para aqueles que desenvolveram uma identificação, um nível de investimento educacional e uma capacidade de incorporação e assimilação da cultura escolar (culturalmente colonial branca e euro-norte americana) e desse modo nega a possibilidade de outras identificações com os outros grupos (indígena e africanos) que compõem a sociedade brasileira e sua formação social e cultural (SOUZA, [s/d], p.56).

Para Morin, o que pode de fato ajudar o desenvolvimento do pensamento humano é a forma como o conhecimento é unido ao pensamento crítico, e não o montante de conteúdos que são trabalhados na escola. Dizendo de outra forma, não adianta a escola oferecer várias atividades simplesmente por considerar aquilo um conteúdo a ser trabalho, é necessário que as atividades sejam pensadas para a criticidade e reflexão do pensamento do estudante.

Além de toda a influência que a mídia televisiva pode ter sobre a criança e ao adolescente, um outro fator merece atenção, a bagagem cultural que cada aluno traz consigo do seio familiar. Essa bagagem pode ter um aspecto que contribua ou ajude a romper com os estigmas apresentados nas telenovelas, ou, que ajude a manter os estereótipos mais ativos. Desta forma, novamente a escola como espaço democrático e multiétnico é o local privilegiado para que uma reflexão seja posta a frente dos alunos, para que pré-conceitos possam ser ressignificados.

Contra essa corrente, uma das principais funções da escola seria a de problematizar e desnaturalizar os estigmas, preconceitos e estereótipos que existem

88

e são presentes em nossa sociedade. Mas, para se ter uma percepção destas ações é necessário que haja uma tematização das desigualdades sociais presentes em nossa sociedade, refletir sobre o seu processo histórico e buscar dialogar sobre as possíveis práticas de discriminação.

Mas até que ponto, apenas a implementação da Lei 11.645/08 é suficiente para romper com os estereótipos e estigmas presentes na sociedade e massificados pela mídia televisa sendo que os professores em sua maioria não tiveram nenhuma formação ou contato com conteúdos que levassem eles próprios a buscarem levar para dentro de sala de aula essa ruptura?

As questões étnico-raciais parecem-nos pouco presentes na formação docente dos educadores, assim, propiciar um diálogo desta natureza em sala de aula se torna ainda mais difícil justamente por falta de uma formação com base teórica, metodologias e até mesmo a prática reflexiva sobre o tema. Para a pesquisadora e professora da Universidade Federal do Pará, Wilma De Nazaré Baia Coelho no artigo “Igualdade e diferença na escola: um desafio à formação de professores” (2006), a África deveria ser o berço para os nossos currículos educacionais, pois assim, para a pesquisadora, essa ação poderia desencadear uma ruptura na reprodução do preconceito racial nas escolas.

A lei e seus aportes encaminham duas questões correlatas. Por um lado, ela promove a inclusão de um conteúdo inédito na Educação Básica, embora pouco conhecido, mesmo na Educação Superior. Ela elege a África como uma das matrizes das instituições nacionais, retirando da Europa o lugar de matriz única de nossa cultura. Por outro lado, ela demanda o abandono do mito da “democracia racial”, herança de décadas de tolhimento das lutas das populações negras organizadas. (COELHO, 2006).

Na visão de Rocha,

Esse redimensionamento da perspectiva causou, evidentemente, uma enorme inquietação no meio educacional, uma vez que a Lei obriga a introdução de novos conteúdos e uma nova perspectiva. A prática docente e a formação inicial e continuada de professores e, por conseguinte, o currículo exige revisão de modo a adequarem-se às demandas legais e à satisfação da orientação pela inclusão – tônica da política educacional brasileira dos últimos anos. (2008, p.57)

89

Podemos perceber então que o diálogo em sala de aula a respeito das questões étnico-raciais está ancorado no âmbito da política da gestão educacional, uma vez que se observa pouco incentivo e pouca formação continuada para que os educadores possam ter domínio sobre esse tema para trabalha-los em sala de aula. Consideramos que o preparo pedagógico e a formação parte, muitas vezes da própria iniciativa do docente.

