ISSN: 2359-0289

A LITERATURA NAS AULAS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Josane Daniela F. Pinto (UEPA) ([email protected])

RESUMO

A literatura nos proporciona diversas experiências de crescimento pessoal e intelectual e é um elo concreto entre a língua e a cultura. Ao se considerar o ensino de língua estrangeira, verifica-se a desvinculação com a cultura, a baixa carga horária, a falta de motivação, além de outros problemas já apresentados por diversos autores. Por isso, o presente artigo pretende discutir o uso do texto literário nas aulas de língua estrangeira (LE) na educação básica e para atingir esse objetivo realizou-se a pesquisa bibliográfica, fazendo a discussão sobre as possibilidades de utilização da literatura nas aulas de LE, através de alguns autores, como Roberts e Jacobs (1987), Khatib, Rezael e Derakhshan (2011), entre outros e também a pesquisa de campo, que, para ser realizada, alunos do ensino médio profissional de uma escola pública foram usados como informantes. A coleta de dados foi feita através das observações das aulas nas quais foram usados textos de autores modernistas, extrato de um conto em uma aula e na outra um trecho de um romance. Foram realizadas atividades sobre os textos e na aula seguinte um questionário para verificar a reação dos alunos diante do texto literário. Através da análise das respostas, fez a relação com a discussão teórica no sentido de efetivar a análise sobre a utilização do texto literário nas aulas de língua estrangeira. Assim, através desse artigo, procura-se concretizar uma reflexão sobre o uso do texto literário, procurando trazer para as aulas de língua estrangeira os aspectos culturais, históricos, entre outros, para formar os alunos com mais eficácia.

Palavras-chave: Literatura. Linguística Aplicada. Ensino de Língua Estrangeira.

ABSTRACT

Literature provides us several experiences of personal and intellectual growth and it is a concrete link between language and culture. When the foreign language teaching is considered, it is verified disassociation with culture, low class hours, lack of motivation, among other problems already presented by various authors. Therefore, the article intends to discuss the use of literary texts in foreign language (FL) classes in the basic education. A bibliographical research was made to reach the goal, promoting a discussion about the possibilities of using literature in the FL classes, through some authors, such as Roberts and Jacobs (1987), Khatib, Rezael and Derakhshan (2011), among others, and was also made a field research, using students of professional high school as informants. The data was collected through observation of classes in which texts of modernist authors were used, an extract of a short story in one class and in the other an extract of a novel. Activities were made about the texts and in the following class it was applied a questionnaire to verify the students’ reaction to literary texts in class. Through the analysis of answers, it was made a relation with the theoretical discussion in order to implement an analysis about the use of literary text in FL classes. Through the article, a reflection about the use of literary text concretizes, trying to bring to FL classes cultural and historical aspects, among others, to form students with effectiveness.

Key Words: Literature. Applied Linguistics. Foreign Language Teaching.

1 Considerações iniciais

Este estudo foi proposto com o objetivo principal de discutir o uso do texto literário na aula de língua estrangeira (LE). Apesar da LE possuir uma carga horária reduzida na educação básica, acredita-se ser possível fazer uma ligação entre língua e cultura, por meio do texto literário.

Por isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, apresentando autores, como Roberts e Jacobs (1987) , Khatib, Rezael e Derakhshan (2011), entre outros, para verificar os fatores positivos e negativos para o uso do texto lierário nas aulas de LE. Foram escolhidos como sujeitos da pesquisa de campo os alunos de uma escola pública profissionalizante e algumas atividades foram realizadas em sala usando textos literários e, em seguida, a realização de um questionário.

No primeiro item, foi apresentada uma discussão sobre o que a literatura pode proporcionar. Ainda nesse item, é discutido como as abordagens usavam o texto literário e são apresentados os fatores positivos e negativos para o uso da literatura nas aulas de LE e também algumas abordagens metodológicas propostas por alguns autores para o uso da literatura em sala. A seguir, apresenta-se o ambiente no qual foi realizada a investigação e depois é feito o relato da pesquisa. Dessa forma, concretiza-se a reflexão sobre o uso do texto literário nas aulas de lingua estrangeira, como um veículo eficaz de ligação entre a língua e a cultura.

2 O que a literatura pode nos proporcionar?

No textos que discutem sobre o ensino da literatura, os autores começam definindo o que é literatura. No entanto, nesse artigo, optou-se por refletir sobre o que a literatura pode nos proporcionar, para que, a partir disso, se possa estabelecer a relevância da presença dos textos literários na sala de aula da educação básica.

A literatura pode ajudar a crescer pessoalmente e intelectualmente. De acordo com Roberts e Jacobs (1987), a literatura permite-nos uma ligação com um amplo mundo cultural, filosófico e religioso do qual fazemos parte; capacita-nos a reconhecer e entender os sonhos humanos; ajuda-nos a desenvolver uma sensibilidade, uma compaixão por todos os seres vivos; exercita as nossas emoções (interesse, preocupação, medo, angústia, raiva, alegria, solidariedade, entre outras), que nos torna humanos.

A presença do texto literário na sala de aula do ensino fundamental e médio pode fazer o aluno experienciar essas possibilidades de ampliação da sua visão de mundo, de experenciar diferentes formas de expressar as emoções, de vivenciar diferentes gêneros texuais em uma língua estrangeira. O fato de se ter uma carga horária tão restrita em língua estrangeira não impede os professores de inserirem o texto literário em alguns momentos ao longo do ano letivo. Considerando que a língua não pode estar dissociada da cultura, o texto literário em LE vai permitir ao aluno ter um entendimento dessa ligação estreita entre as duas, além de possibilitar um aprendizado mais contextualizado da língua estrangeira.

2.1 As abordagens e o uso do texto literário na sala de aula

No período em que vigorava o método de gramática e tradução (embora se saiba, que ele até hoje tem grande presença), o texto literário era considerado o principal input nas aulas de LE. Eram usados os textos originais e trechos muito longos e complexos e normalmente predominada a tradução de uma língua para outra. Dessa forma, os alunos não poderiam desenvolver interesse algum pela literatura e pelo estudo da língua estrangeira, considerando a falta de mottivação para a compreensão, o entendimento do texto.

Já o método audiolingual descartou completamente o uso da literatura na aula de LE. A abordagem comunicativa que veio depois continuou a ignorar o texto literário, focando a atenção nos diálogos, conversações, baseados em situações reais. O acesso à literatura não era visto como algo que pudesse incentivar o aprendizado da LE, ou, até mesmo, um contato com a cultura da LE. No entanto, a partir da década de 80, o texto literário passou a ser usado como material no aprendizado da LE.

As editoras passaram a produzir textos adaptados para diferentes níveis de conhecimento os clássicos da literatura universal. Permitindo os alunos de LE terem acesso ao mundo literário, antes completamente desconhecido para os que estudavam uma língua estrangeira. Muitos professores resistiram ao uso dos textos adaptados, mas depois accabaram cedendo à possibilidade de trabalhar com textos adequados aos níveis de proficiência dos alunos.

Muitas razões passaram a ser elencadas para justificar a inserção do texto literário nas aulas de LE. Os autores Khatib, Rezael e Derakhshan (2011) relacionam os seguintes motivos para o uso do texto literário em uma aula de LE:

a) Autenticidade. O uso de textos autênticos veio juntamente com a abordagem comunicativa, por permitirem o acesso à língua que é produzida pelo falante nativo, sem adaptações para facilitar o seu entendimento, como acontecia nos diálogos presentes nos livros didáticos, considerados distantes do que ocorria na vida real. Como o texto literário representa uma via de acesso à linguagem original daquela LE, começou a se considerar como uma importante fonte de vocabulário e expressões. Mesmo com a presença de textos adaptados, considera-se a autenticidade no acesso à temática, ao contexto histórico-cultural. b) Motivação. Um texto literário pode suscitar nos alunos de LE o desejo de ler aquela obra literária, o desejo de entender o sentido das palavras presentes naquele texto, enfim, de se descobrir como leitor. c) Consciência intercultural. O trabalho com um texto literário pode permitir ao aluno perceber o outro, os falantes nativos da LE. Perceber que há diferenças culturais, conhecendo-as e respeitando-as. d) Vocabulário e gramática. O aprendiz de LE pode ter o seu vocabulário enriquecido com o contato com textos literários, bem como o seu conhecimento gramatical, por estar tendo acesso a uma simples norma da gramática, mas com o seu uso contextualizado, tornando o aprendizado mais significativo para o aluno de LE. e) Conhecimento sociolinguístico e pragmático. O uso do texto literário vai permitir o aluno ter acesso aos atos de fala como ocorrem na LE, aos diferentes registros de uso da LE, ao que está implícito e explícito em uma conversação entre interlocutores, aos aspectos culturais, ideológicos, geográficos, entre outros, presentes no discursos dos falantes nativos da LE. f) Prática de leitura intensiva e extensiva. Na sala de aula, podem ser feitas diferentes atividades envolvendo a leitura de um texto (prática intensiva), que deve ser selecionado considerando diversos fatores, que envolvem desde a idade até a

motivação da turma. Na prática extensiva, o hábito de ler pode ser estimulado envolvendo a liberdade de escolha do aluno. g) Habilidades na LE. No método de gramática e tradução, o uso da literatura visava apenas o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Atualmente, entende-se que o texto literário pode possibilitar o trabalhar com as quatro habilidades comunicativas daquela LE h) Inteligência emocional. A literatura pode ser uma excelente fonte para o trabalho com questões envolvendo sentimentos, emoções, etc. Dessa forma, o aprendiz de LE pode ser inserido em um ambiente contextualizado, tornando o aprendizado mais significativo. i) Pensamento crítico. Mesmo com uma carga horária pequena, o uso do texto literário pode permitir o desenvolvimento da criticidade no aprendiz de LE. Através das discussões sobre os textos literários, os alunos podem desenvolver a capacidade de ver o mundo com uma visão mais ampla, mais crítica, fazendo-o/a sentir-se motivado a se expressar diante da realidade que o/a cerca.

Na discussão que Vural (2013) apresenta sobre aqueles que são contra o uso da literatura nas aulas de LE, é elencado algumas razões para o não-uso de textos literários, entre elas, a sintaxe. Os que são contra alegam que os textos literários apresentam uma sintaxe complexa. No entanto, com a publicação de textos adaptados e o desenvolvimento de diversas atividades que privilegiam o uso da sintaxe que está sendo trabalhada naquele determinado nível, essa juustificativa torna-se inverídica.

Uma outra justificativa é o léxico complexo e a presença de palavras que já não são usadas. Entretanto, os alunos ao terem contato com palavras em desuso, podem ter uma ideia do desenvolvimento da língua estrangeira, de como ela evoluiu, bem como, ao mesmo tempo, terem a oportunidade de conhecer palavras novas e interessantes.

A semântica é outra razão apresentada, mas há muitas possibilidades de se trabalhar com o significado usando o texto literário. O aprendiz de LE terá oportunidade de através do texto literário, trabalhar com sinônimos, antônimos, polissemia e etc, possibilitando, mesmo que a passos lentos, o entendimento/compreensão da LE através da própria LE

Alguns autores alegam a dificuldade de seleção de material. No entanto, conhecendo a realidade da sala de aula, o professor poderá escolher textos apropriados para aquele nível, bem como a temática adequada, considerando a faixa etária.

Também se fala da obrigatoriedade de se trabalhar com conceitos literários ao usar um texto da literatura, porém o objetivo principal não é formar profundos conhecedores da literatura, apenas abrir as portas para um conhecimento mais efetivo da LE.

2.2 Algumas abordagens metodológicas propostas para o ensino da literatura

Em 1989, Maley (apud KHATIB , REZAEI & DERAKHSHAN, 2011, p. 5) propõe a Abordagem da Crítica Literária, que se caracteriza por focalizar nas características literárias presentes no texto, como enredo, personagens, aspectos psicológicos, entre outros. Para essa identificação, faz-se necessário o conhecimento das convenções literárias. Neste mesmo ano, Maley (1989) (apud KHATIB , REZAEI & DERAKHSHAN, 2011, p. 5) elabora a Abordagem Estilística, que usa a literatura como texto, atendendo as necessidades das aulas de LE.

Em 1991, ocorre avanços nas propostas de uso do texto literário Carter e Long (apud KHATIB , REZAEI & DERAKHSHAN, 2011, p. 5) descrevem a Abordagem da Literatura como Modelo de Conteúdo e Cultura, na qual a literatura passa a ser considerada um “veículo ideal” para apresentar as noções culturais da LE, possibilitando o acesso à história, biografia de autores, aspectos geográficos, costumes, etc.

No mesmo ano, Carter e Long (apud KHATIB , REZAEI & DERAKHSHAN, 2011, p. 5) ainda popõem Literatura como Crescimento ou Enriquecimento Pessoal, uma abordagem que procura associar a experiência literária em sala de aula à experiência de vida do aprendiz.

No ano de 2003, Amer (apud KHATIB , REZAEI & DERAKHSHAN, 2011, p. 5) propõe duas abordagens A primeira é “Story Grammar Approach (SGA)” que enfatiza a necessidade de interação entre o leitor e o texto, proporcionando uma melhor compreensão, uma consciência da estrutura do texto e um desenvolvimento dos aspectos cognitivos. A outra é a “Reader Response Approach (RRA)”, que possui as bases no Construtivismo, dando uma maior ênfase aos aspectos afetivos, pois cada indivíduo responde de forma diferenciada a cada tipo de texto.

Outros autores propuseram outras abordagens, sempre enfatizando a importância de haver uma interação mais efetiva entre o texto e o aprendiz de LE, proporcionando não só um conhecimento da LE como também de aspectos culturais daquela língua. No entanto, uma das últimas proposições realizadas é a Abordagem Integrada, proposta por Timucin (2001) e Savvidou(2004), que procura conciliar algumas propostas de diferentes abordagens metodológicas anteriores. A principal preocupação dessa abordagem é garantir a motivação do aluno de LE, o seu envolvimento com a LE e o seu conhecimento dos aspectos culturais. Dessa forma, pode ser garantido um aprendizado contextualizado e significativo da LE.

3 Ambiente de investigação e relato da pesquisa

Considerando o objetivo principal desse estudo que é verificar a possibilidade de se usar com o texto literário nas aulas de LE, foi usada a pesquisa bibliográfica e de campo. Os informantes da pesquisa foram os alunos do ensino médio profissional de uma escola pública no bairro da Marambaia. Foi selecionada uma turma de segundo ano do curso de nutrição e dietética, com um total de doze alunos.

As aulas de língua inglesa nessa turma ocorriam na quinta-feira e foram selecionadas algumas aulas para trabalhar com os textos literários e depois realizar um questionário, objetivando verificar as reações dos alunos, a partir do contato com a literatura em LE.

A professora-pesquisadora que ensina a disiciplina nessa turma decidiu usar autores do período modernista, por considerar a linguagem mais próxima da realidade e a possibilidade de permitir uma identificação dos alunos com os temas apresentados. Os autores escolhidos foram Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald.

Em uma aula foi apresentado um trecho do conto Hills like White Elephants, escrito por Ernest Hemingway e que apresenta uma linguagem simples e objetiva. Antes de apresentar o texto, foram feitos exercícios usando as palavras desconhecidas que iriam aparecer no texto. Em seguida, foi apresentado uma parte do conto e solicitado aos alunos que o lessem. Depois, foram apresentadas algumas perguntas para discussão, a fim de verificar se eles tinham entendido sobre qual era o tema principal do conto.

Os alunos se mostraram surpresos ao chegar à conclusão, através de pistas dadas pela professora que o principal tema era o aborto. A seguir, foram feitos execícios de compreensão em duplas e após alguns minutos, socializados no grupo. Foi constatado no final da aula que a maioria estava envolvida em compartilhar as respostas e curiosas a respeito do autor. A professora fez um breve resumo das principais características e obras do Ernest Hemingway.

O próximo texto trabalhado em sala foi um trecho adaptado do romance The Great Gatsby, escrito por Scott Fitzgerald. Antes de entregar o texto, foram feitas atividades de pre-reading, verificando se os alunos conheciam alguma informação sobre a era do Jazz nos Estados Unidos. Em seguida, foi entregue o texto para a leitura e após as atividades de post- reading.

Depois da discussão das respostas, pediu-se aos alunos para deduzir o final da história. Após várias possibilidades levantadas pelos alunos, a professora contou o final do romance e os alunos demonstraram interesse em saber o que realmente aconteceu com os personagens principais. Com a atividade, percebeu-se a motivação dos alunos em tentar deduzir os fatos e também em conhecer a história da era do Jazz nos Estados Unidos, aprendendo informações novas sobre a língua inglesa, mas também de história.

Na aula seguinte, foi realizado um questionário para constatar a reação dos alunos diante do contato com textos literários em LE. A primeira pergunta foi a respeito do contato com a cultura em LE: se eles tinham interesse ou não em conhecer informações culturais dos países anglófonos. Dos doze alunos, dez responderam que estavam interessados em saber a respeito da cultura e dois afirmaram que não tinham interesse.

A pergunta seguinte foi a respeito das novas palavras apresentadas nos textos, se eles a consideraram importantes para o seu aprendizado ou não. Nove alunos responderam que as novas palavras foram relevantes para o aprendizado e três responderam que as novas palavras não faziam diferença para o aprendizado deles.

Na terceira questão, foi perguntado aos alunos se os textos literários motivavam o estudo da LE. Onze responderam que se sentiram motivados com os textos literários e ficaram muito curiosos. Apenas um respondeu que não se sentiu motivado.

A quarta questão se referia à importância de se utilizar textos literários na aula de LE. Dez alunos responderam que entendem a relevância de se utilizar textos literários a partir da experiência vivenciada e os outros dois preferiram não opinar.

Na quinta e última pergunta, foi consultado se os alunos gostariam de trabalhar com um texto de outro período literário, para conhecerem novas informações. Onze alunos responderam que sim, que estavam interessados em novas informações sobre outro período e apenas um aluno respondeu que para ele era indiferente.

As respostas apresentadas confirmam a discussão feita anteriormente com base nos autores Khatib, Rezael e Derakhshan (2011), que elencam várias razões para se utilizar o tetxo literário em aulas de LE, como: a motivação, confirmada pelo número de alunos interessados em conhecer novos textos e sabendo que através deles, terão acesso a novas informações; a ampliação do vocabulário, a partir da constatação da maior parte dos alunos da importância das palavras estudadas para o seu conhecimento.

Roberts e Jacobs (1987) afirmaram a imprtância da literatura para o crescimento pessoal, cultural, etc. No questionário, os alunos confirmaram o interesse nos aspectos culturais e históricos, entre outros, fazendo com que o estudo do texto literário fosse além de uma simples discussão de perguntas de compreensão ou verificação das palavras novas. O texto literário se torna uma porta aberta para um conhecimento muito mais amplo do que questões linguísticas, além de ser necessário uma interação efetiva entre leitor e o texto, para que o entendimento se concretize.

4 Considerações finais

Nesse artigo, destacou-se a importância de se considerar o uso do texto literário nas aulas de LE, apesar da carga horária pequena. Durante várias décadas o texto literário foi mal utilizado, como no método de gramática e tradução, ou foi abandonado completamente, como na abordagem comunicativa. No entanto, a partir da década de 80, o texto literário passa a ser visto de forma diferente, passa a ser considerado um veículo que possibilita o elo entre língua e cultura. Dentro dessa nova perspectiva, teóricos, como, Khatib, Rezael e Derakhshan (2011), entre outros, enumeram vários fatores positivos no uso do texto literário em sala de aula.

A pesquisa, realizada em uma escola pública de ensino profissionalizante, através da aplicação de atividades com textos literários e um questionário, confirmou o estímulo dos alunos pelo aprendizado de novas palavras, bem como o interesse da maioria pelo conhecimento dos aspectos históricos, culturais dos países a LE como língua nativa.

Reafirma-se, por meio da pesquisa realizada, que a literatura pode propiciar aos alunos o entendimento da ligação existente entre língua e cultura, pois, se tornará possível motivar os alunos de LE de diversas formas: possibilitando a ampliação do vocabulário; o conhecimento de aspectos culturais dos países que falam a língua estrangeira; o desenvolvimento de habilidades comunicativas, através da discussão sobre os textos; enfim, o contato com o texto literário auxiliará na formação do leitor e no aprendizado da LE.

5 Referências

KHATIB, M. ; REZAEI, S. ; DERAKHSHAN, A. Literature in EFL/ESL Classroom. English Language Teaching. March, 2011. Disponível em: Acesso em: 18 ago. 2014.

MALEY, A. Down from the pedestal: literature as resource. In: CARTER, WALKER & BRUMFIT(eds). Literature and the Learner: methodological approach. London: Modern English Publications and the British Council.

ROBERTS, E. ; JACOBS, H. Literature: an introduction to Reading and Writing. New Jersey: Prentice Hall, 1987.

SAVVIDOU, C. An Integrated Approach to the Teaching of Literature in the EFL classroom. The Internet TESL Journal, n. 12, 2004.

TIMUCIN, M. Gaining insight into alernative teaching approaches employed in an EFL literature class. Revista de Filosofia y su Didáctica, n. 24, 2001.

VURAL, H. Use of Literature to Enhance Motivation in ELT Classes. Mevlana International Journal of Education. V.3. Dez, 2013. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2014.

A POÉTICA DE ANTONIO JURACI SIQUEIRA NA EDUCAÇÃO AMAZÔNICA JosebelAkelFares Universidade do Estado do Pará [email protected] Ivone Caldas Carvalho [email protected]

Resumo: Esta comunicação tem como objetivo apresentaros primeiros passos da pesquisa que visa desvelar os saberes construídos nos percursos socioculturais vividos por Antonio Juraci Siqueira que o influenciaram em sua formação docente. Ele é poeta paraense, escritor, contador de histórias, professor, declamador de poesias, organizador de varais poéticos. Sua obra escrita e performance atingem diferentes públicos, dentro e fora da sala de aula e trazem temas da vida, como as memórias de infância, do trabalho, a sexualidade impregnadas pelos cenários da Amazônia e, especialmente, do Marajó, onde nasceu. Metodologicamente, utiliza-se a autobiografia por meio das histórias de vida seguindo um aporte teórico de Abrahão (2004), (2010), (2012), (2013), Delory- Mongerger (2012b), Pineau, Le Grand(2012c).

Palavras-chave: Educação. Poesia.Memória. Imaginárioamazônico.Autobiografia.

Abstract: This communication aims to present the first steps of research that aims to uncover the knowledge constructed in the sociocultural pathways experienced by Antonio JuraciSiqueira that influenced his teacher training. He is Para poet, writer, storyteller, teacher, reciter of poetry, poetic staves organizer. His written work performance and reach different audiences inside and outside the classroom and bring life issues, such as childhood memories, work, sexuality impregnated by the scenarios of the Amazon and especially the Marajó, where he was born. Methodologically, it uses the autobiography through the stories of life following a theoretical approach of Abrahão (2004), (2010), (2012), (2013), Delory-Mongerger (2012b), Pineau, Le Grand (2012c).

Keywords: Education. Poetry. Memory. Amazonianimaginary. Autobiography.

Estacomunicação pretende apresentar os caminhosiniciais sobre a pesquisa “Literatura e Educação na Amazônia: imaginário poético em Antônio Juraci Siqueira” em andamento pelo Programa de Pós-graduação de Mestrado em Educação – PPGED da Universidade do Estado do Pará (UEPA), sob a integração da linha de pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia. O texto divide-se em três partes. Na primeira são apresentados os caminhos que levaram a pesquisa. Na segunda, sumariamente, a trilha metodológica que conduzirá a investigação e, por fim, o objeto de pesquisa em imagem, verso e prosa. Justifica-se ainvestigaçãopor três pontos: primeiro, ela está relacionada ao estudo de Literatura por ser considerado um importante instrumento educacional capaz de proporcionar saberes e prazer aos alunos; segundo, está atrelada ao desejo de manutenção dos saberes do imaginário amazônico como resistência ao processo da mundialização, e culmina no autor

Antonio Juraci Siqueira que concentra no seu fazer poético a qualidade literária de suas obras ea valorização dos saberes já citados. A percepção da singularidadede Antonio Juraci se deu após a observação de sua atuação tanto em espaços públicos tais como: feiras, praças, centros culturais, ruas,quanto no escolar, ao qual é convidado a participar de eventos. E, quando apresenta suas obras oralmente, segundo diria Zumthor (1997), como um recitante numa performance, o poeta gera incessantes tensões pela ação de sua poética. O público (alunos/ouvintes) entra em contato com o imaginário, o falar caboclo, símbolos e memórias que delineiam uma identidade amazônida. Vê-se que ele é um escritor que se tornou um educador militante por meio da poesia. Quando atua com performance,ele demonstra não haver espaço restrito para o ensino dos saberes culturais amazônicos, pois Antonio Juraci não se limita a utilização dos dogmas tradicionais da educação formal vai além dos muros escolares. Neste contexto, estão implicados: autor – obra – imaginário amazônico e educação em um processo, cujo ensino do imaginário amazônico é mediado pelas ações do poeta no fazer literário. Logo, como mediador ele tem um papel fundamental no decurso de educação pelo sensível. Em vista disso, a pesquisa objetiva inquirir sobre as travessias feitas por ele que lhe imprimiram na literatura a cultura marajoara impregnada pelo imaginário tão particular e, ao mesmo tempo, tão universal; as experiências de vida que marcaram a história de Antonio Juraci levando-o a torna-se um educador sem perder a alma de poeta, e, por fim, como se dá o processo educativo por meio das performances de Antonio Juraci em espaços públicos e escolares. Em Educação,para chegaràs bases da formação do poeta/educador pode-se utilizar uma abordagem compreensiva, a qual produz uma investigação qualitativa observando valores, crenças, hábitos, atitudes, representações, opiniões de forma mais profunda, seja de um grupo ou um indivíduo, pois parte-se do pressuposto de que sendo Antonio Juraci um “ser do mundo da cultura” faz parte de um meio que interage com outros seres transmitindo e desenvolvendo “habilidades, condutas, saberes e valores” que o torna um ser em constante construção(BRANDÃO, 2002, p.21).

A (Auto)Biografia como método de pesquisa

Assim, oriento-me pelos ditames da pesquisa (auto) biográfica como aporte metodológico para a pesquisa, uma vez que pretende contar a história de vida do poeta, educador, performer Antonio Juraci Siqueira. Segundo Bolivar (2012a),dentro de uma investigação qualitativa, em um contexto “postpositivista”, o enfoque biográfico e narrativo adquiriu uma identidade própria (características, desenvolvimentoe metodologia), essa aquisição de identidade da investigação qualitativa, segundo o autor, se dá, devido à grande influência da Antropologia,na década de oitenta, em diferentes áreas do saber por conta do método de investigação, a Etnografia, que se baseia no contato intersubjetivo entre o antropólogo e o seu objeto de estudo. Pesquisadoras como Maria Helena Abrahão, Maria da ConceiçãoPasseggi e ChristineDelory-Momberger (2012b) apontam o surgimento das narrativas (Auto) biográficas em Educação, na década de oitenta, na contramão dos paradigmas da época (behaviorismo, marxismo, estruturalismo) que aludiam uma causalidade determinista do sujeito. Na nova perspectiva compreensiva, o indivíduo é considerado como “sujeito-ator-autor-em devir”, sendo o próprio autor da rememoração de suas vivências. Segundo as autoras: Refletir e escrever sobre as experiências e expectativas de vida, justifica-se pela mirada de uma formação-emancipação, cujas origens estão culturalmente enraizadas no poder emancipador do retorno reflexivo sobre si mesmo: “conhece-te a ti mesmo e conheceras os deuses e o universo”. Preceito cultuado como prática pedagógica- filosófica pelos socráticos, que deram início a “arte de falar de si e da vida, com suas contradições, seus balbucios, suas ambiguidades” (PASSEGGI; ABRAHÃO; DELORY-MONBERG, 2012b, p.32)

Este refletir e escrever sobre “as experiências e expectativas de vida”,citado pelas autoras não é um método novo, pois Pineau e Le Grand (2012b, p.43) apontam o século IV a. C.,como primeiros momentos de utilização do método pelos gregos com a denominação de bios, textos criados no “âmbito da reforma de vida politica e cultural na Grécia, visando à construção da identidade nacional frente aos persas”. Essa prática pedagógico-filosófica de construção das histórias de vida foi chamada por Sócrates de maiêutica por produzir um partejamento, não de si, mas das ideias alojadas dentro de si. As biostrazem a ideia que corrobora com“a pesquisa (auto) biográfica como uma forma de pesquisa autorreferente. Portanto, plena de significados, em que o sujeito se desvela, para si, e se desvela para os demais” (ABRAHÃO, 2004,p.202). Nesta perspectiva, vê-se a possibilidade de produzir uma investigação que utilize o exercício da memória, pois ela passa a ser a fonte principal de informações a respeito do objeto de estudo, mediante a construção de Histórias de Vida, Biografias, (Auto) biografias, Diários, Memórias, por meio de diferentes fontes orais ou escritas como: narrativas, história oral, epístola, fotos, vídeos, filmes documentos. O método de pesquisa (Auto) biográfico funciona pela produção de narrativas feitas pelo entrevistado, por meio de uma solicitação do pesquisador. Este por sua vez, requisita o que será importante para a construção da memória individual ou coletiva em determinado tempo e espaço implicados nas ações rememoradas. Assim, no momento da narração, o sujeito pesquisado se confronta com seu passado podendo realizar uma autoavaliação, reflexão sobre o vivido, levando em consideração sua constituição do agora em função do devir. É um momento propiciado pela interação com o investigador. Assim, a análise aqui proposta considera as narrativas (Auto) Biográficas como método de pesquisa porque suas premissas fundantes se delineiam sob o Paradigma da Complexidade e da Teoria dos Sistemasque podem ser compreendidos a partir do entendimento de complexusproposto por Edgar Morin:

Complexus significa o que foi tecido junto; há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter- retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade(MORIN. 2007, p.38).

E, dentro desse contexto, encontram-se ashistórias de vida como aporte teórico metodológico. Elas seguem essas premissas fundantes possibilitando investigar aspectos históricos, sociais, multiculturais, institucionais da formação de Antonio Juraci, pois se compreende as histórias de vida sob três aspectos apontados por Maria Helena Abrahão:

Como fenômeno (a narrativa oral ou escrita per se artesanal de narrar- se intencional e reflexivamente que ocorre no encontro narrador/pesquisador;narrador/formador); como metodologia de investigação (a narrativa como fonte autobiográfica privilegiada, compreendida desde o ato narrativo processualmente entrelaçado com outras fontes, para a construção metodológica da História de Vida, da

qual participam narrador e pesquisador) e, ainda como processo formativo de ressignificação do vivido a narrativa como reflexão autobiográfica do narrador- de si e de sua profissionalidade – como dispositivo de autoconhecimento; de construção identitária como movimento no contexto do vivido (ABRAHÃO, 2013, p.9).(grifo do autor)

Segundo Abrahão (2013, p. 9), o método tem a narrativa como fonte autobiográfica, contudo, torna-se mais eficiente quando “entrelaçado com outras fontes”. Dessa forma, outras fontes além das narrativas serão utilizadas nesta pesquisa. As narrativas serão filmadas, pois este recurso trás um diferencial capta além da voz, gestos, expressões faciais e corporais aumentando as possibilidades de percepção das informações. Como fontes me utilizo de grande parte da produção literária do poetaque apresenta suas impressões das vivências cotidianas. Estas sãocompostaspor poesia de cordel, trovas, contos, crônicas e anedotas.As notícias de jornais e, pesquisa de outros autores como TCCs, artigos, dissertações e teses que estejam relacionadas ao autor ou suas obras. Assim, podem ser feita triangulações de dados gerando mais precisão no resultado.

Antonio Juraci Siqueira, objeto de pesquisa As informações apresentadas aqui são resultado de pesquisas bibliográficas em sítios e jornais locais, além das primeiras narrativas feitas pelo entrevistado aliadas as leituras das obras do autor. O poeta/educador Antônio Juraci Siqueira, o Juraboto, como gosta de ser chamado, em 1948, nasceu no Cajary, município de Afuá, interior da Amazônia Marajoara. Os versos abaixo expressam o imaginário boto que segundo o poeta “já é uma segunda pele que eu já não sei mais... hoje, eu já não sei mais. Dizem que mentira mil vezes dita quem conta acredita” (SIQUEIRA, 2014):

Eu venho de um mundo que tu não conheces; do onde, do quando, do nunca, talvez...

Eu venho de um rio perdido em teus sonhos, um rio insondável que corre em silêncio entre o ser e o não-ser (SIQUEIRA, 2007)

A Literatura faz parte de sua vida desde “pequeno” quando lia os folhetos de cordel comprados por seu padrasto. Às margens do Cajary, o menino que queria ser canoeiro viajava nas trovas do cordel nordestino introduzindo aquela arte na sua essência de prosador. Assim ele que: Nasceu e cresceu às margens de um rio, nos cafundós de Judas, ouvindo histórias narradas por seus avós. Viveu sem traumas, sem mágoas, tomando banho nas águas, da floresta ouvindo a voz. (SIQUEIRA, 2009) Quando pequeno, viveu as graças da infância, mas tambémas agruras, pois trabalhou como extrativista de sementes e seringa1para ajudar no sustento da família após a morte do pai. Segundo ele, naquele tempo: A mamãe acordava a gente cedo, arrumava comida, protegia as coisas no meio do barco, pra não molhar, e pegávamos a montaria e íamos gapuiá. No rio formava um monte de restos de pau, folhagem, frutas e sementes e... ficava boiando perto da ribanceira. Então a gente parava amontaria e ficava horas catando as sementes que dava pra vender. (SIQUEIRA,2014)

Desde muito cedo doze anos, eu já cortava seringa à noite, sozinho com meus irmãos menores também pelo outro lado. Então, coisas que hoje eu não faria com a idade que eu tenho. Naquele tempo a gente fazia, porque o homem é produto do meio, você vive, você se acostuma. Hoje, se eu voltasse lá pra fazer isso de noite, seguramente, eu não faria mais. (SIQUEIRA,2014)

Em suas obras, ele recria suas memórias da infância por meio de uma oralidade escrita que se traduz em cores, formas, sons e sensações delineando cotidiano e vivências impregnadas pelos cenários da Amazônia e, especialmente, do Marajó, conhecido pelo olhar de Dalcídio Jurandir. Em sua poesia registra: Debruçado na janela da lembrança tipitinga, vejo passar minha infância inocente pilotando na maré do meu passado a igarité da saudade...”(SIQUEIRA, 2010a)

1 Seringueiro- pessoa que extrai o látex da seringueira para fazer borracha.

Aos 34 anos, mudou-se para Belém e, desde então, navega pelos rios de asfalto distribuindo poesia por todo canto. Aqui estou com meu verbo Encharcado de vivências, De sofrências calejado, Banhado de argila e sol.(SIQUEIRA,2010a) Em Belém, trabalhou como açougueiro, mas em seu coração sentia que sua arte era “como a maré que sabe a hora de encher, preamar e vazar” transbordou e “desemboca na voz revolta do verbo”, contudo foi durante sua formação em Filosofia, pela Universidade Federal do Pará, que assumiu ao mundo o poeta. Acredita no contato pessoal com o leitor/ouvinte por isso sempre gostou de apresentar-se em público:

FIGURA 1- Performance de Antonio Juraci recitando poema “Eu, o boto” no palco. Como educador formal lecionou no ensino fundamental I. Hoje, trabalha no Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares (SIEBE) atende escolas enquanto escritor com objetivo de incentivar à leitura, à escrita e à oralidade produz bate-papos literários, contação de histórias, oficinas, palestra e cursos. Faz parte de um grupo de Contadores de Histórias “Cirandeiros da palavra” com Andrea Cozzi e Sônia Santos que promovem sessões de contação de histórias em Belém e localidades próximas a fim de desenvolver o gosto pela leitura literária. Suas histórias estão sempre permeadas pelo imaginário mítico amazônico: mãe- d’água, matinta pereira, cobra grande entre outros seres encantados e principalmente sobre o boto tucuxi, animal natural da região amazônica. Antonio Juraci cria a represetação do personagem mítico o “Dom Juan amazônico”, um boto que vai às festas nas localidades ribeirinhas encanta uma moça escolhida a seduz e some, deixando-a grávida.E, neste contar os saberes amazônidas são socializados entre os leitores/ouvintes.

FIGURA 2- Antonio Juraci contando histórias em uma escola ribeirinha na Ilha do Combú às margens do rio Guamá/Pará.

E nesta vida preenchida pela literatura ele ainda tem tempo de pegar sua canoa e sair pela cidade distribuindo corações, segundo o poeta são “adivertimentos” para deixar a vida mais alegre.

FIGURA3- Antonio Juraci distribuindo corações com trovas na Praça da República.

Os corações poéticos são trovas que o poeta trás sempre consigo em qualquer lugar que vá. Distribuir corações poéticos tornou-se uma das marcas de Antonio Juraci.

FIGURA 4- Trova em Corações poéticos - Advertimento.

No balanço

das redes sociais se atualiza diariamente alimentando sua página do Facebookcom seus poemas, trovas, crônicas, obras de outros poetas, memórias de tempos vividos, fotos e informações de seus trabalhos na atualidade enfim, interage com seus amigos virtuais fortalecendo os laços entre o poeta e o internauta.

FIGURA 5- página do Facebook de Antonio Juraci REFERÊNCIAS ABRAHÃO. Maria Helena Menna Barreto. Pesquisa (auto)biográfica – tempo, memóriae narrativas. In: ABRAHÃO. Maria Helena Menna Barreto. (Org.). A aventura (auto) biográfica- teoria & empiria. :EDIPUSCRS, 2004. p. 201-224. ______. Maria Helena Menna Barreto. FRISON. Lourdes Maria Bragagnolo. Narrativas (auto) biográficas de formação e o entrelaçamento com a autorregulação da aprendizagem. In:(Auto)biografia e Formação Humana. ABRAHÃO. Maria Helena Menna Barreto (Org.). Porto Alegre: EDIPUSCRS, 2010. P. 191-216. ______, Maria Helena Menna Barreto. PASSEGGI, M. da Conceição. DELORY- MONGERGER, Christine. Reabrir o passado, inventar o devir: a inenarrável condição biográfica do ser. In: PASSEGGI, M. da Conceição. ABRAHÃO,M. H. M. B. (Org.) Dimensões epistemológicas da pesquisa (auto) biográfica: Tomo II Natal: EDUFRAN; Porto Alegre:EDIPUSCRS, Salvador; EDUNEB, 2012b, Coleção Pesquisa (Auto) Biográfica: temas transversais. ______, Maria Helena Menna Barreto. Prefácio. In: PASSEGGI, Maria da Conceição. VICENTINI, Paula Perin. SOUZA, Elizeu Clementino de.(Org.) Pesquisa(auto) biográfica: narrativas de si e formação. :EDITORA CRV, 2013. BOLIVAR, Antonio. Dimensiones epistemológicas y metodológicas de lainvestigación (auto) biográfica. In: ABRAHÃO,Maria Helena Menna Barreto. PASSEGGI, M. da Conceição. (Org.) Dimensões epistemológicas da pesquisa (auto) biográfica: Tomo I Natal: EDUFRAN; Porto Alegre:EDIPUSCRS, Salvador; EDUNEB, 2012a, Coleção Pesquisa (Auto) Biográfica: temas transversais. DELORY-MONGERGER, Christine. A pesquisa biográfica: projeto epistemológico e perspectivas metodológicas. In: ABRAHÃO,Maria Helena Menna Barreto. PASSEGGI, M. da

Conceição. (Org.) Dimensões epistemológicas da pesquisa (auto) biográfica: Tomo I Natal: EDUFRAN; Porto Alegre:EDIPUSCRS, Salvador; EDUNEB, 2012b, Coleção Pesquisa (Auto) Biográfica: temas transversais. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação como cultura. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2002. BLOG DO BOTO. Disponível em: http://blogdobotojuraci.blogspot.com.br/ acessado em 23 jan, 2014. CARVALHO, Ivone. Performance de Antonio Juraci recitando poema “Eu, o boto”. 2014. 1 fotografia ______, Ivone. Antonio Juraci contando histórias em uma escola ribeirinha na Ilha do Combú às margens do rio Guamá/Pará.2014. 2 fotografia ______, Ivone. Antonio Juraci distribuindo corações com trovas na Praça da República.2014. 3 fotografia ______, Ivone. Trova em Corações poéticos.Advertimentos. 2014. 4 fotografia ______, Ivone. Página do facebookde Antonio Juraci. 2014. 5 imagem MORIN,Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 12. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2007. PINEAU, Gaston. LE GRAND, Jean-Louis. As histórias de vida. Tradução de Carlos Eduardo Galvão Braga e Maria da Conceição Passeggi. Natal, RN: EDFRN, 2012c.

SIQUEIRA, Antonio Juraci. O Chapéu do boto. Belém: Papachibé, 2007.

______, Antonio Juraci. O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro. Belém, PA.[s.n], 2009.

______, Antonio Juraci.Mares- poemas de argila e sol. Belém: Papachibe. 2010a.

ZUMTHOR, Paul. Tradição e Esquecimento. Tradução de Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Hucitec, 1997.

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA SALA DE AULA: A PERSPECTIVA E AS ATITUDES DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA NO COMBATE AO PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Mayara Alexandra Oliveira da Cruz UEPA [email protected]

Sueli Pinheiro da Silva UEPA [email protected]

Resumo: Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa realizada pelo PIBIC-UEPAque aborda a variação linguística sob o olhar e as atitudes do professor de língua portuguesa em relação ao combate do preconceito linguístico presente no contexto de sala de aula. Objetiva, sobretudo, apresentar quais são as concepções e as atitudes linguísticas deste professor no combate ao preconceito linguístico, no qual o docente é o sujeito da pesquisa. As discussões feitas para embasar este trabalho são fundamentadas, principalmente, em Bagno (2007a, 2007b), Bortoni-Ricardo (2004, 2005) e Soares (1993). Os procedimentos metodológicos apresentam abordagem qualitativa, descritiva e exploratória, pois têm a finalidade de observar, descrever e analisar a prática docente em sala de aula. Logo, utilizamos as observações de aulas de língua portuguesa de duas professoras do Ensino Fundamental, em duas escolas, uma da rede privada e outra da rede pública, além de questionários como instrumentos para a coleta de dados. Os resultados obtidos, de maneira geral, apontam para o tratamento superficial destinado à variação linguística, e, consequentemente, às atitudes de combate ao preconceito linguístico, visto que estas discussões de Educação Linguística são pouco inseridas às aulas de língua portuguesa, pois observamos fortemente a prática do ensino tradicional, devido à grande presença de atividades metalinguísticas. Dessa forma, é necessário que os docentes se conscientizem da importância da pedagogia da variação linguística, visando à articulação efetiva destas noções às suas práticas em sala de aula. Para tanto, torna-se indispensável que estes docentes tenham uma formação qualificada que leve em consideração tais discussões.

Palavras-chave: Variação Linguística. Preconceito Linguístico.Educação Linguística.

Abstract: This work presents the results of a research performed by PIBIC-UEPA that centers the debates on the linguistic variation under the view and attitude of the Portuguese language teacher in relation to positioning against linguistic prejudice present in the context of the classroom. The aim is mainly to present what the conceptions and language attitudes of the teacher are contributing to tackle linguistic prejudice, thus having the teacher as a research subject. Theargumentsmadeto supportthis workare basedchieflyinBagno(2007a, 2007b), Bortoni-Ricardo (2004, 2005)andSoares(1993). The methodological procedures are qualitative, descriptive andexploratory approach, as they havethe purpose of observing, describing and analyzingteaching practicesin the classroom. Therefore,we used theobservationsofPortuguese language classesoftwo teachersof elementary school, at twoschools, one being private and the other public, besidesquestionnairesas instruments fordata collection. The reached results, in general, point to the shallow treatment intended for linguistic variation and consequently for attitudes to combat linguistic prejudice, that may be due to the fact that these discussions of linguistic education are little inserted in the Portuguese language classes, sincewe observed strongly the practice of the traditional teaching, due to the large presence of metalinguistic activities. Thus, it is necessary that the teachers beaware of the importance of the pedagogy of the linguistic variation, aimed at the effective articulation of these notions to their practices in classroom. For this, it is essential that these teachers have a qualified training that takes into account such discussions.

Keywords: Linguistic Variation. Linguistic Prejudice. Linguistic Education.

Introdução

ASociolinguística é uma área da Linguística que se consolidou nos Estados Unidos na década de 1960 sob a liderança de William Labov e quefundamenta este trabalho.Segundo Martelotta (2011, p. 141), esta área ―estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística‖. Ainda de acordo com ele, este campo teórico ―parte do princípio de que a variação e a mudança são inerentes às línguas‖ (MARTELOTTA, 2011, p. 141), demonstrando o caráter mutável das línguas naturais. Entretanto, em que consiste ―variação‖?Conforme Bagno (2007a, p. 39) ―dizer que a língua apresenta variação significa dizer, mais uma vez, que ela é heterogênea‖. E o que significa a heterogeneidade da língua? Significa que ela é ―múltipla, variável, instável e está sempre em desconstrução e reconstrução‖ (BAGNO, 2007a, p. 36). Desta forma, a variação é algo inerente às línguas, ou seja, estas variam conforme os usos linguísticos dos seus falantes. Já para Bortoni-Ricardo (2005, p. 131), ―o principal fator de variação linguística no Brasil é a secular má distribuição de bens materiais e o consequente acesso restrito da população pobre aos bens da cultura dominante‖, ou seja, ela atribui, principalmente, aos fatores sociais, históricos e econômicos a responsabilidade pela variação linguística. Outro conceito muito importante na área da Sociolinguística diz respeito ao preconceito linguístico. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, corresponde a:

Qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários, como, p.ex., a crença de que existem línguas desenvolvidas e línguas primitivas, ou de que só a língua das classes cultas possui gramática, ou de que os povos indígenas da África e da América não possuem línguas, apenas dialetos (BAGNO, 2009, p.16) Ainda segundo Bagno (2007b, p.9), este preconceito ―está ligado, em boa medida, àconfusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa‖, afinal, muitas pessoas acreditam que a gramática normativa é a língua portuguesa, sendo, na verdade, apenas uma parte dela. Desta forma, apresentamos os conceitos-chave deste trabalho. Assim, este artigo objetivaapresentaros resultados do projeto de pesquisa, no qual verificamos, por exemplo, as concepções e atitudes linguísticas do professor para combater o preconceito linguístico; observamos a existência de preconceito linguístico na relação entre professor e aluno,além de ter proporcionado a análisedas concepções do professor acerca da diversidade linguística, assim como o tratamento que o docente destina à variação linguística, tendo, portanto, o professor como sujeito da pesquisa. A metodologia adotada apresenta caráter qualitativo, descritivo e exploratório. Sendo assim, utilizamos como instrumentos de pesquisa as observações das aulas de língua portuguesa, realizadas em duas escolas, uma da rede pública e outra rede privada, com duas professoras do Ensino Fundamentalvisando à verificação da existência de contraste das suas práticas, além do questionário. Portanto, as considerações feitas ao longo deste trabalho serão fundamentadas, especialmente, em Antunes (2011); Bagno (2007a, 2007b); Bortoni-Ricardo (2004, 2005); Possenti (1996) e Soares (1993).

1-Referencial Teórico

1.1-Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a mudança na concepção do ensino de língua

A partir da década de 1970, há uma mudança na concepção do ensino de língua. Se antes a língua era vista de acordo com sua estrutura interna,isto é, como um sistema, a partir deste período, passou a ser concebida ligada às relações sociais, ou seja, como um meio de ação, de intenção, considerando os contextos situacional, cultural e histórico das pessoas que a utilizam. É importante destacar que esta mudança éfortemente baseada na consolidação dos estudos da Linguística, especialmente de suas ramificações (Linguística Textual, Sociolinguística, Semântica, Pragmática, etc.) No Brasil, esta mudança é verificada, de forma oficial, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),realizada pelo Ministério da Educação (MEC), no final da década de 90. Estes documentos apresentam propostas para a renovação do ensino em todas as disciplinas, além de orientações à prática docente.Antes, porém, na década de 80 já circulavam produções acadêmicas que defendiam uma nova concepção de ensino de língua, a exemplo do livro O texto na sala de aula, de Wanderley Geraldi. Era o reflexo de um movimento acadêmico que, quase duas décadas depois, passa a constituir uma orientação oficial. Nesta perspectiva, o texto passa a ser concebido como unidade de ensino de Língua Portuguesa,além de seintroduzir importantes conceitos, que eram poucos conhecidos dos professores (variação linguística, variedades dialetais, letramento, epilinguagem, condições de produção, entre outros). Iremos aqui,ater-nos, especificamente, aos conceitos relacionados à Sociolinguística. Por meio do trecho abaixo, torna-se evidente a mudança na concepção do ensino de língua, além da introdução de conceitos ligados à Sociolinguística, como mencionamos anteriormente: A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valorsocial relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem asvariedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas.O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve serenfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educaçãopara o respeitoà diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-sede alguns mitos: o de que existe uma única forma ―certa‖ de falar — a que se parece com a escrita— e o de que a escrita é o espelho da fala — e, sendo assim, seria preciso ―consertar‖ a fala doaluno para evitar que ele escreva errado.Essas duas crenças produziram uma prática de mutilaçãocultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes,denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico (PCN – 1ª a 4ª série,1997, p. 31) Neste trecho, é comentada a relação entre linguagem e escola, responsável - em grande parte - pela reprodução do preconceito linguístico, quando deveria combatê-lo. Esta relação é amplamente discutida em Soares (1993), quando esta afirma, por exemplo, acerca do caráter ideológico da linguagem:

A linguagem é também o fator de maior relevância nas explicações do fracasso escolar das camadas populares. É o uso da língua na escola que evidencia mais claramente as diferenças entre grupos sociais e que gera discriminações e fracasso: o uso, pelos alunos provenientes das camadas populares, de variantes linguísticas social e escolarmente estigmatizadas, provoca preconceitos linguísticos e leva a dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver usada a variante padrão socialmente prestigiada (SOARES, 1993, p. 17) Além disso, esta autora discute sobre o preconceito linguístico, afirmando que este, na verdade, é um preconceito social, pois é baseado em ―atitudes sociais, culturalmente apreendidas, pois se baseiam em valores sociais e culturais, não em conhecimentos linguísticos. Na verdade, são julgamentos sobre os falantes, não sobre sua fala‖ (SOARES, 1993, p. 41).Ainda segundo ela, a escola serve para reproduzir as desigualdades, na medida em que estimula os preconceitos, exercendo violência simbólica sobre os alunos:

A função da escola tem sido precisamente esta: manter e perpetuar a estrutura social, suas desigualdades e os privilégios que confere a uns em prejuízo de outros, e não, como se apregoa, promover a igualdade social e a superação das discriminações e da marginalização (...) A escola converte a cultura e a linguagem dos grupos dominantes em saber escolar legítimo e impõe esse saber aos grupos dominados‖ (SOARES, 1993, p. 54)

1.2- O círculo vicioso do preconceito linguístico Por sua vez, Bagno (2007b, p. 68), afirma que existem três principais elementos responsáveis pela perpetuação do preconceito linguístico, sendo todos relacionados à escola e, consequentemente, à atuação docente:a gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos. É o que ele chama de círculo vicioso, onde ―a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático, cujos autores — fechando o círculo — recorrem à gramática tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a língua‖ (BAGNO, 2007b, p. 68). Logo, torna-se necessária a conscientização, por parte de todos, de que não existem ―erros de português‖, mas sim diferenças e variações. Adentrando nos principais elementos citados por Bagno (2007b, p.68), afirmamos que a gramática tradicional busca impor a norma-padrão, que, de acordo este autor é um ―produto sociocultural, vinculado à esfera política, transformado em instrumento de poder, de coerção‖ (BAGNO, 2007a, p. 76), ou seja, é um modelo de língua, que não apresenta uso real e efetivo. Esta gramática tradicional apresenta caráter ideológico, materializado na gramática normativa, responsável pela prescrição de regras que ditam o uso ―correto‖ da língua. Evidentemente, os métodos tradicionais de ensino são baseados na gramática normativa e consistem, por exemplo, na utilização, por parte dos professores, de atividades ligadas à metalinguagem da língua, isto é, relacionadas ao ―estudo de frases soltas, descontextualizadas e artificiais, criadas com o fim, apenas, de fazer o aluno reconhecer as unidades gramaticais, suas nomenclaturas e classificações‖ (ANTUNES, 2011, p. 123), sendo que estas atividades em nada contribuem para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno para falar, ler e escrever textos. Já os livros didáticos, embora tenham passado por reformulações nas últimas décadas,ainda ajudam a reproduzir o preconceito linguístico, visto que se utilizam de exercícios que privilegiam a metalinguagem da língua em detrimento da epilinguagem, isto é, de reflexão sobre o uso da língua. Além disso, o tratamento destinado à variação linguística ainda é precário, pois falta uma fundamentação teórica sólida, além de uma extensa formação escolar que a sociedade recebe acerca das concepções e valores que conservam a respeito do que é certo e errado na língua. Um dos principais problemas, de acordo com Bagno (2007a, p. 120), diz respeito ao tratamento da variação linguística como sinônimo de variedades regionais, rurais ou de pessoas com baixa escolarização.Sendo assim, não se pode limitar a análise das variações linguísticas apenas aos usos de pessoas pobres e analfabetas, por exemplo, visto que a variação ocorre na fala de todas as pessoas. Portanto, é de extrema importância a existência de práticas do ensino de língua portuguesa queexploremos usos sociais e efetivos da língua, tanto no registro oral quanto no registro escrito, além de contribuir para a conscientização das diferenças linguísticas, de forma que professores e alunos tenham plena consciência de que existem diversas formas de dizer a mesma coisa e que a escolha de uma ou outra forma irá depender da situação comunicativa (lugar, interlocutor, finalidade, etc.).

