UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

THAÍS DE MIRANDA REBOUÇAS

O BAIRRO E O PLANO: ESTRATÉGIAS E DISPUTAS EM TORNO DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BAIRRO 2 DE JULHO, EM SALVADOR, BAHIA, BRASIL

Salvador 2019

THAÍS DE MIRANDA REBOUÇAS

O BAIRRO E O PLANO: ESTRATÉGIAS E DISPUTAS EM TORNO DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BAIRRO 2 DE JULHO EM SALVADOR, BAHIA, BRASIL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Doutora em Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora: Professora Drª Ana Fernandes. Coorientadora: Professora Drª Laila Mourad.

Salvador 2019

FICHA CATALOGRÁFICA

THAÍS DE MIRANDA REBOUÇAS

O BAIRRO E O PLANO: ESTRATÉGIAS E DISPUTAS EM TORNO DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NO BAIRRO 2 DE JULHO, EM SALVADOR, BAHIA, BRASIL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Doutora em Arquitetura e Urbanismo, pela seguinte banca examinadora:

______Profa. Dra. Ana Fernandes - Orientadora Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFBA ______Profa. Dra. Laila Nazem Mourad - Coorientadora Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFBA ______Prof. Dr. Luiz Antônio de Souza Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFBA ______Profa. Dra. Ângela Maria Gordilho Souza Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFBA ______Profa. Dra. Aparecida Netto Teixeira Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social, UCSAL ______Prof. Dr. Fabrício Leal de Oliveira Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, UFRJ

Salvador, abril de 2019

A Ivana Chastinet, eterna cabocla do 2 de Julho, uma existência que transformou e seguirá transformando tantas existências, até... (In memoriam)

AGRADECIMENTOS

Às minhas orientadoras, pelo suporte a pelas orientações valiosas.

A Fabrício Oliveira, Aparecida Netto, Luiz Antônio Souza e Ângela Gordilho-Souza pelas correções e inestimáveis contribuições feitas na banca de qualificação.

A Soraia Silva, que tive o prazer de ser tutora e que é a responsável pela pesquisa das experiências de planejamento de bairro realizadas pela Prefeitura de Salvador.

Aos meus pais pelo amor incondicional e pelo suporte na finalização da tese.

À equipe do Plano de Bairro que me proporcionou tantas alegrias, aprendizados e, principalmente, o privilégio de trabalhar com AnaF, Laila M., Alina Cecília, Nina, Isis, Flávio, Jairo, Paulo Henrique e Alexandre. A ele também devo as amizades eternizadas de Maya, Flávio, Babi, Isadora, Laila B. e Vanessa.

Ao Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho e à Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo, pelas trocas e aprendizados sem fim.

Aos que meteram mão pra que essa tese pudesse ser escrita e concluída: Viviane Hermida, Fernanda Gonzales, Raquel Santos, Vanessa Pugliese, Laila Bouças, Vivaldo Rebouças, nunca saberei como retribuir tantas ajudas e boas energias.

A Isadora, Laila Bouças, Oto, Flávio Carvalho, Laila Mourad, João Pena, que fizeram de abril um mês só de tese.

Aos meus irmãos e aos amigos tão amados que foram tão compreensivos com ausências e que me mantiveram alimentada de amor e esperança.

A Chico e Nina, meus gatinhos que são fontes inesgotáveis de amor.

A Ivan pelo companheirismo, paciência e ajudas de todas as ordens nos momentos finais de escrita.

A Duda, Jó, Ana, Lívia, Fernanda, Dandara, Sérgio, Kleber, Clara, Mariana, Giu, Jovanete, Viviane, Cássia, Ticiana, Andrea, Gabriel, minha família de Ifá, que só cresce que me faz tão bem.

Ao Grupo de Pesquisa Lugar Comum, pelas trocas e aprendizados.

À CAPES, pela concessão de bolsa da doutorado que permitiu minha dedicação às atividades acadêmicas.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo entender as motivações para a escolha do instrumento do plano de bairro e sua utilização como estratégia resistência e de produção do espaço urbano por parte dos seus moradores (e apoiadores) e suas implicações na disputa pelo direito à cidade. O contexto analisado é o do planejamento de bairros em Salvador desde a década de 1970 até os anos 2010, tendo como estudo de caso o bairro 2 de julho em Salvador, Bahia, entre 2012 e 2019. A metodologia utilizada conjuga pesquisas bibliográficas e documentais sobre as experiências de planejamento urbano em Salvador, análise dos planos de bairro elaborados no Brasil e entrevistas semi-estruturadas com agentes que participaram da disputa pelo bairro e pelo seu planejamento. O referencial teórico adotado contribui para a compreensão do processo de produção do espaço urbano e das estratégias de ação política adotadas pelos principais agentes no 2 de Julho, assim como compreender os limites e possibilidades do bairro como escala de ação e reflexão no planejamento para a produção do espaço urbano e a busca pelo direito à cidade.

Palavras-chave: Planejamento Urbano. Plano de bairro. Estratégia. Produção do Espaço. Direito à Cidade. 2 de Julho.

ABSTRACT

This paper aims to understand the motivations for choosing the neighborhood plan instrument and its use as resistance and urban space production strategies by its residents (and supporters) and their implications for the right to the city. The context analyzed is the planning of neighborhoods in Salvador from the 1970s to the 2010s, with a case study of the 2 de Julho neighborhood in Salvador, Bahia, between 2012 and 2019. The methodology used combines bibliographical and documentary research on the experiences of urban planning in Salvador, analysis of the neighborhood plans elaborated in and semi-structured interviews with agents who participated in the dispute for the neighborhood and its planning. The adopted theoretical framework contributes to the understanding of the urban space production process and the political action strategies adopted by the main agents on 2 de Julho, as well as to understand the limits and possibilities of the neighborhood as a scale of action and reflection in planning for production of the urban space and the search for the right to the city.

Keywords: Urban Planning. Neighborhood plan. Strategy. Production of Space. Right to the City. 2 de Julho.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Localização do 2 de Julho em Salvador 29 Figura 2 – Áreas do 2 de Julho incluídas nos decretos de desapropriação do Governo do Estado da Bahia 91 Figura 3 – Poligonal do Cluster Santa Tereza 100 Figura 4 – Folder Santa Tereza – verso 101 Figura 5 – Folder Santa Tereza – anverso 102 Figura 6 – Localização de equipamentos e investimentos no 2 de Julho 104 Figura 7 – Descrição dos terrenos no 2 de Julho que foram a leilão pela Zukerman Leilões 107 Figura 8 – Localização dos terrenos no 2 de Julho que foram a leilão pela Zukerman Leilões 107 Figura 9 – Capa do Projeto de “Humanização” do bairro 2 de Julho 158 Figura 10 – Mapa com intervenções do Projeto de “Humanização” do bairro 2 de Julho 158 Figura 11 – Croqui do Projeto para Área de Convivência I (Ligação entre as ruas Democrata e Visconde de Mauá) 159 Figura 12 – Croqui do Projeto para Área de Convivência II (ligação entre as ruas Areal de Baixo e Visconde de Mauá) 159 Figura 13 – Panfleto-convite para evento na Vila Coração de Maria 161 Figura 14 – Panfleto-convite para o filme Narradores de Javé 171 Figura 15 – Imagem com antes e depois do mercado do 2 de julho (antes uma praça com barracas desmontáveis) 173 Figura 16 – Convite e fotos do cinema no coreto sobre a Ladeira da Preguiça 175 Quadro 1 – Linhas de ação do MNB2J 181 Figura 17 – Panfleto-convite elaborado pelo MNB2J sobre os decretos de utilidade pública com fins de desapropriação de áreas do bairro 178 Figura 18 – Fotos do desfile do 2 de Julho em 2013 178 Figura 19 – Fotos do desfile do 2 de Julho em 2014 184 Figura 20 – Desfile da Articulação do Centro Antigo no 2 de Julho em 2015 186 Figura 21 – Desfile da Articulação do Centro Antigo no 2 de Julho em 2016 187 Figura 22 – Desfile da Articulação do Centro Antigo no 2 de Julho em 2017 189

Figura 23 – Desfile da Articulação do Centro Antigo no 2 de Julho em 2018 190 Figura 24 – Manifestações contra o PDDU 2016 193 Figura 25 – Espacialização dos critérios exigidos para delimitação do bairro 2 de Julho (escolas, posto de saúde, via coletora e pontos de ônibus) 196 Figura 26 – Panfleto-convite em defesa do reconhecimento do 2 de Julho como bairro 197 Figura 27 – Manifestação na Câmara de Vereadores em defesa do reconhecimento do 2 de Julho como bairro 197 Figura 28 – Cartaz sobre o terreno a leilão e pela sua utilização como espaço público 198 Figura 29 – Convite para discussão sobre ZEIS com comunidades do Centro Antigo 201 Figura 30 – Convite para oficina de teatro “Direito à cidade em cena” 203 Figura 31 – Oficina dos sonhos 211 Figura 32 – Oficina a quem interessa o bairro 2 de Julho? 212 Figura 33 – Oficina até onde vai o bairro 2 de Julho? 213 Figura 34 – Oficina de memórias 214 Figura 35 – Oficinas de propostas para os vazios urbanos 215 Figura 36 – Imagem da maquete virtual do projeto de espaço público para o 218 Vazio da Mangueira – vista 1 Figura 37 – Imagem da maquete virtual do projeto de espaço público para o 219 Vazio da Mangueira – vista 2 Figura 38 – Imagem da maquete virtual do projeto de espaço público para o 219 Vazio da Mangueira – vista 3 Figura 39 – Painel com coisas boas do bairro 2 de Julho 218 Figura 40 – Painel limites e obstáculos do bairro 2 de Julho – parte 1 222 Figura 41 – Painel limites e obstáculos do bairro 2 de Julho – parte 2 222 Figura 42 – Imagens da Oficina de Propostas no Colégio Ypiranga 224 Figura 43 – Imagens da Oficina de Propostas na Preguiça 225 Figura 44 – Imagens da Oficina de Propostas no CEAO/UFBA 227 Figura 45 – Convite para Oficina de Apresentação das Propostas de 228 melhoria para o 2 de Julho

Figura 46 – Painel sobre direito à cidade no bairro 2 de Julho 229 Figura 47 – Painel com Prioridades e Diretrizes para a melhoria do 2 de 230 Julho Figura 47 – Painel de demandas e propostas do bairro 2 de Julho 230

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACLAJ – Associação Comunitária do Largo 2 de Julho e Adjacências ALBA – Assembleia Legislativa da Bahia AMPVA – Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo ANSUR – Articulação Nacional do Solo Urbano CAS – Centro Antigo de Salvador CAU/BR – Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil CEAO – Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA CEAS – Centro de Estudos e Ação Social CEB – Comunidades Eclesiais de Base CF/88 – Constituição Federal de 1988 CHESF – Companhia Hidroelétrica do São Francisco CHS – Centro Histórico de Salvador CIDEU – Centro Ibero-americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano CMS – Câmara Municipal de Salvador CNU – Carta do New Urbanism CONCIDADES – Conselho Nacional das Cidades CONDER – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia CONFEA – Conselho Federal de Engenharia e Agronomia CREA/BA – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia DESOCUPA – Movimento Desocupa DHESCA – Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais DIRCAS – Diretoria do Centro Antigo DPE/BA – Defensoria Pública do Estado da Bahia EIUA – Estudo de Impacto Urbano Ambiental ERCAS – Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador EUA – Estados Unidos da América FII – Fundo de Investimento Imobiliário FMLF – Fundação Mário Leal Ferreira FNRU – Fórum Nacional de Reforma Urbana HBV – Horto Bela Vista

IDEAS – Instituto de Desenvolvimento de Ações Sociais IPAC – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ITIV – Imposto de Transferência Inter Vivos LOUOS – Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo MCIDADES – Ministério das Cidades MDF – Movimento de Defesa dos Favelados MP/BA – Ministério Público do Estado da Bahia MIP – Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada MNB2J – Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho MNRU – Movimento Nacional de Reforma Urbana MSTB – Movimento dos Sem Teto da Bahia OCEPLAN – Órgão Central de Planejamento ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas OUC – Operação Urbana Consorciada PDP – Plano Diretor Participativo RAS – Rede de Associações de Saramandaia RMS – Região Metropolitana de Salvador PCH – Programa de Cidades Históricas PDDU – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano PLANARQ – Planejamento Ambiental e Arquitetura PLANDURB – Plano de Desenvolvimento de Salvador PM – Polícia Militar PMI – Procedimento de Manifestação de Interesse PMS – Prefeitura Municipal de Salvador PRODESCO – Programa de Desenvolvimento Comunitário PSF – Programa de Saúde na Família PPP – Parceria Público-Privada PRRNH – Programa de Recuperação e Revitalização de Núcleos Históricos SEHAB – Secretaria Municipal de Habitação SEMOP – Secretaria Municipal de Ordem Pública

SEPLAM – Secretaria de Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente do Município SUCOM – Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo SPHAN – Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional TAC – Termo de Acordo e Compromisso TAC – Termo de Ajustamento de Conduta UFBA – Universidade Federal da Bahia UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFF – Universidade Federal Fluminense UNEB – Universidade do Estado da Bahia UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNIFACS – Universidade Salvador ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 17 1 INTRODUÇÃO 21 1.1 DOS OBJETIVOS 26 1.2 DA METODOLOGIA 26 1.3 O CASO DO 2 DE JULHO 28 1.4 ESTRUTURA DA TESE 31 2 PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO 33 2.1 DISPUTAS EM TORNO DO URBANISMO E DO PLANEJAMENTO URBANO 33 2.1.1 Urbanismo e urbanista, planejamento e planejador urbanos 33 2.1.2 Urbanismo corporativo, neoliberal, de mercado 38 2.1.3 Críticas a práticas de planejamento urbano no Brasil 42 2.1.4 Novas disputas pelo urbanismo e pelo planejamento urbano e sua contribuição para a produção do espaço urbano 48 2.2 PLANEJAMENTO URBANO COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA 51 2.3 PLANEJAR PARA QUÊ? 57 2.3.1 O espaço urbano e sua complexidade 58 2.3.1.1 O espaço trialético 59 2.3.1.2 O espaço de ações e de objetos 61 2.3.1.3 O espaço aberto interacional 64 2.4 DIREITO À CIDADE E À PARTICIPAÇÃO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO 66 3 PLANEJANDO BAIRROS EM SALVADOR: CONCEITOS, AGENTES, PLANOS, CONFLITOS 70 3.1 DISCUTINDO O CONCEITO DE BAIRRO 70 3.2 O BAIRRO ENTENDIDO COMO LUGAR 73 3.3 AS ARMADILHAS DO LOCAL 74 3.4 AGENTES DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO EM SALVADOR E AS DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO E DAS AÇÕES SOBRE O BAIRRO 78 3.4.1 O Estado 79

3.4.1.1 Prefeitura de Salvador 83 3.4.1.2 Governo do Estado da Bahia 88 3.4.2 Corporações/empresas imobiliárias 94 3.4.3 Proprietários fundiários 111 3.4.4 Movimentos sociais/moradores 113 3.4.5 Ministério Público da Bahia 116 3.4.6 Universidades 119 3.5 ORIGENS DAS DISCUSSÕES E PRÁTICAS SOBRE PLANEJAMENTO DE BAIRRO 120 3.5.1 Contextos de Salvador 127 3.5.2 As experiências de planejamento de bairro em Salvador (1974- 1996) 134 3.5.2.1 Nordeste de Amaralina – estudos dos problemas físico-ambientais (1974) 134 3.5.2.2 Curso de extensão sobre Planejamento de Bairro (1977) 135 3.5.2.3 Plano de intervenção para o bairro de Pernambués (1978) 136 3.5.2.4 Planejando bairros com a PRODESO 136 3.5.2.5 Os planos urbanísticos da década de 1980 140 3.5.2.6 A experiência de Vila Verde (1996) 142 3.6 O RETORNO DO PLANEJAMENTO NA ESCALA DO BAIRRO NOS ANOS 2000 NO BRASIL – A QUE SERÁ QUE SE DESTINA? 143 3.6.1 Os planos de bairro da Secretaria Municipal de Habitação (2005- 2010) 144 3.6.2 Os planos de bairro e a Universidade Federal da Bahia 151 3.6.2.1 Mata Escura: plano de intervenção (2005) 151 3.6.2.2 Plano de bairro para a ZEIS Saramandaia 152 4 A EXPERIÊNCIA DO PLANO DE BAIRRO 2 DE JULHO 155 4.1. A DISPUTA PELO BAIRRO NO 2 DE JULHO 154 4.1.1 Frames e a organização pela permanência no bairro 159 4.1.2 Encontros e performances: formação das identidades coletivas e estratégias de ação 160 4.1.3 A Articulação do Centro Antigo como rede e como estratégia 180 4.1.3.1 Os cortejos no dia 2 de Julho – Independência da Bahia 182

4.1.3.2 Participação no processo de elaboração do PDDU/2016 190 4.1.3.3 Nova disputa pelo reconhecimento do 2 de Julho como bairro 194 4.1.3.4 Ações contra o leilão do dos terrenos do Hotel Txai 198 4.1.3.5 Luta pela permanência do Colégio Ypiranga 199 4.1.3.6 Vila Coração de Maria e as ZEIS no Centro Antigo 199 4.1.3.7 Oficinas de teatro 201 4.2 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PLANO DE BAIRRO 203 4.2.1 A leitura técnico-comunitária 208 4.2.2 A assessoria em situações de conflitos 214 4.2.3 A construção de propostas e a retomada do plano como estratégia 215 5 CONCLUSÃO 234 REFERÊNCIAS APÊNDICE A – Quadro de Prefeitos de Salvador de fevereiro de 1967 a fevereiro de 2018 APÊNDICE B – Quadro com relação de pessoas entrevistadas para a tese APÊNDICE C – Planos de bairro elaborados em Salvador APÊNDICE D – Resultados do survey sobre planos de bairro elaborados no Brasil até 2018 ANEXO A – Mapa das prefeituras-bairro no PDDU/2016 ANEXO B – Poligonais de restrição à ocupação no Centro Antigo ANEXO C – Masterplan estratégico para o Centro Antigo de Salvador – áreas vocacionais ANEXO D – Masterplan estratégico para o Centro Antigo de Salvador – faseamento ANEXO E – Panfletos de divulgação dos eventos produzidos pelo MNB2J ANEXO F – Panfletos-convite informando sobre o Revitalizar e convidando para manifestação na Câmara de Vereadores ANEXO G – Manifesto com propostas para um PDDU popular ANEXO H – Carta proposta para um PDDU popular

ANEXO I – Panfleto distribuído pelo MNB2J em defesa da demarcação do 2 de Julho como na Lei de Bairros – verso ANEXO J – Panfletos-convite sobre o Programa Revitalizar compartilhados em redes sociais ANEXO K – Questionário elaborado pelo MNB2J para elaboração do seu plano popular de bairro ANEXO L – Equipe do plano de bairro 2 de Julho de 2013 a 2017 ANEXO M – Mapa com densidades demográficas no 2 de julho ANEXO N – Mapa com uso dos imóveis no 2 de Julho ANEXO O – Mapa dos imóveis vazios no 2 de Julho ANEXO P – Mapa com estado de conservação dos imóveis no 2 de Julho ANEXO Q – Mapa com áreas de restrição à ocupação no 2 de Julho ANEXO R – Roteiro da Caixa dos Sonhos no 2 de Julho

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APRESENTAÇÃO

Era manhã de uma sexta-feira em Salvador, pelos idos de 2015, e saímos, eu e duas amigas da equipe do projeto de extensão do Plano de Bairro 2 de Julho, para fazer a divulgação da Oficina de Memórias, a quarta oficina desde o início dos trabalhos em 2014. No percurso da Barra até o 2 de Julho, nos deparamos, em sua vizinhança, com comércios fechados (na Avenida Sete de Setembro!!), sem pessoas nas ruas e uma cidade mais vazia que nos dias de feriado. Estávamos em plena greve de policiais militares e por isso o esvaziamento do Centro. Mesmo assim, resolvemos apostar que encontraríamos moradores circulando nas ruas e que poderíamos conversar com pelo menos alguns deles. Qual foi nossa surpresa ao entrar no 2 de Julho e encontrar o bairro funcionando normalmente, como se a paralisação de policiais não afetasse seu cotidiano. E não afetava mesmo. Ao chegarmos, nos deparamos com o comércio funcionando, a feira de rua em plena atividade, carga e descarga de mercadorias, guardadores de carro trabalhando normalmente. Havia, porém, um movimento menor de pessoas circulando nas ruas, é fato, talvez apenas moradores e alguns frequentadores esperançosos ou cientes da dinâmica do bairro. Contudo parecia um oásis de urbanidade dentro de uma cidade assaltada pelo medo decorrente da ausência de uma suposta segurança policial. Fizemos os convites para a participação na oficina, conversamos com os moradores e paramos para tomar um suco e observar o movimento. Era inacreditável o que víamos. Esse foi um evento peculiar do 2 de Julho, um entre tantos do seu cotidiano. O bairro tem uma série de singularidades e algumas indefinições. É um bairro central, referência de comércio para a cidade, em especial comércio de aviamentos para costuras e bordados, os armarinhos, que ficam na Rua do Cabeça. Acolhe no Largo 2 de Julho e na Praça Inocêncio Galvão uma feira diversa de gêneros alimentícios e religiosos e com preços acessíveis, lojas de material de construção e utilidades domésticas, e um grande número de bares e restaurantes que servem ao bairro e também aos vizinhos. Possui um ar de cidade do interior, mas como se todos os dias fossem sábado, que é quando geralmente acontecem as feiras no interior da Bahia e as cidades se enchem de pessoas, mercadorias e movimentos, dos seus habitantes ou daqueles que ali vão em busca de serviços. Ao mesmo tempo, possui ruas tranquilas, como as ruas Tuiuti, Democrata, Areal de Cima, Areal 17 de Baixo e a Ladeira da Preguiça, onde ainda se colocam cadeiras nas portas das casas para “ver a vida passar”. Algumas ruas ultrapassam o limite da tranquilidade e passam os dias abandonadas de pessoas e cuidados com seus objetos, como é o caso da Visconde de Mauá e do pedacinho da Rua do Sodré que se aproxima da Praça Castro Alves. Ao mesmo tempo acolhe e hostiliza pessoas em situação de rua. Possui uma base material parcialmente deteriorada, muitos imóveis vazios, abandonados pelos seus proprietários – alguns são objeto de ocupação e resistência e a sua grande maioria sem uso e em ruínas. Esse breve relato ilustra algumas das peculiaridades do 2 de Julho e é uma das inspirações para o desenvolvimento desta pesquisa, que é motivada por diversas questões que me atravessaram em diferentes temporalidades, antes e depois da sua execução. Meu interesse em pesquisar o 2 de Julho começa quando das movimentações de resistências de alguns moradores frente a um projeto de “humanização” do bairro no ano de 2012, que propunha a mudança do seu nome para bairro Santa Tereza e incluía ações de melhoria urbana, como pavimentação, abertura de espaços públicos. Era um projeto da Prefeitura de Salvador, articulado com a iniciativa privada, que anos antes iniciou uma mobilização de empresas de atividades ligadas ao turismo para transformação da área e já há alguns anos iniciara um processo de especulação imobiliária. Antes disso, moradores da Vila Coração de Maria, na Rua Democrata, haviam sofrido uma ameaça de expulsão por parte de seus proprietários, a Irmandade São Pedro dos Clérigos. Antes ainda, fora iniciada a construção do Residencial Cloc Marina, que ocupa a encosta da Rua Democrata e que provocou danos à paisagem e à estrutura do local. Em 12 de junho de 2012, o bairro recebeu a visita do Relator Nacional do Direito Humano à Cidade da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA), Leandro Franklin Gorsdorf, e foi objeto de audiência pública, ambas promovidas pela Subcomissão de Desenvolvimento Urbano da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. Todas essas intervenções foram discutidas, com a presença de moradores, técnicos da Prefeitura que elaboraram o projeto para o bairro, parlamentares, a presidente da associação de moradores do Largo 2 de Julho, pesquisadoras e interessados. Dentre os inúmeros conflitos evidenciados na audiência, estavam posicionamentos a favor e contra o projeto da Prefeitura, e aqui destaco as posições antagônicas de parte dos moradores presentes, que se posicionaram contra o projeto, e outra parte, a favor, 18 nesta incluída a associação de moradores. Essa audiência pode ser considerada um marco da complexificação das disputas espaciais pelo e dentro do bairro. É um marco também da minha aproximação e interesse pelo bairro e suas disputas, que cada vez mais se apresentavam complexas e agudas. As ações de resistência aos projetos excludentes pensados para o bairro geraram uma postura de afirmação por parte de alguns moradores, que passaram a se articular em torno da pauta da manutenção do nome do bairro e da participação nas discussões e na elaboração dos projetos públicos e privados. Esse movimento – Nosso Bairro é 2 de Julho (MNB2J) – ou coletivo de moradores, como depois os participantes passaram a se classificar, surge da articulação de alguns moradores com outros agentes cuja pauta extrapolava os limites do bairro, mas o incorporavam. Entre eles, o DESOCUPA, coletivo de ativistas que lutavam pelo direito à cidade em Salvador, ao qual estava pessoal e politicamente vinculada na época. Participávamos das discussões e ações do grupo e passamos a frequentar as reuniões uns dos outros, DESOCUPA e MNB2J. A intenção era nos apoiarmos em nossas pautas comuns. O primeiro já havia se manifestado contra o projeto “Humanização do bairro Santa Tereza” e assumido essa frente de resistência também como sua pauta. Participei, junto com outros colegas do Desocupa, de uma reunião no bairro em que o MNB2J buscava alternativas para ampliar a estratégia da contestação para a reivindicação, por meio da organização das demandas do bairro. Nessa reunião, foi sugerida a elaboração de um plano de bairro e tomado como exemplo o recém-divulgado Plano Popular da Vila Autódromo, na cidade do Rio de Janeiro. A despeito das discussões sobre a complexidade da elaboração de um plano de bairro, das informações e recursos necessários, acordou-se que um passo inicial seria dado com a elaboração de um questionário sobre problemas, demandas e desejos do bairro. Esse questionário seria distribuído em alguns locais estratégicos, entre eles uma atividade intitulada “Cinema no Coreto”, com exibição de filme seguida de debate. Alguns questionários foram respondidos, mas não chegaram a ser tabulados, por falta de disponibilidade dos envolvidos. Lembro que, na ocasião, ao comentar sobre a experiência do Plano de Bairro para a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Saramandaia, foi manifestado o desejo de ter a colaboração da Universidade nessa empreitada. Naquele momento, expus nossa dificuldade em desenvolver tal ação, pois boa parte do grupo de pesquisa já estava envolvida com o 19

Plano de Saramandaia. No ano seguinte, para minha grata surpresa, fui convidada por uma colega para colaborar com a escrita de um projeto de extensão para a elaboração do Plano de Bairro do 2 de Julho. O projeto foi aprovado e teria início em 2014. Nesse meio tempo, continuei próxima do MNB2J, participando das reuniões, dos eventos por eles promovidos e contribuindo com algumas das ações propostas. Desde a minha pesquisa de mestrado, onde analisei o projeto da 7ª etapa de recuperação do Centro Histórico de Salvador com o desafio de costurar as diferentes escalas de atuação de distintos agentes naquele território, o “lugar” se revelou para mim como uma aposta e uma motivação para meu engajamento político, por se tratar de uma escala de ação atravessada por horizontalidades e verticalidades (SANTOS, 2004) e onde disputas e conflitos com os mais variados agentes podem se manifestar simultaneamente. Daí também meu interesse e minha participação em dois projetos de extensão para elaboração de planos de bairro, para Saramandaia e para o 2 de Julho. Voltar a problematizar o lugar é para mim um desafio necessário e aqui proponho fazê-lo a partir da experiência do Plano de bairro 2 de Julho. Esse plano se apresentava, inicialmente, como apenas um entre os planos de bairro a serem estudados, mas meu envolvimento na sua elaboração, os três anos de trabalho contínuo e de grande dedicação, aliado à minha participação e aproximação do MNB2J, encampando lutas e ações em defesa do bairro, não me deixaram outra escolha. O Plano de Bairro 2 de Julho e o próprio bairro conduziram a todo tempo o meu olhar sobre esse instrumento e seu contexto como algo que se configurou como uma estratégia de ação dos moradores organizados. A prática do planejamento urbano, sempre acompanhada de inquietações e contradições, também se colocou em questão com as experiências de elaboração de planos de bairro, e são essas questões que trago neste trabalho. São questões de prática profissional e política – porque nunca conseguiram se distanciar uma da outra. A realização deste trabalho, então, é um grande e afetuoso esforço de análise e reflexão sobre o 2 de Julho, sobre planejamento urbano e planos de bairro, sobre o agir sobre o espaço e sua perspectiva de criação e transformação, sobre participar e se apropriar.

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1 INTRODUÇÃO

As principais críticas disseminadas sobre o planejamento urbano no Brasil não são aquelas sobre seu surgimento e desenvolvimento como ferramenta de domínio e poder sobre os corpos, recursos e coisas, ou mesmo sobre a sociedade (FERRAZ; FRANÇA, 2012; FOUCAULT, 1995). Sua prática voltada à geração de renda imobiliária e ao beneficiamento de corporações urbanísticas, que impede a redução das desigualdades socioterritoriais das cidades brasileiras, essa sim é grande objeto de críticas. Maricato (2011, p. 48) explica a incapacidade de incorporação da pauta da justiça socioterritorial nos planos quando afirma que “o planejamento é competência do Estado e este é a expressão das classes dominantes, daí a impossibilidade do planejamento democrático e igualitário”. O plano diretor, por exemplo, foi uma ferramenta de planejamento concebida no Brasil em governos autoritários e, em que pesem os esforços para democratização desse instrumento – por meio de financiamento de planos diretores participativos por parte do Governo Federal,1 por exemplo –, poucos foram os casos que conseguiram romper com a prática do planejamento tradicional, concebido de cima para baixo. O planejamento urbano, do modo como é realizado hoje no Brasil, de cima para baixo, é incapaz de incorporar os conflitos inerentes à sociedade e suas disputas entre seus diferentes agentes, o que, conforme Maricato (2011, p. 71), é uma característica da sociedade brasileira, que “tem tradição de ignorar, ou melhor, não reconhecer a existência de conflitos sociais”. Os conflitos existentes na sociedade, em geral, não aparecem nos planos diretores, que costumam trabalhar com cenários lineares e pacíficos. As soluções para os problemas urbanos formulados por urbanistas naufragam, entre outras razões, por um processo de formulação não compartilhado com a sociedade. Lefebvre (2008, p. 113) aponta para a incapacidade dos arquitetos, urbanistas, sociólogos e demais profissionais ocupados com atividades relacionadas ao urbanismo de pensar as relações sociais e para a limitação na proposição de novas formas e arremata:

1 Trata-se da Campanha Nacional pelo Plano Diretor Participativo, aprovada em 2004, no âmbito do Programa de Fortalecimento da Gestão Urbana, do Ministério das Cidades, que viabilizou apoio aos municípios para a implementação dos instrumentos do Estatuto da Cidade e elaboração e revisão dos Planos Diretores. 21

Apenas grupos, classes ou frações de classes sociais capazes de iniciativas revolucionárias podem se encarregar das, e levar até a sua plena realização, soluções para os problemas urbanos; com essas forças sociais e políticas, a cidade renovada se tornará obra.

Também contribui para o descrédito inerente à prática do planejamento urbano no Brasil a generalizada incapacidade de implementar os planos produzidos, dentre os quais destacamos os planos diretores. Villaça (2005, p. 90) aponta para a distância existente entre o discurso e a prática, observada na experiência do planejamento urbano paulista, o que contribuiu para gerar uma ilusão, que, segundo esse autor, “decorre do abismo que separa o seu discurso da prática de nossa administração municipal e da desigualdade que caracteriza nossa realidade política e econômica”. A experiência das discussões públicas do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Salvador (SALVADOR, 2008b), no decorrer do ano de 2007, revelou a dificuldade de mobilização da população e de uma efetiva participação popular na discussão dos rumos do desenvolvimento urbano da cidade. Mesmo com o avanço do Plano em algumas áreas, como nas Políticas Habitacional e de Saneamento Ambiental, muitas foram as críticas realizadas por aqueles que participaram das discussões do PDDU, como a dificuldade de acesso aos estudos técnicos que subsidiaram o plano e a metodologia de participação adotada,2 que não incorporaram as sugestões de alteração e inclusão de novos conteúdos. Numa análise do processo de discussão do PDDU em 2007, que se deu na escala das Administrações Regionais (AR),3 Serpa (2007) aponta, dentre os problemas que se revelaram no processo,4 por exemplo, que a escala das discussões não garantiu a representatividade dos ativismos e associações de bairro. Ele destaca a escolha do bairro como uma escala mais apropriada para esse tipo de discussão “pois se acredita em uma maior identificação da população com esses

2 Em uma única audiência pública, a prefeitura apresentava todo o conteúdo dos estudos e do plano, que versavam sobre temas de toda ordem, o que não possibilitava uma real compreensão do conteúdo pelos “participantes”. 3 As audiências públicas do PDDU em 2007, por recomendação do Ministério Publico da Bahia, foram organizadas territorialmente por Administrações Regionais, única unidade de divisão territorial do município de Salvador. 4 Aqui o autor também destaca entre os fatores para a incipiente participação popular a tradição autoritária de planejamento e gestão públicos, e a “capacidade de „bloqueio‟ dos diferentes lobbies” (SERPA, 2007, p. 39, grifo do autor). 22 recortes mais „concretos‟, que contextualizam sua experiência cotidiana no universo da cidade” (SERPA, 2007, p. 39, grifo do autor). Entre 2014 e 2016, durante a elaboração do PDDU de 2016, adotou-se como estratégia para a ampliação da participação social a realização de audiências e oficinas públicas, sendo essas últimas realizadas em diferentes bairros da cidade, seguindo o critério de divisão administrativa das Prefeituras-bairro de Salvador.5 Os encontros para discussão do plano tiveram grande variação na quantidade de participantes das audiências, e, de modo geral, compareciam em baixo número às oficinas. Essa tentativa de aproximação – física – das discussões do plano diretor dos moradores da cidade nos seus bairros (em alguns bairros, pelo menos) não atendeu às expectativas – dos críticos do processo – de ampliação e engajamento de participantes. Nem mesmo a proposta da Prefeitura de Salvador para elaboração de planos de bairro para as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) entre 2005 e 2010 conseguiu motivar a população a participar mais ativamente dos processos de planejamento urbano (fosse do PDDU ou mesmo, em alguns casos, dos próprios planos dos bairros). Mais adiante iremos recuperar um pouco desse histórico e destacar algumas iniciativas de planejamento de bairro elaborados em Salvador desde os anos 1970 até os dias atuais. Antes, é importante levantar alguns pontos que poderão contribuir para o encadeamento das questões que serão colocadas a seguir. Se é certo, como afirmado acima, que há uma crise no planejamento urbano, talvez seja importante destacar que essa crise não é tão recente quanto possa aparentar. De certa forma, essa crise se implanta pari passu com a elaboração e implementação das primeiras experiências do planejamento urbano no Brasil,6 que, mesmo com todos os esforços da época, também não conseguiram incorporar os conflitos e a pauta da justiça social das cidades daquele período, nem aproximar o discurso da prática ou mesmo garantir sua implementação.

5 Apesar de o nome da unidade administrativa fazer alusão ao bairro, de fato não se trata da escala do bairro, mas sim de aglomerados de diversos bairros com características bastante distintas. 6 Villaça (2004, p. 175), analisando o que ele chamou de planejamento stricto senso – “cujo eixo de atividades e discursos vieram a desembocar nos atuais planos diretores” –, afirma que os primeiros planos diretores, com características próximas ao modo como ainda hoje são elaborados – abordagem geral e abrangente, estudos multidisciplinares e propostas direcionadas a diferentes aspectos do desenvolvimento urbano, superando os planos de projetos e obras urbanas –, começaram a ser elaborados na década de 1930, com os planos de Agache para o Rio de Janeiro e de Prestes Maia para , ganhando força nos anos de 1950. 23

Entretanto, se esses planos diretores obtiveram tão pouco sucesso na sua implementação e na redução das desigualdades socioespaciais e, sobretudo, na melhoria da qualidade urbana das cidades, por que esse continua sendo um instrumento ainda tão utilizado no Brasil? E por que estudiosos do planejamento urbano e gestores ainda se dedicam tanto a aprimorar esse instrumento, fazendo dele uma aposta para a superação das desigualdades e melhoria da vida urbana? Por que a população e os movimentos sociais começam a se interessar pelo planejamento urbano para superar seus problemas urbanos? Esta tese não se propõe a responder todas essas perguntas, mas pretende se dedicar a entender por que o planejamento urbano, e mais especificamente o plano de bairro, se torna uma estratégia política de disputa pela produção do espaço urbano por parte de coletivos e movimentos sociais e como isso influencia suas ações. Essa última questão surge da observação do surgimento de experiências de elaboração de planos de bairro por moradores e movimentos sociais com o propósito de realizar e demandar dos poderes públicos mudanças no bairro a fim de melhorar suas condições de vida cotidiana. A década de 2000 se configura como um marco no surgimento de planos de bairro não apenas pelas experiências apontadas acima, mas porque sua emergência é verificada em diferentes lugares do país. Essas iniciativas apresentam também uma variedade de agentes na condução da elaboração desses planos – o que antes se restringia a ações das administrações públicas municipais, passou a ser objeto de interesse e estratégia de ação de Organizações Não Governamentais (ONG), universidades e movimentos sociais. No caso da atuação desses outros agentes (que não prefeituras), trata-se de iniciativas pontuais, não conectadas a ações mais estruturadas de segmentos e nem necessariamente relacionadas ao planejamento urbano institucionalizado no âmbito da administração municipal. A pesquisa sobre a elaboração de planos de bairro é ainda muito incipiente, tendo sido registradas poucas publicações sobre o tema. O livro Reinvente seu bairro (CAMPOS FILHO, 2003), muito mais uma defesa do que o autor chama de plano diretor de bairro do que como um estudo de experiências sobre essa prática de planejamento, mostra a possibilidade de aproximar o plano diretor do cidadão comum. Trata-se mais de um conjunto de orientações à prática do planejamento urbano, tendo o plano de bairro como uma grande aposta e inovação. 24

Outro trabalho dedicado a criar pressupostos e orientações para elaboração de planos de bairro é a tese de doutoramento de Rodriguez (2013), intitulada Planos urbanos locais: definição concreta para a mobilidade e qualidade ambiental urbanas. Seu objetivo se constitui na comprovação e “inclusão nas políticas públicas de um planejamento local articulado ao mais amplo, municipal ou metropolitano” (RODRIGUEZ, 2013, p. 1). As experiências estudadas são as dos planos para o desenvolvimento urbano da Região Leste paulistana, propondo uma metodologia para a definição de planos de bairro com a adoção de Unidades Ambientais de Moradia, conceito criado por Campos Filho (2003) nas experiências de elaboração de planos diretores de bairro. Foram encontradas também publicações que relatam experiências específicas, em geral em que os próprios autores estiveram implicados, nas quais se apresenta uma descrição do processo de elaboração, com pouca crítica sobre os processos e sem uma perspectiva mais abrangente. Entre eles, destacamos os livros organizados pelo vereador José Police Neto (2011, 2012), em que a experiência de elaboração do Plano de Bairro de Perus é apresentada como exitosa e de referência para outras localidades. Poucas foram as publicações como as de Tanaka (2017), que apresentam um quadro de experiências de planejamento urbano na escala local, do bairro. Em sua tese, a autora apresenta, como ela mesma denomina, “experiências autônomas de planejamento em contexto de conflitos” (TANAKA, 2017), tendo como mote as comunidades atingidas por grandes eventos esportivos (mais especificamente a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas 2016). Nessa tese, a autora apresenta casos onde o planejamento foi utilizado com estratégia de ação para permanência nos seus bairros. Esta tese se propõe, além dos objetivos mais à frente anunciados, contribuir para a reflexão sobre a prática do planejamento urbano na escala local, que vem ganhando força e adeptos no Brasil e que parece interessar moradores e movimentos sociais como estratégia de ação para transformação das suas realidades. Nosso percurso e lócus de pesquisa é Salvador, que desde a década de 1970 até os dias atuais vem desenvolvendo experiências de elaboração de planos de bairros por diferentes agentes.

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1.1 DOS OBJETIVOS

A caracterização do problema acima apresentado se constitui no esforço para buscar elementos e apoios, para a compreensão da construção de planos de bairro, que acreditamos ser também um processo de disputa pela produção do espaço. A pesquisa tem início com o histórico de Salvador na elaboração de estudos e planos na escala do bairro, que começa em 1974, e, com mais profundidade e aproximação, o Plano de Bairro 2 de Julho. A proposta é entender as motivações para a escolha do instrumento do plano de bairro e sua utilização como estratégia de resistência e de produção do espaço urbano por parte dos seus moradores (e apoiadores) e suas implicações na disputa pelo direito à cidade. Nesse sentido, buscar-se-á, no desenvolvimento do trabalho, respostas às seguintes perguntas: a) Quais as experiências de planejamento urbano na escala do bairro na história de Salvador? b) Quem são os agentes interessados na disputa pelo bairro em Salvador e quais suas motivações? c) Quais as motivações do Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho ao escolher o plano de bairro como estratégia de resistência e de disputa pela produção do espaço urbano? d) Quais as conquistas e limites do processo de elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho na disputa pela produção do espaço urbano?

1.2 DA METODOLOGIA

Para a realização dos objetivos propostos, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre os temas de estudo; pesquisa do tipo survey para levantamento e análise prévia dos planos de bairro elaborados no Brasil, especialmente a partir dos anos 2000; pesquisa documental sobre as experiências de planejamento urbano na escala do bairro em Salvador; entrevistas semiestruturadas com agentes que participaram e participam da disputa pelo bairro e pelo seu planejamento em Salvador. A pesquisa inicial sobre os planos de bairro realizados e em elaboração no Brasil ocorreu por meio da internet, em consultas a notícias de blogs, jornais virtuais, 26 artigos científicos, teses, dissertações. Para que o documento fosse considerado um plano, observou-se: a) estudos sobre a realidade presente do lugar; b) propostas que indicassem mudanças/permanências das realidades existentes e; c) que não se restringisse a um tema/setor específico, se ocupando do máximo de complexidade do bairro que se propôs a intervir. Após levantamento inicial, verificou-se a necessidade de iluminar as experiências de planejamento na escala do bairro em Salvador, datadas da primeira metade da década de 1970. A escolha do Plano de Bairro 2 de Julho como estudo de caso deu-se em razão da sobreposição de interesses de diferentes agentes do bairro e ao envolvimento cotidiano da autora desta tese na elaboração do plano, o que ao mesmo tempo possibilitou acesso aos moradores e a uma maior quantidade e variedade de informações, aumentando o risco de compreensão da análise dos fatos e das ações dos próprios agentes. Esse, no entanto, é sempre um risco em pesquisas engajadas, o que acaba por reforçar a atenção com relação à veracidade e julgamento dos fatos.7 Os planos estudados nesta tese foram escolhidos a partir de um entendimento inicial do que seria o planejamento nessa escala do urbano.8 A definição aqui adotada é resultado de revisão bibliográfica, mas também da análise das experiências realizadas em Salvador, em diálogo com o contexto mundial do pensamento sobre e das práticas do planejamento urbano, feita na seção 2. De início, entendemos o planejamento como a projeção e a problematização do futuro, ancorada em objetivos, finalidades e em perspectivas de futuro e de transformação do meio (SANTOS, 2004), e como uma ação que tem como objetivo o governo sobre os homens e sobre suas ações (FOUCAULT, 1995). Entendemos também que o plano de bairro deve conter mais que estudos (detalhados ou não) sobre a realidade do lugar, mas também o esforço de construção de perspectivas de mudanças na configuração e na gestão do espaço e das pessoas que se disponham a colaborar para a transformação do meio e da realidade existente.

7 Sobre objetividade em pesquisas nas ciências sociais aplicadas, consideramos a afirmação de Haraway (1995, p. 41, grifo do autor) de que “objetividade não diz respeito a des-engajamento, trata de um estruturar mútuo e comumente desigual, trata-se de assumir riscos num mundo no qual „nós‟ somos permanentemente mortais, isto é, não detemos o controle „final‟". 8 Esse esforço tem como foco a pesquisa e a escolha dos planos de bairro brevemente comentados acima ; uma definição mais apurada será desenvolvida na seção 3, porém, um primeiro critério para a pesquisa na rede mundial de computadores foi a autodenominação como “plano de bairro” adotada pelos seus autores. 27

O plano de bairro que levaremos em consideração neste trabalho não pode se restringir a um tema/setor específico (habitação, cultura, meio ambiente etc.), devendo se ocupar do máximo de complexidade possível de toda a porção do espaço que se propõe a transformar – nesse caso, um bairro –9 e deve conter propostas que impactem no cotidiano dos seus moradores, no espaço produzido e com o qual interagem, o que pode significar a indicação/elaboração tanto de projetos arquitetônicos/urbanísticos, como de mudanças ou manutenção (no caso de risco de desaparecimento) de práticas e atividades existentes; deve lidar tanto com transformações, como com permanências futuras.

1.3 O CASO DO 2 DE JULHO

O 2 de Julho possui uma ocupação antiga (iniciada no final do século XVII, mas que se consolida apenas no século XVIII). Está localizado no Centro Antigo de Salvador (Figura 1), vizinho ao Centro Histórico – na verdade, parte do bairro está inserida na poligonal de Tombamento do IPHAN de 1984. Composto atualmente por uma população em sua maioria de rendas média baixa e baixa, o bairro começa a ser objeto de interesse de empresas imobiliárias que, em alguns casos, ameaçam de expulsão alguns dos seus moradores. É o caso da Construção do Cloc Marina Residence, empreendimento localizado na encosta entre a Rua Democrata e a Avenida Lafayete Coutinho (Contorno), área de proteção rigorosa e vedada à construção. Também nesse contexto estão ameaçados de expulsão, desde 2010, dos moradores da Vila Coração de Maria, na Rua Democrata, pela Irmandade São Pedro dos Clérigos, proprietária dos imóveis da Vila. Contudo o projeto de maior monta, de proposição da Prefeitura Municipal, foi o “Projeto de Humanização do bairro Santa Tereza”, que propunha intervenções em uma considerável porção do bairro, incluindo ruas, largos e imóveis vazios. Essa proposta de investimentos do poder público vem a reboque dos projetos da iniciativa privada10 – investidores vinculados ao ramo do turismo, especialmente hotelaria e entretenimento, e à especulação imobiliária – com o propósito de

9 Nesse momento da pesquisa, mas apenas como ponto de partida, foram aceitas as definições de bairro adotadas por cada lugar, seja na legislação de cada município, seja pela afirmação daqueles que neles residem. Uma reflexão mais detida sobre o conceito de bairro será realizada mais adiante, na seção 3. 10 Esses projetos e a caracterização desses agentes serão mais detalhados na seção 3, mais especificamente na subseção 3.4. 28 viabilizar a realização de lucros imobiliários por parte desses agentes (proprietários de imóveis e com projetos elaborados para a área). A proposta se articulava ainda com o interesse de transformação do bairro e da área do Centro Antigo da cidade – que possuem predominância de usos residencial e de comércio e serviços – em áreas de atividade turística, substituindo as populações existentes e as práticas cotidianas dos lugares por elas habitados e frequentados por outras, voltadas para grupos sociais de renda mais elevada. A atração dessa nova população requer investimentos públicos e privados para a reconfiguração de bairros antes populares em espaços que contenham equipamentos e serviços específicos de consumidores de padrões de renda mais elevados.

Figura 1 – Localização do 2 de Julho em Salvador

Fonte: Lugar Comum (2016).

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Toda essa movimentação dos setores públicos e privados em prol da renovação do bairro gerou fortes reações entre moradores e seus apoiadores, que constituíram um grupo em defesa do bairro, o Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho (MNB2J), e engendraram diversas ações de resistência, dando visibilidade aos projetos públicos e privados que não previam ações para a permanência dos moradores. Dentre essas ações estão a promoção de debates públicos sobre esses temas e sobre o futuro do bairro e do Centro Antigo, além da articulação com outros agentes – Ministério Público da Bahia, Defensoria Pública da Bahia, Universidades, assessorias técnicas e outros movimentos e entidades da cidade – para discutir e disputar o planejamento e projetos na escala municipal que afetam o bairro direta ou indiretamente. Essas reações e articulações fizeram com que o projeto fosse oficialmente retirado pela Prefeitura. O MNB2J se manteve ativo após a retirada do projeto, ampliando sua pauta de resistência e permanência para a construção do bairro que seus moradores desejam. Após essa vitória, no entanto, o bairro continuou a sofrer pressões dos poderes públicos e privados – esses últimos sempre se articulando com o poder público para viabilizar seus interesses – com projetos como: a reforma de Largos e de um mercado sem participação dos moradores e com ações de expulsão dos feirantes de rua; a construção de um teleférico na Ladeira da Preguiça, cuja proposta inclui demolição de casas e expulsão de moradores; a criação de um Fundo de Investimento Imobiliário, que pretende investir recursos do Governo do Estado para promover a financeirização da especulação imobiliária no bairro. Nesse contexto, por demanda do MNB2J e em parceria com o grupo de pesquisa Lugar Comum, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, foi elaborado o Plano de Bairro para o 2 de Julho (LUGAR COMUM, 2016), com uma proposta participativa e que unia interesses de melhoria das condições de vida do bairro, com o fortalecimento dos moradores e dos movimentos sociais, bem como dos laços entre o MNB2J e o grupo Lugar Comum. O plano de bairro foi elaborado entre fevereiro de 2014 e janeiro de 2017 e foi entremeado (e também sucedido) por atividades de assessoria técnica e política aos moradores em questões consideradas críticas, como, por exemplo, a ameaça de fechamento do posto de saúde localizado no bairro, os decretos de desapropriação e a ameaça de 30 expulsão de moradores e, após a conclusão das atividades do Plano de Bairro, a delimitação do Bairro 2 de Julho como Centro na Lei de Bairros de Salvador.11 Os projetos e ameaças descritas acima, bem como o processo de resistência dos moradores, foram as principais justificativas para a elaboração do plano de bairro pelo grupo Lugar Comum e também são justificativas para a escolha do 2 de Julho como estudo de caso desta tese. Além disso, existe a peculiaridade de os moradores terem iniciado a elaboração do seu plano e de terem solicitado a assessoria da Faculdade de Arquitetura da UFBA para conseguir prosseguir com essa tarefa – aqui é importante admitir que a participação da autora desta tese em todo o processo de elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho teve peso decisivo. O enfrentamento de diferentes agentes (Prefeitura, Governo do Estado, moradores, universidade, investidores imobiliários) com forças tão desproporcionais e com resultados por vezes inesperados (como a permanência dos moradores da Vila Coração após oito anos de litígio e a retirada do projeto de humanização pela Prefeitura) e a clara disputa desses agentes pelo processo de produção do espaço urbano no bairro foram ainda pontos-chave que mostraram a viabilidade e a necessidade de estudo sobre o 2 de Julho.

1.4 ESTRUTURA DA TESE

A estrutura da tese será seccionada em cinco seções: esta Introdução e mais quatro seções. A seção 2 traz as primeiras reflexões teóricas, que aparecem desde o início do trabalho, para orientar o leitor sobre o entendimento prévio de questões como o planejamento urbano como estratégia política para a produção do espaço e o direito à cidade. Esses conceitos e reflexões mostram-se norteadores do trabalho e contribuem para uma leitura mais alerta das demais seções. A seção 3 será dedicada a discutir o conceito de bairro, atentando para os limites e possibilidades dessa escala de ação e reflexão. Também serão abordadas

11 A Lei Ordinária de nº 9.278/2017 (SALVADOR, 2017) delimita e dá nomes a 163 bairros de Salvador, revogando a Lei nº 1.038/1960, que delimitava apenas 32 bairros no município. O bairro 2 de Julho fazia parte do bairro Centro (uma crítica à proposta de delimitação de bairros pode ser lida no link http://passapalavra.info/2017/09/114981), e após movimentação de organizações e moradores, de movimentos parceiros e do grupo de pesquisa Lugar Comum, a aprovação do 2 de Julho como bairro ficou condicionada a uma análise e posterior validação da demanda pela Fundação Mário Leal Ferreira, órgão responsável pela elaboração de planos e projetos do município pela Prefeitura Municipal.

31 as disputas em torno do conceito e das ações sobre a escala do bairro por agentes da produção do espaço, momento em que aproximaremos nosso olhar do caso de Salvador, identificando, nas ações de diferentes agentes (Estado, corporações/empresas e movimentos sociais), como se desenrola a disputa pelo Bairro 2 de Julho. O planejamento urbano na escala do bairro também será analisado nessa seção, por meio das experiências realizadas em Salvador a partir da década de 1970, com destaque para a elaboração de planos de bairros para as Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS) anos 2000 (SALVADOR, 2005a, 2005b, 2006, 2007, 2008a, 2008b, 2008c, 2009, 2010), e nos planos elaborados pela Universidade Federal da Bahia, dentre eles o Plano de Bairro 2 de Julho (LUGAR COMUM, 2016). A análise mais aprofundada sobre a elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho estará disponível na seção 4, onde também serão expostas as motivações para sua elaboração e detalhes do processo, como, por exemplo: que o trabalho de assessoria da universidade precisou incorporar as demandas e os conflitos locais sem perder a perspectiva de conclusão do plano; o afastamento dos moradores das atividades do plano por um longo período; e a sua retomada como estratégia das lideranças do bairro no momento da construção das propostas. Na seção 5, as Conclusões, as análises se voltam para a compreensão da participação dos moradores na produção do espaço urbano por meio do processo de elaboração dos planos de bairro. Serão apontados os limites e possibilidades dessa participação e se de fato ela potencializa as chances de disputar a produção do espaço urbano, num esforço de discutir as bases reais e utópicas da participação social na atualidade e nos centros urbanos.

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2 PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

O planejamento urbano existe como prática urbanística desde a segunda metade do século XIX (HALL, 2005) e sua história tem-se revelado um campo de disputa de ideias, agentes e projetos de mundos futuros. Ao longo da história, essas disputas têm levado a formulações e práticas do planejamento por caminhos diversos, simultâneos e nem sempre confluentes. A hegemonia de alguns conjuntos de práticas urbanísticas e projetos de futuro sobre outros é resultado das disputas, das forças e dos interesses de agentes dominantes em cada contexto.

2.1 DISPUTAS EM TORNO DO URBANISMO E DO PLANEJAMENTO URBANO

De início, faz-se importante, para a construção de um diálogo mais adiante, uma discussão sobre os campos de conhecimento e ação do urbanismo e do planejamento. Essa distinção é necessária tanto pela “confusão” na sua utilização nas histórias e na atualidade sobre as intervenções urbanas – inclusive nas que serão estudadas aqui –, quanto para a delimitação do objeto de estudo desta tese, que se concentrará no estudo sobre os planos de bairro. Decerto essa “confusão” está permeada também por disputas de poder sobre esses campos – como a reivindicação de exclusividade da prática de urbanismo pelos arquitetos e urbanistas –, que deslocam esses conceitos de acordo com suas conveniências. Este tópico se apresenta, então, como uma tentativa de ampliar essa discussão, bem como de estabelecer limites ao objeto de pesquisa, que toma forma nas seções 3 e 4.

2.1.1 Urbanismo e urbanista, planejamento e planejador urbanos

É importante abrir esta discussão com a clareza de que não existe uma única definição para cada um desses conceitos, assim como não é una sua história. Essas definições ganham contornos diferentes a partir da sua prática, que se diferencia ao longo do tempo e com os contextos nos quais se veem inseridos. Exemplos disso são afirmações sobre a vinculação do urbanismo ao campo da arquitetura, chegando-se ao extremo da reivindicação de exclusividade do primeiro em relação ao segundo. Essa é uma premissa não tão recente, mas que teve como principal porta-voz o arquiteto e urbanista modernista – ou progressista, como classificado por 33

Choay (2003) – Le Corbusier, que em 1946 publica o livro Planejamento urbano, onde afirma que “o urbanista nada mais é que o arquiteto” (LE CORBUSIER, 1984, p. 14), máxima que será reproduzida em publicações de destaque sobre o tema (CHOAY, 2003; SOUZA, 2002), limitando a aplicação do termo urbanismo à organização espacial dos recursos. É verdade que naquele momento a produção do urbanismo entre os arquitetos ganhava importância, mas nunca é demais lembrar que esse termo foi utilizado e definido pela primeira vez pelo engenheiro Idelfons Cerdà, responsável pela elaboração do Plano de Expansão de Barcelona, em razão da derrubada dos muros da cidade medieval, em 1859.12 Esse é o ensejo da escrita da obra de dois volumes intitulada Teoría General de La urbanización, publicada em 1867, que traz tanto uma caracterização da cidade de Barcelona e das propostas para a sua reforma e expansão, como o que ele chamou de “princípios da ciência urbanizadora”, sua “teoria” e suas aplicações técnicas (CHOAY, 1985, p. 268). Para Cerdà, a palavra “urbanização” significava “ao mesmo tempo um fato concreto, o processo que hoje chamamos urbanização, e a disciplina normática que é o urbanismo [...] que permitem organizar cientificamente as construções dos homens” (CHOAY, 1985, p. 267). A confusão aumenta quando se tenta distinguir urbanismo de planejamento urbano ou construir sua conceituação a partir da sua diferenciação. Souza (2005), por exemplo, os considera sinônimos, com a diferença de que o urbanismo “pertence, de fato e de direito, essencialmente, à tradição do saber arquitetônico” (SOUZA, 2002, p. 56), classificando o urbanismo como um subconjunto do planejamento urbano. Essa ideia do urbanismo subordinado à arquitetura está vinculada ao seu entendimento apenas como intervenção física, como projeto urbanístico. Rovati (2013, p. 35, grifo do autor), ao dissertar sobre “as incertezas que envolvem a utilização dos termos urbanismo e planejamento urbano obscurecem a existência de campos epistêmicos distintos” e, numa tentativa de diferenciação entre esses campos, afirma que o urbanismo possui a “clara vocação disciplinar e

12 Também é verdade que a intervenção que mais influenciou o mundo no século XIX foi a Reforma de Paris, realizada entre 1853 e 1882, conduzida pelo prefeito Barão de Haussmann. No Brasil, essa reforma influenciou intervenções urbanas como a de Pereira Passos, no Rio de Janeiro, e a de J.J Seabra, em Salvador, ambas no começo do século XX.

34 contempla essencialmente a tomada de decisões relativas à concepção arquitetural”, reivindicando para este campo “uma „competência para o projeto‟”, enquanto o planejamento urbano “integra conhecimentos disciplinares diversos (economia, geografia e sociologia, entre outros) e contempla essencialmente a tomada de decisões relativas à elaboração (ou encomenda) e gestão de planos, programas e projetos”, destacando sua “competência para o planejamento e a gestão”. Aqui, mais uma vez, é importante apontar para as disputas de poder que permeiam esses campos de conhecimento e a flagrante tentativa de impor uma pretensa exclusividade do urbanismo à arquitetura, por parte das instituições responsáveis pela representação, regulação e fiscalização do exercício profissional dos arquitetos e urbanistas. No contexto internacional, a demanda por projetos de reconstrução de cidades europeias devastadas pela Segunda Guerra acirrou essa disputa e, no Brasil, essa disputa por exclusividade sobre o exercício do urbanismo foi acirrada pela ampliação do “mercado” na segunda metade do século XX,

Quando se registrou um aumento significativo do repertório de ações desenvolvidas pelo Estado brasileiro para tratar das questões referentes às áreas urbanas em crescente expansão no país. Essas ações, que já carregavam um aporte crescente das contribuições conceituais que propunham a afirmação do Urbanismo para além do projeto construtivo, têm como exemplo mais simbólico a instituição do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), que oficializou a demanda por planos diretores para os municípios do Brasil e pode ser entendido como principal objeto de disputa entre as categorias profissionais sequiosas por garantir para si a demanda de mercado aberta por essa iniciativa. (SANTOS; SOUZA, 2018, p. 65).

Nesse período, disputavam essa exclusividade os profissionais arquitetos e engenheiros. Essa disputa levou o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura – hoje Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) – a instituir a Resolução nº 218 (CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA, 1973), que definiu “o conjunto de atribuições do profissional Urbanista”, que, para ser assim considerado, deveria possuir alguma espacialização na área de Urbanismo (SANTOS; SOUZA, 2018, p. 66). Esse arranjo não foi suficiente para conter a disputa e, em 1990, o MEC13 vincula a formação de urbanista à do arquiteto, transformando todos os cursos de Arquitetura, daquele momento em diante, em cursos de Arquitetura e Urbanismo. Não por acaso, apenas

13 Via Parecer nº 714/1990 (SANTOS; SOUZA, 2018). 35 dois anos antes, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) havia instituído a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (Arts. 182 e 183), que tinha no Plano Diretor o instrumento central para sua implementação, além de tornar sua elaboração obrigatória para os municípios acima de 20 mil habitantes (BRASIL, 1988). Em 2005, dois anos após a criação do Ministério das Cidades, no lançamento da Campanha Nacional pela Elaboração de Planos Diretores Participativos, é aprovada no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) a Resolução nº 1.010/2005, que submetia as atividades do urbanismo do sistema ao campo de atuação profissional da Arquitetura e Urbanismo, que passou a englobar “tanto as atividades de natureza projetiva, como também as do planejamento urbano” (CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA, 2005; SANTOS, SOUZA, 2018). Com a criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) e a consequente saída do Arquiteto e Urbanista do CONFEA, os arquitetos tentam retirar do CONFEA atribuições dos campos do urbanismo e do planejamento urbano por meio da Resolução nº 51/2013 do CAU/BR, na tentativa – ilegal – de estabelecer atribuições privatistas aos arquitetos e urbanistas para, entre outras, a

coordenação de equipe multidisciplinar de planejamento concernente a plano ou traçado de cidade, plano diretor, plano de requalificação urbana, plano setorial urbano, plano de intervenção local, plano de habitação de interesse social, plano de regularização fundiária e de elaboração de estudo de impacto de vizinhança (CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL, 2013).

Além da atribuição citada, havia também a vedação do “desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto urbanístico” e do “ensino de teoria, história e projeto de urbanismo em cursos de graduação” (CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL, 2013). Todo esse enredo foi contado para ilustrar a importância de ter atenção aos jogos de poder ocultados nas definições e nos tensionamentos do urbanismo e do planejamento urbano para um ou outro campo do conhecimento. Essas mudanças podem originar ou serem originadas por disputas políticas sobre suas atribuições. No entanto, há também tensionamentos em direções contrárias à disputa por exclusividade do conhecimento e da atuação profissional do urbanista e do planejador. São construções de conhecimento a fim de compreender e afirmar o 36 caráter amplo e multidisciplinar desses campos, com reflexos diretos nas suas atribuições. Como vimos, já no primeiro registro e esforço de conceituação da urbanização de Cerdà,14 no século XIX, o urbanismo surgia como campo do conhecimento, como ação normalizadora e como prática de intervenção (CHOAY, 1985). Santos e Souza (2018, p. 59) ampliam esse conceito quando observam sua utilização “com um sentido comum de designar um conjunto de concepções e ações que se exerce para promover a compreensão e alteração da realidade da cidade e do urbano.” Também Villaça (2004, p. 180) oferece uma contribuição mais ampliada da definição de urbanismo, que inclui o que ele chama de três sentidos:

O primeiro corresponde ao conjunto de técnicas e/ou discursos referentes à ação do Estado sobre a cidade: corresponde, em inglês, ao city planning, ao francês urbanisme e ao português urbanismo, no sentido antigo. Esse sentido existe no Brasil desde seu aparecimento na França, no início deste século. O segundo corresponde a um estilo de vida (Wirth, 1973, publicado em 1938), sendo designado, em inglês, por urbanism; finalmente o terceiro refere-se ao conjunto das ciências – e supostas ciências – que estudam o urbano; este último sentido só passou a ser utilizado no Brasil em décadas recentes.

O primeiro sentido colocado por Villaça (2004) é talvez aquele mais compartilhado pelo senso comum, de que o urbanismo é uma prerrogativa do Estado com a finalidade de intervenção e de suposta qualificação do espaço urbano. Nesse sentido, Ferraz e França (2012, p. 7) definem o urbanismo como um dispositivo que, nas palavras desses autores, significa “um conjunto heterogêneo lingüístico e não-linguístico: discursos, instituições, edifícios, medidas de polícia, proposições filosóficas etc.”. Ele figura como dispositivo urbanístico contemporâneo, na medida em que se caracteriza como uma estratégia de governo dos homens e das coisas nas cidades (FERRAZ; FRANÇA, 2012). O planejamento urbano, para esses autores, enquanto campo de atuação do urbanismo, por conseguinte, também se enquadra na categoria de dispositivo, uma vez que tem como ocupação central o governo dos homens e das coisas e é entremeado por relações de poder e de saber. As estratégias de ação dos agentes do ramo imobiliário sobre as ações do poder público e dos moradores das cidades

14 Segundo CHOAY (1985, p. 266-267), Cerdà define urbanização como aquela que “designa ao mesmo tempo um fato concreto, o processo que hoje chamamos urbanização, e a disciplina normática que é o urbanismo”.

37 podem mudar, porém, permanece a premissa da ação de uns sobre os outros, fundamental à compreensão das relações de poder (FOUCAULT, 1995). Isso posto, e considerando o atual contexto técnico e político, assumimos a defesa do urbanismo como campo do conhecimento multidisciplinar – nunca exclusivamente – capaz de e responsável por analisar e compreender processos relacionados à urbanização e à própria construção e difusão do pensamento urbanístico – e das suas correntes. Contudo o urbanismo também é o termo adequado para designar as intervenções elaboradas com o objetivo de manutenção da ordem – e das relações de poder da qual essa é composta – e das modificações do/no espaço urbano, possibilitadas pelo conjunto de legislações urbanísticas e pela instituição de planos, políticas e projetos. Assim, o planejamento urbano se situa como um dos fazeres do urbanismo, que tanto serve à manutenção da ordem como às modificações do espaço urbano. É um fazer urbanístico que se propõe, ao mesmo tempo, a normalizar as ações humanas e a ser indutor de certo desenvolvimento – sempre contingente e resultado das correlações de força de cada momento – projetado no futuro e no espaço.

2.1.2 Urbanismo corporativo, neoliberal, de mercado

Em sua análise sobre as práticas e projetos (mesmo os utópicos) do urbanismo nas cidades do século XVII, Foucault (2008) ressalta a importância do planejamento urbano, porém o classifica como um mecanismo de segurança, nas suas diversas dimensões e funcionalidades, sempre minimizando riscos e potencializando aspectos positivos e com frequente preocupação com o futuro. Para Foucault (2008, p. 26), com o planejamento

[...] vai se trabalhar com o futuro, isto é, a cidade não vai ser concebida nem planejada em função de uma percepção estática que garantiria instantaneamente a perfeição da função, mas vai se abrir para um futuro não exatamente controlado nem controlável, não exatamente medido nem mensurável, e o bom planejamento da cidade vai ser precisamente: levar em conta o que pode acontecer.