As reformas são interdependentes. A reforma de vida, a reforma moral, a reforma de pensamento, a reforma de educação, a reforma de civilização, a reforma política, todas elas mobilizam umas às outras e, por isso mesmo, seus desenvolvimentos lhes permitirão se dinamizar entre si. (MORIN, 2013, p. 381)

Abordar essa temática dentro da sala de aula, implica em uma série de questões que estão além do currículo ou da lei em si, sobretudo em relação aos docentes e as suas próprias concepções de ensino-educação, de suas relações com o tema de africanidades e também da formação acadêmica, horizonte de conhecimento e valores.

Segundo Oliveira,

[...] exigir dos docentes a aplicação das novas diretrizes que incluem nos currículos, histórias da África e das relações étnico-raciais em educação, significa mobilizar subjetividades, desconstruir noções e concepções apreendidas durante os anos de formação inicial e enfrentar preconceitos raciais muito além dos muros escolares. (OLIVEIRA, 2007, p.1).

Entendemos que a ruptura dos estigmas, preconceitos e estereótipos no ambiente escolar está muito além de uma normatização provinda de uma Lei. Mas, em saberes que se constroem, a partir de uma reforma de pensamento, como nos indica Morin (2000) para uma educação emancipatória, crítica e humanista, que tem como um de seus propósitos a ruptura do pensamento fragmentado, contribuindo desta forma para que o estudante negro possa romper a barreira da ausência de representatividade, alavancando assim o potencial de sujeito.

90

4.2 Os Sete Saberes

Sobre os Sete Saberes necessários à educação do futuro, no ano de 1999 a pedido da Unesco, Edgar Morin condensou pensamentos e reflexões que para ele poderiam ajudar a pensar e repensar a educação para o novo século. Para Morin, estes saberes deveriam ser adotados nas diversas sociedades. Aqui podemos pensar em como a mídia televisiva, especialmente as telenovelas retratam e moldam o comportamento social. Desta forma, ressaltaremos cada um dos sete saberes e seu vínculo com a ruptura do pensamento fragmentado e seu impacto na desconstrução dos estereótipos, estigmas e preconceitos.

1) As cegueiras do conhecimento: O erro e a ilusão – Este saber diz respeito a aceitar que nenhum conhecimento é absoluto. Segundo Morin, não há conhecimento que não esteja ameaçado pelo erro e/ou pela ilusão. Isso porque existem os erros de percepção, como as percepções dos nossos sentidos, da mesma forma como as emoções podem influenciar nossos pensamentos e desta forma multiplicam as chances de cometermos erros. Segundo o autor, nem mesmo as teorias cientificas estão imunes ao erro.

As sociedades domesticam os indivíduos por meio de mitos e idéias, que, por sua vez, domesticam as sociedades e os indivíduos, mas os indivíduos poderiam, reciprocamente, domesticar as idéias, ao mesmo tempo em que poderiam controlar a sociedade que os controla. No jogo tão complexo (complementar-antagônico-incerto) de escravidão-exploração-parasitismos mútuos entre as três instâncias (indivíduo/sociedade/noosfera), talvez possa haver lugar para uma pesquisa simbiótica. (MORIN, 2003, p.29)

Ora, pensar neste saber relacionando-o com a ausência de representatividade nos faz pensar que, a representação midiática que temos hoje em dia apresentada nas telenovelas é um erro e uma ilusão. Ilusão no sentido de que tal representação não condiz com a realidade da população brasileira em sua maioria e erro por justamente apresentar um cenário que é tomado como real pelos telespectadores.

2) Os princípios do conhecimento pertinente – Neste saber, Morin fala sobre contextualizar os conhecimentos ao contexto atual global e suas relações. Um ponto tratado neste saber é de como podemos ter acesso às

91

informações sobre o mundo e como elas se articulam com a nossa realidade.

A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar. (MORIN, 2003, p.39)

Diante deste saber, a educação escolar deve desenvolver a aptidão para organizar o conhecimento, uma vez que, os problemas globais estão cada vez mais transversais e multidimensionais. Assim, a educação escolar deve seguir o mesmo caminho, propiciando uma educação transdisciplinar na busca por romper o pensamento fragmentado e intercalar diversas formas de pensar um mesmo contexto. Desta forma, um assunto como a cultura africana e afro-brasileira não fique presa a apenas uma disciplina escolar, mas que seja trabalhada e dialogada por todo o corpo escolar.