2- Procedimentos metodológicos

Os resultados deste trabalho foram obtidos por meio do desenvolvimento de uma pesquisa inscrita em um projeto de iniciação científica, que dá nome a este artigo, realizado entre os anos de 2013 e 2014.Os procedimentos metodológicos apresentam abordagem qualitativa, descritiva e exploratória, pois visam à observação, descrição e análisedas práticasdocentesem sala de aula. Logo, foram utilizadas como ferramentas de pesquisa asobservações durante as aulas de língua portuguesa, além da aplicação de questionário.

2.1- Lócus e sujeitos da pesquisa

A pesquisa se desenvolveu em duas escolas, uma da rede privadae outra da rede pública, como já afirmamos anteriormente. A primeira localizada em Ananindeua, cidade próxima a capital pertencente à região metropolitana de Belém, e a segunda em Belém. Uma característica em comum destas escolas diz respeito ao fato de que ambas possuem apenas o Ensino Fundamental. Os sujeitos da pesquisa são duas professoras, sendo uma da rede privada (doravante ―Professora A‖) e a outra da rede pública (doravante ―Professora B‖). Por meio do questionário, traçamos um pouco dos seus perfissocioeconômicos, além de termos questionado a respeito da concepção de linguagem, de que forma identifica as variações linguísticas em sala de aula e qual a opinião delas a respeito do preconceito linguístico. Os dados são mostrados no quadro abaixo: Professora A Professora B Faixa etária: 30 a 40 anos. Faixa etária: 40 a 50 anos. Tempo de magistério: mais de 10 Tempo de magistério: mais de 10 anos. anos. Especialização: gestão e docência do Especialização: língua portuguesa. ensino superior. Leciona: ensino fundamental, ensino Leciona: ensino fundamental e ensino superior (PARFOR – Inglês) e curso médio profissionalizante. preparatório para concurso militar.

Concepção de linguagem: interação Concepção de linguagem: interação social. social. Como identifica as variações Como identifica as variações linguísticas linguísticas na sala de aula: por meio na sala de aula: por meio de gírias e das diferenças de classe social, etárias pronúncias de algumas palavras. e regionais. O que pensa a respeito do O que pensa a respeito do preconceito preconceito linguístico: é ainda muito linguístico: é ainda muito presente na presente, principalmente nas salas de sociedade, mas acredita que a escola tem aula, visto que os próprios alunos papel fundamental para orientar e dar visão discriminam uns aos outros e precisa crítica aos alunos. ser trabalhado para que os alunos percebam que não existem erros na oralidade, mas que deve existir adequação.

3- Análise dos dados

As atividades de observação das aulas de língua portuguesa ocorreram durante três meses, sempre pelo turno da tarde, durante as terças-feiras (rede privada) e nas quartas-feiras (rede pública). As aulas da professora A eram destinadas às turmas do 6º, 7º e 8º ano, além da 8ª série, enquanto as aulas da professora B eram para três turmas de 6ª ano. Em relação às práticas da professora A, notamos, em todas as turmas, a excessiva utilização dosmétodos tradicionais de ensino, ligados às atividades relacionadas à metalinguagem da língua portuguesa, ou seja, o texto como pretexto para o ensino de gramática (questões para identificar, classificar e conceituar termos gramaticais - substantivos, objetos direto e indireto, predicativo do sujeito, etc.). Segundo esta professora, aprender análise sintática é questão de treino, o que nos remete às ideias de memorização e repetição, conceitos comuns no ensino tradicional. É importante lembrar que estas práticas não condizem com a concepção de linguagem que esta professora afirmou adotar ao responder o questionário. Para que tenhamos um ensino de língua eficaz, é necessário ―que haja uma concepção clara do que seja uma língua‖ (POSSENTI, 1996, p. 21). Para tanto, é importante, por exemplo, a leitura de textos especializados. Segundo Kleiman (2002, p.17), um dos motivos que levam os alunos a não gostarem de ler, diz respeito à situação na qual ―o professor utiliza o texto para desenvolver uma série de atividades gramaticais, analisando, para isso, a língua enquanto conjunto de classes e funções gramaticais, frases e orações‖. Esta prática foi bastante observada durante as aulas de língua portuguesa e realmente não ocorria o estímulo à formação leitora dos alunos, pois existia, por exemplo, grande preocupação para não atrasar o conteúdo programático. Outra situação bastante comum ocorria quando os alunos, ao lerem em voz alta, pronunciavam alguma palavra de forma diferente, cometendo erros de decodificação, algo muito comum em palavras extensas e proparoxítonas, conforme Bortoni-Ricardo (2004, p. 39), sendo imediatamente corrigidos pela professora e às vezes pelos outros alunos.Este comportamento é citado por esta autora, no qual ―o professor percebe o uso de regras não- padrão, não intervém, e apresenta, logo em seguida, o modelo da variante padrão‖ (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 38).

Geralmente, quando estes erros de decodificação ocorriam, os outros alunos riam do colega e a professora apenas pedia para que não o fizessem, não apresentando atitudes efetivas para combater o preconceito linguístico. Aliás, este preconceito entre os alunos foi citado pela professora no questionário. Além disso, durante o período de observações, não houve nenhuma aula destinada à variação linguística. A professora A se baseava intensamente no livro didático e raramente ministrava uma aula diferente do conteúdo do livro. Este, intitulado ―Português: leitura, produção e gramática‖, da editora Moderna, de 2009,ajudava a promover o preconceito linguístico, pois se baseava nosconceitos da gramática normativa, que são limitados e incoerentes, além de se utilizar de exercícios ligados à metalinguagem.É algo que faz parte do que Bagno (2007b, p. 68) chama de círculo vicioso do preconceito linguístico. O tratamento destinado à variação linguística era extremamente problemático, resumindo-se em ―gírias, estrangeirismos, linguagem formal e informal‖, por exemplo. Ao ser questionada sobre a forma como identifica as variações linguísticas na sala de aula, a professora A respondeu que o faz por meio das diferenças de classe social, etárias e regionais, o que nos remeteà afirmação de Bortoni-Ricardo (2005, p. 131), na qual ela responsabiliza a dicotomia rural-urbano e, sobretudo, a estratificação social como as principais causasda variação linguística no Brasil. Estas causas integram os fatores extralinguísticos (status socioeconômico, grau de escolarização, idade e origem geográfica, por exemplo), que auxiliam na identificação dos fenômenos relacionados à variação, segundo Bagno (2007a, p. 43). Por fim, considerando as respostas do questionário, ficou claro que esta professora possuía conhecimentos sobre variação linguística e preconceito linguístico,pois, inclusive, mencionou a ideia de adequação da língua aos contextos de uso (competência comunicativa). Entretanto, ela não articulava estas noções às suas práticas em sala de aula. Já a professora B apresentava práticas completamente diferentes da professora A, sobretudo porque, de fato, como respondeu no questionário, concebia a linguagem como interação social, isto é, a língua como um lugar de ação e interação, baseando suas aulas conforme a abordagem epilinguística da língua,trabalhando a leitura, interpretação e produção textual por meio de diversos gêneros textuais (provérbios, trava-línguas, fábulas, música, etc.).

Ao abordarlinguagem verbal e não verbal, a professora solicitoua produção de uma história em quadrinhos, que estimulou a criatividade e imaginação dos alunos. Nesta atividade, os alunos dividiam uma cartolina em vários pedaços, formando um livrinho. A partir de então, criariam a sua história, colando imagens ou desenhando, além de colocar as falas dos personagens. Este tipo de atividade contribui para que os alunos tenham domínio da língua, já que este é ―o resultado de práticas efetivas, significativas, contextualizadas‖ (POSSENTI, 1996, p. 46), ao contrário dos exercícios, que priorizam a repetição. Quanto ao livro didático utilizado por ela, chama-se ―Vontade de saber português‖, da editora FTD, de 2012. Destacamos que este livro praticamente não trazia atividades envolvendo a gramática normativa, visto que predominavam atividades que refletiam sobre o uso e funcionamento da linguagem (epilinguagem), como, por exemplo, questões que perguntavam sobre os efeitos de sentido e qual a intenção do autor ao colocar determinada classe de palavra em um gênero textual, além de abordar muito bem o assunto variação linguística. Na aula sobre variação linguística, a professora B conscientizou os alunos de que a variação é algo natural às línguas, citando alguns tipos de variação (histórica, regional, social eestilística), sempre elucidando por meio de exemplos, e também explicou o significado do preconceito linguístico, afirmando aos alunos que não se deve menosprezar ou rir da fala do outro, pois não existem formas erradas de falar, mas sim diferentes e adequadas ou não ao contexto comunicativo. Ainda segundo ela, só pode ser considerado erro quando não existe o estabelecimento de comunicação entre as pessoas, ou seja, quando o falante não se faz entender, algo ―que só por engano ocorreriam com falantes nativos, ou então na fala de estrangeiros com conhecimento extremamente rudimentar da língua portuguesa‖ (POSSENTI, 1996, p. 79-80). Sobre a identificação das variações no contexto da sala de aula, esta professora citou as gírias, que são muito recorrente nas falas dos adolescentes, motivadas, principalmente,pelofator ―faixa etária‖, constituindo o socioleto, isto é, ―a variedade linguística própria de um grupo de falantes que compartilham as mesmas características socioculturais (classe socioeconômica, nível cultural, profissão etc.)‖ (BAGNO, 2007a, p. 48), além das diferenças nas pronúncias de algumas palavras.

Portanto, a professora B demonstrou ótimo conhecimento acerca da variação linguística, conscientizando seus alunos a respeito da existência destas variações por meio de exemplos práticos e cotidianos, além de ter apresentado atitudes efetivas de combate ao preconceito linguístico, integrandoos conceitos da Sociolinguística às suas práticas no contexto da sala de aula.

4- Considerações finais

Mediante este trabalho, obtivemos uma análise, de maneira geral, sobre as práticas do professor de língua portuguesa, assim como acerca de suas concepções em relação à variação linguística e, principalmente, sobre suas atitudes combativas ao preconceito linguístico, que é muito forte na nossa sociedade e,muitas vezes, passa despercebido. Embora uma das professoras já apresente sinais de mudança em relação ao combate ao preconceito linguístico na escola, os resultados apontam para um tratamento superficial destinado à variação linguística e, consequentemente, em relação às atitudes de combate ao preconceito linguístico, sobretudo por parte da professora A. Umfator determinante,que pode explicaras diferenças existentes entre as práticas de ensino de língua portuguesa das professoras A e B, diz respeito à formação continuada, considerando que as duas cursaram especialização, entretanto, a professora A se especializou em ―Gestão e Docência do Ensino Superior‖, enquanto a professora B em ―Língua Portuguesa‖. Sendo assim, constatamos que o ensino de língua portuguesa ainda ocorre de maneira equivocada. O tratamento destinado à variação linguística é limitado, sem aprofundamento teórico, tanto pela abordagem dos docentes quanto pela abordagem dos livros didáticos.Obviamente, se a variação linguística está sendo tratada desta forma, o preconceito linguístico reflete isso. Logo, torna-se cada vez mais urgente a desconstrução do preconceito linguístico. Para tanto, são necessárias mudanças profundas no sistema educacional brasileiro, que precisa cada vez mais de professores qualificados, com uma formação acadêmica adequada, que promova, por exemplo, discussões acerca dos conceitos da Sociolinguística, visando à efetiva integração destes à prática docente, além de oportunidades para a formação continuada. Desta forma, os professores sempre estarão se aperfeiçoando acerca das suas práticas e estratégias de ensino e, consequentemente, ajudando a desenvolveruma Educação Linguística, que combata o preconceito linguístico e vise a ―promover a autoestima linguística dos alunos e das alunas e dizer-lhes que eles sabem português e que a escola vai ajudar a desenvolver ainda mais esse saber‖ (BAGNO, 2007a, p. 84), além de inseri-los nas práticas do letramento.

Referências

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. BAGNO, Marcos. Não é errado falar assim!Em defesa do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007a. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 49 ed. São Paulo: Loyola, 2007b. BORTONI-RICARDO, Stella Maris.Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora?.São Paulo: Parábola Editorial, 2005. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental.Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa (ensino de primeira à quarta série). Brasília: MEC, 1997. KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: Teoria e Prática. 9. ed. São Paulo: Pontes, 2002. MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manual de linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011. p. 141-155.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 1996.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 10. ed. São Paulo: Ática, 1993.

ACESSIBILIDADE EDUCACIONAL: UMA PROPOSTA NAS VERSÕES BILINGUE E EM BRAILLE DOS CONTOS AMAZÔNICOS

Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva

JOSÉ ANCHIETA DE OLIVEIRA BENTES

MARIA JOAQUINA JOGUEIRA DA SILVA

FLÁVIO MATHEUS Goulart do Nascimento

CARINA DA SILVA MOTA1

RESUMO A tradução intercultural de dez lendas amazônicas da Língua Portuguesa para a Língua Brasileira de Sinais é o objeto desta comunicação. Têm-se como objetivos relatar o desenvolvimento atual da pesquisa dos três produtos pedagógicos: um DVD em Língua de Sinais - Língua Portuguesa, um livro em Língua Portuguesa escrita e um livro em Braille. A partir de uma pesquisa na internet e em livro de lendas se fez uma versão em Libras. A iniciativa pretende melhorar o nível de letramento das crianças, jovens e adultos surdos. Palavras-chaves: Bilinguísmo; Lendas amazônicas; Letramento.

INTRODUÇÃO Nesta comunicação, faço uma descrição do processo de elaboração de um produto para trabalhar com surdos e cegos em sala de aula, assim como pode beneficiar ouvintes e videntes. Trata-se da tradução intercultural de 10 lendas da Língua Portuguesa para a Língua Brasileira de Sinais. Escolhi falar das lendas amazônicas, por estarmos vivendo em um Estado onde muitas das explicações são dadas em função de se acreditar em determinadas histórias, sabedorias, ditados e lendas. A região amazônica é povoada por mistérios e seres mitológicos, e são esses seres e assombrações que ora protegem a floresta, ora causam o medo, assustam pescadores, explicam gestações indesejadas, orientam o fazer das pessoas. As lendas amazônicas são presença obrigatória nas primeiras histórias contadas pelas mães e pessoas de outros lugares, quando viajam para a região amazônica ficam

1Discente do programa de Mestrado PPGED- UEPA. Email: [email protected]

impressionados com a riqueza de histórias que existem e que contam seus habitantes, principalmente nas cidades mais afastadas dos grandes centros urbanos. Segundo Bentes e outros (2009: p. 11), As lendas Fazem parte do imaginário amazônico. São mantidas por longas datas na oralidade, algumas transformadas em textos escritos, o que ocasionou uma breve perda da graça do contar, melhor seria se fosse guardada em vídeos para garantir a expressão do narrador, dos seus gestos de recriação da realidade, com as características que o contar provoca em nossas mentes: o recriar de personagens misteriosos, como o boto, o curupira, os índios, as plantas, os animais, os pescadores, as moças do interior, as mutações de gente que se transforma em animais irracionais e estes que se transformam em gente. São estas lendas que precisam ser transformadas de uma língua oral para uma outra, que realizada no espaço, em que se utiliza a mão e o corpo como instrumentos de produção e o olhar como instrumento de recepção. Mas também pensamos (nós a equipe, eu José Anchieta, Carina e Joaquina) nas pessoas cegas que querem ler estas histórias ou até querem aprender a ler a partir destas: produzimos uma versão em Braille. E para que os videntes e ouvintes também tivessem acesso, também produzimos o texto em tinta. Mas queremos que videntes e ouvintes façam uma espécie de inclusão ao inverso, propiciando que busquem aprender a Língua de Sinais e se incluir nos grupos de surdos, consiga interagir com o surdo, em Libras. Passo a seguir a descrever o processo de elaboração de um material que pretende ser uma tradução intercultural das lendas amazônicas. Esta comunicação mostra o processo de elaboração de um vídeo bilíngue (Libras, Língua Portuguesa), da produção de um livro em Língua Portuguesa e da produção de um livro em Braille. Antes, conceituo o que é tradução intercultural, cultura surda, língua de sinais, Braille.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS Para melhor compreensão do trabalho de tradução intercultural, alguns conceitos precisam ser explicitados. Por tradução intercultural entende-se o procedimento de criar compreensão e interpretação entre diferentes grupos e comunidades, com diferentes formas de percepção. A tradução de um texto é “um ato de produzir um texto da língua de partida para uma língua de chegada” (LAMAS, 2000, p. 485, verbete tradução). E intercultural envolve várias culturas, com vistas a uma discussão produzida que favoreça a união e o alcance de objetivos produzidos nessa discussão. Considera-se que os surdos façam parte, quando estão organizados, de uma comunidade que está em relação com outras comunidades. No caso, a comunidade surda faz interseção com a comunidade de ouvintes e previsivelmente é possível que se estabeleça uma tradução intercultural entre essas duas comunidades. Isso porque a língua que o surdo usa não é a mesma que o ouvinte usa, é preciso estabelecer uma tradução de uma para outra, respeitando os aspectos culturais de cada uma. A cultura surda são as pessoas que se comunicam pela Língua de Sinais, que conhecem o mundo pela Língua de Sinais, que é uma cultura diferente, constituindo a identidade surda. A Língua de sinais é uma língua de modalidade visual que, por meio de movimentos feitos pelas mãos no espaço, expressam significados. Esta tem, como qualquer língua, uma gramática expressa por configurações de mão, movimentos, ponto de articulação e expressões faciais e corporais. O Braille é um sistema de leitura com o tato para cegos inventado pelo francês Louis Braille. O sistema de Braille aproveita-se da sensibilidade tátil do ser humano, que com seus dedos consegue distinguir cada ponto saliente impresso no papel, que representa uma letra, um número ou qualquer símbolo individual. Um cego experiente pode ler duzentas palavras por minuto (USP, 2004). Basicamente, o projeto, que foi financiado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) por meio do Núcleo Pedagógico de Apoio ao Desenvolvimento Científico (NPADC) em parceria com a Universidade da Amazônia (UNAMA), Universidade do Estado do Pará (UEPA), Centro de Ensino Superior do Pará (CESUPA) e Secretaria de Estado de Educação (SEDUC).

METODOLOGIA Tudo começou quando a professora Joaquina Nogueira e o professor José Anchieta convidaram o ator surdo Flavio Matheus para fazer um livro regional sobre lendas da Amazônia. Esse livro seria acompanhado de um DVD que seria em Língua de Sinais e ainda seria traduzido para o Braille. Parti então para recriar as 10 lendas amazônicas, a saber: 1) Açai; 2) Boto; 3) Curupira, 4) Guarana, 5) Mandioca, 6)Matinta Perera, 7) Peixe boi, 8) Tamba tajá, 9) Vitoria regia 10) Yara,

Estas lendas foram escolhidas por se achar que são as mais populares e as mais acessíveis no momento em livros e na internet. O Flavio Matheus e eu a professora e interprete Carina Mota recriamos as lenda amazônicos. Os passos foram os seguintes: O Flavio visualizou alguns vídeos na internet, particularmente Pavani (2006) e consultei o livro Mello e Lanzellotti (s/d). O Flavio e eu a Carina pesquisamos sobre lendas. Sabíamos que não podíamos simplesmente copiar as histórias dos livros e sites da internet, pois tinha que fazer adaptações de linguagem, de lugar e de sentido. Para esta transcrição, utilizou algumas convenções do sistema de transcrição da Libras. Este sistema utiliza notações de palavras do português associado a outros símbolos gráficos para representar os sinais da Libras. Foi a partir deste que se fez a filmagem. Ou seja, eu o Flavio lia no computador, a certa distância e interpretava o texto em Libras. Neste processo, se filmou em um estúdio a lenda do boto e mais as outras nove, a fim de preparar o DVD. A filmagem ocorreu como se estivesse filmando o teatro, com apenas um personagem em cena que conta e interpreta a história, desta feita em Língua de Sinais. Este DVD será legendado para português: outra tradução intercultural, feita pela Carina, juntamente com o editor. Relato a seguir a tradução desta versão de transcrição para o português, realizada pelo professor José Anchieta Bentes. Para isso, se utilizou a adaptação da língua, preenchendo categorias vazias, completando frases, passando do verbo no infinitivo para a forma flexionada, acrescentando artigos, preposições, mas sem perder a coerência da história, o seu enredo (BENTES, comunicação oral). CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta comunicação descrevemos como fazer uma transcrição cultural da Língua Portuguesa para a Língua de Sinais e desta para a escrita da Língua de Sinais e de volta para a Língua Portuguesa. Este trabalho apresentou um amplo panorama das diversas possibilidades de como isso pode ser feito e pretende contribuir para a um melhor ensino de surdos em sala de aula. De forma sucinta, o roteiro desta transcrição obedeceu aproximadamente a: 1) Uma pesquisei na internet.

2) A leitura de livros de lendas. 3) A criação de uma versão em Libras que foi transcrita pela intérprete, a Carina. 4) A passagem da transcrição da Libras para o Português padrão, feita pelo prof. Anchieta. Em geral, esses passos de transcrição, com essa metodologia são instrumentos de auto- avaliação e aprendizagem para se saber como trabalhar com duas ou mais culturas diferentes, como passar o texto de uma língua para outra, o que precisa ser feito e como melhor atender às educacionais, na produção de materiais didáticos, para que se melhore o ensino de Libras e de Língua Portuguesa. Por enquanto, não podemos pecar pelo excesso e pela euforia, mas também não desconsiderar as possibilidades de uso deste material em sala de aula, e a importante potencialidade de uso que ele oferece. É preciso ter em mente que é preciso também mudar a sistemática de ver o ensino de língua, de admitir a necessidade de uso da Língua de Sinais em sala de aula e de melhorar os instrumentos de ensinar do professor, mudando sua prática pedagógica. Estou ou melhor, estamos apenas começando uma longa etapa de produção de material didático que atenda as necessidades da sala de aula. E como sugere o material: Boas visões, boas leituras! Que consigam fazer novas recriações e manter vivo o contador e as histórias do imaginário amazônico.

REFERÊNCIAS: BENTES J. A. O.; NASCIMENTO F. M. G.; SILVA M. J. N.; MOTA C. da S. Mãos que contam: uma versão trilíngue e em Braille dos contos amazônicos. Belém-PA: EdUFPA, 2009 (No prelo). LAMAS, E. P. R. (Coord.) Dicionário de Metalinguagens da Didáctica. Porto, Porto Editora. 2000. USP. Braille Virtual 1.0. Universidade de São Paulo. Brasil - Agosto de 2004. Disponível em Acesso em 14 de set 2009. SIGNWRITING SITE. SignWriting Acesso em 14 de set 2009

PAVANI, M. O boto: juro que vi. Vídeo do You Tube 20 de agosto de 2006. Disponível em . Acesso em 02 de mar 2009. PAVANI, M. O Curupira. Vídeo do You Tube 9 de julho de 2006. Disponível em . acesso em 2 mar 2009. PAVANI, M. Iara: Juro que vi. Disponível em . Vídeo do You Tube. 20 de agosto de 2006. Acesso em 02 de mar 2009. MELLO, A. e LANZELLOTTI, J. Estórias e Lendas da Amazônia. Antologia ilustrada do folclore brasileiro. São Paulo: Ed. Iracema. s/d. SIGN-NET. Site do Projeto SignNet, 2006. Disponível em . Acesso em 11 set. 2009. FELIPE, T. A. Libras em Contexto: curso básico. Brasília: Programa Naional de Apoio à Educação dos Surdos. MEC: SEESP, 2001.

ALFABETIZAÇÃO DE SURDOS: QUAIS SABERES SÃO NECESSÁRIOS?

Ana Rosa Vilhena de Souza1 Leilane Fernanda das Dores Monteiro2 José Anchieta de Oliveira Bentes3

RESUMO Esta pesquisa discute avanços teóricos relativos à metodologia de ensino, à aprendizagem, ao estudo dos instrumentos e aos objetos de ensino de alunos surdos. Visa descrever e compreender os saberes necessários para se alfabetizar surdos em sala de aula pela interação dos três componentes do sistema didático: o professor, os alunos e os objetos a ensinar. O foco são os estudantes surdos das séries iniciais, no processo de alfabetização, pois, é neste momento que se apresentam as possíveis dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita. A pesquisa foi realizada no Instituto Felipe Smaldone no mês de novembro do ano de 2013, por meio dos pressupostos da Pesquisa Colaborativa em educação, procurando analisar todo o processo de intervenção didática utilizados pelos professores para servir de proposta para trabalhos didático-pedagógicos em formação inicial e continuada na escola. O artigo está organizado a partir de um breve relato histórico do Instituto Felipe Smaldone e de uma descrição do que ele oferece para o ensino primário da pessoa surda, os quais contextualizam a análise dos saberes necessários do docente para alfabetizar uma criança surda. Os resultados das entrevistas realizadas com as professoras do 1º ano e professoras da sala do projeto de letramento, indicam as dificuldades que elas encontram para alfabetizar uma criança surda, muita das vezes por não terem conhecimento dos saberes necessários. Os resultados podem contribuir amplamente para a organização da alternância entre a teoria e a prática em formação inicial e formação continuada dos professores. Palavras-chave: Alfabetização de surdos. Trabalho Docente. Objetos de ensino.

1 INTRODUÇÃO A partir dos progressos teóricos e de uma posição crítica em relação aos certos discursos ideológicos – valores, crenças e opiniões correntes – as investigações sobre informação a aprendizagem dos alunos com deficiência tomaram desde os anos de 1980 um novo desenvolvimento. De fato, os avanços significativos na elaboração de projetos, parâmetros e documentos oficiais, nos últimos trinta e quatro anos, começaram a organizar um saber rigoroso dos objetos ensinados – postos nos livros didáticos e em textos teóricos especializados para orientar as práticas do professor. Posto estes argumentos, elaboramos algumas razões específicas pelas quais nos levaram a realizar esta pesquisa sobre os saberes necessários ao trabalho de alfabetização de surdos na prática escolar.

1 Graduanda em Letras Libras pela Universidade do Estado do Pará. E-mail: [email protected] 2 Especialista em Educação Inclusiva pela faculdade Ipiranga [Graduada em Letras Língua Portuguesa pela universidade do Estado do Pará e Estudante de Graduação em Licenciatura em Letras Libras pela Universidade do Estado do Pará]. E-mail: [email protected] 3 Doutor em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (PPGEES-UFSCAR-SP). Mestre em Letras: Linguística pela Universidade Federal do Pará). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED-UEPA). E- mail: [email protected]

Postas as razões, passemos para os passos metodológicos. Foram realizadas observação no Instituto Felipe Smaldone, a partir do projeto: “Expressando o mundo através das línguas” com professoras do 3º ano do ensino fundamental – tendo em média 13 alunos –, e com professoras do 1º ano, tendo em média 08 alunos. Do total foram quatro professoras pesquisadas. Em síntese: será abordado a seguir em que consiste o trabalho dessas professoras do Instituto Felipe Smaldone, nas series iniciais, indo do Maternal até o 4º ano, sendo uma Instituição voltada para a alfabetização da pessoa surda, tendo como referencial teórico- metodológico autores como: Vygotsky (1993), Bakhtin (2004), Flusser (2010), Rojo (2009) e Mello (2001) que nos ajudaram a descobrir os saberes necessários para alfabetização de crianças surdas.

2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO Ao falarmos sobre o trabalho da Alfabetização de crianças surdas, não podemos esquecer a raízes genéticas do pensamento e da linguagem indicam que “o progresso da fala não é paralelo ao progresso do pensamento” (VYGOTSKY, 2008, p. 41). Segundo esse autor o processo da fala na criança ocorre da seguinte forma: [...] É preciso considerarmos várias hipóteses e chegarmos à conclusão de que a fala interior se desenvolve mediante um lento acumulo de mudanças estruturais e funcionais; que se separa da fala exterior das crianças ao mesmo tempo em que ocorre a diferenciação das funções social e egocêntrica da fala; e, finalmente, que as estruturas da fala dominadas pela criança tornam-se estruturas básicas de seu pensamento (VYGOTSKY, 1993, p. 62).

Vygotsky explica sobre o desenvolvimento dos conceitos científicos na infância e como é realizado esse trabalho para as crianças, porém surgem algumas perguntas: “O que acontece na mente da criança com os conceitos científicos que lhe são ensinados na escola? Qual é a relação entre a assimilação da informação e o desenvolvimento interno de um conceito cientifico na consciência da criança?” (VYGOTSKY, 1993, p. 103). Ao falarmos da criança surda, se observa a grande dificuldade que a mesma terá para desenvolver a leitura e a escrita em seu desenvolvimento escolar, presumimos que crianças provindas de famílias fluentes em Língua de Sinais (LIBRAS) têm uma dificuldade menor devido os conceitos desta Língua serem apresentados para elas desde cedo, e elas podem tirar dúvidas e se comunicam sem muitas dificuldades em comparação com aquelas crianças surdas que não oralizam e não são fluentes em LIBRAS, vivendo rodeadas de pessoas ouvintes, não tendo a oportunidade de ter contato com pessoas surdas. Bakhtin (2004, p. 93) explica que “O processo de descodificação (compreensão) não deve, em nenhum caso, ser confundido com o processo de identificação. Trata-se de dois processos profundamente distintos. O signo é descodificado; só o sinal é identificado”. O autor trabalha com um mundo em movimento e em perene transformação, seu objeto está sempre em processo, não se submete a uma forma fixa e imutável. E é exatamente por isso que este autor não aceite que uma língua seja um conjunto de formas (signos) e suas regras de combinação (sintaxe). Da mesma forma, tem-se que o conceito de alfabetização não é simplesmente o estado ou condição de quem sabe ler e escrever, mas é muito complexo, por isso, começou-se a falar em níveis de alfabetismo, ou seja, letramento é diferente de alfabetismo. Segundo Rojo (2009, p. 76): “Alfabetizar-se, conhecer o alfabeto, envolvia discriminação perceptual (visão) e memória dos grafemas (letras, símbolos, sinais), que devia ser associada, também na memória, a outras percepções dos sons da fala (fonemas)”. Conforme o que a autora afirma sobre esse processo de alfabetização, o indivíduo poderá chegar a uma fluência de leitura, entretanto, seguindo essa teoria, observa-se que as capacidades focadas eram as de decodificação do texto, sendo esse muito importante para o acesso à leitura. E o que falarmos da leitura e escrita dentro das escolas? Rojo (2009, p. 74) explica um pouco sobre o que é a escola dentro desse contexto da leitura e da escrita. A escola é um universo de cultura escrita, e podemos nos perguntar se os meios populares não se distinguem entre si do ponto de vista de sua relação com a escrita. Por detrás da similaridade aparente das categorias sócio-profissionais, talvez se escondam diferenças, abismos sociais na relação com a escrita, diferentes frequências de recurso a práticas de escrita e leitura, diferentes modalidades de uso da escrita e da leitura, diferentes modos de representação dos atos de leitura e de escrita, diferentes sociabilidades em torno do texto escrito (ROJO, 2009, p. 74).

Caracterizando a leitura, temos diversos saberes necessários, a saber: a decodificação, a compreensão e a interpretação. A decodificação, pode-se dizer que começa a partir dos grafemas – da escrita –, devendo ser associado à memória e a outras percepções – visão, audição – dos sons da fala – fonemas – uma vez construídas essas associações, a pessoa poderia a partir daí chegar a formar sílabas até chegar à formação de uma palavra, partindo de palavras para poder construir frases e assim por diante até formar parágrafos e por fim, a um texto, sendo denominado todo esse processo de fluência de leitura, isso leva a conclusão que a decodificação é um saber muito utilizado no aprendizado da leitura e também da escrita. São capacidades de decodificação: saber a diferença entre a escrita e outros símbolos; as convenções – o ajuste ou determinação sobre um assunto ou fato, etc. –, conhecer o alfabeto; saber a relação grafema e fonema; decodificar palavras (sílabas); reconhecer palavras e a sacada do olhar – como olhamos as palavras, geralmente olhamos a primeira e a última sílaba (ROJO, 2009). Já a compreensão abrange um segundo agrupamento de saberes necessários para a leitura e a escrita, como posto por Rojo (2009, p. 77): “Posteriormente, passou-se a ver o ato de ler como uma interação entre o leitor e o autor. O texto deixava pistas da intenção e dos significados do autor e era um mediador desta parceria interacional”. São capacidades de compreensão: 1) Ativação de conhecimentos de mundo: o leitor, durante a leitura costuma colocar em relação seu conhecimento de mundo, procurando sempre comparar com o que o autor utiliza em seus textos;

2) Antecipação ou predição de conteúdos ou de propriedades dos textos: o leitor, conforme está lendo determinado conteúdo, cria hipóteses, esta estratégia opera durante toda a leitura;

3) Checagem de hipóteses: devido essas hipóteses do leitor, ele irá ver no decorrer do texto se suas hipóteses estão certas ou se tomarão outro rumo, podendo gerar novas hipóteses mais adequadas para o leitor;

4) Localização e/ou retomada (cópia) de informações: o leitor busca informação dentro do texto, sejam essas, citações, para depois poder comparar com outros textos e/ou utilizar para acrescentar em outros escritos, enfim, com certa finalidade de reorganizar posteriormente;

5) Comparação de informações: para construir o texto que está lendo, para chegar a uma determinada hipótese, o leitor compara o que está lendo com outros textos ou com seu conhecimento de mundo;

6) Generalização (conclusão geral sobre fato, fenômeno, situação-problema, etc.): após análise de informações pertinentes, esta generalização é feita pelo leitor através da síntese exercida sobre enumerações, exemplo, explicações, repetições, etc.;

7) Produção de inferências locais: quando o leitor se depara com alguma palavra desconhecida, geralmente exercerá estratégias inferenciais, isto é, descobrirá, pelo contexto imediato do texto e pelo significado anteriormente já construído, novo significado para esse termo, até então desconhecido, ou o leitor tentará chegar mais próximo do verdadeiro significado daquela palavra;

8) Produção de inferências globais: o texto tem seus implícitos ou pressupostos que também tem de ser compreendidos em uma leitura efetiva.

Em relação à Interpretação, observa-se que o leitor, como explicado anteriormente, deverá decifrar a escrita, logo depois entender a linguagem encontrada no texto, em seguida decodificar todas as implicações que o mesmo tem e, finalmente, refletir sobre isso e formar o próprio conhecimento e a opinião a respeito do que leu. O que acontece é que fomos conhecendo cada vez mais a respeito dos procedimentos e capacidades envolvidos no ato de ler, ou seja, o simples ato da leitura não consiste apenas em decodificar palavras, ou fazer uma leitura corrida, sem respeitar as pontuações e regras gramaticais, ou fazer uma leitura mecânica, implica compreender o que esse texto tem a nos dizer e interpretá-lo através dos nossos conhecimentos de mundo, procurando aprender mais com o que lemos. As observações em sala foram feitas primeiramente na sala do 3º ano, sendo as professoras entrevistadas: Lourdes e Socorro, no período de novembro de 2013. No segundo momento foi à sala do 1º ano – antiga alfabetização – e as professoras entrevistadas foram: Silvana e Walena, no período de janeiro/fevereiro de 2014.

3 OS SABERES NECESSÁRIOS PARA ALFABETIZAR SURDOS

Antes de começarmos a pontuar os saberes necessários para a alfabetização do surdo, é preciso que primeiro conceituar a Alfabetização. Pode-se dizer que o ato de alfabetizar consiste em ensinar uma criança a ler e a escrever, esta é uma das primeiras ideias que vem em nosso pensamento. Entretanto, será que é tão simples o ato de ensinar a ler? Toda criança possui um esquema de assimilação que evolui de acordo com a etapa de desenvolvimento que atravessa, podendo essa etapa ser a partir do momento em que a criança agarra os objetos. Pode-se dizer que neste momento, a criança já começa a sua leitura em relação àquele objeto. A alfabetização deve ser entendida, pois, como um processo que se inicia com a criança pegando, vendo, “ouvindo”. Em relação à criança surda não se pode deixar de trabalhar os pequenos sons – ruídos – que algumas crianças ouvem – combinando e experimentando objetos. É fundamental, porém, compreender que ler e escrever constitui apenas uma etapa do desenvolvimento e que, sem uma sólida estrutura anterior – conhecimento de mundo da criança em relação à escrita – ela terá mais dificuldade de alcançar outros patamares de saber. Com isso, conclui-se que o ato de Alfabetizar é transformar, nomear as coisas do mundo real para uma variedade de modalidades – escrita, visual, tátil, auditiva, e de inúmeros movimentos do corpo. Passemos então para a descrição e análise dos saberes necessários.

4.1 ENTREVISTA NA SALA DO PROJETO A turma presente na sala do projeto “Expressando o mundo através das línguas” era constituída por alunos do 3º ano – tendo em média 13 alunos. Foram observadas duas professoras ouvintes: uma de Língua Portuguesa (Ieda) e a outra de Teatro (Lourdes) para trabalhar as expressões corporais dos alunos através da dança e do teatro e uma professora surda (Socorro). Observou-se nesta sala que os objetos de ensino são repassados para os alunos em slides, tendo essas atividades muitas figuras, objetos e poucos textos, geralmente as atividades de escrita são de completar as frases, substituir as figuras dos objetos e/ou animais pelos seus respectivos nomes, como fica evidente no recorte de entrevista 01 RECORTE 01: Então a gente começa com essa questão visual mesmo, imagens têm textos ele é visual e as palavras são escritas em português, é e partindo disso o que fala da língua de sinais. Também temos, paralelamente, temos aulas de línguas de sinais, que vão aprender sinais que eles não conhecem, então vamos estudar os animais, então eles vão aprender os sinais dos animais para poder contextualizar isso ou isso são paralelos do que vão acontecendo, a gente pega uma imagem de uma floresta onde tem vários animais a partir desse texto visual a gente explora a língua de sinais e depois o português, sempre, geralmente a ordem é a língua de sinais, nessa final de reta agora de novembro, nós estamos fazendo com que eles é, com que eles trabalhem muito mais a escrita mesmo, as escritas propriamente ditas no papel”. (LOURDES, Entrevista realizada em 13/11/2013).

Observa-se no comentário da professora o quarto saber que trata da fluência na Língua de Sinais, além de ser ressaltado pela professora que o ensino para a criança surda parte do visual – primeiro saber. Além disso, a professora enfatiza logo no final de seu argumento sobre o trabalho da escrita sendo o mais trabalhado no final do semestre. “O ato de escrever é simplesmente uma forma de imprimir as letras” (FLUSSER, 2010, p.63), ou seja, tem por finalidade registrar algo. RECORTE 02: Porque primeiro é trabalhado a LIBRAS e aqui na escola nós temos projetos e o projeto da 3ª serie é em cima de receitas então tudo é voltado pra receitas é trabalhado primeiro sempre a língua mãe deles a LIBRAS ai ele vem pra cá nós vamos explorar o texto, depois vai para o quadro pra interpretação, desce vamos fazer os docinhos, vamos fazer a pizza, fomos no supermercado fazer a compra desse material aí , além do projeto de sala existe outro projeto que é a professora de

libras, que é surda, de português que é a ideia e a de teatro que é a Lourdes, são as três então hoje de manhã eles passam a manhã todinha lá em cima aí tudo que é feito aqui em sala é reforçado lá em cima com elas então existe toda essa diferenciação (SOCORRO GOMES, Entrevista realizada em 01/11/2013).

Nesse trecho 02, observa-se o segundo saber que é a fluência na língua de sinais. Nota-se ainda a metodologia utilizada pela professora para repassar determinado conteúdo – neste caso é uma receita de pizza – e se observa também a estratégia de interpretação que ela utiliza para repassar esse conteúdo em LIBRAS.

4.2 ANÁLISE NA TURMA DO PRIMEIRO ANO Iniciamos descrevendo as observações feitas na sala do 1º ano e na sala onde ocorre a execução do projeto “Expressando o mundo através das línguas” – no momento da observação esta sala estava sendo composta por alunos do 3º ano. A turma do 1º ano é composta por 09 alunos, tendo 07 alunos surdos e 02 que apresentam outras deficiências, podendo ser autismo – ainda não se tem um diagnóstico. As professoras que trabalham nesta turma são: Silvana e Walena, pedagogas e com Especialização em Educação Especial. A metodologia utilizada pela professora Walena é fundada no visual, através de amostra de figuras e objetos. Ao perguntarmos como é feito o ensino da leitura e escrita para essas crianças, já que elas preferem conversar entre si utilizando a LIBRAS entre si e com as professoras preferem oralizar, observou-se segundo o argumento de uma das professoras: RECORTE 03: É porque na verdade alguns professores aqui professores de Libras, eles preferem começar primeiro a L2 (LIBRAS), né? No caso do surdo ele aprende primeiro a Libras para depois a L1 que para ouvintes é a Língua Portuguesa, tá? E muitos discordam, muitos professores pensam que primeiro deve ser realizado a L1 (Língua Portuguesa) e depois, vai ser visto a Libras, só que eu acho assim, que a gente tem/de acordo com a sua turma se você acha que pode primeiro a L1 – Português e depois a L2 a LIBRAS você pode fazer ou vice-versa, você pode, se a maioria da turma está mais entendida com a LIBRAS, aí você já começa com a Libras pra depois passar pra Língua Portuguesa porque você que está em sala de aula, você que sabe o nível que seu aluno tá, qual é que ele vai receber melhor? O entendimento dele no caso, né? Ai você segue esta linha (WALENA. Entrevista realizada em 05/02/2014).

A professora ressalta neste trecho que a L1 vem ser a Língua Portuguesa e a L2 vem ser a LIBRAS, entretanto ela partiu do pressuposto que a referência venha ser uma pessoa ouvinte porque se fosse à pessoa surda a L1 será a LIBRAS e a L2 será a Língua Portuguesa, isto fez com que a entrevistada se confundisse ao tentar explicar qual seria a melhor forma de ensinar e educar uma criança surda se era ensinando primeiramente a LIBRAS ou a Língua Portuguesa. Elas – as professoras - já trabalham desde cedo os artigos – A, O, AS, OS - por exemplo: “o cotonete”, “o creme dental”, “o papel”, “a toalha”, “o sabonete”, “a escova”, “o condicionador”; além disso, a professora escreve no quadro o significado de cada objeto: o creme dental - serve para os dentes; o sabonete - lavar o corpo; o talco - para ficar cheiroso; a toalha - para enxugar mãos e rosto; o condicionador - amaciar os cabelos e a escoa - pentear o cabelo. Porem a explicação dos significados dos objetos tornou-se muito superficial para os alunos porque os mesmos não conseguiram entender a oralização da professora Walena e pouco compreenderam os sinais em LIBRAS que ela fazia para explicar todos aqueles significados. Em outro momento (30/01/2014) na sala do 1º ano as professoras estavam revisando o conteúdo de higiene pessoal realizando atividades de escrever as palavras, completando as frases de acordo com os desenhos, exemplo: a) com a ESCOVA escovo meus dentes; b) com o SABONETE tomo banho; c) uso a TESOURA para cortar as unhas; d) com o PENTE penteio os cabelos. Entretanto isso acabou se tornando mais confuso para as crianças devido às mesmas terem outro conhecimento daqueles objetos, por exemplo, o sabonete não serve apenas para tomarmos banho, mas serve para lavar as mãos, o rosto, enfim tem outras funções, assim como a tesoura também tem outras funções. Segundo a professora Walena a metodologia e objetos de ensino utilizados dentro de sala de aula ocorrem da seguinte forma: RECORTE 04: A gente começa mostrando é:: figuras é:: assim da vivencia da criança a gente procura jogar pra sala de aula, a gente mostra objeto, tem que ser uma coisa bastante o concreto, o visual porque pra eles tem que ser nesse sentido. Então a gente começa mostrando, a gente faz bastante é:: a gente trabalha é/a gente procura fazer tudo de uma forma lúdica e tudo que a gente passa quando a gente está construindo essa leitura, essa escrita, a gente tenta passar assim de uma forma lúdica, mostrando e a gente desenvolve essas atividades, e vamos mostrando as letras e os objetos depois já passa pra é:: palavras também, tudo que a gente focar que for dado pra eles, se for pra construir uma palavra, uma sílaba, uma palavra, um nome, tem que ser mostrado o concreto o objeto e aí a gente vai fazendo, buscando outras metodologias né? A gente usa muito o alfabeto móvel, a gente costuma usar porque eles começam a/eles passam pra leitura através desse objeto que a gente tem que é o alfabeto móvel, a letrinha que a gente mesmo faz, cada um tem o seu e que é trabalhado todo dia com eles, então da feita que a gente começa a passar no quadro, né? Então a gente começa a trabalhar com o nome deles desde quando eles chegam na escola, então

cada um tem a sua pastinha, e eles vão construindo, vão vendo, e ao mesmo tempo que eles vão construindo eles vão aprendendo, tendo contato, né? Então através do visual e o contato que eles têm, eles vão construindo ali na sua mesinha, tá? E depois desse processo que eles fazem com o alfabeto móvel eles passam a passar pro caderno aquilo que eles estão construindo. Tem aquela fase também que eles vão pra/que é a:: caligrafia é uma coisa que a gente não deixa, tem pessoas que dizem: “a porque é antiga”, mas é necessário pra eles, então a gente vai fazendo esses momentos aí. E a gente ver que eles conseguem resultados. (WALENA. Entrevista realizada em 05/02/2014).

No início dessa entrevista, observa-se que o saber utilizado para a realização das atividades é o visual, ou seja, o primeiro saber, devido à utilização de figuras, objetos, e a entrevistada dá ênfase à importância do visual. Quando ela explica a utilização diária do Alfabeto Móvel – letras do alfabeto, peças soltas – para o desenvolvimento da leitura desse aluno surdo tem-se aí o segundo saber que relata sobre a utilização de instrumentos, objetos de ensino. Entretanto ela relata sobre a escrita, ou seja, o registrar no caderno essas atividades, os alunos olham para as figuras e tem que escrever o nome daquele objeto, uma cópia, uma repetição, escrever o que já está escrito. “O gesto de escrever não se orienta diretamente contra o objeto, mas indiretamente, por meio de uma imagem, ou seja, por meio da transmissão de uma imagem” (FLUSSER, 2010, p. 36). Já a professora Silvana explica um pouco como são utilizados e trabalhados os objetos de ensino: RECORTE 05: Olha geralmente se apresenta para o aluno em LIBRAS determinado objeto e depois a gente faz a dramatização, depois a datilologia para que ele possa se apropriar dessa escrita. E para incentivar esses alunos, geralmente os textos, nós trabalhamos através de dramatização e o teatro continua nesse mesmo foco. Geralmente eu peço, por exemplo: FLOR, eu já mostrei para ele o sinal, já oralizei e já mostrei à imagem, agora, a gente vai aprender como é na escrita, ai eu faço em datilologia F-L-O-R. Ai a partir daí você pode trabalhar uma frase, pode montar um texto. Primeiro nós fizemos a datilologia do alfabeto, depois eles tinham que levantar e escolher a letra porque tem criança que não identifica que ainda não sabe usar os dedinhos, as mãos, mas eu percebo que eles estão se apropriando mais (SILVANA. Entrevista realizada em 07/02/2014).

Neste trecho da entrevista 05, a professora começa dando ênfase no quarto saber sobre a fluência na Língua de Sinais e quais as metodologias que ela utiliza para que os alunos se apropriem da LIBRAS como sua primeira língua a L1. O primeiro saber que é o visual é apresentando nas atividades e a entrevistada explica como são realizadas essas atividades através do visual de apresentação de imagens, figuras, objetos. No final da entrevista, a professora explica o processo de formação de palavras para chegar à formação de uma frase, através do conhecimento do alfabeto, reconhecimento das letras que os alunos têm saber decodificar palavras, esses são as características do quinto saber que é as capacidades de leitura, mas neste caso é apenas a decodificação. Uma vez construídas essas associações, uma vez alfabetizado, o indivíduo poderia chegar da letra à silaba e à palavra, e delas, à frase, ao período, ao parágrafo e ao texto, acessando assim, linear e sucessivamente, seus significados. [...] Nessa teoria, as capacidades focadas eram as de decodificação do texto, portal importante para o acesso à leitura, mas que absolutamente não esgotam as capacidades envolvidas no ato de ler (ROJO, 2009, p.76).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das experiências vivenciadas nas salas do Instituto Felipe Smaldone, pode-se concluir que os saberes necessários utilizados pelas professoras para alfabetizar uma pessoa surda, são: 1º) O aprendizado da criança surda parte do Visual, oral, sinais e escrita, a partir de uma variedade de: a escrita alfabética não se torna importante para a alfabetização do surdo, quando o entendimento parte do visual. Os procedimentos metodológicos utilizados pelas professoras partem da imagem de certo objeto, depois para a datilologia fazendo com que o aluno conheça as letras (escrita) que correspondem ao nome do objeto (palavra) e depois disso partem para o sinal em Libras do objeto apresentado; 2º) Os equipamentos e/ou instrumentos – livros, revistas, computadores, etc. – são essenciais no processo de aquisição; 3º) As necessidades, os conhecimentos prévios e as características dos alunos são necessárias para a aquisição da escrita; 4º) A fluência em Língua de Sinais é um requisito para o processo, sobretudo pelo professor; 5º) As técnicas de ensinar os fonemas do falar é um conhecimento imprescindível. As estratégias de Decodificação, Compreensão e Interpretação que são características da Alfabetização é outro conhecimento imprescindível. Existe vários outros saberes para se trabalhar no processo de aquisição e de alfabetização, porém foram apresentados apenas os saberes que as professoras entrevistadas utilizaram para realizar seu trabalho. Observa-se que foi usado neste artigo o conceito de alfabetização para designar o conjunto de competências e habilidades ou de capacidades envolvidas nos atos da escrita da criança surda e também no aprendizado da leitura, conjunto esse que se diferencia e particulariza de um para outro indivíduo, de acordo com sua pratica social e história.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail; VOLOCHINOV, Valentin Nikolaevich. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. SP: Hucitec, 2004.

FLUSSER, Vilém. A escrita – Há futuro para a escrita? São Paulo: Annablume, 2010.

MELLO, Maria Aparecida. A atividade mediadora nos processos colaborativos de educação continuada de professores: Educação Infantil e Educação Física. São Carlos, Programa de Pós- Graduação em Educação, UFSCar, 2001, tese de doutorado.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

1

ANÁLISE POLIFÔNICA DO ROMANCE O DUPLO DE DOSTOIÉVSKI

Aurenice Roseane Costa Roxo (Graduanda - UEPA) Email: [email protected] José Anchieta de Oliveira Bentes (Prof. Dr. UEPA) Email: [email protected]

RESUMO A polifonia, “[a] multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis” é peculiar nas obras de Dostoiévski, criador do romance polifônico (BAKHTIN, 2011, p.4). Particularmente em O Duplo pode-se observar a presença de vários discursos na fala de um único personagem: Goliádkhin. A questão principal da pesquisa é observar a polifonia no discurso da personagem principal da obra, objetivou-se nesta pesquisa com destaque para a autoconsciência do herói e a forma como ele lida com a rejeição por parte daqueles com os quais convive e com a autorrejeição e o seu esforço excessivo para ser aceito em um meio que o rejeita, levando-o a substituir com sua própria voz a voz de outras pessoas e chegando ao extremo de inventar o duplo. Os resultados da análise indicam que a intriga de Goliádkin, herói do romance, com o seu duplo desenvolve-se como crise dramatizada de sua autoconsciência, e se baseia na tentativa de Goliádkhin de substituir o outro para si mesmo, tento em vista o não-reconhecimento total de sua personalidade pelos outros. Sua consciência simula segurança e autossuficiência. A ação não ultrapassa os limites da autoconsciência, pois apenas os elementos isolados dessa autoconsciência são personagens. Atuam três vozes, nas quais decompôs-se a voz e a consciência de Goliádkin: o seu „eu para si mesmo”; o seu fictício “eu para o outro”; a voz do outro que não o reconhece (BAKHTIN, 2003, p. 396). Palavras-chave: Polifonia; Autoconsciência Do Herói; Aceitação; Rejeição.

