Risco Dendrocaustológico em Mapas 25

Distribuição dos incêndios florestais no concelho de Oliveira do Hospital*

Introdução

Os incêndios florestais, como quaisquer outros fenómenos que se desenrolem à superfície terrestre, são localizáveis. A sua representação cartográfica, porque permite visualizar a respectiva distribuição geográfica, pode ser um instrumento muito útil tanto na definição das áreas ardidas como na prevenção desse mesmo fenómeno, podendo ainda contribuir para a identificação das eventuais causas e para a explicação do seu maior ou menor desenvolvimento. Para comprovar estes possíveis objectivos, cartográfamos, não só os grandes incêndios florestais (ž 10 ha) ocorridos no concelho de Oliveira do Hospital nos últimos anos, mas também representámos os fogos detectados nesse concelho durante a época de 1989.

1. Características físicas

O concelho de Oliveira do Hospital, situado na extremidade oriental do “Alto Distrito” de , apresenta acentuados contrastes altitudinais e morfológicos, particularmente entre os sectores setentrional e meridional, cuja divisória coincide com a Estrada da , EN 17.

* Floresta e Ambiente, Parede, 11, 1990, p. 40-2 (agora com a versão completa das figuras, algumas das quais não foram publicadas).

Resumo da Conferência sobre “Impacte dos incêndios florestais nos ecossistemas do concelho de Oliveira do Hospital”, proferida no dia 21 de Junho de 1990, na Escola Secundária de Oliveira do Hospital, integrada na Semana Cultural. Desenhos de VICTOR HUGO FERNANDES. 26 Luciano Lourenço

A Norte predominam as superfícies aplanadas da Plataforma inclinada da Beira Alta, recortadas, aqui e além, pelo entalhe vigoroso da rede de drenagem (Mondego e Seia), enquanto que a Sul, as formas de relevo se apresentam mais movimentadas. Os vales profundos dos rios Alva e Alvôco aparecem separados pela Lomba da Carvalha e, na parte mais meridional do concelho, ergue-se, alterosa, a serra do Colcorinho, que culmina no Cabeço da Senhora das Necessidades com 1242 metros de altitude (fig. 1). Estas características morfológicas estabelecem localmente alguma diferenciação climática, em particular ao nível da precipitação e da temperatura do ar, que, contudo, não são suficientes para provocar uma grande diversidade entre as espécies florestais.

Fig. 1 - Corte esquemático do concelho de Oliveira do Hospital. 1 - Áreas não queimadas e 2 - Áreas que foram queimadas.

Na actualidade predomina o pinheiro bravo (Pinus pinaster) a que, por vezes, nas áreas mais planas, se associa o pinheiro manso (Pinus pinea), em povoamentos de relativa importância. Recentemente, nas áreas queimadas situadas a sul do concelho, foi introduzida a monocultura do eucalipto (Eucaliptus globulus). Nesta área ainda se encontram localmente alguns povoamentos de medronheiros (Arbustus unedo), por vezes arbóreos, chegam a alcançar 10 metros de altura, e também restos de soutos de castanheiros (Castanea sativa), vestígios das espécies vegetais que, até meados deste século, foram dominantes na região. Desde então, devido ao progressivo abandono dos campos, a área com aptidão florestal tem vindo a aumentar sem que, no entanto, a superfície Risco Dendrocaustológico em Mapas 27 florestal tenha crescido, antes pelo contrário, pois grande parte das manchas florestais foram, entretanto, consumidas pelas chamas e, na realidade, o que aumentou foi a área de incultos. As condições morfoclimáticas deste concelho fazem dele uma área dominantemente florestal apresentando uma taxa de arborização(1) de 54,2% (QUADRO I). QUADRO I - Ocupação do solo no concelho

Fonte: “Distribuição da Floresta em Continental. Áreas florestais por concelhos”. Estudos e Informação, nº. 289, Direcção-Geral de Ordenamento e Gestão Florestal, Ministério da Agricultura e Pescas.

2. Análise estatística dos incêndios florestais

Apesar de um tanto irregular, a evolução do número de incêndios ocorridos nos últimos anos neste concelho (fig. 2) mostra uma certa propensão para o registo de uma média anual relativamente elevada, 84 fogos entre 1982 e 1989, o que, em termos médios, traduz a ocorrência de um incêndio por dia, durante a “época de fogos”, na floresta do concelho de Oliveira do Hospital.

1 Os valores referem-se a 1974, ano em que foram cartografadas as manchas florestais. 28 Luciano Lourenço

Fig. 2 - Evolução anual do número de incêndios florestais ocorrido no concelho.

Fig. 3 - Evolução anual das áreas ardidas no concelho. Risco Dendrocaustológico em Mapas 29

No que respeita à área ardida anualmente, dispomos de informações mais antigas que também apresentam um comportamento com altos e baixos. Os anos com problemas mais graves foram, neste concelho, os de 1978, 1983 e 1987, respectivamente com 1110, 1207 e 1601 ha de floresta queimados (fig. 3). Em termos médios, no período de 1975 a 1989, arderam anualmente 516 ha de floresta e mato no concelho, o que significa uma área ligeiramente superior a 6 ha por fogo, ou seja, registaram-se muitos incêndios mas a sua maior parte apresentou pequenas dimensões.