3) Ensinar a condição humana – Aqui, Morin fala que por mais que sejamos indivíduos diferentes por conta das barreiras geográficas e culturais, algo maior que isso no une, que é a humanidade. Morin salienta que a educação do futuro precisa cuidar para que a ideia de unidade não apague a ideia de diversidade e que a ideia de unidade não apague a ideia de diversidade.

Por isso, a educação deveria mostrar e ilustrar o Destino multifacetado do humano: o destino da espécie humana, o destino individual, o destino social, o destino histórico, todos entrelaçados e inseparáveis. Assim, uma das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana. Conduziria à tomada de conhecimento, por conseguinte, de consciência, da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra. (MORIN, 2003, p.61)

Ou seja, temos características comuns com outros indivíduos ao mesmo tempo que temos características únicas, essa complexidade tratada neste terceiro saber é fundamental no combate ao preconceito. Ensinar e dialogar com os alunos, considerando as mais diversas diferenças que estão ali presentes em cada um deles, ao mesmo tempo que tantas outras similaridades também estão ali presentes. Desta

92

forma, o olhar preconceituoso perderá força, visto que aquilo que nos torna diferentes nos torna ao mesmo tempo únicos e isso está presente em todos os indivíduos.

4) Ensinar a identidade terrena – Neste saber, o pensador francês faz um retrospecto da vida humana na terra, mostrando que ao longo do tempo estamos cada vez mais conectados e que todos os seres humanos, confrontados de agora em diante aos mesmos problemas de vida e de morte, partilham um destino comum.

É no encontro com seu passado que um grupo humano encontra energia para enfrentar seu presente e preparar seu futuro. A busca do futuro melhor deve ser complementar, não mais antagônica, ao reencontro com o passado. Todo ser humano, toda coletividade deve irrigar sua vida pela circulação incessante entre o passado, no qual reafirma a identidade ao restabelecer o elo com os ascendentes, o presente, quando afirma suas necessidades, e o futuro, no qual projeta aspirações e esforços. (MORIN, 2003, p.77)

Aqui, ao observar o percurso histórico da humanidade, olhando para os confrontos e para as ações solidárias, precisamos ser críticos quanto ao futuro que queremos preservar. Ao olhar a educação, podemos ter esse olhar crítico em relação a evolução da educação escolar e como ela tem “formado” as novas gerações.

5) Enfrentar as incertezas – Neste saber é abordado o saber lidar com as incertezas que enfrentamos diariamente e o estar preparado para as mudanças. Neste saber, Morin afirma que não existem apenas criações ou inovações, existem também destruições que podem trazer novos desenvolvimentos.

Toda evolução é fruto do desvio bem-sucedido cujo desenvolvimento transforma o sistema onde nasceu: desorganiza o sistema, reorganizando-o. As grandes transformações são morfogêneses, criadoras de formas novas que podem constituir verdadeiras metamorfoses. De qualquer maneira, não há evolução que não seja desorganizadora/reorganizadora em seu processo de transformação ou de metamorfose. (MORIN, 2003, p.82)

Praticar esse saber é praticar a ressignificação, é quebrar paradigmas e romper com estigmas. Assim, ao observamos a representação do negro na telenovela e seu histórico de papeis secundários em sua maioria, podemos buscar o rompimento desta

93

“tradição”, como ocorreu no cinema internacional recentemente com o longa metragem Pantera Negra. Ações como essa mexem com o olhar da sociedade para ela própria e traz à tona uma discussão a respeito da necessidade desta quebra de paradigmas e também da necessidade de representatividade que a mídia deve promover.

6) Ensinar a compreensão – Aqui, Morin logo de cara nos diz que educar para compreender uma disciplina é uma coisa e educar para a humanidade é outra completamente diferente. Morin reforça que precisamos formar cidadãos sociais e planetários.

A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensões mútuas. Dada a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da reforma planetária das mentalidades; esta deve ser a tarefa da educação do futuro. (MORIN, 2003, p.104)

Fica claro neste saber que para exercer a cidadania muitos conteúdos específicos das disciplinas são fundamentais, entretanto ensinar a compreender significa acima de tudo entender a situação, praticar e exercer a alteridade, ou seja, não existe uma regra de comportamento a ser, mas, cada situação requer uma interpretação de circunstâncias. Morin diz que precisamos compreender de modo desinteressado, sem esperar nada em troca. Desta forma os interesses não são potencializados, o que pode ajudar a romper com os estigmas e preconceitos sociais.