1 INTRODUÇÃO Nossa pesquisa pretende verificar indícios de polifonia na obra “O duplo” de Dostoiévski, tomando como referencial a teoria polifônica de Bakhtin e Voloschinov. A polifonia será considerada a partir da multiplicidade de pontos de vista, de vozes e de mundos expressa pelo personagem principal da obra, o Senhor Golyádkin. Nossa intenção de pesquisa é desvendar as possíveis intenções ao utilizar a polifonia no personagem principal da obra. Relacionado a este objetivo, também verificaremos os posicionamentos do personagem principal com sua autoconsciência e da forma como este lida com a rejeição por parte daqueles com os quais convive, com atitudes de aceitação ou rejeição. Trata-se da análise de uma obra que é considerada o laboratório de todos os grandes romances dostoievskiano. O romance “O duplo” foi publicado no início de 1846 e trata da duplicidade, estado em que se alojam atitudes opostas ou antagônicas. É possível – muitos críticos literários dizem isso – que o romance tem conotações biográficas, em função do sofrimento de Dostoiévski a uma espécie de doença similar a epilepsia. Na obra o autor traça as características do personagem Golyádkin. Este é conselheiro 2 titular, pertencente à nona classe na escala burocrática, por isso, não tem possibilidade de ascensão social. Possui um criado, sofre de solidão e é classificado como isolado e instável. Golyádkin vive das relações burocráticas, objetiva ascender socialmente, ter amigos e pretende a mão de Clara Olsúfievna, filha de Olsufi Ivánovich, personagem que tem a patente de Conselheiro de Estado, alto dignatário, portanto de classe superior, distinta da de Golyádkin. Na primeira parte da obra, Golyádkiin vive em devaneios, vai à casa de Olsufi Ivánovich, vai ao médico, é expulso da casa de Beriendeiev, encontra seu duplo. Na segunda parte Golyádkin encontra o seu duplo no cais da Fontanka, o encontra novamente na repartição, acolhe-o e hospeda-o em sua casa. O sósia sempre faz intrigas e ascende socialmente, o “principal” comete loucuras, é substituído na repartição, ficando sempre em dúvidas sobre o que fazer e tendo resignação de que tudo pode mudar. Por fim, depois de ficar um tempo atrás de uma pilha de telhas escondido, é visto, falsamente acolhido e levado pelo médico para fora do convívio social. Passaremos a seguir, no item dois, para a análise das categorias polifonia e no item três os indícios da autoconsciência do herói de aceitação e de rejeição.

2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA POLIFONIA Um primeiro problema é a conceituação de polifonia, que não aparece explicita nesses autores e que foi “reformulada” pela pragmática linguística, particularmente por Ducrot. Ducrot (1987) conceitua a polifonia nos termos de um sujeito falante – um locutor – que produz materialmente um enunciado, imputando responsabilidade por esse enunciado a outro sujeito. No caso, a polifonia seria o discurso citado deste sujeito, não necessariamente presente no ato discursivo. Diferentemente deste conceito, temos a concepção bakhtiniana e voloschiniana que afirmam que o romance dostoievskiano possui pelo menos três características (BAKHTIN, 2010) que o remetem a ser um romance polifônico, em que em cada romance de Dostoiévski existe: a) uma multiplicidade de mundos; b) uma multiplicidade de vozes; e c) em cada voz um ponto de vista do mundo. Sendo assim, o conceito de polifonia pragmática estaria restringido ao item “b”, ao citar o discurso alheio, a fala de um terceiro, de um outro enunciador. 3

A polifonia, enquanto multiplicidade de vozes, muitas das vezes se confunde com o próprio conceito de dialogismo expresso por Bakhitn; Voloschinov (2004) – como incorporação do discurso alheio – quando um enunciado mantém relação com outros enunciados anteriormente proferidos. É preciso dizer que outro conceito de dialogia é o que considera como ação entre interlocutores, implicando pelo menos dois interlocutores, sendo concebido em função de um determinado objetivo, exigindo um contexto pragmático e demandando uma resposta. Isso posto, Dostoiévski, que conforme Bakhtin (2010, p. 39) é o “criador da autêntica polifonia” que se caracteriza, segundo Bezerra (2005) por apresentar o gênero romance como algo em formação, com personagens e heróis inconclusos, sempre em evolução, não acabados, em constante diálogo. Vejamos um pouco mais cada uma dessas características da polifonia. A primeira é que no romance polifônico há uma multiplicidade de mundos, o que Implica não ser monológica, um discurso único, definitivo, que se fecha às réplicas, é autoritário e não acolhe a palavra do outro, constituindo uma única voz, quando o interlocutor não pode, não tem nada a dizer ou quando não tem o direito de dizer. Nos termos de Bakhtin, o monologismo nega o direito de participação na interação, nega a existência da consciência do “outro”: O monologismo nega ao extremo, fora de si, a existência de outra consciência isônoma e isônoma-responsiva, de outro eu (tu) isônomo. No enfoque monológico (em forma extrema e ou pura), o outro permanece inteiramente apenas objeto da consciência e não outra consciência. Dele não se espera uma resposta que possa modificar tudo no mundo da minha consciência. O monólogo é concluído e surdo à resposta do outro, não o espera nem reconhece nele força decisiva. Passa sem o outro e por isso, em certa medida, reifica toda a realidade. Pretende ser a última palavra. Fecha o mundo representado e os homens representados (BAKHTIN, 2003, p. 348, ênfase adicionada).

No caso do romance monológico, o autor é a autoridade máxima, que tem o poder de expressar uma única verdade, transmitida por meio de um ou de vários personagens, uma vez que “a verdade do autor permeia toda a estrutura da obra, que não pode ser compreendida sem ela” (MORSON; EMERSEN, 2008). Em se tratando da obra de Dostoiévski, Bakhtin afirma que [...]não há um discurso definitivo, concluído, determinante de uma vez por todas. Daí não haver tampouco uma imagem sólida do herói que responda à pergunta: „quem é ele?‟ [...] No mundo de Dostoiévski não há discurso sólido, morto, 4

acabado, sem resposta, que já pronunciou sua última palavra (BAKHTIN, 2010, p. 291-292, ênfase adicionada).

A multiplicidade de vozes, a polifonia, o discurso de outrem pode ser extraído no prólogo de Marxismo e Filosofia da Linguagem [...] a questão do discurso citado, tem ele mesmo uma significação profunda que vai muito além do quadro da sintaxe. Vários aspectos essenciais da criação literária, o discurso do herói (a estruturação do herói de maneira geral), o „Skaz‟ [narrativa em primeira pessoa, frequentemente num estilo popular] a estilização, a paródia, nada mais são do que refrações diversas do „discurso de outrem‟. É, portanto, indispensável compreender esse tipo de discurso e as regras sociológicas que o regem para analisar de maneira fecunda os aspectos da criação literária acima citados (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2004, p. 27):

Na conceituação bakhtiniana, a polifonia implica uma multiplicidade de mundos, uma multiplicidade de vozes e o fato de que em cada voz um ponto de vista do mundo. Nos seus termos: Em primeiro lugar: [...] uma multiplicidade de mundos; [...]. Em segundo lugar [...] pressupõe uma multiplicidade de vozes plenivalentes nos limites de uma obra, pois somente sob esta condição são possíveis os princípios polifônicos de construção do todo. Em terceiro lugar [...] são pontos de vista acerca do mundo [...] (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2010, p. 38-9):

Vejamos alguns trechos da obra que demonstrem essa conceituação. Trecho (1): Eu, Crestian Ivanovitch – continuou o senhor Golyádkin [...] eu, Crestian Ivanovitch, gosto da tranquilidade e não do burburinho da alta sociedade. Lá entre eles, digo, na alta sociedade, Crestian Ivanovitch, é preciso saber fazer raparés [...] lá se cobra isso, e também se cobram trocadilhos... capacidade de fazer elogiosinebriantes... é isso que lá se cobra. Mas isso eu não aprendi, Crestian Ivanovitch, não aprendi esses artifícios; faltou-me tempo. Sou um homem simples, sem rebuscamentos, e sem brilho externo. (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 23-4).

Trecho (2): Ocorre que a esta altura ele [Golyádkin] se encontrava numa situação muito estranha, para não dizer mais. Ele, senhores, também está aqui, quer dizer, não no baile, mas é quase como se estivesse no baile [...] ele, senhores, está num cantinho, esquecido num cantinho que, mesmo não sendo dos mais aconchegantes, em compensação é mais escuro, está em parte encoberto por um armário imenso e velhos biombos, no meio de detritos, trastes e trapos de toda espécie, escondendo-se provisoriamente e por ora apenas observando o transcorrer das coisas na qualidade de espectador de fora (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 50-1).

Trecho (3): [...] bem estiveste com o funcionário Vakhramêiev e ele te deu o endereço? – O endereço ele também deu, também deu o endereço. Bom funcionário! Teu amo, disse ele é um homem bom, muito bom; disse ele; dize a ele que mando meus cumprimentos, agradece ao teu amo e dize que eu gosto dele, dize como estimo o teu amo! Porque teu amo Pietrucha, é um homem bom, e tu também, disse, também és um bom homem, Pietrucha [...] (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 143-4). 5

Trecho (4): – hum... estou dizendo... – interrompeu o médico – que o senhor precisa de uma transformação radical de toda a sua vida e, em certo sentido, de uma mudança radical de todo o seu caráter. Não se furtar de uma vida alegre; frequentar espetáculos e clubes e em todo caso não ser inimigo da garrafa. Ficar em casa não dar certo... é totalmente desaconselhável ficar em casa. (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 22).

No trecho (1) e (2) observamos com mais proeminência a polifonia centrada na multiplicidade de visão de mundo. Na visão de mundo busca-se explicar o mundo em que se vive, por isso tem como foco os acontecimentos, em que ontologicamente o ser humano deveria ser o sujeito de suas ações e não meramente coisa. Eticamente se tem a questão: o que devemos fazer?Como atingir nossos objetivos? O que implica admitir uma concepção filosófica para sua vida. No caso do trecho (1), temos um Golyádkin explicando sua concepção de mundo. O fato de não gostar do burburinho, dos raparés, dos trocadilhos, dos elogios inebriantes cobrados pela classe dominante indica um ser humano que não segue os preceitos de mesura, adulação, bajulação imposto pela sociedade em ambientes que frequenta a alta sociedade. O cenário do trecho (2) é o dia do aniversário de Clara Olsúfievna, comemorado com um magnífico jantar de gala, que destacou com seu ar babilônico no tocante ao brilho ao luxo, e bom-tom, frequentado por brilhantes cavalheiros burocratas, detentores de um cargo satisfatório e de sobrenome. Um mundo distante para o personagem Golyádkin, que se encontrava no cantinho mais escuro, escondido por trás de um armário imenso e de velhos biombos, no meio de detritos, trastes e trapos de toda a espécie. Um mundo provisoriamente intransponível, o do luxo, da festa em oposição ao do lixo, da escuridão. É desse primeiro que Golyádkin avista o segundo. No trecho (3) percebe-se a presença de um discurso alheio – a multiplicidade de vozes – dentro do discurso de Pietrucha. No caso Pietrucha inseriu o discurso do funcionário Vakhramêiev no seu para bajular o seu amo e a fazer campanha positiva de si próprio. No trecho (4) observamos com mais proeminência a polifonia de em cada voz um ponto de vista do mundo. No caso, temos o ponto de vista do médico para com seu paciente, Golyádkin, aconselhando a mudar de vida: a ser alegre, participar de festas, frequentar clubes, beber, visitar amigos, tudo que vai corresponder ao seu duplo.

6

3 A AUTOCONSCIENCIA DO HERÓI E A RELAÇÃO DE ACEITAÇÃO E REJEIÇÃO Golyádkin é um homem doente de solidão. O médico recomenda que ele tenha amigos e mude radicalmente de vida, mas ele não ouve o médico, e por não ter uma relação de amizade com outros, inventa esse outro como inimigo, sendo as pessoas de seu convívio transformadas por ele em inimigos imaginários. Dirigindo sua ação através dessas inimizades, ele substitui a voz do outro pela sua, transforma o discurso do outro de acordo com a sua autoconsciência, em constantes diálogos interiores. Não substitui apenas o outro, mas ele também é o outro em relação a si mesmo. Em relação a isso Bakhtin afirma: Todas as personagens, exceto Golyádkin e seu duplo, estão à margem de qualquer participação real na intriga que se desenvolve completamente nos limites da autoconsciência de Golyádkin e oferecem apenas a matéria bruta, como se lançassem o combustível necessário ao intenso trabalho dessa autoconsciência. A intriga externa, deliberadamente vaga (todo o principal ocorreu antes do início da novela), serve de carcaça sólida pouco perceptível à intriga interior de Golyádkin. A novela conta como Golyádkin queria passar sem a consciência do outro, sem ser reconhecido pelo outro, queria evitar o outro e afirmar a si mesmo, e conta no que isso deu (BAKHTIN, 2010, p.247).

Por ser rejeitado naquele meio Golyádkin planeja vingança. Para isso, junta com muito esforço setecentos e cinquenta rublos, considera a quantia formidável. Diz que ela pode fazer um homem ir longe, duvida que seja uma quantia insignificante e acredita veemente que através dela entrará para a alta sociedade, e essa entrada se dará por meio da casa do conselheiro de estado Beriendêiv – que fora benfeitor de Golyádkin –, mas que não mantém uma relação próxima, no entanto, devaneia a ponto de pretender a mão da filha única deste conselheiro. Com esse intuito ele vai à festa de aniversário de Clara Olsúfievna. O trecho a seguir (5) mostra a dimensão do quanto ele se expôs: Trecho (5): [...] já não via mais ninguém, não olhava para ninguém... mas impulsionado pela mesma mola que o fizera pular para dentro de um baile alheio sem ser convidado, foi adiante, depois ainda mais adiante, e mais adiante; esbarrou de passagem num conselheiro,espremendo-lhe o pé; aliás, já pisara no vestido de uma velha de respeito e o rasgara um pouco, dera um encontrão num homem que levava uma bandeja [...] e abrindo caminho mais e mais adiante [...](DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 54).

Golyádkin chegou a pegar na mão de Clara Olsúfievna, sem soltar, mas na confusão é 7 afastado, tropeçou e precipita para fora daquele ambiente. Imagina o constrangimento que tal fato despertou, as gargalhadas e acusações. Ao ser expulso da festa, no cais de Fontanka,visivelmente perturbado, ele dá vida ao seu duplo.Golyádkin escorraçado da festa de aniversário de Clara Olsúfievna escondia-se de si mesmo. Queria virar pó. Sentia pavor, angústia e tremor febril, quando avistou um transeunte caminhando em sua direção. Este transeunte chegou perto e Golyádkin virou-se para trás. O transeunte desapareceu. Pela terceira vez avistou o desconhecido no prédio que morava. Entrou em sua casa e sentou em sua cama. Golyádkin o reconheceu, era ele mesmo, igual a ele, o seu duplo. Golyádkin introduziu o hóspede, que estava faminto e com aparência de ser um indigente. O jantar foi muito precário. O sósia contou sua história e fazia de tudo para não cometer falhas, fazendo até uns versos. Os dois se abraçaram e se consideraram irmãos. Os dois ficaram bêbados e foram dormir. Diante disso vimos surgir o seu duplo, a princípio para se aliar a ele, depois ao longo da obra o seu duplo será o seu maior rival. Segundo Bakhtin:

[...] a intriga se baseia na tentativa de Golyádkin de substituir o outro para si mesmo, tendo em vista o não-reconhecimento total de sua personalidade pelos outros. Golyádkin simula um homem independente, sua consciência simula segurança e autossuficiência. O choque novo e grave com o outro durante uma festa de gala, quando Golyádkin é posto para fora, agrava o desdobramento de sua personalidade. A segunda voz de Golyádkin se sobrecarrega da mais desesperada simulação de autossuficiência no afã de salvar a pessoa de Golyádkin. A segunda voz não pode fundir-se a pessoa de Golyádkin; ao contrário soam cada vez mais nela tons traiçoeiros de zombaria. Ela o provoca e excita, tira a máscara. Surge o duplo. O conflito interior se dramatiza; começa a intriga de Golyádkin com o seu duplo (BAKHTIN, 2010, p. 247).

Ao longo da obra, Golyádkin constantemente se reveste dessa autossuficiência. Temos dois exemplos disso: Trecho (6): Faço uma reverência ou não? Respondo ou não? Confesso ou não? – pensava nosso herói numa aflição indescritível – ou finjo que não sou eu, mas outra pessoa surpreendentemente parecida comigo, e ajo como se nada tivesse acontecido? Isso mesmo, não sou eu, não sou eu, e pronto! (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 16).

Trecho (7): Uma vez preparado para puxar o cordão da sineta, pensou de imediato e bem a propósito se não seria melhor deixar para o dia seguinte e que, por enquanto, não havia necessidade daquilo [de uma consulta. Mas de repente os passos de alguém na escada, mudou de imediatamente sua nova decisão e, no mesmo instante, porém com o ar resoluto, puxou o cordão da sineta à porta de Crestian Ivánovitch (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 18). 8

No trecho (6) ele avista o chefe Filíppovich, fica em dúvida e decide ser outra pessoa parecida com ele, com características mais sociáveis. O que ele queria mesmo era se esconder e passar sem que o outro o percebesse. No trecho (7) ele decide ir ao encontro do seu médico, confessar-se. Quando chega ao consultório desiste, porém alguém sobe a escada e ele faz de conta que entra por entrar e assumi uma fisionomia decente e atrevida. Aqui há uma oposição entre o Eu: morrinho, acanhado, calvo, ser insignificante e o Outro: o ser que desejo ser, corado, sorridente, que fala algo, decente, atrevido. O discurso de Golyádkin procura acima de tudo simular total independência em relação ao discurso do outro. “Ele vive lá a sua vida, não vai mal” (BAKHTIN, 2010, p. 243). Essa simulação de independência e indiferença também o leva a permanentes repetições, ressalvas e prolixidades, mas esses elementos não estão voltados para o exterior, para o outro, mas para si mesmo: ele convence a si mesmo, se anima e se acalma e a partir destes comportamentos representa o outro em relação a si mesmo. O herói está sempre relutando quanto as suas ações o que dá um ar de imprevisibilidade as mesmas. Na obra toda, o personagem reluta ao tomar a decisão, e age como que por impulso. Para Aguiar-Silva (2000) as personagens de Dostoiévski são densas, enigmáticas, contraditórias, rebelde. Da complexidade destas personagens resulta o fato de, muitas vezes, o leitor ficar surpreendido com as suas reações perante os acontecimentos. Percebemos essas características na obra na qual o personagem principal está sempre em contrariedade, um exemplo disso é quando ele é proibido de entrar no aniversário de Clara Olsufiévna, ainda assim ele encontra uma forma de entrar sem ser visto fica escondido hesitando se entra ou não na festa. Quando Golyádkin decide, avança rapidamente como se alguém tivesse acionado uma mola dentro dele (ver trecho 5). Temos algumas situações na obra que não foram propriamente representadas, senão por uma invenção de Golyádkin, diante disso Bakhtin afirma: A ação não ultrapassa os limites da autoconsciência, pois apenas os elementos isolados dessa autoconsciência são personagem. Atuam três vozes, nas quais decompôs-se a voz e a consciência de Golyádkin: o seu “eu para si mesmo”, que não pode passar sem o outro e seu reconhecimento; o seu fictício “eu para o outro” (reflexo no outro), ou seja, a segunda voz substituinte de Golyádkin; a voz do outro que não o reconhece, que, não obstante, fora de Goyádkin não está representada em termos reais, pois na obra não há outros heróis em isonomia com ele. (BAKHTIN, 2010, p. 219).

9

As cartas evidenciam as invenções de Golyádkin em relação ao seu duplo e ao pedido de fuga de Clara. Em um momento ele resolve escrever uma carta a seu sósia reclamando de todo o ocorrido. Entregou para Pietruchka pedir o endereço a um funcionário e ir entregar a carta. Pietruchka só ri do seu amo. Passa o dia todo fora, volta porre e diz que não teve carta nenhuma e nem a entregou. Depois diz que pegou o endereço que é o mesmo de Golyádkin. Em outro momento resolve ler em uma taberna a carta de Clara Olsúfievna. Nos informa que nessa carta, Clara está desesperada por um casamento arranjado, e que chega a marcar um encontro na casa de Olsufi para fugirem. Ficou estupefato com a carta. Neste momento, percebe que estava indecente, com roupa suja e rasgada. Não lembra se almoçou ao ver pratos sujos na mesa que estava. O empregado riu quando perguntou o preço, derrama o remédio que estava em seu bolso e foge da taberna. Continuava no pátio, local de onde poderia avistar o último baile de Olsufi Ivánovich, a espera de um sinal de Clara. Lembra da carta, mas não a encontra e nem lembra da data que foi escrita: ontem, hoje ou amanhã? Suas ideias não coadunam. Para Bakhtin (2010) a segunda voz de Golyádkin é percebida em tudo. Na narração também não encontramos nenhum momento que ultrapasse os limites da autoconsciência de Golyádkin, nenhuma palavra e nenhum tom que já não tenha participado do seu diálogo interior ou do seu diálogo com o duplo,contudo, Dostoiévski obriga a segunda voz de Golyádkin a passar do diálogo interior para a própria narração de maneira quase insensível e imperceptível ao leitor: a voz já começa a soar como a voz estranha do narrador.A narração zombeteira se transforma imperceptivelmente no discurso do próprio Golyádkin. Podemos observar essa “fusão” da voz do narrador com a voz de Golyádkin no último capítulo quando o personagem reluta se vai ao encontro de Clara Olsufievna, o que implicaria definitivamente no seu fim, como de fato aconteceu e o narrador se “reveste” do personagem dando a entender que ele havia tomado a melhor das decisões, a seguir um trecho que exemplifica o exposto: – Não, é melhor que eu faça assim, e saia pelo outro lado... Ou é melhor fazer dessa maneira?... Enquanto vacilava e procurava a chave da solução de suas dúvidas, nosso herói correu até a ponte Semeónovski e, chegando à ponte Semeónovski, tomou a decisão sensata e definitiva de voltar. [...] Decidido a voltar, nosso herói de fato voltou, ainda mais porque, pela feliz ideia que tivera, agora se apresentava totalmente estranho (DOSTOIÉVSKI, 2011, p. 222).

Analisando as categorias de aceitação e rejeição concluímos que não há rejeição do 10 sósia assim como não há aceitação do original, sendo este último se auto classificando como figura morrinhenta, acanhada, calva. Um ser insignificante, disperso, isolado, instável, que se sente perseguido. Amável, espirituoso, desprezado, cândido, agradável, doce. Humilhado, desesperado. A seguir algumas circunstâncias que indicam essa rejeição sofrida ao longo do romance: a) o herói vai à casa do chefe, não o deixam entrar; b) Golyádkin pegou na mão do sósia e este a arrancou com grosseria, sacudiu, limpou os dedos e cuspiu para o lado; c) todos riem e o forçam sair da festa de aniversário de Clara Olsúfievna. Por fim chega o médico de Golyádkin, o Sr. Crestian Ivánovich que o leva para carruagem. O sósia do Golyádkin mandou uns beijinhos de despedida. O levam para uma estrada desconhecida, e o Sr. Crestian anuncia uma espécie de internação. A aceitação do sósia de Golyádkin é evidente: corado, sorridente, que fala algo, decente, atrevido. Suas características são: alegre, inquieto, saltitante, adulador, galhofeiro, falastrão, ágil, prestativo, que cumprimenta todos. É bem recebido por todos da repartição inclusive pelo chefe do qual se torna amigo. Golyádkino acusa de difamador, destruidor, asqueroso, falso, depravado, asqueroso. Golyádkin avista Sua Excelência conversando com o sósia e questiona: como pode um sem inteligência, sem caráter, sem instrução, sem sentimentos, um vigarista se dar bem numa sociedade de modos refinados, como pode progredir tão rápido?

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve como propósito verificar indícios da polifonia, da autoconsciência e da forma como o herói lida com a rejeição. Observamos que nos romances dostoiesvskiano a presença de outros discursos, outros mundos e determinados pontos de vistas dentro da fala de um personagem. Essa construção é característica do romance polifônico dostoiesvskiano em que cada personagem possui autonomia, visão de mundo, voz e posição própria no mundo. De fato, Dostoiévski conseguiu construir um personagem que consegue apresentar uma multiplicidade de posições, de contradições, de dubiedades. Suas atitudes podem ser explicadas pela situação de conflitos que vivia: conflitos sociais, psicológicos, decorrentes do meio em que vivia, cujas relações burocráticas, sociais e culturais geravam uma deformação moral e humana de tal ordem que os indivíduos se relacionavam segundos seus exclusivos 11 interesses burocráticos, ou quando menos vinculados a tais interesses, eram relegados ao isolamento, a uma letal solidão.

REFERENCIAS:

AGUIAR-SILVA, V.M. Teoria da literatura. 8ª Ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000.

BAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 337-357.

BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Direta do russo, motas e prefácio de Paulo Bezerra. 5ª ed. : Forense Universitária, 2010.

BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 11ª edição. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2004.

DOSTOIÉVSKI, F. O duplo. Tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. São Paulo: editora 34, 2011.

DUCROT, O. O dizer e o dito. Tradução de Eduardo Guimarães. Campinas: Pontes, 1987.

MORSON, G. S.; EMERSON, C. Mikhail Bakhtin: criação de uma prosaística. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Edusp, 2008.

AS NARRATIVAS ORAIS E A EDUCAÇÃO RIBEIRINHA: O "ERA UMA VEZ" NA VOZ DOS PEQUENOS INTÉRPRETES CAMETAENSES

Kezya Thalita Cordovil Lima1 - UEPA [email protected] Profª. Drª.Josebel Akel Fares2 -UEPA (Orientadora) [email protected]

RESUMO: A presente proposta faz parte da minha dissertação de Mestrado, da linha Saberes Culturais e Educação na Amazônia, do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação da UEPA (2012-2014). Esta pesquisa estuda a Cobra Grande, personagem do imaginário amazônico.Utilizo como ponto de encontro e recolha dos repertórios uma Escola Municipal ribeirinha, localizada no Rio Mendaruçu Médio no Município de Cametá/ PA. A escolha dessa escola pode ser compreendida como um local onde as crianças estão construindo suas vidas sociais, fundamentadas nas relações de espaço escola/rio, no cotidiano, na interação e na cooperação entre os indivíduos. Compreender o lugar onde as crianças constroem seu senso crítico significa situá-las nas suas acepções teóricas. Assim, foram dois caminhos percorridos para caracterizar o contexto em que os pequenos contadores de histórias estão envolvidos: a escola e a comunidade ribeirinha. Tais caminhos são complementares, apesar do enfoque distinto de cada um, essa pesquisa foi realizada por meio de metodologias em que o lúdico dialogasse com o poético, atentando para que o trabalho para além da experiência investigativa apontasse para o processo de movência dos saberes culturais orais como forma de educação por meio do sensível e manutenção da tradição local. Para isso, apresento o lócus de pesquisa, o rio físico e o rio mítico; o percurso histórico/literário da personagem e dou voz às crianças de acordo com teóricos da educação, de narrativas orais, de imaginário, de cultura e de performance. PALAVRAS-CHAVE: Cobra grande. Narrativa. Oralidade. Performance. Memória.

ABSTRACT: This proposal is part of my Master's thesis, the Cultural Education and Knowledge online on Amazon, Program Graduate Master in Education UEPA (2012-2014). This research studies the Great Snake, the imaginary character amazônico.Utilizo as a meeting and gathering of a riverside repertoires Municipal School, located in the East River Mendaruçu Cametá / PA. The choice of this school can be understood as a place where children are building their social lives, based on spatial relationships school / river, in everyday life, interaction and cooperation between individuals. Understanding where children build their critical thinking means to situate them in their theoretical meanings. So were two paths taken to characterize the context in which the little storytellers are involved: the school and the riverside community. Such paths are complementary, despite the different approach of each, this research was conducted using methodologies that dialoguing with the playful poetic, noting that the work beyond the investigative experience pointed to the process of cultural knowledge of oral movência as a form of education through sensitive and maintenance of local tradition. For this, I present the locus of research, the physical river and the mythical river; historical / literary career of character and give voice to children according to theoretical education, oral narratives, imaginary, culture and performance. KEYWORDS: Big Snake. Narrative. Orality. Performance. Memory. 1.E assim sentada à beira da ponte se iniciou o ERA UMA VEZ...

1 Mestre em Educação do PPGED/UEPA, bolsista CAPES, membro do grupo de estudos CUMA (Cultura e memórias da Amazônia).Contatos:[email protected] 2 Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003), mestra em Letras: Teoria Literária, pela Universidade Federal do Pará (1997). Profª adjunto da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Departamento de Artes e Programa de Pós-Graduação (mestrado) em Educação. Estuda, publica e pesquisa na área de Artes/Literatura, principalmente temas ligados à Amazônia, como poéticas orais, cultura, literatura, educação e leitura. Coordena o grupo de pesquisa Culturas e Memórias Amazônicas (CUMA- UEPA). [email protected]

“ As histórias recontadas, Não têm fim,nunca terão. Toda vez que alguém conta-la, Outras faces mostrarão. Na pauta de cada conto, Introduzindo um só ponto, Outros contos nascerão. Jamais permita que um conto Um dia venha morrer! Reúna um pouco de sonho Aos momentos de prazer: Conte um conto,aumente um ponto, Invente o próprio viver! Seja um contador de histórias, Inventor de alegorias, Que este mundo,grave,anseia Um pouco de fantasia. Escreva uma história alegre Inspirada na poesia. Rasgue as cortinas da noite,Abra as porteiras do dia!” ( Juraci Siqueira)

O ouvir deu voz ao meu passado, a minha infância, trouxe à tona minhas memórias de criança que sonhava em conhecer o rio Mendaruçu Médio ou como meu avô chamava o “sítio”, local de origem de todas as histórias que tanto me encantavam e me apavoravam na maioria das vezes, não por serem histórias de terror mas por se tratarem de fatos verídicos segundo meu avô . Eu ouvia atenta as narrativas do vovô, que me contava sobre as histórias do boto que mexia com as moças solteiras que se banhavam no período de suas regras no rio,ou do caso da minha avó que me deixa arrepiada até hoje, um dia ela acidentalmente pisou descalça na menstruação de uma mulher e fora assombrada pelo boto que a perseguia pelas matas ou por meio de sonhos, conheci a histórias das Matinta-perêras que assoviavam nas noites de luar e que na manhã seguinte batiam na porta reclamando do tabaco e do café que lhes haviam prometido, gostava muito das histórias dos santos que meu avô esculpia, como o São Benedito que tinha tamanha bondade que ia levar comida aos presos e um certo dia o pegaram com uma cesta coberta com um guardanapo e lhe perguntaram:- o que havia dentro da cesta? e ele respondeu:- que eram flores; e quando os guardas tiraram o tecido da cesta milagrosamente a comida havia se transformado em rosas vermelhas, por isso existem São Beneditos com rosas em algumas esculturas , mas a história que mais me chamava atenção e me deixava com um misto de medo, de curiosidade e de encantamento era a história da Cobra

Grande, não qualquer Cobra Grande mas a do Rio Mendaruçu Médio, isso mesmo aquela que vivia nas águas do Rio onde eu mesma vim a tomar banho e a remar casquinhos pelos furos desse rio anos mais tarde, a história começava assim... Minha filha, já te contei sobre a Cobra Grande lá do sítio? pois é lá no sítio tinha uma cobra que era muito grande mas ela era boazinha, não fazia mal a ninguém, a única vez que eu soube que ela vez mal a alguém foi por defesa própria, tinha uns pescadores que estavam ajeitando a rede para pescar mapará, ai, um dos pescadores, um rapaz que morava do Mendaruçu de baixo, topou com uma vareta longa de metal que servia para ver se tinha o mapará no poço ,para assim jogarem a rede, ai o rapaz topou num negócio duro e muito longo, logo que ele topou ,lhe veio em mente que poderia ser a Cobra Grande, ele se desesperou e mandou os outros pescadores puxarem a rede e saírem de lá imediatamente que a Cobra Grande estava no poço, saindo de lá esse rapaz sentiu uma forte dor de cabeça e febre, sintomas que ele atrelou ao fato de ter mexido com a Cobra, mas foi só dessa vez que ela fez mal a alguém, o que eu quero te contar é que essa Cobra Grande era praticamente um membro das nossas famílias, das pessoas que moravam nas margens do rio Mendaruçu Médio, ela aparecia de tempo em tempo mais ou menos de 3 em 3 meses para limpar o poço, ela vinha quando a maré estava cheia, ela jogava do fundo do poço pedaços de pau, galhos e mato que ficavam no fundo do poço, esses objetos voavam e fazia um barulhão, eu acho que ela limpava o poço porque era lá que ela gostava de ficar, porque foi lá que a mãe dela jogou ela quando ela nasceu, a mãe da Cobra Grande foi mexida por uma cobra encantada que a engravidou, quando a moça teve a criança ela viu que não era uma criança mas sim uma cobrinha, com medo ela jogou essa cobrinha lá no poço e foi lá que ela se criou por isso que ela nos respeitava e nós respeitávamos ela também, quando ela entrava no poço ninguém ia pra água, nem pra tomar banho, nem pra trafegar nem pra pescar porque nós respeitávamos o espaço dela e ela em troca nunca mexeu com ninguém, nós sabíamos que era uma cobra porque perto do poço formava uma praia quando a maré secava e nessa praia ficava a marca da Cobra Grande um rastro muito grande de quase um metro de largura na areia da praia, nesse rastro ficava a marca das escamas da cobra, que tudo levava a crê que só podia ser uma cobra mesmo. Mas não fique com medo não! porque ela era encantada, seres encantados não fazem mal pra gente boa que acredita em Deus.

2. As narrativas orais como objeto de pesquisa O objeto central dessa pesquisa são as narrativas orais, que têm como personagem a Cobra Grande do Rio Mendaruçu Médio no Município de Cametá – PA, na voz das crianças naturais do rio e visa entender a importância dessas narrativas na vida dos pequenos contadores de histórias, mais precisamente dos alunos da E.M.E. Fundamental Ivens Rodrigues da Costa, localizada nas margens do Rio Mendaruçu-Médio,assim como, destacar o valor da performance e da memória no ato de contar. A seguir temos um mapa que demostra a localização do Rio Mendaruçu-Médio – Cametá/PA.

Foto1: acervo da pesquisa (jun./2013) Fonte:dorivereador13013.blogspot.com

Inicialmente pretendo transcrever as narrativas orais dos pequenos narradores (as crianças) do Rio Mendaruçu Médio, acerca da narrativa da Cobra Grande, busca-se pesquisar através das narrativas orais das crianças a famosa história da Cobra Grande que viveu por muitos anos no fundo do rio Mendaruçu Médio que é o único meio de transporte das crianças para qualquer outro lugar, local onde também elas tomam banho, retiram a água e o alimento que serve para sua sobrevivência e como em todo interior ribeirinho, o rio é também tido como o local onde as crianças brincam e se distraem. Os estudos acerca das narrativas orais nas últimas décadas deixaram o viés de análise dos componentes estruturais para focalizar outras dimensões da construção narrativa, motivados, principalmente pela insistência de saber por que as narrativas estão tão presentes no nosso cotidiano, o que significa contá-las e como se relacionam com as experiências vividas por aqueles que as contam. Nesse meio termo, passa-se a discutir também o conceito de narrativa e a compreendê-la como organização da experiência humana, a partir da qual se pode estudar o convívio social, pois contar histórias é uma prática social, e essa prática mostra uma possibilidade aceitável de se incorporar, nos hábitos da comunidade, características diversas daquelas em que se originaram e, assim, permitir a continuidade com a tradição. O título “As Narrativas Orais e a Educação Ribeirinha: o "era uma vez" na voz dos pequenos intérpretes cametaenses”, tem como objetivo o enfoque da educação por meio das narrativas orais como uma forma de ensino – aprendizado pela sensibilidade, ao narrar podemos resgatar, conservar e difundir o saber; a educação humana baseada na narrativa é muito eficaz no resgate da memória e no registro do passado, uma vez que “o relato de um narrador sobre sua existência através do tempo”(QUEIROZ, 1988),é essencial para o discernimento de quem somos; é através “da experiência indizível que se procura traduzir em vocábulos” (QUEIROZ, 1986).As histórias de vida são uma ferramenta que pode ser compreendidas como “uma ciência e arte do indivíduo” (PORTELLI, 1997).Os relatos orais permitem que apreendamos os processos de socialização vividos em períodos importantes da vida dos narradores , dos professores que cresceram ouvindo a narrativa oral da Cobra Grande do rio Mendaruçu Médio e que hoje exercem a função de narradores, não somente nas “cabeças de ponte” como na sala de aula que traz um peso significativo na construção da prática pedagógica. Para (OLIVEIRA,2011,p.2) “Os saberes que envolvem a arte, a religiosidade, os costumes e os valores na cultura amazônica estão no centro dos debates sobre a formação e a prática de educação popular e seu estudo possibilita à construção de novas diretrizes e práticas educativas”. A respeito da valorização dos saberes culturais locais na educação nos respaldamos em Brandão:

Educar é criar cenários, cenas e situações em que, entre elas eles, pessoas, comunidades aprendentes de pessoas, símbolos sociais e significados da vida e do destino possam ser criados, recriados, negociados e transformados. Aprender é participar de vivências culturais em que, ao participar de tais eventos fundadores, cada um de nós se reinventa a si mesmo(BRANDÃO, 2002, p.26).

A valorização da cultura amazônica está associada ao contexto social que emerge da expressão oral e aponta para a utilização do diálogo, para (FREIRE,2004,P.57) “não há prática pedagógica que não parta do concreto cultural e histórico do grupo com quem se trabalha” e da autonomia na perspectiva freireana com um caráter de alteridade: A autonomia vai se construindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas[...] A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser.[...] é neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade (FREIRE, 1997, P.120-121). Levando em consideração a relevância educacional dos saberes culturais presentes na construção do nosso ser (CASTORIADIS ,1982) apresenta em relação à sociedade uma explicação social-histórica. Considera o mundo histórico como mundo do fazer humano, cujo fazer está em relação com o saber. A autonomia para Castoriadis não seria “a eliminação pura e simples do discurso do outro, e sim a elaboração desse discurso, onde o outro não é material indiferente, porém conta para o conteúdo do que ele diz” (CASTORIADIS, 1982,p.126 e 129).Esse aprendizado está presente em especial nas narrativas orais, que educam ao “pé do ouvido”, pela conversa em forma de conselho como forma de perpetuação de saberes que devem ser resgatados e documentados para as futuras gerações. Brandão aborda algumas questões sobre a educação enfatizando que não há somente um determinado tipo de educação, escola e professor. Isto quer dizer que “ em mundos diferentes existem educações diferentes”( BRANDÃO, 2005, p.9).Neste sentido:

“todos os saberes, de forma geral, envolvem situações pedagógicas interpessoais, familiares e comunitárias, ou seja, os que sabem e ensiam e os que não sabem imitam, olham e aprendem na prática.Ou seja, a educação aparece sempre que surgem formas sociais de condução e controle de aventura de ensinar-e-aprender” ( BRANDÃO, 2005, p.26).

3.O contar... com respaldo teórico O contar histórias é muito mais antigo que qualquer outra prática literária, alguns tem habilidade acurada para o ofício, outros ainda aprendizes, mas reconhecem o valor que essas narrativas têm para a sua vida, esses pequenos aprendizes é que serão os nossos grandes narradores, porque quem demonstra o interesse em ouvir e guardar histórias como a da Cobra Grande para repassar aos outros de sua geração, e assim manter a teia infinita tecida há tempos, também merecem ser ouvidos e seus relatos merecem ser documentados. Parece válido apresentar algumas considerações dos estudiosos sobre assunto. Em seus estudos sobre a literatura oral, Câmara Cascudo traça aquilo que ele considera como as características próprias desse tipo de literatura, tais como: o anonimato do autor, devido a sua decorrência no tempo; tem sua transmissão oral, é vista pelo povo como uma forma prática de comunicação e de fácil transmissão, possui linguagem de fácil compreensão, que evita a incompreensão, pois brota de forma espontânea; tem caráter poético, apresenta variações, dependendo do lugar em que aparece. De acordo com Cascudo, essas variações não significam a “deformação” desse tipo de literatura, mas sim a interferência do povo na sua forma de interpretação, recriação e transmissão. No caso dessa pesquisa essa transmissão oral será feita através das crianças, de como elas fazem a representação da Cobra Grande em seus imaginários. Para Bachelard (1989,p.17) a água onde habita muitos seres fantásticos como a Cobra Grande é obscura pode gerar medos mas também pode gerar poética; “ Mais que nenhum outro elemento talvez, a água é uma realidade poética completa. Uma poética da água, apesar da variedade de seus espetáculos, tem a garantia de uma unidade”. As crianças em plena fase das relações concretas que estudam e fazem parte do cenário ribeirinho amazônico do Rio Mendaruçu- Médio no município de Cametá, estão em plena fase de descobrimento do saber, estão construindo suas relações com o que é cultura, com quais são os instrumentos que estão acessíveis para suas buscas rumo ao conhecimento e é buscando enquanto educador criar instrumentos que facilitem essa busca que proponho essa pesquisa. Durand (1983) diz acerca das representações, da água e dos animais que: “de todas as imagens, com efeito, são as imagens dos animais mais frequentes e mais comuns. Podemos dizer que nada nos é mais familiar, desde a infância, que as representações animais”.A partir de então narrar é tecer um fio que desencadeia acontecimentos, envolvendo personagens em um lugar e em um tempo determinado, as crianças ribeirinhas tem a noção do que seja narrar, a partir de suas experiências de contadores de histórias. Nos seus estudos sobre a performance, (FERNANDES,2002) considera-a “um momento de fascínio, articulada pela mistura de códigos e diversidade linguística, envolvendo não somente pela fábula”, que tem como personagens animais no caso da nossa pesquisa a cobra, mas também pela maneira como é transmitida. É reunindo esse conjunto de mecanismos corporais, muitos deles unicamente seus, que os contadores cantam/contam seus causos como quem tece a poesia da vida em forma de conselho. Para Todorov (2006), a narrativa liga-se a história, à sucessão de acontecimentos, que se ligam na relação passado x presente x futuro, construída pela tensão de duas forças. A narrativa estrutura nossa forma de ver o mundo, a arte imita a vida e vice-versa, ou a história recriando a realidade.Todorov destaca o fato de que, na narrativa, o momento presente não ser aquele em que os fatos narrados aconteceram, mas ser um tempo passado, um tempo que fala dos fatos guardados na memória, memória esta que está ainda recente para os pequenos contadores mas que deverá ser cultivada para não ser esquecida com o tempo. Narrativas orais são narrativas da “vida”, como destaca Todorov, mas são também histórias de vida. São tesouros semeados na mente de quem um dia as ouviu. Não começam geralmente com aqueles “Naquele tempo...”, “Numa terra tão distante...”, ou “E foram felizes para sempre...”, porque são histórias cujas personagens são os próprios contadores, ou parentes próximos. As narrativas orais se estendem para além das palavras de seu contador/ (en)cantador, como além vão os mistérios dos rios e das matas amazônicas. Elas se constituem no verbal, no musical e no gestual. Elas revelam um sem-fim de histórias fiadas, tecidas, entrelaçadas no tempo e permanecem até hoje ensinando e encantado. Ensinando sobre a vida, contando sobre os modos de vida nas vozes simples e assustadas de crianças que respeitam o desconhecido. A questão problema da pesquisa é: Que figuras de aprendizagem podem ser percebidas no imaginário das crianças acerca da narrativa oral da cobra grande? A partir de então justificarei o valor das narrativas orais para a educação.

4. Como tudo começou... Adentramos no lócus da pesquisa, as margens do Rio Mendaruçu Médio/Cametá-Pa e lá começamos a contar algumas histórias de livros paradidáticos de literatura mundial que havíamos levado de doação para a escola local e as crianças se sentiram envolvidas a compartilharem conosco as suas próprias histórias, a partir de suas oralidades conhecemos, por exemplo, a narrativa da Cobra Grande, que segundo elas habitava o rio Mendaruçu Médio quando seus pais eram crianças e a partir de então aquela história não era mais uma ficção escrita por alguém desconhecido, era uma história verídica de um povo que acredita fielmente na sua veracidade e que continuará a repassá-la por várias gerações. Essa experiência me fez acreditar que o contar histórias como aprendizado pode construir no imaginário infantil por meio do gênero de tradição oral uma prática de ensino- aprendizado que mereça ser documentada e posta em prática. Assim, há dois caminhos a serem percorridos para se poder caracterizar o contexto em que os pequenos contadores de histórias estão envolvidos: a escola e o rio. Tais caminhos são complementares, apesar do enfoque distinto de cada um. As crianças em plena fase das relações concretas que estudam e fazem parte do cenário ribeirinho amazônico do Rio Mendaruçu Médio no município de Cametá, estão em plena fase de descobrimento do saber, estão construindo suas relações com o que é cultura, com quais são os instrumentos que estão acessíveis para suas buscas rumo ao conhecimento e é buscando enquanto educador criar instrumentos que facilitem essa busca, que pautamos nossa pesquisa. Dessa forma encontramos no estudo das narrativas orais uma forma de educar, uma vez que narrar é tecer um fio que desencadeia acontecimentos, envolvendo personagens em um lugar e em um tempo determinado, as crianças ribeirinhas tem a noção do que seja narrar, a partir de suas experiências de contadoras e ouvintes de histórias. Narrativas orais são narrativas da “vida”, como destaca (TODOROV, 2006), mas são também histórias de vida. São tesouros semeados na mente de quem um dia as ouviu. Não começam geralmente com aqueles “Naquele tempo...”, “Numa terra tão distante...”, ou “E foram felizes para sempre...”, porque são histórias cujas personagens são os próprios contadores, ou parentes próximos. As narrativas orais se estendem para além das palavras de seu contador/ (en) cantador, como além vão os mistérios dos rios e das matas amazônicas. Elas se constituem no verbal, no musical e no gestual. Elas revelam um sem-fim de histórias fiadas, tecidas, entrelaçadas no tempo e permanecem até hoje ensinando e encantado. Ensinando sobre a vida, contando sobre os modos de vida nas vozes simples e assustadas de crianças que respeitam o desconhecido.

A abordagem metodológica para a coleta das narrativas infantis que estamos utilizando, está fundamentada com base na fenomenologia “que se encontra nas origens da abordagem qualitativa” principalmente na área da educação, uma vez que pretende “ver o todo o dado e de descrever o objeto, analisando em toda a sua complexidade”, observando e conhecendo o fenômeno em sua condição natural, para depois interpretá-los de forma critica e comprometida. (SEVERINO, p.115, 2007). A pesquisa está sendo realizada em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental, localizada na comunidade do Rio Mendaruçu - Médio, do município de Cametá, que oferece Ensino Fundamental 1º ciclo. De porte pequeno, possui 4 salas e 1 mini - biblioteca. A pesquisa recorrerá aos seguintes procedimentos: (a) levantamento bibliográfico sobre temas relativos à oralidade, mitologia, saberes, cultura, cultura amazônica, imaginário, entre outros; (b) levantamento documental de relatórios de atividades sobre a lenda da Cobra Grande dos educadores e das produções dos pequenos narradores (discursos e desenhos); (c) dinâmicas pedagógicas com as crianças narradoras, envolvendo temas relativos à cultura amazônica e a (d) entrevistas com as crianças abrangendo temas como vivência com a cultura amazônica na vida pessoal, educativa e social, com ênfase para as narrativas orais, manifestações e representações culturais das crianças expressos nas turmas. Na pesquisa com crianças, a busca e a construção coletiva se dão na interação dialógica, que só pode ser alcançada mediante rompimento da visão adultocêntrica. É preciso que o pesquisador se decline em direção aos desvios, apontados pelo olhar infantil do processo investigativo da pesquisa, a partir das trocas de experiências, conhecimentos, valores e negociação de sentidos. É a cultura infantil evidenciada e o reconhecimento das vozes das crianças, sujeitos de pesquisa e não meros objetos de investigação. Por se sustentar em trocas e interações, a pesquisa com crianças não é unidirecional. Neste sentido, Bakhtin, ao retratar a pesquisa no campo das Ciências Humanas, ressalta que “temos que mergulhar”, estar-junto, pertencer. O processo de pesquisa reflete uma preocupação direta em capturar as vozes das crianças, suas perspectivas, seus interesses. As crianças participaram como informantes, dando depoimentos, conversando, interagindo nas situações/experiências. Meus “ouvidos” estiveram menos impregnados de pré-conceitos, para revelar as interações e as produções infantis, já que o objetivo desta pesquisa foi conhecer e analisar os repertórios e as práticas culturais e educacionais, interações, experiências e produções de um grupo de crianças, do 4º e 5º anos, que frequentam a escola local.

5.O contar nunca terá um fim... As crianças ribeirinhas reconhecem nas águas seu quintal de terra fértil e sólida para suas histórias de vida, de suas identidades culturais e ,os relatos sobre a Cobra Grande revelarão uma faceta típica da poesia oral, ao contar suas histórias, os contadores mirins empregarão os seus entendimentos, suas interpretações, o que nos seus imaginários infantis a figura da Cobra Grande representa. Por conta disso, a análise da personagem, neste tópico, será feita com base nas pistas apresentadas pelas crianças contadoras, visto que as narrativas são, essencialmente, figurativas e temáticas.As histórias refletem as experiências infantis no ouvir dos mais velhos habitantes do rio Mendaruçu-Médio, os quais, no cotidiano, estabelecem contato direto com a mata e o rio. Entre um mergulho e outro novas buscas e tentativas para viver sua própria história de vida, sua imaginação e sua cultura e essa tentativa constrói tempos e espaços para aprender, brincar e oralizar.

Referências BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. Tradução Antônio de Pádua Danesi. São Paulo; Martins Fontes, 1989. BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 2006. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. Ed. Brasiliense. São Paulo:2005 CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1978. CASTORIADIS, Cornelius. Cap.III. A instituição e o imaginário: primeira abordagem. A instituição imaginária da sociedade. 3e. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982 (p.139 a 197). DURAND, Gilbert. Mito e sociedade: a mitanálise e a sociologia das profundezas. Tradução Nuno Júdice. Lisboa: A regra do jogo, 1983. FERNANDES,Frederico Augusto Garcia. Entre histórias e tererés: o ouvir da literatura pantaneira. São Paulo: Editora UNESP, 2002. MARCONDES, OLIVEIRA e TEIXEIRA (org).Abordagens Teóricas e Construções Metodológicas na Pesquisa em Educação. Belém:EDUEPA,2011.

NEVES, José Luis. Pesquisa Qualitativa: Características, Usos e Possibilidades. Caderno de pesquisas em administração, São Paulo, V.1, nº 3, 2º SEM./ 2006. OLIVEIRA,IvanildeApoluceno de. O social-histórico e a educação em Castoriadis.In: Revista Cocar. V3. N5. Jan/jun 2009. Belém: EDUEPA, 2009. RODRIGUES, Denise Simões Souza. A educação como projeto político: lições de autonomia em Castoriadis e Freire. In: Revista Cocar. V2. N4. Belém: EDUEPA, 2008. SEVERINO,A.J. Metodologia do trabalho Cientifico. 23 ed.rev.e atual. São Paulo: Cortez, 2007. TEIXEIRA, E.; OLIVEIRA, I. A.de. Cuidados éticos na pesquisa.In: MARCONDES, M.I.; TEIXEIRA, E.; OLIVEIRA, I.A.; de Metodologias e técnicas de pesquisa em educação. Belém: Eduepa, 2010. TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. Tradução Leyla Perrone-Moisés.São Paulo: Perspectiva, 2006. YUNES, Eliana.Contar para ler; A arte de contar histórias e as práticas de leitura. In:GOMES,L.; MORAES,F.; A arte de encantar: o contador de histórias contemporâneo e seus olhares.1ªed.São Paulo:Cortez,2012.

