REVISTA BRASILEIRA DE SEGURANÇA PÚBLICA

Volume 11 Número 1 fevereiro/março 2017

ISSN 1981-1659 Expediente Expediente

Esta é uma publicação semestral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. ISSN 1981-1659

Rev. bras. segur. pública vol. 11 n. 1 São Paulo fev/mar 2017

Comitê Editorial Assistente Editorial Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (Pontifícia Universidade Católica Cauê Martins do - Porto Alegre/ Rio Grande do Sul/ Brasil) Renato Sérgio de Lima (Fórum Brasileiro de Segurança Pública – Equipe RBSP São Paulo / São Paulo / Brasil) Cauê Martins, David Marques, Isabela Sobral, Marina Bohnenberger, Olaya Hanashiro (Fórum Brasileiro de Segurança Pública - São Patrícia Nogueira Pröglhöf, Roberta Astolfi, Samira Bueno e Paulo / São Paulo / Brasil) Stefanie Prandi

Conselho editorial Revisão de textos Elizabeth R. Leeds (Centro para Estudos Internacionais (MIT) Denise Niy e Washington Office on Latin America (WOLA)/ Estados Unidos) Antônio Carlos Carballo (Polícia Militar do Estado do Traduções – Rio de Janeiro/ Rio de Janeiro/ Brasil) Firm Translations Christopher Stone (Open Society Foundations - Nova Iorque/ Estados Unidos) Capa e produção editorial Fiona Macaulay (University of Bradford – Bradford/ West Seepix D’lippi Yorkshire/ Reino Unido) Luiz Henrique Proença Soares (Fundação SEADE – São Paulo/ Endereço São Paulo/ Brasil) Rua Amália de Noronha, 151, Cj. 405 Maria Stela Grossi Porto (Universidade de Brasília – Pinheiros, São Paulo - SP - Brasil - 05410-010 Brasília/ Distrito Federal/ Brasil) Michel Misse (Universidade Federal do Rio de Janeiro - Telefone Rio de Janeiro/ Rio de Janeiro/ Brasil) (11) 3081-0925 Sérgio Adorno (Universidade de São Paulo – São Paulo/ São Paulo/ Brasil) E-mail [email protected]

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Cássio Thyone Almeida de Rosa Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Daniel Cerqueira Marcos Aurélio Veloso e Silva Edson M. L. S. Ramos Marlene Inês Spaniol Elizabeth Leeds Paula Poncioni Haydée Glória Cruz Caruso Paulo Sette Câmara Humberto de Azevedo Viana Filho Renato Sérgio de Lima Jacqueline de Oliveira Muniz Sérgio Roberto de Abreu Jésus Trindade Barreto Jr Yolanda Catão

2 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 2-4, Fev/Mar 2017 Sumário Sumário

Dossiê Apresentação ...... 6

Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático ...... 10 Carmen Hein de Campos

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 ...... 24 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira

Relações de gênero nas Guardas Municipais ...... 50 Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro ...... 74 Tatiana dos Santos Araújo

Dossiê | Entrevista Por um resgate da trajetória feminista...... 98 Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato

Artigos Nova ferramenta de entrevista investigativa na coleta de testemunhos: a versão brasileira da Self-Administered Interview© ...... 110 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência ...... 130 Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária ...... 148 Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann

A questão étnico-racial do sonho americano: o encarceramento dos pobres e negros no Estado policial ...... 164 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho

A medição de desempenho no serviço de Perícia Criminal: proposição

e aplicação em uma unidade pericial ...... 184 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo

Regras de publicação ...... 208

Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 2-4, Fev/Mar 2017 3 Summary 4 Publishing Rules Articles Dossier |Interview Dossier Table of Contents Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 2-4, Fev/Mar 2017 ...... Claudio VilelaRodrigues andJoséCarlos deToledo and application at aForensic Science Unity...... Performance onForensic Management Science Service: Proposition Kelly deSouza andNunoManuelMorgadinho Barbosa dosSantos Coelho of thepoorandblacks inthePolice State ...... The ethnic-racial issue of theAmericandream: Imprisonment Marcos Rolim, CristianeBraga andFernanda Winkelmann Socioeducational PODRSandthepower of tertiary prevention ...... Tiago Nogueira Hyra ChagasRodrigues Between NGOsandviolence shortages andopportunities: prevention Luciano Haussen Pinto andLilianMilnitskyStein version of theSelf-Administered Interview© ...... New investigative interview tool for collecting testimonies: the Brazilian Maria daPenha, interviewed by WâniaPasinato Reclaiming theFeminist Path...... Tatiana dosSantos Araújo Women inmilitarypolice uniforms inRiodeJaneiro ...... Camila Costa Cardeal andLudmilaMendonça Lopes Ribeiro Gender relationships intheMunicipal Guards ...... Daniel Cerqueira, DaniloSanta CruzCoelho andHelderFerreira the health system between 2011and2014...... Rape inBrazil: Victims, perpetrators, situational factors andnotifications in Carmen HeindeCampos daPenhaMaria Law: Needfor anew paradigm shift ...... Presentation

...... 184 164 148 130 110 208 98 74 50 24 10 6 5 Apresentação

Dossiê Relações de Gênero e Segurança Pública Apresentação

6 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 6-9, Fev/Mar 2017 Dossiê Apresentação

dossiê desta edição traz algumas questões sobre as rela- O ções de gênero que se apresentam no campo da segurança pública, sejam elas relacionadas a diferentes fenômenos de violên- cia contra a mulher ou diferentes manifestações de desigualdade que as mulheres enfrentam em suas instituições.

A promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 2006) e da Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104, de 2015), representaram um significativo avanço no esforço de mudar a realidade alarmante de mortes de mulheres e meninas com motivação de gênero. São importantes instrumentos para dar visibilidade e melhorar o regis- tro de informações que identificam esses tipos de crimes.

No entanto, de maneira geral no Brasil, o atendimento às vítimas de violência de gênero, ainda é limitado. Ainda não superamos a ne- cessidade de sensibilizar e educar as instituições do sistema de justiça criminal sobre a questão de gênero e continuamos com o enorme de- safio de elaboração de políticas públicas eficazes na redução da violên- cia de gênero, sobretudo as que enfatizam os trabalhos de prevenção.

Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 6-9, Fev/Mar 2017 7 No artigo “Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático”, Carmen Hein de Campos defende a necessidade de se repensar as políticas de enfrentamento à violência domésti- ca e familiar, privilegiando a prevenção e a assistência. A autora Dossiê argumenta que a abordagem feminista que deu origem à lei en- frenta uma resistência jurídica que dificulta sua aplicação, ou seja, permanece uma lógica jurídica tradicional que se contrapõe aos propósitos da lei, especialmente no que se refere à concessão das medidas protetivas. O artigo ainda apresenta alguns dados da Pes- quisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Fa- miliar contra a Mulher (PCSVDFMulher) que são relevantes para se pensar no aprimoramento da aplicação da Lei Maria da Penha. Apresentação O artigo seguinte, “Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014”, de Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira, analisa a evolução das notificações de estupro no país e a expansão da cobertura do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). A partir de 2011, a notifica- ção de violências foi incluída na lista de notificação compulsória, universalizando a notificação para todos os serviços de saúde, no entanto, os equipamentos do sistema de saúde não estão distribuí- dos de maneira uniforme no país. Além de analisar o avanço da co- bertura do sistema nas unidades da federação, o artigo caracteriza o fenômeno do estupro com base nessas notificações, observando que nem todas as vítimas de estupro buscam atendimento em um estabelecimento de saúde ou concordam em dar informações. Os resultados da pesquisa mostram a gravidade do problema da vio- lência de gênero, mais especificamente da violência sexual no país, e a necessidade de se produzir mais informações e análises que permitam elaborar políticas públicas adequadas.

No terceiro artigo do dossiê, “Relações de gênero nas Guardas Municipais”, Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro analisam os dados do survey realizado pelo Fórum Brasilei- ro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Núcleo de Estudos de Or- ganizações e Pessoas (NEOP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV),

8 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 6-9, Fev/Mar 2017 com homens e mulheres sobre as relações de gênero no cotidiano profissional de membros das Guardas Municipais. Através da aná- lise do perfil profissional, das condições de trabalho e das práticas de assédio, o artigo chama atenção para o fato de que, apesar das guardas serem uma instituição historicamente jovem, elas ainda Dossiê operam por meio de relações desiguais entre homens e mulheres.

O último artigo, “Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro”, de Tatiana dos Santos Araújo, analisa o contexto em que se dá a inserção das mulheres na polícia militar. Desde a criação da Companhia de Polícia Militar Feminina até o presente são observadas ideologias e condutas naturalizadas que se opõem

à igualdade de gênero. Ao mesmo tempo, a presença das mulheres Apresentação na polícia militar pode representar uma possibilidade de negocia- ção para uma nova forma de exercício da atividade policial.

Este dossiê se encerra com a entrevista, “Por um resgate da trajetória feminista”, realizada por Wânia Pasinato com Maria da Penha, em que ela destaca a importância de se resgatar o processo que deu origem à Lei Maria da Penha, ou seja, o protagonismo dos movimentos feministas e de mulheres que permitiu uma aborda- gem inovadora da lei por meio de uma visão integral e intersetorial da violência de gênero. Maria da Penha também enfatiza a neces- sidade de se elaborar políticas de prevenção, especialmente as que trabalham educação de gênero nas escolas, e mostra-se preocupada com as ameaças de enfraquecimento que a Lei enfrenta no contex- to político atual.

Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 6-9, Fev/Mar 2017 9 Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Dossiê Carmen Hein de Campos 10 de umnovo giro paradigmático Lei daPenha: Maria necessidade Graduada emDireito pelaUniversidade Federal dePelotas. Criminais pelaPontifícia Universidade Católica doRioGrande doSul-PUCRS. Mestre emDireito pelaUniversidade deToronto. Professora doPrograma dePós-Graduação emSegurança Pública daUniversidade deVilaVelha -UVV-ES. Doutora emCiências Carmen HeindeCampos Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 Lei MariadaPenha. Violênciadoméstica. Sistema dejustiça. Prevenção. Palavras-Chave de prevenção edeassistência. necessidade de um novo giro paradigmático da lei que diminua a incidência do sistema de justiça e privilegie as políticas para aanálisesobre aviolênciadoméstica contra mulheresnordestinas. Apartirdesses estudos,este artigosustenta a cional. Pesquisa inédita sobre ascondições socioeconômicas eaviolênciadoméstica noNordeste traz novos elementos Observa-se quealógica dacentralidade vem damulher sendosubvertida pelológica dosistema dejustiça penaltradi- implementação, especialmente relacionados às medidas protetivas de urgência, conforme recentes pesquisas indicam. quanto àsmudanças legaisintroduzidas. Apósdez anosdevigência,estudosapontam diversos obstáculos para asua O ingresso daLei Maria da Penha no cenário jurídico promoveu uma ruptura paradigmática tanto quanto à sua formulação Resumo [email protected] giro paradigmáticodaLMP. paradigmáticaouprimeiro questão –deruptura sua formulaçãoquantonotratamento integralda Denomino essaperspectiva inovadora –tantoem complexidade daviolênciadoméstica efamiliar. propõe umaabordagem integral,entendendoa to comodelitodemenorpotencialofensivo e privatizante daviolênciadomésticaeotratamen- tamento à VDFCM. Aleirompe comalógica mais inovadora legislação pensadapara o enfren- tanto políticoquantoteóricoecorresponde à 11.340/2006, aLeiMaria daPenha (LMP). ealei e familiarcontraamulher(VDFCM) blicas deenfrentamento àviolênciadoméstica dados paraumareflexão sobre aspolíticaspú- lher (PCSVDFMulher) trazem importantes Violência Doméstica e Familiar contra a Mu- Pesquisa deCondiçõesSocioeconômicas e lisam asmedidasprotetivas deurgência,ea Introdução R A LMP é fruto de um acúmulo feminista de umacúmulo feminista A LMP é fruto da Penha, especialmenteasqueana- ecentes pesquisassobre aLeiMaria Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 promoveram uma virada paradigmática, que sua concepção. Entendo queessasinovações Várias sãoasmudanças legais, acomeçar pela o graudeinovações introduzidas pelaLMP. ponto, compatíveis com atitudes são,atécerto de regras diabólicas” ração daleicomo“um conjuntonormativo ta inconstitucionalidadeou,ainda,àconside- de perplexidadeaoapontamentosuasupos- po dodireito, quevariam desdeuma atitude 2006 causareações diversas ematores docam- PRIMEIRO GIRO PARADIGMÁTICO DA LMP O OU RUPTURA PRIMEIRA A radigmático daLMP. necessidade doquechamodeumnovo giro pa- os resultados daPCSVDFMulher eapontaa quisas recentes sobre asmedidasprotetivas e sistem. Nesse analisapes- contexto,esteartigo anos, aoquetudoindica,osobstáculosper- encontra resistências diversas e passados dez A entradadaLMPnocenáriojurídicoem No entanto,aabordagem inovadora dalei 1 . Pode-se dizer queessas 11

Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Carmen Hein de Campos Dossiê Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Dossiê Carmen Hein de Campos 12 co a nova leiqueseinsere noordenamento jurídi- gistratura edoMinistério Público –emaceitar profissionais dodireito –especialmente dama- base eajudeacompreender aresistência de nasce dalutafeminista. gislativas originadasnoparlamento,aLMP Portanto, diferentemente dasproposições le- CORTES,POS, 2016;CALAZANS; 2011). e diversos aliados(BARSTED,2011;CAM- mentos demulheres, parlamentares, juristas do Consórcio Nacional deONGscommovi- nista edeumadiscussãomaisdoisanos Penha deumalongatrajetóriafemi- éfruto POS, 2011,2016). integral, intersetorialeinterdisciplinar (CAM- fenômeno complexo ecomumaabordagem lação quetrataaviolênciadomésticacomoum feminismo brasileiro propõe então uma legis- o tratamento da violênciadoméstica,ofemi - osso atendidas por organizações feministas concretas sentidaspormulheres decarnee CORTES, dasnecessidades 2011).Apartir mulheres (BARSTED,2011;CALAZANS; de ONGsfeministasepelomovimento de pensada, gestadaeproposta porumconsórcio vimento feministaedemulheres. ALMPé LMP compreende oprotagonismo domo- cial no processo de produção e proposição da Quanto àorigemda lei do àsinovações jurídicas. o primeiro refere-se à origem da lei e o segun- compreende doismomentosouaspectos: Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 3 . Ao propor umalegislaçãoinovadora para O protagonismo feminista talvez esteja na O processo deconcepçãodaLeiMaria da Um aspectoquedenotagrandediferen- 2 , o ciplinar daviolênciadomésticaefamiliar h) tratamentointegral,intersetorialeinterdis - de VDFCM comcompetênciacivilecriminal; urgência; g)criaçãodosjuizadosespecializados criaçãodemedidasprotetivas de moafetivas; f) violência domésticaefamiliaremrelações ho- previsão deacompanheiraserprocessada por nor potencialofensivo esuasconsequências;e) méstica dorol doscrimesconsideradosde me- vítima; d)exclusão doscrimesdeviolênciado- violência degênero; c)redefinição daexpressão as mulheres; b)criaçãonormativa dacategoria as quaisdestaco:a)tutelapenalexclusiva para campo jurídico e das políticas públicas, entre primeiro, e refere-se às principais inovações no mática introduzida pelaLMPvincula-seao Quanto àsmudan jurídicas ças jurídico dessaviolência(CAMPOS,2011). cânones do ensino do direito e do tratamento feminismo desafiateóricaejuridicamenteos tica contramulheres. Dito de outra forma, o sistema jurídicodeve trataraviolênciadomés- ne jurídico umlugardefala,ouseja,quemdefi- sobre o tema e disputa com o tradicionalismo nismo brasileiro afirma os estudos feministas a violênciadoméstica contramulheres como instituições jurídicas,acostumadas alidarcom méstica provocam umprofundo mal-estarnas e interdisciplinar aoscasosdeviolênciado- tratamento/atendimento integral, intersetorial Essas modificaçõesquepropugnam porum minista quantonassuasinovações jurídicas. to noprocesso deelaboração/proposição fe- mudança paradigmática,queseverifica tan- O segundoaspectodamudançaparadig- Assim, aLMPintroduz umaprofunda que temasdevem serabordados ecomoo 4 . do seurecebimento 18). (art. o juiz deve analisar o pedido também em 48h 12)e (art. tro de48hemexpedienteapartado autoridade policialdeve remeter opedidoden- tadas comoregistro deocorrência policial, a qualquer outro meiodeprova. Quando solici- do boletimdeocorrência, detestemunhasou Público 19)enãodependemdoregistro (art. requeridas pelaofendidaoupeloMinistério 23). As medidas podem ser ção à ofendida (art. as que obrigam o agressor 22) e de prote (art. - LMP, asmedidas protetivas sãodedois tipos: às mulheres. Previstas 18a24 da nosartigos rápido, defácilacessoeproteção imediata ou seja,umdeseusaspectosvitais. consideradas ocoração daLeiMaria daPenha, das protetivas deurgência(MPUs) podemser A RESISTÊNCIA DOSISTEMA JURÍDICO ca quesecontrapõeaospropósitos dalei. et al., 2016), o que desvela uma resistência jurídi- 2016; DINIZ;GUMIERI,PASINATO adotada pelosistemajurídico(AZEVEDO etal., minista daleiestálongedesercompreendida ou vas deurgência revelam comoaabordagem fe- perspectiva jurídicatradicional. cumprir aleioumanipulamparaadequá-laà pelos profissionais dodireito, que relutam em nova abordagem nãoéinteiramenteabsorvida pectivas. No entanto,aoque tudo indica,essa introduzida pelaleirompe comambasaspers- ria –evidência(prova) docrime.Anova lógica vado oucomonomodelotradicional–auto- delito de menor potencial ofensivo e As MPUs sãocriadascomomecanismo Um dosaspectoscentraisdaLMP, asmedi- Recentes pesquisassobre asmedidasproteti- quase pri- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 necessárias (PASINATO etal.,2016). ou porque não possuiasprovas sem justificativa (DINIZ;GUMIERI,2016) pois umemcadaquatro pedidoséindeferido plicência judicialcomospedidos dasMPUs, 2011) egeralmentehámuitotempo. testemunhas (LAVIGNE; PERLINGEIRO, violência dessa natureza ocorre geralmente sem lavra davítimanãopodesermitigada,poisa sabe, emcontextodeviolênciadomésticaapa- (DINIZ; GUMIERI,2016,p. 215).Comose mas comumônusargumentativo eprobatório” caráter urgentedamedidaesobrecarrega asvíti- Poder Judiciário éprotelatória, pois“ignora o lação dasmedidas.Para asautoras,aposturado requerimentos, indicando fragilidade naformu- gadas porfaltadeinformaçõesparaanálisedos revela queem48%doscasosasmedidassãone- julgadas noDistrito Federal entre 2006e 2012 niz eGumieri (2016)sobre medidasprotetivas das tambémvariam. Pesquisa realizada por Di- NIZ; GUMIERI,2016). delegacia comum(CAMPOSetal.,2016;DI- Atendimento àMulher (Deam) ouemuma licitada emumaDelegacia Especializadano esse documento pode variar se a medida é so- padrão (CAMPOSetal.,2016).No entanto, ridas pelapolíciaatravés deumdocumento medidas protetivas. conforme indicamalgunsestudossobre as los paraocumprimentodoprevisto naLMP, lismo jurídico na aplicação têm sido obstácu- A referida pesquisaapontaaindaadis- A concessãoouoindeferimentodasmedi- Em geral,asmedidasprotetivas sãoreque- No entanto, a burocracia e o tradiciona- outestemunhas 13

Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Carmen Hein de Campos Dossiê Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Dossiê Carmen Hein de Campos 14 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 família, quando sabedaviolência,namaior munhas oucomotestemunho defilhos. A entre quatro paredes, e em geral sem teste- sabe-se queaviolênciadoméstica acontece houver umaprova violência psicológicaseráinexistentesenão plo, amaterialidadedo crime deameaçaou dade de autoria ematerialidade. Por exem- comprove aexistênciadodelito,hánecessi- penal tradicional.Ou seja,paraqueapolícia tentativa deadequá-laàlógicadosistema alógicadaLeiMariaverte da Penha eéuma mulher emsituaçãodeviolência. lecida pelalei,deproteção ecentralidadeda para aconcessãodasmedidasenãoestabe- nesses casosimperaumalógicaburocrática que não costumatertestemunhas.Observa-se ferimento daMPU,poisaviolênciadoméstica prova da vítima para o inde- de risco de morte Constituição Federal). 93,daser fundamentada(inc.IXdoart. titucional, poistodadecisãojudicialdeve da MPUsemumajustificativa éincons- 18).Ademais,III doart. oindeferimento dendo destaformaproduzir prova (inciso Ministério Público sejacomunicado,po- não ao réu. Além disso, a lei prevê queo centralidade que a lei confere à mulher e ocaráterdeurgênciadamedidaeavirtua postura violaaLeiMaria daPenha edes- a palavradoofensorenãodavítima. Tal teção. Ainversão doônusdaprova valoriza nha, jáqueoobjetivo éaurgênciadapro- tório nãoépermitidapelaLeiMaria daPe- A exigênciadeprovas etestemunhas sub- Refuto igualmenteoargumentodafaltade Ressalto queainversão doônusproba- outestemunhas.Ora, consequência, Ana,emumatodedesespero, blico, Defensoria ePoder Judiciário). Como justiça (Delegacia daMulher, Ministério Pú - feito porqualquerinstituição dosistemade de ocorrência contraseu ex-namorado, nada por maisdeoitovezes eregistrado boletins Delegacia daMulher deFlorianópolis (SC) contra mulheres. Mesmo tendoprocurado a do sistemadejustiçaemcasosviolência sequências davisãonegligenteeburocrática dade, amplamentenoticiado,mostraascon- cente casodeAnaRaqueldosSantos Trin- concessão de uma medida protetiva. O re- MIERI, 2016;PASINATO etal.,2016). 48h (AZEVEDO etal.,2016;DINIZ;GA- e nãoraramenteultrapassaaprevisão legalde didas, pesquisasapontamquetambémvaria sos, maspessoas(LIMA,2011). da situaçãode violência, enãofocalizamproces - direitos fundamentais,evitandoacontinuidade seja, asmedidasprotetivas visamaproteção dos para oprocesso penal(CAMPOS,2016).Ou gente eprotetivo enãodeinstrumentalização protetivas, poisestasse revestem decaráterur- inadequada noscasosdospedidosdemedidas o oferecimento dadenúncia–éumapostura violência psicológica. esquecendo que não há violência física sem magistrado podeacharquenãoénadagrave, cas físicasnemsempre sãotãovisíveis eo Mesmo emcasosdelesãocorporal,asmar- pode aconselharadesistênciadadenúncia. ou doscasos,nãogostadeinterferir parte Pode-se ilustrarodanocausadopelanão Quanto ao prazo paraaconcessãodasme- A preocupação comaprova –elementopara apontam resultados positivos, masdevem ser mento específicos realizados pela Polícia Militar PASINATO, 2016). tro problema (DINIZ;GUMIERI,2016; monitoramento dasmedidasconstituiou- torna amedidasimbólica.Aausênciade justiça criminalcomarede deserviços e aausênciadaintegraçãodosistemade não representa aefetividadedaproteção simples deferimentodamedidaprotetiva Pasinato et al. (2016)entendemqueo GAMIERI, 2016). da pelodescumprimentomedida(DINIZ; cretada em23%doscasos,masnãoémotiva- ver subnotificação. A prisão preventiva éde- monitoramento dessainformação,podeha- e Gamieri (2016).Entretanto, comonãohá pridas, deacordo comapesquisadeDiniz (CAMPOS etal.,2016). de jáconstardo Termo dePedido damedida genuína dasmulheres ousedecorre dofato não épossível saberseessaéumasolicitação 2016; PASINATO, etal.,2016).No entanto, (CAMPOS etal.,2016;DINIZ,GAMIERI, aproximação daofendida foiamaissolicitada das, osestudosapontamqueaproibição de a mataroex-companheiro. ponsável pelaatitudequelevou AnaRaquel justiça, coletiva eindividualmente,foires- Ou seja,aomissãodetodasasinstituições matou oex-namoradocommaisdeseistiros - programasEm de patrulha contrapartida, No quetangeàeficáciadasmedidas, Apenas 12%dasmedidassãodescum- No que se refere às medidas mais requeri- 5 . Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 mento àviolência domésticaefamiliar ea nhos trilhados até agora para o enfrenta - mesmo queprovisoriamente, algunscami- recentemente sil. Os resultados iniciaisforamdivulgados sobre otemada VDFCM conduzidanoBra- Toulouse, éaprimeirapesquisa longitudinal sidade Federal doCearáeUniversidade de Instituto Maria daPenha (IMP),Univer - a Mulher (PCSVDFMulher), realizada pelo cas e Violência Doméstica eFamiliar contra ME OSDADOS DA PSCVDFMULHER CONFORMULHER CONTRAA VIOLÊNCIA A sistema dejustiçadeve sevoltar. violência eépara elaenãocontra como centralidade a mulher em situaçãode próprio umbigo. ALeiMaria daPenha tem para sipróprio, ouquegiraem torno deseu de justiçacriminalqueparece sóterolhos cesso penaltradicionalrevelam umsistema se conformeaospadrões anteriores dopro - LHO, 2011,p. 144)eodesejodequealei e deexecução penal” (CAMPOS;CARVA- gras próprias deinterpretação, deaplicação dico autônomoquedeve serregido porre- entender quealeipossui“um sistemajurí- domínios (CAMPOS,2016).Arecusa de ter e confinara Lei Maria da Penha emseus (1994) etenta,detodasasmaneiras,con- triarcal”, parausaraexpressão deLauretis jurídica quenãosaidos“limitesdacasapa- testemunhas, revela umaoperacionalidade didas, especialmenteaexigênciadeprovas e 2016; PASINATO etal.,2016). ainda maisbemavaliados (AZEVEDO etal., A Pesquisa deCondiçõesSocioeconômi- Os obstáculosparaaconcessãodasme- 6 , masjápermitemanalisar, ela queo - 15

Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Carmen Hein de Campos Dossiê Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Dossiê Carmen Hein de Campos 16 12 mesesque antecederam aentrevista. menos umepisódiodeviolência domésticanos (11,92%) nordestinas relata tersofridopelo SON, 2016,p. 4). nos umavez navida(FANSLOW; ROBSIN- xual praticada porparceiro íntimo, pelome- pesquisadas vivenciam violênciafísicaouse- revela que entre 33%e39%dasmulheres cias da violência contra a mulher na saúde para investigar aprevalência easconsequên- 2013). Levantamento realizado naAustrália INSTITUTO AVON; DATA POPULAR, DATAFOLHA; CRISP;SENASP, 2013; GODINHO,2010; pesquisas (VENTURI; sultado éexpressivo ecompatível comoutras violência domésticaaolongodavida.Essere- destinas sofrem pelomenosumepisódiode te, 3 em cada 10 mulheres (27,04%) nor- segunda em2017. pensada emduasondas:uma2016e ex) ou não relacionada a ele. A pesquisa foi ca daentrevistada relacionada aoparceiro (ou na relação, experiênciasdeviolênciadomésti- contra a mulher e a LMP, o poder de barganha consciência/conhecimento sobre violência da saúdegeral,sexualereprodutiva, normas, 15 e49anosaborda especialmenteostemas mais de10milmulheres comidadesentre reflexão proposta nesteartigo. zação dosdados,aindaqueparciais, paraa essa delimitaçãonãoimpossibilitaautili- nas nove capitaisdaRegião Nordeste, mas aplicação da LMP. A pesquisa foi realizada Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 Aproximadamente 1emcada10mulheres Conforme osresultados, aproximadamen- A pesquisa conta com uma amostra de praticada por um parceiro íntimo molda a (2012), servítimadeviolência doméstica permanecem emrelações violentas. e incompreensões a respeito das mulheres que complementar, paraoreforço deestereótipos rompimento das relações violentas e, de forma paraoentendimentodonão importantíssimo dessa mulheres. Além disso, esse é um aspecto al, impactanegativamente aqualidadedevida ser vítimadeagressão tantofísicaquantosexu- Região Nordeste. Essasensação demedo, pesquisa, fatorcomsignificativa presença na constitui umelementoinovador adicionalda a “sensação de(in)segurança” dasmulheres sistema deproteção acriançaseadolescentes. geral esquecidaspelaspolíticaspúblicasepelo essas vítimasinvisíveis dofeminicídiosão em encaminhadas paraabrigoouadoção?Ou seja, a famíliadavítima,comdoagressor, ousão damãe:com e adolescentesdepoisdamorte permite indagarcomquemficamascrianças por feminicídio). Issode (mais de dois órfãos taxa altadeprevalência- dessetipodeorfanda para acessartaisdados,apesquisaestimauma -parceiros. Apesar dasdificuldadesenfrentadas lheres assassinadaspelosseusparceiros ouex- dasmu- lher éterindagadosobre eórfãos órfãs que pelosparceiros atuais. e sexualémaispraticadaporex-parceiros do res. Aspectointeressante équeaviolênciafísica lência domésticaperpetradacontraasmulhe- são responsáveis pelaquasetotalidadedavio- Conforme pesquisarealizada porPain A abordagem sobre o“medo docrime” ou Outro aspectorelevante daPCSVDFMu- Parceiros atuaiseex-parceiros maisrecentes prevenção àviolência futura. as criançasedevem orientaraspolíticas de geracional daviolênciadireta eindireta sobre evidênciassobresão importantes oimpacto familiares duranteainfância. Essesresultados -parceiro sofreu agressões físicascausadaspor lheres (10,5%)relata queseuparceiro ouex- sua mãe.Da mesmaforma,1emcada10mu- atual) soubedeagressões físicassofridaspor infância, seuparceiro ouex-parceiro (omais 8 mulheres (12,3%) reporta que, durante a cas sofridas por suamãe. Cerca de1em cada 5 mulheres (20,1%)soubedeagressões físi- rante ainfância,aproximadamente 1emcada zem “uso abusivo daLMP”. absurdo entendimentodequeasmulheres fa- ainda, a duvidar da palavra da vítima ou a um vado ànão concessãodemedidasprotetivas e, negligenciada pelosistemajurídicoetemle- dade futura)deaviolênciaacontecertemsido to daviolênciadoméstica. uma maneirafundamentaldefuncionamen- gico eemocionalqueresultam domedosão Ainda segundoaautora,ocontrole psicoló- é racionalejustificado(PAIN, 2012, p. 7). mental paranãosairdarelação, eessemedo cil. Omedoémuitasvezes umarazãofunda- temores etornamabuscadeajudamaisdifí- vezes acompanhamoabusoreforçam esses to eoisolamentosocialfísicoquemuitas bre a saúde e o bem-estar. O aprisionamen- traumas significativos eefeitosnegativos so- crônico, queseacumulaalongoprazo, ea dentes violentos.Isso tambémleva aomedo natureza domedoimediatoduranteinci- Ainda conformeaPCSVDFMulher, du- Portanto, adimensãodorisco(probabili- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 de mulheres quepercebem aocorrência devio- davizinhança.Opercentual29,3% de parte quisa reside noconhecimento daviolênciapor os filhostambémforamagredidos. demulheres24,1% destegrupo reportam que munharam taisagressões aomenosumavez, e físicas, 55,2%indicamqueseusfilhosteste- trauterina, mastambémaolongodainfância. méstica nãoocorre somentedurante afasein- de queaexposiçãodosfilhosàviolênciado- até mesmoaumentaramduranteagravidez. que asagressões semantiveram constantesou durante aúltimagestação,60,0%declaram entre asmulheres vítimas de agressões físicas fator redutor daviolênciadoméstica,pois tres degestação. agressões físicasdurantetodosostrês trimes- reporta tersofridotica na última gravidez cada 3vítimas(34,0%)deviolênciadomés- cativa de mulheres. Aproximadamente 1em de toda a gestação para uma parcela signifi- que a violência doméstica ocorre aolongo menos umaagressão físicaduranteagestação. mulheres quejáengravidaram,6,2%sofrem ao ca. Neste caso,apesquisaregistra que,entre as dentemente daexposiçãoàviolênciadomésti- pressa vulnerabilidadeparaamulherindepen- situaçãoquejáex- lência duranteagravidez, Por fim, outraquestãoinovadora dapes- Entre as mulheres quesofreram agressões A PCSVDFMulher apresentou evidências Nota-se, não é um assim, que a gravidez Além disso,aPCSVDFMulher mostra Igualmente graves são asocorrências devio- 17

Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Carmen Hein de Campos Dossiê Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Dossiê Carmen Hein de Campos 18 da comocentral naspolíticasdeprevenção e doméstica. Essaabordagem dever serpensa- indireta decriançaseadolescentes àviolência lência evidenciadapelaexposição direta ou foco naimplementaçãodaLMP. devem ser consideradas para uma mudança de que, em meu entendimento, ções importantes FEDERAL, 2013). de violênciadomésticaefamiliar(SENADO e no atendimento às mulheres em situação notratamentojurídico dessem serobservadas de justiçaesegurança,semquemudançaspu- cas nosúltimosanosprivilegiaramosistema NADO FEDERAL,2013),aspolíticaspúbli- como comosistemadejustiçanopaís(SE- FEDERAL, 2013; TAVARES, 2015), bem NATO, 2009;SANTOS, 2015;SENADO dos (OBSERVE, 2011;CEPIA, 2013;PASI- to nasDeams evidenciadasemdiversos estu- lidade foidadapelaLMP. à lógica de proteção da mulher, cuja centra- lógica jurídica tradicional que se contrapõe tetivas, evidenciam apermanênciadeuma cialmente paraaconcessãodasmedidaspro- Ministério Público emagistratura),espe- nosistemajurídico(polícia,se observam GIRO PARADIGMÁTICO DA LMP A SEGUNDA RUPTURA OUOSEGUNDO e demonstraocaráterpúblicodessaviolência. quanto nocírculo social(29,45%)éexpressivo lência domésticatantonavizinhança(29,30%) Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 Destaco aperspectiva geracionaldavio- A PCSVDFMulher trazalumeinforma- Apesar dasdificuldadescomoatendimen- As dificuldadesdeaplicaçãodaLMPque lher evidencia anecessidadedeserepensa - tica conformerevelado pelaPCSVDFMu- FEDERAL, 2013). visão daspolíticasdeabrigamento(SENADO rar mecanismosrápidoseseguros, comare- sentido, umarede deassistênciadeve incorpo- si sónãogarantesegurança às mulheres. Nesse mera concessãodamedidaprotetiva, quepor uma políticadeassistênciaqueultrapassea coloca osistemadejustiçacontraasmulheres. doméstica, abanalizaçãodeseutratamentoe te aLMP, revela aincompreensão daviolência A inversão desse ônusparaamulher subver- fundamentar consistentementeumanegativa. Ministério Público eojuízo têmaobrigaçãode lher quedeve provar queestásobrisco,maso para asmulheres. Nesse sentido,nãoéamu- judiciário aumentamapossibilidadederisco visão burocrática tantodasDeams quantodo zes motiva opedidodemedidaprotetiva ea mento darelação violenta.Omedo muitas ve - sofrer umaviolência,queimpedemorompi- crime eaconcreta probabilidade derisco blicas desegurançadasmulheres éomedodo violência sexual. legaldecorrentea possibilidadedeaborto da período gestacional,inclusive paraconsiderar parada parareceber quemsofreu violênciano de atendimentoàsmulheres deve estarpre- as mulheres aindamaisvulneráveis. Arede ção duranteagestação,condiçãoquetorna mesma forma,considerarpolíticasdepreven- de atendimentoacriançaseadolescentes.Da A elevada ocorrência daviolênciadomés- Além disso,evidencia-seanecessidadede Aspecto negligenciadonaspolíticaspú- o evitamentodenovas violências,acolhendo mático naLeiMaria daPenha, privilegiando há necessidade de um segundo giro paradig- da lei:aprevenção eaassistência.Portanto, tivo fazer apostasnas duasoutrasdimensões meabilidade àLMP, parece sermaisprodu- mas considerandosuaineficiênciaeimper- não sedeva abdicardosistemadejustiça, venção eassistência.Nesse sentido,embora cia doméstica e familiar, privilegiando a pre- rem aspolíticasdeenfrentamento àviolên- 6. 5. 4. 3. 2. 1. está disponível nosite . Os resultados foram divulgadosnosdias8e9dedezembro de2016emumevento realizado peloIMPemFortaleza. Orelatório dapesquisa mulheres/>. Conferir em Um inferno na vida das mulheres, disponível em

Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Carmen Hein de Campos Dossiê Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Dossiê Carmen Hein de Campos 20 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 humanos. Brasília, DF:Amagis, 2016.p. 93-109. a justiça: T.F.preliminar. análise K. BARBOSA, In: G. D.; COSTA, J. M. H. Medidas protetivas de urgência: uma CAMPOS, H.; C. FIORESI, D. B.; BONORINO, E. B.; GIESTAS, p. 143-169. 2011. Juris, Lumen Janeiro: de Rio dico-feminista. jurí- perspectiva uma em comentada Penha da H. C. CAMPOS, In: brasileira. experiência a crítica: criminologia a e feminista criminologia a entre atuais Tensões S. CARVALHO, H.; C. CAMPOS, 2011. p. 1-12. Juris, Lumen Janeiro: de tivajurídico-feministaRio . perspec uma em comentada Penha da Maria Lei Direito e Lei Maria da Penha. In: CAMPOS, C. H. (Org.) do FeministaTeoria Sensibilidade: e Razão ______. 974, 2016, dez. p. 155-170. aonde? para Maria, agora e Penha: da Maria Lei da anos Dez H. C. CAMPOS, LumenJuris,Rio deJaneiro: 2011.p.39-63. jurídico-feminista. perspectiva uma em mentada nha. In: CAMPOS,H. (Org.)C. ção,Peda aprovaçãoLeiMaria da implementação e CALAZANS,CORTES,Myllena. processo O cria- Iáris. de men Juris, 2011.p.13-37. Lu- Janeiro: de Rio jurídico-feminista. perspectiva uma em comentada Penha da Maria Lei (Org.) H. C. CAMPOS, In feminista. advocacy de bem-sucedida experiência uma Penha: da Maria Lei L. L. BARSTED, Pensando aSegurança Pública,v. 6).p. 267-302. (Coleção 2016. Justiça, da Ministério DF: Brasília, ca. públi- segurança e vulneráveis grupos humanos, (Org.). C. G. BAPTISTA, L.; C. ENGEL, C.; C. A. (RS), Belo Horizonte (MG) e Recife (PE). In: PARESCHI, em situação de violência nas cidades de Porto Alegre Aplicação C. das medidas protetivas para as mulheres C. SILVA, COUTO, V.A.; C.; G. C. BORBA, F.B.;CELLOS, RATTON, VASCONAZEVEDO, RIBEIRO,M.; G.; L.; - R. J. L. BIBLIOGRÁFICAS REFERÊNCIAS a violência doméstica sob a ótica dos direitos v. v. Tribunais,Revistados Lei Maria da Penha co A mulher e e mulher A Lei Maria Maria Lei Direitos - - - TISTA, G. C. (Org.). C. G. TISTA, BAP L.; C. ENGEL, C.; C. PARESCHI,A. In: 2012. e 2006 entreFederal Distrito no Penha da Maria Lei da tetivas pro medidas de Implementação S. GUMIERI, D.; DINIZ, mização. Brasília, DF:Ministério daJustiça, 2013. INSTITUTO AVON; DATA POPULAR. POPULAR. DATAAVON; INSTITUTO nal/117-1206/1173/>. Acesso 2016. em:10dez. . Acesso 2016. em:18out.

Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Carmen Hein de Campos Dossiê Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Dossiê Carmen Hein de Campos 22 Sistema dejusticia.Prevención. Palabras clave: y deasistencia. del sistema de justicia y privilegie las políticas de prevención nuevo giro paradigmático delaley quereduzca laincidencia de estos estudios,este artículo sostienelanecesidad deun la violenciadoméstica contra mujeres nordestinas. Apartir el Nordeste trae nuevos elementos para el análisis sobre condiciones socioeconómicas ylaviolenciadoméstica en justicia penaltradicional. Unapesquisainédita sobre las mujer vienesiendosubvertida porlalógica delsistema de pesquisas. Seobserva quelalógica delacentralidad dela medidas protectoras deurgencia, segúnloindican recientes para su implementación, especialmente relacionados a las de diez añosdevigencia,estudiosseñalandiversos obstáculos formulación como aloscambios legalesintroducidos. Después promovió unaruptura paradigmática tanto encuanto asu giro La entrada delaLey MariadaPenha enelescenario jurídico nuevo un de necesidad paradigmático Penha: da Maria Ley Resumen Carmen HeindeCampos paradigmático Lei daPenha: Maria necessidade deumnovo giro Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 Ley MariadaPenha. Violenciadoméstica. Keywords: the justice system and center on prevention and care policies. of influence the reduce can that law the in shift paradigm these studies, the present article confirms the need for a new domestic violence againstNortheastern women. Drawing on in theNortheasthasyieldednew elements for analysison research on socioeconomic conditions and domestic violence by thelogicof thetraditional criminaljustice system. Novel logic of thecentrality of thewoman hasbeenundermined protective measures, asrevealed by recent surveys. The blocks initsimplementation, particularly regarding theurgent introduction, studiesindicate anumberof different stumbling formulation andthelegalchangesenacted. Ten years after its scenario promoted abreak inparadigm both interms of its The introduction of theMariadaPenha Law into thejuridical daPenhaMaria Law: Needfor anew paradigm shift System. Prevention. Abstract Maria daPenha Law. Domestic violence. Justice Data derecebimento: Data deaprovação: 14/01/2017 13/12/2016 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 10-22, Fev/Mar 2017 23

Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático Carmen Hein de Campos Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 24 entre 2011e2014 notificações nosistemasaúde de fatores situacionaiseevolução das Estupro noBrasil: vítimas, autores, Pública eCidadaniapelaUniversidade deBrasília -UnB. de Pesquisa Econômica Aplicada -Ipea.Mestre emSociologiapelaUniversidade deSãoPaulo -USP. Especialista emSegurança Técnico dePlanejamento ePesquisa daDiretoria deEstudosePolíticas doEstado, dasInstituições e daDemocracia doInstituto Helder Ferreira pela Universidade Federal Fluminense-UFF. de Pesquisa Econômica Aplicada -Ipea.Doutor emEconomia pelaUniversidad Autonoma deBarcelona. Mestre emEconomia Técnico dePlanejamento ePesquisa daDiretoria deEstudosePolíticas doEstado, dasInstituições e daDemocracia doInstituto Danilo Santa CruzCoelho PUC-Rio. Mestre emEconomia pelaFundação Getúlio Vargas. Instituto dePesquisa Econômica Aplicada -Ipea.Doutor emEconomia pelaPontifícia Universidade Católica doRiodeJaneiro - Técnico dePlanejamento ePesquisa daDiretoria deEstudosePolíticas doEstado, dasInstituiçõesedaDemocracia do Daniel Cerqueira Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Estupro. Brasil. Violência.Sinan.Gênero. Palavras-Chave mitigadoras queenvolvam asmuitas agênciasdoEstado, sobretudo nocampo educacional. e para a necessidade de se produzirem informações mais acuradas, demodo a possibilitar a elaboração depolíticas públicas pai, padrasto, tio, irmãoeavô. Osdadoschamamaatenção para agravidade doproblema deviolênciagênero nopaís incluindo próximo, familiar círculo ao pertenciam crianças das estupradores dos 40,0% de cerca que mostrou estarrecedor dado Outro vítima. da desconhecidos eram autores os quando 25,6% a correspondeu proporção esta e casos, de total do mental.e/ou tempo,mesmo Ao aumentou proporçãoa casosde estuprode coletivo responderam2014, em que, 15,8% por física deficiência alguma de sofriamagredidas pessoas das 10,0% de mais e idade, de menorescrianças erame vítimas das 69,9% que em analisado, período do longo ao inaceitável estatística estabilidade uma Verificou-se situacionais. elementos registros administrativos. Especificamente descreveram-se o perfil de vítimas e autores, os vínculos entre eles, além de outros esses segundo fenômeno o ainda Caracterizou-se Saúde. da Ministério do (Sinan), Notificação de Agravos de Informação de Sistema do dados nos 2014, base e com entreevolução 2011 país, a notificações estupro no analisou-se das de artigo Neste Resumo [email protected] [email protected] [email protected] não apenasno âmbitopessoal,mastambém sicas esimbólicascomconsequências danosas, estupro, em particular, é uma das violências fí- dinamizar aviolêncianoscentros urbanos.O dem perdurar portodaavida,oqueajuda carregam consequênciaspsicológicasquepo- e familiares que,juntocomosofrimentoedor, das mulheres, asvítimassãotambémosfilhos sofrem violência física, a cada ano. Para além 49 anossofrem violênciaemocional e5,3% aponta que11,9%dasmulheres entre 12e aplicado nascapitaisdosestadosnordestinos, VDFMulher), domiciliar combasenumsurvey Doméstica eFamiliar contraaMulher (PCS- sa deCondiçõesSocioeconômicas e Violência agressão físicaacadaanonoBrasil. APesqui- 2009, maisdeummilhãomulheres sofre Amostra deDomicílios (PNAD,doIBGE)de blica nopaís.Segundo aPesquisa Nacional por Introdução A grandes problemas dasegurançapú- violência degênero constituiumdos 1 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 políticas públicas mitigadoras, muito pouco se políticas públicas mitigadoras, muito pouco se to deanálisecientífica,mas para ensejarefetivas fenômeno doestupro, nãosomentecomo obje- de desejosedireitos sobre opróprio corpo. desujeito condição dehumanidadee,portanto, ende acoisificaçãoqueextraidoindivíduosua papeis nasociedade,eocasoextremo compre- mulheres paraqueestasassumamdeterminados ção depoder, emqueoshomenssubmetemas exposto porBrownmiller (1993),deumarela- de intimidade. Trata sim,conformemuitobem de gênero, nãotratadesexo,e deafetividade valores atávicosfundamentais. se refere ao vilipêndio do próprio corpo e dos mais bárbaros contra a dignidade humana, que no econômico,porque constituiumdosatos Não obstantearelevância do estudosobre o O estupro, assimcomoasdemaisviolências 25

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 26 violência sexualnopaísacada ano. mais de1.350.000mulheres seriamvítimade fosse igualàverificada naslocalidadesestudadas, em 2015.Casoaprevalência relativa nacional freram agressões sexuaisnascapitaisdoNordeste quisa, 2,4%dasmulheres entre 15e49anosso- com o Instituto Maria da Penha. Segundo a pes- pela Universidade Federal doCearáemparceria internacional, éaPCSVDFMulher, produzido regional, com padrão de qualidade metodológica domiciliares nacionaisarespeito eoúnicosurvey prevalência doestupro. Nunca houve pesquisas qualidade foiproduzida sobre aincidênciae a dignidadeeàliberdade sexual. 12.015, oestupro passaaserumcrimecontra de agosto de 2009, com a sanção da Lei n° quando estivesse separada.Apenas apartir do marido, salvo quando fosse contra ele, ou exercer odireito dequeixasemaautorização estabelecia que a mulher casada não poderia 35doCódigode ProcessoArtigo Penal, que apenas em1995aLein°9.520revogou o esposa ativo docrime deestupro contraasuaprópria rídica édebatidoseomaridopodesersujeito a serproblematizado apenasnosúltimosanos. condescendência socialcomele,oquecomeçou sequência dainvisibilidadedofenômenoe formações precisas, oque,porsuavez, écon- da indisponibilidade quase geral de dados e in- pacial e fatores subjacentes. Isso ocorre diante da suaprevalência, regularidade temporalees- conhece sobre aquestãonoBrasil, emtermos Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Contudo, noâmbito nacionalexistemape - Ainda hoje,muitopoucainformaçãode De fato,atéosanos1980,nadoutrinaju- 2 . Mesmo apósaConstituição Cidadã, do sistema.Na seção,caracterizam-se os quarta taxa desubnotificação,ocasionada pelaexpansão lência dofenômenonopaísou àdiminuiçãona período analisado,sedeve àvariação napreva- dos casosnotificadosdeestupro no Sinan, no seguida, analisou-seemquemedidaoaumento dosistema.Em ções eaexpansãodacobertura se discutirampossíveis limitaçõesdasinforma- dados sobre estupros naárea desaúde,quando Vigilância de Violências edolevantamento dos ve históricodaimplementaçãodoSistema de cinco seções.Na segundaseção,traça-seumbre- tomando comoreferência operíodoassinalado. tos associados,bemcomoasconsequências, estupro, os autores, suas relações e os elemen- nalmente, buscou-secaracterizarasvítimasde doSinan,da cobertura entre 2011e2014.Fi- ficações decasosocorridosnopaíseaexpansão em primeiro lugar, estudaraevolução das noti- O presente retoma artigo talanáliseeobjetiva, nal, tomando como referência o ano de 2011. acerca daincidência doestupro noplanonacio- ra eCoelho(2014)fizessem oprimeiro trabalho tério daSaúde (MS). taria de Vigilância em Saúde (SVS),doMinis- Análise deSituação de Saúde (Dasis), daSecre- (Sinan), de queégerido peloDepartamento ma deInformação de Agravos deNotificação vem daárea dasaúde,comacriaçãodoSiste- exceção àregra deinexistênciainformações Fórum Brasileiro deSegurança Pública. Outra doesforço do dos nosúltimosanos,apartir policiais sãodesencontradosesóforamreuni- revelam facesparciais dofenômeno. Os dados nas dados administrativos sobre a questão, que Além desta introdução, o artigo tem mais temmais Além destaintrodução, oartigo Essa base de dados possibilitou que Cerquei - rida noSinan, quetemporobjetivo de saúde do Brasil (BRASIL, 2015). em serviços dados deviolênciainterpessoal/autoprovocada Contínua (Viva Contínuo/Sinan), quecapta sistema possuiumcomponentede Vigilância (Viva) em2006. Segundo oMinistério, este de lançaoSistema de Vigilância de Violências estupro Viva O para aspolíticaspúblicas. cluímos com um resumo dos achados e reflexões vítimas edosfatores associados.Finalmente, con- descreveremos os perfis dos prováveis autores, das dosdadosdisponíveis,estupros quando apartir cional” (Portaria nº204,de17 fevereiro de de públicoseprivados emtodooterritório na- de saú- eventos desaúdepúblicanosserviços Notificaçãoe Compulsória dedoenças,agravos ria (BRASIL,2015),istoé,a “ListaNacional de passa aintegrarlistadenotificaçãocompulsó- as vítimasbuscaramauxílionosistemadesaúde. do violênciadomésticaesexual–apósosquais informações sobre incidentesviolentos–incluin- Em 2009, anotificaçãodeviolênciaséinse- Num rápidohistórico,oMinistério daSaú - A partir de 2011, a notificação de violências de2011,anotificaçãoviolências A partir daquele ano foi então possívelA partir obter cação compulsória.(BRASIL,2007.p. 9). lância epidemiológica das doenças de notifi- subsídios à análisedasinformaçõesdevigi- para apoiaroprocesso deinvestigação edar por intermédiodeumarede informatizada, Epidemiológica das três esferas de governo, rotineiramente pelo Sistema de Vigilância coletar, transmitir e disseminar dados gerados , Sinan o e as notifica ções de Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 cordado emprestar asinformações. em umestabelecimentode saúde etenhacon- necessário queavítimatenha buscadosocorro seleção. Para queainformaçãosejaregistrada, é ministrativo, há o clássico problema do viés de segundo lugar, porsetratardeumregistro ad- distribuídos demaneirauniformenopaís.Em munir oSinan cominformações,quenãoestão ticular, dosestabelecimentoscapacitados para a organização do sistema de saúde e,empar- acontece pordoismotivos. Em primeiro lugar, acontecem em todo o território brasileiro. Isso sentar consistentementeasrelações factuaisque ções descritas neste trabalho podem não repre- da Saúde (BRASIL,2015,p. 44): cretaria de Vigilância emSaúde doMinistério Violência Interpessoal eAutoprovocada daSe- nan eexpressa noInstrutivo Notificação de que corresponde àdefiniçãoutilizadapelo Si- apontar oconceitodeestupro aquiutilizado, e Autoprovocada, e,depois,inseridosnoSinan. Ficha deNotificação de Violência Interpessoal de todoopaíssejamregistrados, pormeioda desaúde sos deestupros atendidosnosserviços o Ministério daSaúde pretende quetodososca- desaúde.Comisso, cação paratodososserviços 2016). Esteprocedimento universaliza anotifi- Salienta-se que asincidênciase caracteriza- Feita esta pequena digressão histórica, cabe orientação sexual ou do sexo da pessoa/vítima. orientação sexualoudosexo dapessoa/vítima. ânus, vagina ouboca),independentemente da nal (penetraçãopenianaoudeoutro objetono desse conceitoestáincluídaaconjunçãocar- ato libidinoso’ [...][Código Penal] [...].Dentro ticar oupermitirquecomelesepratiqueoutro grave ameaça,aterconjunçãocarnaloupra- ‘Constranger alguém,medianteviolênciaou 27

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 28 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 suas limitações: o próprio Ministério daSaúde reconheceu tínua do Viva começou a ser universalizado, de 2011,ocomponentevigilânciacon- completa capilaridadedo Viva. Se, apartir uma dascausasdesubnotificaçãoéain- sos commulheres adultas. no sentidodesubestimaraproporção deca- noSinande estupro observada sejaenviesada acredita-se queaprevalência relativa decasos tamento, sejapelasvestes queusa.Com isso, suas relações pessoais, seja por seu compor- na sendoinjustamenteculpabilizada,sejapor de duplavitimização,emqueavítimatermi- consequência dotabuenvolvido edomedo entre familiares eemórgãosdeJustiça, em tima nãovai aohospitalesequerbuscaapoio há outrasviolênciasfísicas,muitasvezes aví- familiar. No casodemulheres adultas,senão tro, independentementedodepoimentode força omédico(porlei)afazer odevidoregis- ruptura deórgãosgenitais)(como fissurase evidência dequeoincidentetenhaocorrido que hajaacorreta notificação. sejam atendidasemunidades desaúde,sem De fato, como arguidoanteriormente, No casodemenores deidade,qualquer Com isso,épossível quevítimasdeestupro de atençãoeproteção. (BRASIL, 2014,p. 11). ção eintegraçãodasredes intraeintersetorial - em situaçãode violência, baseadanaarticula uma estratégiadeatençãointegralàspessoas ra medianteaexistência,noâmbitolocal,de a orientaçãoparaqueessaimplantaçãoocor- doMS, dos osmunicípios,poishá,porparte vem ocorrendo demodosimultâneoemto- a estratégiadeimplantaçãodanotificaçãonão sequer metade dosseusmunicípios. relativamente baixas,quenãochegam aatingir vários estadosdoNordeste possuemtaxasainda No entanto,conforme atabeladeixaregistrado, peloSinan. 87,6% dapopulaçãoestaria coberta 62,8%. Osegundoíndicemostraque,em2014, No Brasil esteíndiceaumentoude38,0%para cador, para a maioria das unidades federativas. um crescimento substancialnoprimeiro indi- dicadores, entre 2011 e2014. Pode-se observar totalizou apenas79casosdeagravos deviolência. tificações deapenascincocentros desaúde, oque peloSinan,berto masqueem2014recebeu no- o municípiodeSão Paulo, queconstacomoco- trazem grandes limitações.Um bomexemplo é notificação deviolênciasfuncionando. a centros de saúdecomosistemadeagravos de que a população toda do município teria acesso Em termos dosegundoindicador, issoimplica peloserviço. o municípiointeiro estariacoberto município houve algumcasonotificado,então Apremissa doserviço. bertura foidequeseno nosentidodesuperestimar aco- conservadora, dores, lançou-semãodeumahipótesebastante os incidentes.Para produzir estesdoisindica- desaúdecomcapacidadeparanotificar serviços considera aproporção por dapopulaçãocoberta tificar agravos deviolência.Osegundoindicador nos umcentro desaúdecomcapacidadeparano- cada unidadefederativa emquehouve pelome- cador serefere aopercentual demunicípiosem entre asunidadesfederativas. Oprimeiro indi- dosistemaavançou em quemedidaacobertura das informações constantes do Sinan, analisou-se A Tabela 1 aponta a evolução dos dois in- De fato,em algumassituações,osindicadores Com baseemindicadores produzidos apartir Brasil Tocantins Sergipe São Paulo Santa CatarinaSanta Roraima Rondônia Rio Grande doSul Rio Grande doNorte Rio deJaneiro Piauí Pernambuco Paraná Paraíba Pará Minas Gerais Mato Grosso doSul Mato Grosso Maranhão Goiás Espírito Santo Distrito Federal Ceará Bahia Amazonas Amapá Alagoas Acre Tabela 1– UF Brasil, 2011-2014 notificação aoSinanSinan,por UF eano Proporção demunicípioscom aomenosuma 100,0% 38,0% 23,0% 52,9% 55,3% 46,7% 28,8% 52,3% 23,4% 69,6% 34,8% 26,5% Indicador 1(municípiosatendidos) 43,1% 21,5% 44,3% 59,5% 27,7% 19,8% 21,1% 29,5% 38,6% 24,7% 59,7% 18,8% 35,3% 31,8% 2011 6,7% 8,1% 100,0% 50,4% 35,3% 58,3% 58,0% 46,7% 30,8% 63,0% 35,3% 78,3% 32,6% 30,8% 64,4% 11,2% 33,3% 74,0% 65,8% 45,4% 26,7% 40,2% 47,4% 41,3% 38,8% 56,5% 43,8% 50,0% 31,8% 2012 Fonte: microdados doSinan/Dasis /SVS /Ministério Ipea. daSaúde. Elaboração: 9,3% 100,0% 59,4% 46,0% 28,0% 60,2% 55,3% 93,3% 48,1% 69,6% 43,7% 78,3% 38,8% 49,2% 67,4% 15,2% 36,1% 93,1% 70,9% 45,4% 35,9% 51,6% 69,2% 53,8% 48,2% 77,4% 62,5% 61,8% 68,2% 2013 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 100,0% 62,2% 43,2% 40,0% 65,1% 54,9% 86,7% 61,5% 70,4% 41,9% 87,0% 33,5% 55,1% 75,4% 22,0% 47,2% 93,3% 79,7% 46,8% 36,9% 53,7% 79,5% 54,3% 52,8% 83,9% 56,3% 54,9% 77,3% 2014 100,0% 72,7% 60,9% 30,4% 88,4% 80,2% 75,0% 57,0% 80,0% 64,5% 92,0% 64,4% 61,6% 76,8% 42,0% 46,0% 75,9% 83,6% 60,6% 44,2% 51,1% 59,3% 69,7% 54,3% 82,4% 78,4% 64,5% 65,2% 2011 Indicador 2(populaçãoatendida) 100,0% 79,2% 66,9% 35,6% 89,8% 83,6% 77,2% 61,5% 86,8% 70,0% 97,9% 67,5% 64,1% 85,5% 46,5% 61,2% 89,1% 83,7% 75,1% 54,2% 72,4% 69,8% 71,6% 62,7% 80,5% 85,9% 73,7% 69,0% 2012

