A TRAJETÓRIA EDUCACIONAL DE /RS COMO HIPÓTESE E O SUCESSO ATRIBUÍDO PELO BANCO MUNDIAL

ESTER ROSA RIBEIRO SEDUC/RS e Capes/INEP [email protected]

O trabalho que apresentamos aqui é fruto do projeto denominado “A avaliação da Educação Básica e as orientações do Banco Mundial: um estudo de caso no município de Novo Hamburgo/RS” que busca investigar a relação existente entre as orientações estabelecidas pelo Banco Mundial e a política educacional brasileira, particularmente no que se refere à avaliação da Educação Básica nos sistemas municipais de ensino do , delimitando a investigação ao município de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, a partir de uma opção metodológica pelo estudo de caso. Este projeto está sendo desenvolvido desde 2010, sob a coordenação da 1 professora Berenice Corsetti, junto ao PPG Edu Unisinos.

Atualmente a pesquisa está centrada na análise dos documentos coletados em arquivos e também na sistematização das entrevistas realizadas com professores e com diretores das escolas de Novo Hamburgo. O texto que ora apresentamos é apenas uma comunicação sobre o andamento da pesquisa e anunciação e hipóteses estabelecidas. Inicialmente apresentamos a questão do Banco Mundial e a educação brasileira, e o caso de Novo Hamburgo, seguido dos aspectos históricos e educacionais que são apresentados como hipótese de trabalho na pesquisa.

Relação entre o Banco Mundial e a educação brasileira e o caso do RS:

A ação dos bancos multilaterais de desenvolvimento tem importância direta nas políticas educacionais dos países onde atuam. Os aspectos principais que podem ser percebidos dizem respeito a imposição de temas prioritários e abordagem economicista na formulação de políticas educacionais.

Entendemos que Corsetti (2012) explicita as orientações do Banco Mundial quanto a educação nas últimas décadas:

a) prioridade na educação primária; b) melhoria na eficácia da educação; c) ênfase nos aspectos administrativos; d) descentralização e autonomia das instituições escolares, compreendida como transferência de responsabilidade de gestão e captação de financiamento, enquanto ao Estado restaria manter as funções centralizadas de fixação de padrões, facilitação dos insumos que influenciam o rendimento escolar, a adoção de estratégias flexíveis para a aquisição e utilização de tais insumos e o monitoramento do desempenho escolar; e)a análise econômica como critério dominante na definição das estratégias de ação.

Também merece destaque o fato de que o banco também orienta a criação de sistemas de avaliação centralizados no governo. No caso brasileiro o instrumento avaliativo que mede a qualidade da educação e é reconhecido pelo Banco Mundial é o IDEB (índice de desenvolvimento da educação básica). Este índice é medido através da Prova Brasil e outros indicadores educacionais nacionais, como senso escolar. O IDEB foi alvo de um estudo do Banco Mundial que buscava identificar boas práticas de gestão que fazem com que algumas redes escolares públicas obtenham melhores resultados que outras em igual situação. 2 Alguns resultados foram divulgados na publicação “En breve” de nº 121, de março de 2008. Para os consultores práticas como as abaixo citadas eram parte do caminho que as redes de sucesso haviam traçado:

a) Visão e liderança dos Secretários Municipais de Educação; b)Forte equipe central da educação municipal; c) Foco nos resultados com a educação de qualidade como objetivo central; d) Supervisão direta e apoio às escolas; e) Professores atuantes e capacitados; f)Participação da comunidade; g) Importância da educação infantil; h) Uso adequado dos programas municipais, estaduais e federais (p. 2-3).

Nesta mesma publicação o caso de Novo Hamburgo foi noticiado, pois a rede havia alcançado uma nota maior que a projetada. De acordo com a análise do Banco Mundial o sucesso era atribuído à gestora.

Para o Banco o que interessa são as ações de gestão e que devem ser anunciadas publicamente para que sejam seguidas. Os consultores estiveram em Novo Hamburgo para avaliar o processo que levou a nota elevada. Mais uma vez o sucesso foi atribuído a secretária municipal devido a sua experiência e formação.

