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Jazz 11 de maio 2012 Aurora Ran Blake e Sara Serpa Saturday A segunda cena que irá ser pro- É curioso o facto de poucos músicos jetada esta noite é retirada do filme tocarem Saturday, uma bonita balada Spiral Staircase (Silêncio nas Trevas), que a lendária Sarah Vaughan gravou realizado por Robert Siodmak em 1945. no início da sua carreira, para uma Combinando técnicas do expressio- pequena e obscura editora, antes de nismo alemão com o estilo contemporâ- ter sido contratada pela Columbia neo do cinema americano, poderá ver-se ou Mercury, em 1951. Esta canção é a cara de Dorothy McGuire (persona- parecida com Wednesday’s Child ou gem que não consegue falar), na perspe- Thursday’s Child, no sentido em que são tiva do serial killer que acredita que não todas canções melancólicas, com uns há espaço no mundo para a imperfeição. laivos de pensamentos positivos. A última cena projetada será do filme Le Boucher (O Carniceiro) (1970) de Claude When Autumn Sings (R. B. Lynch) Chabrol. Repare-se na beleza dos planos R. B. Lynch é um compositor pouco reco- e no trabalho maravilhoso do diretor nhecido. Esta é uma das quatro canções de fotografia Jean Rabier. A música foi que ele escreveu para Abbey Lincoln. composta por Pierre Jansen e a jovem Abbey gravou todas elas, incluindo Love atriz é Stephane Audran. Lament. Esta peça tem uma melodia extremamente inovadora, com umas Cansaço notas surpreendentes. Abbey Lincoln (Joaquim Campos, Luís Macedo) escreveu a letra para todas estas canções. Cansaço é um poema de Luís de Macedo (1901-1971) cantado por Amália Piano Ran Blake Voz Sara Serpa Dr. Mabuse (Konrad Elfers) Rodrigues no Fado Tango com música Dr. Mabuse, o anti-herói de uma série de de Joaquim Campos. É um poema muito três filmes mudos de Fritz Lang, teve um misterioso que Amália gravou pela importante papel na carreira musical de primeira vez em 1958. O tom do poema Ran Blake. Este tema será acompanhado envolve-se na busca do sentido da vida e pela projeção de uma cena do filme do amor. Evoca também a passagem do Dr. Mabuse: o jogador (1922). É uma tempo e o sentimento de carregarmos das cenas preferidas de Blake. Konrad um passado comum às costas, humano Elfers, pianista e compositor alemão, ou só português. escreveu a música para este filme. Nesta cena, Dr. Mabuse faz tudo o Who? (Oscar Hammerstein II, que pode para derrotar o seu oponente. Otto Harbach, Jerome Kern) O nome de uma cidade chinesa apare- Esta canção era tocada frequente- cerá na mesa de jogo “Tisnan”. Depois mente na casa de Dorothy Colman desta cena, podemos ver uma perse- Wallace, nas séries de concertos que guição até ao Hotel Chelsior. Terão que apresentava em Brookline, Ma, USA. Sex 11 de maio ver o filme para saber o que acontece a Vários músicos que passaram pelo New 21h30 · Grande Auditório · Duração: 1h45 com intervalo · M12 seguir… England Conservatory tais como Ricky

3 Ford, Dominique Eade e , INTERVALO peça que retrate a magia de uma aurora Roach e Sawyer, tal como o pro- atuaram lá. Inúmeros compositores boreal. Imaginemos que o céu está fessor e inspiração de Ran Blake, Mal como , Giuffre Gufrey Mahler Noir repleto de poeira e nuvens verdes e rosa. Waldron, foram figuras importantes na ou George Russell, apresentavam as Tema a solo que inclui uma série de carreira de Abbey. Coleman Hawkins suas composições nestas séries. Dorothy referências à vida e música de Gustav Spring Can Really Hang You Up the toca alguns dos seus melhores momen- era uma fã de Aretha Franklin, Ornette Mahler. Most (Tommy Wolf, Fran Landesman) tos no final da sua carreira no álbum de Coleman e Sarah Vaughan. Nas palavras de Ran Blake: «Adoro Esta canção foi gravada por inúmeros assinatura de Abbey, Straight Ahead. a sua 9ª Sinfonia, com destaque para a músicos fabulosos. Duas das interpre- Strange Fruit (Abel Meeropol) maravilhosa 7ª menor descendente, o tações preferidas de Ran Blake são as The Band Played On