7) A ética do gênero humano – Neste último saber, Morin faz um resumo dos saberes anteriores e traz a ética como elo entre todos, além de demonstrar a inseparabilidade de sermos indivíduos, sociedade e espécie.

Indivíduo e Sociedade existem mutuamente. A democracia favorece a relação rica e complexa indivíduo/sociedade, em que os indivíduos e a sociedade podem ajudar-se, desenvolver-se, regular-se e controlar-se mutuamente. A democracia fundamenta-se no controle da máquina do poder pelos controlados e, desse modo, reduz a servidão (que determina o poder que não sofre a retroação daqueles que submete); nesse sentido, a democracia é mais do que um regime político; é a regeneração contínua de uma cadeia complexa e retroativa: os cidadãos produzem a democracia que produz cidadãos. (MORIN, 2003, p.107)

94

A ética da condição humana envolve ao mesmo tempo indivíduo, sociedade e espécie. Assim, a ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade. Pensando na educação, a ética não poderia ser ensinada por meio de lições de moral ou mesmo em uma disciplina única. Isso é algo que deve ser construído nas mentes por meio de reflexões, diálogos e principalmente na prática. Essa consciência de que o humano é, ao mesmo tempo, indivíduo, parte da sociedade, parte da espécie é o principal exercício para uma sociedade com cada vez menos preconceitos e estereótipos, visto que essa antro- ética tem como foco o trabalhar para a humanização, respeitar no outro a diferença e a subjetividade, desenvolver a ética da compreensão e ensinar a ética do gênero humano. Isso implica em uma reforma do pensamento, que parte do linear em direção ao complexo.

Promover uma educação escolar que vise o rompimento do preconceito racial é algo que está além de simples ações e de manifestações que visem acabar com atitudes diretas de racismo, como xingamentos, ofensas ou utilização de expressões que resultem nisso. Estas ações não são suficientes, por mais significativas e positivas que possam ser, visando uma melhoria do clima organizacional da escola e da prática de regulação de conflito dentro da escola. Precisamos de uma pedagogia do conflito, que mantem acesa a chama da curiosidade e do movimento em prol da transformação da dominação e da opressão

4.3 Medidas pedagógicas Assim como apenas implementar uma lei, essas medidas pedagógicas pontuais, realizadas dentro da escola são partes de um todo, mas que individualmente não contemplam a função de efetivamente romper com os preconceitos, estereótipos e estigmas sociais resultantes da ausência de representatividade midiática. Uma educação escolar de cunho “antirracista” requer mais do que ampla revisão do currículo escolar que garanta a pluriversalidade do pensamento formativo, diálogo entre os vários campos do saber educacional, sem deixar de lado um quadro formado por docentes etnicamente diversos com formações e competências curriculares que

95

envolvam a cultura e a história africana e afro-brasileira. E, para que isso se realize, necessitamos da reforma de pensamento tanto das pessoas quanto das instituições.

É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto. De fato, a reforma do pensamento não partiria de zero. Tem seus antecedentes na cultura das humanidades, na literatura e na filosofia, e é preparada nas ciências. (MORIN, 2003, p.89)

O conceito de pluriversalidade é desenvolvido pelo filósofo sul-africano, Mogobe Bernard Ramose, um dos principais pensadores a popularizar a filosofia africana, e especificamente a filosofia Ubuntu. Esse conceito tem um resultado positivo na busca pela quebra de estereótipos que a educação escolar deve buscar, uma vez que:

Considerando que “universal” pode ser lido como uma composição do latim unius (um) e versus (alternativa de...), fica claro que o universal, como um e o mesmo, contradiz a ideia de contraste ou alternativa inerente à palavra versus. A contradição ressalta o um, para a exclusão total do outro lado. Este parece ser o sentido dominante do universal, mesmo em nosso tempo. (RAMOSE, 2011, p.10).

Ou seja, não basta tratar o racismo dentro das escolas como se fosse um conflito direto entre os alunos, tal como ocorre na prática do bullying, é preciso ter a consciência de que o racismo estrutural pode estar presente em vários ambientes e em várias ações dentro da escola, como por exemplo no próprio material pedagógico utilizado, na não abordagem de diferentes contextos visões de uma mesma história. A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, em seu livro “O perigo de uma história única” (2018) faz um relato sobre como pode ser perigoso para o indivíduo não conseguir se identificar em relação a sua própria cultura e história.