Outros municípios do Rio Grande do Sul que possuem Sistemas Municipais de Ensino conseguiram alcançar índices do IDEB superiores as metas. Dessa forma entendemos que outros fatores além da gestão contribuíram para que Novo Hamburgo fosse um caso de sucesso. Para o Banco Mundial, entretanto, o que importa é o gerencialismo e o retorno econômico que a educação pode gerar.

Dentro do projeto que estamos realizando apresentamos a história e a trajetória educacional de Novo Hamburgo como hipóteses que podem contribuir para explicar o índice elevado no IDEB. Até o momento temos dados até a década de 1970. As décadas seguintes ainda estão sendo estudadas no âmbito do grupo e serão depois acrescidas a pesquisa e ao resultado final.

A história e a trajetória educacional de Novo Hamburgo

O hoje próspero município de Novo Hamburgo tem sua trajetória enraizada na história da imigração no Brasil. Até 1927, ele figurava como distrito de São Leopoldo, 3 que foi, como se sabe, a primeira colônia de imigrantes germânicos no Rio Grande do Sul.

A história da imigração no Rio Grande do Sul está ligada a duas questões centrais: povoamento e agricultura. Era necessário, no século XIX povoar os locais distantes dos centros para garantir a posse das terras. Sobre a agricultura, sua importância era primária para alimentação dos centros urbanos e capitais. Era baseada no minifúndio e na tentativa de aquecer o comércio nas províncias.

No Rio Grande do Sul, em 1824, aportou em São Leopoldo uma importante leva de imigrantes alemães. Nessa leva estavam famílias que viriam a ser importantes para o desenvolvimento de Novo Hamburgo. Cabe salientar que não foi a partir de 1824 que as terras novo hamburguesas foram habitadas. De acordo com Petry (1959), os charruas e minuanos foram os primeiros que aqui viveram.

Ainda antes dessa leva importante, outros imigrantes em menor número instalaram-se na região dos Sinos. De acordo com Schütz (1977, p.30) “primeiro colonizador a se instalar na região foi Nicolau Becker que chegou ao Brasil em 1797.

Estabeleceu-se na região de Hamburgo Velho, abrindo um curtume e uma selaria”. Também casais açorianos chegaram antes, embora em menor número, contribuíram na região.

Conforme, Escosteguy, em 1824:

os imigrantes alemães se estabeleceram no povoado chamado de Hamburguer Berg, o qual deu origem a casas comerciais e de artefatos, estabelecidas em um entroncamento de importantes estradas do século XIX: o caminho das tropas vindas dos Campos de Cima da Serra, e as picadas do norte, desde as picadas de Dois Irmãos, Bom Jardim e Travessão. A partir desse entroncamento, os tropeiros seguiam em direção ao sul, passando por São Leopoldo e e, a oeste via Porto Dos Guimarães (hoje São Sebastião do Caí) em direção à região da Campanha. O povoado nasceu espontaneamente com uma forte vocação para o comércio, o artesanato e as pequenas manufaturas. Entre elas, o curtimento e o artesanato em couro, como chinelos, tamancos, botas, arreios e selas (2011, p.25).

Depreende-se daí que a localização estratégica, do ponto de vista econômico, logístico e até mesmo social do nascente povoado colaborou fortemente para o desenvolvimento, progresso e com a futura emancipação. Já em 1875 Hamburg Berg foi 4 elevada a categoria de freguesia.

O desenvolvimento econômico da localidade, além do comércio, também se deu pelos curtumes, como já citado por Escosteguy. Esses fatores conjuntamente colaboraram para que a estrada de ferro chegasse ali no ano de 1876. De acordo com Konrath (2009) a empresa construtora não chegou a onde desejava por falta de capital. A estação férrea no pé do morro foi chamada de New Hamburg, e o povoamento a sua volta deu origem posteriormente ao núcleo sede de Novo Hamburgo.

Devido ao desenvolvimento econômico alcançado pelo núcleo colonial a emancipação foi logo almejada. Para Schütz (1977) o movimento de emancipação foi vitorioso em 1927, mas desde o início da República era latente o desejo emancipatório da comunidade.