Além de mecanismo de segurança, como aponta Foucault (2008), o planejamento urbano também se constitui em importante mecanismo de garantia de renda com a urbanização. É a prática de planejamento quem organiza as estratégias 38 econômicas e territoriais de desenvolvimento urbano e, em alguns casos, os limites das possibilidades de lucro dos empreendimentos imobiliários (com a definição dos gabaritos e coeficientes de aproveitamento dos terrenos, por exemplo). Harvey (2012 apud FERNANDES, 2013a) destaca que, historicamente, a urbanização tem se apresentado como uma das estratégias centrais de acumulação de capital e aponta ainda uma crescente tendência de expansão das cidades por sobreposição ou densificação de determinadas áreas. Muitas dessas áreas não são ocupadas justamente visando a incorporação da mais valia gerada por investimentos públicos por meio da especulação imobiliária. As grandes corporações, em especial as imobiliárias, têm figurado como agentes centrais desse processo de planejamento das cidades, que as veem como mercadorias e oportunidades para negócios (VAINER, 2007). Elas descobriram nas cidades terrenos férteis para seus investimentos e têm investido na elaboração de projetos urbanos que ocupam importantes parcelas do espaço, além de se empenharem fortemente em interferir na elaboração das suas normas e estratégias de desenvolvimento. Esses são os motivos pelos quais Fernandes (2013a, p. 88) afirma que “o campo de ação corporativa é urbano, mas é também urbanístico”. Com essa análise, a autora ressalta que a atuação das corporações passou a extrapolar o mero uso e apropriação (privada) do espaço urbano e de sua renda imobiliária, por meio da atuação direta dessas corporações na produção de grandes extensões urbanas.15 Assim, a definição da ordem urbanística16 entra na agenda das corporações imobiliárias como ação estratégica de ampliação de investimentos. O aumento da possibilidade de verticalização por si só, via alteração do mapa de gabaritos da cidade, já aufere lucro imobiliário ao proprietário que, apenas com uma “canetada”, vê seu imóvel valorizado. Exemplo disso foi o caso do aumento de gabaritos (limite

15 Os exemplos utilizados pela autora são a produção do urbanismo corporativo no Brasil, por meio da construção de bairros e até cidades inteiras planejados, apontando como casos emblemáticos as corporações Alphaville Urbanismo S/A, Cyrela, Odebrecht e JHSF. 16 “Uma ordem urbanística pode ser compreendida como a existência de padrões e regras de uso e ocupação do solo urbano, definidos a partir de relações de interesse e de poder e de correlações de forças sociais, e traduzidos juridicamente em leis, atos e decretos. A ordem urbanística articula, portanto, critérios para produção da materialidade da vida urbana à complexa espera da construção de direitos sociais, a qual expressa práticas e lógicas de produção e de socialização da riqueza social, assim como práticas societárias objetivas e subjetivas, em seus vários âmbitos (cultural, político, ambiental, social, econômico). Ou, mais simplesmente ainda, a cada combinação entre formas de direito, de poder e de estratificação social, uma forma de urbanismo”. (FERNANDES, 2013, p. 88). 39 de altura para edificações) na Orla de Salvador, viabilizado pelo seu Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano em 2008, fruto de processos de negociação com empreendedores imobiliários e proprietários de terras na cidade, chegando ao extremo de definição de gabarito por lote.17 Processos como esse revelam a forte articulação das corporações imobiliárias com o poder público, não no sentido da sua submissão às normas exigidas, nem na construção de cidades menos injustas ou mesmo de cidades saneadas e fluidas, mas no sentido da garantia da ampliação dos seus lucros imobiliários. Os gestores públicos municipais acatam as pautas e demandas desses investidores, seja em benefícios e acordos individuais, seja por acreditar na possibilidade do investimento como motor de desenvolvimento do lugar. Dessa maneira,

Enquanto formas hegemônicas de organização, as corporações atuam paralela, simultânea e articuladamente com o setor público, em estreita sintonia com os próprios processos de definição das políticas e prioridades públicas de intervenção nas cidades. Assim, à definição de SANTOS de cidade corporativa, [...] construída a partir da captura progressiva do poder público pelo interesse corporativo privado, poder-se-ia agregar o próprio processo de produção da cidade por atuação direta das corporações, seja nos já tradicionais espaços produtivos ou comerciais, mas, sobretudo e particularmente, na produção de novas centralidades terciárias – culturais e de serviços – e na criação de novas cidades ou extensões urbanas, com destaque para os condomínios fechados. (FERNANDES, 2013a, p. 87).

Essa forma de atuação do mercado imobiliário nas cidades se inclui no contexto que Gordilho-Souza (2018, p. 250) chamou de urbanismo neoliberal, que tem como objetivo “mobilizar os espaços da cidade e o crescimento orientado tanto para o mercado, quanto para as práticas de consumo das elites, garantindo, ao mesmo tempo, a ordem e o controle de populações excluídas”. Segundo a autora, essa prática de urbanismo é viabilizada por “conexões entre os processos de neo- liberalização com as transformações urbanas”, que colocam as cidades como “centros estratégicos para o avanço desigual dos projetos de reestruturação neoliberal e as sequelas de crises” (GORDILHO-SOUZA, 2018, p. 250). As políticas urbanas resultantes desse processo articulam, como estratégia de dominação, tanto “o desmantelamento de formas institucionais”, como “o lançamento de novos modos

17 Dois casos emblemáticos foram o do antigo Clube Português, na Pituba, que passou a ter limite de verticalização de 54 metros, e o de um terreno na praia do Buracão, o qual a capacidade de verticalização subiu para 30 metros e cuja ocupação deverá ser feita apenas para o uso de hotelaria (REBOUÇAS, 2016).

40 de regulamento institucional e novas formas de gerenciamento de estado” (GORDILHO-SOUZA, 2018, p. 250). Schiavo e Gelfuso (2018, p. 424), por sua vez, numa reflexão sobre esse processo nas cidades latinoamericanas, o definiram como “urbanismo de mercado” capaz de reconstituir, em cada ação, “relaciones a distintas escalas entre los actores institucionales y económicos involucrados, como son los gobiernos locales y el sector financiero, particularmente articulado al inmobiliario” substituindo “lógicas regulatorias por lógicas competitivas”. O setor imobiliário, aliando-se ao setor financeiro, se destaca aqui como o salvador do processo de desindustrialização e de crise econômica, “como un generador de valor y plusvalías mediante la renta del suelo” (SCHIAVO; GELFUSO, 2018, p. 426). Essa dinâmica reforça o desenvolvimento da cidade pautado por interesses privados, que determinam seus territórios de prosperidade e de precariedade (urbanísticas). Esses autores também ressaltam a importante atuação dos governos locais – em contradição com a premissa de diminuição do Estado –, que além das suas ações e omissões,

[...] impulsionam legislaciones urbanísticas permisivas, favorecen urbanizaciones discontinuas, promueven grandes desarrollos urbanos y centralidades excluyentes o realizan recalificaciones de suelo en la periferia rural para favorecer a inversores privados, estimulando el llamado boom inmobiliario y las operaciones especulativas. (SCHIAVO; GELFUSO, 2018, p. 426).

Em resumo,

Los modelos de ciudad hegemónicos, arquetipos aceptados por actores estratégicos del sector privado y por los gobiernos locales, se posicionaron como articuladores de intereses público-privados, cuyo poder de decisión en torno a la planificación urbana resulta central para fomentar un tipo de crecimiento excluyente. Por tal motivo, incluso en los gobiernos pos- neoliberales persiste la desigualdad social asociada a la fragmentación territorial. (SCHIAVO; GELFUSO, 2018, p. 437-438).

Questões da ordem da ampliação da renda imobiliária corporativa muitas vezes inviabilizam a fluidez da circulação, o saneamento das questões biológicas e políticas nas cidades, questões centrais ao planejamento urbano e à definição do urbanismo como dispositivo de poder e consequente governo dos homens e das coisas (FOUCAULT, 2008). Comprometendo a ideia de futuro inerente ao próprio ato do planejamento, esses investidores continuam sua produção imediatista e 41 desenfreada de espaço urbano, cujas definições vêm sendo pautadas pela hegemonia dos investidores imobiliários, retalhando a produção da cidade a partir de seus interesses específicos.18 Assim, para além do interesse do Governo sobre os homens, o planejamento urbano tornou-se mecanismo de garantia de obtenção de renda imobiliária.

2.1.3 Críticas a práticas de planejamento urbano no Brasil

No Brasil, o planejamento urbano, em especial a figura do Plano Diretor.19 ainda possui grande importância normativa, pois é ela a responsável, constitucionalmente, por definir os grandes investimentos públicos e privados nos municípios. Sua crescente disputa por parte de grandes corporações e mesmo médios investidores imobiliários apenas confirma a hipótese de que esse é um campo de relações de poder que merece e precisa ser disputado. Assim, entender as lógicas que regem essa disputa e identificar seus mecanismos, como nos mostrou Foucault (1995), nos parecem esforços fundamentais para lançar a essa ferramenta de desenvolvimento urbano como um instrumento de “ação sobre a ação dos outros”, ou seja, mecanismos de poder. O que não se pode perder de vista é o campo mais ou menos aberto de possibilidades de ação dentro desse dispositivo de poder que é o planejamento urbano. É um campo estratégico de disputa por

18 “Poderíamos então apontar algumas relações fundantes que se estabelecem na implementação desses empreendimentos corporativos. Em primeiro lugar, do ponto de vista da negociação para a liberação dos mesmos, parece incidir uma grande assimetria de poder entre o público (particularmente pequenos municípios) e o privado, entrando o público muitas vezes refém da pressão pela criação de empregos e crescimento econômico e da ameaçadora competição de lugares. Há também situações em que o poder público é francamente aderente a essa forma de condução da produção da cidade. Em segundo lugar, do ponto de vista da produção de espaços, a segregação social e espacial é uma das marcas. É um urbanismo contra a cidade. Enquanto condomínios fechados, o desenho é em geral pensado para negar o entorno e o contexto, com pouquíssimas relações com as áreas ou bairros circunvizinhos, inclusive di ponto de vista da articulação da malha urbana” (FERNANDES, 2013, p. 102). 19 Desde a Constituição Federal de 1988, o Plano Diretor aparece como “instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana” (BRASIL, 1988) e passou a ser obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes – obrigatoriedade que posteriormente foi ampliada pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Villaça (2004) afirma que nem o planejamento urbano, nem o plano diretor extistiam no Brasil antes de 1930, ano em que é concluído o “Plano Agache” para o Rio de Janeiro. Desde então, o Plano Diretor tem assumido diferentes propósitos e conteúdos, sem, no entanto, abandonar sua vertente compreensiva – do comprehensive planning – com forte influência do planejamento regional teorizado por Geddes e Munford (CHOAY, 2003 ; HALL, 2005). O Plano Diretor do qual falaremos nesta seção é aquele cujo conteúdo é estruturado pelo Estatuto da Cidade e pelo Conselho Nacional das Cidades (CONCIDADES), na Resolução nº 34/2005, e de metodologia participativa, estabelecida também pelo CONCIDADES, na Resolução nº 25/2005. 42 diversos agentes atuantes nas cidades, que não apenas as corporações imobiliárias. Disputar esse campo e reagir conscientemente frente ao exercício de poder sobre si e sobre os outros é de fundamental importância para dar visibilidade a essas relações e causar-lhes instabilidade. A constatação dessa necessidade reforça caminhos das práticas de planejamento urbano no sentido da politização do seu processo. Em 1979, após a fracassada experiência de elaboração de Planos de Desenvolvimento Local Integrado pelo governo militar (MONTE-MÓR, 2008, 2007, 2006; VILLAÇA, 2004) e no bojo da ascensão dos movimentos sociais no Brasil – com pautas que incluíam desde a redemocratização do país até a melhoria das condições de vida das crescentes populações habitantes de áreas precárias das cidades –, Rattner (1979, p. 8-9) já destacava essa necessidade quando afirmava que

É o processo do planejamento, no qual se visa adequar os meios aos objetivos enunciados, que pode ser útil, mesmo quando os próprios planos se mostram inadequados. A formulação de objetivos propicia um estímulo para a ação, mesmo que esses objetivos tenham que ser modificados à luz dos resultados parciais do processo essa função de estimular a ação, ou formulação de objetivos, alcançará sucesso somente na medida em que houver flexibilidade nas decisões e participação de todos os envolvidos, pois caso contrário, a inovação é impedida e o plano se torna estéril.

O contexto das ideias de Rattner (1979) vinha de uma reflexão crítica sobre as práticas do comprehensive planning e sua associação com a teoria de sistemas (HALL, 2005; RATTNER, 1979; VILLAÇA, 2004) – para Rattner (1979, p. 12, grifo do autor), o problema não consistia “na elaboração de „planos melhores‟ e mais complexos, mas na abertura de vias de comunicação e de participação política e cultural” –, e também sobre o que se configurou como uma reação participacionista a esses modelos “burocrático-autoritários”, que foram o advocacy planning e seu derivado, o planejamento comunitarista, nos Estados Unidos dos anos de 1960. Em ambas as práticas, partia-se de uma espécie de crença na mudança nos papéis desempenhados no processo do planejamento, recolocando a figura do planejador mais como um orientador do processo, tendo a participação e o envolvimento das populações afetadas como suas principais bandeiras. Elaborado na década de 1960, o advocacy planning teve suas premissas e propósitos condensadas no artigo de Davidoff (1965, p. 423) que afirmava que “the society of the future will be an urban one. and city planners will help to give it shape 43 and content”. Esse planejamento geralmente se apresentava como ferramenta de reivindicação junto aos poderes públicos com o objetivo de melhorar as condições de vida dos habitantes de uma determinada localidade – ou da sociedade como um todo, como afirmava Davidoff (1965). Todavia, a principal marca do advocacy planning está no papel do planejador, que deveria negar sua tão proclamada neutralidade técnica e ser “more than a provider of information, an analyst of current trends, a simulator of future conditions, and a detailer of means. In addition to carrying out these necessary parts of planning, he would be a proponent of specific substantive solutions” (DAVIDOFF, 1965, p. 425). Segundo Hall (2005, p. 394), “resultou daí uma estrutura essencialmente norte-americana: democrática, localmente alicerçada, pluralista, mas também legalista, visto que fundamentada no conflito institucionalizado”. A principal crítica feita por Rattner (1979, p. 143) ao advocacy planning e ao planejamento comunitarista coloca uma questão central ao planejamento, que é “quem terá poder para definir quais sejam os problemas mais urgentes e, portanto, para decidir sobre a alocação e o controle dos recursos disponíveis?”. Afinal, como ele mesmo afirmou, um plano melhor – ou mesmo perfeito –, por si só, não seria suficiente para reverter o quadro de precariedade das aglomerações urbanas, uma vez que é sustentado por desigualdades sociais que, como vimos, se perpetuam – e em muitos casos se agudizam – com a ampliação do poder das empresas privadas sobre o Estado. Então, decidir sobre a destinação de recursos públicos e ampliar os mecanismos de gestão democrática se apresentavam como estratégias fundamentais. Essa também era uma das grandes questões dos movimentos sociais urbanos da década de 1970, marcada ainda por uma intensa luta pela redemocratização e uma definitiva ruptura com a ditadura militar (BURNETT, 2009), que governou o país por penosos 21 anos. Os movimentos sociais que se organizavam em torno dessas pautas mais amplas – embora cada movimento tivesse suas próprias pautas – eram fragmentados e compostos por diferentes perfis populacionais – embora com presença destacada dos movimentos em defesa e pela melhoria dos bairros, mas também de organizações de mutuários, favelados, posseiros, arquitetos, engenheiros, advogados etc. (TANAKA, 2017). Sua articulação se dá a partir do apoio das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), das 44

Pastorais da Igreja Católica e da Articulação Nacional do Solo Urbano (ANSUR) (BURNETT, 2009; TANAKA, 2017). A articulação desses e mais segmentos em torno da democratização do país foi o caldo necessário para unir movimentos sociais urbanos na construção de propostas de inclusão da pauta da reforma urbana na apelidada Constituição Democrática, por meio do recém-criado Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU). Essa articulação e um consistente e capilarizado trabalho de mobilização popular conseguiu levantar 150 mil assinaturas para a proposição de uma Emenda Constitucional de Iniciativa Popular, que resultou na inclusão do Capítulo da Política Urbana (Arts. 182 e 183) na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). O MNRU – que logo se assumiu Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) – manteve-se atuante na elaboração de outros instrumentos legais, dentre os quais destacamos o projeto de lei de iniciativa popular para a criação do Fundo Nacional de Moradia Popular (FNMP) em 1991, a regulamentação do capítulo da Política Urbana da CF/88, com a elaboração do projeto de lei do Estatuto da Cidade (aprovado apenas em 2001) e a Carta de Princípios sobre o Plano Diretor, que defendia a democratização do planejamento, apresentando as “condições para elaboração de planos diretores que considerassem as demandas populares” (FARIA, 2016). Enquanto a regulamentação do capítulo da Política Urbana da Constituição de 1988 não era aprovada, buscou-se implementar, na década de 1990, uma nova corrente do planejamento urbano, o planejamento estratégico, inicialmente difundido nos Estados Unidos, parte da Europa e, mais adiante, em países da América Latina. Essa corrente se aproveita das crises financeiras dos países de economia neoliberal como terrenos férteis para a formação do consenso sobre a necessidade de retomada do crescimento a qualquer preço, que estimula a sensação de patriotismo de cidade (VAINER, 2007). É nesse espaço de irrestrita complacência que essa modalidade de planejamento se afirma, de acordo com a crítica de Vainer (2007), refletindo a cidade como: a) mercadoria, que passa a ser qualificada pelo mercado externo, em busca de atração das grandes empresas do terciário avançado e de uma demanda de turistas solváveis e; b) como uma empresa, dentro de um contexto de competitividade urbana, com a prerrogativa de novos atores (públicos e privados), num processo de empresariamento da gestão, num jogo de vale-tudo para a atração de grandes investidores. 45

Segundo Vainer (2007), a difusão desse modelo de planejamento surge a partir da descrença no planejamento tecnocrático modernista, que também tinha seu modelo inspirado em empresas, refletindo a racionalidade taylorista no ambiente construído da cidade, que deixava de atender à nova dinâmica do modelo flexível de produção. A cidade da produção do terciário avançado deveria, desse modo, ter seu planejamento adequado a essa nova dinâmica, transplantando para as cidades o modelo de planejamento estratégico adotado nas empresas contemporâneas. A principal experiência de implementação desse modelo no Brasil foi o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, elaborado em 1993, em parceria com a Federação das Indústrias (FIRJAN) e a Associação Comercial (ACRJ), porém, diversos municípios aproveitaram o vácuo da regulamentação da CF/88 e o financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento para também elaborar seu plano estratégico. Após décadas de domínio do “técnico” sobre o político nos discursos e nos processos de planejamento urbano e após a (não superada) ameaça do planejamento estratégico – método que promete a aliança da técnica com a eficiência empresarial para produção de planos –, em 2001 é aprovado o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), Lei nº 10.257/2001, e nele, entre outros instrumentos, o conteúdo mínimo do plano diretor, que desde a CF/1988 é o instrumento obrigatório para a instituição da política municipal de desenvolvimento urbano e o responsável por assegurar “o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas” (BRASIL, 2001). Em 2003, com a vitória do Partido dos Trabalhadores nas eleições presidenciais, é criado o Ministério das Cidades (MCidades) e o Conselho Nacional das Cidades (CONCIDADES), instrumento de gestão democrática composta por diversos segmentos da sociedade,20 responsável por estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Em setembro de 2004, em razão da proximidade de encerramento do prazo de cinco anos determinado pelo Estatuto da Cidade para os municípios elaborarem seus Planos Diretores Participativos (PDPs), o CONCIDADES lança a Campanha Nacional de Sensibilização e Mobilização visando à elaboração e implementação de

20 Entre eles setor produtivo; organizações sociais; ONGs; entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa; entidades sindicais; e órgãos governamentais. 46

Planos Diretores Participativos, que tem como “objetivo de construir cidades includentes, democráticas e sustentáveis.” (BRASIL, 2004). Essa campanha recomendava ao MCidades “apoiar materialmente as atividades dos núcleos mobilizadores” (BRASIL, 2004) e definia que os planos fossem orientados mediante três eixos estruturadores: “I – a ampliação do acesso á terra urbanizada, legalizada e bem localizada para todos; II- a justa distribuição dos ônus e benefícios do crescimento urbano; III – a participação de todos os segmentos no planejamento e na gestão das cidades.” (BRASIL, 2004). Os detalhes quanto ao conteúdo mínimo dos planos e sobre o processo participativo foram regulamentados, respectivamente, pelas Resoluções nº 34 (BRASIL, 2005b) e nº 25 (BRASIL, 2005a) do CONCIDADES. A Rede de Avaliação e Capacitação para a Implementação dos Planos Diretores Participativos, coordenada pelo Observatório das Cidades/IPPUR/UFRJ e promovida pelo próprio MCidades, avaliou os resultados dessa Campanha entre 2008 e 2011 e verificou que houve um salto significativo no número de Planos Diretores elaborados de 805, em 2005, para 2.318, em 2009,21 significando um incremento de 288% em quatro anos. No entanto, o que essa avaliação mostrou é que, mesmo com a promoção de processos participativos e sua grande maioria prever a incorporação de instrumentos de acesso à terra urbanizada, políticas para habitação e saneamento e orientações sobre mobilidade e transporte, o rebatimento territorial dessas propostas (com demarcação desses instrumentos e de ações dessas políticas em mapas) é bastante reduzido (SANTOS JÚNIOR; MONTANDON, 2011). Com isso, mesmo com os massivos esforços a fim de possibilitar a ampliação da utilização do plano diretor como instrumento para a redução da precariedade urbana e a busca da “qualidade de vida” e justiça social, o que se viu foi uma massiva burocratização do planejamento urbano, seja no seu processo – que buscava ser participativo –, seja no seu produto, o plano. É importante que se diga que a grande maioria dos planos foi elaborada mediante terceirização e contratação de empresas de consultoria, que muitas vezes se habilitavam para a elaboração de diversos planos simultaneamente, o que contribuiu para o processo de

21 Faria (2016, p. 320) afirma que “em 2013, 90% dos municípios com mais de 20 mil habitantes informavam possuir planos diretores, e outros 6% informavam que os tinham em elaboração”. 47 burocratização da participação, resultando em conteúdos repetitivos e descolados das realidades dos municípios. Também a despeito dos esforços na construção de parâmetros para a garantia de processos participativos na elaboração desses planos, o que se percebe é que, com a burocratização desses processos e dos canais institucionais de participação, como os conselhos (OLIVEIRA, 2013), se contribuiu, ao final, para mais uma rodada – a maior da nossa história – de esvaziamento político dos processos e dos produtos do planejamento urbano.22

2.1.4 Novas disputas pelo urbanismo e pelo planejamento urbano e sua contribuição para a produção do espaço urbano

No Brasil, a frustração acumulada com a experiência de elaboração em massa dos Planos Diretores Participativos desencadeou uma nova onda de descrença em muitos teóricos do planejamento, coletivos, movimentos sociais e planejadores. O próprio Estado se vê motivado a elaborar seus planos diretores – ainda de acordo com as regras dos PDP, afinal, ainda não foram criadas novas – apenas nos parcos casos de comprometimento com a promoção do bem-estar social (RATTNER, 1979), mas, principalmente, por demanda de empresas e agentes imobiliários que desejam alterar as normas e incluir projetos estratégicos para seus negócios – além dos casos em que são constrangidos ou coagidos pela atuação dos Ministérios Públicos Estaduais. No entanto, com apontado na seção 1, é possível observar, em diferentes lugares do Brasil, diversas iniciativas de coletivos e movimentos sociais com o objetivo de planejar seus bairros. Eles elaboram seus planos por conta própria, fora da institucionalidade dos sistemas de planejamento municipais, contando com colaborações de planejadores voluntários, na maioria das vezes. Em sua tese de doutorado, Tanaka (2017, p. 265) reúne e analisa experiências do que ela denominou “planejamento alternativo” no Brasil, em que o ato de planejar “é acionado como recurso por aqueles em princípio destituídos de poder por sua condição de classe e pela posição que ocupam na cidade”. Essas experiências e, ao que parece, esse tipo de planejamento se colocam como um

22 Em uma análise dos processos de elaboração dos Planos Diretores Participativos, Oliveira (2013, p. 15) afirma que “nunca se participou tanto na definição de coisas sem importância”. 48 instrumento de contestação, ou como uma alternativa a projetos urbanos que desrespeitam os direitos dos sujeitos envolvidos, “instaurando um conflito social” (TANAKA, 2017, p. 268). Esses sujeitos, segundo a autora, seriam “a população organizada, que passa a se reconhecer enquanto coletivo político, [...] que se organiza para planejar” (TANAKA, 2017, p. 268-269). Vale destacar que os casos estudados pela autora se encontravam em situação de conflito direto com o Estado e/ou com proprietários imobiliários e acabaram por adotar o planejamento como ferramenta de disputa para permanência e melhoria das suas qualidades de vida urbana. As reflexões de Tanaka (2017) acerca das situações e propostas por ela analisadas recorrem a teorias sobre o planejamento urbano em que este é submetido aos anseios dos seus moradores-militantes, seja como ferramenta de resistência e contestação, seja como ferramenta de construção de realidades outras que passam, nos casos por ela analisados, pela melhoria nas condições urbanísticas de cada local. Nesse sentido, duas formulações importantes – e pertinentes a este trabalho – a que essa autora recorre são a de planejamento insurgente, elaborado por Miraftab (2009), e a de planejamento radical, desenvolvido por Friedmann (1987). O conceito de planejamento insurgente emerge, segundo Miraftab (2009), da prática do planejamento radical, teorizado por Friedmann em 1987, num contexto de reflexão sobre as experiências de advocacy planning e de community planning, praticado nos EUA como forma de mediação entre comunidades locais e o Estado – onde o papel do planejador era de defesa dos interesses das populações atingidas por algum conflito. Esse planejamento radical também se apresenta como uma prática contestatória, mas seu elemento central é a mobilização social para a transformação social, em que o conhecimento técnico se alia a múltiplas linguagens, desenvolvendo-se “mediation of theory and practice in social transformation”, (FRIEDMANN, 1987 apud MIRAFTAB, 2009, p. 34). O processo de planejamento insurgente também emerge de práticas e de movimentos sociais, especialmente aqueles engajados em desestabilizar governos neoliberais e suas estruturas de dominação, além da busca pela transformação social e dos seus espaços de vida. A formulação de Miraftab (2009) acerca do planejamento insurgente surge da crítica aos espaços institucionalizados de participação, conduzidos pelo Estado, com o propósito apenas de legitimar suas 49 ações, sem abertura para construções de fato coletivas. Partindo dessa crítica e de estudos empíricos, Miraftab (2009, p. 35) afirma que os movimentos insurgentes, são aqueles que

[…] do not constrain themselves to the spaces for citizen participation sanctioned by the authorities (invited spaces); they invent new spaces or re- appropriate old ones where they can invoke their citizenship rights to further their counter-hegemonic interests. Fluidity characterizes insurgent citizenship practices: through the entanglement of inclusion and resistance they move across the invited and the invented spaces of citizenship.

Fluidez e flexibilidade são características importantes desses movimentos, que, quando lhes convém, se utilizam de canais formais de negociação com o Estado e mobilizam discursos em defesa de direitos como abrigos e meios de subsistência, mas estão sempre dispostos a questionar os limites desses mesmos direitos para avançar na reivindicação de transformações, inclusive de espaços de poder. Essa é a lógica dos espaços convidados e dos espaços inventados (invited and invented spaces, respectivamente): os movimentos aceitam participar de espaços formais e institucionais promovidos pelo Estado, os espaços convidados, ao mesmo tempo em que criam espaços e ações coletivas – os espaços inventados – que confrontam diretamente o status quo (MIRAFTAB, 2009). Nesse sentido,

To promote social transformation, insurgent planning has to disrupt the attempts of neoliberal governance to stabilize oppressive relationships through inclusion. Insurgent planning, then, constitutes radical planning practices that challenge the inequitable specifics of neoliberal governance operating through inclusion. (MIRAFTAB, 2009, p. 41).

Interessante notar que, tal como no advocacy planning e no radical planning, a relevância está no processo de planejamento, na sua prática, e não no planejador. O agente do planejamento, então, não precisa do profissional planejador para a realização da sua prática e sim da multiplicidade de agentes em interação. Assim, na esteira do pensamento de Friedmann (1987 apud MIRAFTAB, 2009) sobre o planejamento radical,

[…] what insurgent planning does is to rework radical planning to reflect the selective definition and celebration of civil society and citizen participation and the challenges it poses to socially transformative planning practices in the specific context of neoliberal global capitalism. (MIRAFTAB, 2009, p. 43).

50

Uma limitação para esse pensamento, no entanto, é a sua vinculação à noção de cidadania, que limita a conquista e defesa de direitos por parte daqueles que podem ser considerados cidadãos, ou seja, “naturais” de um determinado país ou nele naturalizados. A valorização do cidadão como o detentor de direitos pode, por exemplo, excluir como agentes legítimos do planejamento urbano inúmeras populações de imigrantes reconhecidas com cidadãs do país no qual fixaram residência.23 Ainda assim, o planejamento insurgente se mostra uma importante estratégia na ruptura consciente das relações de dominação entre opressor e oprimido e na construção de futuros alternativos (MIRAFTAB, 2009). Outra importante contribuição do planejamento insurgente é com relação à sua origem, pois, embora Miraftab (2009) tenha formulado sua teoria em solo estadunidense e com influências teóricas anglo-saxônicas, sua base empírica e sua elaboração teórica vêm de estudos sobre o Sul Global, mais especificamente da África do Sul, rompendo com as produções intelectuais a partir de e sobre países do Norte e suas generalizações. Watson (2014) aponta para os sérios equívocos oriundos da generalização de ideias e transferências de políticas desses países para países do Sul, com realidades muito distintas dos seus países de origem. O mesmo ocorreu com a internacionalização da teoria do planejamento e com o transplante das melhores práticas de cidades do Norte para o Sul. A autora chama atenção para o poder e a importância da compreensão desses processos nos contextos de suas realidades e tempos (WATSON, 2014). Aprender com a prática é, para essa e outras autoras, a chave necessária para a produção de ideias e de políticas portadora dos genes de transformação das realidades de países e lugares do Sul Global (MIRAFTAB, 2009; ROY, 2017; WATSON, 2014).

2.2 PLANEJAMENTO URBANO COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA

O planejamento urbano, tal como aqui apresentado, se configura ao longo da sua prática e da sua elaboração teórica como uma estratégia utilizada pelo Estado como instrumento normalizador de ações e indutor de um desenvolvimento por ele postulado. Implica também na projeção e problematização do futuro, refletindo e potencializando a ação humana, ela também, como nos lembra Santos (2004),

23 Por essas questões é que Lefebvre (2013) propõe a substituição de cidadãos por citadinos, que não precisariam ser naturais do país em que residem. Isso possibilitaria a ampliação de direitos e da participação na vida política e na produção do espaço (LEFEBVRE, 2013; PURCELL, 2002). 51 ancorada em objetivos, finalidades e em perspectivas de futuro e de transformação do meio. Ele é usado como dispositivo de segurança pelo Estado e como estratégia para resistência e insurgência por parte de coletivos e movimentos sociais. Entretanto, de que estratégia se está falando? Para Certeau (2014), a estratégia é uma concepção própria de sujeitos de querer e poder. Esses sujeitos, na sua concepção, são as empresas, o Estado e sua administração, instituições militares e científicas e são responsáveis pelo cálculo ou manipulação de relações de forças, com o objetivo de gerir alvos ou ameaças, algo muito próximo dos modos da ação militar, das políticas estatais, que Certeau (2014, p. 93) classifica como gestos da “modernidade científica”. A estratégia à qual ele se refere é aquela que organiza as forças, as ações e movimentos, tanto no pensamento como no espaço.

As estratégias são, portanto, ações que, graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. (CERTEAU, 2014, p. 96).

Seguindo o pensamento de Certeau (2014), para pensar algumas das práticas urbanísticas, talvez possamos pensar que ações da administração pública local, como o ordenamento do território e o planejamento urbano, são operações estratégicas, na medida em que conseguem imprimir aos espaços e lugares normas globalizantes de agir, de ocupar, de usar e mesmo de pensar. A estratégia tem ainda como característica uma visão globalizante (ou totalizante), que Certeau (2014) afirma escapar ao homem ordinário24 que, por sua vez, age no cotidiano e dentro de normas pré-concebidas por outros, os sujeitos de poder, a partir das estratégias construídas por esses últimos. A tática, em oposição à estratégia, é também uma ação calculada, mas daqueles cuja principal característica é a ausência de poder, ela opera “lance por lance” e se utiliza das “falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário” (CERTEAU, 2014, p. 95). É a astúcia no descumprir das normas constituídas. É o que garante ao destituído do poder – de criar suas próprias normas – gerar movimentos capazes de mudar a organização do espaço.

24 Para Certeau (2014, p. 55), o homem ordinário, a quem ele dedica o livro A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer, é o personagem comum, aquele que vive o cotidiano e que opera nessa escala de ação, no espaço, é o “herói comum” o “caminhante inumerável”. 52

As táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do espaço, às relações entre momentos sucessivos de um „golpe‟, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos etc. (CERTEAU, 2014, p. 96, grifo do autor).

Segundo esse pensamento, o homem ordinário não seria capaz de operar estratégias, pela sua falta de poder e de visão globalizante, apenas de ações táticas, que embora operem com horizontes mais curtos e um tanto em reação-subversão das normas existentes, ainda assim teria a potência de desorganizar e reorganizar o espaço, criando regulações cotidianas. Todavia, o que acontece quando o homem ordinário, em associação com outros (também ordinários), decide criar suas próprias normas e previsões de futuro – de certa forma totalizantes –, organizando suas ações de maneira coletiva e tendo como perspectiva a transformação do seu cotidiano? E quando essa decisão toma como instrumento o planejamento urbano, que possui suas origens na necessidade de organização da vida e do futuro? Se entendemos o planejamento urbano como projeção e problematização do futuro com o objetivo de transformação do meio e como mecanismo de segurança, o planejamento aqui tratado se configura como uma operação estratégica, nos termos de Certeau (2014). Se é assim, será que podemos entender o planejamento urbano construído pelos homens ordinários/moradores como uma operação no campo da estratégia, ainda que sejam esses agentes destituídos do poder normalizador? Antes de nos agarrarmos à primeira elaboração que nos ocorre, é importante destacar que a concepção de estratégia de Certeau (2014) é de fato muito particular à sua obra. Essa noção de estratégia atrelada exclusivamente a sujeitos de poder não é muito difundida nas discussões sobre o tema. Embora sua produção tenha inspirado muitos estudos subsequentes sobre a cultura e as práticas cotidianas, esses estudos tendem a concentrar seus esforços de análise empírica nas táticas e astúcias como operações privilegiadas do homem ordinário, valorizando sua imprevisibilidade de ação e sua criatividade como prenhes de potência – que de fato são. O termo estratégia pode adquirir distintos contornos e mesmo direções, a partir das disciplinas e dos propósitos de cada agente. Nas teorias dos movimentos sociais (dos séculos XX e XXI), a discussão sobre estratégia política está mais proximamente relacionada a uma corrente de 53 pensamento de origem norte-americana, a Teoria do Processo Político (TPP),25 que se consolidou pelos seus esforços na compreensão dos chamados “novos movimentos sociais”.26 Segundo Alonso (2009, p. 53), esses movimentos se insurgiram “contra explicações deterministas e economicistas da ação coletiva e contra a ideia de um sujeito histórico universal”, que vinham sendo a tônica das correntes de pensamento sobre movimentos sociais antes dos anos 1960. Para a TPP, os novos movimentos sociais se caracterizam pela ação coletiva e coordenada de ativistas, com base em objetivos comuns, ancorada na solidariedade, no pertencimento a uma categoria e na vinculação interpessoal dos componentes do grupo entre si (TILLY, 1978 apud ALONSO, 2009), e tanto o Estado como os movimentos não seriam atores, mas “formas de ação coletiva” (ALONSO, 2009). Segundo Munck (1997, p. 3), para a TPP, “o estudo dos movimentos sociais trata, portanto, da maneira como seus organizadores se valem de uma série de recursos para solucionar esse problema de coordenação”. Segundo essa linha de estudos sobre os movimentos sociais, a própria noção de estratégia “foi construída pela literatura americana a partir dos estudos sobre a „mobilização de recursos‟, que definiam os movimentos sociais como um problema de ação coletiva”27 (MUNCK, 1997, p. 2, grifo do autor). A grande crítica à TPP consiste no centramento da teoria no ator e nas suas estratégias coletivas de ação externa, não explorando o tema da construção de identidades coletivas, que, segundo outra teoria coetânea e concorrente à TPP, a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS),28 possuíam grande peso na

25 Antes da TPP, a Teoria de Mobilização de Recursos (TMR) já observava características particulares dos (na época) chamados “novos movimentos sociais”, que já não visavam revoluções políticas, mas a garantia de direitos, definidos a partir da construção de identidades coletivas (ALONSO, 2009) e suas capacidades de organização e, sobretudo, ao contrário do que se alegava na época. A TMR definia os movimentos sociais – aplicando a sociologia das organizações – por analogia às firmas, privilegiando a racionalidade e a organização, valorizando o ator individual sem se debruçar sobre a construção da identidade coletiva. As estratégias de ação dos movimentos, segundo essa corrente de pensamento, teriam um papel definidor do próprio movimento e do seu futuro. 26 Os chamados “novos movimentos sociais”, surgidos nos anos de 1960, já não se organizavam em torno de questões de classe nem mobilizavam pela tomada do poder do Estado; eram os movimentos em defesa dos direitos civis de diferentes etnias, movimentos feministas, pacifistas, ambientalistas, entre outros (ALONSO, 2009). 27 Para Munck (2017, p. 1), movimentos sociais são entendidos como “um tipo de ação coletiva orientada para a mudança, em que uma coletividade de pessoas ou uma massa descentralizada é dirigida, de modo não-hierárquico, por um ator social, vêm tendo um importante papel na história recente”. 28 Segundo Alonso (2009), as TNMS tiveram maior penetração na América Latina, ganhando enorme notoriedade no período da redemocratização brasileira. 54 constituição dos movimentos sociais e também influenciavam as suas estratégias de ação (ALONSO, 2009; MUNCK, 1997). Teóricos da TNMS defendiam que o processo de construção de identidades coletivas dos movimentos se constituía como um fim em si mesmo e também estruturador das ações coletivas. As duas contribuições a teorizações sobre os movimentos sociais acabaram perdendo protagonismo com o passar dos anos e com o processo de internacionalização das lutas e dos próprios movimentos, pois suas análises estavam em geral centradas em movimentos com demandas nacionais e cujo antagonista era o estado nacional. Entretanto, suas elaborações para o entendimento da construção das identidades coletivas na permanência e mesmo ação dos movimentos sociais – contribuição das TNMS – e da racionalidade e lógica de ação dos movimentos sociais, que articulam recursos, oportunidades e estratégias – no caso das TPP – ainda influenciam estudos e análises no mundo ocidental. Em suas análises sobre as relações de poder – e suas resistências –, Foucault (1995, p. 247) observa três sentidos para o emprego da palavra estratégia: a primeira relacionada à “racionalidade para atingirmos um objetivo”, a segunda como “a maneira pela qual tentamos ter uma vantagem sobre o outro” e a terceira como os “meios destinados a obter a vitória” ou, ainda, como “o conjunto dos procedimentos utilizados num confronto para privar o adversário dos seus meios de combate e reduzi-lo a renunciar à luta”. Nos três sentidos, o que está em jogo é a ação sobre o adversário para imobilizá-lo e ganhar o jogo. Para Foucault (1995, p. 248), uma estratégia de poder seria, portanto, “o conjunto dos meios operados para fazer funcionar ou para manter um dispositivo de poder”. Para Foucault (1995), tudo, então, giraria em torno dos meios para garantir o poder da ação de uns sobre as ações de outros, ou seja, em torno da garantia do exercício de poder de grupos dominante. Todavia, Foucault (1995, p. 248) alerta para o fato de que

[...] não há relações de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem inversão eventual; toda relação de poder implica, então, pelo menos de modo virtual, uma estratégia de luta, sem que para tanto venham a se superpor, a perder sua especificidade e finalmente a se confundir.

Com isso Foucault (1995) atenta para a relação complexa entre relações de poder e resistências, dominação e inversões. As estratégias de luta tanto podem ser 55 utilizadas pelos que exercem seu poder sobre as ações do outro, como pelo outro que se insurge na resistência e contestação do poder instituído. Ela é, portanto, a possibilidade de inversão das relações de poder instituídas, pois “toda estratégia de confronto sonha em tornar-se relação de poder”. (FOUCAULT, 1995, p. 248). Isso coloca em evidência o encadeamento recíproco e a integração das relações de poder com as relações estratégicas, tendo Foucault (1995) nos alertado para a tendência (não determinante) de toda relação de poder tornar-se estratégia vencedora. Para efeito de desenvolvimento desta pesquisa, que pretende analisar a utilização da ferramenta do planejamento urbano como estratégia política de movimentos sociais na disputa pela produção do espaço urbano, assumimos a estratégia como uma ação ou um conjunto de ações que implicam necessariamente no emprego de uma determinada racionalidade construída processualmente por indivíduos, movimentos sociais e instituições com o intuito de atingir objetivos também previamente determinados. Implica, pois, necessariamente, uma escolha prévia e uma elaboração processual e coletiva. Ainda que nossos olhares se mostrem atentos às estratégias de todos os agentes (mapeados e) envolvidos nos litígios do bairro 2 de Julho, será nos movimentos sociais que concentraremos a maior parte da nossa atenção e dos nossos esforços de análise e compreensão. Entendemos então que as estratégias desses agentes são, ao mesmo tempo:, a) formas de ação coletiva coordenada, com base em objetivos comuns e na construção de identidades coletivas (ALONSO, 2009; MUNCK, 1997); a) capacidade de elaboração processual de sistemas e discursos totalizantes, capazes de imprimir aos espaços e lugares normas globalizantes de pensar, de agir, de usar e ocupar (CERTEAU, 2014), bem como perspectivas futuras de organização da vida e; c) estratégia de luta que formula e problematiza o exercício de poder de uns sobre as ações de outros, buscando possibilidades de inversão das relações de poder instituídas (FOUCAULT, 1995). Nos casos dos planos de bairro elaborados pelos moradores, percebemos a tentativa de tomar para si o governo sobre suas próprias ações, ainda que isso signifique o governo sobre as ações dos indivíduos e grupos do seu bairro. O plano de bairro como estratégia se apresenta como fruto do desejo de mudanças no/do presente e no/do futuro e das construções das suas identidades coletivas. Podem ter objetivos diversos, mas em geral pretendem se antecipar à ação dos adversários, na 56 tentativa de criar algum tipo de vantagem na disputa pelo poder, nesse caso, pelo poder de ação sobre a ação dos outros. E fazer valer suas vontades. Querem, assim, sobrepor seu próprio governo ao do Estado e da iniciativa privada sobre suas ações. Contudo, é certo que, ainda que não de forma consciente, o resultado de um planejamento do bairro para o 2 de Julho, ainda que pelos seus moradores, pode estabelecer uma relação de poder daquele grupo que participou da sua elaboração e que poderá participar da sua implementação (aquele grupo ou outro(s)) sobre a totalidade dos seus moradores e sobre comerciantes e frequentadores do bairro. Assim, é possível, segundo a literatura visitada, que se institua uma afirmação de poder não apenas sobre os poderes públicos, mas também sobre os seus próprios moradores, e essa é uma questão que retornará mais à frente, quando se olhará mais de perto o processo de elaboração do bairro 2 de Julho, pois remete a questões como “quem na prática elabora?”, “quem de fato participa?”, “o plano de bairro é resultado do desejo de quem?”.

2.3 PLANEJAR PARA QUÊ?

A discussão sobre os objetivos do planejamento urbano neste trabalho deve ganhar contornos bastante específicos, pois não se trata da análise da produção do planejamento estatal, mas sim de uma produção do planejamento pelos seus próprios moradores e/ou pela universidade. E o que isso muda? Nesses casos, o que se coloca em questão para quem elabora os planos não é o controle sobre a população moradora – ainda que isso possa ser uma consequência do planejamento –, mas o enfrentamento de processos de expulsão ou de descaracterização de bairros – ao menos nos casos que serão aqui estudados – e a construção coletiva de propostas de transformações que melhorem a realidade dos próprios moradores/executores. Nesse sentido, se assumimos que o instrumento do planejamento urbano tem a prerrogativa de limitar e ou potencializar possibilidades de desenvolvimento da vida e dos espaços urbanos, ele reivindica para si – também – a intenção e a capacidade de interferir no processo de produção do espaço, e esse é um olhar que teremos sobre os processos que serão aqui estudados. Embora a maioria dos moradores proponentes e/ou executores da elaboração de planos de bairro não 57 possua essa perspectiva elaborada, a disputa pela produção do espaço nos bairros pelos seus moradores é, neste trabalho, uma questão em jogo, assim como também o é para seus moradores. Vimos mais acima e vemos nas grandes cidades que o planejamento urbano é uma estratégia de ação do Estado e também do capital imobiliário. Interessa-nos aqui, então, investigar até que ponto ou em que medida o planejamento urbano pode ser utilizado como uma estratégia também dos habitantes/citadinos na produção do seu próprio espaço. Existe uma vasta bibliografia referente à produção do espaço, em sua maioria protagonizada pelos geógrafos, e mais à frente, com base em alguns pilares teóricos sólidos, apontaremos caminhos para o entendimento do espaço nesta tese. Não se trata de uma ampla revisão bibliográfica, mas sim de uma discussão sobre as escolhas aqui feitas para o entendimento do espaço, que acreditamos estar sempre em disputa, mesmo na elaboração de planos de bairros pelos seus moradores.

2.3.1 O espaço urbano e sua complexidade

O espaço pode ser lido de diversas maneiras, porém, uma produção mais crítica sobre sua teoria vem se consolidando desde meados do século passado, problematizando o espaço como morfologia social, encontro, reunião, simultaneidade (LEFÈBVRE, 2013). Também como processo histórico em constante atualização por meio da ação humana, que, ao mesmo tempo em que é condicionada pelas formas historicamente produzidas, lhe confere sentido (ao espaço), é forma-conteúdo, processo e resultado (SANTOS, 2004). É ainda produto de inter-relações nas mais diversas escalas, é multiplicidade, pluralidade, sempre em processo e de futuro aberto (MASSEY, 2008). Essas teorias surgem de um contexto e acúmulo de críticas sobre a concepção de espaço como meio físico ou base para realização da ação humana (CARLOS, 2004; CERTEAU, 2014; LEFÈBVRE, 2013; MASSEY, 2004; SANTOS, 2002, 2004, 2008a, 2008b, 2012). Trazem consigo reflexões sobre a dinâmica do espaço e sua vinculação à ação humana como parte imprescindível para sua realização. O espaço passa a ser entendido não apenas como produto da ação humana, mas como processo em contínuo movimento e transformação.

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2.3.1.1 O espaço trialético

Ainda na década de 1970, com o livro A produção do espaço, Henri Lefèbvre (2013) parte do pressuposto de que o espaço é um produto social e que, portanto, trata-se de um espaço social, sempre. Com isso, o autor define que todo espaço é produto das relações dos homens vivendo em sociedade.29 Destaca a importância de entendimento do espaço não como um objeto ou como um produto qualquer, mas como algo que

[...] envolve as coisas produzidas e compreende suas relações em sua coexistência e simultaneidade: em sua ordem e/ou desordem (relativos). Embora o resultado de uma sequência e de um conjunto de operações, não pode se reduzir à condição de simples objeto. Agora, nada é imaginado irreal ou „ideal‟ comparável à de um signo, a uma representação, a uma ideia, a um sonho. Efeito de ações passadas, o espaço social permite que tenham lugar determinadas ações, sugere umas e proíbe outras. (LEFÈBVRE, 2013, p. 111, tradução nossa, grifo do autor).30

Essa é uma afirmação bastante explorada nos tempos atuais nos círculos de discussão dos campos da Geografia e do Urbanismo, mas àquela ocasião, a discussão proposta pelo sociólogo e filósofo Lefèbvre (2013) foi uma contribuição importante para a ampliação do entendimento do espaço não apenas como um conjunto de coisas, mas como um contínuo movimento de produção e reprodução da vida, dos objetos e do próprio espaço. Nessa obra, Lefèbvre (2013) lança mão de métodos e categorias inovadoras para a análise e leitura do espaço, adotando uma dialética tridimensional (SCHMID, 2012) que ampliou as possibilidades de entendimento do espaço e da sua produção e reprodução. Para o exercício da sua trialética (SCHIMID, 2012), Lefébvre (2013) lança mão de três distintas dimensões do espaço: o percebido, o concebido e o vivido. O espaço percebido, segundo o autor, se define pela prática espacial na sua

29 É importante destacar que no momento da publicação de A produção do espaço, a visão corrente de espaço dentro do campo da geografia e do planejamento urbano limitava-se ao entendimento de espaço como uma configuração territorial ou como representação (SANTOS, 2002). 30 No original: “[…] envuelve a las cosas producidas y comprende sus relaciones en su coexistencia y simultaneidad: en su orden y/o desorden (relativos). En tanto que resultado de una secuencia y de un conjunto de operaciones, no puede reducirse a la condición de simple objeto. Ahora bien, nada hay imaginado, irreal o <> comparable a la de un signo, a una representación, a una idea, a un sueno. Efecto de acciones pasadas, el espacio social permite que tengan lugar determinadas acciones, sugiere unas y prohibe otras” (LEFÈBVRE, 2013, p. 111). 59 materialidade que, no período moderno,31 se refere a uma estreita relação entre a realidade cotidiana e a realidade urbana (LEFÈBVRE, 2013); “a dimensão material entre a atividade e a prática social” (SCHMID, 2004, p. 11), engloba tanto a produção como a reprodução social (LOREA, 2013). O espaço concebido são as representações do espaço, fruto das ações “dos cientistas, planejadores, urbanistas, tecnocratas fragmentadores, engenheiros sociais e até certo tipo de artistas próximos à cientificidade” (LEFÈBVRE, 2013, p. 97, tradução nossa);32 é o espaço dos discursos, das teorias, do ordenamento, das leis, dos planos e dos projetos implementados pelos tecnocratas; é o que impõe, “é o espaço dominante em qualquer sociedade”33 (LEFÈBVRE, 2013, p. 97, tradução nossa). O espaço vivido são os espaços de representação, vividos através das imagens e símbolos; aquele dos habitantes e usuários, “se trata do espaço dominado, isto é, passivamente experimentado, que a imaginação deseja modificar e tomar”34 (LEFÈBVRE, 2013, p. 98, tradução nossa); é também o espaço dos dramas, das poesias, é a dimensão do espaço onde Lefèbvre (2013) vislumbra a potência de transformação. Essas três dimensões do espaço se relacionam dialeticamente, porém, sem constituir oposição ou negação – como se pretende na dialética –, mas complementaridade. São dimensões que Lefèbvre (2013) afirma coexistirem na dinâmica espacial e que se encontram e se conflitam, não na teoria, mas na sua produção mesma, histórica e cotidiana, do espaço. A forma como percebemos o espaço no cotidiano – nos nossos deslocamentos e relações –, como ele é representado conceitual e ideologicamente, nos planos e ordenamentos, e o modo como vivemos esse espaço penetrado pelo imaginário e pelo simbolismo são uma maneira complexa e audaciosa de compreender a produção do espaço. O que surge do embate entre o vivido e o concebido e entre o vivido e o percebido se apresenta como grande potência de transformação do espaço. É a rebeldia ao hegemônico, ao status quo, ao construído, ao civilizado, às relações domesticadas e automatizadas das práticas cotidianas. O vivido é colocado por Lefèbvre (2013) como o inconformado, o drama, a poesia, o desejo do que não está

31 O autor se refere do período pós-Revolução Industrial até o presente, no caso, os anos de 1970, quando o livro é publicado. 32 No original : “de los científicos, planificadores, urbanistas, tecnocratas fragmentadores, ingenieros sociales y hasta cierto tipo de artistas próximos a la cientificidad” (LEFÈBVRE, 2013, p. 97). 33 No original: “és el espacio dominante em cualquier sociedad” (LEFÈBVRE, 2013, p. 97). 34 No original: “se trata del espacio dominado, esto es, pasivamente experimentado, que la imaginación desea modificar y tomar” (LEFÈBVRE, 2013, p. 98). 60 posto, o motor para a transformação do que está; mas olhar apenas o vivido é ignorar a complexidade do espaço; a interação entre essas três dimensões do espaço é o caminho apontado por Lefèbvre (2013) para o seu entendimento, sua produção, sua transformação.

2.3.1.2 O espaço de ações e de objetos

Contemporâneo a Lefébvre, Milton Santos (2002) marca o início da sua teoria sobre o espaço e sua produção no livro Por uma Geografia Nova, publicado pela primeira vez em 1978.35 Nesse livro, o autor elabora uma profunda crítica aos caminhos (práticas, produção científica) da Geografia36 até aquele momento, denunciando os efeitos do empirismo e do desprezo desse campo do conhecimento pelos processos históricos e pelas relações humanas, deixando de lado seu principal objeto, o espaço – de tal maneira que o autor chega a definir a geografia como “viúva do espaço” (SANTOS, 2002). Nessa mesma obra, Santos (2002) apresenta pressupostos para o que ele chamou de Geografia nova, ou uma Geografia crítica, que apresenta uma conceituação do espaço não apenas a partir dos seus objetos, mas como um produto da ação humana, lançando mão de categorias como estrutura, processo, função e forma como essenciais para a compreensão do espaço e da sua constante produção e transformação (SANTOS, 2002). Algumas obras do autor deram seguimento a essa formulação (SANTOS, 2004, 2008a, 2008b), sempre avançando no sentido de uma construção teórica sobre o espaço geográfico. Uma contribuição das mais substanciais à discussão sobre o espaço é proposta por Santos (2004) em uma das suas obras mais recentes, onde o espaço é definido como um conjunto de sistemas de objetos37 e de ações,38 “um conjunto

35 Importante ressaltar que esse foi o trabalho mais sistematizado de Santos sobre o espaço até aquele momento. Posteriormente, diversos livros foram publicados por esse autor desenvolvendo sua teoria sobre o espaço, a exemplo de Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico- científico-informacional (SANTOS, 2008a); Espaço e Método (SANTOS, 2008b) e A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção (SANTOS, 2004). 36 Críticas que se somam às de outros teóricos do mesmo período, que manifestavam suas preocupações com a Geografia em seus escritos, na sua maioria na década de 1970, como Lacoste, Claval, Sauter, Harvey, entre outros (SANTOS, 2002). 37 “Para os geógrafos, os objetos são tudo que existe na superfície da Terra, toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou. Os objetos são esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua vida, em ambos os casos, uma exterioridade.” (SANTOS, 2004, p. 72). 61 indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 2004, p. 63). Nessa concepção, o espaço é tido como indissociável e solidário por não ser possível pensar o espaço (geográfico) sem a existência desses dois sistemas e, sobretudo, sem sua constante interação. Os sistemas de objetos são definidos pelo autor como “tudo o que existe na superfície da Terra, toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou. [...] isso que se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua vida” (SANTOS, 2004, p. 72-73). Para reforçar essa condição inerente ao espaço, Santos (2004, p. 109) afirma não ser possível uma interação entre objetos, assim como “não existe dialética possível entre formas enquanto formas”. Afirma também que a ação humana sempre se dá sobre os objetos dando-lhes sentido e conferindo- lhes função e conteúdo. Contudo há que se observar que a ação também é resultado das formas pré-existentes. Por terem sido construídos com forma e finalidade específicas, resultado de ações passadas, os objetos guardam em si, nas suas formas, condicionantes à ação humana. É essa complexa e intrincada dinâmica que confere ao espaço uma interação indissociável e solidária entre os sistemas:

[...] de um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma. (SANTOS, 2004, p. 63).

Essa é também uma das chaves para a compreensão da dita contradição inerente ao espaço pensado como conjunto de sistemas de objetos e de ações. Essa contradição repousa no fato de que a ação humana, que é necessariamente uma ação presente, age sobre objetos, ou formas-conteúdo, que são resultado de ações passadas, ou “objetos agidos”, “portadores de ações concluídas, mas ainda presentes” (SANTOS, 2004, p. 109). A contradição então consiste “entre um presente invasor e ubíquo que nunca se realiza completamente, e um presente localizado, que também é passado objetivado nas formas sociais e nas formas geográficas encontradas” (SANTOS, 2004, p. 109). A dialética da produção do

38 “A ação é um processo, mas um processo dotado de propósito, segundo Morgenstern (1960, p. 34), e no qual um agente, mudando alguma coisa, muda a si mesmo. Esses dois movimentos são concomitantes. Trata-se, aliás, de uma das ideias de base de Marx e Engels. Quando, através do trabalho, o homem exerce ação sobre a natureza, isto é, sobre o meio, ele muda a si mesmo, sua natureza íntima, ao mesmo tempo em que modifica a natureza externa.” (SANTOS, 2004). 62 espaço “se dá entre ações novas e uma „velha‟ situação, um presente inconcluso querendo realizar-se sobre um presente perfeito” (SANTOS, 2004, p. 109, grifo do autor). A produção do espaço é, pois, permeada pelo constante tensionamento do presente sobre o presente-passado, da ação sobre a ação concluída, condicionada pelos conteúdos, normas e potencialidades contidos nas formas. A ação é, pois, a força transformadora do espaço. Assim como os objetos têm o poder de induzir ações pelo acúmulo técnico e histórico e pelas intenções depositadas em suas formas, as ações têm o poder de transmutá-las, de criar novas possibilidades de utilização dessas formas, novas formas-conteúdo, e de criação de novos objetos.39 Para Santos (2004, p. 82), “a ação é o próprio do homem”. Em discussão sobre a condição humana, Arendt (2007, p. 189) afirma que somente através da ação e do discurso “os homens podem distinguir-se, ao invés de permanecerem sempre diferentes”. Arendt (2007) também chama atenção para a imprevisibilidade da ação humana e para a sua tendência de transpor limites.40 Segundo a autora, “o fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável.” (ARENDT, 2007, p. 191), instituindo uma tendência a transpor o estabelecido. À confluência dessas ações no espaço, de ações relacionais articuladas tanto horizontal como verticalmente, porém localizadas em um tempo-espaço específico, Santos (2004) dá o nome de “evento”. Segundo o autor, o evento se constitui de ações confluentes em feixes de vetores que tendem a definir novas funções ao meio pré-existente (SANTOS, 2004), ou seja, o evento acontece se, e apenas se, a forma- conteúdo41 for redefinida, não apenas fisicamente, mas em sua significação. Os eventos podem ser entendidos como cruciais para mudanças de sentidos (ou

39 As condições para a criação de novos objetos estará sempre relacionada às contingências de determinado tempo-espaço. Está vinculada às condições sociais e ao desenvolvimento das técnicas criadas pelos humanos. Também condicionada pelos jogos de poder em curso numa dada realidade e pelas totalidades coetâneas nas mais diversas escalas (SANTOS, 2004). 40 O poder da ação humana, para a autora, não pode se desvincular do discurso. É a combinação dessas duas formas de intervenção no mundo que confere poder à ação humana, assim como sua imprevisibilidade e ilimitação. “Sem o discurso, a ação deixaria de ser ação, pois não haveria ator; e o ator, o agente do ato, só é possível se for, ao mesmo tempo, o autor das palavras.” (ARENDT, 2007, p. 191). 41 “A ideia de forma-conteúdo une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa ideia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações.” (SANTOS, 2004, p. 102-103). 63 direções ou reconfigurações, ou transformações) do meio em que se realizam.42 Perceber essas confluências no espaço urbano pode, pois, ser a chave para compreender mudanças de sentidos nos cursos de determinados espaços, sendo necessário, para tanto, observar suas formas-conteúdo, suas transformações realizadas e em curso. No esforço de leitura e compreensão do espaço, é, pois, fundamental analisar os eventos nele ocorridos e em curso, bem como suas transformações nos meios onde se realiza(ra)m.

2.3.1.3 O espaço aberto interacional

Para a geógrafa Doreen Massey (2008, p. 29), o espaço deve ser entendido como produto de inter-relações, que podem ser definidas como “práticas encaixadas” que se dão entre pessoas, objetos e seres “não-humanos”, nas mais diferentes escalas, “desde a imensidão do global até o intimamente pequeno”. Segundo a autora, esse espaço somente se constitui como tal a partir da “esfera da possibilidade da existência da multiplicidade, no sentido da pluralidade contemporânea” (MASSEY, 2008, p. 29), entendida como o encontro e a coexistência das trajetórias e da heterogeneidade. Outra premissa importante na construção conceitual do espaço de Massey (2008) é que ele não deve ser entendido como um sistema fechado. O espaço é, ao contrário, um processo aberto, uma abertura de possibilidades para o futuro. Segundo a autora, um futuro genuinamente aberto passa necessariamente pelo entendimento de um espaço igualmente aberto. Essa abertura se constrói a partir das interações nas suas complexidades e multiplicidades, pautadas nas coexistências e heterogeneidades entre pessoas, objetos e seres, nas práticas materiais efetivadas, mas também naquelas ainda em curso e ainda por se realizar (MASSEY, 2008). Entretanto, não somente isso. A construção de um espaço aberto deve compreender ainda as conexões potenciais que jamais serão estabelecidas. O espaço interacional encontra-se “sempre no processo de fazer-se” (MASSEY, 2008,

42 “O evento só é identificável quando ele é percebido, isto é, quando se perfaz e se completa. E o evento somente se completa quando integrado no meio. Somente aí há o evento, não antes. Segundo Simmel (1903, p. 43 apud SANTOS, 2004, p. 95), “o rendez-vous tanto denota o encontro quanto o lugar do encontro. Se aquele feixe de vetores pudesse ser parado no caminho, antes de se instalar, não haveria evento”. 64 p. 29); “é um espaço de resultados imprevisíveis e de ligações ausentes. Para que o futuro seja aberto, o espaço também deve sê-lo” (MASSEY, 2008, p. 32). Nossa disponibilidade de nos engajarmos no desafio de uma construção política das relações e dos espaços, segundo essa premissa, deve também passar por entender e aceitar o espaço como interacional e aberto, como uma construção coletiva e permanente. Essa construção coletiva de espaços implica também na constante elaboração de pressupostos éticos a partir de e para essas relações. Para Massey (2008), esses pressupostos éticos, essas regras de convivências, por sua vez, precisam encarar a eventualidade como princípio, sem pressupor regras eternas, fechadas; devem se basear numa certa unicidade, entendida aqui como “lócus de geração de novas trajetórias e novas configurações” (MASSEY, 2008, p. 204), com conjuntos de regras sempre em transformação. A constante elaboração de regras de relações e interações deve, portanto, também ser uma variável numa construção aberta e coletiva de espaços. Então, a principal questão que se apresenta com relação à abertura do espaço diz respeito, sobretudo, à sua abertura ao futuro, da construção material, relacional e política da sociedade e, portanto, do espaço a ela concernente. Nas palavras de Massey (2004, p. 19), “se nós queremos que o tempo (o futuro) seja aberto [...] então precisamos conceitualizar o espaço desta forma, isto é, como um espaço inteiramente aberto e ativo”. As três teorias sobre o espaço apresentadas acima possuem algumas convergências, mas certamente suas particularidades. O que elas têm em comum é o entendimento do espaço como uma construção social e como integrante da produção da sociedade – o espaço é a sociedade e a sociedade é o espaço. Nessas teorias, os objetos não são apenas coisas, mas são ao mesmo tempo produtos e indutores, condicionados e condicionantes da ação humana. Uma característica do espaço comum a essas teorias é a sua imprevisibilidade, o “surpreendente”, ou seja, o fato de que nada está completamente dado e de que qualquer coisa pode acontecer, apesar dos prognósticos possíveis. O surpreendente é também uma condição do espaço. Em Lefèbvre (2013), o inesperado, o dramático, pode ser observado na dimensão do espaço vivido, em Santos (2004) ele se situa na própria ação humana e em Massey (2008) ele (o surpreendente, o imprevisível) é também o que garante a abertura do espaço e do futuro. 65

Cada teoria possui ainda elementos e variáveis para a compreensão e análise que podem contribuir com este trabalho, para possibilitar uma leitura mais complexa dos espaços a serem analisados que são, por certo, de muita complexidade. Durante o mergulho de análise no bairro 2 de Julho e no processo de elaboração do seu plano, para entendimento do espaço, ter-se-á em mente: a) as três dimensões do espaço de Lefèbvre (2013), quais sejam, o percebido, o concebido e o vivido; b) a relação entre os sistemas de objetos e de ações, bem como a constituição de eventos ressignificadores do espaço (SANTOS, 2004) e; c) suas características relacionais, interacionais, de multiplicidade, sobretudo a noção de espaço como um processo aberto, com sua genuína abertura ao futuro (MASSEY, 2008). A produção do espaço urbano guarda tamanha complexidade e resulta de todas essas variáveis em movimento e do embate de forças entre os agentes que o produzem. Somos todos/tudo espaço, mas é preciso ter clareza sobre a desproporcionalidade das forças que agem na sua produção.

2.4 DIREITO À CIDADE E À PARTICIPAÇÃO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

Na década de 1960, Lefèbvre (2008) cunhou o termo “direito à cidade” – em seu livro que levava esse nome –, que afirmou se tratar de uma “forma superior dos direitos”, se constituindo no “direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar” (LEFÈBVRE, 2008, p. 134). Tratava-se de um direito revolucionário por princípio, pois nele estavam implicados “o direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade)” (LEFÈBVRE, 2008, p. 134). Esse direito à atividade participante a que se refere Lefèbvre (2008) consiste na participação nos processos de tomadas de decisão sobre a sociedade e sobre a elaboração e construção das suas realidades. A obra, para Lefèbvre (2013), se contrapõe ao produto, sendo este último resultado da produção capitalista, das relações de propriedade do solo, sendo o espaço sob a égide das relações capitalistas aquele cuja finalidade primeira é o lucro e o consumo. A obra, por sua vez, se refere mais ao trabalho do que propriamente à obra de arte (embora essa última tenha sido sua inspiração para pensar ao espaço urbano como obra). A referência à obra de arte aqui se dá pela observação do trabalho do artista e da natureza, que não possuem um objetivo pré-estabelecido e uma finalidade clara no 66 momento da sua concepção (LEFÈBVRE, 2013). A cidade como obra seria a centralidade do espaço social fruto do trabalho e das decisões coletivas sobre sua produção. Tem a apropriação como o oposto à propriedade. Segundo Purcell (2002, p. 102, tradução nossa), esse direito à participação significa que os “citadinos deveriam jogar um papel central em qualquer decisão que contribua para a produção do espaço urbano”,43 seja essa decisão tomada pelo Estado, seja por entidades e/ou empresas, considerando que certas decisões de empresas geram impactos no espaço e nas vidas dos citadinos.44 Purcell (2002) usa como exemplo o caso de decisões de empresas multinacionais quando da instalação de indústrias que impactam citadinos, às vezes residentes de diferentes estados-nações, impactos esses que envolvem diferentes escalas. Esse direito à participação poderia implicar, na prática, na abertura de espaços para tomadas de decisões sobre implementação de qualquer projeto – público ou privado –, plano, mudança de legislação e de atividade, em um determinado lugar, tendo como perspectiva que essas decisões impactam a produção do espaço urbano. No 2 de Julho, o direito à participação implicaria na abertura e no acolhimento da resistência dos seus moradores à implantação do projeto do Marina Cloc, do mercado público e da retirada dos feirantes das ruas do bairro. Contudo essa decisão, pelos pressupostos de Lefèbvre (2013), não poderia se restringir apenas a seus moradores, mas a todos os citadinos interessados em participar dessa decisão. Isso significa que, quando ampliada a discussão sobre os projetos e planos para o 2 de Julho, talvez, a vontade dos seus moradores não prevalecesse sobre a vontade dos citadinos implicados no processo. Essa é uma das reflexões elaboradas por Purcell (2002) quanto aos riscos da implementação do direito à participação; ela não significa que seu resultado seja necessariamente a produção de espaços, bairros, cidades mais justas e menos desiguais, pois seu resultado sempre será condicionado pela contingência de cada momento e lugar. No entanto, o alerta de Purcell (2002) não visa constranger a luta pelo direito à participação citadina, mas se propõe a pautar uma discussão sobre os riscos reais da sua realização.

