O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã”

Sylvia Moretzsohn Universidade Federal Fluminense

Índice Entre jornalistas, porém, à parte raras ini- ciativas questionadoras do uso desse método, 1 Introdução 1 o “caso Tim” provocou sobretudo uma espe- 2 A abrangência da mídia 1 rada reação corporativa, centrada principal- 3 A invasão de espaços 3 mente num conflituoso debate sobre a segu- 4 Câmera oculta, transparência engana- rança no exercício da profissão, realizado em dora 7 seminários e publicações eletrônicas especi- 5 Diante dos marginalizados: a ação da alizadas, com não raras acusações de negli- mídia no projeto de exclusão social 8 gência e autoritarismo à Rede Globo, onde o 6 O caso Tim: preliminares 14 repórter trabalhava. 7 Sexo, drogas e funk and all 16 Para o público em geral, o caso prestou-se 8 A mídia vigilante, substituta do Es- acima de tudo para reiterar a enorme misti- tado 21 ficação que esta mesma imprensa promove 9 No “memorial dos mártires”: Tim, em torno de si própria, contribuindo especi- Herzog e... Baumgarten 23 almente para sedimentar a imagem da maior 10“Aqui está ” 24 rede de televisão do país como defensora – e, 11Bibliografia 27 no limite, até mesmo a verdadeira expressão – dos valores e direitos da cidadania, eviden- temente vinculados aos sagrados ideais do 1 Introdução jornalismo. A classificação do assassinato O assassinato do repórter Tim Lopes, no iní- como um atentado à liberdade de imprensa cio de junho de 2002, foi desses casos trá- e a elevação do repórter à condição de már- gicos capazes de subitamente pôr em xeque tir, a ponto de passar a figurar num – como alguns dos fundamentos que orientam a atu- se verá – igualmente mistificador memorial ação da grande imprensa brasileira: de um erguido nos EUA para homenagear aqueles lado, os limites e os métodos da profissão, que morreram supostamente em nome do di- envolvendo especialmente o uso da câmera reito de informar, são aspectos significativos oculta, e de outro o tratamento comumente desse embuste. dispensado às pautas voltadas para o que se Finalmente, do ponto de vista da cober- poderia chamar genericamente de “margina- tura, o caso seria mais uma expressão da ve- lidade social”. lha dicotomia que a imprensa ajuda a plas- 2 Sylvia Moretzsohn mar em sua pauta cotidiana: a divisão entre pósito, está aí a imagem do presidente da Re- “bandidos” e “homens de bem”, entre “eles” pública na capa da edição do Globo de 20 de e “nós”, no contexto de solidariedade entre junho de 2002, homenageando autora e ato- mídia e sistema penal apontado por Nilo Ba- res da mais recente novela, e por extensão a tista1. Com uma particularidade fundamen- própria Rede Globo, pela relevância dos ser- tal, pois nesse caso a imprensa atua explici- viços prestados. tamente como personagem. A Globo, aliás, dedicou um bloco inteiro de uma edição de maio do Jornal Nacional 2 A abrangência da mídia para demonstrar o comprometimento social de sua dramaturgia. Para quem consegue ver, Comecemos pela primeira ordem de ques- é claro o entrelaçamento entre realidade e tões. A discussão sobre os limites do jorna- ficção que se estabelece, seja em aspectos da lismo relaciona-se à discussão sobre os mé- própria trama (a presença do senador Edu- todos e é certamente a mais complicada. Isso ardo Suplicy no enterro do senador Caxias, porque as definições clássicas de jornalismo personagem de Carlos Vereza, o angustiado vão se diluindo nessa era das grandes corpo- – et pour cause – defensor da reforma agrá- rações de comunicação, que se ocupam tanto ria em “O Rei do Gado”; a inserção de de- do que se entende por informação noticiosa poimentos “da vida real” de ex-viciados cor- quanto de espetáculos e entretenimento. Tal- tando as cenas conflituosas protagonizadas vez por isso, hoje, se fale menos em im- pelos atores que representavam o papel de vi- prensa do que em mídia, esse termo difuso, ciados em “O Clone”), seja, mais claramente impreciso e abrangente que implica a apre- ainda, no caso exemplar em que o noticiário ciação de diversas formas de comunicação, da morte de uma atriz foi incorporado pela desde o noticiário tradicional a shows de va- novela em que ela atuava, enquanto, inver- riedades que investem pesadamente na expo- samente, o Jornal Nacional incorporava as sição de dramas populares e procuram inter- cenas da novela para romancear as informa- mediar soluções para eles (ou mesmo apre- ções sobre o crime, num continuum em que sentar as próprias soluções) a título de “pres- se embaralhavam o real e o ficcional, mas de tação de serviço”, passando por novelas que extrema eficácia para o resultado (este, muito abraçam causas “sociais” e são aplaudidas real) que se pretendia: o assassinato de Da- por certos intelectuais, juristas e pelo próprio niela Perez, filha da autora da novela, foi ele- poder público como importantes instrumen- mento decisivo para a aprovação de uma am- tos em defesa dessas causas (desde a “de- pliação da Lei de Crimes Hediondos. núncia social” à sempre incentivada “busca Dessa forma, demarcar os limites do jor- de soluções”), como a campanha em favor nalismo não tem tanta importância assim da busca de crianças desaparecidas ou, mais para o público, pois o processo de produ- recentemente, a luta contra as drogas. A pro- ção de sentido se dá nesse contexto de inter- relação das diversas formas comunicativas 1 Nilo Batista. “Mídia e sistema penal no capita- lismo tardio”, in Discursos Sediciosos – crime, direito que compõem o campo da mídia. e sociedade, no 12. , Revan/ICC, 2o se- No entanto, discutir os limites do jor- mestre de 2002. p. 253-270. nalismo é algo crucial não só para quem

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 3 exerce a profissão como para quem entende passam de longe o seu dever fundamental, a questão da comunicação como decisiva assumindo freqüentemente tarefas que cabe- para qualquer projeto de intervenção social. riam à polícia ou à justiça. E essa invasão Mesmo porque, não é difícil verificar como de espaços pode ser considerada justamente os postulados clássicos da imprensa como a partir de uma definição cara à imprensa: a serviço público se estendem à atividade da qualificação de “quarto poder”, que data do mídia de maneira geral, e esta não é uma início do século XIX e lhe confere o status influência menor: definir os limites do jor- de guardiã da sociedade (contra os abusos do nalismo significa precisar o alcance dessa Estado), representante do público, voz dos “prestação de serviço”, o que pode interfe- que não têm voz. É certamente sustentada rir positivamente nas várias outras manifes- por essa visão mistificadora – porque enco- tações da mídia. Daí a ressalva acima, para bridora dos interesses da empresa jornalís- deixar clara a necessidade de se tomar o jor- tica, desde sua constituição, há dois sécu- nalismo sempre na perspectiva de sua rela- los, e especialmente agora na era das gran- ção com o público, se desejarmos uma dis- des corporações – que a imprensa se arroga cussão conseqüente. o direito de penetrar em outras áreas. Tal invasão busca legitimar a imprensa junto à opinião pública que ela mesma ajuda 3 A invasão de espaços a formar, com a vantagem de atuar num re- conhecido vácuo (a distância entre o apare- Como se sabe, a atividade jornalística é tri- lho judiciário e o homem comum, para ficar butária do projeto iluminista de “esclare- apenas no exemplo mais recorrente). Vicente cer os cidadãos”. Trata-se, portanto, de ta- Riccio chama a atenção para o fato de que refa eminentemente política, cujo caráter é as críticas usualmente feitas a essa invasão freqüentemente escamoteado através de uma de espaços não consideram justamente a di- interpretação propositalmente restritiva do ficuldade, nada inocente ou casual, de acesso princípio do “dever de informar”, que daí do homem comum à justiça3, mas peca por conclui pela necessidade de uma postura im- não perceber a mídia como ator do processo: parcial e distanciada, como se não houvesse talvez por isso considere que programas po- intencionalidades no ato de selecionar os fa- pulares como o do Ratinho dão, de fato, voz tos que se tornarão notícia, ou como se a pró- ao público, esquecendo dos enquadramentos pria apreensão dos fatos já não fosse também autoritários próprios a esses programas de uma interpretação2. variedades, que estão longe de ser um reco- O reconhecimento do papel político do nhecimento dos problemas e reivindicações jornalismo, porém, obviamente não lhe con- populares4. fere o direito de substituir outras institui- ções. Apesar disso, é notório que a imprensa 3 Vicente Riccio. “A lei em tela e a tela da lei – vem procurando exercer funções que ultra- o direito e os reality shows”, in Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Iuperj, vol. 44, no 4, 2 Georg Lukács. “O marxismo ortodoxo”, in His- 2001, p. 773-805. tória e consciência de classe. Lisboa, Escorpião, 4 Cf., a propósito, entre outros, Maria Thereza 1974, p. 20. Fraga Rocco. Linguagem autoritária – televisão e www.bocc.ubi.pt 4 Sylvia Moretzsohn

Programas que adotam o modelo de um destacando o sentido social de sua atividade, tribunal não são propriamente novidade – é uma demonstração do alcance desse traba- recordem-se “O homem do sapato branco”, lho permanente de produção de consenso. de Jacintho Filgueiras Jr., entre os anos 60 Trata-se de uma formulação cujo deta- e 70, e seu correlato “Advogado do Diabo”, lhamento evidentemente excede este espaço, de Oswaldo Sargentelli, ou “O povo na TV”, mas cabe ressaltar que, entre essas empre- de Wilton Franco, entre fins dos 70 e início sas, as Organizações Globo se destacam em dos 80 –, e não deixam de ser uma forma pelo menos três frentes: no campo da edu- de invadir um lugar reservado, em princí- cação, com o projeto Amigos da Escola, pio, a outras instâncias decisórias. Mas uma na assistência social, com o Criança Espe- análise mais ampliada dessa ocupação de rança, e na área jurídico-policial, com o pro- espaços não pode ignorar que se trata de grama “Linha Direta”. Fazendo exemplar- uma estratégia empresarial muito bem con- mente a propaganda de sua própria inicia- duzida no contexto do neoliberalismo: a re- tiva, amparada pelo poder de maior rede de dução do tamanho do Estado é “compen- televisão do país, a Globo vai assim procu- sada” pela “responsabilidade social” de “em- rando consolidar-se como legítima substituta presas cidadãs”, de acordo com a formulação do Estado (isto é, como agente de privatiza- de uma “nova ética de co-responsabilidade” ção do Estado), com muitas vantagens sobre (entre Estado, empresas e sociedade civil) ele, pois livre do peso da burocracia, capaz que mascara conflitos e valoriza indiscrimi- de demonstrar eficiência em resultados visí- nadamente iniciativas voltadas para “fazer o veis e imediatos. bem”. Detalhemos apenas o que ocorre no campo Francisco de Oliveira já sintetizou a crí- criminal: como Nilo Batista demonstrou tica a esse conceito de “empresa cidadã” no exemplarmente, existe uma solidariedade tempo em que ele ainda não se havia disse- entre mídia e sistema penal, absolutamente minado, demonstrando, em artigo na Folha funcional ao neoliberalismo6: a sistemática de S. Paulo, o absurdo de se investir de sen- produção da histeria punitiva na maneira es- tido político algo que é do domínio estrita- colhida para a exposição de crimes, casos mente econômico. Mas o neoliberalismo tra- de corrupção ou incivilidades variadas, mais balha competentemente a polissemia que ele ou menos corriqueiras, adicionando cada vez próprio ajuda a dar à palavra “cidadania”, de mais lenha à fogueira inquisitorial daquilo modo a diluir seu sentido político, para daí que Loïc Wacquant chamou de Estado penal, privatizá-lo5. A proliferação de organizações a substituir o Estado do bem-estar, incompa- não-governamentais fundadas por empresas, tível com a lógica neoliberal. Assim, “o novo credo criminológico da persuasão. São Paulo, Brasiliense, 1988, e Maria Te- mídia tem seu núcleo irradiador na própria reza P. da Costa. O programa Gil Gomes – a justiça idéia de pena”, e é a equação penal (se houve em ondas médias. Campinas, Unicamp, 1992. 5 Nilo Batista. “A privatização da cidadania”. delito, tem de haver pena) “a lente ideoló- Texto apresentado no colóquio “Cidades, cidadania e direitos”. Laboratório Cidade e Poder, Niterói, ICHF, 6 Nilo Batista. “Mídia e sistema penal no capita- 2 de julho de 2002. lismo tardio”, art. cit.