A ideia da emancipação foi gestada entre importantes figuras da comunidade, que foram até o Conselho Municipal de São Leopoldo, que recebeu com alarme a solicitação. Havia o entendimento, por parte desses, que a emancipação causaria prejuízos ao Município, pois grande parte da renda era advinda do 2º distrito.

Insatisfeito o grupo foi diretamente a Borges de Medeiros, então Presidente do Estado apresentar o pedido. Em 1927 foi assinado o decreto que emancipava Novo Hamburgo. Gertz apud Konrath (2009), diz que o episodio da emancipação foi fruto de um desagrado de Borges de Medeiros, já que a população de São Leopoldo não teria votado fielmente nos candidatos aliados ao governo.

O período posterior a 1930 foi marcado pelo Governo Vargas que era centralizador, autoritário e nacionalista. E de acordo com Konrath

no âmbito regional, promovia uma política que se distanciava e se opunha cada vez mais ao governo de Varga. No âmbito local, efervesciam ideias e ideais distintos: de caráter liberal, pelos políticos que apoiavam o PRL, garantindo recursos e benefícios para o município, assim como para as suas indústrias e seu comércio; de caráter autoritário, nacionalista e ufanista, promovido pelos representantes e simpatizantes da AIB; ou de caráter totalitário, fiel ao nacional-socialismo alemão, enaltecendo a origem germânica dos descendentes do município... (2009, p.39). Com o Estado Novo em 1937, Novo Hamburgo passa a ter um prefeito 5 nomeado. Com a campanha de nacionalização em curso no país, a cidade também teve ações implementadas. Festividades cívicas eram aclamadas e ações junto aos trabalhadores da indústria também ocorreram.

Para Konrath (2009, p.48) cada vez mais perdia-se a identificação de origem do município, passando a direcioná-la para sua contribuição ao progresso nacional. A educação no município também foi alvo de ações nacionalistas que serão discutidas a frente.

O desenvolvimento econômico da cidade teve como principal contribuinte a indústria coureiro-calçadista. Nos anos de 1970 essa indústria a tingiu o ápice. Nos governos Médici e Geisel, segundo Martins,

Novo Hamburgo e o Vale dos Sinos reproduziram a lógica do capitalismo global e se articularam ao projeto nacional de desenvolvimento industrial com vistas à exportação de manufaturados (calçados) para o centro do sistema capitalista global (2011. p.43).

Os incentivos para que a indústria despontasse vieram do Estado no governo citado, entretanto aspectos como tecnologia, mão-de-obra adequada e antecedentes históricos da região contribuíram para o sucesso. Sobre essa questão Martins diz que

Inicialmente, o couro era exportado tanto para a capital da província, Porto Alegre, como para a região da Bacia do Prata, na primeira metade do século XIX. Até mesmo na chamada segunda fase da revolução industrial, esse produto, o couro, era peça fundamental para o funcionamento dos teares ingleses. E a região do Vale dos Sinos fornecia o produto para as roldanas e polias das máquinas de Manchester, Liverpool, etc. E assim, a região do Vale dos Sinos, desde seus primórdios, tinha relações econômicas com a capital do Estado, Porto Alegre e com o sistema capitalista global, em sua fase industrial (2011,p.69).

Com o sucesso da indústria couro calçadista a cidade cresceu economicamente. A exportação de calçados trouxe para o município diversos bancos e empresas especialistas nos tramites da exportação. A FENAC desponta como local de encontro e divulgação de informações do setor industrial local, atraindo também para a cidade importantes compradores. 6 A criação da FENAC vem ao encontro das aspirações dos empresários, na divulgação e comercialização do calçado do Vale dos Sinos. A grande produção de calçados e a criação da feira sem duvida contribuíram para a inserção do calçado novo hamburguense no comércio mundial.