43 Do original: “The right to participation maintains that citadins should play a central role in any decisions that contributes to the production of urban space” (PURCELL, 2002, p. 102). 44 Lefèbvre propõe a utilização do termo citadino como aquele que habita a cidade e em contraposição ao cidadão, que possui uma relação direta com a vinculação do indivíduo a um estado nacional e ao habitante, que atrelaria o direito às decisões sobre a produção do espaço urbano apenas àqueles que possuam residência fixa em determinado lugar (LEFÈBVRE, 2008; PURCEL, 2002). 67

O direito à apropriação consiste, nas palavras de Lefèbvre (2013), à modificação do espaço natural (ainda que essa natureza seja uma natureza já modificada) por um grupo de indivíduos para servir às suas necessidades. A apropriação, seja sua atividade, seja sua definição mesma, é o que permite aos citadinos converter a produção do espaço urbano em obra, o mais próximo possível da concepção de obra de arte.45 Para Lefebvre (2013, p. 213-214, grifo do autor, tradução nossa),

[...] um espaço apropriado parece uma obra de arte, o que não é o mesmo que dizer que seja um simulacro. Muitas vezes se trata de uma construção, de um monumento ou de uma edificação, mas nem sempre é assim: um sitio, uma praça ou uma rua podem ser perfeitamente considerados espaços „apropriados‟. Tais espaços abundam certamente, embora nem sempre seja fácil estimar em que sentido, como, por e para quem eles foram „apropriados‟.46

O espaço apropriado também pode ser definido a partir do seu oposto, o espaço dominado, embora essa oposição não exista na realidade, senão em termos teóricos, por ambos coexistirem. O espaço dominado é aquele determinado pelas suas relações de propriedade e de consumo (produção para o consumo, para o lucro). No espaço capitalista, o espaço dominado se impõe, mas não impede que apropriações aconteçam simultaneamente. A oposição espaço apropriado versus dominado remete a outra, também teorizada por Lefèbvre (2013), que é a oposição valor de uso versus valor de troca. O valor de uso se refere ao valor que os objetos e que o espaço adquirem quando são usados e/ou construídos, tendo como perspectiva a realização das necessidades dos seus habitantes. Nesse sentido, quando o que dá valor aos objetos e aos espaços é o seu uso, e quando esses são produzidos na perspectiva do uso, segundo Lefèbvre (2013), podemos dizer que são de fato apropriados. E mais do que isso, “es sobre todo el uso político del espacio lo que restituye al máximo el valor de uso: recursos, situaciones espaciales y estrategias” (LEFÈBVRE, 2013, p. 389). Já o valor de troca

45 Segundo Lefèbvre (2013, p. 115), “La apropiación no puede confundirse con una práctica muy cercana pero claramente distinta: la desviación. Un espacio existente, que posea su finalidad (su razon de ser, que condiciona sus formas, funciones y estructuras) puede estar vacante y antojarse susceptible de ser desviado. Es decir, reapropiado para un uso diferente al original”. 46 Do original: “Un espacio apropiado parece una obra de arte, que no es lo mismo que decir que sea un simulacro. A menudo se trata de una construcción, de un monumento o de una edificación, pero no siempre es así: un sitio, una plaza o una calle pueden ser perfectamente considerados como espacios ‘apropiados’. Tales espacios abundan ciertamente, si bien no siempre es fácil estimar en que sentido, como, por y para quien han sido ‘apropiados’.” (LEFÈBVRE, 2013, p. 213-214, grifo do autor). 68 condiciona o uso e a produção dos objetos e do espaço a uma relação monetária, visando o lucro e estimulando o consumo: assim são pensados, produzidos e geridos os espaços dominados. É seguindo esse raciocínio que Lefèbvre (1996, p. 179 apud PURCELL, 2002, p. 103, grifo do autor) afirma que

Não só é apropriação o direito de ocupar o espaço urbano já produzido, mas também o direito de produzir espaço urbano para que esse atenda às necessidades dos habitantes. Porque a apropriação dá aos habitantes o direito ao „uso completo‟ do espaço urbano no decorrer da vida cotidiana.47

No Brasil, o conceito de direito à cidade foi incorporado por movimentos de reforma urbana na década de 1980 e tinha como pressupostos a conquista ao acesso a serviços e infraestruturas ausentes na maioria dos bairros populares das suas capitais. Assim, o direito à cidade nesse momento faz referência muito mais ao direito à habitação, ao saneamento e a equipamentos do que à participação e à apropriação. A pauta da Plataforma da Reforma Urbana incluía ainda o direito à participação na construção de políticas públicas e investimentos, e a solução construída para efetivação dessas demandas foi a criação de conselhos que foram integrados às administrações públicas das três esferas. A criação dos conselhos relacionados ao desenvolvimento urbano ganhou corpo a partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades, que instituiu, por meio da Conferência Nacional das Cidades, e incorporou à sua gestão o incentivo à criação de conselhos municipais e estaduais. Muitas foram as críticas ao funcionamento desses conselhos que, na prática, tiveram seu poder de decisão reduzido ao longo do tempo (GOHN, 2011a, 2011b, 2013). Segundo Purcell (2002), a construção teórica e utópica de Lefèbvre clamava por uma reestruturação radical das relações sociais, políticas e econômicas, o que em geral não era o foco das nossas pautas reformistas. De fato, Lefèbvre propunha uma revolução na produção do espaço urbano, pautada nos direitos à participação e à apropriação. Ainda assim, é preciso reconhecer que as pautas e lutas pela reforma urbana no Brasil tinham sua reserva de revolucionárias, pois Lefèbvre (2008) mesmo

47 Do original: “Not only is appropriation the right to occupy already-produced urban space, it is also the right to produce urban space so that it meets the needs of inhabitants. Because appropriation gives inhabitants the right to ‘full and complete usage’ of urban space in the course of everyday life.“ (LEFÈBVRE, 1996, p. 179 apud PURCELL, 2002, p. 103, grifo do autor). 69 reconheceu que a reforma urbana tinha sim um certo alcance revolucionário. E era revolucionário pois pretendia a inclusão do que ele chamou de proletários – podemos pensar na população de baixos rendimentos – na tomada de decisões e do processo de planificação. Para ele, “a realização da sociedade urbana exige uma planificação orientada para as necessidades sociais, as necessidades da sociedade urbana” (LEFÈBVRE, 2008, p. 138), e a potência dessa planificação somente se realiza se a população (ou os citadinos), “junto com seus mandatários políticos”, se encarregarem da planificação. Segundo Lefèbvre (2008, p. 139), somente assim “será possível modificar profundamente a vida social e abrir uma segunda era: a do socialismo nos países neocapitalistas”. Não se pretende aqui, a partir dessa afirmação, dizer que a elaboração dos planos de bairros pelos seus moradores são, por si, atos revolucionários, mas há que se suspeitar de início de uma intenção de inversão nas relações políticas entre citadinos e governantes. É essa suspeita que guiará as análises subsequentes. O contexto desta pesquisa, então, na perspectiva do direito à cidade, são os planos de bairro elaborados por moradores e não pelos poderes públicos. O que cada plano propõe como transformação das relações de poder? Já não se pode pensar que a iniciativa de tomar para si o planejamento tem um quê de subversão das ordens e estruturas de poder vigentes? Assim, vale investigar o que de transformador – no sentido de inversão das relações sociais, políticas e econômicas, ou na transformação da estrutura política de poder – cada plano possui. Essa é uma investigação que será feita pela análise dos planos elaborados, que é a que se propõe a próxima seção. Uma aproximação maior do processo de elaboração poderá ser feita pela análise do Plano de Bairro 2 de Julho, que estará presente na seção 4, onde será analisado o esforço de construir um plano para uma produção do espaço urbano por aqueles que o praticam, que o vivem e que o desejam. Algumas questões deverão acompanhar as seções que se seguem, como: a) quais as reais possibilidades de construção de um plano, de um espaço concebido pelos próprios moradores e frequentadores do bairro? e; b) quais os limites da própria elaboração desse plano? Quais as reais medidas de propostas de apropriação do espaço no 2 de julho? O plano facilita a apropriação? 70

3 PLANEJANDO BAIRROS EM SALVADOR: CONCEITOS, AGENTES, PLANOS, CONFLITOS.

Cada lugar é, à sua maneira, o mundo. (SANTOS, 2004, p. 314).

Bairros são referências de localização, reconhecimento, pertencimento, mas são também unidades administrativas comuns e referência no mundo ocidental para efeito de gestão (pública e privada, das coisas e dos homens). Mesmo no caso de Salvador, que ficou décadas sem uma delimitação oficial de bairros no âmbito municipal, a noção de bairro acompanha o imaginário dos seus moradores, que formulam seus limites e extensões, também imaginários – e nem sempre coincidentes. Essas formulações se amparam nas memórias dos mais antigos, que presenciaram ou herdaram memórias sobre a criação dos bairros, mas também possuem como referência as delimitações concebidas por agentes de serviços públicos como abastecimento de água e coleta de esgoto, energia elétrica, correios. Na ausência de uma delimitação da administração municipal, eles elaboraram limites e extensões, o que podia reforçar ou conflitar com os imaginários dos moradores. Esta seção tratará das diferentes conceituações de bairro e da sua estreita relação com o lugar, numa tentativa de expandir a discussão para além de limites e funcionalidades. Visitando algumas teorias sobre lugar e local, buscou-se entender as potencialidades e limites dessa categoria do espaço e sua indissociável relação com outras escalas da ação humana e de como sua compreensão e ação mudam a partir dos agentes que o concebem/praticam/disputam.

3.1 DISCUTINDO O CONCEITO DE BAIRRO

Apesar da relativa escassez de conceituação do bairro na literatura acadêmica brasileira, este tem sido objeto de interesse de geógrafos e sociólogos de outros países desde a segunda metade do século XX e recebeu especial atenção do urbanista Kevin Lynch, no seu livro A imagem da cidade (LYNCH, 2005), cuja primeira edição remonta a 1959, onde os bairros (districtcs) aparecem como uma categoria de análise da cidade, ou elemento, como ele próprio designou. Lynch (2005, p. 58) os definiu como

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Regiões urbanas de tamanho médio ou grande, concebidos como tendo uma extensão bidimensional, regiões essas em que o observador penetra (para dentro de) mentalmente e que reconhece como tendo algo de comum e identificável. São sempre passíveis de identificação do lado interior e, também, do exterior, no caso de se poderem notar, com diferenças de indivíduo para indivíduo.

Para Lynch (2005, p. 12), que nessa obra estava preocupado com “a qualidade do ambiente visual da cidade americana”, o bairro e seus limites deveriam ser tão claros a ponto de se sentir quando se estava adentrando ou saindo dele, não por uma delimitação formal, mas pela percepção mesma daquele espaço. Essa percepção passa pela definição dos seus limites físicos (vias, rios, linhas férreas, parques urbanos etc.), mas também pela composição social (como predominâncias de classes sociais, etnias), algumas características de usos predominantes (como comercial, de serviços), ou ainda temáticas específicas relacionadas aos usos do lugar (como aqueles onde se concentram clínicas ou a venda de algum tipo de produto). Os limites, no entanto, não se definiriam necessariamente por uma delimitação formal adotada pela administração pública, mas por “fronteiras ligeiras ou incertas”, que podem se constituir, além dos seus limites físicos, pelo início de um outro bairro (LYNCH, 2005). Para o autor, não são, portanto, os limites os responsáveis pela constituição do bairro, uma vez que essa está mais relacionada com a diversificação e/ou as identidades que nele se constituem e que o diferenciam. Ainda nos anos de 1950, e até 1970, a Sociologia Urbana Culturalista48 se destaca pelos seus métodos e pelo volume de análises sobre a cidade e também pela sua produção teórico-conceitual sobre a cidade e seus elementos. Essa corrente da Sociologia analisava o bairro a partir “das relações e da composição sociais objetivas como parâmetros de identificação e delimitação” (SOUZA, 1989, p. 144). Souza (1989) destaca como principais autores a se ocuparem da conceituação de bairro Raymond Ledrut e Paul-Henry Chombart de Lauwe – que Souza chamou de culturalistas – e, para esses autores, o bairro configurava uma categoria de análise específica, junto com as unidades de vizinhança que o compunham. Para Ledrut, o bairro era “formado por um tecido de relações sociais” (LEDRUT, 1968

48 Esse movimento que SOUZA chamou de Socialogia Urbana Culturalista também ficou conhecido como « Escola de Chicago » e foi importante corrente do pensamento urbanístico da primeira metade do século XX que desenvolveu um elaborado método de pesquisas e análises sobre a cidade e o urbano. 72 apud SOUZA, 1989, p. 144) em áreas tão grandes que o indivíduo não poderia percorrê-las inteiramente a pé. E Lauwe (1979) chegou a estabelecer que um bairro de pequeno porte poderia ter de 2 mil a 4 mil habitantes, devendo, ainda, para assim ser considerado, ter vida própria e contar com estabelecimentos comerciais e outros equipamentos – a serem definidos pela cultura local.49 Segundo Souza (1989), as construções teórica e metodológica dos culturalistas50 apresentavam sérias fragilidades por negligenciar as dimensões econômicas e políticas, que foram desenvolvidas posteriormente pelos marxistas. Os marxistas dos anos 1970 que discutiam a cidade e seus elementos como categorias de análise têm como nomes de destaque Manuell Castells e Henri Lefèbvre (SOUZA, 1989). Segundo Souza (1989), as principais contribuições dos marxistas são a crítica ao ecologismo/naturalização das análises sobre o espaço, inclusive o bairro, incorporando as lógicas do modo de produção capitalista, os rebatimentos da divisão territorial do trabalho na produção de segregação socioespacial. Esse autor critica, no entanto, uma característica da crítica marxista – “daqueles mais comprometidos com a orientação economicista” – que ele diz ter se configurado com “a inversão da fórmula capitalista: da predominância do cultural à determinação pelo econômico; do bairro sem conflitos para o conflito sem bairro” (SOUZA, 1989, p. 147). Lefèbvre (1978), por exemplo, chama atenção para o risco da “ideologia do bairro” – que ele atribui a autoria aos culturalistas – propagada por sociólogos e planejadores urbanos e que lhe confere sentido de autossuficiência de reprodução da vida e da cidadania. O perigo dessa ideologia estaria no risco de se olhar (analisar, planejar) o bairro em si mesmo e nas suas relações com outros bairros (centralidades ou periferias), o que implicaria no equívoco teórico e metodológico de, aumentando sua importância, transformar o relativo em absoluto, em norma e em valo. Para Lefèbvre (1978), o único caminho para compreender e definir o bairro é analisando a cidade e o mundo como totalidade e não como um conjunto de bairros

49 ”Não somos os únicos a constatar que o pequeno bairro da grande cidade tende a manter uma vida própria e que os habitantes do meio popular, particularmente, aí permanecem muito ligados. Esse pequeno bairro, que pode ter de 2.000 a 3.000 ou 4.000 habitantes, é definido por suas instalações comerciais, sua composição profissional e alguns outros critérios que podem ser facilmente definidos em uma cultura ou em outra.” (LAUWE, 1979, p. 116). 50 Souza (1989, p. 145-146, grifo do autor) chama atenção para o posterior surgimento dos “neoculturalistas”, que se diferenciavam dos culturalistas pela inclinação destes em “apostar no „neotribalismo‟ como contraponto compensatório da massificação da sociedade, do bairro”, enquanto que os culturalistas “enfatizavam a desagregação e materialização do bairro”. 73 e elementos. Os bairros seriam parte da totalidade da cidade e não a cidade a soma das partes,51 e suas estruturas dependeriam “completamente de outras estruturas mais vastas”.52 (LEFÈBVRE, 1978, p. 202, tradução nossa). Não se trata, portanto, de desconfigurar o bairro como categoria de análise, mas de dar-lhe a importância devida:

O bairro é uma forma de organização concreta do espaço e do tempo em uma cidade. Forma cômoda, importante, mas não essencial; mais conjuntural que estrutural. As relações do centro com a periferia são um fator (uma variável) importante. Mas não é o único. O espaço social não coincide com o espaço geométrico, este último homogêneo, quantitativo.53 (LEFÈBVRE, 1978, p. 200, tradução nossa).

Para Lefèbvre (1978, p. 202, tradução nossa), o bairro se apresenta ainda como o “nível onde o espaço e o tempo dos habitantes tomam forma e sentido no espaço urbano”.54 Essa concepção de bairro se aproxima, inclusive, da discussão que o autor faz sobre lugar em A produção do espaço (LEFÈBVRE, 2013), que ganhará relevo logo adiante neste trabalho. Nas linhas que seguem tentaremos aproximar o bairro de um conceito ampliado de lugar, que mereceu especial atenção de pesquisadores e teóricos contemporâneos,55 dos quais, mais uma vez, destacamos Santos (2004), Massey (2008), Purcell (2006) e Swyngedouw (2004).

3.2 O BAIRRO ENTENDIDO COMO LUGAR

Os bairros aparecem, na literatura recente, como lugares da cidade onde diferentes lógicas se manifestam no território e onde é possível vivenciar as relações do cotidiano, que é também atravessado por processos globais da produção

51 “El único proceso científico para llegar a él, para definirlo, determinando sus límites y su grado de realidad es el que se basa en la ciudad como totalidad y no como conjunto de elementos o colección de los aspectos (y en consecuencia en la sociedad como un todo superior a las formas, a las estructuras y a las funciones) que engloba. Sean cuales fueren las dificultades metodológicas y teóricas del acceso a la totalidad y a la globalidad, este proceso es el único aceptable; el único que evita la inadmisible reducción del conjunto a los elementos.” (LEFÈBVRE, 1978, p. 199). 52 Do original: “La estructura del barrio depende completamente de otras estructuras más vastas.“ (LEFÈBVRE, 1978, p. 202). 53 Do original: “El barrio es una forma de organización concreta del espacio y del tiempo en la ciudad. Forma cómoda, importante, pero no esencial; más coyuntural que estructural. Las relaciones del centro urbano con la periferia son un factor (una variable) importante. Pero no es el único. El espacio social no coincide con el espacio geométrico; este último, homogéneo. Cuantitativo.” (LEFÈBVRE, 1978, p. 200). 54 Do original: “es en este nivel donde el espacio y el tiempo de los habitantes toman forma y sentido en el espacio urbano“ (LEFEBVRE, 1978, p. 202). 55 O lugar também foi objeto de análise de importantes geógrafos humanistas, tendo em Yi-Fu Tuan um dos seus principais expoentes (HOLZER, 1999). 74

(capitalista) do espaço urbano. Serpa (2007, p. 26, grifo do autor) destaca a relativa escassez de literatura sobre o conceito de bairro, que ele define como “‟lugares‟, espaços internalizados mentalmente pelos indivíduos de uma coletividade, que os têm como espaços vividos e sentidos”. Carlos (2004, p. 51) também se refere aos bairros como lugares habitados e vividos no cotidiano “através do uso do espaço, pelo corpo, revelando-se como espaços de apropriação”, nunca ignorando sua consecutiva realização como processo de mundialização. Assim, o bairro, por se caracterizar como esse lugar do acontecer simultâneo e solidário, permite um entendimento das questões da cidade em níveis mais aprofundados de complexidade. Segundo Santos (2004), o lugar se apresenta como o locus do acontecer superposto de diversas escalas e da interseção de lógicas que se complementam dialeticamente. No cotidiano da cidade, no desenrolar das suas práticas sociais, a todo tempo somos atravessados por lógicas e processos em distintas escalas e articulações com o território, caracterizados pelo que o autor chama de verticalidades e horizontalidades. As primeiras operam uma “racionalidade superior e do discurso pragmático dos setores hegemônicos” e as últimas seriam tanto o “lugar da finalidade imposta de fora, de longe e de cima, quanto o da contrafinalidade, localmente gerada” (SANTOS, 2004, p. 286). Assim, o lugar é resultado de ações e tensões de ordens global e local e nele vemos o acúmulo e as contradições de racionalidades e finalidades externas, bem como de racionalidades internas, do cotidiano, tudo isso se confrontando a todo momento, no aqui e no agora. Segundo esse pensamento,

[...] o lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordem precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade. (SANTOS, 2004, p. 322).

A dimensão espaço-temporal do lugar se mostra determinante na sua configuração – e conceituação –, e aqui é importante destacar que o lugar não se define apenas pelo cotidiano, muito embora essas práticas (cotidianas) sejam indispensáveis para sua compreensão. Nesse sentido, é a simultaneidade de ações, agentes e interações originárias e presentes em diferentes escalas que lhe dá (ao lugar) concretude. 75

O lugar também pode ser entendido pela formação das suas identidades, que precisam ser analisadas e aceitas na sua multiplicidade de agentes e na fluidez dos seus limites (de ação, de identificação e de localização). São as interseções das ações e das identidades que conferem aos lugares suas densidades históricas, políticas, culturais etc. Portanto, é necessário pensar o lugar não a partir dos seus limites, mas a partir de “um entendimento da identidade do lugar como sendo construída através de relações com outras partes: „um sentido global de lugar‟". (MASSEY, 2004, p. 19, grifo do autor). Não apenas pelas suas identidades, mas também pelas suas diferenças. As identidades construídas no e pelo lugar evidenciam o que Massey (2008) chamou de coleções de “estórias-até-então”,56 que são frutos de articulações e encontros (e também de não encontros) ao longo do tempo entre pessoas, grupos e objetos em determinadas porções do espaço. Para a autora, são justamente essas interseções que contribuem para a especificidade do lugar. Esses encontros e ações forjados por identidades não podem, no entanto, ser entendidos como homogêneos. Ações e grupos identitários não existem sem a diferença e a diversidade. Essas são componentes responsáveis pela própria dinâmica desses grupos e pela ampliação da sua capacidade de interação e de transformação. Esses encontros, no entanto, não ocorrem sempre de modo pacífico, aliás, os conflitos entre indivíduos, grupos, organizações (que aqui iremos classificar como agentes) são indispensáveis para a configuração das identidades e do próprio lugar (MASSEY, 2008; PURCELL, 2006; SANTOS, 2004; SWYNGEDOUW, 2004). Esses conflitos decorrem da convivência desses agentes – entre si e com os elementos não humanos do espaço – em decorrência de interesses afins. As negociações decorrentes desses conflitos podem gerar afastamentos e/ou aproximações entre esses agentes e são fatores fundamentais para a prática política e espacial dos lugares, uma vez que “o que é especial sobre o lugar é, precisamente, esse acabar juntos, o inevitável desafio de negociar um aqui-e-agora” (MASSEY, 2008, p. 203), é um estar junto no conflito e na afinidade. Para a dinâmica social e para as lutas políticas, o lugar assume sua importância, então, não pela sua escala em si, que não pode ser definida a priori,

56 Segundo Massey (2008, p. 190), “se o espaço é, sem dúvida, uma simultaneidade de estórias-até- então, lugares são, portanto, coleções dessas estórias, articulações dentro das mais amplas geometrias do poder do espaço”. 76 mas pelos encontros, cooperações, arranjos e disputas sociais que se colocam no lugar pelos seus agentes. É preciso, no entanto, não sucumbir às tentações de se apegar ao lugar como uma escala privilegiada, ou onde as políticas e ações são mais efetivas e mais, digamos, conectadas à realidade. A seguir faremos uma reflexão sobre a necessidade de se desapegar da fixidez do imaginário sobre escalas, que podem nos induzir a certas armadilhas, muitas delas frutos de interesses de fora do lugar (PURCELL, 2006; SWYNGEDOUW, 2004).57

3.3 AS ARMADILHAS DO LOCAL

Para Swyngedouw (2004), escalas nunca são fixas, estão em constante transformação. Ele afirma que o processo social é que dá importância às escalas geográficas e pode criar escalas inteiramente novas. Para o autor, “a „escala‟ espacial precisa ser teorizada como algo que é „produzido‟; um processo que é sempre profundamente heterogêneo e contestado”.58 (SWYNGEDOUW, 2004, p. 34, grifo do autor, tradução nossa). O argumento de que as escalas são socialmente construídas é reforçado por Purcell (2006), que afirma ainda que elas são também contingentes. Para o autor, não há nada inerente à escala, nenhuma característica que seja particular a uma escala apenas, e ele afirma isso se referindo, principalmente, às práticas democráticas. A escala local não necessariamente será mais ou menos democrática do que a nacional ou a global, pois isso não é uma prerrogativa da escala e sim dos acordos, regras e contingências de cada instituição ou espaço. Essa é uma observação que Purcell (2006) faz em razão da prevalência do que ele chamou de “armadilha local”, muito presente na academia e no ativismo de esquerda, que têm se referido e escolhido a escala local por a considerarem a priori mais democrática.

A noção de armadilha local refere-se à tendência de pesquisadores e ativistas (em grande parte à esquerda) de assumir algo inerente à escala

57 Swyngedouw (2004, p. 27) desenvolve nesse artigo uma dura crítica sobre a propagação da ideologia da globalização que ele afirma ter se tornado uma espécie de “ato de fé”. Ele afirma que apenas a ideologia da globalização é recente, uma vez que a globalização como prática existe e é praticada por empresas capitalistas pelo menos a partir do final do século XV. 58 Do original: “In sum, spatial ‘scale’ has to be theorised as something that is ‘produced’; a process that is always deeply heterogeneous and contested.” (SWYNGEDOUW, 2004, p. 34, grifo do autor). 77

local. A armadilha local iguala o local com „o bom‟; prefere-se essa, a priori, a escalas maiores. (PURCELL, 2006, p. 1924, grifo do autor).59

Com isso, o autor afirma que não é a escala que produz uma democracia de “melhor qualidade” ou seu contrário, mas sim as conjunturas e correlações de força do espaço, seja qual for a escala. É a concentração de poder por determinados grupos e as disputas pelo seu domínio, bem como as agendas adotadas por grupos dominantes, que vão definir se as mudanças geradas no embate e na negociação contribuirão, ou não, para a conquista da justiça social. Massey (2008, p. 255, grifo do autor) reforça esse argumento, questionando “qualquer política que conclua que os „locais‟ tomem todas as decisões pertinentes a uma área específica”, pois, segundo ela, os efeitos das (e mesmo as próprias) decisões tomadas no lugar o ultrapassariam: “questiona-se a predominância da democracia baseada na territorialidade em um mundo relacional, desafia uma política cômoda demais que estabeleça automaticamente um „bom‟ domínio local contra um „mau‟ controle externo” (MASSEY, 2008, p. 255, grifo do autor). Vainer (2001, p. 147) destaca que escolher uma determinada escala “é também, quase sempre, escolher um determinado sujeito, tanto quanto um determinado modo e campo de confrontação”. Ele nos chama atenção ainda para a tendência à valorização da escala do lugar e a utilização desse discurso – que ele chama de “neolocalismo competitivo” (mais ligado à direita e às práticas do capitalismo neoliberal) e “neolocalismo autogestionário e libertário” (ligado aos acadêmicos e ativistas de esquerda) – como uma estratégia para esvaziamento político de outras escalas, como, por exemplo, a nacional. Para ele, “as escalas não estão dadas, mas são, elas mesmas, objeto de confronto, como também é objeto de confronto a definição das escalas prioritárias onde os embates centrais se darão” (VAINER, 2001, p. 146). Esse autor destaca a atuação de agências multilaterais de financiamento e de consultores internacionais no Brasil na construção dessa valorização do local. Nesse contexto, especialmente nos anos de 1990, é possível ver grandes números de programas e financiamentos de agências como o Banco Mundial voltados para o

59 Do original: ”The notion of the local trap refers to the tendency of researchers and activists (largely on the left) to assume something inherent about the local scale. The local trap equates the local with ‘the good’; it is preferred a priori over larger scales.” (PURCELL, 2004, p. 1924, grifo do autor). 78 fortalecimento da gestão local60 – mas também no meio acadêmico, embora em menor número, como ele mesmo destaca. Ainda que em menor número, vemos mais recentemente uma tendência à valorização do bairro e da escala local aparecerem em algumas pesquisas acadêmicas, onde o bairro surge como o lugar privilegiado da ação e do planejamento urbano (BEZERRA, 2011; CAMPOS FILHO, 2003; LEÃO BARROS, 2004). Não se trata aqui de negar ou assumir o bairro como escala privilegiada de ação política ou do planejamento urbano, mas sim de analisar os limites e possibilidades de atuação nessa escala, tendo sempre em mente que “o que temos são processos com suas dimensões escalares, quase sempre transescalares (haverá ainda hoje algum processo social relevante cuja compreensão e modificação seja possível através uma análise ou intervenção uniescalar?)” (VAINER, 2001, p. 146). Dessa maneira, nos interessa o bairro, mas, sobretudo, os processos que nele se desenrolam e as ações dos seus sujeitos. Buscamos analisar o que Massey (2008, p. 255) chamou de “política relacional de lugar”, que envolve as negociações exigidas pelos encontros, dentro e fora. Na política relacional do lugar, importam as conexões possibilitadas pelos eventos no lugar e por aqueles que nele refletem, interferem. Importa analisá-lo como espaço que é “a soma de todas as nossas conexões” (MASSEY, 2008, p. 260).

3.4 AGENTES DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO EM SALVADOR E AS DISPUTAS EM TORNO DO CONCEITO E DAS AÇÕES SOBRE O BAIRRO

Os alertas levantados por Vainer (2001), Purcell (2006) e Swyngedouw (2004) sobre os perigos e as reais intenções por trás da valorização da escala local como privilegiada da democracia e da participação social ajudam a entender algumas ações e discursos de diferentes agentes na produção do espaço urbano. Quando dizemos agentes, uma vez que consideramos o espaço urbano como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de ações, estamos nos referindo àqueles elementos do espaço com o poder de ação (SANTOS, 2008a, p. 106). Trata-se,

60 O interesse das agências internacionais de financiamento na valorização da escala local está relacionada a um esforço de desvalorização e deslegitimação dos governos nacionais, na tentativa de, na articulação com gestões locais, ampliar sua atuação política. Para Vainer (2001, p. 147), “o que faz a força das corporações multinacionais está menos em sua globalidade que em sua capacidade de articular ações nas escalas global, nacionais, regionais e locais”. 79 portanto, da ação humana e aqui interessa, sobretudo, a ação coletiva, daqueles que se associam para amplificar o poder das suas ações; interessam, então, as ações de grupos organizados (e, em alguma medida, também a sua organização), que se aglutinam em torno de objetivos comuns. Entre esses agentes figuram os coletivos e movimentos sociais, associações profissionais, organizações não governamentais (ONGs), as empresas e o Estado e suas instituições (SANTOS, 2008b). Para efeito de análise, tomaremos como referência a classificação feita por Corrêa (2005, p. 11) ao analisar o espaço urbano capitalista, por ele definido como “um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço”. Corrêa (2005, p. 11) afirma que as ações desses agentes guardam uma complexidade

[...] que inclui práticas que levam a um constante processo de reorganização espacial que se faz via incorporação de novas áreas do espaço urbano, densificação do uso do solo, deterioração de certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infraestrutura e mudança, coercitiva ou não, do conteúdo social e econômico de determinada cidade.

Para Corrêa (2005), os principais agentes do espaço urbano são os proprietários dos meios de produção (especialmente aqueles ligados ao setor industrial) – ou o capital produtivo, como chamou Cobos (2012), e também o improdutivo –,61 os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos – que neste trabalho serão chamados de coletivos e movimentos sociais. Os principais agentes identificados, para este estudo, foram o Estado, as empresas do mercado imobiliário, os proprietários imobiliários, coletivos e movimentos sociais, a universidade e o Ministério Público da Bahia (MP/BA). Embora as universidades públicas e o MP/BA sejam instituições estatais e se encontrem formalmente dentro da estrutura do Estado, suas ações se configuram

61 Algumas atualizações à análise e classificação de Corrêa são necessárias, dada a hegemonia do padrão neoliberal de acumulação do capital e suas reverberações na conformação do espaço urbano. Cobos (2012, p. 26) chama atenção para o crescimento do setor imobiliário, “organicamente articulado ao setor financeiro”, que estaria ligado ao processo de desindustrialização das áreas centrais metropolitanas, que acarreta o deslocamento também dos postos de trabalho bem pagos e com seguridade social. O autor alerta, ainda, para o papel dominante do “capital imobiliário-financeiro” e a expansão das fronteiras do capital produtivo – ou dos proprietários dos meios de produção - “para o investimento e a operação imobiliária” – e como exemplo ele cita a criação da empresa imobiliária Femsa-Coca Cola (COBOS, 2012, p. 27). 80 como instituições autônomas, com capacidade para desempenhar ações independentes das instâncias executivas do Estado. No cumprimento das suas funções de proteção da sociedade e garantia da ordem jurídica, o MP/BA, por exemplo, pode e tem investido e se posicionado contra determinadas ações do poder executivo.

3.4.1 O Estado

O Estado surge como agente garantidor da estrutura de classes e para assegurar “o direito de a classe possuidora explorar a não-possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda” (ENGELS, 1984, p. 120) e, por mais transformações que tenha sofrido ao longo da história, manteve seu papel de mantenedor da ordem e dos direitos e vantagens das classes dominantes.62 No entanto, tal posição não o isenta de sofrer influências dos conflitos e pressões sociais de outras classes. Brandão (2014, p. 67-68) define o Estado como “condensação contraditória, contestada e conflitiva de relações de poder e enquanto forma institucional do poder público”. Entretanto isso não significa dizer que o Estado esteja aberto a mudanças estruturais, pois, conforme afirma Limonad (2014, p. 94) – para quem o Estado também é “o resultado e a arena da interação de forças e de interesses sociais diversos e contraditórios” –

Sua forma institucional é uma resultante e um condicionante da correlação de forças e das estratégias dos diferentes atores sociais e políticos, onde as forças hegemônicas fazem valer suas estratégias inscritas territorialmente e articuladas em diferentes escalas. (LIMONAD, 2014, p. 94).

Limonad (2014) afirma ainda que seja o planejamento, sejam as políticas públicas e sociais, eles atendem tanto a necessidades hegemônicas quanto de parte da população. O planejamento urbano, atualmente representado na figura do Plano Diretor, adquire então um papel fundamental no atendimento dos interesses hegemônicos, como também dos não hegemônicos. Segundo Brandão (2014, p. 71, grifo do autor), a razão neoliberal encara o gestor público como um “gerente [...] colaborador e facilitador das „decisões

62 “Destarte, pode-se dizer que o Estado atua com uma lógica territorial própria, em diferentes escalas e esferas, de forma a impor a sua racionalidade e manter a hegemonia de determinadas frações de classe sobre o a sociedade, bem como para garantir as condições gerais de produção de parte do conjunto social, necessários à sua reprodução” (LIMONAD, 2014, p. 90-91). 81 soberanas do mercado‟ voltadas à competitividade urbana e territorial pela atração de grandes capitais, via uma desregrada concessão de favores e incentivos fiscais e creditícios”. A atuação das administrações locais e sua gestão, muitas vezes exclusiva, do solo urbano ganha destaque nesse cenário de incentivos e competitividade, onde é possível, inclusive, driblar perfis por vezes centralizadores de governos nacionais. O Estado tem ainda uma atuação preponderante na construção do espaço concebido (LEFÈBVRE, 2013), seja na produção de discursos, do planejamento e da legislação reguladora do espaço urbano, seja na produção do ambiente construído. Sua atuação nessa produção, no entanto, na se dá de forma isolada. Nesse lugar de mediação que lhe é próprio, acaba por ser constantemente tensionado por outros agentes e a atender às demandas daqueles que se impõem como hegemônicos. Em Salvador, vemos a Prefeitura e o Governo do Estado disputando protagonismo dos investimentos em determinadas áreas da cidade, como no Centro Antigo de Salvador (CAS), onde verificou-se a sobreposição de decretos de utilidade pública com fins de desapropriação numa mesma área. No entanto, no que pesem os esforços de atuação do governo do Estado no CAS – com a elaboração do seu Plano de Reabilitação Participativo e demais projetos de renovação –, o que se refere às intervenções (e proposições de ação) na escala e nos discursos sobre o bairro, a Prefeitura de Salvador tem-se mostrado como o principal agente estatal em termos de ação e de disputas, reforçando-o como unidade administrativa estratégica para a descentralização da gestão. A caracterização desses agentes do Estado e sua atuação em Salvador referem-se a momentos recentes e foram selecionados para caracterizá-los na disputa pelo conceito e pelas ações no bairro 2 de Julho. Portanto, foi adotado como referência o início da organização da resistência ao projeto de “humanização” do bairro, que chega ao conhecimento dos moradores em 2012 e passa a ser objeto de resistência, assim como de outras ações (propostas e/ou realizadas) a partir da criação do Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho (MNB2J).

3.4.1.1 Prefeitura de Salvador

82

Essas ações começam de fato a se intensificar a partir de 2012,63 após a primeira eleição do atual prefeito, ACM Neto (reeleito em 2016 para a atual gestão municipal, de 2017 a 2020). Em dezembro de 2012, no período de transição entre as gestões, o então prefeito eleito conseguiu que João Henrique Barradas Carneiro (prefeito concluindo sua segunda gestão naquela época) aprovasse sua reforma administrativa (SALVADOR, 2012a), extinguindo os Serviços Integrados de Atendimento Regional, prestados pelas Administrações Regionais (AR)64 e criando as Prefeituras-bairro, que embora respeitem as delimitações originais das AR, foram reduzidas em número, de 17 para 10.65 A junção de algumas dessas “regiões” resultou em áreas de grandes dimensões, tornando mais complicada sua gestão e também o deslocamento dos moradores para atendimento, como é o caso das Prefeituras-bairro Barra-Pituba, Itapuã-Ipitanga e Subúrbio-Ilhas, que englobam respectivamente, 21, 17 e 15 bairros (ver ANEXO A). Em janeiro de 2015, a Prefeitura de Salvador veiculou na página de sua agência de comunicação o início do projeto intitulado “Ouvindo nosso bairro”. A mesma notícia foi pauta dos principais jornais da cidade, gerada a partir de uma coletiva do Prefeito com a imprensa, onde são anunciados os contornos gerais do projeto, que consiste em realizar 154 reuniões (39 por semana, quartas à noite e sábados nos turnos da manhã e da tarde) em um mês, abarcando os quase 163 bairros66 (naquela época ainda não oficiais) de Salvador, onde os presentes deveriam levar suas opiniões, indicando uma lista contendo dez prioridades para seus bairros. Conforme fala do Prefeito registrada pelo Correio da Bahia: “O objetivo é convidar o cidadão a trazer sua opinião. Em nenhum outro momento, a Prefeitura

63 É importante destacar que o histórico de ações do poder público municipal datam de muito antes de 2012, seja com a elaboração de planos de bairro nas décadas de 1970 e 1980, da criação das Regiões Administrativas na década de 1980 e dos planos de bairro elaborados para as Zonas Especiais de Interesse Social na década de 2000. Essas ações, porém, serão objeto de análise no tópico seguinte, sobre as origens do plano de bairro em Salvador. 64 As Administrações Regionais eram unidades administrativas criadas pela Lei nº 3.688 (SALVADOR, 1986d), e tinham por finalidade “descentralizar a execução de obras e serviços de interesse local, de modo a garantir maior eficácia na prestação de serviços à população”. 65 A mudança apresenta na verdade um rearranjo das antigas 17 ARs (1. Centro, 2. Itapagipe, 3. São Caetano, 4. Liberdade, 5. Brotas, 6. Barra, 7. Rio Vermelho, 8. Pituba, 9. Boca do Rio, 10. Itapuã, 11. Cabula, 12. Beiru/Tancredo Neves, 13. Pau da Lima, 14. Cajazeiras, 15. Valéria, 16. Subúrbios Ferroviários, 17. Ilhas), com a junção de algumas das ARs nas Prefeituras-bairro: 1. Centro-Brotas; 2. Barra-Pituba; 3. Cabula-Tancredo Neves; 4. Liberdade-São Caetano; 5. Cidade Baixa; 6. Subúrbio e Ilhas; 7. Regional de Valéria; 8. Pau da Lima; 9. Cajazeiras; e 10. Itapuã-Ipitanga. 66 Esses 163 bairros são resultado de um estudo para delimitação de bairros em Salvador, realizado pela Prefeitura de Salvador em parceria com a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (CONDER) e a Faculdade de Administração da UFBA, que resultou em uma publicação intitulada O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográficas, Bairros e Fontes (SANTOS et al, 2010). 83 teve um mecanismo para ouvir a comunidade de forma tão direta” (BORGES, 2015). Entre março e abril de 2015, mais de 10 mil moradores participaram dos encontros para definir as prioridades de cada localidade. Os resultados das sugestões deram origem ao projeto “Salvador Bairro a Bairro”, que a Prefeitura anunciou como “o maior programa de intervenções urbanas da história, que entregou mais de 1.300 realizações em toda a cidade. Muito mais do que as 1.000 obras prometidas inicialmente” (SALVADOR, 2015b). A metodologia do Projeto consistiu na aplicação de um questionário com sete questões sobre características socioeconômicas do entrevistado, a indicação dos três maiores problemas do bairro, e a solicitação que se identifique uma grande obra que possa ser construída no local. No verso, pede que marque com um “x“ dez de 18 alternativas de “tipos” de obras que podem ser realizadas para o seu bairro, em sua maioria obras de melhoria da infraestrutura instalada. O facilitador da reunião dividia os presentes em grupos para preenchimento do questionário e depois pedia que um deles apresentasse o que cada grupo selecionou entre as dez intervenções e qual a grande obra escolhida para o bairro.67 Além de fotos espalhadas com obras já realizadas pela Prefeitura, os técnicos e facilitadores, em geral funcionários públicos, não apresentaram nenhum tipo de informação sequer sobre o bairro. No discurso do prefeito é mencionado que a gestão já possui “um senso crítico para saber as necessidades da cidade, mas, às vezes, a Prefeitura tem uma visão que não é coincidente com o cidadão”. No entanto, nesses espaços, observou-se que esse senso crítico não era compartilhado com os moradores que eram apenas ouvidos e tinham suas falas mediadas por técnicos da prefeitura. Não são levadas informações sobre o orçamento, recursos disponíveis, nem os órgãos executores dos projetos. As sugestões eram recolhidas em apenas uma reunião, não havendo retorno às populações quanto às prioridades dos projetos levantados, nem previsão de prazo para atendimento das solicitações. Em 2017, além das reuniões presenciais nos bairros, foi inaugurada a votação eletrônica, onde qualquer pessoa pôde escolher até cinco intervenções por ordem de prioridade pelo site do Programa ou pelo aplicativo para celular (SALVADOR, 2015b). Em 2018, o Ouvindo Nosso Bairro foi promovido à categoria de Programa,

67 Em 10 de janeiro de 2015 participei de uma edição do projeto, realizada na escola municipal Permínio Leite, localizada no bairro 2 de Julho, de onde extraí informações sobre a metodologia relatada. 84 vinculado diretamente ao Gabinete do Prefeito, e definido como instrumento de participação popular, com o objetivo de aproximar a administração municipal do cidadão.68 Com isso, a Prefeitura cria uma nova instância de participação que não prevê nenhuma forma de controle pela sociedade. Com a votação online, as possibilidades de controle social sobre o processo são ainda mais restritas, uma vez que não se põe em debate as obras escolhidas pelos moradores, nem a sua prioridade – inclusive a prioridade entre os bairros. Os resultados são divulgados pelo site do Programa, que apresenta as cinco obras selecionadas em cada bairro e sua ordem de execução, sem espaço para debate e para o contraditório. Também o fato de atribuírem a esse canal de consulta a definição dos investimentos em infraestrutura da cidade contribui para o esvaziamento de outras instâncias de participação, essas oriundas de pautas da sociedade civil, como o Conselho Municipal de Salvador (CMS) e o Orçamento Participativo. O CMS – órgão colegiado permanente composto por representantes da sociedade civil e dos poderes públicos – por exemplo, é um órgão integrante do Sistema Municipal de Planejamento e Gestão; portanto, investimentos em infraestrutura urbana são parte das matérias que a ele cabe apreciar (SALVADOR, 2016a). O PDDU/2016 define o Orçamento Participativo como “processo de tomada de decisão sobre investimentos consignados no orçamento público que envolve a participação da sociedade na sua formulação e acompanhamento” (SALVADOR, 2016a) e o vincula aos princípios de publicidade e transparência da gestão democrática da Política Urbana. A manutenção dessas instâncias na estrutura formal da administração pública municipal, mesmo sem atribuições que lhe confiram poder de decisão ou mesmo de fiscalização das ações municipais, ajudam a criar o que Limonad (2014) chamou de “ilusão da transparência”, que se constitui efetivamente numa transparência opaca.69 Em 2017 também foi aprovada a chamada Lei de Bairros de Salvador, Lei nº 9.278/2017 (SALVADOR, 2017a) – substituindo a Lei nº 1.038, de 15 de junho de

68 O Programa Ouvindo Nosso Bairro foi instituído pela Lei nº 9.358 (SALVADOR, 2018), devendo ser executado pelos órgãos administrativos responsáveis pela regionalização administrativa e pelo relacionamento do cidadão. 69 “Essa ilusão da transparência é, seguindo Lefebvre, que confere uma ilusão da opacidade do processo de tomada de decisão, bem como da interrelação entre a lógica territorial do Estado e a lógica hegemônica da acumulação. A abertura de canais de participação social, a divulgação de informações, a aparente abertura de órgãos de governo além de contribuir para legitimar o bloco no poder e as alianças políticas, contribuem para reforçar essa ilusão da transparência. Pois, trata-se de uma transparência opaca, que revela em parte, porém no permite elucidar ou entrever quem decide, quem planeja e quem manda.” (LIMONAD, 2014, p. 94). 85

1960, já bastante defasada –,70 delimitando 163 bairros no município. A Lei é resultado de uma pesquisa, que deu origem a um livro71 e a um projeto de lei, que, no entanto, somente foi submetido à Câmara de Vereadores em 2016. No PDDU/2016, essa mesma proposta de delimitação da cidade em bairros aparecia no mapa das Prefeituras-bairro (ver ANEXO A), porém não a aprovava. O projeto de lei apresentado à Câmara, contudo, aprovava não só os 163 bairros como os critérios para a sua definição e futura (re)delimitação, que são, inicialmente, a “noção de identidade e pertencimento e o reconhecimento do territórios”, mas, também, devendo apresentar três ou mais entre os critérios a seguir:

I - existência de unidade escolar de ensino fundamental (a partir da 6ª série) das redes pública ou privada, ou de natureza comunitária; II - existência de unidade de saúde de atendimento geral ou especializado que preste serviço à comunidade; III - existência de logradouro público hierarquizado, como via coletora ou superior, ou não hierarquizado, mas que desempenhe função equivalente e estruture a mobilidade no território, permitindo a circulação de veículos de grande porte e de prestação de serviços; IV - oferta de transporte público regulamentado, para atendimento à comunidade. (SALVADOR, 2017a).

O atendimento a esses critérios para a delimitação dos bairros pela Lei nº 9.278 (SALVADOR, 2017a),72 ao impor condições urbanísticas aos critérios de identidade e pertencimento, acaba por penalizar bairros que sofrem com a ausência de infraestrutura e de serviços coletivos – sobretudo os bairros populares, onde a presença do Estado se faz predominantemente por meio da ação ostensiva da polícia (estadual e municipal). A Lei define o bairro como

70 A Lei que criou bairros, distritos e subdistritos em Salvador no ano de 1960 contava com apenas 32 bairros, não tendo sido atualizada desde então (SALVADOR, 1960). 71 O livro Caminho das Águas em Salvador : Bacias Hidrográficas, Bairros e Fontes, organizado por professores das Escolas de Administração e Politécnica da UFBA e técnicos da Prefeitura, é resultado de uma pesquisa realizada entre 2006 e 2010, que inicialmente tratava da delimitação e avaliação da qualidade das bacias hidrográficas de Salvador, desenvolvendo-se posteriormente para a delimitação de bairros, tendo como principal critério o sentimento de pertencimento dos seus moradores, coletado por meio de reuniões, questionários e entrevistas, mas também a existência de equipamentos e serviços coletivos (SANTOS et al, 2010). 72 A Lei de bairros de 1960 autorizava a criação de novos bairros a partir de critérios muito próximos à Lei de 2017, exceto pelos critérios de pertencimento, identidade e autorreconhecimento: “Fica o Prefeito autorizado a criar, quando julgar conveniente aos interesses da administração, novos bairros em locais que para tanto venham a preencher as seguintes condições: 1ª tradição de nome e de usos e costumes característicos; 2ª meios próprios de abastecimento, recreação, saúde, educação e transporte; 3ª núcleo de população razoável que justifique a criação de vias e meios de transporte e outros benefícios.” (SALVADOR, 1960). 86

[...] a unidade territorial com densidade histórica e relativa autonomia no contexto da cidade, que incorpora noções de identidade e pertencimento dos residentes e usuários, os quais utilizam os mesmos equipamentos e serviços comunitários, mantêm relações de vizinhança e reconhecem seus limites pelo mesmo nome. (SALVADOR, 2017a).

A vinculação da constituição do bairro à sua autonomia, ainda que relativa, como diz o artigo da lei, vai de encontro às discussões sobre as definições de bairro apresentadas neste capítulo (nas subseções 3.1 e 3.2). Os critérios de identidade, pertencimento e autorreconhecimento dos seus limites constituem um entrave à sua delimitação, uma vez que todos esses condicionantes são fluidos e estão em constante construção e transformação (LEFÈBVRE, 1978; MASSEY, 2004, 2008; PURCELL, 2006; SANTOS, 2004; SOUZA, 1989; SWYNGEDOUW, 2004). É de se questionar que, já que se tratam de unidades administrativas e têm a finalidade de padronizar informações de diferentes órgãos e companhias prestadoras de serviços e direcionar políticas públicas, não bastariam os critérios urbanísticos e de população para delimitá-los? Exemplos da dificuldade de utilização dos critérios de identidade e pertencimento na delimitação foram as oito solicitações reivindicando o status de bairro, surgidas até a aprovação da Lei: 2 de Julho, Alto do Cruzeiro, Chame- Chame, Colinas de Periperi, Horto Florestal, Ilha Amarela, Mirantes de Periperi e Vista Alegre conseguiram, por meio de vereadores, submeter emendas ao projeto de lei, que foram aprovadas com a condição de verificação do atendimento aos requisitos por ele estabelecidos, devendo ser realizada por equipe técnica a ser definida pelo executivo municipal (SALVADOR, 2017a). Os estudos das oito reivindicações estão sendo concluídos por equipe contratada pela Prefeitura. Embora a Lei preveja, em caso de necessidade, a possibilidade de revisão da delimitação atual dos bairros, os trâmites para tal passam pela construção de justificativa que demonstre o atendimento aos critérios expostos na Lei, o que não constitui tarefa simples. O bairro 2 de Julho contou com apoio da equipe do Plano de Bairro para a construção de justificativa e da Vereadora Marta Rodrigues para condução da estratégia política de convencimento dos demais vereadores. A disputa pelo status de bairro, no caso do 2 de Julho, se justificava pelo (recente) histórico da sua luta por permanência, que, como veremos na seção seguinte, passou pela afirmação do nome e da identidade do bairro, mas também pelo risco de futuras perdas em equipamentos e serviços públicos. O que estava em 87 disputa, além da identidade e das condições de permanência dos atuais moradores, era o aumento das possibilidades de atendimento de demandas de equipamentos e serviços públicos, como creches, escolas, posto de saúde.73 Para a Prefeitura, a delimitação dos bairros é importante, pois o bairro passará a ser a unidade de referência do planejamento urbano. Segundo a Presidente da Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), Tânia Scofield,74 a produção de informações e indicadores das diversas áreas relacionadas ao campo do urbanismo será construída para os bairros, e está em desenvolvimento um sistema georreferenciado de informação que irá contribuir tanto para o planejamento como para o seu monitoramento. Com isso, ela afirma que o bairro vai ser a unidade de referência para a distribuição de equipamentos, de serviços e de recursos na cidade. Nesse sentido, as reivindicações de moradores pela inclusão dos seus bairros em Lei passa não só pelo reconhecimento como tal, mas pela ampliação de acesso a equipamentos e serviços.

3.4.1.2 Governo do Estado da Bahia

A atuação do Governo do Estado no Centro Antigo de Salvador (CAS)75 merece destaque pelas suas ações de planejamento e elaboração de projetos visando seu desenvolvimento, com o slogan “bom para morar, trabalhar, frequentar e visitar”. As ações para essa nova investida na recuperação do CAS tiveram início

73 No ano de 2015, o Posto de Saúde da Família Dona Iraci Isabel Da Silva – Gamboa foi ameaçado de fechamento alegando a necessidade de reforma do imóvel, sendo anunciado pela prefeitura sua relocação para outro bairro. Após pressão de moradores, a Prefeitura cedeu e negociou com o proprietário a reforma do imóvel para a permanência do serviço no local (Ladeira dos Aflitos). O Colégio Estadual Ypiranga enfrenta atualmente sua terceira ameaça de fechamento pelo Governo do Estado; nas duas primeiras tentativas, moradores, estudantes e professores conseguiram manter a escola em funcionamento no local (Rua do Sodré), mas na terceira tentativa e até dezembro de 2018, mesmo com toda a movimentação pela sua permanência, apenas se conseguiu que a escola se mantivesse ativa em 2019, porém sem abertura de novas matrículas, apenas sendo rematriculados os já estudantes do colégio, sinalizando o adiamento do plano de fechamento. Importante destacar que o anúncio do fechamento do Colégio Ypiranga veio no pacote de fechamento de cerca de 100 escolas de ensino médio e fundamental no Estado da Bahia, transferindo os estudantes do fundamental para a rede municipal, alegando se tratar de um reordenamento da rede, em cumprimento das determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 74 Entrevista concedida à autora em 30 de maio de 2018. 75 Desde a década de 1990, quando da elaboração e implementação do Projeto de Recuperação do Centro Histórico de Salvador – na época o governador do Estado era Antônio Carlos Magalhães – o Governo do Estado da Bahia assumiu a recuperação e a gestão do CHS – projeto que ficou mundialmente conhecido pela expulsão em massa da população pobre moradora da área e pelo seu modelo insustentável de Centro Histórico como shopping center a céu aberto (MOURAD, 2012; REBOUÇAS, 2012a; SANT‟ANNA, 2004). 88 em 2007, com a criação de um órgão gestor com esse propósito específico – o Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador (ERCAS). Em 2009 é concluído o Plano de Reabilitação do Centro Antigo,76 elaborado em parceria com a UNESCO. Foi a primeira iniciativa de planejamento do CAS – e mesmo do Centro Histórico – a incorporar consulta à sociedade, com base em princípios do planejamento estratégico. O processo de participação, no entanto, foi extremamente controlado e dirigido, amparado em lógica de resultados, sem, no entanto, permeabilidade na concepção e nas práticas previamente definidas (REBOUÇAS; MOURAD, 2012). Nos estudos realizados para a elaboração do plano, foram levantados 1.100 imóveis fechados e em ruínas, para os quais o plano inicialmente propôs a construção de 5.000 novas unidades habitacionais para famílias de renda média, preferencialmente com renda superior a cinco salários mínimos (BAHIA, 2010). Posteriormente, esses imóveis aparecem vinculados à criação de um Fundo de Investimento Imobiliário (FII), devendo ser colocados de volta ao mercado pela iniciativa privada, que poderá adquirir cotas do FII, não havendo nenhum tipo de discussão pública sobre a destinação desses imóveis. Nos anos 2010, o Governo do Estado inicia a implementação do seu Plano de Reabilitação77 e, mesmo acolhendo demandas dos movimentos e admitindo equívocos nas iniciativas de reforma anteriores, valorizando o elemento cultural, a população residente e a moradia, também adota características de gestão empresarial, com propostas de valorização econômica e rentabilidade imobiliária (REBOUÇAS; MOURAD; PUGLIESI, 2017).

76 No Plano de Reabilitação foram delineadas 14 proposições baseadas no entendimento de que “a reabilitação de áreas urbanas e sítios históricos só é possível considerando a inclusão social, a redução dos efeitos da gentrificação e a conservação dos valores socioculturais locais” (BAHIA, 2010, p. 276). 77 Sua implementação, no entanto, não priorizou a melhoria das condições de habitabilidade para famílias ocupantes das áreas de risco nas encostas, sendo cumprida apenas a entrega para parte da comunidade do Pilar. Por outro lado, têm sido realizadas diversas intervenções de valorização da área, como iluminação, pavimentação, recuperação de fachadas, além de se priorizar a estruturação da modelagem financeira com adesão da iniciativa privada. Dentre os principais dados da execução na dimensão do impacto no espaço e intervenções físicas do Plano, divulgadas no final de 2014 (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DA BAHIA; DIRETORIA DO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR, 2015), destaca-se a intervenção de requalificação de ruas e pavimentação de 84 vias nos bairros do CAS (com obras de infraestrutura e requalificação, calçadas, rampas, ciclofaixas etc.), em cinco lotes, em parceria com o Governo Federal e com recursos de R$ 123 milhões do PAC 2/PAC PAVIMENTAÇÃO. (REBOUÇAS, MOURAD; PUGLIESI, 2017). 89

Nesse panorama, é importante perceber a priorização de investimentos em uma infraestrutura que valoriza o Centro Antigo também como espaço atrativo ao mercado, através de obras e intervenções de pavimentação, iluminação, recuperação de fachadas etc., em detrimento do atendimento de demandas de movimentos sociais como, por exemplo, de moradia para população de baixa renda. Em dezembro de 2013, o então governador Jaques Wagner anuncia um conjunto de investimentos para o que chamou de “Novo Centro Antigo”, que previa, além da recuperação de monumentos e requalificação de vias e do próprio FII, a desapropriação de imóveis em quatro grandes áreas no CAS – via decretos de utilidade pública (BAHIA, 2013a, 2013b, 2013c, 2013d). A justificativa desses decretos era a preservação, conservação e/ou requalificação dos imóveis, de maneira a permitir a reabilitação histórica, cultural e econômica do Centro Antigo de Salvador. O FII era a ação chave, que garantiria ao Estado fundos suficientes para viabilizar financeiramente as demais ações para o “Novo Centro Antigo”. No lançamento do projeto, o governador anunciou a criação de uma empresa pública para gerir o patrimônio imobiliário – a ser adquirido mediante processo de desapropriação com indenizações oriundas dos cofres públicos:

A proposta é criar uma empresa pública para gerir o patrimônio imobiliário, além de aliená-lo em fidúcia a um Fundo de Investimento Imobiliário, como forma de alavancar recursos para melhor desempenhar esta atividade. [...] Trata-se de um instrumento característico da área privada, do mercado de capitais, mas que também pode ser uma entidade de natureza pública. (BAHIA, 2010, p. 336).

Dentre os imóveis desses decretos estavam localizadas áreas no 2 de Julho. Curiosamente, no mesmo período, a Prefeitura de Salvador decretou para fins de desapropriação (SALVADOR, 2013) cerca de 50 imóveis para o projeto de requalificação do entorno da Ladeira da Preguiça e adjacências (Figura 2). Em nenhum caso foram apresentados os projetos de requalificação indicados como finalidade dos decretos, nem publicizados procedimentos e alternativas, apesar das denúncias e mobilização de moradores, em especial do 2 de Julho e Ladeira da Preguiça. Essas denúncias reivindicavam a elaboração de projetos participativos, 90 conforme representação protocolada no Ministério Público Estadual78 pelo Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho.

Figura 2 – Áreas do 2 de Julho incluídas nos decretos de desapropriação do Governo do Estado da Bahia

Fonte: Manzi e colaboradores (2018).

78 Denúncia feita pelo Movimento Nosso bairro é 2 de Julho em dezembro de 2013 e ratificada em março de 2014. 91

Embora o Estado tenha alegado que os imóveis estariam em ruínas, subutilizados e sem cumprimento da função social da propriedade, muitos ainda estão ocupados por famílias ou estabelecimentos comerciais.79 Além disso, ainda que vazios ou mal conservados, a discussão da destinação desses imóveis, do seu uso, de como se dará a articulação desses projetos com o entorno e a participação dos moradores são elementos que não estão transparentes. Os projetos para algumas dessas áreas relacionadas aos decretos de desapropriação e ao FII ficam mais evidentes com o lançamento do Edital de Solicitação de Proposta nº 27.911/2015 para realizar Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV), com o objetivo de “avaliar os impactos gerados pela implementação de novos empreendimentos no bairro do Comércio” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVMENTO; COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DA BAHIA; DIRETORIA DO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR, 2015, p. 1). As oito áreas objeto da proposta, que incluem áreas na Ladeira da Conceição, Ladeira da Montanha, Avenida Contorno, Rua Visconde de Mauá e Ladeira da Misericórdia, coincidem com as áreas declaradas de utilidade pública para fins de desapropriação pelo Decreto Estadual nº 14.868/2013 (BAHIA, 2013d), com propostas que incluem residenciais de alto padrão, shopping, estacionamento, hotel de charme e salas comerciais (REBOUÇAS, MOURAD; PUGLIESI, 2017). Até o final de 2018, nenhuma desapropriação relativa às áreas do CAS tinha sido efetivada e a proposta do FII havia sido suspensa pela CONDER – responsável legal pelas desapropriações e pela montagem e futura gestão do Fundo. O governador Rui Costa anunciou que o FII não ficaria mais restrito ao CAS, e que sua abrangência seria ampliada para todo o Estado. Também no final de 2018, foi lançado o Edital 002/2018 pela– Empresa Baiana de Ativos S/A (BAHIAINVESTE), com o objetivo de contratar pessoa jurídica para prestação de serviços técnicos especializados, denominados de Estudos de Pré-Viabilidade Econômico-Financeira

79 Foi realizado levantamento preliminar, em janeiro de 2014, por um grupo de moradores do Bairro 2 de Julho, em uma ação porta-a-porta, de informações sobre alguns imóveis constantes dos decretos de desapropriação que atingem áreas naquele bairro – Decreto Municipal 24.435/2013 (SALVADOR, 2013) e Decreto Estadual 14.865/2013 (BAHIA, 2013a): dos 49 imóveis visitados, 41 estavam ocupados por famílias com uso residencial ou comercial (alguns há mais de 20 anos), 6 fechados/vazios ou abandonados, 2 em aluguel; a maioria dos moradores consultados são inquilinos e ocupantes informais e não possui título de propriedade. 92 do Fundo de Investimento Imobiliário do Estado da Bahia (FII-BA). Em janeiro de 2019 foi assinado o contrato com a Elemental Desenvolvimento Imobiliário e Concessões Ltda, empresa ganhadora da licitação, para a realização dos estudos, no valor de R$ 100 mil. O FII não é, no entanto, a única grande ação do Governo do Estado no CAS. O Governo da Bahia, através da DIRCAS, contratou consultoria para elaboração de um Masterplan80 Estratégico para o Centro Antigo de Salvador (ANEXOS C e D), desenvolvida pelo escritório Stuchi & Leite Projetos & Consultoria e Levisky Arquitetos Associados, para definição de estratégias de reabilitação urbana que viabilizassem a implantação das 14 proposições do Plano de Reabilitação, de modo a

[...] fazer o Centro Antigo voltar a ser adequado para se viver e morar e conectá-lo ao conjunto da cidade através de 20 ações estratégicas que acontecem em momentos de cenários com visão de futuro de 3, 6 e 9 anos, incluindo a recuperação dos imóveis para se morar, atraindo 10 mil moradores, multimodalidade (ascensores, VLT, Bonde-tram, ciclovias), reabilitação das infraestruturas urbanas, patrimônio e espaços públicos e estratégia de desenvolvimento econômico local, estruturação e Modelagem Urbanística e Econômico-financeira. (LEITE; LEVINSKY, 2014).

O plano de desenvolvimento socioeconômico do Masterplan foca nos conceitos centrais de “habitar e conectar” para “regenerar” o Centro. O eixo da conexão é focado na articulação dos sistemas de mobilidade da cidade, planos inclinados (especialmente áreas do Taboão, Pilar, Castro Alves e Santo Antônio), ciclovias, metrô, VLT e BRT. Já o eixo da moradia prevê a atração de população com rendas diferenciadas, com permanência daqueles que já moram no local, construção de equipamentos de uso coletivo e participação dos grupos comunitários. A moradia no CAS seria viabilizada com a “instalação de Habitação de Mercado, com a implementação do Fundo de Investimento (FII), empreendimentos não residenciais e instalação de Habitação de Interesse Social (MCMV)” (LEITE; LEVINSKY, 2014). Sobre a utilização dos 1.100 imóveis vazios, em ruínas ou subutilizados mapeados (GORDILHO-SOUZA, 2009), foi feita a projeção de 8.000 unidades imobiliárias para habitação, sendo que 5.000 seriam destinadas à habitação de mercado, mais de 60% do total das unidades imobiliárias. As outras

80 termo em inglês utilizado para representar planos urbanísticos vinculados ao planejamento estratégico e ao urbanismo corporativo. 93

3.000 unidades seriam destinadas para atender à demanda de famílias em risco social identificadas no Plano de Reabilitação de 2010. As ações de mobilidade e povoamento parecem ser centrais no Masterplan para atrair o interesse do mercado imobiliário e privado e fortalecer a valorização da área. Alguns projetos relativos ao Masterplan estão concluídos, porém não se tem previsão da sua execução.

3.4.2 Corporações/empresas imobiliárias

A atuação das empresas imobiliárias na escala do bairro tem se dado, sobretudo, por meio da produção de condomínios fechados que foram ganhando extensão e complexidade, caracterizando o que Fernandes (2013a, p. 98) chama de “bairros planejados”, que podem ser definidos como “verdadeiras franquias urbanísticas, possíveis de serem replicadas mundo afora, numa espécie de produção industrial do território”. Configuram-se, geralmente, como uma modalidade de empreendimento habitacional que congrega atividades, serviços, infraestruturas e volumes populacionais equivalentes a bairros, inclusive se considerarmos como referência, por exemplo, o que estabelece a Lei nº 9.278 (SALVADOR, 2017a).81 Essa alusão ao planejamento como condição para a realização da qualidade de vida se coloca (implicitamente?) em contraposição direta aos bairros tradicionais (ou mais antigos e consolidados) das grandes cidades que, supostamente, não teriam sido planejados,82 contrapondo-se, ainda, aos bairros populares que crescem em extensão e em densidade construtiva e populacional sem a devida provisão dos serviços e infraestruturas básicas, como, por exemplo, saneamento e equipamentos coletivos. Os bairros planejados pelos empreendedores imobiliários se apresentam como soluções – ainda que localizadas – ao caos da grande cidade, mesmo que a inserção ou a proximidade dos grandes centros urbanos seja condição necessária para a sua viabilização. Em seus produtos publicitários, frequentemente apelam para a promessa de segurança e qualidade de vida que, claro, restringir-se-ão aos limites do novo bairro.