100,0% 85,6% 76,0% 55,5% 93,4% 86,1% 96,7% 77,0% 89,6% 78,6% 97,0% 70,2% 77,8% 91,2% 50,0% 65,6% 98,4% 89,5% 73,3% 61,3% 84,8% 88,6% 79,7% 73,6% 92,4% 86,4% 83,4% 86,3% 2013 100,0% 87,6% 74,3% 64,8% 94,5% 86,6% 93,6% 83,6% 91,8% 77,5% 99,0% 66,7% 80,7% 93,5% 61,5% 73,1% 98,8% 94,5% 70,3% 62,9% 85,0% 94,6% 80,5% 77,4% 95,0% 86,9% 81,6% 91,9% 2014 29

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 30 de 84,2%e66,1%, respectivamente. Diante acentuadamente noperíodo, comacréscimo tre 2011e2014.Os indicadores cresceram dos casosdeestupro regirados no Sinan en- tal denotificaçõesagravos deviolência e minuição da subnotifica nan: Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Crescimento visualizada nomapaaseguir. possuíam oSinan entre 2011e2014podeser Painel 1– O Gráfico 1apontaocrescimento do to- A evolução doconjuntodemunicípios que aumento Conjunto deMunicípios com SINANentre 2011e2014 das da 2013 2011 notifica prevalência ção? ções Si- no ou di- suir notificações (63,9%). número demunicípiosquepassaram apos- menos umanotificação(86,3%), quanto o mero de centros de saúde que tiveram pelo neste mesmoperíodocresceram tantoonú- notificações pelopaís. ficação derivada daexpansãodosistemade lências, ousepeladiminuiçãodasubnoti- pelo crescimento daprevalência dessasvio- se refere àrazãodoaumento,seocasionada dessas informações, uma primeira questão Conforme se pode observar noGráficoConforme sepodeobservar 2, 2012 2014 Sim Não Fonte: Fonte: Gráfico 2– 10.000 12.000 Gráfico 1– 2.000 4.000 6.000 8.000 Notificações totais no Sinan - 100.000 120.000 140.000 160.000 180.000 200.000 220.000 2011 Brasil, 2011-2014 menos umanotificação noSinan, Número decentros edemunicípioscom desaúde ao Brasil, 2011-2014 Notificações deviolênciase estupro noSINAN, 2.114 5.898 2011 Fonte: Microdados doSinan/Dasis/SVS/Ministério daSaúde. Elaboração dosautores. Notificações totais noSinan Fonte: Microdados doSinan/Dasis/SVS/Ministério daSaúde. Elaboração dosautores. 2012 Centros deSaúde 2012 8.214 2.810 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 2013 Notificações deestupro Municípios 2013

9.918 3.309 2014 2014 10.000 12.000 14.000 16.000 18.000 20.000 22.000 10.988 3.466

Notificações de estupro 31

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 32 lência, sobretudo entre 2011e2012,comuma mo indicador, aparentemente elevou-se apreva- 27,1%, respectivamente. De acordo comoúlti- já haviainformaçõesem2011,cresceu 56,5%e municípios eaindaoscentros desaúdeemque número deestupros, considerandoapenasos estupro foi de66,1%,entre 2011e2014,o notificação dequalquerviolênciaem2011. queles centros desaúdeondejáhaviasidofeita apenas aevolução anualdoscasosdeestupro na- em 2011. O segundo indicador leva em conta houve algumanotificaçãodeagravo deviolências como baseapenasaquelesmunicípiosemque mero anualdenotificaçõesestupro, tomando o Gráfico 3.O primeiro delesconsidera onú- nan, dois indicadores foram propostos, conforme notificações esua relação comaexpansãodo Si- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 100.000 120.000 140.000 160.000 180.000 200.000 220.000 Gráfico 3– Enquanto o aumento das notificações de Enquanto oaumento das notificaçõesde Para responder àquestão sobre oaumentode 12.087 Brasil, 2011-2014 Número denotificações de estupro noSinan, 2011 Fonte: Microdados doSinan/Dasis/SVS/Ministério daSaúde. Elaboração dosautores. Notificações deestupro emmunicípiosquenotificaram em2011 Notificações deestupro emcentros quenotificaram desaúde em2011 Notificações deestupro 16.104 2012 14.454 15.679 entanto, cabedestacar, conformea Tabela 2, SEGURANÇA PÚBLICA,2015,p. 36).No de estupros rança públicaregistraram 47.646ocorrências 20.085 casosdeestupro, osórgãosdesegu- casos deestupro feitosnaspolíciasestaduais. comparação comosregistros administrativos de nan noregistro decasosestupro sedápela a Lein°12.015,de2009. constitui oestupro, cujotipopenalmudoucom os órgãosdesaúdesobre acompreensão doque ou deveu-se àmaiordifusãoentre apopulaçãoe um crescimento noscasosdeestupro nopaís, mento deregistros em2011refletiu observado aquestãoseoau- obstante, ficaaindaaberta estabilidadeentrevirtual 2013 e2014.Não Em 2014, enquantooSinan registrou Uma últimaanálisesobre aexpansãodoSi - 19.129 18.194 15.684 2013 3 (FÓRUM BRASILEIRO DE

2014 18.922 15.366 20.085 Tabela 2– Espírito Santo UF Amazonas Minas Gerais Acre Tocantins Goiás Piauí Distrito Federal Paraíba Rio Grande doSul Sergipe Pará Pernambuco Roraima Rio Grande doNorte Paraná Bahia São Paulo Santa CatarinaSanta Mato Grosso doSul Rio deJaneiro Amapá Mato Grosso Maranhão Ceará Rondônia Alagoas Brasil Fonte: Microdados doSinan/Dasis/SVS/Ministério daSaúdeeFórum Brasileiro deSegurança Pública (2015). Brasil, 2014 coligidos peloFórum Brasileiro deSegurança Pública– registradas noSinaneonúmero decrimes deestupro Comparação entre onúmero devítimasestupro Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 20.085 Sinan 1.365 1.912 1.517 1.483 1.092 1.534 2.891 1.369 406 370 496 603 425 635 207 290 128 126 925 800 373 290 194 269 123 186 76 47.646 10.026 1.475 2.722 2.927 2.239 3.913 2.818 2.878 1.345 5.676 1.300 1.019 1.621 1.286 FBSP Elaboração dosautores. 238 971 304 425 612 481 777 367 537 276 297 338 778

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Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 34 que passoude13,0%para15,8%. de estupro envolvendo mais deumagressor, 2011 e2014,elevou-se aproporção doscasos as perpetradorasem3,3%doscasos. sos deestupro, aopassoqueasmulheres foram homens foramosagressores em94,1%dosca- do osregistros doSinan Características via saúdejásuperaadasegurançapública. que emalgunsestadosacaptaçãodedados Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Tabela 3– Conforme apontadona Tabela 3,entre Segundo osdadosdo Sinan, em2014,os Não informado Ignorado Dois oumais Um Número deagressores Não informado Ignorado Dois oumais Um Brasil, 2011-2014 número deagressores Distribuição dasnotificações de estupro, segundo dos Distribuição pornúmero deagressores envolvidos nas notificações de estupro noSinan, Brasil, 2011a2014 estupros Número de notificações de estupro noSinan 2011 por número deagressores eano 13,0% 81,2% 1.570 9.816 2011 0,4% 5,4% Fonte: microdados doSinan/Dasis/SVS/Ministério Ipea. daSaúde. Elaboração: , 647 54 segun-

2012 13.059 13,1% 81,1% e dealgunsfatores situacionais. das vítimas,dovínculoentre vítimaeagressor ocorridos nesseperíodo,comacaracterização porção de estupros segundoacor/raçadasví- menores deidade. cerca de70%dasviolênciasacometeram tupro, segundoaidadedavítima,emque de estabilidadenaproporção decasoses- 2.116 2012 0,4% 5,4% 869 60 Abaixo analisam-seoscasosdeestupro Conforme explicitadonoGráfico 6,apro- Conforme oGráfico 4,houve umagran- vítimas As 2013 15.255 14,2% 79,7% 1.061 2.707 2013 0,6% 5,5% 106 2014 15.670 15,8% 78,0% 1.152 3.172 2014 0,5% 5,7% 91 Gráfico 5– Gráfico 4– 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 0,0% Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; elaboração própria. Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; elaboração própria. Brasil, 2011-2014 nos estupros coletivos, segundofases davidavítima Distribuição dasvítimasdeestupro nototal decasose Brasil ,2011-2014 Distribuição dasvítimasdeestupro, segundofaixa etária 50,7% 19,4% 2011 50,1% Crianças até13anos 29,9% Crianças 40,3% Nota: Estupros coletivos correspondem àquelescometidos pordoisoumaisagressores. Todos osestupros 52,0% 18,3% 2012 Adolescentes, entre14e17anos 29,7% 19,8% Adolescentes Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Estupros coletivos 24,1% 52,6% 18,8% 2013 28,6% Maiores deidade Maior deidade 30,1% 50,1% 19,8% 35,6% 2014 30,1%

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Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 36 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Gráfico 7– Gráfico 6– 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0% 0,0% 5,0% 0,0% 5,0% 2,4% 37,7% 7,2% 3,3% Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; elaboração própria. 9,2% Ensino médiocompleto 5a a8asérieincompleta 13,0% Analfabeta Brasil, 2011-2014 Distribuição dasvítimasdeestupro, segundo faixa etária Brasil, 2011-2014 Distribuição dasvítimasdeestupro, segundoraça/cor 0,9% 7,0% Branca 2011 40,8% 2011 10,3% 18,2% 0,6% 6,3% 8,5% 4,1% Preta 28,2% 2,3% 2,3% 37,3% Fonte: Microdados doSinan/Dasis/SVS/Ministério daSaúde. Elaboração dosautores. 6,6% Amarela Educação superiorincompleta Ensino fundamentalcompleto 1a a4asérieincompletadoEF 3,5% 9,1% 12,7% 0,6% 6,4% 42,0% 2012 2012 9,1% 0,7% 18,5% Parda 7,0% 8,5% 4,6% 1,7% 29,4% Indígena 2,6% 35,7% 6,9% 3,2% 9,0% 12,8% 0,7% Educação superiorcompleta Ensino médioincompleto 4a sériecompletaEF 6,1% 42,0% 2013 2013 Ignorada 10,4% 1,0% 18,1% 9,8% 6,6% 4,1% 1,9% 29,0% Não informada 34,3% 2,5% 6,3% 8,8% 2,9% Ignorada 0,6% 13,1% 44,5% 6,0% 2014 2014 10,8% 1,0% 18,5% 9,3% 6,7%

4,9% 1,6% 28,4%

rela (20,4),negra 100 milmulheres, seguidadapopulaçãoama- teria sofrido uma taxa de 42,9 estupros por respectivas cores/raças, apopulaçãoindígena traduzidos emtaxaspor100milmulheres das estupro. Se os dados do Sinan de 2014 fossem relativamente umaltoíndicederegistros de timas amarelas eindígenas,queapresentaram da populaçãoresidente, comexceção dasví- timas seguiuaproximadamente adistribuição lar, noquedizrespeito aoGráfico 7, cerca de por todas as faixas - de escolaridade. Em particu para as vítimas de estupro, que se distribuíram fundamental incompleto, o que não se verificou metem emespecialosindivíduos comoensino Tabela 4– Total decasos deficientes Total decasoscontra vítimas Transtorno mental Deficiência auditiva Deficiência visual Outro tipo Transtorno decomportamento Deficiência mental Deficiência física Os crimesviolentoscontraoshomensaco- transtorno /Repetição Tipo dedeficiência/ do Evento Brasil, 2011-2014 de recorrência doestupro, segundotipodedeficiência Número dedeficientes vítimasde estupro, por condição 4 (17,5)ebranca(12,5). Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; Ipea. Primeira vez 9.380 785 127 185 261 43 25 84 60 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Outras vezes recorrentes deestupro eram 42,4% que apresentavam algumadeficiência, asvítimas histórico deestupros anteriores, entre aspessoas to, em geral, 36,2% das vítimas possuíamum ciência, mostraoutro dadoinquietante. Enquan- além de apresentar onúmero de vítimas por defi- deficiências deordem físicaoumental.A Tabela 4, de idade,em2014),mais10%apresentavam à idade(umavez que 70% delaserammenores Além davulnerabilidadedasvítimasrelacionada no Sinan trouxe umaspectoduplamenteodioso. por escolaridadeaolongodotempo. digno denotafoiaestabilidadedasproporções pleto ouescolaridadesuperior. Outro ponto 28,0% davítimaspossuíamensinomédiocom- 7.272 877 154 202 307 Por fim,acaracterizaçãodasvítimas deestupro 85 40 28 61 Sem informação 3.433 405 173 43 16 13 59 78 23 Total geral 5 20.085 . 2.067 212 741 340 465 144 99 66

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Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 38 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Tabela 5– Policial/agente dalei Patrão/chefe Ex-cônjuge Filho(a) Cunhado(a) Outro familiar Ex-namorado(a) Outros Cuidador(a) Conhecido dealgumfamiliar institucional Pessoa com relação algum familiar Namorado/Cônjuge de Cônjuge Vizinho(a) Mãe Avô(ó) Irmão (ã) Primo(a) Tio(a) Namorado(a) Pai Padrasto Amigos/conhecidos Desconhecido(a) Vínculo Vítimaeagressor Brasil, 2011-2014 vítima, segundovínculo com oagressor Proporção devítimasestupro, porfaixa etária da Nota: As colunasNota: As nãosomam100%poispara ummesmoestupro podehaver maisdeumagressor. Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; Ipea. (até 13anos) Criança Criança 11,4% 12,5% 30,9% 0,1% 0,1% 0,1% 0,1% 0,5% 0,5% 0,7% 0,8% 1,0% 1,1% 1,1% 1,1% 1,2% 1,5% 2,3% 2,4% 3,4% 4,5% 5,4% 8,1% 9,9% (14 a17anos) e t n e c s e l o d A 26,0% 30,6% 0,3% 0,6% 0,3% 0,1% 0,8% 0,2% 1,9% 0,6% 0,3% 0,3% 0,8% 0,3% 5,2% 0,5% 3,2% 0,5% 1,5% 1,4% 3,1% 9,8% 8,0% 7,8%

(18 anosoumais) Maior deidade Maior 17,1% 53,6% 0,4% 0,5% 4,8% 0,5% 0,5% 0,2% 2,4% 0,5% 0,2% 0,2% 0,5% 0,1% 8,5% 0,6% 0,1% 0,1% 1,0% 0,5% 0,7% 1,6% 1,3% 1,3% em parte, oviésdeseleçãodouniverso analisado em parte, problema deviolênciadomésticanopaís,reflete, agressor dormeaolado,oquerevela agravidadedo para um,aomesmotempoemquemostrao eram desconhecidos.Estarelação demaisdois ao passoqueem5.381incidentesosperpetradores autores eramfamiliares ouconhecidos dasvítimas, registrados noSinan em2014,12.676casosos autores evítimasdeestupro, segundooSinan. mesmas. A Tabela 5detalhaosvínculosentre num segundo plano, amigo e conhecido das dos agressores era desconhecido da vítima e, tre asmulheres commaisde18anos,amaioria dos eapessoasdesconhecidasdavítima.Já en- afamiliarespertencentes próximos, aconheci- equilíbrio entre osconjuntosdeperpetradores lescentes menores deidade,houve umvirtual xualização navidadasmeninas.Entre asado- ex-namorados, oquerevela umaprecoce se- crianças foramperpetradospornamoradosou ainda é ofato de que 8,8% dos estupros de pai, padrasto, tio, irmão e avô). Digno de nota ciam aocírculo familiarpróximo (incluindo 40,0% dosestupradores- dascriançasperten com aidadedavítima.Comefeito,cerca de e autores, ostiposmaisapontadosvariam vítimas adolescentes emaiores deidade. a proporção deperpetradores desconhecidosde rados devítimascrianças,ao passo quediminuiu estupros cometidospornamoradosouex-namo - dade. Notou-se apenas umpequenoaumentode 2014, oGráfico 8mostraumagrandeestabili- do vínculoentre vítimaeagressor, entre 2011e Cabe destacar que do total de 20.085 estupros Cabe destacarquedototalde20.085estupros No queserefere aovínculoentre vítimas O vínculoentre vítimaeagressor No queserefere àevolução doquadro acerca 6 . Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Considerando apenasoscrimesemque foi dos casos(10.380)essedado eraignorado. rência dasagressões, em maisdametade onde avítimaconheciaoperpetrador agressor éconhecido,emrelação àssituações, ção decasosnofinalsemanaquando o Não obstante,percebe-se umamaiorpropor- na, acadadiaocorreriam 14,2%doscasos. de estupros fosseuniformeaolongodasema- (88,0% dos casos). De fato, se a prevalência -se concentraçãodas agressões nos dias úteis longo dosmeses. uniformidade naproporção deregistros ao era desconhecidodavítimahouve maior vítima. Em relação aomês,quandooautor o autoreraconhecidooudesconhecidoda Sinan em2014,levando em contaaindase poral doscasosdeestupros registrados no aparentemente, houve menosregistros. nos mesesdeinverno, aopassoquenoverão, e maiscasosaconteceramproporcionalmente 2014. Nota-se umaclarasazonalidade nasérie, registros de estupro noSinan, entre 2011e dos sofreram estupros repetidos. 56,5% dasvítimascujosalgozes eramconheci- cidos haviamsofridoestupro anteriormente, 14,0% daspessoasviolentadaspordesconhe- te ou não das relações da vítima. Enquanto rência doestupro quandooagressor fazpar- No queserefere aohorário Em relação aos dias da semana, verificou- A Tabela 7 caracteriza a incidência tem- O Gráfico 9indicaaevolução mensaldos Incidência temporal Uma últimaquestão diz respeito àrecor- 7 deocor- 39

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 40 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Gráfico 8– 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 0,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% 40,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% 0,00% 5,00% 0,00% 5,00% 60,51% Brasil –2011-2014 agressor, porfaixa etária da vítima Proporção devítimasestupro, segundovínculo com 37,76% Desconhecido(a) 32,15% 15,40% 28,01% 12,59% Amigos/conhecidos Desconhecido(a) 2011 9,29% 10,14% 2011 12,30% 2011 4,34% Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; Ipea. 8,40% 11,84% 3,31% 7,65% 5,32% Amigos/conhecidos 55,34% 35,79% 32,33% Amigos/conhecidos Desconhecido(a) 18,48% Adolescentes (14a17anos) 10,49% 29,52% 8,73% 2012 13,36% Maiores deidade 2012 crianças (até13anos) 2012 11,65% 5,38% 8,60% 12,12% 7,84% 3,95% 6,23% Cônjuge Padrasto Namorado(a) ouex 55,98% 37,22% 33,04% 18,67% 10,63% Ex-cônjuge 29,14% 8,87% 2013 12,91% Pai 11,89% 2013 2013

5,34% 8,11% 12,44% 9,02% 4,04% Namorado(a) ouex 6,71% Padrasto Namorado(a) ouex 53,61% 30,61% 30,85% 17,05% 26,02% 12,48% Pai 2014 8,50% 2014 11,67% 2014 11,39% 4,76% 7,84% 9,92% 3,92% 8,83% 8,04% go dosperíodosdodia.Em segundolugar, seja ao longo dos dias da semana, seja ao lon - temporal decasos,sejaaolongodosmeses, -se umamaioruniformidadedadistribuição mente oshomens–comohomicídios–,nota- de crimesviolentosqueacometemprincipal- do secomparamessesdadoscomoutrasséries santes deressaltar. Em primeiro lugar, quan- dos registros deestupro noSinan sãointeres- e demadrugada. aconteceram commaiorfrequência ànoite autores eramdesconhecidos,osestupros noite enoperíododatarde. Já quandoos conhecidos foimaioronúmero decasosà tos, aolongododia,sendoqueparaautores ve razoável incidência em todos os momen- bem definidatalinformação(9.705),hou- Tabela 6– Dois fatosacerca daincidênciatemporal Total anteriormente (n=9380) Nunca havia sidovítima casos registrados em2014 Recorrência doestupro relativa a Já foi vítimaanteriormente (n=7272) Brasil –2011-2014 recorrência doestupro de conhecimento doagressor, segundocondição de Distribuição dasvítimasdeestupro, por condição Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; Ipea.

100,0 Geral Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 56,3 43,7 quando o agressor era desconhecido (48,7%). quando oagressor eradesconhecido(48,7%). maiorocorrência ca foiolocalondeseobservou e oagressor seconheciam(79,5%),aviapúbli- dência foiolocalmaisprevalente quandoavítima em 2014.A Tabela 8indicaqueenquantoaresi- apenas 8,7% do total de 20.085 casos ocorridos informações, sendoqueodadofaltanteatingiu umaltoíndicedepreenchimento das observa-se tupros coletivos ses deinverno enosdiasdesemana. acontecendo commaiorintensidadenosme- estupro seguemoutradinâmicatemporal, finais desemana,aparentemente oscasosde social, sobretudo nosmesesdeverão enos intensidade nosperíodosdemaiorinteração enquanto oshomicídiosocorrem commaior Ao se analisar o local de ocorrência do estupro, Ao se analisar o local de ocorrência do estupro, Local, meio utilizado, presença de álcool e es- Conhecido 100,0 43,5 56,5 Autor: Desconhecido 100,0 86,0 14,0 41

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 42 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 vítima eautor. Aproporção deestupros com se modificouconformeoconhecimento entre bem inferior, 31,3%. Já paraosautores conhecidos,aproporção foi do totaldecasoscominformaçãodisponível. dos estariam sob efeitode álcool em 46,8% disponível. Os prováveis autores desconheci- em 35,7%dototaldecasoscominformação nhecido”. Em geral,ousodeálcoolseinseriu variou segundoatipologia“conhecido/desco- autor, nomomentodaocorrência, também Gráfico 9–

A presença demaisumagressor também A suspeitadeusoálcoolpeloprovável Número de registros 1000 1200 1400 1600 1800 2000 800 jan/11 Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; elaboração própria. Brasil, 2011-2014 Evolução donúmero mensal deestupros jul/11 jan/12 jul/12 pelos desconhecidos (16,6/1,7),enquanto os proporcionalmente vezes quasedez maior nhecidos. A utilização de arma de fogo foi quandoosautores eramdesco- observados agressão definidos(exceto outros) forammais de provável autor. No entanto,osmeiosde ameaça. Isso semanteve paraqualquertipo foram aforça corporal/espancamentoea nhecido davítima(13,5%). paração àquelesemquehaviaumagressor co- para autores desconhecidos(25,6%), emcom- dois oumaisautores foiquaseduasvezes maior jan/13 Os meiosdeagressão maisempregados jul/13

jan/14 jul/14 Tabela 7– Madrugada (n=2029) Madrugada Noite (n=3516) Tarde (n=2538) (n=1622) Manhã Período dodia Domingo (n=1233) (n=1233) Sábado Sexta-feira (n=3136) Quinta-feira (n=3315) Quarta-feira (n=3417) Terça-feira (n=3652) Segunda-feira (n=4119) Dia dasemana Dezembro (n=1612) Novembro (n=1690) Outubro (n=1670) Setembro (n=1797) Agosto (n=1674) (n=1694) Julho Junho (n=1607) (n=1739) Maio Abril (n=1699) Março (n=1581) Fevereiro (n=1633) Janeiro (n=1689) Mês Variáveis Brasil, 2011-2014 período dodia conhecimento doagressor, pormês, diadasemanae Distribuição dasvítimasdeestupro, porcondição de Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; Ipea.

20,9 36,2 26,2 16,7 6 6,1 15,6 16,5 17 18,2 20,5 8,0 8,4 8,3 8,9 8,3 8,4 8,0 8,7 8,5 7,9 8,1 8,4 Geral Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 17,2 34,8 30,8 17,1 4,6 5,1 16,4 16,9 17,5 19 20,4 7,8 8,4 8,4 9,0 8,2 8,6 7,9 8,7 8,3 7,7 8,2 8,6 Conhecido % % % 26,6 38,2 18,9 16,3 9,4 8,6 13,8 15,2 15,4 15,9 21,6 8,6 8,4 8,0 8,7 8,7 7,9 8,2 8,5 8,8 8,2 8,0 7,9 Desconhecido 43

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 44 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Tabela 8– Outros (n=1654) Envenenamento/Intoxicação (n=71) Substância/objeto quente (n=88) Objeto contundente (n=338) Enforcamento (n=626) Objeto pérfuro-cortante (n=990) Arma defogo (n=1114) Ameaça (n=6966) Força corporal/espancamento (n=8222) Meios deagressão Dois oumais(n=3172) Um (n=15670) Número deprováveis autores Sem suspeita(n=7992) Suspeita deálcool (n=4444) Suspeita deusoálcool peloautor Outro (n=2151) Indústria/Construção (n=87) ousimilar(n=177) Bar Comércio/Serviços (n=258) Via Pública(n=3378) Local deprática esportica (n=96) Habitação coletiva (n=157) Escola (n=335) Residência (n=11701) Local deocorrência Brasil, 2014 pelo agressor, número deprováveis autores emeiosdeagressão do agressor, segundolocaldeocorrência, suspeitadeusoálcool Proporção devítimasestupro, porcondição deconhecimento Variáveis Fonte: Ministério daSaúde. Secretaria deVigilânciaemSaúde(SVS). Sinan–microdados; Ipea. Nota: Ototal decada coluna nãosomanecessariamente 100%devido adados ignorados. Geral 11,1 39,6 16,8 83,2 64,3 35,7 11,7 18,4 63,8 0,4 0,5 2,1 3,8 5,9 6,6 0,5 1,4 0,5 0,9 1,8 46 1 Conhecido 11,3 35,8 39,2 13,5 86,5 68,7 31,3 79,5 0,3 0,5 1,7 2,8 3,4 1,8 9,5 0,3 0,4 0,8 0,5 1,7 6,3 1 Desconhecido 18,4 48,4 59,5 25,6 74,4 53,2 46,8 17,1 25,6 48,7 0,7 0,7 2,7 0,9 2,3 0,8 1,7 12 9 6 1 2

que analisaram asnotificaçõesdeestupro lise feita por Cerqueira e Coelho (2014), freram taisviolênciasnopaís. estudadas, maisde1.350.000mulheres jáso- nacional seja igual à verificada naslocalidades OLIVEIRA, 2016).Casoaprevalência relativa vítimas deagressões sexuais(CARVALHO; anos residentes nascapitaisnordestinas foram maram que2,42%dasmulheres entre 15e49 com basenapesquisaPCSVDFMulher, esti- em parceria comoInstituto Maria daPenha, quisadores da Universidade Federal do Ceará, tude queofenômenoalcançanoBrasil, pes- nossa cultura.Para seterumaideiadamagni- dos edaideologiadopatriarcado imanente em tado edasociedade,emfacedostabusenvolvi - que terminaminvisibilizadosaosolhosdoEs- acontecem acadamomentopeloBrasil aforae na parcela dos eventos de violência sexual que ou dapolícia,representam apenasumapeque- administrativos, combasenosdadosdasaúde tificações deestupro. Contudo,estes registros 20.085 casos, as polícias tiveram 47.646 no- xual. Enquanto oSinan registrou, em2014, da violência de gênero e, em particular, a se- tório brasileiro dizrespeito àaltaprevalência públicas C sões acometepessoasvulneráveis. que, conformerelatado, amaioriadasagres- mas eobjetosfoimenoscomum,mesmopor- autores eramconhecidos,autilizaçãodear- mais deduas.Nos casosemqueosprováveis mais detrês vezes eenforcamento, (5,4/2,6), (10,8/3,2)foramobjetos perfuro-cortantes onclusões No presente trabalho, revisitou-se aaná- Um grandeobstáculoaoprocesso civiliza- e reflexões para políticas Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 casos comautores conhecidos,13,5% envol- 15,8% dototaldecasosem 2014.Entre os de casosestupros coletivos, queatingiu ca estarrecedora foioaumento daproporção arma defogo(18,4%).Uma última estatísti- espancamento (59,5%),ameaça(48,4%)ou autor (25,6%) e com uso de força corporal/ cool peloagressor (46,8%),commaisdeum públicas (48,7%),comsuspeitadeusoál- (26,6%),emvias(38,2%) edemadrugada vitimização (86,0%), de ocorrências à noite sos devítimassolteiras(68,1%),primeira pessoas desconhecidas destacaram-se os ca- teriormente. Nos crimeslevados acabopor 56,5% dessasjáhaviamsofridoestupro an- tas asvítimasdealgozes conhecidos,emque processo de revitimização aqueestãosujei- de. Outro pontoquechamouaatençãofoio sica e/oumental,numaduplavulnerabilida- das vítimaspossuíamalgumadeficiênciafí- menores deidade(69,9%),sendoque10,2% cipais vítimasforamcriançaseadolescentes cônjuges ounamorados(10,5%).Asprin- destaque parapaisoupadrastos(15,7%)e petradores erampessoasconhecidas,com liares próximos. petradores, namaioriadoscasos,sãofami- do, criançaseadolescentes,emqueosper- faixas deescolaridadeeatingem,sobretu- registradas acometempessoasemtodasas tatística noseventos, emqueasagressões verificou-se umainaceitável estabilidadees- alcançar 68,2%dosmunicípiosbrasileiros, positiva expansão do sistema, que passou a da saúdeentre 2011e2014,paraalémda aevolução dosregistrosgerais, aoobservar ocorridas em2011noSinan. Em linhas De fato,verificou-se que73,0%dosper- 45

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 46 tendo emvistaoproblema doviésdeseleção os resultados para o conjunto da sociedade, administrativos, o que não permite extrapolar nesse trabalhotenhamadvindoderegistros essa parcela correspondeu a25,6%. quando avítimanãoconheciaosagressores, veram doisoumaisagressores, aopassoque Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Ainda queasinformaçõesapresentadas 7. 6. 5. 4. 3. 2. 1. (de 12h00até 17h59),noite (de18h00até 23h59)emadrugada(de0h00até 5h59). A partirdainformação dahora deocorrência, oscasos foram agrupadosemquatro períodos:manhã(ocorridos de6h00até 11h59),tarde que ficaram invisíveis dasociedade,pelo aosolhos fato denão terem procurado ajuda, tendo emvista os tabus envolvidos. estabelecimentos de saúde. Certamente, esses dados embutem uma sub-representação de mulheres adultas afligidas pela violência sexual Como jáapontado antes, este fato decorre deaanálisesebasearemdadosadministrativos, com vítimasquebuscaram auxílioem tais informações nãoestavam disponíveis nabasededadosanalisada. Por fim, vale a pena registrar que as fichas de notificação apresentam campos sobre identidade de gênero eorientação sexual, no entanto,  Considerando aípreta ouparda. entanto, tornam-se comparáveis porque aquasetotalidade doscrimesdeestupro registrados sereferem aapenasumavítima. Os dadosnãosãoaprincípiocomparáveis, porque oscasos doSinansereferem avítimaseoscasos reunidos peloFBSPsãodecrimes.No de recusa poderá omaridoforçá-la aoato sexual semresponder pelocrimedeestupro” [Noronha, 1990,apudMotter (2011)]. vez que o Código Civil traz como umas das consequências do casamento o dever dos cônjuges de manter relações sexuais, assim na hipótese [Jesus, 2000 apud Motter (2011)].Já Noronha entende que “o marido não pode ser acusado do crime de estupro desua própria mulher, uma ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa” Conforme assinala Jesus(1990)[apudMotter, semprenãoconsentir 2011]:“[...]Assim, queamulher naconjunção carnal eomaridoaobrigar violência sexual queocorreu noXEncontro doFórum brasileiro deSegurança Pública. Agradecemos aotrabalhodeapoiodoGeorge Meloeassugestõesdevários colegas doIpea,bemcomo aosparticipantes damesasobre ciedade arcaica. denossarealidade,cruel resquício deumaso- cacional, para que se possa superar essa face assistência sociale,sobretudo, osistemaedu- a saúdepúblicaepolícia,masoaparelho de ações intersetoriais, que envolvam nãoapenas lência degênero nopaís,quedeve contarcom dão contadagravidadedoproblema davio- discutido anteriormente,osfatosassinalados saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0098_M.pdf>. . images/pdf/2016/fevereiro/16/instrutivo-ficha- . images/pdf/2016/fevereiro/16/instrutivo-ficha- . . missoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2016/12/ . www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução Dossiê das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira 48 Palabras clave: Estado, sobretodo enelcampo educacional. públicas mitigadoras queinvolucren lasmuchasagenciasdel cuidadosas, para asíposibilitar laelaboración depolíticas y sobre la necesidad de se produzcan informaciones más gravedad del problema deviolenciagénero enelpaís hermano yabuelo. Los laatención datossobre llaman la al círculo familiar próximo, incluyendo padre, padrastro, tío, pertenecían niños los de violadores los de 40,0% del cerca que mostró terrorífico dato Otro víctima. la de desconocidos eran autores los cuando 25,6% al correspondió proporción en 2014, respondieron por el 15,8% del total de casos, y esta aumentó laproporción decasos deviolacióncolectiva que, mismo tiempo, Al mental. y/o física deficiencia alguna de sufrían agredidas personas las de 10,0% del más y edad, de analizado, en que 69,9% de las víctimas eran niños y menores una estabilidad estadística inaceptable alolargo delperíodo verificó Se situacionales. elementos otros de además ellos, entre los vínculos y autores, víctimas de perfil se el describió Específicamente administrativos. registros esos según del Ministerio delaSalud.Secaracterizó aúnelfenómeno del Sistema de Información de Agravios de Notificación (Sinan), violación enelpaís,entre 2011y2014,con baseenlosdatos En este artículo se analizó la evolución de factoreslas notificaciones de el autores, en notificaciones sistema entre desalud 2011y2014 las víctimas, de evolución y Brasil: situacionales en Violación Resumen Daniel Cerqueira, DaniloSanta CruzCoelho eHelderFerreira sistema entre desaúde 2011e2014 situacionais eevolução dasnotificações no Estupro noBrasil: vítimas, autores, fatores Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 Violación. Brasil. Violencia.Sinan.Género. in theeducational field. to bedevised thatinvolve several State agencies,particularly more accurate information allowing mitigatingpublicpolicies gender violence inBrazil andhighlights theneedto produce The data draws attention to theseriousness of theproblem of including thefather, stepfather, uncle,brother and grandfather. members, family close were rapists child of 40.0% that was finding alarming Another 25.6%. in victim the to known not were perpetrators where cases, all of 15.8% for accounted increase intheproportion of gangrape cases, whichin2014 had victims physical of and/or mental disabilities. In parallel, there was an 10% over and minors, and children were victims of 69.9% which in noted, was analyzed period the elements. Anunacceptable unchangingstatistical pattern over with therelationship between themandother situational the profiles of victims and perpetrators were described, along specifically, More records. administrative these to according Ministry of Health.Thephenomenonwas alsocharacterized the of (Sinan) System Information Conditions Notifiable the in registered notifications between 2011and2014were analyzed basedondata from rape the article, this In notifications inthehealth system between 2011and2014 perpetrators, Brazil:Victims,factors and in situational Rape Keywords: Abstract Rape. Brazil. Violence. Sinan.Gender. Data derecebimento: Data deaprovação: 14/01/2017 20/12/2016 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 24-48, Fev/Mar 2017 49

Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014 Daniel Cerqueira, Danilo Santa Cruz Coelho e Helder Ferreira Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 50 Municipais Relações degênero nasGuardas Pesquisas doRiodeJaneiro Mestre -IUPERJ. emAdministração Pública pelaFundação JoãoPinheiro -FJP. Pública - CRISP, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Professora adjunta do Departamento de Sociologia - DSO e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Pública -NESP-FJP. Graduada emCiênciasSociaispelaUniversidade Federal deMinasGerais -UFMG. Mestranda emAdministração Pública pelaFundação JoãoPinheiro -FJP. Pesquisadora doNúcleodeEstudosemSegurança Camila Costa Cardeal Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 Segurança Pública. Relações degênero. Guardas Municipais. Palavras-Chave cíficos para asmulheresepráticas deassédio quevitimizam essas profissionais em maiores percentuais. do contingente feminino (emcomparação com omasculino), aausência deequipamentos deproteção individual espe igualdade entre homens e mulheres está longe de se materializar nas Guardas Municipais, dados o reduzido percentual dimensões: perfil profissional, condições de e trabalho assédio (moral e sexual). Os resultados indicam que a prometida lise nãodasmulheres,masdecomo elassãoemcomparação com oshomens.Para tanto, optamos porescrutinartrês Neste artigo, procuramos descortinar as relações de gênero no âmbito das Guardas Municipais, o que significa uma aná- Resumo [email protected] [email protected] - tradicionalmente decompetênciadosgovernos Magna se incluirnaCarta umaatribuiçãoqueé mente patrimonial, em que pese a inovação de assim deumainstituição com caráter estrita- einstalações. ção deseusbens,serviços Trata-se Guardas Municipais (GMs),destinadasàprote- possibilidade deosmunicípiosinstituírem de umnovo atorno planodasegurançaestatal. e,emmuitoscasos,osurgimento o fortalecimento concede maiorrelevo aomunicípio,propiciando ministração doproblema. Anova regulamentação 1970, oquedemandaagênciasdiversas paraaad- criminalidade eviolênciaaolongodadécadade bouço constitucional justifica-se pelo aumento da tema segurançapúblicapelaprimeiravez noarca - da República de1988(CR/1988).Ainclusãodo 144daConstituição contram-se elencadasnoart. Introdução N O art. 144 §8º da CR/1988 estabelece a 144§8ºdaCR/1988estabelecea O art. provimento dasegurançapúblicaen- o Brasil, asinstituiçõesresponsáveis pelo Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 nicipal que abre orol decompetênciasdaGuarda Mu- blicação daLei13.022,de8agosto2014, promoção dasegurança.No entanto,desdeapu- nicipais, implicouabuscadenovas formasde pública, pelaviadainstituiçãodeGuardas Mu- que cuidadainvestigação decrimes. pelo policiamentoostensivo, eàPolícia Civil, policiamento cabeàPolícia Militar, responsável dasatividadesde estaduais, jáqueamaiorparte ções próprias do policiamento ostensivo, que são ções próprias dopoliciamento ostensivo, quesão OLIVEIRA JUNIOR,2010), realizando fun- verdadeiras Minipolícias Militares (VARGAS; res argumentamqueelasse consubstanciamem (CARDEAL, 2015).Nessa senda,algunsauto- do crime,aindaquecomousodaarmadefogo atividades diretamente relacionadas àprevenção municipais, mastambémumamiríadedeoutras trabalho voltado dos próprios paraapreservação A ênfase na municipalização da segurança A ênfasenamunicipalizaçãodasegurança 1 , essa agência tem realizado não apenas o , essaagênciatemrealizado nãoapenaso 51

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 52 tar a cargo de oficiais aposentados da Polícia Mili- instituição era,atéoEstatutode2014,deixada Municipais. Isso ocorre porque agestãodetal ria de constituiçãoefuncionamentodas Guardas implementadas nosmoldesdaPM,dadaahistó- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 e mulheres que atuam como guardas munici - comhomens e analisaosdadosdeumsurvey travados entre omasculinoefeminino. res nessa agência e quais são os jogos de poder como ocorre ainteraçãoentre homensemulhe- jeto deanálisee,porisso,poucosesabesobre Guarda Municipal foicontempladacomoob- 2004).Em nenhumdessesestudosa ZANS, - democratização daprópria instituição(CALA suas fileiras,comoumaformadepromovera sistema de cotas para a inclusão de mulheres em 2013), queforamasprimeirasacontemplarum e concentradanasPolícias Militares (SENASP, mento da segurança pública no Brasil é recente gênero nasinstituiçõesresponsáveis peloprovi- daanálise dasrelaçõesagências apartir degênero. indaga-se qualseriaolugardasmulheres nessas da segurançapúblicabrasileira.Neste cenário, instituições sãorelativamente jovens nocontexto Federal de1988,oquereforça aideiadequeessas Municipais foramcriadasantesdaConstituição mesma pesquisaindicaquesomente95Guardas instituição em 13% dos municípios brasileiros. A das Municipais, oqueequivale àpresença desta sobre otemareporta aexistênciade993Guar- (MISSE; BRETAS, 2010). identidade institucional dessas duas corporações 2 , o que contribuiu para a semelhança entre a , oquecontribuiuparaasemelhançaentre a Este artigo procura preencherEste artigo essalacuna A produção acadêmicasobre relações de O último levantamento do IBGE (2012) mulheres quecompõem osefetivos dasGuardas gênero, compreendendo quem sãooshomenseas após aConstituiçãoFederal de 1988. Municipais, queforamorganizaçõesinstituídas mudanças produziram reflexos nas Guardas da mãodeobrafeminina,cabeindagarsetais trabalho emrazãodaprogressiva incorporação foram asalteraçõesvivenciadas nomercado de al., 2004,p. 23).Se nosúltimos anosdiversas amaioria[...]”(MUSUMECIet em todaparte Criminal, os homens continuam representando segurança, pontainicialdoSistema deJustiça que “nas ocupaçõesligadasàordem públicaeà Municipais nocontextoatualpor- éimportante lações degênero quetêmlugarnasGuardas (KÜCHEMANN etal.,2015,p. 67). as relações queseestabelecemintraeintergrupos” empírica), bemcomoéútilparaanalisareexplicar crever asdinâmicasecenassociais(suautilização paradistinguir,categoria queserve classificaredes- res eparahomens. Visto poresseângulo,“é uma conceito quepodeedeve seraplicadoparamulhe- denadora da vida em sociedade. Trata-se de um or- cos, econômicosepsicológicosé,portanto, série deacontecimentossociais,históricos,políti- defineas construção relações sociais. pensar adiferença entre ossexos ecomosua analítica, ogênero surgedanecessidadedese variações entre associedades.Comocategoria significações sociais(gênero), queencontram tre asdeterminaçõesbiológicas(sexo) eassuas é preciso lembrarqueexistemdiferenças en- pais sobre relações degênero. Neste contexto, Logo, nossaproposta édescrever asrelações de Nesse cenário,aproblematização dasre- O gênero agrega, emumaúnicapalavra, tudos de Organizações e Pessoas (Neop), da Fun- Segurança Pública (FBSP)epeloNúcleo deEs- policiais”, coordenada peloFórum Brasileiro de tantes dapesquisa“As mulheres nasinstituições Notas sobreacoleta dedados apresentadas asconclusõesdesteestudo. vislumbrados naspráticasdeassédio. Por fim, são blematizamos osjogosdepoderquepodemser pro- vista decondiçõestrabalhoe,naquarta, olugardamulherdopontode ção, descortinamos as funçõesdeguardas municipais.Na terceira se - são asmulheres vis-à-vis coleta dosdados.Em seguida,analisamosquem trodução. Na primeira,apresentamos aformade estudo organiza-seemcincoseções,alémdestain- de podernocotidianoprofissional. Para tanto,este lógicas implicamsignificados,posiçõese relações Municipais brasileirasecomoessasdiferenças bio- Tabela 1– Os dados apresentados sãoresul nesteartigo - Instituição deorigem Polícia Rodoviária Federal Polícia Civil Polícia Militar Polícia Federal Polícia Científica/Perícia Corpo deBombeiros Total Guarda Municipal instituição deorigemdo(a)entrevistado (a) Distribuição dosquestionários respondidos por os homens que exercem os homensqueexercem N. absoluto 13.055 2.647 5.741 1.073 2.535 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 438 357 264 tionários preenchidos (Tabela 1). que corresponderam a19,4%do total deques- lecionadas asrespostas deguardas municipais, homens emulheres representativa detodosospoliciaisbrasileiros, 12 e 26 de fevereiro de 2015, uma amostra foram obtidos13.055retornos válidos, entre Justiça. Do totaldequestionáriosenviados, gurança públicacadastradosnoMinistério da senha, para o universo de profissionais de se- tionários este público,foramenviados558.886ques- profissionais (FBSP, 2015). Para cobrirtodo mavam 1.137 agências, integradas por 648 mil Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG). Criminalidade eSegurança Pública (Crisp), da Ministério daJustiça edoCentro deEstudos dação Getúlio Vargas comoapoiodo (FGV), Em janeiro de2015, asforças policiaisso- Fonte: As mulheres nas instituições policiais(2015) Fonte: As on-line comcontrole deacessopor 3 . Para foramse- esteartigo Percentual 100,0 20,3 44,0 19,4 3,4 2,7 8,2 2,0 53

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 54 18,6% dototal que seuefetivo demulheres respondia por feminina,jáções commenorparticipação barreiras aoacessodasmulheres àssuasfileiras. titucional, as polícias contam com numerosas tão, aparentemente, apesardaproibição cons- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 ção economicamente ativa as mulheres representam 43%dapopula- de acordo comosdadosdoCenso2010, do públicofeminino,bastalembrarque, nicipais parecem serfechadasàabsorção mulheres emigualdadedepercentuais. do pontodevistadaabsorção dehomense àigualdade entrenificou abertura ossexos, relativamente jovem aparentemente nãosig- Logo, ofatodeaGMserumainstituição 12,3% depessoasdestesexo emsuasfileiras. lícias Militares, quecontavam comapenas só nãotinhamenosmulheres doqueasPo- que reforçam adesigualdade entre homens Municipais decorre derelações degênero diminuta entradademulheres nasGuardas emquemedidaessaseções, descortina-se dessa atividadeprofissional. Nas próximas de pessoasdestesexo aptasaoexercício se fosse levada em consideração a quantida- res 2,34vezes menordoqueoesperado, contavam comumquantitativo demulhe- no mercado detrabalhoemrazãodosexo íbe qualquertipodesegmentaçãofunções mos queaConstituiçãoFederal de1988pro - quantitativo bastantereduzido seconsiderar- possuíam 18,5% de mulheres (Tabela 2), um pesquisa, asorganizaçõespoliciaisbrasileiras As Guardas Municipais eram asinstitui- Para severificar comoasGuardas Mu- De acordo comos dados coletadosna 5 . AGuarda Municipal (GM) 6 . Logo,as GMs 4 .En - tuições policiais éofatodeelesselimitarem “a ressalvas sobre osestudosdegênero nasinsti- produzido pelaSenasp (2013,p. 30),umadas grau deescolaridade.Isso porque, no relatório suas diferenças emtermos deidade,raça/core municipais são distintos, optou-se por analisar e asmulheres quetrabalhamcomoguardas essa aperspectiva adotadanestetrabalho. des depoder” (FARAH, 2004, p. 48),sendo um deseuscomponentescentraisdesigualda- entre homensemulheres, queenvolvem como os sexos, permite a apreensão de desigualdades goria que,“ao enfatizarasrelações sociais entre almente, ogênero épercebido comoumacate- na sociedadebrasileira(AGUIAR, 1997).Atu - ender adesigualdadedepoderentre ossexos os estudosdegênero, pensadosparasecompre- deslocamento –dos“estudos demulher” para dosanos 1990queocorremente apartir um país” (FARAH, 2004, p. 47).Contudo, é so- domovimentoao fortalecimento feministano “no finaldosanos1970,concomitantemente como algodiferente demulherchega ao Brasil que compõem a vida social. A ideia de gênero masculino noâmbitodasdiversas dimensões ria deve se referir àsrelações entre femininoe res” (AGUIAR, 1997),postoqueessacatego- não seigualargênero a“estudos sobre mulhe- gênero umtemarecorrente de éaimportância Guardasmulheres M nas A essencialmente masculinas. e aprevenção dacriminalidadesãotarefas de proteção aos próprios municipaisserviço e mulheres, robustecendo aideiadequeo entrehomens e s diferenças Para entender emquemedidaoshomens Nos estudosproduzidos sobre relações de unicipais tinham idade médiade34anos(Tabela 3). de 33anos,seuscolegasdo sexo masculino mens: enquantoelastinham idademédia eram ligeiramentemaisjovens queosho - procedência regional ouorigemsocial”. marcadores sociais,comoraça/etnia,geração, mensão de interseccionalidade de gênero com discutir ospapéissexuais,semincorporaradi- Tabela 2– Nas Guardas Municipais, as mulheres Municipal Guarda Científica/Perícia Polícia Bombeiros Corpo de Polícia Federal Federal Rodoviária Polícia Polícia Civil Total Polícia Militar Instituição de origem Brasil, 2015 sexo, segundoinstituição deorigem Número absoluto edistribuição dosrespondentes, por 10631 2063 1840 5029 162 905 276 356 N Homens 81,5% 81,4% 61,4% 84,4% 77,3% 81,3% 69,6% 87,7% % Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 2409 470 102 167 804 703 ciação entre essasduasinformações. dência devariáveis paraverificar seháasso- teste doqui-quadrado,que medeaindepen- masculino noquesitoidade, comorevelou o cativa entre profissionais dosexo feminino e xistia umadiferença estatisticamentesignifi- CI; SOARES, 2004).No casodasGMs,ine - mais jovens doque oshomens(MUSUME- Polícias Militares, em que as mulheres eram nasEste padrão era distinto do observado 81 82 N Mulheres Fonte: As mulheres nasinstituições policiais(2015). Fonte: As 18,5% 18,6% 38,6% 15,6% 22,7% 18,7% 30,4% 12,3% %

Nota: 478,25 Qui-quadrado (0,000). 13040 2533 1072 2644 5732 264 357 438 N Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% % 55

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 56 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 pulação nãojovem. meno erainverso, comopredomínio dapo- (SENASP, 2013,p. 43),nasguardas o fenô- aquelas [pessoas]comaté34 anosdeidade” mos “uma composição jovem, prevalecendo etária acimade35anos.Se naspolíciastínha- eram maisvelhos, comprevalência nafaixa os guardas municipais(homensemulheres) com relação àspolíciasreside nofatodeque des semelhantes.Adiferença aserdestacada afirmar quehomensemulheres tinhamida- 34 anos,respectivamente), assim,pode-se geiramente menor que a dos homens (33 e Tabela 3– A médiadeidadedasmulheres erali- Total 18 a24anos Acima de45anos 35 a45anos 30 a34anos 25 a29anos Faixa etária Brasil, 2015 sexo, segundofaixa etária Número absoluto edistribuição dosrespondentes, por 1642 463 806 261 103 N 9 Homens 28,2% 49,0% 16,0% 100% 6,2% 0,6% %

negros, oqueexplicaria a prevalência depesso- instâncias demobilidadesocial parahomens que asinstituiçõespoliciais sãomuitasvezes outros estudossobre otema,osquais destacam entre homensemulheres énotadaemalguns negros (55,0%).Essadiferença decordapele entretrapartida, oshomenspredominaram os se definiucomonegra(preta eparda). Em con- finiram comobrancaseamesmaporcentagem com osresultados, 48,5%dasmulheres sede- utilizadas peloIBGE(Tabela 4).De acordo dascategorias autoatribuísse umaraçaapartir ta dainformaçãofoipedirqueoentrevistado 383 186 35 92 66 N 4 Mulheres No quesito cor da pele, a forma de cole- Fonte: As mulheres nasinstituições policiais(2015). Fonte: As 24,2% 48,4% 17,3% 100% 9,1% 1,0% % Nota: 41,677 Qui-quadrado (0,654). 2025 555 992 327 138 13 N Total 27,5% 49,0% 16,1% 100% 0,5% 6,9% % encontrar ressonância nos dados analisados (CARVALHO, 2004).Essahipóteseparece maneira maisintensaentre asmulheres negras uma vez queofracassoescolar prevalece de sociado àmaiorescolaridadedestesegmento, entre asintegrantes das GMspode estar as- ARES; ROLIM; RAMOS,2009). as comesteperfilentre osseusmembros (SO- Tabela 4– O maiorpercentual demulheres brancas Outro Indígena Amarelo(a) Pardo(a) Preto(a) Branco(a) Total Raça/cor Brasil, 2015 Distribuição dosentrevistados, porsexo, segundoraça/cor 2065 901 236 884 24 11 N 9 Homens 43,6% 11,4% 42,8% 100% 1,2% 0,4% 0,5% % Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 470 167 228 61 as guardas entrevistadas, jáque30,0%delas 24 anos.Essarealidade parece serefletir entre ta oensinosuperior, nafaixaetáriade18a dos estudantes que frequentam a maior parte - IBGE (2014),asmulheres brancasrepresen- namédianacional.Segundoo observado o (Tabela 5), como também era maior do que apenas eramaiselevado doqueodoshomens de dasmulheres nasGuardas Municipais não quando seconstata que ograudeescolarida- N 7 1 6 Mulheres Fonte: As mulheres nasinstituições policiais(2015). Fonte: As 35,5% 13,0% 48,5% 100% 1,5% 0,2% 1,3% % Nota: 13,563 Qui-quadrado (0,019). 2535 1068 1112 297 31 10 17 N Total 42,1% 11,7% 43,9% 100% 1,2% 0,4% 0,7% % 57

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 58 seção aseguir. nistrativas (apoio egestão),comoserávistona poderia reforçar suaatuaçãonasáreas admi- uma formação acadêmica mais vasta, o que homens (23,9%).Logo,asmulheres possuíam temente daporcentagem encontradaentre os possuíam ensinosuperiorcompleto,diferen- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 Tabela 5– completo Ensino fundamental incompleto Ensino médio Total incompleto oucompleto sensu (especialização) Pós-graduação lato incompleto Ensino superior Ensino médiocompleto completo Ensino superior ou completo doutorado) incompleto sensu (mestrado ou Pós-graduação stricto incompleto oucompleto Pós-doutorado Grau deescolaridade Brasil, 2015 de escolaridade Distribuição dosrespondentes, porsexo, segundograu 2065 275 555 649 494 28 54 8 2 N Homens

26,9% 31,4% 13,3% 23,9% 100% 1,4% 2,6% 0,4% 0,1% % superior aode mulheres (24,0%).Essedado exercia outraatividaderemunerada foibem tanto, opercentual dehomens(40,8%) que . Nono momentoderesposta aosurvey en- para alémdafunçãode guarda municipal nhava outra atividade remunerada (62,3%) 470 121 111 141 A maioriadosentrevistados não desempe- 92 N 1 2 2 0 Mulheres Fonte: As mulheres nasinstituições policiais(2015). Fonte: As 25,7% 23,6% 19,6% 100% 0,2% 0,4% 0,4% 30% 0% % Nota: 37,127 Qui-quadrado (0,000). 2535 635 676 760 367 29 56 10 N 2 Total 26,7% 14,5% 100% 1,1% 2,2% 0,1% 0,4% 25% 30% % que sempre gostariam determaistempo livre plementando, 58,1% das mulheres afirmaram ram quesesentiammuitos cansados).Com- mais altosqueosdoshomens (24,6%afirma- jornada detrabalho(àsvezes esempre), valores guardas se sentiam muito cansadas ao final da nal dodia.Os dadosrevelaram que96,6%das maiores taxasdecansaçofísico ementalaofi- jornada” faz com que as mulheres apresentem homens contarcomdoisempregos, a“dupla profissionais das Guardas Municipais. a sociedadebrasileirasereproduzem entre as de comoasrelações degênero quepermeiam de acordo comosexo, oqueéum indicativo buições de homens e mulheres são desiguais guarda municipalnoBrasil. Portanto, asatri- dade da maioria das mulheres que atua como o cuidado com os filhos”, sendoessa a reali- e domésticos (ou sua supervisão) os serviços do foradecasa,aindasãoatribuídosàmulher dupla jornadaindicaque“mesmo trabalhan- do CapelleeMelo (2010,p. 79),aexpressão homens (somente41,0%).Inclusive, segun- dobro que aporcentagem encontradaparaos tarefas domésticas,valor quefoimaiso das mulheres afirmaramquesempre faziam dades remuneradas. po necessárioparaexercício deoutrasativi- domésticos e,porisso,nãopossuemotem- livre, asmulheres devem cuidardosafazeres rendimento financeiro mesmoemseutempo vedores dacasaedevem buscarummaior pal. Assim,enquantooshomenssãopro- permeia asrelações foradaGuarda Munici - pode refletir adesigualdadedegênero que Apesar deumaproporção maiselevada de Ao refletirem sobre otempolivre, 84,7% Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 mar estabelecido. incorporação demulheres paraalémdopata- outro, ascotassignificamumteto, vedando a um percentual de vagas a elas, por reservado na instituiçãodequalquer forma, porterem cotas garantemqueasmulheres irãoingressar análise dapolíticadecotas.Se porumladoas sente narealidade da dasinstituiçõeséapartir podem exercer as mesmas atividades se faz pre- verificar seaideiadequehomensemulheres Umadiscurso eoqueseobservou. formade do, houve uma distância muitograndeentre o mas funçõesecargosqueoshomens.Contu- maram queasmulheres podemexercer asmes- pulação emigualdadedecondições? àpo- mesmas atividadesouprestam serviços Municipais, homensemulheres exercem as ra responder àseguintequestão:nasGuardas 2013, p. 19).Neste contexto,essaseçãoprocu- situações e/ouagravam seusefeitos” (SENASP, base nogênero aumentamaexposição estas res e“em quemedidaasdiscriminaçõescom ca produz sobre asaúde” dehomensemulhe- tresse associadoàatividadedesegurançapúbli- as condiçõesdetrabalho,osefeitosqueoes- C fácil paraasmulheres. pública comosdemaisafazeres nãoétarefa binar asfunçõesdeprofissional desegurança quentemente/sempre”. Aparentemente, com- maneira unânimecomoalgoquealmejamfre- mais tempolivre parasimesmafoiexpresso de entre asmulheres policiais,“o desejodeter na pesquisadaSenasp (2013,p. 97),emque, para elas, resultado semelhante ao encontrado ondições detrabalho Entre osentrevistados, maisde90%afir- De maneira geral,“pouco seconhecesobre 59