Este é um dos temas de jazz de protesto, 3º andamento da 1ª Sinfonia associado gravações de estúdio de Betty Carter e, (Charles B. Ward, John F. Palmer) que muitos consideram como uma às memórias do funeral da sua filha. No ao vivo, de Chris Connors. A utilização Seguramente que muitos concordarão das obras-primas cantadas por Billie entanto, esta peça tem também refe- do silêncio e o fraseamento que estas que a obra-prima de Hitchcock é o filme Holiday. Foi uma canção escrita nos rência à minha vida, incluindo a minha duas cantoras fazem ao interpretar a Vertigo, mas há outras preciosidades na meados de 1930 por um professor de composição, Short Life of Barbara Monk, melodia são interessantes e únicas. sua obra, tal como Strangers on a Train uma escola pública de Nova Iorque, Abel memórias da minha querida Dorothy (O Desconhecido do Norte-Expresso). Meeropol, que era também membro do C. Wallace que gostava do standard They Won’t Go When I Go Este tema é ouvido três vezes durante o Partido Comunista Americano e que Dancing in the Dark, memórias da (Stevie Wonder, Yvonne Wright) filme, numa viagem de autocarro e em mais tarde ficou conhecido como pai minha companheira Jeanne Lee, e o Uma canção gravada por Stevie Wonder duas cenas de Carnaval. adotivo dos dois filhos de Julius e Ethel fantástico professor de música judia no álbum Fulfillingness’ First Finale de Rosenberg, um casal judeu executado Hankus Netsky.» 1974. Uma das únicas canções de que Last Night When We Were Young em 1953 pelo alegado crime de fornecer Wonder não tem autoria total, foi coes- (Harold Arlen, Yip Harburg) o segredo da bomba atómica à União I The Death Gong crita com Yvonne Wright. Uma ampla Uma canção popular de 1935. Arlen Soviética. Esta canção inclui referências II Conversion reflexão sobre a vida e a morte, esta considerava-a uma das melhores a choupos. Dedicada a todos os povos III Death of Maria canção lembra a atmosfera vivida nas canções que teria escrito. Judy Garland que ainda hoje lutam pela sua liberdade IV Auf wiedersehen Wien igrejas do Harlem. cantou e gravou esta canção várias e independência. V The Last Boat: New York to France vezes. Paul Motian costumava tocar VI Death Theme Moonride (Margo Guryan) este tema com frequência no Village Wende (Ran Blake, Jezra Kaye) Margo Guryan tinha apenas 21 anos Vanguard. A frase preferida de Sara é Wende é uma senhora misteriosa (Lady Conflict (Pete Rugolo) quando a cantora Chris Connor gravou Today the world is old. Uma canção que of Mistery). Por vezes, aparecia como Peça que faz parte de uma fase impor- este seu tema. Com um início de car- reflete sobre a vida, a juventude, o amor prima de Ran, outras vezes poderia ser tante da vida de Ran Blake. Foi escrita reira impressionante, Margo Guryan e a sua brevidade. um fantasma que surgia em sonhos. por Pete Rugolo e gravado original- partilhou momentos com Ornette Guiava um descapotável e adorava a mente por June Christy na voz (a suces- Coleman, Max Roach e Don Cherry Ran Blake e Sara Serpa vida noturna. sora de Chris Connor na Stan Kenton no famoso Lenox Jazz Camp. As suas Big Band.) Este tema foi especialmente canções são magníficas. Ran Blake e Sara Serpa gostariam de Fine and Dandy (Kay Swift, Paul James) escrito para uma orquestra sinfónica e dedicar este concerto aos cidadãos de Esta canção tem o mesmo nome que o foi estreada por Stan Kenton em 1951, Love Lament (R.B. Lynch) Lisboa, especialmente a todas as pes- musical da Broadway de 1930, no qual com a sua Innovation Orchestra. Outro tema cantado pela incrível Abbey soas que contribuíram e ajudaram para está incluída. Retrata o comportamento Lincoln no álbum Who Used to Dance que este se concretizasse. imprevisível, efervescente e inconse- Aurora (Sara Serpa, Ran Blake) com o saxofonista Frank Morgan e o Ran Blake dedica também o concerto quente de uma alma apaixonada. Sara e Ran improvisam para criar uma pianista Marc Cary. O baterista Max ao seu mentor Gunther Schuller.