81 Ver os critérios para configuração de bairro na subseção 3.4.1. 82 O que, na maioria das vezes, não corresponde à realidade, pois o que costuma ocorrer, no Brasil, é que ao mal planejamento se atribui a qualidade de não planejamento. 94

Os novos empreendimentos, especialmente os de médio e grande porte – geralmente destinados às classes A e B –83 trazem nas suas propostas e nos seus portfólios o “diferencial” de se proclamarem autossuficientes, pois no mesmo empreendimento estariam todas as funções necessárias à reprodução da vida urbana: junto com a moradia, esses bairros autossuficientes ofereceriam também os equipamentos coletivos relativos à educação, saúde, lazer e, o mais importante, nesses bairros o morador também pode trabalhar – em seus edifícios comerciais – sem enfrentar os grandes congestionamentos e “perigos” da cidade grande. Esse “novo conceito de morar”, como é anunciado pelos seus proponentes, recebeu forte influência da corrente New Urbanism, que teve seu primeiro congresso realizado em 1993.84 Em 1996, como resultado do IV Congresso do New Urbanism (CNU), é assinada a sua Carta, que tem seus princípios pautados na diversidade de uso e de população dos bairros, no desenho urbano universalista – orientado para o fim do conflito entre pedestres e carros – e na prática arquitetônica que valorize a história local, o clima, a ecologia etc. Essa corrente urbanística surge em contraponto ao processo de suburbanização estadunidense e à engessada funcionalização dos espaços urbanos produzidos pelo urbanismo modernista. Para a escala do bairro, em específico, a CNU defende que sejam compactos e amigáveis aos pedestres, possibilitando que a maior parte das atividades cotidianas dos seus moradores seja realizada a pé. Devem ser oferecidas diferentes tipologias de habitação para que pessoas de diferentes perfis possam se alocar em diferentes padrões de densidade, além de corredores viários que permitam a conexão dos bairros com a metrópoles. As atividades comerciais, institucionais e cívicas devem, sempre que possível, ser disponibilizadas nos bairros, para evitar deslocamentos motorizados, possibilitando que todos, inclusive crianças, possam se deslocar a pé e com autonomia. Não por acaso, os organizadores do Congresso que deu origem à CNU, os arquitetos e planejadores urbanos Peter Calthorpe, Andres Duany, Elizabeth Plater- Zyberk, Elizabeth Moule, Stefanos Polyzoides e Daniel Salomon, tornaram-se os maiores consultores e projetistas do novo modelo. A DPZ, por exemplo, formada

83 Classes A e B são definidas pelo IBGE são aquelas que dispõem de renda familiar acima de 20 e entre 10 e 20 salários mínimos, respectivamente. 84 “Em outubro de 1993, foi realizado o I Congresso do Novo Urbanismo, ICNU, na cidade de Alexandria, estado da Virginia, nos Estados Unidos da América, que contou com a participação de aproximadamente cento e setenta profissionais, de diversos campos de atuação.” (MACEDO, 2007, p. 1). 95 pelos Arquitetos Andres Duany e Elizabeth Plater-Zyberk, desde a década de 1980 projeta pequenas cidades, distritos e bairros com base nos princípios da CNU e teve seu volume de contratos quadruplicado após o Congresso de 1996. De acordo com seu portfólio de projetos (DPZ, 2018a), num período de 17 anos, entre 1980 e 1996, o escritório elaborou 23 projetos nessas escalas; entre 1997 e 2015, período de 19 anos, foram elaborados 96 projetos (93 a partir dos anos 2000). Sua atuação internacional também aumentou surpreendentemente após 1996: até 2015 foram elaborados 29 projetos em 21 países estrangeiros, enquanto até 1996 a DPZ somente tinha atuado em um país fora dos Estados Unidos, o Canadá. No Brasil, foram sete os projetos elaborados pela DPZ, quatro pequenas cidades (towns) e 2 projetos de quarteirões: os distritos de a) Pedra Branca, no município de Palhoças (SC), lançado no final dos anos 1990, que teve como âncora a instalação da Universidade do Sul de Santa Catarina. O projeto inicial tinha cerca de 48ha e hoje conta com 2.300 lotes, em cerca de 250 hectares, e cerca de 5 mil moradores (PEDRA BRANCA, 2006);85 b) Santa Paula, iniciado em 2001, em Campinas (SP), com cerca de cinco mil unidades, 445 ha e, segundo a própria DPZ, “o primeiro projeto no Brasil a demonstrar que a aplicação dos princípios do New Urbanism pode produzir novas comunidades vitais e autossuficientes” (DPZ, 2018b, tradução nossa); c) Costa Verbena, iniciado em 2010, com 300ha no município de Pititinga (RN) (DPZ, 2018c); d) Vale do Jurerão, iniciado em 2011, no município de Florianópolis, com cerca de 510ha (DPZ, 2018d) e; e) Brisas, iniciado em 2011, em Campo Grande (MS), com 302ha (DPZ, 2018e); e os quarteirões f) Quartier Olímpia, iniciado em 2010, com 9ha (DPZ, 2018f) e; g) Ribeirão, iniciado em 2011, em Ribeirão Preto (SP), com área de 1,5ha (DPZ, 2018g), ambos destinados, predominantemente, a atividades terciárias. Embora a atuação desses escritórios no Brasil não tenha sido de grande volume, os princípios do New Urbanism difundiram-se também por aqui e passaram a compor os projetos de grandes incorporadoras imobiliárias, como a Gafisa, Cyrela

85 No site do empreendimento é anunciado que “um bairro-cidade para 40.000 moradores, 30.000 empregos e 10.000 estudantes vem sendo construído, com horizonte de conclusão do núcleo principal em 2020”. Sobre a concepção do projeto, explicam que “sustentabilidade foi a inspiração e continua sendo a meta de longo prazo de nosso negócio. Para tornar o empreendimento Pedra Branca uma realidade, fomos buscar referências em diversos países, pesquisando como encontrar um ponto de equilíbrio entre ocupação urbana, o respeito ambiental e o foco nas pessoas. Encontramos no movimento do Novo Urbanismo, referências para orientar nosso trabalho, ao apontar conceitos e práticas inovadoras no planejamento e construção de comunidades sustentáveis” (PEDRA BRANCA, 2006). 96 e a JHSF.86 Em Salvador, dois empreendimentos chamam atenção pela sua escala e pela sua proposta: o Le Parc Residential Resort e o Horto Bela Vista. O primeiro, lançado em 2007 pela Cyrela Urbanismo,87 foi concluído em 2012 e ocupa uma área de cerca de 10ha, com 18 torres de 16 andares, somando 1.138 apartamentos de tamanhos e tipologias diferentes (CYRELA, 2019). O que diferencia o Le Parc de outro empreendimentos, segundo o arquiteto autor do projeto, é o conceito de condomínio resort, que seria “dotado de uma infraestrutura de lazer similar à de um grande hotel ou clube, surge para atender a uma demanda por lazer dos seus moradores sem o stress dos deslocamentos no trânsito caótico das grandes cidades, aliada à segurança de um condomínio fechado” (LE PARC..., 2012) ou, como define a própria Cyrela, “um conceito de lazer exclusivo, qualidade construtiva e integração com o verde que surpreendem” (CYRELA, 2019). Quando perguntado sobre o perfil do morador do empreendimento, SmarcevsckI (LE PARC..., 2012) responde:

Os apartamentos variam de 112 a 240m2, portanto atendendo a famílias da classe média, média-alta que prezam o conforto, segurança e qualidade de vida. Os moradores do Le Parc terão opções de lazer que dificilmente encontrariam em condomínios convencionais ou até mesmo em clubes sociais, por conta da generosidade dos espaços de lazer comum, tanto abertos quanto fechados: um clube completo com aproximadamente 2.000m2 de área construída com piscina coberta, academia, spa, saunas, estar, salão de beleza, empório, piscinas externas infantil e adulto com 1.400m2, deck, quadra poliesportiva, duas quadras de tênis e campo de futebol. Para aqueles mais reservados, que não gostem da agitação do clube, há espaços mais reservados de lazer no play ground de cada torre e uma piscina a cada duas torres.

A proposta do Le Parc se aproxima de boa parte dos princípios do New Urbanism, especialmente no que se refere à densidade da ocupação e à valorização do pedestre – embora os deslocamentos fora do empreendimento sejam geralmente

86 Anterior à adoção dos princípios do New Urbanism pelas construtoras e incorporadoras brasileiras, a Alphaville Urbanismo S/A – inicialmente em 1972 e até 1994 como Construtora Albuquerque, Takaoka – inaugurou uma nova fórmula de produção habitacional em massa – os condomínios fechados. Em 2002 é inaugurado o Alphaville Salvador, com cerca de 130ha de área total e próximo ao principal eixo de expansão da cidade, a Avenida Paralela, nos mesmos moldes dos empreendimentos padrão da empresa: “condomínios horizontais fechados, exclusivamente residenciais, localizados em áreas periféricas de urbanização, próximos a grandes eixos rodoviários de mobilidade, administrados por associações de moradores que, além de assumirem os custos de gestão, manutenção e segurança, servem como protetores dos parâmetros urbanísticos definidos pela construtora” (PESCATORI; ABREU, 2016, p. 14). 87 A Cyrela Urbanismo é uma marca da incorporadora Cyrela, com mais de 55 anos de atuação no ramo imobiliário, com empreendimentos (concluídos e em execução) em 16 estados e no Distrito Federal – a marca Cyrela Urbanismo, no entanto, é de 2006. Em sua página na internet, afirma haver mais de 200 mil famílias residindo em imóveis por ela construídos (CYRELA, 2019). 97 feitos por meio de automóveis; oferece opções de lazer suficientes para reduzir deslocamentos fora do condomínio; seus apartamentos possuem diferentes tipologias para diferentes padrões familiares – são cinco tipologias diferentes, entre 112,91m² e 243,45m² que variavam, no seu lançamento, de 420 mil a 1 milhão de reais (CARVALHO, 2011); está localizado na Avenida Paralela, que possibilita sua conexão com toda a cidade de Salvador e região metropolitana e possui um “cinturão verde” de 22 mil m² margeando parte do empreendimento.88 No entanto, embora o condomínio disponha de serviços de um resort, e de comércio de vizinhança, possui uso predominantemente residencial, não oferecendo aos seus moradores a possibilidade de estudar e trabalhar no próprio empreendimento, além de se localizar na malha urbana de Salvador, não sendo possível desfrutar. Nesse sentido, o Horto Bela Vista (HBV) se aproxima ainda mais dos princípios do New Urbanism, quando propõe um empreendimento de uso misto ou, nas palavras dos seus promotores, “um bairro que reúne tudo num só lugar” (HORTO BELA VISTA, 2019). No lançamento do empreendimento, em 2008, foi anunciado que esse bairro “completo” ofereceria moradia com diversidade de tipologias de apartamentos, escola, edifícios empresariais, hotel,89 concentração de comércios e serviços e “muita área verde”. Atualmente, o HBV, um empreendimento da JHSF – corporação que investe em “negócios voltados a atender ao público de alta renda” (JHSF, 2019), sendo a incorporação imobiliária apenas um dos seus campos de atuação –, possui, construídas, nove torres de 43 andares, um clube, um parque e um shopping center, ocupando uma área de 32,8ha e anunciando-se como “um dos bairros mais valorizados da capital baiana”. Além dos seus próprios investimentos em infraestrutura, o empreendimento contou com investimentos da Prefeitura e do Governo do Estado para se viabilizar enquanto negócio. A área onde o empreendimento foi implantado, antes do funcionamento da Estação Acesso Norte, da Linha 1 do Metrô – iniciada pela Prefeitura e concluída pelo Governo do

88 É importante observar que, ainda que os princípios do New Urbanism se refiram à diversidade populacional como um componente importante dos seus projetos, o acesso aos seus empreendimentos, tal como no Le Parc, é condicionado à renda dos seus compradores, por se tratarem, em geral, de empreendimentos de alto padrão, sendo acessíveis apenas a populações de renda alta e média-alta. 89 Inicialmente, o projeto do Horto Bela Vista incluía três torres empresariais e um hotel. A empresa de consultoria que elaborou o estudo de altura para o empreendimento o definiu como “Uma mini- cidade: 19 torres residenciais, 3 empresariais, hotel, shopping, centro de convenções, clube, escolas muita área verde e de lazer. Edifícios com 43 andares. Tudo na área de influência do aeroporto, a 17 Km de distância” (HILTON GORDILHO PROJETOS E CONSULTORIA, 2019). 98

Estado – e da Via Expressa Baía de Todos os Santos – uma obra de infraestrutura viária que liga o porto de Salvador à BR-324 e que construiu diversos viadutos e soluções viárias para a Rótula do Abacaxi, local de constantes congestionamentos de veículos da cidade –, foram fundamentais para a viabilidade tanto das torres residenciais como do shopping center, e já faziam parte da divulgação do projeto na página do empreendimento:

Situado a cinco minutos do centro comercial da capital, no final da Av. Antonio Carlos Magalhães, junto ao acesso Norte, o bairro Horto Bela Vista tem localização privilegiada e acesso fácil às regiões mais importantes de Salvador. O ingresso ao bairro está sendo ainda mais rápido, após o investimento no sistema viário, realizado pela JHSF e de projetos do poder público, como a Via Expressa Baía de Todos os Santos. (HORTO BELA VISTA, 2019).

Em 2007, uma tentativa de ação corporativa operada pelas empresas Eurofort Patrimonial e RFM Participações sobre um bairro tradicional construído e ocupado ganhou forma no 2 de Julho.90 Trata-se do Cluster Santa Tereza (Figura 3), um projeto formulado em 2007 que, segundo Mourad (2011, p. 151), “tem como programa o desenvolvimento de habitação de luxo, lojas de grife, serviços ligados ao turismo e ao lazer“. O projeto destinava-se a impulsionar o investimento imobiliário na área e se inspirava em experiências de renovação urbana realizadas em Nova Iorque (Estados Unidos), Havana (Cuba), Buenos Aires (Argentina) e Lisboa (Portugal) como referência (Figura 4). Esses projetos, embora tenham logrado reconfigurar a paisagem dos locais onde ocorreram, também são conhecidos pelas expulsões de antigos moradores, seja pela ação direta do Estado, seja pelos efeitos da especulação imobiliária.

90 A Eurofort Patrimonial e a RFM Participações LTDA são empresas que possuem como atividades econômicas a incorporação imobiliária e a compra e venda de imóveis. Segundo Mourad e Figueiredo (2012, p. 1), no projeto do Cluster Santa Tereza, essas empresas funcionavam “como agenciadores de grandes investidores para a proposta deles, principalmente internacionais”. 99

Figura 3 – Poligonal do Cluster Santa Tereza

Fonte: Mourad (2011, p. 156).

A poligonal do Cluster possuía 15ha e as empresas chegaram a adquirir 50 imóveis, alguns deles já em ruínas, mas alguns ainda ocupados, com o objetivo de restaurá-los e transformá-los “em restaurantes, lofts, cafés, galerias e outros tipos de estabelecimentos, gerando uma verdadeira requalificação urbana promovida pela iniciativa privada" (MOURAD, 2011, p. 152), ou simplesmente apostando no interesse de outros investidores. O projeto englobava boa parte do 2 de Julho,91 um bairro predominantemente residencial, mas com pulsante atividade comercial e de serviços no entorno da Praça Inocêncio Galvão, do Largo 2 de Julho, da Rua do Cabeça e Rua da Forca. O nome dado ao empreendimento teve como referência o Convento Santa Tereza, imóvel tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico,

91 A referência utilizada para considerar os limites do bairro 2 de Julho foi a poligonal definida em atividades do Plano de Bairro junto com seus moradores, que serão discutidas na seção 4. Com exceção da Rua Manoel Vitorino (parte norte da Figura 1), a poligonal, toda a área do cluster parte do bairro. 100

Artístico e Natural (IPHAN), localizado na Rua do Sodré, que atualmente abriga o Museu de Arte Sacra da Bahia, gerido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Figura 4 – Folder Santa Tereza – verso

Fonte: Mourad (2011, p. 151).

Além do convento, o empreendimento também mobilizava outros atributos locais para sua própria valorização, como a Baía de Todos os Santos (BTS), parte da poligonal de tombamento da UNESCO – que inclui a Ladeira da Preguiça e parte da Rua do Sodré –, além de se apropriar do cotidiano do bairro e dos próprios moradores, que, veremos, não estavam incluídos nos perfil de investidores (Figura 5).

101

Figura 5 – Folder Santa Tereza – anverso

Foto: Mourad (2011, p. 164).

A proposta do Cluster Santa Tereza incluía três empreendimentos âncora que impulsionariam o desenvolvimento do projeto em fases distintas: o Txai Salvador Hotel & Residence,92 nas Ruas Areal de Cima e Visconde de Mauá, o Cloc Marina Residence e o Residencial Adelaide, ambos na Avenida Lafayete Coutinho (Avenida Contorno). O Txai Salvador93 era a primeira grande aposta para impulsionar o desenvolvimento do Cluster Santa Tereza e tinha como a representante dos seus interesses no Brasil a Companhia Brasileira de Desenvolvimento Imobiliário Turístico (INVEST TUR). Além do hotel, incluía duas unidades imobiliárias, o Txai Residence e o Txai Exclusive, e um restaurante para atendimento aos hóspedes e não hóspedes.94 A área do empreendimento ocuparia quatro imóveis na Rua Areal de

92 A rede de hotéis Txai é uma das bandeiras operadas pelo grupo Brazil Hospitality Group, empresa do segmento imobiliário, com especialização em hotelaria. 93 Dos três empreendimentos âncora, apenas o Txai Salvador não foi construído e, mais recentemente, os imóveis adquiridos para a implantação do hotel foram juntos a leilão pelo valor de R$ 5 milhões. 94 Segundo Mourad (2011, p. 156), “Depois de uma estratégia bem sucedida de valorização da área, os imóveis adquiridos para implantar o Hotel TXAI SALVADOR pertencem agora à Brazil Hospitality Group – BHG, nova marca, resultado da fusão celebrada em janeiro de 2010 entre a INVEST Tur e a Latin America Hotels. O processo de união entre as duas empresas consolidou e 102

Cima – três deles em ruínas –, além de um terreno na Rua Visconde de Mauá. Imóveis de uma antiga vila operária, na Travessa Aquino Gaspar, entre o fundo dos imóveis da Rua Areal de Cima e o Convento Santa Tereza, foram comprados e seus moradores foram retirados – a que tudo indica apenas por estarem fora do perfil imaginado para o público dos empreendimentos, porque de baixa renda (Figura 6). O Cloc Marina Residence foi lançado em 2009 e é um conjunto de edifícios residenciais de alto padrão – promovido pelo grupo espanhol Nova Dimensão, associado à construtora Garcez – voltado para um público estrangeiro e população com alto poder aquisitivo; é constituído de quatro edificações: três edifícios residenciais95 e um edifício para lazer e entretenimento, este último resultado da recuperação de um imóvel considerado de valor histórico e cultural pelo IPHAN. A implantação do empreendimento gerou diversos questionamentos pelos moradores do entorno e pelo Ministério Público da Bahia (MP/BA),96 por ter sido implantado em área non aedificandi,97 que também se encontra em área de preservação municipal, a Área de Preservação Cultural e Paisagística Centro, instituída em 1983 pela Lei nº 3.289 (SALVADOR, 1983) e ratificada pelos PDDUs de 2008 e 2016, o que significa que essa área, pelas suas características e importância de valor paisagístico e cultural, devem obedecer a regras mais restritivas de ocupação do solo, para garantir a preservação de tais características. Além disso, a construção do Cloc Marina Residence causou danos às estruturas de edificações existentes na Rua Democrata, em razão do grande volume das construções projetadas para a encosta. O empreendimento se encontra concluído e já habitado, e alguns moradores da Rua Fagundes Varela – localizada no sentido norte do Cloc Marina – afirmam terem presenciado medições de áreas contíguas ao empreendimento para sua ampliação.

explicitou, segundo o presidente da BHG, Pieter Jacobus F. Van Voorst Vader, o foco no mercado de: hotelaria, resort superexclusivo, e a segunda residência”. 95 Os três edifícios somavam 128 unidades residenciais tipo loft, quarto e sala e duplex. No seu lançamento, foi divulgado que “o valor de um apartamento com 57,90m² é de R$457.752,83” (MOURAD, 2011, p. 155). 96 O MP/BA elaborou um parecer técnico sobre a implantação do Cloc Marina Residence, que deu origem a um inquérito civil e a uma ação civil pública – processo nº 18848-10.2013.4.01.3300/10ª Vara. 97 Todo o Frontispício de Salvador, originado da falha geológica e que contribuiu para a divisão entre Cidade Alta e Cidade Baixa, é considerado non aedificandi e sua preservação é de responsabilidade do IPHAN. 103

Figura 6 – Localização de equipamentos e investimentos no 2 de Julho e entorno

Fonte: Manzi e colaboradores (2018, p. 3).

O terceiro empreendimento âncora é o Residencial Adelaide, composto por 20 apartamentos de alto luxo – que variam entre 306 e 741 m² –, que Mourad (2011) afirma ser o responsável por considerável impacto de valorização imobiliária de todo o seu entorno e por definir o perfil dos próximos investidores. Agregados a esse 104 empreendimento estavam “previstos” o Hotel Design Salvador Bahia e um teleférico – ligando a Rua do Sodré (já próximo à Praça Castro Alves) ao pé da Ladeira da Preguiça – proposto pela Prefeitura de Salvador – o traçado do teleférico passa por trás da Ladeira da Preguiça, em cima do Beco da Califórnia, onde moram dezenas de famílias. Essa é uma área com significativa densidade populacional, apesar dos diversos imóveis em situação de arruinamento, contudo, por suas características populares e pela baixa renda dos seus moradores, eles se constituíam como empecilhos – embora apareçam como figuras “pitorescas” na divulgação do Santa Tereza, conforme visto na Figura 5. Paralelamente a esse processo, a Prefeitura Municipal de Salvador (PMS), em parceria com o grupo de empresários do Cluster Santa Tereza, elaborou um projeto de intervenção para o 2 de Julho, com um desenho que englobava a poligonal do Cluster, com a proposta de “mudar a realidade e proporcionar um “‟upgrade‟ à imagem do bairro”. (SALVADOR, 2012b, p. 18). O projeto, intitulado “Santa Tereza. Humanização do Bairro”, foi apresentado em Barcelona em março de 2012, no XX Congresso do Centro Ibero-Americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano (CIDEU)98 – rede de gestores municipais com o objetivo de difundir processos de Planejamento Estratégico Urbano (PEU) e Projetos Estratégicos (PE); tem como membro honorário a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID).99 O tema do evento daquele ano foi “Espaços Urbanos Neoterciários”, que seus promotores afirmavam ser

[...] um novo conceito do espaço urbano caracterizado por: projeção global, utilização intensiva da tecnologia digital, incorporação de conhecimento como fator de valor agregado e configuração de sistemas de inteligência urbana, ao serviço de uma melhor governança que inclua participação, atue

98 Segundo definição do próprio CIDEU, trata-se de “uma rede integrada por cento e vinte e seis membros, dos quais cento e cinco são cidades ibero-americanas, dezenove são instituições colaboradoras e dois são membros honorários: a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) e a Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB). Criado em 1993 em Barcelona [...] Para compartilhar os benefícios em rede derivados do seguimento de processos de Planejamento Estratégico Urbano (PEU) e projetos estratégicos (PE). As cidades que integram o CIDEU trabalham em rede para melhorar a qualidade de vida de mais de 120 milhões de pessoas, e compartem a administração do conhecimento que deriva dos projetos estratégicos urbanos.” (CENTRO IBERO-AMERICANO DE DESENVOLVIMENTO ESTRATÉGICO URBANO, 2012, p. 2). Entre as suas estratégias de atuação, “facilita a gestão do conhecimento urbano, comparte, impulsiona e dinamiza os projetos estratégicos concretos que nos diferentes âmbitos setoriais assegurem níveis básicos de qualidade de vida para toda a cidadania.” (CENTRO IBERO-AMERICANO DE DESENVOLVIMENTO ESTRATÉGICO URBANO, 2012, p. 2). 99 A AECID tem como propósito o combate à pobreza e a promoção do desenvolvimento humano sustentável (AGÊNCIA ESPANHOLA DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO, 2019). 105

em chave de sustentabilidade e contemple as diferentes modalidades de participação que exige a cidade complexa; tudo isto para fazer do espaço urbano uma fonte de valores. (CENTRO IBERO-AMERICANO DE DESENVOLVIMENTO ESTRATÉGICO URBANO, 2012, p. 5).

Ainda que o CIDEU, no resumo do evento, afirme que sua proposta “Valoriza o bairro, promove a consciência de pertencer à mesma comunidade, reforçando sua identidade e melhorando sua imagem” (CENTRO IBERO-AMERICANO DE DESENVOLVIMENTO ESTRATÉGICO URBANO, 2012, p. 57), na sua apresentação, posteriormente veiculada na internet, tratava-se somente de uma requalificação de logradouros e da criação de dois espaços de convivência, que também serviriam de conexões entre a Rua Democrata e a Visconde de Mauá (Espaço de Convivência I) e entre a Rua Areal de Baixo e também a Visconde de Mauá (Espaço de Convivência II) – ambos próximos aos empreendimentos Cloc Marina Residence (Rua Democrata) e Txai Hotel & Residence (Visconde de Mauá e Areal de baixo, que encontra com a Areal de Cima) (SALVADOR, 2012b). Com isso, ficava claro que o projeto se dedicava à viabilização dos investimentos privados em curso no bairro. Ainda assim, as intervenções apontadas se apresentavam apenas na requalificação de determinados espaços físicos, não viabilizando a proposta da própria Prefeitura de “intervir energicamente sobre o local de moradia e convivência, promovendo ampla requalificação urbanística, ambiental, funcional e paisagística”, valorizando “a escala do homem nos cenários desse contexto físico-social, colocando-o como alvo principal de todas as atenções das diversas esferas de governo” (SALVADOR, 2012b, p. 17). No entanto, apesar da grande dedicação da PMS em colaborar com os investidores imobiliários, a proposta foi oficialmente retirada do bairo, devido às ações de resistência de seus moradores, que se organizaram contra a falta de participação na concepção do Projeto.100 As propostas de intervenção do Cluster Santa Tereza foram viabilizadas apenas parcialmente, com a construção do Cloc Marina Residence e do Residencial Adelaide. Alguns dos investidores imobiliários desistiram dos seus projetos no local, como foi o caso do Txai Hotel & Residence, que em 2018 levou a leilão os imóveis da Rua Areal de Cima nº 17101 e da Visconde

100 Sobre a resistência dos moradores ao Projeto, ver a seção 4 deste trabalho. 101 O terreno Areal de Cima nº 17, que foi a leilão pela Zukerman Leilões (2018), é na verdade constituído por 17 imóveis com matrículas imobiliárias diferentes. Trata-se das casas da Vila Operária da Travessa Aquino Gaspar e de quatro imóveis vizinhos na Rua Areal de Cima, entre eles, o maior, o de nº 17. 106 de Mauá nº 45 – que, somados, possuem 4.300 m² (Figuras 7 e 8) – pelos valores de R$ 3 milhões e R$ 2 milhões, respectivamente.

Figura 7 – Descrição dos terrenos no 2 de Julho que foram a leilão pela Zukerman Leilões

Fonte: Zukerman Leilões (2018).

Figura 8 – Localização dos terrenos no 2 de Julho que foram a leilão pela Zukerman Leilões

Fonte: Zukerman Leilões (2018).

O leilão foi operado online pela Zukerman Leilões e não recebeu nenhum lance de interessados até o seu encerramento, em 24 de outubro de 2018. Esse 107 aparente desinteresse por investidores na área pode indicar um movimento mais amplo de desistência de investimentos de grande porte no 2 de Julho, uma vez que não se tem novos empreendimentos imobiliários previstos – ao menos que se tenha notícia. Entretanto, na atividade de especulação imobiliária, poucos são os riscos de não obtenção de lucro – o que pode ocorrer é a redução da sua margem – e a pesquisa de Mourad (2011) na sua tese de doutorado mostra a dimensão da já ocorrida valorização desses imóveis que foram a leilão pela INVEST TUR, para o projeto da rede Txai.102 Por meio de levantamento das transferências de titularidade – consultada a partir do Imposto de Transferência Inter Vivos (ITIV) – Mourad (2011, p. 154) demonstra que

[...] imóveis103 foram adquiridos no valor de R$5.000,00 (cada um) em julho de 2007 e comercializados em agosto de 2007 por R$17.000,00 (cada um) e após um ano revendidos para a INVEST TUR por R$114.000,00(cada um). Além da Vila, outros imóveis foram adquiridos para compor o Hotel TXAI: por exemplo, um imóvel localizado na Rua Areal de Cima, de 357m², adquirido em 10/11/2006 por 150.000,00 foi revendido depois de dois anos por R$1.606.000,00.

Nos dez anos pesquisados por Mourad (2011), ele levantou a informação de que 612 imóveis foram comercializados, a maioria apenas entre 2007 e 2010, alguns deles tendo valorizado mais de 20 vezes, como foi o caso dos imóveis da Travessa Aquino Gaspar. O caso do Cluster Santa Tereza chama atenção não apenas pela sua escala, mas pela proposta de intervir em espaços tradicionais e já construídos. Seu conjunto arquitetônico, mas sobretudo sua vista e proximidade da Baía de Todos os Santos, justificavam a grande aposta feita pelos seus investidores. Importa ressaltar que a proposta do Cluster estava conectada com outros projetos e investimentos para seu entorno, como do Hotel Hilton no Comércio,104 o Hotel Fasano105 e a reforma do

102 Trata-se de 19 imóveis localizados na Travessa Aquino Gaspar e nas Ruas Visconde de Mauá, Areal de Cima e Manoel Vitorino. 103 Trata-se das casas da Vila Operária da Travessa Aquino Gaspar e os valores correspondem a apenas uma das casas comercializadas. 104 O projeto do Hilton não foi aprovado pelo IPHAN, pois propunha alterações estruturais em bens imóveis tombados cuja responsabilidade da salvaguarda era deste órgão. 105 O Hotel e Restaurante Fasano foram inaugurados no final de 2018 e já se encontram em funcionamento. A diária para uma ou duas pessoas em janeiro de 2019 variava entre R$ 1.007,00 e R$ 3.070,50 (FASANO, 2019). 108

Hotel Palace, hoje chamado de Fera Palace Hotel,106 além da requalificação do Largo 2 de Julho, da Avenida Sete de Setembro, da Praça Cairu, no Comércio, e da Rua Chile e entorno, propostas da PMS. O PDDU/2016 trouxe ainda instrumentos de facilitação à implantação de empreendimentos privados, como a Operação Urbana Consorciada (OUC) Centro Histórico/Tororó, de interesse da Odebrecht, possibilitando a flexibilização das normas urbanísticas de 13 bairros, entre eles o 2 de Julho (REBOUÇAS; MOURAD, 2016) e o Programa Revitalizar (SALVADOR, 2017), que em 2017 oferecia incentivos fiscais a proprietários de imóveis e a investimentos nos setores de diversão, lazer e entretenimento, atividades criativas, e também para a implantação e recuperação de marinas (REBOUÇAS, MOURAD; PUGLIESI, 2017). De modo geral, empreendimentos de grande porte – seja do tipo condomínio, como o Le Parc e o HBV, o Cloc Marina, seja de revitalização do bairro 2 de Julho – gozam de significativa cooperação por parte dos poderes públicos, seja na flexibilidade da aplicação da legislação urbanística e ambiental, seja na agilidade de aprovação dos projetos – grandes projetos imobiliários geram empregos e criam imagem de desenvolvimento econômico, além de serem insinuações à implantação de mais empreendimentos. Contudo, as contrapartidas dos poderes públicos costumam incluir também incentivos fiscais e execução de obras de infraestrutura urbana. Santos (2009) observa esse papel “extremamente ativo” do poder público na produção da cidade corporativa que, juntamente com as corporações, se vale do que ele chamou de “ideologia do desenvolvimento” e da “ideologia do crescimento” – oriundas das décadas de 1950 e 1960, respectivamente – para justificar a priorização de investimentos públicos em favor de empreendedores privados e em detrimento da “produção de bens sociais e do bem-estar coletivo”.107 (SANTOS, 2009, p. 104). Para Fernandes (2013a, p. 87), a cidade corporativa se pauta pela captura do poder público, mas chama atenção para a necessidade de atualização desse conceito, incorporando

106 O Fera Palace Hotel está em funcionamento desde março de 2017 e o valor da sua diária para uma pessoa variava entre R$ 687,96 e R$ 2.891,00 em janeiro de 2019 (FERA PALACE HOTEL, 2009). 107 “Na cidade corporativa, o essencial do esforço de equipamento é primordialmente feito para o serviço das empresas hegemônicas; o que porventura interessa às empresas e ao grosso da população é praticamente o residual na elaboração dos orçamentos públicos.” (SANTOS, 2009, p. 105). 109

[...] o próprio processo de produção da cidade por atuação direta das corporações, seja nos já tradicionais espaços produtivos ou comerciais, mas, sobretudo e particularmente, na produção de novas centralidades terciárias – culturais e de serviços – e na criação de novas cidades ou extensões urbanas, com destaque para os condomínios fechados. (FERNANDES, 2013a, p. 87).

Le Parc e HBV são exemplos da proliferação de bairros planejados que disputam o conceito de bairro na contemporaneidade, prometendo aos seus moradores um cotidiano de encontros, trocas, diversidades de usos e serviços, sem abrir mão dos seus já usuais componentes de segurança, exclusividade e “ordem”. A ironia reside no fato de que esses projetos negam o que propõem, que são os encontros e a diversidade, dada suas características segregadoras e exclusivistas. Para Fernandes (2013a, p. 102), a segregação social é uma grande marca desse tipo de empreendimento

É um urbanismo contra a cidade. Enquanto condomínios fechados, o desenho é em geral pensado para negar o entorno e o contexto, com pouquíssimas relações com as áreas ou bairros circunvizinhos, inclusive do ponto de vista da articulação da malha urbana.

O Cluster Santa Tereza, por sua vez, ilustra um processo enfatizado por Harvey (2014, p. 49, grifo do autor) como de “reestruturação urbana por meio de uma „destruição criativa‟”, responsável pela “absorção do excedente por meio da transformação urbana”. Nesses processos, onde a população pobre costuma ser expulsa por violência policial, que assume o dever de proteger a propriedade privada do solo, o apelo pelo novo e do desenvolvimento econômico (às vezes também sustentável e tecnológico) é mobilizado para convencimento da opinião pública geral – e, às vezes, também do morador a ser expulso –, sendo suficiente, muitas vezes para justificar desapropriações e deslocamentos de antigos moradores, tudo para viabilizar o que Harvey (2014, p. 53) chamou de “redesenvolvimento urbano” e seus lucros gerados pela absorção do capital excedente. É importante destacar que todos esses projetos de investimentos foram idealizados e concebidos num período de ampla oferta de crédito ao setor da construção civil e num momento em que as contas públicas – e a capacidade de financiamento do Estado – não se encontravam tão comprometidas como hoje. Como, mesmo nas intervenções privadas, nos casos de projetos de renovação de áreas centrais, sempre há grande investimento público para viabilizar rendimentos 110 vantajosos para investidores privados, além dos projetos de intervenção públicos, muitos dos projetos privados contavam com empréstimos oriundos de bancos públicos. Como assinala Gordilho-Souza (2018, p. 246-247),

[...] o endividamento público resultante, que contribuiu para a instabilidade política que se instalou no País, levou às drásticas mudanças recentes na condução do governo federal em 2016, aprofundando o contexto de crises econômica e social já instalado.108

Os efeitos dessa crise na produção do espaço urbano foram sentidos na drástica redução de empreendimentos imobiliários, sobretudo do ramo da habitação, tanto de média como de alta renda, além do

[...] enfraquecimento das políticas de interesse social, com agravamento das condições de densificação precarizada nas ocupações consolidadas, abandono das áreas periféricas pobres, degradação ambiental, aumento da violência, sinalizações mais evidentes da ausência de gestão pública. (GORDILHO-SOUZA, 2018, p. 246-247).

3.4.3 Proprietários fundiários

Proprietários fundiários são aqueles que, quando agem, buscam a valorização dos seus imóveis para realização de renda fundiária (CORRÊA, 2005). Têm assumido um papel fundamental nos rumos de crescimento das cidades brasileiras, a partir da lógica de valorização imobiliária. Grandes proprietários costumam possuir relacionamentos de proximidade com os gestores públicos, quando não coincide de desempenharem o mesmo papel – o de gestores públicos proprietários fundiários. Mudanças nos vetores de expansão das cidades tendem a ocorrer para atender a interesses desses agentes e Salvador é um bom exemplo para ilustrar essa lógica. A criação de uma nova centralidade – a do Iguatemi –, o deslocamento e concentração

108 A crise financeira da União e dos Governos Estaduais estava ancorada no desafio do crescimento constante da economia do Brasil, que investiu grandes volumes de recursos públicos – muitas vezes sem lastro real – no setor da construção civil, o que sustentou o país “imune” aos efeitos da crise mundial de 2008. Todavia, não se pode perder de vista o contexto político da crise de 2015, momento em que o Golpe de Estado no Brasil estava sendo gestado. A não aprovação das contas da União pelo Congresso nacional no prazo habitual (que deveria ser entre fevereiro e março, mas foi aprovado apenas em julho) congelou a liberação de investimentos e pagamentos de dívidas públicas, amplificando, assim, os efeitos da real crise financeira que o país se encontrava naquele momento. Essa manobra, junto com outras, do Congresso, orquestrada pelo hoje preso Deputado Eduardo Cunha, foram fundamentais para a manipulação da opinião pública contra a presidente recém-eleita, Dilma Russef. 111 das funções administrativas estaduais para o que seria o novo vetor de crescimento da cidade rumo à modernidade e à industrialização na década de 1970,109 buscaram, no caminho, valorizar e habilitar imensas propriedades não ocupadas e sem valor de mercado.110 Exemplos como esse de Salvador favorecem uma forma corrente de obtenção de renda por proprietários fundiários, que se realiza por meio da retenção de terrenos, num processo caracterizado por Fernandes (2013, p. 86) como expansão por extensão, “contínua ou dispersa, ancorada nos vazios urbanos”. Essa expansão pode ser combinada com outro tipo de expansão, dessa vez por “sobreposição e densificação de áreas já ocupadas e o abandono de regiões urbanas inteiras” (FERNANDES, 2013, p. 86), o que pode ser verificado no bairro 2 de Julho e que é um dos motes de ação desses agentes no Centro Antigo de Salvador. Em sua tese de doutorado, Mourad (2012) estudou o processo de especulação imobiliária no CAS e verificou um grande número de transações imobiliárias – auferidas por meio dos registros das transações de transferência de titularidade – onde é possível verificar terrenos que mudaram de propriedade três vezes em um ano e que valorizaram mais de dez vezes em menos de dois anos.111 Alguns desses grandes proprietários vinham atuando no bairro com o único propósito de especular e gerar renda fundiária, mas há também aqueles que mantêm imóveis no bairro para auferir renda por aluguel – que possui grande importância no 2 de Julho, representando 47% dos domicílios - além dos pequenos

109 Nessa época, o Centro Industrial de Aratu já estava implantado e foi criado um novo centro industrial, o Complexo Petroquímico de Camaçari, localizados ao norte de Salvador. 110 Prova disso foi a aprovação da Lei nº 2.181/68, apelidada de Lei da Reforma Urbana, que em nada se assemelha à luta pela Reforma Urbana iniciada na década de 1960. Enquanto essa última visava uma melhor distribuição de recursos na cidade e a criação de medidas que cerceassem a especulação imobiliária, a primeira visava a expansão do mercado privado de terras da cidade de Salvador para a região do que hoje se conhece por Iguatemi e Avenida Paralela (FERNANDES, 2006). Todo esse investimento do Estado na criação do “novo centro” da cidade, “resultou na abertura de uma nova fronteira de expansão da cidade, que foi em muito potencializada pela privatização de uma enorme quantidade de terras públicas nessa região (cerca de 47 milhões de m² foram incorporados ao mercado privado de terras, em 1968)” (FERNANDES, 2006, p. 7). 111 “O levantamento realizado junto à SEFAZ sobre Transações de transferência de titularidade mostra que os imóveis foram adquiridos no valor de R$5.000,00 (cada um) em julho de 2007 e comercializados em agosto de 2007 por R$17.000,00 (cada um), e após um ano revendidos para a INVEST TUR por R$114.000,00 (cada um). Além da Vila, outros imóveis foram adquiridos para compor o Hotel TXAI: por exemplo, um imóvel localizado na Rua Areal de Cima, de 357m², adquirido em 10/11/2006 por 150.000,00 foi revendido depois de dois anos por R$1.606.000,00.” (MOURAD, 2012, p. 154). 112 proprietários moradores – o Censo do IBGE de 2010 apontou que 48% dos domicílios no 2 de Julho eram próprios (LUGAR COMUM, 2016).

3.4.4 Movimentos sociais/moradores

As ações dos moradores e movimentos sociais na disputa pelo bairro costumam surgir a partir de conflitos com outros agentes na forma de resistência a processos de exclusão e de expulsão, mas também nas tentativas de apagamento das suas memórias e identidades. Talvez a grande dificuldade em identificar a pluralidade desses movimentos no Brasil se dê pelo fato de que eles costumam ocorrer de forma localizada e poucos são os casos que ganham visibilidade para além da centralidade do seu conflito. Não apenas por sua pluralidade e quantidade, mas muito mais pela possibilidade de aprofundar as análises sobre esse agente, centraremos as análises deste trabalho no seu estudo de caso, o bairro 2 de Julho.112 Entretanto, é importante ressaltar que há muito mais resistências que não desembocaram na estratégia de elaboração de planos de bairro do que seu contrário e serão analisadas estratégias de coletivos e movimentos em defesa do bairro. Segundo Gohn (2007), o tema dos movimentos sociais surge junto com a Sociologia, que desde seus primeiros trabalhos mostra preocupação com a análise da ação social coletiva. Contudo, são os estudos sobre os movimentos após a década de 1960 que dão volume e complexidade às discussões, muito em razão da mudança de paradigma imposta pelos contextos políticos e pela natureza dos movimentos, que passaram a apresentar pautas não necessariamente vinculadas às relações de trabalho (como os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos e de estudantes na Europa). É quando suas preocupações se ampliam para reivindicações sobre o modo de vida e o Estado deixa de ser seu principal antagonista que suas demandas passam a ser direcionadas também a outros agentes, como o mercado e outros grupos e movimentos (GOHN, 2007) Por mais distintas que tenham sido as definições para a categoria “movimento social” ao longo do tempo, todas o vinculavam às ações sociais coletivas

112 Como fontes para esta análise, foram utilizadas as entrevistas realizadas com moradores do bairro, participações em reuniões do plano de bairro, notícias de jornais locais, posts no blog e no facebook do MNB2J, posts no blog do Desocupa, bem como vivências da própria autora em diversos desses processos. 113 engendradas por determinados grupos. Todavia, trabalhos mais recentes (especialmente do final da década de 1980 aos anos 2000) têm contribuído com discussões fundamentais para a análise dos movimentos sociais contemporâneos. No bojo das diversas teorias que surgiram para explicar os movimentos sociais pós- 1960 (ALONSO, 2009), destacamos duas questões estruturantes para o surgimento, permanência e ações dos movimentos sociais: a construção de identidades coletivas e as estratégias políticas por eles engendradas para a condução das suas ações. Melucci afirma que “a identidade coletiva é uma definição interativa e compartilhada produzida por numerosos indivíduos e relativa às orientações da ação e ao campo de oportunidades e constrangimentos no qual a ação acontece” (MELUCCi, 1988, p. 342 apud ALONSO, 2009, p. 65). Essas identidades podem ser múltiplas e certamente estão em constante construção (MASSEY, 2004, 2008). O processo de construção das identidades coletivas de um grupo é, ao mesmo tempo, parte da sua própria constituição e entendimento enquanto grupo e condutora das suas ações e das estratégias políticas por ele escolhidas. Nesse sentido, e em diálogo com Alonso (2009), Massey (2004, 2008) e Melucci (1988 apud ALONSO, 2009), foi adotado o entendimento de movimentos sociais como grupos de identidades e ações coletivas que compartilham de objetivos e pautas comuns no tempo. Sobre as estratégias políticas das ações de determinados grupos, cuja discussão foi iniciada na seção 2 desta tese, além do seu entendimento enquanto formas de ação coletiva coordenada (ALONSO, 2009; MUNCK, 1997), de elaboração de sistemas e discursos totalizantes, capazes de impor suas próprias normas globalizantes (CERTAU, 2014) e de estratégia de luta (FOUCAULT, 1995), traremos aqui alguns elementos apontados por Alonso (2009) nas teorias sobre os movimentos sociais da virada do século XXI que podem contribuir para a construção da análise do Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho. Antes de caracterizar esses elementos, é importante destacar algumas características constituintes dos movimentos sociais contemporâneos, mais especificamente das teorias surgidas após os anos 2000. Trata-se, em grande maioria, de movimentos e ações multiescalares – muito em razão do seu antagonista não ser mais apenas o Estado, mas também as corporações e mesmo outros grupos e movimentos sociais de escalas de atuação diversas – e que possuem a cultura como tópico comum, seja na 114 construção das suas identidades, seja nas escolhas das suas estratégias políticas (ALONSO, 2009). No caso do 2 de Julho, inicialmente serão analisados os processos do MNB2J – devido à maior proximidade da pesquisadora com esse movimento – no que tange à formação da sua identidade coletiva e as suas estratégias de ação, tendo a cultura enquanto repertório113 e principal fio condutor. As análises serão elaboradas a partir de recentes estudos e definições construídas por teóricos do campo da Sociologia, em que a cultura aparece como uma “‟caixa de ferramentas‟ de símbolos, estórias, rituais e visões de mundo, que as pessoas podem usar em configurações variadas para resolver diferentes tipos de problemas”114 (SWIDLER, 1986, p. 273, grifo do autor, tradução nossa). Nesse sentido, Alonso (2009, p. 77) aponta para algumas novas definições de cultura que “já não correspondem mais com precisão às três escolas teóricas sobre movimentos sociais dos anos 1970”.115 Duas delas se mostram bastante interessantes para a compreensão e caracterização do MNB2J:116 o uso de frames e de performances. A primeira dessas definições é a de cultura “numa perspectiva cognitiva.” Autores como Snow e Benford (1986, 1992, 2000 apud ALONSO, 2009) se apropriaram do conceito de frame,117 utilizando-o como “quadros interpretativos que simplificam e condensam o „mundo exterior‟, destacando, codificando e selecionando objetos, situações, acontecimentos, experiências e sequências de ações” (SNOW; BENFORD, 2000, p. 614 apud ALONSO, 2009, p. 78). Trata-se do trabalho dos movimentos de “reduzir a complexidade social a níveis manejáveis pelo indivíduo comum, sinalizando a injustiça de uma dada situação, vinculando-a a símbolos e apresentado-a como um problema que requer mobilização” (SNOW; BENFORD, 2000, p. 614 apud ALONSO, 2009, p. 78). Na construção da identidade coletiva do MNB2J, vemos que os frames foram utilizados pelos moradores para a interpretação e compartilhamento de informações

113 Repertórios culturais seriam compostos por conhecimento, habilidades e símbolos (SWIDLER, 1995, 2001 apud ALONSO, 2012). 114 Do original: “‟tool kit‟ of symbols, stories, rituals, and world-views, which people may use in varying configurations to solve dif-ferent kinds of problems“ (SWIDLER, 1986, p. 273). 115 As três escolas a que a autora se refere são a Teoria da Mobilização de Recursos, a Teoria do Processo Político e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais, muito brevemente introduzidas na seção 2.2 desta tese e muito bem definidas por Alonso (2009). 116 Alguns deles podem ser usados para compreender os dois processos, tanto de construção da identidade coletiva, como das estratégias de ação. 117 Alonso (2009) afirma que o conceito original de frame vem de Erving Goffman. 115 bastante complexas, como do projeto de humanização do bairro Santa Tereza e sua vinculação com o projeto do Cluster Santa Tereza, até então invisíveis e/ou codificados. Outros frames foram elaborados para a construção de sentido sobre os processos de expulsão de moradores e comerciantes, também invisibilizados e codificados. Também o uso de performances – uma segunda definição de cultura como repertório – foram fundamentais como formas de comunicar-se e reivindicar. Segundo Alonso (2009, 2012) e McAdam Tarrow e Tilly (2009), as performances podem ser entendidas como repertórios de confronto ou ações públicas dos movimentos “tanto para marcar suas demandas às autoridades como para criar e manter seus adeptos” (MCADAM; TARROW; TILLY, 2009, p. 35). Segundo Tilly (2008 apud ALONSO, 2012) – para quem “o eixo fundamental da vida social é o conflito” (ALONSO, 2009, p. 32) –, o ato da performance é a manipulação de repertórios baseada no improviso e na interpretação, portanto requer criatividade e invenção, pois que “performances modificam os repertórios, contínua e incrementalmente” (TILLY, 2008, p. 13-14 apud ALONSO, 2012, p. 31). A presença de artistas entre os indivíduos que compunham o movimento potencializa o uso de performances como estratégia de resistência. Assim foi com as expulsões dos feirantes das ruas do 2 de Julho pela Prefeitura; com as demolições de casarões na Preguiça, no Sodré, na Ladeira da Conceição da Praia e na Ladeira da Montanha; com a instalação de um varal sobre o 2 de Julho na Câmara, com participação da banda marcial do Colégio Ypiranga, para demonstrar sua legitimidade como bairro, frente ao projeto da Lei de Bairros de Salvador, que não incluiu o 2 de Julho. Inclui ainda performances nos desfiles do dia 2 de Julho em comemoração ao dia da independência da Bahia; a ocupação das galerias da Câmara de Vereadores em momentos de votações relacionadas com a luta do bairro e em defesa da cidade; a participação nos protestos contra o fechamento do Colégio Ypiranga em dois momentos distintos, entre outros118.

3.4.5 Ministério Público da Bahia

118 Mais detalhes sobre essas disputas podem ser encontrados na seção 4 116

O Ministério Público da Bahia (MP/BA) é um órgão constitucional autônomo, ou seja, não deve subordinação a nenhum dos três poderes, que atua na área cível, no que se denomina tutela coletiva, defendendo os interesses difusos,119 coletivos120 e individuais homogêneos.121 Exerce funções essenciais ao Judiciário, atuando “na defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos demais interesses sociais e individuais” (BRASIL, 1988). É composto por promotores e procuradores públicos que gozam de relativa autonomia na sua atuação, apesar de estarem submetidos a um procurador-chefe. Essa autonomia de que gozam os promotores é de fundamental importância para compreender a atuação do Ministério Público em todo o país, assim como na Bahia. Aqui, a estrutura do órgão criou a Promotoria de Habitação e Urbanismo122 – atualmente Promotoria de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo, vinculada ao Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo (CEAMA) –, que desenvolveu diversas atividades voltadas à democratização do urbanismo, como discussões públicas e controle social do processo de elaboração do PDDU/2016, fiscalização de projetos de impacto negativo, entre outros. A atuação do MP em defesa do bairro tem início de maneira não premeditada. Em 2009, a Promotoria de Habitação e Urbanismo abriu um inquérito civil para investigação do Horto Bela Vista (HBV), e, tendo verificado desconformidade do projeto e da construção do empreendimento com a legislação ambiental vigente, procedeu na elaboração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)123 firmado pelo MP/BA e a JHSF Salvador Empreendimentos e Incorporações S/A (empresa empreendedora), de nº 003.0.176305/2008. Esse TAC prevê a elaboração de um Estudo de Impacto Urbano-Ambiental (EIUA), e sua elaboração foi contratada pela empresa Planejamento Ambiental e Arquitetura Ltda (PLANARQ).

119 Interesses difusos: que não são específicos de uma pessoa ou grupo de indivíduos, mas de toda a sociedade, como o direito de todos respirarem ar puro. 120 Interesses coletivos: de um grupo, categoria ou classe ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica. 121 Interesses individuais homogêneos: que têm um fato gerador comum; atingem as pessoas individualmente e da mesma forma, mas não podem ser considerados individuais, como os direitos do consumidor. 122 Essa Promotoria era conduzida pela promotora Hortênsia Gomes Pinho, atualmente à frente da Promotoria de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo 123 O TAC é um procedimento previsto na Lei da Ação Civil Pública, que define que “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial” (BRASIL, 1985). É, portanto, um procedimento extrajudicial, utilizado após verificação da existência de irregularidades, utilizado antes de ingressar com ação perante o Judiciário. 117

Durante o processo de discussões públicas para a elaboração do EIUA pela PLANARQ, verificou-se a participação destacada da população moradora de Saramandaia, por meio das suas associações organizadas em rede, a Rede de Associações de Saramandaia (RAS), que, preocupada com os impactos que esse empreendimento poderia causar no bairro, reivindicou ações e medidas mitigatórias desse empreendimento. Saramandaia é um bairro vizinho à Rodoviária e ao Departamento de Trânsito (DETRAN) de Salvador, e teve sua ocupação iniciada de maneira espontânea ainda na década de 1970, por conta da construção da Rodoviária. Além da vizinhança imediata a esses dois grandes equipamentos da cidade, também se localiza próximo ao atual centro financeiro e econômico da capital, ao Shopping Center Iguatemi, além de diversos outros equipamentos de serviços. Sua população gira em torno de 12 mil pessoas (2010) e encontra-se em alto grau de vulnerabilidade socioambiental. Além dos baixos rendimentos registrados pela maioria de sua população, o acesso a serviços e infraestuturas básicas como água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, saúde e educação é bastante precário. Agravante dessa situação, parte da ocupação encontra-se abaixo da rede de transmissão de energia elétrica de alta voltagem da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), área non aedificandi definida por lei. Por esses motivos, o bairro é definido como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) desde o PDDU/2008. Após diversas reuniões do EIUA, o MP/BA inicia o processo de termo aditivo ao TAC já firmado com a JHSF, de forma a garantir a inclusão das medidas mitigatórias identificadas pelo EIUA no entorno do empreendimento. Aqui destacaremos as medidas destinadas à redução do impacto do Horto Bela Vista no bairro de Saramandaia (e por essa razão denominamos esse termo de TAC de Saramandaia). Nessas negociações, ficou definido que constará do termo aditivo (não assinado até o presente momento) firmado com a JHSF, além das medidas mitigadoras da mobilidade urbana, de permeabilidade social e integração espacial e de conforto urbano ambiental para o entorno da área (com destaque às medidas específicas ao bairro de Saramandaia): a requalificação do largo contíguo à Escola Marisa Baqueiro Costa; um curso de capacitação profissional/lideranças comunitárias e educação ambiental para mil pessoas (incluindo, além dos moradores de Saramandaia, moradores de Pernambués); e a implantação de uma quadra poliesportiva em área de 500 m2 no bairro de Saramandaia. Atualmente, 118 após alguns cumprimentos e diversos ajustes, o TAC de Saramandaia teve suas ações mitigatórias convertidas na elaboração do projeto e construção de uma praça, que será a primeira do bairro. Esse foi o contexto para a proposta de elaboração, pela Universidade Federal da Bahia, do Plano de Bairro para a ZEIS Saramandaia. Aceito pelas lideranças comunitárias, processo que durou entre 2012 e 2016 e contou com sua ativa participação, além de moradores do bairro. A partir do ano de 2012, a Promotoria de Habitação e Urbanismo do MP/BA começou a ser provocada pelos moradores do 2 de Julho, primeiro para investigação com relação ao decreto de alienação de imóveis públicos, depois sobre os projetos previstos no Cluster Santa Tereza que impactavam o bairro e, por fim, sobre os decretos de utilidade pública com fins de desapropriação que incidiam sobre o bairro e a proposta do Fundo Imobiliário de Investimento, que seria a razão da publicação dos decretos do Governo do Estado. Mesmo com a atuação da Promotoria, que promoveu reuniões entre 2014 e 2015 com lideranças da Articulação do Centro Antigo de Salvador124 e gestores da CONDER, órgão responsável pelos decretos – a Prefeitura nunca enviou representantes para as reuniões, ainda que convidados pelo MP/BA –, esses encontros lograram apenas algumas respostas sobre a proposta do FII. Recentemente, a então Promotoria de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo abriu uma chamada para seleção de pequenos projetos a serem realizados no ano de 2019, no contexto dos desafios existentes no município de Salvador.125 Os projetos poderiam ser relacionados a pesquisas e estudos ou a intervenções que promovessem a transformação socioambiental de áreas da cidade. Entre os contemplados com recursos da chamada pública está o MNB2J, com um projeto intitulado “Direito à cidade em cena”, que será apresentado na seção 4.

3.4.6 Universidades

As universidades começam a participar das disputas pelo conceito e produção do espaços do bairro desde a década de 1970, com a atuação da Faculdade de

124 Sobre a articulação do Centro Antigo, mais será contado na seção 4. 125 Por ocasião de compensação ambiental no TAC do Inquérito Civil IDEA nº 003.0.65579/2009. 119

Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FA/UFBA), que se inicia ainda em 1978, com a elaboração de um plano para o bairro do Nordeste de Amaralina. Em 2004, também foi elaborado o Plano de Intervenção para Mata Escura, coordenado pela professora da disciplina Ângela Gordilho Souza – com participação de estudantes e da Associação das Comunidades Paroquiais de Mata Escura e Calabetão (ACOPAMEC) –, como atividade de extensão da disciplina Ateliê V. Os resultados dessa experiência deram origem à publicação Mata Escura – Plano de Intervenção, e foi a inspiração de Ângela, então Secretária de Habitação de Salvador (2005 a 2008), para a regularização das Zonas Especiais de Interesse Social, aprovadas no PDDU/2008126. O plano de bairro para regulamentação das ZEIS constava da Política Municipal de Habitação, parte do PDDU. Em 2005, foram contratadas a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e a Universidade Salvador (UNIFACS) para a elaboração de dois projetos pilotos para confecção de planos de bairro para Nova Constituinte e Mussurunga, respectivamente Mais recentemente, os Planos de Bairro para a ZEIS Saramandaia e o para o 2 de Julho foram elaborados pelo Grupo de Pesquisa Lugar Comum, sob coordenação da professora Ana Fernandes. Esses planos, assim como outros levantados na pesquisa, serão analisados na subseção seguinte.

3.5 ORIGENS DAS DISCUSSÕES E PRÁTICAS SOBRE PLANEJAMENTO DE BAIRRO

Embora no Brasil a literatura sobre o planejamento na escala do bairro seja bastante incipiente, nos Estados Unidos esse é um tema discutido há cerca de 100 anos, ainda que a criação do seu conceito tenha surgido apenas em 1929, quando da criação do termo neighborhood planning unit, por Clarence Perry.127 Desde então, a ideia de planejamento de vizinhança, o neighborhood planning, tem sido amplamente aceito e praticado entre os profissionais do planejamento norte-

126 Entrevista concedida por Ângela Gordilho-Souza para esta tese em 23 de março de 2019. 127 Segundo Barcellos (2001), o conceito de neighborhood está ligado mais à ideia de vizinhança do que de bairro – nos Estados Unidos o termo district se aproxima mais da nossa concepção de bairro. Para Perry, a vizinhança se relacionava diretamente com a unidade escolar elementar e seu entorno: “Além de atribuir à escola o papel de elemento dimensionador da área residencial, Perry sugere sua construção como centro comunitário, reforçando seu papel aglutinador da comunidade. A teoria de UV se apoia no conceito sociológico de vizinhança que em seu entendimento clássico é uma área onde os habitantes se conhecem pessoalmente, têm habito de se visitar, ou de trocar objetos, serviços e de fazer de vez em quando coisas em comum.” (BARCELLOS, 2001, p. 2). 120 americanos (ROHE, 2009). No Brasil, na década de 1950, as unidades de vizinhança foram usadas como referência para a elaboração da proposta das superquadras do Plano de Brasília (FERNANDES, 2011a), tanto em termos de escala, como de distribuição de serviços e equipamentos urbanos no espaço. Em seu trabalho intitulado Neighborhood Planning Organizations: perspective and Choice, Checkoway (1979), na década de 1970, revela sua crença e destaca a importância do planejamento de bairro para o desenvolvimento comunitário:

Neighborhood planning can also contribute to community development. It may involve residents in identifying problems and issues, formulating goals and objectives, collecting and analyzing data, and developing written plans in the words of those who live in a neighborhood and know it best. (CHECKOWAY, 1979, p. 476).

Na década de 1960, surge nos EUA o advocacy planning, uma importante corrente do planejamento128 que propunha uma maior aproximação dos planejadores com os moradores e movimentos, propondo, inclusive, uma nova metodologia, “de baixo para cima”, com a quebra de hierarquias entre o planejador e os moradores das áreas planejadas, ampliando a participação de todos na construção dos planos. Em 1970, ganha corpo o community planning, que se aproximou de lutas de resistência contra expulsões de moradores por projetos de renovação urbana. Esse é o contexto de diversos planos comunitários elaborados em Nova Iorque, que, segundo Angotti (2008), possuía mais de 100 planos locais elaborados. O primeiro plano comunitário129 foi elaborado em 1961, por iniciativa de um grupo de residentes e comerciantes do distrito comunitário de Lower East Side. O plano surgiu em contraposição a um projeto de renovação urbana proposto para a Cooper Square, em 1959, que pretendia promover a elitização do bairro, com investimentos voltados para a atração de um outro perfil de moradores e comerciantes, que constituíram um comitê com o objetivo de desenvolver a proposta

128 Tópico já tratado na seção 2 desta tese. 129 Por planos comunitários entende-se aqueles elaborados por moradores e comerciantes locais, que em geral os utilizam como ferramenta de luta e reivindicação junto aos poderes públicos, e também a investidores imobiliários que apresentem projetos que ofereçam impactos negativos ao distrito comunitário em questão. 121 do plano comunitário. Após mais de 100 reuniões, o plano foi concluído e apresentado à Prefeitura no ano de 1961, sendo aprovado apenas em 1970.130 Mais recentemente, Rohe (2009), outro defensor do plano de bairro, afirma que o planejamento incide sobre o seu caráter físico, naquilo que pode ser definido no nível local. Segundo esse autor, os objetivos dos esforços de planejamento de bairro ultrapassam os projetos físicos, incluindo objetivos sociais maiores, como a capacitação de moradores do bairro, de tal modo que podem influenciar até mesmo processos sociais e políticos. E completa:

Thus, the objectives of neighborhood planning efforts have been anything but modest. Rather, they have sought to tackle some of the biggest problems facing our towns, cities, nation, and even world, by planning at the neighborhood scale: alienation, crime, poverty, political apathy and perceptions of powerlessness, economic marginalization, and environmental degradation. (ROHE, 2009, p. 210).

Embora nessa passagem o autor deposite demasiada confiança na escala do bairro para resolver problemas estruturais como pobreza e crime (sobre a qual apresentamos graves ressalvas, ainda que reconheçamos a sobreposição de verticalidades e horizontalidades do lugar), mais adiante ele reconhece os limites dessa participação. Ao fim, conclui que o

[…] Municipal neighborhood planning provided a mechanism for addressing neighborhood concerns in all neighborhoods within a city, and provided models of ongoing citizen involvement in the development of neighborhood plans, the review of development proposals, and the development of self- help activities. (ROHE, 2009, p. 227).

Mourad (2012) aponta os trabalhos do Padre Lebret com a Sociedade para Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS), em 1947, como os primeiros registros de análise e planejamento urbano na escala do bairro no Brasil. Segundo Mourad (2012), os estudos de Lebret, no entanto, trazem para o centro do debate a questão social, analisando os níveis de vida das classes trabalhadoras na pequena escala de seus habitats. Para a autora, “as concepções e as práticas introduzidas por Lebret se referem a uma metodologia de

130 Segundo pesquisas de Angotti (2008), dez outros planos comunitários foram aprovados pela City Planning Commission e pelo City Concil depois de 1989, ano em que se aprovou a revisão da Carta da Cidade, que legitimou o direito dos moradores e comerciantes de planejar seus distritos. Segundo o autor, o desafio para os ativistas comunitários seria a implementação desses planos, o que ainda não ocorreu. 122 pesquisa da realidade urbana que vincula o pensamento urbanístico à ação política” (MOURAD, 2012, p. 2), o que naquela época constituía um grande avanço no campo da teoria e da prática do planejamento urbano. Tudo indica que foi nos anos de 1970 que os primeiros planos de bairros foram elaborados no Brasil. O primeiro que se tem notícia –131 que se chama estudo, mas é também plano – é o Nordeste de Amaralina. Estudo dos problemas físico- ambientais, e se trata de uma atividade de extensão do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Urbano (CEDUR) da UFBA, financiada pela Fundação Rockefeller. Nessa mesma década vemos em Salvador outras tentativas de elaborar planos de bairro, dessa vez pela Prefeitura, num contexto de investimentos em planejamento urbano e desenvolvimento social, por meio do Programa de Desenvolvimento Social (PRODESO). O PRODESO foi responsável por um trabalho de planejamento – chamado de participativo – em 1976, tendo trabalhado com cinco bairros em Salvador: Bom Juá, Boca do Rio, Itacaranha, Mata Escura e Nordeste de Amaralina. Também na década de 1970, um grande marco no campo do planejamento de bairro no Brasil e uma grande referência de experiência participativa nesse sentido foi a experiência de urbanização da favela Brás de Pina. Na década de 1960, sob influência das experiências de John Turner e Eduardo Neira na urbanização de ocupações informais em Lima, Peru, o Coordenador de Serviços Sociais do Estado da Guanabara, José Arthur Rios, buscou “estimular a criação de entidades representativas dos moradores das favelas do Estado” (SANTOS, 2017, p. 121), na expectativa de que as associações constituídas pudessem promover seu próprio desenvolvimento. Era um contexto de fortes mobilizações sociais no Brasil, e no Rio de Janeiro chegou a ser realizado, em 1968, um grande Congresso da Federação das Associações de Favelados do Estado da Guanabara (FAFEG) com o objetivo de “discutir as políticas de governo com relação às favelas” (SANTOS, 2017, p. 122). O governo Lacerda, no entanto, adotara a política de remoção de favelas e possuía o plano, por exemplo, de erradicação das favelas da Zona Sul até 1973 (SANTOS, 2017). É importante lembrar que em 1964 ocorre o golpe militar e é

131 Aqui fazemos a observação de que os primeiros planos encontrados foram elaborados em Salvador, possivelmente dada a facilidade de acesso à biblioteca física da Fundação Mário Leal Ferreira, que guarda o maior acervo acerca das intervenções realizadas pela Prefeitura de Salvador. 123 criado o Banco Nacional da Habitação (BNH),132 que desempenhou um destacado papel nas políticas de remoção de favelas nas capitais de todo o país, pois financiou a construção de muitas das novas unidades habitacionais para onde foram realocadas as populações removidas. A Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara selecionou seis favelas para serem removidas entre 1964/65 para os conjuntos da COHAB, porém, Brás de Pina, que havia sido escolhida pela COHAB para ser removida, acabou sendo incluída no trabalho social da CODESO, no plano de urbanização coordenado por Carlos Nelson Ferreira dos Santos – o arquiteto que virou antropólogo. Santos (2017, p. 124) afirma que em Brás de Pina o plano urbanístico por ele coordenado foi mais fielmente executado e “pode ser considerado uma experiência acabada”. Como auxílio de estudantes da Faculdade de Arquitetura, os moradores conseguem elaborar um plano urbanístico preliminar, que foi por eles usado para criar uma situação que evitasse a remoção da favela, mostrando que era possível urbanizá-la. A urbanização de Brás de Pina teve início em 1969 e foi concluída em 1971. A metodologia para construção do plano com participação dos moradores tornou-se referência em todo Brasil e estava afinada com a lógica de construção do planejamento de baixo para cima, com visíveis influências da corrente advocacy planning, desenvolvida nos Estados Unidos, e das experiências de urbanização autonomistas de Turner em Lima. Outro trabalho que marcou muitas práticas de planejamento urbano na escala local foi o estudo comparativo sobre o antigo bairro do Catumbi, e o conjunto habitacional Selva de Pedra, com o objetivo de “aprofundar o conhecimento sobre as formas de apropriação destes espaços de uso coletivo” (SANTOS, 1985, p. 11) e como forma de questionar sobre o saber urbanístico e para que tem servido. O bairro, conhecido pela sua ocupação por uma população originalmente imigrante, era classificado pelo poder público como de qualidades urbanísticas indesejáveis, discurso que justificava sua atuação na área. Sua experiência contribuiu para a criação de normas específicas para regulação da ocupação e uso do solo.133

132 Em 1967 é criado o Ministério do Interior, pelo Decreto-Lei nº 200 (BRASIL, 1967), ao qual o SERFHAU e o BNH passaram a ser vinculados 133 Nessa época, fazia parte das estratégias de planejamento e regulação do Rio de Janeiro os Projetos de Estruturação Urbana (PEU), que criavam regras específicas para o uso e ocupação do solo de alguns dos seus bairros. Foram elaborados três PEUs na década de 1970: um para a Urca (Decreto nº 1.446/78), um para a Ilha do Governador, abrangendo todos os bairros da ilha 124

No final da década de 1960 e na de 1970, houve uma confluência de ações do Governo Federal para implantar uma cultura de planejamento urbano, muito influenciada pelo contexto internacional das ideias. Sua intenção com essas ações era conter o aumento populacional nas grandes cidades brasileiras, que apresentavam altos índices de crescimento em razão dos movimentos de migração do campo e de diferentes regiões, atraídos pelas ofertas de empregos da indústria, que seguia se desenvolvendo. As redes de infraestruturas não cresceram na mesma velocidade que a da população e os postos de trabalho qualificado nas indústrias, e tampouco eram suficientes nem adequados para atender à grande demanda das populações não qualificada vindas do campo. Para tanto, apostou nos princípios progressistas (CHOAY, 2003) do zoneamento urbano – com marcada segregação das indústrias dos demais usos –, além do controle do uso e ocupação do solo, com o objetivo de “resolver uma contradição central da cidade capitalista: o conflito entre a propriedade privada do solo e as demandas coletivas de integração” (MONTE-MÓR, 2006, p. 72). Para desacelerar o crescimento populacional, recorreu a princípios do planejamento urbano e regional, mas aquele inspirado no plano para a Grande Londres, elaborado por Abercrombie, com a descentralização da população, das atividades e postos de trabalho em cidades-rede (HALL, 2005; MONTE-MÓR, 2006). Logo no início da ditadura militar, em 1964, foram criados o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU)134 e o Banco Nacional de Habitação (BNH), o primeiro como o órgão responsável por formular e implementar o planejamento urbano no nível municipal e o segundo para implementar as ações, por meio do financiamento habitacional. O Plano Decenal, criado em 1967, tinha como referências para a criação de uma Política Nacional Urbana, além das experiências de desmetropolização da Inglaterra na década de 1950, aquelas de suburbanização da França e dos Estados Unidos; e (também) por isso sugeria como solução a modernização das administrações municipais135 e a descentralização do Sistema

(Decreto nº 2.108/79) e outro para os bairros de Vila Valqueire e Praça Seca (Decreto nº 2.418/79). 134 Lei Federal nº 4.380/64, que criou o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (MONTE-MÓR, 2006). 135 Monte-Mór (2008) destaca que essa é uma antiga bandeira do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), criado em 1958. 125

Nacional de Planejamento Local Integrado SNPLI,136 momento em que o Estado começa a impulsionar a elaboração de planos de desenvolvimento local integrado pelas prefeituras (MONTE-MÓR, 2008). Uma curiosidade trazida por Monte-Mór (2008, p. 48) é que, tal descentralização deveria ser acompanhada do “envolvimento dos Estados, formação de recursos humanos para o setor, participação efetiva da população e a instalação do processo de análise e avaliação do planejamento”, apesar da distância verificada entre o discurso do Plano Decenal e a atuação do Estado.137 Nos municípios, comissões e órgãos técnicos eram criados para conduzir o planejamento urbano, mas os estudos e planos financiados pelo SERFHAU eram elaborados por consultorias privadas, contrariando a premissa de modernização das administrações municipais, assumida pelo Plano Decenal; e “se por um lado abria uma nova dimensão à tentativa de organização do espaço urbano, por outro, desconhecia a centralidade crescente observada no país a partir de 1964” (MONTE- MÓR, 2008, p. 51).138 Costa (2008) também comenta sobre a crença dos técnicos de planejamento desse período, de que o método compreensivo e multidisciplinar, do planejamento abrangente, “resultaria na seleção racional de objetivos e prioridades, capazes de influenciarem as decisões políticas.” (COSTA, 2008, p. 69). Não por acaso, essa corrente de planejamento urbano (também regional e nacional) torna-se a preferida dos gestores públicos “pelo prestígio e poder que confere aos planejadores e tecnocratas” (RATTNER, 1979, p. 136). Têm início, então, as ações de fomento do SERFHAU para elaboração dos Planos de Desenvolvimento Local Integrado (PDLI) em todo o país, com um discurso voltado para a redução das desigualdades regionais, via descentralização de recursos para outras regiões do Brasil. No entanto, o que se observou mais uma vez

136 Criação do Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado (SNPLI) (Decreto nº 59.917/66) e o Fundo de Financiamento de Planos de Desenvolvimento Local Integrado (FIPLAN), com recursos do FGTS (MONTE-MÓR, 2006). 137 Ainda segundo Monte-Mór (2008, p. 48, grifo do autor), “o Plano Decenal foi rapidamente abandonado em sua visão compreensiva e em suas proposições de descentralização e crescimento equilibrado, quando o Ministro Delfim Neto assumiu a Pasta da Fazenda, optando claramente pelo modelo centralizador de incentivo ao „capitalismo selvagem‟ „que caracterizou o „milagre brasileiro‟”. 138 Segundo Monte-Mór (2006, p. 72), “a criação de comissões e/ou órgãos técnicos de planejamento local respondiam ao caráter supostamente isento e independente face aos interesses específicos, mascarando de fato o processo de despolitização que se impôs à cidade e à sua expansão, subordinando-a cada vez mais às necessidades das várias frações do capital e das classes dominantes”. 126 foi uma concentração de ações e recursos na Região Sudeste, mas com um relativo incremento de investimentos no Nordeste. A partir da década de 1980 vemos uma queda na elaboração dos PDLIs e de ações de planejamento urbano no Brasil, muito em razão da extinção do SERFHAU, em 1975. Não por acaso, a segunda metade da década de 1970 é o começo do declínio da ditadura militar e da abertura política do país, que culmina com a aprovação da Constituição Federal de 1988, apelidada de Constituição Cidadã. Em 1985 é aprovado o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador, apelidado de PLANDURB, porém sua elaboração data do período entre 1976 a 1979. Porém, apenas com a Constituição de 1988 é que o Plano Diretor Municipal volta à pauta, com a inclusão dos dois artigos da Política Urbana e Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (Arts. 182 e 183) e a obrigação dos municípios acima de 20 mil habitantes elaborarem seus planos diretores. Apenas no final da década de 1990 o planejamento urbano volta a ser uma preocupação da administração municipal de Salvador, quando tem início a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, aprovado em 2004. Em 2001, como vimos, é aprovado o Estatuto da Cidade e com ele novas regras para elaboração e conteúdo dos planos diretores municipais, motivo pelo qual o PDDU/2004 é revogado e um plano é aprovado em 2008.