[...] quão impressionáveis e vulneráveis somos diante de uma história, particularmente durante a infância. Como eu só tinha lido livros nos quais os personagens eram estrangeiros, tinha ficado convencida de que os livros, por sua própria natureza, precisavam ter estrangeiros e ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. (ADICHIE, 2018, p.9)

Em outras palavras, quando a história africana e afro-brasileira é velada ou mesmo contada apenas por meio de uma única visão, que é a visão eurocêntrica, o

96

estudante negro ao ter contato com essa história pode considerar que a verdadeira história do seu povo é aquela que está ali descrita nas páginas dos livros escolares. Entretanto, essa história é apenas uma entre tantas, descrita por meio de uma perspectiva entre tantas. Abordar outros caminhos para abordar um certo conteúdo programático, ou mesmo demonstrar que existem diversas perspectivas é dar ao aluno a possibilidade de, além de ampliar seus horizontes de conhecimento, poder se identificar e se reconhecer na história. Desta forma, uma educação antirracista reconhece e valoriza as múltiplas identidades e histórias de todos os indivíduos envolvidos, seja os discentes ou os próprios indivíduos envolvidos nas histórias por trás dos conteúdos lecionados. Um conteúdo programado composto por uma única visão, como no caso dos povos africanos escravizados em que suas histórias são contadas nos livros didáticos por meio de uma perspectiva daqueles que os dominaram chega até um aluno negro, esse por sua vez está diante de uma história que esconde muito de sua própria cultura e a deixa invisível.

Ao veicular estereótipos que expandem uma representação negativa do negro e uma representação positiva do branco, o livro didático está expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias, das teorias e estereótipos de inferioridade/superioridade raciais, que se conjugam com a não legitimação pelo Estado, dos processos civilizatórios indígena e africano, entre outros, constituintes da identidade cultural da nação (SILVA, 1989, p 57).

Essa abordagem múltipla faz parte da pluriversalidade, já que a mesma defende a ideia de educação policêntrica, intercultural, polidiálogica. Conceito esse que vai ao encontro do rompimento da fragmentação tratada por Morin, como transdisciplinaridade ou religação dos conhecimentos que um conhecimento múltiplo e plural, que aborde uma educação escolar voltada para o conhecimento que tenha significado para o aluno, ou seja, uma educação pluriversal e contextualizada, que parta da realidade do sujeito. Buscar a universalização da educação é uma ação direcionada para que os alunos aprendam os mesmos conteúdos, do mesmo modo, na mesma velocidade e

97

sejam submetidos aos mesmos exames de aprovação. Essa prática por si só já é uma afronta à noção de individualidade e cultura.

[...] não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para participar coletivamente da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria história. [...] A escola como um espaço de ensino-aprendizagem será então um centro de debates de idéias, soluções, reflexões, onde a organização popular vai sistematizando sua própria experiência. O filho do trabalhador deve encontrar nessa escola os meios de auto emancipação intelectual independentemente dos valores da classe dominante. A escola não é só um espaço físico. (FREIRE, 1995, p.16)

Ou seja, não se pode ensinar apenas um lado da história e negar o outro lado, ou outros lados, deve-se buscar uma compreensão articulada entre as diversas perspectivas, uma compreensão policêntrica que esteja abarcada num polidiálogo, visando assim romper com a fragmentação do conhecimento. Tal ação tende a ser mais assertiva e efetiva na busca por uma educação que combata a ausência de representatividade negra nas telenovelas. Pensar uma educação pluriversal e transdisciplinar é pensar no aluno como indivíduo e sujeito, que tenha em si a consciência de quem ele é. A educação escolar pluricultural além de propiciar diálogos que minimizem ou acabem efetivamente com os estereótipos propagados pela mídia televisiva, também alavanca a criticidade de seus estudantes.

[...] procuraremos identificar outros espaços que possam propiciar a interação de práticas pedagógicas diferenciadas de modo a possibilitar a interação de experiências. Consideramos também práticas educativas as diversas formas de articulação que visem contribuir para a formação do sujeito popular enquanto indivíduos críticos e conscientes de suas possibilidades de atuação no contexto social. (FREIRE, 1995, p.16).