CARTOGRAFIA DE POÉTICAS DA AMAZÔNIA: A LITERATURA MÍTICO- INFANTIL N’O VIAJANTE DA ESTRELA

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Josebel Akel Fares Orientandos: Malena Costa dos Santos – UEPa Kaius Felippe Silva de Almeida- UFPa

Resumo: O projeto aqui proposto objetiva a contribuição para um banco de dados da cartografia das poéticas amazônicas ( originado no Núcleo de Pesquisa Culturas e Memórias Amazônicas CUMA), estudando em especial a obra Somanlu, do autor Abguar Bastos, auxiliando para que as vozes da Amazônia ecoem além das copas de suas árvores seculares e transpassem o território físico de sua matas, apresentando, assim, o rico imaginário impregnando nas culturas desta região.

Palavras-chaves: literatura da borda, literatura infantil, Literatura de Expressão Amazônica.

O presente projeto provém de outro mais amplo, nomeado Cartografia de Poéticas da Amazônia, idealizado pela Prof.ª Dr.ª Josebel Akel Fares ( originado no Núcleo de Pesquisa Culturas e Memórias Amazônicas- CUMA ), da Universidade do Estado do Pará, o qual propõe mapear as mitopoéticas Amazônicas para o auxilio e a estimulação de novas pesquisas a cerca do tema. O projeto Cartografia de Poéticas da Amazônia: a Literatura Mítico-Infantil n’O Viajante da Estrela colabora para a construção do banco de dados, e para a disseminação das vozes de nossa Amazônia, para que elas ganhem espaço e visibilidade na sociedade.

Objetivos Geral: Fornecer dados que colaborem para a elaboração de uma cartografia poética da Amazônia a partir da qual estudantes, professores, e a comunidade em geral possam ter contato com a obra de Abguar Bastos. Específico: a) Colaborar com a elaboração de uma base de dados poéticos referente a obras e autores amazônicos através da análise das obras Somanlu, O Viajante da Estrela de Abguar Bastos; b) Revalorizar o trabalho do autor paraense Abguar Bastos, assim, incentivar novas pesquisas sobres os escritores e suas obras; c) Difundir as poéticas das bordas através de oficinas, minicursos e comunicações.

Justificativa No interior deste conjunto “desprestigiado” encontramos a interseção entre as Literaturas Brasileira de Expressão Amazônica e Infantil, aparatos simbólicos com características próprias, entrecortados por elementos de mesma natureza que são inerentes àquilo que ambas as Literaturas tem por essência: as profundas relações com a oralidade, a memória, e dessa forma, o imaginário, logo, a mitopoética. A compreensão das realidades amazônidas, e, portanto, das Literaturas das bordas na região, transpassa necessariamente o viés mitopoético, as investigações neste sentido exigem uma visão apurada, sistemática e objetiva desse fenômeno. A elaboração de uma cartografia das poéticas da Amazônia deve possibilitar o olhar direto, uma visão cuidadosa do objeto e, assim, não pode abster-se da inclusão de autores de Literatura Infantil de Expressão Amazônica. A obra Somanlu, O Viajante da Estrela, do paraense Abguar Bastos, nesse sentido, é exemplar perfeito do que busca a proposta cartográfica; o livro é encharcado pela mitologia amazônica, um retrato límpido do imaginário da região, o qual transborda dos rios e igarapés. Rodeado por figuras lendárias, como Boiúna – Cobra Grande –, Matinta, Iaras e Oaras, Somanlu traz direto da forma oral mais pura uma gama considerável de saberes populares nortistas; a emersão genuína e universal da identidade amazônica a partir da Gênese do mundo. A advertência no início da leitura é clara:

Trata-se de uma novela e não de um documentário. Por necessidade da harmonia do enredo, o autor criou personagens e episódios que não pertencem a nenhum quadro mitológico ou folclórico por ventura já devassado ou transcrito. Entretanto, quase todo o material aqui utilizado provém das fontes mais autorizadas do nosso fabulário e da nossa tradição de feitiçaria [...] (Bastos, 1953, p. 7).

Metodologia À priori, convém-nos pensar sobre a consistência de uma cartografia, termo recorrente em muitos trabalhos acadêmicos atuais. Esta palavra provem da geografia e relacionava-se a mapas físicos. A história dos mapas vem de muito tempo passado. E antes das atuais e sofisticadas formas para representar a realidade física, o cartógrafo tinha outras formas de representar a terra. Com base na ideia do cartógrafo clássico, o termo expandiu-se e alcançou as ciências de forma mais geral: hoje cartografia ultrapassa as representações dos espaços físicos é categoria das ciências humanas e sociais, das artes, das ciências da vida e das tecnológicas. Em Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. seus organizadores Eduardo Passos, Virgínia Kastrup; Liliana da Escóssia (2010, p.8) explicam que os processos de produção de subjetividade implicam num debate sobre pesquisa qualitativa e quantitativa, estas pesquisas podem constituir práticas cartográficas, desde que se proponham ao acompanhamento de processos. Para além da distinção quantitativa- qualitativa restam em aberto impasses relativos à adequação entre a natureza do problema investigado e as exigências do método. A questão é como investigar processos sem deixá-los escapar por entre os dedos. O processo metodológico para compor as cartografias de poéticas da Amazônia, no seu aspecto mítico, atenta a esses rastros, incorpora o elemento intertextual, interdisciplinar e implica numa rede de saberes que não podem se entendidos de forma particular, mas sempre em diálogo, estabelecendo fluxos e caminhadas pelas bordas. Portanto, essa busca de repertório, a procura dos traços rizomático de um dado saber, “tudo isso é construção de uma memória que não está congelada. É dessa memória que a gente precisa de um olhar cartográfico, e, cartografia vai significar esse ir e vir, voltar, transformar o sujeito em objeto, objeto em sujeito, convidar o outro a aprender com ele” (FERREIRA, 2007). Logo, em termos metodológicos a pesquisa tem abordagem qualitativa, descritivo- interpretativa, e o fornecimento de dados para o mapeamento poético se dará a partir de uma pesquisa bibliográfica e documental. Pretende-se alcançar o repertório narrativo, por meio de fontes bibliográficas, sejam impressas ou eletrônicas, levantadas em bibliotecas públicas, particulares e disponíveis na web. Visto o espaço mágico das águas e das matas amazônicas, a pesquisa investigará primordialmente pela poéticas situadas nestes espaços.

Resultados Esperados Com a cartografia, sendo ela um banco de dados servindo, desta forma, como referência para pesquisas. Objetivamos ter uma quantidade mais considerável de trabalhos acadêmicos nas árias da Literatura de Expressão Amazônica, bem como o reconhecimento do autor aqui citado (Abguar Bastos).

Referência ABRAMOVICH, Fanny, Literatura Infantil: gostosuras e bobices, São Paulo,1997.

ALMEIDA, K.; GOMES, J. Contando Histórias Silvestres: Raimundo e Voz. 2013. 47f. Trabalho de conclusão de curso (Letras - Língua Portuguesa) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2013.

BASTOS, Abguar. Somanlu - O Viajante da Estrela, Rio de Janeiro: Conquista, 1953.

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I Magia e Técnica, arte e politica: ensaios sobre a literatura e história da cultura.7.ed. São Paulo: Brasilense. 1994. P.197-221

CASCUDO, Luis da Camara. Geografia dos mitos brasileiros. : Ed. Itatiaia; São Paulo; Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.

COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil- das origens indo-européias ao Brasil Contemporâneo. Amarilys. 5 ed. revista e ampliada. São Paulo-SP, 1991.

ENEIDA [de Morais]. Cão da Madrugada. São Paulo: José Olympio, 1954.

FARES, Josebel Akel. O não lugar das vozes literárias da Amazônia na escola. Revista Cocar. Belém, vol. 7, n.13, p. 82-90/ jan-jul 2013.

FERREIRA, Jerusa Pires. O universo conceitual de Paul Zumthor no Brasil. Revista do IEB, n 45, set 2007.

FERREIRA, Jerusa Pires. O universo conceitual de Paul Zumthor no Brasil. Revista do IEB, n 45, set 2007.

NUNES, Paulo. Literatura brasileira de expressão amazônica: notas de aula. Belém, Unama, material didático distribuído em sala de aula.2003, s/p.

CONCEPÇÕES DE GÊNEROS TEXTUAIS: relatos de experiências com alunos do 1º ano do ensino médio por meio de ações do PIBID1

Diene Alves Caldas2 Márcia Adriane Moraes de Sousa3 Prof. Msc. Suzanny Pinto Silva4

RESUMO

O artigo a seguir trata das experiências do Programa Institucional de Bolsa de Incentivo à Docência (PIBID), no que diz respeito à concepção e circulação dos gêneros textuais nas aulas de Língua Portuguesa. Os dados são oriundos das atividades realizadas com alunos do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Presidente Kennedy, localizada na cidade de Vigia-Pa, durante o primeiro semestre do ano de 2014. Nossa abordagem traz ainda as ideias de Gêneros textuais segundo Marcuschi (2008) para dialogar com as concepções sobre o assunto por parte dos discentes da série estudada. Os primeiros resultados da pesquisa demonstram ainda uma certa dificuldade dos alunos em identificar a presença dos gêneros no cotidiano escolar e no meio social ao qual está inserido. Palavras-chave: PIBID. Gêneros Textuais. Docência.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda os Gêneros Textuais no cotidiano escolar dos alunos do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Presidente Kennedy, localizada no município de Vigia-PA. Neste artigo estão presentes as atividades desenvolvidas no decorrer do projeto, a forma como o mesmo foi organizado para que houvesse maior desempenho, os relatos das experiências adquiridas com o PIBID dentro e fora do ambiente escolar (como pesquisa de campo interdisciplinar), relacionando a valorização dos gêneros textuais entre

1 Este trabalho é financiado pela CAPES pelo Programa Institucional de Iniciação a Docência – PIBID. 2 Bolsista de Iniciação a Docência do Subprojeto Letras/Vigia/UEPA. 3 Bolsista de Iniciação a Docência do Subprojeto Letras/Vigia/UEPA. 4 Coordenadora do Subprojeto Letras/Vigia/UEPA. alunos/professores e ambiente escolar, fortalecendo nossas ideias com embasamentos teóricos de Marcushi.

1. EXPERIÊNCIAS COM O PROJETO INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO A DOCÊNCIA (PIBID)

O ato de conhecer o ambiente escolar sempre é de suma relevância ao bolsista de iniciação à docência, uma vez que tais experiências refletem na contribuição para uma boa formação enquanto profissional da educação. Conhecer o espaço em que se dá o processo de ensino/aprendizagem garante ao discente de uma licenciatura a oportunidade de saber associar a teoria aprendida na universidade à prática na sala de aula, haja vista a compreensão das dificuldades encontradas no ato de ensinar, dificuldades estas que não apenas diz respeito à estrutura da instituição, como também à realidade do aluno da escola pública, assim todo esse conhecimento foi possível por meio do PIBID.

Nossas atividades se iniciaram primeiramente com a divisão dos dez bolsistas, para poder abranger as duas escolas do ensino médio da cidade de Vigia-PA. Uma equipe ficou responsável em realizar atividades na Escola Estadual Bertoldo Nunes com a supervisão da Profª. Sacha Gomes, enquanto o Prof. Bruno Palheta supervisiona os bolsistas da escola Presidente Kennedy. No primeiro momento/semestre no ambiente escolar, iniciamos as atividades do projeto, com reuniões semanais para tratar de diversos assuntos sobre o projeto, e realizar atividades repassadas pela coordenadora do projeto como: a elaboração e aplicação de um questionário, que teve como intuito conhecer a realidade escolar e os professores de Língua Portuguesa das escolas Presidente Kennedy e Bertoldo Nunes, ambas da rede estadual de ensino, os dois grupos criaram questionários, um acerca da estrutura das instituições e o outro destinado aos professores. Nesse primeiro semestre houve a apresentação dos bolsistas a escola, onde fomos acompanhadas de nosso supervisor, conhecemos a estrutura física da escola, fomos apresentadas aos professores e também a coordenação pedagógica da instituição, esse processo de apresentação e introdução é fundamental para uma boa convivência com os alunos e principalmente com o corpo docente da escola, possibilitando uma parceria para a melhoria do ensino.

Outra atividade foi o debate dos primeiros cinco artigos do livro Ensino de Língua - das reformas, das inquietações e dos desafios, de Inês Signorini e Raquel Salek Fiad, esses artigos foram divididos, sendo que cada bolsista ficou responsável de explanar um, o primeiro com o tema: “Os estudos da linguagem e o ensino de Língua Portuguesa no Brasil” socializado pela bolsista Márcia de Sousa, cujo artigo descreve como se autuou a divulgação de ideias linguísticas no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, nesse período as mudanças se anunciaram com base em dois fatores principais: A intervenção do Estado no currículo escolar, que agrupou as disciplinas de Língua Portuguesa, Educação Artística e de Educação Física para compor a disciplina denominada Comunicação e Expressão e a presença das camadas populares que até então não tinham acesso a escola, isso ocasionou não apenas o estranhamento com os saberes tradicionais exigidos pela instituição escolar, mas um conflito entre a gramática normativa e as variedades linguísticas. O segundo “A imagem do ensino tradicional da língua portuguesa construída por alguns documentos oficiais”, tem por objetivo compreender a imagem do ensino tradicional de língua portuguesa apresentado em dois documentos oficiais publicados pela Secretaria de Estado de Educação de São Paulo: os Guias curriculares para o ensino de 1° grau – Língua Portuguesa, publicado em 1975, e a Proposta curricular para o ensino de Língua Portuguesa – 1° grau, publicado em 1988, sendo este socializado pela bolsista Ananda Melo. O terceiro com o tema “A inovação no ensino de gramática na Proposta Curricular de São Paulo para o ensino de Língua Portuguesa” foi apresentado pela bolsista Annett Pereira, cujo artigo discute os principais pressupostos teóricos adotados pelo documento em relação ao ensino de gramática e mostram em que consiste a proposta de inovação para o ensino de gramática apresentada pelo documento. O quarto artigo intitulado “Construção da superação do fracasso do ensino de Língua Portuguesa em diretrizes curriculares” que abrange a explanação das noções de texto, gênero e letramento, desenvolvidas no âmbito dos estudos linguísticos, são as principais categorias teóricas assumidas como desencadeadoras da tentativa de superação do fracasso de ensino de língua portuguesa. Já que estes devem ser trabalhados de maneira articulada. Os textos não devem ser trabalhados apenas com o propósito de serem analisados sintaticamente, e sim utilizar as informações transmitidas contextualizando-as na atividade social para que haja maior assimilação dos conteúdos abordados, foi apresentado pela bolsista Joelma Helena.

O último artigo foi comentado pela bolsista Diene Caldas, cujo tema era “Diálogos entre propostas de ensino de escrita em documentos oficiais” tendo este o objetivo de mostrar com quais outros textos e discursos esses documentos dialogam, de modo que se possa observar que a discussão sobre o ensino de língua materna e as propostas de mudanças nesse ensino circulam em textos de diferentes naturezas. Após o estudo destes textos ficou clara a intencionalidade na reformulação da língua portuguesa, pois passaram a considerar a linguagem não apenas como uma maneira de se comunicar, mas como ferramentas para o reconhecimento de valores, visto que são elas as responsáveis pela concretização das manifestações ideológicas dos grupos sociais.

Tais atividades foram de importante relevância, uma vez que a interação, não apenas dos bolsistas e professores como com os demais funcionários, melhora de forma significativa o bom funcionamento do projeto, assim como também foram indispensáveis para a aprendizagem e enriquecimento do saber dos bolsistas. No segundo semestre, houve as reuniões semanais para tratar de assuntos da escola como: quais os critérios utilizados na escolha do livro didático, organização para o desfile escolar do dia 07 de setembro, divisão para monitoramento na escola, com professores do 1° ano e o com o professor supervisor Bruno Palheta, etc. O primeiro contato das bolsistas com as turmas do 1º ano do ensino médio foi por meio do acompanhamento aos professores de Língua Portuguesa, essa atividade tinha como intuito coletar materiais que confirmassem e mostrassem a relação dos alunos com os Gêneros Textuais e os suportes tecnológicos, haja vista a grande afinidade da maioria dos jovens e adolescentes com a tecnologia, fator de grande influência na comunicação e expressão do homem. As bolsistas participaram de um passeio de pesquisa acompanhando os alunos do Projeto Jovem de Futuro, que vem de uma parceria do Ministério da Educação (MEC), com as turmas de ensino médio, e do Instituto Unibanco, por meio do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI/JF) que tem como objetivo central promover o redesenho curricular das escolas e fortalecer a gestão escolar, com foco na melhoria da aprendizagem dos estudantes. Assim, as ações do ProEMI/JF buscam colaborar o acesso, a permanência e a conclusão, com sucesso, dos jovens na escola. Esse passeio se dividiu em dois dias, o primeiro foi dirigido para uma localidade rural da cidade de Vigia chamada São Sebastião do Guarimã, e o segundo para a localidade de

Porto Salvo, onde os alunos teriam que pesquisar sobre as crenças, histórias fantásticas, acontecimentos religiosos, economia, transporte, lazer, surgimento dessas comunidades entre outros temas. A pesquisa serviu para que descobríssemos o novo junto com os alunos, conhecendo as tradições, crenças, festas, fonte de renda, meio de transporte, entre outros, que podemos utilizar como exemplos nos assuntos ministrados em sala de aula, além de nos proporcionar um conhecimento mais amplo a respeito dos saberes adquiridos com as experiências do dia a dia. Diante das tantas possibilidades que o PIBID proporciona e do discurso sobre os pontos negativos encontrados em sala de aula, cumpre salientar que não apenas as carências irão trazer reflexões acerca da educação. Os pontos positivos encontrados na força de vontade de cada professor, em cada funcionário que atua na instituição, cada agradecimento vindo de um aluno, cada interesse demonstrado pelo educando, também acrescentarão benefícios ao futuro professor. Desta forma, pôde-se constatar a importância do PIBID à formação docente, uma vez que, desde o início do projeto até o presente momento, está se cumprindo o seu objetivo principal, que é o de incentivar e contribuir na construção da docência de qualidade.

2.O QUE SE REVELA DOS GÊNEROS TEXTUAIS: DA ACADEMIA À SALA DE AULA O estudo dos gêneros textuais ou gêneros discursivos não é recente, vem desde a Idade Antiga com Platão e Aristóteles, no entanto, esse estudo se referia apenas a textos literários, sendo a tradição poética utilizada por Platão e a tradição retórica por Aristóteles, que segundo ele em sua obra Retórica, afirma que há três elementos compondo o discurso: aquele que fala, aquilo sobre o que se fala e aquele a quem se fala, além de três tipos de ouvinte, como: o espectador que olha o presente, a assembleia que olha o futuro e o juiz que julga sobre coisas passadas. A esses três tipos de julgamento, Aristóteles associa três gêneros de discurso retórico, que são: discurso deliberativo, discurso judiciário e discurso demonstrativo. Aristóteles conseguiu distinguir entre a epopeia, a tragédia e a comédia, sua visão sobre a estratégia e a estrutura dos gêneros foi se desenvolvendo largamente na Idade Média e hoje a visão de gênero textual sofreu modificações, não cabendo o conceito de gêneros textuais apenas a textos literários, passando a englobar toda e qualquer manifestação discursiva sendo ela oral ou escrita. Assim: Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos, enunciativos e estilos realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas (Marcuschi, 2008, p. 155).

Segundo o autor os gêneros textuais são textos que nos deparamos em nosso dia a dia e que tem uma função social, dessa forma podemos considerar que temos uma infinidade de gêneros já que para nos comunicarmos empregamos constantemente textos. Dessa forma, podemos constatar que para Marcuschi (2008, p.151) “o estudo dos gêneros textuais é hoje uma fértil área interdisciplinar, com atenção especial para a linguagem e para as atividades culturais e sociais”. Sendo assim, os gêneros textuais não se restringem apenas nas áreas de códigos e linguagens, porém, é nessa área que se dá o seu estudo. Sob esse viés iniciamos nossas atividades na Escola Estadual de Ensino Fundamental Presidente Kennedy, período em que constatamos uma dificuldade, por parte dos discentes, no que se refere à noção de Gênero Textual, pois estes não possuem uma visão ampla acerca do assunto e nem têm a ideia da proximidade existente entre eles. O que comprova esse dado inicial é o fato de que no momento em que tal tema é abordado, os discentes os imaginam de maneira restrita, se prendendo apenas a alguns Gêneros, principalmente os exemplos utilizados em sala de aula, como: cartas, receita culinária, manual de instrução, bula de remédio, cupom fiscal, dentre outros. Eles não têm consciência de que os gêneros vão além desse pequeno grupo, especialmente com o surgimento das novas tecnologias, em particular as ligadas à área da comunicação, que propiciaram o surgimento de novos Gêneros Textuais. Por certo, não são propriamente as tecnologias em si que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. No ambiente escolar, os alunos utilizam-se de Gêneros Textuais continuamente, sobretudo nos momentos de descontração e brincadeiras na convivência entre si, no entanto, os mesmos nem sequer percebem que os empregam, como na utilização de bilhetes, desenhos, rabiscos nas paredes, mensagens em redes sociais, e etc. Esses exemplos passam despercebidos no dia a dia desses discentes, este fato comprovou-se a partir da coleta de materiais realizada na escola, em que foi diagnosticado que os alunos na maior parte do tempo livre produziam desenhos, letras de músicas, poemas, e rabiscos nas paredes da escola, ou seja, eles próprios os desprezavam por não ter o conhecimento de que se trata de gêneros textuais, um exemplo: uma das bolsistas pediu um bilhete que estava sendo utilizado por um dos alunos como bola de papel, e ao pedir o aluno retrucou dizendo: “pra quê tu quer? isso não vale de nada”, é possível identificar a desvalorização dos gêneros textuais, principalmente os que são produzidos aleatoriamente de maneira informal. A utilização desse tipo de gênero em sala de aula seria de uma grande valia para os alunos, principalmente para o seu aprendizado em relação aos gêneros, no qual possibilita facilitar o ensino-aprendizagem, tornando-o mais prazeroso e dinâmico, pois, fornece as concepções de forma inovadora e ao mesmo tempo desenvolve o interesse do discente. Apesar de muitos docentes estarem se atualizando, ainda há “falhas”, muitos buscam se utilizar das tecnologias, e isso hoje em dia é fundamental, apesar de, nem todos os alunos terem contato com esse mundo tecnológico em casa, ou em qualquer outro lugar, mas nessa questão da valorização dos gêneros, em especial na escola onde estamos atuando como bolsistas, a maioria dos professores se despercebem desses gêneros “criados” em sala de aula, algo simples que passa despercebido pelos próprios docentes, tornando assim a aprendizagem dos gêneros algo restrito. O ensino dos diversos gêneros textuais que circulam socialmente não só amplia sobremaneira a competência linguística e discursiva dos alunos, mas também aponta-lhes as inúmeras formas de participação social que eles, como cidadãos, podem ter fazendo uso da linguagem. O que se percebe é que a maioria dos alunos ainda não apresentam uma visão a respeito da importância e circulação dos gêneros textuais, talvez por isso que não conseguem reconhecê-los no cotidiano escolar.

Dessa maneira é importante frisar a intencionalidade dos gêneros textuais no entorno social do aluno, pois só assim é possível fazer com que eles conheçam e os reconheçam sem que haja conflitos. É importante que se inicie com os alunos a compreensão do valor dos gêneros que circulam no meio escolar e fora dele, pois na vida cotidiana todas as nossas iniciativas de comunicação estão construídas a partir dos textos que, consequentemente se organizam dentro de uma esfera dos gêneros. De modo geral, procuramos dialogar com os alunos, no sentido de que eles começassem a observar que os gêneros textuais estão sempre presente na sociedade, enquanto uns desaparecem outros surgem conforme a necessidade de se comunicar. A partir do reconhecimento da presença dos gêneros textuais, eles terão um rico conhecimento no que diz respeito à comunicação, sendo esta muito relevante em qualquer atividade desenvolvida pelo ser humano, pois uma pessoa que consegue articular as palavras de maneira que se faça entender com clareza com certeza será um excelente mediador de ideias. Os gêneros, estão longe e perto ao mesmo tempo, convivem diretamente, fazendo parte da vida escolar dos alunos, mas não são ressaltados e principalmente utilizados em salas de aula, tendo em vista que, assim é possível fazer com que os discentes conheçam e os reconheçam, facilitando a aprendizagem e tornando-a mais prazerosa, pois, tais gêneros a serem trabalhados são os produzidos por eles em sala, só que de uma forma mais descontraída. Outro fator importante na comunicação é o de inserir o indivíduo no meio social, como podemos perceber na citação a seguir:

Pode-se admitir, ainda, que a língua é uma atividade cognitiva. Pois ela não é simplesmente um instrumento para reproduzir ou representar ideias (pois a língua é muito mais do que um espelho da realidade). A língua é também muito mais do que um veículo de informações. A função mais importante da língua não é a informacional e sim a de inserir os indivíduos em contextos sociohistóricos e permitir que se entendam (Marcuschi, 2008, p.67).

Segundo Marcuschi sem entendimento não há comunicação, sendo assim não há interação social, se os discentes não conseguem dominar as diversas maneiras de se comunicar, adequando a língua de acordo com seu contexto, logo não haverá comunicação e principalmente o saber a respeito desses gêneros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dessa forma foi possível observar por meio das experiências dentro de sala, o desempenho dos discentes principalmente no que diz respeito aos meios discursivos entre eles, as diversas formas de comunicação que os rodeiam. Apesar do olhar “desatento” dos alunos com relação aos meios utilizados para a conversação, entende-se que existe o comparecimento de tais por todo ambiente, pois a língua está presente em todas as atividades humanas, a exemplo disso estão: as cartas de amor, poemas escritos pelos alunos, conversas paralelas, redes sociais e etc. Sendo assim, percebemos a carência em relação ao conhecimento dos gêneros textuais. Diante de todo esse processo podemos concluir que os alunos ainda não estão conscientes da importância e funcionalidade dos gêneros textuais de maneira a elaborar textos do cotidiano/ou não para as diversas práticas sociais. Sob outro aspecto: nossa oportunidade de melhorar a formação inicial entendemos que o PIBID tem se revelado um programa estratégico que oportuniza o diálogo teórico-prático entre nossas atividade acadêmicas e de bolsistas de modo a (re) pensarmos e construirmos um perfil de docência que possa transformar a educação de nossa comunidade e sociedade.

REFERÊNCIAS

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. – São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

PIETRI, Emerson de. Os estudos da linguagem e o ensino de língua portuguesa no Brasil. In: SIGNORINI, Inês; FIAD, Raquel Salek. (orgs.). Ensino de Língua: das reformas, das inquietações e dos desafios. Belo Horizonte: editora UFMG, 2012. p. 18 - 306.

ENTRE PARTIDAS E CHEGADAS: matrizes poéticas de imigrantes de Paragominas- PA.

DEPARTURES AND ARRIVALS BETWEEN: poetic matrices immigrants Paragominas-PA

Aida Suellen Galvão Lima1

RESUMO: O presente trabalho é o resultado do estudo das poéticas oraise da memória, a partir de narrativas orais contadas por imigrantes em alguns bairros do município de Paragominas, estado do Pará, discutem-se, em linhas gerais, a questão da literatura oral. Nas culturas amazônicas entrecruzam-se diversas vozes narrativas que engendram, por meio da memória, diferentes histórias, mitos e lendas do imaginário, além de outros saberes, construindo uma poética composta de matrizes orais, nem sempre originárias da Amazônia. Diante disso, utilizo o método da história oral para analisar como as narrativas orais dos imigrantes vão desvendando temas para a construção das matrizes poéticas. Em seguida, aborda-se a questão do estigma e do imaginário, temas que compõem as matrizes poéticas. Palavras Chaves: poéticas orais, memória, narrativas.

ABSTRACT: This work is the result of the study of oral poetry and memory, from oral narratives told by immigrants in some districts of the municipality of Paragominas, Pará state, are discussed, in general terms, the issue of oral literature . In Amazonian cultures intertwine different narrative voices that engender, through memory, different stories, myths and legends of the imagination, as well as other knowledge, building a poetic matrix consisting of oral, not always originate from the Amazon. Thus, I use the method of oral history to analyze how oral narratives of immigrants will uncovering themes for the construction of poetic matrices. It then addresses the issue of stigma, and imaginary themes that make up the poetic matrices. Key words: oral poetry, memory, narrative.

INTRODUÇAO: PARTIDAS

A decisão da partida para um imigrante também é marcado por um longo processo de sofrimento. Tomado primeiramente pela decisão de abandonar sua terra natal, talvez num eterno exílio, deixando na memória uma relação social construída ao longo da vida. O abandono do seu lugar, deixar para traz parentes próximos é o primeiro desafio

1 Mestre em Comunicação, Linguagem e Cultura (UNAMA), Docente do curso de Letras, Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Licenciatura em Letras, Universidade do Estado do Pará (UEPA). Email: [email protected] a ser enfrentado. Reunir os poucos pertences que possui e levar junto, significa algo muito mais que material e sim lembrança de um passado que ficou. Em 2013 desenvolvi pesquisa de campo na cidade de Paragominas, Estado do Pará, voltada para o estudo das narrativas orais de imigrantes oriundas do nordeste e centro oeste brasileiro, a partir da criação da cidade. Tanto no lugar de origem, quanto em terra migrante, as pessoas com as quais estabeleci interações e diálogos contam que vieram para Paragominas em busca de uma vida melhor e outros para trabalhar na demarcação das terras. Nas incorporações praticadas durante a construção da cidade, emergem estigmas, como “paragobala”, imaginários mesclados com a da Amazônia, revelando memórias de tempos e espaços que traduzem histórias do nordeste e lendas amazônicas. Portanto, este trabalho surgiu de meu interesse em compreender o que os imigrantes trouxeram de suas matrizes poéticas que interligados aos saberes da Amazônia determinam sua identidade. A motivação para a construção da pesquisa é resultado do entrelaçamento de minha experiência como professora na cidade e de minhas indagações frente às circunstâncias das relações socioculturais em Paragominas, formadas nesse contexto das migrações. Entender como narradores imigrantes chegaram, estabeleceram-se e que suas narrativas orais de vivências contam uma história da cidade, tornou-se importante, para que pudesse refazer os caminhos trilhados por essas pessoas que presenciaram aconstrução de Paragominas. Assim, envolvida na pesquisa e nas histórias ouvidas, percebo que as narrativas orais nos fazem pensar nas histórias familiares, nas tradições orais que passam de geração a geração através da voz ou das vozes poéticas. Implica lembrar, também, que lá atrás, contar histórias não era apenas uma prática cotidiana, era um ofício comum, nos quais, muitos se encarregaram e através delas foram repassados ensinamentos e lições de vida. Nas narrativas orais dos imigrantes, mais do que o relato de um fato, em que aparecem personagens marcantes, pessoas que construíram uma história, são narrativas da vida, e são também histórias vividas. São tesouros semeados na mente de quem um dia presenciou um sonho projetado em um papel que se tornou realidade. São relatos, memória e histórias contadas pelas vozes poéticas de homens simples, imigrantes, topógrafos, aventureiros, trabalhadores que, com a mesma habilidade com que arregaçam as mangas para o trabalho, contam e rememoram os fatos vivenciados, que também presenciaram, e fazem questão de dizer “Eu vi” e, por isso, eles são também personagens. Paragominas foi uma cidade planejada na época da construção da rodovia Belém- Brasília, idealizada por Célio Miranda que tinha um audacioso projeto de construir uma cidade em meio à floresta amazônica. A cidade foi planejada, porém sua construção aconteceu de forma desgovernada. Atraídas pelo sonho, muitas pessoas deixaram seus lugares de origem em busca de investimento financeiro, qualidade de vida e emprego. Um lugar habitado por pessoas vindas de toda parte, mas que convivem pacificamente. Conforme nos afirma um dos narradores “não, aqui todo mundo foi unido, toda vida, até hoje eu não tenho inimizade aqui dentro de Paragominas com ninguém” (Narrador 3). Quando conta suas histórias, o narrador revela não apenas o lado poético do que sabe, mas também permite que quem o ouve, receba a sabedoria que emana da fonte das experiências tecidas, principalmente nas idas e vindas do processo migratório, dos sofrimentos e mudanças que aconteceram. Somente quem viveu experiências diversas tem o que contar, lembra Walter Benjamin (1986). Experiências são arcabouços das histórias contadas e vividas no desbravamento da construção da cidade. E assim, numa prática que parece tão banal – a de contar histórias – o homem até hoje, tece a teia da sabedoria, repete as histórias que se tornaram importantes para a sua vida, mesmo que elas tenham acontecido com outros. E, ao repetir suas histórias, o contador desperta nos ouvintes o desejo de ouvi-las novamente. Portanto, a proposta não é pensar apenas nas diferenças culturais existentes na cidade. Consideram-se, também, as experiências vividas por pessoas pioneiras que presenciaram o desenvolver de Paragominas e que contam suas histórias que não foram escritas nos livros, mas que guardadas na memória e recontadas por meio da oralidade, acrescentam detalhes nunca mais vividos. De outro lado, pude conhecer uma cidade marcada pelo estigma da violência, mas que hoje ganha seu espaço como uma cidade de referência para se morar.

Nesse contexto, essas questões são relevantes para o presente estudo, construído, especialmente, porque se trata da interpretação de significados das relações num contexto de migrações e de narrativas de vivência. Para compreender a lógica das culturas dos imigrantes de Paragominas, é preciso afiar o olhar e aprofundar os estudos sobre a memória. Na experiência com a memória, o sujeito é coabitado por diferentes pontos de vista e o confronto entre eles, constitui a própria matéria da memória. Os ângulos adotados pelo sujeito ajudam-no não só a lembrar e localizar as suas lembranças, mas também, a perceber e a observar a realidade presente. A concepção da memória como confronto de testemunhos e sua implicação na elaboração da realidade. Abre a possibilidade de um caminho para uma leitura do lugar, por meio das narrativas orais na construção de um trabalho de registro daquilo que o povo pode nos ensinar. Isso vale para a compreensão e comparação dos discursos narrativos dos contadores e a percepção dos saberes que possuem e do quanto esses testemunhos podem contribuir para o entendimento das práticas sociais cotidianas. Perder os preconceitos para as histórias populares que vêm da voz é imprescindível, visto que por muito tempo, essas histórias se isolavam entre a comunidade sem se saber ao menos suas origens. O saber é bem mais do que isso, ele se alarga e aponta as diferentes formas de aprender. A voz e a letra são intercambiáveis. Torna-se relevante, desse modo, entender o processo de construção estética elaborado pelos narradores, no intuito de compreender a intercessão feita entre a forma das matrizes poéticas criadas pela tradição oral imigrante, a partir da memória e da voz dos diversos narradores. Nessa ótica, é válido detectar as matrizes orais e poéticas que “circulam” nas histórias e experiências de vida advinda dos imigrantes. Trazer a memória coletiva via narrativas orais tem uma grande importância para a construção do sentimento de pertença desses grupos que vieram atraídos por terras e que passam agora a fazer parte da cultura amazônica, compartilhando suas memórias individuais, mas que fazem parte dessas memórias coletivas. Essas memórias garantem o sentimento de identidade do indivíduo calcado numa memória compartilhada não só no campo histórico, do real, mas, sobretudo, no campo simbólico.

No trabalho de levantamento das fontes, realizei num primeiro momento, o mapeamento da cidade, andei por praças, secretaria de cultura e o parque ambiental, em que lá existe um pequeno museu que conta a história da cidade. Aliás, quase toda a pesquisa sobre a história oficial de Paragominas foi lida em um livro escrito por uma professora historiadora que reside na cidade. Num segundo momento, realizei entrevistas orais (utilizando máquina fotográfica e filmadora), totalizando por enquanto cinco narradores entrevistados. O trabalho com história oral ocupa papel importante nesta pesquisa, devido a sua pertinência para a produção de evidências relacionadas ao objeto de estudo. Essa é a vantagem de se trabalhar com essa metodologia . No caso desta pesquisa, por exemplo, alguns dos narradores possuem pouca ou nenhuma escolarização, como afirma um dos narradores “não, não estudei nada, não sei lê nem escrever” (Narrador 1). Então, a história oral cumpre o papel não só de valorização das experiências de vida dessas pessoas, como também os saberes e formas de comunicação características da oralidade.

O CAMPO E O OLHAR ALCANÇADO. Quando abri meus olhos para Paragominas, percebi que agora não era mais uma cidade de trabalho, mas um campo de pesquisa. Parecia que não ia dar conta. Parecia ensaiar uma cegueira que dilatava as pupilas e enrijecia minha mão. Desci do ônibus, depois de seis horas de viagem, deixei minhas bagagens e fui rumo à pesquisa. Estava eu, numa praça, que o seu nome faz uma homenagem ao fundador da cidade de Paragominas, Célio Miranda. Em meio a tantos carros, lojas e pessoas, tudo parecia imenso para o meu tamanho. Estava disposta a começar e achei, por instantes, que dava e comecei a fotografar. Tudo parecia gigante, senti-me Diego à procura de alguém que me ajudasse a olhar2. Comecei, então, ainda em passos inseguros, depois das primeiras aproximações com a cidade, a produzir as tessituras observadas no campo. O meu olhar produziu imagens imaturas das pessoas; descortinou olhares acerca da cidade e de onde poderia encontrar meus narradores, comecei a andar pela cidade e observava senhores conversando embaixo de árvores, jogando baralho, rindo e nem

2O livro dos abraços. Eduardo Galeano (A função da arte). Conto que trata de Diego que levado pelo pai para conhecer o mar, quando se depara com a sua imensidão, trêmulo pediu ao pai: “Me ajuda a olhar!”. imaginado que estava eu em busca de observá-los e com uma súbita vontade de abordá- los e perguntar se eram as pessoas que estava procurando. E como não consegui me conter, parei e perguntei. Muitos dos meus narradores eu já sabia onde encontrá-los, outros tive que abordá-los mesmo, pois percebia que eram senhores que tinham uma certa idade e muito a contribuir e em meio a perguntas acabava por encontrar e começava uma longa conversa e assim participavam da pesquisa.

ANÁLISE DAS VOZES E AS MATRIZES POÉTICAS Na análise das narrativas, as entrevistas representam um importante instrumento de coleta de dados. A interação com o sujeito pesquisado durante a entrevista é essencial para que o mesmo se sinta seguro e a vontade para falar. Em história oral, comumente se realizam entrevistas abertas, que acontecem de maneira informal, sem um roteiro rígido pré-estabelecido, permitindo, assim, o depoimento espontâneo do entrevistado. As técnicas e instrumentos, adotados, potencializaram, na análise, a triangulação dos dados, recurso de análise que permite comparar dados de diferentes tipos com o objetivo de confirmar ou desconfirmar uma asserção. A análise dos dados deu-se na perspectiva de um olhar hermenêutico em que esta interpretação é contextualizada, historicizada, privilegiando o discurso dos sujeitos subjetivos e, para que tudo aconteça é essencialmente necessário garantir o rigor e não perder de vista o exercício do olhar e da escuta sensível. Busquei apreender as falas dos imigrantes sobre a história da cidade imbricada às suas histórias de vida na descoberta das matrizes poéticas. Adiante, destacarei duas das matrizes poéticas encontradas nas narrativas dos imigrantes, o estigma de “Paragobala” e o imaginário da cidade.

O ESTIGMA: paragobala Sobre a temática do estigma, a palavra estigma tem como significado primário marcas de queimaduras ou cortes no corpo das pessoas. No passado, especialmente na Grécia, onde o culto ao corpo era muito forte, uma pessoa estigmatizada era uma pessoa com marcas. Essas marcas tiravam a beleza, então, essas pessoas eram excluídas. Ter marcas significava ter algum mal para a sociedade (GOFFMAN, 2008).

Outras marcas também eram feitas para identificar escravos, castigos, desonra. Nesse caso, as pessoas marcadas eram excluídas do convívio social e não podiam inclusive ter relações comerciais. Não podemos esquecer os estigmas de Cristo. Muitas pessoas apresentavam marcas corporais que, para o cristianismo, representava uma graça divina, ao contrário dos estigmas anteriores. Na obra de Goffman, Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (1988), o autor tem como propósito reexaminar os conceitos de estigma. Goffman busca esclarecer as relações do estigma com a questão do desvio, por isso discute conceitos relativos à informação social que uma pessoa transmite diretamente sobre si. De acordo com Goffman (1988), o termo se refere a um atributo profundamente depreciativo. Porém o autor transcende o significado de estigma enquanto um atributo pura e simplesmente para analisá-lo dentro de uma relação, pois o atributo que estigmatiza uma pessoa também confirma a norma de outra, ou seja, o estigma confere atributos depreciativos aqueles que “fogem” de uma determinada norma padrão. Goffman parte das relações mistas para fundamentar o processo de estigmatização enquanto manipulação, pois coloca em foco os “ditos normais” e os estigmatizados numa mesma situação social, ambos na presença imediata um do outro. É nessa relação especificamente que se estabelece o que é norma e o que foge à norma. Logo, aquele que está fora da norma convencionada como “correta” é o estigmatizado. Para o autor, a relação entre “normais” e estigmatizados é uma relação desconfortável dos dois lados, pois tanto os normais não conseguem ver os estigmatizados como normais nem os estigmatizados, ao contrário, os estigmatizados ficam sempre numa posição de retaguarda, na defensiva. Conforme ele mesmo cita sobre o relacionamento dos diferentes, “a previsão de tais contatos pode levar os normais e os estigmatizados a esquematizar a vida de forma a evitá-lo” (GOFFMAN, 1988, p. 22). Isso acaba levando ao isolamento e à exclusão. Esse comportamento leva à insegurança, à desconfiança, à hostilidade, à ansiedade e à confusão e, até mesmo à depressão. A pessoa que se sente estigmatizada está mais propensa a sentir-se o alvo das atenções e por isso está o tempo todo se policiando e se controlando. Costuma estar entre dois extremos: a total retração ou a agressividade, podendo, às vezes, oscilar entre uma e outra (GOFFMAN, 2008). Hoje, a palavra estigma representa um mal que deve ser evitado, uma ameaça. Em geral, tem a ver com um modo de ser considerado inadequado para os padrões da sociedade dita “normal”. Essa sociedade classifica as pessoas e as ações e cria um modelo a ser seguido. Aquele/a que foge dos padrões é estigmatizado. Também se pode fazer referência ao estigma com algo que marca um lugar, Paragominas, por exemplo, é um lugar marcado por um estigma da violência, devido à vinda de diferentes pessoas para a construção da nova cidade, houve no lugar muitos conflitos de terras e matanças de pessoas, tornando o lugar violento e conhecido como PARAGOBALA. Quando pergunto aos narradores porque Paragominas ficou conhecida como paragobala, eles dizem: Na época o povo que veio, acabei de falar pra você que era meio doido né, amalucado, por ser um povo trabalhador, aí era aquele povo assim que reage também na hora, nem pensa duas vezes, então eu saía assim de madrugada pra ir pro meu trabalho e encontrava assim madeireiro carregando caminhão na catraca com força assim, então esse povo aí é povo meio doido mesmo, não leva desaforo pra casa e começa uma discussão, na época o pessoal andava mais armado de revolver, um atirava noutro matava, lá pelos cabarés aí, e outros porque vieram dos seus estados e porque não podiam ficar lá, que tinha cometidos delitos, crimes, aí veio pra cá e o que ficou lá, localizou ele aqui, veio chegou aqui e houve a matança e muitos morreram aqui, porque tinham problemas no seu estado de origem, tá certo.Mas o povo assim, o povo era trabalhador, mas não era só aqui, olha só, você vai em Marabá matam muito, mas porque é um município que o progresso lá está sendo mais acentuado agora e tal e vai gente de tudo que é natureza tá certo, e é por causa disso, o município se destacava pelo progresso né, e a sua maneira se destaca dos demais... (Narrador 2)

Para o narrador 2, o estigma da violência não é somente em Paragominas, mas em todo lugar que vivencia o progresso. A cidade viveu um tempo em que não se tinha lei, as pessoas chegavam, se apossavam e construíam suas vidas de qualquer forma. Apesar de serem conhecidos como trabalhadores, mas tinham pouca paciência e não pensavam duas vezes com uma arma em punho, atiravam para matar. No imbricar de falas como a do narrador 1 percebe-se mais uma vez o estigma construído e marcado em Paragominas. Segundo ele, a cidade está mais conhecida pela violência em outros lugares do Brasil. As pessoas já conhecem a cidade pelo seu estigma e se amedrontam em saber que alguém que está chegando veio de Paragobala.

O estigma, além de marcar um lugar, marcam as pessoas que a ele pertencem, como se todos em Paragominas fossem violentos e matadores. Acredita-se, segundo relatos do narrador 1, que Paragominas ganhou esse estigma devido a muitos assassinatos que repercutiram por todo estado, até mesmo na capital, assassinatos de pessoas influentes na cidade, como donos de estabelecimentos e até o próprio prefeito da época. Essas matanças de pessoas influentes fizeram de Paragominas um lugar estigmatizado, em que muitos a conhecem como “paragobala”. Uma cidade construída às pressas, pessoas desconhecidas vindas de todo lugar; a cidade era na época a esperança, o novo, o recomeço, a busca do El dourado. Em Paragominas, na época não havia nem votação para eleger prefeitos, e então se indicava um militar que passou a governar a cidade, Amilca Tocantins. Devido a esse habitar desgovernado e todos lutando pelo seu pedaço, não mediam esforços para conseguir o que desejavam, conforme conta do narrador 2: Por exemplo, aqui, oh, vou lhe falar, eu vi o primeiro crime daqui, quando eu cheguei aqui, em 62. Com 3meses que eu tinha chegado aqui, tinham matado um até de Belém, naquela área aqui, que tá até abandonada ali bem baixo, onde tem uma carcaça grande que era um terminal que não fizeram, ali tinha um posto, um homem veio de Belém, colocou lá um posto, montou um restaurante, esse cara que foi morto era um baita de um homem, branco. Um cabrinha assim, deste tamanho, largou a faca nele e matou, aí mataram mais outro de faca, mataram uma de facão, aí ninguém... aí o Amilca já era prefeito aqui nessa época, aí ninguém falou nada, mas no dia que atiraram no Amilca Tocantins, mataram o Afonso Leão por causa, por causa do tiro do Amilca Tocantins, aí depois mataram um pernambucano por nome Laércio, que era dono do posto, aí por isso que teve esse nome paragobala... (Narrador 1)

Diante do que já foi relatado, corroboro meu discurso acerca do estigma de “paragobala”, com a fala do narrador 3. Para ele, Paragominas tornou-se conhecida pelo estigma, devido essa chegada de imigrantes, pessoas desconhecidas e aventureiros. Muitos saíram de suas cidades à procura de oportunidade e acabaram por se deparar com um lugar conflituoso, que segundo o narrador 3 eram pessoas desestruturadas, mas que na verdade todos vieram com o mesmo propósito e cada um queria a sua parte nessa “terra prometida”: Não, isso aí é porque, você sabe, sempre no começo, tem aquelas pessoa que vem de fora, e chegam aqui com os vicio deles de lá, e acham que podem fazer o que quer, matam os outro e fica aquela coisa né, mas isso é coisa de um povo que não teve boas estrutura né (Narrador 3)

O estigma de “paragobala” permite, portanto, reinterpretar o espaço estigmatizado, a partir de outros parâmetros. Em oposição à cena de violência, assassinatos, desordem e conflitos existentes na cidade, delineia-se um novo espaço, já codificado e estruturado, após tanta devastação, hoje ver-se Paragominas de uma outra forma, conhecido como o município verde. Diante das mortes e sepultamentos de pessoas, surge uma cidade moderna e referência do bom lugar para se viver. No ventre das ásperas mortes, engendra-se um lugar novo, ainda marcado pelo estigma, em que os homens agem e dominam, lugar onde as imagens submersas do passado fecundam uma imagem do futuro.