3.5.1 Contextos de Salvador139

A partir da década de 1960, a Bahia passa por um redirecionamento do seu desenvolvimento econômico, com grandes investimentos do Governo Federal no setor industrial. Esses investimentos tiveram como principais lóci os municípios de Simões Filho e Camaçari, com a implantação do Centro Industrial de Aratu (CIA) e do Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC), respectivamente, investimentos que produziram grande impacto na economia e na dinâmica urbana de Salvador. Na capital baiana também foram realizados grandes investimentos de reestruturação urbana, com a criação do Centro Administrativo da Bahia (CAB) – que retirou do Centro tradicional da cidade as funções administrativas do Governo do Estado – e a construção da Avenida Luiz Viana Filho (Avenida Paralela), redirecionando o vetor

139 Este tópico contou com uma colaboração especial da profª Ângela Gordilho para a organização das informações, por meio da entrevista cedida para esta tese em 23 de março de 2019 127 de crescimento da cidade para nordeste de Salvador. Também é desse período a implantação de parte significativa das Avenidas de Vale, previstas no Plano do EPUCS, elaborado ainda na década de 1940. No final da década de 1960, quando a maioria desses investimentos se realiza, ou pelo menos é iniciada, a Lei Municipal nº 2.181/1968 autorizava a alienação de milhares de quilômetros quadrados de terra em Salvador, ampliando assustadoramente o mercado privado de terras na cidade (BRANDÃO, 1980). Também na década de 1960 é aprovada a Lei Federal nº 4.380/1964, que institui o sistema financeiro para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. Segundo Brandão (1980, p. 137), esses são “os pressupostos da nova fase de expansão da cidade”, cujas manobras cruciais foram a aprovação da citada Lei de alienação de terras e as sucessivas revisões dos códigos municipais. Na década de 1970 a cidade de Salvador abrigava uma população de aproximadamente 1.300.000 habitantes e passava por transformações provenientes da implantação de centros industriais nos municípios vizinhos, que intensificou o processo de emigração da população rural da Bahia para a capital. Com a abertura de milhares de vagas de trabalho no setor secundário e os parcos atrativos oferecidos pelos municípios-sede dos centros industriais, os índices de migração para Salvador aumentaram progressivamente, agravando as disputas por terras na cidade. Segundo Brandão (1985), as vagas de emprego no setor secundário cresceram 53,14% entre 1970 e 1975, enquanto a população ativa na indústria, artesanato e serviços industriais de utilidade pública cresceu 71% no período de 1970 a 1978. Entretanto, o emprego industrial não constitui a principal ocupação da população da Região Metropolitana de Salvador (RMS). Em 1977, mais de um terço dos assalariados não tinha cobertura da legislação trabalhista. Estes e os trabalhadores por conta própria, biscateiros e outros em condições similares, correspondiam a cerca da metade da população que se declarava trabalhando. Em 1980, no conjunto da RMS, 33,8% das famílias estavam abaixo do rendimento médio de até 2 salários mínimos (BRANDÃO, 1985). O aumento da população não foi acompanhado por investimentos em infraestrutura urbana nem na promoção de novas unidades imobiliárias para abrigá- la em condições adequadas. Esse aumento apresentou um relativo incremento na 128 renda per capta da população, mas ainda um terço dela vivia com renda mínima, ou seja, o equivalente a até um salário mínimo (BRANDÃO, 1985). Em 1978, os índices de domicílios sem acesso a serviços urbanos básicos eram alarmantes, com 30,31% dos domicílios sem abastecimento de água, 13,91% sem energia elétrica e 48,91% sem rede de esgotamento sanitário ou fossa séptica (BRANDÃO, 1985). Conforme destaca Fernandes (2004), a expansão econômica do país na segunda metade da década de 1970 e na primeira metade dos anos de 1980 acarretou uma crise que se refletiu na expansão urbana das grandes cidades, justamente pela ausência de investimentos em redes e serviços básicos urbanos. Segundo o autor, é desse mesmo período o aumento das organizações e da mobilização social no Brasil:

Dentre os movimentos sociais importantes que emergem a partir da década de 70, alguns se destacam, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o movimento feminista, as associações ecológicas, o movimento do custo de vida e as associações de moradores. (FERNANDES, 2004, p. 77).

Dessas, o autor destaca as associações de moradores como as que surgiram em maior número, lutando por moradia, pelo acesso à terra urbanizada e por melhorias nas condições de infraestrutura e serviços urbanos, e com uma atuação predominantemente local e com demandas claras. Sobre a relação dos movimentos sociais com o Estado, Fernandes (2004, p. 79) destaca:

Os movimentos tinham o objetivo de estabelecer canais de negociação entre Estado e sociedade, visando atendimento de suas demandas. Nesse sentido, os movimentos sociais, ao serem reconhecidos pelos governos como portadores de interesses legítimos de grupos e segmentos da sociedade, ajudaram a criar uma nova forma de atuação política que era autônoma, isto é, desvinculada das estruturas corporativas do Estado, e também desvinculada, porém ao mesmo tempo articulada, com alguns partidos políticos e sindicatos.

Na década de 1970 é possível observar a incorporação do tema desenvolvimento em comunidade no discurso do Governo Federal, “quando se verifica a criação de uma série de programas sociais implantados com participação comunitária” (ANDRADE, 1993 apud FERNANDES, 2004, p. 86). Segundo Fernandes (2004, p. 86), “esses programas, que possuíam um caráter nacional e tinham os governos municipais como unidades responsáveis pela sua execução, 129 requeriam, por parte das prefeituras, uma articulação com vários grupos representativos da comunidade”. A gestão municipal daquele período – Jorge Hage Sobrinho (1975-1977) – se dispôs a intervir nessa realidade, priorizando, ao menos no discurso, a população residente em bairros periféricos ou em bairros centrais que ocupavam as encostas. Segundo relatórios oficiais, a mudança de paradigma seria via atividade comunitária, assim, engajando a população na transformação da sua problemática (SALVADOR, 1976a). Esse é o contexto da criação do Programa de Desenvolvimento Social (PRODESO) pelo Prefeito Jorge Hage, com o objetivo de “implementar ações em áreas ocupadas por famílias de baixa renda. A concepção desse programa visava a participação das comunidades no processo de decisão sobre os recursos e prioridades de obras” (FERNANDES, 2004, p. 101). Na segunda metade da década de 1970 é criado o Órgão Central de Planejamento da Prefeitura do Salvador (OCEPLAN) – que recebeu financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), órgão do Governo Federal, e intermediação do Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP), da UFBA – responsável pela elaboração do PLANDURB e do Estudo de Uso do Solo e Transportes da Região Metropolitana de Salvador (EUST). A gestão do Prefeito Mário Kertész (1979-1981), que sucedeu a de Jorge Hage e, posteriormente, de Renan Baleeiro (1981-1983) foi responsável pela interrupção de uma incipiente, porém promissora, cultura de planejamento urbano e participação social, inviabilizada por discursos vazios de práticas. No entanto, é da primeira gestão de Kertész a criação das Coordenações do Desenvolvimento Social, com o objetivo de descentralizar a administração municipal, e que implementou o Programa Prefeitura nos Bairros, que eram espaços de prestação de serviços para os moradores. Nas chamadas Miniprefeituras, moradores e organizações sociais apresentavam demandas, mas poucas recebiam respostas, o que levou as Miniprefeituras a serem alvos de duras críticas da população (FERNANDES, 2004). Também é da primeira gestão de Kertész o Programa Agentes Comunitários, que em geral era composto por representantes de organizações locais, a quem eram pagas remunerações para o trabalho de mediação entre a Prefeitura e os moradores dos bairros. Segundo Fernandes (2004, p. 102-103, grifo do autor),

130

Mário Kertész, ao contrário de Jorge Hage, não priorizou a estrutura de planejamento e controle de uso do solo, tendo como lema o „fazer‟ ao invés do „planejar‟. Tal postura lhe rendeu uma boa convivência com o capital imobiliário, além de uma associação à imagem de promotor de um virtual retorno da gestão da cidade aos tempos de ACM.

Apenas na gestão do prefeito Manoel Castro é que o PLANDURB,140 finalizado em 1979, foi aprovado, em 1985. Também a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo de Salvador (LOUOS) foi aprovada na gestão de Manoel Castro, bem como uma lei que dispunha sobre o processo de planejamento e participação comunitária em Salvador, que definia como objetivos, por exemplo, “assegurar a ampla discussão das políticas, diretrizes e planos municipais e estimular e garantir a participação da Comunidade nas tomadas de decisão sobre o desenvolvimento e organização territorial e espacial do Município” (SALVADOR, 1984). Também a segunda gestão de Mário Kertész (1986-1988) valorizava a participação popular no seu discurso, mas com intenções eleitoreiras, uma vez que não a priorizou na sua gestão. A segunda metade da década de 1980 e a década de 1990 (por conta da política neoliberal implementada) foram períodos de grande recessão econômica, o que acarretou numa drástica redução em investimentos nos setores públicos e em infraestruturas urbanas. As gestões municipais desse período – tanto as de Renan Baleeiro e Manoel Castro quanto a segunda gestão de Mário Kertész, e mesmo as gestões seguintes – deixaram de lado as ações de participação popular na gestão municipal, assim como o planejamento urbano, sobretudo o planejamento na escala do bairro, que deixaram de ser prioridades dos governos municipais.141 O século XXI tem início com gestões tampouco afeitas à participação popular no planejamento e

140 É por orientação do PLANDURB que são criados, além do zoneamento – em certa medida flexível –, algumas figuras que permanecem no imaginário e na institucionalidade, como os parques metropolitanos, áreas de preservação, centros históricos, entre outros (SAMPAIO, 2010). E o PLANDURB também é o responsável por uma proposta de estruturação e conexão com uma Região Metropolitana criada institucionalmente pela Lei Complementar Federal nº 14/1973, que incorporou o novo vetor de crescimento da cidade, a sudeste, o novo Centro Administrativo da Bahia, a Av. Luiz Viana Filho (Av. Paralela), o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC) e indicou a implantação de vias estruturantes capazes de potencializar – ou realizar de fato – a RMS. 141 Nesse período, é importante destacar as ações da Câmara de Vereadores a fim de institucionalizar a participação popular no âmbito do planejamento municipal e mesmo na gestão. Segundo Fernandes (2004), a Câmara de Vereadores eleita para a gestão de 1982 a 1985 possuía uma estreita relação com organizações sociais da cidade e logrou instituir importantes ferramentas de garantia da participação popular no âmbito municipal, como a aprovação da Lei de Regionalização do Orçamento Municipal, a criação do Conselho Municipal do Desenvolvimento Urbano, a Lei do Processo de Planejamento e Participação Comunitária, aprovação da LOUOS 1984 e do PDDU 1985, além da criação das Áreas de Preservação Socioecológicas. 131 na gestão municipais, que volta ao campo de disputa com a elaboração e aprovação do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, em 2004. Na verdade, as condições para sua elaboração foram iniciadas no final da década de 1990, quando a Prefeitura Municipal, ainda na gestão do Prefeito Imbassahy, contratou os primeiros estudos técnicos para seu embasamento. Esses estudos forneceram subsídios para a elaboração do PDDU aprovado em 2004, que teve curtíssimo tempo de vigência. Ocorreu que após a aprovação do plano, o Ministério Público da Bahia moveu uma ação contra a Prefeitura, exigindo sua revisão, alegando, além de incompatibilidades técnicas, a ausência de participação popular no seu processo de elaboração. Em 2005, o Prefeito recém-eleito João Henrique assumiu o compromisso com o Ministério Público de revisão do PDDU e de assegurar a participação da população em todo o processo, promovendo um extenso calendário de discussões do PDDU, com uma metodologia que não facilitava a participação, pois quase todo o tempo programado para a audiência era dedicado às apresentações dos estudos técnicos desenvolvidos/contratados pela Prefeitura, restando um reduzido tempo para colocações e apresentação de propostas. O Plano foi votado em 28 de dezembro de 2007, com a aprovação de 159 emendas ao texto original – essas emendas e mais 144 haviam sido apresentadas no momento da votação, sem possibilidade de apreciação pelos vereadores. Ao fim de todo o processo, a Lei do PDDU de Salvador (SALVADOR, 2008b) foi sancionada em 2008 e, de maneira geral, apresentava mais problemas técnicos do que aqueles apontados pelo Ministério Público em 2004. Essas emendas resultaram num mapa de gabarito que se assemelhava a uma colcha de retalhos, a cidade sendo retalhada pelos e para os investidores imobiliários. A aprovação do PDDU/2007 gerou nova judicialização e novas tentativas de aprovações irregulares foram feitas, até que, mais uma vez, tensionado por entidades e movimentos sociais, o Ministério Público da Bahia (MP/BA) e o Ministério Público Federal (MPF) interviram no processo. Em dezembro de 2011, o Prefeito João Henrique conseguiu aprovar a chamada “Nova LOUOS”, que alterava a antiga Lei do Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo de Salvador (LOUOS), de 1984, e o PDDU de Salvador. Antes da aprovação dessa Lei, o Prefeito havia apresentado à Câmara dois Projetos de Lei intitulados PDDU da Copa e Nova LOUOS, com o objetivo de alterar, 132 respectivamente, os conteúdos do PDDU de 2008 e da LOUOS de 1984. Uma grande mobilização de pessoas nas ruas contra as ilegalidades do Prefeito e a atuação vigilante do próprio MP/BA, bem como de entidades e organizações da sociedade civil, resultaram numa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn).142 Alguns meses depois, o MP/BA conseguiu que o Tribunal de Justiça (TJ/BA) emitisse uma liminar para suspensão de diversos artigos considerados inconstitucionais, especialmente os que alteravam o PDDU/2008. Na ADIn, diversas entidades representativas e de classe e os movimentos sociais enviaram pareceres técnicos sobre o conteúdo da Lei e seus prejuízos para a cidade, reforçando junto ao Tribunal de Justiça a importância de julgamento pela inconstitucionalidade da Lei, o que, ainda assim, demorou cerca de um ano e meio para ser julgado. Antes do julgamento da Ação, o Prefeito ACM Neto, recém-eleito, propôs a realização de um acordo com o MP/BA no qual assumiria a inconstitucionalidade daquelas Leis, desde que fosse mantida a vigência de alguns dos seus artigos, considerados pelo gestor como fundamentais à garantia da “segurança jurídica” e à viabilidade dos projetos urbanísticos para a Copa do Mundo de 2014 (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, 2013). O MP/BA controversamente assina esse acordo com a Prefeitura, juridicamente denominado modulação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade.143 O novo e, afinal, vigente Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador foi aprovado em 2016, mas, antes disso, em 2013, a Prefeitura lançou um caderno com o planejamento estratégico da primeira gestão do Prefeito ACM Neto, desconsiderando o PDDU/2008, ainda vigente. O processo de elaboração do PDDU/2016 foi bastante conflituoso, tendo sido questionado pelo MP/BA, por organizações de classe e não governamentais e por diversos movimentos sociais. Esse PDDU prevê, na estrutura do Sistema Municipal de Planejamento, a possibilidade de elaboração de planos urbanísticos para um bairro – ou um conjunto

142 A Lei aprovada descumpria a Constituição do Estado da Bahia, que em seu artigo 64 assegura a participação popular no planejamento municipal e na iniciativa de projetos de lei de interesse específico do município. 143 Esse acordo previa a vigência de inúmeras alterações nocivas à cidade, como, por exemplo, a alteração de coeficientes de aproveitamento máximo da orla atlântica e outras áreas da cidade, com a justificativa da necessidade de ampliação da rede hoteleira de Salvador para atendimento das demandas da Copa do Mundo 2014 e a construção da Linha Viva, via pedagiada exclusiva para carros de cerca de 18 km de extensão. O Tribunal de Justiça da Bahia julgou a « Nova LOUOS » inconstitucional, exceto pelo Estudo de Impacto de Vizinhança e pelo Centro Administrativo Municipal. 133 de bairros –, mas até o presente momento, não se tem notícia de planos dessa natureza sendo elaborados pela Prefeitura de Salvador. De modo geral, os planos de bairro elaborados em Salvador podem ser agrupados da seguinte forma: a) aqueles elaborados pela Prefeitura Municipal de Salvador na década de 1970 pelo PRODESO; b) os planos para as Regiões Administrativas da década de 1980; c) a experiência de Vila Verde, em Mussurunga; d) os planos participativos coordenados pela SEHAB e; e) as iniciativas de elaboração de planos de bairro pela Universidade Federal da Bahia. Essa classificação não segue uma ordem cronológica, mas busca destacar as ações de dois importantes agentes da produção do espaço e na história do planejamento urbano de Salvador: a Prefeitura de Salvador e a Universidade Federal da Bahia. Para efeito de análise, separamos os planos em dois grandes períodos nada homogêneos. O primeiro, que poderia ser denominado “antes dos anos 2000”, vai de 1974 a 1996, pois 1974 é quando se localizou nas pesquisas sobre Salvador a elaboração do primeiro plano, e em 1996 o último antes da década de 2000, quando começa o novo período, em que é possível verificar uma multiplicação de experiências por todo o país.

3.5.2 As experiências de planejamento de bairro em Salvador (1974- 1996)144

3.5.2.1 Nordeste de Amaralina – estudos dos problemas físico-ambientais (1974)

O interesse e a participação da Universidade, particularmente a Universidade Federal da Bahia, na elaboração de planos de bairro remonta à década de 1970, quando, em 1974, é realizada a experiência de extensão universitária pelos professores Laerte Pereira Neves e João Cipriano Brasileiro, da Faculdade de Arquitetura. A experiência, realizada pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento Urbano (CEDUR), com financiamento da Fundação Rockfeller, gerou a publicação do livro Nordeste de Amaralina – estudo dos problemas físico- ambientais (NEVES; BRASILEIRO, 1974). Esse trabalho foi desenvolvido também

144 As informações levantadas nesse tópico contaram com a inestimável participação de Soraia Santos Silva, bolsista PIBIC do projeto Urbanismo e Direito à Cidade, coordenado pela professora Ana Fernandes e do qual, com muita alegria, fui tutora.

134 como atividade curricular das disciplinas de Planejamento V e Planejamento VI do Departamento de Teoria e Prática do Planejamento da Faculdade de Arquitetura. Embora se autodenomine de “estudos”, além de “investigar as condições físico-ambientais de uma área urbana sub-normal da cidade de Salvador”, também apresenta propostas para o desenvolvimento do bairro, ou, nas palavras dos próprios autores “medidas que pudessem permitir desencadear um processo de transformação e melhoria da situação existente” (NEVES; BRASILEIRO, 1974, p. 5). Seu método de trabalho prevê, além da “constatação de situação existente”, a “construção de Hipóteses de intervenção” e “proposições” (NEVES; BRASILEIRO, 1974, p. 17). Por avançar no campo das propostas para transformação das condições atuais do bairro – propostas essas não apenas projetuais, ou do desenho, mas também de diretrizes –, se enquadra na categoria de planejamento, ainda que não tenha levado esse nome – talvez por se tratar de uma época em que o que se produzia em termos de planejamento possuía um grande peso formal e também grande influência das vertentes progressista-funcionalista e da teoria dos lugares centrais. Dentre as hipóteses de intervenção capazes de alterar positivamente as condições de vida do bairro, destacam-se: a) um zoneamento urbano ou plano de desenvolvimento urbano – curiosamente, aqui as duas soluções são apresentadas como sinônimas; b) soluções para o sistema viário, transporte e localização das atividades; c) orientações para a implantação de infraestruturas de água, esgoto, iluminação etc. e; d) a provisão e localização de equipamentos comunitários. Nas proposições, o Plano encaminhava para a viabilidade das intervenções a uma articulação com todas as instâncias de Governo (Federal, Estadual e Municipal) e a participação da comunidade de forma a desencadear o processo de desenvolvimento da área (NEVES; BRASILEIRO, 1974). No que se refere a participação popular, o trabalho indicava que o engajamento da comunidade deveria acontecer no processo de trabalho e decisão a partir da constatação e elaboração de um quadro de problemas e possíveis soluções, mas não apresenta registros da participação de moradores na construção das propostas. Ainda na década de 1970, João Cipriano Brasileiro assumiu a coordenação da OCEPLAN e os projetos para o Nordeste de Amaralina, esboçados no estudo por ele conduzido na Faculdade de Arquitetura (EKERMAN, 2018, p. 150), foram 135 desenvolvidos e passaram a fazer parte dos bairros acompanhados pela PRODESO para elaboração participativa e implementação de intervenções pela prefeitura.

3.5.2.2 Curso de extensão sobre Planejamento de Bairro (1977)

Em 1977, foi realizado na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, durante o período de sete semanas, o curso de extensão com o tema “Planejamento de Bairro”, com patrocínio do Instituto Goethe. O curso foi ministrado pelo urbanista alemão Martin Furstenberg. O propósito principal do curso consistiu na aplicação e no desenvolvimento de uma metodologia de levantamento sistemático que possibilitasse a elaboração de programas e planos alternativos para a conservação e recuperação de bairros. O público-alvo do curso foram os profissionais e estudantes das áreas de Arquitetura, Urbanismo, Geografia, Sociologia, Psicologia, Economia, Administração, Assistência Sociais e demais profissionais com experiência de trabalho com população. A metodologia consistiu em quatro fases: a) formulação do problema-geral do bairro dentro do desenvolvimento; b) levantamento dos dados sobre o bairro e seus grupos envolvidos; c) formulação dos objetivos para o planejamento com respeito e participação dos grupos sociais e; d) elaboração de programa para realização dos objetivos145 (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 1977). Com o intuito de aplicar o método simulado a uma situação real, foi escolhido o bairro dos Barris, na área central de Salvador, com a justificativa de o bairro passar por grande mudança física e econômica observada naquele momento, provavelmente uma referência à ocupação informal das encostas do bairro.

3.5.2.3 Plano de intervenção para o bairro de Pernambués (1978)

O Plano de intervenção para o bairro de Pernambués, elaborado em 1978, foi fruto do Curso de Especialização em Planejamento Urbano desenvolvido na Faculdade de Arquitetura por meio do convênio firmado entre a UFBA e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). O curso teve o

145 A última fase, elaboração de programa para realização dos objetivos, não foi desenvolvida no relatório estudado. 136 objetivo de propiciar uma capacitação profissional que possibilitasse ao planejador ordenar e disciplinar uso do solo em escala local, urbana e metropolitana. O Plano tinha como propósito elaborar proposições e estratégicas de ocupação do solo, integrando ao desenvolvimento da cidade e compatibilizado aos interesses de comunidade social, tendo como horizonte o ano de 1983. A metodologia pautou-se no levantamento de dados por meio de fontes secundárias e breve pesquisa vivencial, análise dos dados colhidos e diagnóstico, formulação de alternativas, proposições e recomendações (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 1978)

3.5.2.4 Planejando bairros com a PRODESO

De uma maneira geral, o planejamento de bairros pela Prefeitura Municipal de Salvador tem seus primeiros registros na década de 1970. Em 1976, ano em que é criado o Programa de Desenvolvimento Social (PRODESO), que tinha o propósito de atuar como “fator dinamizante no meio comunitário, em cada bairro”. (SALVADOR, 1976, p. 8). As ações da PRODESO podem ser consideradas pioneiras para a época (especialmente dentro do contexto político de um governo militar) no esforço da construção de um processo de planejamento participativo na escala do bairro, muito embora seus métodos ainda fossem pouco atrativos e ainda estivesse muito presente o viés tecnocrático, que pode ser sentido no excerto do texto de um dos seus relatórios:

O PRODESO não é executor de obras, o seu trabalho será feito basicamente com o homem e para ele. No entanto, não se pode perder de vista que esse homem, sujeito do Programa, se encontra geralmente apático à ação planejadora dos poderes públicos, ou por ter sido minimizado em outros governos ou por se apresentar sem forças para reivindicar melhorias para si. (SALVADOR, 1976, p. 8).

A responsabilidade pelo pouco interesse nessas ações do PRODESO é transferida aos moradores, identificada como apatia, ainda que se reconheça como motivo para tal o fato de terem tido sua opinião minimizada em gestões anteriores. Suas ações não se estenderam muito além dos bairros selecionados nesse período, porém, em cada um deles foram realizadas reuniões periódicas para construção coletiva dos objetivos e intervenções necessárias nos bairros. 137

Nesse mesmo ano, é elaborado o “Plano de ação da sub-coordenação comunitária para 1976”, que fazia parte do documento “Coordenação comunitária: planos e relatórios do ano de 1976”. Tal documento tinha o propósito de “impulsionar o processo de desenvolvimento da ação comunitária, proposta pelo PRODESO dentro do quadro geral de melhoria da qualidade de vida em bairros populares de Salvador” (SALVADOR, 1976b, p. 8). A mudança de paradigma deveria ocorrer via atividade comunitária.

o governo atual sentiu a necessidade de sistematizar a atividade comunitária nos bairros em vista não somente de um maior comprometimento dos moradores frente às obras executadas ou a executar, mas, sobretudo como meio de engajá-los na sua problemática sócio- econômica-cultural e na busca de solução para ela. (SALVADOR, 1976b, p. 8).

Nesse Plano de Ação é apresentado um levantamento socioeconômico das condições urbanas e das demandas de quatro bairros considerados (pelo Relatório) como os mais carentes, quais sejam: Mata Escura, Nordeste de Amaralina, Boca do Rio e Bom Juá. A escolha dos bairros obedeceu aos critérios de: a) índice de carência146 e b) indicação do Prefeito após recebimento de solicitações.147 Dentre os objetivos específicos do Plano para o ano seguinte à sua elaboração, estavam: a) intensificar a ação comunitária na área piloto (Mata Escura) e nas outras áreas nas quais já se manteve contado; b) estabelecer formas de intervenção na dinâmica interna das sociedades do bairro, tendo em vista a sua otimização, dentro da atitude de profunda consideração das características socioculturais de cada bairro; c) estender a ação do PRODESO a outros bairros; d) implantar, progressivamente, um sistema de planejamento comunitário nas suas áreas de atuação (SALVADOR, 1976b). As metas para o cumprimento dos objetivos propostos foram:

(i) articulação com os setores executivos da Prefeitura e análise de algumas obras provenientes das solicitações encaminhadas pela população;

146 Conforme o Plano de Ação, “o índice de carência, é bom frisar, foi determinado com base em dados fornecidos pela CONDER e outros levantados pela PRODESO junto a órgãos oficiais (estudais e municipais) cuja manipulação foi definida e apreciada em documento interno do Programa” (SALVADOR, 1976, p. 14). 147 Quanto às solicitações, todos os quatro bairros realizaram solicitações à Prefeitura por meio das organizações existentes em cada um dos bairros. Todavia, não foi informado quando exatamente houve essa solicitação, nem se outros bairros as haviam feito. 138

(ii) mobilização de uma parcela representativa do bairro que definisse e impulsionasse um programa específico de ação que favorecesse o associativismo tal como: clube de pais, clube de leitura, comissões de: educação, saúde, limpeza pública, urbanismo, abastecimento etc.; (iii) definição em um projeto específico das formas de intervenção na dinâmica das Sociedades de Bairros em estado de desagregação; (iv) extensão da ação do programa a mais quatro bairros selecionados pelos índices de carência ou outras formas. (SALVADOR, 1976, p.11).148

No caso de Mata Escura, eleito como projeto-piloto para o planejamento e as ações nos bairros, sua escolha ocorreu via solicitação da Sociedade Beneficente Recreativa e Cultural dos Moradores de Mata Escura. A pesquisa socioeconômica considerou aspectos como: “carências do bairro, população residente por grupo etário, escolaridade do primeiro grau e dimensionamento das ruas indicando seus possíveis melhoramentos” (SALVADOR, 1976b, p. 11), além da indicação de traçados para a criação de novas vias. A partir desse levantamento foram definidas as melhorias a serem realizadas pela Prefeitura: pavimentação de ruas, posto médico, aterro de buraco na pista de acesso ao bairro e ligação entre a Mata Escura e a BR-324 (altura de Bom Juá), tendo como prioridades os serviços de abastecimento de água, iluminação pública, esgoto, drenagem, contenção de encostas, lazer, transporte e educação. No Nordeste de Amaralina, a solicitação de melhorias foi feita pelo Conselho de Moradores, mas aqui a equipe do PRODESO teve mais dificuldade na realização de encontros com os moradores, pelo fato de a Prefeitura já ter anunciado diversas intervenções no bairro que nunca se efetivaram. Por isso, a participação na definição de propostas e prioridades foi construída apenas com o Conselho de Moradores, que priorizou as intervenções para o abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e contenção, limpeza pública, educação, recreação e esportes, saúde e abastecimento. Na Boca do Rio, a demanda foi realizada pela Ala Feminina da Sociedade, que priorizou a comunidade do Caxundé para a realização das intervenções prioritárias, que naquele momento eram a legalização de posse dos terrenos, rede de água, educação, saúde (posto médico com atendimento pré-natal), contenção de dunas, canalização de águas, limpeza pública, área para lazer (melhoria da área existente).

148 Foram encontrados, na Biblioteca da Fundação Mário Leal Ferreira, dois projetos contratados pela PRODESO para implementação de intervenções nos bairros de Bom Juá e Cosme de Farias. No entanto, não foi possível verificar se os projetos foram de fato executados. 139

Em Bom Juá, a demanda pelas intervenções foi formalizada pela Associação Centro Social Fraternidade Bahiana e foram identificados como principais problemas a serem resolvidos a contenção de encostas e os serviços de educação, creche e urbanização. Com essas ações de planejamento das intervenções da Prefeitura junto a bairros populares,149 o PRODESO avançou muito mais nas ações de assessoria comunitária150 do programa do que em execução de obras e provisão de serviços. A assessoria comunitária consistiu no assessoramento “quanto à organização do trabalho: formação de grupos de estudos, pesquisas diretas, planejamento de atividades, bem como organização de atividades produtivas” com o intuito de potencializar as ações e as dinâmicas das associações de bairros, o que acreditavam ser o incentivo necessário para “provocar seu desenvolvimento tanto quantitativo como qualitativo” (SALVADOR, 1976, p. 29). Em 1979 o PRODESO, numa das suas últimas ações, lança o “Projeto básico: plano de ação junto aos bairros populares”, com os objetivos de acompanhar e avaliar as intervenções em bairros por ele classificados de “baixa renda”, garantir que as intervenções nos bairros não se dessem de modo fragmentado, assegurando a participação social nos processos e prestando assessoria técnica às comunidades (SALVADOR, 1979). Esse documento, no entanto, não se refere mais ao planejamento, mas se presta a definir critérios para intervenção nos bairros, que deveriam seguir como metodologia: a) a elaboração de estudos sobre as áreas de interesse, observando fatores de ordem política, técnico e comunitária; b) elaboração e construção de planos de ações e de projetos e; c) ação comunitária, que pretendia mobilizar moradores e lideranças no processo de elaboração dos projetos.

149 Nesse documento, o bairro popular foi definido como “local em que quase sempre são encontradas situações de calamidade permanente [...], desprovidos de rede de esgotos, rede de água, as ruas em estado de intransitabilidade, ou por não terem pavimentação ou por terem sido transformadas em rede central de esgotos [...], precárias situações de: educação, saúde e bem estar-social, transporte etc.” (SALVADOR, 1976, p. 7). 150 As ações de assessoria comunitária foram definidas nesse documento como “assessoria quanto à organização do trabalho: formação de grupos de estudos, pesquisas diretas, planejamento de atividades, bem como organização de atividades produtivas, o que significará especificamente uma intervenção na dinâmica interna das Sociedades de Bairros, o que deverá provocar seu desenvolvimento tanto quantitativo como qualitativo”. (SALVADOR, 1976, p. 29). 140

A partir desse momento, e especialmente na gestão de Mário Kertész,151 a Companhia de Renovação Urbana de Salvador (RENURB), diretamente ligada ao gabinete do Prefeito, passou a assumir protagonismo nas ações sobre os bairros e ocupações informais de Salvador (EKERMAN, 2018), desconsiderando o planejamento desenvolvido pela OCEPLAN e pelo PRODESO. As ações da RENURB, na primeira e na segunda gestões de Kertész, concentraram recursos do orçamento municipal em ações de saneamento, sobretudo de drenagem urbana, sem a participação das populações envolvidas e desconsiderando os trabalhos realizados pelo PRODESO desde 1976. Entre as ações da RENURB estão “os assentamentos do Vale do Camurujipe, o Nordeste de Amaralina e a Boca do Rio, dentre outros, num total de aproximadamente 620 mil pessoas” (EKERMAN, 2018, p. 147).

3.5.2.5 Os planos urbanísticos da década de 1980

Durante a segunda gestão do Prefeito Mário Kertész (1986-1988) – primeiro prefeito eleito por eleições diretas desde a ditadura militar – foram criadas as Regiões Administrativas (RA) de Salvador pelo Decreto Municipal nº 7.791/87, com o objetivo de subdividir o território do município para fins administrativos, de planejamento e de informação, criando, também, as Administrações Regionais (AR), que deveriam representar a aproximação da gestão municipal com “o povo” (SALVADOR, 1987).152 Nesse período, foram elaborados planos urbanísticos para a RA Subúrbio Ferroviário e para o bairro de Itapuã. O Plano Urbanístico para Itapuã (SALVADOR, 1986a, 1986b, 1986c) tinha como objetivo a preservação do bairro como núcleo residencial, polo de atração turística e área de borda da cidade, sem, contudo, desestimular seu desenvolvimento socioeconômico. Além disso, pretendia assegurar a permanência dos moradores locais, preservar seus marcos visuais, áreas de recursos naturais e paisagísticos e as áreas de interesse cultural, ordenar as atividades de comércio e

151 Entre 1977 e março de 1981, entre as gestões de Jorge Hage e Mário Kertész, cinco prefeitos – nomeados interinos e eleitos pela Assembleia Legislativa do Estado – passaram pela Prefeitura de Salvador (ver APENDICE 1). 152 Havia, no entanto, uma estratégia eleitoral por trás dos discursos da criação das Administrações Regionais. Nesse momento, Mário Kertész tentava se aproximar mais dos bairros e da população visando à sua reeleição para a gestão seguinte, o que não ocorreu, sobretudo pela interveniência do então ministro das comunicações – e ex e futuro governador da Bahia – Antônio Carlos Magalhães, político de grande influência na Bahia. 141 serviços e definir o centro de bairro, com a orientação para o crescimento das atividades voltadas para o turismo e o lazer. Pretendia também definir diretrizes de ocupação habitacional para as áreas livres e as áreas de expansão, indicar diretrizes para uma política de regularização da posse da terra, além de possíveis melhorias em infraestrutura, serviços urbanos e equipamentos. A participação popular153 aparece como fundamental no processo de elaboração do plano, porém esse mesmo documento relata a ausência de participação no início dos trabalhos e aponta como método para participação a aplicação de fichas de sondagem a alguns moradores. O Plano Urbanístico da RA XVI Subúrbio Ferroviário (SALVADOR, 1988a, 1988b, 1988c) estabelecia as diretrizes gerais para a RA –XVI e estava estruturado em quatro segmentos básicos: distribuição da população, nucleação de atividades, sistema viário e transportes, áreas verdes e espaços abertos, além dos objetivos para a expansão urbana. A Prefeitura criou um sistema de fiscalização comunitária com o intuito de apoiar as atividades da Secretaria de Transporte Urbano no bairro, no que se refere à fiscalização do transporte coletivo por ônibus de Salvador, grande reclamação dos moradores nesse período. Nenhum desses planos faz referência ao recém-aprovado PLANDURB nem à LOUOS, e não se tem notícia da sua implementação.

3.5.2.6 A experiência de Vila Verde (1996)

No ano de 1996, a professora Débora Nunes desenvolveu a pesquisa-ação de seu doutoramento sobre a participação em comunidade no loteamento Vila Verde, recém-assentado pela Prefeitura de Salvador, que abrigou cerca de 500 famílias vítimas de deslizamentos de terras em decorrência das fortes chuvas em 1995. A experiência durou um ano e tinha sido acordado que a Prefeitura iria considerar as decisões dos moradores quando da realização de futuras intervenções na localidade (NUNES, 1999). A população do loteamento, naquele momento, era constituída de famílias com média de quatro pessoas, com 93,4% da população com renda de zero a três

153 O próprio Plano define como função da participação popular “assegurar o desenvolvimento de comunidade beneficiária e como organizadora dos processos e serviços e, requer que a comunidade esteja preparada e organizada para fazer melhor uso destes serviços” (SALVADOR, 1986b, p. 5). 142 salários mínimos, e apenas 41,3% possuíam renda fixa. As atividades para envolvimento e participação dos moradores eram diversificadas, o que, além do processo de construção de cidadania daqueles envolvidos (NUNES, 1999, 2002), levou à construção de uma lista de propostas hierarquizada a partir da sua importância para os participantes. Entre as propostas, destacavam-se a criação de uma organização que representasse os interesses dos moradores, a pavimentação das vias, a construção de uma creche e de escola para alfabetização de adultos. Em determinado momento, a Prefeitura anunciou no bairro as dificuldades financeiras da administração para avançar na execução das obras, o que levou os moradores a executarem algumas delas por regime de mutirão não remunerado. Com a autorização da Prefeitura para a construção em um terreno, os moradores erigiram por conta própria a creche comunitária e se organizaram para garantir seu funcionamento em regime voluntário, com revezamento das mães nos cuidados com as crianças. As aulas para alfabetização dos adultos também ocorreram por meio de ações voluntárias dos moradores alfabetizados que se dispuseram a ajudar nos aprendizados dos alunos. Segundo Nunes (1999), tanto a construção coletiva das propostas, como a construção da creche e da escola foram atividades importantes para desestabilizar as estruturas de poder e hierarquia entre funcionários da Prefeitura e moradores, com estes últimos se colocando de maneira mais ativa e consciente na reivindicação dos seus direitos e prioridades.

3.6 O RETORNO DO PLANEJAMENTO NA ESCALA DO BAIRRO NOS ANOS 2000 NO BRASIL – A QUE SERÁ QUE SE DESTINA?

Nos anos 2000, diversas foram as experiências de planos de bairro elaborados por diferentes agentes. Diversas prefeituras tomaram iniciativas parecidas nesse período, como a Prefeitura de São Paulo, com o plano para o Subdistrito de Perus, em 2009, e os planos elaborados para Brasilândia, Cidade Tiradentes, Jardim Ângela, em 2004, pela Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Paulo – com financiamento do Cities Alliance, Banco Mundial; a Prefeitura de Itapecerica da Serra, com os planos de Branca Flor e Campestre e Parque Paraíso – com financiamento do Programa Habitar Brasil/BID; e a Prefeitura de Belo Horizonte, com o Plano para o Hipercentro, em 2007. 143

Alguns municípios também elaboraram planos para suas regiões administrativas, como os Planos Regionais das Subprefeituras de São Paulo, em 2008; Planos Diretores das Regiões Administrativas de Belo Horizonte, em 2012; os Projetos de Estruturação Urbana (PEU)154 dos Bairros de Freguesia, Pechincha, Taquara e Tanque, em 2004; Campo Grande, Cosmos, Inhoaíba, Santíssimo e Senador Vasconcelos, em 2004; São Cristóvão, Benfica, Mangueira e Vasco da Gama, em 2004; e Parte dos Bairros de Todos os Santos, Méier, Cachambi, Engenho de Dentro, Abolição, Encantado e Pilares, em 2005; Caju, em 2009; Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e parte do Recreio dos Bandeirantes, em 2009; Ilha do Governador e Vargens (em andamento). Nesse contexto, surgem experiências de planos de bairros elaborados por Organizações Não Governamentais, por moradores organizados, coletivos e movimentos sociais. Com e sem apoio das universidades Mais uma vez, é importante destacar o contexto favorável para esse tipo de iniciativa, com a aprovação do Estatuto da Cidade – ainda que planos locais não sejam obrigatórios, eles aparecem como instrumentos de indução do desenvolvimento urbano no Estatuto –, a Criação do Ministério das Cidades e as possibilidades de obtenção de recursos para implementação de intervenções urbanas e a campanha de elaboração de Planos Diretores Participativos, financiada pelo MCidades entre 2005 e 2006. Em Salvador, essa temporada de elaboração de planos de bairro é aberta com o Plano de Mata Escura, elaborado pela Faculdade de Arquitetura da UFBA, e logo em seguida com os planos de bairros para regulamentação das ZEIS de Salvador, que contou com a elaboração de três planos-piloto, que serão retratados mais adiante.

3.6.1 Os planos de bairro da Secretaria Municipal de Habitação (2005-2010)

Após grande vácuo no planejamento urbano em Salvador, a tentativa de elaboração do PPDU entre 1999 e 2004 foi questionada pelo MP/BA e um novo plano começa a ser elaborado em 2005, na gestão do Prefeito João Henrique.

154 Os PEUs existem desde 1978, mas até 1994 eles se configuraram mais como regulamentadores de parâmetros específicos de uso e ocupação do solo. A partir de 2004, já com o Plano Diretor Estratégico do Rio de Janeiro em vigência, começam a ser aprovados PEUs que incluíam o planejamento urbano no seu escopo. 144

Apesar desse “novo” PDDU (SALVADOR, 2008b) ter se submetido ainda mais às forças hegemônicas de empresas imobiliárias, importantes avanços nas políticas de saneamento ambiental e habitação foram conquistados. O PDDU aprovado em 2008 trouxe, entre seus dispositivos, a Política Municipal de Habitação de Interesse Social (PHIS), que compreendia

um conjunto de diretrizes que orientam as ações pontuais, coletivas e estruturais para o atendimento das necessidades de moradia para a população com renda familiar de até 3 SM (três salários mínimos), podendo, em casos excepcionais, atender à população com renda de até 6 SM (seis salários mínimos). (SALVADOR, 2008b).

Em 2007, Salvador abrigava uma população estimada de 2,7 milhões de pessoas e um déficit habitacional quantitativo de 100 mil pessoas e qualitativo de 400 mil (GORDILHO-SOUZA, 2007). Assim, além das iniciativas de produção de novas habitações, a melhoria habitacional passava também por intervenções de requalificação urbanística de ocupações, sendo priorizadas aquelas que passaram a ser reconhecidas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Embora Salvador já tivesse criado suas Áreas de Proteção Sócio-Ecológica (APSE) desde 1984,155 das 34 APSEs propostas, apenas a do Calabar foi delimitada, porém nunca regularizada (GORDILHO-SOUZA, 2007). O Estatuto da Cidade trouxe as ZEIS como instrumento de regularização fundiária e urbanística, tornando obrigatória sua demarcação nos planos diretores elaborados e aprovados após a dada de publicação da lei federal, ou seja, após 10 de julho de 2001 (BRASIL, 2001). Assim, o PDDU/2008 demarcou 116 ZEIS e indicou como procedimento para regulamentação e intervenção “a implantação de Planos de Bairro, que deverão contar com a participação dos moradores e suas representações em cada localidade” (GORDILHO-SOUZA, 2007, p. 7). Na lei do PDDU/2008 (SALVADOR, 2008b), as ZEIS deveriam ser implementadas pelo Plano de Regularização, que por sua vez deveria ser composto

155 Segundo Gordilho-Souza (2007, p. 6), “historicamente, o Município de Salvador dispõe desde 1984 do instrumento urbanístico intitulado Áreas de Proteção Sócio Ecológica (APSE), concebido em meados dos anos 1970, no âmbito dos estudos do Plano de Desenvolvimento Urbano – PLANDURB [...] Posteriormente, em 1985, a Lei Municipal nº 3.592 dispôs sobre o enquadramento e delimitação em caráter preliminar das Áreas de Proteção Sócio-Ecológica (APSE), estabelecendo medidas para sua regulamentação, bem como definindo parâmetros de uso e ocupação (área do lote; índice de ocupação e nº. de pavimentos). Entretanto, decorridos vinte anos da promulgação da referida lei, constata-se que as APSEs não foram institucionalizadas, ao mesmo tempo em que os assentamentos continuam crescendo desordenadamente”. 145 por um Plano Urbanístico, um Plano de Regularização Fundiária e um Plano de Ação Social e de Gestão Participativa (Art. 84). Em artigo publicado em 2007, a então secretária de Habitação do município, Ângela Gordilho Souza, afirmou que sua intenção com esses planos era ter

[...] como resultado desse processo a indicação de diretrizes e metas visando a captação de recursos para a implementação de projetos de intervenção de melhorias a curto, médio e longo prazos, além de normativas de ocupação. O Plano de Bairro deverá se desdobrar no Plano Urbanístico e no Estatuto do Bairro, que visam estabelecer normas e critérios específicos de ordenamento, uso do solo e outras definições ambientais para a localidade, coletivamente pactuadas entre os moradores e o poder público municipal, buscando, sobretudo, a construção de um processo de co-gestão. Trata-se, pois, de um planejamento capaz de viabilizar ações transversais, envolvendo diferentes instâncias dos agentes públicos e privados e a população moradora. (GORDILHO-SOUZA, 2007, p. 7).

A intenção com a implementação desses planos era estabelecer propostas de intervenção e parâmetros de uso e ocupação do solo próprios de cada lugar, de cada realidade, reconhecendo sua produção do espaço e propondo potencializar áreas, além de adequá-las urbanisticamente, com melhoria das infraestruturas e serviços urbanos. Assim, a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), entre 2005 e 2010, realizou três experiências de planejamento urbano na escala do bairro. Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) contratou a elaboração de três planos de bairro, com o intuito de implementar ações de urbanização, regularização e regulamentação das condições de moradia, em Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), caracterizadas por ocupações precárias, através do financiamento dos programas HABITAR BRASIL/BID e o Projeto de Assistência Técnica ao Programa de Saneamento Básico para a População de Baixa Renda (PAT PROSANEAR).156 O PAT PROSANEAR foi desenvolvido pelo Ministério das Cidades, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e coaduna-se com as ações implementadas pela Secretária Municipal de Habitação (SEHAB) da Prefeitura do Salvador, em particular com as iniciativas de elaboração de planos de bairro, definidas, a partir de 2005, como instrumento de gestão para os assentamentos informais ocupados por população de baixa renda. Essas ações têm

156 Os Planos de Bairros deveriam ser referência da Administração Municipal para o emprego de investimentos públicos em melhorias da qualidade ambiental urbana destas áreas, sendo as metas e diretrizes propostas no Plano Urbanístico utilizadas para captação de recursos e de parcerias para efetivação das intervenções definidas. 146 como condição essencial a efetiva participação dos moradores no processo de definições das prioridades de intervenção no seu bairro, buscando a identificação adequada das demandas, a qualificação do ambiente de moradia e o compromisso de cogestão na melhoria e manutenção dos projetos implantados. Em termo de referência da SEHAB para elaboração do Plano de Bairro de Colinas de Mussurunga, o plano é definido como

[...] uma ação de planejamento capaz de viabilizar ações transversais envolvendo diferentes instâncias dos poderes público e privado e, principalmente a população, em uma política de parcerias com as demais instâncias de governo (federal e estadual), visando inclusive, a captação de recursos para a implementação dos projetos, com base nas propostas de intervenção indicadas (a curto, médio e longo prazos). Com o Plano de Bairro torna-se possível qualificar o crescimento e a densificação desses locais, seja pela melhoria das ocupações, pelo aproveitamento de pequenos vazios ou pela verticalização de unidades existentes, além de melhorias de infra-estrutura e equipamentos. (SALVADOR, 2005b, p. 12).

O Plano de Bairro, como um instrumento de planejamento urbano da SEHAB para as ZEIS, suscitou, nas experiências realizadas, dois produtos: a) o Plano Urbanístico, que versa sobre um conjunto de diretrizes e procedimentos voltados à implementação das ações necessárias à consolidação da regularização fundiária, do ordenamento urbanístico e à melhoria da qualidade de vida dos moradores, a partir da avaliação da realidade socioambiental e jurídica da área e; b) o Estatuto do Bairro, no qual são colocados normas e critérios específicos locais de ordenamento e uso do solo, do crescimento da localidade, construção, manutenção dos espaços e equipamentos comunitários, coletivamente pactuados entre os moradores e poder público municipal (SALVADOR, 2010a). O Plano de Bairro de Nova Constituinte foi escolhido como experiência piloto, cuja metodologia deveria ser aplicada a outras duas, nas ZEIS de São Marcos/Pau da Lima e Mussurunga.157 O Plano foi desenvolvido pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB), com a participação popular dos moradores e lideranças do bairro de Nova Constituinte,158 e apresentou projetos urbanísticos que contemplavam as demandas dos participantes e um Estatuto de bairro detalhado e com índices de

157 Ainda que tenha sido iniciado em 2005, o plano de Nova Constituinte foi finalizado apenas no ano de 2010, não logrando servir de referência aos demais planos. 158 Essa, inclusive, era a condição para a elaboração dos planos, que fossem elaborados por com participação popular. 147 ocupação e uso do solo e mecanismos de controle social compatíveis com o contexto do bairro e da sua própria elaboração. A elaboração do Plano de Bairro de Nova Constituinte teve início em 2005 e foi concluída em 2010; foi conduzida pela Universidade Estadual da Bahia, sob supervisão da SEHAB, e contou com a com a participação dos moradores e lideranças do bairro. Segundo a cartilha elaborada pela UNEB,

O plano de bairro, como ideário, tem como objetivo instrumentalizar o poder público para realizar intervenções mais efetivas e focalizadas nas ZEIS, onde se manifesta e domina a pobreza em suas distintas formas de precariedade às quais estão submetidos os segmentos de população excluídos dos benefícios econômicos e sociais. (SOUZA, 2010, p. 10).

No início dos trabalhos da equipe de elaboração do Plano, Nova Constituinte era um bairro localizado na região do Subúrbio Ferroviário, vizinho aos bairros de Coutos e Periperi e assentado sobre o Vale do Paraguari, área de charco por onde passa o Rio Paraguari, o que agrega instabilidade a parte das edificações, especialmente aquelas construídas sobre aterros improvisados (SALVADOR, 2007). Com mais de três mil edificações e cerca de 12 mil habitantes (SOUZA, 2010), na sua maioria jovens, trata-se de um bairro predominantemente residencial, com 85% dos imóveis utilizados para moradia, apresentando condições de habitação bastante precárias. Ainda que quase a totalidade dos domicílios estejam ligados à rede de energia elétrica e tenham abastecimento de água pela rede geral, apenas 50% dos domicílios estavam ligados à rede de esgoto e 72% eram atendidos por serviço de coleta de lixo (SALVADOR, 2007). Diante desse quadro de precariedade urbanística, algumas propostas foram eleitas como prioritárias, agrupadas pelos temas: a) habitação; b) educação; c) lazer e esporte; d) violência; e) meio ambiente e preservação ambiental; f) saneamento básico; g) saúde e; h) transporte e mobilidade. As proposições foram divididas em urbanísticas e outras proposições. As primeiras são relativas às demandas de intervenções físicas, com impacto no uso e na ocupação do solo, e as segundas na forma de políticas, programas ou projetos (SALVADOR, 2009). No total, foram eleitas 36 ações prioritárias, com destaque para os temas relacionados à melhoria habitacional e às infraestruturas necessárias à sua qualidade, violência e transporte e mobilidade. A metodologia para a elaboração do plano consistiu em quatro etapas: 148

Etapa 1- Elaboração do plano de Sensibilização e Mobilização Popular – como trabalhar na área para garantir a participação e o envolvimento dos moradores; Etapa 2 – Elaboração do Plano Urbanístico – como identificar os problemas para resolvê-los por ordem de importância; Etapa 3 – Elaboração de indicadores para Estatuto do Bairro – ferramentas de avaliação, parâmetros que informem e descrevam sucintamente o que encontramos expresso em valores; Etapa 4 – Sistematização do processo de construção da Metodologia de Elaboração de Planos de Bairro – todas as práticas sociais, lições e ensinamentos devem ser contadas e divulgadas a fim de ajudar a todos os envolvidos apreenderem com os processos nos quais estiveram engajados os grupos sociais de Nova Constituinte e os de fora dela. (SOUZA, 2010, p. 12).

Foram realizadas atividades com participação dos moradores, quais sejam, observação de campo participativa, entrevistas estruturadas e semiestruturadas, teatralização, caminhadas, seminários, exposição fotográfica, criação de vídeo, oficinas temáticas e levantamento de dados socioeconômicos. Para a equipe que elaborou o Plano de Bairro de Nova Constituinte, participar significa “definir um problema ou problemas, analisar todos os fatos, formular alternativas, ponderar, tomar decisão e assumir a responsabilidade pelos resultados, positivos ou negativos” (SALVADOR, 2010d, p. 9). De modo geral, no Relatório de Avaliação do processo de elaboração do plano é apresentada uma lúcida crítica ao processo de participação, que foi avaliado como frágil, dado o contexto do bairro e das áreas com pouco acesso a serviços básicos de qualidade e à cidadania. Soma-se a isso o fato de o bairro já ter recebido promessas não cumpridas de intervenções da Prefeitura, o que induziu os moradores a verem com descrédito a iniciativa de elaboração do Plano. No entanto, esse mesmo Relatório apontou uma média de frequência de 20 a 30 moradores por oficina, o que pode ser considerado um bom número de pessoas, se comparado com as outras experiências estudadas. No ano de 2007, Nova Constituinte foi objeto de intervenções urbanísticas financiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que previa a melhoria habitacional, produção de novas unidades de habitação, adequação das redes de esgoto, drenagem, energia elétrica e iluminação pública, além da construção de equipamentos sociais. Ocorre que esse projeto não dialogava com a construção do plano de bairro, tendo sido previamente concebido pelo seu órgão executor, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER), sem diálogo com os moradores, com a Prefeitura, nem com a equipe do 149 plano de bairro. As obras começaram a ser executadas ainda enquanto a equipe do plano desenvolvia suas atividades. A falta de diálogo entre as instâncias estadual e municipal não era uma peculiaridade de Nova Constituinte, mas uma constante nas atuações de diversos órgãos dos dois níveis de governo. O plano de bairro para a ZEIS Colinas de Mussurunga foi elaborado pela Universidade Salvador (UNIFACS) entre 2005 e 2008, para 3 ocupações que a compunham: Colinas de Mussurunga, Estrada Velha do Aeroporto e Vila Verde. No momento da sua elaboração, a localidade, relativamente próxima à Avenida Paralela, contava com 1.492 domicílios e com cerca de 6 mil habitantes, com média de 4,4 pessoas por família, sendo que apenas 19% dos entrevistados para o Plano possuíam nível médio completo, 63% eram assalariados (mas não necessariamente com carteira assinada) e 94% tinham renda mensal de um a três salários mínimos. A ocupação era caracterizada por terrenos de cumeadas e encostas alagáveis, contando ainda com bastante área verde e com a presença de lagoas. Dentre seus principais problemas, podia-se destacar a inadequação das redes de esgotamento sanitário, da drenagem das águas pluviais, do sistema viário e dos serviços de coleta de lixo. A maioria de sua população não possui nenhum tipo documento que lhe assegure segurança na posse dos seus imóveis. Havia dois padrões distintos de ocupação da área: um de ocupação mais antiga (1950), próxima à Estrada Velha do Aeroporto, constituindo-se em núcleo de ocupação mais consolidada, e a outra de ocupação mais recente (1970), em área remanescente do loteamento municipal de Vila Verde, em condições de maior precariedade urbanística (SALVADOR, 2005a). Entre as propostas construídas com os moradores nas oficinas estão a melhoria das redes e serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e iluminação pública, pavimentação das vias, demarcação das áreas públicas para evitar a ocupação de áreas livres por usos privados, atividades de geração de emprego e renda, remanejamento das unidades habitacionais das áreas de risco de deslizamento e inundação, regularização fundiária, oferecendo garantia de posse aos seus moradores, melhorar a acessibilidade e proteger os cursos d‟água e lagoas (SALVADOR, 2008d). No relatório de avaliação do trabalho, a equipe de elaboração do Plano destacou problemas de ordem operacional, como dificuldades da UNIFACS em utilizar os recursos para contratação de estagiários e moradores como 150 pesquisadores. Embora tenha apresentado um baixo número de participantes nos seminários e oficinas – a primeira reunião contou com a participação de 45 pessoas, mas, nas oficinas, esse público variou de oito a 17 pessoas – a UNIFACS avaliou o processo participativo como positivo. Foi relatada ainda a dificuldade no cumprimento do prazo de entrega dos produtos à SEHAB, o que comprometeu parcialmente a realização das atividades. Diferente de Nova Constituinte, não foi encontrado nos relatórios detalhes sobre a metodologia para construção das propostas e a definição daquelas prioritárias para a ZEIS. O Plano de Bairro de São Marcos/Pau da Lima foi realizado pela Secretaria de Habitação de Salvador, no âmbito do Projeto de Assistência Técnica ao Programa de Saneamento Básico para População de Baixa Renda (PAT Prosanear), do Ministério das Cidades, em parceria com o Banco Mundial, ajustando a metodologia de planos de bairro à do PAT Prosanear e dando ênfase nas melhorias sanitárias e urbanísticas. A área objeto de estudo, Baixa Fria e Baixa de Santa Rita, localiza-se em São Marcos, bairro de Pau da Lima, e se caracteriza por assentamentos localizados em áreas de risco, sujeitas a enchentes e inundações constantes, com ausência de drenagem apropriada e saneamento (SALVADOR, 2008c). As ações do plano foram assentadas nos seguintes planos e projetos: Plano de Desenvolvimento Local Integrado (PDLI) – instrumento de planejamento de toda a área de intervenção do PAT Prosanear; Projeto de Saneamento Integrado (PSI) – projetos executivos elaborados para parte da poligonal do PDLI, a partir das definições nele contidas, constando de: abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem, coleta de lixo, sistema viário, contenção de encostas, reassentamento de população, áreas de lazer, equipamentos comunitários; Plano de Trabalho Social (PTS) – desenvolvido durante todo o período de elaboração do programa, compreende a implementação de ações de mobilização e capacitação da população (SALVADOR, 2008c). A metodologia do PAT Prosanear tem como pressuposto principal a participação direta da comunidade em todas as fases de planejamento e de execução dos projetos, para a construção de uma proposta participativa, mediante a identificação das carências, das potencialidades e da seleção das alternativas de solução. Como resultado, prevê-se uma maior adequação técnica e comprometimento da população, evitando-se, com isso, o uso indevido dos sistemas 151 implantados. Para tanto, foi estruturado o Grupo Gestor, composto por lideranças formais e informais com atuação na área, firmando pactos sociais e territoriais, garantindo o direito de diálogo com as diversas instâncias do poder (SALVADOR, 2008c).

3.6.2 Os planos de bairro e a Universidade Federal da Bahia

3.6.2.1 Mata Escura: plano de intervenção (2005)

O plano de intervenção para a Mata Escura surge do desejo de aproximação da formação acadêmica e profissional dos estudantes da Faculdade de Arquitetura da UFBA com bairros de ocupação informal. O livro Mata Escura: plano de intervenção (GORDILHO-SOUZA, 2005) consiste na experiência de um plano de intervenção elaborado para o bairro de Mata Escura, na disciplina de Ateliê V, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, no ano de 2004, coordenado pela professora Ângela Gordilho Souza. O foco da disciplina foi “propiciar aos alunos a compreensão da abrangência e das diferentes dimensões do planejamento urbano e regional” (GORDILHO-SOUZA, 2005, p. 13) no desenvolvimento urbano, centrado na formulação de diretrizes e propostas espaciais de natureza urbanística, com ênfase nos aspectos ambientais e físico-espaciais. Os objetivos do plano de intervenção consistiram em ações de curto, médio e longo prazo. No curto prazo, foram apontadas ações mais simples e menos dispendiosas, implantação de baias de ônibus, paisagismo, remodelação de praças e implantação de mobiliário urbano. No médio prazo, priorizou-se a criação de vias, ciclovias e de um calçadão, construção de novas praças, criação de ligações entre cumeadas e baixadas, para ampliar o acesso ao bairro e a serviços urbanos. No longo prazo, foram propostas a criação de novas vias, implantação de sistemas de esgotamento sanitário e drenagem, construção de nova via estruturante e produção de novas unidades habitacionais. A metodologia utilizada para a construção do plano consistiu em aulas expositivas, pesquisa bibliográfica, visitas a campo, exercícios de percepção, estudos de propostas, exercícios e seminários e sistematização do conhecimento básico sobre a questão.

152

3.6.2.2 Plano de bairro para a ZEIS Saramandaia159

O Plano de Bairro de Saramandaia iniciou suas atividades em janeiro de 2012, a partir da aproximação da Faculdade de Arquitetura da UFBA com o bairro, que participou ativamente dos processos de discussão pública do Estudo de Impacto de Vizinhança do empreendimento Horto Bela Vista, vizinho ao bairro, em 2011. Fruto de um projeto de extensão universitária, o Plano de Bairro para a ZEIS Saramandaia visa organizar as demandas com o objetivo de construir, junto aos moradores, alternativas para o enfrentamento dos conflitos e propostas de transformação da área.160 A população do bairro é de cerca de 12 mil pessoas e encontra-se em alto grau de vulnerabilidade socioambiental. Além dos baixos rendimentos registrados pela maioria de sua população, o acesso a serviços e infraestruturas básicas como água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, saúde e educação é bastante precário. Agravante dessa situação, parte da ocupação encontra-se abaixo da rede de transmissão de energia elétrica de alta voltagem da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, área non aedificandi definida por lei. Por esses motivos, o Bairro é definido como Zona Especial de Interesse Social pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano desde 2008. O Plano elaborou e discutiu com os moradores uma leitura técnico- comunitária e proposições para melhorias no bairro e atualmente se encontra em fase de conclusão. Uma característica interessante desse Plano é participar ativamente dos conflitos enfrentados pelo bairro durante a sua elaboração, a exemplo do Projeto da Linha Viva, construindo com os moradores e as lideranças comunitárias estratégias de resistência no bairro. No caso de Saramandaia, o bairro se via ameaçado primeiro pela implantação no bairro vizinho do empreendimento de urbanização integrada de grande porte, o

159 As referências sobre o processo de elaboração dos Planos de Saramandaia e 2 de Julho são fruto da participação de uma das autoras do artigo nos projetos de extensão. 160 A partir de 2012, o bairro começa a sofrer novas pressões de grandes projetos, dessa vez dos poderes públicos, com a construção da Linha Viva, com 17,7Km de extensão de pista pedagiada que propõe a remoção de cerca de 600 famílias. Essas pressões para retirada dos moradores do bairro e seus conflitos inerentes permearam todo o processo de elaboração do Plano, ainda em curso. Saramandaia é um bairro vizinho à Rodoviária e ao Departamento Estadual de Transito (DETRAN) e se localiza próximo ao atual centro financeiro e econômico da capital, ao Shopping Center Iguatemi, além de diversos outros equipamentos de comércio e serviços. 153

Horto Bela Vista,161 e, mais tarde, pela construção da Linha Viva, um projeto de via expressa pedagiada com 17,7 km de extensão, cujo desenho indica a intenção de passar por cima do bairro, desabrigando cerca de 600 famílias. A professora Ana Fernandes, contratada como perita para avaliar e acompanhar o processo de elaboração de um Estudo de Impacto Urbano-Ambiental (EIUA) do empreendimento,162 propôs aos moradores engajados nesse processo, organizados por meio da Rede de Associações de Saramandaia (RAS), a construção de um plano de bairro com o intuito de fortalecer as associações comunitárias e ampliar a aproximação com a Faculdade de Arquitetura da UFBA, bem como de qualificar as demandas dos moradores para reivindicações junto aos poderes públicos. A elaboração do plano de bairro em Saramandaia se iniciou em 2012 e foi concluída em 2016, mas a relação do grupo de pesquisa com a RAS se manteve, seja pela parceria na luta de resistência contra a Linha Viva, seja pela elaboração e implementação do projeto de uma praça no bairro, fruto da participação ativa dos moradores nas audiências do EIUA.163 Para Vainer e colaboradores (2013), o planejamento de bairro possibilita, sobretudo, o enfrentamento técnico e político dos conflitos que se deflagram no lugar. Esse é um processo que os autores chamam de Planejamento Conflitual, que “aposta na capacidade dos processos conflituosos de constituírem sujeitos coletivos aptos a ocuparem de forma autônoma, a cena pública”. Aqui, o planejamento urbano, tão criticado pelo seu peso ideológico e ineficácia, passa a ser utilizado como ferramenta para enfrentar os conflitos. Para Forester (2013, p. 3), em seu livro Planning in the Face of Power, “in a world of intensely conflicting interests and great

161 O empreendimento era originalmente constituído de 19 (dezenove) torres residenciais, contendo 3.046 apartamentos, 1 clube privativo, 3 prédios comerciais contendo 1.280 unidades, 1 torre residencial com serviços, tipo Flat, com 448 unidades, 1 Shopping Center e uma Escola Particular (PLANEJAMENTO AMBIENTAL E ARQUITETURA LTDA, 2010). 162 Em 2009, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA), tendo em vista a desconformidade do projeto e da construção do empreendimento com a legislação ambiental vigente, abriu inquérito civil e procedeu a elaboração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo MP/BA e a JHSF Salvador Empreendimentos e Incorporações S/A (empresa empreendedora) em 21 de outubro de 2009, de nº 003.0.176305/2008, obrigando a empresa a elaborar o EIUA (REBOUÇAS, 2012b). 163 O mesmo TAC firmado com a JHSF, que viabilizou o EIUA, foi aditado, incorporando medidas mitigatórias identificadas pelo EIUA no entorno do empreendimento, com medidas específicas para o bairro de Saramandaia (REBOUÇAS, 2012b). Após inúmeras negociações entre os moradores, apoiados pela FAUFBA, a incorporadora imobiliária e a Prefeitura de Salvador, com mediação do MP/BA, os termos do TAC foram redefinidos e está em construção uma praça no bairro, cuja localização e desenho foram discutidos diretamente com os moradores. 154 inequalities of status and resources, planning in the face of power is at one a daily necessity and constant ethical challenge”. Na próxima seção será analisada de perto a experiência de elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho, que surge a partir de uma demanda do Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho (MNB2J), que iniciou a elaboração de um plano de bairro participativo que não foi levada adiante por dificuldades internas do movimento. A aproximação do MNB2J com o Grupo de Pesquisa Lugar Comum, da Faculdade de Arquitetura da UFBA, a partir da sua participação na luta por resistência dos moradores no bairro, levou a que em janeiro de 2014, tivesse início um projeto de extensão para elaboração do Plano. Nessa experiência, vem sendo construído um planejamento coletivo e pactuado com seus moradores. Os objetivos do Plano de Bairro 2 de Julho visam à sistematização e ampliação dos conhecimentos acerca do bairro, ao fortalecimento político e à capacitação técnica dos agentes envolvidos e à construção coletiva de diretrizes para o seu pleno desenvolvimento, em seus aspectos social, cultural, econômico, político e ambiental. O processo de elaboração de um plano de bairro se coloca como possibilidade de mediação de um pacto territorial diferenciado, que oportuniza a construção coletiva de estratégias que tensionam elementos como espaços públicos, diversidade social, infraestrutura técnica e social, equipamentos coletivos, moradia adequada e integração com a vida da cidade, de modo a articular o conjunto de atividades, usos e ocupações que formam tal espaço (FERNANDES, 2013 apud MANZI et al, 2015).