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 60 máximo demulheres. legislação nacionalimpondoumpatamar mulheres nainstituição,masinexisteuma ria parasegarantirarepresentatividade das para candidatasdosexo femininoénecessá - municipal”. Dessa devagas forma,areserva nimo paraosexo feminino,definidoemlei opercentualcipal, deverámí- serobservado todos osníveis dacarreira daGuarda Muni- 13.022/2014, “para ocupaçãodoscargosem tuto Geral dasGuardas Municipais, Lei tuição fossesubstancialmentemaior. de mulheres ingressantes emumadadainsti- se ascotasnãoexistissem,talvez opercentual dos homens” (ABREU,2011,p. 9). Todavia, a balançapendaumpoucomenosparaolado ferência nestadisputa,buscandofazer comque centual obrigatóriodemulheres “é umainter- 2011, p. 9).Asoluçãodeestabelecerumper- to, poisdisputamrecursos escassos” (ABREU, em que“mulheres ehomensestãoemconfli- pre controversa, porsetratardeumasituação para cadaumdossexos éumamedidasem- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 pelos homens. Caberia às mulheres uma posição pelos homens. Caberia àsmulheres uma posição liciamento deve serexercida deformaprioritária reproduzindo aideiadequeatividade depo- pais copiaramoinstitutodas Polícias Militares, tal política,aparentemente, asGuardas Munici- Municipais nãoestabelecerem deformacogente Federal de1988eoEstatutoGeral dasGuardas tre 10%e20%.Logo,apesardeaConstituição estabelecia cotasparamulheres, quegiravam en- curso públicoparaingresso naGuarda Municipal conjunto deentrevistados indicaramqueocon- De acordo 15,§2º comoart. , 63,2% do Nos, 63,2%do dadosobtidoscomosurvey É preciso destacarque

o sistemadecotas doEsta- butos demasculinidade, comoacapacida - na corporação,mostrando-lhes queosatri- forçar ascandidatas a desistirem deentrar homens). Oexamefísicomuitas vezes pode das mulheres, emcomparação a27,2%dos freram constrangimentofoiofísico(54,3% ponderam quesim,oexameemmaisso- mou quenão(90,4%).Para aquelasqueres- admissionais dacorporação,amaioriaafir- algum tipodeconstrangimentonosexames curso. Ao serem questionadas sesofreram agi-las dealgumaformaadesistirdocon- durante oprocesso seletivo, quepossamco- mulheres deexames, nainstituiçãoéapartir limite percentual estabelecidopelascotas. homens defendeuaentradadasmulheres atéo de guarda municipal,enquantoamaioriados concorrer livremente comoshomenspeloposto tas erechaçar umconcursoemquepudessem as mulheres sedividiramentre estabelecerco- tas máximasparaasmulheres. Aparentemente, 27,6%, desfavoráveis aoestabelecimentodeco- Já entre oshomens67,8%eramfavoráveis e sarem nasinstituiçõesdesegurançapública. estabelecimento decotasparamulheres ingres- favoráveis (47,9%)edesfavoráveis (47,4%)ao porções deguardas dosexo femininoque eram atenção o fato de serem bem semelhantes aspro- municipais.Nesseserviços contexto,chamoua ção deprevenção dodelitoeproteção dosbense como poucopreparadas paraoexercício dafun- duziram essa imagem, muitas vezes se vendo funcionários (comoindicoua Tabela 2). percentual noquadroquena participação totalde residual nainstituição,oqueexplicariaasuape- Outra forma deimpediraentradadas Interessante notar comoas mulheres repro- mulheres. Em umainstituição pública,adiferen - as e oacessodificultadoacargos dechefiapara essa lógica,oqueexplicaria os menores salários do trabalho,todasasprofissões operam segundo aquelas menosvalorizadas. Para adivisãosexual p. 599), enquantoasmulheres ficariamcom líticos, religiosos, militares)” (KERGOAT, 2007, funções commaiorvalor socialadicionado(po- assim, existiria “a apropriação pelos homens das ra produtiva edasmulheres, àesferareprodutiva, àesfe- prioritária doshomenscomopertencentes da divisãosexualdotrabalhoreside nadefinição muros organizacionais.Aprincipalcaracterística de homologiacomoqueocorre navidaforados as funçõesinstitucionaisguardem umarelação ções distintasemrazãodeseusexo, demodoque uma dadaatividadeprofissional, elesterãofun- tenham amesmacompetênciaparaoexercício de sexual dotrabalho,aindaquehomensemulheres mulher (KERGOAT, 2009). homem temmaiorvalor queotrabalhode é o trabalhos demulheres, eosegundoprincípio com oqualexistemtrabalhosdehomense cípios. Oprimeiro daseparação,deacordo de dois prin- masculinas de femininas a partir nossa sociedade,diferenciando atribuições a reproduzir adivisãodegênero existenteem trabalho entende que as corporações tendem que exercem. Ateoriadadivisãosexualdo ciados de acordo com a natureza da função cipais, homensemulheres podemserdiferen- possa setornarguarda municipal. efetivamente contamparaqueumindivíduo de “correr atrásdebandido”, sãoosque É mister lembrar que para a teoria da divisão É misterlembrarqueparaateoriadadivisão Uma vez empossadoscomoguardas muni- da hierarquização, emqueotrabalhode Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 maior escolaridade (comoapresentado na que nolevantamento asmulheres possuíam para ascensãoaoposto. Interessante notar da que esse não seja um pré-requisito formal formação acadêmicadoque oshomens,ain- ela necessariamente deve possuir uma maior uma mulher ocupa uma função de chefia dos respondentes afirmaram quequando ocupam cargosdechefia. Nesse item,49,0% devem serascaracterísticasdasmulheres que dem servislumbradosnoimagináriodequais ções diferenciadas de acordo com o sexo po- jogos de poder que atribuem funções e posi- vidade vistacomofeminina,poroutro, esses culina, equemauxiliaoscomandantes,ati- viço operacional,atividadevistacomomas- desvelam na divisãoentre quemexerce oser- xuais desiguaisdetrabalho. nicipais tenderamareproduzir asrelações se- secretariado. Ao queparece, asGuardas Mu- femininos, especialmentenasatividadesde tidoscomotipicamente cadas emserviços dos homens(Tabela 6),elasaindaeramalo- dades comooperacionais,emrelação a58,7% das mulheres tenham considerado suas ativi- 6,3%, respectivamente). Aindaque46,5% respectivamente) enagestão(11,5%versus tuição, comonoapoio(22,6%versus 14,0%, são consideradascomo centrais paraa insti- da proporção dehomens emfunçõesquenão no cotidianodaGuarda Municipal. pela teoriadadivisãosexualdotrabalho,ocorre tação por tipo de função, tal como preconizada constitucional. Resta saber, assim,seasegmen- ça salarialporsexo inexisteemrazãodavedação Se, porumlado,asrelações degênero se As mulheres representaram quase o dobro

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Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 62 50,0% dos entrevistados concordaram que res dentro das Guardas Municipais, quase pacional existenteentre homensemulhe- aoshomens. são reservados não estão disponíveis para as mulheres, pois que demonstraospostosmaiselevados justificado pela divisão sexual do trabalho, das Municipais pesquisadas.Isso podeser cargos superiores aosdoshomensnasGuar- Tabela 5),nemporissoencontravam-se em Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 Tabela 6– Outro Direção Especialista Gestão Estratégica Operacional Finalística Apoio Total Para explicaravisível desigualdadeocu- função exercida Natureza da Brasil, 2015 natureza dafunçãoexercida Distribuição dosentrevistados, porsexo, segundo 2065 1213 124 130 142 289 62 66 39 N Homens 58,7% 100% 3,2% 6,3% 6,9% 1,9% 14% 3% 6% % feminino, reproduzindo oestereótipo degê- paraasprofissionaistaria reservado dosexo instituição. Por isso, o trabalho interno es- do-a emfunçõesquenãosão centraisparaa atividades nãooperacionais. preferência pordeixaresse“sexo frágil” em de formadiferente, oquepoderiaexplicara consenso deque as mulheres eram tratadas tegidas nainstituição(Tabela 7).Houve as mulheres erammaisprivilegiadasepro- 470 218 106 10 23 18 54 33 N

8 Em suma,“protege-se” amulherdeixan- Mulheres Fonte: As mulheres nasinstituições policiais(2015). Fonte: As 11,5% 46,4% 22,6% 100% 2,1% 4,9% 3,8% 1,7% 7% % Nota: 51,224 Qui-quadrado (0,000). 2535 1431 142 184 175 395 85 76 47 N Total 56,4% 15,6% 100% 5,6% 3,4% 7,3% 6,9% 1,9% 3% % letes e outros equipamentos adaptados para essa letes eoutros equipamentos adaptadosparaessa gênero) éoformatodosseios,querequer co- que dizrespeito essencialmente aosexo (enãoao fologia docorpofeminino. Uma dasdiferenças ponibilidade deequipamentos adaptadosàmor- Municipal deformaequitativa, relaciona-se àdis- homens emulheres foramincluídosnaGuarda blico, aohomem. privado àmulhereoespaçopú- éreservado nero, dadoquetradicionalmenteoambiente Tabela 7– Um último itemde interesse, paraverificar se Não sabe Às vezes Nunca Sempre Total protegidas são maisprivilegiadas/ mulheres diria que:As seu sexo/gênero, você tratadas emfunçãode como aspessoas são sua instituição eaforma relações detrabalho em Considerando as Brasil, 2015 percepção deproteção/privilégio dasmulheres Distribuição dosrespondentes, porsexo, segundo 2065 1055 134 446 430 N Homens 21,6% 51,1% 20,8% 100% 6,5% % Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 p. 68),“a faltadessesequipamentos gera davida. rio paraapreservação racionais, nasquaisesseequipamento énecessá- inserção efetiva dessepúbliconasatividadesope- resistênciaque indicacerta dainstituiçãoparaa ergonomicamente adaptadosparaasmulheres, o Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) vistadas afirmaramqueainstituiçãonãopossuía car ausuária. Contudo, 49,3%daspessoasentre- docorpofeminino,deformaanãomachu- parte Na pesquisarealizada pelaSenasp (2013, 470 220 211 16 23 N Fonte: As mulheres nasinstituições policiais(2015). Fonte: As Mulheres 46,8% 44,9% 100% 3,4% 4% % Nota: 156,087 Qui-quadrado (0,000) 2535 1266 150 453 666 N

Total 17,9% 26,3% 49,9% 100% 5,9% % 63

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 64 Nova tados aocorpofeminino. instituição quenãodisponibilizaEPIs adap- e, ainda,deelasserem protegidas em uma deapoio matizar olugardamulhernoserviço necessidade dosistemadecotas,proble - das mulheres a essas políticas,reforçando a relação depoderexpressou-se naaquiescência dessalheres. Contudo,afacemaisperversa (para nãodizer àsmu - doméstico),reservado privado aoshomenseoserviço se reservado estives - derua dade, demodoqueoserviço reproduz osestereótipos degênero dasocie- acordo com o seu sexo, a Guarda Municipal buições diferenciadas paraosindivíduosde divisão sexualdotrabalho,designandoatri- asuarotinaAo segundoalógica da estruturar igualdade detarefas parahomensemulheres. longe deserumainstituiçãoquegarantea balho indicaramqueaGuarda Municipal está atendendo aostelefonemas. elas, resta-lhes proteger aprópria vidaapenas é paramulheres: como nãoexistemEPIs para operacionalnão argumento dequeoserviço tais materiais naGuarda Municipal reforce o proteção”. Então, podeserquea ausênciade tas asituaçõesderiscosemnenhumtipo mais porque muitasvezes sentem-seexpos- grande revolta entre asprofissionais, ainda Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 mais altos” (CAPELLE; MELO, 2010,p.78). a ascensãodasmulheres a níveis hierárquicos parabloquearte, massuficientementeforte dro”, istoé,“uma barreira sutiletransparen- nas organizaçõesburocráticas éo“teto devi- édio moralass esex Portanto, os dados sobre condições de tra- Um dosobstáculoscolocadosàsmulheres instituição , velhas ual : práticas o sexo masculino,tornando-as inferiores. objetivo diminuí-lasdiantedeseuscolegas do percebiam essesgracejoscomoalgoque tempor 40,0% doshomens.Aparentemente, asmulheres tários comoviolênciasdegênero, emcontraste a to, 51,9%dasmulheres indicaramessescomen- como formasdeviolênciagênero. No entan- tação afetivo-sexual oucapacidadecognitiva das oucomentáriossobre aparência física,orien- das pessoasentrevistadas nãoconsideravam pia- diferente entre oshomenseasmulheres: 44,8% vidro” na Guarda Municipal se revelou bastante profissional. ponto devistasuadignidade,nocotidiano ticas quedesigualamhomensemulheres, do permitiram aproblematização deoutrasprá- nãoos dados coletados por meio do survey trar aanálisenestadimensão,umavez que delas. Porém, optou-seporcen- nesteartigo, “teto devidro” emuitomenosaprincipal xual) não é a única roupagem assumida pelo NASP, 2013,p. 18). dificultando asuaascensãoprofissional (SE- demulheresparte policiais,impedindoou dio sexualemoralquevitimizamumagrande piadinhas enosgracejos,bemcomonoassé- mas devislumbraresse“teto devidro” énas p.78). Nas instituiçõespoliciais,umadasfor- uma dadafunção(CAPELLE; MELO, 2010, ela nãoestápreparada paraoexercício de para desqualificaramulher, paradizer que táforas elinguagensutilizadas” queservem “brincadeiras, políticasadministrativas, me- demecanismosquaseinvisíveis, comopartir Muitas vezes, o“teto devidro” seconstituia A percepção sobre essadimensãodo“teto de É bom lembrar que o assédio (moral e se- afirmaram que sempre ouviam falar decasos quena entre oseasguardas municipais:3,2% sédio moralnarotina dainstituição foipe- homens emulheres. Apercepção sobre oas- que violentammoralmente oufisicamente sob aforma de brincadeiras, existem os atos tipo derebaixamento. ela deveria seadequarparanãoservítimadeste mitido evalorizado pelainstituiçãoe,porisso, está desajustadoparaopadrãodegênero ad- lembrar àmulherqueoseucomportamento palavras, aspiadasteriamafuncionalidadede problematizada na seçãoanterior. Em outras além de reforçar a divisão sexual do trabalho cação imediatadequemsofre comaviolência, lino, situaçãoessaquesignificaumadesqualifi- deseuscolegasdosexosíveis mascu - por parte incentivar piadase,provavelmente, atitudesri- concordaram poderia queseucomportamento a 60,9%doshomens).Ou seja,asmulheres chistas (63,2%dasmulheres, emcomparação das mulheres poderia incentivar piadas ma- que para62,8%daspessoasocomportamento ma legitimadas no cotidiano institucional, já no emdetrimentodofeminino. brincadeiras epiadasqueenaltecemomasculi- da queoshomensprocurem escondê-locom lheres vislumbrambemo“teto devidro”, ain- Esses percentuais parecem indicarqueasmu- dos homenssofreram comessefenômeno. afetivo-sexual. apenas4,4% Em contrapartida, assedias porquestõesdegênero ouorientação humilhadas, desrespeitadas, constrangidasou das municipais já se sentiram discriminadas, Para além das violências que se escondem Porém, for- essasviolênciasforamdecerta Constatou-se aindaque33,6%dasguar- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 tificativa daspiadasmachistas) eincentivo à uma lógica semelhante à empregada para a jus- rechaço, masdeculpabilização davítima(em a posturadeguardas municipaisnãoerade mulheres dentro daGuarda Municipal. tado queindicaumtratamentodiferenciado das é 2,11vezes maiordoqueados homens,resul- significa queataxadevitimizaçãodasmulheres em contrasteaapenas18,8%doshomens.Isso sédio (moralousexual)dentro dainstituição, mulheres jáexperimentaramalgumtipodeas- acordo comosexo doentrevistado: 39,8%das sível vislumbrar adiferença depercentuais de o daexperiênciapessoal,novamente, foipos- guardas municipais. ram hierarquicamente orelacionamento entre mulheres,- constituindodinâmicasqueestrutu 2001), comoformadedesigualarhomense antigas quantoopróprio trabalho(FREITAS, culdade em assumir essaspráticas,quesãotão paira entre oshomens,quaistêmmaiordifi- por outro, reforçam de fumaça que a cortina ou cenasque significam assédio moralesexual, são muitomaissusceptíveis aoscomentários lado essesresultados indicamqueasmulheres ouviam falarsobre essaspráticas.Se porum mulheres disseramquesempre ou observavam profissional, 9,5%doshomense25,1%das ou constrangendooutros GMsnocotidiano nunca escutaramsobre colegasassediando homens e 20,9% das mulheres disseram que o sexo doentrevistado: enquanto34,3%dos percebida deformadiferente deacordo com (Tabelafissionais 8). No entanto,aprática foi de colegas assediando moralmente outros pro- Quando os episódios de assédio ocorriam, Quando se saidoplanoouvirfalarpara 65

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 66 providências necessáriasemrelação aosdelitos teoricamente, seriaresponsável portomar as patamar hierárquico superior, a pessoaque, assédios sofridospormulheres, ocupava um da àfiguradoassediador que, em70,9%dos publicização daviolênciapodeestarrelaciona- trados dealgumamaneira. (moral esexual),somente20,0%foramregis- entender porque,detodososcasosassédio não publicização dessa violência,oqueajudaa Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 Tabela 8– De acordo comosdadosdapesquisa,anão Não sabe Sempre Frequentemente Às vezes Raramente Nunca Total constrangendo-os? e assediando-os outros moralmente, colegas assediando ouve falar de você observa ou Com quefrequência Brasil, 2015 percepção deassédio Distribuição dosrespondentes, porsexo, segundo 2065 174 145 448 539 708 51 N Homens 21,7% 26,1% 34,3% 100% 8,4% 2,5%

7% % Municipais, esse algo parece seroseupróprio cisa serprotegida dealgodentro dasGuardas feminino.no grupo Então, seamulherpre- com prevalência dossuperiores hierárquicos mulheres noâmbitodas Guardas Municipais, te significativa entre quemassediava homense qui-quadrado, existediferença estatisticamen- (60,0%). Porém, deacordo comotestedo ria doscasos,porseussuperiores hierárquicos violência tambémforamassediados,namaio- lembrar queoshomenssofreram comessa ocorridos dentro da instituição (Tabela 9). Vale 470 129 100 25 31 87 98 N Mulheres Fonte: As mulheres nasinstituições policiais(2015). Fonte: As 18,5% 27,4% 21,3% 20,9% 100% 5,3% 6,6% % Nota: 110,911 Qui-quadrado (0,000) 2535 199 232 577 639 806 82 N Total 22,8% 25,2% 31,8% 100% 7,9% 9,2% 3,2% % das. Do , 37,7% totalderespondentes do survey o casoentre asGuardas Municipais pesquisa- profundamente rechaçada, oquenão parece ser prevenção daviolênciaessaconduta deveria ser 2001, p. 14),nasinstituiçõesresponsáveis pela ca nas organizações burocráticas (FREITAS, está longedeconstituirumanovidade históri- posições maiselevadas noquadro funcional. messa de melhores condições de trabalho ou parece seroabusosexualcomaproperversa - ou física, sendo que nessa dimensão a face mais ao assediarasuasubordinada deformamoral chefe, quemuitasvezes setransformaemalgoz Tabela 9– Se oabusosexualentre patrãoeempregado Nível hierárquico superior Total pela violência? responsável o foi Quem Mesmo nível hierárquico Nível hierárquico inferior Não sabe Brasil, 2015 da violênciareferida Distribuição dosrespondentes, porsexo, segundoautor 90 54 17 11 8 Homens

60,0% 18,9% 12,2% 100% 8,9% Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 nossa história como sociedade. arraigado naspráticassociais queatravessam a cialmente porsetratardealgo profundamente acreditar queesseimaginário desapareceu, espe- pelo testedosofá’.”. Para aautora,seriaingênuo deve estarpreparadamundo darua ‘para passar uma ‘vadia’, poisamulherquesesubmeteao mulher quetrabalhava foradolareravistacomo Freitas (2001,p. 13),“hábempoucotempo, a “atualização” do teste do sofá. Na perspectiva de tados éentendendo-oscomoumaespéciede sua instituição sexuais paraascenderem hierarquicamente em ram queasmulheres usamdetroca defavores das mulheres e31,9%doshomensconcorda- 158 112 39 Fonte: As mulheres nasinstituições policiais(2015). Fonte: As 6 1 Mulheres 70,9% 24,7% 100% 7 3,8% 0,6% . Uma forma deleresses resul- Nota: 20,417 Qui-quadrado (0,000). 248 166 56 14 12 Total 66,9% 22,6% 100% 5,6% 4,8% 67

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 68 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 (2007, 2009) entende como divisão sexual do cipais parecem serprotótipos doque Kergoat “teto devidro” asGuardas nesteartigo, Muni- al, queterminariapordiminuí-las. quicos responsáveis peloassédiomoralesexu- por fim, nãodenunciando os superiores hierár- machistas (comoseessasfossemmerecidas) e, dasmulherescomportamento ensejariapiadas censão profissional feminina, reforçando queo de favores comojustificativa padrãoparaaas- termos técnicos,repetindo anarrativa detroca res nãoreconheceram asuasuperioridadeem rarquicamente superiores. Contudo,asmulhe- seriam asmaisqualificadasparafunçõeshie- tancialmente maior que os homens e, por isso, mulheres possuíamgraudeescolaridadesubs- dos os entrevistados pareceram esquecer que as ção àtroca defavores sexuais.Neste ponto,to- tenderam aatribuiroseusucessonainstitui- do pontodevistamoralcomofísico), res a determinadas situações violentas (tanto estereótipos degênero, constrangendomulhe- nicipais brasileirasnãoapenasreproduziram os universo das instituiçõespoliciais. como essencialmentemasculino,qualseja,o ram emummundoreconhecido ereificado que merecem aviolência,jáqueseaventura- lecidos: elescomo algozes eelascomovítimas e mulheres empapéistradicionalmenteestabe- relações degênero, postoquecolocamhomens no cenário nacional, nasceram velhas em suas dicou queessasinstituições,apesardejovens lugar melhordentro daGuarda Municipal in- favores sexuaiscomoformadeconseguirum Em outras palavras, na conotação dada ao Portanto, osprofissionais das Guardas Mu- A percepção dequeasmulheres trocam C um homem. sional desegundaclasse,sempre àsombrade dade feminina,tornandoamulherumaprofis- tégias desubordinação quediminuemadigni- de acordo com o sexo, mas reificação de estra- trabalho: não apenas diferenciação de funções sigualdade de poderentre ossexos nasocie - que sebuscacompreender aexistênciadade- deumaperspectiva degênero,a partir em compõem oefetivo dasGuardas Municipais ver quemsãooshomenseasmulheres que oobjetivointrodução foidescre desteartigo, - rarquicamente superiores. a possibilidadedeelasocuparem cargoshie- as atividadesdainstituiçãoeparaqueseabra efetiva incorporaçãodasmulheres emtodas desse contexto é essencial para que ocorra a ocupam cargosdechefia.O reconhecimento de emcomparaçãocomoshomens,elasnão escolaridade e dedicação exclusiva à ativida- (como osdeapoio).Aindaquetenhammaior tidoscomotipicamentefemininos serviços e cargosqueoshomens,elassãoalocadasem mulheres podemexercer asmesmasfunções lhado entre todososentrevistados dequeas - Ainda que haja o entendimento comparti com a lógica de divisão sexual do trabalho. ideal deinstituiçãoqueseorganizaacordo Guardas Municipais parecem serumtipo no exercício daprofissão. Pelo contrário:as sexos, para aefetiva inclusãodasmulheres inovadora, paraa igualdade entre aberta os significou aemergênciadeumainstituição pais nocontextodasegurançapúblicanão onsidera Além disso,conformefoidestacadona A recente criaçãodasGuardas Munici- ções finais incorporação deEPIs ergonomicamenteadapta- não adequadoparamulheres. Nesse sentido,a das atividadesdesegurançapúblicacomoalgo à diminuiçãodopreconceito eàdesmitificação nas instituiçõesdesegurançapública,levando se promova umaefetiva inserção dasmulheres público femininoparece seressencialparaque vo àcriação depolíticasafirmativas focadasno relacionados àtroca defavores sexuais. ascende nacarreira emfocodecomentários hierárquicos equetransformamamulher ticas deassédio,perpetradaspelossuperiores a issoo“teto devidro” vislumbradonasprá- Soma-se derua. de operacional,doserviço sua incapacidadeparaoexercício daativida- lugar de fragilidade, reificando, portanto, a visibilidade sãomenores, oqueascolocanum funções nasquaisoriscoe,porconseguinte,a tuto de2014.Por isso,aelassãoreservadas exercício das18funçõeselencadasnoesta- visão comoprofissionais preparadas para o os aserem protegidos, emdetrimentodasua as mulheres aindasãovistascomoindivídu- com adivisãosexualdotrabalhoe,porisso, Guardas Municipais seorganizamdeacordo balho. Os dados analisados indicaramqueas das relaçõesna forma de estruturação de tra- medida aindapersisteomachismoarraigado dade brasileira,procurando desvelar emque Diante dos resultados alcançados, o incenti- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 trapassadas emtermosderelações degênero. (historicamente), operamdentro delógicasul- das Guardas Municipais que,apesardejovens para queumareal mudança ocorra naprática ticipação e ascensão das mulheres na carreira, nos oumasculinos,queimpedemaefetiva par- cas quereforçam ospapéistidoscomo femini- aspráti- as organizaçõesbusquemdesconstruir em posiçõessubalternas.Éimprescindível que sem voz para denunciarabusos,colocando-as historicamente desiguais, situaçãoqueasdeixa que reforçam aposiçãodasmulheres como os easguardas venham asofrer. formal daspráticasdeassédiosexualemoralque ser publicizado,oquepodeincentivar oregistro no reconhecimento dequeofenômenoprecisa a temáticadeviolênciagênero podemajudar to, cursosdesensibilizaçãoeformaçãosobre cia de gênero doque os homense,nesse contex - mulheres sofreram eidentificarammaisaviolên- trabalho. Conformefoivistonaseçãoanterior, as nhecer queessescrimesexistemnocotidianode as Guardas Municipais. Oprimeiro passoéreco- sexual tambémsemostraramumproblema para mulheres. Pore fim,aspráticas de assédiomoral a um tratamento mais igualitário de homens e dores, podemserosprimeiros passosemdireção que nãosejamdiscriminatóriosnemconstrange- dos paraasmulheres, alémdeexamesseleção É preciso as práticas que se desconstruam 69

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 70 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 7. 6. 5. 4. 3. 2. 1. Qui-quadrado: 0,901(0,343).Essa diferençaQui-quadrado: nãosemostrou estatisticamente significante. . Acesso2015. em18out. tomaram algumaprovidência efetiva nos últimos 30dias (consultando pessoas, Essas jornais, etc.).” informações estão disponíveis em: aquelas pessoas quenãotinhamtrabalho, numdeterminado períododereferência, masestavam dispostas atrabalhar, eque,para isso, período dereferência, trabalharam outinhamtrabalho, masnão trabalharam (por exemplo, pessoas emférias); populaçãodesocupada – economia. Para ocálculo daPEAsãoconsideradas asseguintes categorias: População ocupada –aquelaspessoas que,numdeterminado “compreendeou maisdeidade: opotencial demãoobra com quepodecontar osetor produtivo; aoferta efetiva detrabalhonuma De acordo apopulaçãoeconomicamente com oIBGE, ativa (PEA)éobtida pelasomadapopulaçãoocupada edesocupada com 16anos em detrimento daforma como osentrevistados seidentificavam quanto aogênero.” políticas decotas nasinstituiçõespoliciaissãoorientadas apartirdosexo biológico, optamos porrealizar oscruzamentos com essa variável as identificaram Como sexo mulheres. entrevistadas se do como das feminino 98,1% e identificaram homens se sexomasculinocomo do entrevistados sexodos biológico.e 98,5% gênero de identidadecorrespondência entre uma há que demonstraram pesquisa da dados Os diferença desalários,exercício defunçõesecritério deadmissão pormotivo desexo, idade,cor ouestado civil. 7º:sãodireitos dostrabalhadores urbanoserurais,Art. alémdeoutrossuacondição quevisemàmelhoria social:XXX–proibição de apresentado podeter umavariação de1,17%para maisoupara menos. percentual cada que significa e pesquisada população da tamanho ao relação em respondidos questionários de número o conta em leva As estimativas geradas contam com 95% de confiança e margem de erro amostral de 1,17% em cada estrato. O cálculo de erro da amostra policiais militares aposentados para profissionais de carreira dasGuardas, aindaque formados deacordo com alógica militar. quadro decarreira doórgão ouentidade”. Com isso, ocomando dasGuardas Municipaistem passado progressivamente dasmãosde 15:“OscargosNos termos daLei 13.022/14,art. emcomissão dasguardas municipaisdeverão serprovidos pormembros efetivos do específicos para odesenvolvimento deuma cultura depaz. do municípioaté aatuaçãoconjunta com asdemaisinstituiçõesdesegurança pública ejustiça criminal,passando pelacriaçãodeprogramas O art. 5º. da Lei 13.022/14 estabelece 18 competências específicas para a atuação da Guarda Municipal, o que inclui desde zelar pelos bens SPM-PR/MDA, 2014. SPM-PR/MDA, IBGE/ Brasília: 2010. Demográfico Censo do resultados IBGE. Acesso 2015. em:22out. ibge.gov.br/Perfil_Municipios/2012/pdf/tab037.pdf>.

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Relações de gênero nas Guardas Municipais Dossiê Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro 72 Palabras clave: acoso que victimizan aesasprofesionales enmayores porcentajes. de las prácticas y mujeres las para específicos masculino), laausenciadeequiposprotección individual porcentaje delcontingente femenino (encomparación con el materializarse enlasGuardias Municipales,dadoelreducido la prometida igualdadentre hombres ymujeres está lejosde trabajo y acoso (moral y sexual). Los resultados indican que de condiciones profesional, perfil dimensiones: tres escrutar son encomparación con los hombres. Para ello, optamos por ellas cómo de sino las mujeres, de no análisis un significa género enelámbito delasGuardias Municipales,loque En este artículo, buscamos descortinar las relaciones de Relaciones degénero enlasGuardias Municipales Resumen Camila Costa Cardeal eLudmilaMendonça Lopes Ribeiro Relações degênero nasGuardas Municipais Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 Guardias Municipales. Seguridad Pública. Relaciones degénero. a greater degree. and practices of harassment thattarget theseprofessionals to absence of specific personal protective equipment for women, given thelow contingent of women (relative to men),the women isfar from materializing intheMunicipalGuards, results show thatthepromised equalitybetween menand working conditions andharassment (verbal andsexual). The profile, professional investigated: were aspects three end, not only women, but their status compared to men. To this in thesphere of theMunicipalGuards, entailing ananalysisof In thisarticle,we seekto shedlight ongenderrelationships Gender relationships intheMunicipal Guards Guards. Keywords: Abstract Public Safety. Genderrelationships. Municipal Data derecebimento: Data deaprovação: 14/01/2017 10/12/2016 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 50-72, Fev/Mar 2017 73

Relações de gênero nas Guardas Municipais Camila Costa Cardeal e Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 74 militares noRiodeJaneiro Mulheres emfardas policiais Mestranda egraduada emCiênciasSociaispelaPontifícia Universidade Católica doRiodeJaneiro -PUC-Rio. Tatiana dosSantos Araújo Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, Mulheres. Gênero. Polícia Militar. Devir. Revoluções Moleculares. Palavras-Chave espaços denegociação, queporsuavez apontam novos caminhos. policial militar, percebeu-se quemesmodentro deumainstituição tãorígidacomo aPolícia Militar épossível encontrar der como se dão as desigualdades e diferenciações enfrentadas pela policial feminina. Por fim, em relação ao futuro da de conferir àinstituiçãoumaaparência maishumanaedemocrática. Com adiscussão sobre gênero, procurou-se enten- sua maior escolaridade e capacitação, fazendo com que a Polícia Militar visualizasse na figura da mulher a possibilidade imagem daditadura militar. Concomitantemente, apresença nomercado damulher detrabalho seexpandiu, devido a ricas. Através deumainvestigação histórica, foi possível entender anecessidade daPolícia Militar dedesvincular asua da participação feminina nas forças militares, respeitadas as condições específicas de cada país e das conjunturas histó- Forças Armadas, visto o perfil militar da polícia brasileira. Esses estudos indicam vários fatores que embasam a aprovação Para entender oingresso dasmulheresnaPolícia Militar, tomaram-se como parâmetro estudossobre suainserção nas Resumo [email protected] Introdução A público, portanto, deestabilidadeprofissional. público, portanto, deempregolher conseguiaumaoportunidade manizada edemocrática.Enquanto isso, amu- poderiam trazer umarepresentação maishu- instituição nasociedade,entendendo queelas mulheres a fim de melhorar a “imagem” da mercado detrabalho. relação àmaiorpresença dasmulheres no vindicações dosmovimentos feministasem novos postosde trabalhoembasaramasrei- deda escolaridademulhereaabertura ditatorial. Simultaneamente, oaumento contrava-se diretamente ligadaaoperíodo na instituiçãomilitar, cujaimagemen- a sociedadebrasileiraacabouserefletindo cesso dedemocratizaçãopelaqualpassava de fatores institucionaisesociais.Opro- Assim, aPolícia Militar (PM)recebeu as militares sedeupelaintersecção entrada dasmulheres naspolícias Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, funcionamento interno, e com o restante da dainstituiçãopossamelhoraroseu portantes femininas no comando das áreas mais im- afirmar que um maior número de policiais e emseumodusoperandi . Também nãosepode litar efetuaráasmudançasemsuaorganização exercício daatividadepolicial. como possibilidadedeumanova formade tro do ambiente da caserna, e se apresenta sua presença jádeixamarcas distintasden- ciais quantoaogênero feminino. Porém, a terísticas pautadasemdeterminações so- atividades, devido às expectativas e carac- sofre restrições implícitas a determinadas funções quelhesãoconfiadas,masainda nina temdesenvolvido eficientementeas em 1982.Desde então,apolicialfemi- primeira turma de mulheres foi recebida Ainda nãoépossível saberseaPolícia Mi- Na Polícia Militar doRiodeJaneiro a 75

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 76 graduações e patentes. nos efemininosdediferentes faixasetárias, de 39questionárioscom policiais masculi- policiais oficiaisesoldados femininas,além dediscussãocomindividuais eumgrupo e revisão debibliografia,cincoentrevistas na PMERJ,emtrês etapas:levantamento tamento entre janeiro eoutubro de2015 do RiodeJaneiro (PMERJ),com levan- gar o papel das mulheres na Polícia Militar Rio deJaneiro”. “Mulheres emFardas Policiais Militares no pesquisa monográficaotítuloescolhidofoi tes domundo,inclusive noBrasil. Para a interagem comasociedadeemdiversas par- como os militares estão interligados e como tem ointuitodecompreender asformas Maria CelinaD’Araujo. Oreferido projeto ro de2015 comorientaçãodaprofessora pesquisadora passouaintegrardesdejanei- chelsen Institute daNoruega (CHR),quea Maneuvers, desenvolvido noChristianMi- te ligadoaumprojeto chamadoEveryDay Metodologia Essas respostas sóotemposerácapazdedar. tuição policialmilitarpermitirátaismudanças. eseainsti- disposta aassumirtalvirtualidade, da instituiçãopolicial.Aquestãoéseelaestá transformações quesefazem necessáriasdentro rações e experiências sejam criadas e tragam as zar oexercício policial.Em quenovas configu- Um devirquetragaumanova formadereali- o“devircapaz deconstruir policialfeminino”. policial femininasejaomovimento molecular sociedade. Ao fimdotrabalhopropõe-se quea Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, O objetivo destetrabalhofoiinvesti- esteve inicialmen- O temadesteartigo de cadapaíse dasconjunturashistóricas. militares, respeitadas as condiçõesespecíficas aprovação femininanasforças daparticipação de vários fatores que seriam constitutivos da zio Batistelli (Itália). Essesestudosdãoconta e Itália), Mady Segal (Reino Unido) eFabri- Helena Carreiras (Portugal, França, Espanha desões dotemaemoutros países,nosartigos Ademais, contribuíramparaaanálisediscus- diferenciado navidadasmulheres militares. valho (1990),Casa-Caserna : umpercurso tiva deumasegurançacidadã,eSônia Car- res nopoliciamentoostensivo eaperspec- de Márcia Esteves Calazans (2004), Mulhe- Polícia Militar doRiodeJaneiro, ostextos Mulheres policiais:presença femininana sumeci Soares eLeonarda Musumeci (2005), lícia brasileira,comoaobradeBárbara Mu- Forças Armadas,vistooperfilmilitardapo- trabalhos brasileiros sobre suainserção nas Polícia Militar, tomamoscomoparâmetro cidos pelaPMERJ. públicas detodoopaís,alémdadosforne- de bombeiros (CBM)egestorasdepolíticas institutos de perícias criminais (PCI), corpos polícias militares (PM),políciascientíficas/ titativa com mulheres daspolíciascivis(PC), dediscussãoepesquisaquan- duais egrupos to erevisão debibliografia, entrevistas indivi- sendo compostaportrês etapas:levantamen- da entre outubro de2011emarço de2012, Instituições deSegurança Pública foirealiza- vestigação sobre a presença de mulheres nas Segurança Pública (BRASIL,2013).Ain- blicou em2013comotítuloMulheres na Secretaria Nacional deSegurança Pública pu- Para entenderoingresso dasmulheres na Também foiutilizadaapesquisaque tro entredoismundos gurança pública” e“ordem interna”. meçou acriarumaimprecisão dostermos“se- de disciplinaehierarquia. Essaaproximação co- cipalmente no quedizia respeito aos princípios nos estadosbrasileiros àsForças Armadas,prin- des dasforças estaduaisdesegurançapresentes século XX,várias legislaçõescriaramsimilarida- Militar daGuarda do Real Apartir daCorte. família real aoBrasil, comonomedeDivisão ro emmaio de1809,logoapósachegadada tituições do Brasil. Foi criada no Rio de Janei- M como Pierre Bourdieu eHannah Arendt. tomia público(masculino)eprivado (feminino), que contribuíramparaoentendimentodadico- Moller Okin, autores alémdeoutros importantes mone Beavouir, Joan Scott,Nancy Fraser eSusan autorascomoSidos feministasdeimportantes - dentro da instituição policial, utilizaram-se estu- ções edificuldadesenfrentadas pelasmilitares intuito deembasaranálisessobre asdiscrimina- chea eMaria Celina d’Araujo. Ademais, como de autores comoCarlosFico, Jorge Luiz Bengo- de democratização,queteve comobaseestudos ção históricasobre aPolícia Militar eoprocesso ulheres A Polícia Militar éumadasmaisantigasins- A Polícia Militar Para oBrasil, foideterminanteumainvestiga- do. e estáreferenciada, àdefesadoEsta- portanto, ameaças àdemocraciaousoberania nacional, pressão ordem internaremete àdefesacontra aex- cidadão emseudiaadia.De outraparte, rança quedeve serpropiciada, peloEstado,ao de segurançapúblicaestamosfalandodasegu- Para a literatura especializada, quando falamos

(D’ARAUJO, 2010,p. 239). e Polícia M ilitar : um encon- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, de informações(FICO,2004). bordinados aosoficiaisgeneraisdosistema que estesagentesestavam diretamente su- fundida porautonomiaoperacional,visto mas essa independência não deve ser con- não prejudicar aeficáciadesuasoperações, grande independênciaoperacional,afimde extermínios. Essa polícia política atuou com desaparecimentosepisódios detorturas, e minam “polícia política”, responsável por de umaatividadequealgunsautores deno- e mesmopoliciaisfemininasforamagentes rinha, Exército eAeronáutica), bombeiros Militar eCivil,astrês Forças Armadas(Ma- e aperder autonomia. meçaram aincorporarprivilégioscorporativos período tambémqueaspolíciasmilitares co- tica, e foi associada à Polícia Militar. Foi neste deintimidaçãoerepressãoinstrumento polí- rança nacional” começou a ser usada como rial (1964-1985),quandoaexpressão “segu- tornaram maisacentuadasnoperíododitato- confusão terminológicadessesdoistermosse militares, questionamentos sobre qualseria a instituições públicas, inclusive nascorporações sideradas crimes. Tais eventos provocaram nas eadiscriminaçãoracial,con- cidos, eatortura liberdade eintegridade pessoalforamreconhe- litar foramrestabelecidos. Os direitos àvida, constantemente violadosduranteoregime mi- de 1988,direitos individuaisquehaviamsido ra militar e oadvento da Constituição Federal Na ditaduramilitardoBrasil, asPolícias Polícia editadura militar Segundo D’Araujo, aindiferenciação e Com aredemocratização, ofim daditadu- Redemocratização 77

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 78 Militar passariampor algunseixos: cidadania. AsmudançasnecessáriasàPolícia da práticas democráticasenofortalecimento damento nasociedadebrasileira,pautadasem dura militar, devidoàstransformaçõeseman- modelo policialtotalmentevinculadoàdita- co deDireito. Seria necessárioromper como sua funçãodentro deumEstadoDemocráti- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, mercado detrabalho de ocupação pode ser atribuído à remuneração de ocupaçãopode seratribuídoàremuneração dadécadade1980. partir número demulheres nomercado detrabalho a de Lavinas(2001),confirmamoacréscimo do sobre mercado detrabalhoegênero, comoo para aelevação dasuarenda. Ademais, estudos número demulheres nomercado detrabalhoe e urbanizaçãocontribuuparaoaumentodo isso, umprocesso aceleradodeindustrialização damulher.to donível deinstrução Unido a a redução dataxadefecundidadeeoaumen- conquistas femininasteve consequênciascomo que resistiram aoregime militar. Oavanço das Este melhor desempenho feminino em termos Este melhor desempenho feminino em termos O movimento socialfeministafoiumdos Mulheres, movimento feminista e GOCHEA etal.,2004,p. 119). tais narevisão dafunçãopolícia.(BEN- força edaarmadefogo. São eixos fundamen- técnicoevalorativoinstrumental dousoda como o principal papel de sua atuação; e o cidades; amediaçãodeconflitosdocotidiano munidade, contemplandoaespacialidadedas centrais paraapolícia:asrelações comaco- eculturaisquediscutamquestões estruturais modernização eporprocessos demudanças lificação profissional, porum programa de Primeiro, pormudançasnaspolíticasdequa- do àssuascaracterísticasmilitares: na presente análise sobre a Polícia Militar devi- na nasForças Armadas, equeforam utilizados fatores paraaprovação femini- daparticipação um deseustrabalhoscomoseconstituemos como “femininas” esenegavam aexercer. por atividadesantigasqueoshomensentendiam demandados pelosnovos postosdetrabalho,ou imputa àsmulheres habilidadeseatributosquesão ridade maiselevado ouàdimensãodegênero que inferior dastrabalhadoras,aoseunível deescola- Helena Carreiras (2002,p. 12)explicitaem Mulheres naPolícia Militar brasileira litar face à sociedade em que se insere. litar faceàsociedade emqueseinsere. e sublinharamadependênciada instituiçãomi- naram anecessidadedepessoalmais qualificado internacional. Todas estasmudanças determi- da transformaçãodasrelações deforça noplano fissionalização e redução doscontingentes eain- massa, constituiçãodeforças voluntárias, pro- especialização ocupacional,fimdosexércitos de funções deapoioecombate,fragmentação mudanças tecnológicas,inversão doratioentre da própria organizaçãomilitar, decorrentes de cia bastante discreta, transformações no seio equidade; poroutro lado,comumainfluên- ticas nosentidodevalores igualitáriosemaior no mercado detrabalhoeàspressões democrá- ção socialepolíticadasmulheres, àsuaentrada - -nos àtransformaçãodomodelodeparticipa condições queotornarampossível. Referimo- dram oprocesso eemboamedidacriaramas lado, fatores detiposocietaleculturalenqua- definição eimplementaçãodepolíticas:porum ticas dorecrutamento feminino,bemcomo a explicar, emcadacaso,osritmosecaracterís- fundamentais defatores para quesearticulam Genericamente, podemidentificar-sedoistipos “humanizado” pretendido aopolicial. mediação, seriamcondizentes comonovo perfil e gênero feminino, como calma, profissionalismo ditadura militar. Ascaracterísticasatribuídasao de brasileiraeprecisava rever suarelação coma rações condizentes comarealidade dasocieda- to emqueainstituiçãopolicialbuscava configu- na Polícia Militar, coincidindocomummomen- militar.trabalho, inclusive noserviço atitudes dasmulheres nasmaisdiversas áreas de formal operou profundas mudançasnos valores e processo deintrodução damulhernaeconomia pode-se supor, naPolícia Militar também.O nas Forças Armadas” (SEGAL,1999),eassim, no mercado detrabalho,maiorsuarepresentação balho. “Quanto maiorarepresentação feminina feminina no mercadocar a participação de tra- cia Militar, entre osfatores sociaispodemoselen- instituiu oseu corpofemininonaGuarda Civil O fator militar explica a entrada das mulheres O fator militarexplica a entradadas mulheres No caso do Brasil, e especificamente,da Polí- Com exceção doestadodeSão Paulo, que as policiaisfemininas.(Calazans, 2004,p. 145). permite supor-sehaver um“novo” lugarpara ção domercado detrabalho,esseimaginário comunitário), associadasàcrescente feminiza - de políticaspreventivas, comoopoliciamento do aalteraçõesnasaçõesdepolícia(pormeio novas concepçõesdesegurançapública,levan- mento ostensivo. Assim,àmedidaquesurgem ticas, menosviolentasnoexercício dopolicia- a crença dequeasmulheres sãomaisdemocrá- de segurançapúblicaedapopulaçãoemgeral, permite formar-se,noimagináriodosgestores serção femininanosquadros daPolícia Militar de segurançapública,atividadepolicialein- A ausência de problematização das concepções Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, de Janeiro dor doRiodeJaneiro, ChagasFreitas: dos femininasdaPMERJ,peloentãogoverna - dia daformaturaprimeiraturmadesolda- Estadual nº 746, de 11 de novembro de 1981. Feminina, cujacriaçãosedeupormeiodaLei para integrar a Companhia de Polícia Militar de Praças (CFAP), pormilitares masculinos, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento paradas duranteumperíododeseismeses, turma foicompostapor153mulheres, pre- lícia Militar doRiodeJaneiro (PMERJ).A primeira turmademulheres soldadosdaPo- à criminalidade urbana. à criminalidadeurbana. berariam” oshomensparaatividadesdecombate Ademais, exercendo taisfunções,asmulheres “li- nadas oucommulheres eadolescentesinfratores. dificuldades, comootratocomcriançasabando- rística estava maisvoltada paraarepressão, exibia vidades emqueocorpomasculino,cujacaracte- as mulheres ingressaram naPMpararealizar ati- principalmente, noiníciode1980.Aprincípio, seus quadros femininosnofinaldosanos1970e, em 1955,asdemaisPMsiniciaramacriaçãodos As mulheresAs naPolícia Militar doRio Segue umtrecho dodiscursoproferido no Em 18 de setembro de 1982 foi formada a vendo aesperançaàpopulação. Vão resolver chegarão tambémocarinhoea ternura, devol- rança pública. / Onde chegar a mão feminina, asegu- e comunitáriadamaiorimportância: deumaatividade social a mulherparticipando dros, aPMseguemodernizaçãodesejada.É femininaemseusqua- / Comaparticipação meiro escalãodosque tiveram essainiciativa. Polícia Militar (PM).Nós estamosnopri- Poucos estadostêmoseucorpo femininona 79

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 80 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, Quadro 1– Brasil, 2013 Ano deingresso demulheres nasPolícias Militares Unidade Federativa AM MA MG MS RN GO MT BA RO AP RR PB PR AC PA DF RS TO AL SP PE SC CE SE ES RJ PI Ano deIngresso dasMulheres Sem informação Sem informação Sem informação Sem informação Sem informação Sem informação Sem informação 1983 1986 2000 1987 1982 1978 1986 1959 1989 1982 1988 1985 1993 1987 1983 1994 1982 1982 1986 1983 Fonte: Brasil (2013).

Tal resultado comprova ainformaçãode que trevistadas, algumaspossuem pós-graduação. cursaram nível superior. Entre asoficiaisen- gas àoperacionale67%estão cursandooujá no de2.400)encontra-seem atividadesanálo- (emtor- tionário desta pesquisa,amaior parte lheres nainstituição. porumaoportunidade vaga, dadoqueindicaagrandeprocura dasmu- foram 35,94candidatasqueconcorriamporuma No concurso maisrecente para soldados (2014), quer concursodeadmissão(praçasouoficiais). seu acessoélimitadoa10%dasvagas paraqual- as mulheres constituem9,1%doefetivo total.O 47.236 policiais,sendo4.308mulheres, ouseja, pela PMERJ,acorporaçãohojeéformadapor ferroviários, aeroviários erodoviários. mulheres emenores eemterminaismarítimos, tas aopoliciamentodetrânsito,notratocom de capitão. Quanto àsfunções,estavam restri- limitava a ascensão das militares até o posto configuração deseuquadro hierárquico, que da PMERJ.Entre estasdiferenças estava a na jánasciadiferenciada dasoutrasunidades Entre as policiaisqueresponderam aoques- De acordo cominformaçõesfornecidas A CompanhiadePolícia Militar Femini- do deexemplo. (DISCURSO,1982). seus deveres, sempre- esforçada, sempre servin mesma, sempre digna,sempre cumpridorade condições mudaram.APMcontinuasempre a te dapopulação. Acidadeéquemudou.As da PMnuncadeixou desermagníficadian- governo. Eu disse que não mudou. A imagem acho quemudouaimagemdaPMnomeu há pouco,umjornalistameperguntava seeu muitas situações;vão causaralegria./Ainda Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, nele inserido e é criado por ele. Assim, o intui- res” do“mundo fazparte doshomens”, está dispor daideiadequeo“mundo dasmulhe- e mulheres. se dápelasdiferenças queconstituemhomens relacional éo“gênero”, cujopressuposto social formas deopressão denatureza e,portanto, deidentidadeseentendimento trução significação, organizaçãodomundo,decons- Gênero também assunto depolicial Gráfico 1. por atividade,podeserexpressa conformeo sobre gênero nainstuiçãopolicialmilitarurge. afirmarem adiscussão quenãosejaimportante, apesar dealgunspoliciais(deambosossexos) mentos àfiguradoe dapolicialmilitar. Por isso, - determinadas atividades,funçõesecomporta trando oambienteinstitucionaleatribuindo aos gêneros característicasinatasacabampene- que condutaseideologiasculturaisimpõem ao discursodeigualdadegênero. Constata-se identificar condutasnaturalizadasqueseopõem maisatentaécapazde gênero, umaobservação e que não há diferenciação de tratamento por sãoiguais, como umlugarcujas oportunidades tentarem descrever oambienteinstitucional Brasil, possuemalta escolaridade. não apenasnoRiodeJaneiro, masemtodoo as mulheres integrantesdosquadros policiais, Por meio dacategoria“gênero” pretende-se Uma dasteoriasutilizadascomoformade Gênero epoder A distribuiçãodasmulheres naPMERJ, Apesar deospoliciais (deambosossexos) 81

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 82 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, Gráfico 1– Tabela 1– 1.869 Total (Aspirantes eAlunas) Patente ougraduação Cadete (alunasoficiais) Estado doRiodeJaneiro, 2015 patente ougraduação Número depoliciaismilitares femininas, segundo Rio deJaneiro, 2015 Distribuição poratividade dasmulheres naPMERJ, Tenente-Coronel Total (Oficiais) Total Praças Subtenente Aspirante Sargento Tenente Soldado Coronel Capitão Major Cabo 99 229 417

1.118 576 Número depoliciaisfemininas Outras Ensino Corregedoria 3335 2161 744 350 433 391 223 396 29 17 12 41 80 4 Administrativa Operacional Saúde Fonte: PMERJ (2015). Fonte: PMERJ (2015).