O IMAGINÁRIO NAS LEMBRANÇAS MÓVEIS DOS NARRADORES. Não se pode falar sobre narrativas orais, sobre os contadores, sem fazer referência ao lugar onde vivem aqueles que teceram as histórias a que este trabalho se refere. Num vasto território continental como a Amazônia, onde grande parte dos moradores vive em comunidades rurais, o lugar é a referência para eles. É no lugar que se tecem histórias e experiências de vida. É, também, no lugar que o homem constrói seus laços familiares e de amizade. O lugar pode ser entendido como o palco de encontro entre passado e presente, história e memória. Para Santos, “(...) no lugar – um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são à base da vida em comum”. As histórias de vida e da vida das pessoas são registradas pela memória do lugar. Os antigos são referência no lugar, assim como os velhos de hoje o são. Como numa grande aldeia, a vida dos moradores de uma comunidade reflete a vida dos moradores de outras comunidades. Falar sobre narrativas orais é entrar no mundo das personagens que recheiam o seu enredo, conduzem a um caminho inevitável de se percorrer, como inevitável é ouvir histórias sobre lendas e acontecimentos que rodeiam o lugar, sem deixar de ouvir frases como “Eu vi”. Esse caminho é o que leva à questão da abordagem sobre os contos populares. Quando pedi aos narradores, que me contassem as histórias, perguntava-lhes se alguma vez tinham visto alguma coisa diferente, misteriosa. Quase todas as respostas, havia uma negação. Alguns respondiam que não viam nada, e outros acabavam sem perceber narrando o que queria ouvir. Por isso, todas as histórias coletadas para este trabalho apresentam como tema o sobrenatural, variando os assuntos entre lobisomem, animais, assombrações, e ou aparições misteriosas. É interessante destacar que, com exceção de um caso, em todos os outros os narradores se disseram não acreditar nessas histórias, devido não terem visto nada. Um dos narradores se considerava “preparado” ele havia nascido “preparado” para que esses seres sobrenaturais não aparecessem para ele, no entanto, outro narrador diz que alguns dos acontecimentos foram presenciados por ele. Conforme afirma o narrador 1: Porque eu nasci puro, eu nasci puro, eu sou um cara preparado de meu nascimento, entendeu? Sê sabe que tem umas pessoas que já nasce preparada? (Narrador 1)

Porque olha, tem gente, que tudo faz aquele vulcão, e eu fui muito medroso quando era criança nos seio de minha mãe, mas minha mãe, eu não tive sorte, nós somos 10 irmãos, mas minha mãe morreu com 34 anos e deixou 10 filhos, o mais velho sou eu, agora, eu, tive que nascer preparado, que eu já fiquei em lugar sozinho, nunca vi assombração, nunca vi nada deu tê medo, quando eu mexi com pião aqui em Paragominas, pião já morreu, ainda tem uns dois vivo, ai eles viviam dentro do barraco comigo, aí, umas pessoa até preparada, mas saia assim pra uma beira dum rio pescar, uma hora dessa, dava umas 7horas ou 7h30 os homem saiam de lá assombrado, gritando da beira desse córrego. O que foi que tu viu? Eu vi um fantasma lá, tem um homem na beira do rio. E eu ficava anos e anos, quando eu terminava o serviço, morando num barraco sozinho, eu vinha pra beira desse rio, às vezes eu ia pescar, as vezes eu ia lá de noite tomar um banho quando faltava água, nunca vi nada, meus companheiro saiam correndo lá da beira do rio, homem brabo! Diz que não tinha medo, saia tudo correndo e eu não via nada. Não vi nada que me assombrasse em canto nium, porque eu nasci preparado por Deus, entendeu? (Narrador 1)

Nesse caso, o elemento sobrenatural é mais próximo da racionalidade do mundo moderno urbano, uma vez que inicialmente apresentam explicações que aparentam ser sobrenaturais, mas que podem ser facilmente explicadas de maneira lógica e racional. Essa descrença no sobrenatural, em alguns momentos acontece devido o ritmo da vida moderna que desaparece as simbologias emblemáticas do imaginário, e em outros casos a religião contribui fortemente sobre o racional das pessoas, como acontece no relato do narrador 1:

E eu não sou um homem de idolatria, até ainda agora eu tava brigando com um nego sem vergonha, ah! Porque eu sou um homem de oração. Que tu é homem de oração coisa nenhuma rapaz, a oração é Deus, o homem tem que

ter fé em Deus, não é negócio de macumbaria, negócio que não vele nada, cabra tem que ver isso, agora o cabra que se envolve nessas coisas, só anda assombrado, e eu cansei de passar em cemitério, na meia noite no cemitério é onde o cara vê assombração, eu nunca vi nada em cemitério. (Narrador 1)

Assim, conforme profetizava Walter Benjamin (1986) sobre a morte do narrador, se percebe que a vida moderna das cidades também contribuem para o desaparecimento dos contos populares, tradição de anos que está aos poucos se perdendo no tempo, porém insisto na busca dessas histórias para que o fio imaginário que envolvem a capacidade de criação e contação não se rompa nesse meio tecnológico. A descrença nos marcadores simbólicos das narrativas populares, como o cemitério e a noite, ganham outras características no relato do narrador 1: Quando você vê assombração dentro cemitério, sabe quem é? Bandido, ladrão, pistoleiro, que quando ele tá fugido da polícia ele vai lá pra dentro do cemitério, porque lá ele sabe que ninguém vai caçar ele lá dentro, quem já morreu não volta mais minha filha, se ele morreu coitado, se foi pra um bom lugar, no reino da gloria de Deus, ele tá preparado tudo bem, mas ele foi pros inferno, lá é que ele tá preso mesmo. (Narrador 1)

Nos contos populares, a simbologia do cemitério é muito frequente e significativa, devido ser o lugar em que aparecem coisas sobrenaturais e pessoas que já morreram, surgem para assombrar as pessoas. Os cemitérios povoam a imaginação das pessoas como lugares perigosos. E isso tanto no plano sagrado ou sobrenatural como no plano profano. Mesmo aquelas para quem ele é parte do cotidiano em maior ou menor grau, ainda manifestam certo cuidado ou ambiguidade frente a ele, nas atitudes, nos sentimentos, nas formas de falar sobre ele. Para o narrador 1, o cemitério é abrigo para ladrões, bandidos e pistoleiros que se aproveitam do espaço emblemático do imaginário para se esconderem, percebendo com isso, que o cemitério na mentalidade moderna não significa mais um lugar assombrado, mas o lugar da violência, característicos da perda do medo e do desrespeito as crenças populares. O conto popular é um texto narrativo, geralmente criado pela imaginação do povo. São histórias curtas que visam educar, enriquecer e encantar o ouvinte. Cada região e cada local têm os contos que os caracterizam, e alguns se assemelham a contos de comunidades e/ou regiões aproximadas ou mesmo localizadas a uma certa distância. A época em que é contado também influencia, porque esses contos podem ganhar novos personagens, novos desfechos, novas situações a cada nova vez que são contados. Podem apresentar fatos possíveis, ou fantásticos, podem atribuir a animais características humanas e também podem trazer ensinamentos. Neste caso, o narrador 2 usa dessa artimanha da invenção para contar aos seus netos histórias que fazem as crianças ficarem quietas, mas afirma que nunca viu nada, apenas ouve falar que existiu, que alguém viu, mas sem comprovação. Essa também é uma marca dos contos populares, o de indicar alguém que presenciou para afirmar a verdade. Como nos diz o narrador: Essas eu sinceramente não tenho como te falar sobre isso aí, porque a gente ouve sim boato né, que alguém viu, só que na hora que você chega assim, fulano como foi você viu? Não, foi o fulano que me contou, vai nele aí ele, não, eu ouvi falar, enfim não aparece ninguém que viu essas coisas sobrenaturais, certo. São coisas que aí vira lenda, a gente até gosta de contar e até aumenta, principalmente quando tá conversando com os netos aquelas histórias, pra fazer eles ficarem ali quietinhos, a gente conta e as vezes até inventa, talvez até melhore um pouco. (Narrador 2)

Mesmo afirmando que não viu nada na cidade e que não se tem histórias populares no lugar, o narrador 2 envolvido pelo assunto perguntado, acaba por relatar um acontecimento sobre uma manada de porcos que aparece em Paragominas. Essa é uma história bem recorrente na cidade, no período em que estive na cidade a trabalho sempre ouvia falar que aparecia uma porca que assombrava os moradores e inclusive a narradora 6, também afirma já ter ouvido falar dessa porca, porém não me relatou com detalhes, mas podemos perceber a importância desse animal no imaginário popular da cidade. Conta o narrador: É mais o que eu me lembro, mas isso foi real, foi a invasão de uma manada de porcos, deixada aí, de porcos do mato, eles entraram aqui na cidade, sabe onde tem o lago ali, pois é ali no lago tinha um chiqueiro de porcos do proprietário daquela área lá na época, já é falecido, o Tião mineiro, e essa manada de porcos entrou aí e chagaram a matar, eu me lembro que mataram setenta e cinco porcas e foi um fenômeno, um invasão assim de quinhentos porcos ou mais de uma vez na cidade né, que tava começando, isso houve certo, porque a cidade ela era pequena. (Narrador 2)

Percebe-se que nas histórias populares de Paragominas, os animais estão bem presentes nas histórias. A participação do animal no folclore e na etnografia tradicional é variada e ampla. Segundo Câmara Cascuda em seu Dicionário do Folclore Brasileiro,“para o povo, o animal é portador de memória, prevenção, simpatia, defeitos, virtudes”. (1988, p.85). Nessas narrativas, a figura de uma porca é bem presente, segundo o dicionário de símbolos a porca quer dizer: Embora o porco seja geralmente considerado o mais impuro dos animais, a porca, em contrapartida, foi divinizada como um símbolo de fecundidade e de abundância, revitalizando com a vaca. Assim, os egípcios representavam a grande deusa Nut, figurada pela abóboda celeste e parceira fêmea da hierogamia elementar Terra-Céu, ora sob a forma de uma vaca, ora sob a forma de uma porca deitada nos céus, amamentando os seus filhotes, representados pelas estrelas (POSD). Divindade selênica é mãe de todos os astros que ela engole e cospe, alternadamente, conforme selam diurnos ou noturnos, para deixa-los viajar no céu. Assim, engole as estrelas na aurora e as devolve no crepúsculo, fazendo o contrario com o filho sol. Ela é a vítima predileta oferecida a Deméter, a deusa maternal da terra. A porca simboliza o principio feminino reduzido exclusivamente a seu papel de reprodução. (JEAN CHEVALIER, 1997, p. 734) Por isso, nas narrativas, a figura do porco ficou na memória dos narradores devido à criação que existia na cidade, mas, ao serem exterminados do lugar dando espaço para construção de Paragominas, esses animais se transformaram em figuras lendárias ganhando o imaginário da população. Para outro narrador esses animais se metamorfoseavam em mulheres: Até isso falaram pra vocês. Olha só, pra você ver, quando começaram a contar a historia dessa porca, já era na época do Fernando, que quando ele governou essa cidade já tinha água encanada que o Amilca Tocantins deixou, o poço era aqui em baixo, perto da estrada velha, mas aí, eu peguei, nessa pista que vai subindo onde tem o segundo cemitério daqui, na rua Monte Líbano, hoje tá uma rua bonita, um hospital grande particular, tem uma igreja batista, tem a igreja católica que fica bem no canto. Aí eu trabalhava até 8h da noite 9h, nessa dita rua que diz que aparecia essa porca né, aí uma mulher, era até uma baiana, ela morava lá... Naquele tempo era só casinha velha, casinha ruim, aí ela chegou comigo e disse: seu (...), já tá na hora de o senhor larga o serviço, ir embora, porque aqui diz que tem uma mulher que vira uma porca, e tal. E diz que era essa mulher né, eu digo dona eu espero que seja uma porca magra, porque se é uma porca gorda eu largo a picareta, mato ela e vou esquarteja, e comer a carne assada.. Não, não! Se meta. Eu nunca vi nada, mas diz que tem alguém que andou vendo, mas diz que era duas moças e era bonita, diz que essas duas meninas também viravam porca, uma virava cachorro, foram embora daqui, desapareceram daqui. (Narrador 1)

Diante desse relato, pude perceber que mesmo não tendo visto a lendária porca, mas alguém diz que viu, então o imaginário popular vigora sobre a cidade. A porca, além de simbolizar a figura materna ela simboliza também a comilança, a voracidade, a abundância, em muitos mitos ela exerce o papel de sorvedouro. Sobretudo, a cidade estava se desenvolvendo deixando o espaço rural para dar lugar ao urbano, mesmo urbanizada a imaginação popular não perde sua característica mítica, bem típica da região amazônica. Atravessando regiões outros mitos e lendas são trazidos na memória dos narradores. O narrador 1 que é cearense que lembra da sua infância sofrida, filho mais velho de uma prole de dez irmãos, muito cedo teve que trabalhar para ajudar no sustento da família. Ele conta que no Ceará se contava muitas histórias, entre elas está a do lobisomem, história essa muito frequente no imaginário nordestino. Tal relato o narrador conta: Ah! Lá no Ceará tinha umas canturia, o lobisomem ainda andou no meu calço atrás de mim, mas não chegou, quando eu cheguei em casa já tinha passado, eu era rapazinho né, eu arrumei uma namorada saía sozinho naquele deserto pra casa da namorada, chegava em casa de madrugada, meu pai até reclamava, era o direito que eu tinha era só no domingo, porque eu trabalhava de segunda a sábado, quando chegava sábado a noite e domingo eu ia na casa da namorada, que era em outra área, outro setor, por detrás da propriedade de meu avô, aí diz que lá tinha lobisomem e eu via a batalha da cachorrada gritando toda a sexta-feira descendo aquela terra, numa estrada chamada Candeia, pra cortar buburama, cipó por tudo que é canto, tem gente que diz que via, mas eu nunca vi não. (Narrador 1)

Ao pensar-se no imaginário do lobisomem num contexto específico, como o apresentado na narrativa, faço uma alusão a obra O fogo Morto de José Lins do Rego, em que a figura do lobisomem se faz presente e se trata de uma obra nordestina. O estudioso, Câmara Cascudo em sua vasta obra obre a cultura popular, aponta que “O lobisomem nos foi trazido pelo colono europeu. Está em todos os países e épocas, com histórias espelhadas, sob nomes vários, registrado nos livros eruditos”3. Além disso, “O animal fantástico foi assimilando as peculiaridades locais, deformando-se, nacionalizando-se, mas com os traços característicos que o fazem uno, inconfundível e completo no quadro geral da fabularia popular”4. Desse modo, a figura lendária do lobisomem vincula-se, inicialmente, à perspectiva de que se trata de uma criatura do imaginário europeu (embasado em seu viés simbólico, arquetípico e cultura) adaptada

3CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos Mitos Brasileiros. 2ª ed. São Paulo: global, 2002. P. 172. 4 CASCUDO. Op. Cit. 2002. P. 177. ao contexto sociocultural brasileiro e, em especial na obra de José Lins do Rego e na memória do narrador 1, ao contexto nordestino. Em síntese, pode-se dizer que a construção do imaginário sobre o lobisomem percorre por todos os lugares nas vozes dos narradores, através de sua memória herdada do seu lugar de origem. Há ainda, no entorno das narrativas, uma outra história tipicamente paraense, a lenda da cobra. Uma das características das narrativas orais é permitir grande variedade de versões e de variante, pois não estão fixadas pelo registro escrito. A transformação que nelas ocorrem, ao serem transmitidas de boca em boca, de geração a geração, não é, necessariamente, a de “contar um conto e aumentar um ponto”. Muitas vezes, as variantes revelam adaptações às situações históricas do narrador. Por isso, entre tantas versões de histórias sobre a cobra grande, a que aparece na narrativa do contador 3 é diferente. Ela não aparece no rio e nem se metamorfoseia em embarcação, a cobra é real. Aparece para o narrador em meio a atuação de seu trabalho na mata. Conforme descreve o narrador: Eu não sei, eu trabalhando no serviço topográfico eu encontrei com uma cobra, jiboia, a gente não media, porque ela não espichou pra gente medir, né, mas eu acredito que ela dava uns 20 metros, ela era muito grossa, a grossura era de um tambor de uns 200litros, até a gente matou essa cobra, porque eu fiquei no barraco pra fazer um serviço e começou a desaparecer tudo, muita coisa, e aí eu dei muito grito, foi à única coisa que eu vi. (Narrador 3)

Ainda que haja diferentes pessoas, de diferentes lugares e as próprias nascidas em Paragominas se misturam, há um esforço de colocar alguns símbolos paraenses: no caso do Parque Municipal que além de trazer figuras, nem tão conhecidas por alguns, há sim imagens que fazem parte fortemente do imaginário amazônico. Como a Matinta Pereira, a Cobra Grande, a Sereia, por exemplo. Por ter percebido, durante a transcrição das narrativas, a presença de mitos e lendas nas matrizes poéticas dos narradores, compreendo o mito como estrutura social que ordena e mantém simbolicamente as construções sociais e naturais do lugar, por exemplo, ao relatar a história de um tempo primordial, onde se iniciam as formas de construção, desbravamento, sociabilidade e formação de uma cidade em meio a uma floresta. Assim, quando vemos o mito como construtor e ordenador do lugar, é porque entendemos que esse "lugar" em cada espaço, em cada ponto está carregado de sentidos, afetividades e lembranças do sagrado. Esse conhecimento é uma maneira de se nortear no mundo e na vida social; de preservação de suas relações sociais tradicionais, de organização de seu espaço mais próximo e afetivo que é o seu "lugar". Tal organização espacial mostrará que o lugar é pleno de emoções, de conhecimentos incorporados que nascem da vivência, da observação e do acúmulo da sensibilidade oriunda do lugar. As tradições, as lendas, as narrativas míticas nascem e demonstram as relações que o homem deverá ter em termos ideais com a natureza. Antes de mais nada, é preciso esclarecer que utilizo a palavra “imaginário” não no sentido psicológico, mas como representação da realidade por meio da linguagem metafórica, que evoca a simulação dos cinco sentidos. Imaginário é visto aqui, portanto, como experiência mental, composta por imagens e ideias construídas pela linguagem. Nessa perspectiva, o imaginário social se constitui também como construto de identidade, haja vista que abarca em si as representações simbólicas que dão significado à realidade, a fim de expressar valores e formas de determinado grupo, sociedade. Conforme Baczko (1985), os imaginários constituem pontos de referência no vasto sistema simbólico que qualquer coletividade produz, por meio do qual ela se percebe, divide e elabora seus próprios objetivos. Desse modo: É assim que, através dos seus imaginários sociais, uma coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código de ―bom comportamento, designadamente através da instalação de modelos formadores. (BACZKO, 1985, p. 309).

Finalizo minhas interpretações com o pensamento de Stuart Hall (2011) ensinando que todas as identidades estão localizadas no espaço e tempo simbólicos, considerando assim as suas paisagens características, seu senso de lugar, de lar, bem como suas localizações de tempo, que consistem: Nas tradições inventadas que ligam passado e presente, em mitos de origem que projetam o presente de volta ao passado, em narrativas de nação que conectam o individuo a eventos históricos nacionais mais amplos, mais importantes. (2011, p. 72)

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Chegadas Diante dessas constatações, a sensação que me assalta, por vezes, é que saio da pesquisa com a sensação de que faltou aprofundar mais, investigar mais sobre esses imigrantes e também com os nativos da cidade, porque suas histórias também mexeram comigo enquanto professora itinerante, que migra para diversos municípios levando um pouco do meu conhecimento, porém meu conhecimento é o saber formal, mas aprendi muito ensinamentos de vida. Com isso, aprendi que para se falar algo precisamos saber do lugar de onde se fala, precisamos nos colocar no lugar do outro, respeitar seu tempo e ouvir com atenção o que nos tem a dizer. Quando adentrei no universo dessa pesquisa, ainda com muitos conhecimentos teóricos na cabeça, um caderno, uma caneta e uma câmera na mão, tinha como pressuposto inicial olhar o cotidiano desses imigrantes e tentar ouvir somente o que me interessava. No percurso das incursões teóricas para encontrar bases de sustentação para a minha questão de pesquisa, foram raros os momentos de leitura que não traziam uma imagem negativa quanto ao ato de migrar, pensei comigo que essas pessoas sofriam preconceitos e eram tolhidas por ser diferente, um jogo de culpas que temi ser impregnada de tanto pessimismo. Porém, foi pelas leituras da vida e da natureza que refiz em mim as memórias das minhas andanças e movências reais, da minha vida como professora que migra e atualmente dos narradores que conheci e não percebia que eu também era uma imigrante quando chegava a um município para trabalhar. Via sim como um ato normal da profissão, sem me dar conta que eu também estava em busca de uma vida melhor, olhava o imigrante com o olhar do invasor, um olhar ao avesso e foi com esse olhar que fui, nos traçados das histórias que penetravam em meus ouvidos, buscar resposta para minhas indagações e acabei percebendo que também faço parte desse “entre-lugar”. Se fosse para descrever as mazelas teria muito mais a dizer, mas, estaria dizendo o que todos já dizem e sabem. Preferi, sem omitir críticas sobre o que vi comunicar o importante papel de ouvir e contar, possibilidades e invenções que só foram notadas porque tiveram a oportunidade de sair de uma condição anónima para ocupar a centralidade do meu olhar. O olhar, mesmo pelas minhas retinas, foi totalmente hibridado pelos olhares dos narradores, dos imigrantes que também sou, parecia que na pesquisa eu era a mais importante, que na verdade o narrador que conta, ele sim é o que importa, é ele que concretiza esse trabalho. O sentido de olhar e fazer desse olhar linguagem, captando triscos de coisas para compor o meu papel em branco foi um exercício de me desfazer e refazer a cada movimento que me tocava. É nessa perspectiva que a história oral consolidou o meu olhar e, de fato, exerceu seu papel quando me pôs dentro do campo de pesquisa e fez-me capturar, do seu interior, o que vi e vivi com intensidade sensível e acadêmica. Escrever é marcar um traço e não somente um traço de grafia codificada, mas um traço de grafias que mesmo normatizadas, têm a possibilidade de voar marcando outros traços. Ao grafar as narrativas ouvidas nos traços marcados pela minha escrita, descrevendo o cotidiano da prática experimentada, pude povoar o papel de acontecimentos que também são grafados e marcados pelas vozes dos narradores e de todo e qualquer movimento efêmero ou contínuo que habitam na oralidade. Acredito que essa grafia é uma forma de deslocamento do cotidiano vivido, possibilitando a disponibilidade para novos olhares, intervenções e escritas com o intuito de que as formas orais sejam cada vez mais reveladoras e abertas e a imaginação sobre e entre a vivência e o vivido.

REFERÊNCIAS

ALBERT, Verena. História Oral na Alemanha: semelhanças e dessemelhanças na constituição de um mesmo campo. Rio de Janeiro: CPDOC, 1989.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. São Paulo: Editora Brasiliense, 2006.

BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. Porto: Enciclopédia Einaudi, 1985.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renata Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

BENJAMIN, Walter. “O narrador”. Consideração sobre a obra de Nicolai Leskov, In: Obras Escolhidas, Magia e Técnica, Arte e Política - Ensaio sobre leitura e história de cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BENCHIMOL, Samuel. Amazônia Formação Social e Cultural.3 ed. : Editora Valer, 2009.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade:lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

CANDAU, Vera Maria. Oficinas Pedagógicas de direitos humanos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore Brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.

CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos Mitos Brasileiros. 2ª ed. São Paulo: global, 2002.

CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2006.

CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 1988.

HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2011.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução Beatriz Sidou. São Paulo: Vértice, 2006.

ILUSTRAÇÕES SOBRE SEXUALIDADE EM LIVROS DIDÁTICOS: UMA LEITURA SEMIÓTICA

Edna Suely Santos Souza/UEPA [email protected] Lorena Renata Costa da Rocha Gomes/UEPA [email protected] Profª Msc Thamy Saraiva Alves/UEPA/UFPA [email protected] Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar as ilustrações sobre sexualidade em livros didáticos, numa perspectiva semiótica greimasiana. Fundamentado na teoria da semiótica defendida por Greimas (1971), e os teóricos Stubbes (1670), Hjelmslev (apud em Noth/ 2003), Foucault (2007), Groff (2002), Greimas & Courtés (2008) e outros. Ao apresentar a ciência da significação, processo de produção de sentido, o feito que permite às coisas dizerem o que nos dizem, se tratando de explicar o próprio objeto, nesse caso a leitura do que se ver pelas coerções da ilustração contidas nos livros didáticos. Assim, propusemos a averiguar as manifestações da sexualidade/sensualidade expressa em ilustrações/imagens inserida no livro didático de Língua Portuguesa, intitulado Português Linguagens, volume 1, Cereja. W.R. & Magalhães, T.C., Ensino Médio, 2012, o objeto de estudo. Tendo como locús da pesquisa a ERC Dom Calábria situada em Marituba, Região Metropolitana de Belém. Este estudo faz uma reflexão sobre a sexualidade contida nos livros didáticos a partir de um levantamento bibliográfico onde encontramos inúmeras formas de a sexualidade demonstrar sua importância, usamos como critério o método de pesquisa-observação, numa abordagem qualitativa, numa leitura semiótica narrativa, visto que podemos utiliza o discurso narrativo como caráter figurativo ou ilustrativo, contendo personagens que realizam ações, dessa forma corresponde a um texto-imagem concreta, possibilitando diversos contextos na interpretação de quem as ver, buscando a instauração de um novo olhar, reconfigurado na perspectiva linguística e literária, defendida na semiótica greimasiana. Desse modo a pesquisa se torna relevante para academia e sociedade, por proporcionar ações direcionadas à abordagem da sexualidade, já que a mesma não deixa de ser um construtor histórico do sujeito. Palavras-chave: Semiótica. Livro Didático. Sexualidade.

Abstract This article aims to analyze the illustrations in textbooks on sexuality, in Greimas semiotic perspective. Based on the theory of semiotics defended by Greimas (1971), and Stubbes (1670), Hjelmslev (cited in Noth / 2003), Foucault (2007), Groff (2002), Greimas & Courtes (2008) and other theorists. In presenting the science of meaning, process of production of meaning, the feat that allows things to say what they tell us, is trying to explain the object itself, in this case reading than by coercion see illustration contained in textbooks. Thus, we propose to investigate the manifestations of sexuality / sensuality expressed in illustrations/pictures inserted in the Portuguese language textbook entitled Portuguese Languages, volume 1, Cherry. W. R. & Magalhães, TC, High School, 2012, the object of study. Having as a locus of research ERC Don Calabria located in Marituba, Metropolitan

Region of Belém. This study is a reflection on sexuality contained in textbooks from a literature where we find numerous forms of sexuality demonstrate its importance, use as a criterion the research method-observation, a qualitative approach, a semiotic reading narrative, since we can use the narrative discourse as figurative or illustrative, containing characters who perform actions thus corresponds to concrete text-image, allowing different contexts in the interpretation who see them, seeking the establishment of a new look, reconfigured in linguistic and literary perspective, defended at greimasian semiotics. Thus the research becomes relevant to academia and society by providing actions regarding sexuality approach, since it is nonetheless a historical builder of the subject. Keywords: Semiotics. Textbooks. Sexuality.

Notas Introdutórias Ao longo da história da humanidade a temática sexualidade foi sendo incorporada em algumas instituições sociais, como a família, a escola, a Igreja. Entretanto, mesmo com este avanço a sexualidade ainda não é explorada em todos os seus aspectos. Quando a sociedade aborda esta temática, fala de maneira superficial, simplória e reduzida. Falar de sexualidade é falar de desejo, sentimento e afeto. Portanto, a orientação sexual tem um caráter imprescindível na vida do ser humano, sendo relevante no processo educacional, quando se trata do livro didático nas escolas, pois a escola se caracteriza como um espaço de instrução, de troca contínua de conhecimentos necessários à formação integral do indivíduo. E por esta razão deve proporcionar ações direcionadas à abordagem da sexualidade, que segundo Weeks (1999), “a sexualidade é um construto histórico”, contudo, visto pelo viés das ciências, onde podemos enxergar a sexualidade como fenômeno social e histórico, já que os corpos não tem nenhum sentido intrínseco, porque variam no tempo e entre as sociedades, se tornando uma questão da própria sociedade. Para Foucault (2007), a história da sexualidade é a história dos nossos discursos sobre o tema, discursos através dos quais a sexualidade é construída como corpo de conhecimento que desse modo modela as formas como pensamos e conhecemos o corpo, porém, o não dito sobre o assunto e o desconhecido geram angústias e fantasias, além de multiplicar a quantidade de dúvidas entre crianças e jovens. Segundo Groff (2002), a sexualidade é parte integrante do desenvolvimento da personalidade, é algo que se constrói e aprende, tornando-se inseparável da personalidade humana que está presente desde o nascimento até a morte, e se diferencia a cada etapa do desenvolvimento humano, construída ao longo da vida e marcada pela historia, cultura, ciência, assim como pelos afetos e sentimentos particulares de cada ser humano, ressaltando a importância da temática, visto que está presente nos livros didáticos, assim, se justifica no intuito de proporcionar a comunidade escolar o acesso a informações sérias e interpretação critica a acerca de diversos assuntos que permeiam a sociedade, contribuindo para que ambos tenham uma vida saudável, em especial no que se refere à adolescência já que é vista de modo abrangente pela sociedade como período problemático. Partindo desta constatação nos propusemos a analisar, por meio da semiótica de Greimas as manifestações da sexualidade, expressas em imagens, contidas no Livro Didático de Língua Portuguesa “Português Linguagens, volume I”, (2012) dos autores CEREJA, William Roberto & MAGALHÃES, Thereza Cochar, do Ensino Médio, objetivando verificar o tema da sexualidade proposto pelas ilustrações que o livro didático apresenta em seu conteúdo. Tendo como locús da pesquisa a ERC Dom Calábria situada em Marituba, Região Metropolitana de Belém. A partir desse pressuposto, considerando a semiótica como ciências da significação, que se preocupa em fornecer conhecimentos sobre o funcionamento da língua e dos textos e sobre as formas em que ocorre a produção de sentidos, pois segundo os autores Greimas & Courtés (2008) é a própria função semiótica: processo de produção de sentido, o feito que permite às coisas dizerem o que nos dizem, se tratando de explicar o próprio objeto, nesse caso a leitura do que se ver pelas coerções da ilustração/imagem, tomado em sentido amplo, como da história, mas de discutir a interpretação de contexto e história como efeitos da textualização visual que constituem a instância que de fato de quem interpreta tal ilustração que reportem à sexualidade contida no livro didático de Língua Portuguesa pesquisada. Analisando as ilustrações/imagens, a partir da visão semiótica greimasiana, na perspectiva de que o texto como objeto de significação, a ilustração como objeto de pesquisa se preocupa em estudar a leitura semiótica, constituindo um significativo na textualização visual, assumindo um olhar diferente sobre as variáveis sócio-históricas de quem faz a leitura e sua interpretação das ilustrações contidas no livro didático do Ensino Médio.

1.O Histórico da Semiótica A palavra semiótica origina-se do grego semeion, que significa signo, e sêma refere- se a sinal ou signo, Sēmeiōtikos com o significado de técnicas de sinais. Segundo Nöth (2003), a semiótica apresenta raiz na história da ciência médica, referindo-se ao “estudo diagnóstico dos signos das doenças” (p.19), incluindo,assim, três ramificações da semiótica médica, como anamnéstica – estudo da história médica do paciente, a diagnóstica – estudo dos sintomas atuais da doença e prognóstica – referente às predições e projeções do desenvolvimento futuro das doenças. A semiótica foi usada por Henry Stubbes (1670), em um sentido muito preciso, para indicar o ramo da ciência médica dedicado ao estudo da interpretação de sinais. Entretanto, ao longo da história da filosofia a semiótica enquanto teoria geral dos signos recebeu inúmeras denominações. De acordo com Nöth (2003), a terminologia semiótica, inicialmente, referia-se à “ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura” (p.17). Entretanto, esta definição sofria severas críticas e não era validada por diversos estudiosos que contestavam esta afirmação, afirmando que a ideia de semiótica se restringia à comunicação humana. Para Greimas (1971), torna-se inaceitável considerar semiótica como uma teoria dos signos, remetendo desta forma à definição de uma teoria de significação. A semiótica, propriamente dita, teve origem com os filósofos John Locke (1632- 1704), que adotou uma doutrina dos signos, denominada semeiotiké, e com John Heinrich Lambert (1728-1777), que escreveu um tratado reportado Semiotik. Existem, de acordo com Nöth (2003), distinções terminológicas entre os termos semiótica e semiologia. O primeiro corresponde a uma ciência mais geral dos signos, incluindo os signos animais e da natureza; e semiologia restringe-se à teoria dos signos humanos, culturais e, especialmente, textuais. Mais complexa que a vertente europeia, em seus princípios básicos, a corrente peirciana considera o signo em três dimensões, sendo o signo, para esta, “triádico”. Ocupa-se do estudo do processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, no conceito ou da ideia. Posteriormente, teóricos europeus como Rolond Barthes & Umberto Eco (1932) preferiram adotar o termo “semiótica” em vez de “semiologia”, para sua teoria geral dos signos, tendo de fato, Eco se aproximado mais das concepções peircianas do Saussure e no estruralismo de Roman Jakobson (1929). A distinção entre semiótica e semiologia defendida por Hjelmslev (apud NÖTH, 2003) e aceita por Greimas compreende semiótica como um “sistema de signos com estruturas hierárquicas análogas à linguagem – tal como uma língua, um código de trânsito, arte, música ou literatura – ao passo que semiologia é a teoria geral, a metalíngua” (p.24).

Visando encerrar esta distinção e rivalidade entre esses dois termos – Semiótica e Semiologia - a Associação Internacional de Semiótica em 1969, propõe a semiótica como termo geral nas tradições da semiologia e da semiótica geral, porém, o termo semiótica quanto o termo semiologia têm as raízes de suas constituintes iniciais e principiais nas palavras gregas semeîon, ‘signo’, e sema, ‘sinal’, ‘signo’. Tal como a gramática e a aritmética ou a biologia e a filologia, que são campos de estudos de diversas áreas de conhecimento humano, a semiótica e a semiologia, nas suas origens, são os campos de estudo dos signos e dos sinais, que particularmente o estudo se abarca na semiótica greimasiana.

2.A Semiótica Greimasiana e o Percurso Gerativo do Sentido De acordo com Nöth (2003) um dos semioticistas que defendeu e permaneceu com fidelidade à semântica estrutural foi Algirdes Julien Greimas (1917-1992), “introduziu uma semiótica altamente influente e produtiva, que se tornou o núcleo de uma escola de semiótica”. (NÖTH, 2003, p.145). As ideias de Greimas influenciaram a semiótica do espaço, da arquitetura, pintura, teologia, ciências sociais, dentre outras áreas. A semiótica defendida por este estudioso possui como objetivo o estudo do discurso, salientando a estrutura narrativa presente em todos os tipos de texto. Desta forma impõe uma nova conceituação de semiótica. Não mais a de teoria dos signos, e sim, concebe como a teoria da significação. A semiótica defendida por Greimas, também conhecida como semiótica francesa ou semiótica do discurso, preocupa-se com o texto como objeto de significação, nas condições de apreensão e produção do sentido. Nesta teoria da significação observa o que o texto retrata e a forma com que referencia o objeto, focalizando o plano de conteúdo, perpassando por um percurso mais simplificado ao mais complexo. Este processo é denominado percurso gerativo de sentido, sugere a produção e a interpretação do conteúdo de um texto. Nöth (2003) afirma que Greimas distinguiu três grandes áreas de análise semiótica textual, sendo: estruturas sêmio-narrativas que descrevem a combinação de estruturas semânticas e sintáticas com base na gramática fundamental do discurso. A semiótica fundamental relaciona a instância mais profunda do processo gerativo, estabelecendo o quadrado semiótico com afirmações e negações.

A semântica e a sintaxe narrativas são consideradas como instância de atualização de valores. Na sintaxe narrativa temos o enunciado elementar, relação entre sujeito e objeto. Existem quatro fases que representam este período, são elas: a manipulação, a competência, a performance e a sanção, que constituem uma relação entre si. No entanto, essa manipulação compreende a fase que o sujeito age sobre o outro, podendo aparecer como intimidação, sedução, provocação ou tentação, com o intuito de induzir a querer, necessitar e a realizar algo. Todavia, a competência reporta-se ao saber ou poder realizar alguma ação. Enquanto que a performance é transformação da narrativa, a ação propriamente dita. E a sanção é o julgamento da performance, podendo conduzir à premiação ou a punição do sujeito. Essas estruturas discursivas que objetivam por em evidência as estruturas superficiais do discurso. Desse modo a sintaxe do discurso abrange os procedimentos que o enunciador elege para atingir seu objetivo, que é persuadir o enunciatário a aceitar o seu discurso. Diante do exposto, observamos que um texto se constrói com um crescente nível de profundidade, desde o mais superficial ao mais complexo, entretanto o sentido do texto é dependente desta relação entre os níveis, proporcionado pelos seus enunciatários discursivos.

3.O Corpus É notável a crescente veiculação de informações referentes a sexualidade em vários meios, impressos ou digitais, em nossa sociedade. A escola por ser uma instituição social não está isolada destas manifestações. E em diversos materiais de apoio podemos encontrar inúmeras formas de a sexualidade demonstrar sua importância. Para elucidar elegemos como objeto de estudo o Livro Didático de Língua Portuguesa “Português Linguagens, volume I”, (2012) dos autores CEREJA, William Roberto & MAGALHÃES, Thereza Cochar, referente ao Ensino Médio, 1º ano, objetivando verificar o tema da sexualidade proposto pelas ilustrações que o livro didático apresenta em seu conteúdo. Tendo como locús da pesquisa a ERC Dom Calábria, instituição de ensino que pertence ao Instituto Pobres Servos da Divina Providência – IPSDP. Com obra originada em Verona, na Itália e com ramificações em dez países. No Brasil tem sede em Porto Alegre e em mais seis estados, incluindo o Pará, tem convênio com as esferas municipal (Ensino

Fundamental) e estadual (Ensino Médio) situada em Marituba, Região Metropolitana de Belém. Em estrutura física, a escola possui quatro blocos, sendo o primeiro administrativo com oito salas (direção, vice-direção, secretaria, arquivo, coordenação, sala dos professores, sala para reprografia, sala de vídeo/reuniões). Os demais blocos são de sala de aula, com dezoito no total. Possui ainda um amplo refeitório, biblioteca com aproximadamente dois mil títulos, laboratório de informática, laboratório de ciências, ginásio poliesportivo com capacidade para quatro mil pessoas. O estado de conservação da escola, bem como a limpeza dos ambientes é considerado excelente. A escola atende principalmente o bairro São Francisco, sua localização, e alguns bairros próximos. Todos pertencentes à zona periférica do município de Marituba, tem turmas desde o primeiro ano do ensino fundamental / 09 até o Ensino Médio. Os alunos são oriundos de famílias, na sua maioria, com a estrutura social diferente do padrão estabelecida pela sociedade. O Livro Didático adotado e escolhido pelos professores de Língua Portuguesa da escola, é referente ao Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2012 a 2014 – foi “Português e Linguagens”, de Willian Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, formando uma coleção para os três anos do ensino médio, ao realizarmos uma pesquisa nos três livros, observamos que o volume I referente ao 1º ano, apresentava muitas ilustrações que nos permitiam fazer a relação com a temática proposta, a sexualidade e a leitura semiótica. Desde modo, trabalhamos três ilustrações que foram: Ilustração I – Sansão e Dalila, Ilustração II – O nascimento de Vênus e a ilustração III – Apolo e Dafne, ilustrações que remetem ao primeiro olhar de sedução, beleza, desejo, guerra e outros, desvelando em primeira instancia a uma descrição das obras/ilustrações e uma analise semiótica greimasiana da perspectiva do pesquisador.

4.Descrição das figuras Para a aplicação da teoria da semiótica greimasiana selecionamos para a análise algumas ilustrações presentes no Livro Didático de Língua Portuguesa “Português

Linguagens, volume I”, (2012) dos autores CEREJA & MAGALHÃES, Ensino Médio, 1º ano usado no ano letivo de 2014. Desse modo, temos como ilustração I – Sansão e Dalila, como mostra a imagem 1 a seguir: Imagem 1 - ILUSTRAÇÃO I – “SANSÃO E DALILA”

Fonte: CEREJA & MAGALHÃES. Livro Didático de Língua Portuguesa “Português Linguagens, volume I”, (2012)

Na imagem 1/ilustração I – “Sansão e Dalila” representa uma arte da linguagem do Barroco, que foi a arte que predominou durante o século XVII e registra um momento de crise espiritual na cultura ocidental. Nesse momento histórico, conviviam duas mentalidades, formas distintas de ver o mundo: de um lado o paganismo e o sensualismo do Renascimento em declínio; de outro lado uma forte onda de religiosidade, que lembrava o teocentrismo medieval. No entanto, a temática da ilustração é retirada do velho testamento, que narra à história de Sansão, um guerreiro israelita de força gigantesca de quem os filisteus tinham muito medo, mas ele se apaixona por Dalila, uma filisteia e revela a ela que sua força estava nos seus fios de cabelo, se entregando a uma paixão que o destruiria futuramente, sem o maior escrúpulo para arruiná-lo. Observamos na ilustração I o momento exato em que Sansão deitado nos braços de Dalila tem o primeiro cacho de seus cabelos cortado por um barbeiro, enquanto os soldados aglomeram-se na porta, às costas do guerreiro israelita, aguardando a hora da vingança. Têm o rosto iluminado por uma tocha que um deles carrega, nas mãos. Eles trazem estacas afiadas com a intenção de furar os olhos do grande guerreiro. Para descobrir seu segredo a filisteia seduz Sansão com os seios à mostra, com formas roliças e extravagantes, cabelos longos e vestes na cor vermelha afloram toda a sensualidade que a figura quer transparecer, conduzido por um feixe de luz, que a deixa revelar toda sua beleza e sexualidade, vista nesse momento como objeto de prazer, reclina-se sobre ele sua cabeça, que está na mesma posição da cabeça de Vênus, acima com cupido, num nicho, complementando a erotização da cena. A figura da anciã traz à cena um contraste entre beleza e feiura, juventude e velhice. O barbeiro que corta o cabelo de Sansão com grande concentração, usa suas mãos entrecruzadas simbolizando a trama arguciosa. As mãos de Dalila mostram-se ansiosas esperando o resultado da ação e as de Sansão demonstram sua entrega total à sedutora Dalila, se apercebe que o local em que acontece a cena é extremante rico. Materiais suntuosos como sedas, cetins e bordados bem trabalhados esparramam-se pelo chão, trazendo mais sensualidade à cena, desse modo, a presença da cor vermelho sangue que é a cor predominante na metade esquerda da figura em meios aos tons quentes de marrom dourado, abordando uma dupla simbologia: a paixão intensa de Sansão por Dalila, a ponto de sacrificar a sua força e o sangue que jorrará de seu corpo, nas mãos de seus inimigos, esse vermelho que representa a paixão avassaladora e o amor carnal entre os personagens, insinuando um desejo, mas em contra partida aparece à cor do branco simbolizando a pureza que poderia haver entre os personagens. Iniciaremos o estudo do plano de conteúdo com o nível narrativo. A Ilustração Sanção e Dalila (1609) de Rubens apresenta uma visão de entrega, sensualidade e sedução. Perceptível nos trajes de Dalila, expondo seu corpo à Sanção. Os seios à mostra dão ênfase à sexualidade, de maneira mais revelada. O momento em que o jovem guerreiro não resiste aos seus encantos e se deleita em seu colo, expõe a uma fragilidade, colocando sua própria vida em risco. Desse modo, a ilustração fomenta numa leitura semiotica greimasiana representada por Dalila, à mulher sensual, sedutora que ao se expor ao homem/Sansão, não mede esforços para obter seu segredo, negando qualquer sentimento de amor ou paixão por Sansão, apenas o prazer de conquistar, redundante ao sexo por sexo, isto é, negócios. Todavia, Sansão, um guerreiro jovem, glamouroso em sua beleza, que também atrai Dalila, mas o jovem segundo relatos não sente apenas o desejo, mas um amor, uma paixão que nutri incondicionalmente pela mulher/ Dalila, que não resistindo aos seus encantos, acaba deitando em seu colo e adormece, depois de embriagado pela amada, tornando-se frágil e numa entrega total de si, sem pensar no risco que correria, dá-se de alma e corpo a amada, ficando entre o sentir do amor e da traição. Entretanto, a ilustração II – O nascimento de Vênus, como mostra a imagem 2 a seguir: Imagem 2 : ILUSTRAÇÃO II – “O NASCIMENTO DE VÊNUS”

Fonte: CEREJA & MAGALHÃES. Livro Didático de Língua Portuguesa “Português Linguagens, volume I”, (2012)

Na imagem 2 que constitui a ilustração II – O nascimento de Vênus, que remete ao conjunto de telas “A alegria da Primavera”, 1477/1478, um quadro de Bottielli, 1482, encomendado por Lorenzo Di Pier Francisco que conta a mitologia que, ao nascer das espumas do mar, Vênus foi conduzida até a margem da Ilha de Cítara na costa da Grécia. Vênus a mulher no centro, Afrodite para os gregos e Vênus para os romanos, era considerada a deusa do amor, da beleza e da fecundidade. Eis sua origem: Urano (o céu) e Gaia (a terra) uniram-se para dar origem aos primeiros seres humanos - os Titãs. Porém, a pedido de Gaia, um dos filhos do casal castra o pai. Dos órgãos cortados e jogados ao mar, nasce uma espuma da qual surge Vênus, a mais bela das deusas. Zéfiro e Flora (esquerda no ar) Zéfiro é deus do vento e Flora sua esposa, tem o poder sobre a natureza. Alguns estudiosos acham não se tratar de Flora, e sim de Aura, a deusa da brisa. Hora (direita da margem) é uma das quatro horas filhas de Zeus, representam as quatro estações do ano. Observamos que a pintura procura captar com requintado lirismo, a altura do nascimento da deusa momento que simboliza igualmente o surgir dos ideais platônicos de beleza e de verdade. Colocada no centro da composição, a deusa ergue-se sobre uma concha que se aproxima da costa, empurrada pelo doce movimento das ondas e acompanhada por dois personagens, tradicionalmente aos deuses do vento que tentam imprimir a Vênus a sua essência divina. Do lado oposto encontra-se a figura de Flora que procura cobrir a deusa com um longo manto florido. A serenidade da imagem e a luminosidade da paisagem traduzem um duplo sentido, por um lado apontam para gramáticas claramente renascentistas de derivação clássica, associados à temática mitológica da pintura; por outro lado o tratamento do episódio e a composição formal da tela recordam as representações cristãs do batismo de Jesus Cristo, com referência à concha, à água e as figuras dos anjos aqui encarnadas pelos dois ventos. A própria Vênus não deixa de recordar pelo movimento sinuoso, uma Madona medieval. A nudez da deusa do amor encontra-se alheia a qualquer ideia de erotismo, como comprova os longos cabelos que lhe cobre o sexo ou a mão que esconde os seios. Com isto, percebemos a manifestação da sexualidade de maneira mais retraída, como podemos dizer acanhada, envergonhada perante a sociedade. Nesse contexto a imagem 2/ilustração II abarca a valorização das forças da natureza, além do realismo e o resgate da mitologia romana, caracterizada por mostrar a energia e tensão por meios das mãos, pés e dedos longos bem cuidados. Observamos na figura central /Vênus um olhar longínquo, transparecendo um recolhimento ao seu mundo interior, perdido em seus próprios pensamentos, sua imagem e atitude representa um esconder de inibido, numa ideia de proibido, quando esconde seu corpo com as mãos, sugerindo uma busca na natureza de um dual amor, entre a sensualidade e a pureza, pudico, que poderia se representado pela ação espiritual e humana, nesse contexto a nudez da deusa Vênus não representaria a paixão e o desejo carnal, mas a paixão espiritual, sua beleza se apaziguaria no amor mais nobre, no sentido de puro e modesto, configurando-se na significação do equilíbrio existente entre o sobrenatural e o humano, se alienando ao exotismo, a sensualidade/sexualidade de Vênus, na compreensão de saber dialoga entre o desejo e o sentir sensual da sexualidade proposta pela personagem Vênus.

Todavia, a Ilustração III – Apolo e Dafne, como mostra a imagem 3 a seguir: Imagem 3 Ilustração III – “APOLO E DAFNE”

Fonte: CEREJA & MAGALHÃES. Livro Didático de Língua Portuguesa “Português Linguagens, volume I”, (2012)

Conforme a imagem 3, ilustração III - Apolo e Dafne considerada uma das esculturas mais famosas de Gian Lorenzo Bernini (1598- 1680), grande escultor do barroco italiano. A escultura encontra-se na Galleria Borghese, Roma, Itália. A lenda conta que Apolo, o mais belo deus do Olimpo, autoconfiante com seu arco de prata, irrita o cupido com sua arrogância. Assim, o cupido teria lançado duas flechas, uma de amor em Apolo e outra de chumbo na ninfa Dafne filha do rio deus Pneu, que afastava o amor. Apolo doente de amor começou o assédio sobre Dafne, que recusando todos os pretendentes, não deixou de recusar o belo deus Apolo. Então, começou sua perseguição a Dafne, que corria desesperada pela floresta tentando evitá-lo. Ele estava cada vez mais próximo de seu objetivo quando Dafne suplica ao seu pai, ao vê-lo entre as árvores, que parasse com o sofrimento. Pneu então vendo que Apolo já tocava os cabelos da filha, a enfeitiça. Dafne sente seu corpo adormecer, sua pele se transformando em casca, os cabelos em folhas, os braços enrijeceram e viraram galhos, os pés fincaram-se no chão virando raízes. Transtornado, Apolo se agarra a árvore que fora seu grande amor e chora dizendo que os ramos do loureiro sempre o acompanharão em sua coroa verde e vistosa participando de seus triunfos eternamente. Dessa maneira os ramos de loureiro ficaram associados a Apolo, tanto que nos jogos olímpicos ele ainda constitui parte do prêmio. A obra esculpida entre os anos de 1622 e 1625 representa o amor de Apolo pela ninfa Dafne, após uma certeira flechada de cupido. Mas Dafne representa a castidade e ao sentir a impetuosa presença de Apolo invoca o auxilio divino transformando-se em uma árvore de loureiro. A ninfa está se transfigurando em pleno movimento de captura. Seu dorso está parcialmente recoberto pelo tronco de uma árvore, enquanto seus dedos das mãos transformam-se em galhos, seus pés viram raízes e seus cabelos folhagens. Impotente perante a metamorfose da sua amada em arbusto, o loureiro, Apolo abraçou-se aos ramos e beijou ardentemente a casca, declarando: “Já que não podes ser minha esposa, serás a minha planta preferida e eternamente me acompanharás” (Apolo, 1598). Usarei as tuas folhas sempre verdes como coroa e participarás em todos os meus triumfos, consagrando com a tua verdura perfumada as frontes dos heróis. Ficando associado o loureiro ao belo e luminoso deus, símbolo do seu amor pela ninfa Dafne. A ilustração III remete a uma obra eminentemente sexual, representando o retrato da castidade sobre o desejo, Acredita-se que a romana Dafne de Ovídio corresponda à diáfana grega Aurora, que foge sempre que a luz do sol (Apolo) surge e seus primeiros raios a tocam, fazendo-a desmaiar sob os olhos do deus imortal. Ondulando suavemente sua copa, inclinando-a em sinal de gratidão, concordando com as intenções de Apolo, jovem considerado o mais belo dos deuses do Olimpo, senhor da Arte, da Música e da Medicina, além de um valoroso guerreiro, teve que se contenta com as folhinhas de louro imperecíveis, que sua musa lhe consentiu, a qual representa a Apolo, Dafne o “loureiro” juntos para sempre, onde quer que se cantem canções e se contem histórias”, pois, amar é tão nobilitante que mesmo quando não correspondido, tem mérito. Por isso Apolo consagrou os louros à vitória, coroando-se pela glória de ter amado. A esse olhar se percebe a recusar da ninfa/ Dafne a flecha que o Cupido a direcionou despertava aversão e repudia ao amor, se sentia horrorizada amar e a submeter-se a um Senhor, enquanto que a flecha que atingiu Apolo inspirava e despertava o sentimento de amor a Dafne, única donzela que amava incansavelmente, e a desejava em todos os sentidos de beleza, sensualidade e desejo, em que vivenciou dilacerante dor da recusa e transmutou aflição em glória, demonstrando que em algum momento de nossas vidas tenhamos amado sem que fossemos correspondidos, transmitindo uma sensação de perda, de algo não conquistado, causando o sentimento de vazio. 5.Análise das Ilustrações A presente análise partiu das ilustrações contidas no livro didático “Português e Linguagens”, de Willian Roberto Cereja & Thereza Cochar Magalhães, permeado a partir da leitura semiótica, a sexualidade nas ilustrações, não é uma pessoa, física e psicologicamente descrita, mas está constituído por todas as vozes alheias e de origens diversas, apresentadas em seus textos: os autores das histórias, sua discursividade, a família, a sociedade, o universo do faz-de-conta, o meio social, as demais obras científicas ou literárias abordadas na coleção didática, e outros que apresentam um papel ativo na interação discente e livro didático em sala de aula. Nesse contexto, a análise tem como base as ilustrações de “Sansão e Dalila”, de Peter Paul Rubens (1609), “O nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli (1482) e o “Apolo e Dafne”, de Agaian Lorenzo Bernini (1598-1690), observando a temática da sexualidade no olhar da leitura semiótica greimasiana, visto que a semiótica é uma ciência relativamente moderna, que conceituada por Santaella (1979) é a ciência de toda e qualquer linguagem, que em síntese, é o pensamento lógico em signos que podemos representar e que pode ser interpretado por outra pessoa, podendo ser a ação em si, o processo de construção da interpretação por meio da leitura visual presente. Para a análise, usamos como critério o método de pesquisa-observação, numa abordagem qualitativa, numa leitura semiótica narrativa, visto que podemos utiliza o discurso narrativo como caráter figurativo ou ilustrativo, contendo personagens que realizam ações, dessa forma corresponde a um texto-imagem concreta, possibilitando diversos contextos na interpretação de quem as ver, buscando a instauração de um novo olhar, reconfigurado na perspectiva linguística e literária. Nesse contexto, a leitura apresentada pelas ilustrações é entrelaçada nos trabalhos dos autores de uma forma ampla, não criando no seu trabalho o vazio, mas a, interpretação do meio ambiente, as cores, o sentir por meio dos olhos, o pega e não pega, o querer e não ter, momentos de desespero, traição, medo, sentimento, contextualizado em experiências observando a visão de mundo de quem olhassem tais figuras, a imaginação de quem observa, os autores buscam idealizar uma sensualidade, uma beleza imensurável, além de provocar uma imaginação, de sexualidade, em torno do poder no sentido de ter, que no entender de Foucault (2007) o poder é uma realidade dinâmica que ajuda o ser humano a manifestar sua liberdade com responsabilidade, emergindo a partir do olhar que o outro manifesta a sua vontade, reafirma a literatura como um fenômeno eminentemente moderno no sentido de a linguagem ilustrativa procede no poder de falar sobre a linguagem textual visual. Desse modo, observamos que a sexualidade que predomina nas ilustrações é do gênero feminino, onde destacam sua nudez, seu corpo e sua sexualidade, além de uma beleza incomparável e sua fragilidade, vista sempre como objeto de prazer, erotismo e obediência, além da figura/ mulher no intuito de querer e desejar o prazer sexual, que no caso de obra Sansão é Dalila, em que a personagem principal consequentemente não valorizava os laços familiares, conduzindo o homem à ruína moral e levando, por fim, à morte, seja marido ou amante, através dos duelos de honra. (DAZZI, 2008). A figura feminina perpassa a imagem de um olhar de satisfação presente nas obras dos artistas que nos leva a entender o significado do seu jogo de sedução, da intenção de causar um furor de desejo nos homens os quais ela se propõe conquistar, de seu poder sexual perante eles. Entretanto, o homem passar a imagem de forte, não deixando de ser atraente, mas o que perpassa a importância do poder que exerce sobre o outro. Todavia, as ilustrações no livro didático podem contribuir para o beneficio de compreender essa sexualidade e essa sensualidade provocada até mesmo pelos adolescentes de hoje, que estão descobrindo seu corpo, no sentido homem e mulher, e essas ilustrações servem como ponte, já que todo jovem adolescente cria sua imaginação e fantasia a partir daquilo que ver com a ajuda da sociedade a escola poder orientar na construção dessa realidade, mostrando principalmente o respeito e a responsabilidade que existe na sexualidade. O que pretendemos apontar foi o quanto os temas vinculados à sexualidade estão nas ilustrações dos livros didáticos, e que a educação ainda demandam investimentos em pesquisa para que as lacunas existentes sejam apreciadas e possivelmente respondidas, já que há diferentes maneiras de se pensar e se tratar as diferenças relacionadas a sexualidade na escola, em termos das pesquisas sobre a temática.