155

4 A EXPERIÊNCIA DO PLANO DE BAIRRO 2 DE JULHO

4.1. A DISPUTA PELO BAIRRO NO 2 DE JULHO

Conflitos e disputas fazem parte do 2 de Julho desde há muito tempo e não poderia ser diferente, em se tratando de uma área tão antiga, que passou por importantes reformas e obras de infraestrutura de grande porte, como quando da abertura da Avenida Sete de Setembro e da Rua Carlos Gomes, na primeira metade do século XX, e da Avenida Lafayette Coutinho (Avenida Contorno) na década de 1960. Também por um determinado período o bairro já possuiu, na década de 1960 164 até 1972, um terminal de micro-ônibus. Moradores contam que sua retirada foi motivo de protestos no bairro. Contudo, nas entrevistas realizadas para esta tese, apareceram nos relatos de Cacilda, Vilma e Seo Santos dois momentos de tensão anteriores aos conflitos com a Vila Coração e o Projeto de Humanização. Um deles foi o corte de árvores no Largo – com a justificativa pela Prefeitura de que as árvores estavam apodrecidas e que corriam o risco de cair sobre os transeuntes. Alguns moradores organizados (e os três entrevistados disseram ter participado das manifestações contrárias ao corte) conseguiram impedir que apenas algumas árvores fossem sacrificadas, tendo sido cortadas, no entanto, a sua grande maioria. Outro momento que figura na memória dos entrevistados, principalmente de Seo Santos, morador do bairro há 40 anos e que participou ativamente do processo como representante da Associação Comunitária do Largo 2 de Julho e Adjacências (ACLAJ), foi o concurso de projetos para o Largo 2 de Julho, promovido em parceria pela Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) e o IAB/BA. A ACLAJ foi criada em 1999, após um seminário realizado pelo então Vereador Javier Alfaya para discutir a formação de bases comunitárias em Salvador. Seo Santos165 participou desse Seminário e depois dele ajudou a fundar a Associação. Segundo ele, a reforma da praça pela Prefeitura surge a partir de uma demanda da ACLAJ, que pressionou o então prefeito Antônio Imbassahy para que tomasse providências com relação ao abandono dos Largos 2 de Julho e General Inocêncio Galvão. Na época, Seo

164 Relato de um ex-morador em uma oficina onde se discutiu soluções para a mobilidade urbana no 2 de Julho. Segundo ele, o terminal ficava onde hoje está localizado o Mercado do 2 de Julho, e quando se decidiu pela retirada da circulação dos ônibus dentro do bairro – em geral, vindos da Cidade Baixa – houve protestos e pedidos pelo seu retorno. 165 Entrevista concedida por Seo Santos para esta tese em 17 de novembro de 2018. 156

Santos participou como representante da ACLAJ de uma reunião para a apresentação dos três últimos projetos selecionados, mas conta que sequer puderam opinar sobre as propostas nem participar da escolha do vencedor.166 Desde aquela época, Seo Santos relata que o bairro já era conhecido como 2 de Julho, assim como o era pelos Correios e concessionárias de serviços de água e luz, que endereçavam suas correspondências ao bairro 2 de Julho, isso muito antes da disputa pela demarcação do bairro. Em 2012, a ACLAJ organizou a realização de uma reunião para apresentação de um projeto para o bairro, elaborado pela PMS, no clube Fantoches, para a própria Associação. O projeto, denominado “Santa Tereza. Humanização do bairro” (Figuras 9 e 10), apresentava a proposta de reforma de algumas vias do bairro, bem como a criação novos espaços públicos, ocupando as áreas de dois imóveis em ruínas, na Rua Areal de Baixo e na Rua Democrata, ambos fazendo a ligação dessas até a Rua Visconde de Mauá (Figuras 11 e 12). Alguns moradores não filiados à ACLAJ tiveram conhecimento da apresentação e foram ao Fantoches para se inteirar do projeto, que já circulava pelas redes sociais (Facebook).167 A Prefeitura não compareceu para a apresentação e os moradores presentes começaram uma discussão sobre o que estava circulando pela internet, que eram os slides da apresentação. Eles não mencionavam o 2 de Julho, e, entre outras coisas, a prefeitura ameaçava intervir “energicamente” no bairro para humanizá-lo e levar-lhe identidade e autoestima.

166 Os vencedores do concurso foram os Arquitetos Sergio Sá e Sean Patrick Bradley. 167 Pelo Facebook alguns moradores fizeram circular uma apresentação redigida em espanhol, elaborada para apresentação pelo Prefeito no Congresso do Centro Ibero-Americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano (CIDEU). 157

Figura 9 – Capa do Projeto de “Humanização” do bairro 2 de Julho

Fonte: Salvador (2012a).

Figura 10 – Mapa com intervenções do Projeto de “Humanização” do bairro 2 de Julho

Fonte: Salvador (2012a). 158

Figura 11 – Croqui do Projeto para Área de Convivência I (ligação entre as ruas Democrata e Visconde de Mauá)

Fonte: Salvador (2012a).

Figura 12 – Croqui do Projeto para Área de Convivência II (ligação entre as ruas Areal de Baixo e Visconde de Mauá)

Fonte: Salvador (2012a). 159

As opiniões favoráveis e contrárias dividem os moradores presentes. Aqueles contrários à proposta do projeto, à proposta de mudança de nome e de humanização do bairro entram em conflito com a ACLAJ – que recebeu o projeto com bons olhos – e resolvem organizar ações de resistência. Segundo relato de moradores e lideranças, esse é o contexto do surgimento do MNB2J.

4.1.1 Frames e a organização pela permanência no bairro

Ivana Chastinet,168 atriz, teatróloga e performer, moradora do 2 de Julho há mais 40 anos, foi uma das figuras centrais na constituição e nas ações do movimento. Ela começou sua trajetória de defesa pelo direito à moradia e à cidade antes da ameaça do Cluster Santa Tereza. Vivia com sua mãe e irmãs na Vila Coração de Maria,169 uma pequena vila com apenas sete casas na Rua Democrata, onde, no total, viviam sete famílias com renda mensal de até dois salários mínimos. Em 2008, começaram a sofrer ameaças de expulsão por parte da então proprietária dos imóveis, a Irmandade São Pedro dos Clérigos, que emitiu ordem de despejo aos moradores alegando haver investidores interessados em comprar o imóvel para construção de um estacionamento comercial. Em janeiro de 2010, uma das moradoras da Vila sofreu uma ação de reintegração de posse, sendo expulsa da sua residência, e os demais moradores, que também haviam recebido ordens de despejo, após a expulsão da vizinha, foram em busca da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA). A DPE alegou irregularidade na ação judicial,170 assumindo a mediação do conflito individual dos moradores com a Irmandade, mas também fazendo uma mediação coletiva do conflito fundiário instaurado no local. A moradora que havia sido expulsa não

168 Infelizmente, não foi possível realizar entrevista com Ivana para esta tese, pois ela faleceu em agosto de 2017, após lutar bravamente contra um câncer. Sua história e memórias foram colhidas nas falas dos demais entrevistados, em entrevistas concedidas por ela em outros momentos e a outros entrevistadores e no meu convívio com Ivana durante cinco anos de militância e amizade. 169 Originalmente, no final do século XIX, na Vila Coração de Maria viveram trabalhadores que prestavam serviços ao Hospício da Terra Santa – como eram chamadas as hospedarias religiosas naquela época. Em 1966, as casas e o terrenos foram adquiridos pela Irmandade São Pedro dos Clérigos, onde já não viviam os trabalhadores do hospício, mas trabalhadores assalariados via contrato de aluguel informal, situação que se manteve até as investidas de expulsão dos seus moradores em 2009 (ARAÚJO; FIGUEIREDO; MOURAD, 2010). 170 No Relatório elaborado por Araújo, Figueiredo e Mourad (2010) para a DPE/BA, nos casos de ordens de despejo individuais, foi usado o argumento de que o proprietário não deu a preferência de compra dos imóveis aos seus inquilinos, como determina o Código Civil. 160 conseguiu ter a ação judicial revertida (ARAÚJO; FIGUEIREDO; MOURAD, 2010; CHASTINET; HERMIDA, 2017).

Figura 13 – Panfleto-convite para evento na Vila Coração de Maria

Fonte: Chastinet (2013).

É com essa experiência e repertório que Ivana recebe, por parte de uma das assessoras técnicas colaboradores da DPE/BA, a notícia da existência do Cluster Santa Tereza171 e da ameaça maior, na qual a expulsão dos moradores da Vila

171 Na época, a pesquisadora Laila Nazem Mourad, coautora do parecer para a DPE/BA, já pesquisava processos de gentrificação no Centro Antigo de Salvador, inclusive no bairro 2 de Julho. 161 estava inserida. Em 2011, o Cloc Marina Residence, seu vizinho,172 já se encontrava em obras e o empreendimento ganhava mais uma antagonista, pois Ivana percebeu a relação, ainda que indireta, entre o empreendimento de alto padrão e a tentativa de expulsão dos moradores da Vila para a construção de um estacionamento comercial. Nesse momento, em 2012, Ivana tem notícia da apresentação para a ACLAJ do projeto de “humanização" do “bairro Santa Tereza” no Clube Fantoches, no próprio 2 de Julho, e mobiliza moradores para tomar conhecimento do Projeto. Por amigos e redes sociais, Ivana já havia tomado conhecimento da apresentação realizada pelo prefeito João Henrique em Barcelona, no Centro Ibero-Americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano (CIDEU) e na Associação Comercial da Bahia, para empresários e representantes da ACLAJ. A PMS não compareceu à reunião e Ivana, aproveitando a presença de moradores – alguns levados por ela, outros não –, lança mão de uma frame173 sobre o processo, mobilizando mais moradores contra o Cluster, o Cloc Marina e a PMS – esta última visivelmente articulada com os empreendedores imobiliários vinculados ao Cluster, já caracterizados como antagonistas do bairro. No entanto, moradores e representantes da ACLAJ se dividiram nas opiniões sobre o projeto, e alguns alegavam que investimentos para o bairro sempre trariam melhorias e, por isso, se posicionavam a favor das propostas tanto da PMS como do Cluster – segundo relatos dos entrevistados, aquela era a primeira vez que muitos deles ouviam falar sobre aqueles projetos.174 Naquele momento também se soube que D. Carmen havia participado como representante da ACLAJ na apresentação do projeto pelo prefeito na Associação Comercial e que não havia compartilhado as informações com os demais moradores. Alguns dos presentes, no entanto, já tinham ouvido falar do Projeto pela leitura de Ivana, como Vilma Mota, moradora do bairro há 40 anos, que soube por Sandro Pimentel, também amigo de Ivana, que contou da reunião no Fantoches e da

172 Embora o endereço do Cloc Marina Residence seja a Avenida Lafayette Coutinho (Avenida Contorno), durante as obras, havia um acesso para o empreendimento no final da Rua Democrata, onde hoje se encontra o muro da fachada posterior. 173 A conceituação sobre frames e performances podem ser lidos subseção 3.4.4 da seção 3 desta tese. 174 Essa afirmação apareceu nas falas de Cacilda, Seo Santos e Vilma, todos presentes nesse encontro. 162 proposta da PMS de reforma do bairro e da mudança de nome. Vilma relata que recebeu a notícia com surpresa e indignação:

Eu disse: „Como é? Trocar o nome do bairro? Como é que troca o nome do bairro? Pra quê? Pra botar o quê?‟ [...] Aí ele disse: „Agora é bairro Santa Tereza‟. „Por que isso?‟ [...] Aí eu disse: „Eu vou lá...‟. Aí tava Ivana... E Ivana disse: „Sinto muito, minha santa, mas nosso bairro é Dois de Julho!‟. Aí [soube que] a Prefeitura na gestão de João Henrique apresentou uma proposta na Espanha já, pra fazer essa intervenção no bairro, colocando o bairro bem mais chique, com entrada de conveniências pela Carlos Gomes, é... fiação subterrânea, luminária estilo europeu... Eu olhei assim: „Como vai caber isso aqui na rua do Sodré?‟ [...] Isso não tem nada a ver com o Dois de Julho. Quer dizer, vai ficar um bairro dentro de outro bairro.175

A fala de Vilma traduz muito da indignação dos moradores e uma quase unânime resistência com relação à proposta de mudança do nome do bairro para Santa Tereza. A indignação aumentava quando se sabia sobre a afirmação da PMS (escrita na apresentação do projeto feito em Barcelona, que “vazou” nas redes sociais) de que as intervenções iriam transformar o lugar em um bairro (SALVADOR, 2012b), como se isso já não fosse uma realidade do lugar. Apesar de muitos moradores terem sido atraídos pelo discurso de melhorias para o bairro, uma parte – incluindo alguns membros da ACLAJ, como Seo Santos – acolheu o quadro interpretativo elaborado por Ivana e se mostrou bastante afetada pela proposta de mudança do nome e das características do bairro, se aliando ao grupo que naquele momento afirmava “nosso bairro é 2 de Julho!”, iniciando, assim, seu percurso de luta em defesa do bairro.

Aí eu me identifiquei com a galera. Primeiro me identifiquei com a proposta de dizer não ao Santa Tereza. E segundo, me identifiquei muito também com as pessoas que ali estavam lutando que eram também, tinham o mesmo perfil, o mesmo olhar... Porque tem muita gente entra num negócio desse e vem até pra atrapalhar. E aí foi uma soma, porque tava todo mundo ali comungando o mesmo verbo, que é o verbo „amar e conhecer o Dois de Julho‟ e não deixar perder a sua identidade, a sua história.176

Cacilda Póvoas, moradora do 2 de Julho desde 1993, disse que já tinha visto a proposta de humanização do bairro pelas redes sociais, mas que foi em contato com Ivana que ela passou a entender melhor o que estava ocorrendo no bairro:

175 Entrevista concedida por Vilma Mota para esta tese em 30 de novembro de 2018. 176 Entrevista concedida por Vilma Mota para esta tese em 30 de novembro de 2018.

163

Comecei a me apropriar desse vocabulário né, a palavra „gentrificação‟ começou a aparecer, é engraçado porque [...] eu já tinha assistido vários filmes que tratam disso e eu ficava pensando, é, então, aquele filme olha, era disso que eles estavam falando... então, assim, [a gente] começou a dar nomes, comecei a ver e a dar nome ao que estava acontecedo, e é sempre importante você dar nomes porque aí você cria uma consciência e uma possibilidade de debater e de criar alternativas.177

Embora também tenha participado da reunião com a ACLAJ para discussão sobre o projeto de humanização do bairro e reconheça que foi nesse momento que uma reação coletiva começou a tomar forma, diferentemente do que relataram os outros moradores e lideranças entrevistados – que atribuem o surgimento do MNB2J a essa reunião no Clube Fantoches –, Cacilda atribui o surgimento do MNB2J à audiência pública realizada pela Subcomissão Especial de Desenvolvimento Urbano (então vinculada à Comissão de Infraestrutura, Desenvolvimento Econômico e Turismo) da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), em conjunto com a Comissão de Reparação da Câmara Municipal de Vereadores de Salvador (CMS), no dia 12 de julho de 2012.178 Ela conta que Ivana a convenceu a ir para mesa da audiência179 e fazer uma fala com a sua posição de moradora frente ao projeto da Prefeitura:

Ela é artista e achava que era importante, porque eu era um outro perfil de morador, quer dizer, um morador que tem casa própria e que [o projeto] não estaria, vamos dizer assim, me ameaçando diretamente, mas ameaçava o bairro que eu tinha escolhido, quer dizer, ameaçava esse bairro, ele deixar de ser o que era, né? [...] A gente quer que o bairro fique melhor, claro, isso é uma coisa até que a gente não precisava falar o tempo todo. Até hoje precisa falar que nós queremos que o bairro fique melhor porque o discurso era esse: „Você não quer que o bairro melhore?‟. A gente não quer que ele fique maqueado de Miami, como ficou, por exemplo, a Barra, como eles tentaram fazer aqui porque o fim disso é, em muito pouco tempo, virar uma coisa decadente sem cara de nada.180

177 Entrevista concedida por Cacilda Póvoas para esta tese em 25 de maio de 2018. 178 A audiência pública foi antecedida pela visita do Relator Nacional do Direito Humano à Cidade da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA), Leandro Franklin Gorsdorf, ao bairro, acompanhado por membros da Subcomissão Especial de Desenvolvimento Urbano da ALBA, moradores e parceiros, para conhecer as áreas do bairro objeto do projeto e da especulação imobiliária. 179 Nessa audiência, além de Ivana e Cacilda, participaram da mesa Dona Carmen, Presidente da ACLAJ; Wlamira Albuquerque, historiadora, professora da UFBA e moradora do bairro; Ícaro Villaça, representante do Desocupa179; Ubiratan Castro de Araújo, Diretor Geral da Fundação Pedro Calmon; Leandro Franklin Gorsdorf, da Plataforma DHESCA ; Armando Carneiro da Rocha, Assessor Chefe da Fundação Mario Leal Ferreira (FMLF) ; Silvana Machado, técnica da FMLF ; Jader Santos, Gerente de Projetos da FMLF; Beatriz Lima, Coordenadora-Geral do Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador (ERCAS); Melisa Teixeira, Defensora Pública do Estado da Bahia; Deputada Estadual Maria del Carmen, Coordenadora da Subcomissão Especial de Desenvolvimento da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia; a Vereadora Marta Rodrigues, Presidente da Comissão de Reparação. 180 Entrevista concedida por Cacilda Póvoas para esta tese em 25 de maio de 2018. 164

Para ela, o movimento se constituiu como tal quando ganhou visibilidade, tendo sido publicamente apresentado a outros moradores e a outros agentes atuantes no bairro, demarcando suas posições e delineando relações de afinidade e antagonismo. De fato, essa audiência teve grande importância para o MNB2J e para o próprio bairro, pois contribuiu para reconfigurar diversos processos em curso, como: a) a consolidação do MNB2J a partir da sua visibilização e difusão do seu frame construído por Ivana e pelos demais participantes do movimento sobre os projetos do Cluster e de humanização do bairro; b) por firmar e visibilizar parcerias com outros agentes, como a Defensoria Pública, o MP, a Subcomissão Especial da ALBA, com a Comissão de Reparação da CMS, com o Movimento Desocupa, com o grupo de pesquisa Lugar Comum da Faculdade de Arquitetura da UFBA;181 c) a ampliação do número de pessoas que se interessariam e passariam a participar da base do MNB2J; d) por demarcar o antagonismo do MNB2J com a PMS e com a ACLAJ, que naquele momento negou-se a se posicionar sobre o projeto da PMS e; e) por constranger a PMS pela sua proposta, o que culminaria com a sua retirada do bairro. Na sua fala, registrada em relatório pela Subcomissão Especial de Desenvolvimento Urbano (BAHIA, 2012), Cacilda critica a falta de acesso pelos moradores ao projeto e teme pelo risco de mudança de perfil do bairro que, por sua centralidade e baixos custos de aluguel e de vida, tem sido escolhido como local de moradia por uma diversidade de perfis de pessoas, com diferentes profissões, rendas e interesses. Afirma ainda que quer a presença da PMS no bairro, escutando, ouvindo e discutindo com a população, já que isso é um direito. Já Ivana, além da apresentação do seu frame sobre o contexto atual de especulação imobiliária de tentativa de gentrificação do bairro – segundo relato da

181 Nesse processo, é importante destacar a figura de Glória Cecília dos Santos Figueiredo como central na viabilização dessas parcerias. Glória participou da elaboração do Parecer Técnico contratado pela Defensoria Pública da Bahia, quando estreitou laços afetivos com Ivana, foi também contratada pelo Ministério Público para elaboração do Parecer Técnico que fundamentou o inquérito civil e a ação civil pública judicializada pelo MP/BA, era, ainda naquele momento, assessora da Subcomissão Especial de Desenvolvimento Urbano da ALBA, que propôs e organizou a visita do Relator da DHESCA e a audiência pública e era mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, além de membro do Grupo de Pesquisa Lugar Comum, também vinculado à Faculdade de Arquitetura da UFBA. Também tem destaque a influência de Laila Mourad, pesquisadora sobre gentrificação no Centro Antigo – incluindo o 2 de Julho – coautora dos pareceres técnicos da DPE/BA (2010) e do MP/BA (2011) e integrante do Grupo de Pesquisa Lugar Comum da FAUFBA, que contribuiu, com dados e análises da sua pesquisa de doutorado, para a qualificação do frame do MNB2J sobre o processo de gentrificação em curso no bairro 2 de Julho. 165 sua fala feita na audiência, “só estão defendo o projeto da Prefeitura os poucos moradores que não souberam ler as armadilhas nas entrelinhas do Projeto Santa Tereza” (MOURAD; FIGUEIREDO, 2012, p. 77) – e do enfático posicionamento contra o projeto da PMS, questiona sobre o retorno social desses projetos para os moradores do bairro, que possuem muitas outras necessidades para as quais a PMS não apresenta projetos, pois sequer tem conhecimentos delas. Com isso, Ivana faz uma crítica à maneira como as decisões vêm sendo tomadas na cidade, sem a participação dos seus moradores. Além das críticas, apresenta à PMS um abaixo- assinado contra o projeto de humanização e também um “dossiê” com informações e demandas182 do bairro (MOURAD; FIGUEIREDO, 2012). O antagonismo do MNB2J com relação à ACLAJ começou de fato quando alguns de seus integrantes, entre eles Ivana, Cacilda e Vilma, tentaram se associar formalmente à Associação e foram impedidos pelos seus representantes, o que estava relacionado às diferenças no posicionamento dos dois movimentos com relação ao projeto da PMS. Todavia, é na audiência pública promovida pela ALBA e pela CMS que esse antagonismo é publicizado. Enquanto a posição do MNB2J era contrária ao projeto, por não ter sido discutido com os moradores e por estar a serviço dos interesses dos empresários do Cluster Santa Tereza, a ACLAJ se absteve de opinar sobre o projeto, enfatizando, entretanto, que “não é a favor de não reformar”, embora tenha se posicionado contra a mudança de nome do bairro. “De acordo com a Presidente da ACLAJ, ela já foi assistir a duas apresentações do projeto, na Associação Comercial, no Bairro do Comércio e na Fundação Mário Leal, mas que ainda não poderia dizer nada a respeito.” (MOURAD; FIGUEIREDO, 2012, p. 69). Após sua fala, Dona Carmem se retira da mesa e, simbolicamente, do papel de representante dos interesses do bairro naquele espaço. Sua abstenção sobre o

182 De acordo com o Relatório da Audiência pública (BAHIA, 2012, p. 77), as demandas apresentadas por Ivana, foram: “a. Construção de creche; b. Programa de inserção e qualificação do trabalho para o comércio informal; c. Melhorias na rede pluvial; d. Recuperação de encostas; e. Fiscalização de trânsito; f. Projetos de estacionamento de modais alternativos de transportes, tais como bicicletas e motos; g. Fiscalização da lei de poluição sonora; h. Segurança pública; i. Instalação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que atendam aos diversos grupos vulneráveis, presentes no Bairro, tais como usuários de drogas, moradores de ruas, idosos, crianças etc; j. Crítica ao fato do projeto propor uma espécie de „Shopping Santa Tereza‟, que não pode ser chamado de Bairro Santa Tereza, pois bairro tem vida; k. Planejamento e qualificação do calçamento, pavimentação e calçadas para universalização da acessibilidade e condições de mobilidade adequadas; l. Projeto de iluminação pública; m. Projeto para banheiros públicos; n. Programa de apoio e suporte ao comércio informal, para que eles permaneçam de modo qualificado no local; o. Coleta seletiva de lixo; p. Fiscalização do tamanho dos gabaritos e da compatibilidade de usos dos novos empreendimentos com os pré-existentes.” 166 projeto e sua retirada da mesa, além de deixar marcadas as divergências e o antagonismo entre os dois movimentos, fortalece politicamente o MNB2J, que participa ativamente até o final da Audiência e passa a ser reconhecido, no bairro e fora dele, como o movimento de resistência ao processo de expulsão e gentrificação em curso naquele momento no 2 de Julho. Esse reconhecimento contribuiu tanto para aumentar o número de adesões – tanto de moradores quanto de apoiadores –, como para firmar desafetos, especialmente de comerciantes e moradores mais antigos do bairro, que ansiavam pela implementação do projeto, para valorização de seus empreendimentos e propriedades. Entretanto, com a má repercussão do projeto na mídia e com a pressão do MNB2J e seus apoiadores, o Prefeito anuncia a retirada do projeto, o que foi considerada a primeira grande vitória do movimento, reforçando o engajamento de seus participantes e atraindo novos interessados na luta do movimento. Sobre a vitória, Vilma relata o esforço e a diversidade de posicionamentos sobre a retirada do projeto:

Nós conseguimos reverter esse processo, que também não ia dar certo, porque era uma loucura e o cidadão que não tava cuidando de uma cidade, que é obrigação dele, querer transformar um bairro. Com uma expressão pífia, com uma rejeição, querer transformar pra atender que interesses? Não seriam os interesses dos moradores, da comunidade. Então, isso revoltou muito mais, mesmo muita gente sendo a favor, achando que o bairro ia ter um perfil melhor, que ia ser uma coisa, sem muito lixo, com ponto de ônibus, com as fachadas revitalizadas, com os casarões revitalizados. Aí, em contrapartida: „Vocês são contra a reforma! São contra o progresso!‟183

Para os defensores do projeto da PMS, os integrantes do MNB2J “era tudo puta, viado e maconheiro”, lembra Viviane (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 14). Essa leitura dos integrantes do MNB2J por parte de alguns moradores e comerciantes estava vinculada ao perfil ocupacional de parte dos seus integrantes, alguns deles ligados ao campo das artes (plásticas, teatro, dança), como eram Ivana, Nilson,184 Sandro, Cacilda, Viviane, porém havia certa diversidade na sua composição, pois também faziam parte do movimento, desde o seu princípio, Vilma, Seo Santos, Arlete, Rita, além de apoiadores que sempre participaram do MNB2J

183 Entrevista concedida por Vilma Mota para esta tese em 30 de novembro de 2018. 184 Nilson Mendes era ator, diretor e agente cultural e foi morador do bairro 2 de Julho por quase toda sua vida. Participou ativamente do MNB2J entre 2012 e 2014, quando faleceu, aos 67 anos de idade. 167 com o título de “transmoradores” – termo inventado pelo grupo para denominar aqueles que já moraram, frequentavam, trabalhavam e apoiavam o movimento. Com relação à variável renda, a diversidade era menor, pois a maior parte do grupo se constituía por população com renda média – com exceção de Ivana, Vilma, Marcelo e Seo Santos, que possuíam rendimentos menores+. No entanto, o volume de moradores e apoiadores engajados sempre apresentou grande variação, com períodos de maior e menor participação no percurso de existência do grupo.

4.1.2 Encontros e performances: formação das identidades coletivas e estratégias de ação

Inicialmente, os espaços de construção de identidade coletiva do grupo eram: a) as reuniões, que por alguns anos aconteciam regular e semanalmente às terças- feiras à noite, mas também; b) os eventos, como o Cinema no Coreto (ANEXO E) e; c) os espaços de performance, que se constituíam pelas participações do grupo em audiências públicas, debates, seminários, passeatas, ocupações. Nas reuniões, os processos de tomada de decisões sobre as estratégias de ação serviam também para a construção, sempre disputada, da identidade do grupo. Nessas reuniões, pelo fato de serem abertas e do movimento também disputar o direito à cidade, acolhia pautas mais amplas, que geralmente tangenciavam lugares ou agentes no bairro. Foram cerca de três anos – entre 2012 e 2015 – realizando reuniões semanais, inicialmente na lanchonete do mercadinho Bola Verde (no alto do “coreto”), que após retaliação do seu proprietário, passaram para o bar Mimosa, de propriedade de Seo Santos, e, por fim, se estabeleceram no pátio do Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA (CEAO). Segundo Viviane, a regularidade das reuniões possibilitava o aparecimento de novos interessados em se engajar na defesa do bairro.

Tem gente que passou e nunca voltou, tem gente que ficou...Era um lugar onde, quando acontecia, como hoje em dia acontece né, muitos acadêmicos ou outras pessoas de outros movimentos, ou alguém de outro movimento quer fazer uma proposta, ou alguém da universidade...A gente falava: „Ó, vá na terça-feira que você fala com o grupo.‟ Até podia ser um grupo menor, e podia ser um grupo maior, tinham reuniões que tinham vinte pessoas, assim, dia de terça normal. Então pra gente tá legal.185

185 Entrevista concedida por Viviane Hermida para esta tese em 25 de setembro de 2018. 168

Essa regularidade e o discurso contra a gentrificação e pelo direito à cidade, assim como a participação de pesquisadores e ativistas que apoiavam o movimento, contribuíram para a ampliação da pauta do MNB2J, muitas vezes extrapolando questões do bairro – embora todas as pautas acolhidas pelo movimento tivessem relação com o bairro de alguma forma. Isso contribuía para a construção da identidade do movimento, que, além das pautas relacionadas ao cotidiano do bairro, se ocupava com questões mais amplas, mas que também lhe diziam respeito. Essas pautas – como a mobilização, junto com outros movimentos, contra um projeto de lei da PMS de desafetação de 62 imóveis públicos para alienação, dentre eles um imóvel na Rua do Sodré, que desencadeou a oficialização de uma representação no Ministério Publico questionando o projeto de lei –186 ampliavam as discussões e reivindicações do bairro para a cidade, dando substância ao discurso de defesa do direito à cidade, assumido desde o início do movimento. Nas palavras de Cacilda:

„Queremos uma cidade onde caibam todos‟, isso é a fala do movimento, queremos um bairro que caiba todos esses que estão mantendo esse bairro vivo, porque se a gente não estivesse aqui muitas dessas casas já tinham virado ruína, já estavam no chão. Então as pessoas que construíram a vida desse bairro, esse bairro tá vivo, está cheio de gente, tem gente aqui fazendo com que esse bairro tenha uma cara, um perfil, e essas pessoas precisam ser respeitadas, precisam ser respeitadas no seu direito: direito à cidade, direito à mobilidade, enfim.. Então essa consciência, essa visão mais inclusiva do bairro, ela é uma coisa que a gente vai construindo e reforçando, e o mais lindo que eu achava era exatamente que você tinha no grupo pessoas da extrema esquerda, porque tinha pessoas bem radicais, e pessoas da direitona, mas que pensavam nessa mesma coisa, quer dizer, independente do modelo político, eram pessoas que queriam isso pro bairro, quer dizer, é um movimento que é contra essa higienização que a associação de moradores estava assinando embaixo.187

Essa ampliação da pauta do movimento contribuiu para abrir espaço na mídia local, nacional e internacional e acabou por atrair novos interessados no movimento e na sua pauta do direito à cidade, como o Movimento Desocupa, a ONG Gambá, o coletivo Mobicidade, o Movimento Vozes Salvador, entre outros. Também o fato de associar a sua identidade à defesa da presença LGBT, da população negra, das mulheres e da mistura de classes sociais existentes no bairro – que, segundo Viviane, eram valores cultivados pelo grupo – ia mobilizando afetos como elementos

186 A representação encabeçada pelo MNB2J foi ajuizada como Ação Civil Pública pelo MP/BA em agosto de 2014 (MOVIMENTO DESOCUPA, 2014). 187 Entrevista concedida por Cacilda Póvoas para esta tese em 25 de maio de 2018. 169 aglutinadores e de engajamento. Com isso, vemos novos frames sendo criados – em apoio à diversidades de gênero, às pautas LGBT, pela importância cultural da população negra no Centro Antigo etc. - tanto para ajudar na compreensão dos contextos e das pautas como para atualizar a identidade coletiva do grupo, de modo a acolher a pluralidade dos novos participantes. Segundo Cacilda,

[...] as causas foram se ampliando, na medida em que a gente foi dialogando com outros grupos, isso foi dando um outro perfil às pautas e eu acho também, à medida em que o grupo foi crescendo, outras pessoas foram aderindo também, foram trazendo cada pessoa, trazendo seus questionamentos, suas preocupações, particularidades.188

Viviane também aponta como elemento sedutor e aglutinador de novas participantes do MNB2J o fato de Ivana fazer política de uma maneira não muito convencional, que combinava repertórios “tradicionais” – de ação institucional, como representações junto à DPE e ao MP/BA, por exemplo – com arte, performance, trazendo consigo articulações com diversas instâncias, entre elas a Universidade:

Sempre teve esse pé em instancias institucionais – porque até nesse momento Ivana já estava com apoio da Defensoria né, atuando pela Villa. Então, ela conhecia esses tramites que eu não conhecia. Já tinha alguma coisa com o Ministério Público etc. [...] Já mexia com Câmara de Vereadores, então existia esse pé no institucional, esse pé mais no artístico, no cultural como mote pra debate. E esse pé com a Universidade trazendo essas assessorias e conhecimentos de legislação e coisas é que a gente estava meio que tateando né?189

Entre o final de 2012 e 2014, muito em razão dos perfis dos seus participantes naquele momento, o MNB2J lançou mão de estratégias de ação voltadas para a conscientização dos moradores com relação aos processos em curso no bairro – e ainda na disputa pela construção de frames coletivos – e apostava, para isso, em linguagens mais ligadas ao campo das artes, como cinema e performances. Teve início o Cinema no Coreto, com sua primeira edição realizada em 14 de setembro de 2012 (Figura 14), que começou sem apoio financeiro e que depois conseguiu acessar recursos de editais da Fundação Gregório de Mattos – órgão da PMS.

188 Entrevista concedida por Cacilda Póvoas para esta tese em 25 de maio de 2018. 189 Entrevista concedida por Viviane Hermida para esta tese em 25 de setembro de 2018. 170

Nesses eventos, havia sempre a exibição de um filme – com temas relacionados às demandas e questões do bairro –, seguido de debate, uma performance ou apresentação musical.

E a gente começou a fazer uns eventos também que iam colocando, né...os cortejos no Dois de Julho, que começou super mambembe e que depois foi crescendo com a preguiça e depois com a Articulação do Centro Antigo, né. Entao assim, algumas atividades na Villa com crianças... Nós fizemos um projetinho de 7 mil reais, me lembro, com apoio da FASE, que foi: “Nosso bairro, nosso tema” [risos]. Ivana que botou esse nome. E ela... e a FASE permitia, né, ter apoio sem CNPJ, então a gente mandou sem CNPJ e conseguiu. E fizemos assim: seis meses de atividades no coreto por 7 mil reais. Muita coisa mesmo. Fizemos o primeiro cinema no coreto, foi sobre questão do lixo no bairro; depois fizemos sobre questão da droga/dependência, e depois sempre tinha debate, tinha alguma performance, sempre misturando com a arte, né, e tal. E... muito assim, Ivana movendo muito os contatos dela todos: „Ah! Eu conheço não sei quem que é eletricista, eu conheço nao sei quem que é performer.‟190

Figura 14 – Panfleto-convite para o filme Narradores de Javé

Fonte: Vilaça (2012).

190 Entrevista concedida por Viviane Hermida para esta tese em 25 de setembro de 2018. 171

No segundo semestre de 2013, a Prefeitura de Salvador, via Secretaria Municipal da Ordem Pública (SEMOP), operou a expulsão de alguns feirantes do Largo 2 de Julho, da Rua do Cabeça e do Largo das Flores, alegando irregularidades por ausência de concessão para realizar suas atividades em logradouros públicos. Ao saberem dessas ações, integrantes do MNB2J procuraram os feirantes e tentaram conversas e mobilizações para questionar as ações da SEMOP. Durante esse processo tiveram conhecimento de um projeto de reformas para o 2 de Julho – mais especificamente nos Largos 2 de Julho e das Flores – e a construção de um mercado sobre a Praça General Inocêncio Galvão. Esse projeto iria acolher parte dos ambulantes do 2 de Julho, deixando de fora todos os comerciantes de pescados, que, segundo a SEMOP, seriam realocados no Mercado do Peixe, em Água de Meninos. Após envio de Ofício à SEMOP – que transferiu a responsabilidade pelo projeto à Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF) –, o movimento conseguiu uma reunião com técnicos da FMLF, que estiveram no bairro e apresentaram o projeto aos moradores e comerciantes. Proposições para modificação foram feitas – a proposta inicial incluía a implantação de bancos individuais, para evitar que pessoas em situação de rua dormissem nos Largos –, reivindicando a inclusão de todos os comerciantes da feira e a inclusão dos comerciantes de peixes e mariscos no projeto do mercado. A FMLF se comprometeu a estudar as propostas feitas pelos participantes da reunião e retornar ao bairro com nova proposta para apresentação. O retorno da FMLF nunca ocorreu e, mais tarde, moradores e comerciantes tomaram conhecimento do início das obras pela mídia local. Durante as obras, moradores e integrantes do MNB2J tentaram ter acesso ao projeto do mercado, mas não tiveram sucesso. Também não se sabia quais dos comerciantes seriam realocados para o mercado e quais seriam expulsos das ruas. Após a inauguração, em novembro de 2016, apenas alguns dos comerciantes ocuparam os boxes do mercado e sua parte externa – apenas um vendedor de pescados – e os que insistiram em permanecer nas ruas eram frequentemente vítimas das ações da SEMOP, que aumentou a fiscalização na área. Os comerciantes que ficavam no mercado reclamavam da baixa frequência dos fregueses, que não iam até lá para fazer suas compras. Com o tempo – e com a redução da fiscalização pela SEMOP – os comerciantes foram deixando a área 172 externa do mercado e voltando para as ruas, por conta do movimento. Apenas os comerciantes dos boxes permaneceram no mercado, embora reclamem dos valores das taxas cobradas pela Prefeitura. Atualmente, a área externa do mercado está subutilizada e nela é realizada, semanalmente, à noite, a “Segunda-feira sem lei”, festa com venda de comidas e bebidas.

Figura 15 – Imagem com antes e depois do mercado do 2 de julho (antes uma praça com barracas desmontáveis)

Fonte: Magalhães Neto (2016).

Em 2013 o movimento se aproxima de Marcelo Teles, liderança da localidade da Ladeira da Preguiça, que há tempos o MNB2J queria trazer para as discussões. A Ladeira da Preguiça, seus moradores, a população em situação de rua, usuários e comerciantes de drogas entravam na conta de diversidade do movimento. Para Ivana, 173

A Preguiça é a menina dos olhos da gente desde o início. No dia em que Marcelo veio pela primeira vez pra reunião da gente eu lembro, após a reunião, do encantamento da gente, porque a gente tava buscando formas de chegar na comunidade sem ser invasivo. Porque querendo ou não a topografia faz uma distância. (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 214).

Marcelo relata que o engajamento dele com o bairro surge com a ameaça de fechamento da praia da Preguiça, motivo pelo qual se aproximou do MNB2J:

A Bahia Marina queria se apossar da praia, foi aí que eu encontrei um grupo que já estava construindo essa luta, que já tinha lutado por um processo antes, que era a mudança do nome do bairro e também estava lutando por essa causa, se mobilizando, foi quando eu conheci essas pessoas do Movimento Nosso Bairro 2 de Julho, inclusive a minha formação política começa ali. Foi nesse momento em 2013, 2012 para 2013, que eu começo a me engajar politicamente nessas questões.191

Segundo Marcelo, até aquele momento ele não tinha notícia dos projetos da PMS para o bairro e do Cluster Santa Tereza – muito embora a grande maioria dos imóveis adquiridos para viabilizar este projeto fique na Ladeira da Preguiça e nas suas proximidades. Em entrevista, ele relata que somente quando começou a frequentar as reuniões do MNB2J descobriu sobre os proprietários e suas intenções com relação aos imóveis da Preguiça, assim como todo o processo e discussão sobre gentrificação e especulação imobiliária, o que, de início, começou a despertar certa desconfiança sobre o grupo e as informações que ele compartilhava. A partir de uma denúncia feita por Marcelo sobre o fechamento da praia da Preguiça, o MNB2J realizou um debate sobre gentrificação na Ladeira e provocou a então Comissão Especial de Desenvolvimento Urbano da ALBA (CEDURB), solicitando a realização de audiência pública com o antagonista do conflito com a Preguiça, a Bahia Marina. Nessa audiência, realizada em 18 de junho de 2013, descobriu-se que a Bahia Marina estava realizando uma obra de ampliação da sua área de atracação e que também planejava a construção de um edifício residencial. Diversos compromissos foram assumidos pela Bahia Marina, mas se cumpriu apenas a interrupção do fechamento da praia. As demais medidas mitigatórias nunca foram realizadas, mas por motivos desconhecidos a Bahia Marina não levou adiante o projeto do empreendimento residencial.

191 Entrevista concedida por Marcelo Telles para esta tese em 25 de maio de 2018. 174

Com essa aproximação pela pauta da defesa do livre acesso e uso da praia, MNB2J e Preguiça começam a realizar atividades conjuntas, como o debate sobre gentrificação, diversidade e drogadependência na Ladeira da Preguiça (Figuras 16) e a organização do desfile de protesto contra o fechamento da praia e a gentrificação no bairro.

Figura 16 – Convite e fotos do cinema no coreto sobre a Ladeira da Preguiça

Fonte: Chastinet (2013).

É nesse contexto que surge o Centro Cultural Que Ladeira é Essa?, capitaneado por Marcelo, que começa a oferecer atividades diversas, como aulas de esportes, línguas, reforço escolar, entre outras, e apresentações musicais, oficinas de graffiti e mutirões de limpeza de lixo e de pintura das fachadas das casas. Toda essa movimentação – e sua articulação com o MUSAS, um famoso coletivo de graffiti de Salvador – chama atenção da mídia e de diversos outros apoiadores, fortalecendo o Centro Cultural e contribuindo para reduzir o estigma da Ladeira e dos seus moradores. Segundo Marcelo, a primeira e mais importante pauta do Centro Cultural

175

[...] era, na verdade, recuperar a autoestima dos moradores, acho que isso foi inicialmente, a principal pauta foi essa, recuperar a autoestima, né? A gente vinha passando por duas décadas de degradação, o espaço físico, urbano, a gente estava passando por problemas sociais muito pesados de preconceito, comunidade muito estigmatizada, inclusive, a gente não conseguia usar nosso endereço, colocar um currículo com o endereço da Ladeira da Preguiça era pesado, a gente não conseguia, inclusive tinha um processo de discriminação, um processo racial muito pesado. Associar um bloco carnavalesco, a gente tinha dificuldade, então, a sociedade olhava para a gente também com esse racismo institucional muito pesado, o centro cultural foi um divisor de águas, porque a partir do centro cultural a gente consegue ter quase 100 matérias, ao longo do tempo, em veículos midiáticos bons, de grande circulação, e aí a gente muda esse contexto de local ruim pra um local. Eu acho que não mudou muita coisa não, são as mesmas pessoas, os mesmos moradores, os mesmos usuários de crack, os mesmos traficantes, as mesmas pessoas, o mesmo lugar, só que a visão da mídia quis falar diferente, que era uma referência cultural aquele local, outra vez, então eu acho que esse divisor de águas foi importantíssimo.192

Entretanto, a relação do MNB2J com a Ladeira da Preguiça é abalada quando ocorre a realização de uma ação pela PMS, chamada “ordem na casa”, que retirou moradores sem-teto e usuários de drogas da Ladeira, dividindo as opiniões das suas lideranças, como conta Viviane:

Foi a época da Copa das Confederações e houve um processo muito violento de limpeza, inclusive no sentido literal, jatos de água na cabeça de morador de rua pra poder sair. Recolhimento, carrocinha de morador de rua, etc. essa intervenção veio logo depois. Antes, quando tava rolando as manifestações de junho de 2013, aquela efervescência, aí a gente já tava articulado com a Preguiça, isso foi mais ou menos maio, junho de 2013, aí fizemos um grande evento lá, que inclusive falou Glória Cecília, Jean Willis, Laila, e aí foi assim, muita gente de fora do bairro, mais ou menos umas trezentas ou quatrocentas pessoas lá na preguiça, a gente colocou um palco, rolou jazz, rolou discussão política, a gente falou sobre vários aspectos da gentrificação. (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 3).

Na época, Marcelo defendeu a ação da PMS, alegando dificuldade de convivência cotidiana com o público em situação de rua e de drogadependência, e o MNB2J se posicionou oficialmente contra a ação, protocolando denúncia sobre o ocorrido na DPE/BA, questionando o destino das famílias retiradas e as políticas direcionadas para efetiva solução dos problemas. O ato de acionar a DPE/BA contra a ação da PMS dividiu alguns integrantes do movimento, entre eles Marcelo e Nilson, ambos se posicionando a favor das ações e da nova gestão da administração municipal. Nesse momento, o MNB2J se afasta das ações da Ladeira da Preguiça e das bases nas quais tanto tinha demonstrado interesse.

192 Entrevista concedida por Marcelo Telles para esta tese em 25 de maio de 2018. 176

Viviane relata que, no dia seguinte à ação “ordem na casa”, o movimento teve notícia sobre um decreto de utilidade pública da PMS com fins de desapropriação na Ladeira da Preguiça e entorno – Decreto nº 24.435 (SALVADOR, 2013) – e outros 2 decretos do Governo do Estado, com igual finalidade, um deles se sobrepondo parcialmente à área do decreto da PMS – Decreto nº 14.865 (BAHIA, 2013a), e outro com uma listagem de imóveis em diferentes ruas do bairro – Decreto nº 14.868 (BAHIA, 2013d). Tratava-se de uma ação impositiva do Estado sobre o conjunto de objetos do bairro, mas também sobre as vidas das pessoas que moravam e frequentavam os espaços objetos de desapropriação: a imposição de um novo espaço concebido sobre o espaço vivido dos moradores e frequentadores do bairro. Como estratégias de ação, o MNB2J optou por três vias: a) elaborar e protocolar uma representação no MP/BA, pedindo que os poderes públicos informassem sobre os projetos e que chamassem as populações para discutir o projeto e os decretos; b) uma ação porta a porta para informar e aproximar moradores – foi elaborado um panfleto informando sobre os decretos, quais os imóveis estavam incluídos e as possíveis consequências dos poderes públicos levarem adiante as desapropriações e; 3) a realização de uma reunião com os moradores do bairro atingidos pelos decretos, com apoio das assessorias e de colaboradores (Figura 17). As duas últimas ações serviram para informar e tirar dúvidas da população diretamente afetada, mas não surtiu o efeito de aproximação dos moradores em situação mais vulnerável no bairro, uma vez que não teve desdobramentos futuros, nem atraiu novos integrantes.

177

Figura 17 – Panfleto-convite elaborado pelo MNB2J sobre os decretos de utilidade pública com fins de desapropriação de áreas do bairro

Fonte: Manzi (2014).

A via institucional, no entanto, surtiu um efeito centrípeto não calculado inicialmente. Dez meses depois de protocolada a representação, em outubro de 2014 – assinada não só pelo MNB2J, mas por diversos dos seus parceiros –, o MP/BA convoca uma reunião com o movimento e também a PMS (Secretaria de 178

Infraestrutura – na época, quem assinou os decretos) e o Governo do Estado (DIRCAS/CONDER). Esse foi um momento de crise no movimento, quando da interrupção do circuito cultural e parte dos integrantes queria continuar apostando nessa estratégia de ação, enquanto outra parte tensionava o movimento para uma aproximação com os moradores do bairro, em especial a população mais vulnerável, que não frequentava as atividades do circuito cultural. Contribuía para essa crise a imagem que se consolidava do movimento, como de artistas. Foi aí que, segundo Viviane,

[...] o MNB2J resolveu chamar alguns outros movimentos que a gente já sabia que existiam e se articulavam, ou não se articulavam, mas queriam se articular, que foram o MSTB, a Gamboa, os Artífices, o CEAS, o IDEAS. (CHASTINET; VIVIANE, 2017, p. 4).

Aí, em outubro de 2014, a gente é chamado por Hortênsia Pinho pra fazer uma reunião com a CONDER e com a Prefeitura. A Prefeitura não foi, foi o jurídico da CONDER, e pra ir pra essa reunião a gente falou: „Então vamos chamar aquele pessoal?‟ Vamos chamar o IDEAS, o CEAS, a AMACHA, o MSTB, a Gamboa, enfim, vamos chamar todo mundo. Que quem sabe a partir daí não pode rolar uma ação conjunta, tal, não sei que lá. Isso foi outubro de 2014; começamos a fazer um processo de formação em conjunto com todos, que era até na sede do IDEAS na AATR. E começamos a fazer algumas ações conjuntas.193

A aproximação do MNB2J com os movimentos vizinhos, com pautas muito próximas (ameaças de expulsão, decretos de desapropriação, gentrificação etc.), foi apontada por Ivana como algo revigorante para o MNB2J. Embora haja certa preocupação por parte de alguns integrantes de que o movimento “foi engolido” pela Articulação e que o movimento precisa retomar suas atividades no bairro, a constituição dessa rede de movimentos do Centro Antigo é tida como algo muito positivo para a maioria dos integrantes do grupo. Em 2015, muito em razão da crise – de participação e de identidade – em que se encontrava, o Movimento articulou a realização de uma oficina de planejamento do MNB2J, realizada em dois momentos: a primeira em 22 de março e a segunda em 20 de setembro. Em março foi feito o exercício de recuperação do histórico do movimento, as motivações para seu surgimento e uma classificação em três eixos das suas principais ações até aquele momento: a) incidência sobre os poderes públicos; b) atividades de envolvimento da comunidade e; c) articulação com outros

193 Entrevista concedida por Viviane Hermida para esta tese em 25 de setembro de 2018. 179 movimentos. Participaram, no total, 12 pessoas, das quais 11 moradoras e/ou trabalhadoras do bairro. Nesse encontro foram discutidos e desenhados os valores do grupo e pactuadas a identidade e a missão do movimento. Para os presentes, “o Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho é um coletivo (ou movimento) de resistência, reflexão e ação pelo Direito à Cidade no Bairro 2 de Julho” (HERMIDA, 2015b, p. 2). Seus valores foram listados a partir da sua experiência e expectativas, e foram escolhidas as seguintes palavras-chave para defini-los: coletividade; diversidade (respeito e valorização); apartidário; antiespeculação imobiliária; contra a gentrificação; valorização da identidade do bairro com a coexistência entre comércio popular, moradia popular, artistas, idosos(as) ; valorização das relações de vizinhança; respeito aos direitos humanos; corresponsabilidade; direito à participação popular na construção e gestão da cidade; interesse público na produção e uso do espaço urbano; valorização do diálogo e articulação com outros atores; equidade de gênero e raça. A definição de missão do grupo foi assim resumida:

Contribuir para a melhoria da qualidade de vida e construção coletiva do bairro 2 de Julho, ampliando o acesso a políticas públicas com participação popular, garantindo o respeito à identidade e à diversidade do bairro, com a permanência dos segmentos sociais mais vulneráveis, na perspectiva do Direito à Cidade. (HERMIDA, 2015b, p. 2).194

A data do segundo encontro, que deveria definir as estratégias de ação do grupo, foi adiada algumas vezes e só aconteceu em setembro de 2015, muito em razão da agenda de Adriano Martins, facilitador da Oficina, mas também porque, com a aproximação do MNB2J de outros movimentos do CAS, novas pautas e demandas foram surgindo, dando novo fôlego aos participantes e agregando novos parceiros. Nesse momento, já se tinha aberto a perspectiva de ação conjunta com os movimentos sociais que passaram a compor a Articulação do Centro Antigo de Salvador, o que se traduz como linha de ação na vida na cidade: articulação com outros movimentos e organizações (Quadro 1). No entanto, as ações voltadas para a articulação com outros grupos no bairro também se constituíam como linha de ação, e a Preguiça seguia como um horizonte a ser trabalhado.

194 O texto da missão do MNB2J e também da identidade coletiva foram retirados do relatório – elaborado por Viviane Hermida, integrante do movimento – da 1ª Oficina de Planejamento do grupo, em 22 de março de 2015, da qual a autora desta tese participou como apoiadora do MNB2J. 180

Quadro 1 – Linhas de ação do MNB2J195 Linha de ação Vida no bairro Vida na cidade Eixos  Ação direta  Mobilizações/enfrentamentos  Atividades culturais  Articulação com outros  Horta e jardinagem movimentos e organizações  Jornal  Incidência nas políticas  Articulação com grupos e públicas urbanas (Centro organizações do bairro Antigo e município de  Reivindicação de serviços Salvador) públicos Fonte: Hermida (2015a, p. 3).

Foram traçados dois objetivos para direcionar as ações do grupo, tendo como guia a pergunta: “Qual cenário esperamos alcançar daqui a dois anos?”; um deles é o fortalecimento do MNB2J, com ampliação do número de moradores, especialmente de segmentos populares, engajados nas ações coletivas em defesa do bairro, e o outro é a articulação do MNB2J com outras organizações e movimentos da luta pelo direito à cidade, com o horizonte de construção de políticas públicas para a garantia de segmentos populares no CAS. As ações que se desenrolam desde a primeira oficina de planejamento vão na direção do fortalecimento da articulação com outros movimentos e organizações fora do bairro, devido aos encontros que se seguiram após a reunião com o MP/BA em outubro de 2014. A constituição da Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo em 2015, que reuniu sujeitos e lutas de resistência no CAS contribuiu para o fortalecimento do MNB2J e fortaleceu a performance como estratégia de contestação e visibilidade dos grupos envolvidos.

4.1.3 A Articulação do Centro Antigo como rede e como estratégia

No rol de performances do movimento, merecem destaque aquelas realizadas para fora do bairro, ou seja, para a cidade, para a sociedade, especialmente aquelas destinadas ao confronto com seus antagonistas. Aliás, foi o confronto com antagonistas comuns que possibilitou a reunião e a aproximação daqueles que

195 As linhas de ação do MNB2J e também seus objetivos foram retirados do relatório – elaborado por Viviane Hermida – da 2ª Oficina de Planejamento do grupo, em setembro de 2015, da qual a autora desta tese participou como apoiadora do MNB2J. 181 fazem parte da Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador – mais conhecido como Articulação do Centro Antigo. Conforme apontado na fala de Viviane, o evento aglutinador dos movimentos foi a reunião no MP/BA para tratar dos decretos de desapropriação da PMS e do Estado, que, se não atingiam, ameaçavam a todos, pelos propósitos gentrificadores não anunciados e já decodificados pelos movimentos. Nessa reunião, realizada em outubro de 2014, à qual a PMS não compareceu, foram levantados questionamentos ao Governo do Estado, ali representado pela CONDER, sobre o Fundo de Investimento Imobiliário (FII), do qual outros movimentos nunca tinham ouvido falar e que o MNB2J tinha conhecimento devido à proximidade com Vanessa Pugliese, pesquisadora do Lugar Comum e integrante da equipe do Plano de Bairro. Após essa reunião, foram combinados, entre os participantes, encontros para construir estratégias conjuntas, o que culminou na realização de atividades de formação para mapeamento dos projetos e ameaças à população pobre do Centro Antigo e de planejamento das ações do grupo, com importantes parcerias e assessorias do Instituto de Desenvolvimento de Ações Sociais (IDEAS), do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) e do Grupo de Pesquisa Lugar Comum. Diversas atividades em grupo têm sido realizadas, como a ocupação do IPHAN na defesa da permanência e do direito à participação dos Artífices da Ladeira da Conceição da Praia; ações contra as demolições de imóveis pela PMS com respaldo do IPHAN; participação em mesas de debates demarcando o posicionamento público da Articulação; notas públicas e cartas abertas do grupo esclarecendo e reivindicando pautas comuns e em apoio a pautas específicas de movimentos da própria Articulação, mas também de movimentos parceiros, entre outros. Na visão de Viviane e Ivana,

A Articulação para o MNB2J foi um divisor de águas também no sentido de a gente poder dar mais concretude política a essa visão que a gente já tinha. De achar que Preguiça é 2 de Julho, embora tenham sua identidade particular, mas, assim, a gente não quer segregar „2 de Julho é do bem e Preguiça é os maloqueiro‟. Ao contrário, a gente acha que a Preguiça é o lugar mais ameaçado, então é o lugar onde a gente precisa atuar mais. (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 14).

Dois grupos de ações da Articulação, no entanto, se destacaram desde o seu surgimento, tanto pela grande visibilidade e interesse que desencadeavam, como pela efetividade das suas ações: os Cortejos do 2 de Julho (data em que se 182 comemora a Independência da Bahia) e as participações nas audiências públicas do PDDU/2016.

4.1.3.1 Os cortejos no dia 2 de Julho – Independência da Bahia

A saída do MNB2J nos festejos da Independência da Bahia, no dia 2 de Julho, tem início em 2013, com a pauta de resistência à gentrificação no bairro e à ameaça de fechamento da Praia da Preguiça (Figuras 21 a 23). Em 2014, o grupo se desloca do bairro até o Campo Grande e a pauta da luta contra a gentrificação se mantém, mas é ampliada para agregar manifestantes contra a desafetação e a alienação dos 62 imóveis públicos pela PMS, que trouxeram também a dimensão ambiental e a luta contra a ameaça de expulsão de moradores de alguns desses imóveis (Figuras 17). Segundo Viviane,

[...] em 2013 e 2014, o MNB2J e Preguiça saíram juntos denunciando o Bahia Marina, a privatização da praia da Preguiça, a gente começou a usar o cocar, a pena da cabocla como uma marca nossa no desfile, a gente saia na parte da tarde, marcava aqui no 2 de Julho, e pegava a caminhada daqui até o Campo Grande, chegava lá, vaiávamos o governador, deixávamos faixas por lá, enfim... (CHASTINET; VIVIANE, 2017, p. 6).

Contudo, é em 2015 que a participação do MNB2J no cortejo do 2 de Julho se amplia, não apenas no número de participantes, mas com a organização da Articulação do Centro Antigo e a realização conjunta com o MSTB, AMACHA, Gamboa e Artífices da Ladeira da Conceição da Praia. Esse é o período que sucede as demolições de imóveis em ruínas no Centro Histórico, inclusive na Preguiça – após uma dessas demolições, um imóvel desabou por cima de outros dois em razão de uma grande chuva em Salvador, resultando na morte de um morador da Preguiça. Esse fato, somado a uma ação truculenta da Guarda Municipal na Ladeira da Preguiça, que ocasionou a agressão de diversos moradores do bairro, entre eles Marcelo, contribuiu para uma reaproximação entre a Preguiça e o MNB2J.

183

Figura 18 – Fotos do desfile do 2 de Julho em 2013

Fonte: Hermida (2013).

Figura 19 – Fotos do desfile do 2 de Julho em 2014

Fonte: Abreu (2014). 184

Marcelo relata que

[...] começou a perceber o modo que o Estado nos tratava, então era uma carga de racismo muito pesada, até que a gente chega numa questão do direito à cidade, a gente começa a perceber que aquela questão da Baía Marina querer se apropriar da praia era um plano político que vinha acontecendo há muitas décadas. Então, se envolvendo com a Academia, com os movimentos sociais, a gente começou a perceber essa postura, essa construção política e por quê a gente passava por todos aqueles preconceitos e problemas sociais. Então a pauta da gente virou de fato Direito à Cidade.196

O acúmulo de violências por parte da PMS na Ladeira da Preguiça contribuiu para sua reaproximação do MNB2J e, posteriormente, para sua aproximação da Articulação do CAS. Nesse ano de 2015, a Articulação convidou a artista visual Clara Domingas, que propôs a realização de uma oficina para a criação de uma imagem síntese para colagem de lambes na encosta da Ladeira da Montanha, onde se localizava a maior parte das demolições feitas pela PMS. Segundo Viviane,

Ela propôs um processo de criação coletiva a partir dessa ideia e a gente fez um mutirão no final de semana para fazer esses grandes painéis de escavadeiras em papel, que foram colados com aquela técnica de lambe. E isso aconteceu no mesmo dia em que a gente fez um ato na Ladeira da Conceição, já como a Articulação apoiando a Ladeira da Conceição, com representante do Ministério da Cultura. A gente já tinha protocolado porque o IPHAN tinha responsabilidade nisso. No dia seguinte à colagem dos lambes a Prefeitura tirou. (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 7).

A partir da imagem-síntese da escavadeira, o grupo propôs que o tema do desfile no 2 de Julho daquele ano fosse “O Centro Antigo Sangra” – em razão das mortes ocorridas com as fortes chuvas e demolições. Na noite anterior, um grupo saiu pichando muros no percurso do cortejo, e para o desfile da Articulação Ivana propôs uma performance da cabocla lutando contra a escavadeira da gentrificação (Figura 20).

Viviane: Várias pessoas terminaram lutando com a escavadeira e isso encantou o pessoal da Articulação que percebeu que essa era uma forma de comunicar o que tava acontecendo. Todo mundo abria espaço quando começava a rolar aquela capoeiragem.

Ivana: Cada personagem, ou mesmo que fosse um cidadão, ou uma cidadã, que interferisse lá, em enfrentar essa escavadeira, se tornava um partícipe

196 Entrevista concedida por Marcelo Telles para esta tese em 25 de maio de 2018. 185

dessa performance, ou seja, ainda tem isso, não era só um espetáculo, era um extravasamento mesmo.

Viviane: E aí a gente fez uma marca do Centro Antigo Sangra, que era a cabocla atingindo com a lança a escavadeira. Fizemos um panfleto, já assinando como Articulação. (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 7-8).

Figura 20 – Desfile da articulação do Centro Antigo no 2 de Julho em 2015197

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

No ano seguinte, em 2016, o grupo saiu no cortejo do 2 de Julho com o tema “A Democracia Sangra”, em razão do contexto político nacional, do golpe de Estado

197 Na ordem das imagens: panfleto-convite; Ivana e Seo Raimundo: o Caboclo e a Cabocla; A guerreira do Centro Antigo contra a Escavadeira da Especulação Imobiliária; Ana Caminha com o panô com o tema do desfile; muro pixado no dia anterior ao desfile; a escavadeira colada na contenção da Ladeira da Montanha. 186 no Executivo federal (Figura 20). A saída da Articulação no cortejo trabalhava com diferentes linguagens e tinha forte apelo visual, com as performances coletivas e interativas, comandadas por Ivana, o desfile do panô – grande retângulo de tecido pintado com o tema daquele ano do cortejo da Articulação –, cartazes com texto explicando o tema e as pautas dos movimentos e as ruas pichadas também com o tema do ano – a ação de pichação de muros no percurso do cortejo oficial ocorreu em 2015 e 2016, quando integrantes da Articulação saíam na madrugada anterior para marcar sua presença em todo o cortejo e criar um elemento surpresa – a passagem da Articulação pelo cortejo do 2 de Julho atraía a atenção e a curiosidade de quem assistia.

Figura 21 – Desfile da articulação do Centro Antigo no 2 de Julho em 2016

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

Em 2017, as ameaças que mais preocupavam os coletivos e movimentos da Articulação e de parceiros no desfile, desde o ano anterior, eram o Programa Revitalizar (SALVADOR, 2017b) e o Programa de Incentivo ao Desenvolvimento Sustentável e Inovação (SALVADOR, 2015a). Tanto o Revitalizar quanto o PIDI são programas de incentivos fiscais com proposições diretas sobre o Centro Antigo. O primeiro oferece isenção, nas áreas do 187

Centro Antigo e da Borda da Baía de Todos os Santos, do Imposto sobre a Transmissão de Intervivos (ITIV) e sobre taxas de licenciamento, além da redução de Imposto Sobre Serviços (ISS) e IPTU+Taxa de Lixo para os que aderirem ao programa e reformarem/recuperarem seus imóveis ou edificarem novos num prazo de 18 meses – contados a partir da publicação da Lei nº 9.215 (SALVADOR, 2017), em 19 de maio de 2017. Esses incentivos beneficiam, sobretudo, proprietários de imóveis, deixando de fora a maioria dos moradores do Centro Antigo que há décadas vivem de aluguel e em ocupações, e que mantêm esses imóveis de pé e conservados, ainda que em condições estéticas que não agradem muito à Prefeitura, ao IPHAN ou aos turistas. O Programa não inclui linhas de financiamento para os pequenos comerciantes e os proprietários de renda baixa, nem subsídio para moradia social, inquilinos e ocupantes de baixa renda, que, sem financiamento e se implementado o Programa, não poderão permanecer nas suas moradias atuais. O PIDI, por sua vez, abriu um Edital (SALVADOR, 2016d) oferecendo redução do ISS para investidores que apresentassem projetos para transformar a região da Barroquinha em um espaço mais nobre, com a atração de galerias de arte, casas de espetáculos, teatros, cinemas, atividades de fonografia e fotografia, serviços gráficos, cafés, bares e restaurantes, agências de turismo e casas de câmbio, escola de artes e idiomas. Nessa perspectiva de mudança radical de usos e perfil da população – atualmente a área é ocupada por comércio popular –, a estratégia do projeto é a de conectar o Fera Palace Hotel e o Hotel Fasano a novos serviços e ao que a Prefeitura denomina de Complexo Cultural da Barroquinha, localizado entre a Praça Castro Alves e a Ladeira da Barroquinha, que "tem como marcos edificados e de usos o Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha, o Espaço Cultural da Barroquinha e o Teatro Gregório de Matos" (SANTOS, 2016, p. 37). Os coletivos e movimentos do Centro Antigo – para além da Articulação, como a Associação de Moradores e amigos do Centro Histórico (AMACH) e o Movimento em Defesa da Moradia e do Trabalho (MDMT) –, após diversas discussões sobre os projetos de lei e após participação em sessões de votação na Câmera Municipal, resolveram incluir essas pautas no cortejo da Articulação em 2017, que saiu com o tema “O Centro Antigo é do Povo” (Figura 21). Nesse ano foram realizadas oficinas preparatórias para o desfile, conduzidas por Ivana, tanto para a composição dos temas, faixas, cartazes e adornos, como para compor os personagens das performances. 188

Figura 22 – Desfile da articulação do Centro Antigo no 2 de Julho em 2017

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

Em 2018, já sem Ivana198 para construir as oficinas preparatórias, a Articulação buscou apoio do grupo Aldeia Coletivo Cênico, que conduziu uma oficina preparatória e construiu personagens e performances caboclas para o desfile (Figura 23). Dessa vez o tema foi “Nós não aceitamos sair do nosso lugar! CIDADE OCUPADA, CIDADE VIVA!”. Participaram também desse desfile, além da Aldeia Coletivo Cênico, a AMACH e a Associação de Moradores e Amigos da Chácara Santo Antônio (AMACHA).