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 5 gica que se interpõe entre o olhar da mídia e falcatruas debaixo do seu nariz”, como afir- a vida, privada ou pública”. mou O Globo em editorial de 27 de novem- bro de 2001. Mas, nesse processo de “abrir O discurso criminológico midiático pre- os olhos”, a imprensa mobiliza o sistema pe- tende constituir-se em instrumento de aná- nal, instado a dar respostas ao descalabro no- lise dos conflitos sociais e das instituições ticiado. Foi assim no famoso caso do seqües- públicas, e procura fundamentar-se numa tro do ônibus 174, que ensejou um “Plano ética simplista (a “ética da paz”) e numa Nacional de Segurança”; foi assim também história ficcional (um passado urbano cor- na mais ainda famosa reportagem sobre a dial; saudades do que nunca existiu, aquilo “Feira das Drogas”, ganhadora do Prêmio que Gizlene Neder chamou de “utopias ur- Esso de 2001: nada ali era novidade, apenas banas retrógradas”). O maior ganho tá- o rosto de alguns traficantes, que, identifica- tico de tal discurso está em poder exercer- dos, acabaram presos – a “satisfação” que a se como discurso de lei e ordem com sa- polícia teria de dar à “opinião pública indig- bor “politicamente correto”. (...) A pena nada”. já não interessa tanto como inflição de so- frimento ou mesmo fórmula desastrada de solução de conflitos: a pena interessa como recurso epistemológico, como instrumento A propósito, a série sobre cidadania que de compreensão do mundo. Por outro lado, o Jornal Nacional exibiu em agosto, sob a o desmonte do Estado encontra neste dis- vinheta “O poder do cidadão”, era apresen- curso uma eficiente picareta, capaz de exi- tada explicitamente como “um espaço para bir os vícios da burocracia estatal – histori- ajudar” o público nas eleições que se apro- camente dominada pelas oligarquias nacio- ximavam, partindo da justa compreensão de nais – como um problema do próprio Estado que a participação do eleitor não se esgota e não das classes sociais que quase sem- no momento do voto. Tudo bem dentro pre o ocuparam. Trata-se de procedimento do propósito original de “esclarecer os cida- análogo à enfática negação de qualquer de- dãos”. Mas é na forma de abordar o tema terminismo nos crimes patrimoniais pratica- que a emissora demonstra os conceitos com dos por pobres: a “moralização” do delito é os quais trabalha. O episódio mais ilustra- a legítima sucessora de sua “naturalização” tivo é o segundo, “mobilização e cidadania”, positivista, e os caminhos da responsabili- zação penal ficam livres de todo escrúpulo. que começa com as imagens do “exército de No reino do individualismo, só o indivíduo donas de casa armadas com pranchas e cane- pode ser responsável por estar na peniten- tas” a fiscalizar preços em supermercados. O ciáia.7 repórter esclarece: “o Movimento das Donas de Casa, que existe há 19 anos, não se limita Ocorre que esse vínculo entre mídia e sis- a conferir preços. Ele foi essencial para a tema penal é convenientemente disfarçado aprovação da Lei dos Direitos do Consumi- atrás da imagem de “quarto poder” – a im- dor”, que, entre tantas coisas, resolveu o pro- prensa “abrindo os olhos do Estado para as blema de Irani Aguilar, compradora de uma geladeira que deixou de funcionar três dias 7 idem, p. 271. depois. www.bocc.ubi.pt 6 Sylvia Moretzsohn

Repórter (caminhando por um corredor de (cena de Glória Perez abraçando Jocélia) presídio): Jocélia: A lei que deu uma geladeira nova a Irani Na história do país, nunca tinha acontecido. foi resultado da união de pessoas que sozi- Em três meses e meio, mais ou menos, con- nhas não teriam força nenhuma. Uma lei seguimos 1,5 milhão de assinaturas. tem sempre dois propósitos. O primeiro é Repórter (off, sobre cena de repressão a su- evitar que um determinado crime seja co- postos criminosos deitados no chão com as metido. Mas se acontecer, a lei serve para mãos na cabeça, outros chegando a uma de- aplicar ao criminoso uma pena que sirva de legacia e cobrindo o rosto) reparação às vítimas, que faça justiça e evite Hoje quem pratica um seqüestro tem penas que o mau exemplo se repita. mais longas, sem chance de habeas-corpus. (...) O repórter fecha a porta da cela com o es- Repórter (off, sobre imagem da mulher pas- trondo ampliado pelo efeito sonoro. Corta seando com o marido e os filhos numa pra- para a cena seguinte, a história do seqüestro cinha): e assassinato, em 1992, de uma menina de 5 Ao lado dos três filhos, Jocélia tem fé no anos, que teve o corpo carbonizado. Então futuro. Acha que, com sua luta, ajudou a se estabelece o vínculo tão caro ao neolibe- tornar o Brasil mais justo. Com o voto, pre- tende fazer o mesmo. ralismo: o sentido da cidadania associado ao Jocélia: mercado. O cidadão cioso de seus direitos Nós temos um poder em nossas mãos im- consome boas geladeiras e luta pela sua se- pressionante. Quando as pessoas querem, gurança. Sempre com o recurso ao sistema elas conseguem muita coisa. penal, que deve ser severo para trancafiar os desonestos ou assassinos. Clareza maior, impossível: a mobilização Segue a reportagem. Sobre imagens de popular torna o país mais justo, e essa justiça multidão, o repórter aplaude: “Foi justa- significa a radicalização punitiva. mente a mobilização popular que levou o Não se trata, porém, apenas de pautar as Congresso Nacional a mudar a legislação agências do sistema penal: Batista aponta a anti-seqüestro. Mobilização que ganhou própria “executivização” desse sistema, e dá força depois de um crime bárbaro”. como exemplo mais acabado dessa ação o Corta para o interior do quarto da menina, programa Linha Direta. hoje ocupado pelas outras duas filhas de Jo- O estudo de Kleber Mendonça sobre o célia Brandão: ursinhos de pelúcia, retratos, programa já demonstrava a forma pela qual a “as lembranças”, diz o repórter, “estão por Globo se apresentava como instância de ser- toda parte”. viço público, propondo-se a suprir deficiên- cias do sistema penal, oferecendo ao público Repórter (sobre imagens da mulher no Fó- uma “linha direta com a cidadania” e pro- rum, abraçada à novelista Glória Perez): pondo “fazer a justiça funcionar como deve- A dor levou Jocélia a se unir a outros pais ria”8. Batista, que prefaciou o livro, nota a e mães que passaram por situação seme- mudança de grau na atuação dos meios de lhante. Juntos, fizeram uma campanha para endurecer a lei contra o seqüestro. 8 Kleber Mendonça. A punição pela audiência –

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 7 comunicação nesse caso: “estamos fora do Tais são conseqüências a que pode che- modelo convencional do trial by media: não gar esse projeto de “fazer justiça” (bateu, le- se trata aqui de influenciar um tribunal, se- vou?) que passa por cima de garantias fun- não de realizar diretamente o próprio julga- damentais como o direito ao devido processo mento”. legal, anulando conquistas históricas resul- tantes das revoluções liberais de fins do sé- No sábado de verão em que escrevo este culo XVIII, e que fundamentariam a idéia prefácio, noticia-se o linchamento, pelos moderna de cidadania. É justamente a dilui- presos da carceragem policial de Cabo Frio, ção do sentido dessa idéia, nos tempos atu- de Ronaldo Josias de Souza, ocorrido seis ais, que permite à mídia justificar sua atua- horas após sua prisão. O homicídio de que ção em nome dela. Análises futuras poderão ele era acusado, ocorrido ano passado em detalhar os desdobramentos desse termo no João Pessoa, fora exibido “pelo programa discurso midiático, para configurar melhor o Linha Direta, da Rede Globo, na noite de quinta-feira” (O Dia, 16 fev. 02, p. 8). Se tipo de cidadão que a imprensa diz represen- levarmos em conta que o programa termina tar. por volta de 23h, Linha Direta tem um novo recorde a comemorar: prisão em seis horas e linchamento em doze9. 4 Câmera oculta, transparência enganadora Algo semelhante ocorre quando a mídia desempenha aparentemente seu papel mais Uma interpretação muito particular da idéia estrito de “meio” e apenas transmite uma de “quarto poder” já nos permitiria levar informação, expondo imagens gravadas por a perceber os motivos por que a imprensa circuitos internos de TV. Foi o que ocorreu chama a si o direito de utilizar todo e qual- no caso da babá flagrada batendo na criança quer meio, lícito ou não, para penetrar onde de quem ela deveria cuidar, em Goiânia: na quer que seja, em nome do sagrado direito de edição seguinte à divulgação da cena, os jor- informar – ou, o que dá no mesmo, em nome nais publicaram foto da moça tentando esca- do direito do público de saber. É um postu- par de uma “tesoura” desferida por um rapaz, lado que sobrevive apesar de críticas recor- numa estrada de terra. “Bateu, levou” era o rentes e muito bem fundamentadas (afinal, título da legenda do Globo, na capa da edi- o “direito de saber” está subordinado a es- ção de 31 de julho de 2002. Na seqüência do colhas definidas pela própria mídia, no con- noticiário, especialmente televisivo, o explí- texto das relações de poder em que ela se in- cito desagrado na expressão dos locutores ao sere), de modo a parecer natural. Mas vimos informar a pena imposta à babá: prestação aqui mesmo que a tarefa de informar nunca de serviços comunitários, em vez de punição é inocente – e, no caso, destina-se explici- exemplar atrás das grades. tamente a “abrir os olhos do Estado”. Se o Estado não funciona, nada mais lógico do um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro, Quar- tet/Faperj, 2002, p. 18. que assumir o seu lugar. Em termos de mé- 9 Nilo Batista, prefácio a Kleber Mendonça, op. todos, a conseqüência lógica dessa ultrapas- cit., p. 14-15. sagem de limites é a legitimação do recurso www.bocc.ubi.pt 8 Sylvia Moretzsohn