Considerações Finais Consideramos que as ilustrações advindas no livro didático consiste que a sexualidade que predomina nas ilustrações é do gênero feminino, que de acordo com as ilustrações expostas, demonstra que a sensualidade da mulher passa a ser representada com a função primeira de proporcionar prazer ao homem, depois age na representação de uma mulher persuasiva, desejada, perigosa, sensual e provocadora, tendo a capacidade de fazer o homem perder a lucidez e o equilíbrio e que usa todo o seu poder de sedução para enfeitiçar os homens, conduzindo-os à transgressão social. Os livros didáticos trazem em suas imagens os olhares e as vozes de diversas origens, apresentadas em seus textos ilustrativos, como a discursividade, a família, a sociedade, o universo do faz-de-conta, o meio social, e as demais obras científicas ou literárias abordadas na coleção didática, na interação discente e livro didático em sala de aula. Cabe ao docente sabe orientar e trabalhar didaticamente tais temáticas, já que a semiótica greimasiana utiliza-se do percurso gerativo do sentido para realizar sua exploração de um texto, e nesse contexto, os textos, são as ilustrações que estão no livro didático de Língua portuguesa, viabilizando a análise sobre a visão de mundo a respeito do assunto, que valoriza o erotismo de modo diferente daquele considerado normal pela sociedade, justificando um texto-imagem concreta, possibilitando diversos contextos na interpretação de quem as ver, buscando a instauração de um novo olhar, reconfigurado na perspectiva linguística e literária, defendida na semiótica greimasiana. Desse modo, a relevância desses olhares semióticos interpretativos ocorrem a partir da leitura contextualizada em sala de aula, proporcionando ao discente uma interação de informações e orientações quanto ao contexto sexualidade, que segundo Weeks (1999),visto pelo viés das ciências, o olhar a sexualidade é um fenômeno social e histórico, que variam no tempo e entre as sociedades, se tornando ação questão da própria sociedade.

Referências CASA. Cadernos de Semiótica Aplicada. Lendo Textos Verbais e Não-verbais. Vol. 5, n.2, dezembro de 2007. CEREJA, William Roberto & MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português Linguagens. Volume 1. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010. DAZZI, Camila. ‘Augusta Meretrix’ - Decadentismo no Meio Artístico Brasileiro Fines secular. 19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte. Volume III, n. 1, janeiro de 2008. FOUCAULT, Michel. (2007). História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro, Edições Graal. GREIMAS, Algirdas J., (1971). As relações entre lingüística estrutural e poética. Em: Sazbón, J. (org). Linguagem e comunicação. Buenos Aires: Novo Vision GREIMAS, Algirdas J.; COURTÉS, Joseph (2008) Dicionário de semiótica. Trad.Alceu D. Lima, Diana L. P. De Barros, Eduardo P. Cañizal, Edward Lopes, Ignacio A.da Silva, Maria José C. Sembra, Tieko Y. Miyazaki. São Paulo: Contexto. GROFF, Alcione Maria. Sexualidade e Contexto Escolar. IN: EDUCERE, Revista de Ciências da Educação. Universidade Paranaense, v.1, n.1, jan/jun.,2001. Umuarama: Unipar, 2002 NÖTH, Win Fried. A Semiótica do Século XX. São Paulo: Annablume, 1996. ______. Panorama da Semiótica de Platão à Peirce. 4ª edição. São Paulo: Annablume, 2003. SANTAELLA, Lucia & NÖTH, Winfried. Imagem - cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 1997. SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Coleção primeiros passos) WEEKS, Jeffrey: (1999). O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira L. (org.). O corpo educado- pedagogias da sexualidade, Belo Horizonte, Autêntica.

LENDAS E MITOS DA AMAZÔNIA: UMA NOVA PERSPECTIVA DE LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL

BOLSISTA: Madylene Costa Barata

COAUTOR: Eliete de Jesus Bararuá Solano

INTRODUÇÃO: A Amazônia é um lugar de diversidade cultural e quando se trata de seus aspectos mitológicos há uma verdadeira cosmologia poética de saberes que dependendo da localidade onde está sendo construída, pode assumir forma única e particular. Assim, as lendas e mitos da Amazônia e mais especificamente da cidade de Vigia-PA, são exemplos de expressão da identidade cultural amazônica. Sabendo desta diversidade cultural, este projeto pretendeu reforçar, com o suporte das atividades de leitura e escrita, os mecanismos de preservação da poética amazônica, mais especificamente, as do imaginário vigiense. Destacarmos a temática da cultura vigiense como suporte para o desenvolvimento das aulas teóricas, utilizando-a nas práticas da leitura e da escrita, enfatizando os mitos e lendas da região. Pretendemos, em meio a esse universo temático, considerar a dimensão social-cultural do uso da língua fala e escrita, trabalhando com exercícios de leitura, escrita e principalmente atividades orais, favorecendo a formação do sujeito em sociedade. A pesquisa de narrativas orais na escola “Presidente Kennedy” da cidade de Vigia- Pa, aplicada no 6º ano, foi realizada buscando se adequar aos objetivos propostos, baseando-se sempre na própria cultura do povo vigiense, refletindo, ainda, sobre as manifestações das narrativas na cidade, analisamos como (ou se) está sendo preservada atualmente, pois, antes se perpetuava no ambiente familiar, transmitido de geração em geração entre seus membros (avôs, pais, filhos e netos), e não tinha lugar nos saberes escolares formais e, que por isso, ficou guardado na memória dos que viam, ouviam e viviam tais lendas e mitos. Dito isto, vale reiterar que essa manifestação só sobreviveu, segundo Loureiro (1995, p. 56) por nela residir “uma consciência individual pela qual o homem se realiza como co-criador de um mundo em que o imaginal, estetizante e poetizador se revela como uma forma de celebração total da vida.” As etapas do projeto corresponderam, resumidamente, em propostas de produção, leitura de texto com enfoque nas narrativas, e por fim às análises dos dados da pesquisa; todas etapas contribuíram para grandes reflexões acerca das metodologias adequadas para alcançar êxitos com a turma como um todo, mas principalmente obter resultados individuais; as reflexões também se estendem para a conquista de novos olhares sobre a cultura local, e pela busca da inserção de conteúdos culturais no currículo escolar. O projeto fundamenta-se teoricamente na visão mitopoética da cultura amazônica de Loureiro (1995), no estudo sobre saberes culturais de Carvalho (2009), assim como, no trabalho sobre o imaginário coletivo vigiense de Cordeiro (2011). Desta forma pretende-se contribuir para a preservação e divulgação desta cultura tão fascinante e misteriosa: a Amazônica.

OBJETIVO GERAL: Proporcionar, através de atividades de leitura e escrita, o conhecimento das narrativas orais (lendas e mitos), a fim de preservá-las para as atuais e futuras gerações amazônicas.

ESPECÍFICOS:

 Produzir textos orais e escritos a partir do reconhecimento dos gêneros;  Estimular o interesse pela leitura e escrita das narrativas orais;  Coletar e socializar as narrativas orais (mitos e lendas) da cidade de Vigia;  Analisar o valor dos mitos e lendas para o imaginário vigiense.

MATERIAL E MÉTODO:

Os materiais utilizados para a execução do projeto foram os previstos e os que estavam disponível na escola como Datashow, DVD, Televisor, além dos papeis A4 e papel “com pauta” para a produção de textos verbais e visuais. A metodologia empregada nos primeiros meses utilizou dois ambientes paralelos denominados introdutórios. O primeiro consistiu na coleta do referencial teórico pelos bolsistas utilizando orientações do coordenador; percursos por leituras, debates e observações acerca dos materiais coletados. O segundo foi a apresentação dos bolsistas para o corpo docente e pedagógico e o lançamento das propostas do projeto para uma turma da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Presidente Kennedy”. A aplicação do projeto iniciou no ano letivo de 2013, exatamente no início do mês de março, na turma 501 (6º ano) da tarde do Professor de Língua Portuguesa Bruno Daniel Monteiro Palheta. Através da reunião com Professor estabelecemos os horários e compartilhamos os materiais de trabalho, além de fazermos uma breve sondagem do nível de leitura da turma em questão.

RESULTADOS: As atividades de leitura e escrita foram muito válidas para o alcance dos objetivos, pois ao escrever sobre as lendas e mitos que eles conheciam, ou quando liam novas, acabavam interagindo e fazendo boas interpretações das narrativas. Os objetivos de produção, interesse, coleta e valorização dos mitos e lendas foram praticados e realizados conforme se objetivava.

CONCLUSÃO: A comunidade escolar demonstrou grande interesse na inserção do projeto em uma de suas turmas e considerou de tamanha importância a relação da universidade do estado (UEPA) com a comunidade vigiense. O professor da turma vinculada ao projeto, entendeu a grande contribuição do mesmo para uma turma que acabou de sair do Fundamental menor e passa agora a lidar com novas experiências. O projeto de Pesquisa de Lendas e mitos, inserido na escola “Presidente Kennedy” foi uma oportunidade importante de nós, bolsistas e alunos de licenciatura, refletirmos sobre o saber e o fazer dentro da prática docente, envolvendo nesse contexto a valorização da cultura regional, a fim de conduzir as aulas a uma metodologia diferenciada para que os alunos sintam-se motivados e interessados a conhecer, reconhecer e compartilhar saberes de sua própria cultura, uma vez que, observamos a interação espontânea dos alunos ao falar ou escrever sobre os mitos e lendas que eles conheciam ou que por vezes pararam um tempo de sua vida para ouvir alguém narrar. Assim, percebemos que o projeto contribuiu e despertou o interesse dos discentes por esse saber que está se tornando científico, se comprometendo com a concepção de Loureiro, o qual nos conscientiza que: “os pesquisadores da região amazônica devem desenvolver métodos de pesquisa que contemplem a complexidade da região, dotando de sistematização essa capacidade de campos de estudo na região baseada na convivência entre homem e natureza e por amor à Amazônia”. Analisamos, consequentemente, a função árdua e primordial, tal como, paradoxalmente, prazerosa de ser um pesquisador nessa região rica que é a Amazônica e de dar a oportunidade, de sujeitos produtores de culturas, se reconhecerem e se valorizarem numa sociedade de múltiplos fazeres que deixa à margem saberes como os das narrativas orais.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura, escrita, cultura amazônica, lendas, mitos.

GRANDE-ÁREA: Educação

ÁREA: Linguística

DEPARTAMENTO: Departamento de Língua e Literatura-DLLT

LINGUÍSTICA APLICADA CRÍTICA E TEORIA DO TEXTO/DISCURSO: O MULTILETRAMENTO COMO “NOVO” PARADIGMA PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA1.

Jonilson Pinheiro Moraes (UEPA) – [email protected] Burlamaqui Cristiane Dominiqui Vieira (UEPA) – [email protected]

RESUMO O presente trabalho é uma reflexão sobre os novos paradigmas advindos da pesquisa no contexto da Linguística Aplicada Crítica e da Teoria do Texto/ Discurso sobre a inserção das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação no ensino de Língua Portuguesa. A Linguística Aplicada Crítica, por ser uma vertente INdisciplinar/transgressiva (MOITA LOPES, 2006, RAJAGOPALAN, 2003, PENNYCOOK, 2006), pensa o ensino de línguas na contemporaneidade globalizada observando os sujeitos envolvidos nesse processo e suas peculiaridades, o que nos proporciona vincular tal reflexão à Teoria do Texto e ao contexto da Hipermídia (SIGNORINI, 2008; MARCUSCHI e XAVIER, 2010; ROJO, 2012, 2013). Por meio do referencial teórico, as metodologias para o ensino de língua materna admitem o trabalhado com os gêneros do discurso/textuais “impuros”, híbridos, multimodais e interativos presentes na sociedade contemporânea e vinculados à hipermídia, tendo como ferramenta midiática as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação. PALAVRAS-CHAVE: Linguística Aplicada Crítica. Teoria do Texto/ Discurso. Novas Tecnologias de Informação e Comunicação no Ensino de L1. Multiletramento.

ABSCTRAT: The present work is a reflection on the coming new paradigms of research in the context of Critical Applied Linguistics and Theory of Text / Discourse on the integration of New Technologies of Information and Communication in teaching Portuguese. The Critical Applied Linguistics, being a indisciplinary / transgressive (MOITA LOPES, 2006, Rajagopalan, 2003, Pennycook, 2006) shed, thinks language education in the contemporary globalized observing the subjects involved in this process and its peculiarities, which provides the link such reflection to the Theory of Text and context of Hypermedia (SIGNORINI, 2008; Marcuschi and XAVIER, 2010; ROJO, 2012, 2013). Through the theoretical framework, the methodologies for teaching mother tongue admit working with the genres of discourse / textual "impure", hybrid, multimodal and interactive in contemporary society and linked to hypermedia, with the media tool of New Technologies information and Communication. KEYWORDS: Critical Applied Linguistics. Theory of Text / Speech. New Technologies of Information and Communication in the Teaching of L1. Multiletramento.

INTRODUÇÃO

Este artigo é produto de discussões sistemáticas surgidas no período de formação teórica durante a fase inicial do subprojeto “A tecnologia da informação e comunicação no ensino básico: o ensino de português mediado pelo computador”2, mantido pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e executado no âmbito da Universidade do Estado do Pará (UEPA).

1 Este artigo, com o título “A Linguística Aplicada Crítica e as NTICs: novos paradigmas para o ensino de língua materna”, foi apresentado como comunicação oral e publicado no e-book do II seminário Nacional de Linguagens, Tecnologias e Práticas Docentes organizado pelo Grupo de Estudos em Linguagens e Práticas Educacionais na Amazônia e realizado do Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará. 2 O subprojeto tem como objeto o debate, a criação e a experimentação de novas metodologias que permitam incluir as tecnologias – ferramentas multimodais e hipermidiáticas – no

Com base nos debates acima citados, este trabalho se propõe refletir sobre o ensino de português, mediado pelas Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs), utilizando como referencial norteador os pressupostos teóricos da Linguística Aplicada Crítica e da Teoria do Texto/Discurso para a emergência de novas epistemologias no contexto do ensino de língua materna. A opção pela Linguística Aplicada Crítica (doravante LAC), pressuposto teórico deste trabalho, surgiu da necessidade de se pensar a língua a partir de uma perspectiva interdisciplinar/transdisciplinar, em que a língua/linguagem é concebida como corporificada, ou seja, tendo o sujeito e suas contingenciais relações sociais como componente primeiro. Nesta perspectiva, a LAC faz da contemporaneidade/globalização, a força motriz para suas reflexões sobre a linguagem, lançando mão de teorias socioculturais, queer, pós-estruturalistas, pós-modernistas e pós- colonialistas – entendidas como contemporânea nas ciências sociais e humanas – e, assim, tornando- se uma área de pesquisa mestiça, ideológica, ética e política por ser indisciplinar, antidisciplinar e transgressiva (FABRÍCIO, 2006; PENNYCOOK, 2006; RAJAGOPALAN, 2003). Desta maneira, o campo de estudo acima descrito, busca conhecer e compreender a linguagem utilizada em contextos efetivamente aplicados, como a sala de aula e a internet (MOITA LOPES, 2006). O Texto é considerado pelos PCNs como a unidade básica de ensino e a Teoria do Texto/Discurso serve como suporte teórico para tratar de características intrínsecas a ele e importantes ao ensino de língua, pois problematiza as concepções de texto, gênero e discurso dando ênfase às dimensões histórico-culturais, utilizando como meio a “descontextualização/recontextualização”, a forma e o sentido e, assim, examinando os construtos do texto, as relações de textualidade e, atualmente, o que diz respeito às transformações ocorridas aos textos com o advento das NTICs – a linguagem hipertextual, multimodal e interativa, vinculada às várias mídias em ambientes virtuais (SIGNORINI, 2008). Partindo dessa ancoragem teórica, objetivamos refletir sobre como os paradigmas presentes nos contingenciais atravessamentos identitários contemporâneos e o papel das NTICs, como principal ferramenta da globalização – hoje duas das mais marcantes características facilmente

ensino de língua materna, no contexto de uma escola pública de ensino básico, no município de Moju. Pretende-se proporcionar ao público-alvo (professores e alunos) a aquisição de novas competências que os permitam circular nas culturas híbridas, hipermidiatizadas e hipersemiotizadas, fazendo uso dos instrumentos globalizantes utilizados na atualidade e, ainda, fomentar a formação inicial para a docência em Letras, a prática reflexiva e a necessidade de imersão de uma epistemologia para o ensino de língua materna que contemple a diversidade sociocultural ali presente, instrumentalizando-os para o ensino na contemporaneidade. observáveis em sociedades ocidentalizadas, como a brasileira –, vem redefinindo as relações sociais e moldando o ethos dos sujeitos presentes dentro e fora da escola. De um lado, a LAC – que tem proposto transgredir fronteiras disciplinares, para compreender o sujeito sócio-histórico e cultural, considerando suas características inerentes, tais como: classe, gênero, etnia, sexualidade, credo etc. E, de outro, a Teoria do Texto/Discurso que, diante das produções textuais situadas e corporificadas, permite inserir no debate questões sobre o ensino de língua portuguesa situado e as problemáticas presentes no uso cotidiano das NTICs. Nessa perspectiva, tal debate propõe uma nova epistemologia para o ensino de língua – com fundamentos teóricos-mestiços e objetivos motivados por princípios éticos de valorização e fortalecimento das identidades e saberes locais, um retorno aos ethos de origem –, buscando compreender como essas áreas do estudo da linguagem podem auxiliar nas reflexões sobre o ensino- aprendizagem de língua portuguesa e, assim, problematizar sobre os contingenciais paradigmas emergentes nas sociedades contemporâneas interconectadas e hipermidiatizadas.

1. A LINGUÍSTICA APLICADA CRÍTICA E A TEORIA DO TEXTO/DISCURSO: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL NO ENSINO DE LM

Rajagopalan (2003), em seu trabalho intitulado Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética, chamou a atenção da comunidade acadêmica para a necessidade de uma nova abordagem em Linguística Aplicada (LA), esta que desde as duas décadas do século anterior vem requerendo sua autonomia teórica-metodológica da linguística teórica. Nesse trabalho, o autor ressaltou a necessidade de uma epistemologia que abrangesse as questões que envolvem a relação entre a língua/linguagem e a práxis humana. Nesse ínterim, houve quem pensasse, e ainda acredite, que com o rompimento com a linguística pura (teórica), “a linguística aplicada não precisa se preocupar como o trabalho teórico” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 79). Porém, o que Rajagopalan (2003) argumenta, é que o trabalho aplicado da linguística não começa onde termina o teórico, mas a LA poderá retroalimentar a linguística teórica e vice e versa, numa postura totalmente dialética entre teorizar e praticar, mudando completamente a visão que se tem da relação entre teoria e prática, isto é, “A grande inovação, com a chegada da postura crítica no campo da linguística aplicada, tem a ver com a percepção crescente de que é preciso repensar a própria relação ‘teoria/prática’. Aliás, é isso que torna a postura genuinamente crítica” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 80). Nessa perspectiva a relação, entre teoria e prática na LAC deve ser pensada não numa vertente positivista, na qual tudo começa por uma definição e torna-se pré-requisito para despertar qualquer explicação a posteriori. Mas, sob um olhar que entende que a prática antecede a teoria, e que o trabalho com a linguagem acarreta intervenção na sociedade da qual pertence, por ser uma prática social situada sócio-historicamente e atravessada por conotações ideológico-políticas. Rajagopalan (2003), ainda nesse volume, aponta que, para indagarmos sobre as perspectivas da Pedagogia Crítica (PC) e sua relação com a LA, devemos abrir mão de posicionamentos equivocados, principalmente, o da ideia arraigada de que “a pesquisa científica e o trabalho pedagógico devem manter-se distantes das questões políticas que a comunidade enfrenta no seu dia a dia” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 110). Segundo o autor, uma proposta da PC no contexto da LA demandaria agir em duas frentes: a primeira seria assumir a postura crítica em relação à linguística teórica, o que significa “questionar a própria validade da teorização feita in vitro e da aplicação automática no mundo da prática” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 112), o que pode resultar na rejeição de propostas teóricas e/ou formulação de novas propostas orientadas pelas exigências da aplicabilidade e não apenas separar o que serve e o que não serve para fins práticos; a segunda seria procurar proporcionar, efetivamente, ao alunado competências e capacidades de resistência e criticidade, dando-lhes condições para enfrentar desafios e decidir o melhor para si. Moita Lopes (2006), fundamentado nesses princípios, intitulou e definiu esta nova abordagem da LA como:

LA mestiça, obviamente de natureza interdisciplinar/transdisciplinar, [que] tem sido notado no trabalho de muitos pesquisadores, que, ao tentarem criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central, (...) tem sentido a necessidade de vincular seu trabalho à epistemologia e a teorizações que falem do mundo atual e questionem uma série de pressupostos que vinham informando uma LA modernista. (MOITA LOPES, 2006, p. 14)

Nesse sentido, a LAC – agora mestiça – tem seu foco voltado às questões presentes no âmbito social do homem contemporâneo, que hoje se encontra na era da globalização, em um mundo em descontrole, desestabilizado e norteado pela multiplicidade de transformações oriundas das diversas esferas: social, cultural, política e econômica (GUIDENS, 2010). Tais mudanças tem seu reflexo na produção e recepção da linguagem, esta em constante fruição nos novos contextos enunciativos emergentes na pós-modernidade. Os diálogos crescentes entre a LA e as teorias presentes nos estudos culturais, das ciências sociais e das humanidades, situam nossas “compreensões referentes à natureza do sujeito social, advindas de uma problematização dos ideais modernistas, que têm implicações de natureza epistemológica” (MOITA LOPES, 2006, p. 15). Nesse contexto problematizador, não há espaço para as teorizações que não abranjam a complexidade do sujeito social que se forja na atualidade, que ao se reinventar, modifica os modos de operar sobre a língua/linguagem. Nesse movimento de reinvenção oriunda da práxis humana contemporânea, o sujeito adequa-se às necessidades e aos contextos enunciativos que a ele se apresentam, para efetuar e efetivar o ato comunicativo com competência, ou seja, trata-se da “capacidade do usuário em empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação” (TRAVAGLIA, 2008 apud BURLAMAQUI, 2010, p. 103).

Essa posição tem possibilitado o surgimento de uma LA autorreflexiva, que assume suas ‘escolhas ideológicas, políticas e éticas’, além de uma mestiçagem teórico-metodológica, assim como o enfrentamento da questão da responsabilidade social no mundo da pesquisa. (MOITA LOPES, 2006, p. 28)

Neste contexto há de se observar que o trabalho do linguista aplicado vem envolvendo um tipo de conhecimento teórico que atravessa outras áreas de conhecimento, além da Linguística, gerando novas configurações teórico-metodológicas especificas que não se igualam e nem são coincidentes com as contribuições das disciplinas de referência, mas que dialoga com o mundo contemporâneo/globalizado, e com as práticas sociais de sujeitos heterogêneos, fragmentados e mutáveis, situados em um contexto social e histórico em constante e aceleradas transformações (CASTELLS, 2005; HALLS, 2006). Diante de tais questões, a pesquisa desenvolvida pelo grupo de estudo que se formou em torno do subprojeto PIBID/UEPA, citado no início deste trabalho, tem procurado contemplar os interesses dos sujeitos, considerando o contexto de aplicação, tais como as questões éticas, culturais, políticas e ideológicas, considerando, assim, na análise sobre as práticas cotidianas de linguagem, o arcabouço teórico essencialmente interdisciplinar que trata do que é marginal como central. Tal posicionamento teórico-metodológico vai ao encontro da LAC, que se trata de uma área que transgride as fronteiras disciplinares e as ideologias colonialistas (KUMARAVADIVELU, 2006). Nesse contexto da LAC, o trabalho “com o texto constitui-se numa tarefa theory dependent (Titscher et alii 2000: 20), ou seja, que pode obter do esforço interdisciplinar para a integração do aspectos de produção, compreensão e efeitos de sentidos a partir de textos, uma das possíveis chaves epistemológicas para seu empreendimento (van Dijk, 1983)” (BENTES e REZENDE, 2008, p. 20). O trabalho com o texto, como unidade de ensino, e com os gêneros textuais que emergiram no contexto digital e lançam mão da engenharia estrutural do hipertexto, como objeto de ensino de língua materna, trata-se de um dos desafios a que nos propomos durante o subprojeto, pois pressupõe que sejam considerados os inúmeros processos que convergirão nas várias maneiras que o homem contemporâneo vem utilizando para interagir.

o objeto textual abre possibilidades de investigação sobre sua estrutura e seu funcionamento internos, sobre a natureza da relação entre texto e contexto e sobre um possível gap entre forma textual e intenção autoral, somente preenchido no momento de sua recepção pelo ouvinte/leitor. (BENTES e REZENDES, 2008, p. 22)

O texto como unidade de ensino prevê uma abordagem totalizante da produção verbal, em que o indivíduo, a história, a cultura e a sociedade se relacionam dialeticamente, fazendo parte do objeto textual as diversas vozes e discursos originários da circulação, produção e recepção desses. E é a partir desta perspectiva teórica que o hipertexto, produto de um processo sócio-histórico, passa a objeto de ensino em que, intrinsecamente, dele fazem parte as relações dialógicas que atravessam toda produção textual surgida nos ambientes das tecnologias digitais. Os gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia, materializados na forma de hipertexto rompem os paradigmas presentes na maneira de circular, de produzir e de receber os textos verbais, que antes tinham como suporte o papel e agora estão materializados em bits de informação disponíveis em suporte virtual, nos quais a relação entre texto e leitor se reconfigura, perdendo sua linearidade e ganhando mais interatividade. Foi neste contexto de transformações que a hipermídia3 encontrou o cenário ideal para se propagar. Hoje, além dos nós (links) próprios da estrutura hipertextual, temos a convergência da linguagem audiovisual e de dados, na produção, na circulação e no acesso às informações no meio digital. Para Santaella (2008):

3 Segundo Santaella (2008), “A combinação de hipertexto com multimídias, multilinguagens é que passou a ser chamada de hipermídia”, esta última materializada na mistura de vídeo, áudio e dados. (SANTAELLA, 2008, p. 63)

a hipermídia pressupõe um desenho estrutural para inserção interativa do leitor imersivo ou navegador. No seu caráter movente, fluido, submetido às intervenções do usuário, as estruturas da hipermídia constituem-se em arquiteturas líquidas. (...) dados fluidos, moventes e plásticos acessíveis ao usuário na medida em que este navega na hipermídia, interagindo com os nós e nexos de um roteiro multilinear, multisequencial, multissígnico (...) e labiríntico que o usuário, ele próprio, ajudou interativamente a construir. (SANTAELLA, 2008, p. 67)

Enredado em um labirinto de informações arquitetado para navegadores astutos, o ambiente digital requer habilidades antes não necessárias:

As práticas socialmente contextualizadas no uso do computador, o potencial interativo das redes sociais e as estratégias para a busca de informações na internet; fizeram emergir novas formas de uso da linguagem e a construção de estratégias de pesquisa e, consequentemente, a constituição de uma autonomia espraiada nas novas habilidades cognitivas. (BURLAMAQUI, 2014, p. 18-19)

É neste cenário que emergem os gêneros do discurso/textuais “impuros”, híbridos, multimodais e interativos que circulam na sociedade globalizada marcada, esta, por identidades multifacetadas que nada lembram a homogeneidade e a centralidade preconizada pelas ciências positivistas modernistas. É neste contexto de mudanças que o multiletramento vem se unir ao nosso debate, porque, assim como a LAC e a Teoria do Texto/Discurso, trata como central o sujeito e seus atravessamentos identitários, como veremos na próxima seção.

2. O MULTILETRAMENTO: A AULA DE PORTUGUÊS MEDIADA PELAS NTICS

A pedagogia dos multiletramentos foi discutida pela primeira vez em 1996, pelo Grupo de Nova Londres – que em sua maioria tem pesquisadores originários de países caracterizados por constantes conflitos sociais, culturais e econômicos –, momento em que foi publicado, depois de uma semana de intensos debates em colóquio, o manifesto A Pedagogy of Multiliteracies – Designing Social Futures, no qual foi ressaltado:

a necessidade de a escola tomar a seu cargo os novos letramentos emergentes na sociedade contemporânea, em grande parte [...] devidos às TICs, e de levar em conta e incluir nos currículos a grande variedade de culturas já presentes nas salas de aula de um mundo globalizado e

caracterizadas pela intolerância na convivência com a diversidade cultural, com a alteridade. (ROJO, 2012, p. 12)

Em 2014, faz dezoito anos da publicação daquele manifesto, quando o Grupo de Nova Londres chamou a atenção para a necessidade de se trabalhar na escola com as ferramentas globalizantes (SOUZA, 2006), considerando suas características e potencialidades para a produção, divulgação e manutenção de identidades socioculturais híbridas, as quais requerem nova ética e múltiplas estéticas, ou seja, múltiplos letramentos, ou melhor, como designou o referido grupo, multiletramentos. O conceito de Multiletramentos que aqui, a partir de então, nos reportaremos, é apresentado por Rojo (2012; 2013), em que o prefixo “multi” aponta, justamente, para dois tipos de múltiplos, específicos próprios das sociedades contemporâneas/globalizadas, que as práticas de letramentos envolvem:

por um lado, a multiplicidade de linguagens [semiótica], semioses, e mídias envolvidas na criação de significação para textos multimodais contemporâneos e, por outro lado, a pluralidade e a diversidade cultural [multiplicidade de culturas] trazidas pelos autores/leitores contemporâneos [que se configuram como nativos digitais] a essa criação de significação” (ROJO, 2013, p. 14 [grifo da autora])

Nessa acepção, o Multiletramento abrange a diversidade linguística e a diversidade cultural, as quais estão fundamentalmente relacionadas por meio de um processo dialético, visto que aquela – a diversidade linguística – está contida nesta – na diversidade cultural – e esta diversifica ainda mais aquela, configurando a identidade dos grupos sociais. A respeito da multiplicidade de culturas, o que se pode notar é que vivemos rodeados por produções culturais letradas em efetiva circulação na sociedade, na forma de um aglomerado de textos híbridos de diversos campos/contextos socioculturais, sempre mestiços e ideologizados. Essa multiplicidade já não permite ver as culturas divididas a partir de um pensamento de pares antitéticos de culturas ou de um mecanismo dicotômico que opõe culto/inculto, canônica/de massa, civilização/barbárie, erudito/popular e central/marginal, pois é impossível fazer essa divisão/distinção, visto que:

Os híbridos, as mestiçagens, as misturas reinam cada vez mais soberanas [e] a produção cultural atual se caracteriza por um processo de

desterritorialização, de descoleção e de hibridização que permite que cada pessoa possa fazer ‘sua própria coleção’4, sobretudo a partir das novas tecnologias. (ROJO, 2012, p. 15[grifo da autora])

É nesse cenário de desterritorialização, descoleção e de hibridização, que se faz essencial uma agenda ética para a democratização do acesso e a produção de conhecimento neste novo cenário hipermidiatizado. A pesquisa contextualmente localizada, parametrizada pela experimentação do descolecionamento dos patrimônios da escola – por meio da introdução de novos gêneros (os impuros), outras mídias, linguagens e tecnologias –, potencialmente, originam a apropriação da diversidade de bens culturais produzidos nas sociedades ocidentais globalizadas. No que se refere à multiplicidade de linguagens, semioses ou modos dos textos que circulam socialmente, podemos percebê-la, principalmente e de forma mais intensa, nos textos veiculados pelas NTICs, que como bem lembrou Marcuschi e Xavier (2010), foi a responsável pela “mestiçagem textual”, seja nos impressos, seja nas mídias audiovisuais, digitais ou não. Nos textos contemporâneos, “sejam impressos, digitais ou analógicos (se é que ainda existem), as imagens [as imagens em vídeo, os áudios] e o arranjo de diagramação impregnam e fazem significar os textos contemporâneos” (ROJO, 2012, p. 19). Ou seja, se retirar desses textos um desses seus componentes eles perdem sua significação global, na qual “as opções de significados de cada mídia multiplicam-se entre si em uma explosão combinatória; em multimídia, as possibilidades de significação não são meramente aditivas [são multiplicadoras]” (LEMKE, 2010 apud ROJO, 2012, p. 20). Esse aglomerado de linguagens que compõem os textos da contemporaneidade chamam-se, segundo Rojo (2012), de multimodalidade ou multissemiose, e exigem capacidades, competências e novas práticas para compreensão, análise crítica e produção – haja vista a crescente necessidade de múltiplas ferramentas como áudio, vídeo, tratamento de imagens, edição e diagramação – para explorar o significar desses textos que, por hora, exigem impetuosos multiletramentos, antes não tão necessários. De acordo com Rojo (2012), o caráter dos letramentos requeridos pelos novos textos advém da necessidade de envolver hipertextos e hipermídia, que colocam desafios à escola e às práticas escolares de leitura e escrita, e que necessitam ser problematizadas, repensadas, reexperimentadas

4 Rojo (2012) coloca como “coleção” o nosso conjunto de gostos e preferências, que diferem do de outros em razão dos nossos critérios de gosto e apreciação que fatalmente diferiram também. e reinventadas para suprir as novas necessidades que hora se apresentam ao aluno da atualidade, o nativo digital. O multiletramento, dessa forma, envolve o uso de novas tecnologias de comunicação e informação – em gêneros, mídias, modos, linguagens, temas e tecnologias diversificadas –, caracterizando-se como um trabalho que parte da cultura que o alunado está inserido e de gêneros, mídias e linguagens hoje familiares a eles, buscando um enfoque crítico, pluralista, ético e democrático que diversifique e expandam o repertório cultural, caminhando para a imersão em outros letramentos. Uma educação linguística pensada como adequada para a contemporaneidade, segundo a proposta do multiletramento, se configura como multicultural, por causa da hibridização das culturas, e pode “trazer aos alunos projetos (designs) de futuro que considerem três dimensões: a diversidade produtiva (no âmbito do trabalho), o pluralismo cívico (no âmbito da cidadania) e as identidades multifacetadas (no âmbito da vida pessoal)” (KALANTZIS e COPE, 2006 apud ROJO, 2013, p. 14 [grifo da autora]). Educar para uma diversidade produtiva, requer uma epistemologia do pluralismo, de conhecer e aprender de modo particular por meio da diversidade local e da proximidade global, ambas com a mesma importância crítica, em que o mundo globalizado, que a nós se apresenta e que exige um trabalhador autônomo e multicapacitado, venha a se adaptar as mais frequentes mudanças de modo flexível. O pluralismo cívico é uma agenda ética da escola que visa desenvolver no alunado habilidades de expressão e representação das identidades multifacetadas adequadas à diferentes estilos de vida, espaços cívicos e contextos de trabalho, aos quais os cidadãos se relacionam; é ampliar os repertórios culturais adequando-os ao aglomerado de contextos, nos quais diferenças sócio-histórico-culturais passam a ser negociadas; é capacitar para que o engajamento em políticas colaborativas combinem as diferenças de forma a serem complementares (ROJO, 2013). As culturas hibridas, nas quais vivemos, provocam uma consciência quase totalmente fragmentada e descentrada, formando identidades multifacetadas, e a instituição escolar precisa, imprescindívelmente, tratar do fenômeno de fragmentação social e buscar um pluralismo integrativo, uma coesão da diversidade. É no enfrentamento ético dos elementos que compõem a pluralidade de questões presentes no atual cenário multifacetado e hipermidiatizado, oriundo do capitalismo globalizado, que Burlamaqui (2014b) engaja-se no desafio de realizar o projeto PIBID no Baixo Tocantins paraense, uma região de contingenciais contradições sociais, econômicas, culturais, ideológicas e políticas, que tornam esse espaço um cenário propício às indagações sobre o patrimônio escolar que compõe os paradigmas do ensino de língua materna presente nas escolas públicas de ensino básico. As proposições para a mudança partem da necessidade de referenciar as práticas escolares no conjunto de características e necessidades presentes na cultura local. Em razão do reconhecimento das identidades socioculturais historicamente construídas pelos sujeitos – que hoje se apresentam fragmentadas e hibridizadas –, e das necessidades atuais advindas do imperativo de inclusão social de comunidades estigmatizadas, é que orientamos nossa proposta de intervenção didática. Chamamos a atenção da escola e seu papel social na formação de sujeitos que possam, além de acompanhar as mudanças aceleradas do mundo contemporâneo, interferir nelas, adaptando às suas necessidades locais a miríade de possibilidades e ferramentas presentes nas NTICs; trata-se da subversão do que se tem preconizado para a formação de competências adaptativas.

A reflexão sobre a descentralização do indivíduo tem como foco a “sociedade em rede”, uma sociedade fundada em informação e conhecimento como mercadoria, em que o dualismo: individuação (formação crítico-reflexivo para autonomia do indivíduo) X individualização (formação para adaptação às exigências mercadológicas); vem sendo determinado pela emergência das competências adaptativas concernentes ao contexto do capitalismo globalizado e marcando a construção da identidade social deste sujeito individualizado, produto desse novo contexto de mudanças rápidas e instabilidades (MAGALHÃES e STOER, 2003). (BURLAMAQUI, 2014a, p. 09)

O sujeito alvo das ações concernentes à primeira etapa do projeto – alunos da escola pública municipal de ensino fundamental Antônio de Oliveira Gordo – é caracterizado por sua identidade cultural fragmentada e heterogênea e, nesse sentido, requer uma nova escola que trabalhe a formação linguística histórica, corporificada, contextualizada, situada, e que parta das necessidades desse indivíduo complexo sócio-histórico-culturalmente para que possa supri-las e, assim, proporcionar a requerida formação cidadã para a autonomia crítico-reflexiva e a participação ativa nas potenciais transformações surgidas em sua comunidade, o que aqui iremos definir como o domínio do ethos para o exercício ético da alteridade. Segundo Burlamaqui (2014b):

Apesar da grande dificuldade de acesso à internet, o que se pode observar nas escolas públicas da região são múltiplas identidades socioculturais que

emergem do mundo virtual globalizado: dos cenários ficcionais (jogos interativos), dos ícones da música e esporte, de programas televisivos etc. Da virtualidade à fragmentação das identidades socioculturais (HALL, 20006), é possível perceber o impacto que as NTICs vêm causando ao determinar o modo de vestir, de falar, de agir e, o que é mais alarmante, redimensionado os valores e as referências éticas dos jovens e, consequentemente, determinando padrões de conduta, ou seja, reverberando sobre sua moral. (BURLAMAQUI, 2014b, p. 03).

Ao descrever os elementos que caracterizam as identidades locais presentes no contexto de atuação de seu projeto, a autora proporciona o entendimento do fenômeno definido pelo sociólogo Roland Robertson, de glocalização, que vem ocorrendo em uma comunidade essencialmente localizada a margem do capitalismo globalizante, ou seja, apresenta o que é global se localizando e o local se globalizando, como reflexo da massificação da comunicação eletrônica por meio da internet – que diminui a distância espacial e comprimi o tempo, fazendo desaparecer algumas fronteiras, ao mesmo tempo em que, como vimos anteriormente, cria outras. Comunidades quilombolas, rurais e ribeirinhas são marcantes na região do Baixo Tocantins e pululam a formação da identidade sócio-histórica-cultural da população de Moju – município onde estão localizadas as escolas que serão contempladas pelas ações do projeto. Os costumes e as tradições dessas comunidades estão refletidos na alteridade do público-alvo do projeto, e serão considerados como norteadores das intervenções realizadas no ensino de língua materna, e em um movimento autoreflexivo, dotando os sujeitos envolvidos no projeto de recursos e ferramentas adequadas, ou seja, “por meio do reconhecimento e da valorização das tradições e costumes locais e, nesta perspectiva, promova uma intervenção pedagógica para a construção do conhecimento situado e corporificado” (BURLAMAQUI, 2014b, p. 03). Por se pensar num ensino situado e corporificado, as mudanças ocorridas nos paradigmas socioculturais que estão no centro da formação identitária do alunado contemplado são de grande relevância e intrínseca à reflexão, pois para se realizar proposta de ensino e formação linguística voltada à práxis social, no contexto de periferia do capitalismo globalizado, devemos considerar que:

A diversidade cultural global5, como fenômeno local, provoca a justaposição e o choque de “mundo-de-vida”6 divergentes. Para os autores [Kalantzis e

5 Na perspectiva de Roxane Rojo (2013), a qual também adotamos aqui, as culturas são hibridas, estão em movimento, dinâmicas, abertas à frequente transformação. 6 Segundo Rojo (2013), para Cope e Kalantzis (2006: 206) “o mundo-de-vida é o mundo da experiência vivida no cotidiano; um mundo onde a transformação ocorre de maneira menos criativa e

Cope], a única saída para este paradoxo é criar uma cultura de civilidade entre as pessoas que vivem em grande proximidade global e local (como nas escolas), mas que não são do mesmo grupo de parentesco ou comunidade. É o que chamam de “pluralismo cívico”: provocar a coesão- pela-diversidade, comprometer-se com o papel cívico e ético das pessoas, o que, certamente, envolve letramentos críticos. (ROJO, 2013, p. 17)

Desta maneira, o multiletramento se apresenta como alternativa à escola, que necessita desenvolver outras competências e habilidades linguísticas e cognitivas7 para que, no que diz respeito à linguagem, dialogue com os novos textos presentes no contexto hipermidiático e, assim, interagindo com as variedades de discursos e interpretando-os, dar sentido à multidão de dialetos, discursos, textos, estilos e registros do cotidiano, ao que podemos chamar de um plurilinguismo e, então, permitir um mergulho para compreensão global das “identidades culturais que vêm sendo determinadas pelos ícones e símbolos presentes no cotidiano hipermidiatizado e multisemiotizado” (BURLAMAQUI, 2014b, p. 05 - 06), promovendo a visitação aos conteúdos escolares de língua portuguesa para em seguida propor sua (re)contextualização por meio da historização e corporificação, enfim, um ensino de língua materna situado para sujeitos reais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os multiletramentos se apresentam, teórico-metodologicamente, como uma possibilidade de modificar os paradigmas presentes nos conteúdos escolares da disciplina língua portuguesa. Porém, por si só não dá conta da complexidade presente no tradicional cenário epistemológico construído em torno da formação linguística escolarizada. Para a mudança da prática, além de considerar as mudanças ocorridas nas formas de interação, produção e recepção de textos/discursos, se faz necessária uma agenda ética e política para a formação escolar, pressupostos epistemológico da Linguística Aplicada Crítica, que é autorreflexiva, ideológica, situada sócio-cultural-político-historicamente, indisciplinar, transgressiva, ética, politizada, corporificada, mestiça teórico-metodologicamente, híbrida, dinâmica e redescreve o sujeito com base em teorias pós (MOITA LOPES, 2006).

autoconsciente: ricamente organizado, é claro, e carregado de tradição cultural e linguística, mas servindo a fins imediatos e práticos”. 7 Requeridas pelos hipertextos, por exemplo, “que redimensionam o espaço e tempo nas atividades de leitura e escrita [requerendo essas novas competências e habilidades] para a recepção e produção textual, [para] o acesso e seleção das informações e, ainda, para as práticas de interação em rede” (BURLAMAQUI, 2013, p. 04 - 05).

Somente nesse movimento autorreflexivo e crítico, é que os multiletramentos, de acordo com Rojo (2012), seja na diversidade cultural e circulação de textos, seja na diversidade de linguagens, apresentam-se como uma alternativa para explorar as questões que envolvem: a) interatividade/colaboratividade; b) transgressão das relações de poder estabelecidas; e c) os elementos que subjazem a práxis humana e que são fronteiriços, híbridos e mestiços de culturas, linguagens, modos e mídias. A principal característica dos multiletramentos emergentes é a interatividade, que possibilita ao usuário leitor/produtor de textos/discursos a interação a partir de vários níveis de interlocução e com vários interlocutores, interfaces, ferramentas etc. Essa característica interativa, segundo Rojo (2012), que é fundante da própria concepção da mídia digital, permite, cada vez mais, que ousemos e a usemos além de seu potencial para a manutenção da interação, os recursos disponíveis para a produção colaborativa. Rojo (2012) ainda acrescenta ser:

Evidentemente, [essa] lógica interativo-colaborativa das ferramentas dos (multi)letramentos [que] no mínimo dilui e no máximo permite fraturar ou subverter/transgredir as relações de poder preestabelecidas, em especial as relações de controle unidirecional da comunicação e da informação (da produção cultural, por tanto) e da propriedade dos “bens culturais imateriais” (ideias, textos, discursos, imagens, sonoridades). (ROJO, 2012, p. 25)

Nesse sentido, a produção de bens culturais imateriais de forma colaborativa e interativa quebra a ideia de propriedade, de posse das ideias, fazendo com que haja uma distribuição igual e justa do conhecimento ou, no mínimo, da possibilidade de conhecimento, por sua vez, sua democratização. O Grupo de Nova Londres também apresenta alguns movimentos “pedagógicos” dos multiletramentos, os quais possibilitam ao aluno transformar-se em criador de sentidos, com competências técnicas para trabalhar com ferramentas, textos e práticas letradas requeridas socialmente, tornando-se, assim, analistas críticos capazes de transformar o discurso e seus sentidos, tanto na recepção quanto na produção. Para que essas metas de ensino-aprendizagem sejam efetivadas, é necessário: a) a prática situada; b) a instrução aberta; c) o enquadramento crítico e d) a prática transformadora. A prática situada, assim como a LAC, proporciona a imersão de projetos didáticos em práticas, gêneros e designs que fazem parte da cultura do alunado, valorizando seu contexto sócio- histórico-cultural para, assim associá-la às culturas de outras esferas. Sobre essas esferas culturais se exerceria uma instrução aberta, uma análise sistemática e consciente das práticas cotidianas vivenciadas pelos alunos, dos gêneros e designs conhecidos por eles e seus processos de recepção e produção, dos quais parte a introdução de critérios de análise crítica, e dos conceitos requeridos pela tarefa analítica e crítica dos diversificados modos de significação, por fim, desvelando o enquadramento dos letramentos críticos, que interpretam os contextuais sociais e culturais nos quais circulam e são produzidos designs e textos/discursos/enunciados. Assim, almejando, como resultado final, uma prática transformada de recepção e produção/distribuição de novos designs (redesigns) (ROJO, 2012). Nessa perspectiva, o multiletramento cumpre o que se propõe a fazer, pois comtempla e condiz com os princípios da pluralidade cultural e da diversidade de linguagens, que constituem seu conceito. Desse modo, o contemplamos como um “paradigma da aprendizagem interativa”, que Rojo (2012) prefere chamar, hoje, de colaborativa, em oposição a um “paradigma de aprendizagem curricular” em que outrem decidem o que os alunos devem/precisam aprender e, por fim, planejam de que forma devem/precisam aprender, numa ordem e cronograma fixos. Na contramão da aprendizagem curricular monolítica e amorfa, no paradigma da aprendizagem interativa/colaborativa:

Assume-se que as pessoas determinam o que precisam saber baseando-se em suas participações em atividades em que essas necessidades surgem e em consulta a especialistas conhecedores; que eles aprendem na ordem que lhes cabe, em um ritmo confortável e em tempo para usarem o que aprenderam (LEMKE, 1994b apud ROJO, 2012 p. 27).

Sendo assim, o projeto PIBID, que busca integrar ao cotidiano das práticas escolares as NTICs, propõe às escolas atendidas a querela sobre a inserção das tradições e dos costumes locais ao currículo de língua portuguesa, construindo uma ética plural e democrática, na qual debatam, criticamente, estéticas, construindo diversos critérios de criticidade para a apreciação dos produtos culturais locais e globais, requerendo de acordo com Rojo (2012), uma ética e várias estéticas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BENTES, A. C; REZENDE, R. C. Texto: conceitos, questões e fronteiras [con]textuais. In. SIGNORINI, I. (Org.) [Re]discurtir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

BURLAMAQUI, C. D. V. As NTICs na Educação Básica: uma problemática para professores no ensino do português. Revista Ribanceira. UEPA. Belém. Vol. II. Num. 1. Jan.- Jun. 2014a. Disponível em: http://paginas.uepa.br/seer/index.php/ribanceira/article/viewFile/312/272. Acesso em: 10/ 09/ 2014.

______& RODRIGUES, B. J. S. As novas tecnologias no cotidiano dos professores de português: um relato sobre os desafios do projeto PIBID na região do baixo Tocantins paraense. Anais XI EVIDOSOL e VIII CILTEC – online, junho/2014b, Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/anais_linguagem_tecnologia/article/view/5798. Acesso em: 28/ 08/ 2014.

______As TIC na escola: notas de uma reflexão sobre o ensino do português. Revista EducaOnline. UFRJ. Rio de Janeiro. Vol. 4, Num. 1. Jan.- Abril de 2010. Disponível em: http://www.latec.ufrj.br/revistas/index.php?journal=educaonline&page=article&op=view&path%5B %5D=309. Acesso em: 10/ 07/ 2014.

CASTELLS. M. A Sociedade em rede. – 6ª ed. – São Paulo: Paz e Terra, 2005.

GIDDENS, A. Mundo em descontrole. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. – 11ª ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

KUMAVADIVELU, B. A linguística aplicada na era da globalização. In. MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma linguística aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

MARCUSCHI, L.A. e XAVIER, A.C. (orgs.) Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2010.

MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma linguística aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

______Linguística aplicada e vida contemporânea: problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In. MOITA LOPES, L. P (Org.). Por uma linguística aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

PENNYCOOK, A. Uma linguística aplicada transgressiva. In. MOITA LOPES, L. P. (Org.) Por uma linguística aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

RAJAGOPALAN, K. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

ROJO, R. Gêneros discursivos do Círculo de Bakhtin e multiletramentos. In. ROJO, R. (org.). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. São Paulo: Parábola, 2013.

______Pedagogia dos multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola, In. ROJO, R; MOURA, E. (Orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

SANTAELLA, L. O novo estatuto do texto nos ambientes de hipermídia. In. SIGNORINI, I. (Org.) [Re]discurtir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. – 13ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2006.

MOTIVAÇÃO NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA EM SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ESCOLA PÚBLICA A PARTIR DE UMA EXPERIÊCIA DE INTERCÂMBIO EDUCACIONAL

Erika Suellem Castro da Silva

(UEPA/SEDUC)

[email protected]

Experiências de intercâmbios educacionais para professores de língua são relevantes não só para o professor, como também para seus alunos, considerando os aspectos socioculturais inerentes à imersão cultural em países da língua-alvo. A motivação é um dos elementos essenciais em tais eventos. Este trabalho relata como a experiência de um intercâmbio educacional de um professor pode ser fator motivador na aprendizagem de seus discentes de uma escola pública, demonstrando que uma experiência pessoal e profissional é capaz de ampliar as expectativas dos aprendentes de várias formas. O intercâmbio educacional do professor de LE é uma oportunidade que dá abertura a outras possibilidades a serem vivenciadas pela comunidade escolar como um todo e que pode, sem dúvida alguma, cooperar para a formação pessoal de professor e aluno, na aprendizagem da língua-alvo.

PALAVRAS-CHAVE: Intercâmbio educacional. Professor de língua estrangeira. Aprendente. Motivação. Escola pública.

Educational interchanges experiences for foreign language teachers are relevant not only for teachers but also for his students, considering the social cultural aspects that are part of the cultural immersion in the target-language countries. The motivation is one of the main elements in those events. This article reports how that experience can be a motivating factor in the learning process of students from a public school, pointing out that a personal and professional experience abroad may amplify the learners’ expectations in a variety of ways. The educational interchange of a foreign language teacher is an opportunity that opens up the doors to other possibilities to be experienced by the students in a general way and that, undoubtedly, can cooperate to the personal formation of teacher and student, in the learning process of the target-language.

KEY WORDS: Educactional interchange; Foreign language teacher. Learner. Motivation. Public school.