198 Ivana faleceu de câncer em 8 de agosto de 2017, após lutar brava e coletivamente. Faz muita falta, mas nos deixou muito. 189

Figura 23 – Desfile da articulação do Centro Antigo no 2 de Julho em 2018

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

Os desfiles na data do 2 de Julho sempre significaram mais do que a visibilidade da Articulação e a comunicação das suas pautas. São também uma oportunidade de reafirmação e atualização das identidades do grupo e a possibilidade de aproximação de outros grupos com outras pautas e identidades. As performances, as faixas e o panô contribuem para aumentar a visibilidade do grupo e das suas pautas, o que também potencializa afetos e atrai parceiros e/ou colaboradores, ainda que efêmeros.

4.1.3.2 Participação no processo de elaboração do PDDU/2016

Durante a realização das audiências públicas para elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU) – processo que durou de 190 agosto de 2014 a junho de 2016 –, mais especificamente em 2015, a Articulação decidiu participar das discussões e pautar demandas relativas ao Centro Antigo e à cidade. Para essa empreitada, a Articulação se reaproximou da AMACHA e convidou o Coletivo Rio Vermelho em Ação,199 e juntos editaram um manifesto intitulado “Manifesto contra um PDDU racista e higienista”, que criticava a falta de informações e dispositivos que reconhecessem e assegurassem a permanência das populações negras em seus territórios, com melhoria da qualidade urbana (ver ANEXO G). O manifesto recebeu resposta oficial da Prefeitura, que, segundo o movimento, não atendeu nem se propôs a superar as lacunas apontadas e, por esse motivo, elaboraram uma Carta criticando a ausência de real participação no processo de elaboração e discussão do plano, além de apontar a necessidade de complementação dos estudos técnicos, bem como o descumprimento da regulamentação relativa ao conteúdo do PDDU. A Carta foi enviada à coordenação de elaboração do plano e publicada na página da Articulação em outubro de 2015, recebendo o título de “Propostas para um PDDU Popular”. Nela constam 16 proposições a serem incorporadas à minuta do projeto de lei, que, em resumo, pediam: o enquadramento da Praia da Preguiça e da encosta da Avenida Contorno (onde estão localizadas a Gamboa de Baixo e a comunidade do Solar do Unhão) como Áreas de Preservação de Recursos Naturais (APRN) e como Área de Proteção Cultural e Paisagística (APCP) e da Ladeira da Conceição da Praia também como APCP; reinclusão da categoria de ZEIS (prevista no PDDU/2008) relativa a imóveis subutilizados e não utilizados em áreas infraestruturadas, além da demarcação de todos os 1.100 imóveis levantados em 2009 pelo Plano de Reabilitação do Centro Antigo de Salvador como subutilizados e não utilizados como ZEIS; reinclusão da categoria de ZEIS relativa aos assentamentos de populações remanescentes de quilombos e comunidades tradicionais ligadas à pesca e à mariscagem e demarcação da área da Gamboa de Baixo nessa categoria; demarcação da Vila Coração de Maria, da Ladeira da Preguiça, do “Water Center” e dos imóveis do IPAC – ocupados pelo MSTB – como

199 O Coletivo Rio Vermelho em Ação (RVA) também estava acompanhando o processo de elaboração do PDDU de Salvador e já tinha a PMS como antagonista desde a reforma da orla do Rio Vermelho, onde a participação e as demandas dos moradores – que se opunham ao corte de árvores, à demolição do antigo Mercado do Peixe e à expulsão dos seus comissionários e gourmetização do bairro – foi desconsiderada. A aproximação entre o Coletivo RVA e a Articulação do CAS se deu pelo antagonista em comum, mas também pela proximidade com uma moradora e ativista do bairro que também presta assessoria à Articulação. 191

ZEIS; enquadramento do Largo da Mariquita e entorno como Poligonal Histórica Urbana, com tombamento individual de alguns dos seus imóveis; enquadramento do Rio Lucaia e Praia da Paciência como APRN e vinculação de 30% do Fundo de Desenvolvimento Urbano de Salvador (FUNDURBS) para Habitação de Interesse Social, priorizando a compra de terrenos em áreas centrais da cidade (ver ANEXO H). As demandas institucionais eram sempre acompanhadas por performances desses grupos nas audiências públicas (Figura 24), reivindicando o direito a voz e à tomada de decisões, a alteração da metodologia e do processo de apresentação e decisões sobre os conteúdos dos estudos e da minuta do projeto de lei e respostas às demandas oficializadas pelo manifesto e pela carta-proposta. Algumas dessas performances lograram interromper a realização da audiência por discordância com a metodologia, com apitaço e gritos de guerra; em outras, conseguiram articular o protesto com o lúdico, como com a entrega do trator de ouro a Tânia Scofield, coordenadora do processo de elaboração do PDDU (Figura 24). Sobre esse processo, Viviane destaca a importância da Articulação como uma força política potencializada, que amplia a visibilidade e as possibilidades de conquistas:

A gente consegue dar mais peso político às ações institucionais. Porque a gente não vai sozinho, vai com um monte de outros movimentos. Quando a gente consegue articular uma ocupação do IPHAN ao mesmo tempo que a gente protocola o ofício de não sei o que. Quer dizer, tudo isso... A gente consegue instaurar o contraditório em vários processos, seja no PDDU, nas desapropriações, o próprio Santa Tereza, a retirada dessa coisa do nome. Quer dizer, tudo isso, são conquistas parciais. Às vezes é só causando problemas, é: „Ah, meu deus, já vem aquela galera problemática‟, por parte de alguns políticos, de alguns gestores. Conseguimos um mínimo de inserção na imprensa, minimíssimo, porque aqui é tudo mercado imobiliário que paga, então é difícil. Mas conseguimos articular uma matéria imensa na caros amigos, conseguimos algumas notinhas aqui e ali, o Mídia Ninja, também no A Tarde, algumas coisas que foram saindo. Em termos de conquistas, bom, tem alguns processos de resistência, por exemplo, a Vila estar aqui e já não estar mais com três casas vazias, também é resultado desse apoio institucional. Mas são coisas todas que estão em processo e que a gente pode perder ainda. Pode perder a Vila Coração, podemos perder todos os imóveis que estão colocados para desapropriação. (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 16).

192

Figura 24 – Manifestações contra o PDDU 2016

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

Toda essa movimentação e performances da Articulação também conferem aos movimentos a ela vinculados grande visibilidade – ampliada pela divulgação das ações em redes sociais – e o reconhecimento das suas lutas como legítimas, e têm contribuído para o interesse e adesão de novos parceiros, que, por sua vez incorporam e também trazem suas linguagens. O fato de a pauta da Articulação ser mais ampliada, e também a diversidade de linguagens e performances, contribui para a ampliação do debate com outros agentes, como o Ministério Público e as universidades. Para Viviane,

Tem um diálogo que a gente consegue estabelecer com a cidade, através das redes sociais, das performances, dos atos no coreto, que rola, mas a gente tem um calcanhar de Aquiles que é justamente um enraizamento na comunidade, essa legitimação pública dentro do bairro; acaba que o movimento é uma voz dissonante. (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 17).

193

A criação da Articulação do Centro Antigo de Salvador significou para o MNB2J a possibilidade de se aproximar das demandas mais populares do Centro, a reaproximação com a Preguiça – que passa a se sentir mais parte do movimento pelo reconhecimento da sua luta na luta dos outros movimentos – e a ampliação da diversidade e volume de pessoas, sem deixar de lado suas próprias demandas, que ganham força e volume com a participação dos outros movimentos, e seu compromisso com a superação de consensos excludentes e segregadores. Segundo Viviane,

A gente tá fazendo um outro discurso, segurança pra gente não é mais repressão policial; bairro legal pra gente não é bairro livre de drogas, não é bairro livre de travesti. Quando a gente faz esse discurso, tem uma galera conservadora que sai e tem uma galera que poderia ser ganha pra nossa causa, inclusive por questões de necessidade imediata mesmo. Mas nos faltam braços pra fazer esse trabalho cotidiano, de porta em porta, até pra poder, essa galera, fazendo parte do movimento, e definindo a forma de atuar, poder, de repente, ter uma linguagem que seja mais apropriada. (CHASTINET; HERMIDA, 2017, p. 17).

4.1.3.3 Nova disputa pelo reconhecimento do 2 de Julho como bairro

Um exemplo da importância da Articulação para as lutas do MNB2J é a participação de outros movimentos nas tratativas pela demarcação do 2 de Julho como bairro na Lei de Bairros200 (SALVADOR, 2017a), que marca o retorno da disputa do MNB2J pelo reconhecimento da condição de bairro. Desde 2012, com a retirada do projeto de “humanização” do bairro pela Prefeitura, que esse tema não voltava à pauta do bairro, mas a apresentação do projeto de lei à Câmara Municipal de Vereadores trouxe essa discussão de volta, quando, analisando o Projeto de Lei, os moradores descobriram que o 2 de Julho fazia parte do bairro Centro, junto com outras localidades com as quais o bairro não se sente conectado. No Projeto de Lei, os critérios para a delimitação de bairros era a noção noção de identidade e de pertencimento aliada a pelo menos três dos critérios a seguir: a) o reconhecimento do território; b) existência de unidade escolar de ensino fundamental (a partir da 6ª série) das redes pública ou privada, ou de natureza comunitária; c) existência de unidade de saúde de atendimento geral ou especializado que preste serviço à comunidade; d) existência de logradouro público

200 Mais informações sobre a Lei de Bairros de Salvador podem ser encontradas na subseção 3.4.1, da seção 3 desta tese. 194 hierarquizado como via coletora ou superior, ou não hierarquizado, mas que desempenhe função equivalente e estruture a mobilidade no território, permitindo a circulação de veículos de grande porte e de prestação de serviços e; e) oferta de transporte público, regulamentado, para atendimento à comunidade (SALVADOR, 2017a). Como estratégias para a disputa pelo reconhecimento do bairro, o MNB2J buscou auxílio da Comissão de Planejamento Urbano, presidida pela vereadora Marta Rodrigues, para intermediar conversas com comissões da Câmara e com seu presidente, o vereador Léo Prates. Também solicitou à equipe de elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho (PB2J) elementos das pesquisas e oficina realizadas com o fim de delimitação dos seus limites territoriais para demonstrar o enquadramento do bairro nos critérios do Projeto de Lei201 (Figura 24). Antes disso, o MNB2J e a Articulação buscaram compreender o processo da delimitação do bairro Centro com a coordenadora do estudo, quando da elaboração das bases e da minuta do projeto de lei, além de tentar sensibilizá-la sobre a importância da demarcação do 2 de Julho como bairro. Após diversas reuniões no bairro, tratativas com o legislativo e a realização de manifestações na Câmara de Vereadores (Figura 24) o 2 de Julho – e mais sete pleiteantes – conseguiram ter seu reconhecimento no projeto de lei, condicionado, no entanto, à “verificação do atendimento aos requisitos do art. 4º deverá ser realizada por equipe técnica designada pelo Poder Executivo Municipal”. (SALVADOR, 2017a).

201 A partir da demanda do MNB2J, o Grupo de Pesquisa Lugar Comum elaborou um relatório com resultados das pesquisas e com justificativa para reconhecimento e inclusão do 2 de Julho na Lei de Bairros, que foi entregue a diversas lideranças do bairro, a vereadores e ao Executivo Munincipal. 195

Figura 25 – Espacialização dos critérios exigidos para delimitação do bairro 2 de Julho (escolas, posto de saúde, via coletora e pontos de ônibus)

Fonte: Lugar Comum (2017).

196

Figura 26 – Panfleto-convite em defesa do reconhecimento do 2 de Julho como bairro

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

Figura 27 – Manifestação na Câmara de Vereadores em defesa do reconhecimento do 2 de Julho como bairro

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

197

4.1.3.4 Ações contra o leilão do dos terrenos do Hotel Txai

O Leilão dos terrenos do Hotel Txai em 2014 suscitou reações por parte dos moradores, que realizaram algumas ações para chamar a atenção para o leilão, que acabou não ocorreu, por falta de interessados. Dentre as ações realizadas pelo MNB2J estão a publicação de uma matéria jornalística sobre o leilão (DURAN, 2018), a produção de cartazes (Figura 28 e ANEXO J) informando os moradores e apresentando o posicionamento do MNB2J e a colagem de lambes desses cartazes pelo bairro.

Figura 28 – Cartaz sobre o terreno a leilão e pela sua utilização como espaço público

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

198

Também foi produzido um vídeo202 informando sobre o leilão e sobre a proposta construída com moradores para o vazio, num conjunto de oficinas sobre os vazios do bairro. É importante destacar que boa parte desse trecho da Rua Areal de Cima (entre o terreno que foi a leilão e a esquina com a Rua do Sodré) está com suas edificações em ruínas ou desocupadas – há algumas edificações em bom estado, mas que os vizinhos contam que foram vendidos para investidores imobiliários, no entanto, não foi possível verificar essa informação.

4.1.3.5 Luta pela permanência do Colégio Ypiranga

O Colégio Ypiranga faz parte do imaginário dos moradores do 2 de Julho muito antes da sua existência enquanto colégio da rede pública estadual. Antes disso, por muitos anos funcionou na mesma edificação uma escola privada e, ainda antes, foi morada do poeta Castro Alves – fato que muitos moradores conhecem, mas que tem pouca visibilidade fora do bairro. Apesar de sua importância para o bairro, o Colégio já sofreu três ameaças de fechamento, a última delas, estava dentro de uma proposta de fechamento de cerca de 22 escolas do ensino fundamental e médio pelo Governo do Estado da Bahia. Diante da notícia, estudantes e professores se organizaram junto com o MNB2J e lançaram a campanha #FicaColégioYpiranga nas redes sociais, promoveram passeatas pelo Centro e reuniões com vereadores e deputados estaduais, em busca de apoio. Em 2019 o governador reabriu as matrículas para o colégio, retirando o Ypiranga da lista das escolas a serem fechadas.

4.1.3.6 Vila Coração de Maria e as ZEIS no Centro Antigo

Durante a elaboração do PDDU/2016, entre as demandas da Articulação era a demarcação da Vila Coração de Maria e da Gamboa de Baixo como ZEIS e apenas essas foram incorporadas pela prefeitura. Outras ZEIS foram demarcadas no Centro Antigo, como a do Tororó (localidade vizinha à Estação da Lapa), cuja história se entrelaça com a do MNB2J e da Articulação em 2018, quando a prefeitura

202 Disponível em: . Acesso em : 30 abr. 2019. 199 decreta de utilidade pública para fins de desapropriação uma área do Tororó para a construção de um shopping center. A parceria entre essas comunidades é reforçada por ocasião da movimentação da Prefeitura, por meio da FMLF, para a construção de diretrizes para a regulamentação das ZEIS de Salvador. O Instituto Pólis foi contratado para a tarefa e vem conduzindo os trabalhos com as comunidades, permeados por muitos conflitos, especialmente no tocante à participação dos movimentos na construção das diretrizes para essa regulamentação. O grupo que participa e tem se mobilizado em ações coletivas pela participação no processo de regulamentação – e também na defesa da permanência das próprias comunidades – envolve professoras da Faculdade de Arquitetura e pesquisadores do Lugar Comum, da UFBA, moradores da Vila Coração de Maria, da Gamboa, do Tororó e da Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico (AMACH), além de assessores voluntários da Articulação. Além das cobranças pelo direito à participação, o grupo tem construído atividades de reforço das identidades dos grupos, de formação e de construção das suas próprias propostas e diretrizes (Figura 29), como uma forma de qualificar a discussão e se preparar para as disputas futuras com a FMLF. Todavia, mesmo com todas as cobranças feitas pelo grupo – como a realização de uma oficina para construção coletiva das diretrizes –, a FMLF não tem se mostrado aberta à criação de espaços de discussão.

200

Figura 29 – Convite para discussão sobre ZEIS com comunidades do Centro Antigo

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

4.1.3.7 Oficinas de teatro

Mais recentemente, o MNB2J participou de uma chamada pública de projetos, promovida pela Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público da Bahia (MP/BA), lançada em dezembro de 2018, com o objetivo de financiar– com recursos oriundos de um Termo de Ajuste de Conduta – pesquisas, estudos urbanos e ambientais e projetos de transformação e intervenção socioambiental. O MNB2J e a Articulação do Centro Antigo concorreu na categoria de projetos de até oito mil reais com um projeto de uma série de oficinas em formação em teatro de rua, com o tema “Direito à Cidade em Cena: ampliando o olhar sobre o 2 de Julho e o Centro Antigo de Salvador“ (MOVIMENTO NOSSO BAIRRO É DOIS DE JULHO, 2019). A proposta é realizar oficinas de formação em teatro para a criação de um espetáculo a ser apresentado nas ruas do bairro (Rua Areal de Baixo e no Coreto do Largo 2 de Julho) e também na Gamboa de Baixo e na Ladeira da Preguiça. A estratégia da proposta é enfrentar o que os proponentes chamaram de “problema da baixa participação popular nas questões referentes ao planejamento urbano e ao direito à cidade“ (MOVIMENTO NOSSO BAIRRO É DOIS DE JULHO, 2019, p. 3). Para 201 trabalhar com esse conteúdo nas oficinas, para lidar com esses temas, serão trazidas questões do próprio bairro e do CAS. A proposta foi selecionada e abriu 35 vagas para o público de jovens entre 14 e 29 anos, sendo 25 vagas para estudante do Colégio Ypiranga e 10 vagas para moradores do 2 de Julho e proximidades (MOVIMENTO NOSSO BAIRRO É DOIS DE JULHO, 2019). Essa proposta surge com a aproximação do MNB2J com o Grupo VilaVox de Teatro, que desde 2015 funciona na Casa Preta, espaço cultural localizado no bairro 2 de Julho, na Rua Areal de Baixo.203 O grupo havia participado de algumas atividades do MNB2J e do PB2J, mas em 2017 começa a realizar atividades conjuntas com o movimento, como as duas edições do Arraiá da Areal, em 2017 e 2018, em comemoração aos festejos do São João na Rua Areal de Cima; as festas Lombra – Verão de Fervo, Verão de Luta; uma oficina de Jardinagem Comunitária; a criação – por demanda de crianças moradoras do bairro – do grupo VilinhaVox – Lugar de Criança é na rua, brincando!; e a realização de leituras dramáticas no Colégio Ypiranga. Com esse projeto, o MNB2J busca, além de mobilizar mais moradores e interessados para participar do movimento – porque há tempos que o MNB2J enfrenta um esvaziamento de participação dos moradores –, reafirmar o direito à cidade como pauta e estratégia de luta pela superação dos conflitos e dificuldades enfrentadas pelo bairro.

203 Essa aproximação é iniciada pelo encontro do interesse da liderança Viviane Hermida com o produtor cultural do VilaVox, Vitor Barreto, no tema do direito à cidade e na sua preocupação com a participação da Casa Preta e do Grupo VilaVox no processo de gentrificação do bairro.

202

Figura 30 – Convite para oficina de teatro “Direito à cidade em cena”

Fonte: Articulação do Centro Antigo de Salvador (2018).

A disputa pelo bairro faz parte da história do MNB2J e ela não se limita apenas à reivindicação pela melhoria dos seus espaços, mas pelo direito à sua apropriação e à participação na sua produção. É uma luta pela permanência dos seus moradores e das características do bairro, mas é também uma disputa sobre o bairro entendido como lugar de práticas coletivas. A ideia de pertencimento, no caso dos moradores vinculados ao MNB2J e ao Centro Cultural Que Ladeira é Essa?, não se define apenas pela passividade de se sentir pertencente ao lugar, mas também pelo sentimento de que o lugar lhes pertence e por isso eles podem – e exigem – participar da produção do seu espaço. Retomando a discussão sobre a produção do espaço neste trabalho, vemos que muitas das ações do Movimento acima relatadas demonstram uma frequente busca pela produção dos seus espaços por meio de ações que tanto questionam as ações de outros – do Estado, dos proprietários e das corporações imobiliárias – sobre seu espaço, assim como reivindicam, nessas ações, o direito de decidir sobre 203 as modificações nos objetos existentes e a serem construídos naquele espaço. É possível observar nas manifestações, desfiles, passeatas, articulações e reuniões promovidas pelos movimentos a consciência da potência da ação como elemento transformador do espaço (SANTOS, 2004). É possível também observar o pulsar do vivido, na trialética de Lefèbvre (2013), da produção de símbolos, da construção de representações sobre si próprios e sobre os seus espaços e, sobretudo, a emergência e evidenciação do drama e do desejo pela sua transformação. É o vivido como estratégia. Entretanto, também há uma disputa importante nessas ações, que é a disputa pela participação na produção da dimensão concebida do espaço, ou do espaço concebido, que Lefebvre (2013) define como o espaço dos discursos, da teoria, do ordenamento, das leis e dos planos. Para Lefebvre (2013), o espaço concebido é o espaço dos planejadores, dos tecnocratas, do Estado e das grandes corporações. Na teoria de Lefebvre (2013), não há espaço para a produção do habitante na dimensão do concebido. A esse caberia apenas a produção dos espaços percebido e vivido – na conjuntura na qual ele se insere. A experiência de elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho se coloca, dessa maneira, como uma disputa, uma estratégia organizada para intervir sobre essa dimensão do espaço negada por princípio aos habitantes da cidade: o concebido. Quando o MNB2J afirma que o 2 de Julho é bairro, sim; quando tenta interferir no processo de planejamento da cidade; e quando encampa o desafio de elaborar o planejamento do seu próprio espaço, estaria ele disputando a hegemonia sobre a produção de ideias, do ordenamento, das leis e dos planos?

4.2 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PLANO DE BAIRRO

A história da elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho está muito emaranhada com a história do MNB2J. e, portanto, muito do que será mencionado aqui como atividade de elaboração do Plano já foi relatado acima como ação do MNB2J. O plano de bairro surge como estratégia para o 2 de Julho em uma das reuniões ordinárias do MNB2J204 – que já aconteciam às terças-feiras à noite – no

204 Os registros desse momento são feitos pela autora desta tese, que participou da reunião em que o Plano de Bairro foi pautado como estratégia de ação do movimento. Nessa reunião, também 204 mês de agosto de 2012. Marta Argolo, uma das participantes, transmoradora, havia lido o Plano Popular da Vila Autódromo, que havia circulado por um grupo de e-mail do MNB2J e comentou sobre o plano sugerindo a experiência como algo interessante a ser construído pelo movimento. Também foi mencionado como referência o plano de bairro de Saramandaia, em elaboração pelo Grupo de Pesquisa Lugar Comum. Naquele momento, já era pauta do MNB2J a importância de formular propostas para o bairro e ter isso como pauta mais visível, como forma de mostrar aos moradores que o Movimento não era apenas “do contra” – como acabou sendo estigmatizado por não ter aceito o projeto de “humanização” do bairro, como relatado na subseção 4.1 –, que tinha propostas para o bairro e também queria melhorias, mas por meio de projetos não excludentes e abertos à sua participação. Com isso, abriu-se uma discussão sobre as possibilidades de realização do plano pelos moradores e os possíveis modos de fazê-lo, tendo como inspiração a experiência da Vila Autódromo. Assim, dessa reunião surgiu a proposta de realização de um questionário para levantar demandas e desejos dos moradores e transmoradores para o bairro (ANEXO J). Nesse questionário, que se justificava pelo objetivo de “fundamentar o plano popular do bairro”, perguntava-se sobre: a) os lugares, serviços e/ou características “mais úteis, agradáveis ou interessantes no 2 de Julho”; b) as necessidades mais urgentes e; c) três desejos para o bairro. Esse questionário circulou entre os participantes de algumas edições do Circuito Cultural e foi distribuído em alguns estabelecimentos parceiros do MNB2J. No entanto, meses depois, quando foram recolhidos para sistematização, o Movimento se deu conta da complexidade da tarefa, que se sobrepunha a diversas outras demandas e projetos já em curso. O envolvimento do grupo de pesquisa Lugar Comum na elaboração de um plano de bairro para o 2 de Julho surge quando é aberto o Edital PROEXT 2014, no âmbito do Programa de Extensão do Ministério da Educação (MEC), em parceria com o Ministérios das Cidades (MCidades), com o objetivo de financiar projetos de extensão universitária com temas relativos ao desenvolvimento urbano. Em razão do conhecimento do grupo de pesquisa Lugar Comum sobre a tentativa do MNB2J de elaborar um plano de bairro e da aproximação de pesquisadoras com o

estavam presentes alguns participantes do movimento Desocupa, que participou por um período, das reuniões do MNB2J. 205

Movimento,205 o grupo submeteu um projeto em março de 2013, que foi aprovado em maio desse mesmo ano, com previsão do início dos trabalhos em janeiro de 2014. O projeto apresentava os seguintes objetivos:

Geral: Elaboração de um Plano de Bairro Participativo para o 2 de Julho, possibilitando a sistematização e ampliação dos conhecimentos acerca do bairro, o fortalecimento político e a capacitação técnica dos agentes públicos, das organizações e movimentos sociais, artísticos e culturais com atuação no bairro e construção coletiva de diretrizes para o pleno desenvolvimento do bairro, em seus aspectos social, cultural, econômico e político. Espaços públicos, diversidade social, infra-estrutura técnica e social, moradia adequada, integração com a vida da cidade são elementos que certamente serão tensionados ao longo desse processo. Específicos: 1. Levantamento de informações primárias e secundárias acerca da configuração física, econômica, cultural, social e dos usos e atividades desenvolvidas pelos seus moradores e usuários. 2. Caracterização dos empreendimentos privados de alto impacto no Bairro 2 de Julho, especialmente daqueles com ação gentrificadora do espaço. 3. Envolvimento dos agentes públicos no processo de construção participativa do Plano de Bairro, estabelecendo uma corresponsabilidade desses agentes com políticas que articulem a diversidade social no território. 4. Articulação das organizações e movimentos sociais com os agentes do poder público com atuação no bairro, de forma a garantir o controle social e a predominância do interesse coletivo no atendimento das demandas dos moradores por serviços urbanos e infraestrutura pública. 5. Capacitação dos moradores, das organizações e movimentos sociais e de técnicos do poder público quanto aos instrumentos da política urbana, de acesso à terra urbanizada e da gestão democrática das cidades constantes no Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257 de 2001). 6. Construção coletiva com os moradores e demais agentes envolvidos de uma pauta com o conjunto de instrumentos e investimentos necessários à melhoria e ampliação da qualidade das infraestruturas técnica e social existentes. 7. Definição e recomendação de instrumentos urbanísticos e de financiamentos que incentivem a recuperação do patrimônio histórico e o cumprimento da função social da propriedade. 8. Formação de agentes públicos, discentes e docentes nos processos de planejamento participativo e de elaboração de Planos de Bairro. 9. Fortalecimento da rede de organizações e movimentos sociais e culturais em atividade no bairro, potencializando sua atuação enquanto agentes de controle social na luta pelo direito à cidade. (FERNANDES, 2013b, p. 15).

É importante destacar aqui a experiência que o Lugar Comum vinha adquirindo na elaboração do Plano de Bairro para a ZEIS Saramandaia, que também foi financiada pelo PROEXT do MEC e MCidades em 2012. A experiência de Saramandaia essa experiência foi a principal referência para a elaboração da proposta para o PB2J. Antes disso, em 2011, grupo de pesquisa começou a

205 Especialmente nas pessoas de Glória Cecília Figueiredo e Laila Mourad. 206 pesquisar sobre planos de bairro com a aprovação do projeto financiado pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado da CAPES, intitulado “Projeto Bairros na metrópole: uma escala de política, de direito e de experiência” (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2011a), que associava pesquisa e extensão e que se constituía como fio condutor das pesquisas e práticas sobre planejamento de bairros. Na proposta aprovada para o 2 de Julho, estava manifestada a intenção de consolidação e ampliação da extensão universitária

[...] associada ao ensino e à pesquisa, iniciado em 2012, com o projeto plano de Bairro de Saramandaia, que vem sendo desenvolvido, como instrumento de afirmação da cidadania, através da exploração de novas possibilidades de concepção de planos de urbanismo na escala de bairros. (FERNANDES, 2013b, p. 22).

No período entre a aprovação do projeto pelo Edital PROEXT 2014 e o início formal das atividades do plano, o Lugar Comum submeteu outro projeto – já relacionado com a proposta de elaboração de plano de bairro para o 2 de Julho – ao Edital de pesquisa do Programa PIBIC Jr da UFBA,206 que financiava projetos de pesquisa com oferta de bolsas para estudantes do ensino médio. O projeto foi construído com a parceria do Colégio Ypiranga e teve três bolsas aprovadas para o período de julho de 2013 a julho de 2014. Uma das primeiras atividades dos bolsistas foi tabular e analisar os questionários aplicados pelo MNB2J no bairro, mas também participaram da elaboração e aplicação de questionários do PB2J em 2014 e foram também os responsáveis pela tabulação e sistematização dos dados. A equipe do Plano de Bairro do 2 de Julho foi constituída em fevereiro/março de 2014, inicialmente composta por seis bolsistas dos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo, Direito, Comunicação e Geografia da UFBA;, seis colaboradoras estudantes de mestrado, duas estudantes de doutorado e uma pós- doutoranda – que assumia a coordenação executiva –, sob a coordenação geral da Professora Ana Fernandes, todas vinculadas ao grupo de pesquisa Lugar Comum. O projeto se estruturou em seis etapas: a) formação da equipe de trabalho e troca de experiências; b) mobilização e capacitação; c) leitura técnica e comunitária do bairro 2 de Julho com mobilização; d) hipóteses de intervenção; e) análise crítica dos

206 Programa Nacional de Pós-Doutorado 2011 (Ministério da Educação/CAPES/PNPD), sob coordenação da Professora Dra. Ana Fernandes, e do Programa Permancer da UFBA. 207 instrumentos legais que incidem na área e que garantem o direito à cidade e; f) consolidação das propostas (FERNANDES, 2013b). A primeira etapa do plano começou com um momento de formação interna da equipe, para discussão e apropriação do plano de trabalho aprovado pelo PROEXT/MEC e o compartilhamento de outras experiências de planos de bairro. Tratava-se de uma equipe com muitos integrantes, pois havia também professores colaboradores e voluntários, que circulavam e funcionavam como uma espécie de colaboradores flutuantes (Ver ANEXO L). O grupo iniciou as atividades com uma formação interna com discussões sobre os conceitos de bairro, sobre cartografia e sobre exemplos de outros planos elaborados no Brasil. O primeiro contato com o bairro, em 2014, foi por meio de uma reunião com lideranças do bairro, em fevereiro, com o propósito de explicar a proposta, apresentar e discutir o cronograma das atividades e debater a metodologia, os objetivos, a atuação da Universidade e a participação das organizações e moradores. A proposta inicial continha oficinas de formação sobre instrumentos de garantia do direito à cidade (que incluía os instrumentos da política urbana do Estatuto da Cidade e também a apropriação da legislação local) e de formação dos agentes públicos, para aproximação das organizações do bairro com o Estado, com o propósito de ampliar o diálogo entre esses dois grupos de agentes. De início, a proposta foi recebida com certo estranhamento e uma pergunta repetida pelos presentes era “o que de resultado esse plano pode gerar para ajudar na melhoria do bairro e nas ações das organizações?”. É importante destacar que, mesmo com o esforço da equipe de elaboração do plano, era notória a dificuldade de compreensão de certos termos e mesmo das propostas de atividades. A defesa da Universidade era que o plano de bairro poderia se constituir numa ferramenta a mais para fortalecimento das lutas das organizações do bairro. Ainda assim, a falta de materialidade do projeto, no sentido de viabilizar melhorias concretas para o bairro, parecia afastar o interesse dos presentes na proposta do documento do plano concluído – que organizaria e fundamentaria as demandas do bairro –, e o processo de formação dos envolvidos não se mostrou ser suficiente para a maioria dos presentes. Outros, no entanto, receberam a proposta com mais abertura, deixando o público dividido e a equipe do plano um pouco abalada. De toda maneira, a equipe deu seguimento ao cronograma apresentado, que previa a primeira oficina a ser realizada em abril. A inspiração para a primeira oficina 208 foi a experiência de elaboração do plano de bairro da Pompéia – A Pompéia que se quer –, em que moradores organizados elaboraram seu próprio plano, sintetizando suas propostas num mapa dos sonhos. As demais oficinas foram construídas a partir de demandas do próprio bairro, com metodologias que eram discutidas e criadas nas reuniões gerais da equipe do plano.

4.2.1 A leitura técnico-comunitária

O realizar das atividades entre fevereiro de 2014 e dezembro de 2016 – tempo do processo de elaboração do plano – trazia realidades não previstas, que suscitavam a invenção de – nem sempre – novas estratégias. Todavia, é possível classificar as atividades do plano em produção de saberes técnicos e comunitários – ou seja, não técnicos –, mesmo com o esforço e o constante discurso para redução das distâncias entre os dois saberes. Não por acaso, o relatório resultado das atividades para levantamento das informações sobre o bairro chamou-se “Leitura Técnico-Comunitária” – o que apontava para a tentativa de juntar os dois saberes. As informações entendidas pela equipe como técnicas eram aquelas sobre a população (Censo 2010 do IBGE e 175 questionários207 aplicados pela equipe do plano em 2014), levantamentos de campo sobre a qualidade dos espaços públicos e das edificações (“fichas técnicas” elaboradas e aplicadas pela equipe do plano), abastecimento de água e esgotamento sanitário (EMBASA), limpeza urbana (SEMOP), drenagem das águas pluviais (SEINFRA), energia elétrica e iluminação pública (COELBA), condição de risco de encostas e edificações (Coordenadoria de Defesa Civil – CODESAL), áreas protegidas e com restrições de ocupação por legislações federais e municipais (IPHAN e Prefeitura de Salvador), entre outras. Pode-se dizer que o acesso a e o processamento de muitas das informações de dados secundários contribuíram para confirmar algumas observações já feitas pelos moradores e pelos próprios integrantes da equipe do plano. Exemplo disso é a concentração de população negra, com menores rendimentos e com acesso

207 O questionário possuía 67 perguntas sobre população, escolaridade, ocupação, renda, habitação, transporte, relação com vizinhança, percepção dos limites do bairro, comércio e serviços, mobilidade e acessibilidade, atividades culturais, organização social, percepção de mudanças, aspectos positivos e negativos e desejos e demandas para o bairro. O tamanho da amostra foi definido e o método de amostragem probabilística e sistemática determinado de maneira aleatória, selecionando, de maneira sistemática, um(a) entrevistada(o) a intervalos de 15 domicílios. 209 informal ao abastecimento de água na Ladeira da Preguiça, Beco da Califórnia e trecho da Rua do Sodré próximo à Preguiça. Essa também é a área onde se concentram os riscos de desmoronamento de edificações e de deslizamento de encostas (estas últimas na Rua Visconde de Mauá, onde ocorreu um deslizamento de terras em 2013). Também não foi surpresa a informação que os cortiços são mais numerosos nesse mesmo trecho, embora ainda não se tivesse conectado essa informação com as áreas com restrições de ocupação pela legislação municipal (área de Proteção Cultural e Paisagística – APCP) e federal (Lei de Tombamento do Centro Histórico de Salvador). O mapeamento dos vazios no bairro, no entanto, chamou atenção tanto da equipe do plano de bairro como dos moradores pela sua quantidade: em 2015 foram identificados 83 imóveis vazios (sem ocupação) no 2 de Julho, que se concentram nas ruas Areal de Baixo e Sodré e na Ladeira da Preguiça – mesmas áreas com maiores ocorrências de deslizamentos, desmoronamentos e onde incide a legislação que restringe sua ocupação. Quando compartilhada essa informação com os moradores e com o MNB2J – nas oficinas de cartografia social – seus integrantes se mostraram surpresos com número de imóveis vazios e pensar em destinações para eles se tornou uma das suas preocupações. Nos dados levantados sobre população, verificou-se uma diminuição de 19% no quantitativo de moradores (entre 1991 e 2010), maior do que a verificada na então Região Administrativa Centro, que foi de 9% no mesmo período (PB2J, 2016).208 O número de moradores por domicílio no 2 de Julho também reduziu de 2,9 para 2,4, mantendo-se abaixo da média de Salvador, que em 2010 foi de 3,2 (LUGAR COMUM, 2016), o que ajuda a compreender a diminuição em menor volume do número de domicílios, que reduziu apenas 2,5%. O número de domicílios com apenas um morador também aumentou nesse período (1991 a 2010), de 23% para 34%, seguido de uma queda – de 33% para 19% – dos domicílios com mais de três moradores – o bairro abriga grande proporção de idosos e de população jovem escolarizada, que ali encontra baixos preços de aluguel, se comparados com outros bairros centrais209 (LUGAR COMUM, 2016).

208 Com base nos Censos de 1991 e 2010 do IBGE. E importante registrar que em 1992 teve início o projeto de recuperação do Centro Histórico (inserido na Região Administrativa Centro), que promoveu a expulsão de cerca de 3 mil famílias da área (MOURAD, 2012). 209 “O decrescimento populacional no 2 de Julho, como na Região Administrativa Centro (da qual o 2 de Julho faz parte), entre 1991 e 2010 é caracterizado pela saída de segmentos de renda média- 210

Nos questionários aplicados em 2014, numa amostra de 174 domicílios210 do bairro, o processo de empobrecimento da população é confirmado, com 67% da população com rendimentos de até três salários mínimos, 22% entre três e cinco salários e apenas 11% com renda acima de cinco salários mínimos. O índice de pessoas que residiam em imóveis alugados era de 42%, índice alto, se compararmos com o de Salvador, que em 2010 foi de 20% – 46%, em 2014 (LUGAR COMUM, 2016), afirmaram residir em imóveis próprios, enquanto em Salvador esse índice, em 2010, foi de 77% (LUGAR COMUM, 2016). A leitura comunitária foi construída por meio de entrevistas e aplicação de questionários nos domicílios e das trocas e produção de informações nas oficinas. Entre 2014 e 2016 foram realizadas 17 oficinas com os moradores para levantar questões importantes para o bairro e propostas para enfrentá-las. A primeira delas aconteceu em abril de 2014 e se chamou “Oficina de Sonhos, vamos juntos pensar o bairro Dois de Julho” e tinha como propósito despertar o interesse dos moradores por planejar seu bairro e fazer uma primeira rodada de proposições e expectativas sobre o futuro (Figura 31). Após a apresentação do projeto e do cronograma do sonho, foi pedido aos participantes que se localizassem num grande mapa de lona estendido sobre o chão e que se identificassem e falassem um pouco da sua história com o bairro, momento em que diversos conflitos e memórias foram compartilhadas. Em seguida, foi solicitado aos participantes que escrevessem sonhos e desejos para o bairro num papel e depositassem numa caixa que ganhou o nome de Caixa dos Sonhos – depois desse momento, essa caixa percorreu outros espaços do bairro, como escolas, bares e restaurantes. Nesse primeiro momento participaram diversos integrantes do MNB2J, mas também representantes de outras organizações do bairro. Figura 31 – Oficina dos sonhos

alta e alta, que contribui com o processo de empobrecimento da área central (FERNANDES, 2014), [...] com um aumento significativo da população de baixa renda (de até 2 salários mínimos), passando de 27% em 1991 a quase a metade da população total do bairro em 2010 (48%).Observa-se também uma diminuição dos segmentos de renda média-alta e alta (acima de 5 salários mínimos), passando de 42% em 1991 a 19% em 2010.” (PB2J, 2016, p. 8). 210 Em levantamento de campo realizado pelo PB2J em 2014, havia no bairro um total de 671 edificações e 2.646 domicílios (LUGAR COMUM, 2016). 211

Fonte: Plano de Bairro 2 de Julho (2015).

A segunda Oficina se chamou “A quem interessa o bairro 2 de Julho? Sonhos, propostas e projetos” e tinha como objetivo mapear agentes, conflitos e disputas no bairro, recuperar e operacionalizar os sonhos coletados na primeira oficina, além de deixar margem para incorporar propostas, novos “sonhos” e projetos dos participantes (Figura 32). Sobre os conflitos, vieram à tona as desapropriações, o expressivo aumento do IPTU, que na sua última atualização classificou o bairro como nobre, a retirada dos moradores de rua pela Prefeitura na Preguiça e a falta de diálogo com os moradores sobre projetos, tanto públicos como privados. Sua importância se afirmou pelas trocas de informações sobre os projetos em curso no bairro e como esses projetos vinham valorizando imóveis e afastando moradores antigos. O número de moradores participantes foi reduzido em relação à primeira oficina, mas ainda assim havia uma considerável representação das organizações e localidades do bairro.

Figura 32 – Oficina A quem interessa o bairro 2 de Julho? 212

Fonte: Plano de Bairro 2 de Julho (2015).

Na terceira oficina, “Até onde vai o bairro 2 de Julho? Relações e pertencimentos”, realizada em maio de 2014, objetivava estabelecer limites para levantamento de dados primários pela equipe de elaboração do plano e discutir as relações de pertencimento. Um número bem menor de moradores esteve presente e pode-se verificar uma participação de moradores mais escolarizados (Figura 33). Para estabelecer esses limites, dada a baixa frequência de moradores, foi aplicado um breve questionário sobre esse tema em diversas ruas, incluindo aquelas apontadas pelos presentes como limites do bairro, e também foi incluída uma pergunta nos questionários ampliados, o que gerou um volume considerável de manifestações e possibilitou definir com mais segurança os limites do bairro. Mais tarde, essa informação e o processo para sua criação foram fundamentais para dar suporte político à demanda do MNB2J no reconhecimento do 2 de Julho na Lei de Bairros de Salvador.

Figura 33 – Oficina até onde vai o bairro 2 de Julho? 213

Fonte: Plano de Bairro 2 de Julho (2015).

O baixo número de moradores e a necessidade de avançar no levantamento de dados primários gerou um hiato entre a realização da terceira e da quarta oficinas, que aconteceram apenas em dezembro de 2014. Para mobilizar e atrair novos moradores para o processo, foi realizada no espaço aberto do Coreto do Largo 2 de Julho e teve uma atração musical e a exibição de um filme sobre memórias do bairro, construído a partir de relatos de alguns moradores (Figura 34). Os passantes eram convidados a permanecer no evento e a escrever em um varal suas memórias do bairro; depois houve um debate entre os próprios moradores. Esse evento foi importante para registrar a continuidade das atividades do plano de bairro, previstas para se estenderem por 2015. Em 2015, as atividades do plano se dividiram entre o tratamento dos dados primários e secundários levantados em 2014 e nas assessorias a conflitos do bairro, em sua grande maioria demandados pelo MNB2J. O tratamento das informações levantadas demandou muito tempo da equipe, que tinha alguns problemas estruturais, como a constante chegada e saída dos bolsistas de graduação, o que sempre custava um tempo considerável para treinamento, impactando no ritmo das atividades. Também a conclusão dos mestrados de várias integrantes da equipe foi responsável pelo afastamento e a diminuição dos colaboradores. 214

Figura 34 – Oficina de memórias

Fonte: Plano de Bairro 2 de Julho (2015).

Ainda assim, em 2015 foram realizadas nove oficinas no bairro, no escopo de uma atividade proposta para o conjunto dos movimentos da Articulação do Centro Antigo211 para elaboração de cartografias sociais. O PB2J propôs a realização de oficinas para a construção de propostas para alguns dos vazios urbanos, o que resultou na proposta de um espaço público para uso comum do bairro em um dos vazios, que foi apelidado de Vazio da Mangueira – em razão de uma grande mangueira localizada no terreno. Esse vazio era conformado por diversos imóveis situados na Rua Areal de Baixo e na Travessa Aquino Gaspar, adquiridos para a implantação do hotel da rede TXAI (Figura 35). O objetivo era elaborar propostas para pelo menos 3 vazios do bairro e com isso despertar o interesse de mais moradores sobre essas áreas e contribuir para a disputa dessas áreas para uso comum do bairro.

211 Essa atividade foi inicialmente proposta pelo Instituto de Desenvolvimento de Ações Sociais (IDEAS), que naquele momento prestava assessoria à Articulação do CAS.

215

Figura 35 – Oficinas de propostas para os vazios urbanos

Fonte: Plano de Bairro 2 de Julho (2015).

O resultado da proposta foi representado em uma maquete 3D e contou com a participação de moradores em todas as etapas (Figuras 36 a 38). O número de participantes oscilou muito durante as oficinas, comprometendo a representatividade da proposta, mas contribuiu para a ampliação do número de moradores e organizações interessadas no plano de bairro, como o Instituto Mídia Ética, que se consolidou como parceiro do PB2J, disponibilizando um espaço da sua sede, na Rua Areal de Baixo, para a realização das oficinas. Essa mesma proposta foi adotada pelo MNB2J quando do leilão desse terreno e de outro na Rua Visconde de Mauá, problematizando as possibilidades de uso comum da área, em contraposição à sua ocupação por um hotel de luxo (ver ANEXO J).

216

Figura 36 – imagem da maquete virtual do espaço público proposto para o Vazio da Mangueira

Fonte: Lugar Comum (2016).

Figura 37 – imagem da maquete virtual do espaço público proposto para o Vazio da Mangueira 217

Fonte: Lugar Comum (2016).

Figura 38 – Imagem da maquete virtual do espaço público proposto para o Vazio da Mangueira

218

Fonte: Lugar Comum (2016).

Em 2016, teve início uma nova etapa dos trabalhos, que foi a organização das propostas com a realização de quatro oficinas, em novembro e dezembro desse ano. Essas oficinas marcam o encerramento das atividades da equipe do plano no bairro, em função do afastamento dos bolsistas e colaboradores do projeto. Essas oficinas marcam também a volta do interesse dos moradores pelo plano.

4.2.2 A assessoria em situações de conflitos

Possivelmente, os momentos de maior interferência dos moradores e das organizações sociais do bairro nos trabalhos da Universidade foram durante a assessoria técnica e política desta última nos conflitos deflagrados no bairro, o que demandou muito empenho da equipe do plano, nos anos de 2015 e 2016. Os decretos de utilidade pública publicados em 2013 tiveram rebatimentos nos anos seguintes, exigindo da equipe do plano seu envolvimento na tentativa de contribuir para a mobilização e o compartilhamento de informações. Essa necessidade ficou evidente durante a realização de uma reunião com lideranças do bairro em 2015, quando os participantes, ao serem motivados a elencar prioridades para atuação da equipe, destacaram as ações de assessoria no caso dos decretos de desapropriação, por conta das ameaças de expulsão sofridas pelos moradores e com relação à permanência dos moradores no bairro, além da segurança pública. A assessoria referente aos decretos pode ser resumida na tentativa da equipe do plano em traduzir as informações dos decretos, que não apresentavam, por exemplo, mapas com a localização dos imóveis no bairro – dos decretos do Governo do Estado, um listava os endereços e apenas as coordenadas geográficas, e o decreto da Prefeitura também apresentava somente uma lista com as coordenadas geográficas das poligonais. Além do mapa, procurou-se explicar os riscos do cumprimento do decreto de desapropriação para proprietários, inquilinos e ocupantes e quais as formas de resistir a esse processo. Foram realizadas duas reuniões sobre o tema. Na primeira, os participantes, exaltados, tiveram dificuldades de compreender do que se tratava – para as reuniões, foram entregues convites aos moradores dos imóveis atingidos pelos decretos. Na segunda reunião, com nova 219 proposta de metodologia, os resultados foram mais satisfatórios e as participações dos moradores pôde ser ampliada. Embora a equipe tenha conseguido se comunicar com os moradores e alertar para a necessidade de se organizarem para resistir às expulsões, internamente, os efeitos dessas reuniões parecem não ter gerado boas repercussões. Não houve uma organização dos moradores atingidos pelos decretos e Marcelo Teles, liderança da Preguiça, conta da dificuldade de contornar os efeitos das reuniões, como de alguns moradores que ameaçavam vender seus imóveis, por conta dos riscos. Antes disso, a equipe também tinha participado de reuniões sobre a reforma dos Largos e da construção do Mercado que, como observado a subseção 4.1 deste capítulo, não logrou interferir no projeto, embora tenha conseguido garantir a permanência de alguns comerciantes do bairro. Também houve participação da equipe do PB2J na reivindicação pela permanência do Posto de Saúde da Família no bairro, ameaçado de ser realocado por conta da necessidade de reformas no edifício alugado que ocupava – nesse caso, as manifestações pela permanência do Posto de Saúde lograram garantir a reforma do imóvel e sua permanência. Outra participação importante foi nos riscos de desabamento de imóveis na Preguiça. Foram realizadas visitas a edificações cujos moradores receberam notificações da Prefeitura para desocuparem suas casas, com a participação do professor Luiz Edmundo Campos, engenheiro da Faculdade Politécnica da UFBA, e a arquiteta Silvana Olivieri. Alguns dos imóveis ocupados não ofereciam risco imediato de desabamento, podendo ser realizadas pequenas reformas para reforçar sua segurança. O relato da visita foi usado depois pelos moradores em reuniões com a Prefeitura, que acabou por recuar na intimidação para a retirada de moradores. Também merecem ser registradas as contribuições nas decodificações dos projetos de lei do Programa Revitalizar e do PIDI. As ações de assessoramento dos moradores foram de grande importância para ganhar e manter a confiança dos moradores e, em especial, do MNB2J na equipe do plano de bairro, além de garantir a participação de seus membros em atividades de elaboração do plano de bairro. Elas contribuíram para estreitar vínculos da equipe com os moradores, muitos ainda envolvidos em causas comuns.

4.2.3 A construção de propostas e a retomada do plano como estratégia

220

Nas oficinas de propostas, realizadas em novembro e dezembro de 2016, foi possível observar um retorno da participação dos moradores nas oficinas, o que surpreendeu a equipe do plano, em razão do baixíssimo número de participantes nas últimas atividades realizadas em 2015. Os objetivos dessas oficinas eram: a) debater, priorizar e detalhar propostas para o Bairro 2 de Julho, a partir das propostas já realizadas pelos moradores, vinculadas às principais temáticas e demandas do bairro; b) Apresentar principais pontos das leituras do bairro, em painéis, a partir das potencialidades (coisas boas) e limites/obstáculos (problemas) verificados no bairro e c) debater o direito à cidade como chave de leitura para o detalhamento das propostas e para o plano, considerando a visão dos participantes sobre o bairro. Havia uma preocupação do grupo em não repetir estratégias passadas que não obtiveram bons resultados. Nesse sentido, a construção da metodologia212 de apresentação dos resultados da leitura técnico-comunitária e a construção de propostas tentavam estimular a memória dos moradores sobre fatos relevantes do bairro – a maioria levantada por eles próprios – para a construção de propostas amparadas nas suas necessidade e anseios. esses resultados foram apresentados em forma de painéis (Figuras 36 a 38) impressos fixados nas paredes, por onde grupos de participantes (que variavam de acordo com o número dos presentes) eram convidados por monitores (da equipe do plano) para passear por esses painéis, observar as informações e comentar sobre elas. A intenção era dar movimento e despertar o interesse pelas representações expostas – as apresentações com projeções de slides foram reduzidas o máximo possível. Cada painel possuía um tema, um destacando as potencialidades do bairro, onde a pergunta chave era “quais as coisas boas do bairro?”, e outros dois sobre os obstáculos, onde eram destacados os problemas levantados pela pesquisa do PB2J e pelos moradores.

212 A participação de Vanessa Pugliese, integrante da equipe do PB2J, na coordenação das oficinas de propostas, junto com Ingrid Pita, estudante de Arquitetura e Urbanismo da UFBA e monitora do PB2J pelo período das oficinas foi fundamental para a concepção, organização e realização das atividades, que contou com a colaboração de outras integrantes do plano de bairro, como Maya Manzi – já não vinculada à bolsa de pós-doutorado do PNPD – Alina Cecília e esta autora. A atividade também contava com a coordenação geral da professora Ana Fernandes. 221

Figura 39 – Painel com coisas boas do bairro 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016).

Figura 40 – Painel limites e obstáculos do bairro 2 de Julho – parte 1

Fonte: Lugar Comum (2016). 222

Figura 41 – Painel limites e obstáculos do bairro 2 de Julho – parte 2

Fonte: Lugar Comum (2016).

Após essa etapa, retomou-se a figura da Caixa dos Sonhos, que circulou pelo bairro acompanhada de uma placa com a reprodução de um sonho (anônimo) que foi depositado na “caixa dos sonhos”, que dizia que seu sonho para o 2 de julho é “uma cidade melhor para todos”. A partir daí era iniciada a discussão sobre o direito à cidade e o que ele significava para interlocutor e um diálogo era construído onde, quando necessário, as facilitadoras tensionavam a ampliação do conceito para algo além do acesso a serviços, mas como a luta e a conquista de direitos e as mudanças e transformações da cidade a partir também das práticas cotidiano e das relações sociais213.

213 A equipe do plano promoveu um alinhamento interno onde se discutou e elaborou um conceito para o direito à cidade, entendido como o direito à apropriação coletiva do espaço para a construção de uma cidade melhor, mais justa. 223

A partir dessa discussão sobre direito à cidade, era apresentado um painel em branco, onde deveriam ser elencadas e discutidas propostas para enfrentar os problemas e transformar o bairro naquilo que era desejado pelos presentes e que contribuiriam para o percurso de luta pelo direito à cidade. algumas das propostas eram localizadas num grande mapa de lona – em escala 1:500 – estendido sobre o chão. A construção das propostas deviam responder, sempre que possível, às questões “o quê?”, “para quê?”, “para quem?”, “onde?” e “como?”, numa tentativa de situar sua realização no espaço e no tempo, fazendo o exercício de refletir sobre os beneficiados e responsáveis pelas das ações propostas. Foi definida a realização de quatro oficinas, as três primeiras para levantar as propostas e uma quarta para consolidá-las, resgatando todas as propostas levantadas em todas oficinas realizadas entre 2014 e 2016 e pelos questionários aplicados no bairro. A primeira oficina aconteceu no Colégio Ypiranga, em reconhecimento à parceria do PB2J com a escola e também na tentativa de envolver jovens moradores e frequentadores do bairro na construção de propostas. A mobilização foi feita com auxílio da Diretora do Colégio Ypiranga, Rosa Amparo Matos, e o Professor Zulmiro Castro, por meio eletrônico, telefônico, presencial e via ofício. Foi apresentada à direção uma sugestão de perfil da turma, em média de 20 alunos/as, de preferência com maioria de moradores/as do bairro, mas não exclusivamente, já que o colégio demonstrou que o perfil escolhido levava em consideração também outras questões. Também foi indicado que professores poderiam participar. Houve algumas remarcações de data em virtude de feriados no período, greves e de outras atividades já agendadas do colégio. As propostas elaboradas por esse grupo giraram em torno de atividades culturais e de acesso à informática e à leitura, mas também levantaram a necessidade de uma creche para as crianças que “ficavam” pela rua e cujas mães precisavam trabalhar. Assim, a partir das suas próprias vivências no bairro, os/as alunos/as priorizaram os temas de educação, habitação, vazios urbanos, espaços públicos, espaços verdes, lazer, segurança, mobilidade e desigualdade social. Os vazios foram colocados como estratégias para viabilização de várias dessas propostas, especialmente a criação de novos equipamentos, como o Espaço Bibliodigit@l, idealizado pelos estudantes como um espaço educativo que uniria biblioteca e lan house pública de acesso e inclusão digital. 224

Figura 42 – Imagens da Oficina de Propostas no Colégio Ypiranga

Fonte: Lugar Comum (2016).

A segunda rodada de propostas aconteceu na Ladeira da Preguiça, no Centro Cultural que Ladeira é Essa?, e contou com expressiva participação de muitos moradores de imóveis atingidos pelos decretos de desapropriação. Embora a motivação primeira dos participantes tenha sido se informar sobre o curso do processo de desapropriação e compartilhar algumas das informações ocorridas nas suas vizinhanças imediatas, houve muita disponibilidade em participar nas dinâmicas e na construções de propostas. Muitos dos presentes residiam na Rua Fagundes Varela, e na Av. Contorno, lugares de certa dificuldade de acesso ao Largo 2 de Julho, pela declividade dos acessos. Eram pessoas que não conheciam o MNB2J, mas que tinham mais proximidade com a comunidade da Preguiça.

225

Figura 43 – Imagens da Oficina de Propostas na Preguiça

Fonte: Lugar Comum (2016).

Nessa oficina, um importante conflito foi deflagrado entre os participantes. A maioria dos presentes apresentou como principais questões a permanência dos moradores no bairro, a recuperação dos imóveis abandonados e em ruínas e a melhoria das condições de habitabilidade, como a reforma de imóveis antigos e sua reabilitação para moradia e equipamentos sociais como creche e posto de saúde. A fala de um integrante do MNB2J, um artista plástico (não morador) com ateliê no bairro, um dos idealizadores e organizadores do circuito cultural, sobre a necessidade de se pensar para além da necessidade e do básico e que as propostas para o bairro não poderiam se reduzir à promoção de moradia social e creche – o que foi inflamadamente contestado por alguns moradores. A fala e a postura do transmorador trouxe à superfície conflitos de classe constitutivos do MNB2J, por muitos dos integrantes um dos motivos da dificuldade do movimento em conseguir a adesão de mais moradores do bairro, em especial naquela localidade, de população predominantemente pobre e negra. O conflito foi contornado pela equipe do PB2J, que propôs acolher também a sua proposta de 226 criação de um circuito das artes o bairro, que trabalharia a visibilidade e a abertura à visitação dos ateliês de artistas sediados no bairro, mantendo como prioridade a promoção da moradia social e seus equipamentos de suporte à reprodução da vida – demanda da maioria dos presentes. Aliás, essa foi a tônica das oficinas de propostas – exceto a do Colégio Ypiranga, pela homogeneidade de perfil dos participantes, todos estudantes do ensino médio – permeadas por conflitos, promovidos pela diversidade dos participantes, e exercícios de conciliação por parte da equipe do plano. Também foi pontuada preocupação os jovens e crianças do bairro, o acesso à educação e a espaços de lazer, além de dificuldades com a circulação, com ruas esburacadas, lixo e descaso com a situação e fragilidade das encostas. A cultura local foi destacada que, segundo os presentes, se manifestava pela solidariedade e união dos moradores – no caso da Preguiça e da Rua Fagundes Varela – pela invenção de espaços de lazer, manifestos, principalmente na ocupação de ruas e no uso da praia. para os presentes, ter direito à cidade ter direito a um bairro e cidade verde e limpa, em que se possa ir e vir tranquilamente, é ter beleza e segurança, é acreditar na potência do passado e dos seus próprios moradores/as; é principalmente ter direito a ser respeitado e é união e construção coletivas. Entre as propostas levantadas, além da promoção de moradia, creches e ampliação do posto de saúde, surgiram a necessidade de arborização e paisagismo do bairro, melhoria da coleta de lixo e implantação de novos coletores nas ruas e na praia, criação de uma linha alternativa de transporte que circule pelas ruas locais do bairro, implantaçãod e casas de apoio à população em situação de rua e usuários de drogas, centros de geração de trabalho e renda criação de novas hortas comunitárias e melhorias de espaços públicos. Os vazios urbanos do bairro foram apontados como possibilidade de implantar as propostas, em especial as relacionadas a espaços verdes, sociais, culturais, educacionais e de lazer. As questões referentes às desapropriações e direito à moradia no bairro também foram indicadas como temas importantes para dar continuidade às mobilizações e articulações. A terceira oficina aconteceu no CEAO e contou com um bom número de moradores, muitos deles do MNB2J, mas também representantes de outras organizações do bairro e moradores que participaram de outros momentos do plano. Algumas das organizações que participaram das oficinas de propostas para os 227 vazios também estiveram presentes – nessa e na quarta oficina – como o Instituto Mídia Étnica, o coletivo artístico Vila Vox etc. Nas discussões sobre a construção um bairro e uma cidade melhor, foram levantadas questões como a valorização da cultura, da educação, dos valores históricos e identitários do bairro, bem como da ação coletiva e dos processos de lutas e resistências pelo direito à cidade. Além disso, foram feitas propostas específicas de construção de habitações sociais nos vazios urbanos, em resposta ao processo de esvaziamento da população, além da permanência das famílias atingidas pelos decretos de desapropriação. Mais uma vez surgiu a necessidade de valorização dos artistas e da cultura local e do patrimônio edificado do bairro, dos quais foram destacados espaços culturais, como o Fantoches, o Centro Cultural da CAIXA e a restauração das fontes de água desativadas.

Figura 44 – Imagens da Oficina de Propostas no CEAO/UFBA

Fonte: Lugar Comum (2016).

Também foi apontada a necessidade de melhoria da mobilidade e acessibilidade dentro do bairro, facilitando a ligação entre partes alta e baixa do 228 bairro; de atividades para promover a ocupação dos espaços públicos e equipamentos pelas pessoas idosas; creches públicas; a criação de espaços de apoio para ambulantes - como banheiros e depósitos para a guarda de material; ações de paisagismo, arborização e conscientização ambiental; a criação de uma horta recreativa; ações de segurança colaborativa; melhoria da coleta seletiva de lixo e pontos de coleta nas feiras; contenção e manutenção das encostas do bairro. Na quarta e última oficina – até o momento - o objetivo foi apresentar todas as propostas levantadas até então e complementá-las, rediscuti-las e pactuá-las. Para isso, os participantes foram divididos em grupos para discutir propostas por temas e complementá-las, alterá-las e tentar responder às perguntas “quem?”, “como?” e “quando?” que tinham ficado em aberto nas atividades anteriores. A construção de propostas foi organizada pelos temas que mais haviam aparecido nas oficinas e reuniões anteriores, além dos temas mais frequentes nos questionários e na caixa dos sonhos, quais sejam: educação e saúde; desigualdade e exclusão social; geração de emprego e renda; mobilidade e transporte; infraestrutura, saneamento e meio ambiente; habitação; segurança pública; cultura e arte; lazer e esportes; espaços públicos e verdes; e preservação do patrimônio.

Figura 45 – Convite para Oficina de Apresentação das Propostas para o 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016). 229

Antes de irem aos grupos, foram apresentadas as diretrizes e prioridades construídas ao longo das atividades do plano, como forma de trazer à lembrança os principais temas e questões do bairro (Figura 45). Também foi apresentado um painel com o conjunto dos temas dos grupos (Figura 46), numa tentativa de dar uma visão geral dos temas e das a serem discutidos e sua interrelação. Foi apresentada uma representação com o conceito de direito à cidade (Figura 47), construído nas três oficinas anteriores, que envolve transformação, ações do cotidiano e apropriação da cidade pelos moradores, sendo apresentada uma sistematização visual dos debates que ocorreram durante as três oficinas de novembro (Figura 48).

Figura 46 – Painel sobre direito à cidade no bairro 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016).

230

Figura 46 – Painel com Prioridades e Diretrizes para a melhoria do 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016).

Figura 43 – Painel de demandas e propostas do bairro 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016). 231

Ao final, os grupos se reuniram e apresentaram suas propostas por temas, tanto as “antigas” como as novas e houve um debate entre os presentes sobre as propostas, sobre como melhorá-las e pactuou-se sobre as propostas finais do plano. Após esse momento, foram apresentados a maquete virtual das oficinas dos vazios urbanos e foram discutidas estratégias futuras para o planos de bairro e decidiram, após a questão ser levantada pela equipe do plano de bairro, que não seria interessante tentar formalização o plano de bairro dentro do sistema de planejamento municipal, por conta da sua falta de confiança na prefeitura. O retorno dos moradores e do MBN2J às oficinas significou, de certa forma, um reconhecimento de todo o trabalho realizado pela equipe do Plano e do Lugar Comum. Era o momento de organizar as propostas para o bairro, tema de interesse dos moradores e de alguns frequentadores e parceiros do MNB2J que compareceram nesses momentos. Algo interessante nessa etapa, em especial na última oficina, foi a proposta, vinda de membros do MNB2J, de realizar um evento no coreto para apresentar o plano, no qual o Lugar Comum colaboraria, mas não sendo mais o responsável pela organização do evento – embora o evento tenha ficado condicionado à conclusão do relatório final do plano. Além de propostas a serem reivindicadas junto aos poderes públicos, também surgiram propostas a serem implementadas pelos próprios moradores e frequentadores: a criação de um circuito cultural com os artistas que trabalham no bairro, como forma de dar visibilidade às suas produções artísticas; ações de jardinagem para florir o bairro; a criação de um sistema de segurança colaborativa, como o vizinho amigo, como forma de prevenção à violência contra a mulher; a reabertura do clube Fantoches; a preservação da Vila Coração de Maria; a criação de hortas comunitárias; atividades externas com os idosos do bairro; e projetos de conscientização ambiental. O plano de bairro parece ressurgir como estratégia nesse momento, e depois, em situações futura de conflito do MNB2J, foi requisitado e utilizado para reforçar as pautas do movimento, como foram os casos da Lei de Bairros de Salvador, da defesa da Vila Coração como ZEIS, da proposta de alternativas ao Vazio da Mangueira quando da tentativa de leilão pelos seus proprietários e na defesa pela permanência do Colégio Ypiranga no bairro. Nas entrevistas realizadas para essas pesquisas, todos reconheceram a importância do plano na defesa dos interesses do bairro, sempre destacando a sua 232 utilização no fortalecimento das lutas. Quando perguntados sobre as ausências e perdas de interesse no decorrer do processo, quando se observou significativa diminuição no número de participantes, a maioria relatou afastamento por problemas pessoais, todos muito específicos à história de cada um. Alguns também relataram que a baixa participação nas atividades do Plano também ocorreu nas atividades do MNB2J ou mesmo na Ladeira da Preguiça, apontando para um contexto mais geral, externo ao processo de elaboração do Plano. Alguns entrevistados apontaram para a dificuldade de compreensão de “termos técnicos”, em geral nas apresentações formais de conteúdos pela equipe do plano, como elemento dificultador da participação, mas não necessariamente como um motivo para o temporário afastamento das atividades. Uma das entrevistadas chamou atenção para o fato de a equipe ter depositado muita expectativa na participação do MNB2J, que ela mesma definiu como “grupo que não tinha nenhum tipo de estabilidade, nem de base social mais ampla”.214 Vale destacar que a equipe do plano de bairro realizou sistemáticas tentativas de mobilização de outras organizações do bairro, com convites às vezes insistentes e com a realização das reuniões com lideranças. Mas foi o MNB2J, apesar de algumas ausências, que acabou por se consolidar como o principal parceiro da elaboração do plano. Quando perguntados sobre o processo de formação ocorrido no decorrer das atividades do grupo, todos disseram ter aprendido muito com as atividades, sobretudo acerca de urbanismo e legislação. A insistência da equipe em levantar um grande volume de informações e estimular processos participativos, como aconteceu no caso da definição de limites e de construção de propostas para os vazios urbanos, levou à produção de informações que inicialmente pareciam mais importantes para a equipe do Plano do que para os moradores. Entretanto, muitas dessas informações acabaram sendo utilizadas como estratégias políticas pelo MNB2J. Com isso, mesmo concordando com as premissas do advocacy planning – teorizado por Davidoff (1965) – de tirar o foco do planejamento dos planejadores e colocá-lo nos processos, não é possível afirmar que a equipe de elaboração do Plano estivesse apenas a serviço dos moradores, uma vez que esses eram muitas vezes tensionados.