Para o antropólogo brasileiro-congolês Kabengele Munanga (2004), que é especialista em antropologia da população afro-brasileira, atentando-se a questão do racismo na sociedade brasileira, entende que ocultar várias facetas da mesma história acaba se tornando uma ferramenta eficaz para que o racismo continue a ser perpetuado.

98

Desta forma, tanto a ausência de personagens negros nas telenovelas quanto a ocultação da história e das representações positivas do povo negro nas disciplinas e materiais didáticos, contribuem significativamente de modo negativo para a construção da subjetividade do estudante negro. Pois além de não se ver representado na tela da tevê, este mesmo aluno tem a história do seu povo sendo contada por meio de um viés eurocêntrico.

99

5 Considerações finais

O objetivo geral desse estudo foi o de analisar de que forma a ausência de representatividade midiática televisiva, no segmento das telenovelas da rede Globo transmitidas no horário das 19h, pode impactar na construção da subjetividade do aluno negro. Entendemos tê-lo atingido, bem como tivemos a oportunidade de responder positivamente ao problema de investigação e aos objetivos específicos. Com base nos estudos teóricos realizados, reiteramos a relevância do tema e consideramos que a mídia televisiva pode ter impacto direto na construção da subjetividade do estudante negro, sendo que esse impacto tem aspectos negativos, tendo em vista que a representatividade negra nas telenovelas que utilizamos em nosso recorte, carrega consigo estigmas, estereótipos e preconceitos que podem ser percebidos pela sociedade como algo comum, acarretando assim em reprodução na sociedade e nas relações interpessoais. Identificamos que uma possível solução para este fenômeno está ancorada no modo como a Educação escolar é trabalhada nas escolas, seja na formação docente, nos conteúdos programáticos, nos materiais pedagógicos e na forma como o preconceito racial é trabalhado e discutido com os estudantes. Uma variação no currículo escolar, que abranja as mais diversas culturas, pensamentos e histórias é, ao nosso entendimento, uma maneira de ter cada vez mais um pensamento pluriversal e transdisciplinar. Dessa forma, é possível que a mídia televisiva repense a representatividade da população negra como minoria em sua programação, sobretudo nas telenovelas. Pensar uma Educação que esteja voltada para a emancipação do aluno e a fragmentação do conhecimento, que vise trazer para as reflexões diárias a própria sociedade e a importância que cada um de seus cidadãos tem, é olhar a Educação como ferramenta de mudança social. Não pretendemos com esse trabalho esgotar o assunto, tampouco oferecer respostas unívocas ou lineares à tema tão complexo. Mas, contribuir com o debate tanto atual quanto necessário, seja na sociedade, seja na academia e, com isso, também oferecer um novo ponto de vista às perspectivas para outros estudos.

100

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 2007.

Acesso ao sinal de TV digital atinge 79,8% das residências do país. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Disponível em: Acesso em: 10/07/2019

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo, Companhia das Letras, 2018.

ADORNO, Theodor W, HORKHEIMER, M. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.

ALLPORT, Gordon. La naturaleza del prejuicio. 4ª ed. Editorial universitaria de Buenos Aires, 1955

ALTERIDADE. In: Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural. 1998.

ALTHUSSER, L. Aparelhos Ideológicos de Estado - Nota sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. 3 ed. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1980

ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: O Negro na Telenovela Brasileira. Editora Senac, São Paulo, 2000

ARAÚJO, Joel Zito. O negro na telenovela, um caso exemplar da decadência do mito da democracia racial brasileira. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n.3, p. 979-985, set./dez. 2008.

BARBERO, Martin. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 5ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70. 2011

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BERKELEY, George. Tratado sobre os princípios do conhecimento humano. Trad. Antônio Sérgio. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade e outros escritos morais. São Paulo: Editora Unesp, 2002

101

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988

BRASIL. ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990.