(1979, p. 16), Segundode podersãoconstruídas. Foucault hábitos ediscursos,poronde as relações através degestos,atitudes,comportamentos, cem um controle minucioso sobre os corpos, por meiodeprocedimentos técnicos,queexer- sua vidacotidiana.Aformaçãopolicialéfeita corpos técnicasdedominação,penetrandoem de seusmembros, ainstituiçãoinveste emseus pela divisãodegêneros. Desde otreinamento de poderadjacenteàestabelecidasocialmente hierarquia edisciplina,assumeumamecânica posição dosindivíduosdentro dasociedade. interpretações hierarquizadas, quedeterminam a quenãosóclassifica,mastambémgera fraqueza, razão/emoção, alto/baixo, público/privado, força/ também num amplo sistema de oposições como e femininoestáalémdadiferenciação sexual,mas DIEU, 2002).Ademais, adivisãoentre masculino àsmulheresenquanto acasaéreservada (BOUR- aoshomens(opúblico), aquilo queéreservado ouseja, um dossexos, seulocal,seusinstrumentos, são determinadasasatividadesatribuídasacada sociais, comoa divisão social do trabalho, na qual dominação masculina,alicerça diversos aspectos força muscularsuperior(SCOTT, 1995). lheres têm filhos e que os homens têm uma doprincípiodequeasmu- simplista, partem como formas de subordinação que, de maneira to éafastarjustificativas biológicas,utilizadas A Polícia Militar, comseusprincípiosde A ordem neste contexto de social, construída mutilá-lo, maspara aprimorá-lo,adestrá-lo. como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mente esseaspectoqueexplicao fato dequetem estratégica,umapositividade.Eéjusta- riqueza O poderpossuiumaeficácia produtiva, uma Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, quantidade demulheres quedesistiuémínima. bém psicológico. Apesara detantadificuldade, sofrido, não só pelo esforço físico, mas tam- disciplinar, descreveram o processo como algo mo aquelasquejátinhamalgumaexperiência a dificuldadedoperíododetreinamento. Mes- Todas aspoliciaisentrevistadas comentaram tão não era difícil porque eu estava certa da tão nãoeradifícil porque da euestava certa dessa área, eraoqueeurealmente queria,en- sempre estudei,sempre emcima medebrucei fissionais, atéporque eusempre gosteimuito, cima dissoenãoemdos aspectospro- tração edefoco. Então adificuldadeeraem ritmo demilitarismo,estudo,concen- praticamente asemanainteiradentro daquele deliberdade.uma privação certa Agentevivia le meio e que só se consegue com isso: com de treinamentos, de adaptação mesmo aque- militar. Então temtodaumarotina deprovas, é só ser policial, lá a gente é preparado para ser pra profissão depolicialmilitar né,porque não tar. militar, Eserforjadarealmente pro serviço já fuilogoprameprofissionalizar, mecapaci- na com17anostácomeçandoaconhecer, eu pais, avidasocial,principalmentetodameni- em cima disso: de perder oconvíviocomos direto com17anos,entãoadificuldade vem fazer umafaculdadedepois,maistarde. Entrei por ingressar público e diretamente noserviço licial militar. Então, naquelaépocaeuoptei continuo adaptandoatéhojeafunçãodepo- polícia, euadapteitodaaminhavida,como te omeuestilodevidaquandoeuentrei pra tinha umestilodevidaemudeicompletamen- dade ecomprei essaideiapraminhavida.Eu eu jáentrei, mergulheidecabeçanessareali- uma realidade que seapresentou pra mim, que pelapolícia,entãofoi foi tirandoumserviço É... aprimeiravez queeudormiforadecasa 83

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 84 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, dominado” (CARVALHO, 1990, p. 146). aomaisfraco,dodominantesobremais forte o relação depoderporque revela aproteção do tratamento maisdelicadoé um mecanismode homem dentro dainstituição. “Portanto, esse cipalmente, arelação privilegiada depoderdo que precisa deproteção ecuidado,mas prin- reforçando oseulugardemaisfraca,daquela tratamento paternalista destinado às mulheres, uma “mulher militar”. Oresultado dissoéo mulher, independentementedetersetornado das as características impostas culturalmente à tar”. Sua figuracontinuasendoassociadaato- sendo predecessor àposiçãode“mulher mili- relações privadas, opapelfemininocontinua ção de“homemmilitar”, inclusive emsuas o homem,queassumeintegralmenteaposi- entre eles.Diferentemente doqueocorre com no efeminino)asrelações sociaisesperadas doindivíduo militar(masculi- a construção naval (Catre –Parnamirim/RN) identificou cas e Recompletamento de Equipagens/base lheres militares do Centro de Aplicações Táti- masculino eafeminina. ber asprimeirasdiferenciações entre omilitar contrário, jánestemomento,épossível perce- uma categoriadesprovida degênero. Mas, ao como militar, oquesepodeentendercomo asuaidentidade divíduo começaaconstruir formação dosnovos integrantes.Nela, oin- daprópria nuidade desuasposturasapartir O estudodeSôniasobre asmu- Carvalho A instituiçãomilitardeterminaaconti- (Oficial Feminina). né, comtãopoucaidade,poucomadura. uma realidade eentraremoutradecabeça minha escolha,difícilmesmofoisóabandonar comprova amaneira “naturalizada” comque foi designadodeformadiscriminatória. Isso alguma situaçãoemqueo substantivo “fem” nadas. Porém, todasasentrevistadas relataram das disseramquenuncase sentiram discrimi- responderam aoquantohádiscriminação,to- discriminatória éestadenominação. Quando algumas policiais têm para perceber o quão mar, táparecendo uma‘fem’!”. entre ospoliciaismasculinos:“Pára derecla- um recurso jocosoeinferiorizanteutilizado tras preterida. Em momentos,funcionacomo tras, subalterna.Algumasvezes inserida,ou- vezes podeser considerada privilegiada, e ou- dentro da instituiçãopolicial,quealgumas de significado. Demarca aposiçãodamulher não éapenasumnome.Ele estáimpregnado usado paranomearaspoliciaisfemininas.Mas um substantivo adjetivado. “Fem” éo termo dentro da instituição. Hoje otermo“fem” é nas oseusexo, masaformacomoépercebida nome: “fem”. Estenomemarcaria nãoape- “sujeito” masculino,amulherrecebeu um conhecer suasfunçõescomplementares ao uma interpenetraçãoentre estasduasvertentes. da dicotomia“instituição” e“cultura”, operando morais. Dessa forma,haveria umrompimento símbolos, osesquemascognitivos eosmodelos tro dasinstituições,mastambém os sistemasde normas formaisdelimitamaaçãohumanaden- do comaqualnãosóregras, procedimentos e ca” estudadaporHall e Taylor (2003),deacor- orienta ateoria“neoinstitucionalista sociológi- É interessante perceber adificuldadeque Assim queentrou nacorporação,alémde Fem, osubstantivo adjetivado Do mesmo modo, a determinação cultural Do mesmomodo, a determinaçãocultural litares masculinos”. uma classe“entre asmulheres eospoliciaismi- policial feminina como “quase homens” ou que alguns policiais masculinos classificam a sejam pensarsobre isso. Uma oficialafirmou encaradas. Ealgumasafirmaramquenemde- muitas vezes asdiscriminaçõesdegênero são demorar umpouquinho. (Oficial Feminina). texto históricotodo,euacho que aindavai ta, né?Até agenteconseguirmudaresse con- é machista,asociedadeemsi queémachis- pulação machista!’.Então, nãoéapolíciaque assim olhando,euficoassim:‘Gente, quepo- lhinho, elenãofalanada,arquiva, eufico ‘Num falei!’.Quando éhomemouumve- como você sabequeémulher?’Aí,elepassa: que émulher!’.Meu maridodirigindo. ‘Mas como sefosseamulherdirigindo:‘Aposto, comete omesmoerro: ‘Poxa, tinhaque...’, te umerro: ‘Poxa, errou’, amulheràsvezes existe aquelasituação,seomasculinocome- guém cometeuumerro, nãovou mentir que gostam. Tem uma... como eupossodizer... al- Masesportiva. temalgumaspessoasquenão fem, né?Dá licença...’. Tento levar maisna so, eu até brinco: ‘Pô, fiz isso porque eu sou mais comigo. Eu geralmentenãomeestres- soas sabemdisso,tematendênciadebrincar como eulevo tudomuitonatural,easpes- que ficamhiperchateadascomabrincadeira, ‘Ah, sópodiaserfem!’. Tem algumaspessoas te fazalgumacoisaerrada,apessoabrinca: aquilo outro, masculinofaz, quando agen- la coisadefem,masculino,quefemnãofaz brincadeiras. Brincadeiras sãonormais,aque- posso dizer quesofrinão. Agentetemmuitas eunão eu seiqueexiste,masdaminhaparte Assédio por ser mulher ou discriminação... Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, mas tambémpatrimonialemrelação àmulher: de impõeumatutelanãosópsicológico-social, tros”. Aligaçãodosexo femininoàmaternida- atividades bélicas,eincluirasmulheres “dos ou- preocupação deexcluir as“suas” mulheres das guerra também éumaafirmativa daautora: A invisibilidadedasmulheres emcontextosde nência empaísesquenão estão sobameaça. dade degêneros proporcionam a suaperma- que valores culturaisquepromovem aigual- das mulheres navidamilitar, domesmomodo Segal (1999)parapossibilitaroenvolvimento bém éumpontodeterminanteelencadopor reza bastantepragmáticaeinstrumental. so derecrutamento de mulheres teriaumanatu- oproces deforçareserva - detrabalhoe,portanto, recrutamento”. Asmulheres constituiriamuma tivos, háa necessidade de“alargar abasesocialde que emperíodosdeguerras,comcarência deefe- ambiente combativo, Carreiras (2002) evidencia Segundo Battistelli (1999),sempre houve a Esta primaziadanecessidademilitartam- Apesar da tentativa de excluir as mulheres do grupo. (Battistelli, 1999,p. 48). que a sua posse representa fora e dentro do sobretudo, pelasevidentesimplicaçõessociais que podeproporcionar), mastambém,eaté, em si mesma (pela gratificação tância crucial escravizada) éumprêmio comumaimpor- ele, amulher(arrancadadoinimigo,violada, cepção ancestraldomachoemguerra.Para pode revelar, commeridianaclareza, acon- no ou situação, a qualidade de mulher-presa como presa. Mais doqualqueroutro fenôme- companheira dearmas,maseraprocurada tente, masnãodevítima;eraaceitacomo A mulhererapoupadadopapeldecomba- 85

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 86 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, com elas(SOARES; MUSUMECI,2005). tinham ondecolocá-las,nemsabiamoquefazer se negavam arecebê-las porque diziamquenão nino (situaçãoencontradaaindahoje).Muitos gurança ouuniformes adaptados ao corpo femi- nham banheiro, vestiário, equipamentodese- receber asmulheres. Muitos batalhõesnãoti- na, comelevado graudesegregação sexual. profissão, ainda,predominantemente masculi- militares, principalmenteporsetratardeuma de carreirações eoportunidades dasmulheres liar àintegraçãoplenaouaexpansãodefun- caracterizaria umatransiçãodoestatutoauxi- A instituiçãopolicialnãosepreparou para Olugardapolicialfeminina Mas à presença esta abertura feminina não em situaçõesdeemergência.(Segal, 1999,p. 21). nésia culturalrelativo aocontributodasmulheres cargos. Existe, noentanto,umprocesso deam- desempenhar tarefas comeficáciaemdiversos anterior parademonstrarqueestasconseguem cisam demulheres, evoca-se asuahistóriamilitar países éque,sempre queasforças armadaspre- O quetemacontecidonopassadoemmuitos não tem lugar pra colocar, pra ajeitar as coisas incômodo... Agente pensa:‘Poxa, faltalugar, o busto... aíquando agentecolocadáaquele sabe queamulhertemformas diferentes, tem tinção, éomesmopratodomundo eagente colete femininoemasculino,nãoexistedis- o nossocolete...coletefemininoémesmo, básica que a gente às vezes deixa passar que é Por exemplo: umasituaçãoqueécoisa tos aspectosqueapolíciaprecisa seadaptar né? ela énova, elanãotemmuitosanos,mui- mulher na polícia ela é recente. Posso dizer que A expectativa dapolícia?Bom,aentrada ligada àeficácia,sendoesseatributomasculino. no sentidodocombate,nãoestádiretamente eficientes. mais Até porque feminina, afigura formar osprocedimentos policiaisemprocessos quirir umalegitimaçãosocial,doqueodetrans- policial militarsedeumaiscomointuitodead- ção dequeainserção dasmulheres noambiente dar nainstituição policial,queera“magnífi- femininas, afirmouquenão haviaoquemu- na formaturadaprimeiraturma desoldados Tal constataçãoparece aexplica- fortalecer Além disso,ogovernador ChagasFreitas, em 82ou83.(Oficial Feminina). polícia, que a entrada da mulher na polícia foi nino queeraumasituaçãonãotinhana já previram asituaçãodeumuniformefemi- tendeu? Estãovendo a situação de alojamento, que, aospoucos,estãosendoamoldadasen- que temserajeitadas(risos)..’ Mas euacho outro. (CARREIRAS,2013,p. 481). deles implicarianegarospressupostos rivais do gurança nacional.Supostamente, aceitarum no universo militarsobre eficáciamilitarese- com umdiscursomaioritariamenteoriundo civil sobre igualdadededireitos éconfrontado curso maioritariamenteoriundodasociedade tomaticamente anegaçãodooutro. Um dis- como seaopçãoporumdelessignificasseau- juntos devalores consideradosincompatíveis, necessidade eprontidão militares, doiscon- criminação sãoinvocados emoposiçãoaosda valores democráticosdaigualdadeenãodis- cidadania eeficáciamilitar. Nestes debates,os equacionadas emtermosdaoposiçãoentre e funçõesquedevem desempenhar, têmsido ção militardasmulheres, ousobre ospapéis A maioriadasdiscussõessobre- aparticipa seriam característicasdosexo feminino. ou ascolocamatreladas aoque,“naturalmente”, suasações subjetivas quejulgamparticularmente continua àmercê depropriedades absolutamente viço feminino. Enquanto isso,afigurada “fem” aproveitamento, dispensaou realocação doser- à necessidadeestratégicadainstituiçãopolicialo e estaeraumaposiçãoacessória,cabendosempre claro olugar queapolicialfemininairiaocupar, -los maisdesprotegidos. pação comapolicialfemininapoderiadeixá- confronto. Segundo algunspoliciais,apreocu- inimigos comapresença femininanolocaldo os militares ficammaisvulneráveis àaçãode espécie, acaba por reafirmar a hipótese de que de mãeseresponsáveis pelasobrevivência da deseupapel violência docombateemvirtude de queasmulheres deverão serprotegidas da ras (1997)explicaque,frequentemente, aideia pode pesar contra a presença feminina. Carrei- (HALL; TAYLOR, 2003,p. 211). ce àsualegitimidadesocialadeseusadeptos” sua eficiênciadoquecomo reforço queofere- zões quetêmmenosaver comoaumentoda frequência novas práticasinstitucionaisporra- sustentam que“as organizaçõesadotamcom ideia de legitimação, os neoinstitucionalistas ca diantedapopulação”. Colaborandocoma Segundo Nancy Fraser (2015), umdosgran- como cuidadoradobem-estar desuafamília. responsabilidade queainda éimpostaàmulher lheres adeterminadasfunções dizrespeito à Desde sua entrada na PMERJ, sempre ficou Desde sua entradanaPMERJ,sempre ficou O pontosobre a“eficácia militar” também Outro fatorquerestringe oacessodasmu- Entre acasa eacaserna Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, social específicoaogênero doedamilitar. continuam exigindoumpadrãodeparticipação duas instituiçõesnasúltimasdécadas,elasainda mesmo comasmudançasquesofreram estas à esperadaestabilidadedonúcleofamiliar. E, litar, emcontraposição,econcomitantemente, mi- cia dedisponibilidadeeoriscodoserviço militar efamiliaréconflituosa,vistoaexigên- rarquias sociais,massimsuperá-las: posições de podereprivilégio dentro dashie- preocupar comqueasmulheres assumissem des desafiosdofeminismonãodeveria serse Além disso,arelação entre asinstituições do pormulheres. (FRASER,2015) não remuneradas e ainda realizadas sobretu- tarefas ligadasao“cuidado”, historicamente lariado eassociadoaoshomens;deoutro, as trabalho de“produção”, historicamenteassa- postamente distintos:deumlado,ochamado tucionalizada dedoistiposatividadessu- capitalista –acimadetudo,adivisãoinsti- turais dadominaçãodegênero nasociedade Para- isso,énecessáriodesafiarasfontesestru petição, uma coisa meio que eles chamam de petição, umacoisa meioqueeleschamamde envolvem acabeçadohomemqueéumacom- homem queosoutros, temumascoisas que ro, espaçoso,achaque,infelizmente,é mais mano diferente. Ohomemémuitobaguncei- à instituiçãoéexcelente, então,éumserhu- organização dentro delaqueseelaemprestar né, entãojátrazuma se organizarelatámorta, casa, dofilhoetrabalhafora,entãoseelanão tem duas,três jornadaspordia,elacuidada com umaorganizaçãodentro dela,porque ela capacidade, competência,eamulherjávem dar, emtermosorganizacionais, termos de tribuição queela(policialfeminina)podenos Então, tirandoessaquestãodavisível, acon- 87

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 88 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, tos tipos de ocupações ou posições que exigem entre outros aspectos,pelasuaexclusão decer- ra do mercado de trabalho, que se exprimem, das mulheres nos vários patamares- da estrutu afirmar aexistênciadeformas desegregação estudos sobre trabalhofemininocontinuama vocando umamaiorpressão sobre oshomens, fas decasae no cuidado com os filhos, pro- doshomensnastarecom maiorparticipação - alterações nopadrãodasrelações conjugais, exigente comasmulheres. mais os seusmembros, elaéparticularmente embora afamíliaimponhaexigênciastodos rentes tiposdeatividadesepapéissociais.E, sibilidade dosindivíduosdeconciliarem dife- lealdade, tempoeenergia,dificultandoapos- um elevado nível deexigênciasemtermos ferentemente deoutrasinstituições,impõem Embora jásejapossível perceber algumas Tanto aPolícia Militar como afamília,di- atávicas queelatraz.(Oficial Masculino). emrazãodaprópria, dasfunções aperfeiçoado todo mundopune,entãooserhumanojávem ciedade pune,afamíliaomarido filhos oudacasa,apuniçãoéimplacável. Aso- fora, masseelanegligenciaraeducaçãodos trabalhar fora,omaridoquerqueelatrabalhe dela. Então, olha,você vai trabalhar fora,quer sofrer sançõesquevão repercutir navidatoda alguma formaelavai serpunida,eelapode nem comofilho,senãoela vai serpunida,de balhar, elanãopodesernegligentecomacasa, tá aliné,deumladoeoutro. Eelavai tra- tá comfilho,elaomarido,tem, natureza, porque elamediaotempotodo, muito essaquestão,elaémaismediadorapor ethos doguerreiro, queamulhernãoabsorve tinuidade desua casa. unidades parecem funcionar comoumacon- a policial batalhões feminina. e Os quartéis, sileira, especialmenteaque aquiseapresenta: uma luta contínua de toda trabalhadora bra- mas acasanãosaiudamulher. Eessaparece ser dades “femininas” vinculadasaela. uma ComandanteFeminina, etodasasquali- mais arrumada”, ao se referir ao trabalho de Oficial Masculino quando diz: “A casa tá bem associado. Pode-se lembrarodepoimentodo não comprometer o“respeito” queestáaela como os“bonsmodos”, a“postura”, afimde sua imagem,nemaquiloqueéesperadodela, materna, dedonacasa,nãosedesvincula realizando suasatividadespoliciais,asuafigura satisfatoriamente doambientefamiliar. gatoriamente, asuapossibilidadedeparticipar lha de ser uma boa profissional excluísse, obri- estratégias eopçõesdecarreira, comoseaesco- restritivas, einfluenciamdecisivamente assuas e -nas muitomais,sãomuitasvezes perversas de nãoserem exclusivas dasmulheres, afetam- entre ambasasfunções. Tais dificuldades,apesar complexa e difícil a conciliação particularmente dade quesãoimpostasàsmulheres, tornando responsabilidades davidafamiliarematerni- colidemcom ções, oriscodeferimentoemorte, fun- como ainstabilidadedehoráriosemcertas mesmas atividadesqueoshomens. menor remuneração quandoelasocupamas familiares e o cuidado dos filhos, e até uma uma dedicaçãoinconciliável comasobrigações A percepção é de que a mulher saiu da casa, Até mesmo quandoestádentro doquartel, As exigências colocadas pelaPolícia Militar, culino) eprivado (feminino)emsuaanálise: bém elabora essadicotomiaentre público (mas- ainda submersaemsuasatividadescotidianas. a policialfemininacontinuaforadesseespaço, debate, dasgrandesdiscussõesedecisões,mas O públicoaparece comolugardosiguais,do Arendt (2007) chamade“o lugar da política”. comunitário, dopúblico,queHannah continua no interior, no doméstico, fora do as regras advindasdesteposicionamento. instituições, cada membro sabe a sua posição e constitui asituaçãopredominante. Nas duas tir acooperação,aopassoquedesigualdade a autoridadeecoerção sãomeiosparagaran- quia edisciplinacomoprincípiosnorteadores, nal, ainstituiçãopolicialtambémelegehierar- como estratégiadeautoproteção. esolidariedade um sensodepertencimento mo que visa produzir entre os seus membros a instituição policial criou mais um mecanis- fiança mútuaentre sociedadee Polícia Militar, social que apresenta um sentimento de descon- racterísticas familiares. Dentro deumcontexto a ideia de coesão e união entendidas como ca- Azul”, e assim trazer aos membros da polícia essa percepção aoseautodenominar“Família A feministaSusan Moller Okin (2008)tam - Deste modo, a policial militar feminina Assim como o ambiente familiar tradicio- A própria instituiçãoparece tentarforjar mente paraasmulheres. Adivisãodotraba- tem sériasconsequênciaspráticas –especial- práticas e teorias patriarcais dopassado, que ambiguidade, resultando diretamente das cotomia público/doméstico,permanece uma Em segundolugar, mesmonointeriordadi- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, e imperativo, inerente àsuavidapessoal. dos homenséalgoabsolutamentenaturalizado Algo exterioràssuasvidas.Enquanto oacesso penham emsuasvidas privadas e domésticas. papéis e às relações que elas exercem e desem- das mulheres aotrabalhocontinuaatrelado aos sim comoemoutros contextoslaborais,oacesso Portanto, nainstituiçãopolicialmilitar, as- mília. (OKIN,2008,p. 307-308). dependentes doshomensesubordinadas àfa- “naturalmente” inadequadasàesferapública, produção. Asmulheres têmsidovistascomo ções daesferaprivada dadomesticidadeere- as mulheres seriamresponsáveis pelasocupa- e políticaresponsáveis por elas,enquanto dos àsocupaçõesdaesferavidaeconômica Os homens sãovistoscomo,sobretudo, liga- essa dicotomia desde seus princípios teóricos. lho entre ossexos temsidofundamentalpara (ARAÚJO; SCALON, 2005,p. 19-20). de suacontribuiçãofinanceira paraafamília. ingresso no trabalho pago e pelasexigências essa produção, nummundomarcado pelo am ocupandoolugarderesponsáveis por da vidacotidiana.Easmulheres continu- produção materialedeprodução simbólica lio eafamíliapermanecemcomoespaçode maioria dasmulheres, ofatoéquedomicí- des domésticascotidianaséumdadoparaa entre otrabalhoremunerado easativida- referência do imagináriosocial,eotrânsito pando comofato,emborapersistacomforte apenas cuidadosfilhosedacasa vem sedissi- internas àfamília.Se afiguradaesposaque balho”, sãomediadastambémporcondições rativos externospróprios ao“mundo dotra- de satisfaçãodasmulheres, alémdosimpe- Ao contráriodoshomens,aspossibilidades 89

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 90 dos anteriores feitos por Wittgenstein sobre otema. designa “jogosdelinguagem”, acompanhando estu- privados depoder, sãoatravessados peloque oautor e móveis. Mesmo os mais desfavorecidos, os que são duos estãosempre inseridosemrelações complexas tituições nuncaestáisolada.Segundo ele,osindiví- expõe queaposiçãodosindivíduosdentro dasins- Início demudan? ças Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, e osvínculospreviamente constituídos. riam desestabilizaretransformarainstituição Além disso, tais espaços de negociação pode- movimentação socialemprol deigualdade. des quelhessãodesignadas,epelaconstante da eficiênciadaspoliciaismilitares nasativida- principalmente pelacomprovaciação, abertos - pequenosespaçosdenego- possível observar dospoliciais masculinos,aindaé maior parte de ocuparem posiçõesinferiores emrelação à tir deprincípioshierarquia edisciplina, policiais militares terem sidotreinadas apar- características militares rígidas; as e, portanto, riedades quelhesãoimpostaspelastradições. plenamente dasobrigato- conseguiu libertar-se conquistas profissionais, amulheraindanão p. 454).Apesar dejáterconseguidoalgumas seus trabalhosefadigas” (BEAUVOIR, 1970, mulher aomesmo tempo: com isso multiplica “Quer viver como um homem ecomouma tas a estas profissionais devido ao seu gênero. quanto àsrestrições eresponsabilidades impos- militares femininas. Também nãoháincertezas e institucionalaqueestãosujeitasaspoliciais Lyotard (1988),emsuaobraOPós-Moderno, Mas mesmoainstituiçãopolicialtendo Não restam dúvidasdagrandepressão social Os jogosdelinguagem

não éalgoque sepossadividirentre aqueles ouclassesobreum indivíduo,grupo outro, meno dedominaçãomaciço ehomogêneode afirma queopoder /discurso não éumfenô- conceito deenunciado Lyotard. .Foucault pio de poder de Foucault muito dialoga com o mento dosdiscursos.Nesse sentido,oprincí- produção, acumulação,circulação efunciona- da de poderseassociamefuncionamapartir clusive asinstituições,ecomoestasrelações caracterizam econstituemocorposocial,in- múltiplas relações depoderqueatravessam, sendo elaumainstituiçãomilitar. lhorar odesempenhodainstituição,mesmo do, eefetuarosdeslocamentosquepodemme- encorajar anovidade deumlancenãoespera- tende lutarcontraasuaentropia podeedeve sua eficácia.Afinal,umainstituiçãoque pre- ser reajustados eregulados afimdemelhorar mesmo sendoelesinstáveis, vistoquepodem que sofrerão aação,sempre dentro doslimites, como agentesdoslances,oraaqueles jogo, osindivíduossãoreposicionados, ora aojogo definidoporelas. gras, nãopertence feito nojogo,eseesselancenãosatisfazasre- ciado deve serconsideradocomoum“lance” regras modificaanatureza dojogo. Todo enun- regras, nãohájogo. Qualquer modificaçãodas deste “jogo”.indivíduos quefazem parte Sem por “contratos” explícitos ou implícitos entre os niente deutilizá-los.Suas regras sãolegitimadas por regras equedeterminam o modoconve- ciados quepossuempropriedades especificadas rou aumjogodexadrez, seriamosvários enun- Foucault sobre (1979)tambémalerta as Ao seratravessado pelosenunciadosdo Os jogosdelinguagem,queoautorcompa- através doindivíduoqueeleconstituiu: submetidos aele.Segundo ele,opoderpassa que opossuemeosnãosão minina tentando afastar apolicialfemininade suas retroagir. Mesmo que a instituição continue mulheres nainstituiçãoaparentemente nãovai na dentro deseusquadros, omovimento das neiro continueasubestimarpresença femini- saber atéentãolegitimado. vos discursos,novos enunciados, “escapes” deum ou repressivas, massimdisputasqueelegemno- ou violências, não são basicamente contratuais sam, fundamentalmente,pelosníveis denormas e relações deforça, sãoestratégias.Elas nãopas- do poder. Estas lutas, mais do que afrontamentos ser feitasdefora, mas dedentro daprópria rede social. Porém,por todaaestrutura nãopodem pontes móveis etransitóriasquesedistribuem não há propriamente o lugar de resistência, mas sos advindosdoexteriordainstituição,vistoque cia”. Aslutaspodemserinfluenciadas por discur- Mesmo queaPolícia Militar doRiodeJa- O devireomoleculardaPolicial Fe- Para Foucault, “onde hápoder, háresistên- passa poreles.(FOUCAULT, 1979,p. 183). termos, opodernãoseaplicaaosindivíduos, são sempre centros detransmissão. Em outros econsentidodopoder,nunca sãooalvo inerte posição deexercer estepoderedesofrer suaação; divíduos nãosócirculam, masestãosempre em ciona eseexerce emrede. Nas suasmalhasosin- ouumbem.Opoderfun- como umariqueza ca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nun- cula, oumelhor, comalgoquesófuncionaem O poderdeve seranalisadocomoalgoquecir- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, tomias: sujeito eobjeto,unomúltiplo, mes- te todososseusanosdeexistência. duran- modelo queainstituiçãotem construído diferenciada, algoquepodeviraser, análogaao perimentação daprofissão policial. Uma forma com aaproximação deumanova forma deex- batido durantetodoestetrabalhomonográfico, características atribuídasaogênero, comocom- consagra a “natureza”, a “essência” do que sejam ferença conciliadora,agregadora eeficaz. mostrado dentro eforadainstituiçãoumadi- impor, afigura da policialfemininatemse geneização criteriosaqueainstituiçãotenta da instituiçãomilitar, edatentativa dehomo- ído comorepresentativo dediferenças dentro 1988, p. 39).Distintamente- doqueéconstru tarefa dafilosofiadiferença” (DELEUZE, de seuestadomaldiçãoparece ser, assim,a rença emseuplenogozo. “Tirar adiferença diatizada pelarepresentação, massimadife- à semelhança,porém nãoumadiferença me- no centro). Daquilo queescapaàidentidadee “marginal” (nosentidodaqueleque não está diferença, dosingular, domenor, domicro e as contribuiçõesprimorosas deGilles Deleuze. A fim deembasar estas afirmações, colocam-se leculares que estãoemcurso dentro dacaserna. minina játeráefetuadoastransformaçõesmo- sejam dadas as devidasatenções,apolicial fe- seja possível perceber claramente, que não lhe verá comovoltar atrás. Mesmo queaindanão feito, odadojáterásidolançado,enãoha- olancejáterásido decisões maisimportantes, Em Deleuze, todasasdico- sãoderrubadas E nestesentido,distancia-sedaideiaque A filosofiadeleuzianaafirmaapotênciada 91

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 92 to aoambiente externo,nasociedade civil, agir sem abalar a eficácia dastarefas. E quan- possíveis novos agenciamentos emaneirasde de umaformadiferente, mostrandoquesão consegue gerirrecursos humanosemateriais PMERJ, dentro dainstituição,apolicial realizada pelaSecretaria Nacional deSegurança. cial. Tal percepção foi confirmada pelapesquisa ça molar dentroda instituição poli- da estrutura novos enunciados ediscursossobre asuapresen- litares dãoosprimeiros passosnaelaboraçãode que lhessãodeterminados,algumaspoliciaismi- execução desuasatividades,edentro doslimites ferenças, utilizandoaexcelência eeficiênciana to equivocado sobre gênero, valorizando suasdi- sua própria apresentação. de “polícia”, etrazintuições distintas sobre quando seapresenta, mostranovas formas essências eandapróxima àaparência, eque, instituição militar, mas que está longe das dase estendeeretrai acadaintervenção masculino eodevirmulher. Um devirque -se nodevir. No caminhoentre opolicial absoluta (VASCONCELLOS, 2005). seja inventado ereinventado, umaimanência E vidanãocomoalgoquejáfoidado, mas que rências, nãoháessênciasformais,avidaemsi. cia significando que não há nadaalém das apa- plicação entre ser, devireimanência.Imanên - termos, entre doispontos.Há sempre umaim- devir. O deviré sempre oque está entre dois de “devir”, esóháodevir. Nada háalémdo mo eoutro, háumaconstantemultiplicidade Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, Segundo ospoliciaisentrevistados na Valendo-se doentendimen- dadesconstrução A categoriapolicialfemininaencontra- novos discursos, proponham novos enunciados, as revoluções moleculares necessárias,tragam minino” dentro dainstituição militar, realizem ninas consigamrealizar o seu “devir policialfe- mas háumaesperança:deque aspoliciaisfemi- res, paraserefetivado. / agentedaação,nocaso,aspoliciaismilita- precisa dopróprio sujeito docomportamento policial militar. Mas, comotododevir, ele seria aefetiva transformaçãodainstituição lidades, tecnologiaseinteligências,cujofim poderia seragente,inventando novas sensibi- nal comoaPolícia Militar, naqualapolicial tradicio- dentro de umagigantescaestrutura ria possível através derevoluções moleculares, seria umanova práticapolicial,quesetorna- mativa, e menos combativa. Neste caso,esta implementação deumapolíciamaisaproxi- o interesse daspoliciaismilitares quanto à quisa, emalgumasentrevistas foiobservado cessos desubjetivação. inventam novos agenciamentos,novos pro- de umnovo olharpossível. Assingularidades cional, massimatributosparaaconstituição tas comofatores institu- estranhosàestrutura mento dapopulação. de aproximação, atendimentoeacolhi- a dedicaçãoprofissional, amelhorcapacida- ciais femininasligadasacasosdecorrupção, feminino, comoamenorproporção depoli- classificam comopróprios dodevirpolicial pecíficos dapolicialfeminina,equeaquise alguns exemplos foram colocadoscomoes- Não épossível encerrarcom uma certeza, Apesar de não ter sido a questão da pes- Assim, assingularidadesnãosãomaisvis- so deredemocratização. Oqueainstituição diante deumasociedade em plenoproces- eficácia, massimdeconseguir legitimidade necessidade da instituição de melhorar a sua e para a mulher, ela não foi motivada pela do pormotivos relevantes paraainstituição lícia Militar doRiodeJaneiro teraconteci- C mas queaindaestálongedeterganhadores. 33 anos,quandoelasentraramnainstituição, lances dentro dojogo,quejáhaviacomeçadohá mostrem novas heterotopias, reivindiquem mais onclusão Tabela 2– Apesar deaentradadasmulheres naPo- Outros atributos Menor capacidadedecompreender asnecessidades deseussubordinados Menor assertividade doqueoshomens Menor capacidadededelegartarefas doqueoshomens Menor formação acadêmicadoqueoshomens capacidadedecompreenderMaior asnecessidades deseussubordinados assertividadeMaior doqueoshomens capacidadededelegartarefasMaior doqueoshomens formaçãoMaior acadêmicadoqueoshomens Brasil, 2013 chefia, elanecessariamente possui” questão ocupa “Quandoumamulher umafunçãode Participação dosrespondentes, segundoresposta à Resposta Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, membros dacorporação. do e preocupação que elas têm em relação aos realizadas pelapolicialfeminina, pelocuida- é possível perceber adiferenciação dastarefas eficiente ediferenciada. Dentro dosquartéis atividades. Conseguemfazê-las demaneira conseguido desempenharcommaestriaassuas impostas foradainstituição,asmulheres têm as mesmasimposiçõessociaisquelhessão repressão doperíododitatorial. imagem institucional,queestava atrelada à pretendia, naverdade, eramelhorarasua Apesar de terem encontrado nas casernas

Fonte: Brasil (2013). 44,1 38,1 29,8 28,0 30,1 3,3 2,4 2,6 0,8 % 93

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 94 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, tivas oumenos relevantes dentro dainstituição. apesar de se concentrar em funçõesadministra- feminina sedestacanasatividadesqueexecuta, superiores oudecisóriosdacorporação,apolicial tando emdesvantagem emnúmero nospostos mais doqueteimaemnãoquerer imaginar. “devir” que a policialfemininaagrega emsi qual necessita. A Polícia Militar precisa deste polícia quenãosóasociedadedeseja,masda seus comandadoseatodasociedade.Uma nova maneiradeagireestaremrelação aos cia deumanova Polícia Militar, umdevir, uma instituição umanova possibilidade.Aeminên- dequeapolicialfemininaacrescenta à certeza na Polícia Militar doRiodeJaneiro trouxe a A pesquisamostrou tambémque,mesmoes- A investigação sobre apresença damulher ainda estálongedeserumarealidade. da policialfeminina” proposto nestetrabalho que poderiamservislumbradascomo“devir pública doestado. Ao queparece, asmudanças tadas durante décadas na gestão de segurança mostrado soluçõesdiferentes daquelasapresen- PMERJ edoestadoRiodeJaneiro nãotem Militar doRiodeJaneiro. Aatualsituaçãoda plementação deumanova posturadaPolícia da policialfemininaserprotagonista naim- investir nestapossibilidade,eseéintenção investigar seainstituiçãomilitarpretende não encontradonaliteraturasobre otema). conhecimento peloseutrabalho(dadoesseainda de reivindicações demelhores condiçõesedere- Ademais, aspoliciais jáesboçammovimentações Novos estudossetornamnecessáriospara In: ARAÚJO, C.; SCALON, C. res e homens sobre a conciliação entre família e trabalho. mulhe de atitudes Percepçõese C. SCALON, ARAÚJO,C.; Referências bibliográficas ARENDT,Hannah. Brasil. FGV, RiodeJaneiro: 2005.p. 15-75. vimento: Sônia. CARVALHO, estado dodebate. Revista Militar,n.5, p. 477-495, 2013. o militar: eficácia e direitosMulheres, Helena. CARREIRAS, militar feminina naEuropa doSul.Lisboa:Cosmos, 2002. CARREIRAS, Helena. litar. Estudos Feministas, v. 5, n.1, p. 1997. 69-81, CARREIRAS, Helena. Família, maternidade e profissão mi- São Paulo emPerspectiva, v. 18, n.1, p. 142-150, 2004. tensivo e a perspectiva de uma segurança cidadã. os policiamento no Mulheres Esteves. Marcia CALAZANS, ca: estudo técnico 2013. nacional.Brasília, DF:MJ, nasp). Seguranc de Nacional Secretaria BRASIL. Brasil, 2002. ção Pierre. BOURDIER, Paulo emPerspectiva , v.18, n.1, p. 119-131, 2004. uma cidadã. polícia uma controlepara de polícia de transição A al. et Paz Luiz Jorge BENGOCHEA, 4ed.SãoPaulo: Círculo doLivro,Milliet. 1970. BEAUVOIR, Simone de. e Defesa, n.88, 2.série, p. 45-70, 1999. gas dificuldades e novas potencialidades. anti- entre militar: o e BATTISTELLI,mulheres Fabrizio. As to Raposo. Forense, 10ed.RiodeJaneiro: 2007. D’ARAUJO, Celina. Maria Militares, (Mestrado emCiênciasSociais)–UFRN,1990. p.Dissertação 152 militares. mulheres das vida na ciado Maria Helena Küner. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Bertrand Janeiro: de Rio ed. 2 Küner. Helena Maria Mulheres nas instituições de segurança públi- segurança de instituições nas Mulheres Brasil e América do Sul. Rio de Janeiro: FGV, 2010. . TraduçãoRoberhumana. condição A Casa-Caserna: Casa-Caserna: Mulheres em armas: Tradu- masculina. dominação A O segundo sexo . Tradução Sérgio Gênero, família e trabalho no Democracia e desenvol- m ecro diferen- percurso um Revista Nação lc (Se Publica a a participação a participação Revista São RevistaSão Revista Revista - - - - Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, ze. ze. Deleu- Gilles VASCONCELLOS,de devir do ontologia Jorge.A CivilizaçãoBrasileira,neiro: 2005. Janeiro. de Rio do Militar Polícia na feminina SOARES, MUSUMECI, B. L. M.; Educação eRealidade, v. 20, n.2, p. 71-99, 1995. SCOTT,J. Nação eDefesa, n.88, 2.série, p. 15-43, 1999. Futuro. e Presente Passado, Comparada: pectiva Pers numa Mulheres das Militares Funções Mady. SEGAL, Feministas, v. 16, n.2, p. 305-332, 2008. privado.Moller.o e Susan Gênero,público OKIN, o pio, 1988. cardo Corrêa 3 ed. Rio Barbosa. de Janeiro: José Olym- LYOTARD,François.Jean (Repositório Ipea, n.826). 1-24.p. 2001. DF: Brasília, femininos. diferenciais e gênero Lena. LAVINAS, -institucionalismo. LuaNova, n.58, p. 193-223, 2003. neo do versões três As C.R. Rosemary P.; TAYLOR, HALL, -com-a-exploracao/>. Acesso em: 16fev. 2017. -um-feminismo-em-que-romper-barreiras-nao-rompe

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Dossiê Tatiana dos Santos Araújo 96 Palabras clave: clave: Palabras negociación quepuedanseñalarnuevos caminos. rígida como laPolicía Militar, esposibleencontrar espaciosde intentando percibir quéinclusodentro deunainstitucióntan el porvenir de la policial dentro de la institución policial, hacia miramos fin, Por pasa. femenina policial la cual la por entender cómo ocurren lasdesigualdadesydiferenciaciones Posteriormente, iniciamosladiscusión sobre género para traer lainstituciónunaaparienciamáshumanaydemocrática. podría que aquélla mujer la de figura la visualizaseen Militar mayor escolaridad ycapacitación, haciendocon quelaPolicía mujer en el mercado de trabajo se expandía, debido a que su de ladictadura militar. Concomitantemente, lapresencia de la necesidad quelaPolicía Militar tenía dedesvincular suimagen A través deunaaveriguación histórica, fueposibleentender la históricas. las coyunturas y de país cada de específicas femenina en las fuerzas militares, respetadas las condiciones servirían como basepara laaprobación delaparticipación policía brasileña. Esosestudiosconstatan varios factores que la de militar perfil el visto Armadas, Fuerzas las en mismas tomamos como parámetro estudios sobre lainserción delas Para entender laentrada de lasmujeres enlapolicíamilitar, Mujeres en uniformes policiales militares en Rio de Janeiro Resumen Tatiana dosSantos Araújo no RiodeJaneiro Mulheres emfardas policiaismilitares Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, Revoluciones Moleculares. Mujeres. Género. Policía Militar. Devir. Molecular Revolutions. paths ahead. there room isstill for negotiation whichcan indicate new show thateven inaninstitution asrigidtheMilitary Police, to bid a in examined is institution police the within officers police of future Lastly, the emerge. officers women by faced ensues to better understand how inequalitiesanddifferences and democratic image.Subsequently, a discussion ongender women thatcould provide theinstitutionwithamore human enablingtheMilitary Policeand training, to seequalitiesof women in the workplace grew, due to their greater education the military dictatorship. Concomitantly, thepresence of the needfor theMilitary Police to distance theirimagefrom the historical backgrounds. The historical investigation revealed and country each of conditions specific the recognizing while the approval of women´s involvement inthearmedforces, These studiesreveal anumberof different factors underlying Armed Forces, given the military profile of the Brazilian police. police, we draw onstudiesaboutwomen thathave joinedthe In order to understand theenrolment of women inthemilitary Women inmilitarypolice uniforms inRiodeJaneiro Keywords: Abstract Women. Gender. . Transformation. Data derecebimento: Data deaprovação:

13/02/2017 15/04/2016 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública Fev/Mar 11, 2017 n.1, 74-96, 97

Mulheres em fardas policiais militares no Rio de Janeiro Tatiana dos Santos Araújo Dossiê Por um resgate da trajetória feminista Entrevista

Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato

Maria da Penha Biofarmacêutica que dá o nome à Lei nº 11.340, sancionada no dia 07 de agosto de 2006. A lei Maria da Penha aumenta o rigor das punições às agressões contra a mulher, quando ocorridas no ambiente doméstico ou familiar e engloba, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral. Em 1983, Maria da Penha sofreu duas tentativas de assassinato por parte de seu marido, na primeira recebeu um tiro nas costas que a deixou paraplégica. Foram dezenove anos até que seu agressor fosse condenado a oito anos de prisão, entretanto, ele ficou preso por apenas dois anos e, por meio de recursos jurídicos, foi solto em 2004. Em 1998, o caso foi levado à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Em 2001, a CIDH condenou o Brasil por negligên- cia e omissão em relação a esse tipo de violência e recomendou que fosse criada uma legislação adequada. Atualmente, Maria Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, da Penha é coordenadora de estudos da Associação de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no Ceará. Por um resgate da trajetória feminista da trajetória um resgate Por

Wânia Pasinato Doutora e mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP. Consultora em pesquisas aplicadas sobre gênero, violên- cia, justiça criminal e políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Foi coordenadora de acesso à justiça no Escritório da ONU Mulheres Brasil.

98 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 Entrevista Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, convite do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em A setembro de 2016 entrevistei Maria da Penha Maia feminista da trajetória um resgate Por Fernandes, durante o 10º Encontro do Fórum Brasileiro de Se- gurança Pública, que pela primeira vez dedicou-se ao tema da violência contra as mulheres e aos 10 anos da Lei Maria da Pe- nha e reuniu especialistas, pesquisadores e policiais para refletir sobre a temática.

O ano de 2016 foi de comemorações, mas também de muitas pre- ocupações para quem trabalha com o enfrentamento da violência contra as mulheres. As mudanças na Secretaria de Políticas para as Mulheres, com perda de status e autonomia política e financeira, somaram-se às incertezas quanto ao cenário político na defesa dos direitos humanos de modo geral, e os das mulheres, especifica- mente. O crescente movimento conservador com expressiva ação no Congresso Nacional contra as políticas de gênero e ameaças de alteração na Lei Maria da Penha. A sensação de aumento da vio- lência contra as mulheres retratada em pesquisas de opinião que visibilizam o problema, sem ajudar a encontrar os caminhos para sua mitigação. Foi nesse cenário que conversei com Maria da Pe- nha sobre os desafios e obstáculos para a implementação da Lei.

Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 99 Entre os temas abordados, Maria da Penha expressou preocupação com a abordagem holística sobre a violência contra as mulheres que devem integrar as medidas de proteção às mulheres e de pre- Resgatar essa venção para que sejam aplicadas conjuntamente com as medidas história e tornar

Entrevista de responsabilização para autores da violência. Sobre a prevenção, ativo o consórcio de Maria da Penha lembra que o papel da educação formal desde os organizações não níveis básicos de escolarização como forma de promover mudan- governamentais ças sociais substantivas, um tema delicado em tempos de Escola que elaborou o sem Partido e batalhas contra a “ideologia de gênero”. anteprojeto da lei, reconhecendo seu Por fim, um terceiro tema que Maria da Penha abordou durante a protagonismo e entrevista foi a importância de recuperar e preservar a história de importante papel lutas que resultaram na aprovação da Lei Maria da Penha e o papel ‘‘como porta-voz do movimento decisivo do movimento feminista para que essa lei existisse. Reco- feminista e de nhecida como marco para as políticas de enfrentamento à violên- mulheres no cia doméstica e familiar contra as mulheres, a Lei hoje encontra- Brasil, constituem -se refém de disputas políticas entre setores do sistema de justiça estratégias Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, criminal e o Legislativo. Em julho de 2016 foram identificados fundamentais mais de 100 projetos de lei no Congresso Nacional que poderiam para que a Lei Por um resgate da trajetória feminista da trajetória um resgate Por modificar a Lei Maria da Penha. Não se questiona a possibilidade Maria da Penha de revisões da Lei para seu aprimoramento, mas sim, e com preo- seja preservada, cupação, a possibilidade de essas mudanças ocorrerem a partir de respeitada e possa projetos de lei isolados, que atendam a interesses diversos e sem ser implementada a compreensão adequada sobre a Lei Maria da Penha. Ainda que da forma integral. algumas propostas possam ser interessantes, se aprovadas isolada- mente podem descaracterizar a Lei e os fins sociais a que ela se destina. A fragilização da Secretaria de Políticas para as Mulheres tornou o cenário ainda mais preocupante. Resgatar essa história e tornar ativo o consórcio de organizações não governamentais que elaborou o anteprojeto da lei, reconhecendo seu protagonismo e importante papel como porta-voz do movimento feminista e de mulheres no Brasil, constituem estratégias fundamentais para que a Lei Maria da Penha seja preservada, respeitada e possa ser imple- mentada da forma integral. Maria da Penha é parte dessa história. Uma mulher que transformou sua tragédia pessoal em luta por políticas públicas, demonstra a cada dia que o lugar de vítima não corresponde aos seus anseios por uma vida sem violência para to- das as mulheres. Entrevistá-la foi um privilégio, mas foi sobretudo um exercício de escuta e aprendizado.

100 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 Wânia Pasinato: Dez anos depois da criação da Lei Maria da Pe- nha, qual é a principal mudança que você percebeu? Quais foram os avanços, na sua opinião?

Maria da Penha Maia Fernandes: Eu fico contente com o resul- Entrevista tado de pesquisas que dizem que 98% da população brasileira tem o conhecimento da existência da Lei [Maria da Penha], que veio para cuidar das mulheres, proteger as mulheres e punir o homem agressor. Ao mesmo tempo, eu sinto a falta de compromisso de muitos gestores públicos que, no seu município, não conseguem, não se interessam em criar políticas públicas que possam atender a mulher vítima de violência doméstica. Porque, por exemplo… Eu considero, como uma das mais importantes políticas públicas, na aplicação da Lei, o Centro de Referência da Mulher. Principalmente para os pequenos e médios municípios começarem a trabalhar com essa perspectiva, da existência de um centro de referência, para que as mulheres do município saibam onde se informar sobre os seus

direitos, tirar dúvidas com a equipe psicossocial, pedagógica, que por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, existe nessas instituições, para que quando ela tomar a decisão, em

cada caso, especificamente, essa mulher possa se inteirar de que ela feminista da trajetória um resgate Por pode sim sair de uma situação de violência, desde que ela busque sair, e procure orientação segura através desses equipamentos.

WP: Você acha que o Centro de Referência é um espaço de empode- ramento, de fortalecimento das mulheres, na sua decisão de sair da situação de violência?

MP: Isso.

WP: Esse equipamento contribui, então, pra mulher caminhar com a ação judicial?

Eu considero, MP: Isso. Lá ela seria orientada… A partir da exposição dela, ela seria como uma das orientada sobre como conseguir resolver a situação que ela quer resolver. mais importantes políticas públicas, na WP: E isso é importante porque muito ainda se diz da mulher que faz aplicação da Lei, o o registro da ocorrência e depois volta lá pra tirar. É necessário, então, Centro de Referência melhorar esse apoio, né? O Centro de Referência representa uma estru- da Mulher. tura de apoio para mulher? ‘‘ Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 101 MP: Isso. Porque a partir da consolidação dessa política públi- ca, os próprios municípios se articulam. A criação de uma Casa Abrigo pra mulher num determinado município, vamos dizer, é importante, mas não pra atender mulheres daquele município.

Entrevista Porque num município pequeno, todo mundo sabe. Onde aquela mulher poderá ser protegida? Mas que pode haver a articulação entre os municípios, pra que a mulher de um determinado lugar possa ser acolhida pela Casa Abrigo de outro município, pra onde só a equipe de atendimento tem conhecimento.

WP: Como você entende essa desconfiança em relação à legitimidade e efetividade da Lei Maria da Penha e as propostas pra sua reforma?

MP: Entendo que seja realmente muito complexo que cada pes- soa, da sua perspectiva pessoal, ache que a Lei tem que ser modifi- cada, quando, na realidade, ela foi elaborada com base em tratados A mulher não está internacionais assinados e ratificados pelo Brasil, devido à nossa sendo assistida pelo

Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, denúncia ao Cejil [Centro pela Justiça e o Direito Internacional], poder público. expondo a negligência do Poder Judiciário em relação à punição

Por um resgate da trajetória feminista da trajetória um resgate Por dos agressores de mulheres.

WP: Você mencionou, em algum momento do 10º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que a Lei não vem punindo os agres- sores. Isso tem levado a um questionamento sobre a efetividade da Lei?

MP: Eu acho que falta mais articulação entre as partes envolvidas ‘‘ na aplicação da Lei. Existe um interesse muito grande de alguns municípios em aplicar a lei, mas ainda é necessário uma… como se diz… que haja mais aproximação entre todas as pessoas envolvidas para conseguirem detectar as atitudes hesitantes na aplicação da Lei. Porque a gente tem conhecimento também de que, quando chega a vir uma mulher vítima de violência num final de semana, não tem uma delegacia pra acolhê-la, tomar as providências em relação ao caso dela. Além disso, existem delegacias que funcionam meio pe- ríodo, é inadmissível. A maioria das delegacias, mesmo nas grandes cidades, as capitais, funciona apenas até as 17h. A mulher não está sendo assistida pelo poder público. E a gente precisa que o poder público e as entidades envolvidas sejam, também, capacitadas. Por- que, no momento em que a delegacia da mulher, por algum motivo,

102 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 não está funcionando, essa mulher não é atendida, na maioria dos casos, numa delegacia comum, já que o delegado entende que ele não pode fazer o atendimento, quando a gente sabe que ele tem que estar capacitado pra atender a mulher que chega na sua delegacia. E

a gente sabe que isso não está acontecendo. Entrevista

WP: Você foi muito categórica em dizer “não mexam na Lei Maria da Penha”. Você acredita que não se trata, nesse momento, de fazer al- terações na Lei, mas de se trabalhar melhor com a sua implementação, garantir a sua implementação?

MP: Isso, garantir a finalidade para qual ela foi criada, capacitando todos os envolvidos na aplicação da Lei. Que haja esse compromis- so de todas as pessoas envolvidas.

WP: Como avançar na implementação da Lei Maria da Penha? Esse seria um caminho de avanço também, não? Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, MP: Eu acredito que dentro dessa problemática que se criou so- bre haver mudanças na Lei – já existem mais de 100 projetos de feminista da trajetória um resgate Por lei para modificá-la – cada um querendo mexer de uma maneira que não está em harmonia com toda a estrutura de criação da lei. Então, não é possível atender a essa demanda. Primeiramente, é necessário trabalhar a finalidade da Lei, a estrutura pra que a Lei funcione, que é uma estrutura realmente complexa, mas impor- tante. Que a gente esgote tudo o que foi colocado, pra ela funcio- nar. Porque fica uma história de achismo, de forma individual. Por exemplo, em toda cidade que eu vou, eu escuto reclamação em relação ao atendimento de mulheres. Então, cada um achou por bem resolver o problema. E falta de conhecimento da minha parte, de não ter participado de encontros na época em que a lei foi criada; eu também não tinha conhecimento disso e agora eu tenho. Então, eu acho que é preciso sim trabalhar essa questão, trazendo todas as pessoas envolvidas, quem criou e quem quer modificar a Lei. Que eles entendam que essa modificação não pode ser feita a critério de cada um, ela tem que seguir normas, atendendo, inclusive, às recomendações internacionais, que fo- ram a base legislativa aqui, os tratados internacionais que o Brasil tinha assinado.

Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 103 WP: Como foi para você e para o Instituto Maria da Penha a forma- ção de um consórcio ampliado para a participação mais organizada no debate sobre a Lei? Qual a sua expectativa? Como vamos trabalhar para avançar com esse trabalho agora?

Entrevista [...] se chegar o MP: Eu acho que esse encontro foi fundamental pra eu saber que a momento de ela Lei não pode ser modificada agora. Que, se chegar o momento de ela ser modificada, tem ser modificada, tem que ser através do consórcio que criou a Lei. As- que ser através do sim, já se passaram dez anos e a gente sempre escuta dizer, não só em consórcio que relação à Lei, mas em outros debates, sempre se coloca a importância criou a Lei. da educação pra se mudar uma cultura. Que só se muda uma cultura através da educação. E o que a gente diz? Ainda ontem eu disse isso, se o homem foi criado numa família onde existia violência doméstica e aquilo era normal, se ele via o seu pai batendo na sua irmã, seu avô batendo na sua avó, e isso era normal na vivência dessa família, então ‘‘ ele foi educado dessa maneira, ele está reproduzindo a educação que ele teve. E a OEA [Organização dos Estados Americanos] foi sábia em

Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, colocar investimento em educação, desde o nível fundamental até o universitário. Porque a criança começa a aprender na escola o respeito

Por um resgate da trajetória feminista da trajetória um resgate Por ao outro, o respeito à mulher. E a gente tem observado que ainda não houve, de maneira abrangente, interesse do poder público em investir nisso. Pode ter até um investimento aqui, outro acolá, mas acho que isso é uma coisa em que o país tem que investir.

WP: A menção à OEA refere-se à decisão do seu caso?

MP: Exatamente, que solicitou as mudanças legislativas no país pra evitar negligência do Poder Judiciário. Aliás, de todas as instâncias da sociedade, que trabalham com essa ideia machista de que a mu- lher tem que ser punida. E, nesse caso, a recomendação foi fazer uma mudança legislativa, mas entre essas mudanças, tem a história da educação. Que todos os livros de ensino participassem da des- construção da cultura machista, através da educação, nos níveis fundamental, médio e superior. Porque, como a cultura machista é inerente a toda a sociedade, muitos juízes são machistas, foram cria- dos nessa cultura, né? Então que tenham discernimento de pôr um basta no seu discernimento pessoal pra aplicar a lei. Ele aplica a lei de acordo com seu entendimento pessoal, e isso está errado, então a gente tem que desconstruir isso através da educação mesmo.

104 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 WP: Mesmo com dez anos de Lei Maria da Penha, mesmo que há pelo menos dez anos ou muito antes, a gente já fale sobre violência con- tra a mulher e que se invista nessa formação, nessa capacitação, depois da Lei Maria da Penha, isso se tornou muito mais presente, inclusive

na vida dessas instituições, com as associações de juízes e promotores Entrevista que se formaram. Ainda assim, promovendo toda essa qualificação e conhecimento sobre a Lei, o machismo ainda está arraigado nessas instituições e ainda se expressa no atendimento às mulheres.

MP: Exatamente.

WP: E pensando no contexto que vivemos hoje no país, que se proble- matiza tanto que não se pode falar em gênero, que isso vai destruir a sociedade, como é que nós ficamos? Como falar de Lei Maria da Penha e de violência familiar, enquanto alguns grupos defendem que não se pode falar de gênero nas escolas? Qual é o nosso caminho?

MP: É insistir no que nós achamos que é realmente certo. Até por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, porque nós vamos atender a uma determinação internacional, né?

Então a gente não pode regredir. Nós, mulheres, nas instituições feminista da trajetória um resgate Por que trabalham a questão da mulher, nós temos que insistir nisso. Porque as leis podem mudar, então quem sabe daqui a dois anos a gente consiga mudar esse quadro triste de não avanço.

WP: O Instituto Maria da Penha tem um projeto que trabalha com educação, com a formação das defensoras e dos defensores. Como ele funciona?

MP: Baseado nesse entendimento de que a educação é importan- tíssima na construção de qualquer campanha, o Instituto Maria Que todos os livros de da Penha tem investido, tem feito acordos de cooperação técni- ensino participassem da desconstrução ca com universidades – nós temos esse trabalho em Fortaleza –, da cultura machista, acordos com a UFC, a Unifor e a UECE, onde qualquer uma através da dessas universidades pode fazer um curso gratuito, quer dizer, os educação, nos níveis professores são voluntários e o Instituto organiza esse curso para fundamental, médio os universitários. Então, muitos universitários e, principalmen- e superior. te, aqueles que, no futuro, vão ser os operadores da Lei Maria da Penha, têm procurado esse curso pra se inteirar. E é exitosa essa conduta, não só em relação à universidade, mas também à

‘‘ Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 105 comunidade, onde as líderes comunitárias – e os líderes homens também – têm participado desses cursos exatamente pra se intei- rar e tirar suas dúvidas sobre a Lei Maria da Penha e sobre a cul- tura [do machismo] inserida em toda a sociedade. Isso tem sido

Entrevista muito exitoso, com a ajuda de algumas empresas que investem para a gente ter esse curso nas universidades, para a gente ter os professores, levar até lá e fazer esse trabalho.

WP: Você mencionou uma pesquisa que está sendo realizada com a universidade em nove capitais do Nordeste, sobre o custo social da violência contra a mulher. Você poderia falar um pouco mais sobre ela e sobre a relevância de pesquisas para o enfrentamento da violência contra mulheres e as políticas de prevenção?

MP: Essa pesquisa é importantíssima porque, diante do que a gente tem observado e colocado… Aqui acho melhor você falar, Conceição, porque você é quem tem acompanhado me-

Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, lhor essa formação…

Por um resgate da trajetória feminista da trajetória um resgate Por Conceição de Maria: Essa pesquisa está sendo realizada pela Uni- Coordenadora de versidade Federal do Ceará, o coordenador da pesquisa é o pro- projetos e produtos do Instituto Maria fessor José Raimundo de Carvalho, em parceria com o Instituto da Penha. Maria da Penha, e o financiamento é da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres e a gente também tem o apoio do Banco Mundial. Envolve nove capitais do Nordeste, com visita a 3 mil domicílios. É uma pesquisa longitudinal que acontece em duas ondas: a primeira onda, o campo, já aconteceu de março a julho de 2016, e agora em novembro a gente pretende lançar esses dados preliminares. A segunda onda vai acontecer nesse mesmo período, de março a julho de 2017, e a gente vai lançar um relatório final, fazendo, inclusive uma comparação do primeiro ano com o se- gundo ano, o que aconteceu nesses domicílios, se houve evolução de situação de violência, se houve quebra de ciclo, se não existia a violência e ela passou a acontecer e vários outros recortes, como a questão do empoderamento da mulher, o poder de barganha, a vitimização, o conhecimento da Lei Maria da Penha, dos equipa- mentos, a procura pelos equipamentos, tudo isso vai ser debatido. E a pesquisa aconteceu só com entrevistadoras mulheres, porque a gente acha que é um perfil apropriado pra fazer esse tipo de

106 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 pergunta, e o Instituto Maria da Penha fez uma capacitação, essas mulheres, todas universitárias ou já formadas, passaram por 40 horas-aula de capacitação, 24 horas-aula de formação em Direitos Humanos, violência doméstica e Lei Maria da Penha, especifica-

mente, pra se sensibilizar com a situação, com a causa, para ter Entrevista a capacidade de entrevistar essa mulher, já que muitas vezes elas vão ter que escutar relatos de violência nessas entrevistas. Então, pra gente é muito importante, porque a gente teve praticamente 300 universitárias ou estudantes com essa nossa capacitação, nas nove capitais do Nordeste. E também a gente pretende fazer um acompanhamento, ver o que a gente pode fazer pra aproveitar essa base de conhecimento, porque muitas dessas mulheres já relata- ram interesse em estudar mais os casos, em fazer seus trabalhos de conclusão de curso mais voltados para a violência de gênero, quem sabe até utilizando os dados dessa pesquisa. Para a gente, o principal dessa pesquisa vai ser como influenciar as políticas públi- cas, dar melhorias para as políticas públicas, para embasar todo o

movimento de mulheres que já trabalham com a causa e que pre- por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, cisam muito de dados estatísticos para trabalhar, especialmente no

Nordeste – porque essas pesquisas acontecem muito no Sudeste, feminista da trajetória um resgate Por em São Paulo, Rio e Sul, e também pra que possa ser uma base de dados aproveitável por essa geração da academia que está estudan- do, pra que esse assunto possa ser debatido dentro das universida- des, porque é de lá, também, que vai sair a melhoria.

WP: Já tem alguma articulação com os governos dos estados e dos municípios para que conheçam os dados?

CM: Sim, a gente está planejando fazer o lançamento dos dados em novembro e… Vai ser debatido em Fortaleza, a gente está propondo um seminário, um debate com o poder público, com as universidades e também enviar esse relatório a cada um desses estados, por onde a gente passou, para as universidades que nos receberam na formação, na capacitação, e para os gestores públicos desses locais. Você está convidada a participar.