à câmera oculta, ponto culminante das varia- expõe é visto como um flagrante que surpre- das estratégias de travestimentos nunca sufi- ende algum ilícito, uma prova irrefutável de cientemente discutidos – mesmo porque ha- “verdade”, sem mediações ou interferências) bitualmente louvados como o requisito de es- como porque encobrem justamente essas in- perteza característico de todo bom repórter – terferências contidas na própria mediação: o que marcam a história do jornalismo. Espe- comportamento do “repórter sem rosto”, as cialmente nesses tempos em que tanto se fala perguntas que não vão ao ar, o não revelado de transparência como supremo valor ético, estímulo a que a fonte adote atitudes que esse recurso parece ainda mais justificado. configurarão o ilícito a ser comprovado. O ideal da transparência, porém, é enga- Com uma agravante: a fragilidade jurídica nador. De saída, esconde coisas importantes de tais “provas” (mesmo porque freqüente- como os interesses empresariais dos próprios mente produzidas por um agente provoca- jornais e das fontes que os alimentam, e o dor) anula os resultados práticos aguardados processo de seleção das informações que nos pelo público (a punição exemplar, o prazer são oferecidas. Além disso, sugere a necessi- de ver aquele corrupto na cadeia), mas a atu- dade de exposição imediata dos fatos, como ação legal acaba sendo mais um argumento se a simples exposição bastasse para esclare- de descrédito do Judiciário, bem à maneira cer o público. dos filmes policiais americanos nos quais a Assim se ocultam as relações de poder que existência da lei é o principal empecilho para direcionam o foco dessa câmera, a vascu- que se faça justiça: afinal, todos “viram” lhar determinados ambientes propiciadores aquele escândalo na televisão. Se o Estado de evidências às vezes fáceis de variados ti- não toma providências, é porque de fato não pos de ilegalidades mais ou menos escanda- se pode esperar mais nada dele. losas. Determinados ambientes: nunca uma reunião reservada da Fiesp ou do Planalto, a não ser que interesses políticos assim o 5 Diante dos marginalizados: a imponham; jamais uma reunião privada na ação da mídia no projeto de Rede Globo. exclusão social Tampouco se revela o processo de elabo- ração discursiva: as imagens mostram per- Em recente artigo, procuramos demonstrar sonagens à vontade, comportando-se “natu- que a cobertura criminal na grande imprensa ralmente”, sem as defesas próprias de quem baseia-se em fundamentações de cunho po- sabe estar sendo entrevistado, e entrevistado sitivista e se orienta por uma lógica que se para a televisão. Dessa forma, garantem o estende à cobertura dos fatos relacionados espetáculo – a sensação de que penetramos às classes populares, servindo à dissemina- em lugares proibidos e ficamos sabendo de ção do medo e à formulação e ampliação de coisas que outros, eventualmente “podero- políticas cada vez mais repressivas de segu- sos”, gostariam de esconder. Mas essas “evi- rança pública. Indicamos também que, em- dências” são falseadoras, tanto porque eli- bora predominante, o discurso repressor não dem a existência do jogo de representações é único, mas se completa com outro que apa- inerente às relações sociais (o que a câmera rentemente seria o seu contrário, evidenci-

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 9 ando duas formas de se tratar a “questão so- empresa se empenha em diversas iniciativas cial” – ora como “caso de polícia”, ora como apresentadas invariavelmente sob o lema sur- “caso de política”10. rado do “resgate da cidadania” e da “auto- O foco da análise eram, então, os gran- estima”: além de sustentar ou apoiar projetos des jornais e revistas voltados para a classe nesse sentido, abre generosos espaços para média, embora a mesma lógica se aplique divulgá-los, no canal aberto ou nos canais aos chamados jornais populares, com a ób- pagos, em programas especiais ou nos pró- via mudança de linguagem, adequada ao pú- prios telejornais. Em contrapartida, ao tra- blico de baixa renda. Nem podia ser dife- tar das questões criminais, adota o compor- rente, pois tais publicações são produzidas tamento positivista clássico, refletido na con- por empresas que representam e defendem figuração do “mal” individualizado na figura interesses semelhantes, quando não se trata do bandido ou generalizado para abarcar os de uma mesma empresa responsável por tí- moradores da periferia. tulos distintos para públicos diversos, como E aí se aplica precisamente a mesma ló- acontece com O Globo e Extra. gica dual e complementar que informa a co- Não é difícil, portanto, ampliar esse eixo bertura dos fatos relativos aos marginaliza- de análise para aquilo que chamamos de mí- dos, com a especificidade da linguagem au- dia, mesmo porque, no Brasil, os exemplos diovisual: diante do crime, locutores e repór- de publicações ou programas que vão con- teres teatralmente indignados com o ponto tra essa corrente são resultado do esforço a que chegamos, ressaltando a “ousadia dos de organizações não-governamentais, mo- bandidos” e seu “poder paralelo”, alarde- vimentos comunitários e projetos editoriais ando a “ausência do Estado” e o conseqüente que, embora muito significativos, visam jus- abandono dos “cidadãos de bem”, e final- tamente a consolidar sua influência locali- mente estimulando declarações a favor do zada. Mas, por isso mesmo, não oferecem endurecimento das penas e do aumento à qualquer possibilidade de concorrer no mer- repressão; diante dos “carentes”, freqüente- cado para, conseqüentemente, apresentarem- mente no mesmo bloco noticioso, o “outro se como alternativa de fato ao noticiário do- lado”: a possibilidade de redenção através do minante, para um público ampliado. trabalho voluntário, configurando aquilo que Tratando particularmente da Rede Globo, Nilo Batista definiu como discurso de lei e podemos retomar as premissas relacionadas ordem com sabor de “politicamente correto”: no início deste artigo e verificar que é o vínculo entre mídia e sistema penal, asso- ciado à estratégia empresarial de legitimar- se como substituta do Estado, que orienta o trabalho ali desenvolvido – especialmente Naturalmente, esse discurso admite aliar-se jornalístico, mas não só. Como se sabe, a a outros que não lhe reneguem o ponto de partida: a modernidade realizou-se plena- 10 Sylvia Moretzsohn. “Imprensa e criminologia – mente, suas promessas estão cumpridas, e se o papel do jornalismo nas políticas de exclusão so- o resultado final é decepcionante, tratemos cial”. Rio de Janeiro, 2002, mimeo. de atenuá-lo pela caridade, pelo voluntari- www.bocc.ubi.pt 10 Sylvia Moretzsohn

ado, por campanhas publicitárias; mas lei é ser louvado como contribuição positiva (ou lei11. “pró-ativa”, no jargão da moda): ali estão pobres honestos, ordeiros e trabalhadores, Lei é lei, portanto não há que transigir: se- empenhados em melhorar de vida pelo pró- paremos a sociedade em bandidos e cidadãos prio esforço, ainda que seus horizontes se- de bem e sejamos duros com os criminosos. jam sempre limitados às ocupações subalter- Não seria surpresa se um criativo estudo so- nas que lhes foram historicamente reserva- bre tal comportamento elaborasse, parafrase- das, fora das quais só há salvação no talento ando a obra clássica de Lukács, uma “onto- para a música ou o esporte; então aparecem logia do ser marginal”. em ensaios de teatro, dança, capoeira, fute- Mas essa dualidade traz outro elemento bol, rodas de chorinho e samba, ou em ofici- perverso, que ajuda a plasmar no senso co- nas para trabalhos manuais variados, às ve- mum os estereótipos relativos às classes po- zes valorizados pelo que podem proporcio- pulares. Pois, além do olhar benevolente nar de “criatividade” – e vemos gente sor- que as apresenta em animadas e ordeiras as- ridente usando sucata para fazer artesanato sociações de voluntários, elas só aparecem ou confeccionar instrumentos musicais para no noticiário como vítimas de uma tragédia projetos que “afastam o jovem do tráfico”. ou como agentes de rebeliões “comandadas “O objetivo é formar bons cidadãos”, diz o por traficantes”. Assim, os “carentes” ora responsável por um desses projetos ao apre- são enquadrados como cidadãos de bem em sentador. No palco, jovens pobres do in- busca de um futuro melhor, ora como gente terior de São Paulo, estáticos como se po- humilde digna de nossa piedade diante de re- sassem para uma foto, rígidos como se esti- latos pungentes repetindo “perdemos tudo” vessem (e estavam) fora de lugar. Serginho entre lágrimas – embora não tivessem quase Groisman “entrevista” um a um (como é seu nada –, ora como massa de manobra potenci- nome? que instrumento é esse?), e cada um almente explosiva e perigosa, perfeitamente vai respondendo e mostrando tonéis, latões enquadrada nas teorias clássicas da patologia de tinta que se transformaram em instrumen- social. tos de percussão. O apresentador se deslum- São fartos os exemplos de cobertura que bra: tudo sucata, que beleza... Finalmente, enfocam os pobres como perigosos12. Por chega ao último entrevistado, um músico jo- isso, vale a pena enfatizar o lado do “olhar vem e bem vestido, um dos instrutores dos benevolente”, mesmo porque ele costuma meninos. Ele também diz seu nome, mos-

11 tra seu instrumento (“isso é uma guitarra”) e Nilo Batista, “Mídia e sistema penal...”, art. cit, logo ressalta, entre risos: “e não é sucata”. p. 274. 12 Cf., por exemplo, Patrick Champagne. “La A cena foi ao ar em setembro, numa edi- vision médiatique ”, in Pierre Bourdieu (org.), La ção do programa “Ação”, da Globo, um dos misère du monde, Paris, Seuil, 1993, p. 61-79 ; Kle- vários que tratam de iniciativas de volunta- ber Mendonça. “A onda do arrastão”, em Discursos riado em prol da “cidadania”. O objetivo é Sediciosos – crime, direito e sociedade. Rio de Ja- neiro, Freitas Bastos/Instituto Carioca de Criminolo- formar bons cidadãos, ainda que uns possam gia, ano 4, no 7-8, 1o e 2o semestres de 1999, p. 267- comprar guitarras e outros tenham de se con- 282; Sylvia Moretzsohn, art. cit. formar à sucata, embora contem com o apoio

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 11 luxuoso de Naná Vasconcelos e Caetano Ve- age entre surpresa e indignada à notícia de loso. que o músico Paulo Negueba, um dos ins- É apenas um entre inúmeros exemplos em trutores do Afro Reggae, grupo famoso por que o olhar benevolente da mídia se une ao ter sido criado como resposta “cidadã” à cha- do voluntário bem intencionado, a partir da cina em Vigário Geral, foi ferido com três ti- conclusão ou da intuição de que iniciativas ros e escapou da morte por milagre durante como essa afastam o jovem do crime e são uma batida policial na . Surpresa só capazes de promover inclusão social, ainda possível quando se deseja desconhecer o es- que pela porta dos fundos. Mas as coisas tereótipo criminal produzido pelos sistemas não são tão simples assim, como argumenta penais, que os suspeitos de sempre carregam o criminólogo Jock Young, na tradição de es- no próprio corpo e que nenhum discurso de tudos sociológicos que apontam a desigual- boas intenções é capaz de apagar. dade e a frustração de expectativas, oriunda Não é difícil perceber que o caso ganhou justamente daquilo que se pretende promo- manchete (a ponto de causar a exoneração do ver – uma demanda por mais cidadania -, comandante do Bope) porque Negueba é per- como causa do crime. cussionista da banda O Rappa, que integra o circuito marginal-incluído do nosso cenário Deste modo, talvez devêssemos falar, musical. O vínculo é particularmente suges- mesmo aqui, em déficit relativo: isto é, os tivo para o tema “violência”, pois o líder da padrões materiais relativos dos indivíduos banda, Marcelo Yuka, também figurou nas comparados uns com os outros, um sentido manchetes ao ser atingido por tiros (ficando de desigualdade, de recompensa injusta em paraplégico em conseqüência disso) quando relação ao mérito. Assim, à medida em que os grupos começam progressivamente a rei- tentava escapar de um assalto na Tijuca. O vindicar maior igualdade de recompensa e caso ocorreu dois anos antes, mas mesmo as- cidadania mais plena, sua privação relativa sim o Globo atualizou a história, escrevendo aumenta e, não havendo nenhuma solução na capa de sua edição de 11 de agosto: “Ou- coletiva à vista, ocorrerá criminalidade13. tro músico do Rappa é baleado em tiroteio”, como se a banda sofresse de algum tipo de A ignorância dessa análise, porém, talvez maldição sinistra. não seja inocente. Pois o olhar benevolente é Os olhos fechados para o cotidiano da pe- ajustado ao enfoque e aos limites de ação do riferia também deixam alguns pesquisado- voluntário bem intencionado. Se a iniciativa res espantados. Como a professora Raquel não dá certo, a culpa é de quem não soube Paiva, ao ler declaração de José Júnior, outro aproveitar a oportunidade, e o benfeitor pode integrante do Afro Reggae, à revista Mega- serenamente lavar as mãos. zine (suplemento do Globo voltado para ado- Além disso, a celebração dos projetos lescentes), em 13 de julho de 2000: “Sabe “que afastam os jovens do tráfico” não con- por que os jovens entram para o tráfico? Não segue resistir à realidade: então a mídia re- é só pela grana. O lugar mais legal numa 13 Jock Young. A sociedade excludente – exclusão favela à noite é a boca-de-fumo. O som é social, criminalidade e diferença na modernidade re- maneiro, a galera é bem vestida...”. Diante cente. Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2003, p. 86. disso, Raquel comenta: www.bocc.ubi.pt 12 Sylvia Moretzsohn