3. Distribuição espacial dos fogos

A apresentação cartográfica dos incêndios florestais ž 10 ha, ocorridos depois de 1975 no concelho, denota a propensão de certas áreas para o registo de sinistros com alguma gravidade. Trata-se, naturalmente, dos locais onde o relevo se apresenta mais movimentado, logo, onde os declives são mais acentuados e, por isso, onde existe maior dificuldade de acesso o que dificulta não só o combate às chamas mas também a própria limpeza das matas. Verifica-se que existem duas áreas preferenciais para a ocorrência de grandes incêndios florestais. Uma delas, situada na parte Norte do concelho, desenvolve-se ao longo dos vales encaixados dos dois principais rios, o Mondego e o Seia. A outra área, localiza-se a Sul do concelho e engloba tanto o vale do rio Alva, de vertentes abruptas, como o conjunto montanhoso que lhe fica a Sul, constituído pela Lomba da Carvalha, correspondente ao interflúvio Alva/Alvôco, e pela serra do Colcorinho, situada na parte mais meridional do concelho (figs. 1 e 4). Deste modo, a repartição espacial das áreas ardidas no concelho de Oliveira do Hospital, traduz bem o peso das características físicas, em particular do relevo, que, directa ou indirectamente, são determinantes para a rápida progressão dos fogos florestais, como se depreende do facto dos maiores incêndios se terem verificado nas áreas mais montanhosas da serra do Colcorinho. 30 Luciano Lourenço

Rio M ondego Áreas Ardidas 1976 Sem 1977 1978 1979 1980 1981 1982

Seixo da Beira 1983 1984 1985 eia oS 1986 Ri 1987 Sem 1988 1989 Ervedal

Legenda - 1 Lagares da Beira - 2 - 3 Meruge - 4 Travanca de Lagos - 5 - 6 Lajeosa Lagos da Beira

7 1 E. N.

Bobadela OLIVEIRA DO HOSPITAL

lva S. Paio de Gramaços o A Ri

Nogueira do Cravo S. Gião Penalva de Alva

Lourosa S. Sebastião da Feira Santa Ovaia

Vila Pouca da Beira Alvoco das Várzeas oco Alv Ri o Aldeia das Dez Avô

Escala Gráfica

1000 m 0 1 2 3 4 Km

Fig. 4 - Distribuição espacial dos grandes incêndios florestais (ž 10 ha) registados no concelho. 1 - Sede de concelho; 2 - Sedes de freguesia; 3 - Estrada da Beira (EN 17); 4 - Rios; 5 - Limite do concelho; 6 - Limites das áreas ardidas Risco Dendrocaustológico em Mapas 31

Fig. 5 - Localização dos fogos ocorridos durante a “época de 1989”. 1 - Sede de concelho; 2 - Sedes de freguesia; 3 - Estrada da Beira (EN 17); 4 - Rios; 5 - Limite de concelho; 6 - Fogos florestais. 32 Luciano Lourenço

4. Situação observada em 1989

A época de 1989 foi, de entre todas aquelas de que há registos, uma das que, neste concelho, apresentou maior número de incêndios florestais, 129, tendo sido apenas excedida em 1985, altura em que ocorreram 175 fogos, embora todos eles fossem de pequenas proporções, pois a área ardida foi das mais reduzidas. A cartografia dos focos de incêndios verificados em 1989, mostrou a sua concentração em certas áreas do concelho (fig. 5). Este simples facto suscitou-nos algumas dúvidas quanto à origem dos fogos. Efectivamente, o elevado número de incêndios florestais não poderá ser atribuído apenas a causas fortuitas, tanto mais que a sua representação cartográfica mostrou a concentração do fenómeno em determinados locais, normalmente a menos de um quilómetro dos agregados populacionais. Por isso, a distribuição espacial dos incêndios florestais, teoricamente aleatória, acaba por ilustrar a concentração de focos em áreas específicas. Tal facto poderá ajudar a reflectir sobre algumas das prováveis causas dos incêndios, nomeadamente sobre as intencionais, pois a concentração dos fogos em determinadas áreas atesta a sua indubitável origem humana, quer tenha sido propositada ou não. Conhecidos os locais de actuação preferencial dos descuidados ou dos malfeitores, pela repartição de fogos em certos lugares, torna-se necessário exercer particular vigilância nessas áreas, o que terá um efeito não só dissuador mas também contribuirá para a identificação de alguns criminosos, além de que pode auxiliar no combate aos fogos nascentes. Risco Dendrocaustológico em Mapas 33

Conclusões

A cartografia dos incêndios observados na floresta do concelho de Oliveira do Hospital, durante o ano de 1989, mostrou uma certa concentração dos incêndios florestais em determinadas áreas, próximas das povoações, o que pode ajudar a identificar a sua origem. No entanto, como apenas os grandes incêndios produzem efeitos calamitosos é nestes que se deve concentrar particular atenção, no sentido de tentar reduzir as causas que permitem o seu desenvolvimento, de molde a poderem ser minorados se não mesmo debelados. Como normalmente ocorrem em áreas de relevo movimentado é necessário envidar todos os esforços para que os fogos nascentes nessas áreas acidentadas, sejam sempre controlados rapidamente. Só assim será possível evitar que, todos os anos, milhares de hectares de floresta continuem a ser incinerados.