WP: Obrigada! Maria da Penha, tem algum outro registro que você queira deixar como mensagem aos leitores da revista, pensando que são principalmente policiais, de todas as forças policiais, gestores públicos

Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 107 na área da segurança pública, pesquisadores, acadêmicos, pessoas que já trabalham com a violência contra a mulher, pessoas que estão se aproximando desse tema e outras, que não têm qualquer conhecimento sobre o tema? Entrevista MP: Eu queria apenas agradecer essa oportunidade, foi um evento realmente muito grande, em que a gente viu também o interesse de saber sobre a lei, pelo número de pessoas no auditório, foi re- almente muito cheio. E que a gente consiga, através desse evento, despertar a sensibilidade daqueles que não são sensíveis e que eles passem a entender a importância de a gente trabalhar a implemen- tação da Lei Maria da Penha, porque, como eu falei, as filhas deles, as irmãs deles podem ser também vítimas da violência doméstica. E que eles mesmos possam entender a importância que tem nós conseguirmos efetivar essa Lei e proteger as mulheres. Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, Por um resgate da trajetória feminista da trajetória um resgate Por

108 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 Entrevista Maria da Penha, entrevistada por Wânia Pasinato entrevistada Maria da Penha, Por um resgate da trajetória feminista da trajetória um resgate Por

Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 98-108, Fev/Mar 2017 109 Nova ferramenta de entrevista investigativa na coleta de Artigo testemunhos: a versão brasileira da Self-Administered Interview©

110 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein da Self-Administered Interview© testemunhos: aversão brasileira investigativa nacoleta de Nova ferramenta deentrevista de Toronto. Graduada emPsicologia pelaUniversidade Federal doRioGrande doSul-UFRGS. CRS. Doutora emPsicologia Cognitiva pelaUniversidade doArizona. Mestre emPsicologia Cognitiva Aplicada pelaUniversidade Professora titulardoPrograma dePós-Graduação emPsicologia daPontifícia Universidade Católica doRioGrande doSul-PU Lilian MilnitskyStein Especialista emTerapia Cognitivo-Comportamental. Graduado emPsicologia pelaPUCRS. Doutor emPsicologia eMestre emCognição HumanapelaPontifícia Universidade Católica doRioGrande doSul-PUCRS. Luciano Haussen Pinto Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 Entrevista investigativa. Testemunha. Polícia. Psicologia dotestemunho. Self-Administered Interview©. Palavras-Chave praticamente equivalente àoriginal,sugerindoserumaferramenta viável deserutilizada nocontexto brasileiro. ção, adaptação eteste daversão brasileira Osresultados daSAI©. indicaram queaversão brasileira obteve resultados em maiorquantidade eacurácia, alémdeproteger contra sugestionamentos. Opresente estudobuscou realizar atradu- aplicada assim queapolíciacheganolocal. Este material tem revelado resultados positivos nosentido degerar relatos Unido, aSelf-Administered Interview umprotocolo (SAI©), porescrito de entrevista investigativa Reino auto-aplicável para ser no desenvolvida, foi anos poucos Há crime/acidente. o decorrido logo tão informações colhendo é fidedignos que devido à falibilidade da memória humana, o testemunho pode não ser confiável. A melhor maneira de obter relatos Testemunhas desempenhampapelfundamental noâmbito policialejurídico. No entanto, diversos estudosdemonstram Resumo [email protected] [email protected] N tar arealidade. Uma dasáreas, especificamen- humano derepresentar mentalmenteerela- psicológicas queafetama capacidade doser cessidade em conhecer mais sobre as variáveis jurídicos, crescentemente, têmpercebido ane- cada vez mais,recorrido àPsicologia. Os atores para atingiregarantirajustiça,oDireito tem, de seembasarnaverdadeira realidade dosfatos almente aconteceu.Provavelmente, pelodever veracidade dosfatos,evidenciarem o que re- se valem osenvolvidos paracomprovarem a Jr. e Di Gesu (2007), a prova é o meio de que 2011).De acordoLNE; CLARK, comLopes prova noprocesso judicial(PRESCOTT; MI- como para osinvestigadores epodemservir Estas informaçõesfornecemaspistascentrais de elucidarocasoprovêm desuasmemórias. mental, umavez queasinformaçõescapazes as testemunhasdesempenhampapelfunda- tigação, comocrimeseacidentes, as situaçõesquedemandaminves - Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 pois deumincidente estãosujeitasaefeitos questão (SKAGERBERG; WRIGHT, 2008). memória dastestemunhassobre oevento em problemáticas, poisafetam,inevitavelmente, a versas informaçõesnesseínterim,sãoquestões até odepoimento,bemcomoaexposiçãodi- A quantidadedetempotranscorridodoevento sentido, háuminimigoimplacável: otempo. e ajudarem a prevenir erros judiciais. Nesse veis paratornarem-se, defato,provas válidas munhas sejamtãocompletasquantoconfiá- pesquisada sistematicamenteháquase40anos. mas que em muitos outros países já vem sendo no Brasil aindaépoucoestudadaediscutida, denomina-se Psicologia do Testemunho, que te, da aproximação entre Direito e Psicologia Oitivas realizadas considerável tempode- queasdeclaraçõesdasteste- É importante 111

Nova ferramenta de entrevista investigativa na coleta de testemunhos: a versão brasileira da Self-Administered Interview© Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein Artigo Nova ferramenta de entrevista investigativa na coleta de Artigo testemunhos: a versão brasileira da Self-Administered Interview©

112 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein lidade de que as informações lembradas sejam lidade deque as informaçõeslembradassejam LEY; FISHER,1995)eaumenta-se aprobabi- tidade deinformaçõesesquecidas (McCAU- logo acontecido o incidente, diminui-se a quan- da situação. Quando orelato éfornecido tão de informações temporalmente mais próximo combatidas pormeiosquepossibilitemacoleta demora em entrevistar testemunhas podem ser informações incorretas aolongodadiscussão. um crimesimuladoassistidoemvídeorecordou impressõesque discutiuecompartilhou sobre uma parcela significativa (71%) de testemunhas Memonbert, eAllan(2003)constataramque KEMP; FORGAS, 2009).Por exemplo, Gab- TUS; MILLER;BURNS, 1978;PATERSON; forma sugestiva sobre atestemunha(LOF- fontes podemagirdireta ouindiretamente de des sociaisemesmooutrastestemunhas.Estas de várias fontesexternas,comoamídia, as re- sujeita adistorções causadaspelainfluência crime, amemóriadatestemunhatambémestá RIAT etal.,2003). leta deinformaçõescomatestemunha(KO- podem serperdidos casonãohajaarápidaco- memória. Sendo assim,detalhesimportantes ções, seguidasporumarelativa estabilizaçãoda que, inicialmente,ocorrem perdas deinforma- ilustrado pela“curva deesquecimento”, refere te comopassardotempo. Estefenômeno, damemóriasedeteriorarapidamen- que parte Ebbinghaus (1913) foioprimeiro amostrar devido aonaturalprocesso deesquecimento. me eprestar odepoimentopodeserdanoso Um longoentre testemunharumcri- intervalo que ameaçamacredibilidade dastestemunhas. Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 As consequênciasnegativas provenientes da Afora oesquecimento,apóspresenciar um ao uso prático da técnica por policiais em vários ao usoprático da técnicaporpoliciaisemvários tiva (EC).Cerca de30anospesquisa,somados Fisher eGeiselman (1992),éaEntrevista Cogni- obter relatos confiáveis edetalhados,elaborado por longo prazo (GABBERT etal.,2015). detalhes corretos equeosfixem namemóriade dade tendeafacilitarquetestemunhasrecordem uma entrevista investigativa inicialdeboaquali- memória (LOFTUS, 2005).Em contrapartida, a probabilidade dedistorções efalsificaçõesna uma vez queentrevistas inadequadasaumentam até serpiores doquesenãohouvesse entrevista, seja adequado. Pelo contrário,osefeitospodem rimidos caso o método da primeira entrevista não dos àdemoraemouviratestemunhanãosãodi- ções subsequentes.Ou seja,osproblemas associa- de recordação tendemaserrepetidas emrecorda- ções incorretas eliciadasemumatentativa inicial CH, 2009).ConformePickel (2004),informa- ção posteriores (CHAN; THOMAS; BULEVI- jáqueimpactanas tentativas derecordacrucial, - da entrevista investigativa inicialéumavariável testes dememória. trevistas investigativas atuemcomoverdadeiros bito dotestemunho,épossível inferirqueasen- 2011; ROEDIGER; BUTLER, 2011).No âm- conteúdo codificado(KARPICKE; BLUNT, tos positivos paraaretenção alongoprazo do de ummaterialouevento tendeaproduzir efei- lização detestesmemóriaapósacodificação KARPICKE, 2006). Segundo este efeito, a rea- gem chama-seefeitodetestagem(ROEDIGER; ao quenaliteraturasobre memóriaeaprendiza- DERMOTT; ROEDIGER, 2006).Isso sedeve novamente recordadas nofuturo (CHAN;Mc- Um métodocientificamenteconsolidado para Contudo, háindicativos dequeaqualidade acidente. ASelf-Administered ser empregado logoapósdecorrido umcrimeou cedimento deentrevista investigativa passível de no Unido, hápoucomaisdecinco anos,umpro- percussão namemória,foidesenvolvido noRei- 2015; BRASIL,2015). mo meses(PATERSON; EIJKEMANS;KEMP, adequadas podelevar dias,semanasouatémes- vista aprofundada, completa e nas circunstâncias crime. Achancedeumpolicialrealizar umaentre- entrevistas iniciaiscomastestemunhasnacenado oficiais a realizarem, deformaimprovisada, breves teriais efinanceiros) obrigam,muitas vezes, os limitações detempoerecursos (técnicos,ma- vestigativas eficazes. Na práticapolicialcotidiana, problema sério paraarealização deentrevistas in- por exemplo, concorda queafaltadetempoéum tram que a maioria dospoliciais no Reino Unido, munhas. Kebbell, Milne e Wagstaff (1999)mos- incidente comuma,quantomaisvárias teste- para seconduzirumaECcompletalogoapósum que consome.Em geral,nãohátemposuficiente daECé aquantidadedetempo gem importante McCAULEY, 2002).No entanto,umadesvanta- suscetibilidade afalhas(FISHER;BRENNAN; principalmente, sobre amemóriahumanaesua os conhecimentossobre percepção, linguageme, logia Cognitiva, a EC está em consonância com cação e relações humanas. Já em relação à Psico- a técnicaintegraeutilizateoriassobre comuni- Cognitiva. No que concerne à Psicologia Social, tos advindosdaPsicologia Social edaPsicologia FRASER, 2010).AECsebaseiaemconhecimen- um simplesrelato livre (MEMON;MEISSNER; trevistas padrãodamaioriadaspolíciasoudoque maior quantidadeecommaisacuráciadoqueen- países, apontamqueaECeliciainformaçõesem Para enfrentar oproblema dotempoesuare- (SAI©, Interview (SAI©, Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 criação mental docontexto. Os autores também que sebeneficiaramdatécnica padrãodare tãoeficazquantoaquelas obtêm performance dação, umesquemadetalhado doqueviram que desenham,duranteo processo derecor- Dando etal.(2009)revelam quetestemunhas e a localização de pessoas, objetos e o cenário). espaço paradesenhar(indicandomovimentos tar descriçõesdecaracterísticasfísicas)eum dois diagramasdafigurahumana(parafacili- escrito. Dois acréscimos em relação à EC são: de serautoaplicável eterorelato fornecidopor STEIN, 2015;SMITH,1994). presentes noprocesso mnemônico(PINTO; aspectos doevento devidoàrede deassociações mento ajudariaaativar arecordação deoutros de acessoàsmemórias,ealembrançaumfrag- codificação doevento. Assim,haveria várias vias aos contextosfísicoepsicológicodomomentoda mentos conectados uns aos outros e associados um evento sãocompostasporumasériedefrag- 1967). Tais teoriaspostulamqueasmemóriasde 1973), e(b)teoriadostraços múltiplos(BOWER, (TULVING;cidade de codificação THOMSON, fundamentam estastécnicas:(a)teoriadaespecifi- sólidos princípiosteóricosdamemóriahumana to (HOPE; GABBERT; FISHER,2011).Dois rotas deacessoàsmemóriasummesmoeven- do contexto,orelato livre easmúltiplasvariadas vorecem a memória, tais como a MAN, 1992), adota as mesmas técnicas que fa- mente nosprincípiosdaEC(FISHER;GEISEL- tes daentrevista- oficial.ASAI©inspira-seforte se colherumrelato detalhadodatestemunha,an- ainda nolocaldoincidente(oulogoapós)para de entrevista investigativa passível deserutilizada GABBERT; HOPE; FISHER,2009)éumtipo Entre os diferenciais daSAI©,estãoofato recriação mental - 113

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114 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein et al.,2011). Um destes estudosbuscousaber relato livre (GABBERT etal.,2012;HOPE acuradas dastestemunhasdo queumsimples um métodocapazdeeliciar maisinformações mente, aindanãoreportadas. registrar quaisquerinformaçõesextras,eventual- visuais). A última seção pede à testemunha para tes (i.e.,duraçãodocrime,eventuais obstáculos seção F, indaga-sesobre outrascondiçõesrelevan - bre eventuais veículos eobjetosenvolvidos. Na testemunhas). AseçãoEsolicitainformaçõesso- não diretamente envolvidas nacena(i.e.,outras quaisquer outraspessoaspresentes, mesmoque seção D,solicita-sequeatestemunhadescreva ção eordenamento doselementospresentes. Na referentes àdireção dosmovimentos, organiza- no papeloesquemadacena,incluindodetalhes testemunha desenhe ou represente graficamente a gramas dafigurahumana.AseçãoC requer que apontar informaçõese/oudesenharemdoisdia- cabelo, roupas, etnia,etc.),tambémépossível da aparência do suspeito (i.e., fisionomia, altura, Na seçãoB,ofocoéadescriçãopormenorizada da Desta primeira seção,aindaconstamastécnicas devem ser as estritamente instruções seguidas. lo, comoproceder parautilizá-loeressalta que sobre(seção A)forneceasinstruções oprotoco- autoguiada eautoexplicativa. Aprimeiraseção os traçosmnemônicosdocrimeouacidente. nibiliza àtestemunhamaisformasdeacessar da figurahumanaeodesenho,aSAI©dispo- Sendoparticipantes. assim, com os diagramas menos informaçõesincorretas lembradaspelos identificam queosdesenhosproporcionam Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 recriação mentaldocontextoerelato livre. Os estudos testando a SAI© mostram ser Os estudos testando a SAI© mostram ser A SAI©écompostaporseteseções,sendo muito impessoal deentrevista paracasos tão xuais oumuitoviolentos,já queéummeio parece apropriada para vítimas de crimes se- culdades delinguagem.Ademais, aSAI©não para pessoasnãoalfabetizadas oucomdifi- da escrita,fatorquesetornaumimpeditivo BERT etal.,2009).Uma delaséanecessidade (GAB - nhecem limitações do instrumento al., 2015;MARASet2014). GABBERT, 2011;HOPE etal.,2011;KRIX uma de suasferramentas de trabalho (HOPE; Greater Manchester Police adota a SAI© como aplicabilidade àvidaprática–porexemplo, a decasos reaispesquisas apartir demonstramsua sugestivas de fontesexternaspós-evento; e(d) resistência à influência negativa de informações naturalmente seiniciaapósofato;(c)melhoraa a EC;(b)protege contraoesquecimentoque do queumrelato livre, enomesmograuque que aSAI©:(a)eliciamaisinformaçõescorretas perguntas sugestivas (GABBERT etal.,2012). menos suscetíveis ainformaçõeserrôneas ea evento são, posteriormente,significativamente metidas àSAI©depoisdetestemunharem um posterior. Em outro estudo,testemunhas sub- a acuráciadasinformaçõestrazidasnumaEC verifica queaSAI©aumentasignificativamente do queaquelesnãoapreenche. Também se mações umasemanae,também,ummêsdepois após testemunharoevento recorda maisinfor- quecompletaaSAI©prontamente que ogrupo também, após um mês. Os resultados indicam de recordação livre depoisdeumasemanae, um evento, melhoraalembrançanumatarefa se ousodaSAI©,logoapóstestemunhode De todomodo,osautores daSAI©reco- Em suma, osprincipaisresultados indicam Na realidade depaísesemdesenvolvimento, tempo (HOPE; GABBERT; FISHER,2011). trevistador e,emgeral,érespondida emmenos pendido, enquantoaSAI© não requer umen- um entrevistador econsiderável tempodes- mente, naEC,paracadatestemunhaépreciso em treinamento de entrevistadores. Adicional- não demandainvestimento altoecontinuado é sermaiseconômicadoqueaEC,visto da, talcomoaEC,porexemplo. temunha, umaentrevista investigativa adequa- após oincidente,sejarealizada, comcadates- de recursos dapolícianãopermitemque,logo to espaçodetempo. Sabe-se queaslimitações possibilita maispessoasdeporem emumcur- diversas testemunhas, autilizaçãodaSAI© siderando que,muitasvezes, umcasopossui contaminação damemória.Alémdisso,con- mizando os problemas de esquecimento e de um depoimentoinicialdequalidade,mini- da nemsaibamescrever. xas, comalfabetizaçãomaisrecente ouqueain- acriançascomidadesmaisbai- instrumento maior obstáculorelaciona-se àaplicaçãodo GRANHAG, 2012).Porém, acredita-se queo do material(HJELMSÄTER; STRÖMWALL; (11 a12anos)replica osresultados positivos estudo testandocriançasumpoucomaiores indicada paracrianças.Apesar disso,umúnico pessoal, aSAI©nãoétambém,princípio, gem escritaenãocontarcomarelação inter- por exigir a autonomiaedestreza dalingua- ao seouvir o relato davítima/testemunha. E, -se oferecer odevidoapoiosocialeemocional graves. Em situaçõestraumáticas, recomenda- Um dos aspectos mais vantajosos da SAI© égarantir A finalidadedaSAI©,portanto, Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 adaptação eteste daversão brasileira daSAI©. foi objetivo deste trabalho realizar a tradução, em paísesdesenvolvimento. Nesse sentido, tigativa, financeiramenteviáveis, especialmente e técnicas de entrevistavos instrumentos inves- “havia umcomparsacomele,nãohavia?”). “ele era branco ou negro?”) e sugestivas (i.e., a tendênciadeutilizarperguntasfechadas(i.e., Uma entre asvárias consequênciasnegativas é de colegas mais experientes. e na observação baseiam-se naintuição,práticadodiaa tífica, como aEC,porexemplo. Sendo assim, cas de entrevista investigativa com base cien- te nenhum,treinamento específicoemtécni- policiais brasileiros têmpouco,oupraticamen - munha (BRASIL,2015). primeiras informaçõesrecolhidas comateste- formal via áudio, vídeo ou por escrito destas da viaturapolicial.Não costumahaver registro prio local, em algum lugar próximo ou dentro munha, geralmente,érápidaeocorre nopró- acidente, ainteraçãoentre opolicialeateste- ções com as testemunhas. Após um crime ou ou métodoespecíficoparaacoletadeinforma- militar ecivilnãopossuemprotocolos formais caso (BRASIL,2015).No entanto,aspolícias ção édeterminanteparaodesfechojurídicodo como é conduzida a fase inicial da investiga- delegados depolíciaconcordam queamaneira trabalho policial. que pode ser uma ferramenta útil à rotina do mnemônicos daSAI©,sugere ahipótesede este fatoreconômico,agregado aosbenefícios Sendo assim,parece haver necessidade deno- De acordo comStein, Ávila eBenia (2015), No Brasil, juízes, advogados, promotores e 115

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116 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 Mé emfoco.o construto ticas, culturais,contextuaisecientíficassobre equilibrado considerandoas questões linguís- tradução adequadarequer umtratamento idioma-alvo (HAMBLETON, 2005).Uma pelo menos, não coerentes com a fluência do vezes resultam frases incompreensíveis ou, da seevitaratraduçãoliteral,porque muitas depesquisarecomendução deinstrumentos - Entretanto, aliteraturacientíficasobre tra- matização nempropriedades psicométricas. se deva aofatodeserummaterialsemnor- pecífico detraduçãoeadaptação. Talvez isso (BOON, 2012),porém, semumprocesso es- ticiparam daetapa detraduçãoeadaptação da aqueles combackground em EC (Figura 1).Par considerados “especialistas”, nopresente estudo, por especialistas,etestedaversão final. Foram ensão pornãoespecialistas,revisão enova síntese versa, sínteseporespecialistas,análisedecompre- BEATON, 1993):traduçãoinicial,re- (GUILLEMIN;BOMBARDIER; instrumentos literatura arespeito detraduçãoeadaptação Foram seguidasasorientaçõespreconizadas na rando seusresultados comosdaversão original. no intuitode,posteriormente,testá-la,compa- versão traduzidaeadaptadaparaoBrasil daSAI© original, eminglês. leira daSAI©,comparando-acomaversão (SAI©); e(b)testeempíricodaversão brasi- são brasileiradaSelf-Administered Interview etapas: (a)traduçãoeadaptaçãoparaumaver - todo A SAI©jáfoitraduzidaparaoholandês Nesta primeiraetapa,ametafoielaboraruma Processo de tradução e adaptação da SAI© O presente estudofoirealizado emduas - mente, umaversão preliminar daSAI©. de discrepâncias, atédefinirem, consensual- uma síntese,pormeiodeajustes eeliminação juízes especialistasacadêmicosquerealizaram duções foram analisadas e comparadas por dois proficiência nos idiomas inglês e português. proficiência nosidiomasinglêseportuguês. micos comconhecimentoeexperiênciaemEC forma independente, por dois especialistas acadê- inglês, residente noBrasil há13anos. inglesa porumnativo britânico,professor de Esta versão foitraduzidadevolta paraalíngua fluentenoidiomainglês. dos, sendo,portanto de sua morouinfância nos Estados Uni parte - brasileira, bolsistadeiniciaçãocientífica, que porumaestudante depsicologia o português cialmente, aSAI©foitraduzidadoinglêspara paraainglesa.Inipois, dalínguaportuguesa - semadequaçõesdetermose,- a portuguesa especialistas – tradução da língua inglesa para autorização detraduçãodomaterial. Brasil. Para tanto,formalmente,forneceramuma projeto de traduçãoeadaptaçãodaSAI©parao formar aparceria paraodesenvolvimento do dois pesquisadores brasileiros econcordaram em te, duasautorasdaSAI©foramcontatadaspor versão brasileiradaSAI©. tas noQuadro 1. tras, cujasrespectivas colaboraçõessãodescri- amos- versão brasileiradoSAI©seisdiferentes 4- 3- 2- Tradução direta etradução reversa pornão 1- Autorização datradução – Seguem as fases de tradução e adaptação da – astra- Análise especialistas porjuízes Tradução porespecialistas –tradução,de

primeiramen- Figura 1– Não-Especialistas Fases doprocesso detradução eadaptação daSAI Fase 1:Autorização datradução pelasautoras britânicasdaSAI por 2 juízes especialistas e elaboração da versão preliminar Fase 6:Análise, ajustes, adequações econsenso daversão Fase 2: Fase 4:Análise, comparação esíntese dastraduções Fase 5:Análisecompreensão daversão preliminar e estabelecimento doprojeto decooperação Tradução direta e reversa por 2 não-especialistas Fase 3:Tradução por2especialistas final pelos2juízes especialistas Não-Especialistas escolaridadeNão-Especialistas por juízes não-especialistas escolaridade Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 Não-Especialistas Fonte: Elaboração própria. 117

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118 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 jetivo da participação do juiz não especialista. A dojuiznãoespecialista.A jetivo daparticipação dor explicava aproposta da SAI©equaleraoob- análise edecompreensão. Primeiro, o pesquisa- 14 trechos menores para facilitaroprocesso de Testemunhada”. Aversão foidesmembradaem titulada “Entrevista Auto-Aplicável daSituação especialistas, aversão preliminar daSAI©foiin- análise decompreensão eclareza pelosjuízes não não especialistascomescolaridadebaixa.Para a liciais, não especialistascom escolaridade alta e cialistas detrês categorias:nãoespecialistaspo- dejuízes nãoespe- críticas esugestõesdaparte ção daclareza daversão preliminar ebuscapor Tabela 1– 5- escolaridade baixa Juízes não-especialistas escolaridade alta Juízes não-especialistas policiais Juízes não-especialistas especialistas Juízes Tradutoresespecialistas Tradutores não-especialistas Análise não-especialistas–avalia porjuízes - e adaptação daSAI Caracterização dosparticipantes daetapa detradução Amostra n 05 08 02 02 02 13 oiii cvs o n mnm cno ns de anos cinco mínimo no com civis Policiais sobre entrevista investigativa, universitários ou ou universitários investigativa, graduados (idademédiade24,1 anos). entrevista sobre média de35,5 anos). com no máximoensinomédioincompleto (idade conhecimentos sobre entrevista investigativa, Membros da população geral, leigos em média de43,2 anos). sem experiência, inglesa eportuguesa. inglesa Background emEC eproficiência naslínguas eportuguesa. inglesa Background emEC eproficiência naslínguas (sem background emEC). Proficiência e naslínguasinglesa portuguesa Membros da população geral, leigos em conhecimentos – por fim, a partir deanálisesqua - versão final–porfim, apartir um termodeconsentimento livre eesclarecido. destaetapaassinaram divíduos queparticiparam rial de entrevista que acabou de avaliar?”. Os in- críticas ousugestõesafazer arespeito deste mate- 15ª questão:“você temquaisquercomentários, quente aos14trechos questionados,haviauma sugerir alteraçõescasojulgassenecessário. Subse- 2) comentaroqueentenderadecadatrecho, e3) via: 1) responder se compreendera (sim ou não), cada vez ao juiz que, imediatamente depois, de- seguir, opesquisadorliaemostrava umtrecho de 6- Análise especialistas: esíntesedosjuízes Critério de seleção m C (idade EC em background Fonte: Elaboração própria.

viamente) nas versões: original como evento-estímulo eaSAI©(jádescritapre- tânicos estudantesdePsicologia. estrangeiros eram na participantes maioria bri- cursos como Engenharia eArquitetura. Já os ses no Reino Unido estudando, em sua maioria, cipantes brasileiros encontravam-se háseisme- universitários- e9,7%pós-graduandos.Os parti = 6,3).Em termosdeescolaridade,90,3%eram homens, commédiadeidade24,7anos(DP 56,4% eram mulheres os participantes, e 43,6% universidade daInglaterra, Reino Unido. Entre todos selecionadosporconveniência emuma brasileiros e25estrangeiros fluenteseminglês), níveis naSAI©. mas dafigurahumanaedosdesenhosdispo- caram asfrequências deutilizaçãodosdiagra- das informações reportadas, também se verifi- a acuráciadasinformaçõesrecordadas. Além variáveis dependentesforamaquantidadee versão da SAI© (brasileiravs. -sujeitos, cujavariável independentefoia realizado umexperimentocontrolado entre- versão original. para ser testada empiricamente e comparada à brasileira final daSAI©emlínguaportuguesa cessárias. Assim,oprocesso resultou naversão dêmicos realizaram aseventuais adequaçõesne- não especialistas,osdoisjuízes especialistasaca- litativas dasrespostas dostrês dejuízes grupos No experimento,foram utilizadosumvídeo Materiais Participaram doteste62indivíduos(37 Participantes Para testaraversão brasileiradaSAI©,foi Teste empíricodaSAI©– Versão Brasileira e brasileira. original)eas Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 a versão original,eminglês. completaram aSAI©-Brasil eosestrangeiros, vídeo anteriormenteassistido. Os brasileiros preenchessem comaslembranças referentes ao paraquea neceu aSAI©aosparticipantes conteúdo dovídeoemsuamemóriaoperacional. mantivesse, depoisdeassistido,o o participante distraidora teve apenasafinalidadedeevitarque de caça-palavrasporcincominutos.Estatarefa realizaramte aovídeo,osparticipantes umjogo no vídeoqueseriaapresentado. Subsequentemen- mente, colocarfonesdeouvidoeprestar atenção polegadas aumadistânciade35cmaproximada- orientado a:sentar-sefrente aummonitorde17 deu acoletadedados. ca epesquisa da universidade inglesa onde se deéti- estudo foiavalizado pelodepartamento termo de consentimento livre e esclarecido. O que concordaram assinaramum emparticipar plicação sobre oestudoetodososparticipantes pantes quantoaoconteúdoverbal docrime. - todavia, nãofoitestadaamemóriadospartici apenas doassaltanteepronunciadas eminglês, físicos aospresentes. Aspoucasfalaspresentes são dentro deumamochila,semcausarferimentos com odinheiro -sucedido emseuobjetivo eparte caixas dobanco).Oassaltante,aofinal,ébem- na presença dealgumastestemunhas(clientese um banco,ondepraticaassaltoàmãoarmada um homemquechegasozinhoemumamotoa veu umcrimedeassaltoabanco. Ovídeoretrata No momento seguinte, o pesquisador for- A seguir, era individualmente,oparticipante Inicialmente, foiapresentada umabreve ex- Procedimentos para coletadedados O vídeo,de1minutoe35segundos,envol- 119

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120 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 ram codificados pelosdoisjuízes deformainde- aos juízes. Sendo assim,os demaisprotocolos fo- deparâmetro foi elaboradaparaguiareservir consenso. Adicionalmente, umalistaderegras cutidas edirimidasatéqueos juízes atingissem na inglesa. Eventuais discordâncias foram dis- juízes eproficientes nativos dalínguaportuguesa selecionados ecodificadosemconjuntopordois sileiros edoiseminglês)foram,aleatoriamente, SAI© preenchidos (doisbra- pelosparticipantes sistema decodificação,quatro protocolos da somente naprimeiravez. mação maisdeumavez, amesmafoipontuada relatouo participante amesmaunidadedeinfor- quando foi computadaapenasumavez, portanto, adas. Ressalta-se quecadaunidadedeinformação nãoforampontu- pante enfatizou nãotercerteza (i.e., “ele parecia nervoso”)- ouquandoopartici Informações denatureza subjetiva ouespeculativa correspondia, exatamente,aoconteúdodovídeo). correspondia aovídeo),ouincorreta (quandonão foi julgadacomo:correta (quando,literalmente, mação deobjeto)”. (1-O; umainfor- informação deação)umaarma P; umainformaçãodepessoa)apontou(1-A; capacete “um homem(1-P;umainformaçãodepessoa) preto apontou umaarma”, foicodificada como exemplo, umaresposta “um homemdecapacete ações (A), objetos(O)e cenário (C). Assim, por quatro tipos/categoriasdeinformação:pessoas(P), sentes no evento-estímulo (vídeo) foi divididoem Todo oconjuntodeunidadesinformaçãopre- SAI© (GABBERT; HOPE; FISHER,2009). o modelodosprincipaisestudosenvolvendo a Para oemparelhamento epadronização do O processo decodificaçãodosdadosseguiu Processo decodificaçãoeanálisedosdados (1-P; umainformaçãodepessoa)preto (1- Cada unidade de informação Cadaunidadedeinformação SAI©-Brasil comosdaSAI©original emre- Resultados considerado emtodosostestes foide5%. associados aeles.Onível designificânciaestatística de Qui-quadrado eexatodeFisher eosvalores-p da figurahumanaedesenhos, realizaram-se testes cação das frequências de utilização dos diagramas de variâncias comotestedeLevene. Para verifi- de testestStudent, controladas pelaigualdade dade e de acurácia foram comparadas por meio Asmédiasdequanti- porparticipante). portadas corretas pelaquantidadetotaldeinformaçõesre- (dividindo-seaquantidade deinformações acertos ções foicalculadapelaproporção donúmero de obtendo-se as médias. A acurácia dessasinforma- informação (pessoa,ações,objetooucenário)e rida naSAI©,classificando-aquantoaotipode computados a cada unidade de informação inse- recordadas osdadosforam pelosparticipantes, inferencial foramdotipoparamétrica. máxima efrequências. Asanálisesdeestatística média, desviopadrão,pontuaçõesmínima e estatística descritiva foram obtidos dados de Sciences (SPSS),versão 21.0.Por meiode grama estatísticoStatistical Package forSocial ficação foiuniforme. (CCC =0,89),indicandoqueopadrãodecodi- índice deconcordância estatísticaentre osjuízes (CCC), proposto porLin(1989),detectou-seo o CoeficientedeCorrelação deConcordância concordância entre osdoisjuízes. Utilizando-se posteriormente, aumaanálisequantoaograude pendente, sendoque17,2%foramsubmetidos, Foi objetivo compararosresultados da Para seobteraquantidadedeinformações Para aanálisedosdadosfoiutilizadoopro- formações lembradas, otestedeQui-quadrado ras humanascomoummeio deacrescentar in- ria específicadeinformação (ps>0,05). incorretas nem quando analisadas cada catego- diferiram quantoaototaldestasinformações de informaçõesincorretas, não osdoisgrupos 0,006, informações reportadas (t=-2,88,gl60,p = 60, informações corretas sobre ações(t=-2,81,gl SAI©-Brasil apresentou menosquantidadede -se diferenças estatisticamentesignificativas. A 70%) emambososgrupos. acurácia foiumpoucomaisbaixo (nafaixados 0,05). Apenas nacategoriaobjetos,onível de tiva entre as duas versões do protocolo (ps > nho, semdiferença estatisticamentesignifica- também apresentaramgrupos ótimo desempe - – pessoas,objetos,açõesecenário–,osdois cificamente, dosquatro tiposdeinformação p >0,05.Quando analisadaaacurácia,espe- SAI©-Brasil (86%)eaSAI©original(87%), total foi bastante alto e quase idêntico entre a as duasversões daSAI©.Ograudeacurácia ve diferença estatisticamentesignificativa entre mente todososquesitoscomparadosnãohou- queempratica- independentes, observou-se estudados. dos doisgrupos corretas) e de acurácia (proporção de acertos) da quantidadedeinformações(corretas ein- tos ecenário).A Tabela 1apresenta asmédias de informaçãoreportada (pessoas,ações,obje- lação à quantidade e à acurácia total e por tipo Quanto àutilizaçãodosdiagramasde figu- Em duas situações, somente,verificaram- Através detestestStudent paraamostras p = 0,007, d =-0,75).Já emrelação àquantidade d = -0,76) e sobre o total de Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 sendo apresentados nosúltimosanosnoReino SAI© muitoseassemelhouaos estudosquevêm que odesempenhodosbrasileiros utilizando a ças substanciaisdaversão original.Pode-se dizer em que,demodogeral,não apresentou diferen- ra destematerialmostrou-se efetiva, namedida Brasil. Atraduçãoeadaptaçãodaversão brasilei- país daAméricaLatina,maisespecificamente,no da primeiraaplicaçãoempíricaSAI©emum Discussão dosresultados de desenharesedispuseram-seasegui-la. compreenderam os participantes ainstrução desenhos. O interesse foi somente examinar se analisado o conteúdo dos não sendo, portanto, Hopeo estudo de Gabbert, eFisher (2009), testemunha. Já quantoaosdesenhos,seguiu-se como unidadesdeinformaçãotrazidaspela humana foramcontabilizadas,normalmente, informações descritasnosdiagramasdafigura inovadores emrelação àEC,porexemplo. As na SAI©equesãoconsideradosdiferenciais cursos disponibilizados(masnãoobrigatórios) se referiram apenasàutilizaçãoounãodosre- em seusrelatos. Ressalta-se quetaisanálises trangeiros incluíramalgumtipodedesenho ticas: 97,3%dosbrasileiros e96,0%dos es- contrário, asporcentagens foramquaseidên- significativa entre (p>0,05),pelo osgrupos to de Fisher igualmente não revelou diferença tes desenharamacenadocrime,otesteexa- Sobre afrequência- comaqualosparticipan encheram osdiagramasdefigurashumanas. dos brasileiros e20,0%dosestrangeiros pre- = 0,282).Em termosdeporcentagens, 32,4% geiros utilizaram este recurso (χ vas nafrequência em quebrasileiros eestran- revelou a inexistência de diferenças significati- O presente estudoapresentou osresultados 2 [1] = 1,159, p 121

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122 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein to original do fato, potencializando o acesso aos to originaldo fato, potencializandooacesso aos se revelado útil porque ajuda a recriar o contex- para desenharacenadocrime, recurso quetem daSAI© sileiros (97,3%)seguiramasinstruções protocolo. Na mesma direção, quasetodosbra- estrangeiros queutilizaramaversão originaldo nível deacuráciapraticamenteequivalentes aos tidade deinformaçõese,principalmente,um testemunhado, osbrasileiros trouxeram quan- Ao reportarem suas lembrançassobre o crime a recordação detalhadaefidedignadosfatos. demonstrou efetividadenosentidodefavorecer ro destenovo materialdeentrevista investigativa a traduçãoeadaptaçãoparaocontextobrasilei- Unido eemoutros paísesdesenvolvidos. Ou seja, Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 Tabela 2– Acurácia Incorretas Total Corretas Acurácia Incorretas Ações Corretas Acurácia Incorretas Cenário Corretas Acurácia Incorretas Objetos Corretas Acurácia Incorretas Pessoas Corretas Informações nas duasversões desvios-padrão doSAI, entre parênteses Médias deinformações corretas, incorretas eataxa deacurácia 0,86 (0,06) 5,89 (2,73) 0,95 (0,09) 0,32 (0,47) 4,78 (1,72) 0,71 (0,15) 2,78 (1,46) 0,96 (0,05) 0,87 (0,09) 2,38 (1,67) 36,86 (8,71) 5,62 (1,4) 0,41 (0,6) 10,76 (3,7) 15,70 (5,4) SAI BrasilSAI M (DP) e -0,75,respectivamente). Uma hipóteseexpli- duas diferenças foiapenas moderada, ds=-0,76 assim, mações corretas sobre ações e no total (mesmo taram quantidadeumpouco menordeinfor- mente emdoisaspectos.Os brasileiros repor- diferença estatisticamentesignificativa unica- tatisticamente, entre osdoisgrupos. que aosdesenhos,mastambémequivalente, es- utilização desterecurso foimenosfrequente do Noa quetangeaosdiagramasdafigurahumana, et al.,2009;JACK; MARTYN; ZAJAC, 2015). traços dememória(DANDO,2013;DANDO Na comparaçãodasversões daSAI©,houve 0,96 (0,04) 0,56 (0,71) 0,87 (0,05) 6,68 (2,82) 0,94 (0,09) 0,40 (0,58) 5,48 (1,47) 0,88 (0,06) 2,48 (1,53) 0,66 (0,15) 3,32 (1,25) 43,44 (8,94) SAI Original SAI 13,48 (3,8) 6,36 (1,8) 18,12 (5,5) a magnitude do tamanho de efeito dessas a magnitudedotamanhode efeito dessas M (DP) Fonte: Elaboração própria. p-valor *0,006 *0,007 * Significância < 0,05 0,752 0,280 0,703 0,590 0,094 0,426 0,806 0,093 0,738 0,377 0,289 0,127 0,091 nha defrente utilizaminclusive microcâmeras estão adiantadosnessesentido, epoliciaisdeli- al., 2015). Vários países desenvolvidos, porém, (STEINet por escritodeformaestruturada é gravado poráudioouvídeonemregistrado contato dapolíciabrasileira,porexemplo, não memória humanaesuasfragilidades. que levam em contaosconhecimentossobre a tecnologias recomendadas, principalmenteas Por conseguinte,nãoadotam práticas nem trevista investigativa eoitiva detestemunhas. e embasadosnaliteraturacientíficasobre en- bem formaçãonemtreinamento adequados que atuamemtodasestasinstânciasnãorece- (BRASIL, 2015).Entretanto, osprofissionais rito policial;(c)porfim,naesferajudiciária te); (b) depois, formalmente, durante o inqué - geral, aindanodiaenacenadocrime/aciden- ro contato, informalmente, com a polícia (em que as testemunhas são ouvidas: (a) no primei - tou resultados muitosimilares àoriginal. no perfildaamostra,a versão brasileiraapresen- Então, mesmo comestadiferença debackground a SAI©-Brasil), porém, nãofoioqueseverificou. os resultados emfavor daSAI©original(econtra tor pudesseterinfluenciadodeformamaisampla Nesse sentido, até seria possível supor que este fa- tema deentrevistas investigativas etestemunho. dos oujáhaviamestudadoteoricamentesobre o deexperimentosparecijá tinhamparticipado - estrangeiros eramestudantesdePsicologia que destetipodeestudo.haviam participado Já os cursos comoEngenharia eArquitetura enunca brasileirosOs eramestudantesde participantes cativa podeseratribuídaaoperfildasamostras. Logo após ocorrido um crime, o primeiro No Brasil há,naprática,três momentosem

Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 contexto, aSAI©poderiaser umaalternativa. profissional commétodoinadequado. Nesse entrevistador, doqueserentrevistada porum testemunha fornecersuasinformações semum casos,a ferir queseriamenosdanoso,emcertos interrogativo e,porvezes, agressivo, pode-sein- et al.,2004).Diante dessemodeloacusatório, duvidosas ouinverídicas (DEFFENBACHER física tendeacausarobtençãodeinformações ou suspeitossobpressão psicológicaouagressão leta deinformaçõescomtestemunhas,vítimas sais dosDireitos Humanos, sabe-sequeaco- de issoirnacontramãodosprincípiosuniver - são, não raramente, ainda são realidade. Além eextor- (2012) apontouquepráticasdetortura cional sobre osDireitos Humanos noBrasil Ainda pior do que isso, sugestivas de perguntas(STEINetal.,2015). plo, o usoproblemático deformasfechadasou de doregistro dosrelatos, écomum,porexem- etal.,2000). ção (LAMB podem serperdidos nesteprocesso detranscri- mostram quedetalhescomrelevância forense leira, apenasdigitadoporumescrivão. Estudos bém nãotemsidogravado narealidade brasi- quérito, geralmenteoregistro dorelato tam- para ajustesecorreções. policial pode ser, depois, analisado e reavaliado ficam gravadas emesmooprocedimento do 2015). Dessa forma,informaçõesimportantes 2014; THERLAND, WESTERA; POWELL, timas etestemunhas(ARIEL;FARRAR; SU- todos osseusprocedimentos iniciaiscomasví- acopladas aouniformedetrabalhoregistrando Além doproblema daausênciaoufragilida- Posteriormente, naentrevista formal doin- o 5ºRelatório Na-

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124 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 Em geral,leraSAI©não influenciounegati- dopolicialduranteaentrevista.portamento -la ocasionaria efeitos negativos sobre o com- SAI© deumatestemunhaantes deentrevistá- holandesa (BOON,2012) investigou selera com aEC).Um estudorealizado napolícia prioritariamente (eentrevistadas, idealmente, melhores informações para serem intimadas número detestemunhas,aquelascommaise cia detectar, especialmentenoscasoscom alto comoumfiltro paraapolí- SAI© podeservir soal, semanasdepoisnadelegacia.Inclusive, a da intimaçãoparaodepoimentoformalepes- testemunha, e a EC na fase seguinte, quando incidente, no primeiro contato policial com a mentarmente: aSAI©logoapósacontecidoo os procedimentos fossemadotadoscomple- titui aEC.Orecomendável seriaqueambos propriados; (e)àrelação custo-benefício. de evitarestragoscausadospormétodosina- contaminação damemória;(d)àcapacidade à capacidadedereduzir danosdosefeitosde ção; (b)aopoderdefavorecer amemória;(c) do: (a)àpraticidadeesimplicidadedeaplica- econômica efácildeserimplementadadevi- como oBrasil, aSAI©seriaumaopçãomais sugerem queempaísesdesenvolvimento, to financeiro. Os achadosdopresente estudo namento que,porsuavez, envolve altocus- aplicação exige qualificado e continuado trei- complexidade inerente àEC,hajavistaquesua vável que um dos principais motivos seja pela a empregá-la de maneira disseminada. É pro- disso, emtermospráticos,opaísnãopassou no Brasil osresultados positivos daEC.Apesar (2006) jáhaviam,deformapioneira,replicado Ressalta-se, contudo,queaSAI©nãosubs- Há cerca anos, Stein de dez e Memon apoiar-se naciência deve ser aregra. tema dejustiçaquepretende, defato,serjusto, ou portestemunhosequivocados. Para umsis- dicos causadospelafaltadeprovas testemunhais acessíveis ecientíficasdese reduzirem erros jurí- hásimformas que, emboranãosejamperfeitas, sobre aPsicologia do Testemunho demonstram ponderada. Cerca dequatro décadasdepesquisas outros paísesemdesenvolvimento deveria ser menta de auxílio àinvestigação no Brasil e em conclui-se queautilizaçãodaSAI©comoferra- situação devulnerabilidade.De qualquermodo, idosos, pessoascomdeficiênciamentalouem outras testemunhaspotenciaiscomocrianças, países emdesenvolvimento, tambémexplorando da SAI©paraseraplicadaoralmente. com baixaescolaridadee/outestarumaversão da SAI©produzida nesteestudoemamostras sugere-se, comopróximo passo,testaraversão superior (completo ou incompleto). Portanto, 25 e64anosdeidadetemescolaridadenível ao passoqueapenas11,0%dapopulaçãoentre suem sequeroensinofundamentalconcluído, das pessoascomidadeparatrabalharnãopos- Dados do IBGE(2015)apontamque38,6% analfabetismo napopulaçãobrasileira(8,3%). problema é queaindaháumelevado índicede pessoa alfabetizada consiga respondê-la. O ainda quetenhasidocriadaparaqualquer temunho interfiranausabilidadedaSAI©, pode serqueanecessidadedeescrever otes- leira possuibaixaescolaridade(IBGE,2015), paração comospoliciaisquenãoaleram. ciação demaisinformaçõesacuradasnacom- vamente, aocontrário,atéproporcionou aeli- Mais estudos com a SAI© são necessários em Mais estudoscomaSAI©sãonecessáriosem Como grandeparcela dapopulaçãobrasi- randomizedcontrolledtrial. A police: the against complaints citizens’ and force of use on cameras body-worn police of effect The Alex. SUTHERLAND, William; FARRAR, Barak; ARIEL, Referências bibliográficas EFNAHR Kneh t l A eaaayi re meta-analytic A al. et Kenneth DEFFENBACHER, Cognitive Psychology, v. 23, n.5, p. 698-716, 2009. investigators. police frontline for procedure interview cognitive modified A al. et Coral DANDO, One, v. 8, n.7, p. 1-7, 2013. performance. eyewitness adults’ older of port sup External remember: to Drawing Coral. 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FISHER, Lorraine; HOPE, Fiona; GABBERT, 568-575, 2012. terview. in- self‐administered a with information post‐event misleading against Protecting al. et Fiona GABBERT, Law Enforcement, 2015.p. 107-131. and Linguistics Psychology, Forensic from Approaches Integrated Contexts: Legal and Investigative in tion G.; MYKLEBUST,T.; (Ed.). GRANT, OBXBURGH, R. T.; MILNE, In: process. investigative the within GABBERT, Fiona et al. The role of initial witness accounts cognitive interview. Thomas, 1992. Charles C. Illinois: The interviewing: investigative for techniques cing Edward. GEISELMAN, Ronald; FISHER, 2002. p. 265-286. Associates, Erlbaum Lawrence Jersey: New interview. (Ed.). S. J. GOODMAN, A.; J. QUAS, L.; M. EISEN, In: recall. tness eyewi- enhance to method interview cognitive The le. MCCAULEY,Michel- Kendra; BRENNAN, Ronald; FISHER, Columbia University, 1913. College, Teachers York: psychology.New experimental Hermann. 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126 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 ig hlrns ywtes performance?. eyewitness children’s ving impro of means a Interview: Self-Administered The HJELMSÄTER, Emma; STRÖMWALL, Leif; GRANHAG, Pär. 1. p. 3-38. v. 2005. Associates, Erlbaum Lawrence Jersey: New cross-culturalfor testsassessment. psychological D.P. C. F.; SPIELBERGER, MERENDA, K.; R. HAMBLETON, In: cultures. and ges langua- multiple into tests adapting for guidelines HAMBLETON, Ronald Issues,K. designs, and technical p. 1417-1432, 2005. lines. 1-2, p. 101-115, 1999. forensic its effectiveness. of survey A interview: cognitive The Rebecca;WAGSTAFF, MILNE, Mark; KEBBELL, Graham. 772-775, 2011. mapping. concept with studying elaborative than learning more produces practice Retrieval Janell. BLUNT, Jeffrey; KARPICKE, p. 723-734, 2015. Recall. Eyewitness Adults’ and Adolescents’ Children’s, on Photographsand Plans Sketch of Effects Picture: the Getting Rachel. ZAJAC, Elise; MARTYN, Fiona; JACK, as Projeções daPopulação. 2015. IBGE, RiodeJaneiro: IBGE. 226, 2011. 211-p.2, v.psychologyn. , 16,criminological and interview. self‐administered the using mory Ronald. From laboratory to FISHER, the street: capturing witness me Fiona; GABBERT, Lorraine; HOPE, traffic incidents. Impact , v. 19, m.3, p. 15-18, 2011. road of investigation the to contribute (SAI©) view ness evidence: what can the Self-Administered Inter eyewit Protecting Fiona. GABBERT, Lorraine; HOPE, gy, Crime&Law, v. 18, n.10, p. 897-911, 2012. Subsídios para para Brasil.Subsídios DemográficasMudanças no Journal of clinical epidemiology, v. 46, n. 12, , v. 29, n. 5, n. 29, v. 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128 Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein Psicología deltestimonio. Self-Administered Interview©. Palabras clave: utilizada enelcontexto brasileño. la original,sugiriendoserunaherramienta viabledeser brasileña logró resultados prácticamente equivalentes a brasileña Los delaSAI©. resultados indicaron quelaversión buscó realizar latraducción, adaptación yprueba delaversión además deproteger contra sugestiones.Elpresente estudio sentido degenerar relatos enmayor cantidad yprecisión, al lugar. Este material harevelado resultados positivos enel paraauto-aplicable seraplicada encuanto lapolicíallega unprotocolo(SAI©), porescrito deentrevista investigativa desarrollada, enelReino Unido, laSelf-Administered Interview cuanto ocurre elcrimen/accidente. Hace pocos añosfue en informaciones obteniendo es fidedignos relatos de lograr manera mejor La confiable. ser no puede testimonio que debidoalafalibilidad delamemoriahumana,el policial yjurídico. Sinembargo, diversos estudios demuestran Los testigos desempeñanunpapelfundamental enelámbito Self-Administered la Interview© de brasileña versión la testimonios: en de colecta investigativala entrevista de herramienta Nueva Resumen Luciano Haussen Pinto eLilianMilnitskyStein Self-Administered Interview© coleta detestemunhos: aversão brasileira da Nova ferramenta deentrevista investigativa na Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 Entrevista investigativa. Testigo. Policía.

Psychology of testimony. Self-Administered Interview©. is viablefor useintheBrazilian milieu. practically thesameresults astheoriginal,suggestingtool Theresultsthe SAI©. showed thattheBrazilian version had translation, adaptation andtesting of theBrazilian version of questioning. Theaimof thepresent studywas to perform the accurate reports, besidessafeguarding againstsuggestive has shown positive results promoting more numerous and to beapplieduponarrival of thepolice atthescene. Thistool written protocol for aself-administered investigative interview was(SAI©) developed intheUnited Kingdom,constituting a occurred. Afew years ago, theSelf-Administered Interview collecting information shortlyafter thecrime/incident has unreliable. Thebestway of obtaining reliable reports isby fallibility of humanmemory, testimony can often be However, many studieshave owing shown to the that, Testimonies play avital role in police andlegalspheres. the Brazilian version of the Self-Administered Interview© New investigative interview tool for collecting testimonies: Keywords: Abstract Investigative interview. Testimony. Police. Data derecebimento: Data deaprovação: 11/01/2017 11/12/2015 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 110-128, Fev/Mar 2017 129

Nova ferramenta de entrevista investigativa na coleta de testemunhos: a versão brasileira da Self-Administered Interview© Luciano Haussen Pinto e Lilian Milnitsky Stein Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 130 e prevenção daviolência Entre faltas ONGs eoportunidades: em CiênciasSociaispelaUniversidade deSãoPaulo -USP. -EHESS. Doutor emestre emAntropologia SocialpelaUniversidade Federal BachareleLicenciado deSanta Catarina -UFSC. Pós-doutorando noCentre d’Analyseet d’Intervention SociologiquesdaÉcole desHautes ÉtudesenSciences Sociales-CADIS Tiago Nogueira Hyra ChagasRodrigues Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 Violência. ONGs.Educação. Prevenção. Palavras-Chave o mundocontemporâneo eseusproblemas easimesmos. propostas podemnosdizer acerca da maneira como estes agentes veem einterpretam moralmente opúblico atendido, este entendimento afeta asmodalidadespropostas deintervenção eprevenção, buscando perceber oqueassoluções cadores deONGseducação infantil, eprocura explorar osentendimentos doconceito de“violência”easformas como de foco no enfrentamento das violências em uma direção preventiva. Este artigo analisa os discursos e práticas de edu- problemas sociais em um contexto deaparente “crisedas instituições”. Além disso, sãocaracterísticas de uma mudança entendidas como manifestações damovimentação dasociedadecivilorganizada quesedirigemaoenfrentamento de discurso serve debasepara açõesdeONGseprojetos sociaisinstalados nasperiferias brasileiras. Estas açõespodemser Um discurso socialmuito comum noBrasil estabelece quesedeve “retirar ascrianças dasruasedaroportunidades”.Tal Resumo [email protected] - tuições” (tais como família e escola) em umcontextodeaparente “crise dasinsti- dirigem aoenfrentamento deproblemas sociais mentação da sociedade civil organizada que se ser entendidas como manifestações da movi- estratégias educacionais).Estasaçõespodem oportunidades” (principalmente,pormeiode da “criminalidade” eda“violência”), e“dar objetivo “retirar ascriançasdasruas” (leia-se: ações sociopolíticasepedagógicastêmcomo vernamentais (ONGs)deFlorianópolis cujas coordenadoras) discursos epráticasdeagentes(educadores e buscadiscutiros atingir estefim?Esteartigo efetivamente ONGseprojetos sociaispara C e simples.São, características deuma portanto, cente sensaçãodeineficácia da repressão pura prevenir asviolências?Oquefazem omo asociedadecivilsemobilizapara 1 deduasorganizaçõesnãogo- 2 e cres- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 entender esta positividade comoumelogio às por extensão,nasviolências reconhece umcaráterpositivo nosconflitose, busca foiorientada por umviésteórico que narradores viamomundoeasimesmos. Tal transformações geravam nasformascomoos tos, comoeramvividoseinterpretados, que o quecaracterizava taiseventos comoviolen- tos. Abuscaeraporperceber nasnarrativas como vítimasdeeventos consideradosviolen- tes deFlorianópolis queseautoidentificavam narrativas deexperiênciapessoalhabitan- anterior (RODRIGUES, 2006), que analisou Comunitária queatuamnacapitalcatarinense. três anosemduasONGsdeEducação Popular os resultados de uma pesquisa etnográfica uma direção preventiva. Apresentam-se aqui mudança defoconocombateàsviolênciasem Tal objetofoimotivado porumapesquisa 4 . Não sedeve aqui 3 de 131

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 132 dem serentendidas comoumaprivatização da mesmas. Esteéocasodevárias ações quepo- geram, produzem atémesmoalutacontraelas sos movimentos ligadosaosDireitos Humanos. e assistênciasocialàsvítimas;ouaindadediver- se dedicamafornecerajudapsicológica,jurídica conheceriam deoutraforma;instituiçõesque a indignação)pessoasqueprovavelmente nãose comum (aexperiênciadasviolências,omedo, lência”, queunememtornodeumasituação sociações caracterizadas pela“lutacontra a vio- entre si.Éocaso,porexemplo, demuitasas- de outra maneira não teriam qualquer relação lências podemaproximar que pessoasegrupos produtividade dosfenômenosviolentos.Asvio- associativos comoconceitodepositividadeou -se relacionar odesenvolvimento defenômenos – oquenãoépouco. Nesta perspectiva, pode- associativa, propriamente política,destareação qualidade eminentementeagregadora, social, correspondente. aatençãoé Oquedesperta física segundoaqualtodaaçãotemsuareação ordenamentos sociais. Não se enfatiza a lei da pela indignaçãoqueacarreta, gerareações, re- uma capacidadegeradoradenovos fenômenos. dicar aquiémeramenteuma“produtividade”, violências: oqueesta“positividade” querin- trata dedefenderumapositividademoraldas ser qualificadacomo “violenta”. Assim,nãose considerada moralmentenegativa quealeva a fato deumaação,fenômenoouatitudeser e “pacífica”. Na visãooraadotada,éopróprio uma vidasocialquesepretenda “harmônica” como moralmentenegativas eindesejáveis em vistas violências, poisestassão,portodaparte, Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 As violências, pelo medo e comoção que O atoviolento,sejaporseusefeitos, (principalmente a escolapública, aquiafetada tros caminhos. Segundo eles, a escola formal Uma educaçãoescolar?Uma educação familiar? era esta,comopoderdeprevenir asviolências? Mas eraapenasumaideiavaga. Que “educação” didas sugeridas,amaisfrequente foi“a educação”. vamente, nem com mais ninguém? Entre as me- ram nãovoltassem aacontecer, nemcomelesno- acontecer paraqueoseventos violentosquesofre- dade dareação idealizadaporeles?Oquedeveria vam vítimasdeviolências:qualseriaaespecifici- ciais, projetos sociais, entre outras. ciais, projetos sociais,entre outras. instituições policiaisejudiciárias,movimentos so- variadas formas: açõesestatais,políticaspúblicas, -ativa”, dir-se-ia).Eestaaçãosedádemúltiplase da”); (“pró e, de outro lado, a ação e a intervenção - polícias oudachamada“sociedade civilorganiza- ombros alheios –sejamosombros doEstado,das consequente descarrego deculpaseobrigaçõesem o isolamento social e a desresponsabilização (e o dois caminhos principais: de um lado, o medo, gam emsujeitosindividuaisoucoletivos ressaltam ceber queentre asreações queasviolênciasinsti- ações deeducadores, ONGseprojetos sociais. nitários deSegurança (Consegs)edeinúmeras mente, comoéocasodosConselhosComu- coletivos destinados a combatê-laspreventiva- cias” tambémaparece naformaçãodesujeitos TINS, 1989).Esta“produtividade dasviolên- podem serentendidosnestesentido(MAR- mos de todos os tipos – até os linchamentos tas armadas,empresas desegurança,vigilantis- segurança pública,como,porexemplo, escol- As respostas dosnarradores apontaramou- De volta àquelesnarradores Em umaanálise inicialsuperficial,pode-seper- 5 queseconsidera- duta modelos “de” condutaoumodelos“para” acon- os valores morais,oamor, oafeto,carinho,os estaria “desestruturada”, nãomaistransmitiria narradores daquelapesquisa.Para eles,afamília meira eprivilegiadadesocialização?Não paraos violências, quemseria?Afamília,instânciapri- educação quesolucioneoproblema socialdas res (RODRIGUES, 2006). e “a violência”, segundo afirmaram os narrado - mas sociaiscomo,porexemplo, odesemprego tivação deste direito acarretaria outros proble- seria oferecida peloEstadoatodos,enãoefe- um direito fundamentaleconstitucional,não “oportunidade”. A“educação dequalidade”, riam semqualificação,perspectivas, sem Por conta disto, os jovens das periferias cresce- ultrapassada, separadadarealidade dosalunos. sofrem comasviolências) estaria sucateada, camente, permeiaasnarrativas daquelesque pela visãodeineficácia doEstadoque,tipi- E mais importante: a quem seria dirigida essa aquemseriadirigida essa E maisimportante: “tirar da rua”? Para colocar onde, fazendo o quê? por queparaatingiresteobjetivo seria preciso as criançasatendidassetornem “violentas”? E “educação” seria esta, com o poder deevitar que de” (RODRIGUES, 2006,p. 183).Mas que - edãooportunida que tiramascriançasdarua radores, a solução estaria “[...] nestas ONGs, quem caberia então este papel? Segundo os nar- dos jovens nochamado “mundo docrime”, a poderia contrabalançarasviolênciaseaentrada deradas capazes defornecerumaeducaçãoque não estimulariaaautoestimaoucidadania. capacidades ehabilidadesdosjovens ecrianças, Mas se não éaescola a responsável por uma Se nemaescolafamíliaeramconsi- 6 . Não favoreceria odesenvolvimento das Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 crianças e adolescentes. Ambas se instalaram em crianças eadolescentes. Ambasseinstalaram em centros deeducação infantileumacasapara na capitalcatarinense,com três unidades:dois e membros doclero católico,existiaapenas profissionais liberais,professores universitários por todooBrasil. AoutraONG,fundadapor sede noRiodeJaneiro eunidades espalhadas dade, fundadoporespíritaskardecistas, com um grandecomplexo deinstituiçõescari- devagas dejovensde articulação aprendizes. com idade suficiente uma central participantes sanato. Uma dasinstituiçõesoferecia aindaaos - fissionalizantes comoestética,confecçãoearte de capoeira,culinária,computação,cursospro - acesso a biblioteca e salas de informática, aulas dimento médico,psicológicoeodontológico, três eesportivas, artísticas refeições diárias,aten- uma ONG,6a14anosnaoutra),atividades no escolarparaosmaisvelhos (6a16anosem 6 anos,educaçãocomplementarnocontratur- em períodointegralparaafaixaetáriade0 cial criançasejovens: creche eeducaçãoinfantil aopúblicoatendido,emespe- diversos serviços tal deFlorianópolis. Estasinstituições ofereciam comunitária etnográfica neado ocampoemqueserealizou apesquisa sociedade brasileira. das periferias das grandes cidades ocupam na mento sobre quallugarasONGseducacionais levam também,inevitavelmente, aoquestiona- Deve-se teremmente quetodasestasquestões de “educação” paranãosetornarem “violentas”? soas? Quem seriamestascriançasnecessitadas educação e por que especificamente a essas pes- Uma de dasONGspesquisadaseraparte A partir destesquestionamentos,foideli- A partir 7 : duas ONGs de educação popular : duasONGsdeeducaçãopopular 8 queatuavam naregião continen- 133