É entristecedor constatar que o jornalismo foi a série de reportagens sobre os chamados atual não repara no que produz. Como é “autos de resistência” que o Extra publicou possível deixar escapar um depoimento des- durante uma semana, a partir de 11 de ju- ses sem realizar uma pauta que realmente lho de 1999, e que começou com o título “A tenha a preocupação de mostrar humana- cova dos 259 Josés”: na abertura, a reprodu- mente esses lugares: mostrar as pessoas que ção de uma nota curta, “Polícia mata 3 em estão ali, e não apenas reproduzindo a “ba- tiroteio”, expressão clara da banalização da tida” policial. O jornalismo deveria estar violência. Imediatamente, o comentário que para além, muito além, de ser espaço de re- demonstraria a mudança de postura do jor- produção de valores segregacionistas14. nal: o leitor é alertado para o fato de que é daquela forma que tais assassinatos são noti- É o típico discurso de boas intenções apli- ciados, mas que agora estaria diante da ver- cado à mídia, travestido de crítica à compe- dadeira dimensão daquelas mortes, “um si- tência profissional, e que suplementarmente lencioso massacre contra inocentes” escon- introduz uma nova categorização para a im- dido “pela desimportância social das mães, prensa: o jornalismo distraído, que não re- pais, irmãos e mulheres de gente pobre e hu- para no que produz. Desnecessário deter-nos milde” – isto é, o próprio público do jornal. na avaliação desse comentário; importa, sim, Tais reportagens foram objeto de uma acu- ressaltar a força do depoimento de José Jú- rada análise de Cláudia Lemos16, que, no en- nior, para reiterar que a mídia não se pro- tanto, não dá a devida importância à vinheta põe indagar sobre o cotidiano da periferia: “especial” que marca a série: de fato, este prefere, como certa vez observou Mattelart, pode ser tomado como um “exemplo de pos- “as operações conduzidas em torno do trá- tura crítica do Extra diante da polícia”, mas fico de drogas” a “exprimir como essas pes- um exemplo que confirma a regra e não re- soas ainda conseguem conservar sua digni- presenta o esperado divisor de águas para a dade, apesar de estarem sujeitas à mais ex- adoção dessa postura a partir de então. Antes trema violência”15. e depois da série, os Josés continuam a proli- Exceções existem, claro, e o fato de se- ferar nos matagais, nas beiras de estrada, nas rem exceções reitera essa lógica, embora covas rasas, nos cemitérios clandestinos no costume ser tomado como indício de “bre- alto dos morros. E continuam a ser tratados cha” por onde se insinua um discurso crítico. do mesmo jeito pelo jornal. Exemplos são mais comuns no jornalismo O público de classe média também é even- impresso, e se revelam tanto em jornais po- tualmente premiado com informações que, pulares quanto na chamada “imprensa séria”. por estarem ausentes da cobertura cotidiana, No primeiro caso, uma amostra significativa parecem surpreendentes. Assim, na série 14 Raquel Paiva. “A publicização da ética no es- que O Globo publicou entre março e maio paço midiatizado”, em Raquel Paiva (org.), Ética, ci- de 2001 para traçar os “Retratos do Rio”, a dadania e imprensa. Rio de Janeiro, Mauad, 2002, p. 39. 16 Cláudia Lemos. Seis questões sobre o jorna- 15 Armand Mattelart. Comunicação-mundo – his- lismo: uma leitura da imprensa brasileira nos anos tória das técnicas e das estratégias. Petrópolis, Vo- 90 a partir de Ítalo Calvino. Tese de doutorado em Li- zes, 1994, p. 276. teratura Comparada. Belo Horizonte, UFMG, 2001.

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 13 partir do Relatório de Desenvolvimento Hu- média, não é preciso muito esforço para ve- mano (resultado de um trabalho conjunto do rificar os efeitos de produção de pânico ob- Pnud, Ipea e Prefeitura do Rio), os leitores tidos a partir desses vínculos: parece que a podem espantar-se com o significado dos da- violência chegou a um ponto insustentável dos crescentes da violência urbana: “embora para nós, que temos os instrumentos para ir a sensação de insegurança domine toda a po- às ruas vestidos de branco (ou preto) em pas- pulação, a violência é maior nas áreas caren- seatas clamando por uma paz que se traduz tes”; “falta polícia” justamente “nos bairros em políticas cada vez mais repressivas con- mais violentos” (21 de abril de 2001). Ne- tra quem nos rouba a tranquilidade. nhuma surpresa, porém, e dessa lógica o re- Exemplo mais claro ainda foi dado pelo pórter Caco Barcellos já dera conta em en- Jornal Nacional de 19 de setembro de 2002, trevista à Caros Amigos, em maio de 1997, na série de reportagens especiais sobre os comentando a política de segurança do en- “problemas de nossas cidades” inserida na tão governador Marcello Alencar “em sinto- vinheta “Eleições 2002 – meio ambiente e nia com o clamor público, da imprensa”: grandes cidades”, que naquele dia traçou o “retrato do medo”: Veja bem, ele equipou a polícia como nunca, você tem lá Santana com equipa- Locutor: mento de bordo, tecnologia de ponta, com- ...vamos ver como a violência afeta direta- putador, o diabo, mas policiando a zona sul, mente a vida dos cidadãos. Sem estatísticas que realmente se tornou hoje supersegura. confiáveis sobre segurança pública ao longo (...) Está superpoliciado ali, em prejuízo do da década de 90, os números dão lugar às policiamento onde está a maioria da popu- imagens. E elas dizem muito. lação, na zona norte. A imprensa também Repórter (off): se comporta dessa forma, ela não gosta de Você vai ver um dos piores retratos da cruzar o Túnel Rebouças. grande cidade. A fala é paralela à cena que começa com a câmera fechando o quadro num espelho re- Para completar o quadro, temos o alarde trovisor de carro e cortando para flashes, ao provocado pela comparação sistemática do som de cliques sucessivos de máquina foto- Rio de Janeiro com a Colômbia. Compara- gráfica, documentando um assalto a moto- ção não só falaciosa, por associar um país em rista no trânsito parado. guerra civil de fato há 40 anos (com a atua- Corta para depoimento 1 (mulher negra de ção das Farc, convenientemente desqualifi- meia-idade, aparência humilde, na rua): cadas pela associação ao narcotráfico) com Mesmo dentro de casa a gente tem medo das a alegada “guerra civil” no Rio, mas por um coisas. aspecto essencial para o que argumentamos Repórter (off), sobre um flash do centro de aqui: a exposição do exacerbado número de São Paulo: mortes na cidade oculta a informação de que Mas só na cidade de São Paulo 14 pes- esses dados referem-se fundamentalmente a soas foram assassinadas por dia no ano pas- 17 vítimas da periferia. Como o noticiário co- sado . tidiano destaca sempre as agressões à classe 17 A impropriedade da adversativa na intervenção www.bocc.ubi.pt 14 Sylvia Moretzsohn

Corta para depoimento 2 (mulher loura, nesse episódio o discurso clássico de com- mais jovem, de classe média, na rua): bate ao crime, fomentador da histeria puni- Eu, por exemplo, evito sensivelmente sair à tiva e da cultura do medo, à reiteração do noite com o meu carro. mito da imprensa como “quarto poder”, em torno do qual juntaram-se as empresas de co- Nem se diga das incongruências originais: municação, a Associação Brasileira de Im- as imagens “dizem muito” mas revelam um prensa e as representações sindicais dos jor- assalto, o repórter fala em mortes; as estatís- nalistas, em nível local e nacional. ticas não são confiáveis, mas, ato contínuo, apresenta-se uma estatística – as 14 mortes diárias na capital paulista. Confiável ou não, 6 O caso Tim: preliminares importa perceber que se trata de um dado ge- A mudança no comando do governo Rio, nérico, que não informa onde tais vítimas são com a saída de Anthony Garotinho para a produzidas, nem sua condição social. Pela disputa das eleições presidenciais, foi mar- seqüência de depoimentos (mulher negra po- cada pelo anúncio de (mais um) plano de bre, mulher branca de classe média), aparen- emergência para a segurança. Tal foi a man- temente a intenção é insinuar que a violência chete do Globo de 7 de abril, que, como seria atinge a todos da mesma forma. óbvio, dedicaria amplo espaço naquela edi- Esse desprezo pelo cotidiano das classes ção à posse de . Dois dias populares só pode reproduzir estereótipos depois, o jornal noticiava na capa a possibi- adequados ao sistema penal. Foi o que ocor- lidade de união dos governos estadual e mu- reu, mais uma vez, na cobertura do caso Tim nicipal para o combate ao crime. O assunto Lopes, cuja relevância se impõe pela impor- virou manchete no dia 21 de abril, um do- tância simbólica da vítima: um jornalista, mingo: “Estado e prefeitura iniciam ofensiva que automaticamente representa os sagrados contra violência”. valores do jornalismo. Por isso, associam-se O tema voltou às manchetes no domingo do repórter pode passar despercebida pelo especta- seguinte, com a denúncia do novo governo dor, mas fica evidente na leitura da transcrição do áu- de que os índices da criminalidade teriam dio. Por que falar em número de assassinatos, assim, sido manipulados pela gestão anterior. Dois sem gancho algum, e ainda por cima iniciando a frase por um “mas...”? A explicação só aparece para quem dias depois, a notícia do “primeiro teste de pôde ver novamente a matéria, cerca de dez dias de- fogo” da “polícia do PT”, que esteve no pois, no programa Almanaque, do canal pago Globo Complexo do Alemão, onde dez ônibus ha- News, que anunciava a repetição de todas as repor- viam sido destruídos pelos moradores, em tagens da série sobre eleições e cidadania, agrupadas protesto contra a morte de um menino “num em blocos temáticos: ali estava um trecho cortado da matéria que foi ao ar no JN, no qual o repórter citava tiroteio entre traficantes e PMs”. “O pró- uma estatística informando sobre a redução na taxa de prio comandante da PM, coronel Francisco homicídios, para seguir com a fala sobre o número de Braz, que esteve na favela para investigar a mortos em São Paulo. “Mas” esta não foi a única alte- morte, foi recebido a tiros” (O Globo, 30 de ração: nesta e em várias outras matérias houve inclu- são de trechos de entrevistas, alteração de montagem, abril de 2002, chamada de capa). No dia 31, em suma, apresentou-se uma edição diferente para o o Jornal do Brasil publicaria o caderno es- que seria uma simples repetição da série. pecial “Cidade sitiada”, abrindo foto de um