A prosperidade advinda da economia calçadista fez com que a cidade crescesse na mesma proporção com que cresciam as exportações. Muitos trabalhadores vieram de outras localidades, cursos que formavam mão-de-obra qualificada tinham sucesso. A cidade aproveitou muito bem este período econômico.

Com a abertura política alguns incentivos estatais não mais ocorreram e muitas empresas deixaram a cidade indo para outras de pequeno porte, mas no mesmo Vale dos Sinos.

Nos anos de 1990 a crise econômica que assolou o país foi sentida pela indústria calçadista. Muitas fábricas fecharam, causando grande desemprego no período. No auge da indústria calçadista muitos migrantes chegaram ao município, e agora com a crise estavam desempregados e queriam retornar a seus municípios de origem.

A crise, de acordo com Escosteguy (2011, p. 29) afetou a questões como moradia, segurança, saúde e saneamento básico. A concorrência com a indústria chinesa do calçado também contribuiu para o crescimento das dificuldades econômicas. Muitos curtumes e indústrias fecharam devido a não conseguirem mais concorrer plenamente no mercado internacional.

Nos últimos anos a cidade de Novo Hamburgo está diversificando sua economia. Existem muitos incentivos fiscais para empresas que ali se instalam. Destacam-se da nova fase econômica as seguintes empresas: farmacêuticas, de vestuário, cosméticos, móveis, eletrodomésticos, gráficas, informática, química, construção civil, carrocerias, alimentos, entre outras.

Novo Hamburgo é um município muito importante economicamente no Rio Grande do Sul, desde sua fundação. Quando a imigração chegou na região teve inicio a trajetória que muito contribuiu para o sucesso do Estado. Alicerçada nesta história está também a história educacional do município que reflete as características dos períodos 7 econômicos pelos quais o município passou.

Antes da chegada dos imigrantes não existiam na região instituições formais de ensino. Nos primeiros tempos da colônia, de acordo com Dreher (2008) o desenvolvimento econômico e social das colônias não foi acompanhado pelo crescimento cultural da localidade. Inicialmente o colono precisou organizar a vida no novo continente. Era preciso desbravar a mata, enfim era preciso sobreviver.

Os primeiros professores, não eram em sua maioria habilitados, muitos eram pastores, ou apenas pessoas que dominavam algum conhecimento. Eles lecionavam nas residências dos colonos, muitas vezes em troca de alimentação e moradia. Dessa forma a escola mudava de lugar ao longo do ano. Em 1832 foi criada a primeira escola da Comunidade Evangélica.

Cumpre salientar que a religiosidade foi um fator importante para o desenvolvimento educacional de Novo Hamburgo. Entre os evangélicos e protestantes saber ler era fundamental para o entendimento da religião. Os fieis deveriam saber ler para eles mesmos interpretarem passagens bíblicas.

Dessa forma é possível compreender que em menos de 10 anos após a chegada a Novo Hamburgo a primeira escola tenha sido fundada. As primeiras classes não foram de aulas financiadas pelo Estado, mas sim furto do esforço do colono para ser inserido no mundo letrado.

De acordo com Dreher (2008, p. 23) o imigrante trouxe em sua bagagem a convicção de que a escola é fundamental para que o povo possa pensar. Em Lomba Grande, hoje bairro de Novo Hamburgo, a escola foi instalada no assentamento dos colonos, logo nos primeiros tempos. Evidencia-se ai a primária importância dada ao ensino pelos colonos. A região de onde vinham tinham escolas regulares e o ensino era obrigatório.

Para Arendt e Witt (2013, p.49) cada onda de imigração traz consigo sua cultura e dentro desta a forma como concebem a educação. Apesar de trazerem essa bagagem a educação nos primeiros tempos teve diferenças significativas em relação a alemã. Pode ser citado o fato das crianças serem alfabetizadas mais velhas, pois era 8 preciso que ajudassem na lavoura e nas lides domésticas.

Durante a Revolução (1835-1845) as escolas no Rio Grande do Sul tiveram seu funcionamento interrompido. Todos os esforços foram concentrados na luta. A questão da segurança das localidades também pode ser relacionada ao fechamento das escolas na guerra. Em Novo Hamburgo houveram saques e violências praticadas durante a guerra. Essa interrupção no cotidiano escolar prejudicou muito as escolas e a aprendizagem dos pequenos colonos.