4 5 The Newest Sound Around paixão pelo film noir, designadamente o em comparação com um Cecil Taylor, e nome, foi recuperar a maneira como a de Claude Chabrol, Alfred Hitchcock e apesar das dissonâncias e dos politona- música, em África, era passada de gera- Uma das particularidades do mundo Sidney Lumet. lismos que utiliza, «não se pode dizer ção em geração e como era transmitida musical de Ran Blake é o seu gosto pelo O modo como tudo isto se conjuga que seja de vanguarda, pois faltam-me a no Ocidente durante o período barroco: canto e por cantores (sobretudo canto- numa música visual e caracteristica- rapidez e a angularidade». O certo é que pela audição. Improvisar coletivamente ras). Para todos os efeitos, o primeiro mente “escura” é o que torna Blake tão mudou profundamente a forma como implica ouvir os outros, sendo essa a disco que deu à estampa foi uma parce- intrigante e especial. «Saio do cinema se ensina e aprende a improvisação e o base do jazz enquanto processo. «É o ria com Jeanne Lee. Estava-se em 1962 e sento-me ao piano», como já disse jazz, podendo-se também afirmar que ouvido que na verdade determina a quando saiu The Newest Sound Around, numa das muitas entrevistas que deu ao em muito contribuiu para libertar este direção que um improvisador toma, são título que anunciava já o propósito longo de cinco décadas. Conhecido por género musical da pauta. Afinal, foi os alcances e as limitações do ouvido de inovar o formato canção. Passados tornar irreconhecíveis os standards que editado pela ESP, a primeira etiqueta de que são os elementos mais importantes 50 anos, esse tipo de investimento escolhe como a base do seu repertório, que nos lembramos quando se fala em na criação de um estilo individual, não mantém-se bem vivo: após encontros a tal ponto os transfigura, um dos ex- free jazz… a capacidade de reproduzir fraseados com Christine Correa e Dominique -libris blakeanos tem sido Strange Fruit, Com base em alguns dos conceitos memorizados e virtuosísticos», conside- Eade, a colaboração do pianista norte- de Billie Holiday, interpretado com ou pedagógicos de Lennie Tristano, Blake rou Ran Blake nesse documento. -americano com a portuguesa Sara Serpa sem voz. «Pode um pianista transmitir vem aplicando nas suas aulas a noção de A cantora lisboeta residente em Nova continua os objetivos então traçados. a emocionalidade desta canção sem que deve ser dada primazia ao ouvido. Iorque é o produto desses streamings Em disco, como foi o caso de Camera utilizar as palavras? Quando a toco julgo Graças ao seu espírito empreendedor, entre a Etiópia e a bossa nova, ou entre Obscura e será o do anunciado Aurora, e que o tema soa trágico ou enraivecido, o Department (hoje Charles Ives e Miles Davis e qualquer ao vivo, neste regresso do duo a Lisboa. mas se sou bem-sucedido ou não, só o chamado Contemporary Improvisation outra combinação que se proporcione Billie Holiday, Ella Fitzgerald, ouvinte poderá dizer. Procuro sempre Department) do New England e resulte. Serpa utiliza a voz como um Sarah Vaughan, Abbey Lincoln, Aretha comunicar estados de espírito, mas o Conservatory, que fundou com Schuller, instrumento de sopro e este (seja um Franklin e Mahalia Jackson são algu- certo é que, regra geral, sou algo melan- depressa alargou a equação estabelecida saxofone, um clarinete, um trompete, mas das referências vocais de Blake, cólico. Gosto de música com memórias. entre jazz e música erudita. O nosso um trombone), por sua vez, procura interiorizadas devido à influência que Só depois de muitos anos a tocar Strange visitante substituiu a definição de sempre ter o caráter natural da voz. Esta antes, em criança, recebeu dos gospels Fruit em privado é que me atrevi a fazê- Third Stream pela de Third Streaming: é uma abordagem circular cujo trajeto da Igreja Pentecostal. É de forma -lo publicamente. Não vivi o horror de «Porque haveriam obrigatoriamente passa, necessariamente, pelas orelhas. inesperada e, porventura, contradi- ver pessoas penduradas nas árvores, de ser os dois tributários a clássica e o «Se é os olhos que querem usar, admi- tória, que se articulam com outras mas já tive a minha dose