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 15 soldado num mirante, apontando uma metra- tivos teria essa formidável cozinha jornalís- lhadora para o vale urbano, Pão de Açúcar ao tica, além da semeadura cotidiana de um pâ- fundo. O que deixa dúvidas sobre quem está nico difuso para fundamentar o discurso re- sitiando a cidade: aparentemente a popula- pressivo do combate ao crime? ção é refém do “crime”, mas quem domina a O retorno às preliminares do caso Tim cena é um policial armado. pode fornecer mais informações. Na última O caderno especial não traz propriamente quinzena de maio, o crime e a urgência em novidade, reunindo matérias requentadas so- combatê-lo no Rio foi manchete no Globo bre as providências que a classe média vem praticamente todos os dias, configurando a tomando para proteger-se (inscrevendo-se descrição de uma situação de descalabro que em cursos de krav-magá, a luta que prepara se encaixa na famosa fabricação de “ondas” soldados do exército israelense contra o ter- objeto de estudos acadêmicos e mesmo de rorismo, providenciando a blindagem de car- eventuais críticas de jornalistas mais quali- ros e sistemas eletrônicos de vigilância, con- ficados18. Situação comparável, para ficar- tratando seguranças particulares). O “outro mos no exemplo mais contundente, ao pe- lado” são as “aulas de cidadania” promovi- ríodo que antecedeu a Operação Rio, em das por ONGs em , buscando afastar 1994, com a óbvia diferença dos resultados, os jovens do crime através do esporte, com de acordo com particularidades da conjun- destaque para o projeto “Luta pela paz”, que tura política. tem no estímulo ao boxe o gancho para a me- Assim, temos “Bandidos desafiam go- táfora ideal. verno e jogam granada em secretaria” (15/5); Como se vê, nenhuma novidade, a não “Ministério da Justiça manda PF investigar ser a própria ênfase no tema, que traduz a atentado no Rio (16/5); “Governo do Rio já idéia de que “ninguém agüenta mais” tanta negocia força-tarefa contra o crime” (17/5); violência. Idéia recorrente, como qualquer “Benedita aceita força-tarefa mas quer o Rio pesquisa aleatória poderá verificar, tantos fo- no comando” (18/5, uma edição que traz ma- ram os episódios, em tão diferentes governos téria em página interna na qual o prefeito Cé- (que a mídia torna tão parecidos), capazes sar Maia, fotografado conversando com Be- de produzir séries de reportagens sobre o as- nedita, “defende morte de bandidos para ga- sunto. Mas, bem a propósito, uma crônica de rantir a ordem pública no Rio”). Carlos Heitor Cony, em 12 de junho, usava o Pausa para respiração no domingo, dia 19, mesmo título para comentar a remissão: ao mas nem tanto, pois a manchete remete ao passar por uma banca de sebos no Largo do ambiente onde brota a violência: “Cem fa- Machado, vira uma velha Manchete dos anos velas surgiram no Rio em quatro anos”. No 70, com uma chamada berrante, em verme- começo da semana, a seqüência retomada: lho e amarelo: “Cidade sitiada”. “PF defende força-tarefa com comando con- Estaria a cidade sitiada há três décadas? junto” (20/5); “Plano contra o crime prevê o Se há tanto tempo ninguém agüenta mais 18 Cf., no primeiro caso, Mark Fishman. Manufac- tanta violência, e se mesmo assim continu- turing news. Austin, University of Texas Press, 1990; amos agüentando, que motivos levariam a no segundo, Janio de Freitas, “As ondas do Rio”, Fo- mídia a reiterar suas manchetes? Que mo- lha de S.Paulo, 30 de outubro de 1994. www.bocc.ubi.pt 16 Sylvia Moretzsohn bloqueio de carros em favelas” (21/5); “Go- 7 Sexo, drogas e funk and all verno libera recursos para a segurança no Rio” (22/5). Em fins de maio, o repórter Tim Lopes inici- ara a apuração de uma matéria na favela de No dia 23 a manchete é sobre economia, Vila Cruzeiro, na Penha, supostamente aten- mas o assunto continua em chamada no alto dendo a pedido de moradores que, indigna- da primeira página: “Força-tarefa: PF quer dos mas temerosos de represálias, teriam te- a participação da prefeitura”. Seguimos até lefonado para a Rede Globo denunciando a o fim do mês com o crime em destaque má- realização de bailes funk com shows de sexo ximo: “Governadora anuncia parceria com ao vivo protagonizados por adolescentes e prefeituras contra o crime” (24/5); “Polí- farto consumo de drogas, sob o patrocínio cia descobre conexão paulista em crimes no dos traficantes locais. O repórter teria ido à Rio” (25/5); “Violência esvazia a noite do favela três vezes. Ao retornar, dia 2 de junho, Rio” (26/5); “Força-tarefa faz plano para de- para documentar o baile com uma microcâ- ter violência” (27/5); “Benedita põe mais mera, desapareceu. Seu assassinato, que te- 1.300 policiais nas ruas do Rio” (28/5); “Trá- ria sido comandado pelo traficante Elias Ma- fico fecha túnel em dia de guerra” (29/5); luco, só foi confirmado uma semana depois. “PM admite que direito de ir e vir está amea- Tivesse tido sucesso, a investida alimen- çado” (30/5); “PM invade morros para impor taria a espiral de manchetes que criavam o cessar-fogo ao tráfico” (31/5). clima propício a mais uma onda de repres- são social (generalizada aos marginalizados, Tudo isso eventualmente editado ao lado portanto circunscrita aos morros), a pretexto de fotos sugestivas: uma menina olhando de combate ao tráfico. Com o indispensá- pela fresta de persianas verticais (como gra- vel condimento moral, aliás orientador de to- des?) entreabertas para deixar-lhe à vista das as coberturas sobre o tráfico: pois é mais apenas pequena parte do rosto, no dia em fácil e funcional encarar o bandido como o que se noticiou a “ameaça ao direito de ir malfeitor que desvirtua nossas crianças do e vir”; policiais atrás de vidros estilhaçados que apreender o tráfico em sua lógica econô- pelas balas, como se eles mesmos tivessem mica, demonstrada com especial clareza por 19 sido atingidos, no ataque da véspera ao posto Rosa del Olmo . policial de Ramos, noticiado em subtítulo e Impossível, então, não lembrar do escân- legenda no dia 17. Fora as habituais fotos de dalo da suposta epidemia de gravidez viti- policiais circulando armados pelos morros, mando adolescentes na “dança do trenzinho” em meio a crianças franzinas e assustadas. dos bailes funk, denunciada dois anos an- tes por alarmadas autoridades da saúde pú- Tudo isso concorrendo com o noticiário blica (pois se tratava sobretudo de uma ques- das vésperas da estréia do Brasil na Copa do tão de higiene...). Impossível não perceber Mundo. 19 Cf., por exemplo, “A legislação no contexto das intervenções globais sobre drogas”, in Discursos Se- Foi nesse crescendo que estourou o caso diciosos – crime, direito e sociedade, no 12. Rio de Tim. Janeiro, Revan/ICC, 2o semestre de 2002, p. 63-78.

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 17 o efeito de ocultamento que as imagens pro- perder tempo com bailes funk, onde todos metidas pela denúncia dos moradores indig- sabem o que rola? Por que não arranjar logo nados provocaria: raro seria o espectador a um “repórter investigativo”, de preferência perguntar-se sobre cenas semelhantes, mais com cara de gente fina, equipá-lo com câ- contundentes até, protagonizadas em festi- mera oculta e deixá-lo em certas festinhas nhas de classe média, tão longe vai longe da Zona Sul, na região serrana ou no litoral a memória do caso Cláudia Lessin. Muito do Rio, ou ainda em São Paulo, Brasília & alhures, reuniões freqüentadas por sociali- menos se suspeitaria dos processos seletivos tes, políticos, empresários, artistas e mostrar para atores adolescentes em busca do estre- como são esses encontros no que diz res- lato midiático. Ou – para retornarmos à ex- peito a sexo, drogas & rock n’roll? E que tal tração social dos marginalizados – se indaga- usar essas mesmas microcâmeras em certas ria dos efeitos de um tal recurso a vasculhar “reuniões de negócios” filmadas desse jeito? a intimidade de uma delegacia. Ou em certos “encontros políticos”? A rara, talvez isolada crítica sobre o mo- tivo fútil (embora muito funcional ao sis- Essa questão de fundo delimita o foco da tema) que expôs o repórter ao perigo e ao câmera oculta e obriga à urgente discussão desfecho trágico foi feita por Fritz Utzeri, sobre limites e métodos do trabalho da im- no JB. Primeiro, no artigo “Jornalismo ou prensa. Foi, aliás, o que o próprio Fritz pro- voyeurismo?”, em 9 de junho: curou fazer, em seu artigo inaugural sobre o caso Tim, intitulado justamente “Os limites Tim Lopes foi vítima da imprudência quase do jornalismo” e publicado dia 5 de junho, criminosa das chefias de jornalismo da TV. quando (pelo menos formalmente) ainda ha- Por que se arriscou? Para mostrar imagens via a esperança de que o repórter não tivesse de algo sabido, em nome do voyeurismo. sido assassinado. Cenas de sexo de adolescentes e consumo de drogas em bailes funk. Isso vale a vida O uso desses meios tecnológicos moder- de um repórter? A Globo insiste em confun- nos e miniaturizados facilita denúncias, sem dir jornalismo com reality show.O Jornal qualquer dúvida, mas pode ser também um Nacional noticia a campanha da novela das modo questionável de exercer a profissão. oito e o Big Brother como se fossem notí- Além disso, usados indiscriminadamente, cias. A novela faz – supostamente – campa- acabam sendo um convite à preguiça apura- nha contra as drogas (e é elogiada por isso), tiva e ao sensacionalismo voyeurista, além quando na verdade usa causa nobre para de desestimular o uso da inteligência, pois promover o voyeurismo mais escrachado e ao repórter exige-se que seja um bom ator técnicas jornalísticas para alavancar o ibope (algo não previsto nos pré-qualificativos re- de sua dramaturgia. queridos para o exercício da profissão), ca- paz de portar a câmera que denuncia. Mero Depois, em seu artigo seguinte, “Refle- instrumento. (...) xões”, de 12 de junho: Morrem anualmente dezenas de colegui- nhas em guerras, revoluções e acidentes. Se for para investigar o mundo do sexo e Faz parte do risco da profissão, mas daí a droga para mostrar no Fantástico, por que transformar cada um de nós numa cópia de www.bocc.ubi.pt 18 Sylvia Moretzsohn

007 vai uma distância enorme. Nós somos Não há nenhuma intenção da Globo em ne- testemunhas, não temos licença para matar e gociar com eles, em respeitá-los, em acre- nossa atividade só pode ser exercida dentro ditar que eles tenham palavra, honra, mo- da ética e da legalidade. Essa noção de que ral. São bandidos, facínoras e jamais nego- jornalista é jornalista é a única proteção que ciaremos com eles. Pareceu-nos absurda a temos ao entrar em zonas de conflito para idéia de a eles nos apresentar como jorna- sairmos vivos e contar a nossa história. Se listas, dizendo: “Estamos aqui para regis- nos confundirmos com espiões ou policiais trar os seus crimes; somos apenas observa- com eles seremos confundidos, e nesse caso dores neutros e gostaríamos da permissão é melhor mudar logo de profissão. O debate de vocês”. Como não cremos que seja essa está aberto. a proposta que está sendo sugerida, cabe a pergunta: não havendo esta possibilidade, Caberia lembrar, bem a propósito, que a alternativa seria o nosso silêncio, a nossa para o crime de espionagem em tempo de omissão, relegar toda essa gama de crimes à guerra o Cógido Penal Militar prevê pena de sombra? morte (art. 366). Mas, não, Tim não era um espião: era “um De novo o foco sobre um determinado as- cidadão”, conforme o título do texto que o pecto da vida (ou do desvio) social, agu- diretor da Central Globo de Jornalismo, Car- çando aquela vigilância sobre os marginali- los Henrique Schroder, publicou em resposta zados, a quem é sempre mais fácil vigiar por- a Fritz, no dia seguinte, no mesmo JB. “Tim que “vivem a céu aberto”, ao contrário das disfarçou-se do que no fundo é: um cidadão classes média e alta20; de novo a justificativa carioca, de bermuda, camiseta e pochete”. da utilização de todo e qualquer método de Cidadãos comuns não andam por aí com investigação. Observações muito instrutivas, câmeras ocultas. Mas Schroder faz pouco aliás, para informar o tipo de fundamenta- caso desse detalhe, tratando-o como “ape- ção sociológica ou criminológica que orienta nas um dos recursos que o jornalismo hoje a cobertura específica. pode usar com o avanço tecnológico. Claro, O curioso é que um dos principais argu- sempre com um indispensável bloquinho de mentos contra a violência cometida na cap- notas. Não foi ela [a microcâmera] que pôs tura do repórter, em reiterados protestos de Tim Lopes em perigo; descoberto, o bloqui- jornalistas e autoridades, foi o desrespeito à nho teria sido suficiente para despertar a ira liberdade de imprensa. Ora, seja porque esta dos traficantes, que conhecem seus adversá- é uma guerra sem lei, seja, tão-somente, por- rios: a sociedade de homens de bem deste que se trata de bandidos (por definição, aque- país”. les que transgridem a lei), como exigir res- Tim não era um espião, nem tampouco a peito a postulados clássicos do liberalismo nossa guerra é uma guerra qualquer: iluminista?