As primeiras escolas oficiais foram nos bairros Rincão dos Ilhéus, Rondônia e Canudos, entre os anos de 1931 e 1934. Nos anos de 1930 e 1940 a educação brasileira foi atingida pela nacionalização do ensino.

De acordo com Rosa

O governo Vargas buscou, desde os primeiros anos de sua administração, estruturar as diretrizes da educação no sentido de centralização e uniformização do ensino no território nacional, organizando, regulamentando e controlando o processo educacional e submetendo-o a seu controle direto (2008, p.29).

O civismo também foi prioridade nas políticas públicas educacionais varguistas. De acordo com Baía Horta (1994, p.147) será através dos conceitos de pátria e raça que o tema do civismo será reintroduzido na legislação educacional. De forma prática seria através da educação física e do canto orfeônico que os conceitos se desenvolveriam.

A característica mais marcante foi a campanha de nacionalização do ensino, muito presente no Rio Grande do Sul nas regiões coloniais italiana e alemã. A ênfase era nos conteúdos nacionais, em especial nas disciplinas de história e geografia do Brasil e no combate as ideias divergentes do ideal nacional. Também o ensino em português era obrigatório, sendo combatido o ensino em alemão, haja vista que o idioma também constitui a identidade de um povo. Assim combater o ensino em língua diferente do português era afirmar a soberania e a identidade brasileira.

Para combater as ideias divergentes do nacionalismo, como no sul do Brasil foram criadas políticas e ações para plasmar o ideal nacional. Entre as ações estão a 9 obrigatoriedade do ensino em língua portuguesa e o estudo da geografia e da história do Brasil. Coelho de Souza (apud Gertz 2005, p.89), secretario estadual de educação durante o Estado Novo, descrevia dessa forma os objetivos da politica educacional no Rio Grande do Sul:

sem vacilações... sem transações com o espirito negativista, temos procurado orientar as novas gerações no sentido da beleza moral da vida e do cumprimento do dever cívico, ao reconhecimento dos valores espirituais, à consagração à Pátria ao ideal da unidade brasileira, à disciplina da vontade, à vocação da ordem, à austeridade da conduta, à elegância das atitudes.

Em Novo Hamburgo os festejos pátrios eram realizados nas escolas e sociedades, onde era enaltecida a brasilidade. Tanto as escolas públicas como as privadas, católicas e evangélicas foram inseridas nessas atividades.

De acordo com Konrath (2009, p. 48) cada vez mais perdia-se a identificação da origem imigrante do município, passando a direciona-la para sua contribuição ao progresso nacional. Como ações nacionalizadoras as escolas de Novo Hamburgo recebiam visitas de inspetores de ensino, bandeira nacional em sala de aula, culto cívico, clubes de civismo e lições de moral.

Mas a ação mais percebida foi a proibição do uso da língua alemã em sala de aula, seja através da fala do professor, dos alunos ou em livros didáticos. Também o diretor não poderia ser alemão. Havia uma constante vigilância quanto ao cumprimento das regras,

como instituição disciplinar, as escolas apresentavam a sala de aula como espaço de vigilância tanto do professor em relação aos alunos quando o oposto. A obrigação de vigilância que os professores tinham sobre os seus alunos era observada tanto pelos seus superiores hierárquicos, que poderiam entrar a qualquer momento na sala, quanto pelos próprios alunos, que poderiam delatar um professor que falasse em língua alemã ou realizasse quaisquer outras atividades proibidas (Kerber et. al 2012 p.150).