de sofrimento.» jazz? Porque não substituir um deles rem a pintura de Picasso e não venham duas vertentes da sua personalidade Ran Blake estudou com , por uma das muitas tradições étnicas? ter comigo para aprender estenografia como músico. Segunda figura de proa , Bill Russo, Mary Lou E se se misturassem a música tribal musical», costuma Blake avisar. E no da chamada Third Stream, depois de Williams e e foi, por sua percussiva da Nigéria com os gritos entanto, mais até do que na música Gunther Schuller, a sua devoção pelas vez, professor de , Matthew Ainu do Norte do Japão?», escreveu no religiosa negra, na linhagem do stride obras deixadas por e Shipp e no New England ensaio Third Stream and the Importance piano ou no impressionismo francês, é cruza-se com a não Conservatory. Aí foi, igualmente, mestre of the Ear, publicado no final de 1981 no no cinema que este vai buscar inspira- menor admiração pelos compositores de Sara Serpa, que por sinal prefere Journal of the College Music Society. ção. Não são as imagens em si que lhe eruditos europeus da primeira metade cantar sem letra, num estilo de vocalese Na sua perspetiva, a aprendizagem interessam, mas os sons que os planos do século XX, como Igor Stravinsky, que vai para além do simples scat jazzís- do jazz tem-se feito com o sentido e as sequências dos velhos policiais a Olivier Messiaen, e tico. O autor de Driftwoods gravou com errado, o da visão, centrado na leitura preto-e-branco lhe sugerem. Béla Bartók. Por outro lado, o imaginá- músicos revolucionários como Anthony de partituras. O que fez com Sara Serpa Neste aspeto, o recente e muito rio criativo de Ran Blake vai beber à sua Braxton e , mas sustenta que, e muitos outros, de maior ou menor imagético Mobile, de Sara Serpa, não

6 7 podia ser um disco mais devedor a Ran Ran Blake como Spiral Staircase, Memphis e The Blake, ainda que seja outro o posiciona- Short Life of Barbara Monk. A influência mento estético. Os temas deste álbum Numa carreira que se prolonga da música da igreja Pentecostal, que foram sugeridos por livros de um naipe por cinco décadas, o pianista Ran também conheceu enquanto crescia em de escritores que compreende e.e. Blake (n. em 1935 em Springfield, Suffield, no Connecticut, combinada cummings, Ryszard Kapuczinski e Hugo Massachusetts) criou o seu lugar pró- com a imersão musical no que chamou Pratt (também desenhador), mas o que prio na música improvisada como artista de “um mundo do Film Noir”, constitu- foi absorvido dessas leituras pela jovem e educador. Com uma mistura caracte- íram as fundações do seu estilo musical Sara é-nos transmitido sem recurso à rística de solos espontâneos, tonalidades do início da sua carreira. palavra. As letras vistas transmutaram- clássicas contemporâneas, as tradições Esse estilo inicial veio a codificar- -se em sons imaginados, the newest dos grandes do blues e do gospel ame- -se quando formou um duo, no final around: «Cada um deve seguir o seu ricanos e temas de Film Noir clássicos, dos anos de 1950, com a sua colega de caminho e fazer a música que sente e o som singular de Blake tem ganho estudos no Bard College, a vocalista de que gosta; temos de ser honestos dedicados seguidores por todo o mundo. Jeanne Lee. A sua parceria conduziu ao connosco próprios e perceber o que O seu duplo legado musical inclui mais álbum de culto e que identificava o duo, podemos trazer de novo ao imenso de 30 álbuns em algumas das melhores The Newest Sound Around (1962, RCA), universo musical que já existe», confiou editoras de jazz, bem como perto de em que apresentava os seus talentos à revista jazz.pt. 30 anos de professor inovador no New únicos e a sua abordagem revolucioná- Tal como o seu veterano parceiro, England Conservatory em Boston. rio dos standards do jazz. Esta gravação também ela tem dúvidas em relação ao Blake encontrou-se pela primeira vez de estreia também iria mostrar a síntese seu trabalho, assumindo essas hesita- com os Film Noir, carregados de ima- avançada das diversas influências de ções como positivas. Curiosamente, com gens e de personagens complexos que Blake através da inquietante versão da Blake ouvimo-la, regra geral, a