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 134 inúmeras outras finalidades(esobumideário mento doproblema. Nestas instituições, entre de: odirecionamento preventivo noenfrenta- violências apresentam nomínimo umanovida- que sobopontodevistado pesquisadordas ONGs de“Educação Popular Comunitária”, bito dasCiênciasdaEducação), sobressaem as de continuarem poucoestudadasforadoâm- sos, culturais,étnicosedegênero. de obtençãorecursos, alémdeviesesreligio- ideológicas, nacapacidadedeatendimentoe lítico formalecomomercado, nasorientações relações comosetorestatal,sistemapo- renças significativas naslinhasdeatuação, configura éumcampoheterogêneo, comdife- no dasONGscomviéseducacional,oquese (as “entidades comunitárias”) eespecialmente caso dasassociaçõescivissemfinslucrativos refere àspolíticaspúblicasnaárea social.No e àcrisedoEstado,principalmentenoquese atribuídas aocrescimento dasdesigualdades cional, emespaçosmarcados porcarências da esferaprodutiva eforadapolíticainstitu- por movimentos deaçãodireta, geradosfora desse associativismoéofatodesercomposto mo (1995)afirmaqueanovidade fundamental lógicos globaisaorganizaçõesdebairro. Doi- desdemovimentosciativas, comportando eco- termo queincluiumamiríadedeformasasso- vismo civil” (SCHERER-WARREN, 2004), se convencionou chamarde“novo associati- matizadas como“violentas” e“perigosas”. áreas de maior concentração de pobreza e estig- dacidade,principalmenteem diversas partes Florianópolis aindanosanos1970,atuandoem Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 Nas periferiasdasgrandescidades(apesar Essas ONGspoderiamserincluídasnoque Rastreando causas tam oslimitesepossibilidadesdesuasações. adotadas ecomoseusprotagonistas interpre- quais discursosasustentam,práticassão fundamentos que embasam essa intervenção, énecessárioidentificar quais sãoos tervenção, nizar paraassumiraresponsabilidade pelain- há clamores deque“a sociedade” deve seorga- proposta quase unanimementeéaeducação,se ou ineficazes paralidarcomele,seasolução corporificação) sãoconsideradosineficientes excelência) eoEstado(aesferapúblicaemsua ção ereações, seafamília (a esferaprivada por - blema social,seesseproblema exigeinterven dades, paradoxos edilemas. moralmente inatacável, masguarda ambigui- dessas ONGs,sobestepontodevista,parece tos demaisumcriminosoviolento).Aatuação assim nãoteriaquearcar comopesoeoscus- afastando-os “do crime”) eàsociedade(que do (educandoascriançaseosadolescentes ao público atendi- sendo prestado um serviço Acredita-se destaformaestaria queintervindo dir que se tornemcriminosos ou “violentos”. risco” ou“vulnerabilidade social” que se convencionou chamar de “situação de ção” decriançaseadolescentesqueestariam no preventivamenteintervir pormeioda“educa - uma soluçãoparaasviolências),pretende-se e dacidadaniacomochave paraencaminhar de promoção daigualdade,solidariedade rais e da área da saúde, religiosos de todas as ciais (líderes comunitários, profissionais libe- não sónessemunicípio)diversos atores so- quisa, verifica-se queem Florianópolis (mas De todaforma, seasviolênciassãoumpro- Em uma aproximação do objeto de pes- 9 , paraimpe- presente, isso implicouconhecerosdiscursos que elaéasoluçãoparaasviolências. No caso “educação” se está citando quando se afirma (em geral). Deve-se então refletir sobre qual edosproblemas sociaiscias (emparticular) dagogização” doenfrentamento dasviolên - processo de – na falta de melhor termo – “pe- educação. Aparentemente, passa-seporum comunicação e,principalmente,dafaltade como derivadas dafaltaderelação, dafaltade violências pelafalta:asaparecem curso socialquetendeadefinirascausasdas 2006), constatou-seaprevalência deumdis- meio doinvestimento na“educação”. e predominante nesteâmbitoéaprevenção por prevenção. Mais doqueisso,aforma preferida civil organizada,baseiam-seessencialmentena ao passoqueasanalisadasaqui,dasociedade -penal), baseiam-seprincipalmentenarepressão; dem (taiscomoaspolíciaseosistemajurídico- estatais, acionadasatravés dasinstituiçõesde or- venção. Em geral,asrespostas intervencionistas blema socialdasviolências:arepressão eapre- naesferapúblicarelativasintervenções aopro - ções deentidadescomestefim. inclusive- aconstituir redes, e articula fóruns tiva, movem projetos eassociações,chegando para umaaçãopolítica,aglutinadora,associa- seu desenvolvimento, e para tanto dirigem-se violências desuascomunidades,lutarcontra lhes trazer segurança;querem eliminaras ditam que as instituições de ordem possam lências comoumproblema social;nãoacre- sóparacitaralguns)veem asvio- do esporte, setoresvertentes, damídiaepersonalidades Em pesquisa anterior(RODRIGUES, principaisdasreações Existem dois rumos e Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 deste trabalho plexa, cujaresposta nãocabe dentro doslimites mentos quereceberia? Estaéumaquestãocom- ção nacomunidade,suaexistência e osfinancia- instituição parajustificarelegitimarsuainstala- daumavisãoprojetada pela e quantofariaparte mesmo darealidade enfrentada pelapopulação assistência. Mas quantodeste“necessitar” viria se instalarem emlugares quenecessitassemde Só haveria sentidoementidadesassistenciais dizer que também eraumalvo paraasONGs. Mas localidades comoquartel-general. pode-se resseiros, paraosnarcotraficantes queusavam as pelas comunidades,umalvo parapolíticos inte- tos, umalvo paraasbalasqueinsistememvoar um alvo. Um alvo paraestigmasepreconcei- o público-alvo dasentidadesera,literalmente, atendidas precisam. pulação querdasONGs,oudoqueaspessoas principalmente, oqueseacredita queestapo- caracterizado o público-alvo das instituições e, ber comoévistaapopulaçãoatendida, do que isso, deve-se também procurar perce - esuaspráticascotidianas.Maisintervenção solução paraela,moldamsuasestratégiasde têm impactodireto noqueapresentam como os educadores entendemoqueseria“violência” é entendidooproblema: asformaspelasquais propostas, deve-se refletir primeiro sobre como que devem “tirar edaroportunidade”. darua pera asoluçãoparaoproblema, aseducadoras e aspráticasdaquelaspessoasdequemsees- não foioobjetivo dapesquisa. a dopróprio público-alvo sobre simesmo,oque da visãodasinstituiçõessobre osatendidoscom Para amaioriadaseducadoraspesquisadas, No entanto,parapensarsobre assoluções 10 , além de implicar a comparação , alémdeimplicaracomparação 135

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 136 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 DRIGUES, 2006) quantopelaseducadoras da to pelosnarradores dapesquisaanterior(RO- meio deum campo semântico de “faltas”, tan- lência” esuas causasforamcaracterizadaspor “mundo docrime”. estas faltasqueempurrariamosjovens parao pelo quedisseramaseducadoras,exatamente ajulgar somente pelafalta.E,maisimportante, riam “sujeitos carentes”,e definidos exatamente o públicoatendidoquepode-sepensarse- rências pelas quais os educadores caracterizaram ajuda emtodasasfrentes. Foram tantasasca- res de da população e necessitariam,portanto, igualdade ouequidadediantedosdemaisseto- qualificação profissional. Enfim,nãoteriam teriam empregos dignos,poisnãopossuiriam nem perspectivas ouprojetos defuturo. Não aceitação na sociedade, não teriam visibilidade, mo, não teriam autoestima, não encontrariam proteção do Estado. Não teriam acesso a consu- na ouacessoadireitos. Estariamdespojadosda habitação digna,dinheiro, saúde,cidadaniaple- e atençãoemcasa.Aliás,nãoteriamtambém que as crianças não teriam amor, carinho, afeto truturadas” (sic). Algunseducadores afirmaram familiar” “deses –suasfamíliasseriamportanto - riam os“valores morais”, poisfaltaria“estrutura de tudo”: estesnãoteriameducação,possui - os atendidoseram“pobres detudo”, “carentes das ONGsoqueseconstatoufoiavisãode Entre as educadoras e no discurso institucional na promoção dafamíliaemextrema pobreza”. o slogan:“Referência nacionaleinternacional de “vulnerabilidade social”. Uma delasadotava munidades carentes”, “em situaçãoderisco” ou trabalhavam nosentidodeajudar“pessoas eco- Conforme expostobrevemente, a“vio- As duasONGspesquisadasdeclaradamente cadores, a maioria dasiniquidadessociais e pela população. Desta forma, na faladosedu- em simesmas,consideradas violênciassofridas dade eviolências,as“faltas” ecarências eram, vadoras ouimpulsionadorasparaacriminali - acesso àeducaçãoéumaviolência. à educaçãonãolevaria àviolência.Afaltade na própria situaçãode“falta”. Afaltadeacesso vadora paraa“violência”. A“violência” estaria tas”. Aqui, a“falta” nãoconstituiriauma moti- econômica: todasestaseramsituações“violen- e, principalmente,afaltadeigualdade social e de educação,acessoàmoradia,alimentação cia”, de emprego, a falta de família estruturada, cia”, erauma“violên afaltadeoportunidades - A faltadecomidaeraconsideradauma“violên- relações familiares, sentimentais eemocionais. públicos,de materiais esimbólicos,deserviços por elascomo“violência” eraa“falta” debens como umasituaçãode“falta”. O queeravisto discurso daseducadorasONGsjustamente sente pesquisaa“violência” foiencontradano são tidascomocausasdasviolências,napre- “faltas” queafetamapopulaçãoempobrecida os narradores dapesquisade2006asdiversas sim, comodiscursodoseducadores. E,separa excessivo” (MICHAUD, 2014,p. 31). bém “[…]quantidade,abundância,oucaráter a ‘força’, ‘vigor’, ‘potência’. Mas significatam- violência vem dotermolatinovis,queremete so deforça. ComolembraMichaud (2014), caracterizar a“violência” éassociá-loaoexces - siderar queumadasformasmaiscomunsde principalmenteaosecon- causar estranheza, presente pesquisa. Tal fatonãodeve deixarde Assim, maisdoquecausarem, serem moti- Esta concepção de “violência” contrasta, as- siderada como “desestruturada”, não mais “cul- desigual osmaisnecessitados; asegunda,con- e atendendo de maneira ineficiente, corrupto Estado efamília:oprimeiro consideradocomo suas obrigações para com as crianças pobres – tituir asinstituiçõesquenãomaiscumpriam discurso das educadoras, parecia serode subs- “violências menores” nofuturo. Seu papel,no maiores”, paraquenãopassassemaperpetrar amenizadas, protegendo-os das“violências ças ejovens atendidos tivessem suascarências sendo “dar oportunidade” paraqueascrian- ONGs edeseusagenteseraexpresso como entrada “no crime”. Desta forma,opapeldas interpessoais, da“revolta” dosjovens edesua eram consideradasasculpadasdasviolências o preconceito, oabandonodoEstado. Estas (RODRIGUES, 2011,p. 245),comoafome, lências maiores, asqueaprópria sociedadefaz” das –comodizumacoordenadora –“[…]vio- me” apareceu comoumameraconsequência minhamento dos jovens para o “mundo docri- mático nestasociedade. ta-se: emrelação aoqueévistocomoproble- palavra quereflete valores eideias–acrescen- levando à discussãosobre asociedade:éuma palavras queforça aatenção,invariavelmente uma “keyword 1976),umadas ” (WILLIAMS, sivo, uma“catchword” (RAPPORT, 1987),ou como umorganizador, umcatalisadordiscur- blemas. Pode-se assimpensarna“violência” utilizada quandosequerfalardeoutros pro- que “violência” compreende umacategoria violências –enestesentidoépossível afirmar pelos governantes eram vistos como formas de a populaçãopobre enãoeramsolucionados quase todososproblemas sociaisqueatingiam Assim, nodiscursodoseducadores, oenca- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 e reforço dos conteúdos da escola formal, assim e reforço dosconteúdos daescolaformal,assim Aqui incluíam-seasatividadesde“apoio escolar” qualidade eàcultura(nosentido deerudição). ficava tambémpossibilitaracessoàeducação de potencial deserem fontesderenda. mentos, etc.), que guardavam em si também o - capoeira, teatro, música,fabricaçãodeinstru (comodança, eesportivas atividades artísticas mas abrangiaoutrasáreas deatuação,como sariamente voltada paraprofissões “clássicas”, profissionalização, noentanto,nãoeraneces- em parceria comempresas, entre outros. Esta formática), programas parajovens aprendizes estética, in- fissionalizantes (como artesanato, lho. Para isso,asONGs ofereciam cursospro - cionar “oportunidades” nomercado detraba- Praticando oportunidades oportunidade”? ONGs eseusagentesfazem isso?Como“dão crianças precisam. Mas comoefetivamente as da atenção,docuidadoeamordequeas tivadora osvalores morais”, nãopropiciadora rar” lidades” forma,“empode etambém,decerta - mesmos”, “desenvolver habilidadese potencia- fissionalizar”, “fazer comqueacreditem emsi “afastar daviolência”, “incluir”, “educar”, “pro- “Dar oportunidade” vários sentidos: comporta dade social)eprevenir oscrimeseasviolências. social ascendente(eassimdiminuiradesigual- pulação empobrecida, proporcionar mobilidade sobre comomelhoraraqualidadedevidadapo- ra emsimesmatodoumdiscursonaturalizado Ao mesmotempo,“dar oportunidade” signi -

“Dar oportunidade” é uma frase que encer- 11 e“estimular oprotagonismo”. Assim, umdosobjetivos erapropor - 137

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 138 suntos queafetassem suasvidas dosprocessos decisóriossobreparticipassem as- potencialidades evolições, oquepermitiria que e institucionaisdeacordo comseusinteresses, compreenderem emanejarem regras culturais chamavam de“protagonismo”: acapacidadede amplo eassimalcançassemoqueaseducadoras tivessem umaprendizado políticoemsentido de políticaspúblicas,comoobjetivo deque econselhos plenárias, instânciasparticipativas máximo nosjovens emfóruns, aparticipação man (1995)–,oseducadores estimulavam ao cientistas políticos – como Perkins eZimmer- ramento”, maispróximo doempregado pelos ção meritocrática. equânime nacompeti- de umpontopartida educação e culturaera dar-lhes a “oportunidade” ção de “múltiplas carências” – “empoderar” com transformarem suas vidas, “saírem” de sua situa- jovens capazes de,usandoseuspróprios meios, falavam sobre “empoderar”: tornarascriançase seu futuro. Era nestesentidoqueaseducadoras assim podendodecidirautonomamentesobre vres paradesenvolverem habilidadesetalentos, ção dequalidadepoderiaoferecer edeixá-lasli- alheadas. Era apresentar tudoqueumaeduca- e saberes dos quais essas crianças se encontravam dade” eraoferecer ocontatocomconhecimentos qualquer criança da elite”. Aqui, “dar- oportuni das “[...]asmesmascondiçõesdeaprender de o objetivo deoferecer àscriançaspobres atendi- pelos alunos.Para diversas educadoras,issotinha tentativas deaproximá-los docotidianovivido údos escolares paraumaperspectiva prática,em assim comoatividadesde“tradução” dosconte- emeventos culturais, passeios, etc., e participação como diversas atividadesdidáticas,paradidáticas Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 Havia ainda outro significadode “empode- 12 . o dequepapel poresta“parte” daeducação bais. Oentendimentoentre aseducadorasera que não por meio de agressões físicas ou ver- formas desolucionarproblemas econflitos, cava mostraroutro modeloderelação, outras um noqualpudessemseespelhar. Eissoimpli - e deviaserummodelomoralparaascrianças, diantedosoutros ediantedesimesmo; portar um modelodecomosecomportar, decomose modelo deconduta,eparaaconduta.Devia ser cadoras afirmavam: oeducadordeviaserum “valores morais”)? Em primeiro lugar, as edu- denominados (que podemser acertadamente lores sociaisensinados. si mesmos, de preferência baseando-se nos va- vida edefuturo, edeixarqueescolhessempor Buscavam apresentar diferentes alternativas de do, apontarqueessanãoeraaúnicaopção. de escolher o caminho da ilicitude e, sobretu- educadoras tentavam indicarasconsequências negar ouproibir, erapreciso convencer. As lha, poderia ser muitopior – nãoadiantava assaltantes, ousimplesmentenegaressaesco- eles poderiam,sim,tornarem-se traficantesou lados” significava quementir ou omitirque sonhar e projetar um futuro. “Mostrar os dois tinham capacidade,inclusive acapacidade de tidade, etc.),mostrarqueascriançasejovens sociais” (amor, respeito, solidariedade,hones- em “mostrar osdoislados”, ensinaros“valores do crime”. Para tanto,afórmulaconsistia “dar denãoirem aoportunidade paraomun - nocivo, evitaroaliciamentopelonarcotráfico, cuidar, afastar de um meio social considerado dos educadores foiode“tirar darua”, proteger, dade” queemergiucommaisforça dodiscurso Mas como ensinar estes “valores sociais” Finalmente, osignificadode - “dar oportuni então era fazer com que todo o grupo acatasse então erafazer comque todoogrupo afirmou ocoordenador. Opapel daeducadora hora decorrer. Ela descobriuumaregra”, como pararia, e assim “A criança percebe que não era era denãocorrer, eumacriançacorresse, tudo paralisada. Se, porexemplo, o“combinado” quebrados oudescumpridos,aatividadeseria riam serunânimes.Se estesparâmetros fossem os parâmetros dainteração. Asdecisõesdeve- antes de determinada atividade, participantes, atividade paraqualquertipode das regras, queserviriam os “combinados”: umaformadecoconstrução tado aseguir).Comoalternativa, eledefendia cado naoutraONGanalisada,comoserátra- mente, navoz” (emcontrasteaoquefoiverifi- não erapossível ensinarosvalores “catedratica- Segundo umcoordenador deumadasONGs, o ensinodos“valores morais” eramvariadas. ma deanormalidade. nuclear/conjugal era caracterizada como sinto- figuração familiarqueseafastassedomodelo da famíliaentre oseducadores: qualquercon- que haviaumavisãomoralistaemoralizante não constituioobjetodapesquisa,ressalta-se esta discussãoqueabarca modelosfamiliares e a mãepelonome”. Sem querer prolongar aqui Tanto é,quemechamamdemãe,e quem faz somos nós. Aqui é a família deles [...] “O queeraparaoEstadoeafamíliafazerem, alimentem. Assim,segundoumaeducadora: as recolham, cuidem,protejam, eduquem, mília, anãoserqueasONGs“tirem darua”, da”, ascriançascresciam abandonadaspelafa- que comatãoafamada“família- desestrutura “em crise”. Diversos educadores afirmaram caberia às famílias, mas estas se encontrariam As estratégiaspedagógicasutilizadaspara 13 . Oeducadorcombinariacomos Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 (“catedraticamente”, aocontrário doquediz “Educação doSer”, estadisciplinaensinava pecíficos eatélivro didático. Denominada “disciplina” dedicada a isto, com horários es- nar osvalores moraiseradiferente: existiauma ajudavam aformar“cidadãos responsáveis”. ciarem nas decisões que afetavam suas vidas, responsabilidade sobre suasações,ainfluen- “combinados” ensinavam ascriançasaterem to acarretava consequências–nestesentido,os ciais aplicadas a infratores? O descumprimen- das leis, e a senão coerçãosanções so- do grupo tuiriam asregras combinadassenãoprotótipos – o uma que consti- democracia participativa em “assembleia”. Seria ummodeloinfantilde deveres iguais, estipulados em regras definidas pação nadefiniçãodas regras, comdireitos e ta dasregras deconvivência,- aefetiva partici conjun- eles comoacapacidadedeconstrução relaçõesconstruir decidadania,entendidaspor o grupo”. Eistoparaoseducadores significava brar das outras: “cumpra a regra, colabore com [...]”. Aspróprias criançascomeçariamaco- desmobiliza aatitudedeindisciplina,briga de nãocombinado. Isso numefeitodominó “infrator”, “[...]desmobiliza eledeteraatitu- po, paralisadoemsuasatividadesporcausado gundo oeducador, apressão- geradapelogru crianças que estavam cumprindo as regras. Se- lúdicas eprazerosas, irritava as ainterrupção po”. Comomuitasvezes asatividadeseram dele de descumprir a regra prejudicou- o gru simpático.ele élindo,perfeito, Mas aatitude lavras docitadocoordenador): “OFulaninho, a educadora deveria deixar bem claro (nas pa- a regra, todosteriamquevoltar para“a roda”, e o combinado:mesmoquesóumdescumprisse Já naoutraONG,aestratégiaparaensi- 139

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 140 preendidas. Esta “linhaeducacional”, presente podemsercom- eosesportes tadas paraasartes estigmas epreconceitos que sofrem. ses populares comoestratégiaparaenfrentar os cimento dasmanifestaçõesdosjovens dasclas- Malvasi (2004),taisaçõesapostamnoreconhe- ral dascriançasejovens queatendem.Segundo para favorecer o reconhecimento social e cultu- eculturaiscomo caminhos esportivas artísticas, nos últimosanostêminvestido ematividades sentirem valorizadas). Para fazer isso,asONGs ria levá-las aoenvolvimento comcrimesparase ma, aceitaçãoouvisibilidadesocial(oquepode- que aspessoasatendidasnãotinhamautoesti- acreditem emsimesmos”, poisseconsiderava bilidades epotencialidades” e“fazer comque oportunidade” estavam ode“desenvolver ha- a serem preenchidas. Entre ossentidosde“dar pensava-se queelesnãoestavam lá. necessário substituirEstadoefamíliaporque não os possuíam. Da mesma maneira, só era porque havia o pressuposto de que as crianças siderado necessárioensinarvalores morais,era pal. Mas ressaltar éimportante que,seeracon- “a moraldahistória”, queeraoobjetivo princi- bre ostemas,oquefavorecia adiscussãosobre ras conseguiamatrairaatençãodascriançasso- pequenas encenaçõesdramáticas,aseducado- lembrar queutilizandofábulas,animações e para detalharaproposta eaexecução, mascabe leis”, entre muitos outros. Não háespaçoaqui “valorização davidadopróximo”, “respeito às dariedade egentileza”, “convivência familiar”, “paciência”, “resignação”, “honestidade”, “soli- o coordenador da outra ONG) temas como Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 É nestesentidoqueasações educativas vol- Existiam ainda outras“faltas” e“carências” um lugaragradável para eles, comatividadesin- mal”. Nesse contexto,serianecessário oferecer dos, para que não “descambem para o lado do identificassem paraatraí-los, deixá-losinteressa- vidades com as quais as crianças e os jovens se cativo, nadamais“natural” quedesenvolver ati- comoagentedeseuprocesso edu- construtora, comoco- deveria teracriançacomopartícipe, educação praticadapelasONGseseusagentes fontes potenciaisdereconhecimento social. cial (senãoeconômica)eseconfiguramcomo apresentam umefetivo potencialdeinclusãoso- peitadas, legitimadaseadmiradas.Desta forma, mostrarem aptosematividadessocialmenteres- dese mente. Configuram-seemoportunidades são tísticas valorizadase desportivas financeira - Além disso,ésabidoquenoBrasil atividadesar- potencializados com o trabalho dos educadores. pacidades etalentos,queseriamdesenvolvidos e suas habilidades pessoais e coletivas, de suas ca- de quecareceriam, através davisibilizaçãode tação, aautoestimaeoreconhecimento social as atividadesproporcionarem aosjovens aacei- sões. No entanto,ressaltava-se acapacidadede possibilidade desetransformarem emprofis- qual tivessem prazer, comotambémtrariama identificarem-sea comalgumaatividade melhorar suasociabilidade,“enturmarem-se”, dos educadores, nãosóajudariamosjovens a deequipe. e esportes Tais atividades,navisão marciais plásticas,teatro, artes eartes artesanato balé, hip-hop, dançasafro, diversas formasde las de música e aprendizado dosinstrumentos, comau- edesportivas, des culturais,artísticas para oreconhecimento social” lhante, e que pode serdenominada“educação nas duasinstituiçõesdemaneirabastanteseme- Além disso, se a construção da proposta de daproposta de Além disso,seaconstrução 14 , abarca ativida- Ela abarcou formas dedefinirossujeitos,o con- F para “tirá-los elhesdaroportunidade”. darua na comonarcotráfico” (SOARES, 2005, p. XX), educadores para“disputar cadameninoemeni- ares (2005). Estas seriam as armas utilizadas pelos e afetivas alternativas aotráfico,comoafirma So- Deveria oferecer vantagens materiais,simbólicas “cativação”, comodenominouumaeducadora. educação precisaria dosedeatraçãoou tercerta Nesse sentido,oseducadores indicaramquea ocupá-los, mantê-losnaONG,evitarsuaevasão. teressantes, deformaa“tirá-los darua”, atraí-los, educadores, praticamente umfatosocialtotal ta” todoestedebate. queestrutura interpretação ora adotada é justamente a “fal- falta “oportunidade”, faltaigualdade.Aliás,na são “culpados” por tudo: também falta Estado, “problema”: “falta” algoaeles.No entanto, não próprios do sujeitos.Os sujeitosseriamparte dascausaseraimputadaaos se colocou,parte a forma de definição do problema. E, como cionadas com as suas causas alegadas e com problema social dasviolênciasdevem serequa- que ações visando a uma suposta solução do nida “a violência”? Afirmou-seanteriormente como em suas famílias) estaria sendo preve- pobrecidos de“comunidades carentes”, assim neles(nosjovensintervindo ecriançasem - sendo prevenida. Mais claramente,porque mente nestessujeitos,acriminalidadeestaria educativamente, especifica- que intervindo tidades, massimqualomotivo deseacreditar dasen- -se-iam criminosossemaintervenção vens atendidos pelas ONGs estudadas tornar- altas queescondem oportunidades A “falta” foionipresente nodiscursodos Aquestãonãoésaberserealmente osjo- 15 . Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 ajudar arecuperá-lo ouconstruí-lo. Se aculpa to e o ensino da militância política poderiam diziam faltaracessoadireitos, oempoderamen- jovens cuidavam deleseosocupavam. darua, Se ta deocupação,asONGstiravam ascrianças e colar” se dedicavam a redimi-la. Se alegavam fal- cabia àescola,easaçõeschamadasde“apoio es- educação, conhecimento e informação, a culpa ção doSer”. Se oproblema consistianafaltade para valores”, nos“combinados” ou na“Educa- violência”. Asoluçãoresidia entãona “educação “estrutura”) eissopoderialevar osjovens “para a “valores”, aculpaerada família(àqualfaltava to”, paratentarreverter asituação. Se faltavam se denominou“educação paraoreconhecimen- dade social e dopreconceito, eaíestava o que visibilidade eaceitação,aculpaeradadesigual- ações redistributivas. Se elesacusavam afaltade profissionalizante, peloassistencialismoepelas to ilícito. Asoluçãoaquipassoupelaeducação o quepoderialevar osjovens- aocomportamen sistema econômico,dadesigualdade,doEstado, nheiro comoimpelindoaocrime,aculpa era do lução”. Se oseducadores acusavam afaltadedi- prática dasONGs)um“culpado” euma“so- diagnosticavam, existiaemseudiscurso (e na remediada dealgumaforma. a culpaeradealguémeestafaltaprecisava ser tos, issoera“uma violência” ouumacausadela, dodiscurso:sefaltava algo aossujei- truturador ees- em seusdiscursos,eraumtodoarticulado população eoconjuntodasociedade.“A falta”, isso –eassimdizem algosobre comoveem esta à populaçãoatendida.Aseducadorasafirmaram verificar empiricamente se “faltam” tantas coisas cia”. Deve ficarclaro quenãofoioobjetivo aqui texto, asociedade,omomentoatual,“a violên- Assim, paracada“falta” queas educadoras 141

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 142 que talvez pudéssemoschamarde“inclusão ex- de seatingir um objetivo não intencional, algo dores, deve-se lembrar, noentanto,dosriscos boas intençõesdasinstituições edeseuseduca- Sem querer emmomentoalgumduvidardas boa família” –em umapalavra,“civilizados”. úteis, educados,pacíficos,trabalhadores, “de mações necessáriasparasetornarem sujeitos conseguiriam, sozinhas,alcançarastransfor- essaspessoasnão se aONGnãointerviesse, discurso daseducadorasfoiumavisãodeque, que secolocam.Alémdisso,oemergiudo tidos, naposiçãomoralmentesuperiorem atravésassis - da formacomocaracterizamos discurso institucionalenodoseducadores simétricas. Eestaassimetriatransparece no que nãopoderetribuir, geram-serelações as- dá algo(nocaso,“oportunidades”) aalguém atualíssimo Marcel Mauss (1974),quandose cos dadádiva, taiscomoolongínquoporém doxos não resolvidos: como sugerem os teóri- ineficientes eimpotentes. ceu comosubstitutivo doEstadoedafamília, agora dizer queopapeldestasentidadesapare- das ONGsentre Estadoesociedade,pode-se ONGs dariapistasparacompreender o“lugar” das necessidadesecarências dopúblico-alvo das Assim, seantesargumentouqueadefinição estas criançasparaasONGseprojetos sociais. quente transferência deresponsabilidades sobre tas instituições(Estadoefamília)umaconse- era deumadesresponsabilização des- porparte Ao que parece, oentendimento dos educadores encontrava seu substitutonestasinstituições. era da família (“desestruturada”), também esta “corrupto”), asONGsosubstituíam.Se aculpa era dafaltadeEstado(“ineficiente”, “ineficaz”, Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 Para encerrar, salienta-sequeexistempara- sociedade brasileira. naa impunidade,desigualdade incrustada tividade daspolíticaspúblicas, opreconceito, problema: oabandonodoEstado,a não efe- próprios educadores afirmamser o cernedo “problemáticos”. Mas nãoatingeoqueos sobre arranjosfamiliares identificados como pessoal noseiodascomunidadeseatémesmo um impactosobre ospadrões derelação inter- famílias, tudoissopodeinegavelmente ter nas des, capacitarprofissionalmente, intervir social problema”, mostrar outraspossibilida - (em suasdiversas esferas),retirá-las do“meio melhorar aqualidadeeoacessoàeducação ças e adolescentes valores éticos e morais, seus modelosfamiliares. Inculcar nascrian- da criançaedoadolescente,assimcomoem nos processos desocializaçãoesubjetivação eria doscasos,focadasnocomportamento problema social dasviolênciaseram,namaio- propostas pelos educadores parasolucionaro o queseverificou foiocontrário:asações tar focadasnastais“violências maiores”. Mas de dirimir“a violência” genéricadeveriam es- ousistêmicas, asaçõesnosentidoestruturais eram apenasreflexos de “violências maiores”, centes nacriminalidadeenotráficodedrogas dosjovenspessoais eaparticipação eadoles- cadores acreditavam queasviolênciasinter- da” (DEBERT, 2001). sua faltadeigualdade,“cidadania malogra - guais, legitimandosuaexclusão, cristalizando estar automaticamenteconsiderando-osdesi- cisam sertransformadosemcidadãos,pode-se precisa ser“incluída”, queseusmembros pre- categoria desujeitosprecisa deeducação,que cludente”: exatamente por afirmarem que esta Finalmente, cabeassinalarqueseosedu- igualdade de oportunidades, igualdadeso- igualdade deoportunidades, e commaisdireitos. Igualdade financeira, esperança deoutro mundo,sem“violência” ideal de justiça social como igualdade e na E esteprojeto desociedadesebaseiaemum seja alcançaratravés destesprojetos sociais. implica umprojeto desociedadequese- Apesar disso,aatuação destas educadoras 15. 14. 13. 12. 11. 10. 9. 8. 7. 6. 5. 4. 3. 2. 1. estéticos emorfológicos; neles,toda avidasocialseentrelaça, se mistura esemanifesta. aspecto simbólico. Nos fatos sociais totais exprimem-se as instituições religiosas, jurídicas, morais, econômicas, bem como os fenômenos Partindo daconcepção defato socialdeDurkheim(fato socialcomo “coisa”, objeto aserestudado),Mauss (1974)introduz noconceito o boa discussão deMattos (2006). Sobre as teorias do reconhecimento social e da redistribuição material, são textos essenciais Honneth (2003); Fraser (2001, 2007), além da espaço nopresente artigo, remete-seaCarreiro eLima(2012Nunes (2014). Para umadiscussão maisdetalhadasobre aprática disciplinardoscombinados naeducação infantil, para aqualinfelizmente nãohaveria Para umarevisão sobre participaçãoeprotagonismo juvenil, conferir Boghossian eMinayo (2009). públicas, ver Perkins eZimmerman(1995). e políticas, para capacitando-os searticularem emprol deinteresses coletivos, assim transformando-os emsujeitos dedireitos edepolíticas O conceito deempoderamento serefere àstentativas dedesencadear maiorenvolvimento dosindivíduosemaçõescooperativas, solidárias Já sediscutiu esta questãoemoutra oportunidade,ver Rodrigues (2009). Termos controversos ebastante criticados. Para umdebate maisaprofundado, ver Malvasi (2004,2008)eAdorno(1998). Sobre oconceito deeducação popular, conferir Gadotti eTorres (1992)eBrandão (1982). procedimentos típicos dapesquisaetnográfica. ou nãoestruturadas, aanálisedenarrativas edehistórias devida,assim como aobservação participante nocotidiano dasinstituições, A pesquisadecampo foi realizada durante três anos.Osprincipaisprocedimentos metodológicos utilizados foram asentrevistas semi padrões, dãosentido àexperiência eaorganizam. modelos “para” estabelecem padrões de comportamento e ordenam aconduta; já os modelos “de”são a representação simbólica destes os tipos: dois de ser podem que modelos, são culturais padrões os que afirmar, esquematicamente, possível é (2008) Geertz Segundo durante acitada pesquisa(RODRIGUES, 2006). Optou-se por denominar “narradores” os sujeitos que contaram suas experiências pessoais de eventos violentos sob a forma de narrativas Sobre apositividadedosconflitos, ver Simmel(1983);sobre apositividadedasviolências, ver Rifiotis (1997,1999). Esta pesquisa teve auxíliosdoCNPqedaCapes. (2009) eDubet (2002). Diversos autores apontam asituação de crisequeestas instituiçõesvivem nacontemporaneidade, como Deleuze (1992),Wieviorka sociedade quepossuem características decontrole edereprodução social,tais como afamília, oEstado, aescola, aprisão, entre outras. Existem diversos entendimentos teóricos sobre oqueseriam“instituições”.Aqui,termo remete acertas formas deorganização da intercambiáveis edistribuí-lasnotexto deforma aleatória. equânime, eousode“oseducadores easeducadoras” torna-se excessivo ecarregado notexto, preferimos usartais formas como Como o uso exclusivo de “os educadores” (ou “as educadoras”) para a referência tanto a homens quanto a mulheres nos parece pouco Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 mesmas “oportunidades”. ca extensiva, anãoserquetodostenhamas de uma política públi- generalizada a partir ou umasoluçãobiográfica,amenosqueseja individual,continuará aseruminstrumento dade éaeducação. Oproblema équeesta mento privilegiadoparaatingirestaigual- - cial, igualdadenadiversidade. Eoinstru 143

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 144 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 theory reader social . Londres: Routledge, 2001. p. new 285-93. The (Orgs.). J. ALEXANDER, S.; DMAN, SEI- In: age. ‘postsocialist’ a in justice of Dilemmas recognition? to redistribution From Nancy. FRASER, du Seuil,2002. DUBET, François. RelumeJaneiro: Dumará/Anpocs, 1995. Sociais e Participação política no Brasil pós 70. Rio de DOIMO, Ana. 34,1990. RiodeJaneiro: 1992.p. 219-226. G. DELEUZE, In: controle. de sociedades as sobre Post-scriptum Gilles. DELEUZE, p. 71-92, 2001. tudos Interdisciplinares, Rio de Janeiro, ano 3, n. 2, brasileiro.contexto no sociais políticas novas as e Família A DEBERT,Guita. . Acesso 2016 em:15set. em: Disponível 2012. 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Aires, Buenos 8., Conflict and the web of group-affilia- Nw ok Oxford York: New Keywords. Associativismo Associativismo civil em Santa Buenos Aires, 2009. Aires, Buenos Anais... Tirando do crime e dando dando e crime do Tirando Cahiers Internationaux de Cabeça de Porcode . Cabeça 145

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Artigo Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues 146 Palabras clave: contemporáneo ysusproblemas yasímismos. e interpretan moralmente el público atendido, el mundo pueden deciracerca delamanera como estos agentes ven buscando percibir loquelassolucionespropuestas nos las modalidades propuestas de intervención y prevención, “violencia” ylasformas como este entendimiento afecta y busca explotar losentendimientos delconcepto de prácticas deeducadores deONGseducación infantil, dirección preventiva. Este artículo analiza losdiscursos y de enfoque enelenfrentamiento delasviolenciasenuna las instituciones”. Además, son características de un cambio de problemas socialesenuncontexto deaparente “crisisde sociedad civilorganizada quesedirigenalenfrentamiento ser entendidas cómo manifestaciones delmovimiento dela instalados enlasperiferias brasileñas. Estas acciones pueden sirve debasepara acciones deONGsyproyectos sociales “retirar losniñosdelascalles ydaroportunidades”.Tal discurso Un discurso socialmuy común en Brasil establece que se debe violencia la de prevención y ONGs oportunidades: y faltas Entre Resumen Tiago Nogueira Hyra Chagas da violência Entre faltas ONGseprevenção eoportunidades: Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 Violencia. ONGs.Educación. Prevención. Keywords: contemporary world, itsproblems andthemselves. these agents view andmorally interpret thepublicserved, the to ascertain whatthesolutionsproposed reveal abouttheway the modalitiesproposed for intervention andprevention, and “violence” andtheway inwhichthisunderstanding affects and seeks to explore the understandings of the concept of discourses andpractices of NGOeducators inchildeducation, towards amore preventive approach. This article analyzes the they are characteristics of ashiftinfocus intackling violence amidst anapparent “crisisof theinstitutions”.Inaddition, of organized civilsociety thatseekto tackle socialproblems actions can be construed as manifestations of the movement projects implemented inBrazil´s pooroutlyingdistricts. These This discourse underpinstheactionsof NGOsandsocial be removed from thestreets andprovided withopportunities”. A common socialdiscourse inBrazil holdsthat“children should prevention Between shortages and opportunities: NGOs and violence Abstract Violence. NGOs.Education. Prevention. Data derecebimento: Data deaprovação: 03/02/2017 02/09/2016

Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 130-146, Fev/Mar 2017 147

Entre faltas e oportunidades: ONGs e prevenção da violência Tiago Nogueira Hyra Chagas Rodrigues Artigo POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Artigo Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann 148 potência daprevenção terciária POD RSSocioeducativo ea Psicóloga. Mestranda emPsicologia SocialeInstitucionalpelaUniversidade Federal doRioGrande doSul-UFRGS. Fernanda Winkelmann Advogada. Especialista emCiênciasCriminaispelaPontifícia Universidade Católica doRioGrande doSul-PUCRS Cristiane Braga professor visitante naUniversidade deOxford (UK),ondeseespecializou emsegurança pública. dade Federal doRioGrande doSul-UFRGS. Graduado emJornalismopelaUniversidade Federal deSanta Foi Maria(UFSM). Professor daCátedra deDireitos HumanosdoCentro Universitário Metodista. Doutor emestre emSociologiapelaUniversi- Marcos Rolim Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 POD Socioeducativo. Delinquênciajuvenil. Prevenção terciária. Desistência criminal. Palavras-Chave terciária noBrasil tenham umpotencial aindainsuspeito. da ViolênciaUniversidade doColorado (EUA). Oresultado dessa comparação sugere queiniciativas deprevenção área muito bem avaliados pela certificação especialmente quanto aos indicadores de reincidência infracional e criminal, são comparados com programas na mesma o Programa deOportunidadeseDireitos (POD)Socioeducativo. Osencorajadores resultados colhidos peloPrograma, Sul com prevenção do Grande da alcançados terciária, Rio desafios resultados preliminarmente os considerando no dos jovens que já passaram por uma experiência de privação da liberdade como autores de atos infracionais. Trata, assim, O artigodiscute aspossibilidades para odesenvolvimento deumapolítica pública capaz deretirar davidacriminal Resumo [email protected] [email protected] [email protected] Blueprints for Healthy Youth Development, do Centro para Estudo e Prevenção Introdução D taxas dehomicídio daevoluçã das sabe-se dasuagravidadeapartir ção depesquisas de vitimização no país,mas nhecidas porcontadaausênciadeumatradi- do problema nãosãoaindapropriamente co- cia decaracterísticasepidêmicas.Asdimensões dade, oquereforça o ciclo deviolência. têm produzido taxaselevadíssimas deimpuni- madas aummodelodepolícia disfuncional, policial enotrabalhotécnico dasperícias,so- e aausênciadeinvestimentos eminteligência letal, asfragilidadesdosprocessos investigativos mente, contraproducentes. No casodaviolência como sesabe,sãomuitolimitadose,nãorara- das emmecanismosrepressivos. Os resultados, de violênciatêmsido,substancialmente,foca- As respostas doEstadobrasileiro àonda convive com umaescaladadeviolên- esde oiníciodosanos1980,Brasil 1 . Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 espanto comoqueé.” àqueles temasquesóconhecemosemmudo “Ter opiniõeséummaucaminhonoquetoca nomear projetos delineados para grupos que nomear projetos delineados paragrupos conceito deprevenção terciária, porfim,para crimes quantoparavitimização. Emprega-se o derisco, tanto paraocometimento de grupos diz respeito àsiniciativas públicasfocadasem portodos.Aprevençãoobservadas secundária de legislaçõesqueestabelecemregras aserem universal esãocomumentedelineadasapartir de prevenção primáriapossuemumadimensão apud PEASE, 2002, p. 950). Políticas públicas terciária (BRANTINGHAM;FAUST, 1976 iniciativas deprevenção primária,secundária e como naSaúde, emtrês níveis, distinguindoas Saúde Pública. Assim,trata-sedaprevenção, dasdefiniçõesdesenvolvidas naáreapartir da nologia contemporânea tem sidoempregado a blicas adequadasàsdinâmicascriminógenas. o crimeeaviolência,delineandopolíticaspú- necessidade deidentificarfatores derisco te não investe em prevenção e desconsidera a O paradigma dos fatores de risco na crimi- Para agravar oquadro, oBrasil praticamen- Hannah Arendt 2 para 149

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann Artigo POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Artigo Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann 150 A e aindanãoidentificadopelopoderpúblico. rindo queelapossuapotencialextraordinário lidades da prevenção terciária no Brasil, suge- tência Socioeducativa doRS(Fase), aspossibi- jovens adultosegressos daFundação deAssis- tivo, desenvolvido para atenderadolescentese e DireitosOportunidades (POD) Socioeduca - mente adaprevenção terciária. afirmar queaárea maisnegligenciadaéexata- em prevenção docrimeedaviolência,pode-se cular, seéverdade queoBrasil poucoinveste já seenvolveram comocrime.Neste- parti Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 e aadolescência. Tampouco estãocircunscritos não estão presentes apenas durante a infância volvimento futuro com ocrimeeaviolência abordagens etal.,2014). violentas(WILKINS bem diferente, sendomaisprovável suaadesãoa desconsiderados, tendemaresponder deforma tegidos, ondeseusdireitos maiselementares são adolescentes quecrescem emambientesnãopro- criançase DICINE, 2000).Em contrapartida, SEARCH COUNCIL; INSTITUTE OF ME- evitar situaçõesdeviolência(NATIONAL RE- cia necessária paracontrolar a impulsividade e empática eautoestima,adquirindoacompetên- vos deconduta, alémdedesenvolver capacidade vínculos emodelospositi- chances deconstruir aprendem commaisfacilidade,possuem (BRASIL, 1990).Em ambientesassim,osjovens por relações afetuosascompaiseoucuidadores des básicassejamsupridaseestejamamparados um ambientedecuidado,ondesuasnecessida- valia Este artigo discute, a partir doPrograma discute,apartir Este artigo de Os fatores queaumentamaschances deen- Crianças e adolescentespossuemodireito a ção ecomplexidade drogas, etc.(GREENWOOD, 2008).Até que, lestras emescolasparaprevenir oconsumo de de adquirir“disciplina evalores”; depa- aoferta campos militarizadosondeos jovens haveriam colas industriaisouembootcamps , espéciesde internatos para treinamento profissional, em es- rais; ainclusãocompulsóriadeadolescentesem urbano paraqueelestrabalhassememáreas- ru exemplo, oafastamentodejovens do contexto várias estratégias promovidas implicaram,por expectativas alicerçadas empreconceitos. apenas deteorias criminológicas ou mesmo de do crimeedaviolênciapoderiamserdeduzidos quem imaginassequeprogramas paraaredução sobre osresultados depolíticaspúblicas,houve lidada erespeitada tradiçãodeavaliação externa em países como os Estados Unidos, com conso- de prevenção. Ao longodemuitosanos,mesmo uma abordagem multifatorialparaprogramas complexidade doproblema eanecessidadede MERT, 1951;BECKER,2009). de adolescentesautores deatosinfracionais(LE- dainstitucionalização dades criminosasapartir drogas (ROLIM, 2016)eaprodução deidenti- mento decriançaseadolescentespelotráfico 2003;SOARES,MORETTI, 2007),orecruta- de prevenção: aevasão escolar(LOCHNER; de uma política eficiente ção para a construção três fenômenosparecem merecer especialaten- to de padrões delinquenciais. No caso brasileiro, têmicos deexclusão socialededesenvolvimen- nas comunidadesestãonabasedeprocessos sis- dimensões,circunstâncias operantes portantes Paralitam opçõesdisruptivas. alémdessasim- às eventuais característicasindividuaisquefaci- Assim, semonecessárioexamederesultados, A simplesmençãoaestestemasevidencia psicológica de crianças e adolescentes, prevenção psicológica de crianças eadolescentes,prevenção melhoria dodesempenhoescolar, saúdefísicae infância edajuventude, envolvendo temascomo de avaliação externadepolíticaspúblicas naárea da (EUA), oferece umdosmaisrenomados serviços da Violência ção Development tras regiões econtextos. iniciativa podeserreplicada comsucessoemou- do programa e evidências que demonstrem que a dos jovens por vários anos após o desligamento precisa sobre reincidência, oacompanhamento uma avaliação rigorosa exigiriaumadefinição medida deprivação daliberdade. Aindaassim, ça e do Adolescente (ECA), destacadamentea socioeducativas previstas peloEstatutodaCrian - tureza coativa; nocasobrasileiro, comasmedidas rados comaresposta públicatradicional,dena- alternativos, osdeprevenção deverão sercompa- resultados superiores. Na ausênciadeprogramas houver outras abordagens maiseconômicascom veis, e,ainda assim,serconsideradaineficientese caz, nosentidodequeproduz resultados apreciá- ração. Uma determinadainiciativa poderáserefi- ausência deprogramas alternativos paracompa- infracionais, umadelasrelaciona-se, noBrasil, à lidam comadolescentesquejápraticaramatos ciativas deprevenção. No casodeprogramas que (REISS; ROTH, 1993). desperdiçados comprogramas caros eineficazes tos pagospeloscontribuintesestavam sendo seja, osrecursos públicosderivados dosimpos- que elassimplesmentenãofuncionavam. Ou revisão arespeito destasexperiênciasmostrou no iníciodosanos1990,umamploestudode A certificação A certificação Blueprints for Healthy Youth Há muitas dificuldades para se avaliarem ini- 3 ,

do Centro paraEstudoePreven- da Universidade doColorado Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 missoras” ou“modelares” menosde5%delas como iniciativas públicas,tendocertificado “pro- de drogas. O programa já avaliou mais de1.400 da violênciaedelinquênciajuvenis edoabuso apresentar a seguintescaracterísticas: rados “modelares” devem, necessariamente, os seguintespadrões: tificação Blueprint exige queestejampresentes namental sejaconsiderada“promissora”, acer- Já conside- osprogramas eintervenções d) c) b) a) Para que uma determinada iniciativa gover- tação fidedignaemoutros contextos. e outros apoiosexigidosparaimplemen- nuais detreinamento, assistênciatécnica cessária capacidadeorganizacional,ma- ma podeserdisseminadoepossuiane- disponibilidade dedivulgação:oprogra- evidência deefeitoscolateraisdanosos; tido dosresultados pretendidos esem nificativas mudançaspositivas nosen- ção dealtaqualidadedevem indicarsig- preponderantes encontradas na avalia- asevidências impacto daintervenção: quase-experimental; randômico ouduasavaliações dotipo teste dealtaqualidadecomcontrole fiáveis. Isso exige, no mínimo, um deve contar comdadosválidos econ- qualidade daavaliação: aavaliação mudança esperada; funcionamparaproduzir a tervenção -alvo ecomo oscomponentesdain- que serãoconsiderados,apopulação- risco eosfatores protetivos específicos os resultados esperados, os fatores de programa deve identificar claramente específica:adescriçãodo intervenção 4 . 151

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann Artigo POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Artigo Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann 152 de 2009,criou oPrograma RSSocioeduca- Sul, através daLeinº 13.122,de9janeiro O PODRSSocioeducativo examinar. importa traordinária quantoàprevenção terciária que insuficientes, sugerem umapotencialidadeex- Os dadosdisponíveis, entretanto, mesmoque a seguir, nãopossuiqualqueravaliação externa. (POD RSSocioeducativo), queserádiscutido e DireitosOportunidades RS Socioeducativo sos públicos.Assim,tambémoPrograma de nado àineficiênciaeaodesperdício de recur- tais, problema que está estreitamente relacio- políticas públicasedeprogramas governamen- Brasil comrelação àavaliação deresultados de atenção sobre limitaçõesaindatãocomunsno não possuainteresse financeiro nele. tenha sidomembro doprojeto originaleque qualidade conduzidoporpesquisadorquenão de evidênciasencontradasemestudoalta dos independentemente com sucesso, a partir grams) para projetos que tenham sido replica- uma categoriadeexcelência (Model Plus Pro- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 O governo do estado do Rio Grande do Assinalaram-se essespadrões parachamara A certificação A certificação Blueprint b) a) qualidade; do tipoquase-experimentaldealta lidade realizado apósumaavaliação de controle randomizadodealtaqua- qualidade randomizadosouumteste de doiscontroles comtestesdealta qualidade daavaliação: ummínimo após ofinaldaintervenção. um período mínimo de 12 meses impacto positivo esustentável por ainda lida com da condutainfracional”, segundo odispos- da “integraçãosocial” eda“desaprovação -se nos propósitos da “responsabilização”, realizado naárea dasocioeducação baseia- jovem quantodasuafamília.Otrabalho do acompanhamento psicossocial, tanto do direcionadas maisvulneráveis e aosgrupos trabalho, dainclusãoempolíticaspúblicas ção profissional, dainserção nomercado de com alei,através daescolarização,forma- tir osdireitos dosadolescentesemconflito nhamento dosegressos. social nomundodotrabalhocomoacompa- enainserçãocioeducativas emmeioaberto os seusalicerces noincentivo àsmedidasso- oudasuaextinção, oProgramaaberto possui gressão damedidasocioeducativa paraomeio Rio Grande doSul (Fase), dapro- emvirtude Fundação deAtendimento Socioeducativo do com idadesentre 12e21anos,egressos da Calábria, ambosdePorto Alegre. e oCentro deEducação Profissional São João socialmente, comoaFundação Pão dosPobres em formaçãoprofissional dejovens vulneráveis por instituiçõesdoterceiro setor, comexpertise SUL, 2013). tos RSSocioeducativo (RIOGRANDEDO chamar Programa eDirei deOportunidades - 1º-A, dispondo que a iniciativa passaria a se de 2013, teve inserido em seu texto o artigo SUL, 2009).ALeinº14.228,de15abril Desenvolvimento Social (RIOGRANDEDO tivo, noâmbitodaSecretaria daJustiça edo O PODRSSocioeducativo buscagaran- Voltado aadolescentesejovens adultos, O PODRSSocioeducativo éexecutado manutenção predial, mecânicaemarcenaria. co eminformática,auxiliar administrativo, diversas áreas, taiscomosecretariado, técni- ção, osadolescentesrecebem formaçãoem lei citadaanteriormente.Durante suaexecu- 3ºdaseis meses,conformedispostopeloart. tério doGrupo Gestor, ser prorrogado por financeiro poderá,excepcionalmente, acri- almoçoelanche.Oapoiovale-transporte, Grande doSul por cento)domenorpisosalarialnoRio nanceiro nãosuperiora50%(cinquenta riamente doprograma, recebem apoiofi- do trabalho. dizagem profissional einseri-losnomundo qualificá-los em oficinas e cursos deapren- adultos ematividadesculturaiseesportivas; mover ainserção dosadolescentesejovens lecimento pessoal;elevar aescolaridade;pro- promover- açõesdedesenvolvimento eforta vislumbrar perspectivas dereinserção social; vência, almejando queosegressos possam vida; proporcionar novos espaçosdeconvi- deumprojeto defamília paraaconstrução sabilizar oadolescente/jovem adultoeasua de educandosesuasfamílias;correspon- cesso socioeducativo deacompanhamento miliares umpro- ecomunitários;construir vem reflita sobre oseucomportamento. ou indiretamente, possibilitando que o jo- infracional, istoé,asvítimasatingidasdireta dos danosprovocados pelapráticadoato SIL, 2012), passando peloreconhecimento 12.594/12, quedispõesobre oSinase (BRA- 1daLeinºto nosincisosI,IIeIIIdoart. Os egressos, volunta- queparticipam osvínculosfa- O PODbuscafortalecer 5 , durante12meses,alémde Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 rativa edelazeresportivas ecultura. O PODoferece, ainda,oficinaspedagógicas, níveis contam,basicamente, comestudosqua- do PODSocioeducativo easavaliações dispo - Socioeducativo Primeiros resultados doPODRS DO SUL,2009apudBRAGA, 2016). recebimento dabolsaauxílio(RIOGRANDE abrigos municipaiseestaduaisademorano guns jovens com dificuldade desevincular aos os jovens/adultos de al- –,asituaçãoderua de saúde mental da rede – principalmente para para oPrograma, odifícilacessoaosserviços ficuldade da Fase empreparar osadolescentes cializados deAssistênciaSocial (Creas), adi- -círculo com osCentros deReferência Espe- apoio familiar, a dificuldade de agendar pós- portadores de deficiência mental,a falta de nência noscursosenasoficinasdosjovens escolares, adificuldadedeinserção eperma- vens, opreconceito dasinstituições porparte grama, destaca-se a baixa escolaridade dos jo- va, aequipe procura saberasrazões daausência. ausentando-se repentinamente esemjustificati- so). Havendo egressos evadidos doprograma, vidual deAtendimento doEgresso (PIA-Egres- jovem e de sua família em relação ao Plano Indi- políticas sociais,visandoaoempoderamentodo os profissionais da Fase eda rede dasdiversas tanto, realiza oCírculo deCompromisso, com de eventos prejudiciais navidadaspessoas.Para as relações desgastadas em razão de conflitosou Inspirado naspremissas daJustiça Restau - Há poucos trabalhos acadêmicos a respeito Entre os obstáculos enfrentados pelo Pro- 6 , oPODpretende resgatar osvínculose 153