Tendo em vista essas ações e a dificuldade em cumpri-las, muitas escolas privadas fecharam neste período. Algumas até mesmo foram obrigadas a encerrar suas atividades. Paralelo a esse fechamento houve ações também no sentido de criar escolas públicas em Novo Hamburgo. Nessas escolas o ensino era totalmente nacionalizador. No ano de 1943 já existiam 23 escolas municipais em Novo Hamburgo, um número bem expressivo, se for observado que 13 anos antes haviam só 8 escolas municipais. 10 Ainda nos anos de 1940 foi criado Senai “Ildelfonso Simões Lopes”, junto ao bairro Operário. Nessa escola técnica os alunos faziam cursos voltados a industrialização do calçado. De acordo com Petry

inicialmente funcionaram os seguintes cursos: ajustadores e torneiros mecânicos, instaladores eletricistas, marceneiros, cortadores e pespontadeiras de calçados. Posteriormente foi extinto o curso para instaladores eletricistas e postos em funcionamento os de montadores manuais e modelistas de calçados (1958, p. 86-87).

A educação técnica no município nasceu já voltada para a economia local. Era necessário qualificar a mão-de-obra local para trabalhar com o couro e o calçado. Um dos fatores de sucesso para a indústria de calçados foi sem dúvida essa preparação da mão-de-obra. Essa escola técnica acima citada era inclusive mantida pela própria indústria.

Nos anos de 1950 a educação de Novo Hamburgo recebeu um regulamento que organizava a educação no município. Nesse documento buscava-se padronizar a organização escolar do município, criando regras e ações que deveriam ser cumpridas por todas as escolas ao longo do ano letivo. Para Pires et al

era preciso educar um ritmo, criando uma data inicial e final para o ano letivo, um tempo para aula, para o intervalo, para as disciplinas e conteúdos que moldasse as crianças desde cedo. A forma de governo utilizada sugere uma padronização de práticas e um comportamento estável e determinado nas instituições escolares. O professor, geralmente também ocupava a figura de regente e caberia responsabilizar-se pela imensa burocratização do ensino, instituída de outra maneira, com o referido decreto (2013, p. 448).

A cidade estava prosperando economicamente e era necessária que a mão-de- obra além de qualificada, também fosse passiva e disciplinada. Já nos anos de 1950, Novo Hamburgo começa a despontar economicamente no cenário nacional e internacional. A politica educacional muitas vezes é reflexo do que esta sendo vivido no campo econômico e esse decreto é um exemplo claro dessa relação.

Nos anos de 1970 a cidade viveu o milagre econômico e paralelo a isso cresceu em número de habitantes, foi necessário então aumentar o número de escolas e vagas nos cursos disponíveis. No ano de 1971 de acordo com Schütz (1977, p. 147) estavam matriculados nas escolas públicas 23.394 alunos em diversos cursos e modalidades de ensino. Já em 1973 eram 25.959 alunos matriculados em Novo Hamburgo. 11 A partir do anos de 1970 algumas ações institucionais públicas voltam-se a qualificação da educação de forma mais clara. De certa forma estas ações podem ser a gênese do que veio a ser o sucesso educacional de Novo Hamburgo nos anos 2000. Pode ser citada a preocupação com a saúde dos alunos:

os alunos das escolas municipais recebem assistência médico- odontológica, através de convenio firmado entre a Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo e o INPS. São atualmente em número de 5 os postos que, através de 10 médicos e 12 dentistas, levam atendimento médico- odontológico à classe estudantil dos bairros. Os postos de saúde para atendimento estão sendo elevados para doze. Os móveis e utensílios necessários são instalados em “traileres” (Schütz,1977, p. 147).

Além da questão da saúde havia também a preocupação com a alimentação escolar, que seria também um estimulo a frequência escolar. Chama atenção é preocupação com o corpo docente do município. Nos anos de 1970 foi criado um sistema de supervisão escolar e exigido qualificação aos professores para o preenchimento das vagas disponíveis no meio urbano.

Muito antes de assuntos como gerencialismo e produtividade do professor estar em voga, Novo Hamburgo já realizada ações no sentido de observar o andamento da educação e do trabalho do professor. Como a cidade estava incluída na economia global através da produção couro calçadista, os testes podem ser relacionados com essa inserção. A criação de um Sistema de Supervisão Técnico-pedagógica também pode ser entendida dentro deste sistema, pois o serviço orientava, coordenava, assessorava e avaliava o trabalho nas escolas.