seguir iriam influenciar tanto a sua música, faixa de abertura de David Raksin do textos, o que não acontece, por exemplo, quando tinha 12 anos e viu pela primeira filme Laura e o seu tributo original à nas suas intervenções com o saxofonista vez Spiral Staircase de Robert Siodmak. sua primeira experiência com a música Greg Osby, que lhe aproveita a inclina- “Havia no pós Segunda Guerra Mundial, gospel, The Church on Russel Street. ção “instrumental”… «Questiono-me nuances musicais que, se soavam às The Newest Sound Around foi sobre como poderei integrar a tradição vezes como banais e como clichés, iniciado e informalmente supervisio- no meu trabalho original e se deverei eram por vezes arrepiantes, inquie- nado pelo homem que se tornou no cantar o que as pessoas esperam ouvir tantes e inesquecíveis”, haveria Blake mais importante mentor e “herói” de de uma vocalista ou se devo arriscar e de escrever mais tarde. “Depois de ver Blake, Gunther Schuller. A amizade apresentar mais a minha música. Acho mais de dezoito vezes, num período de entre os dois começou num encontro que vai ser uma dúvida permanente e há 20 dias, intrometia-se na minha vida casual no estúdio da , que encontrar um equilíbrio», confes- quotidiana, como os meus sonhos, uma em Nova Iorque, em janeiro de 1959 sou ainda. Não por humildade, mas mistura de enredos, cenas e superfícies (Blake tinha 24 anos, Schuller é 10 anos porque foram engrandecedores os ensi- harmónicas”. mais velho). Menos de dois anos antes, namentos que recebeu de Ran Blake. Muito antes da invenção da realidade Schuller inventara a expressão Third virtual, Blake começou a colocar-se Stream, numa conferência na Brandeis Rui Eduardo Paes mentalmente dentro dos filmes, e em University, para designar um género Crítico de música, ensaísta, argumentos como se fossem a vida real, de música a meio caminho entre a editor da revista jazz.pt que inspiraram os seus temas originais música clássica contemporânea e o jazz.

8 9 Schuller estava a gravar na Atlantic – Blake assumiu funções como pri- Noir, da gospel, do seu pianista favorito Em 2002, Blake completou 40 anos ajudando a definir a sua expressão na meiro diretor do Departamento Third Thelonious Monk e de compositores de carreira de músico profissional, prática – com futuros grandes nomes Stream que fundou com Schuller no como Stravinsky, Prokofiev e Messiaen. tornando-o num dos mais resistentes do jazz, como John Lewis, Bill Evans, NEC. Ainda hoje mantém esse cargo A partir de 1965 Blake trabalhou músicos na história do jazz. Na tradição Eric Dolphy e Ornette Coleman. Ran apesar do departamento ter recente- principalmente como pianista solo em de dois dos seus ídolos, Ellington e Blake foi à editora para aceitar o que mente mudado de nome, chamando-se mais de 30 álbuns. Embora a maior Monk, Ran Blake incorporou e sinteti- designou como “uma posição infe- agora Departamento de Improvisação parte da música fosse sobretudo zou vários estilos e influências, que se rior” que lhe permitisse estar perto da Contemporânea, para responder ao influenciada pela perspetiva do Film diriam divergentes, num estilo próprio música de artistas como Chris Connor, que Blake foi acrescentando e evitar a Noir, muitos das suas mais elogiadas inovador e coeso, colocando-o entre Ray Charles e os que se apresentavam expressão datada de Third Stream. gravações são tributos a artistas como os génios do género. Se considerarmos no famoso Apollo Theater de Harlem. A abordagem de Blake ao ensino Monk, Sarah Vaughn, Horace Silver, também a sua inovadora abordagem A longa associação entre Blake e enfatiza o que ele chama de “primazia George Gershwin e Duke Ellington. ao ensino, e os cerca de 30 anos em Schuller, um músico clássico contempo- ao ouvido”, já que acredita que a música Estes tributos fundem-se com a sua que influenciou gerações de músicos, râneo, e a sua controversa Third Stream, é tradicionalmente ensinada pelo sen- carreira no ensino inspirando um curso realizamos como é impressionante a começou nessa altura, e foi construída tido errado. O seu ouvido inovador e o anual de verão que ainda ensina em sua contribuição para a longa tradição