Introdução

Experiências de intercâmbios educacionais para professores de língua são de extrema importância, não só pela prática das habilidades linguísticas envolvidas, mas principalmente pelos aspectos socioculturais inerentes à aprendizagem em países da língua-alvo. A motivação e a autonomia são alguns dos elementos essenciais em tais eventos para o professor- aprendente, bem como para seus alunos de L2, que serão consequentemente beneficiados com as experiências advindas do intercâmbio.

Este trabalho relata como a experiência de um intercâmbio educacional de um professor pode ser fator motivador na aprendizagem de seus discentes, desencadeando, assim, uma série de interações efetivamente produtivas para alunos do ensino fundamental de uma escola pública. O relato, no caso, é de minha própria história profissional, com fatos ocorridos no ano de 2009, enquanto intercambista de um programa da Embaixada Americana e professora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Dr. Mário Chermont, situada no bairro da Cremação, em Belém do Pará.

1 Características do intercâmbio educacional

Matias (2002), em seu trabalho intitulado “Diversidade e Aprendizado: Uma análise dos aspectos socioculturais do intercâmbio educacional”, considerando a etimologia da palavra intercâmbio, afirma que no contexto de turismo, este seria o processo em que pessoas decidem “mudar de lugar temporariamente”. O termo “educacional” faz referência à idéia de um intercâmbio que envolva quaisquer processos de aprendizagem da língua-alvo e da cultura do país visitado.

No mesmo trabalho, a autora argumenta que não há uma literatura turística extensa que defina o termo intercâmbio educacional. Tal termo deve ser definido como a categoria de viagem turística a um país estrangeiro, durante a qual há o uso efetivo do idioma local e também uma imersão cultural, com fins de aprendizagem formal ou simples convivência com a comunidade.

O objetivo principal de um intercambista que opta por uma experiência de intercâmbio educacional, ou que é selecionado para tanto, gira em torno quase sempre das demandas do mercado e aprimoramento dos estudos. No entanto, impossível não considerar como uma experiência desta dimensão contribui para o amadurecimento e independência do indivíduo, seja qual for sua área de atuação profissional.

Por tais fatores, segundo Matias (2002), o intercâmbio educacional é considerado como uma das categorias de viagens que mais permitem a prática de um turismo verdadeiramente humano, voltado para o desenvolvimento pessoal dos agentes envolvidos.

1.1 Intercâmbio Educacional para professores de Línguas Estrangeiras: Aspectos gerais.

O intercâmbio educacional para um professor de LE efetiva-se como uma pesquisa em que elementos formais e funcionais da língua são exercitados, aprendidos ou confirmados, a partir das observações do intercambista. É preciso que o professor tenha essa percepção para que sua prática em sala de aula consiga atingir o patamar transformador citado anteriormente, tão importante tanto para o professor, quanto para os seus alunos.

O professor tem em mãos a possibilidade de cooperar com os aprendentes, para que estes construam e integrem os novos saberes. Braga (2005) recorre a Vygotsky quando argumenta que o fator cultural na prática pedagógica é de grande valor. O meio em que o indivíduo está inserido é sempre portador de significações culturais e essas significações são adquiridas com a participação de mediadores. O professor-intercambiário (ou intercambista), desta forma, é mediador essencial para que seus alunos entrem em contato com a cultura da língua-alvo.

Para Lima (2009), definir o termo “cultura” em um mundo que tem se tornado cada vez mais internacional é extremamente difícil. O autor cita a definição de Gorodetskaya (1996), autora esta que fala de cultura em um nível mais generalizado: “uma forma de vida ou um contexto dentro do qual os indivíduos existem, sentem e se relacionam uns com os outros”.

Cabe ao professor de língua estrangeira ampliar suas capacidades de compreensão de outros mundos, de outras sociedades. Para Young (1972 apud LIMA, 2009) “O professor de língua estrangeira é muito mais um intérprete cultural”, que não precisa impor nenhuma cultura em sala de aula, mas sim “fornecer” ao seu alunado uma gama de características culturais referentes à língua-alvo, observadas e expressas em comportamentos, gestualidades, representações, história, idiomatismos, relações pessoais etc.

Uma experiência de intercâmbio educacional para um professor de LE é de grande valia para que este possa, então, alargar sua visão de educador, contribuir para a expansão de horizontes de seus alunos, combinar teorias de ensino e vivência cultural e, indubitavelmente, crescer pessoalmente e profissionalmente.

1.2 O intercâmbio fomentador da motivação e autonomia do professor de LE

Em uma experiência de intercâmbio educacional, o professor-intercambiário precisa assumir um papel de aprendente autônomo, pois há a necessidade latente de aprimoramento de certas habilidades, manejos, organização de competências, de conhecimento de regras estruturais, bem como de regras funcionais e coordenação da própria aprendizagem. A competência linguístico-comunicativa, no contexto do intercâmbio educacional de professores de LE serviria até mesmo como um “termômetro”, para que o profissional pudesse então “medir” seu nível de proficiência. Todos esses processos envolvem autonomia – do autogerenciamento até a autoavaliação.

Um aprendente autônomo tem “a capacidade de realizar as escolhas que governam suas ações” (LITTLEWOOD, 1996 apud CARVALHO, 2005) e essa capacidade de escolher o que melhor direciona nossas ações em um processo de aprendizagem dialoga intrinsincamente com o que MAGNO E SILVA (2003) fala acerca de bons aprendentes cientes de suas próprias estratégias e objetivos:“Eles monitoram e avaliam o uso das estratégias assim como de seu aprendizado” (MAGNO E SILVA, 2003, p.80).

Um professor autônomo,por conseguinte, percebe e permite que os aprendentes tenham a chance de construir sua aprendizagem de maneira problematizada e compreende a necessidade de um ambiente reflexivo para tal aprendizagem. Consciente de que é agente de seu processo de aperfeiçoamento enquanto profissional, o professor autônomo também colabora com seus alunos para essa conscientização em sala de aula.

Acredito que quaisquer mudanças provocadas pelo professor em sua sala de aula estão ligadas intrinsecamente à motivação. Para Dörnyei (2001), a motivação pode ser definida como um “despertar”. Uma experiência de intercâmbio, sem dúvida, pode colaborar efetivamente para que o indivíduo se empenhe muito mais na aprendizagem de uma língua. Podemos atestar tal fato nos relatos a seguir.

2 Relatos ilustradores de motivação e autonomia

Neste tópico apresentamos duas experiências de intercâmbio educacional vivenciadas por duas professoras de LE. Tais experiências contribuíram para a motivação e a autonomia das profissionais envolvidas e de seus alunos.

O primeiro relato descreve a experiência de uma professora de francês que trabalhou em Caiena como assistente de língua portuguesa durante sete meses. Na graduação de francês, quando cursava os primeiros níveis de língua, não conseguia entender o objetivo de tanta repetição, que, aliás, detestava, por ser tímida. O início em Caiena foi difícil. Por outro lado, a professora-intercambista se via obrigada a falar o que sabia por questão de sobrevivência. Ir ao restaurante, ao supermercado, à agência bancária, tudo exigia que ela falasse no idioma da região.

Em um mês, já tinha adquirido um vasto vocabulário e aprendido muitas expressões. Depois de sua experiência como professora-intercambista em Caiena, a professora de língua francesa diz ter se tornado uma aluna mais dedicada e uma professora mais consciente. Finalmente entendeu que o domínio de uma língua estrangeira traz muito mais do que um conhecimento a ser utilizado na pós-graduação. Sua experiência em Caiena a motivou, inclusive, a aprender inglês – idioma para o qual apresentava bastante resistência.

O segundo relato trata de uma experiência de intercâmbio educacional vivenciada por mim, quando selecionada pela Embaixada dos Estados Unidos para participar de um intercâmbio em Austin, no Texas, em 2009, com mais cinco colegas da área de ensino e aprendizagem de língua inglesa do Brasil e do Chile, com professores da Universidade do Texas. O curso envolvia orientação e imersão cultural, além de uma visão geral acerca das metodologias de ensino.

O grupo de professores brasileiros demonstrava uma motivação especialmente no nível intercultural, pois tínhamos contato com falantes de língua inglesa e língua espanhola em Austin; ademais, podíamos trocar experiências com os colegas de profissão chilenos, que também pareciam interessados em conhecer um pouco mais de nosso país. Ajudávamos uns aos outros dentro e fora de sala, principalmente em relação ao uso da língua nas situações informais de nosso dia-a-dia (solicitar à moça da recepção a chave da lavanderia do hotel, pedir informações nas ruas sobre os pontos de ônibus e lugares aos quais planejamos ir etc).

Ao retornar para minha comunidade escolar, minha experiência foi apresentada aos alunos por meio de aulas sobre a cultura dos EUA e de seminários, o que foi, na realidade, solicitado pelos organizadores e professores do programa de intercâmbio. Isto é, eu estava motivada a apresentar resultados produtivos sobre minha vivência em Austin não só para meus alunos da escola Mário Chermont, mas também para os meus professores do programa de intercâmbio educacional.

Relatei aos alunos que assim como eu, eles também poderiam ser selecionados para intercâmbios culturais/educacionais, tal qual o Youth Ambassadors Program, voltado para estudantes de escola pública.

Em aulas regulares de língua inglesa nas escolas públicas, o foco principal, infelizmente, ainda é a leitura instrumental e a gramática, ensinada de forma descontextualizada, haja vista a necessidade de se cumprir o conteúdo programático, a dificuldade dos alunos de assimilarem a língua-alvo em uma sala de mais de 40 estudantes e, por fim, as condições de trabalho para o professor de língua estrangeira das escolas estaduais (falta de material didático, falta de recursos apropriados para uma aula de inglês como língua estrangeira etc.).

Considerando o contexto da escola pública, minha própria motivação em colaborar para que este quadro sofresse alguma mudança, no sentido de mostrar aos meus alunos que a aprendizagem de uma língua estrangeira não se restringe apenas a aspectos estruturais e mecanicistas, além de considerar também meu compromisso com meus professores do programa de Austin, decidi trilhar alguns caminhos, por assim dizer, “diferentes”, dentro da minha comunidade escolar; ainda que minhas escolhas fossem alvo de certas críticas por parte de meus próprios colegas de profissão, eu conseguia ver alguns bons resultados à medida que meus objetivos eram alcançados.

2.1 O projeto FYA

A partir de minha experiência de professora-intercambista, ao retornar de Austin, em 2009, desenvolvi um projeto denominado PROJETO FYA (Future Youth Ambassadors), que envolvia alunos de 7ª e 8ª séries motivados a aprender o inglês em sua amplitude, aproveitando o interesse em comum que tínhamos de inserir esses estudantes nas edições futuras do Programa Jovens Embaixadores, promovido anualmente pela Embaixada dos Estados Unidos, cujo objetivo é o de levar alunos entre 14 e 17 anos, com bom desempenho escolar, para um intercâmbio nos EUA.

Um dos requisitos básicos do programa é que os estudantes da comunidade escolar estadual passem por uma prova escrita e uma entrevista em inglês. Deste modo, havia a urgência de se aprimorar as habilidades linguísticas de L2 daquele alunado.

O Projeto FYA surgiu, então, da necessidade por mim observada, de aprimorar o conhecimento do alunado da rede estadual, considerando todos os aspectos inerentes a este aprendizado, incluindo habilidades linguísticas (Speaking,Listening,Writing e Reading) bem como conhecimento da cultura da língua a ser aprendida. Eu entendia que a tarefa era bastante árdua, já que muitos estavam confortavelmente acostumados com as aulas baseadas em manuais de gramática dos anos anteriores. Mas era preciso mostrar oportunidades diversas para que os alunos pudessem perceber que aprender inglês ia muito além do verbo to be.

O projeto era voltado para alunos de 7ª e 8ª séries da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Dr. Mário Chermont e estava inserido no projeto ESCOLA DE PORTAS ABERTAS da Secretaria de Educação do Estado do Pará. Eu pretendia coletar e apresentar os resultados do projeto FYA aos meus professores do intercâmbio educacional – pois, como já enfatizei, o retorno de nossos trabalhos pós-intercâmbio era um compromisso para com o RELO (Regional English Office), da Embaixada Americana e para com o TIEC/TIEP, instituições que acolheram os professores intercambistas na ocasião. Também desejei levar os resultados do projeto FYA para a 12ª convenção do BRAZ-TESOL, que ocorreu entre os dias 19 e 22 de Julho de 2010, em São Paulo.

Assim, entre os objetivos estabelecidos no projeto, estavam:

 Expor os alunos a textos autênticos e a uma dinâmica de comunicação real em língua inglesa.  Promover atividades de Listening e exercícios de prática oral em L2 (um tanto difícil de se fazer nas aulas regulares da escola pública).  Organizar atividades de escrita em L2, com avaliação contínua das produções.  Apresentar um pouco da Cultura Americana (utilizando um dos materiais ofertados na ocasião do intercâmbio educacional: livro AMERICAN WAYS: An introduction to American Culture).

3 Alguns resultados

Aindaque o caminho fosse longo e difícil, pois meus alunos não aprenderiam a se comunicar na língua-alvo da noite para o dia, mesm com todos os seus esforços, eu consegui despertar em minhas turmas, a visão de que há propósitos substanciais para se aprender uma língua estrangeira. Muitos me paravam nos corredores da escola durante as aulas da semana, indagando o que teríamos aos sábados, no curso livre. Mesmo aqueles alunos que não podiam entrar no projeto, fosse pelo tempo, idade, outras tarefas etc., eu consegui inseri-los no projeto de alguma forma.

Na Feira da Cultura, um grupo de alunos apresentou uma dança texana; a quarta avaliação de uma turma do ensino médio foi um seminário sobre Austin e todos os alunos utiliaram muitos materiais em foto e vídeo que eu trouxe do intercâmbio. Falaram das comidas típicas, das roupas, dos museus, do Capitólio, do jeito peculiar dos moradores do Texas, entre outras características daquele estado americano.

Percebi que, apesar das dificuldades com as quatro habilidades da língua inglesa, meus alunos do ensino fundamental estavam, por assim dizer, mais “dispostos” para a aprendizagem nas aulas regulares. Desde as tarefas do nosso livro-texto até apresentações de trabalhos como um vídeo PSA (Public Service Announcement) que foi produzido no ano posterior do projeto, sobre a divisão do Pará, eu percebia que minhas sementes tinham gerado alguns bons frutos; dentre eles, certamente, a conscientização de que aprender inglês era essencial para o desenvolvimento pessoal, cultural e profissional de cada um.

Como parte da seleção do programa Jovens Embaixadores está relacionada com projetos sociais, desenvolvemos com nossos alunos algumas tarefas nesse sentido. Fosse ajudando a comunidade em alguma paróquia ou creche, sob autorização de seus pais ou, ainda, participando da coleta de lixo promovida pelo próprio projeto FYA, nossos discentes tornaram-se mais conscientes da necessidade de se ajudar o próximo e de promover melhorias para a comunidade onde viviam.

Além disso, a maioria dos alunos que participaram do projeto FYA continuaram no ano de 2010, mesmo com o término do projeto (pois o Escola de Portas Abertas não funcionou na EEEFM Dr.Mário Chermont), trabalhando nos projetos sociais em que estavam inseridos. Além da coleta de lixo, também tiveram a oportunidade de participar de oficinas de produção de sabão por meio de reciclagem.

Para mim, como profissional da área de ensino e aprendizagem de Língua Inglesa como LE, foi muito prazeroso levar esses alunos a lugares como o AVA – Amazon Valley Academy - uma comunidade evangélica de americanos que funcionava na Rodovia BR-316, próximo da Universidade da Amazônia, onde eles puderam interagir com professores e moradores daquela comunidade.

Também me foi muito satisfatório criar um link entre meus alunos e algumas pessoas essenciais para o projeto: ex-participantes do Jovens Embaixadores e uma futura participante daquele ano, palestraram na escola Dr.Mário Chermont e compartilharam suas experiências e expectativas com meus alunos. Outro ponto positivo foi a visita de um representante do Regional English Office, o Sr. Scott Chiverton, vindo de , à escola Dr.Mário Chermont. Neste encontro, a importância de se aprender uma língua estrangeira, mais do que dita pelo colaborador do RELO, foi realmente sentida pelos alunos, já que mostraram entusiasmo e motivação para tanto, pois mesmo com algumas dificuldades de speaking e listening, interagiram com bastante interesse. O mesmo ocorreu quando receberam a visita de duas intercambistas participantes do programa ETA (English Teacher Assistants), atuantes nas Universidades Federal e Estadual do Pará. Todas as situações “inovadoras” dentro do contexto de sala de aula de uma escola pública, na disciplina de língua inglesa, saltavam aos olhos dos meus alunos como fontes motivadoras de aprendizagem.

Escrevi um artigo sobre essas experiências na revista New Routes, editada pelo renomado Jack Scholes. O título é: “MOTIVAÇÃO E AUTONOMIA DO PROFESSOR DE LE A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA DE INTERCÂMBIO”, artigo este escrito durante meu mestrado, sob a orientação da Professora Dra. Walkyria Magno e Silva (UFPA). Também apresentei os feitos do projeto FYA na 12ª convenção do Braz-Tesol.

Até hoje encontro ex-alunos que fizeram parte deste pequeno e, a mesmo tempo, grandioso projeto. São universitários de Matemática, Pedagogia, Fisioterapia etc. Fico muito feliz por ter participado um pouco de suas vidas e por ter semeado, com minha discplina, aspectos não só de motivação, como também de cidadania, ética e responsabilidade social, além, é claro, de ter depositado um pouco de esperança em suas vidas. Esse é o melhor retorno que um professor pode ter: ver seus alunos em busca de seus próprios sonhos.

Conclusão

É interessante notar como uma experiência pessoal e profissional amplia nossas expectativas enquanto aprendentes e profissionais de tal forma, a ponto de poder entrelaçar várias “teias” de aprendizagem, a partir da elaboração de projetos sociais na comunidade escolar, da interação com outros colegas da área, da conscientização do que realmente é aprender uma língua estrangeira com uma visão crítica etc.

O intercâmbio educacional do professor de LE é uma oportunidade que dá abertura a outras possibilidades no âmbito pessoal, profissional e coletivo. Um professor motivado, ciente de sua necessidade de autonomia, transmitirá aos seus alunos o mesmo ímpeto, pois estes se sentirão valorizados ao se envolverem em tarefas significativas ou em projetos desafiadores. Experiências marcantes como as relatadas neste trabalho, me fazem ter cada vez mais certeza de que ser professor é estar em constante construção – dentro e fora de sala de aula. Também estou cada vez mais convencida de que escolhi a profissão certa: a profissão que me permite aprender e me surpreender continuamente.

Referências

BRAGA, L. A. N. O ensino-aprendizagem do francês através das culturas e das literaturas francófonas das Antilhas. Universidade Federal do Pará, 2005.

CARVALHO, F.S. Autonomia e Motivação em Narrativas de Aprendizes de Português como Língua Estrangeira. Disponível em . Acesso em: 16 set. 2009.

DÖRNYEI, Z. Motivation in action: Towards a process oriented conceptualization of student motivation. British Journal of Educational Psychology. 2000.

LIMA, D. C. de. O ensino de língua inglesa e a questão cultural. In_____ (org.): Ensino e aprendizagem de língua inglesa - conversas com especialistas. São Paulo: Editora Parábola, 2009.

MAGNO E SILVA, W. Autonomia no Ensino e Aprendizagem de Línguas. Moara. V. 20. Belém: UFPA, 2003.

MATIAS, K. O. Diversidade e Aprendizado: Uma análise dos aspectos socioculturais do intercâmbio educacional. João Pessoa: Instituto de Educação Superior da Paraíba, 2002.

O PAPEL DA LITERATURA NAS AULAS DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS/ THE ROLE OF LITERATURE IN THE FOREIGN LANGUAGE TEACHING

Jessiléia Guimarães Eiró – UEPA Docente no Departamento de Língua e Literatura (UEPA – Belém/PA) [email protected]

Wellingson Valente dos Reis – IFPA Docente no IFPA – Campus Belém [email protected]

RESUMO Este trabalho se dispõe a examinar o uso de textos literários no ensino de línguas estrangeiras (LE), mais especificamente de língua espanhola. Em um primeiro momento, se discute a presença do próprio ensino do espanhol no Brasil e o seu desenvolvimento à luz dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que sugerem que o trabalho com línguas estrangeiras nas escolas seja baseado na leitura. De acordo com os PCN, é fundamental que o ensino de LE esteja baseado na função social do seu conhecimento. Por isso, a leitura é uma ferramenta fundamental dentro do processo de ensino/aprendizagem de LE, pois permite que o aluno construa seu conhecimento com autonomia, sendo capaz de solucionar os problemas que poderão surgir em situações reais de leitura em língua estrangeira. Além disso, conhecer as diferentes estratégias de leitura e aplicá-las irá torná-lo um leitor mais crítico, com um desempenho mais eficaz até mesmo na leitura de textos em língua materna. Em seguida, introduz-se a relação existente entre a literatura e o ensino para a formação completa do aluno, ao se refletir acerca da utilização da literatura no ensino de língua estrangeira, em que aquela desempenha um papel significativo nas aulas de idiomas, pois é também pelo texto literário que se pode romper com os muros que cercam o ensino de LE no Brasil, oportunizando aos alunos a proximidade com o universo literário, onde eles podem ter a oportunidade de conhecer países e culturas distintos da sua experiência.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Língua estrangeira. Ensino de LE.

ABSTRACT

This work intends to examine the use of literary texts in the teaching of foreign languages (FL), more specifically Spanish texts. At first, one discusses about the teaching of Spanish in and its development as presented by Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), which suggests that the teaching of foreign languages at schools be based on the reading skill. According to PCN, it is fundamental that the teaching of FL be based on the social function of its knowledge. Then, reading skill is an important tool in the FL teaching-learning process, as it allows the student to construct his/her knowledge with autonomy, being able to solve problems that may appear in real situations of reading texts written in a foreign language. Beyond, knowing both the different strategies of reading and how to use them will cause the student to be a more critical reader, with a more efficient performance even when reading texts in his/her own native language. Secondly, one introduces the relation between literature and teaching in order to provide the complete training of the student, as one thinks about the usage of literature in the FL teaching, once it has a very important role in language classes, because the literary texts can also be useful to break down the walls that surround the FL teaching in Brazil, which allows the students to be in contact with the literary universe, where they can have the opportunity of knowing about other countries and their culture different from their own experience.

KEY-WORDS: Literature. Foreign language. FL teaching.

PRÁTICAS DIDÁTICAS NA SALA DE AULA: OS CAMINHOS PARA O INCENTIVO À LEITURA LITERÁRIA. Brenda Melo Figueiredo (UEPA) ([email protected]) Hellen Cristina Aleixo Azeredo (UEPA) ([email protected])

Resumo: A leitura, no Brasil, é muito desvalorizada, assim como a docência, o que pode ser visto nos índices que mostram que aquela vem cada vez perdendo mais espaço para outras atividades, como ver televisão. O presente artigo discute acerca das estratégias que professor pode abordar para apresentar a leitura literária de modo a fazer com que o seu aluno se torne de fato um leitor, e não aquele que lê só por necessidade, mostrando o papel do docente nesta fase inicial de contato com obras literárias, e como se reflete no aprendizado do discente. Para a realização da pesquisa, foram observadas duas professoras do sétimo ano do ensino fundamental para saber quais são os métodos que podem proporcionar ao aluno o gosto pela leitura e os que podem causar aversão à mesma. Os resultados mostraram que as estratégias promovendo a interação aluno-professor-leitura, que vão além da aula expositiva e da análise gramatical surtem um efeito positivo no gosto do educando. As práticas didáticas na apresentação do gênero literário fazem as crianças adquirirem mais vontade de ler fora da escola, o que significa dizer que o modo como o professor apresenta a literatura pode influenciar diretamente na formação ou não do aluno-leitor.

Palavras-chave: Práticas didáticas. Professor. Leitura literária. Aluno-leitor.

Abstract: Reading, in Brazil, is seriously undervalued, as well as teaching, which can be seen in the indices that show that this is increasingly losing more space for other activities, such as watching television. This article discusses about the strategies that teachers can approach to present literary reading in order to make your student becomes in fact a reader, and not one who reads only by necessity, showing the role of the teacher in this initial phase contact with literary works, and as reflected in the student learning. To conduct the study, two teachers of the seventh year of primary school were observed to know what are the methods that can provide the student with a taste for reading and that can cause an aversion to it. The results show that strategies promoting student- teacher-reading interaction, which go beyond the lecture and parsing surtem a positive effect on the taste of the student. These teaching practices in presentation of the literary genre do children acquire more willing to read outside of school, which means that the way the teacher presents the literature literature can directly influence the formation or not the student-reader.

Keywords: teaching practices. Literary reading. Teacher. Student-reader

Introdução Quando falamos em leitura literária no Brasil, nos deparamos com níveis que estão muito aquém do esperado, dados da pesquisa Retratos da leitura no Brasil mostram que o número de leitores caiu 9,1% entre os brasileiros, perdendo espaço para diversão online, assistir televisão entre outros, tendo os entrevistados de 5 a 17 anos, ou seja, em idade escolar, sendo considerados leitores quem leu pelo menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa. São diversos os fatores que podem influenciar esse índice precário como classe social, idade, escolaridade, entre outros. A literatura ocupa um lugar cada vez menor no cotidiano do brasileiro, visto que ela não é vista, pela maioria das pessoas, como algo importante. Ao olharmos para o âmbito escolar, percebemos que as formas como a literatura vem sendo trabalhada acabam não provocando o interesse do aluno. Ela é, muitas vezes, apresentada no ensino fundamental somente para análise gramatical e utilizando apenas fragmentos de obras tanto da poesia quanto da prosa, sendo que os estudantes não as leem para as conhecer, leem somente com o outro fim, sem considerar que o aluno pode acabar criando aversão a esses tipos de leitura e, por conseguinte, não se interessar em lê-las. O ensino de literatura deve ser algo pensado de modo a fazer com que o estudante seja estimulado a apreciá-la, e uma boa iniciação literária pode abrir as portas para o gosto pela leitura literária. Esta deve ser algo prazeroso, que faça o discente sentir vontade de continuar lendo fora da escola. Por isso o professor deve ter diversas estratégias para trabalhá- la de modo que a aula não seja entediante e/ou cansativa, pensando sempre em quem são seus alunos, qual o contexto deles para, assim, procurar fazer ligações com a realidade de todos. Ele também tem que saber escolher as obras que utilizará, tendo em vista que é importante que ela seja adequada aos conhecimentos do estudante para ele a compreender, pois a não adequação pode desmotivar o aluno, visto que se ele lidar como uma obra muito complexa, o fato de não entendê-la pode gerar um sentimento de incapacidade. Com tudo isto, este trabalho tem por objetivo averiguar como a literatura é trabalhada em sala de aula do ensino fundamental, quais são métodos utilizados para ensiná-la e se eles contribuem para incentivar o gosto pela leitura literária nesta etapa da vida do estudante, observando as estratégias utilizadas pelos professores que são eficazes e as que apenas servem para formar não-leitores. As discussões apresentadas acima serão aprofundadas ao longo deste texto da seguinte maneira: na 1ª seção, são apresentados os pressupostos teóricos da pesquisa, são trazidas algumas discussões teóricas acerca do formador de leitores, das práticas de incentivo à leitura e da didatização literária; na 2ª seção, é apresentada a metodologia utilizada na pesquisa e os procedimentos seguidos durante a efetivação da pesquisa-ação; na 3ª seção, são analisados os dados obtidos pelos questionários e interações ocorridas durante a observação das práticas das professoras. Por fim, têm-se as considerações finais e as possíveis contribuições do trabalho para os diferentes métodos de abordagem da literatura e incentivo à leitura, que em primeiro lugar é dever de todos, sendo os professores considerados os principais incentivadores e, portanto, configuram-se como a ponte entre o estudante e a leitura, caindo sobre ele a responsabilidade fazer o aluno desenvolver o gosto pela leitura.

1-Referencial teórico 1.1 O formador de leitores Para Angela Kleiman (2002), muitos professores apresentam concepções de leitura que estão empobrecidas e inibem a formação dos leitores, onde o aluno tem somente que se aproximar da interpretação “autorizada” pelo autor, não levando em conta se o aluno realmente compreendeu o texto. O docente tem que tornar a atividade da leitura comunicativa, fazendo comentários, perguntas. Para Silva (2004), a pessoa que se dispõe a entrar em uma sala de aula para ensinar tem que saber de modo satisfatório aquilo que ensina, tem que ter domínio dos conteúdos e de suas disciplinas, visto que para orientar a leitura o professor tem de ser um leitor, com paixão por determinados textos e ódio por outros, ou seja, o professor pode até ter os seus gostos pessoais, no entanto ele sempre tem que exercer a leitura de modo satisfatório, visto que ele não tem como formar bons leitores se ele mesmo não é um leitor eficaz. Para o autor em questão, é imprescindível que haja a valorização da literatura pela escola, pois, em muitos lugares, é esta que dita o que o docente ensinará em sala de aula, por isso é preciso que ela tenha um bom posicionamento no que diz respeito à literatura. Silva (2004) disserta sobre leitura na escola: [...] o único reduto onde a leitura ainda pode ser desenvolvida é a escola. O fracasso da escola nessa área significa a morte de leitores através dos mecanismos de repetência, evasão, desgosto e/ou frustração. A qualificação e a capacitação contínua dos leitores ao longo das séries escolares colocam-se como uma garantia de acesso ao saber sistematizado, aos conteúdos que a escola tem que tornar disponível aos estudantes. (p. 07)

A inserção da literatura no ensino fundamental é essencial ao aluno para que este desenvolva seus primeiros conhecimentos sobre ela antes de ingressar no ensino médio. Cabe ao professor fazer com que o primeiro contato do estudante seja algo que traga prazer ao mesmo para que não crie aversão a ela pelo modo com que um professor ensinou. No que diz respeito à iniciação da literatura em sala de aula, para Lajolo (1997): O problema é que os rituais de iniciação propostos aos neófilos não parecem agradar: o texto literário, objeto de zelo e do culto, razão de ser do templo, é objeto

de um nem sempre discreto, mas sempre incômodo, desinteresse e enfado dos fiéis – infidelíssimos, aliás – que não pediram para ali estar. Talvez venha desse desencontro de expectativas que a linguagem pela qual se costuma falar do ensino de literatura destile o amargor e o desencanto de prestação de contas, deveres, tarefas e obrigações [...] (LAJOLO,1997, p. 12)

Para esta autora um dos problemas do incentivo à leitura é que até alguns professores de Língua Portuguesa não têm o hábito de ler, a diferença é que estes já têm leituras interiorizadas, visto que já buscaram leituras complementares, e existem também professores de gramática que dizem não gostar de literatura e esta atitude precisa ser mudada: o professor tem que dar exemplo do hábito de ler: Numa última perspectiva, o desencontro literatura-jovens que explode na escola parece mero sintoma de um desencontro maior, que nós – professores – também vivemos. Os alunos não lêem nem nós; os alunos escrevem mal e nós também. Mas ao contrário de nós, os alunos não estão investidos em nada. E o bocejo que oferecem à nossa explicação sobre realismo fantástico de Incidente em Antares ou sobre a metalinguagem de Memórias póstumas de Brás Cubas é incômodo e subversivo, porque sinaliza nossos impasses. Mas, sinalizando-os, ajuda a superá- los. Pois só superando-os é que em nossas aulas se pode cumprir, da melhor maneira possível, o espaço de liberdade e subversão que, em certas condições, instaura-se pelo e no texto. (LAJOLO,1997, p. 16)

Existem vários métodos para os professores trabalharem obras literárias com crianças de uma maneira que faça despertar a atenção delas de uma forma positiva, mostrando o quanto a leitura é interessante, porém há docentes que não dão o verdadeiro valor a ela, usando-a para outros fins como os gramaticais o que não deveria ser feito, pois tratá-la desta maneira tira toda a sua atenção. O aluno que lê desde criança, quando chega ao ensino médio, na maioria das vezes, não sente dificuldade ao ler os autores mais complexos, pois a prática de ler o faz ter um senso de interpretação maior, e, se ele ler bons livros, se acostumará com a escrita destes e, aos poucos, vai aderindo à sua a forma como lê. Para Morttati (2001): A falta de hábito de leitura tem sido apontada como uma das causas do fracasso escolar do aluno e, em consequência, do seu fracasso enquanto cidadão. Subjacente a essa idéia não só se encontra a crença de que a escola forma para a vida e que a leitura, especialmente a da literatura, tem grande parcela de responsabilidade nessa formação, como também se evidencia a vinculação histórica entre literatura e escola, o que se torna mais problemático quando se pensa na instituição escolar como um espaço de conservação e na literatura como a possibilidade da contradição e do movimento e, portanto, como agente de transformação. (MORTATTI, 2001, p. 11)

1.2. O ensino de literatura e práticas didáticas na escola Machado (2011) disserta sobre a importância da leitura daquilo que faz crescer como jornais, revistas, principalmente livros, tanto da leitura de informação aprofundada, pois aumenta o conhecimento, como a literária, sobretudo esta. Aquela é desprivilegiada por ser considerada dispensável, substituída por meios de informação mais rápidos e eficientes, e a outra porque se diz que é coisa de intelectual, um luxo. Segundo a autora, na maioria das casas brasileiras, a capacidade de ler é conquista de uma ou duas gerações mais recentes. Há pouco tempo que 98% das crianças em idade escolar tiveram acesso às salas de aula e, muitas vezes, com uma qualidade péssima, onde muitos alunos vão à escola somente para se alimentar. Para a pesquisadora as bibliotecas são mal distribuídas e funcionam em horários que coincidem com a jornada de trabalho de cada um dificultando o acesso a elas. E o preço do livro não ajuda na sua compra, pois no Brasil eles são muito caros. Conforme Machado (op.cit), lê-se pouco no Brasil pois não se acha que ler é importante. Não existem exemplos de leitura à nossa vista e as pessoas têm a sensação de que o livro é algo difícil, trabalhoso. No entanto, se não é comum que um adulto que nunca leu consiga, de repente, do nada, descobrir as delícias da leitura, também é difícil ver uma criança alfabetizada que, tendo acesso a bons e interessantes livros, deixe de encontrar algum que a agrade muito e, a partir daí, sinta vontade de ler mais e sem parar. A leitura de bons livros, além de uma boa experiência estética vivida, nos dá algo incrível: pode nos ensinar a tolerância a cada indivíduo e nos facilitar o convívio com a diversidade social e cultural. A literatura é uma forma de conhecimento muito particular. Permite perceber os aspectos mais sutis da realidade e aos poucos vai habilitando a expressar essa percepção. Pode não ensinar a ver o mundo, porém ajuda a compreender de que maneira ele existe. Mais ainda, possibilita perceber de que outras maneiras diversas essa realidade pode ou poderia existir. Permite entender outras formas de encarar o mundo, mas também, concreta e efetivamente, permite entender as pessoas que o encaram de modo diferente do nosso. (MACHADO, 2011, p. 19)

A curiosidade é inerente a todos e a confirmação do encantamento, advinda do alimento da imaginação, garante o resto. A autora compara ler a namorar, quem achar que não gosta é porque ainda não encontrou seu par, deve-se deixar aquele de lado e experimentar outro até sentir prazer, deixando-se levar pelas novas descobertas. Entretanto as coisas ficam difíceis quando os livros são apresentados aos leitores como obrigação por adultos preparados para depois fazer várias perguntas e cobranças. A autora comenta que a maior ferramenta educativa é o exemplo. Se os alunos não veem os professores lendo, comentando sobre algum livro com empolgação, recomendando alguma leitura, para aqueles as palavras sobre leitura são falsas e vazias. Em suma, para a pesquisadora, a leitura de bons livros, além de uma boa experiência estética vivida, nos dá algo extraordinário: ensina a tolerância a cada pessoa e facilita o convívio com a diversidade social e cultural. “Se para nada servisse a leitura de literatura, se não trouxesse nenhum benefício a cada um de nós individualmente, apenas isto já basta para entendermos a importância dessa leitura: ela pode nos tornar mais humanos e mais irmãos.” (MACHADO.2011, p. 27) Ricardo Azevedo (2003) discute sobre a didatização e a precária divisão de pessoas em faixas etárias e a sua influência na não formação dos leitores. Para ele, é imprescindível compreender enfrentar a questão dos leitores para que o Brasil possa se desenvolver como sociedade. Segundo o autor (op.cit), as dificuldades são muitas e de diferentes ordens: há problemas conjunturais tais como a existência de numerosos países analfabetos ou semianalfabetos; há o preço do livro e a quase inexistência, fora de grandes centros, de livrarias e bibliotecas; há o contato de crianças com adultos que, apesar de alfabetizados, não são leitores. Existe, além disso, questões teóricas, não menos importantes, como a da própria conceituação de leitura ou a determinação das implicações cognitivas envolvidas na aquisição da leitura. Para o pesquisador, é razoável afirmar que crianças e jovens com uma situação social minimamente equilibrada e que mantenham contato com adultos leitores tenham boas chances de também de tornarem leitoras. No entanto, segundo o mesmo, dificilmente vão se tornar leitoras as crianças, mesmo as socialmente privilegiadas, que tenham contato com adultos que recomendam e elogiam o ato de ler, indicam livros e escritores “clássicos”, defendem a importância dos livros mas, na verdade, não são leitores, não apreciam a leitura. Na visão dele, leitores são pessoas que sabem diferenciar uma obra literária de um texto informativo, são pessoas que leem jornais, mas também poesia; gente que sabe utilizar textos em benefício próprio, seja para receber informações, seja por motivações estéticas, para ampliar sua visão de mundo, seja por puro entretenimento. O mesmo autor comenta que a escola no Brasil acabou se tornando um grande espaço mediador da leitura: é nela que a maioria das crianças terá seu primeiro contato com o livro.

Entre os vários e complexos problemas resultantes da mediação escola-leitura ele salienta dois: a didatização do livro e a apresentação de um mundo onde as pessoas são divididas em faixas de idade. Muitos alunos ainda confundem livros didáticos com livros literários. Crianças pobres só tem acesso quase exclusivamente a livros e textos didáticos e informativos, fornecidos gratuitamente pelas escolas públicas. Para o aluno, portanto, o livro didático é sinônimo de escola, informações e lições, dentro dessa concepção, só haveria um tipo de livro: o que ensina. Para Azevedo (idem), textos didáticos são importantes para a formação das pessoas, têm seu sentido e seu lugar, mas não formam leitores. É preciso que haja o acesso às leituras de ficção, leituras prazerosas e emocionantes, é preciso que alguém chore, entristeça-se, dê risada, entre outros, para que ocorra a formação do leitor, pois leitura prazerosa não é só aquela que traz felicidade, e sim aquela que traz conhecimento. Por isso é importante levar, inicialmente, para a sala de aula textos literários que sejam agradáveis para o aluno, para que este possa se interessar pelo que lerá, com o intuito de fazê-lo começar a criar o gosto pela leitura.

1.3. A leitura dentro e fora do ambiente escolar Segundo Coenga (2008), a leitura literária desencadeia nas pessoas uma quota de humanidade, na medida em que pode nos tornar mais compreensíveis, tolerantes, visto que tratam de assuntos que afetam a dimensão humana. Para o mesmo autor, cada texto tem o seu sabor e é este que nos leva ao prazer da leitura, e é necessário ter uma sucessão de leitores, pois os textos literários precisam de público para sobreviver. Segundo ele, a leitura é um ato interativo e de compreensão do mundo, e defende que ela leitura literária deve favorecer a fruição estética e para que isso ocorra é importante que o professor se preocupe e seja cuidadoso com a seleção, organização e tratamento dos textos. "Há sempre duas dimensões da leitura: uma comum a todo leitor porque determinada pelo texto e outra variável até infinito porque depende do que cada um projeta no de si mesmo." (JOUVÉ, 2002, p. 94-97, apud Coenga). Corforme o autor (op.cit), é importante o professor saber quem é o seu aluno, qual o contexto dele, seu tipo preferido de leitura, enfim, aspectos que o docente possa considerar relevante. É preciso que a leitura tenha o perfil de seu leitor, onde o educador será um observador perspicaz e dedicado, pronto para orientar os objetivos da proposta, caso haja desvios, no entanto os agentes da leitura são o leitor e livro. Segundo o pesquisador, para favorecer a leitura prazerosa é importante que o docente tenha a preocupação e o cuidado da seleção, organização e no tratamento dos textos, pois sua experiência como professor mostrou que para instaurar o prazer do texto literário em sala de aula, primeiramente, é preciso saber quem é esse aluno, indagar sobre seu ambiente fora da escola, o tipo de leitura favorita, frequência com que lê, autores prediletos, entre outros aspectos que o professor possa considerar relevantes. Levando em conta as diretrizes estabelecidas, o educador poderá propor um programa de leituras, para ser trabalhado durante um determinando tempo para envolver o aluno promovendo a sua interação com a obra. O livro “A importância do ato de ler”, de Paulo Freire (1987), trata da questão do contexto para o aprendizado. Nele discute-se sobre a junção da leitura da palavra a assuntos do dia a dia para fazer com que as pessoas realmente entendam certos conceitos, e não fique apenas na memorização, entre outros. Para Freire (op. cit), “a ‘leitura’ do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele” (p. 19,20). A ‘‘leitura’’ do mundo foi muito importante na vida dele, visto que ele fazia uma leitura de um modo particular, quando criança, dos cômodos de sua casa, dos pássaros e das árvores que tinham lá, enfim, ele disserta sobre os textos, as palavras, as letras daquele contexto, em cuja percepção ele experimentava, e quanto mais ele fazia, mais aumentava a capacidade de perceber-se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão ele ia apreendendo nas suas relações com seus familiares. Para o referido autor, a ‘‘leitura’’ do contexto não deve ser deixada de lado quando a criança aprender a escrever, haja vista que ela precisará fazer uma boa leitura de ambos para ter não só um bom desempenho escolar, mas na vida. Segundo o autor, é necessário ter uma boa leitura crítica dos textos para entender as ideias no contexto e uma boa “leitura” de mundo para poder discutir sobre problemas. Para ele a memorização é um método que prejudica o aprendizado, pois ela não constitui conhecimento. Desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo e da palavra estão dinamicamente juntas. O comando da leitura e da escrita se dá a partir de palavras e de temas significativos à experiência comum dos alfabetizandos e não de

palavras e de temas apenas ligados à experiência do educador. (FREIRE, 1987, 37). Se os educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar o de ser ensinado pelos alunos, só ele separam o ato de ensinar do de aprender de um modo que o educando é visto como um ser que não é capaz de passar nenhum aprendizado, um ser inferior. No entanto, o educador precisa, primeiro, reconhecer os educandos não são pacientes e acomodados, depois entender que o conhecimento não é algo terminado, imobilizado, a ser transferido por quem o adquiriu para quem não o possui, ele é um processo contínuo. Chartier (1999) discute sobre a reorganização do mundo da escrita após o advento da Internet. As mudanças ocorridas na forma de apresentação do livro ocasionaram três grandes revoluções: do texto manuscrito em rolo de pergaminho para o códice, do códice ao livro impresso e agora do livro impresso ao eletrônico. O autor em questão compara a revolução virtual com as outras revoluções pelas quais passou a história do livro, sendo a do livro eletrônico é o ponto principal discutido neste livro. Ela é apresentada como uma revolução nas estruturas do suporte material, além das inovações nas maneiras de ler. Outro fator importante relaciona-se à perspectiva da leitura para cada leitor. Os séculos passaram e o ato de ler ainda preserva um caráter único de exclusividade. Um mesmo texto pode representar inúmeras interpretações que cada leitor constrói a partir de suas vivências. O pesquisador também comenta a respeito da questão do acesso aos livros no decorrer dos tempos. Enquanto antes existiam dificuldades de liberdade de expressão e de livre escolha, atualmente passamos por um período de democratização dos meios de comunicação. Angela Kleiman (2002), faz uma discussão sobre leitura na escola, começando sobre um questionamento que circula entre os professores que é o por quê do aluno não praticar a leitura, entre os motivos está o lugar cada vez menor que a leitura ocupa nas escolas do Brasil atualmente, a formação precária do profissional, pois existem docentes que nem gostam de ler, sendo que os mesmos têm que ensinar seus alunos a adquirirem a prática da leitura. A pesquisadora afirma que esta se baseia no prazer e no desejo, para ela, ler na sala de aula é uma tarefa muito difícil, podendo acarretar na desilusão e fracasso do aluno, visto que a leitura geralmente é ligada à análise gramatical, dificultando, assim, o caminho até o prazer, fazendo com que se forme um aluno não-leitor. Em seguida a autora comenta sobre como lemos. Ela diz que a percepção do objeto tem que ser individual. O leitor eficiente não lê palavra por palavra, pelo contrário, os olhos deste se fixam num lugar do texto, para depois pular um trecho e fixar-se num ponto mais adiante. A pesquisadora também discute sobre a dificuldade no processamento de formas escritas e faladas, tendo em vista que cada uma destas depende do contexto em que é inserida. No que diz respeito ao livro didático, muitos vêm cheio de erros de língua e os textos que vêm nele são muito complexos para crianças que estão iniciando na leitura. Com relação ao ensino da leitura, para a pesquisadora é preferível utilizar a estratégia metacognitiva – operações realizadas com algum objetivo em mente, tendo controle consciente, no sentido de dizer e explicar a ação. O leitor que tem controle consciente sobre essas duas operações saberá dizer quando ele não está entendendo um texto e saberá dizer para que está lendo o texto. A característica mais saliente do leitor competente é a sua flexibilidade e independência. Para a autora, o leitor experiente tem duas características: ele lê porque tem um objetivo e compreende o que lê. Os alunos não devem ser cobrados pela leitura que escolhem, elas não precisam ser específicas da matéria, é somente para iniciar o aluno ao hábito de ler utilizando informações que lhes interessam. A autora comenta que a leitura tem que ser baseada no conhecimento prévio do educando com o intuito de construir autoconfiança no mesmo, visto que quanto mais o leitor souber sobre o tema, mais seguras serão suas predições. Com relação ao insucesso escolar, o fracasso e exclusão social, Rojo (2009) mostra que apesar das taxas de analfabetismo terem diminuído, a população analfabeta continua crescendo muito. A autora mostra que se em 1880 esta era de sete milhões de pessoas, em 1980 passa a ser 32,7 milhões de analfabetos. Os dados mostram que as taxas de reprovação concentram-se nas séries mais avançadas do ensino fundamental (5ª a 8ª série), que estão relacionadas diretamente com a evasão e exclusão escolar. A pesquisadora diz que, se o aluno não repetir, tem mais disposição para continuar estudando, “se o fracasso escolar não se anuncia, a tendência do alunado é a de prosseguir nos estudos. Já se ele se efetiva por meio da reprovação, a tendência de evasão […] é bem maior” (p. 20). Apesar de na década final do século passado nosso país ter dado alguns passos para modificar a situação de exclusão escolar, ainda temos pelo menos metade da população longe da realidade de uma escolaridade de longa duração. Rojo (op. cit) também comenta que apesar de os alunos de 7 a 11 anos terem garantido o acesso universal às vagas no ensino fundamental, a educação básica não está garantida, visto que ainda não há o acesso universal ao ensino médio. Ela cita exames e processos de avaliação que pretendem, com suas particularidades,, medir os resultados da educação básica em termos de construção de capacidades e competências pelos alunos, e cita a concepção de leitura que eles têm. Os resultados mostram alunos dentre 15 anos de 32 países diferentes, os brasileiros foram os que obtiveram os piores resultados nas capacidades de leitura. A mesma disserta a respeito da média nas redações e das questões objetivas do Enem. Os alunos conseguem médias maiores em competências ligadas ao domínio de normas e formas da língua escrita padrão, tendo dificuldades em aplicar conceitos, argumentar e dominar o tipo de texto, em contrapartida, eles conseguem formular propostas de intervenção para o problema abordado. E isso vem mostrar que tanto as escolas públicas quanto as privadas se preocupam mais em ensinar norma-padrão do que fazer com que o aluno desenvolva interpretação crítica e o uso flexível de conceitos. Rojo também discute sobre alfabetismo e letramento, os dados mostram que apenas 26% da população brasileira tem domínio pleno das habilidades de leitura e escrita, mas entre 2001 e 2005 melhora o índice dos que tem nível básico de leitura. Está havendo a democratização dos impressos no Brasil. E além dessa, há também a democratização do ensino escolar (mulheres, classes c/d, negros) tanto no ensino fundamental, como também, a passos mais lentos, no médio e no superior. Existe também a questão da diferença entre homens e mulheres com relação aos estudos, visto que a mulher tem mais sucesso escolar e mais acesso à leitura que os homens. Já os dados pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada em 2012, indica que o índice de leitores caiu 9,1%, apesar de a população ter crescido 2,9% neste período, sendo que a pesquisa classificava como leitor quem havia lido pelo menos um livro nos três anteriores. No entanto, os índices de atividades como assistir televisão, navegar na internet, entre outros vêm crescendo, o que mostra o quanto a leitura é desvalorizada no Brasil.

2- Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa fora realizada no ano de 2014, numa escola pública na cidade de Belém, no Estado do Pará. Nela foi utilizada a pesquisa bibliográfica que segundo Severino

(2007) é: Aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-se dados ou de categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos textos. (SEVERINO, 2007, p.122)

Também foi feita a pesquisa de campo, onde: O objeto/fonte é abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta dos dados é feita nas condições naturais em que os fenômenos ocorrem, sendo assim diretamente observados, sem intervenção e manuseio por parte do pesquisador. Abrange desde levantamentos (Surveys), que são mais descritivos, até estudos mais analíticos. (SEVERINO, 2007, p. 123)

Inicialmente, foram escolhidas duas professoras de Língua Portuguesa do sétimo ano para serem observadas, sendo uma bastante tradicional (docente 1) por seus alunos e a outra mais didática (docente 2), no que diz respeito ao modo de dar aula. Durante um mês, foram observados os métodos que cada uma utiliza para trabalhar a leitura literária, como a utilização da mesma para o entendimento de um gênero literário e/ou simplesmente para fins gramaticais, também se a aula era dinâmica, prendendo a atenção do aluno, ou se era somente uma aula expositiva e/ou cansativa, visto que isso contribui para o interesse dos educandos pela disciplina em questão. Após a observação, foi passado um questionário com quinze alunos da docente 1 e quinze da docente 2, com idades entre 11 a 14 anos, que virá em anexo, perguntando aos alunos se eles gostam do modo como a docente trabalha a literatura, se a mesma os incentivam a ler e se eles têm contato com leitura desse tipo fora do ambiente escolar.

3- Análise dos dados Dados do questionário Pergunta: R: Alunos da docente 1 R: Alunos da docente 2 Você gosta de ler? Sim- 5 Não- 10 Sim-11 Não - 4 Sua professora já trabalhou Sim- 12 Não -3 Sim- 14 Não - 1 com algum gênero literário? Você gosta do jeito que ela dá Sim- 12 Não- 3 Sim- 13 Não- 1 aula sobre esses textos? Ela pede análise gramatical? Sim- 11 Não- 4 Sim- 2 Não- 13

Você gostou do textos lidos? Sim- 5 Não- 10 Sim- 11 Não- 4

Ela já incentivou você a ler Sim- 0 Não- 15 Sim- 11 Não- 4 fora da escola? Você tem acesso à leitura Sim- 8 Não- 7 Sim- 7 Não- 8 literária fora da escola? Fonte: pesquisa de campo 2014 A professora considerada tradicional utilizava nas suas aulas de iniciação à literatura apenas a gramática normativa como exercício de reflexão, sem apresentar as características de gêneros como a poesia, somente se prendia à análise gramatical, retirando frases dos textos apresentados. Foi perceptível, ao observar os questionários, que ela não conseguiu fazer com que os estudantes gostassem da obra lida, ou seja, não conseguiu despertar neles a apreciação do tema discutido. Ela também não os influencia a ler, o que se reflete na não apreciação dos alunos pela leitura. Já a docente que apresentou a leitura literária de forma didática, pedindo discussões em sala, interpretação dos textos, apresentando as características dos gêneros trabalhados, conseguiu fazer seus alunos irem atrás de outras leituras fora da escola, incentivando-os a ler outras obras. Ela não apresentou somente fragmentos, e isso é essencial para entendimento da obra, proporcionando reflexões acerca da temática do texto e isso é fundamental para o aluno sentir interesse em ler livros literários. A partir dos dados analisados, foi perceptível que a maneira como a leitura literária é trabalhada na sala de aula influencia na formação ou não do aluno-leitor. A gramática normativa ainda é utilizada para a análise de textos literários, no entanto se o professor utiliza outros métodos que vão além deste para a apresentação de gêneros literários, como debates, o aluno tem um interesse maior em ler as obras trabalhadas. Este fica mais atento às aulas quando elas são dadas de forma mais variada, com estratégias didáticas que promovem a interação aluno-professor, no entanto, dispersa-se com muita facilidade quando há somente a aula expositiva, na qual ele não pode se manifestar.