As ações citadas mostram que Novo Hamburgo tinha uma preocupação com a educação municipal. Essas ações de alguma forma moldavam a prática e os métodos pedagógicos dos professores, fazendo com que objetivos fossem atingidos. O plano de carreira do magistério também seria para isso.

Para não finalizar Depreende-se disso duas importantes questões: a) Novo Hamburgo já tinha um 12 sistema de ensino consolidado e buscava aprimorar ainda mais com vistas ao sucesso educacional e a inserção dos alunos no mundo do trabalho; b) as ações empreendidas nos anos 2000 podem ter seu sucesso atribuído também ao município ter em sua história educacional ações que já buscavam excelência no ensino e na qualificação dos professores.

Até o momento nossa pesquisa apurou os dados citados acima e apresenta como hipótese a trajetória da educação de Novo Hamburgo como um fator que pode sim ter contribuído para o sucesso alcançado no IDEB. A preocupação com a educação sempre existiu no município. O imigrante buscava escolarizar-se e defendia a educação de sua prole. Também a economia de Novo Hamburgo, que esteve atrelada a economia global em várias fases, exigia mão de obra técnica e qualificada e isso era alcançado nas escolas e nos cursos técnicos financiados pela indústria.

Documentos:

“En breve”, nº 121, de março de 2008. Banco Mundial

Referências:

ARENDT, Isabel Cristina & WITT, Marcos Antônio. História da educação. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2013. DREHER, Martin. Breve história do ensino privado gaúcho. São Leopoldo: Oikos, 2008. CORSETTI, Berenice. Gerencialismo ou gestão democrática: o Banco Mundial e a avaliação da educação básica num estudo de caso no município de Novo Hamburgo/RS, Brasil. In: Cadernos de Pesquisa: pensamento educacional, Curitiba, v. 7, n. 16, p. 58- 74, maio/ago. 2012. ESCOSTEGUY, Silvana Maria Ramos. O processo de escolha de dirigentes escolares e seus reflexos na gestão municipal da educação em Novo Hamburgo/ RS (2001- 2009). Dissertação (Mestrado em Educação)- Programa de Pós Graduação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011. GERTZ, René. O Estado Novo no Rio Grande do Sul. : Universidade de Passo Fundo, 2005. HORTA, José Silvério Baía. O hino, o sermão e a ordem do dia: regime autoritário e a 13 educação no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: UFRJ, 1994. KERBER Alessander; SCHEMES, Claudia & PRODANOV Cleber Cristiano. Memória das práticas educativas durante o primeiro governo Vargas na cidade de Novo Hamburgo – RS. In: Rev. bras. hist. educ., Campinas-SP, v. 12, n. 2 (29), p. 139-170, maio/ago. 2012. KONRATH, Gabriela Michel. O município de Novo Hamburgo e a campanha de nacionalização do Estado Novo no Rio Grande do Sul. Monografia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. MARTINS, Rodrigo Perla. A produção calçadista em Novo Hamburgo e no Vale do Rio dos Sinos na industrialização brasileira: exportação, inserção comercial e política externa: 1969-1979.2011. Tese (Doutorado em História)- Programa de Pós Graduação, PUC-RS, Porto Alegre, 2011. PETRY, Leopoldo. O município de Novo Hamburgo: monografia. São Leopoldo: Rotermund, 1959. PIRES, Itaara Gomes; SOUZA José Edimar De & ROSA Sônia Maria de Oliveira da. Relações políticas locais no contexto de influência em políticas educacionais (Novo

Hamburgo/rs-1952). In: Revista Contemporânea de Educação, vol. 8, n. 16, agosto/dezembro de 2013. ROSA, Josineide. OS interesses e ideologias que nortearam as políticas públicas na educação no Governo Vargas 1930-1945: o caso do Espírito Santo. 2008. Dissertação (Mestrado em História Social das Relações Públicas)- Programa de Pós Graduação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008. SCHÜTZ, Liene Maria Martins. Novo Hamburgo: sua história, sua gente, 1977.

14