durante anos de amizade, colaboração e processo de desenvolvimento do estilo NEC e que explora a música de um só do jazz. inovação. elevam o processo de audição para o artista. Também gravou com , Mais informação em http://ranblake.com Schuller era uma das poucas pessoas mesmo estatuto da partitura escrita. , Steve Lacy, Houston do mundo musical que conseguia perce- Esta abordagem presta tributo à síntese Person, , , ber o potencial do som do estilo musical estilística do conceito original de Third , Chirstibe Correa, David não ortodoxo de Blake e convidou-o Stream, e ao mesmo tempo proporciona “Knife” Fabris, e outros, incluindo de a frequentar a Lenox School of Jazz um ambiente de aprendizagem aberto, novo, em 1989, Jeanne Lee. nos verões de 1959 e 1960. Em Lenox, amplo, que promove o desenvolvimento Mais recentemente, Blake voltou a também sede de Tanglewood, Meca da da inovação e da individualidade. reinventar-se para os fãs do novo milé- música clássica, Blake estudou com os Músicos da estatura de Don Byron, nio. Apesar de os álbuns a solo como gigantes do jazz que formavam o corpo ou John Medeski estu- Film Noir (Arista/Novus) e Duke Stream docente desta instituição única – Lewis, daram com Blake no NEC. (Soul Note) terem sido assinalados com Oscar Peterson, Bill Russo e muitos Apesar da carreira docente de Blake cinco estrelas em publicações como outros – e começou a formular seria- se tornar rapidamente a segunda Down Beat e no All Music Guide to Jazz, mente o seu estilo. Também estudou metade do seu dual legado musical, a o álbum de 2001, Sonic Temple (GM em Nova Iorque com as lendas do piano sua carreira como músico influente e Recordings) é o disco que, na produção Mary Lou Williams e Mal Waldron. artista de jazz inteiramente individual de vários anos, foi melhor recebido e Um ano depois de Schuller se é a principal razão da sua fama. Depois mereceu o maior número de elogios tornar presidente do New England da partida de Jeanne Lee, para se tornar da crítica. A gravação apresenta dois Conservatory (NEC) de Boston em numa das primeiras vocalistas na avant- filhos de Schuller, músicos de jazz, Ed 1967, Blake juntou-se ao seu mentor -garde então em expansão, Blake gravou (contrabaixo) e George (bateria), que e a vários professores, incluindo Ran Blake Plays Solo Piano (ESP) em Blake conheceu toda a vida e com quem George Russell, como membro do 1965. O álbum mostrou um claro refina- trabalhou nos últimos 25 anos. Este foi corpo docente do NEC, o primeiro mento do estilo de Blake de reinvenção o primeiro disco no formato standard do conservatório americano a conceder dos standards populares, incorporando jazz do trio com piano, o que é inédito graus académicos em jazz. Em 1973 as suas outras influências do Film para um pianista de jazz da sua estatura.

10 11 Sara Serpa qual era o meu papel na música”. 2008 viu também ser editado o seu “moldaram verdadeiramente a minha “Passei a ir a sessões no Hot Clube todas álbum de estreia na América, Praia visão como música e são uma constante Vocalista, compositora e líder de bandas, as semanas, o que mudou definitiva- (Inner Circle Music) que apresenta fonte de inspiração e amizade”. Agora Sara Serpa é “a voz mágica”, segundo mente a minha vida, e descobri um novo temas do seu tempo em Boston e a sua também dirige o seu próprio quinteto o pianista Ran Blake (que sabe alguma caminho de aproximação à música”. banda de Boston – o pianista Vardan com o guitarrista Matos, o pianista coisa sobre cantoras...). A sua elocução Com uma renovada concentração no Ovsepian, o guitarrista André Matos, o Kris Davis, o baixista Ben Street e o sem adornos nem vibrato foi descrita jazz e na música improvisada, deci- baixista John Lockwood e o baterista baterista Ted Poor. O álbum de estreia como “polida como um espelho” e a sua diu ir para os Estados Unidos estu- Nick Falk. Mais uma vez, os críticos deste grupo, Mobile, foi editado em 2011 capacidade de cantar complexas linhas dar no Berklee College of Music em louvaram a sua abordagem inovadora ao (Inner Circle Music). vocais ao mesmo nível dos instrumen- Boston e, mais tarde, no New England canto no jazz. “Ela