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann Artigo POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Artigo Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann 154 tratos aseguir(BRAGA, 2016): culos comosjovens, comosepercebe nosex- em 2015sugerem vín- queeleconstrói fortes quatro egressos quefrequentaram oPrograma litativos. Entrevistas emprofundidade com Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 que mever (entrevistado 3); que passar humilhação no central lá para ter sofrer de novo, entendeu?Aminhamãeiater Se eucaíssedenovo, euiafazer aminhamãe do algumacoisapelaminhafamília também. uma coisasóparamim,queeuestava fazen- da minha vida, que eu não estava fazendo me fizeram pensarnoqueeuestava fazendo [...] oPODmeajudounomomentoemque conseguiam (entrevistado 2); não tinhamnahora,elesdavam umjeitoe que agenteprecisasse elesnosajudavam. Eles coisa, atrásdealgumaajuda,qualquercoisa como estásendoacorreria, atrásdealguma perguntam como está sendo a vida da gente, prego, estágio,incentivam muitoagente.Eles muita assistênciapragente,deconseguirem- mim. ComooPODnãoexiste.Odá procuravam emprego. Foi muitobompara algum ato. Eles ajudavam, davam conselho, não ter, denãoprecisar, cometeralgumdelito, ajudar emcasa, e me deu maissegurançade alguma coisaparaajudaraminhamãe, do auxílio, isso já me deu uma garantia de ter além [...] oPODdeubastanteoportunidades, até mais.Era bembom(entrevistado 1); bem. Tudo queelesfalaramcumpriram, com muitos aí. Com todos eu me dava muito loga. Eles nãoesquecem.Eu tinhaafinidade Eu tenhocontatocomalguns, atécompsicó- Não tem nada como aequipe que estava aí. [...] euqueriamesmoeraoPODdevolta. 2014, p. 13): aseguir(WINKELMANN, como seobserva relações afetuosasentre alunos einstrutores, sugere apresença deummétodoqueestrutura haviam relatado omesmosentimento,que Em doPODjá 2014, outros participantes sar comeles(entrevistado 4). especial nemnada,erasóparasentareconver- ver como era a relação. Não tinha atendimento bem. Eu sóianoPODparaconversar, prati que euchegueinoPODelesjátrataramsuper nada, eunãotinhainteresse emnada.Desde minha fichaemandaram. Eu nãoqueriafazer tinha interesse algum. Elesa fizeram as contas, Eles memostraramoscursosdoCEPeeunão dava dedia.Era oPODqueajudava agente. eu comeceiafazer ocursopelamanhãeestu- daí. Quando vê, elesmemostraramocursoe a mulherpegouejámeindicouparaocolégio [...] nocomeço,elestomaramaminhamanhã, educadas, o comprometimento com o traba- boas pramim.Aformadas pessoas serem Ah, emgeral,ocursotrouxe muitascoisas decer aquiaoPão dosPobres. (Roberto) fome. Eles meajudavam, eu tenho só a agra- ela medava dinheiro porque euestava com davam. Quantas vezes euchegueiaquiea de fomeeelessempre tiravam dobolsoeme tante. Tinha vezes queeuchegava aquilouco uma pessoademaispramim,meajudoubas- se umamãepramim.Porque elaé demais, que acoordenadora éminhamadrinha,qua- muito de mim, tem carinho até hoje. Tanto sim comoumguriespecial.Eles gostavam cara quefaziacursosnoPão dosPobres, mas me tratavam, metratavam nãocomo com Eu maisgostava docursoeraojeitoqueeles 7 “sai!”, quandoeu tava respira” eaídávontade de... eeuficava tipo çava quandoeuficava irritado. E “se acalma, respira assim”, meabraçava assim, me abra- aqui eu consegui acalmar. Diziam “se calma, um estalo“pá!”, né?Eeumudeibastante, soco naparede eunãosentianada, sódava umas porradas.Não tinha.Se eudesseum com vontade dechorar, comvontade dedar Subia apressão, eujácomeçava aestressar, Quando eumeirritava nãotinha,tinha. 2014,p.(WINKELMANN, 14): do seuexemplo, novas formasdeconduta suas provocações, ensinando-os,pormeio entre osjovens, comrespeito, semrevidar que souberamacolherimpulsosagressivos tinentes nascondutasdosprofissionais, Os per- egressos assinalaramintervenções aqui devez emquando. (Jaime) se alguémmorrer aquieunemsei...atévenho eu agora considero uma família, eu acho que esse sentimentodenovo. Mas eutirei aqui, evão seramigo,vãorua lembrarnacabeça que metade Então, todomundoquepassouaqui,euacho tua identificação. (Mauro) eles tambémcobrammuitoissodaí,porque é aqui docurso,crachá...naempresa crachá, chegaratrasado... tipo... elescobram mesmo decomoénasempresas, temqueusar como tinhaqueser. Mostrava areal história doutrinou, mostrou pramimcomoéqueera, tante inteligente,passoubastantepramim, bastante coisadoprofessor. Oprofessor, bas- E foiumaprendizado bompramim,eucolhi lho, aformadeapoiarooutro. (Leonardo) vão se lembrar ou vão passar na brabo. Emeligava. Aí Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 comparação uma informaçãoqueseriafundamental paraa egressos quenuncafrequentaram oPrograma, dado sistematizado sobre reincidência para e dosDireitos Humanos informounão possuir a seismesesfoide35%.ASecretaria daJustiça frequentaram oPrograma porperíodoinferior meses foide8%,enquantoparaegressos que sos quefrequentaram oPrograma entre 6e12 seis meses.Ataxadereincidência quência e400registraram frequência inferiora 1.100 tiveram deseismesesaumanofre- período de2009a2016.Desse total,cerca de e jovens adultosfrequentaram oPrograma no lam queaproximadamente 1.500adolescentes em9dejunho2016,assina- mação (LAI), Dados obtidos pelaLeideAcesso àInfor- esse apoiomesmo. (Leandro) aquele braço“ah vem aqui”, aspessoasdão paciência, de compreender, e tal, e eles dão meio semquerer fazer nadaeprecisam de mas vinham aqui e, tipo, o adolescente vem um tambémtemproblemas emcasatambém, incentivar eapoiaroadolescente. Étipo,cada Programa etambémoquePrograma fazpra [Eu do gosto]daspessoasquefazem parte vam, aquifoitipoumremédio. (Jaime) muito bom,medavam atenção,meacalma- boa aquieagoraeutenhoumapaz.Aqui foi segui ver, euconseguipesquisar, terumavida o que eu passei de tempo aqui, o que eu con- migo nomomentoeraassim.[...]Hoje tudo acalmava?] Não, opessoal.Quem estava co- aqui. [E erasempre amesma pessoa que te dizer, mudou bastante a minha vida por estar ação, começava ameacalmar. E,euvou te eu respirava e,depois,quandoeuviaasitu- 9 . Atualmente, oPODRS Socio- 8 paraegres- 155

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann Artigo POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Artigo Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann 156 des irmãosegrandesirmãsdaAmérica’), Brothers Big Sisters ofAmerica(BBBSA,‘gran- missora” ainiciativa conhecidacomoThe Big do Colorado ção. Acertificação Blueprint da Universidade cional oferecem umareferência paracompara- que sãoavaliados comrigornoplanointerna- taca aindamaisosresultados informados. crimes sexuais e homicídios,um perfil quedes- e foramautores deroubos, tráficodedrogas, te, aprisionadospordinâmicasdeviolência ves. Muitos dosegressos estavam, efetivamen- comumente apráticadeatosinfracionaisgra- das socioeducativas emmeiofechadoenvolve que operfildosegressos quecumprirammedi- por umperíodode6a12meses.Assinale-se considerando osquefrequentam oPrograma ca de92jovens acada100egressos daFase, Socioeducativo estaria retirando do crime cer- em semiliberdade (BRAGA, 2016). 968 cumprindomedidadeinternaçãoe123 adultos, sendo277eminternaçãoprovisória, de 2016era1.368adolescentesejovens 25 vagas. ApopulaçãodaFase em25demaio Alegre com155vagas eemSanta Maria com educativo édesenvolvido nacidadedePorto Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 das relações com osfamiliares. aulas, namelhoradodesempenho acadêmicoe da evasão escolar, noaumentoda frequência às mo programa teve efeitos positivos naredução 27% ainiciaçãoembebidas alcoólicas.Omes- ção noconsumodedrogas ilícitasereduziu em e quealcançouumaredução de46%nainicia- panhamento de crianças e adolescentes em risco programa quetrabalhacommentores noacom- Os resultados deprogramas deprevenção Com basenessasinformações,oPODRS 10 , jámencionada,considera“pro-

um um maconha entre adolescentes.Quanto àdelin- tabagismo, noconsumode álcool enousode cançou indicadores expressivos deredução no al- escolas aolongodetrês anos. Aintervenção Blueprint máxima(modelplus),realizou-se nas poucos programas areceber acertificação mação emhabilidades para a vida’), umdos programa). OLifeskills Training (LST, ‘for- relação a50,0%parajovens foradequalquer de prisõesparacrimesoutranatureza (em jovens foradequalquer programa) ea25,0% delitos sexuais (em comparação a 75,0% entre reduzido a taxa de reincidência a 12,5% para to dejovens autores decrimessexuais,tendo problemático’) foidelineadaparaotratamen- sexual multissistêmica paracomportamento -Problem Sexual Behavior (MST-PSB, ‘terapia prevenção terciária, aMultisystemic Therapy- após 28mesese9%,60meses. melhores resultados, com11% dereincidência tra avaliação, realizada emOhio, encontrou os programa (89% e93%dereincidência). Ou - do mesmoperfilquenãointegraramqualquer pectivamente) ousecomparadoscomjovens alternativos (47%e60%dereincidência, res- melhores doqueaquelesobtidosporprogramas alcançou 60%. Ambos os resultados foram bem que foramalvo dessaabordagem areincidência os quehaviamcometidoinfraçõesmaissériase reincidência entre osjovens doprograma. Entre Estudo emUtah encontrou ataxade26% fracionais emriscodeserem institucionalizados. nas famíliasdeadolescentesautores deatosin- Blueprint, terapêutica consiste em intervenção do “modelar” do peloscritériosdecertificação (FFT, ‘terapia familiarfuncional’), considera- Também considerado modelar na área da O programa Functional Family Therapy

social dosegressos. que estánabasedareincidência: oestigma nômeno socialderivado doencarceramento dos vínculoscriminais,há umsegundofe- contemporânea. Para alémdaprecipitação dacriminogênesetentes maisimportantes to, tornou-se,desdehámuito,umadasver- desídia eausênciaabsolutadediscernimen- facções, dinâmicapelaqualoEstado,por apresos pelopertencimento aliagrupados criminais, reunindo emgaleriascentenasde des àreprodução ampliadadasdinâmicas têm oferecido extraordinárias- oportunida Assim, asprisõesbrasileiras,porexemplo, que tornaminviável otratamentopenal. rantes emprisõessuperlotadasedegradadas se desenvolve emcondiçõesaindamaisope- ção de vínculos criminosos – processo que extremamente funcionalpara a precipita- em privação deliberdade temserevelado ramento. Comoregra, otempoconsumido lizado na experiência do próprio encarce- der astaxasdereincidência deve serloca- Discutindo osresultados efetivos de quesetemnotícia. um dos programas de prevenção terciária mais dados, oRioGrande doSul podetercriado de critérios rigorosos, partir confirmarem esses extraordinária. Se avaliações independentes, a la efetivada peloPODRSSocioeducativo, é ção realizada entre 6e12meses,comoaque- - taxa dereincidência de8%apósumainterven ao anoanterior. de 32%nastaxasreincidência emrelação quência, foipossível identificaruma redução Um dostemascentraisparacompreen- Tais exemplos tornam manifesto que uma Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 1990 ce propensão aocrime(HAGAN; PALLONI, características familiares edeeventual preco- delituoso dosfilhos,independentementedas tos daprisãodospaissobre ocomportamento para alémdeumageração,explicandoosefei- uma condenação pode, inclusive, estender-se que retroalimenta aviolência.Oestigmade disseminado robustece acorrente criminógena tratégias ilegaisdesobrevivência. Opreconceito sos são,naprática,empurradosemdireção aes- pena jácumpridaserevela perpétuaeosegres- não conseguirem trabalho. Por estecaminho,a prisional, opreconceito éoprincipalmotivo de controu que,para70%dosegressos dosistema sa realizada no Paraná por Wauters (2003) en- praticamente nulasdereinserção social.Pesqui- muito pronunciado, oqueresulta emchances o estigmadosegressos dosistemaprisionalé mentados pelaviolênciaepelomedodocrime, tos a seguir (WINKELMANN, 2014,p.tos aseguir(WINKELMANN, 26): POD emaltaconta,comose verifica nosextra- preendem osjovens egressos daFase quetêmo ou “bandidos”. Estasduascircunstâncias sur- tratá-los comopessoas,não“infratores” zá-la sobremaneira) e pelo fato de o Programa ordinário nessapossibilidade,tendemavalori- por isso(eque,percebendo oquehádeextra- cer umachanceajovens quenuncaesperariam provavelmente, pelofatodeoPrograma ofere- RS Socioeducativo deverá serexplicada,muito tentes. Uma das razões do sucesso doPOD venção terciária tendemasermuitomaispo- Notadamente empaísescomooBrasil, ator- Em umquadro dotipo,iniciativas depre- que eupensava quando vim pra pensava queera,eratotalmentediferente do Mas o POD, em si, várias vezes o que eu apud SAMPSON; LAUB, 1995). cá.Pensava 157

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann Artigo POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Artigo Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann 158 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 antes dasaída Febem, eujásaíadelárevol- Mas oPODmudouavida,porque assimô, tu sótemacrescer ecrescer. (Lucas) tunidade eaproveitar. Se tupuder aproveitar abrem Basta várias portas. tuagarraraopor- [...] Na verdade, oPODajudabastante,eles eu saídaFase, mais pelabolsaqueelesdavam. empurrão, depois,principalmentedepoisque Me ajudou bastante, me deu um baita de um eles ajudarambastante.(Roberto) dum”. Eu não tinhamedomesmo. No caso, “vou sair, vou roubar darumtiro nacara traficar. Era bandidomesmo, era criminoso, quando eusaídaFebem eraroubar, matar, estaria vivo hoje.Porque omeupensamento ser bem sincero. Se nãofossepor eles, não Pobres. Eles meajudarambastante. Vou te uma pessoaboahojeéporcausadoPão dos bro bastantenoPão dosPobres. Se eusou Que nemeutava tefalandoaqui,melem- tava dogeral,detodo. (Pedro) tem comodizer oqueeumaisgostava. Gos- muita coisaaqui,eramuitodivertido. Não eu nãoquisvoltar pro pra mim,issofoiinteressante, foideonde na sociedade,fazummontedecoisas.Eu, acontecem. Eles te ajudam a ficar de volta É comosefosse,mastemvárias coisasque do aqui,euviqueeratotalmentediferente. tem quedepoiscomparecer”. Mas, chegan- comunitário, euvou fazer esseprograma e [liberdade eu pagarLA assistida]ouserviço sei “pô tôsaindoaquidaFase eemvez de que irlácomparecer”. Quando eusaípen- ali. Eu pensava “bah,elesvão aliesótem uma coisaequandoeuvijánãoeraaquilo crime[...]. Ah, tinha possível destacá-lo como um caseque poderá já sesabearespeito doprograma, todavia,é dos resultados disponíveis. De tudoaquiloque comprovação, poravaliação externacriteriosa, O desafioaqui,comojáassinalado, éoda tá maismoreno, comotutámudado. (Jaime) saber “ah quebomtutáassim”, “como tu hoje. Tucomo tué não énadapraeles,oqueelesquerem saberé sempre tedãoum“acolho”. Isso aíquetufez E, aqui, tu zer queoépassadopassado,entendeu? Então aspessoasnãoteacolhem,vão di- também.(Mauro)se essaoportunidade não seiseeuteriamudado,ganhas- fosse... seilá,senãofosseoPODtambémné, professor quemeensinou,bah,porque senão também, tenhoéqueagradeceraoPOD, bem feliz,bahsóganhei,tôganhando concessionária, né,padrão,padrãoFifa, tô pra pessoas eprocurar outras.Foi oqueeufiz,e né, setuquermudarafastardealgumas porque sóassimpraticonseguiralgumacoisa das pessoasqueeuandava, procurei outras, vida né,procurei outros meios,emeafastei se programa aí,euprocurei outro projeto de Foi umperíodobompramimeatravés des- vingança]... entendeu?(Jaime) esqueci. É,jápassou,nãovou ficar[querendo as coisasevimpracá.Me mudouassim,eu Eu vou deatrás! Nisso, euvimpra que fizeram malpra saí, oqueeupensei? Vou pegartodosaqueles foi mevisitareassaltada.[...]quandoeu tado. Porque anteseutava preso aminhamãe mimfoibom,hojeemdiaaí,eutônuma vem e eles sabem o que tu vai minhamãe,entendeu? ganharumabraçoevai cá.Guardei fez, mas Especial realizada pelo TCE-RS em2012,a privação deliberdade. AmencionadaInspeção da manutençãodeumjovem emmedidade nimo mensal)émuitasvezes inferioraocusto custo inspirar osgestores naárea. Assinale-sequeo per capitadoprograma (meiosaláriomí- 10. 9. 8. 7. 6. 5. 4. 3. 2. 1. com/programs>. Os dados sobre os programas mencionados e os demais da certificação Blueprint podem ser acessados em . Em tradução‘Guiapara oDesenvolvimento livre: Saudável daJuventude’. ser compensados pelapresença de‘fatores protetivos’ (protective factors ). comparado com alguém selecionadoentre opúblico emgeral” (1994,p. 127,tradução nossa). Osfatores derisco sãocontrastados epodem ou variáveis, características como“aquelas perigos, que,sepresentes eHaggerty navidadeumdeterminado indivíduo, fazem com queeletenha maischance dedesenvolver desordem, quando por Mrazek outros, entre definidos, foram criminologia em risco de fatores Os em suahistória. Jovens entre 15e29anossãoasvítimasmaisfrequentes (IPEA;FBSP, 2016). “latrocínios” e“lesõescorporais seguidasdemorte”. Em2014,oBrasil alcançou ataxa de29,1homicídiospor100milpessoas, amaisalta ocorrências segundoostipospenais.Para oscrimesdolososcom resultado emmorte, assim, hácontagens separadas para “homicídios”, resultado morte. Nocaso brasileiro, oalerta énecessário, umavez queorudimentar sistema deregistros criminaissegueseparando as Para todos os efeitos, lidamos com esta expressão nos termos da criminologia, abordagem em que “homicídio” significa crime doloso com Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 opiniões epreconceitos enãoemevidências. sempre que a resposta pública é alicerçada em fala porsiedesnudaosriscosquecorremos contraste entre oscustosdasduasabordagens um jovem naFase em propósito, calculouocustodainternaçãode R$ 12.260mensais.O 159

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann Artigo POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Artigo Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann 160 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 EET Edwin. LEMERT, nica). téc (Nota 2016. set. 18 em: Acesso ipea_e_fbsp.pdf>. org.br/storage/download/atlas_da_violencia_2016_ . Acesso 2016. em:18set. . . . . . .

Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 versitário Metodista (IPA), Porto Alegre, 2014.30p. de conclusão de Trabalho Socioeducativo, segundo o olhar dos egressos da FASE. WINKELMANN, Fernanda Martins da Silva. Control andPrevention/Prevention Institute, 2014. Center for Injury Prevention and Control, Centers for Disease National CA: GA/Oakland, Atlanta, Violence. of Forms ple Dots: the necting WILKINS, N.; TSAO, B.; DAVIS,M.; HERTZ, KLEVENS,R.; J. ba: Universidade Federal doParaná, 2003. WAUTERS,E. . Curiti- trabalho. pelo reinserçãosocial A An Overview of the Links Among Multi- Among Links the of Overview An curso (Psicologia) – Centro Uni- Centro – (Psicologia) curso O Programa RS Con - 161

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann Artigo POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Artigo Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann 162 Prevención terciaria. Desistimiento criminal. Palabras clave: insospechado. de prevención terciaria enBrasil tengan unpotencial aún UU.). Elresultado deesacomparación sugiere queiniciativas Prevención delaViolenciaUniversidad delColorado (EE. for Healthy Youth Development, delCentro para Estudioy misma área muy bien evaluados por la certificación Blueprints transgresora ycriminal,soncomparados con programas enla especialmente encuanto alosindicadores dereincidencia Los animadores resultados obtenidos porelPrograma, de OportunidadesyDerechos (POD)Socioeducativo. resultados alcanzados enRio Grande doSulcon elPrograma de laprevención terciaria, considerando preliminarmente los como autores deactos transgresores. Trata, así,delosdesafíos que ya pasaron porunaexperiencia deprivación delalibertad política pública capaz deretirar delavidacriminaljóvenes El artículo discute lasposibilidadespara el desarrollode una terciaria prevención la de potencia la y Socioeducativo RS POD Resumen Marcos Rolim, Cristiane Braga eFernanda Winkelmann terciária POD RSSocioeducativo eapotência daprevenção Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 POD Socioeducativo. Delincuencia juvenil. initiatives inBrazil have untapped potential. The results of this comparison suggest that tertiary prevention Prevention of Violence of theUniversity and of Colorado (USA). the Study for Center the of certification Development same area highlyrated by theBlueprints for Healthy Youth criminal recidivism, are compared againstprograms inthe Program, particularly regarding indicators of delinquent and and Rights (POD). The encouraging results achieved by the Sul state by theSocioeducational Program of Opportunities with initialfocus ontheresults attained inRioGrande do of tertiarycrime. Thechallenges prevention are addressed, of life a from acts delinquent committing for confined been public policyto helpremove juvenile offenders whohave The present article discusses possibilities for developing a tertiary of power prevention the and RS POD Socioeducational Keywords: desistance. Program. Juvenile delinquency. Tertiary prevention. Criminal Abstract Socioeducational OpportunityandRights Data derecebimento: Data deaprovação: 16/01/2017 27/09/2016 Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 148-162, Fev/Mar 2017 163

POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária Marcos Rolim, Cristiane Braga e Fernanda Winkelmann Artigo A questão étnico-racial do sonho americano: Artigo o encarceramento dos pobres e negros no Estado policial

164 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho pobres enegros noEstado policial oencarceramentoamericano: dos A questão étnico-racial dosonho Doutor emestre emDireito pelaUniversidade Federal deMinasGerais -UFMG. Graduado emDireito pelaUSP. Professor daUniversidade deSãoPaulo -USPedaUniversidade RibeirãoPreto -UNAERP. Livre Docente emDireito pelaUSP. MorgadinhoNuno Manuel dosSantos Coelho sidade doEstado deMinasGerais -UEMG. Mestranda emDireitos Coletivos eCidadaniapelaUniversidade deRibeirãoPreto -UNAERP. Graduada emDireito pelaUniver Kelly deSouzaBarbosa Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 Estado social.Estado policial.Discriminaçãoétnico-racial. Encarceramento. Palavras-Chave concebido eimplantado nosEstados Unidos,influenciaeespraia-se mundialmente. tos públicos eprivados retirados daspolíticas sociais,impondo oworkfare eoencarceramento demassa. Este modelo, (e nãoàpobreza) para viabilizar a“qualidadedevida”. Neste contexto, oEstado policialérobustecido, com investimen- monopólio estatal daforça, com interesses elitizados ecapitalistas, osgovernantes propõem meiosdecombate aopobre a discriminaçãoétnico-racial persiste enraizada nacultura enaspolíticas decontrole social do Ocidente. Distorcendo o Mesmo apósaintensa luta pelosdireitos humanos,aevolução daconcepção deEstado econsagração doEstado Social, Resumo [email protected] [email protected] - políticas públicas sociais. Esse modelo foi for- tos governamentais antesdestinadosparaas ao custodoredirecionamento deinvestimen- um reforço noarmamentoestatal e privado punitivas extremas. gregação étnico-racialcomousodemedidas nalização dospobres dase- eofortalecimento dominação damassatrabalhadora,amargi- Estado autoritário e opressor, que viabiliza a tais conceitos e promovendo um novo tipo de lismo estãocorrompendo aharmoniaentre os novos contornoselitizadosdoneolibera- impõe sobre aclassedominada.No entanto, reação contraabusosqueaclassedominante de edaconcepçãoEstado,conquistadana uma longaecontínuaevolução dasocieda- Introdução O Com o surgimento do Estado policial há nhecidos naatualidadederivam de s direitos humanosamplamenteco- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 de tolerânciazero cipalmente comaimplementaçãodapolítica temente adotadopelosEstadosUnidos, prin- e dosdireitos humanos individuaisesociais. da ordem social, sobomantodaConstituição direitos deseusmoradores erestabelecimento democrática do Estado para a efetivação dos verdade, evidenciaacarência daintervenção todos osseusmoradores indistintamente. Na sabilização doEstadoeaimposiçãodepenas nalizadas não é uma desculpa para a desrespon- controle socialeencarceramento. pretendem perpetuar com políticas duras de e pobres sãoumaconstantequeosgovernantes e aintolerância e amarginalização dos negros apenas mudamdenome, ria norte-americana Aliás, ahabitualviolêncianasáreas margi- As discriminações raciais aolongodahistó- 1 . 165

A questão étnico-racial do sonho americano: o encarceramento dos pobres e negros no Estado policial Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho Artigo A questão étnico-racial do sonho americano: Artigo o encarceramento dos pobres e negros no Estado policial

166 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho tura absolutistabaseadanofeudalismo (SOARES, 2004,p.- 83),elepossuíaumaestru da Antiguidade o fim da Idade Média e das instituiçõespolíticas início do Estado moderno tem como paradigma social A evolução da concepção deEstado Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 sua influêncianoEstadobrasileiro e ospobres nosEstadosUnidos da Américaea tendenciosas ediscriminatóriascontraosnegros Estado policial e suas medidas governamentais e neoliberal.Na segundaseção,analisaram-seo ricas duranteasfasesabsolutista,liberal,social denciando suasprincipaiscaracterísticashistó- contextualizou-se aformaçãodoEstado,evi- quisas bibliográficae documental. Inicialmente seções comastécnicasmetodológicasdaspes- dos Unidos (2003). os pobres: anova gestãodamisérianosEsta- (2003), do oguetoeprisãoseencontrammesclam guintes obrasdoautor:Acordajustiça:quan- sociólogo Löic Wacquant, sendo eleitas as se- utilizou-se comomarco teóricoaprodução do das, principalmenteporcausadacorpele, com aspopulaçõesmaiscarentes esubjuga- as benessesdaatuaçãodoEstadopolicialpara pirâmide social estava o Rei, detentor de todo econômico.tal intervencionismo No topo da de formainquestionável, opressora ecomto- centralizados nasmãosde um únicohomem um povo (legislar, julgareadministrar)estavam Conquanto sejadifícilprecisar umadata,o O presente artigo foi desenvolvido em duas O presente foidesenvolvido emduas artigo comoobjetivoDestarte, dedesmistificar No Estadoabsolutista,ospoderes parareger As prisõesdamiséria(1999)ePunirAs 3 , e no princípio, como explica , enoprincípio,comoexplica 2 . 4 . surgimento do Estadoliberal. dades individuais),aseparação dos poderes e o dos Direitos doHomem edoCidadão(liber- a Bastilha francesa,promoveram aDeclaração e, comaajudadoscamponeses, derrubaram crescimento econômicodaclassecomerciante regime absolutistaqueimpedia,sobretudo, o os burgueses se organizaram contra o ternité, égalité,frasa em1789.Comolemaliberté, - Iluminista, queinspirou aRevolução France- tormentos cotidianos, floresceu omovimento salubridade, a fome, a Inquisição, entre outros mercado, adesigualdadesocialepolítica,in- doEstadono rania real, agrande intervenção brança deimpostosabsurdamente altos,ati- dade” (SOARES, 2004, p. 84). porações osseusprivilégiospúblicosdeautori- um monopóliodoEstadoearrebatou àscor- dosmeiosdedominaçãopolítica pitalista, fez entidade econômicaca- o Estadonamaisforte meio dapolíticamercantilista, transformando divina”. Ressalta-se que“o absolutismo,por em razãodo“sangue real” eda“legitimação à meravontade doRei, queangariava talstatus larizadas, exploradas, espancadas e injustiçadas das classesmenosabastadas,queeramridicu- carregavam daprodução agrícola. (camponeses),queseen- mais abaixo, osservos os novos comerciantes eprestadores deserviço; xo estavam osburgueses, queascendiamcomo com seustítulosesnobesepropriedades. Abai- de regra, deturpada–,seguidopelanobreza, terras e com poder de persuasão maciça – via mais pobres; depois,oAltoClero, instituídode duramenteextraídasdos o poderedasriquezas Diante dasexploraçõesdesmedidas,aco- A hierarquia impediaaascensão vertical evolução das técnicas de poder (substituição do evolução dastécnicasde poder(substituiçãodo da valorização dodireito àliberdade humanaeda na história do Ocidente, importante, em razão desencadeamento darevolução industrial, sendo nômica burguesa,queporsua vez favoreceu o liberal ofereceu condiçõesparaaatividadeeco- líticas eeconômicasemconflito. que omantivessem equidistantedasforças po- tou concepçõesformalistassobre odireito, tais mica esocialdoEstado,oliberalismoalimen- TH, 1996,p. 438). representa uma normainútil,ou danosa” (SMI- seus capitais – o que, em quase todos os casos, pessoas particulares sobre comodevem empregar modo,aorientar ouofício,equivale, decerto arte ao produto daatividadenacional,emqualquer tor, “outorgar o monopólio domercado interno indivíduos eseusinteresses. Para oreferido au- sociedade, pela simplesdinâmicada busca, pelos naturalmente regulado porleisqueequilibrama economia, pautadanalógicadequeomercado é doEstadona qual vulgarizou anãointervenção Smith propagou ateoriadamãoinvisível, na das necessidadessociais.Neste í mico, vangloriando oegoísmoedesassociando-o vidualismo nabuscadolucro eprogresso econô- Dallari (2010, p. 280) aponta que o Estado Dallari (2010,p. 280) aponta que oEstado econô- Com os ideais de não intervenção O movimento capitalistadesencadeouoindi- Estado liberal ração dospoderes. (SOARES, 2004,p. 85). ras representativas, respeito à oposição esepa- mo estatale,naesferapolítica,sufrágio,câma- esfera econômica,o princípio doabstencionis - base socialaclasseburguesa,propugnando, na movimento econômico-político,tendocomo O liberalismodeve sercompreendido como nterim, Adam nterim, Adam Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 RA, 2009,p. 2). como aideiadeEstado direito (FERREI- de pensamentoshumanistas esociais,assim individual foisendomudada comainserção após elasaconcepçãoretilínea deliberdade o discursosocial,enosperíodosdebatalha toricamente a passagem do liberalismo para constitucionalismo socialesocialista. transição doliberalismoparaosurgimento ciais e comunistas); e na terceira fase ocorreu a de novos políticos(porexemplo, partidos so- do Parlamento foialteradacomosurgimento masculino e,consequentemente,acomposição gunda fase,estabeleceu-seosufrágioigualitário sência dosdireitos econômicosesociais;nase- políticos edepropriedade, voto censitário meira fasefoimarcada peloelitismodosdireitos de Magalhães (TRANSIÇÃO...,2012).Apri- dido emtrês fases,conformeJosé Luiz Quadros ciais eassegurarem apropriedade. ao normatizarem asrelações sociaisecomer- necessários paraofuncionamentoeconômico nismos estatais,mesmonoséculoXIX,foram isso porque, direta ouindiretamente, osorga- do é uma fantasia” (COELHO, 2006,p. 185), progrediu doEsta- semqualquerparticipação ideia de umaeconomia que sedesenvolveu e século seguintemostraria,noentanto,que“a à liberdade, nãotinham opoderdegozá-lo. queemborativessem odireito dos desafortunados, impossibilidade deoEstadoconcretizar osdireitos da, negativamente fomentouoindividualismoea - poder pessoalporlegal).Em contraparti As duas Guerras Mundiais marcaram his- O desenvolvimento doEstadoliberalédivi- A críticapolítica,jurídicaeeconômicado 5 eau- 167

A questão étnico-racial do sonho americano: o encarceramento dos pobres e negros no Estado policial Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho Artigo A questão étnico-racial do sonho americano: Artigo o encarceramento dos pobres e negros no Estado policial

168 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho sociais edemocracia, conciliandodireitos e nova linha,oEstadosocialcombinadireitos cidos comodireitos fundamentais. matizaram osdireitos sociais,queforamreconhe- Constituição de1934. Todas expressamente nor- Weimar, daAlemanha,em1919,enoBrasil, na no México em1917edepoisnaConstituiçãode gimes, sendoprimeiramenteconstitucionalizado reconhecimento dacidadaniasocial. Estado social asociedadecomunista. Portanto,construir no e políticos, com escopo de superar o Estado e havendo a limitaçãodosdireitos individuais com ênfasenosdireitos sociaiseeconômicos, socialista a economia é efetivamente socialista, de ticos indivisíveis, demodoaconferirefetivida- direitos individuais,sociais,econômicosepolí- ta, comafinalidadedepossibilitareficáciaaos eregulador naeconomiacapitalis- interventor DO..., 2012)sintetizaoEstadosocialcomo sociedade igualitária. e organizaçõessociaisparalutarem poruma Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 tado paraapromoção dobem-estarsocial um dosobjetivos aserem perseguidospeloEs- lada paraaanexaçãodequestõessociaiscomo tariado lho infantiledasmulheres incitaramoprole - distribuição derenda, aexploraçãodotraba- gicas, a falta de saneamento básico e a má de trabalho, os abusos físicos e opressões psicoló- à Ferreira (2009,p. 10)explicaque “nessa O Estadosocialmanifestou-seemvários re- José Luiz Quadros deMagalhães (OESTA- A precariedade extrema doambientede Estado social constituição. Em contraponto,noEstado 6 aseunirsobliderançadepartidos 8 aeconomiacapitalistaéreformu- 9 e o eo 7

surgimento doEstadosocialtotalitarismo. submisso aocontrole estatal,eeisoperigoso para amanutenção(proposital) doindivíduo poderiam sermanipuladasporesteúltimo, como sersocialsocorridaspeloEstado que asnecessidadesindividuaisdohomem mesmo pelosmarxistas”. Todavia, ressalta-se pelosliberaisortodoxos eaté eram descartados reitos sociais,econômicoseculturaisqueantes liberdades, individuaisepolíticas,comosdi- globalização capitalista, acompanhadapor juntura estatalseformou impulsionada pela as desigualdadessociais. mesmo paraasmaispobres), intensificando-se tribuídas entre ascamadaspopulacionais (nem fenômeno nãoforamproporcionalmente dis- a globalizaçãocapitalista,poisasbenessesdeste trossim, colaborou paraacrisedoEstadosocial estatais pelosadministradores públicos.Ou- humanos, sobretudo pelamá gestão dasverbas cráticos ereais paraaefetivação dosdireitos Estado socialdeparou-se comembatesburo - viduais ecoletivas cadavez maiscomplexas,o o aumentodapopulaçãoeasdemandasindi- A partir dosanos1980,umanovaA partir con- Neoliberalismo Dados aconstitucionalização dosdireitos, tais. (BONAVIDES, 2007,p. 201). dosfinsesta- do, entãoemmero instrumento dependência básicadoindivíduo,transforma- resse de suaforça e de seu predomínio, aquela liberdade humana,oqualexploraria,nointe- em aparelhoverter-se de abusos e atentados à con- autocrática, destituídosdeescrúpulos, leme de governantes ambiciosos e devocação já éumaorganizaçãodedomínio,pode,sobo O Estado,que,emsi,porsuanatureza mesma, desenvolvendo-se oneoliberalismo desacreditar osfundamentosdoEstadosocial, uma teoriamoralepolíticaempenhadaem tão tratadascomomerasmercadorias. ram asquestõestrabalhistaseambientais,en- também efetivou açõesparciais queimpacta- à leieimparcialidade desuaaplicação,mas cionado àestabilidadepolíticaouaorespeito clima de negócios ou de investimentos, condi- (2007), criouumótimo ca, conformeHarvey procurou restaurar o poder da classe econômi- mica eopoderdaclasse. fundamentais, restaurar a estabilidade econô- ogozopara garantir e preservar dessesdireitos tado utilizardoseumonopóliodavisabsoluta da individualforamreforçados, devendo oEs- Frisa-se que,quandooEstadoneoliberal O direito àliberdade eàpropriedade priva - en elquesemanifiesta laparcialidad emerge biente pararegenerarse. El segundoaspecto trabajo ofrente alacapacidaddelmedioam- lectivos de (ylacalidaddevida)fuerza para lasempresas frente alosderechos co- típico tenderáaprivilegiarunclimaóptimo En casodeconflicto,elEstado neoliberal NI, 1998,p. 28). as mais diferentes instituições sociais. (IAN- corporações econglomerados,mastambém lidade, compreendendo nãosóasempresas, mento dasmaisdiversas formasdesociabi- e fundamentodaorganizaçãofunciona- às atividadeseconômicascomopré-requisito cimento daprimaziadasliberdades relativas ção, troca econsumo. Funda-se noreconhe- nômicas, englobandoprodução, distribui- crescente e generalizadadas atividades eco- O neoliberalismocompreende aliberação 10 . Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 ciais (saúde,educação eassistê das verbas estataisparaaspolíticaspúblicas so- econômicas. Os efeitossãodiretos na diminuição petem osmeiosdecomunicação easautoridades co decorrem inflaçãoeestagnação econômica, re- talismo. Da faltade“austeridade” nogastopúbli- como condiçãoparaodesenvolvimento docapi- a necessidadedadiminuiçãodespesaestatal naturalista nocampodaeconomia,postulando dominação dospobres. des empresários e deacumulaçãoriquezas dosgran- para esconderasintençõesperversas verdade éumanegligênciaestatalmascarada mínimo na gerência do capitalismo, que na privatizá-las. Reapareceu afaláciadoEstado públicas sociais,masbuscandoaomáximo liberal puro, permitiu a adoção de políticas do enocomércio e,diferentemente doEstado nomerca - limitar seupoderiointervencionista mulou opapeldoEstadonaeconomia VEY, 2007,p. 72). del libre mercado ydellibre comercio.” (HAR- dual, elimperiodelaley, ylasinstituciones derechosfuertes depropiedad privada indivi- possui comopontosessenciais:“favorecer unos cumprisse oseupapelnateorianeoliberal,que direitos sociaisecoletivos paraqueoEstado A ideologia neoliberal retomou o discurso A ideologianeoliberalretomou o discurso Logo, osistemadoneoliberalismorefor- Portanto, por via reflexa, os destruíram-se (HARVEY, 2007,p. 77-78). de lapoblaciónocalidadmedioambiental. las institucionesfinancierassobre elbienestar dad del sistema financiero y la solvencia de beral favorece demanerainvariable laintegri- porque en casodeconflictoelEstadoneoli- ncia social). 11 , ao 169

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170 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho do socialamericano. Para restaurar aeconomia mercado detrabalho. inatividade edesmotivariam osmaispobres no ciais doEstadoprovidência, quefomentariama Charles Murray, adeturpaçãodaspolíticasso - contemplavam, sobospensamentosdocientista Reagan (1981-1989),osEstadosUnidos já atividade derepressão penal. que, aocontrário,aumentaepassaadestinar-seà é que oenfraquecimentodaspolíticassociaisnão doEstadosocial,aomostrarem a desconstrução Seus para compreender estudos são importantes nos EstadosUnidos daAméricaenaEuropa. marginalidade urbana e dos sistemas prisionais se econômicodeempresários namanutençãoda tudo osnegros, latinoseestrangeiros, eointeres- a repressão estatalcontraaspessoaspobres, sobre- fessor esociólogofrancêsLöic Wacquant analisa alcançar suasambiçõescapitalistas. utilizam opoderdoEstadocomomeiopara e poderperseveram noíntimo de muitosque reito. Todavia, desejosobscuros dehegemonia o surgimento do Estado Democrático de Di- direitos sociais,equeforamreforçados com à sociedade contemporânea, no que tange aos veis osganhosqueoEstadosocialapresentou se repete comnovos contornos.São indubitá- desprovida derecursos, ahistóriainfelizmente econômico de uma minoria sobre uma maioria trate inúmerassituaçõesdeabusodopoder C Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 acompanhado de redução da despesa pública – acompanhado de redução da despesa pública – orrompimento doEstado empolicial Desconstroem-se osfundamentosdoEsta- Durante apresidência deRonald Wilson No contextodacrisedoEstadosocial,opro - Conquanto ahistóriadahumanidadere-

aposentadoria, ewelfare, lhadores em situaçõesdedesemprego, doença e social estataleminsurance, 1929, oprograma New Deal americana após a crise da superprodução de lhantes (WACQUANT, 2003a,p. 22),institutosseme- à carceramento de massa, chegando ao aumento carceramento demassa,chegando aoaumento das detrabalhoparciais esaláriosbanais, eoen- inserção coercitiva emsubempregos comjorna- imposição do siva dospobres”, conforme Wacquant, peso fiscal”(WACQUANT, 2004, p. 24). seu nos a minorar suas exigências e, portanto, doempregocaminho certo precário, pelome- e vexatórias destinadas,senãoarecolocá-los no cados porumasaraivada demedidaspunitivas dade por si mesmos “sob pena de se verem ata- a pobreza), impondo-seaestesresponsabili- dadeira “guerra contra os pobres” (e não contra das defesasmilitares, configurando-seuma ver- cada comasoberbadosricoseaparelhamento compaixão enãopelasolidariedade. que oauxíliosocialéumfardo pela suportado (WACQUANT, 2003a,p. 20), deixandoclaro produto das carências individuaisdospobres” ção moralistaemoralizantedapobreza como voltados aos carentes “(...)sãoporumaconcep- caritativo, pois os limitados programas sociais Estado-providência naverdade seriaumEstado na epelosensinamentosdeMichael B.Katz,o leiras, respectivamente. s pessoas dependentes ou em estado de miséria s pessoasdependentesouemestadodemiséria Os dois componentes de “contenção repres- A aversão às classesdesprovidas- éintensifi Wacquant quesob aóticaamerica- adverte à previdência eà workfare, que impõeaospobres a assistênciasocialbrasi- para prestar assistência destinado aostraba- dividiu o plano dividiu oplano são a são a mesmo emumasociedadedemocrática. estrondoso de314%napopulaçãocarcerária vigilância, adestramento eneutralização. mento coletivo dospobres enegros, parasua nal dopobre, comapromoção do encarcera- pobreza peloEstado,paraumtratamento pe- tos doscidadãos. desigual econtrária à ordem socialeaosdirei- mário decontrole socialdemaneiraarbitrária, do como Há umatransiçãodotratamentosocial da O Estado punitivo, que deveria ser utiliza- QUANT, 2004,p. 32-33). (WACpunir comeficáciaeintransigência. - apenas comsuasconsequências,queeledeve novo “conceito” explicativo emvoga), mas pobres, àmargemdesua“pobreza moral” (o com ascausasdacriminalidadedasclasses mos claros, oEstadonãodeve sepreocupar ses doscidadãosquerespeitam alei”. Em ter- indenizar os inocentesedefender os interes- me. A justiça está aí para punir os culpados, razões quelevam alguémacometerum cri- judiciário nãotemquesepreocupar comas nhar aretirada socialdoEstado:“Um sistema tegóricos apolíticapenalquedeve acompa- roubar efurtar”. nessestermosca- Earticula comprovados e notórios de matar, estuprar, o meiomaiseficazdeimpediroscriminosos areclusãosência dapenademorte, édelonge violência –paralançaraideiadeque,“na au- 390.000 assassinatos, estupros e roubos com apenas porseuefeito“neutralizante”, evitado nos EstadosUnidos entre 1975e1989teria, que atriplicaçãodapopulaçãocarcerária Ministério da Justiça Federal – queconclui Murray apoia-seemumduvidosoestudodo ultima ratio, eleva-se ao patamar pri- 12 , Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 em políticassociaisparaasde controle social. mento doredirecionamento dosinvestimentos bairros segregados. Ademais, houve robusteci- aplicado aumhomicida, principalmente nos reprimidas pelospoliciaiscomomesmorigor lher pichações, descumprimentodotoquedereco- graves de atos contraavidaeopatrimônio. Estado punitivo nãoselimitavam aspráticas em queascondutascriminosasperseguidaspelo ph Giuliani, duranteosanosde1994a2002, plementada peloprefeito deNova York, Rudol- pobreza comapolíticade“tolerância zero” im- (apud BAUMAN, 1999,p. 117). ataca a‘base’ enãoo‘topo’ dasociedade.” thiesen: “Hoje sabemos que o sistema penal ilustrado pela seguinte frase de Thomas Ma- contra osmenosfavorecidos, oquepodeser tais punitivas umatendenciosidadeperniciosa Atos comomendicância,evasão escolar, Agrava-se a busca pela sanção da raça e da Agrava-se abuscapelasançãodaraçae Depreende-se nas medidas governamen- 13 truir paraseuspobres,truir casas dedetençãoe Os Estados Unidos fizeram a escolha de cons- escapar? (BAUMAN, 1999,p. 116). cance edecontato,espaçosondenãopossam remoção dosperigososparaespaçosforadeal- o quemelhorpromete arealização dissoquea O lemaé“tornar denovo asruas seguras” –e ficado tocatambémumpontomuitosensível. dir aextensãodetodasassentenças).Essesigni- sendoopadrãoidealparame- a penademorte prolongada etalvez permanenteexclusão (com rancar o mal pela raiz”. A prisão significa uma a suapopularidadecomomeiofavorito de“ar- zação, mastambémexpulsão. Oqueaumenta A prisão,porém, significanãoapenasimobili- , entre outrasdesobediênciascivis,eram 171

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172 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho ras violaçõesaosdireitos humanos. principalmente nosguetos,causaraminúme- ato consideradoatentatórioàsegurançalocal, -racial earecriminação severa dequalquer destes últimos,aculturadasegregação étnico- sionais epoliciais,aagressividade daatuação sendo-lhes negadooamericandream. eosjovensdesafortunadas negros elatinos, a perseguição contra as famílias te, fortalece-se Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 em detrimento da política carcerária tatação dacondiçãodetotalmiséria,tudoisso cessão destesbenefícios,especialmenteacons- malismo exagerado dos requisitos para a con- promovem a acomodação do homem, o for- que asconcessõesdebenefíciosassistenciais do capitalismo,comodiscursoultrajantede de estudoforamatrofiados O superinvestimento nosorganismospri- Frisa-se que programas assistenciais e bolsas para 133.300em 1997,aopassoquemalsu- [de Nova Iorque] passoude106.900em1993 [...] ofluxo dosingressos nasprisõesdacidade 57, grifonosso). ção suplementares. (WACQUANT, 2004,p. urgentede 3.100 locaisdedeten- construção 300 milhõesaprovados separadamenteparaa – emaisdeumbilhãocasosecontabilizem os New York e761milhõesamaisparaasprisões a menos para o campus da res épraticamenteequivalente: 615milhões emdóla- sitário em29%.Omontantebruto osfundosdoensinouniver- em 76%ecortou Nova York aumentou seus gastos carcerários ríodo deumadécada(1988-98),acidade sários, creches eescolas.Um exemplo: nope- estabelecimentos penaisemlugardedispen- 14 pelorigoregoísta State University of 15 . Destar - de tolerância zero e da burocratização do tos desmascaramopretexto heroico dapolítica da nobreza nova-iorquina. fare, As perseguições policiais e estatais nos gue- para a preservação da“qualidadepara apreservação devida” CQUANT, 2004,p. 25-26). (WAforam declaradassemmotivo pelacorte. - passassem diantedeumjuiz,e140.000outras procurador antesmesmoqueaspessoaspresas seja, 326.130–,18.000foramanuladaspelo te registrados pelasautoridadesnaqueleano,ou ao número totaldecrimesedelitosoficialmen- em 1998–número que,fatoinédito,ésuperior ário: assim,sobre 345.130detençõesoperadas tenções eprisõesseefetivou semmotivo judici- considerável e incessantemente crescente de de- Mas, sobretudo, confirma-se que um número rior aovolume dedetençõesemtodaaFrança). perava 85.000 10anosantes(número jásupe- E 80%dosrequerimentos contraviolências sentam apenas 20% dapopulação da cidade. lizaram 53%dasqueixas,aopasso querepre- doscasos.Sóquartos osafro-americanos rea - timas sãoresidentes negros elatinosemtrês às operaçõesdepolíciajudiciária–,cujasví- derotina”ocasião depatrulhas –emoposição dessas queixasdizrespeito a“incidentes por 60% entre 1992e1994.Agrande maioria ard de Nova York em aumentou bruscamente tas diantedoCivilianComplaintReview Bo- vida”, umavez queonúmero dequeixasfei- de aimplantaçãodapolítica“qualidade de cidentes comapolíciasemultiplicaramdes- lima vez pelasforças daordem. De fato,osin- cidade foramdetidoserevistados pelomenos 80% dosjovens homensnegros elatinosda New York Daily News sugere de queperto Uma investigação levada a cabo pelo jornal wel - dade afetiva edemênciamoral criança se enquadrassenoperfilcriminoso,aindaque mulher comaparência viril.Logo, aqueleque baixo, orelhas desiguais,homemsembarbae bula volumosa, assimetriafacial,ângulofacial olhar, estaturamaiselevada, cabeloemandí- tamanho do crânio, a forma dos dentes e do para identificaçãododelinquente,comoo elenca características físicas como parâmetros como cidadão. viver emsociedadeepodersedesenvolver inúmeras dificuldadespara o “diagnosticado” cialidade nojulgamentopúblico eoficial situação causaaimediataexclusão social,par- vista queelepossuio“gene docrime”. Essa delito, deveria serconsideradocomotal,haja sensibilidade geral pelas tatuagens,porquestõesenvolvendo a homem delinquentepoderiaserreconhecido tamentais epsicológicas.Para Lombroso, o tificados porcaracterísticasfísicas,compor- deste modo, os criminosos poderiam ser iden - anomalia constantenoorganismohumanoe, ditava que apropensão paraocrimeerauma Cesare Lombroso em1885-1909,oqualacre- quente delineado pelo médicocriminologista próprio Estado. são tratadoscomaversão ediscriminaçãopelo pecialmente selatinosouafro-americanos, que nos realmente sãoconsiderados cidadãos, es- Rememora-se oestigmadohomemdelin- Constata-se quenemtodososnova-iorqui- 2004, p. 23). os mais pobres da cidade. (WACQUANT, trados emapenas21dos76distritosentre dospoliciaisforamregise abusosporparte - 18 emesmosemtercometidoalgum 16 , pelaausênciadesensibili- 17 . Ademais, ele Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 cos, sendoestipulado, porexemplo, umôni- públi- gação universal dosambienteseserviços abolição daescravatura, noqualháuma segre- da sociedadeagráriadoSul americano,apósa Jim Crow (1865-1965):sistemalegalemergido submetidos aescravidãonasplantações;(ii) em (i)escravatura (1619-1865):osnegros são pregos. Conformeoautor, elassesubdividem natória eamanutençãodosnegros nossubem- para a perpetuação da mentalidade discrimi- séculos emquatro “instituiçõesparticulares” desfavor dosnegros seamoldounodecorrer dos -racial dos “homens brancos” americanos em violência nosEstadoUnidos. e econômicas,sendoumfatordesegregação e o furor racista queprejudica asrelações sociais das Treze Colôniasatéosdiasatuais,alimenta passada ehostilquesemostre, desdeaépoca com oMéxico. de um murocomo a construção na fronteira siderando os decretos e os planos de governo, de perseguição,tendeaserrobustecida, con- pautada numa metodologia discriminatória e dos latinosenegros (máximedospobres), dos (2017-2020), a segregação étnico-racial nald Trump comopresidente dosEstadosUni- les consideradospobres. acentuando-se aindamais gene oslatinose,principalmente,negros, Unidos foram taxados como portadores deste guindo estalinhaderaciocínionosEstados broso épreconceituoso etendencioso,se- Wacquant queadominaçãoétnico- alerta Além disso,anoçãoderaça,pormaisultra- Frisa-se que,comoatualmandatodeDo- O estereótipo criminoso criado por Lom- o estigmaparaaque- 173

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174 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho talecimento das castas, a desmotivação do verificou-se aincitaçãodaviolência, ofor- sociais paraascomunidades aliinstaladas, áreas burguesas e para o crescimento do mercado. mal necessárioparaamanutençãodaordem nas essa exclusão social,considerandooguetoum o Estadoeaaltasociedadecompactuavam com ajustamento territorialnascidades.Na verdade, sibilidade desobrevivência, consolidaramesse cultura própria, liberdade deexpressão epos- como umacomunidadeorganizada,com dignos, aidentificaçãodosmoradores dogueto co, quenãoefetiva osdireitos sociais. cia, favorecidas pelaausênciadopoderpúbli- se caracterizavam pela precariedade e violên- áreas delazer, escolasdequalidade,essasáreas básicacomosaneamento, hospitais, estrutura e instalaramsuasmoradias.Carentes deinfra- áreas repudiadas pelamédia ealtasociedade pantes desubempregos aglomeraram-seem digos epobres, afro-americanos elatinosocu- banismo, (WACQUANT, 2003a,p. 166). a prisãofuncionacomoum‘gueto judiciário’.” “o guetoumaformade‘prisão social’, enquanto essas duasinstituições,demodoquesetorna houve umgrandeinter-relacionamento entre hipergueto +prisão(1968atéosdiasdehoje): dades, carentes básica;eo(iv) deinfraestrutura do negro foilançadoparaossubúrbiosdasci- (1915-1968): nosEstadosUnidos, oproletaria- Também integramessasubdivisãoo(iii)gueto bus somenteparabrancoseoutro paranegros. Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 Assim, emvez desebuscarem melhorias O aumentodapopulação,afaltadetrabalhos Às margensdodesenvolvimento edour- workingpoor 19 , desempregados, men- estatais decontrole social: asinstituiçõesexclu - das instituições comunitárias por instituições carcerário.” (WACQUANT, 2003a, p. 171). utilidade mercantil, talqualsevê nosistema população excedente, desprovida de qualquer a “função econômicanegativa deestocagemda burbanas eextraurbanas,restou aohipergueto camentos paraáreas industriaisnaszonas su- com aautomatizaçãodasfábricaseseusdeslo- pelo grandevolume demãoobrabarata,mas zação, osmoradores doguetoeramresponsáveis ção econômicapositiva: noiníciodaindustriali- maioria dosencarcerados. zados econômica e socialmente, que eram a e assalariados de jornada parcial, marginali- ficando noshiperguetososdesempregados (pois aindahaviaasegregação residencial), gueto pararesidirem embairros próximos e médicos)foramseafastandodonúcleo zadas (verbi gratia , empresários, advogados afro-americanos dotadosdeprofissões eliti- classe se superpõe à segregação racial: os -se emhipergueto,pois 167-168), oguetocomunitáriotransforma- perguetos”. Conforme Wacquant (2003a,p. ambiente prisional,fazendo surgiros“hi- aproximação doguetocomaselvageria do posição atroz. sequentemente, apermissãopelaautocom- descrença no poder estatal de regular e, con- públicos,ao distanciamentodosserviços ção dotratamentodiscriminatórioepenal, progresso econômicoesocial,auniversaliza- Nos anos1950,ocorre a(iii)substituição Destaca-se tambéma(ii)perda deumafun- Mais perigosoainda foiomovimento de a (i)segregação de tiva écorroborada pelosdadosaseguir: campi dasuniversidades públicas”. Tal afirma- superior aodosestudantesde corinscritosnos gente deprisioneiros decoréhojenitidamente action,em“Novaaffirmative York, ocontin- embora oEstadotenteexecutar programas de quando seanalisaoaprisionamento. Logo, gros gozamdeuma“promoção diferencial” a comunidade. abusivos ediscriminatóriosdospoliciascontra de aliverificados, queensejamconstantesatos pelos alegadamentealtosníveis decriminalida- da tolerânciazero, te asáreas demaiorconcentraçãodapolítica dos porseusmoradores cotidianamente. lhantes aosdoambientecarcerário, quesãovivi- do poder estatal, sentimentos e situações seme- a insegurançalocal,violênciaedesconfiança sideradas perigosasedesviadas,consolidando-se sume a medida de banimento das pessoas con - beligerância davidacotidiana:ohiperguetoas- (WACQUANT, 2003a,p. 173). negro urbano emnomedasociedadebranca.” tor –ouatédecarcereiro –dosubproletariado le social,quetinham“o papelambíguodetu - substituídas pelasburocracias estataisdecontro- taram estaorganização,etaisinstituiçõesforam lecimentos comerciais docentro dacidadeafe- telamento dasinstituiçõespúblicasedosestabe- dosanos1980,odesman- interno; mas,apartir dores doguetoemantinhamocontrole social imprensa, lojas,entre outros) uniamosmora- sivamente afro-americanas (igrejas, associações, Segundo Wacquant (2004,p. 62), osne- Os guetos ehiperguetos E porfima( iv) perda da“função-tampão” e pretensamente justificada são propositalmen- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 vertiginoso dapopulaçãocarcerária.vertiginoso teceu nosEstadosUnidos, houve oaumento inspirou paísesdaEuropa. Assimcomoacon- lerância zero edadiminuiçãodoestadosocial Sublinha-se queomodelo político dato- QUANT, 2004,p. 61,grifonosso). uma chancesobre 23deumbranco. (WAC - são eumlatino,umachancesobre seis,contra quatro depurgarpelomenosumanopri- homem negro temmaisdeumachancesobre dade acumuladanaduraçãodeumavida,um 6.926 10 anos mais tarde [...]. Em probabili- para 100.000adultosem1985,919contra durante adécadapassada:528contra3.544 comunidades édeuma7,5%efoicrescendo ramento vezes menos.No quedizrespeito aoencarce- para 163milhõesdeadultos,ouseja,cinco uma estimativa altaatribuiumataxade9% bal detutelapenal4%.Entre osbrancos, em liberdade condicional,paraumataxaglo- cados emliberdade vigiadae325.000outros 767.000 detentos,999.000condenadoscolo- tos, osnegros forneciamumcontingentede Em 1995, paracerca de 22 milhõesdeadul- CQUANT, 2004,p. 67). na Grécia; apenasnoperíodo1985-95.(WA - 65 naHolanda enaSuécia; ede36 para 56 na Bélgica; de34e49, respectivamente, para na Itália e para95naFrança; de62para76 (incluindo-se o País de Gales); de 76 para 90 102 naEspanha;de90para101Inglaterra 100.000 habitantes em Portugal; de 57 para cada: de93para125prisioneiros sobre cada da União Europeia ao longo da última dé- mento emquasetodosospaísesmembros rápido e contínuodos índices deencarcera- Como prova disso,éapontadooaumento stricto sensu,adefasagementre asduas 175