214 Entrevista concedida por Viviane Hermida para esta tese em 25 de setembro de 2018. 233

No entanto, essa mesma insistência em levantar informações e estimular processos nos moradores e participantes, como aconteceu no caso da definição de limites e de construção de propostas para os vazios urbanos, levou à produção de informações inicialmente mais importantes para a equipe do Plano do que para os moradores, mas que acabaram sendo utilizadas como estratégias políticas pelo MNB2J. Com isso, mesmo concordando com as premissas do advocacy planning – teorizado por Davidoff (1965) – de tirar o foco do planejamento dos planejadores e colocá-lo nos processos, não é possível afirmar que a equipe de elaboração do Plano estivesse apenas a serviço dos moradores, uma vez que esses eram muitas vezes tensionados. O processo de elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho se aproxima mais da concepção do planejamento insurgente, nos termos defendidos por Miraftab (2009), com uma construção de fato coletiva do seu planejamento. O processo de elaboração do plano de bairro contribuiu para a formação dos moradores envolvidos e para sua atuação política na busca pela transformação social e dos seus espaços de vida. Os espaços de discussão promovidos pelos moradores e pela equipe do PB2J significam a construção dos chamados espaços inventados de participação, em contraposição aos espaços convidados pelos poderes públicos (MIRAFTAB, 2009) – onde, inclusive, sua participação se impõe, ao ponto de conseguirem interromper uma das audiências públicas do plano diretor, embora essa participação imposta não logre interferir estruturalmente nos conteúdos das normas, programas e projetos impostos. 234

5 CONCLUSÃO

O planejamento urbano nunca foi capaz de solucionar os problemas aos quais se propôs e muitos são os motivos para isso. O principal deles talvez seja a ilusão da sua capacidade de solucionar problemas de ordem estrutural da nossa sociedade. Empatado com esse, está o contexto da sua expansão nas mãos de Estados neoliberais, cada vez mais subordinados aos interesses de empresas imobiliárias. A análise das experiências do planejamento urbano na escala local em Salvador, desde a década de 1970, mostra um esforço e uma crença na figura do planejamento como solução para os problemas urbanos. Experiências interessantes, como as desenvolvidas pela PRODESO e pela sua Coordenação de Ação Social. É importante notar que o processo de elaboração de planos de desenvolvimento urbano na escala do bairro não é um fato isolado em Salvador. Possibilitado por um contexto político local favorável tanto ao planejamento como a experimentações para sua elaboração participativa. No entanto, esse momento não teve uma duração necessária para a constituição do planejamento urbano como realidade e como possibilidade para o enfrentamento dos problemas que avançavam com velocidade nas periferias urbanas. O contexto de autoritário e paternalista do governo militar impôs – com a exoneração do então prefeito Jorge Hage - a interrupção uma importante oportunidade de avançar na construção de estratégias e ferramentas de planejamento únicas e particulares. Não é possível afirmar que a ampliação da duração desse momento da nossa história teria nos colocado em condições diferentes das atuais, ao menos em termos urbanísticos e sociais. Afinal, historicamente, a cidade acontece à revelia do planejamento urbano. Porém, esse acontecer da cidade tem ignorado as soluções em planejamento que lhe são oferecidas e que não inclui a grande maioria do seu território e da sua população. Especular sobre futuros irrealizados não nos parece um exercício pertinente, dada a urgência dos conflitos e demandas do real. As experiências que sucederam o planejamento dos bairros da PRODESO na década de 1970, além de pontuais – como os planos das Regiões Administrativas na década de 1980 – acabaram seguindo caminhos mais tecnocráticos e eram motivados por interesses mais eleitorais do que técnicos ou políticos. 235

Apenas em 2005 o plano de bairro ressurge – embora em concepção forma muito distintas daquelas da década de 1970 – como alternativa de um sistema de planejamento compromissado com a transformação das condições urbanísticas de cada lugar. Esse planejamento se propôs a enfrentar as desigualdades socioespaciais características das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) de Salvador, incluindo lugares nunca antes foram objeto de planejamento urbano, pois que esse sempre foi elaborado ignorando ou adiando os espaços auto construídos da cidade. (LIMA, 2017). Os resultados dessa experiência foram pouco numerosos, porém de suma importância não apenas como experiência, mas também como reflexão. A percepção dos limites e possibilidades desse planejamento, sempre vinculados ao contexto político-econômico é fundamental para o surgimento de novos modos, a serem explorados por uma pluralidade de agentes. As experiências atuais de planejamento de bairros, por exemplo, têm se mostrado mais diversas, a começar pela variedade de agentes envolvidos. Atualmente, não apenas os poderes públicos se colocam como promotores dos planos de bairro, mas também ONGs, moradores, universidades - especialmente esses dois agentes em parceria – e até agentes empresariais têm se interessado pela sua elaboração – exemplo disso é a FECOMÉRCIO de São Paulo, que elaborou uma cartilha para elaboração de planos de bairro. Como vimos, não se tratam de novos agentes na disputa pela produção do espaço urbano, mas sim na aposta no instrumento do plano de bairro como estratégia para suas ações. Investigar as experiências de planejamento na escala do bairro – ou do lugar – em Salvador contribuiu para o resgate de uma história ainda não contada e que nos ajuda a compreender nosso lugar na produção de conhecimento e de técnicas de planejamento urbano. Influenciadas por movimentos e pensamentos que se impunham no mundo, como o advocacy planning, community planning, planejamento participativo e planejamento radical ou insurgente, nossas práticas, no entanto, sempre assumiram contornos próprios. A análise das experiências realizadas em Salvador também levaram a resultados muito diferentes das experiências realizadas nos lugares de origem dos modos de planejamento acima citados, que em geral, resultavam em projetos e para áreas menores, como quadras ou algo mais próximo das unidades de vizinhança do que propriamente bairros – ou distritos, como são chamados nos Estados Unidos. 236

Uma resposta que não foi encontrada ao final do percurso pela história do planejamento em Salvador é o que tem motivado os diferentes agentes a pensarem e elaborarem planos de bairro como estratégias para intervenção e para ação política? Na década de 1970, até é possível observar uma aproximação conceitual com os modos de planejamento urbano nessa escala das cidades, mas, e nos anos 2000? É certo que o Estatuto da Cidade traz o plano local como instrumento voltado para o desenvolvimento urbano, mas esse não se estabeleceu como necessidade, nem legalmente – como é o caso dos Planos Diretores Participativos - nem na vinculação com a liberação de recursos para sua elaboração – como aconteceu com os Planos Locais de Habitação Social. Mais curioso ainda – e essa é uma resposta que não nos coube alcançar – é entender porque agentes como associações de moradores, ONGs e coletivos e movimentos sociais têm se interessado nesse instrumento como estratégia política para sua ações. No caso de Salvador, foi possível perceber uma forte influência da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia na escolha desse instrumento, ainda que esse não tenha sido o ponto de partida para a elaboração do Plano de Bairro 2 de Julho, que foi uma escolha dos próprios moradores. Por maiores que tenham sido as dificuldades de mobilização e a diversidade e oscilação da participação dos moradores durante o processo do 2 de Julho – assim como em Saramandaia – a densidade e a qualidade da participação se mostrou mais intenso do que nos processos de elaboração dos Planos Diretores, ainda que nesses casos seja importante observar a pouca disponibilidade dos poderes público para a realização de processos onde a participação possa ser mais do que uma obrigação e um cumprimento de regras. Ou seja, não se trata apenas de uma questão de escala do planejamento, mas do seu real propósito e dos seus interesses. Exemplo disso foram as oficinas para elaboração do Plano Diretor realizadas nas prefeituras-bairro e as edições do projeto – agora programa – Ouvindo Nosso Bairro, onde uma quantidade considerável de pessoas compareceu aos eventos, manifestaram suas intenções em participar, mas não havia disponibilidade em incorporar as propostas colocadas. Ir aos bairros e simplesmente ouvir o que os moradores sem se dispor a compartilhar as informações públicas que a gestão municipal já possui sobre cada local não contribui para a prática participativa, que implica no ato de “tomar parte em discussões e decisões, desde o momento em que o problema se apresenta até 237 aquele de pôr em prática as soluções encontradas, resultantes das discussões. Participar é uma atitude voluntária, contínua e de longa duração” (NUNES, 2002, p.11). Seguimos a tendência a acreditar que iniciativas de planejamentos como os do bairro 2 de Julho se constituem pela necessidade de resistência a processos que ameaçam a permanência dos seus moradores, mas também pelo desejo de participar da produção do seu próprio espaço. Disputar a produção do seu bairro significa também reconfigurar seu papel na sociedade e se recolocar como parte dos processos de transformação que reivindicam.

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ZUKERMAN LEILÕES. Terrenos à venda, Salvador, BA. Salvador, 2018. Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2019. 257

APÊNDICE A – Quadro de Prefeitos de Salvador de fevereiro de 1967 a fevereiro de 2018 Início da Fim da Prefeito Partido Observações gestão gestão

Indicado pela Câmara Antônio Estadual e Aliança Renovadora fevereiro de abril de Carlos aprovado pelo Nacional - ARENA 1967 1970 Magalhães Governo Lomanto Junior

Prefeito eleito pela Assembléia Clériston Aliança Renovadora abril de março de Legislativa por Andrade Nacional - ARENA 1970 1975 indicação do governador Antônio Carlos Magalhães

Prefeito eleito Aliança Renovadora março de 29 de março Jorge Hage pela Assembléia Nacional - ARENA 1975 de 1977 Legislativa

Raimundo Aliança Renovadora 29 de março 1.º de abril Prefeito interino Urbano Nacional - ARENA de 1977 de 1977

15 de Prefeito eleito Fernando Aliança Renovadora 1.º de abril agosto de pela Assembléia Magalhães Nacional - ARENA de 1977 1978 Legislativa

15 de 18 de David Mendes Aliança Renovadora agosto de agosto de Prefeito interino Pereira Nacional - ARENA 1978 1978

18 de Prefeito eleito Aliança Renovadora março de Edvaldo Brito agosto de pela Assembléia Nacional - ARENA 1979 1978 Legislativa

Prefeito eleito Aliança Renovadora março de novembro Mário Kertész pela Assembléia Nacional - ARENA 1979 de 1981 Legislativa

Prefeito eleito Renan Partido Democrático novembro fevereiro de pela Assembléia Baleeiro Social - PDS de 1981 1983 Legislativa

31 de Prefeito eleito Manoel Partido Democrático fevereiro de dezembro pela Assembléia Castro Social - PDS 1983 de 1985 Legislativa

Mário Kertész Partido do Movimento 1.º de 31 de Prefeito eleito por 258

Início da Fim da Prefeito Partido Observações gestão gestão Democrático Brasileiro janeiro de dezembro voto direto - PMDB 1986 de 1988

Partido do Movimento 1.º de 31 de Fernando Prefeito eleito por Democrático Brasileiro janeiro de dezembro José Rocha voto direto - PMDB 1989 de 1992

Partido da Social 1.º de 31 de Lídice da Prefeita eleita por Democracia Brasileira janeiro de dezembro Mata voto direto - PSDB 1993 de 1996

1.º de 31 de Prefeito eleito por janeiro de dezembro voto direto 1997 de 2000 Antônio Partido da Frente Imbassahy Liberal - PFL 1.º de 31 de Prefeito reeleito por janeiro de dezembro voto direto 2001 de 2004

1.º de 31 de Partido Democrático Prefeito eleito por janeiro de dezembro Trabalhista - PDT voto direto João 2005 de 2008 Henrique Carneiro Partido do Movimento 1.º de 31 de Prefeito reeleito por Democrático Brasileiro janeiro de dezembro voto direto - PMDB 2009 de 2012

1.º de 31 de Prefeito eleito por janeiro de dezembro Antônio voto direto Carlos 2013 de 2016 Magalhães Democratas - DEM Neto – ACM 1.º de Prefeito reeleito por Neto janeiro de Atual voto direto 2017

Fonte: Elaborada pela autora desta tese com base em Wikipédia (2018). 259

APÊNDICE B – Quadro com relação de pessoas entrevistadas para a tese

Organização à Data de Tipo de Nome qual está realização Observações vínculo vinculada da entrevista

Movimento Nosso Cacilda Póvoas Bairro é 2 de Julho

Movimento Nosso Viviane Bairro é 2 de Hermida Julho

Movimento Nosso Marcelo Teles Bairro é 2 de Julho

Bar e Centro Seo Santos Cultural Mimosa

Movimento Nosso Vilma Mota Bairro é 2 de Julho

Movimento Nosso Guace Almeida Bairro é 2 de Julho

Fundação Mário Tânia Scofield Leal Ferreira

Faculdade de Arquitetura da Ângela Gordilho Universidade Federal da Bahia

Fonte: Elaborado pela autora desta tese com base em dados da pesquisa. 260

APÊNDICE C – Planos de bairro elaborados em Salvador Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 1 Nordeste de 1974 Universidade Fundação Equacionar as variáveis do Constatação da situação existente; Amaralina: Federal da Bahia: Rockfeller e planejamento físico com a intenção Hipóteses de atuação – análise dos estudo dos Professores Laert Universidad de conhecer e compreender a dados obtidos na etapa anterior e problemas Pedreira Neves e e Federal da situação dessas variáveis na área identificação dos aspectos carentes João Cipriano Bahia em estudo e contribuir para o de intervenção ou possíveis a ser Brasileiro e desenvolvimento da comunidade, estimulados; Proposições – respostas Fundação através de proposições de aos problemas, formas de atuação, Rockfeller. organização do uso do solo, do intervenções a serem construídas, dimensionamento e localização de medidas a serem executadas nas equipamentos comunitários, áreas de Governo (Federal, Estadual comportando esse estudo uma e Municipal) e a participação da visão sistemática do bairro e seu comunidade de forma a desencadear relacionamento coma cidade do o processo de desenvolvimento da Salvador. Também poderão ser área em estudo. desenvolvidos projetos de edifícios e/ou espaços de caráter comunitário e prioritários visando a melhorias dos padrões vigentes no meio ambiente. 261

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 2 Plano de ação 1976 PRODESO. Prefeitura impulsionar o processo de (a) articulação com os setores da Equipe Técnica: Municipal de desenvolvimento da ação executivos da Prefeitura e análise de subcoordenação Ailton Aziz Lima, Salvador comunitária, proposta pelo algumas obras provenientes das comunitária para Arlinda Rejane PRODESO dentro do quadro geral solicitações encaminhadas pela 1976 Pereira Maranhão, de: Melhoria na qualidade de vida população; “(b) mobilizar uma parcela Cecy A. T. Sato, na cidade do Salvador;Dinamização representativa do bairro que defina e Nádia H. F. do atendimento de alguns serviços impulsione um programa específico Pugliesi e Suraia básicos municipais à comunidade de ação que favoreça o Zacharias. urbana; Montagem, implementação associativismo tal como: clube de e institucionalização de um novo pais, clube de leitura, comissões de: sistema de planejamento. educação, saúde, limpeza pública, urbanismo, abastecimento, etc.; (c) definição em um projeto específico as formas de intervenção na dinâmica das Sociedades de bairros em estado de desagregação; (d) extensão da ação do programa a mais quatro bairros selecionados pelos índices de carência ou outras formas. (p.11). 3 Diagnose dos 1976 Equipe técnica da Prefeitura Garantir a PRODESO mais Não foi mencionada no relatório. Trabalhos sub-coordenação Municipal de participação nas tomadas de Comunitários. comunitária Salvador decisões que se referem as ações (PRODESO): materiais concretas nas Ailton Aziz Lima, comunidades que fazem parte das Arlinda Rejane ações do Programa. (resumo Pereira Maranhão, nosso). Cecy A. T. Sato, Nádia H. F. Pugliesi e Suraia Zacharias. A equipe foi coordenada por Susana Acosta 262

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? Olmos

4 Projeto de 1976 CASA FORTE S/A CASA Testar o sistema de atendimento ao A meta estabelecida foi o implantação da FORTE S/A pré-escolar quando da implantação atendimento de uma população de creche-escola. de 150 crianças de 2 a 6 anos em uma creche-escola num bairro horário que seria estabelecido pela popular, atuando como um centro administração da unidade. A de polarizador admissão dessas crianças da creche- de interesse e irradiador de ação escola se efetuaria através de social. critérios de seleção (carência). 5 Plano de Ajuda 1976 Equipe da Prefeitura Estabelecer um relacionamento Organização do PAM II e Atribuições Mútua (PAM II). Coordenação Municipal de entre a população e o Município de a diversos atores. Comunitária- Salvador forma a se PRODESO/ organizar um planejamento objetivo Coordenação que atenda as reais necessidades de Urbanização da Popular. comunidade; Utilizar o Plano de Ajuda Mútua, de modo que o mesmo venha a se constituir numa etapa de trabalho de desenvolvimento comunitário da 263

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? população.

6 Plano de Ajuda 1976 Coordenação Prefeitura Concluir as atividades do PAM II, já Levantamento dos processos da PAM Mútua (PAM II): comunitária - Municipal de iniciadas;Definir critérios para II e de sua situação atual; Reunião da Relatório de PRODESO Salvador continuidade do PAM II;Apoiar os equipe do PRODESO, envolvidos Atividades. trabalhos comunitários;Servir de com o PAM II, para a avaliação da indicador da participação do rotina adotada até então, e morador na decisão de implantação estabelecimento de propostas do projeto, no seu bairro. específicas e continuidade do PAM II; Criação de um mecanismo que permita acompanhar os investimentos municipais, para avaliação das condições básicas, iniciais, a existência do PAM II; Reestruturação do esquema da Coordenação do PAM II; Avaliação da articulação PRODESO X SURCAP; Estudar a possibilidade de ampliação de recursos para o PAM II. 264

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 7 Proposta para 1976 Coordenação Prefeitura Dar possibilidade as populações Prestação de serviços nos setores: Atendimento à Comunitária - Municipal de carenciadas e com problemas de educacional, profissional, saúde, Populações PRODESO Salvador subsistência a se integrar em habitacional, alimentar; Carenciadas. programas promocionais, Caracterização da clientela e capacitando-as para incorporarem- estabelecimento de parcerias com se ao mercado de trabalho da outros órgãos através de convênios. região. 8 Ante-projeto para 1976 Coordenação Prefeitura Dar possibilidade as populações Pesquisa socioeconômica; Atendimento às Comunitária - Municipal de carenciadas e com problemas de levantamento para caracterizar o Populações PRODESO Salvador subsistência a se integrar em índice mais frequente de problemas, Carenciadas. programas promocionais, apresentado pelas populações capacitando-as para incorporarem- carenciadas; implantação de um se ao mercado de trabalho da centro de região. atendimento e orientação com os principais serviços detectados; integração do centro a vários recursos da comunidade; funcionamento do centro através de convênios; rotina de atendimento às populações carenciadas. 265

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 9 Relatório 1976 PRODESO. Prefeitura Alocação de verba especial por Perfil da situação social e econômica, Analítico Sobre Equipe Técnica: Municipal de parte do Governo Federal visando a elaborado a partir da pesquisa Desabrigados. Ailton Aziz Lima, Salvador recuperação e construção dos diretaatravés das fichas de cadastro, Cecy A. T. Sato, imóveis danificados; Destinação de utilizando como informante chave o Rosemery recursos especiais, visando a próprio desabrigado, e uma análise Cerqueira Val e estruturação de um sistema de mais profunda das causas e Suraia Zacharias. fiança para atender as famílias consequências do problemas. desabrigadas; Dotação de verba Estabeleceu-se, para isso, especial para obras de caráter considerações gerais a respeito do preventivo; Liberação de verba uso do solo, sistema de drenagem, objetivando a remuneração da mão topografia da cidade, ,etc.”. de obra disponível entre as próprias famílias desabrigadas, em função das obras de recuperação e construção dos imóveis (plano a ser detalhado posteriormente). 10 Projeto de 1976 PRODESO Prefeitura Solucionar em definitivo o problema Contato com os desabrigados da P. transferência dos Municipal de de desabrigo das 44 famílias que se Calmon (opções demoradia), desabrigados Salvador encontram alojadas na Escola computação de dados referente a remanescentes. Prazeres Calmon e outros locais e prioridades, contato com o cadastradas pela Prefeitura. patrimônio, definição do local dos lotes e nomes das pessoas, contato com a unidade de projetos, com a SURCAP, reunião com os desabrigados (esclarecimentos sobre distribuições dos lotes, entrega de material, providências para mudanças dentro do prazo de 60 dias, entrega do lote e primeira remessa de material), controle da entrega do material através da Coordenação Comunitária. 266

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 11 IV Relatório da 1976 Programa de Prefeitura Detalhar e avaliar os trabalhos Reuniões/visitas nos bairros para sub-coordenação Desenvolvimento Municipal de desenvolvidos pelo PRODESO, no levantamento das características dos comunitária Social Salvador primeiro semestre do ano de 1976, bairros: equipamentos urbanos, (PRODESO). nos bairros: Bom Juá, Boca do Rio, serviços, carências elencadas pela Itacaranha, Mata Escura e Nordeste população, participação da de Amaralina comunidade. 12 Curso de 1977 Instituto Goethe - Instituto Aplicar e desenvolver uma A metodologia consistiu em quatro extensão sobre o curso foi Goethe metodologia de levantamento fases: (1) formulação do problema planejamento de ministrado pelo sistemático que possibilitasse uma geral do bairro dentro do bairro urbanista alemão, elaboração de programas e planos desenvolvimento; (2) levantamento professor Martin alternativos para a conservação e dos dados sobre o bairro e seus Furstenberg. recuperação de um bairro. grupos envolvidos; (3) formulação dos objetivos para o planejamento com respeito e participação dos grupos sociais e (4) elaboração de programa para realização dos objetivos. 13 Plano de 1977 OCEPLAN, Prefeitura Incentivar o sentido de vizinhanças Elaboração de um modelo teórico que Intervenções do PRODESO. Municipal de e dar melhores condições de previu um eixo principal, seguindo a Bairro de Cosme Equipe Técnica: Salvador infraestrutura, acesso e lazer aos linha de cumeada, e acessos de Farias. Unidade de moradores. secundários, desenvolvendo-se deste projeto - Estudo para as encostas; Levantamento e Físico: Susana classificação de ruas nas áreas Acosta Olmos – identificadas como carentes de Coordenadora; serviços. Angela Maria Gordilho Souza – Arquiteta; Edgard Porto Ramos – Arquiteto; Livia Rihan Kalid - Engenheira Civil; Marcos Moreira 267

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? Solter – Arquiteto; Hildete Alcantara de Freitas Barros Desenhista e Joselito Lima Brito - Desenhista

14 Programa de 1977 Programa de Prefeitura Os objetivos se pautaram na Critérios/levantamentos de dados Urbanização Desenvolvimento Municipal de solução dos problemas existentes para identificação do bairro Popular: Bairro Social Salvador na estrutura viária do bairro. Bom Juá. (PRODESO) 15 Plano de 1978 Equipe técnica: Convênio Elaborar proposições e estratégicas Levantamento de dados através de intervenção para Angela Maria SUDENE- de ocupação do solo, integrando ao fontes secundárias e breve pesquisa o bairro de Gordilho Souza, UFBa/ desenvolvimento da cidade e vivencial; análise dos dados colhidos Pernambués. Elda Alcantara Programa compatibilizado aos interesses de e diagnóstico; formulação de Angelim,Gardenia Nacional de comunidade social, tendo como alternativas; proposições e Oliveira David de Capacitação horizonte o ano de 1983. recomendações. Azevedo, Lívia de Recursos Rihan Kalid, Lucia Humanos. Fernandes Lobato, Nise Maria Serrano Cartaxo e Vera Lucia Coelho Aziz Lima. 268

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 16 Projeto Básico. 1979 Prefeitura Prefeitura 1. Coordenar, acompanhar e Estabelecimento de critérios para Plano de Ação Municipal de Municipal de avaliar as intervenções da identificação das áreas, junto aos bairros Salvador. Equipe Salvador Prefeitura voltadas para Bairros de considerando aspectos como: renda, populares. técnica: Ailton baixa renda, assegurando a tipologia das construções, densidade, Aziz Lima; Angela unidade das ações; 2. Elaborar dimensão do lote, infraestrutura, Maria Gordilho; propostas globais de intervenção circulação e situação fundiária; Edgard Porto para as áreas de atuação, caracterização das áreas Ramos; Juvenilda compatibilizando-as com atividades escolhidas: considerados dados Soares de inerentes à cidade; 3. Criar existentes nos trabalhos da PMS Carvalho; Livia condições que favoreçam a (OCEPLAN – PLANDURB), dos Rihan Kalid e participação da população no órgãos estaduais (Conder-Seplantec Suraia Zacharias. processo de planejamento; 4. Dar etc.) e a nível federal (IBGE). e assessoramento técnico às critérios para intervenção: estudos comunidades. das áreas de interesse do Programa, elaboração de planos de ação e ação comunitária. 17 Plano 1986 Secretária Prefeitura Preservação do bairro de Itapuã pesquisa direta através de visitas à Urbanístico para Municipal de Municipal de como núcleoresidencial, polo de área [estrutura física, atendimento por Itapuã. Vol.1 Planejamento Salvador atração turística e área de borda da equipamento, situação fundiária, (SEPLAN); cidade sem, contudo, desestimular custo do solo e organização Departamento de seu desenvolvimento comunitária no local], aplicação de Urbanismo, socioeconômico. fichas de sondagem a alguns Operações e moradores e pesquisa indireta Projetos (DUOP). através dos órgãos setoriais que Técnicos: Ana respondem por serviços específicos. Lúcia D‟ Almeida Monteiro Sasaki, Cíntia Costa, Eliana Gesteira Mattos, Ivaneuza Maria Leite Lima, Léa Ester Sandes Sobral da Cruz e 269

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? Silvana Silva Navarro.

18 Plano 1986 Prefeitura Prefeitura Formular um conjunto de Reconhecimento preliminar da área; Urbanístico para Municipal de Municipal de procedimentos metodológicos para Elaboração da proposta operacional Itapuã. Vol.3 Salvador Salvador nortear as ações da participação da para participação comunitária; comunidade na discussão do Plano Convocação e mobilização; Urbanístico de Itapuã; Superar o Setorização dos estudos; Reuniões e déficit (a curto prazo); Ampliar a monitorações. rede do pré-escolar; Racionalizar o uso das escolas existentes; Articular a escola no espaço urbano diminuindo o uso do transporte coletivo; Indicar as localizações para instalação de novas escolas; Elaboração de um modelo de circulação que tem como propósito a estruturação do sistema viário básico local de modo à ordenar a circulação e o tráfego interno do bairro e áreas adjacentes, levando- se em consideração o sistema viário macro da cidade, e do entorno imediato ao bairro. 19 Plano 1986 Prefeitura Prefeitura Preservar o bairro de Itapuã como Levantamento de dados, aplicação de Urbanístico para Municipal de Municipal de núcleo residencial, área de borda e questionários, pesquisa indiretas Itapuã. Vol. 4 Salvador. Equipe Salvador polo de atração turística sem, (fontes secundárias), mapeamento e Técnica: Jamile contudo, desestimular o seu tabulação. Menezes Garrido. desenvolvimento socioeconômico; 270

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 20 Plano 1988 Coordenação FINEP - Objetivos para áreas urbanas Subdivisões espaciais/ áreas: área Urbanístico da geral: Ivan Jorge Financiadora contínuas, de expansão urbana e verde; núcleos urbanos; monumentos RA (regiões Alves Durão de Estudos rurais; para a criação das áreas de e faixa de marinha; administrativas) Coordenação e Projetos proteção socioecológicas. Descrição dos componentes da XVI Subúrbio técnica: Edgard estrutura urbana: meio físico e Ferroviário. Vol.1 Porto Ramos sistemas urbanos: uso do solo, TOMO 1 e 2 Técnicos: Adalva situação fundiária, população, Pereira Tonhá, emprego e renda; Ana Ligia Levantamento de dados: CONDER, Karaoglan Martini, EMBASA, CRA, URBIS, LIMPURB, Antonio Pedro Secretária Estadual/ Municipal de Cedraz Nery, Educação, Secretaria de Saúde. Antonio Pereira Tonhá, Débora de Lima N. Sales, Elmo Lopes Felzemburg, Francisco Samuel Pithon Barreto, Fritz Zenhle Junior, Gerardo Angel Bressan Smith, Heloisa Oliveira de Araújo, Ilce Maria Marques de Carvalho, Kátia de Souza Mota, Maria das Graças T. Ferreira, Paulo Roberto Silva de Jesus, Presciliano Pires Leal, Ronald 271

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? Arantes lobato, Rosemilda Mendes Lima e Ulisses Brito Júnior. 272

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 21 Plano 1988 A equipe técnica FINEP - o corpo de diretrizes gerais para a Levantamento de dados: CONDER, Urbanístico da descrita no Financiadora RA –XVI, teve como o horizonte o EMBASA, CRA, URBIS, LIMPURB, R.A. XVI volume 1; Equipe de Estudos ano 2000, e estava estruturado em Secretária Estadual/ Municipal de Subúrbio de e Projetos quatro segmentos básicos: Educação, Secretaria de Ferroviário. Vol. acompanhamento distribuição da população, Saúde;Descrição dos componentes 2. da SEPLAN: nucleação de atividades, sistema da estrutura urbana: meio físico e Coordenação dos viário e transportes, áreas verdes e sistemas urbanos. planos espaços abertos. Além dos urbanísticos da objetivos para a expansão urbana. RAs: Jamile Menezes GarridoTécnicos: Anamelia de Fatima Dantas Batista, Edla Alcantara Angelim, Isabela Maria Batista de Souza, José Jorge Cardoso Moura, Maria Tereza Andion Torreao, Nise Maria Serrano Pereira Cartaxo, Omerville de Souza Ferreira. Plano de Ministério Mussurunga das Cidades - Programa Habitar Brasil 273

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 22 Plano 2008 Secretária Ministério O PAT Prosanear visa dar Participação direta da comunidade participativo de Municipal de das Cidades sustentabilidade técnica e em todas as fases de planejamento e bairro: Habitação – financeira aos Estados e Municípios de execução dos projetos, com vistas recuperação SEHAB. Equipe na elaboração de projetos à construção de uma proposta socioambiental Técnica: executivos de saneamento básico, participativa, mediante a identificação das Aparecida Netto mantendo-se os pressupostos das carências, das potencialidades e comunidades de Teixeira, Bruno estabelecidos pelo Programa da seleção das alternativas de Baixa Fria e Oliveira Santana, PRSANEAR. solução. Baixa de Santa Elaine Souza de Rita. Menezes, Juliana Nunes Gonçalves Prado, Mateus Wagner, Reneé Buzahr F. Barreto e Silvia Carrelra de Meneses Andrade. 274

Quem ref. Plano Ano Quem elabora? Objetivos Metodologia financia? 23 Plano de Bairro 2010 Coordenador: Luiz Programa Os objetivos de melhoria estão A metodologia consistiu em quatro Nova Antônio de Habitar assentados nas soluções referentes etapas, que de maneira geral Constituinte SouzaEquipe Brasil, BID, a qualidade de vida e meio utilizaram técnicas como: observação técnica: Antônio Ministério ambiente; a integração territorial do de campo participativa, entrevistas Dias Nascimento, das Cidades assentamento urbano de Nova estruturadas e semiestruturadas, Carlos Eduardo e Caixa Constituinte com a região do seu teatralização e caminhadas, Simões, Elena Econômica entorno; infra-estrutura urbana seminários, oficinas e levantamento Tarsi, Fabiana Federal técnica e social; desenvolvimento de dados socioeconômicos. Oliveira Pereira, econômico e inserção social da Francisco de população; contenção e redução do Assis da Costa, adensamento de população e a alta João Santos ocupação do solo; melhorias nas Mutim, Laíse condições de habitabilidade; Buranelli Soares, sistema viário; adequação do Luis Fenando ordenamento espacial da área; Vieira, Lícia Maria drenagem e contenção e proteção S. dos Santos, da ocupação: nascentes, cursos Luciano Santos d‟água, zona úmida, fundos de vale, Mutim, Mariana F. áreas de vegetação, áreas de alta Vaz de Freitas, declividade. Maria del Carmen M. L. Prata, Paula Adelaide Matos, Roberto Cortizo Justo e Taya Luana N. de Jesus. Fonte: Elaborado pela autora desta tese.

275

APÊNDICE D – Resultados do survey sobre planos de bairro elaborados no Brasil até 2018

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Equacionar as variáveis do planejamento físico na área em estudo e contribuir para o desenvolvimento da comunidade, através de proposições de Nordeste de Laert Neves e organização do uso do Amaralina: Nordeste de João Cipriano Rockfeller Sem 1 Bahia Salvador 1974 solo, do estudo dos Amaralina Pedreira Foundation informação dimensionamento e problemas Brasileiro - UFBA localização de equipamentos comunitários, por meio de uma visão sistemática do bairro e seu relacionamento coma cidade do Salvador.

Plano de Incentivar o sentido de Intervenções Prefeitura vizinhança e dar Cosme de Sem Sem 2 do Bairro de Bahia Salvador 1977 Municipal de melhores condições de Farias informação informação Cosme de Salvador infraestrutura, acesso e Farias. lazer aos moradores. 276

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de

Levantamento de dados através de fontes Plano de secundárias e breve intervenção pesquisa vivencial; Sem Sem 3 para o bairro Bahia Salvador Pernambués 1978 UFBA análise dos dados informação informação de colhidos e diagnóstico; Pernambués formulação de alternativas; proposições e recomendações. 277

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Preservação do bairro de Itapuã como núcleo residencial;Formular um conjunto de procedimentos metodológicos para nortear as ações da participação da comunidade; Superar o déficit (a curto prazo) e Plano Prefeitura ampliar a rede do pré- Sem Sem 4 Urbanístico Bahia Salvador Itapuã 1986 Municipal de escolar; Racionalizar o informação informação para Itapuã. Salvador uso das escolas existentes; Articular a escola no espaço urbano diminuindo o uso do transporte coletivo; Indicar as localizações para instalação de novas escolas; Elaboração de um modelo de circulação interna do bairro e áreas adjacentes. Plano Diretor Associação Por ocasião da de Bairro São Santa Secretaria 5 Poá 1992 URBE: CMCF de implantação de projetos Jardim Santa Paulo Helena de Moradores de escolas estaduais, Helena Educação para definição adequada Plano Diretor do Estado Associação da sua localização e de Bairro São Francisco Jardim de São 6 1992 URBE* de melhorias das condições Jardim Paulo Morato Vassouras Paulo Moradores urbanísticas dos bairros Vassouras 278

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Santana Associação Plano Diretor São 7 de 120 1992 URBE* de de Bairro 120 Paulo Parnaíba Moradores Plano Diretor Associação de Bairro São Jardim 8 Osasco 1992 URBE* de Jardim Paulo Bonança Moradores Bonança Plano Diretor Associação de Bairro São São Jardim São 9 1992 URBE* de Jardim Dom Paulo Paulo José Moradores José Plano Diretor Associação de Bairro São São Jardim São 10 1993 URBE* de Jardim São Paulo Paulo Carlos Moradores Carlos

Ordenar, planejar e incentivar o crescimento urbano de Barão Geraldo Plano Diretor Associação para garantir melhora na São Barão Sem 11 de Bairro Campinas 1996 URBE* de qualidade de vida dos Paulo Geraldo informação Barão Geraldo Moradores moradores, tendo em vista o atendimento aos requisitos do equilíbrio ambiental. 279

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Plano Diretor Vila Olímpia de Bairro Pinheiros, São São Viva e Sem 12 Pinheiros/Via Via Funchal 1998 URBE* Sem informação Paulo Paulo Pinheiros informação Funchal/Olímpi e Olímpia Vivo a

A visão dos moradores Estudo do Rio Rio Santa Solismar Fraga Sem Sem do Bairro Santa Tereza 13 Bairro de Grande 1998 Grande Tereza Martins informação informação sobre o planejamento Santa Tereza do Sul urbano.

Solucionar o problema das inundações nas zonas baixas da bacia do Una através da instalação de um sistema de drenagem eficiente e MDSP, prover a todos os Associação Plano Diretor habitantes da Bacia do Belém do Bacia do dos Sem 14 de Bairro Bacia Pará 1999 URBE* Una uma infraestrutura Pará Una Moradores e informação do Una adequada em termos de Técnicos da vias de acesso, cobertura Prefeitura das redes de água potável, esgoto sanitário, drenagem pluvial e coleta de lixo, de modo a melhorar a qualidade de vida da população. 280

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de

Plano Diretor São São MDSP e Sem 15 de Bairro Alto Alto da Lapa 2002 URBE* ASSAMPALB Sem informação Paulo Paulo informação da Lapa* A

Pano Diretor São São MDSP e Sem 16 de Bairro de Moema 2002 URBE* Sem informação Paulo Paulo AMAM informação Moema*

Secretaria Plano de ação Municipal habitacional e São São 17 Brasilândia 2003 de urbano. Paulo Paulo Habitação Brasilândia. e Desenvolvi -mento Reversão do processo de Plano de ação Moradores e Urbano periferização; melhoria habitacional e São São Cidade LabHab - FAU 18 2003 Banco do das condições de vida urbano. Cidade Paulo Paulo Tiradentes USP Mundial Município urbana e de Tiradentes. de São habitabilidade. Paulo e Plano de ação Cities habitacional e São São Jardim Alliance – 19 2003 urbano. Jardim Paulo Paulo Ângela Cities Ângela. Without Slums 281

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de

Plano Diretor São São Alto da Boa MDSP e Sem 20 de Bairro. Alto 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo Vista SABABV informação da Boa Vista*

Plano Diretor de Bairro. São São Jardim MDSP e Sem 21 2004 URBE* Sem informação Jardim Paulo Paulo Lusitânia SABROVE informação Luzitânia*

Plano Diretor São São Granja MDSP e Sem 22 de Bairro. 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo Julieta Amogranji informação Granja Julieta * Plano Diretor de Bairro. São São Brooklin MDSP e Sem 23 2004 URBE* Sem informação Brooklin Velho Paulo Paulo Velho SABROVE informação *

MDSP, Plano Diretor Associação São São Sem 24 de Bairro. Butantã 2004 URBE* dos Sem informação Paulo Paulo informação Butantã * Moradores e ASSEC

MDSP e Plano Diretor São São Associação Sem 25 de Bairro. Itaim Itaim Bibi 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo dos informação Bibi * Moradores 282

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Plano Diretor MDSP e Jardim de Bairro. São São Associação Sem 26 Instituto 2004 URBE* Sem informação Jardim Instituto Paulo Paulo dos informação Previdência Previdência * Moradores

Plano Diretor MDSP e de Bairro. São São Jardim Novo Associação Sem 27 2004 URBE* Sem informação Jardim Novo Paulo Paulo Mundo dos informação Mundo * Moradores

Através do zoneamento tornar residencial as áreas preservadas do Plano bairro e incentivar o Diretor comércio nas vias MDSP e Plano Diretor Estratégico principais. Para além São São Jardim Associação 28 de Bairro. 2004 URBE* de São disso, criar condições de Paulo Paulo Saúde dos Jardim Saúde * Paulo LEI recuperação urbanística Moradores Nº de áreas que foram 13.430/02 degradadas ao longo do tempo em prol da qualidade de vida dos moradores. 283

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de

MDSP e Plano Diretor AMAPPH e de Bairro de Pacaembu, São São o Viva Sem 29 Pacaembu, Perdizes e 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo Pacaembu informação Perdizes e Higienópo-lis por São Higienópolis Paulo

MDSP e Associação Plano Diretor São São dos diversos Sem 30 de Bairro. Perus 2004 URBE* bairros que Sem informação Paulo Paulo informação Perus * compõem essa subprefeitura

Plano Diretor de Bairro. São São Planalto MDSP e Sem 31 2004 URBE* Sem informação Planalto Paulo Paulo Paulista SAPP informação Paulista * MDSP e Plano Diretor São São Associação Sem 32 de Bairro. Sete Praias 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo dos informação Sete Praias * Moradores

Plano Diretor PB e do São São Alto de Sem 33 de Bairro. Alto 2004 URBE* MDSP e Sem informação Paulo Paulo Pinheiros informação de Pinheiros * SAAP 284

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Plano Diretor de Bairro. São São Jardim das MDSP e Sem 34 2004 URBE* Sem informação Jardim das Paulo Paulo Bandeiras AAJB informação Bandeiras *

Plano Diretor Jardim de Bairro de América, Jardim Jardim América, São São Europa, MDSP e Sem 35 2004 URBE* Sem informação Jardim Europa, Paulo Paulo Jardim SAJEP informação Jardim Paulista Paulista e e Jardim Jardim Paulistano Paulistano

Plano Diretor de Bairro. São São Jardim MDSP e Sem 36 2004 URBE* Sem informação Jardim Paulo Paulo Petrópolis SAJAPE informação Petrópolis * FDE e Plano Diretor Associação de Bairro. São São Jardim São dos Sem 37 2004 URBE* Sem informação Jardim São Paulo Paulo Carlos Moradores informação Carlos * do Jardim São Carlos MDSP e Plano Diretor São São Mirandópole Sociedade Sem 38 de Bairro. 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo s Defenda informação Mirandópolis * Mirandópolis Plano Diretor São São MDSP e Sem 39 de Bairro. Moema 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo AMAM informação Moema * 285

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Plano Diretor de Bairro. São São MDSP e Sem 40 Morumbi 2004 URBE* Sem informação Morumbi – Vila Paulo Paulo SAMOVIS informação Suzana * Plano Diretor MDSP e de Bairro. Associação São São Sem 41 Morumbi – Morumbi 2004 URBE* dos Sem informação Paulo Paulo informação Jardim Leonor Moradores * do Leonor Pompéia, Lapa, Vila MDSP e Plano Diretor Romana, Vila Associação de Bairro São São Ipojuca, Vila Sem 42 2004 URBE* dos Sem informação Pompéia e Paulo Paulo Anglo, informação Moradores - Lapa Siciliano e parte do Alto MOVER da Lapa Plano Diretor São São Sem Sem 43 de Bairro. Sumaré 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo informação informação Sumaré * Plano Diretor São São Sem Sem 44 de Bairro. Vila Vila Mariana 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo informação informação Mariana * Plano Diretor de Bairro. Vila São São Vila Nova Sem Sem 45 2004 URBE* Sem informação Nova Paulo Paulo Conceição informação informação Conceição Plano Diretor São São Sem Sem 46 de Bairro. Vila Vila Paulista 2004 URBE* Sem informação Paulo Paulo informação informação Paulista 286

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de O equilíbrio entre o desenvolvimento das atividades e a melhoria da Projeto de Plano qualidade de vida nos Estruturação Diretor do bairros; a relação Tanque, adequada entre Urbana. Rio de Rio de Prefeitura do Rio Sem Município 47 Taquara e 2004 adensamento e as Tanque, Janeiro Janeiro de Janeiro informação do Rio de Pechincha possibilidades de Taquara e Janeiro Lei ocupação do sítio; a Pechincha nº 16/92 sistematização e a simplificação das regras que condicionam o uso e a ocupação do solo. Projeto de Definir parâmetros Estruturação urbanísticos para o Campo Urbana. Plano crescimento da área de Grande, Campo Diretor do forma que suasfuturas Cosmos, transformações preservem Grande, Rio de Rio de Prefeitura do Rio Sem Município 48 Inhoaíba, 2004 as características do Cosmos, Janeiro Janeiro de Janeiro informação do Rio de Santíssimo e modo de vida das Inhoaíba, Janeiro Lei Senador comunidades e contribua Santíssimo e nº 16/92 Vasconcelos para a qualidade de vida Senador dos moradores e do meio Vasconcelos. ambiente. 287

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Melhorar a qualidade de Projeto de vida Estruturação São Plano dos moradores da VII Urbana. São Cristóvão, Diretor do Região Administrativa, recuperar o Cristóvão, Rio de Rio de Benfica, Prefeitura do Rio Sem Município 49 2004 desenvolvimento físico- Benfica, Janeiro Janeiro Mangueira e de Janeiro informação do Rio de urbanístico da área e Mangueira e Vasco da Janeiro Lei revitalizar Vasco da Gama. nº 16/92 economicamente os Gama . quatro bairros que a compõem. Área de Implantação do estádio Especial municipal e do centro Parte dos Interesse olímpico de Bairros de Urbanístico. desenvolvimento de Todos os Parte dos Plano talentos com atuação nos Santos, Bairros de Diretor do campos esportivo, social, Méier, cultural e Todos os Rio de Rio de Prefeitura do Rio Sem Município 50 Cachambi, 2005 profissionalizante; Santos, Méier, Janeiro Janeiro de Janeiro informação do Rio de Engenho de fortalecimento e Cachambi, Janeiro Lei Dentro, desenvolvimento do Engenho de nº 16/92 Abolição, comércio e serviços da Dentro, Encantado e região; melhoria do Abolição, Pilares. sistema viário; definição Encantado e de parâmetros Pilares. urbanísticos. Prefeitura Dar base legal e diretrizes Associação Municipal para Plano Diretor de o Projeto de Recuperação Itapeciri- dos dos Bairros São Branca Flor Itapecerica Ambiental e 51 ca da 2005 URBE* Moradores + Branca Flor e Paulo e Campestre da Serra e Remanejamento de Serra Técnicos da Campestre*** Programa Ocupações Prefeitura Habitar Irregulares do Cerro Brasil BID Largo/ Jardim Branca Flor. 288

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Associação Plano Diretor Itapeciri- URBE - Cândido dos Poder de Distrito São Parque 52 ca da 2005 Malta Campos Moradores + público Sem informação Parque Paulo Paraíso Serra Filho Técnicos da municipal. Paraíso Prefeitura Sindicato Diversas na dos UNOEST - cidade, entre Trabalhador Contribuir para o es no Projeto Vida no Francisco São Campus de sindicados, processo de conquista de 53 Paraná 2006 Comércio Bairro Beltrão Francisco Francisco associações, melhores condições de de Beltrão Igreja, Francisco vida dos moradores Prefeitura Beltrão e UNOEST

Secretaria Regulamentação de Financiamen Municipal ZEIS criadas pelo to: Ministério de PDD/2008, implementar das Habitação ações de urbanização, Plano de Bairro 54 Bahia Salvador Mussurunga 2008 UNIFACS Cidades, em da regularização e de Mussurunga parceria com Prefeitura regulamentação das o Banco Municipal condições de Mundial. de moradia, em áreas de Salvador habitação precárias. 289

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Plano participativo de PAT bairro: Prosanear, Secretaria de recuperação do Ministério Habitação da socioambiental das 55 Bahia Salvador São Marcos 2008 Prefeitura das Cidades, em Municipal de comunidades parceria com Salvador Baixa Fria e o banco Baixa de Santa Mundial Rita.

Estabelecer parâmetros Todos os específicos para as Plano bairros de diferentes zonas de uso, Planos Diretor São Paulo de forma a atender as Regionais das Estratégico São São que Prefeitura de Sem peculiaridades e 56 Subprefeituras 2008 de São Paulo Paulo compunham São Paulo informação potencialidades do de São Paulo LEI suas território das Paulo**** Nº Regiões Subprefeituras, 13.885/04 Distritais observadas as diretrizes do PDE. 290

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de

Vereadores José Police Neto-PSD e Dar destinação aos Natalin-PV, recursos dos créditos de Plano de Bairro URBE - Cândido Subprefeitu carbono do aterro São São Subprefeitura 57 do Distrito de Perus 2009 Malta Campos de Perus, ra de Bandeirantes para Paulo Paulo Perus Filho Conselho Perus. melhoria das condições Municipaldo ambientais e daqualidade Meio de vida. Ambiente (CONFEMA)

Alcançar transformações urbanísticas estruturais, Plano melhorias sociais e Diretor do valorização ambiental de Projeto de parte das Regiões Rio de Rio de Prefeitura do Rio Sem Município 58 Estruturação Caju 2009 Administrativas I, II, III e Janeiro Janeiro de Janeiro informação do Rio de Urbana. Caju. VII, em consonância com Janeiro Lei os princípios e diretrizes nº 16/92 do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor do Rio de Janeiro. 291

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Orientar a ocupação urbana de parte da área Projeto de da Baixada de Estruturação Vargem Jacarepaguá, Urbana. Grande, condicionando-a à Plano Vargem Vargem proteção do meio Diretor do ambiente e às suas Grande, Pequena, Rio de Rio de Prefeitura do Rio Sem Município características 59 Vargem Camorim e 2009 Janeiro Janeiro de Janeiro informação do Rio de paisagísticas e de Pequena, parte do Janeiro Lei fragilidade ambiental; Camorim e Recreio dos nº 16/92 adequar os parâmetros parte do Bandeirante urbanísticos à realidade Recreio dos s. local; garantir meios de Bandeirantes. participação da população local para atendimento de suas propostas. Regulamentação de Financia- Secretaria ZEIS criadas pelo mento: de PDD/2008, implementar Ministério Habitação Plano de bairro ações de urbanização, Nova Universidade do das da 60 Nova Bahia Salvador 2010 regularização e Constituinte Estado da Bahia Cidades, Prefeitura Constituinte regulamentação das parceria com Municipal condições demoradia, o Banco de em áreas de habitação Mundial. Salvador precárias. 292

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de

Reforçar a centralidade da região incentivando o desenvolvimento das atividades Projeto de turísticas; proteger as Extensão do Plano Setorial Rio zonas de proteção UFRN e Departament 61 de Ponta Grande Natal Ponta Negra 2010 Moradores ambiental; criar moradores o de Negra do Norte condições de convivência Arquitetura do uso residencial com da UFRN. aqueles voltados para a recreação e o lazer; preparar a área para o uso de bicicleta.

Associação Fornecer material técnico de Instituto Instituto para que acomunidade Catadores, Plano de Bairro PANGEA - PANGEA - organizada possa 62 Bahia Salvador Canabrava 2011 AVINA, de Canabrava Programa Cata Programa reivindicar melhorias das OMIN, Coca Ação Cata Ação condições de vida junto Colla, ICCO, aos poderes públicos MDS** 293

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Ampliar o domínio e o manejo, por parte da sociedade civil organizada, de saberes e RAS - Rede instrumentos técnicos de Faculdade necessários à proposição Plano de bairro Faculdade de Saramandai Associações de e atuação sobre 63 para a ZEIS Bahia Salvador 2016 Arquitetura - a de Arquitetura a cidade, construir Saramandaia UFBA Saramandai - UFBA mecanismos concretos a de controle social por parte da comunidade sobre seu quadro de vida, na escala da vizinhança e da cidade Movimento Redesenhar o bairro para Sem de que esse funcione Moradores moradores Plano de Bairro São São infor melhor não só 64 Vila Mariana CHK da Chácara "A Vila Vila Mariana Paulo Paulo maçã individualmente, como Klabin Mariana o que coletivamente em relação queremos" à cidade Contraposição à ameaça NEPLAC/ET Moradores e de expulsão dos Plano da Vila Rio de Rio de Vila NEPLAC/ETTERN TERN/IPPU 65 2012 Moradores moradores da Vila por Autódromo Janeiro Janeiro Autódromo /IPPUR/UFRJ e R/UFRJ e ocasião das Olimpíadas NEPHU/UFF NEPHU/UFF de 2016 294

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Hospital Organizações Sírio- Distrito Bela sociais que atuam Libanês, Vista Abrace seu Plano de Bairro em rede no distrito Rede Transformar o bairro Bela São São (bairros Bairro, ACM, 66 Bela Vista 2012 da Bela Vista e Social Bela Vista num lugar ainda Paulo Paulo Morro dos Conselho de Casa Mestre 2020 Vista melhor para se viver Ingleses e Desenvolvimento Ananias, ) Local da Trilhas da FECOMERCIO Arte, entre outras Elaborar propostas para o desenvolvimento local, integrado ao Moradores e o desenvolvimento da Plano de Bairro São São Vila escritório DBB Sem cidade, combater a 67 para a Vila 2012 Moradores Paulo Paulo Madalena (Davis Brody informação verticalização e a Madalena Bond) valorização imobiliária, adensamento do trânsito e o rareamento das áreas verdes. Contraposição ao Movimento processo de verticalização, valorização Plano de Bairro “A São São Vila Instituto imobiliária, 68 para a Vila 2013 Moradores Pompeia Paulo Paulo Pompéia Seva congestionamentos e o Pompéia Que Se desaparecimento de áreas Quer” verdes e das vilas de sobrados do bairro 295

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Atendendo às sugestões levantadas nos fóruns Plano de Conselho Não se realizados pela desenvolvimen Conselho de de Fecomércio/SP, oferecer refere a um to do bairro: São São Desenvolvimento Desenvolvi às comunidades uma 69 bairro 2013 SENAC Uma Paulo Paulo Local da mento metodologia prática para específico, é metodologia FECOMERCIO Local da que elas possam elaborar um manual FECOMERC participativa. seu Plano de IO Desenvolvimento de Bairro

Entidades e Grupo Casa Plano de Bairro associações Pernam Casa Amarela Criar um bairro "saudável 70 de Casa Recife 2014 representativ Moradores buco Amarela Saudável e e sustentável" Amarela as sediadas Sustentável no bairro.

Plano de Distrito de Sem Acessibilidade- Santana Movimento Melhoria da qualidade São São infor Movimento Vereador 71 Plano de Bairro (composto Santana de vida e o Paulo Paulo maçã Santana Viva Police Neto Distrito de por 7 Viva desenvolvimento local. o Santana bairros)

Melhora na área da Distrito de Sem Moradores FECOMERC saúde, ambiental e da Plano de Bairro Mandaqui São São infor através do IO-SP e infraestrutura urbana em 72 do distrito (composto Moradores Paulo Paulo maçã Movimento Vereador busca de busca de Mandaqui por 6 o MandoAqui Police Neto melhorar as condições bairros) de vida nos bairros. 296

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de

Adequar a legislação de Prefeitura do Rio Plano uso e ocupação do solo às de Janeiro sob Diretor do novas diretrizes do Projeto de Sem coordenação da Plano Diretor de Município Estruturação Rio de Rio de Ilha do infor SMU - Sem Desenvolvimento Urbano 73 do Rio de Urbana Ilha do Janeiro Janeiro Governador maçã Coordenadoria informação Sustentável do Município Janeiro Lei Governador o Geral de do Rio de Janeiro, nº Planejamento preservando a ambiência 111/2011 Urbano paisagística através de uma ocupação controlada.

A proteção, preservação e Iniciativa de recuperação do patrimônio moradores cultural, histórico, artístico, para Viva Pacaembu paisagístico, de Regulament por São Paulo e Associação consagração popular, bem Plano de bairro São São ação do 74 Pacaembu 2016 Arquiteta e de como do meio ambiente Pacaembu Paulo Paulo Plano natural ou construído do Urbanista Regina Moradores diretor de Pacaembu, intervenção no Monteiro São Paulo sistema viário e melhora LEI Nº em diretrizes específicas 16.050/14 do bairro. Programa de Todos os Regulamentar os artigos Prefeitura de Residência Plano bairros de 344 a 346 da Lei que cria Planos São Paulo com em Diretor São Paulo o Plano Diretor Regionais das Coordenação da Planejament Estratégico São São que Estratégico e indicar 75 Subprefeituras 2016 Secretaria o e de São Paulo Paulo compunham propostas de de São Municipal de GestãoUrba Paulo LEI suas transformação no Paulo**** Desenvolvimento na - FAU Nº Regiões horizonte temporal do Urbano (SMDU) USP e 16.050/14 Distritais Plano SMDU 297

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Movimento Fortalecer a luta de Nosso resistência dos Bairro é 2 movimentos sociais do Faculdade de Movimento Plano de Bairro de Julho e bairro, construindo 76 Bahia Salvador 2 de Julho 2017 Arquitetura - Nosso Bairro 2 de Julho coletivo propostas de ações UFBA é 2 de Julho Vila necessárias à melhoria Coração das condições de vida de Maria dos moradores

Regularização do Plano de assentamento urbano Prefeitura de Regularização Minas Belo Sem para que assim as obras 77 Dandara 2018 Belo Horizonte, Moradores Urbanística de Gerais Horizonte informação de infraestrutura urbana URBEL. Dandara possam ocorrer no futuro.

Plano de Implementar a Desenvolvimen Horizontin metodologia da Global 78 Paraná Bela União 2018 Communities: Atividades to Comunitário a Participativas para a - Bela União Melhoria Comunitária Global Plano de Fundação (PACE); criar uma melhor Communities visão de futuro e gerenciar Desenvolvimen Horizontin John Deere Global 79 Paraná Paraíso 2018 Brasil - possíveis estratégias com to Comunitário a e Global Communitie Programa as instituições - Paraíso Communitie s Brasil Semeando o competentes que s Plano de Futuro permitem melhor Desenvolvimen Distrito de qualidade de vida para os to Comunitário Horizontin 80 Paraná Cascata do 2018 moradores, gerando - Distrito de a Buricá participação ativa no Cascata do processo de tomada de Buricá decisão pelos moradores 298

Por Nome do Plano/ Bairro / a Ref Estado Cidade Ano Elaborado por Parceria demanda Objetivo Proposta Distrito de Sem Plano de Bairro São São infor Sem Sem 81 Marsilac Sem informação Sem informação para Marsilac Paulo Paulo maçã informação informação o Sem Plano de Bairro São São Cantinho do infor Sem Sem 82 Cantinho do Sem informação Sem informação Paulo Paulo Céu maçã informação informação Céu o

Prefeitura Propor novas diretrizes do Rio de Prefeitura do Rio ambientais, hidrográficas, Plano de Vargem Em Janeiro - de Janeiro. de mobilidade e Estruturação Rio de Rio de Grande e anda Sem revisão da 83 Secretaria estruturação urbana para Urbana. Janeiro Janeiro Vargem men- informação Lei a região visando melhor Municipal de complemen Vargens. Pequena to qualidade de vida dos Urbanismo. tar nº 104 moradores e do ambiente. de 2009.

Mediação da Plano de Em Associação de Desenvolvimen São São Judas anda Moradores e do Sem Sem 84 to do Bairro Taubaté Sem informação Paulo Tadeu men- Programa Rede informação informação São Judas to Social do Senac Tadeu Taubaté

Fonte: Elaborado pela autora desta tese.

Notas: a Ano de conclusão do plano. * São Paulo para o Plano Diretor do Município PDE - Lei nº 13430/02 e para sua Lei Complementar nº13885/04 pelo Movimento Defenda São Paulo ** Candido Malta Campos Filho *** 1º Plano Diretor de Bairro aprovado por lei no Brasil em detalhamento do Plano Diretor 299

** Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome **** Os planos Regionais foram instituídos pela lei 13.885/04 e têm como uma de suas diretrizes acompanhar e/ou propor Projetos Estratégicos e Planos de Bairro, com a finalidade de detalhar as diretrizes propostas e definidas pelos respectivos Planos Regionais Estratégicos de cada subprefeitura

Ref. Fontes 1 NEVES; BRASILEIRO, 1974. 2 SALVADOR, 1977. 3 UFBA, 1978. 4 SALVADOR, 1986; 1986a; 1986b. 5 a página do urbanista Cândido Malta Campos Filho disponível em , acesso em 23/07/2016 e 10 entrevista realizada por Laila Mourad, por ocasião da pesquisa XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX 11 e página do urbanista Cândido Malta Campos Filho disponível em , acesso em 23/07/2016 12 13 MARTINS, Solismar. Boletim Gaúcho de Geografia. UFRGS, Rio Grande do Sul. 1998. 14 a página do urbanista Cândido Malta Campos Filho disponível em , acesso em 23/07/2016 16 17 a METODOLOGIA CONSOLIDADA PARA A ELABORAÇÃO DE PLANOS DE AÇÃO HABITACIONAIS E URBANOS para áreas em situação de 19 risco pela exclusão sócio-econômica e a violência. LabHab FAUUSP, São Paulo. 2003. 20 a página do urbanista Cândido Malta Campos Filho disponível em , acesso em 23/07/2016 46 47 disponível em: https://cm-rio-de-janeiro.jusbrasil.com.br/legislacao/286912/lei-complementar-70-04 acessado em: 28/01/2019 48 disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/138931/DLFE-3248.pdf/Lei_complementar_n72.pdf acessado em: 28/01/2019 disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4355707/4166418/06APACSAOCRISTOVAO30072004LEICOMPLEMENTAR73.pdf 49 acessado em: 28/01/2019 50 disponível em: https://cm-rio-de-janeiro.jusbrasil.com.br/legislacao/258704/lei-4125-05 acessado em: 28/01/2019 51 e página do urbanista Cândido Malta Campos Filho disponível em , acesso em 23/07/2016 52 53 disponível em: https://revistas.ufpr.br/guaju/article/viewFile/43412/26384 acessado em: 31/01/2019 54

300

Estudos técnicos de subsídio à revisão/elaboração de legislação urbanística para Zeis ocupadas e de vazios urbanos em salvador. Prefeitura 55 Municipal de Salvador. 2010.

disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/lei-ordinaria/2004/1388/13885/lei-ordinaria-n-13885-2004-estabelece-normas- 56 complementares-ao-plano-diretor-estrategico-institui-os-planos-regionais-estrategicos-das-subprefeituras-dispoe-sobre-o-parcelamento-disciplina- e-ordena-o-uso-e-ocupacao-do-solo-do-municipio-de-sao-paulo acessado em: 31/01/2019 57

disponível em: 58 http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/contlei.nsf/f25edae7e64db53b032564fe005262ef/b39b005f9fdbe3d8032577220075c7d5?OpenDocum ent acessado em: 31/01/2019

disponível em: 59 http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/contlei.nsf/a99e317a9cfec383032568620071f5d2/afddee576933dbfc032577220075c7d6?OpenDocu ment acessado em: 31/01/2019 60

61 Projeto de modernização da gestão administrativa e fiscal do município de Natal. Prefeitura de Natal. 2010. 62 disponível em: https://www.academia.edu/19875245/Prop_requalifica%C3%A7%C3%A3o_urbana_canabrava acessado em: 30/01/2019 63

64 disponível em: https://chk.com.br/a-vila-mariana-que-queremos/ acessado em: 30/01/2019 65

disponível em: 66 http://www.redesocialbelavista.com.br/Estrutura/Modulos/Arquivos_Detalhe.aspx?id=594&urlRetorno=Noticias_Detalhe.aspx?id=432 acessado em: 31/01/2019 67

disponível em: http://quapa.fau.usp.br/wordpress/wp-content/uploads/2016/08/PR%C3%81TICAS-URBANAS-INOVADORAS-INSURGENTES- 68 DEMOCR%C3%81TICAS.pdf acessado em: 31/01/2019 69

disponível em: https://jornalggn.com.br/documento/casa-amarela-vai-cobrar-da-prefeitura-do-recife-sobre-plano-de-bairro-proposto-em-2014 70 acessado em: 31/01/2019 71 disponível em: http://www.znnalinha.com.br/portal/index.php/arquivo-santana/349-comeca-o-plano-de-bairro-de-santana acessado em: 31/01/2019 72 disponível em: https://www.jornalspnorte.com.br/questoes-ambientais-sao-tema-de-reuniao-do-movimento-mandoaqui/ acessado em: 31/01/2019 73 disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4640280/4119232/AudienciaPublica120314.pdf acessado em: 28/01/2019 301

74 disponível em: http://www.vivapacaembu.com.br/detNot.asp?id=431&moda=054&contexto=05&area=&evento acessado em: 28/01/2019 75 disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/index.php?p=8978 acessado em: 01/02/2019 76

disponível em: https://www.hojeemdia.com.br/primeiro-plano/uma-das-ocupa%C3%A7%C3%B5es-mais-antigas-da-capital-dandara-ser%C3%A1- 77 urbanizada-pela-pbh-1.545504 acessado em: 31/01/2019 78 disponível em: https://www.globalcommunitiesbrasil.org/uploads/5/3/8/1/53814881/pdc_bela_uni%C3%83o.pdf acessado em: 31/01/2019 79 disponível em: https://www.globalcommunitiesbrasil.org/uploads/5/3/8/1/53814881/pdc_paraiso.pdf acessado em: 31/01/2019 80 disponível em: https://www.globalcommunitiesbrasil.org/uploads/5/3/8/1/53814881/pdc_cascata.pdf acessado em: 31/01/2019 81

82

83 disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/91237/4160618/PEU_VARGENS_AUDIENCIA.pdf acessado em: 31/01/2019 84

302

ANEXO A – Mapa das prefeituras-bairro no PDDU/2016

Fonte: Salvador (2016b). 303

ANEXO B – Poligonais de restrição à ocupação no Centro Antigo

Fonte: Leite e Levinsky (2014). 304

ANEXO C – Masterplan estratégico para o Centro Antigo de Salvador – áreas vocacionais

Fonte: Leite e Levinsky (2014). 305

ANEXO D – Masterplan estratégico para o Centro Antigo de Salvador – faseamento

Fonte: Leite e Levinsky (2014). 306

ANEXO E – Panfletos de divulgação dos eventos produzidos pelo MNB2J215

215 Imagens copiadas da página do perfil de Ivana Chastinet no Facebook (CHASTINET, 2014). 307

308

309

310

311

312

313

314

315

ANEXO F – Panfletos-convite informando sobre o Revitalizar e convidando para manifestação na Câmara de Vereadores216

216 Imagens copiadas da página do perfil da Articulação do Centro Antigo de Salvador no Facebook (ARTICULAÇÃO DO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR, 2018). 316

317

ANEXO G – Manifesto com propostas para um PDDU popular217

217 Imagens copiadas da página do perfil da Articulação do Centro Antigo de Salvador no Facebook (ARTICULAÇÃO DO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR, 2018). 318

ANEXO H – Carta proposta para um PDDU popular218

218 Imagens copiadas da página do perfil da Articulação do Centro Antigo de Salvador no Facebook (ARTICULAÇÃO DO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR, 2018). 319

320

321

322

323

324

325

326

ANEXO I – Panfleto distribuído pelo MNB2J em defesa da demarcação do 2 de Julho como na Lei de Bairros – verso219

219 Imagens copiadas da página do perfil da Articulação do Centro Antigo de Salvador no Facebook (ARTICULAÇÃO DO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR, 2018). 327

ANEXO J – Panfletos-convite sobre o Programa Revitalizar compartilhados em redes sociais220

220 Imagens copiadas da página do perfil da Articulação do Centro Antigo de Salvador no Facebook (ARTICULAÇÃO DO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR, 2018). 328

329

ANEXO K – Questionário elaborado pelo MNB2J para elaboração do seu plano popular de bairro

Fonte: Hermida (2012).

330

ANEXO L – Equipe do plano de bairro 2 de Julho de 2013 a 2017

Nome Função Vínculo 2013 2014 2015 2016 2017

Coordenadora Professora Ana Fernandes Geral FA/UFBA Coordenadora Maya Manzi Executiva Pós-Doc PNPD

Alina Cecilia Sosa Colaboradora Doutoranda

Marcos Carvalho Colaboradora Doutorando

Thaís Rebouças Colaboradora Doutoranda Bárbara Lopes Mestranda/PPG- Barbosa Colaboradora AU

Laila Bouças Colaboradora Mestranda

Vanessa Pugliese Colaboradora Mestranda

Isadora Schefler Colaboradora Mestranda Mestrando Colaborador Direito/UFBA

Laila Mourad Colaboradora Pós-Doc PNPD Estudante Camila Brandão Colaboradora Urbanismo/UNEB Mariângela Professora Nascimento Colaboradora FFCH/UFBA Wlamyra Professora Albuquerque Colaboradora FFCH/UFBA Estudante de Graduação Ingrid Pita Colaboradora FA/UFBA Estudante de Flávio Carvalho Graduação Silva Bolsista FA/UFBA Estudante de Graduação Isis Piauhy Bolsista FA/UFBA Flávio Ferreira Estudante de Pimentel Bolsista Geografia/UFBA 331

Nome Função Vínculo 2013 2014 2015 2016 2017

Estudante de Guiovan Oliveira Bolsista Comunicação/UFBA Estudante de Graduação Nina Barreto Bolsista FA/UFBA Estudante de Matheus Carvalho Bolsista Direito/UFBA Estudante de Graduação Jairo Santos Araujo Bolsista FA/UFBA Vinícius Nailton Estudante de Teixeira Bolsista Geografia/UFBA Paulo Henrique Estudante de Castro Bolsista Direito/UFBA Estudante de Graduação Thalita Amorim Bolsista FA/UFBA Estudante do BI Cíntia Veríssimo Bolsista Humanidades Estudante de Pablício Moura Bolsista Geografia/UFBA Estudante de Graduação Mirna Oliveira Bolsista FA/UFBA Estudante de Edre Coutinho Bolsista Economia/UFBA Alexandre Estudante de Contreiras Bolsista Geografia/UFBA Emyle S. PIBICJr./Colégio Nascimento Bolsista Ypiranga Gabriel Gomes da Silva Bolsista PIBIC Jr. Erlon S. de Sousa Júnior Bolsista PIBIC Jr. Alice Helena S. de Souza Bolsista PIBIC Jr. Gabriela M. Gonçalves Bolsista PIBIC Jr.

Iago Lisboa Santos Bolsista PIBIC Jr. Fonte: Lugar Comum (2016). 332

ANEXO M – Mapa com densidades demográficas no 2 de julho

Fonte: Lugar Comum (2016).

333

ANEXO N – Mapa com uso dos imóveis no 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016).

334

ANEXO O – Mapa dos imóveis vazios no 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016). 335

ANEXO P – Mapa com estado de conservação dos imóveis no 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016).

336

ANEXO Q – Mapa com áreas de restrição à ocupação no 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016).

337

ANEXO R – Roteiro da Caixa dos Sonhos no 2 de Julho

Fonte: Lugar Comum (2016).