canta como um ins- Desde que se mudou para os Estados tistas caracteriza-a como a cantora Conservatory (NEC), na mesma cidade, trumentista”, escreveu DiPietro em All Unidos, Serpa atuou com Danilo Perez, mais inovadora dos últimos anos. onde completou, em 2008, o seu mes- About Jazz, “como um membro de um Ran Blake, Greg Osby, Ben Street, Considerada por All About Jazz como trado em Jazz Performance. Foram seus conjunto com uma arrojada conceção, Thomas Morgan, Esperanza Spalding, “a vocalista mais fresca da cena atual”, professores em Boston, entre outros, movendo-se como se fosse um saxofo- Tyshawn Sorey, Kris Davis, Adam Cruz, Sara, com 31 anos, saltou de uma forma os pianistas Danilo Perez e Ran Blake, nista do acompanhamento ao solo, ou John Hébert, Matt Brewer, Tommy surpreendentemente rápida do Hot os vocalistas Dominique Eade e Theo da linha da frente para uma voz de um Crane, Ted Poor, Noah Preminger, Clube de Lisboa, cidade onde nasceu, Bleckmann, o trombonista Hal Crook e conjunto – nunca como uma estrela de Joe Martin, André Matos e Vardan para o Village Vanguard de Nova Iorque. o saxofonista Jerry Bergonzi. algum show”. Ovsepian, entre muitos outros. Serpa começou por estudar canto Obtido o seu mestrado no NEC, Serpa Em 2010 Serpa voltou a explorar a “Serpa pode fixar-se na linha da clássico e piano durante a adolescên- mudou-se para Nova Iorque onde o sua experiência de Boston para gravar frente dos cantores nos próximos anos”, cia, no Conservatório de Música de seu estilo único rapidamente chamou a Camera Obscura, um álbum em dueto declarou Bill Shoemaker em Point of Lisboa. “Enriqueceu o meu vocabulá- atenção de muitos dos melhores músi- com o seu antigo professor na NEC, o Departure. Com tantos sucessos em rio e a minha atitude perante a vida”, cos da cidade. Entre eles o saxofonista pianista Ran Blake. Alan Young, escre- tão pouco tempo, bem parece que ela disse. “Tive que aprender uma grande Greg Osby que primeiro a ouviu numa veu sobre o álbum em Lucid Culture: está em boa posição para cumprir essa disciplina e uma profunda concentra- visita ocasional à página da cantora “Ela aborda estas canções com uma predição. ção”. Em Portugal, todavia, a sua única no Myspace. Baseado no que escutou, claridade e vulnerabilidade devasta- Mais informação em www.saraserpa.com opção para estudar música no ensino convidou-a para se juntar à sua banda. doras (…). Juntos, estes dois elevaram superior era continuar com a música “Greg apoiou a minha visão da música a fasquia do canto jazzístico – e do seu clássica, “mas a certa altura percebi que e trabalhar com ele criou-me imensas acompanhamento – para um eleva- não me encaixava naquele mundo”. Na oportunidades e incríveis experiências díssimo nível.” Enfrentar standards na Faculdade licenciou-se em Reabilitação musicais”. “Era inacreditável cantar no companhia de Blake ensinou a Serpa e Inserção Social mantendo, todavia, Village Vanguard logo no meu primeiro que “tudo está na melodia”, diz ela. fora das aulas, um forte interesse pela ano em Nova Iorque; nunca o esque- “Tenho que conhecer muito bem a música. cerei”. A sua participação na gravação melodia e ser forte quando a canto”. Era sobretudo atraída pela vibrante de Osby 9 Levels (2008, Inner Circle O rápido posicionamento de Serpa na cena do jazz lisboeta, no Hot Clube, o Music), foi largamente aclamada. “Serpa linha da frente dos novos cantores de primeiro e mais famoso clube de jazz é especialmente impressiva”, observou jazz também se deveu à sua participa- português, e na escola a ele associada. Peter Margasak no Chicago Reader, “o ção no álbum Providencia (2010, Mack “Quando lá ia sentia-me um bocadinho seu canto sem palavras irmana-se em Avenue Records) do seu professor desencorajada com as minhas experi- perfeita sintonia às linhas do sax de no NEC Danilo Perez, nomeado para ências musicais – não sabia exatamente Osby”. os Grammy. Tanto Blake como Perez

12 13 Próximo espetáculo N’est pas de Pedro Tudela Ciclo Vinte e sete sentidos Organização: Granular