Os bandidos dos morros do Rio são bárba- 20 Augusto Thompson. “Reforma da polícia – mis- ros, criminosos, que têm feito questão cada são impossível”, in Discursos Sediciosos – crime, di- vez mais freqüentemente de demonstrar o reito e sociedade, no 9-10. Rio de Janeiro, Freitas seu sadismo. Bastos/ICC, 1o e 2o semestres de 2000, p. 244.

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 19

Também defensor da idéia de que esta é dos direitos assegurados pela Constituição “uma guerra pior do que a guerra” (JB, 5 de após o AI-5. Pois temos todas as garantias, a junho), na semana seguinte Eugênio Bucci não ser... escreveria sobre “o jornalista, o Estado de Direito e o assassino” (JB, 11 de junho), A não ser em situações excepcionais. E aceitando “o desafio da reflexão” que “diz quais são as situações excepcionais? Cer- respeito aos métodos aceitáveis na captação tamente não são aquelas em que só o que se de informações e também às relações entre pretende é fazer fofoca ou intriga de quinta as atribuições do repórter e as atribuições da categoria. São aquelas em que o acesso aos fatos, necessariamente de altíssima relevân- polícia”. Crítico de mídia com espaço sema- cia pública, é impraticável caso o jornalista nal em grandes jornais brasileiros e autor de 21 se apresente como jornalista. Essas situa- um livro sobre ética , ele passa a relacionar ções excepcionais se apresentam quando os o que, em tese, seria o comportamento espe- fatos investigados constituem crimes graves rado de um repórter: ou a premeditação de crimes graves contra cidadãos, contra o Estado de Direito ou sim- A rigor, a ética do profissional de imprensa plesmente contra a ordem, ameaçando di- exige que ele sempre se identifique como retamente um grande número de pessoas. tal e que não adote dissimulações na apu- Venda de drogas à luz do dia e a céu aberto, ração. Quem fala para uma reportagem tem por exemplo. Isso não pode ser fotogra- o direito de saber que está falando para uma fado por um repórter que, uma vez no lo- reportagem. Quem aparece numa gravação cal, anuncie placidamente seus propósitos. em vídeo que depois será exibida na TV tem E, no entanto, isso é um fato de alta relevân- o direito de saber do que é que está partici- cia, que o público tem o direito de conhecer. pando. A câmera oculta atropela esse di- Por isso, o jornalista tem o dever de regis- reito das fontes. A câmera oculta tapeia as trar, apurar, investigar e publicar. Ele pre- fontes e aqueles que são objeto da repor- cisa aparecer ali mais ou menos disfarçado. tagem. Embora não constitua obrigatoria- Não há outro modo de trabalhar. mente um crime como a violação de cor- respondência (art. 194 do Código Penal), é Assim esclarecidos, devemos depositar uma forma grave de invasão de privacidade. nas confiáveis mãos dos jornalistas (e das É análoga, em termos éticos, à escuta clan- empresas para as quais eles trabalham) o po- destina de ligações telefônicas (que também é crime). Ou seja: constitui um método que der de deliberar sobre o que é ou não de in- pode até ser empregado por espiões ou de- teresse público. tetives (numa prática extremamente discu- A melhor contrapartida a esse raciocínio tível, é verdade), mas nunca por um jorna- foi dada por Janio de Freitas, no único artigo lista. A não ser... que dedicou ao caso, bem a propósito intitu- lado “Tim e os outros” (Folha de S. Paulo, ...e então ficamos mais ou menos diante 16 de junho de 2002): 21 Bucci, hoje presidente da Radiobrás, assinava colunas no JB e na Folha de S. Paulo e é autor, entre Cidades como Rio e S. Paulo estão transfor- outros, de Sobre ética e imprensa (São Paulo, Com- madas em depósitos de pobres. Resultado panhia das Letras, 2000). de um processo. Diante do qual, tudo o que www.bocc.ubi.pt 20 Sylvia Moretzsohn

a mídia fez e faz são ondas de sensaciona- oficiais ou particulares, como por conveni- lismo. É a exploração mercantil-emocional ências materiais diretas. de um ou outro episódio. As políticas e não- E de que fronteiras da democracia se trata, políticas geradoras da degradação ficam in- ao falar da criminalidade produzida nas fa- tocadas. Para rechear o sensacionalismo, a velas? Os direitos dos pobres em geral são falsa defesa do interesse público escala um mesmo aqueles conferidos pela Constitui- culpado, assim proporcionando a conveni- ção? ente guarda a quem tenha real responsabili- dade pela degradação social e pela omissão Para terminar, uma comparação, entre tan- nas restrições à criminalidade. tas possíveis:

Pois “é fora das favelas que está a maior O sensacionalismo que se vale da tragédia parcela da responsabilidade pelo aumento in- de um jornalista sério como Tim Lopes é controlado da violência urbana”. mais um momento típico da mídia brasileira em relação à criminalidade. Tão poucos Sobre o tratamento dado ao “caso Tim”, dias depois do desaparecimento de Tim, um Janio aponta uma série de mistificações: casal foi também preso, torturado e assassi- nado quando entregava uma cesta de café da Pela pessoa, pelo profissional e pela atroci- manhã no dia dos namorados, nas cercanias dade atordoante de que foi vítima, o repórter de uma favela no subúrbio carioca ironica- Tim Lopes justifica toda a emoção emergida mente chamado Piedade. A jovem e ma- do seu desaparecimento. Não se justifica, rido que, guarda penitenciário, ocupava-se porém, o sentido dado a grande parte dessa de um trabalho complementar, seriam me- emoção, criador de ficções perigosas como nos humanos do que jornalistas? A tortura o surgimento de uma espécie de terror con- e morte de que padeceram seriam menos re- tra jornalistas, ameaças à liberdade de im- voltantes? Sim, a julgar pela maneira muito prensa e risco para a democracia. discreta com que o caso foi tratado na mí- Em qualquer lugar do mundo, ameaçar a se- dia do Rio. Talvez para não desconcentrar a gurança de um foco de bandidagem sujeita a exploração do outro caso. riscos, inclusive o de morte. Risco que não advém só da criminalidade instalada nas fa- Essa distinção de tratamento fica mais evi- velas, mas de vários outros gêneros de má- dente na cobertura das buscas pelo corpo de fias, que podem ser de empreiteiros, de poli- Tim, que vão fazendo brotar as atrocidades ciais (caso do ex-coronel e ex-deputado Hil- de que os pobres, criminosos ou não, são ví- debrando Paschoal, que matava com motos- timas cotidianas: primeiro um corpo carbo- serra no Acre), de bicheiros, a do combus- nizado, depois a descoberta de um cemitério tível adulterado e, tantas vezes, de políticos corruptos. (...) clandestino e várias arcadas dentárias. Ape- A liberdade de imprensa está reprimida, nas cinco dias depois das buscas O Globo (15 sim, mas não pela bandidagem favelada. de junho, p. 13) abre uma página para alar- Está sempre reprimida por muitos jornalis- dear os possíveis “200 corpos” do “cemité- tas e certos proprietários de mídia, com suas rio de Elias Maluco”. Uma reportagem es- práticas diárias de deformação e sonegação pecial, pois graves ocorrências como aquela de informações, por sujeição a interesses não alcançam o status de notícia para este

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 21 jornalismo, interessado a servir a seu pú- 8 A mídia vigilante, substituta do blico, que, por sua vez, só se interessa pela Estado pobreza quando é assaltado. Daí a hipocrisia apontada por José Murilo de Carvalho, que, O outro aspecto emblemático do caso Tim depois de sumariar as raízes extremamente Lopes é o sentido de “quarto poder” que a violentas de nossa formação social, denun- imprensa incorpora, agora radicalizado de- cia: vido à idéia de que “ao calar-se um jorna- lista, cala-se toda a sociedade”. Como a his- tória começou com a situação clássica do ci- A imprensa se mobiliza e a opinião pública dadão desprotegido e descrente do poder pú- se escandaliza com a violência apenas em blico, que apela à imprensa para ser aten- dois casos: quando ela se manifesta em dido, ficou mais fácil transformar o assas- massacres que envergonham o país perante sinato do jornalista em um atentado à liber- o mundo (Candelária, Carandiru, Eldorado) dade de imprensa. Esta foi a abordagem do e quando ela se exerce contra pessoas da Globo no editorial de 10 de junho (“O bom elite ou da classe média. (...) combate”), quando se noticiou a morte do re- Mas é preciso apontar a hipocrisia da rea- pórter: ção quando ela se esquece de que a popu- lação pobre é vítima cotidiana e sistemática ...é por esse ângulo que se deve reverenciar de violência, tortura e assassinato. As várias Tim Lopes, um soldado da cidadania. Ao ossadas encontradas nos cemitérios dos tra- recorrer à Globo e não à polícia, o morador ficantes são também de cidadãos brasileiros. do bairro da Penha, com o gesto, simbolizou São cidadãos brasileiros os milhares de de- a incapacidade do poder público de debelar saparecidos, torturados, mutilados, mortos, a maior crise de segurança enfrentada pelo esquartejados. Com suas mortes ninguém 22 Rio em mais de meio milênio de história. se comove . Liga-se para uma redação, não para a polí- cia. Por isso o mini-editorial “Obrigação”, pu- O recurso é espantosamente apresen- blicado no mesmo dia 18, no alto da página tado como novidade, e novidade provocada 15, cai no pântano das boas (hipócritas?) in- pela propalada “ausência do poder público”. tenções: o jornal conclama o poder público a Legitima-se assim a imprensa como substi- “vasculhar a área, recolher as ossadas e fazer tuta de um Estado falido e, ao mesmo tempo, o possível para identificá-las. Não só por- reitera-se o discurso que apela à repressão que é o que manda a Justiça; mas por uma crescente contra o “crime”, reificado como simples questão de humanidade”. Mas, se sempre. o próprio jornal – a mídia, de forma geral – O não se cansa de repetir que o poder público é ausente e só funciona se alertado pela im- morador agiu corretamente. A distorção prensa... está nas circunstâncias vividas pelo Rio de Janeiro e outras grandes cidades brasileiras. 22 José Murilo de Carvalho. “Elias, maluco?”, in O Junto com Tim Lopes, foi alvejado o jor- Globo, 18/6/2002, p. 7. nalismo investigativo. Mas, como destacou