BRASIL. Lei 11.645, de 10 de marco de 2008. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020

BRASIL, MEC, CEERT, SESC. Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Educação: Exercitando a definição de conteúdos e metodologias. São Paulo, s/data.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, 2004. Disponível em < http://www.uel.br/projetos/leafro/pages/arquivos/DCN-s%20- %20Educacao%20das%20Relacoes%20Etnico-Raciais.pdf> Acesso em: 26/09/2020

Brasil: 89% veem TV e 73% o mesmo canal para ficarem informados. Observatorio3setor. Disponível em: Acesso em: 10/07/2019

BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

CARVALHO, Mariana Avelina Miranda. Negritude na escola: compreensões e práticas de educadores de um Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos em São Paulo. 2019. 88 f. Dissertação (Mestrado em Educação: Psicologia da Educação) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

COELHO, C. N. P. Teoria crítica e ideologia na comunicação contemporânea: Atualidade da Escola de Frankfurt e de Gramsci. 2008. LÍBERO - Revista do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Cásper Líbero. Disponível em: Acesso em: 05/12/2019

COELHO, W. N. B. (2006). Igualdade e diferença na escola: um desafio à formação de professores. Natal – RN, Revista Cronos, v.7, p.303 – 309, jul./dez. 2006.

DE ALMEIDA, Silvio Luiz. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.

De OLIVEIRA Mizael, N., & RIBEIRO Dias Gonçalves, L. (2015). CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA NA SALA DE AULA: passando por bruxa negra e de preto

102

fudido a pretinho no poder. [doi] 10.5216/rir.v11i2.38792. Itinerarius Reflectionis, 11(2). https://doi.org/10.5216/rir.v11i2.38792

DICIONÁRIO DE SIGNIFICADOS. Significado de Estereótipo. 2017. Disponível em: https://www. https://www.significados.com.br/estereotipo/. Acesso em: 20 set. 2017.

DIEESE. A mulher negra no mercado de trabalho metropolitano–inserção marcada pela dupla discriminação. Estudos e Pesquisa DIEESE. n.14, p. 1-8, nov.2005.

Diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho teve pequena baixa em 20 anos. ONU News. Disponível em Acesso em: 22/01/2020

DUARTE, R. A. P. Adorno/Horkheimer & a Dialética do esclarecimento. 2 ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

ERIKSON, E. Identidade, juventude e crise. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

FACO, Hugo Fernando do Couto. Produção cultural midiática e a construção de identidades negras: uma análise de produções infanto-juvenis (Malhação 1999 e 2010) da Rede Globo de TV e proposta de produto final para ser aplicada em sala de aula. 2018. 1 recurso online (247 p.). Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP.

FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas; tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

FREIRE, Paulo. A sombra desta Mangueira. São Paulo: Olho d´água, 1995.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4º ed. Rio de Janeiro: LTC, 2017.

GRAMSCI, A. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Tradução de Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural (1998). São Paulo: Nova Cultural.

SUBJETIVIDADE. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em: https://www.dicio.com.br/identidade/. Acesso em: 02/05/2020.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996

103

KIERKEGAARD, S. O Conceito de Angústia. Trad. Álvaro L. M. Valls. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Editora Universidade São Francisco, 2010.

KIERKEGAARD, S. (1986). Ponto de vista explicativo de minha obra como escritor. Lisboa: Edições 70.

KIMMEL, D. C., & Weiner, I. La adolescencia: una transición del desarrollo. Barcelona: Ariel. (1998).

LADEIRA, Francisco Fernandes. Deus Salve O Rei E A Estigmatização Do Negro Em Telenovelas. Obviousmag. Disponível em: Acesso em: 07/12/2019

LIMA, Paulo Henrique. Há 52 anos, estreava no Brasil a TV Globo, atualmente a segunda maior emissora do mundo. Disponível em: Acesso em: 15/10/2019

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1992.

MARQUES, Gilvan. Globo, Record e SBT têm, em média, apenas 8% de atores negros em novelas. São Paulo, 16 de maio de 2018. UOL. Disponível em: . Acesso em: 10/07/2019

MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento; Trad. de Eloá Jacobina, 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003

MORIN, Edgar. A noção de sujeito. Em D. F. Schnitman (Org.), Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo - 1, Neurose. Trad. de Maura Ribeiro Sardinha. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

MORIN, Edgar: Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Trad. Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Trad. por Eliane Lisboa. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.

MORIN, Edgar. Meu Caminho – Entrevistas com Djénane Karen Tager. Trad. Edgard de Assis Carvalho. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

MORIN, Edgar. O problema epistemológico da complexidade. Publicações EuropaAmérica, 1996.

104

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000.