Instalação / Performance Qui 17 maio Sala 2 · 18h30 · Dur. aprox. 30 min · M12 Culturgest, uma redução total de 16 500 kWh/ano, Espaço CarbonoZero® o equivalente a cerca de 220 viagens de A compensação das emissões de carro Lisboa-Porto. Oito ninhos de madeira sonorizados, quatro CDs áudio, cifrava-se na transformação e aproxima- carbono decorrentes da utilização dos Apesar de contribuírem para a microfone e ‘laptop’ Pedro Tudela ção do espaço e da matéria. espaços da Culturgest, localizados redução das emissões de carbono, estas Poder-se-á dizer que N’est pas, atra- no Edifício Sede da Caixa Geral de ações não são suficientes para evitar N’est pas foi um trabalho especifica- vés do aproveitamento sonoro, alterava Depósitos, está integrada na estratégia por completo estas emissões. Assim, as mente pensado e construído para ser o espaço sem que visualmente isso do Grupo para o combate às alterações restantes emissões são compensadas montado num sótão. Sem intervir na acontecesse. climáticas. Esta iniciativa enquadra-se através da aquisição de créditos de estrutura do espaço, o trabalho foi Quando da instalação, já tinha pla- num conjunto mais alargado de ações, carbono provenientes de um projeto montado de modo a que, não só assimi- neado fazer uma performance que, de que vão desde a inventariação das emis- tecnológico localizado no Brasil e que lasse a área ocupada, mas que aco- algum modo, lhe desse continuidade e sões associadas ao consumo de energia cumpre os requisitos Voluntary Carbon lhesse também as memórias do prévio o completasse, trazendo para o espaço e ao tratamento dos resíduos produzi- Standard (VCS). A compensação das conhecimento do lugar. Os ninhos de de apresentação as questões ligadas ao dos nas instalações, à implementação emissões inevitáveis da Culturgest madeira replicavam, não só o material processo de transformação da matéria de medidas de eficiência energética constitui, assim, uma internalização dominante e nativo daquele espaço, mas envolvida. O leitmotiv é a incógnita para redução das emissões. Com efeito, da variável carbono decorrente da também o âmago naturalmente presente relacionada com a memória, a afinidade tem-se vindo a assistir a uma redução utilização dos seus espaços e contribui, que era a casa. Dos altifalantes, assu- e o enquadramento dos dados contidos, das emissões de carbono observando- igualmente, para a meta de neutralidade midos como meio de sonorização dos enaltecendo a relação do interior com -se um decréscimo progressivo de carbónica expressa no Programa Caixa ninhos, era emitido de modo distribuído o exterior. A matéria manipulada e a cerca de 35% face a 2008. Esta é uma Carbono Zero. o som previamente captado em locais distribuição no espaço instruindo uma redução com tendência a acentuar-se diversos, de ações com e sobre a subs- outra impressão de lugar. Mais informações em: com a implementação de um conjunto www.cgd.pt/Institucional/ tância, madeira com diferentes escalas Pedro Tudela de medidas adicionais, estando prevista Caixa-Carbono-Zero e feitios. Na instalação o papel do som www.pedrotudela.org e www.at-c.org Conselho de Administração Comunicação Maquinaria de Cena Presidente Filipe Folhadela Moreira Alcino Ferreira Fernando Faria de Oliveira Maria Teixeira estagiária Artur Brandão Administradores Inês Raimundo estagiária Miguel Lobo Antunes Técnico Auxiliar Margarida Ferraz Publicações Álvaro Coelho Marta Cardoso Assessores Rosário Sousa Machado Frente de Casa Dança Rute Sousa Gil Mendo Atividades Comerciais Teatro Catarina Carmona Bilheteira Francisco Frazão Patrícia Blazquez Manuela Fialho Arte Contemporânea Edgar Andrade Miguel Wandschneider Serviços Administrativos e Financeiros Clara Troni Serviço Educativo Cristina Ribeiro Raquel dos Santos Arada Paulo Silva Receção Pietra Fraga Teresa Figueiredo Sofia Fernandes Ana Luísa Jacinto Direção de Produção Direção Técnica Margarida Mota Paulo Prata Ramos Auxiliar Administrativo Nuno Cunha Produção e Secretariado Direção de Cena e Luzes Patrícia Blázquez Horácio Fernandes Coleção da Caixa Geral de Depósitos Mariana Cardoso Isabel Corte-Real de Lemos Assistente de direção cenotécnica Inês Costa Dias Jorge Epifânio José Manuel Rodrigues Maria Manuel Conceição

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