www.bocc.ubi.pt 22 Sylvia Moretzsohn

editorial divulgado ontem pela TV Globo, para a repercussão de declarações indignadas “temos certeza de que, mesmo diante deste de autoridades, a começar pelo próprio pre- atentado, a imprensa brasileira não abrirá sidente da República, que O Globo publicou mão do seu papel”. A imprensa não recu- no dia 10: ará, é certo. (...) Mas esta é uma guerra que não pode ser É mais um crime hediondo. O assassinato ganha apenas pela imprensa. Esta é uma do jornalista Tim Lopes tem, além do mais, guerra de todos – do Estado, da sociedade. uma conotação específica, porque se tratava Também não é uma guerra do estado e da de um repórter investigativo. É uma tenta- cidade do Rio de Janeiro. É uma guerra do tiva de silenciar a imprensa na questão da Brasil. droga. Nós estamos passando de todos os li- mites. É o momento de nos darmos as mãos, No dia 6, o Jornal do Brasil já havia tra- tanto os governo federal, estadual e muni- tado do tema com enfoque semelhante, num cipal quanto a sociedade, e colocarmos um editorial cujo tom belicoso se evidenciava ponto final nessa série de barbaridades que desde o título: “A guerra começou”. estão ocorrendo. O assassinato desse jorna- lista indigna a todos os brasileiros. O jornalista estava ali porque a polícia não estava. Por sua natureza, a colheita de infor- É também o sinal para o lançamento de mações em terreno minado é perigosa, mas duas campanhas: de um lado, a série “Ho- não impossível. A imprensa já solucionou mens de bem”, espelho de atuação da Globo crimes – comuns ou de colarinho branco – como empresa incentivadora de “cidadania”, de que a polícia passou ao largo. Mas nada na qual o RJ-TV mostra histórias de pes- se compara à impunidade reinante no Rio de soas simples que tiram da dor e da adversi- Janeiro, onde nem 10% dos crimes de morte são solucionados. A impunidade é a mãe de dade as condições para lutar por uma vida todos os crimes que se cometem até mesmo melhor e para agir em prol da comunidade; a céu aberto. de outro, a enxurrada de reportagens e arti- Só há uma maneira de conviver com este gos que desqualificam o sistema judicial e caso, de péssima repercussão internacional: apelam para o recurso à força: o espanto solucioná-lo, como ponto de partida para diante de “manobras jurídicas” que “deixa- uma cruzada maior de enfrentamento da cri- ram à solta” o assassino de Tim (O Globo, minalidade em seus nichos. A situação a 11 de junho), insinuando não só que o di- que se chegou é de guerra urbana, e não há reito deveria valer apenas para os “cidadãos mais como recuar. de bem” como, de modo até ingênuo, que se Elias Maluco estivesse preso o repórter Assim, a imprensa retoma, agora como não teria sido executado; o elogio de Elio personagem (mesmo porque aquela fora Gaspari (12 de junho) às “Supermax”, peni- 23 “uma morte na família” ), a dicotomia entre tenciárias americanas de segurança máxima “bandidos” e “homens de bem” que ajuda a apresentadas como solução mágica, e cuja sedimentar em sua pauta cotidiana. É o sinal eficácia nunca é confrontada com políticas 23 Luiz Garcia. “Somos todos vítimas”, in O alternativas de segurança pública, estatistica- Globo, 10/6/02, p. 14. mente tão ou mais bem sucedidas nos pró-

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 23 prios EUA – fora o ocultamento de determi- Globo, 10 de junho), artigos (“Somos todos nadas conjunturas que propiciam a redução vítimas”, Luiz Garcia, O Globo, 10 de junho) ou o crescimento do crime, jamais conside- lembram que ele (como Jesus?) morreu por radas na análise24; e, no mesmo dia, mais nós: uma vez a criminalização do lazer dos po- bres na chamada de capa, com a pergunta Somos todos vítimas. É nesse contexto que que já embute a resposta: “Funk, voz do devemos reagir. Preste atenção, prezado lei- morro ou do tráfico?”, apesar da publicação, tor: Tim morreu porque era um de nós. Mas na mesma edição, de artigo de um represen- morreu por sua causa. tante do grupo Afro Reggae (O Globo, 12 de junho). Na televisão, a Globo investe na dramatur- A carga aumenta com o lançamento da gia do Jornal Nacional: atrizes emprestam pergunta “O Rio está perdendo a guerra con- suas vozes a relatos emocionados da mãe e tra o tráfico?”, que trabalha a velha dicoto- da viúva, o locutor William Bonner se es- mia da cidade como organismo sadio versus mera nos editoriais, uma edição do telejor- o corpo estranho do crime que a agride e cor- nal termina com uma homenagem de toda a rompe. Este é o título do caderno especial equipe, reunida no estúdio, vestindo negro, publicado em 16 de junho, tendo na capa, em aplaudindo o colega assassinado. O Fantás- primeiro plano, o cano de um fuzil apontado tico faz longa reportagem recuperando ima- para o leitor; mas é a vinheta que, antes e de- gens da “Feira das Drogas”, do jornalista no pois desse dia, apresenta reportagens sobre o ambiente de trabalho e em outras reporta- “poder (ou Estado) paralelo” dos traficantes. gens, entrecortadas por depoimentos de au- A do dia 15 de junho é exemplar da desquali- toridades escandalizadas com o ponto a que ficação do direito: abaixo da manchete (“Jus- chegamos, e compara o “jornalismo investi- tiça cega até demais”) figuram, de um lado, a gativo” de Tim à cobertura da guerra do Vi- estátua da Justiça, e de outro o traficante Cel- etnã. Na Globo News, sucedem-se progra- sinho da Vila Vintém, preso no mês anterior, mas de debates que já partem de um con- sorridente e debochado apesar de algemado. senso sobre a ousadia do poder (ou do Es- Entre as duas imagens, um bloco de texto, tado) paralelo – o que, pelo menos numa oca- sob o título “Traficantes perigosos conquis- sião, chegou a causar constrangimentos aos tam benefícios facilmente, até por bom com- convidados, que discordavam daquela abor- portamento” (p. 16). dagem. No GNT, outro canal pago da em- Em paralelo ao apelo à repressão, edifica- presa, reprisam-se em seqüência os docu- se a imagem do mártir. Valendo-se do su- mentários “Notícias de uma guerra particu- gestivo nome de batismo do repórter, maté- lar”, sobre o tráfico nas favelas do Rio, e rias ressaltam seu caráter e sua simplicidade “Morrendo para contar a história”, o caso (“Um repórter que se chamava Arcanjo”, O de um fotógrafo de agência morto na Somá- lia ainda muito jovem, um elogio ao repórter 24 Cf., por exemplo, Loïc Wacquant. Punir os po- que personifica o ideal do jornalismo de não bres – a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. medir esforços para “contar a verdade”, mas Rio de Janeiro, Freitas Bastos/ICC, 2000. não faz qualquer ligação entre o seu traba- www.bocc.ubi.pt 24 Sylvia Moretzsohn lho e a empresa que o remunera: é como se de uma barreira do exército, foi obrigado a ambos compartilhassem do ideal. deitar-se no chão e, logo após, assassinado a sangue frio em 1979 por um soldado da Guarda Nacional de Somoza. Segundo Ar- 9 No “memorial dos mártires”: gemiro, num livro financiado pela instituição Tim, Herzog e... Baumgarten The Freedom Forum, Stewart é apresentado como “veterano de duas guerras e três rebe- A edição de 13 de junho do “Sem Frontei- liões”, que cobria “a guerra civil entre tro- ras”, da Globo News, sobre o Newseum, o pas do governo da Nicarágua e os rebeldes “memorial dos mártires do jornalismo”, vai Contras” e foi executado por um soldado do no mesmo sentido dessa construção de ima- governo. gem. Depois de apresentar casos clássicos de violência contra jornalistas pelo mundo todo, Quem lê o texto conclui que o repórter foi depois de realizar várias entrevistas com di- executado pelos sandinistas. Os Contras, ferentes defensores de direitos humanos e de ali citados, não existiam em 1979. Só fo- contar (o que seria) a história do memorial, ram recrutados, armados e financiados pela o repórter Jorge Pontual conclui informando espionagem (CIA) dos EUA três ou quatro que Tim Lopes terá seu nome imortalizado anos depois, celebrizando-se pelas atrocida- ao lado de outros mártires do jornalismo. E des contra civis na guerra secreta do go- começa a recitar: Wladimir Herzog... Ale- verno Reagan contra o governo sandinista xandre von Baumgarten... da Nicarágua. Baumgarten, assassinado em queima de Assim se revelam as intenções do “Fó- arquivo em outubro de 1982 porque ame- rum da Liberdade”, que, segundo o jorna- açava revelar a história do acordo que fir- lista, conta com 1 bilhão de dólares para sus- mara com a “comunidade de informações” tentar suas atividades, entre elas o Newseum na transação que lhe garantiria recursos para (Museu da Notícia) e um certo First Amend- reerguer a revista O Cruzeiro em troca da pu- ment Center, através dos quais “a organiza- blicação de matérias de interesse do SNI? ção arvora-se em juiz da liberdade de expres- Baumgarten, colaborador da ditadura, um são no mundo – sob a ótica americana, favo- mártir do jornalismo? rável não ao direito das pessoas à informa- A surpresa diante da placidez do jorna- ção, mas ao das corporações de dizer o que lista a recitar aqueles nomes põe em xeque quiserem”. todas as informações daquela reportagem e provoca uma pesquisa própria sobre história Como o USA Today, The Freedom Fo- desse memorial. Então encontramos um ar- rum é uma invenção do magnata Allen H. tigo de Argemiro Ferreira publicado no site Neuharth, executivo que usou o título da au- do Observatório da Imprensa em 20 de junho tobiografia (Confessions of a S.O.B.) para de 2001: “The Freedom Forum – a história confirmar a suspeita que se tinha dele – de virada pelo avesso”. A história é a do jorna- que é um bom FDP. lista americano Bill Stewart, que cobria a re- Eu o vi há uns seis anos, em evento do Fre- volução sandinista e, ao identificar-se diante edom Forum em Nova York (há centros em