MORIN, Edgar. O Método 5: a humanidade da humanidade. A Identidade Humana. Trad. Juremir Machado da Silva. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.

MOURA, C. (1994). Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004.

NASCIMENTO, João Gabriel do. Raça, mídia e juventude: representações da juventude negra. 2014. 128 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2014

O ENIGMA de Kaspar Hauser. Direção de Werner Herzog. Alemanha: Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF), 1974. 1 DVD (110 min.).

OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. Concepções docentes sobre as relações étnico- raciais em educação e a lei 10.639. In: 30º Reunião anual da ANPED, 2007, Caxambu. 30º Reunião anual da ANPED: ANPEd: 30 ANOS DE PESQUISA E COMPROMISSO SOCIAL, 2007. Disponível em http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT04-3068--Int.pdf Acesso em: 21/09/2020

ORMEZZANO, Graciela, POTRICH, Cilene Maria, FRIDERICH, Bibiana, CORDEIRO, Lílian. Cultura e estereótipos veiculados pela televisão. Trabalho apresentado grupo de trabalho de Audiovisual, VIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, Passo Fundo/RS, 2005

O Tempo Não Para: Conheça o elenco e personagens da novela. Observatoriodatv. Disponível em Acesso em: 12/12/2019

PACHECO, E. D. O pica-Pau: Herói ou vilão? Representação social e reprodução da ideologia dominante. São Paulo: Loyola, 1985

PEIRCE, Charles S. Semiótica. 2ed., São Paulo: Perspectiva, 1990.

PETRAGLIA, I. C. Edgar Morin: A educação e a complexidade do ser e do saber. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2020.

PETRAGLIA, I. Pensamento complexo e educação. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2013.

RECONHECIMENTO. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em: https://www.dicio.com.br/indole/. Acesso em: 02/05/2020.

105

Rey, F. L. G. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Cengage Learning. 2011

RICOEUR, P. O si mesmo como um outro. Campinas: Papirus, 1991.

RICOEUR, P. Percurso do reconhecimento. São Paulo: Loyola, 2006. SOUZA, N. S. Tornar-se negro (2a ed.). Rio de Janeiro: Graal. (1983).

ROCHA, Helena do Socorro Campos da. A Experiência com a Lei Nº10.639/03 CEFET-PA: Formação Inicial e Continuada. IN: COELHO, Wilma de Nazaré Baía, Mauro Cezar (Org.). Raça, cor e diferença: a escola e a diversidade. Belo Horizonte: MAZZA, 2008.

Santana, Henrique. Salles, Iuri. Por que os negros não apresentam programas de televisão. Disponível em: Acesso em: 18/11/2019

SEN, Amartya. Identidade e violência. São Paulo: Editora Iluminuras, 2015.

SILVA, Ana Célia da. Ideologia do embranquecimento. Identidade negra e educação. Salvador-BA: Ianamá, 1989.

SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.

SOLÉ, Isabel. Disponibilidade para aprendizagem e sentido da aprendizagem. In: COLL, Cesar. et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo, SP, Editora Ática, 2006.

SOUZA, Cirlene Cristina. Juventude(s), mídia e escola: ser jovem e ser aluno face à midiatização das sociedades contemporâneas. 2014. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Educação – Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2014

TAYLOR, C. Multiculturalismo. Examinando a política de reconhecimento. Lisboa; Ed. Instituto Piaget, 1998

Tempo de crianças e adolescentes assistindo TV aumenta em 10 anos. Disponível em: Acesso em: 19/10/2019

TINEU, Rogerio. Os jovens negros e universitários moradores da periferia da cidade de São Paulo: expectativas, conflitos e contradições. 2019. 247 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019

Vieira, Isabela. MPT notifica Globo por falta de negros em novela e recomenda mudanças. Agenciabrasil. Disponível em

106

Acesso em: 12/12/2019

ZACARÉS, J. J. El desarrollo de la identidad adolescente desde el paradigma de los status de identidad del ego: cuestiones críticas. Comunicação apresentada no VI Congreso de la Infancia y de la Adolescencia, Oviedo, Espanha, 1997.

WANDERER, F.; NUNES, M. Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade. Revista Espaço Pedagógico, v. 26, n. 2, p. 533 - 554, 2019.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In T. T. Silva (Org.), Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 7a ed. Petrópolis, RJ: Vozes. (2009)