Considerações finais O modo como o professor trabalha a leitura em sala de aula influencia no olhar que estudante terá sobre ela, se aquele não a apresenta de maneira interessante, este, possivelmente, não se interessará em lê-la. Se o docente apresenta a leitura literária aos estudantes apenas com o propósito de ensinar gramática, ele pode formar não-leitores, visto que os discentes podem criar aversão a esse tipo de leitura. É necessário que o educador trabalhe com métodos didáticos para apresentar a leitura literária, promovendo a interação do aluno com a obra de uma forma prazerosa para que o aluno deixe de ler somente dentro da sala e por obrigação, e desenvolva o gosto pela leitura literária o mais cedo possível, haja vista que a boa iniciação literária só traz benefícios a este no decorrer do tempo, tanto nas disciplinas Português e Literatura quanto em outras matérias que exijam interpretação. Para muitos alunos da rede pública de ensino a única ponte que existe entre eles e a leitura é o docente, por isso este deve pensar em como promoverá esse contato de modo didático, considerando o contexto daqueles para depois escolher os métodos que irá utilizar para apresentar a literatura, não deixando de lado as características dela ao ensiná-la. O professor de Língua Portuguesa e Literatura deve estar ciente de que para muitas pessoas ele é o único responsável pela formação de leitores e de que a sua postura na sala de aula, o modo como ensina, os métodos que utiliza, tudo é de extrema importância quando pensamos que podemos formar uma geração de bons leitores ou somente mais dados para o baixo índice de leitura no Brasil. Por isso e necessário que ele fuga de ensinamentos que desprivilegiam a literatura em detrimento de outros assuntos, pois o aluno-leitor é aquele que aprecia a leitura, e não o que apenas sabe regras gramaticais. O gosto pela leitura literária é essencial na vida do formador de leitores, é preciso que este esteja realmente comprometido com o que a docência lhe pede, no entanto, muitos acabam deixando de lado essa prática em virtude de outros afazeres, e esse abandono da leitura pode se refletir nas suas aulas, se ele deixa de utilizar ou de falar a respeito de livros que podem interessar o educando. O docente deve ser um bom leitor e procurar sempre incentivar de forma didática seus alunos a lerem, visto que é assim que ele pode começar a fazê-los se interessarem e adquirirem a prática de ler, do contrário, utilizando métodos cansativos e entediantes, só formará alunos com aversão à prática de ler.

Referências bibliográficas: AZEVEDO, Ricardo.A didatização e a precária divisão de pessoas em faixas etárias: dois fatores no processo de (não) formação de leitores. In Literatura e Letramento: Espaços, suportes e interfaces.PAIVA, Aparecida et al (orgs). Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2003. CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática. Petrópolis: Vozes, 2007. COENGA, Rosemar. Ler por prazer: perspectivas para a leitura literária na escola. Disponível em: . Acesso em: 26/08/2014. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 18 ed.São Paulo: Autores associados: Cortez, 1987. KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e prática, 9ª Ed. Campinas, SP: Pontes, 2002, cap. 2, 3 e 4. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1997. MACHADO, Ana Maria. Silenciosa algazarra. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. MORTATTI, Maria do Rosário. Leitura, Literatura e escola. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Retratos da Leitura no Brasil: número de leitores caiu 9,1% em quatro anos. Disponível em: Acesso em: 12/01/2014. REZENDE, Vania. M. Literatura infantil & juvenil – Vivências de leitura e expressão criadora. São Paulo: Saraiva 1993. ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola editorial, 2009. SILVA, Ezequiel Theodoro da. A Produção da Leitura na Escola: pesquisas x propostas. São Paulo: Ática, 2002.

Anexo:

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE LÍNGUA E LITERATURA

Questionário para o aluno

1- Sexo:

Masculino ( ) Feminino ( )

2- Idade:______

3- Você gosta de ler?

Sim ( ) Não ( )

4- Sua professora já trabalhou com algum gênero literário com a sua turma?

Sim ( ) Não ( )

5- Você gosta do jeito que ela dá aula sobre esses textos?

Sim ( ) Não ( )

6- Ela pede análise gramatical?

Sim ( ) Não ( )

7- Você gostou do textos lidos?

Sim ( ) Não ( )

8- Ela incentiva você a ler fora da escola?

Sim ( ) Não ( )

9- Você tem acesso à leitura literária fora da escola?

Sim ( ) Não ( )

RETEXTUALIZAÇÃO: SABERES E PRÁTICAS NO ENSINO MÉDIO

Adriana Melo e Silva (UEPA)1 [email protected] Evellin Natasha Figueiredo da Conceição (UEPA)2 [email protected] Ioneli da Silva Ferreira Bessa3 [email protected]

RESUMO O presente artigo tem por objetivo apresentar os dados obtidos por meio de uma pesquisa de campo realizada no Instituto Estadual de Educação do Pará, cujo o propósito foi investigar práticas de retextualização nas aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio, bem como analisar as metodologias utilizadas pelos professores ao abordá- la. A coleta de dados foi feita com base em observação sistemática e aplicação de questionários, os quais foram direcionados tanto para os alunos quanto para o professor da turma do 1º ano da manhã e para analisá-los, utilizou-se a técnica da análise de conteúdo. Como resultados, verificou-se que a retextualização é pouco trabalhada em sala de aula devido a preferência do professor em ministrar conteúdos voltados ao ensino da Gramática Normativa. Sendo assim, percebe-se a necessidade de ampliação de tais práticas na sala de aula, pois ao trabalhar e exercitar estas promove-se acentuadamente a capacidade de compreensão textual do aluno, aumentando com isso a sua competência reflexiva e imaginativa, fazendo com que o processo de aprendizagem alcance índices elevados, obtendo assim, maior significância para os alunos do Ensino Médio.

ABSTRACT

This article aims to present the data obtained through a field research carried out in the State Institute of education of Pará, whose purpose was to investigate practices of retextualização in Portuguese language classes in high school, as well as analyze the methodologies used by teachers to approach her. Data collection was based on systematic observation and application of questionnaires, which were targeted to both students and the teacher of first-year class in the morning and to analyze them, we used the technique of content analysis. As a result, it was found that the retextualização is little worked in the classroom due to the preference of the teacher in teaching content aimed at teaching of Grammar Rules. Therefore, realizes the need for expansion of such practices in the classroom, because when working and exercising these promotes sharply the ability of student's textual understanding, increasing with its reflective and imaginative powers, making the learning process reach high indexes, thus obtaining greater significance for middle school students.

PALAVRAS-CHAVE: Reescrita. Coerência. Produção Textual.

KEY-WORDS: Rewritten. Coherence. Text Production.

1 Graduanda do Curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa do CCSE/UEPA, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). 2 Graduanda do Curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa do CCSE/UEPA, estagiária voluntária do Núcleo de Estudo em Educação Científica, Ambiental e Práticas Sociais – NECAPS. 3 Mestre em Educação na linha de pesquisa de Formação de Professores do Centro de Ciências Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará.

1. Introdução

No contexto atual, a tarefa da produção textual tem se tornado cada vez mais complexa, tendo em vista as várias exigências que isto requer, que vão desde a compreensão global do que se pede em relação a escrita do texto até critérios específicos como a organização dos parágrafos, pontuação, acentuação, coesão e coerência, o que acaba por gerar dificuldades aos estudantes em geral, resultando no baixo aproveitamento dos alunos em Língua Portuguesa, principalmente nas redes públicas de ensino. Neste sentido, constatamos a falta de motivação do aluno em produzir qualquer tipo de texto em quaisquer disciplinas, dificultando assim seu desenvolvimento escolar. Tendo em mente que a produção de um texto escrito envolve problemas específicos de estruturação do discurso, de coesão, de argumentação, de organização de ideias e escolha de palavras, já que escrever não é apenas codificar sinais gráficos, mas comunicar-se de maneira competente com o interlocutor. (Buranello,2003) Nesse sentido, o professor de Língua Portuguesa precisa buscar alternativas para empreender um processo de ensino-aprendizagem mais significativo para o seu aluno, o que envolve meios eficazes de trabalhar a escrita, de forma contextualizada, crítica e reflexiva, Fonseca (2008) discute essa questão por meio das seguintes proposições:

Todo e qualquer educador que esteja inserido nesse contexto de mudanças deve empreender esforços no que diz respeito à criação de situações diversificadas, explorando os mais variados recursos que possibilitem uma aprendizagem significativa, induzindo o educando a criar mecanismos para a resolução de problemas não apenas ligados a uma situação específica, mas àquelas que lhes são apresentadas cotidianamente, fazendo uso, portanto, de suas competências e habilidades. Para que esse propósito encontre êxito, a escola deve ― à medida do possível ― se desvencilhar do ensino fragmentado e excludente e adotar formas multidisciplinares na abordagem dos assuntos, a fim de que o aluno perceba uma estreita relação entre eles e sua própria realidade. (P. 3)

A retextualização é um elemento capaz de subsidiar o trabalho dos aspectos que constituem a escrita, de modo a exercitá-la, a fim de tornar o processo em questão algo em que o aluno consiga alcançar resultados satisfatórios e nesse sentido apresenta-se como “ferramenta de auxílio à produção textual, porque acreditamos ser um meio de conduzir o aluno a escrever produtivamente, uma vez que, para retextualizar, é necessário, antes, compreender o texto” (Portugal, 2010) A escrita e reescrita do texto no Ensino Médio exige um escritor criativo em relação ao uso da língua, que não só deverá expor suas ideias, mas, antes de tudo, construir a defesa de um pensamento em relação a elas, de modo a expor o ponto de vista ilustrado de forma mais clara e direta possível. Este escritor só existirá, se for um leitor capaz de, com base em suas leituras individuais e mesmo em leituras do próprio texto, construir sentidos, e, assim, produzir um texto final com originalidade e criticidade, o que irá deixar evidente seu acentuado conhecimento. Logo, o ato de “desenvolver competências de compreensão na leitura é um dos objetivos essenciais da escolarização dos cidadãos e um contributo fundamental para a integração social” (Martins & Sá, 2008). Destaca-se o que Dias (1986) afirmou em estudo realizado sobre redações:

A produção de um texto deve ser fruto de um pensamento reflexivo, deve representar o salto qualitativo, a codificação de informações reoperadas que se

interligam, intencionalmente, e que são oriundas não do exercício mecânico dos leitores entendidos como decodificadores de letras, mas, de leitores cuja compreensão implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (DIAS, 1986, p. 35).

Sendo assim, a adoção da concepção de retextualização para o texto escrito permite ao discente estabelecer uma correlação entre leitura e escrita, pois ao passo que rescreve um novo texto com base em um texto base (Matêncio, 2003) põe em prática o exercício da compreensão e reflexão acerca deste, tal prática constitui-se de suma importância pois ajuda no entendimento do aluno acerca dos aspectos linguísticos e no que concerne as suas habilidades e competências a respeito da interpretação e produção textual. Neste sentido, o presente artigo tem por objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa de campo sobre retextualização realizada no Instituto de Educação Estadual do Pará, bem como expor considerações importantes propostas por alguns autores estudiosos desta temática, refletindo acerca da relevância que há em trabalhar essa modalidade textual em sala de aula e como o professor, enquanto mediador do conhecimento, pode fazer uso deste recurso.

2. Metodologia

2.1 Caracterização da pesquisa

Trata-se de uma pesquisa descritiva, pois, exige do investigador uma série de informações sobre o que deseja pesquisar. Esse tipo de estudo pretende descrever os fatos e fenômenos de determinada realidade (TRIVIÑOS, 1987). No que diz respeito a abordagem, esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa, pois houve envolvimento com o ambiente estudado e por mais que os métodos de análise e coleta de dados fossem um tanto fechados, houve uma real preocupação com o contexto social daquele público alvo. Nesta abordagem, o pesquisador procura aprofundar-se na compreensão dos fenômenos que estuda – ações dos indivíduos, grupos ou organizações em seu ambiente e contexto social – interpretando-os segundo a perspectiva dos participantes da situação enfocada, sem se preocupar com representatividade numérica, generalizações estatísticas e relações lineares de causa e efeito (ALVES, 1991). A fim de traçar um delineamento4, optou-se por adotar como um dos procedimentos para a coleta de dados a pesquisa bibliográfica, que consiste em:

(...) busca de informações bibliográficas, seleção de documentos que se relacionam com o problema de pesquisa (livros, verbetes de enciclopédia, artigos de revistas, trabalho de congressos, teses, etc.) e o respectivo fichamento das referências para que sejam posteriormente utilizadas (na identificação do material referenciado ou na bibliografia final) (MACEDO, 1994, p. 13).

4 O delineamento refere-se ao planejamento da pesquisa em sua dimensão mais ampla, que envolve tanto a diagramação quanto a previsão de análise e interpretação de coleta de dados. Entre outros aspectos, o delineamento considera o ambiente em que são coletados os dados e as formas de controle variáveis envolvidas (GIL, 2008, p. 43)

Utilizou-se, além disso, a pesquisa de campo que caracteriza-se em um tipo de estudo no qual focaliza uma comunidade, que não é necessariamente geográfica, já que pode ser uma comunidade de trabalho, de estudo, de lazer ou voltada para qualquer outra atividade humana. Basicamente, a pesquisa é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar as suas explicações e interpretações do que ocorre o grupo. (Gil, 2008)

2.2 Local de estudo

A pesquisa foi realizada no Instituto de Educação Estadual do Pará (IEEP), situado no município de Belém-PA, localizado na Rua Gama Abreu, nº 256, Campinas, onde foi exposta a vivência de uma classe do primeiro ano do turno da manhã. Deu-se prioridade por esta escola, devido ao fato desta ser uma instituição de natureza pública, que poderia nos subsidiar meios de conhecer o modo como as aulas de Língua Portuguesa são ministradas em instituições deste perfil e a oportunidade de investigar se as práticas de retextualização fazem parte das metodologias utilizadas pelos professores de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Outro fator preponderante para a escolha do IEEP foi o fato deste possuir um histórico antigo de atuação no ensino público do estado do Pará, que data 140 anos, sendo constituído por três prédios, um tombado pelo patrimônio histórico, o outro administrativo, funcionando na parte superior o ginásio de esportes e mais um anexo. Sua abrangência curricular é o Ensino Médio regular, Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissionalizante. A escola atende 1300 alunos nos turnos da manhã, tarde e noite5. Desta forma, contando com estrutura e o contexto em que a instituição está inserida, percebeu-se que a escola poderia atender aos requisitos de que necessita-se para realizar a pesquisa.

2.3 Procedimentos de coleta e análise de dados

Para a pesquisa bibliográfica, ocorreu levantamento de literaturas advindas de bibliotecas e artigos de revistas, bem como materiais acadêmicos encontrados na internet. Na pesquisa de campo, a priori, houve a necessidade de se ter uma conversação com a diretora da escola, a fim de expor os motivos de relevância da pesquisa e o seu grau de seriedade. Desse modo, apresentamos um ofício para formalizar a entrada naquele espaço e assim, nos foi dada autorização iniciar a pesquisa. A turma escolhida possuía em média 26 alunos. Faz-se saber que não nos foi dada certeza do número exato de estudantes que compunham a classe, devido ao fato de muitos não frequentarem as aulas de maneira assídua. Assim sendo, o número de alunos que participaram da pesquisa foi de 20 alunos. Nesse contexto, assistimos a uma aula ministrada pelo professor “x”, na qual ele expôs comentários sobre as posições do sujeito da frase e, logo em seguida, solicitou que a turma resolvesse um exercício em que todos deveriam colocar em ordem direta as frases que se encontrassem em ordem inversa.

5 Disponível em: http://portaldoieep.blogspot.com.br/

Em um segundo momento comparecemos ao local com a intenção de aplicar os questionários, um destinado aos alunos, contendo cinco perguntas e outro ao professor com um número mais extenso de indagações a serem respondidos, dezesseis no total. As perguntas contidas no questionário dos alunos eram simples e diretas, levando os mesmos a relatarem sobre a metodologia utilizada pelo professor em suas aulas, os conteúdos trabalhados, as formas de avaliação a que eram submetidos os seus textos e outras que exigiam um conhecimento específico, tal como a que os indagava sobre a diferença entre tipo e gênero textual. Em relação ao questionário destinado ao professor, é preciso ressaltar que continha um número maior de questões e exigia um maior detalhamento nas respostas dadas. Foram solicitados dados profissionais deste docente, tais como: o curso inicial, o tempo em que atua no mercado de trabalho, se possuía pós graduação; além de outras que exigiam que o mesmo expusesse seus conhecimentos acerca das temáticas que leciona, bem como a descrição de algumas destas. Houve perguntas pontuais, englobando conhecimentos específicos, como o tipo textual que prioriza em seu ensino (Redação ou Produção Textual), a sua metodologia, os critérios utilizados na avaliação dos textos, que tipos de atividades privilegia e outras como a distinção entre tipo e gênero textual, levando-o a dizer qual destes é melhor para desenvolver a prática da retextualização. Em relação a análise dos dados obtidos, tal pesquisa configurou-se como análise de conteúdo, pois compreende procedimentos especiais para o processamento de dados científicos, atua como ferramenta, um guia prático para a ação, sempre renovada em função dos problemas cada vez mais diversificados que se propôs a investigar (MORAES, 1999).

3. Resultados e Discussão

A seguir, apresentam-se os resultados da pesquisa bibliográfica sobre os autores que discutem as práticas de retextualização e da pesquisa de campo realizada com alunos do ensino médio do Instituto Estadual do Pará.

3.1 Retextualização em Matêncio

Vários são os gêneros textuais que podem ser explorados em sala de aula e essa ação tem sido muito importante para o pleno desenvolvimento do ensino de línguas. Matêncio (2003) detém sua análise na abordagem acerca dos gêneros resumo e resenha, na qual destaca a importância de utilizá-los no contexto universitário, uma vez que “por meio de atividades de retextualização – de produção de um novo texto com base em um ou mais textos-bases, o estudante, além de registrar a leitura, manifesta sua compreensão de conceitos e do saber científico” (p. 01). Sendo assim, trata do assunto aqui explorado afirmando que este é um artifício que promove a reescrita do aluno de forma adequada, tendo por base um texto original, que será seu ponto de partida para esse processo. Além dos pontos destacados, elenca que há a necessidade de considerar as condições de produção, recepção e circulação do texto, que é o contexto em que o mesmo foi escrito, por quem será recebido e por onde irá circular. Outro ponto relevante é o modo como a autora atribui certa responsabilidade ao sujeito, pois diz que este, ao processar um texto, constrói um quadro de referência em que instancia um contexto de situação em uma prática discursiva, observando também o trabalho deste no que concerne as estratégias linguísticas, textuais e discursivas identificadas no texto base, para, então projetá-las tendo em vista uma nova situação de interação, logo, um novo enquadre e um novo quadro de referência. Desta forma, a atividade de retextualização envolve tanto relações entre gêneros e textos quantos relações entre discursos. Outro ponto de extrema importância em relação as ideias defendidas pela autora é a forma como esta destaca pontos que a primeira vista podem parecer triviais mas que constituem-se em algo essencial para a elaboração de um texto coerente, dentre os quais elenca-se a necessidade de esboçar a organização global do texto-base, a importância do gerenciamento de vozes e a necessidade de reformulações que visem a equivalência de sentido, considerando os diferentes pontos de vista encontrados no texto base. Em vista disso, deve-se resgatar a intenção do autor no texto original para que não perca seu sentido, de forma a torna-la coesiva e coerente. De tudo aquilo que a autora discute, pode-se dizer que esta propõe uma forma de exercitar a produção textual, por meio da retextualização, proporcionando ao aluno a possibilidade de compreender e ao mesmo tempo pôr em prática aquilo que estuda em sala de aula, o que acaba por desmistificar a complexidade que muitos enxergam em (Re)elaborar um texto.

3.2 Retextualização em Marcuschi

Em um outro panorama tem-se a questão da oralidade, que deve ser um dos focos do docente em suas aulas, haja vista que é um aspecto importante para os estudos acerca da língua materna, pois é o elemento que permite o primeiro contato do aluno com a língua, possibilitando o aprendizado da escrita. Marcuschi (2007) tece algumas considerações sobre esta questão, insistindo na complexidade de transpor para o papel aquilo que se diz na oralidade e sobre isso afirma que “este é um processo que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem compreendidos da relação oralidade-escrita” (p. 46). Destaca-se a relevância dessa temática visto que é impossível separar fala e escrita, pois estas, por mais que sejam modalidades distintas, estão intimamente ligadas uma a outra. O professor deve atentar para esse aspecto, visando a ocorrência de um efetivo processo de ensino-aprendizagem no que diz respeito a língua materna, com o foco para a produção de textos escritos. O autor destaca que há a ideia de que o texto oral está em ordem na sua formulação e não apresenta problemas para a sua compreensão e, portanto, sua passagem para a escrita vai receber interferências mais ou menos acentuadas a depender do que se tem em vista, mas não por ser a fala insuficientemente organizada. Logo, a passagem da fala para a escrita não é passagem do caos para a ordem: é a passagem de uma ordem para outra ordem. Outro ponto essencial destacado por Marcuschi (2007) é a questão da compreensão daquilo que foi dito em um texto, pois antes de qualquer atividade de transformação textual deve ocorrer uma atividade cognitiva. Em geral, esta atividade é ignorada ou se dá por satisfeita, ou não problemática, todavia pode ser a fonte de muitos problemas no plano da coerência no processo de retextualização. A temática da retextualização ainda é explorada a partir da ideia de que a ação de retextualizar, muitas vezes é vista como algo mecânico, que se apresenta de forma aparentemente problemática já que as pessoas lidam com ela frequentemente nas sucessivas transformações e reformulações dos mesmos textos numa intricada variação de registros, gêneros textuais, níveis linguísticos e estilos, ressaltando ainda que toda vez que relata-se ou repete-se o que alguém disse, até mesmo quando são reproduzidas as supostas citações ipsis verbis, está se modificando, transformando, reformulando, recriando, uma fala para outra, logo, o processo de retextualização deve ser visto como algo altamente automatizado, pois o sujeito, ao apropriar-se de um texto a fim de retextualizá-lo, adquire considerável autonomia para reescrevê-lo.

3.3 Retextualização em Dell’Isola

Outra forma de trabalhar o processo de escrita em sala de aula é a utilização dos gêneros textuais, que visa a contextualização do aprendizado, levando o aluno a encontrar significância naquilo que aprende, pois ao passo que aumenta o seu arcabouço teórico encontra similaridades entre este a realidade que vivencia. Nesse sentido é defendida a ideia de que os gêneros textuais servem à necessidade e aos propósitos comunicativos dos falantes pois, se texto não é uma unidade autônoma em si mesma, há sempre a interdependência de um determinado texto em relação a outros já produzidos ou em processo de construção, sejam eles orais ou escritos. Esse processo de retomada constitui um dos princípios essenciais da própria sobrevivência textual enquanto prática necessária à existência das relações humana (Dell’Isola, 2007) Assim sendo, é nítida a importância do docente buscar meios de tornar a sua aula atrativa a ponto de se alcançar bons resultados e é nesse ponto que cita-se a retextualização e suas diversas formas de ser trabalhada no espaço escolar. É relevante dizer que a partir do momento em que o professor instiga sua turma a trabalhar a escrita por meio dos gêneros, não está só exercitando-a como também trabalhando as suas habilidades e competências de forma interdisciplinar. Dentre várias proposições que a autora faz é importante ressaltar o momento em que esta afirma que a ação de retextualizar não deve ser vista como tarefa artificial que ocorre apenas em exercícios escolares, ao contrário, é fato comum na vida diária, podendo ocorrer de maneira bastante diversificada, dá-se o exemplo de uma reunião de condomínio, onde debatem-se vários assuntos que culminam na produção de um regulamento a ser fixado na entrada de um imóvel, logo, um texto oral foi retextualizado em um texto escrito, sendo possível que esse regulamento seja transformado em um documento escrito para ser registrado em cartório como adendo da convenção do condomínio. Entre essa e outras possibilidades, nota-se que um mesmo conteúdo pode ser retextualizado de muitas maneiras. É relevante ressaltar que a medida que ocorre o avanço das discussões acerca dessa temática, a autora dá prioridade a operações de retextualização que envolvem a passagem de um texto escrito para outro texto escrito, especificamente, de um gênero textual para outro gênero textual. Outra questão a ser observada é quando Dell’ Isola (2007) afirma que os textos circulam socialmente com finalidades definidas e suas estruturas dependem de uma infinidade de fatores que vão desde as escolhas linguísticas até os suportes físicos que o sustentarão, por isso, mantém como foco a ideia de que haja investimento em propostas de produção textual de diferentes gêneros, a afim de fazer com que o aluno saiba identificar a diferença entre um gênero e outro. Afirma também que é preciso romper com essa noção de que ao trabalhar gêneros textuais em sala de aula deve haver uma grande ênfase no ensino de narração, descrição e dissertação, tipos textuais que são prioridade no contexto atual, devido ao frequente aparecimento destes em processos seletivos como o vestibular. Faz-se saber que os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais frisam a questão a diversidade e priorizam o contato do aluno com o texto, que em certas situações, acontece no cotidiano do mesmo. Em vista disso, começa a ter-se um esclarecimento de que são os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa dos discentes e isso deve servir de apoio a fim de que seja uma realidade maior dentro do processo de ensino-aprendizagem. Destaca-se a importância da abordagem que a autora faz quando trata do ensino da Gramática Normativa, pois é dada certa ênfase no sentido de que muito já se investiu no ensino da desta gramática, dos elementos de coesão textual e das modalidades retóricas, entretanto, apenas esses aspectos são vistos como ineficientes para explicar o modo no qual as pessoas efetivamente utilizam a linguagem como instrumento de interação, reprodução e/ou transformação social. Encerra essa afirmativa mostrando que é preciso conduzir os alunos a desenvolverem a capacidade de compreender o comportamento dos setores da sociedade por meio os textos que ela produz e consome. Diz-se, portanto que o professor deve levar o aluno a realizar inferências entre aquilo que aprende e o que vivencia, logo, o conteúdo não pode ser repassado de maneira mecânica, devendo sempre estarem associados construto teórico e cotidiano. Acerca do que foi exposto, percebe-se a relevância que há em trabalhar o processo de retextualização em sala de aula, por meio dos gêneros textuais como, ferramenta que possibilita proximidade e identificação maiores do público alvo com o conteúdo exposto. Outro ponto a ser destacado é a forma como os assunto acabam por serem ministrados, reproduzindo assim o ensino de forma estanque, onde somente o professor fala e a classe escuta. É de extrema importância que o docente atente para as reais necessidades de sua sala de aula, percebendo que esta configura-se como um espaço heterogêneo e que cada classe é diferente uma da outra. Logo, o profissional que está realmente interessado em mudar, mesmo que paulatinamente, os expressivos números acerca do baixo índice de aproveitamento escolar da nação brasileira, precisa ver o ensino como algo que deve ser diversificado, buscando sempre novos métodos e técnicas que motivem os alunos a terem interesse em aprender os conteúdos escolares.

3.4 Práticas de retextualização no Instituto de Educação Estadual do Pará

A partir da observação realizada percebeu-se certa dispersão por parte dos estudantes, pois o número de discentes que procurou interagir durante a explicação variou entre dois e três, o que pode ter acontecido devido ao fato que a aula esteve embasada em conteúdos que abordavam essencialmente a Gramática Normativa. Tal percepção coaduna com os dados obtidos por meio dos questionários, nos quais os discentes revelaram que o professor prioriza em sala de aula o ensino desta, ministrando conteúdos como denotação e conotação, posição do sujeito na frase, figuras de linguagem, entre outros e raramente produzem textos em sala de aula. Logo, o acesso que esses alunos têm à retextualização é limitado. Curiosamente, quando questionados sobre o que achavam ter maior relevância em relação ao aprendizado da disciplina em questão, afirmaram de maneira convicta que era o processo de interpretação textual, entretanto, podemos alegar que a importância dada tem suas raízes devido à grande demanda que os processos seletivos exigem acerca da habilidade de interpretação textual. Logo, percebe-se que a extrema importância atribuída ao vestibular é motivada tanto pelo professor como pelos alunos. Desta forma, a preocupação central com a aprovação no vestibular tem empobrecido o estímulo ao comportamento exploratório vocacional e ao desenvolvimento de projetos profissionais entre os jovens (Teixeira, 2002). O próprio professor, em uma de suas respostas ao questionário, deixa isso evidente ao afirmar que trabalha a produção textual. Segundo o docente, esta prática é prioritária nas suas aulas, pois marcou o parêntese indicativo de “sim”, quando indagado se solicitava produção textual com frequência, porém quando perguntado sobre a diferença entre Redação e Produção Textual, o professor X discorreu da seguinte forma: “A redação, na maioria das vezes tem um caráter mais oficial, de concursos e processos seletivos (vestibular), enquanto que a produção textual pode envolver outros tipos de textos como poemas, publicidade, etc.”. (Fonte: dados dos questionários). Desta forma, é notável que este equivocou-se ao fazer tal afirmativa, pois é evidente que privilegia o tipo Redação em suas aulas por meio do ensino de tipos textuais como Narração, Descrição e Dissertação. Vale ressaltar que esses são os mais utilizados em processos seletivos de ingresso nas instituições de ensino superior. Um fator preocupante que merece destaque mesmo não sendo o objetivo principal dessa pesquisa é o que diz respeito à dificuldade que a classe apresentou, no momento de responder os questionários, cometendo sérios desvios em relação à norma padrão da Língua Portuguesa, como a escrita incorreta de algumas palavras (Ex: “Nois” ao invés de “Nós”), frases mal pontuadas (Ex: ponto de interrogação ao invés de vírgula) e o uso de uma linguagem própria do universo virtual (Ex: uso de “kkk” para indicar risos), sendo que quando indagados sobre a diferença entre tipo e gênero textual todos responderam que não sabiam e, tão pouco, conheciam os conceitos dos mesmos. Vários estudiosos tem contemplado esta temática em seus estudos, a saber, (Freitag & Fonseca e Silva, 2006) levantam considerações que apontam:

A internet vem revolucionando a comunicação como nenhuma invenção foi capaz de fazer antes. A invasão do “internetês” especialmente entre os jovens em fase escolar, tem preocupado aos pais e professores, receosos quantos a influência desta modalidade no ensino/aprendizado de norma padrão da Língua Portuguesa. (P. 1)

Em relação ao conhecimento dos alunos sobre os critérios que o professor utiliza para avaliar e corrigir os textos destes, todos responderam que não tinham conhecimento sobre tais critérios, o que muitas vezes faz com que esses discentes produzam textos de maneira confusa e incoerente, pois não têm uma noção acerca daquilo que o docente espera de seus textos. Com efeito, está normalmente ausente o aluno, como figura atuante, que também examina, calcula, dimensiona, toma pé no modo ou no ritmo de como está acontecendo seu processo de aprendizagem. Sai de cena, enfim, para apenas tomar conhecimento, no final, sobre o que “acham” a respeito de “como ele vai”. Numa perspectiva de aprendizagem como processo pessoal, em que alguém constrói o conhecimento sobre determinado objeto, quem aprende não pode ausentar-se, não pode nem sequer ser apenas expectador de sua avaliação. Tem de entrar em cena, ocupar o lugar central e assumir, como sujeito, cada uma das etapas ou atividades, pelas quais lhe é dada a oportunidade de aprender (Antunes, 2006). Em relação ao professor, este tem como formação inicial o curso de Licenciatura em Letras, leciona há 12 anos e encontra-se cursando pós-graduação em Docência do Ensino Superior – Gestão Escolar. É certo que o tempo de trabalho pode ajudá-lo na prática docente, porém o fato de suas aulas estarem embasadas em metodologias tão tradicionais revela que talvez a sua graduação, seguida de sua pós graduação não tenham contemplado as discussões acerca de novas técnicas de ensino, no que concerne a Língua Portuguesa. Observa-se que mesmo o professor buscando submeter-se a processos de formação continuada, pelo menos em relação à retextualização, esta ainda não se refletiu na sua prática pedagógica, o que pode ser um dos fatores que podem influenciar na dificuldade dos alunos em Língua Portuguesa. Isto ocorre, geralmente, devido a grande demanda de turmas que acaba por limitar o tempo adequado para trabalhar sua especialização no que tange aos seus estudos de pós-graduação. Desta forma, o professor sente muita dificuldade em trabalhar com aulas mais dinâmicas, e um dos fatores que ocasiona isso, é o número de alunos por turma (Duarte, 2005).

4. Conclusões

A partir da análise dos dados obtidos pode-se perceber que o acesso que os estudantes do 1º ano do Ensino Médio do IEEP que participaram desta pesquisa têm acerca de retextualização é insuficiente para ajudá-los na produção textual. As aulas assistidas por eles abordam essencialmente conteúdos da Gramática Normativa. Nessa perspectiva, a retextualização não é trabalhada pelo docente de forma a desenvolver nos alunos a prática de transformar um gênero em outro. No entanto, é de grande relevância que o professor trabalhe este tipo de atividade com seus alunos, pois, por meio desta, eles desenvolverão maior habilidade em interpretar variados tipos de textos, podendo diminuir algumas carências apresentadas. Outra alternativa para que se possa atingir índices mais elevados no que concerne a produtividade da turma alvo da pesquisa, é o maior incentivo ao ato de ler. Faz-se saber que o aluno que lê tem menos dificuldades para cumprir aquilo que a disciplina exige em sua grade curricular, sem contar que a leitura é uma ferramenta importante para o desenvolvimento intelectual do aluno em qualquer estágio de sua escolaridade, pois ajuda em sua reflexão acerca das situações que serão retratadas nos exercícios escolares e serve de suporte teórico para a elaboração de textos mais ricos e bem escritos. Há necessidade de atentar para as reais necessidades do aluno, utilizando tendências pedagógicas que instiguem o aluno a reconhecer o seu lado crítico e o levem a expor este em suas produções textuais, que devem ser contínuas. Elenca-se que o ato de produzir um texto não é algo que possa acontecer em apenas uma aula. Pelo contrário, é coisa que exige a avaliação contínua, que precisa ser realizada de forma minuciosa, de forma a suprir as reais necessidades dos discentes. Propõe-se o estímulo ao aluno, de forma a fazê-lo perceber a importância de se estudar a disciplina em questão, trabalhando o conteúdo de forma lúdica, e subsidiando meios para que esses discentes possam adequar a sua escrita, quando necessário. Para isso faz-se necessário que o trabalho ocorra de forma diferenciada e partindo dessa perspectiva, as atividades poderiam ser realizadas ora em grupo, ora individualmente, caracterizando o método sócio-individualizado (Carvalho, 1976). Outra questão que as vezes pode ser ignorada mas é de extrema importância para o bom desenvolvimento das atividades escolares é o acompanhamento assíduo da família do aluno no que concerne aos seus estudos. O discente que tem pais que não leem e que não estimulam a sua criticidade, dificilmente vai ter interesse em estudar a Língua Portuguesa.

Dessa forma, é indispensável que a família esteja presente na vida escolar do alunado, não questionando somente notas, mas sim que esteja interessada em saber aquilo que foi aprendido, como isto se deu e de que forma pode-se melhorar nos aspectos em que ainda há dificuldades. Acerca de tudo que foi exposto, percebe-se a importância de trabalhar a retextualização e os métodos citados em sala de aula. Dentre os autores mencionados, a que dá maior suporte para que essa atividade manifeste-se de forma mais satisfatória, dentro do espaço escolar é Dell’ Isola, pois ela discute técnicas que fazem com que a modalidade textual elencada seja desenvolvida de forma bastante didática, ao abranger a questão dos gêneros textuais, englobando assim, as principais carências apresentadas pelo corpo discente. Observa-se também que utilizar o método avaliativo, sócio-individualizado, e partir para uma perspectiva mais crítica auxiliam no ensino da Língua Portuguesa por meio da retextualização, pois ao trabalhar e exercitar esse conceito nessa perspectiva promove acentuadamente a capacidade de compreensão textual do aluno, aumentando com isso a sua competência reflexiva e imaginativa, fazendo com que o processo de aprendizagem alcance índices elevados, obtendo assim, maior significância, para os alunos do Ensino Médio.

Referências Bibliográficas

ALVES, A. J. O planejamento de pesquisas qualitativas em educação. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 77, p. 53-61, maio, 1991.

ANTUNES, Irandé. Avaliação da produção textual no ensino médio. São Paulo: Parábola Editorial. 2006. Pág 166.

BURANELLO, Eliane Cristina. Os obstáculos da produção textual funcional. Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003

CARVALHO. Irene Mello. O Processo Didático. Editora Fundação Getúlio Vargas, 1976. DELL’ ISOLA, Regina Lúcia Peret. Retextualização de gêneros escritos. Lucerna, 2007.

DIAS, A. R. F. Análise de Redações de Vestibular e sua Correção Avaliativa. Dissertação de Mestrado, PUC/SP, 1986.

DUARTE, Camila Lira Kanashiro. Um estudo sobre alunos inseridos no programa de aceleração de aprendizagem. UCB, 2005.

FONSECA, Abigail dos Santos. O ensino de língua portuguesa e suas metodologias: o uso do blog em sala de aula. Trabalho apresentado no III Seminário de Língua Portuguesa e Ensino e no I Colóquio de Linguística, Discurso e Identidade, 2008.

FREITAG, R. M. K.; FONSECA E SILVA, M. Uma análise sociolinguística da língua utilizada na internet: implicações para o ensino de Língua Portuguesa. Revista intercâmbio, Volume XV. São Paulo: LEAL/PUC-SP, ISSN 1806-257X, 2006. P.3.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ª edição. Atlas S.A, 2008.

IEEP. Acesso em 13 de outubro de 2014. Disponível em: Disponível em: http://portaldoieep.blogspot.com.br/

MACEDO, Neusa Dias de. Iniciação à pesquisa bibliográfica: guia do estudante para a fundamentação do trabalho de pesquisa. 2ª edição – São Paulo: Edições Loyola, 1994.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 8ª edição – São Paulo: Cortez, 2007.

MARTINS; SÁ. Maria da Esperança de Oliveira; Cristina Manuela. Ser leitor no século XXI – Importância da compreensão na leitura para o exercício pleno de uma cidadania responsável e activa. Universidade Aveiro. Saber e Educar, 2008.

MATÊNCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Referenciação e retextualização de textos acadêmicos: Um estudo do resumo e da resenha. Texto publicado nos anais do III Congresso Nacional de Abralin, Minas: PUC, 2003.

MORAES, MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.

PORTUGAL, Rosany Aparecida. A influência da intertextualidade e da sequência didática na retextualização da resenha acadêmica. Universidade Estadual de Maringá – UEM Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350.

Teixeira, M. A. P. (2002). A experiência de transição entre a universidade e o mercado de trabalho naadultez jovem. Tese de doutorado não-publicada, Universidade Federal do , Porto Alegre.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

UM ESTUDO LEXICOGRAFICO DAS SOCIOTERMINOLOGIAS EM LINGUA DE SINAIS BRASILEIRA NO CURSO DE PEDAGOGIA

Orientadora. Profª. Dr. Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva1

Orientanda. Prof. Esp. Carina da Silva Mota2

RESUMO

O presente artigo busca analisar as dificuldades do acesso ao conhecimento de pessoas surdas no ensino superior e como a tríade professor ouvinte, aluno surdo e o interprete como mediador do conhecimento podem auxiliar a inclusão e o pleno desenvolvimento do discente surdo. Partindo desse pressuposto a comunicação e a compreensão dos conteúdos ministrado e fundamental. Assim, como se faz emergir a partir da necessidade de se expandir novos termos em língua de sinais para facilitar a comunicação e o conhecimento. Para se chegar a este conhecimento, envolveu um levantamento bibliográfico nos estudos de para responder a indagação levantada analisará que terminologias surgem na relação de interação entre os sujeitos da pesquisa para a compreensão dos discentes surdos.

FUNDAMENTAÇÃO TEORICA

Depois do congresso de Milão que foi um encontro com o intuito fundamental de discutir a educação de surdos e o método de ensino apenas pela linguagem oral. Pretendia programar, com urgência, o oralismo puro, devia reunir às crianças surdas recém-admitidos nas escolas que deveriam ser instruídas através da fala; essas mesmas crianças deveriam estar separadas das crianças mais avançadas, que já haviam recebido educação gestual, afim de que não fossem contaminadas; os alunos antigos também deveriam ser ensinados segundo este novo sistema. (SILVA, VILMAR, 2006. P. 26).

Segundo Strobel (2009, p. 31) No começo do século XX se tem relatos dos insucessos do oralismo puro o nível de fala e de aprendizado da leitura escrita dos surdos após sete e oito anos de escolaridade era muito ruim, sendo que esses surdos não estavam preparados para

1 Dr. em Semiótica e Linguística Geral/USP. Docente e pesquisadora da UEPA/UNAMA. Email: [email protected]. CPF: 58790586700

2 Graduada em letras com habilitação em libras; Especialista em Educação Especial; Mestranda PPGED- 2014 nenhuma função, a não ser como sapateiro e costureiros na França os surdos educados no oralismo tinham uma fala inteligível.

A língua de sinais surgiu das interações entre surdos e surdos e surdo ouvinte e como uma língua viva variações e mudanças grupais e regionais que ocorrem demonstrando sua vivacidade. Essas conquistas da liberdade de comunicação não foi rápida, pois foi preciso travar lutas contra os poderes de métodos educacionais de exclusão e a conquista finalmente aconteceu em 2002 com a Lei Federal 10.436 no mês de fevereiro: Lei: Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (Brasil, 2002) Essa legislação é um marco histórico e agente prepussor na valorização e respeito aos surdos e a língua de sinais com incentivo dos surdos saírem de seus “esconderijos” e conseguirem mostrar seu jeito surdo, cultura e subjetividade da surdez. Por conta disso, o decreto de LIBRAS 5626 de 22 de dezembro de 2005 foi deliberado com as disposições e obrigações de órgãos públicos e privados e prestadores de serviços na quebra de barreiras comunicacionais e o acesso ao mercado de trabalho, com isso as pessoas surdas podem se autoafirmar e ganhar cada dia mais espaço na sociedade majoritariamente ouvinte a com a abertura de possibilidade e direitos e a quebra do preconceito as pessoas. Os estudos pioneiros na língua de sinais foram realizados por Willian Stokoe (1960) através da análise descritiva da língua de sinais americana (ASL), estudo que até então eram realizados apenas nas línguas orais propiciando maior visibilidade às línguas de sinais, o que no Brasil apenas acontece a partir dos estudos de Brito (1990) sobre a língua brasileira de sinais. Com o desenvolvimento das pesquisas sobre as línguas de sinais, muitos conhecimentos foram produzidos nas relações entre as questões do campo linguístico e as demais ciências, como a neurolinguística, psicolingüística, a terminologia e a sociolingüística.

Destas ultimas depreende-se os estudos referentes à socioterminologia, que segundo Faulstich (2006) é uma área da ciência terminológica que reorganiza uma tipologia para classificação de variantes em categorias técnicas e cientificas usará duas concorrentes, a variante formal terminológica e a variante formal de registro. Propõe refinar o conhecimento dos discursos especializados, cientifico e técnico para explorar os discursos que são passíveis de variação por relacionar à terminologia as mudanças na comunicação entre os membros da sociedade. . Na língua brasileira de sinais o léxico corresponde a uma estrutura complexa que se divide em léxicos não nativos que são as palavras soletradas manualmente com uma seqüência de configurações de mãos de letras escritas do português. O léxico nativo são os classificadores que é geralmente usado para especificar o movimento e a posição de objetos, pessoas ou para descrever o tamanho e a forma de objetos. (Quadros, 2004, p. 88, 92) Ainda analisando aspectos semânticos na língua de sinais brasileira, Quadros (2004) define a semântica como a área da linguística que trata da função do uso e significados das palavras dependendo das influencias e das variações sociais de âmbito regional, social nos diferentes dialetos de uma língua. Os termos técnicos científicos do curso de graduação em pedagogia em língua portuguesa convencionados na língua de sinais precisam fundamentalmente produzir termos que façam referência real da sentença inicial, senão, a formação da terminologia se torna inoperante que dificultará compreensão do conceito, o que dificultará a interação e o domínio pleno do conteúdo pela lacuna deixada pela incompreensão do vocábulo na sentença. (FAULTICH, 2003) O estudo da socioterminologia na produção de conhecimento técnico e cientifico no curso de licenciatura plena em pedagogia está relacionado à investigação de como se convencionam terminologias que precisam reportar o sentido real do conceito que é expresso na língua portuguesa e como essas inferências são construídas na língua de sinais brasileira. JUSTIFICATIVA

A educação da pessoa surda sempre foi pautada em duas vertentes educacionais: A biologização da surdez e o modelo social. A biologização representada pelo método oral que tencionava igualar o surdo ao modelo ouvinte por meio de uma pedagogia curativa.

Esse método tem como marco o congresso de Milão (1880), encontro realizado com o intuito de discutir o melhor método de ensino para a educação de surdos, que resultou, segundo Bentes (2012), na aprovação do método oral em detrimento a língua de sinais na educação das pessoas surdas. Pretendeu programar, com urgência, o método oral puro que devia reunir às crianças surdas consideradas aptas nas escolas e deveriam ser instruídas através do método oral em todas as disciplinas.

Sobre os discursos colonialistas de sobreposição e de dominação cultural e linguística, que considerara a linearidade hegemônica do colonizador, segundo Skliar (1999), essas políticas de representação de dominação nos ideais de normalidade, bem como as pressões sobre a linguagem, a identidade, enfim, sobre o corpo do surdo é fundamentalmente grande. Nessa perspectiva o acesso e permanência de pessoas surdas a ambientes educacionais, que é prioritariamente regulado pela língua portuguesa, pelo som, ouvir e falar, sempre foi uma dificuldade para os surdos pela ausência da fala oral, em que é tido como incapaz, defeituoso e incompleto. Consequentemente, esses surdos sem instrução satisfatória desistem de estudar e optam pelo trabalho, sujeitos às temporalidades do mercado informal e a subempregos.

Na perspectiva colonialista, segundo preceitos monolíngues e de normalização, o ensino superior era um tanto quanto inalcançável para o surdo diante de suas dificuldades e fracassos no ensino fundamental e médio.

Com o advento do pós-colonialismo, segundo Quadros (2006), que rompe as políticas monolinguistas, surgem os movimentos de luta pelo reconhecimento da língua de sinais no processo educacional de alunos surdos com o mesmo status da língua portuguesa nos âmbitos linguísticos, político, social e cultural.

Esse reconhecimento está representado na lei 10.436 regulamentada pelo decreto 5.626/05, que além de instituir a língua de sinais como língua oficial da comunidade surda brasileira, garante a formação de tradutores e interpretes, do curso de graduação em letras LIBRAS e a língua de sinais como disciplina curricular nos cursos de licenciatura.

Assim, as universidades assumem grande relevância ao fomentar mudanças significativas que promovem a inclusão sócio-educacional dos estudantes que apresentam características diferenciadas para aprender, o que acaba por favorecer uma busca bastante significativa de cursos de ensino superior por parte dos surdos que concluem o ensino médio – em sua maioria, por cursos de pedagogia – que por sua vez encontram maiores possibilidades de acesso em instituições privadas.

Mediante dessa nova perspectiva, os discentes surdos encontram no ensino superior as mesmas dificuldades vivenciadas nas etapas anteriores referentes à língua de instrução, cuja resolutiva cabível é a mediação do profissional tradutor e intérprete de língua de sinais.

Nessa tríade pedagógica entre professores ouvintes e alunos surdos, mediadas pelo intérprete de língua de sinais, pesa a abordagem e o ensino de conceitos técnicos e científicos em língua portuguesa que são traduzidos e convencionados em outra língua de modalidade diferente, cuja principal característica é seu aspecto visual, em que o aprendiz depende da visualidade para estabelecer suas relações de compreensão, entendimento e aprendizagem.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

A surdez e a língua de sinais se consolidaram em minha vida com meu envolvimento no movimento religioso na tradução de conceitos bíblicos do português para língua de sinais. Após cursar a graduação em Letras com habilitação em LIBRAS – licenciatura – minha relação com a língua de sinais se intensificou num nível linguístico, técnico e cientifico, espaço em que pude problematizar as questões práticas vivenciadas em minha atuação como intérprete tanto na igreja como em atividades de ensino em que atuei eventualmente.

Ao atuar, posteriormente, como intérprete de língua de sinais para alunos surdos num curso de pedagogia de uma instituição de ensino superior, vi-me diante do desafio de interpretar terminologias técnicas e científicas do campo educacional, que por não fazerem parte da realidade desses alunos, não tinham correspondente na língua de sinais, o que me colocava constantemente diante do seguinte questionamento: Como traduzir os conceitos da língua portuguesa, respeitando os parâmetros linguísticos da língua de sinais, de modo que se faça reportar, coerentemente, ao sentido da língua fonte?

Assim, elegeu-se como objeto deste estudo o seguinte problema de pesquisa: De que forma as terminologias convencionadas em língua brasileira de sinais descrevem o conceito da língua portuguesa no curso de pedagogia?

Assim, conhecer e registrar as terminologias convencionadas na interação diária de estudantes surdos e intérprete de língua brasileira de sinais é fundamental para fazê-lo de forma adequada na língua de partida – o português – ao falante nativo da língua de sinais brasileira – a língua de chegada.

Para se chegar a este questionamento envolveu um levantamento bibliográfico com Silva (2013), Faultich (2003), Quadros (2004) para respaldar os estudos a nível linguístico para a convencionalização na construção do morfema que expresse adequadamente a terminologia da categoria curso de licenciatura plena em pedagogia.

A pesquisa se caracteriza em uma abordagem qualitativa, pois analisa o conhecimento construído preferencialmente pela observação e diálogos livres para o registro dos fenômenos reais da interação social da vida diária dos sujeitos da pesquisa (Severino, 2010). Assim, se pretende identificar, registrar e analisar o processo de surgimento das convencionalizações terminológicas dos conceitos próprios do curso de pedagogia em língua de sinais na relação entre discentes surdos e seus intérpretes. Com isso, os sujeitos da pesquisa serão doze graduandos surdos do curso de licenciatura plena em pedagogia e oito intérpretes de língua de sinais de instituições privadas de ensino superior.

Os instrumentos de coleta de dado serão a observação não-participante do processo tradutório em que as terminologias são convencionalizadas e entrevistas semi- estruturadas com os alunos surdos e seus intérpretes, como forma de buscar entender o processo de atribuição de sentidos para tais terminologias em língua de sinais e suas repercussões no processo de ensino e aprendizagem.

Objetivo Geral:

Averiguar as socioterminologias na comunicação cientifica e técnica convencionadas na língua brasileiras de sinais de graduandos surdos no curso de licenciatura em pedagogia.

Específicos:

Investigar se a expressão linguística convencionada em Língua de sinais expressa adequadamente o sentido que designe o conteúdo socioterminologico em questão;

Analisar a nível semântico e lexical a construção do vocabulário técnico cientifica das terminologias do curso de pedagogia;

MÃOS QUE CONTAM: UMA VERSÃO BILÍNGUE E EM BRAILLE DOS CONTOS AMAZÔNICOS

REFERÊNCIAS

BENTES, José Anchieta de Oliveira. Normalidades e disnormalidades: formas de trabalho docente na educação de surdos. Campina Grande: EDUEPB, 2012.

FAULTICH, E & ABREU, P.A (organizadoras). Linguística aplicada á terminologia e à lexicografia. – Porto Alegre: UFRGS, Instituto de Letras, NEC, 2003.

FAULTICH, F. A. socioterminologia na comunicação cientifica e técnica. Terminologia Artigos. Revista Ciência e Cultura, 2006. QUADROS, R.M. & KARNOPP, L.B. (Organizadoras). Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. – Porto Alegre: Artmed, 2004. QUADROS, R.M (Organizadora). As representações em ser surdo no contexto da educação bilíngue. Estudos Surdos III. –[Petrópolis, RJ]: Arara Azul, 2006. SEVERINO, A.J. Metodologia do trabalho cientifico. 23 ed. revista atualizada. São Paulo. 2010. SKLIAR, C. (Org.). Atualidades da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, vol. I.II, 1999.