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 25

toda parte, o da América Latina é na Argen- relação de poder nas redações. Salvo exce- tina). Explicava-se ali o critério para se in- ções já citadas aqui, não se discutiam mé- cluir nomes num monumento a jornalistas todos, limites, enfim, o sentido da atividade vítimas do arbítrio. Numa matéria, obser- profissional. O Fórum sintetizou esse qua- vei à época que o nome de Vladimir Herzog dro, a partir mesmo da pergunta que, escrita não aparecia e sugeri que a causa era ideo- numa faixa, dominava o auditório do 7o an- lógica. Depois soube que incluíram Herzog dar da ABI, e depois seria transferida para o – mas junto com outro “mártir da imprensa” hall de entrada do prédio: “Onde está Elias brasileira, Alexandre von Baumgarten... Maluco?”. Qualquer perspectiva de discus- são séria já estaria descartada a partir dali, O engodo que aquela edição do “Sem pois, se a questão era saber onde estava o tra- Fronteiras” ajudou a sacralizar é apenas um ficante, uma vez que ele aparecesse o assunto exemplo, talvez um dos mais eloqüentes, da estaria encerrado. Na abertura dos debates, o enorme mistificação que a mídia fez de si discurso da viúva reiterava aquela impossi- mesma no caso Tim. bilidade, pois qualquer crítica tenderia a ser vista como um atentado à memória do com- 10 “Aqui está Elias Maluco” panheiro morto. Na cobertura do evento, veiculada em A diluição de conflitos é parte dos projetos www.partodeideias.org sob o título “Mos- de integração nacional que, no Brasil, são trar os dentes e mascar clichês”, Hugo R.C. tentados, pelo menos, desde o Estado Novo. Souza e Paula Grassini falam da repetição Entidades sindicais de jornalistas não costu- de lugares-comuns em torno da idéia de po- mam freqüentar o noticiário, a não ser na der paralelo do tráfico e do estado de guerra condição de agitadoras (quando de campa- civil, do desdém a pontos de vista contrá- nhas eleitorais radicalizadas, como em 89) rios aos já sacralizados e, muito significa- ou rés (por exemplo, no episódio que envol- tivamente, do que chamaram de “tropa de via a obtenção ilegal de registros profissio- choque” da Globo na platéia, pronta a rea- nais e aposentadorias, no Rio de Janeiro). O gir ao mínimo sinal de crítica ao comporta- caso Tim conseguiu a proeza de unir a mí- mento da empresa. Uma das presenças ilus- dia (leia-se, principalmente, a Rede Globo) a tres na audiência foi William Waack, cha- entidades que em outros tempos desafiaram a mado à mesa para discutir segurança no tra- ditadura: ABI, Sindicato dos Jornalistas Pro- balho: na qualidade de ex-correspondente fissionais do Município do Rio de Janeiro e internacional responsável pela cobertura de Federação Nacional dos Jornalistas. guerras, ele e outros na mesa passaram a fa- O Fórum Tim Lopes Nunca Mais, de 5 a lar de detalhes como as características dos 9 de agosto, foi o ponto alto de um movi- coletes à prova de bala que os repórteres de- mento que expressava ao mesmo tempo a in- veriam usar para certas missões. Bem a pro- dignação dos jornalistas e sua incapacidade pósito, a TV Globo, que cobriu todos os dias de enfrentar questões que fugissem ao estrito do evento, dedicou uma reportagem no Jor- âmbito corporativo da segurança no trabalho, nal Nacional a uma suposta disseminação do das responsabilidades dos empregadores e da uso desses coletes para a proteção das pes- www.bocc.ubi.pt 26 Sylvia Moretzsohn soas no cotidiano das grandes cidades. Os governo estadual e a aparente mobilização entrevistados, claro, eram empresários, sem- enérgica do prefeito; na própria notícia da pre focalizados do pescoço para baixo. Não morte de um dos traficantes, com a publica- ocorreu aos repórteres indagar sobre o uso de ção da foto que ridicularizava o secretário de capacetes. segurança, Roberto Aguiar, com seus gestos Na manhã de 19 de setembro, 109 dias de- desencontrados e seus olhos arregalados (O pois do crime, quando já se esgotava o prazo Globo, 16 de agosto de 2002); finalmente, estabelecido pelas autoridades para a cap- em nova rebelião em Bangu I, quando se atri- tura, a polícia finalmente respondeu à per- buiu a Beira-Mar o assassinato de quatro tra- gunta que atormentava os jornalistas. Um ficantes da facção rival (edições de 12 e 13 de cartaz escrito rudimentarmente em letras ir- setembro), e se criava a expectativa de inva- regulares informava: “aqui está Elias Ma- são do presídio, fazendo prever uma reedição luco”, ao lado da exibição do traficante. O do massacre de Carandiru. bandido perigoso e sanguinário “que sempre No entanto, essa mesma análise dá conta andava armado” foi preso na mesma favela de aplausos inéditos a um governo de opo- onde atuava, de bermuda, descalço, sem ca- sição. Primeiro, no episódio do afastamento misa e sem arma, sem um só tiro disparado. do responsável pelo inquérito que apurava o Era quem faltava: o chefe, o mais impor- assassinato, e que ousara comentar em seu tante. Os outros haviam sido presos, alguns relatório a imprudência do repórter – o que logo após o crime, outros mais tarde; dois es- mereceu até um suspiro desolado de Wil- tavam mortos, e o Jornal Nacional de 17 de liam Bonner (“não, Tim Lopes não morreu setembro cometeu imperdoável falha ao di- pela notoriedade, ele queria ajudar uma po- zer que ambos haviam sido assassinados. Fa- pulação que estava cansada de pedir ajuda à lha nossa, corrigida a tempo: um havia mor- polícia...”) na leitura do editorial indignado rido em troca de tiros com a polícia (o que que fechou o Jornal Nacional de 7 de agosto: obviamente exclui a hipótese de homicídio) a pronta atitude da governadora lhe valeu o e o outro se suicidara. Boa noite. elogio explícito na edição seguinte. Depois, Um estudo mais aprofundado poderá iden- na ação que conteve a rebelião em Bangu I. tificar o que teria ocorrido na relação da mais Finalmente, no louvor à operação que pren- influente empresa jornalística brasileira com deu o principal responsável pelo assassinato o governo do estado. Uma análise de fora de Tim. permite perceber a tensão em várias manche- O editorial da TV Globo é uma peça tes, nesse meio tempo: no episódio da des- exemplar de adaptação do discurso midiático coberta de uma suposta “central telefônica” à situação do momento e de reiteração dos em Bangu I, através da qual o traficante Fer- postulados aqui apresentados. Por isso vale nandinho Beira-Mar era associado a Bin La- a pena reproduzi-lo na íntegra: den porque teria mandado encomendar um míssil “como os da Al-Qaeda” (dia 19 de ju- Foram três meses de angústia e medo para a nho); no “atentado com 200 tiros” à sede da população do Rio, desde que o assassinato prefeitura, que “desafia[va] poderes no Rio”, de Tim Lopes revelou todo o poder para- em reportagem que opunha a fragilidade do lelo dos traficantes – numa longa reporta-

www.bocc.ubi.pt O caso Tim Lopes: o mito da “mídia cidadã” 27

gem escrita com o próprio sangue do jorna- não compensa. Que isso não é apenas um lista. O que se exigia então era uma polícia ditado popular. É uma verdade. eficiente, capaz não somente de prender os culpados como também de conter os altos Não há crítica política, embora este seja índices de violência. um contexto de disputa eleitoral. Quem sabe Exigir a prisão dos assassinos de Tim, com foi por isso que o presidente do STJ, Nilson a persistência com que todo o Brasil exigiu, Naves, pôde definir, delicada e sentenciosa- não era reivindicar um privilégio. Todo as- mente: “uma vitória das forças do bem sobre sassinato tem de ser punido. Mas a persis- as forças do mal”. Quem sabe também foi tência foi também o reconhecimento de que por isso que, naquele dia de glória, a gover- quando se mata um jornalista o que se pre- nadora Benedita da Silva recebeu elogios até tende é calar toda a sociedade. da presidência da República, “por sua atua- A prisão de Elias Maluco foi uma vitória da ção, com firmeza, na repressão ao crime or- polícia que o Brasil deseja: a vitória de uma ganizado, dando ao Rio de Janeiro a perspec- polícia que entende como legítima a pres- tiva de uma melhor segurança”. são por resultados, mas que não toma me- Sem dúvida, ali estava muito mais do que didas precipitadas – e quase sempre de efi- Elias Maluco. cácia duvidosa – apenas para tentar conter o clamor popular. A vitória de uma polícia que aceita a crítica como construtiva, e não 11 Bibliografia como fruto de uma luta política, que não há: porque o que todos desejam é a derrota do Publicações acadêmicas crime. A vitória de uma polícia que pre- Batista, Nilo. “Mídia e sistema penal no fere investigar em silêncio, usando moder- capitalismo tardio”, in Discursos Sediciosos namente as técnicas de inteligência – e evita – crime, direito e sociedade, no 12. Rio de medidas apenas cosméticas – mas de grande Janeiro, Revan/ICC, 2o semestre de 2002, p. impacto. Às vezes com o custo da impopu- laridade. 253-270. ______. “A privatização da cidada- Com Elias Maluco atrás das grades, e tam- nia”. Texto apresentado no colóquio “Cida- bém com a prisão de outros chefes do trá- des, cidadania e direitos”. Laboratório Ci- fico, o governo do estado mostrou que o Rio dade e Poder, Niterói, ICHF, 2 de julho de tem uma polícia que, em sua maioria, é ca- paz de acertar. O Rio de Janeiro está, sem 2002. nenhuma dúvida, de parabéns, e merece co- Champagne, Patrick. “La vision médiati- memorar essa vitória. Mas sem perder de que”, in Pierre Bourdieu (org.), La misère du vista que a luta apenas começou. monde. Paris, Seuil, 1993, p. 61-79. Costa, Maria Tereza P. da. O programa Elias Maluco é somente um numa multidão. É preciso agora continuar a dar sinais cla- Gil Gomes – a justiça em ondas médias. ros ao crime de que não haverá trégua. A Campinas, Unicamp, 1992. luta será contínua, dura e difícil, mas con- Fishman, Mark. Manufacturing news. tará sempre com o apoio da população. Por- Austin, University of Texas Press, 1990. que é sempre bom poder dizer que o crime Fraga Rocco, Maria Thereza. Linguagem www.bocc.ubi.pt 28 Sylvia Moretzsohn autoritária – televisão e persuasão. São Rio de Janeiro, Freitas Bastos/ICC, 1o e 2o Paulo, Brasiliense, 1988. semestres de 2000, p. 244 Lemos, Cláudia. Seis questões sobre o Wacquant, Loïc. Punir os pobres – a nova jornalismo: uma leitura da imprensa bra- gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio sileira nos anos 90 a partir de Ítalo Cal- de Janeiro, Freitas Bastos/ICC, 2000. vino. Tese de doutorado em Literatura Com- Young, Jock. A sociedade excludente – ex- parada. Belo Horizonte, UFMG, 2001 clusão social, criminalidade e diferença na Lukács, Georg. “O marxismo ortodoxo”, modernidade recente. Rio de Janeiro, Re- in História e consciência de classe. Lisboa, van/ICC, 2003. Escorpião, 1974, p. 20. Artigos em jornais Mattelart, Armand. Comunicação-mundo Bucci, Eugênio. “Uma guerra pior do que – história das técnicas e das estratégias. Pe- a guerra”, in Jornal do Brasil, 5/6/2002. trópolis, Vozes, 1994, p. 276 ______. “O jornalista, o Estado Mendonça, Kleber. “A onda do arrastão”, de Direito e o assassino”, in Jornal do Brasil, em Discursos Sediciosos – crime, direito 11/6/2002. e sociedade. Rio de Janeiro, Freitas Bas- Carvalho, José Murilo de. “Elias, ma- tos/Instituto Carioca de Criminologia, ano 4, luco?”, in O Globo, 18/6/2002. no 7-8, 1o e 2o semestres de 1999, p. 267-282 Freitas, Janio de. “As ondas do Rio”, Fo- ______. A punição pela audi- lha de S.Paulo, 30/10/1994. ência – um estudo do Linha Direta. Rio de ______. “Tim e os outros”, in Fo- Janeiro, Quartet/Faperj, 2002. lha de S. Paulo, 16/6/2002. Moretzsohn, Sylvia. “Imprensa e crimino- Garcia, Luiz. “Somos todos vítimas”, in logia – o papel do jornalismo nas políticas de O Globo, 10/6/2002. exclusão social”. Rio de Janeiro, 2002, mi- Schroder, Carlos Henrique. “Um cida- meo dão”, in Jornal do Brasil, 6/6/2002. Olmo, Rosa del. “A legislação no con- Souza, Hugo R.C. e Paula Grassini. texto das intervenções globais sobre drogas”, “Mostrar os dentes e mascar clichês”, in Discursos Sediciosos – crime, direito e so- www.partodeideias.com, 20/8/2002. ciedade, no 12. Rio de Janeiro, Revan/ICC, Utzeri, Fritz. “Os limites do jornalismo”, 2o semestre de 2002, p. 63-78. in Jornal do Brasil, 5/6/2002. Paiva, Raquel. “A publicização da ética ______. “Jornalismo ou voyeu- no espaço midiatizado”, em Raquel Paiva rismo”, in Jornal do Brasil, 9/6/2002 . (org.), Ética, cidadania e imprensa. Rio de ______. “Reflexões”, in Jornal do Janeiro, Mauad, 2002, p. 29-40. Brasil, 12/6/2002. Riccio, Vicente. “A lei em tela e a tela da lei – o direito e os reality shows”, in Dados – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Iuperj, vol. 44, no 4, 2001, p. 773 a 805. Thompson, Augusto. “Reforma da polícia – missão impossível”, in Discursos Sedici- osos – crime, direito e sociedade, no 9-10.

www.bocc.ubi.pt