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176 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 tica carcerária. público eimpedirorobustecimento da polí- a desigualdadesocioeducacional nosistema cia depolíticaspúblicasefetivas para abordar presidiário e de um estudante denota a ausên- nhados pelogoverno namanutençãodeum pátria amada.” (CNJ,2016). por ano. Algumacoisaestáerradananossa estudante doensinomédiocustaR$2,2mil no Brasil custaR$2,4milpormêseum em 10denovembro de2016,:“Um preso (Consesp), emGoiânia (GO), pronunciou cional deSecretários deSegurança Pública ral, durantea64ªReunião doColégioNa- tra, presidente doSupremo Tribunal Fede- ga aos41%. mantidos na prisão sem condenação, que che- alarmantemente é de 161%, e a taxa de presos analisa ataxadeocupaçãodospresídios, que Brasil ultrapassaosreferidos paísesquandose (1.657.812) eRússia o (673.818).Destarte, atrás dosEstadosUnidos (2.228.424),China do mundo(comtotalde604.731pessoas), país com a maior população prisional quarto em 33% sua população carcerária, sendo o 2014, entre 2008e2013oBrasil aumentou mações penitenciáriasrealizado emjunhode Conforme olevantamento nacionaldeinfor- sequentemente, pelosuperencarceramento. e,con- do Estadopolicialnorte-americano também foiinfluenciadopelaspolíticaspenais negros, mas também de estrangeiros. O Brasil cial, comaperseguiçãonãoapenasdepobres e atrocidades na implementação do Estado poli- Tamanha disparidadedosvalores empe - No quetangeàeducação,aatualminis- Na Europa 20 tambémsãodetectadasvárias gra aprisionadaemrelação àbranca. sil, aumentougradativamente apopulaçãone - Mapa doEncarceramento: osjovens doBra- encarceramento brasileiro. Segundo oatual mercado de trabalhomaisqualificado. guinte, de inserção destes jovens excluídos no zação racialnoensinosuperiore,porconse- persistemasdificuldadesdeiguali- Destarte, realizado peloIBGEnosanosde2004-2013. nível” (IBGE,2014,p. 109),conformecenso tudantes pretos oupardos cursavam omesmo o ensinosuperior, apenas40,7%dosjovens es- brancos de18a24anos69,4%frequentavam descaso feitoláatrás.” (CNJ,2016). nidos diantedeumasituaçãourgente,um presídios. Ofatosecumpriu.Estamosaquireu- las, em 20 anos faltaria dinheiro para construir que, seosgovernadores esco- nãoconstruíssem Ribeiro em1982umaconferência fez dizendo tória dopaís,comorelembra aministra:“Darcy A questãoracialtambémtemreflexos no Ademais, “enquanto dototaldeestudantes Essa situaçãoseprolonga notempoenahis- habitantes negros havia 292negros encar- de100mildos, enquantoparacadagrupo tes brancoshavia191 encarcera- de100milhabitan- 2012, paracadagrupo proporção denegros encarcerados. [...]Em a população prisional no país, mais cresce a que quantomaiscresceConstata-se assim 60,8% da população prisional era negra. gros presos e175.536brancos,ouseja, era negra.Já em2012havia292.242ne- informação sobre cordisponível, 58,4% da populaçãocarcerária paraaqualhavia 62.569 brancos;considerando-seaparcela [...] em2005havia92.052negros presos e nalidade, empresas particulares de segurança internacional Wal-Mart. da General Motors e a cadeiadesupermercado ceiro maiorempregador dopaís,atrás apenas 600.000 empregados, o queatornava oter- 56), a“penitenciária” em1993contava com Conforme osestudosde Wacquant (2004,p. ponsáveis poressenovo nicho delucro elitista. vatização dasunidadescarcerárias foramres- entre outros. alta tecnologia,estudostécnicossetorizados, presídios, aluguéisdeimóveis, aquisiçãode tação denovos de profissionais, aconstrução o aumentodecontingentepolicial,acontra- dos com altos investimentos que permitiram mento dospobres nosEstadosumUnidos”. dograndeencerra- ela todosaquelesqueartilham preendimento próspero e de futuro radioso, e com afirma que “a indústriadacarceragem éumem- a indústriadocárcere. Wacquant (2004,p. 60) riam as Cohabs e os hiperguetos, as favelas. riam asCohabseoshiperguetos,favelas. miscigenado domundo–noBrasil, osguetosse- aprisionamento dosnegros serepete nopaísmais gação étnico-racial,marginalizaçãodospobres e E, paralelamente,aoaumento dacrimi- Mas, principalmente, a terceirização eapri- Os setores punitivos estataisforamagracia- Outro ponto que vigoriza o Estado policial é desegreLogo, ainfeliztesenorte-americana - 2015, p. 91). vez maisnegros doquebrancos(BRASIL, 2012, verificou-se que foi encarcerada 1,5 fil da população encarcerada brasileira de cerados. Portanto, nodiagnósticodeper-

Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 preciso remodelar contrário doqueobjetiva oEstadopolicial,é to. Adverte-se quenasociedademoderna,ao para a generalização do medo e do preconcei- cia Zero), máximede pessoasnegras,colabora cidas (porexemplo, comoprograma Tolerân- zação docárcere compolíticaspúblicasdistor- Estado paraamanutençãodaordem, abanali- gos devessem serutilizadosrestritamente pelo lucros estratosféricos. para expandirem seusnegócioseauferirem privada obtiveram a tãosonhadademanda C marginalizados encarcerados. mo queobtidoàscustasdaexploraçãodos classes dominantes,sedentospelolucro, mes- econômico lucrativo para o Estadoepara as tica decontrole socialparatornar-seumplano pobres e negros deixa de ser apenasuma polí- via, naatualconjuntura,oencarceramento dos comedia” 1999,p. (GARLAND, 337). Toda- “el castigo parece más una tragedia que una que ocastigotemresultados positivos eúteis, ramento, issoporque de éummitoaassertiva a fimde reduzir oquantopossível oencarce - modelo estatal denominado Estado neoliberal, modelo estatal denominadoEstadoneoliberal, à dominação econômica da elite em contraponto tindo aascensãodostrabalhadores. Aânsiade mercado edosnovos direitos sociais,permi- titucional, apresenta estaregulamentação do Estado social,comadevidaparcimônia cons- as condições de sobrevivência do homem. O o desenvolvimento igualitárioounomínimo o capitalismoprecisa serdomadoparapermitir s diretrizes doEstadosocialfazsurgir umnovo onsidera Conquanto asinstituiçõespenaiseoscasti- Ao contrário do que defendem os libertários, Ao contráriodoquedefendemoslibertários, ções finais 21 osistemadepolíticapenal 177

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178 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho guetos é uma consequência do próprio Estado guetos éumaconsequênciadopróprio Estado busteceu-se comoosalvador daordem social. pulação carente; nacontramão,ocárcere ro - tornando-os praticamente inócuos paraapo- arduamente conquistadospelosseuspatriotas, direitos fundamentais(individuaisesociais), delo degestãopunitiva, enfraqueceramos – queéuminfluenciadormundial. licial, máximenosEstadosUnidos daAmérica ambições particulares eaeclosãodoEstadopo- que emboratenhacontornossociais,encobre Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 A condiçãodeviolênciadosguetosehiper- Os EstadosUnidos, comoseunovo mo- 10. 9. 8. 7. 6. 5. 4. 3. 2. 1. dos processos deredistribuição dariqueza. Nele também é reafirmado o valor do talento e do esforço individuais como segredo do sucesso pessoal e clamando pela retirada do Estado que para isso sejanecessário o deslocamento departe docapital (público eprivado) emprol da coletividade. Ambiciona-se auniversalização deserviços essenciais para a manutenção doserhumano, como asaúde,educação, segurança, mesmo acepções assumindo viéscrítico com relação aele. Também chamadodeEstado providência, social, Estado assistencialista Estado dobem-estar eEstado clientelista –estas duasúltimas mesmo passo queaclasse operária dispunhadaviolênciacomo suaúnica armadedefesa”. acreditava cegamente noliberalismo, queofavorecia, legitimava- aspretensões lhe iníquaseacalmava aconsciência deseusagentes, do Segundo Bonavides (2007,p. 176), “o marxismo se constrói em meio à aguda crise que separa o trabalho do capital, quando o capitalismo questionavam aideologialiberal, afimdelutarem porumasociedadeigualitária, semprivilégiosdeclasse einjustiças deordem liberal. Ferreira explica (2009,p. 5-6) queacondição devidadoproletariado subjugadofez surgir movimentos socialistas nosséculos XIXeXXque nível econômico edegênero, poisapenasoshomens podiamvotar eservotados. Para poder exercer o direito ao voto a pessoa deveria atender cumulativamente os requisitos de idade mínima, nacionalidade, escolaridade, este regime exploratório emtroca daproteção dosenhor feudal edaaprovação religiosa. a submeterem Igreja se da convenciam servos a influência e a vassalos e roubos os guerras, As vassalagem(SOARES,2004). da custo ao porção de sua propriedade ao vassalo (instituía uma servidão), para este morar e produzir (o trabalho pesado seria realizado pelos servos) Em apertada síntese, o sistema feudal era umregime econômico epolítico emqueoproprietário deterras (suserano) entregava uma patriarcal, clãsetribos,gensromana, fatria helênica, gentilidade ibérica esenhoriofeudal. Soares (2004,p. 79)adverte queantes mesmodaconcepção desociedadeestatal existiam associedadespré-estatais, como família anais doevento. Uma primeira versão dopresente trabalhofoi apresentada noXXVEncontro NacionaldoCONPEDI, realizado emBrasília, epublicada nos 2002, para combater ediminuiracriminalidade. “Tolerância zero” éumprograma governamental implementado peloprefeito deNova York, RudolphGiuliani,durante osanosde1994a restabelecer a ordem social, de forma igualitária. restabelecer aordem social,deformaigualitária. sobressair aosdireitos dacoletividade,devendo-se ticulares daeliteedopróprio Estadonãopodem cesso histórico,políticoesocial.Os interesses par- grados internacionalmente,econstituiumretro- Estado social e com os direitos humanos consa- garantir obem-estardaelite. cios assistenciais,eemprisõessubumanas,para rais, mantendo-asemsubempregos, sembenefí- - dadãs –paralocaiscomproblemas infraestrutu não são consideradas verdadeiramente como ci- ridicularizando-os. Ele transfere aspessoas–que policial, queprefere isolarosproblemas sociais, O Estado policial colide frontalmente com o O Estadopolicialcolidefrontalmente como 21. 20. 19. 18. 17. 16. 15. 14. 13. 12. 11. papel –,másqueunadigresión desusverdaderas metas olainhibicióndesusposibilidades‘eficacia’.” (GARLAND, 199, p. 139). decencia, humanismo y civismo debería ser parte de la conciencia de cualquier institución penal – un aspecto intrínseco y constitutivo de su “Al tener una significación profunda de la penalidad nos resulta más fácil argumentar que la búsqueda de valores como justicia, tolerancia, negros nosEstados Unidos.”(WACQUANT, 2004,p. 71). representados noseiodapopulaçãocarcerária –eisso numnível comparável emmuitos lugares à“desproporcionalidade” queatingeos maciçamente estão infligidas, são lhes que múltiplas discriminações das e baixo mais classe de recrutamento seu de virtude em Estado, e aspessoas decor, quecompõem ascategorias maisvulneráveis tanto nomercado deemprego quanto face aosetor assistencial do “Com efeito, por toda a Europa, os estrangeiros, osimigrantes ditos da “segundageração” (e que justamente não-ocidentais não osão) Embora sejaumassalariado, suarenda éinsuficiente para retirá-lo damiserabilidade. (LOMBROSO, 2007p. 59). como umserhumanoprivado desensomoral, este quesedizdosfrenólogos umdemente moral, para nós,umdelinquente-nato.” do serhumano. “Nofeto, encontram-se frequentemente certas formas quenoadulto sãomonstruosidades.Omeninorepresentaria Lombroso advertiu queos gérmens da demênciamoral e da delinquênciapodemser encontrados com frequência nas primeiras idades alcoolismo ejogo, tendências obscenas, imitações, desenvolvimento dademênciamoral. A demênciapoderiaestar associada acólera, vingança, ciúmes,mentiras, sensomoral, afeto, crueldade,preguiça eócio, gíria,vaidade, anomalias damobilidade. Relacionadas com analgesia,sensibilidade geral, sensibilidade táctil, acuidade visual,sensibilidademagnética emeteórica, canhotismo e Stamps).” (WACQUANT, 2004,p. 56,grifo nosso). de ajuda social, Aid to Families with Dependent Children (AFDC), ou, ainda, as somas destinadas à ajuda alimentar às famílias pobres (Food apartirde1985, os créditos para funcionamentoE, das penitenciárias superaram anualmente omontante destinado ao principal programa contra 21), ao passo que os orçamentos dessas duas administrações eram idênticos 10 anos antes (em torno de sete cada bilhões uma). “No total, em 1993, os Estados Unidos gastaram 50% a mais com suas prisões que com sua administração judiciária (32 bilhões de dólares 80.” (WACQUANT, 2004, p. 48-49, grifo nosso). adequado, depois que as verbas federais alocadas para o âmbito social foram reduzidas em 80%, desprezando-se a inflação da década de todos os seusrivais emmatéria desaúde.Trinta sofrem milhões defome edesnutriçãocrônicas. Setevivem milhões naruaousemabrigo cinco deamericanos milhões decrianças) (dosquais12milhões estãodesprovidos decobertura médica, embora opaísgaste maisdoque condição para aprevidência, embora nãocrienenhumemprego, aopasso quecorta emumquinto osorçamentos deajuda.Quarenta e Needy Families (TANF)] que fixa uma cota de cinco anos de ajuda acumulados em uma vida e que torna o emprego sub-remunerado uma os doisterços que abrangia noiníciodoperíodo. Em 1996,esse programa foi substituídoporum dispositivo [Temporary Assistance for em valor real entre 1975e1995,aopasso quesuataxa decobertura sereduziu amenosdametade dasfamílias monoparentais, contra solteiras)paramães subsídio as caiu 47% África da alcançarame e (AFDC, Sul) social do ajuda principal a Assim, 1973. desde mínimo seu Estado, umavez queasverbas sociaisdestinadasàsfamílias pobres sãoasmenores dosgrandes paísesindustrializados (depoisdaAustrália econômico queasepara dorestante dopaísnãocessa desealargar. Esses americanos ‘debaixo’ nãopodemcontar com osustento do federal (limite regularmente reduzido aolongodosanos),dobrou entre 1975e1995paradepessoas, atingir14milhões eofosso pobreza’ de ‘limite do quantia da 50% de menos sobrevivendo com seja, pobre’, ou ‘muito como considerada oficialmente população “A infligindo alei. estariam ruas nas ficassem se e noturno, período no casa para voltar para máximo horário um jovens aos impunha recolher de toque O democrática, de314%em20anos”. passando demenos de200mildetentos em1970 acerca de825milem1991,ouseja,umcrescimento nunca visto emumasociedade carceráriapopulação a americanaexplodiu, 60, décadade durantea 12% em diminuído ter de Wacquant“depois p.Segundo 24), (2004, (IANNI,1998, ineficaz.” p. 28). públicagestão a diretaestatalque atividades supostoou de de no indiretamente baseado e econômicas simplesmente pouco ou é eficaz, transnacional.Trata-se mínimo’,‘Estadoestabelece o apenas fiscalizacriar que e de econômico, jogo as regras do joga. não mas isto Tudo “O poderestatal éliberado detodo equalquerempreendimento econômico ou Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 179

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180 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 eud clcd n Cnus d Monografias de Concurso no colocado segundo como premiado (Trabalho de 2009. UFRJ, Rio Janeiro: poderes. dos separação e damentais fun- direitos História, Direito : de Democrático Legale. Siddharta FERREIRA, geral do estado. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. DALLARI, Dalmo de Abreu. de Dalmo DALLARI, 6 abr. 2016. em: Acesso ed_anteriores/15/artigos/09.pdf>. . em:9fev. 2017. -que-preso-custa-13-vezes-mais-do-que-um jus.br/noticias/cnj/83819-carmen-lucia-diz nov.. Acesso em:6abr. 2016.

02 (3 i) Dsoíe e: . Acesso em:6abr. 2016. Dis min). (26 ponível 2012. fev. Quadros [s.l.], Luiz Magalhães. José de Produção: Social. ESTADO O ção Sebastião José Roque. SãoPaulo: Ícone, 2007. LOMBROSO, Cesare. rie Estudos ePesquisas, n.34). fev.9 Acessoem: livros/liv91983.pdf>.(Sé- 2017. . . em:8fev. 2017. gale/files/2014/07/Concurso-CSPB-monografiasi-

era o Estado: do Teoria Re - - - - Rachel Gutiérrez. Campinas: Papirus,Rachel Gutiérrez. Campinas: 2003a. Traduçãosuperpoder. do sociologia uma Por dos: AQAT L (Org.). L. WACQUANT, D.;LINS, In: mesclam. se e encontram se prisão e gueto o quando justiça: da cor WACQUANT,A Löic. 6 abr. 2016. em: Acesso youtube.com/watch?v=jeLnBtpDmmk>. eesr s sao Uni- Estados os Repensar

Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 rdço nr Tle. i d Jnio Zahar, Janeiro: 2004. de Rio Telles. André Tradução Löic. WACQUANT, 2003b. Revan, Janeiro: de Rio ed. 2. Aguiar. Eliana ção Tradu- 2001. Unidos: Estados nos miséria da ção WACQUANT, Löic. : a nova gera- nova a pobres: os Punir 1999. miséria: da prisões As 181

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182 Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho Palabras clave: clave: Palabras Unidos, influye yse explaya mundialmente. de masa.Este modelo, concebido eimplantado enEstados políticas sociales,imponiendoelworkfare ylaencarcelación reforzado, con inversiones públicas yprivadas retiradas delas dicha “calidad devida”.Eneste contexto, elEstado policiales de combate alpobre (ynoalapobreza) para viabilizar la elitistas ycapitalistas, losgobernantes proponen medios Distorsionando elmonopolioestatal delafuerza, con intereses en lacultura yenlaspolíticas decontrol socialdelOccidente. Estado Social,ladiscriminaciónétnico-racial persiste enraizada la evolución delaconcepción deEstado yconsagración del la Aún despuésdelaintensa luchaporlosderechos humanos, americano: sueño del encarcelación delospobres ynegros enelEstado policial étnico-racial cuestión La Resumen MorgadinhoKelly eNunoManuel dosSantos deSouzaBarbosa Coelho Estado policial o encarceramento dospobres enegros no A questão étnico-racial dosonhoamericano: Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 Discriminación étnico-racial. Encarcelación. Estado social.Estado policial. the United States, hasinfluenced andspread globally. workfare This model,conceived andmass imprisonment. in and private investment supported by socialpolicies,imposing In thiscontext, thePolice State isstrengthened withpublic (as opposed to poverty) to achieve “quality of life”. so-called poor the fighting for measures propose governments state monopolyonforce, withelitistandcapitalist interests, and insocialcontrol policiesof Distorting theWest. the ethnic-racial discriminationremains entrenched intheculture the concept of State andestablishment of theSocialState, dream: American Despite theintense battlefor humanrights, evolution in the of Imprisonment of thepoorandblacks inthePolice State issue ethnic-racial The Keywords: discrimination. Imprisonment. Abstract Social state. Police state. Ethnic-racial Data derecebimento: Data deaprovação:

01/02/2017 14/06/2016

Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 164-182, Fev/Mar 2017 183

A questão étnico-racial do sonho americano: o encarceramento dos pobres e negros no Estado policial Kelly de Souza Barbosa e Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho Artigo A medição de desempenho no serviço de Perícia Criminal: Artigo proposição e aplicação em uma unidade pericial

184 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo unidade pericial proposição eaplicaçãoemuma no serviço dePerícia Criminal: A mediçãodedesempenho ção pelaUSP. Mestre emEngenhariadeProdução pelaUniversidade Federal doRiodeJaneiro Graduado -UFRJ. emEngenhariadeProdu- da Universidade Federal deSãoCarlos -UFSCar. Doutor emEngenharia deProdução pelaUniversidade deSãoPaulo -USP. Professor TitulardoDepartamento deEngenhariaProdução edoPrograma dePós-Graduação emEngenhariadeProdução José CarlosdeToledo Administração pelaUniversidade Federal Graduado emDireito deLavras eMatemática. UFLA. de Produção pelaUniversidade Federal deSãoCarlos -UFSCar.Doutor emEngenhariadeProdução pelaUFSCar. Mestre em Professor doEnsinoSuperiornasáreas deGestãoOperações eAdministração Pública. Pós-Doutorando emEngenharia Claudio VilelaRodrigues Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 Medição dedesempenho. Gestãodeoperações deserviços públicos. Perícia criminal.QualidadeemServiços públicos. Palavras-Chave aceitação, porfazer sentido prático, possibilitar nasoperações. benchmarkingemelhorias ções porano. O instrumento permite avaliar osperitos, asunidadespericiais,osgestores eoórgão, eapresentou boa laudos em atraso, percentual de laudos disponibilizados em relação aos exames requisitados e o número de reclama- de uminstrumento demedição, que consiste emumindicador composto pelosseguintes indicadores: opercentual de na Perícia Criminal. Utilizou-se em uma unidade pericial. O o resultadométodo da pesquisa-ação foi a implementação desta pesquisa foi desenvolver e implementar um instrumento de medição de desempenho que preenchesse esta lacuna a prova técnico-científica e carece de um instrumento de medição de desempenho, para auxiliar os gestores. O objetivo A sociedadebrasileira demandaserviços públicos dequalidade,incluindooserviço dePerícia Criminal.Esse órgão produz Resumo [email protected] [email protected] D meio de um único instrumento, deformameio deum único instrumento, minais, gestores, unidades edoórgão,por como medirodesempenho dosperitoscri- físicos epsicológicos. que sesubmetasuspeitosaconstrangimentos na promoção dosdireitos humanos,evitando dade científica e, aomesmo tempo,auxiliam de umjulgamentojusto. Asprovas têmvali- de sucesso de uma investigação sobre crimes e da criminalidade,porque aumentaaschances Perícia Criminal éfundamentalnaredução gação entre aCiênciaeJustiça. de Oserviço produção de provas científicas, fazendo ali- Perícia Criminal, segmentoresponsável pela de integrantes destessistemaséoserviço gurança públicaejustiçacriminal.Um dos INTRODUÇÃO O problema depesquisaabordado é: cotidiano daspessoasestãoosdese- que impactam oentre osserviços Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 adesão àproposta. volvidos, buscandoaumentaracompreensão e dosatoresdesempenho comaparticipação en- volver eaplicarumaproposta demedição método sejustifica,pois, pretendeu desen- Polícia CivildoEstadodeMinas Gerais. Esse rintendência dePolícia Técnico-Científica da em uma unidade de Perícia Criminal da Supe- todo dapesquisa-açãoaolongodequatro anos Perícia Criminal. aosclientesdalhoria daprestação doserviço de possa auxiliar os agentes políticos emtermos nagestãodesuasoperações;(b)queserviço sempenho que:(a)auxilieosdirigentesdo demedição- e aplicaruminstrumento rápida eobjetiva? Oobjetivo édesenvolver Para atingir os objetivos utilizou-se omé- accountability 1 ; (c)contribuaparaame- 185

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186 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo MÉ Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 ram seguidasnestapesquisa: (2009). Oautorapontaquatro fases,quefo- rais eseguiuoroteiro proposto porThiollent de Perícia Criminal dointeriordeMinas Ge- COUGLHAN; COUGLHAN,2002). tar soluçõeseavaliá-las (THIOLLENT, 2009; nir juntosproblemas prioritários,implemen- os pesquisadores buscamdefi- eparticipantes 2002).Neste COGHLAN, GHLAN; aspecto, e criarconhecimentosobre aação(COU- para pesquisarquepretende implementarações vimento dateoria,ouseja,éumaabordagem eodesenvol- simultaneamente, aintervenção vidos comasituaçãosobinvestigação. Objetiva, pesquisadores emembros daorganizaçãoenvol- de problemas pormeiodeaçõesdefinidas é ummétododepesquisaquevisaaresolução -se o método da pesquisa-ação. Apesquisa-ação TODO DEPESQUISA b) a) A pesquisa-ação foi conduzida na unidade Para atingirosobjetivos propostos, aplicou- utilizam vários instrumentos paraco- utilizam vários instrumentos a pesquisaaprofundada, quandose dePeríciao serviço Criminal. são da literatura sobre o tema e sobre nho. daí,seiniciouumarevi Apartir - unidade seriaamediçãodedesempe- paramelhoriadagestão de partida se chegouaumconsensoqueoponto deapoio-,quando nais eservidores membros da unidade – peritos crimi- (fevereiro emarço de2012)comos conduzidas asduasprimeirasreuniões Foramvistas ediscussõesemgrupos. e possíveis ações,pormeiodeentre- detectam problemas e participantes ao diagnóstico,quandopesquisadores a faseexploratória,quecorresponde senvolvido eimplementado naunidadepericial. legado ométododemedição de desempenho- res daPerícia Criminal. Apesquisadeixou como ticipantes erecebeu oapoio deescalõessuperio- pesquisador manteve contatodireto comospar- dade noperíodode2012a2015.Alémdisso,o d) c) No totalforamrealizadas 15reuniões nauni- de suporte necessárias. de suporte de desempenho,bemcomoasações plementadas pararealizar amedição planejamento dasaçõesaserem im- dos. Em novas reuniões, iniciou-seo planejamento estratégicoeoutros da- medição eobjetivos dedesempenho, verificar o queexistiaemtermosde comoobjetivovação de participante, acesso aosarquivos digitaiseobser- sa documental, conversas informais, órgão pesquisado,através depesqui- cou-se dadoseinformaçõesjuntoao ações aserem implementadas.Bus- tos promoverem oplanejamentodas pretados para jun- pelosparticipantes, e cujosdadossãodiscutidosinter- letar dados,parapesquisarasituação de desempenhoemelhoraragestão. unidade emimplementaramedição da pesquisa-ação é o grau de êxito da nhecimento. Um critério de avaliação as açõescorretivas eresgata-se oco- lia asaçõesimplementadas,toma-se na fasedeavaliação, quandoseava - as açõesplanejadas; quando, então,foramimplementadas após aaprovação do planejamento, das açõesplanejadas.Estafaseiniciou propostas e ocorre aimplementação a faseação,quandosãodivulgadasas A CONDUÇÃO DA PESQUISA serviço, diagnósticoerevisãoserviço, daliteratura que assumeolocale,casohajavestígios, o ção, isolando-o. Aciona aPolícia Judiciária, primeiro e sedirigeparaolocaldainfra- Militar ouRodoviária tomaconhecimento ção, quandoháumainfraçãopenal,aPolícia 1. Resumidamente, nestacadeiadeprodu- justiça criminal,conformeresume afigura desegurançapúblicaeprodução deserviços Figura 1– A Perícia Criminal integraumacadeiade Caracterização doserviço Fase exploratória: caracterização do sentença final Macroprocesso genérico esimplificadodo evento até a Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 ao respectivo inquéritopolicial(IP). ponsável pela investigação para ser juntado encaminhado para o delegado de polícia res- polícia. Posteriormente, olaudopericialé podem serapreendidos pelodelegadode relacionados comainfraçãopenaltambém laboratoriais ouespecializados.Materiais rícia nolocal, caso sejam necessários exames vestígios. Materiais sãorecolhidos pelape- à realização dosexameserecolhimento de o material necessárioevento, transportando cia. Operitocriminalsedirigeaolocaldo o estadodascoisas,atéachegadadaperí- o nal local, e para preserva que não se altere delegado depolíciaacionaaperíciacrimi- Fonte: Rodrigues (2010). 187

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188 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo quanto nosexames laboratoriaiseespecializa - Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 tro edocumentaçãodosvestígios (front office) locais decrimenolevantamento, busca, regis- microcomparadores balísticos, etc.) tanto em luz forense, reagentes químicos comoluminol, tecnologias aplicadas(DNA,cromatógrafos, vestígios sãooconhecimentocientíficoeas so detransformaçãoparaprocessamento dos nologias aplicadas,veículos, etc.).Oproces- medicina, etc.)easinstalações(prédios, tec- ciências contábeis,dacomputação, genharia, física, química, biologia, farmácia, são osperitoscriminais(graduadosemen- materiais, etc.Os recursos transformadores cos, pegadas,armasemunições,fadigasem como impressões digitais,materiaisfisiológi- trados emlocaisdecrimeourelacionados, tais vestígios (rastros, pistas,resíduos, etc.)encon- 2005), os recursos a serem transformados são de transformação(JOHNSTON; CLARK, casos aojuizdedireito dirigiroprocesso. jurados sãoosjuízes, cabendoemqualquerdos crime fordecompetênciadotribunaljúri,os instâncias superiores. Ressalte-se quequandoo juiz daráasentença,daqualcaberárecursos às próprio juiz dedireito.o Ao finaldainstrução tamente àsquestõesdaacusação,defesae/oudo ou acomparecer emjuízo pararesponder dire- quesitos escritosapósrequerimento daspartes ritos podemserintimadospelojuizaresponder criminal. Durante processual, os ape- instrução no IP, que,então,setornamréus noprocesso diligências àpolíciaoudenunciarosindiciados que podepedirarquivamento, requerer novas sua vez, encaminha-oaopromotor dejustiça, o encaminhaparajuizdedireito, que,por Nesta operação,segundoomodelogeral Concluído oinquéritopolicial,delegado 2 , de medirodesempenho, melhoraraorganiza - definiu-se anecessidadedeimplementar formas diagnóstico dasituaçãounidade. Na ocasião, Criminal eaoPosto Médico-Legal. destinadoexclusivamenteconstruída, àPerícia pela Prefeitura Municipal com600m²deárea de apoio. A unidade possui um prédio cedido tos criminais,5médicos-legistase7servidores deapoioe,aofinal,com8peri- 5 servidores com 6peritoscriminais,3médicos-legistase e Medicina-Legal dointerior. da capitaleas63unidadesdePerícia Criminal os Institutos Médico-Legal edeCriminalística criminal noEstado. Compõemsuaestrutura de Períciavisão do serviço Oficial de natureza tão, planejamento,direção, controle esuper- SPTC). ASPTC éórgãoresponsável pelages- ca daPolícia Civil/MG(doravante chamadade Superintendência dePolícia Técnico-Científi- condutas dosenvolvidos, tipificá-lasejulgá-las. analisar as va, permitindo aos clientes do serviço do pericial(RODRIGUES, 2010). Inquérito, porque são os destinatários do lau- e presidentes deComissõesParlamentares de res públicos,defensores, delegadosdepolícia sãoosjuízes dedireito, promotodo serviço - conclusões dotrabalhopericial.Os clientes que contémadescrição,análises,métodose (ou negativas) consolidadasnolaudopericial, dos (backoffice) As duasprimeirasreuniões destinaram-seao A unidadecontava noiníciodapesquisa, da A unidade pesquisada integra a estrutura A unidadepesquisadaeodiagnóstico A prova pericialdásustentaçãoaumanarrati- 3 . Assaídassãoprovas materiais número de Stakeholders públicoécomplexaemfunçãodo no serviço sempenho. Porém, amediçãodedesempenho de medição de - necessitam de instrumentos definidas nas respectivas leisqueascriaram, públicas, cujamissãoejurisdiçãojáforam 2002; PIDD, 2012).Mesmo asorganizações e adoção de ações corretivas (BOURNE et al., ciada melhoreauxiliarnatomadadedecisões ma demediçãodesempenhoparasergeren- elaborar oplanejamentodasações. membros da organização,buscarmaisdadose seguinte: promover novas reuniões comos revisão daliteraturapara,então,passaràfase ção dedesempenhoimplementada. àmedi- as outrasaçõesseriamparadarsuporte medição dedesempenhoseriaoeixo condutore a mas eproblemas daunidade.Edefiniu-seque rearranjo do espaço físico como principais te- e do trabalho e ção daprodução dos serviços tes eadequados paraqueaorganizaçãocumpra KPIs), quesãoosindicadores- maisimportan de desempenho(Key Performance Indicators - tação; e(6)gestãododesempenhoindividual. comunicação eresponsabilização; (5)orçamen- nitoramento econtrole; (3)benchmarking; (4) al estão:(1)planejamentoemelhoria;(2)mo- medir odesempenhoorganizacionaleindividu- 2003; PIDD, 2012). cos, sociaiseeconômicosenvolvidos (BEHN, Qualquer operação precisa dealgumsiste- A revisão daliteratura dodiagnóstico,realizou-seA partir uma Na prática,define-se osindicadores chave Segundo Pidd (2012),entre asrazões para 4 edosinteresses políti- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 ders, esugere osseguintespassos: em contaavisãodosclienteseoutros Stakehol- a abordagem de Neely et al. (2002), que leva Stakeholders. to facilitaasanálisesecomunicaçãocomos GODDARD, 2007).Oindicadorcompos- SMITH; viduais dedesempenho(JACOBS; agregado abrangendoalgunsindicadores indi- da gestão. O indicador composto é um índice indicadores compostos, dada a complexidade ção dométodo(AUSTIN; 2007). GITTEL, de recompensas deve acompanharaimplementa- agentes políticos(POISTER,2003)eumsistema sentido paraospraticantes,gestores, clientese mento demedição. Os indicadores devem fazer ção denovos- oinstru insights, queaperfeiçoem debates comosgestores epraticantes,paraobten- das iniciativas degestão(PIKE; ROOS, 2007). ração, e,também,paramonitoraroprogresso e externodaorganização,parafinsdecompa- vel aplicaratécnicadobenchmarking nidos osKPIs erealizadas asmedições,épossí- (PAIM etal.,2009;PIDD, 2012).Após defi- paratodososcolaboradorescomo umnorte esirva qualidade, melhore agestãodoserviço de sua missãoinstitucional,preste umserviço b) a) Para a definiçãodos indicadores, adotou-se Em organizações públicas,devem-se usar Neely etal.(2002)ressaltam anecessidadede grupo deproduto ouserviço; grupo requisitos dos stakeholders , para cada dos objetivos organizacionais a partir umconsensoemtornodos Construir ferentes requisitos; que podem ter di- mais importantes, Identificar osprodutos e/ouserviços 5 interno 189

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190 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo pessoal, etc.)divididopelonúmero decasos. soma doscustostotaisincorridos (instalações, o usodocustomédiopor caso, resultado da mações dosclientes.Os autores sugerem ainda Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 cklog com base levantamento do tipo dias;asatisfaçãodos clientes das dentro de‘X’ quisições; opercentual derequisições atendi- em número de dias para atendimento das re- em juízo. Ainda,devem sermedidos:amédia nados, testescompletadosecomparecimentos requisitados, eassaídas,comoositensexami- como número de casos, amostras, itens, testes processos internos amediçãodasentradas,tais propõem medidas deeficiênciaesugerem nos nal quanto internacional. Houck et al. (2012) ção dedesempenhotantonaliteraturanacio- Na Perícia Criminal hápropostas demedi- A mediçãodedesempenhonaPerícia Criminal f) e) d) c) 7 ; onúmero deerros; eonúmero derecla- ganizacionais. operação, paraatingirosobjetivos or- Identificar os determinantes-chave da implementação erevisá-los; necessáriona ras, fornecerosuporte para geriraoperação,detectarbarrei- penho naorganizaçãoeutilizá-los Incorporar osindicadores dedesem- zar correções; implementação e,senecessário,reali- o acordo parasuarespectiva adoçãoe torná-los compreensíveis, paraobter Testar osindicadores projetados e sáveis pelodesenvolvimento; no passoanterioredefiniros respon- objetivos organizacionaisacordados cadores dos dedesempenhoapartir Buscar oconsenso e projetar osindi- surveys 6 ; o ba- de 99,5dias(GONÇALVES, 2013). que oprazo médiodeconclusãodoslaudosfoi (40% dosentrevistados). Apesquisaconstatou que os laudos não são encaminhados no prazo delegados depolícia.Oprincipalresultado foi promotores públicos,defensores públicose no Distrito Federal, junto ajuízes dedireito, periciais criminaisdehomicídioelatrocínio ser relevante paraosdestinatáriosdoserviço. gura 3).Oprazo éoprincipalindicador, por da unidadepericial e efetividadedoperito (Fi- indicadores: celeridadedolaudo,efetividade dias apurado. médio decadatipolaudoeonúmero de dia detrabalhoemmédia,combasenotempo efetivo de peritos,aprodução referente aum que a unidade conseguiu produzir, com o seu Perícia Criminal. 2) paramediraprodutividade da Unidade de (2013) desenvolveram umafórmula(Figura 2013). Belluco (2012),Belluco ePimenta ÇALVES, 2013;LIMA;GOLDSZMIDT, 2012; BELLUCO; PIMENTA, 2013; GON- sempenho naperíciacriminal(BELLUCO, conforme sintetizaoQuadro 1. custódia, queéorastreamento daevidência, do crimeatéotribunal,incluindoacadeiade res quesigam o processo produtivo dolocal Segundo estudodaSecretaria Nacional deSe - Um Lima eGoldszmidt (2013)propõem três O índiceesperadoé1(um),indicandoo No Brasil háestudossobre mediçãode- King eMaguire (2009)propõem indicado- survey survey avaliou oimpactodoslaudos Quadro 1– informação nolaudo disseminação, usoeutilidadeda 3. Indicadores deDesempenho para análise daevidência 2. Indicadores deDesempenho para estocagem daevidência o processamento dolocaldecrimee 1. Indicadores deDesempenho para Perícia Criminal Potenciais indicadores dedesempenho para oserviço de Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 periciais investigadores epromotores) com oslaudos Satisfação geral dosclientes (juízes, periciais para investigadores epromotores Nível dedisponibilidadedasinformações casos, denúnciaseabsolvições Utilidade dasinformações periciaispara os investigadores epromotores Compreensão dasinformações por para investigadores epromotores Nível dedisseminação dasanálises periciais física quandofor adequado Habilidade para disporoudestruir aevidência de alterações, destruição efurto Habilidade para guardar eproteger aevidência Sistema detriagemcasoseanálises Acurácia dasanálises Tamanho detempo dosbacklogs Rapidez dasanálises tecnológicos) periciais Uso correto dosprocessadores (artefatos física quandoapropriado Habilidade para disporoudestruir evidência proteger aevidência Habilidade para guardar adequadamente e evidência físicapara análiseouguarda Habilidade para submeter apropriadamente a (esquemas, notas, fotografias, etc.) Habilidade para documentar acena docrime evidência física Habilidade para localizareacondicionar a a cena docrime Habilidade pra encontrar, proteger eprocessar Fonte: King eMaguire (2009). 191

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192 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 Figura 3– Figura 2–  Índice deProdutividade Anual(IPA) unidade edoperito Indicadores deceleridade dolaudo, efetividade da Fonte: Lima e Goldszmidt, 2013. Fonte: LimaeGoldszmidt, Fonte: Belluco ePimenta, 2013. número de requisições recebidas. percentual entre onúmero delaudosemitidoseo guros. A produtividade foi medida como a relação embora reconhecesse que os dados não fossem se- dutividade dosórgãos periciais dos entes federados, próprios pares. Oestudolevantou tambémapro- qualidade dos laudos, são revisões realizadas pelos E quandoháalgumaformadeavaliação internada formal queavalie aqualidadedoslaudospericiais. maioria dasunidadespericiaisdoBrasil umsistema dania –SENASP-(BRASIL,2012),nãohána gurança Pública doMinistério daJustiça eCida- mento dasaçõesaserem implementadas direção echefia sãoavaliados pelachefiaimedia- ano, cabendorecurso daavaliação. com nomínimodoisacompanhamentos por é realizada pelachefiaimediataanualmente, quinquênio de10%acada5anosserviço. de2003emsubstituiçãoao estadual apartir público daqueles queingressaram noserviço vidores daInstituição ecompõearemuneração nente danotadosistemadepromoção deser- Individual (ADI).AADIéoprincipalcompo- tente noórgão:aAvaliação deDesempenho demedição dedesempenhoexis- instrumento físicosdoórgão.vos eartefatos econsulta aos arqui- participante observação de entrevistas informais,pesquisadocumental, leta dedados.Assim,coletou-sedadosatravés método, qualitativo ouquantitativo, paraco- Os peritos criminais que ocupam cargos de Os peritoscriminaisqueocupamcargos de A ADIparaoperitocriminal(tabela1) Entre osprincipaisdadoscoletadosestáo A pesquisa-açãoadmiteousodequalquer A pesquisaaprofundada eoplaneja- Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 ram-se: (i) conceito do serviço: “Aram-se: (i) conceito do serviço: Perícia boração dasdimensões estratégicas defini- e dasaçõesdesuporte (viii) levantamento docustomédioporlaudo. implementação desistemagestãoàvista;e gerenciamento dafiladelaudospericiais;(vii) visual; (vi) implementação de um sistema de blioteca; (v) uso de uniforme para identidade a criaçãodeumasalaconvivência e bi- do 5S;(iv) redefinição do espaçofísico, com (iii)implementação sempenho paraoserviço; implementar ummétododemedição- orientar adefiniçãodosKPIs; (ii)projetar e viço, missão,valores evisãodaunidade,para (i) definiçãodoconceitodaunidadeeser- dades ecronogramas. definição dasequênciadeações, responsabili- -se comoplataformaoMSProject 2007,para avaliação Utilizou de desempenhodoserviço. - projetar e implementar o método de medição e elaborou-se oplanejamentodasações,para discussões comosmembros daorganização, torná-lo maisobjetivo. e no sentido de captar a essência do serviço 2003, apresentam demelhoria, oportunidades não haviamediçãodedesempenhoantes avanços emrelação àsituaçãoanterior, pois mostradonatabela2. ta, conformeinstrumento Inicialmente, emduasreuniões paraela- A implementaçãodamedição dedesempenho Resultados eDiscussões As principaisfasesdoplanejamentoforam: dos levantamentos A dos dados partir e das embora representemEstes instrumentos, 193

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194 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo acessível aqualquercidadão independente- erroneamente acusado),elucidativa, isenta, autor àcenadocrime(ou inocentealguém prova material,objetiva, útilquevinculeo para quesefaçaJustiça, produzindo uma Prova”; (ii)amissãodaunidade:“contribuir Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 Tabela 1– Total dePontos 16 –Capacidadedetrabalho emequipe 15 –Adaptabilidade 14 –ÉticaProfissional 13 –Comunicação 12 –Racionalidade 11 –Administração dotempo etempestividade 10 –Pontualidade 9 –Assiduidade capacitação 8 –Aproveitamento emprograma de capacitação 7 –Interesse emparticipardeprograma de 6 –Presteza 5 –Iniciativa 4 –Produtividade no trabalho 3 –Qualidadedotrabalho 2 –Disciplina 1 –Hierarquia  unidade edoperito Indicadores deceleridade dolaudo, efetividade da Critério e datecnologia disponível.”; (iii)osvalores: com autilizaçãodoconhecimento científico manos equesejaesteticamente produzida, contraditório equepromova osdireitos hu- dentro dosprincípiosdaampladefesa, do mente de qualquer condição preexistente, (0 a10) Nota Peso 10,0 0,8 1,3 1,6 0,5 0,4 0,4 0,2 0,2 0,2 0,3 0,4 0,7 0,8 1,2 0,6 0,6 Fonte: Elaboração própria. (Nota xPeso) Pontos e condiçãosocioeconômico ecultural;Auto - te deideologia,gênero, credo religioso, raça independentemen- rios eclientesdoserviço, Humanos; Tratamento isonômico aos usuá- ca daverdade real; Promoção dosDireitos “Conhecimento científicoetecnologia; Bus- Tabela 2– Individual Total dePontos daAvaliação deDesempenho 4 -Disciplina Interpessoal 3 -Competência Técnica 2 -Competência Gerencial 1 -Competência CRITÉRIO cargos dedireção echefia Instrumento DeAvaliação Individualpara ocupantes de instalações equipamentos e Uso adequadode Ética profissional Assiduidade Iniciativa Comunicação Qualificação profissional Qualidade eprodutividade Eficiência Eficácia Conhecimento dotrabalho Tomada dedecisão Planejamento Gerência Participativa Flexibilidade pessoas Desenvolvimento de Delegação defunções Dimensões Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 minal entre asunidadesdeMinas Gerais”. Pericialdo serviço Oficialde natureza cri- “Ser referência em excelência naprestação tão profissional”; e(iv)avisão daunidade: exercício daatividadepericial;Isenção; Ges- enonomia nagestãoeprodução doserviço (0 a10) Nota Peso 0,4 0,5 0,6 0,8 Fonte: Elaboração própria. (Nota xPeso) Pontos 195

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196 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 mais casos”. Posteriormente, construiu-se lito. Os outros foramclassificadoscomo “de- estupro, latrocínio eprisãoemflagrantede- réu preso, trânsitocomvítima,infanticídio, críticos foram:homicídio,sequestro, roubo, os seusrequisitos. Os examespericiaismais ços mais críticos para a operação, para definir - cipantes buscou-seprimeiro definirosservi etapas propostas porNeely etal.(2002). necessidades doórgãopesquisado,seguindoas buscou-se ummodelomaiscustomizadoàs as diferentes propostas comosparticipantes, sobre mediçãodedesempenho. Após analisar tes oquefoilevantado naliteraturaeaprática Tabela 3– Durante reuniões realizadas- comosparti - Em seguida,discutiu-secomosparticipan Demais Casos Prisão emFlagrante Delito Latrocínio Estupro Infanticídio Trânsito com vitima Réu Preso Roubo Sequestro Homicídio Prazos para disponibilizaçãodoslaudospericiais Tipo deDelito produção do serviço. exames requisitados etambémevitarfalhasna vidade naprodução delaudosemrelação aos necessidade demanterumnível deproduti- vo organizacional queobteve consensofoia acordo comasuacriticidade.Outro objeti- há necessidadedepriorizarasrequisições de de exames)evolume derequisições periciais, periciais lidamcomaltavariedade (107tipos legal é de 10 dias,porém, como as unidades ço detectadanapesquisadecampo. Oprazo - foi umademandadosdestinatáriosdoservi como umdosobjetivos organizacionais,pois prazos paraaconclusãodoslaudospericiais Nestates doserviço. etapa,definiram-seos dosrequisitosnizacionais, apartir dosclien- um consensoemtornodosobjetivos orga- Prazo deEntrega doLaudo(Dias) 30 10 10 10 10 10 10 10 10 10 Fonte: Elaboração própria. de laudospor peritonotempo),edeeficácia, no prazo), por produtividade (maior emissão pela tempestividadedolaudo pericial(entrega reito, promotores, delegadoseadvogados, etc.) (juízes dedi- demanda dosclientesdoserviço incompletudes dolaudopericial,entre outras. pericial (deveria tersidoatendidona1ªvez), ou exemplo, reiterações de solicitações do laudo como, por tuais falhas na prestação do serviço, sobrereclamação even- dosclientesdoserviço putada. Entra nessacategoriatodaequalquer sua procedência. Em casoafirmativo, elaécom- formalizada porescritoouinformaléapuradaa et al.(2012).Assim,paraqualquerreclamação de Reclamações porAno”, inspiradoporHouck coerente comambosanteriores, foi“ONúmero ro de exames requisitados. O terceiro indicador, de laudosdisponibilizadosemrelação aonúme- (2012), que consiste na medição dopercentual – SENASP-(BRASIL,2012)eHouck etal. ça Pública doMinistério daJustiça eCidadania utilizado pelaSecretaria Nacional deSeguran- definidos conformeatabela3. deparâmetro paraesteindicador,servir foram para disponibilizaçãodoslaudospericiais, duzidos dentro doprazo acordado. Os prazos ou seja,opercentual delaudospericiaispro- também a tempestividade dos laudos periciais, ou seja,obacklog.Subjacentemente, mede-se ção ao número total de exames requisitados, dor opercentual delaudosematrasorela- nais. Assim,definiu-secomoprimeiro indica- indicadores dosobjetivos organizacio- apartir 2012, obteve-se oconsensoeseprojetou os Estes três indicadores buscamatenderà O segundo indicador projetado foi aquele Ao longodasreuniões detrabalhoem Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 ddard (2007). to, conformesugeridoporJacobs, Smith eGo- transformando-os emumindicador compos- versão, atribuiu-se um peso a cada indicador, implementação naunidade (Tabela 4). Nesta desempenho e se chegou à versão final para sua demedição oinstrumento aperfeiçoou-se uma gestoradaSPTC. Durante asdiscussões, ecom foram discutidoscomosparticipantes criminal epelaunidade. tados; (iii)número dereclamações porperito e porunidadeemrelação aosexamesrequisi- de laudos disponibilizados por perito criminal minal eporunidade(backlog);(ii)opercentual percentual delaudosematrasoporperitocri- para ageraçãodasseguintesinformações:(i)o da unidaderotinas noaplicativo MSExcel, acordados. Então, desenvolveu-se noâmbito projetou-se afasedetestesdosindicadores râmetros pararealizar asrespectivas medições, cos oorçarem. Foi definidopelafórmula: quantoparaosagentespolíti- produção doserviço, tantoparaosgestores avaliaremserve oscustosde somatório doslaudosdisponibilizados.Oindicador deapoio),divididopelo pessoal (peritoseservidores talações (prédios, equipamentos,veículos, etc.),e (cml) consistenosomatóriodocustototaldeins- to docustomédioporlaudo(cml).Esteindicador que éacorreção dasfalhasnoserviço. Os indicadores eseusrespectivos resultados Definidos osindicadores edepossedospa- O quarto indicadordefinidofoiolevantamen- O quarto (instalações +pessoal)/Ʃdoslaudos cml= Ʃcusto($)dasentradas disponibilizados 197

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198 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 criminais e servidores, parareforçarcriminais eservidores, aidenti- teca eadotadoousodeuniforme porperitos ção, criadaumasaladeconvivência ebiblio- nasaladeprodu- a adoçãodoescritórioaberto mentado o 5S, redefinido o espaço físico, com tação damediçãodedesempenho,foiimple- promoção nacarreira. podem gerarremuneração adicionaletambém avaliação individual dos peritosdaunidade profissionais. Os resultados utilizadosparaa benchmarking entre as unidades e os próprios tivos organizacionais etambémpromover um alinhar todososmembros doórgãoaosobje- que lheé(são)subordinada(s). Éumaformade penho dogestoréoresultado da(s)unidade(s) enfim, opróprio órgãopericial,poisodesem- de, osChefesdeDivisão eopróprio Diretor, individualmente, ogestorearespectiva unida- sistema. Portanto, mede-seoperitocriminal superiores podemseravaliados combaseneste pectiva unidade eosgestores hierarquicamente Tabela 4– Para preparar aunidadeparaimplemen- Assim, osperitoscriminais,ogestordares- % deLaudosemAtraso (Backlog) Produtividade Nº dereclamações porano peritos, gestores e doserviço pericialnoEstado Indicador composto para medirodesempenho dos Indicador Total moldes databela 5;outro painel foiutilizado são atualizadosnopaineluma vez aodia,nos e onúmero dereclamações porano. Os dados centual de produtividade, de laudos em atraso um painelqueindica,respectivamente, oper- urgentes enãourgentes. mente, indicandoasrequisições maisurgentes, amarela eaterceira, atarjaverde, respectiva- recebeu uma tarja vermelha, a outratarja contendo três gavetas, sendoqueumagaveta buído paracadaperitocriminalumgaveteiro, e laudospericiaisrequisitados, ondefoidistri- JOHNSTON, 2009, p. 376)paraosexames estoque de3gavetas (SLACK;CHAMBERS; foi implementado um sistema de controle de lizar aquelesprioritáriosaserem produzidos cessos. Para gerenciar afiladelaudosesina- e, também,osseusStakeholders emacropro- missão,valores evisãodaunidade, do serviço, sofá, alémdebanners,informandooconceito entrada erecepção foramcolocadoscadeirase Nodade visualetangibilizaroserviço. hallde Por fim,foiimplementadaagestão àvista: Peso 0,25 0,50 1,00 0,25 Total (%) Fonte: Elaboração própria. 100,00 25,00 50,00 25,00 rito (30ototaldaunidade).Porém, em2013, Ano” foidefinidaem5(cinco)poranope- do indicador“Número deReclamações por da escala)ficouestabelecidoem30%.Ameta a serem produzidos porperitocriminal(zero pectivamente, eonúmero mínimodelaudos dutividade foiacordada em10%e80%,res- meta deatrasolaudos(backlog)epro- das notas com base na tabela 4. Para 2013, a 2013 a medição de desempenho, com cálculo rias edeapoio,iniciou-seem01janeiro de data darequisição eonúmero dediasnafila. nome do perito criminal, o número do caso, a para informaroscasosurgentesematraso,o Ranking Tabela 5– Gestor (Unidade) Após implementadas asaçõespreparató- 5º 6º 2º 4º 3º 1º Criminal Perito D Perito A Perito B Perito C Perito E Perito F Perito pericial para oanode2013 Resultados damediçãoimplementada emumaunidade Perícias Nº de 2123 379 477 449 398 391 29 % doTotal 100,00% 17,85 22,47 21,15 18,75 18,42 1,37 * Perito FéoGestor daunidadepericial ecuida dagestão, logo, faz menosperícias Disponibilizados % deLaudos 100,00% 77,63% 75,73% 70,02% 78,40% 75,13% 88,75% Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 Apesar de novamente nenhuma das metas ter obtidos osresultados apresentados natabela6. ou seja,24nototaldaunidade.Em 2014foram ções poranofoireduzida para3(três) porperito, em 35%eametarelativa aonúmero dereclama- produzidos porperitocriminalficouestabelecido tividade; onúmero mínimodelaudosaserem guintes metas:5%debacklog;85%produ- finidas para2014e2015. resultados de2013,utilizando-seasmetas- 5. Estatabelamostratambémcomoseriamos atingiu duas delas, conforme mostra a tabela (resultado dogestor),exceto umperitoque nenhuma dasmetasfoiatingidapelaunidade % deLaudos Para oanode2014foramacordadas asse- em Atraso 20,91% 22,69 27,04 20,94 24,37 0,00 9,72 reclamações/ ano 62 16 20 10 Nº 4 6 6

Fonte: dados da pesquisa. Fonte: dadosdapesquisa. 100,00 71,68 64,56 55,52 72,84 76,22 96,55 NOTA 2014 e2015 as metas de 2013 com Notas de 55,87 75,36 50,93 93,75 43,39 56,87 57,76

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200 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo de 2014eodesempenho foiaindamelhor, mes- desempenho deumanopara ooutro. constata-se quehouve melhoriade22,42% no 2014, aplicando-seem2013asmetasde vadas. Entretanto, quandosecomparaanotade em relação à2013,porque asmetasforamele- nota finaldaunidade(gestor),houve redução so enonúmero dereclamações. Comrelação à respectivamente, nonúmero delaudosematra- ponibilizados eredução de23,82%e25,81%, houve aumentode6,38%nototallaudosdis- sido atingidapelaunidade(resultado dogestor), Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 Tabela 6– Para 2015,decidiu-semanterasmesmasmetas Ranking Gestor (Unidade) 1º 6º 5º 4º 3º 2º 7º 8º pericial noanode2014 Resultados damediçãoimplementada emumaunidade Perito F Criminal Perito H Perito D Perito G Perito A Perito B Perito C Perito E Perito (1) Perícias Nº de 2184 353 408 404 341 212 362 90 14 % doTotal 100,00% 16,16% 18,68% 18,50% 15,61% 16,68% 4,12% 9,71% 0,64% (1) Féogestor. Em2014, aunidaderecebeu doisperitos criminais(GeH). Disponibilizados % deLaudos 82,55% 92,86% 73,09 85,54 83,91 87,98 88,68 78,48 100% sem utilizadasa metasde2014e2015. metas definidasparaaqueleano, e56,17%sefos- ção a2013,aumentou21,72%, utilizando-seas aumentou 27,48%emrelação a2014.Comrela- respectivamente. Anotafinaldaunidade (gestor) caiu 58,70%e69,35%emrelação a2014e2013, pectivamente. Onúmero dereclamações porano 35,97% e51,22%emrelação a2014e2013,res- so, emboraametanãotenhasidoatingida,caiu respectivamente. O percentual de laudos em atra- laudos disponibilizadosemrelação a2014e2013, houve aumentode5,66%e12,35%nototaldos 29,67%. Os resultados (tabela7)mostramque mo onúmero totaldepericiasaumentandoem % % % % % % % deLaudos em Atraso 15,93% 14,46 13,61 25,14 26,06 0,00 9,68 8,02 7,14 % % % % % % % % reclamações/ ano Fonte: Elaboração própria. 46 21 Nº 8 5 4 0 0 0 8 100,00 68,44 68,02 73,09 81,66 90,54 92,51 52,26 47,02 NOTA anos demedição. melhorou significativamente aofinalde três Portanto, odesempenhoglobal daunidade ção a 2014 e de 56,17% em relação a 2013. 2015, ouseja,melhoriade 27,48%emrela- 2014 (melhoriade22,50%)epara87,25em -se asmetasde2014e2015)para 68,44 em aumentou de55,87em2013(considerando- que mede o desempenho da unidade (gestor), medição). Oindicadorcomposto,notafinal medição) emrelação a2013(primeiro anoda te quandosecompara2015(terceiro anoda melhoraram (tabelas5,6e7),principalmen- Tabela 7– Os resultados mostramqueosindicadores Ranking Gestor (Unidade) 1º 8º 7º 6º 5º 4º 3º 2º pericial noanode2015 Resultados damediçãoimplementada emumaunidade Perito F Criminal Perito H Perito D Perito G Perito A Perito B Perito C Perito E Perito (1) Perícias (1) ÉoGestor daunidadepericialecuida dagestão daunidade, logo, faz menosperícias. Nº de 2832 815 302 333 372 305 393 304 8 % doTotal 100,00% 28,78% 10,66% 11,76% 13,14% 10,77% 13,88% 10,73% 0,28% Disponibilizados Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 % deLaudos 87,22% 97,79% 67,22% 71,77% 88,44% 90,49% 88,80% 88,82% 87,50% do instrumento de medição implementado: o do instrumento apontaramentre participantes ospontosfortes pesquisa. Na reunião dedezembro de2014,os ao longo da foi discutido com os participantes, dizado econtribuiçãoàteoria R$ 795,61(R$1.469.075,32/1.778laudos). em 2014foiestimadoaproximadamente custo médioporlaudopericialdisponibilizado pesquisada, semaplicarorigorcontábillegal, (cml), sófoiadotadoem2014.Na unidade O instrumento de medição de desempenho O instrumento A avaliação dasaçõesimplementadas,apren- indicador,O quarto customédioporlaudo % deLaudos em Atraso 10,20% 28,48% 26,73% 11,29% 12,50% 0,00% 5,90% 7,89% 7,24% reclamações/ ano Fonte: Elaboração própria. 19 Nº 0 4 1 2 8 4 0 0 100,00 87,25 89,94 90,84 92,27 45,98 60,20 86,07 85,00 NOTA 201

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202 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo Outra oportunidade de melhoria foianeces- Outra oportunidade meta (80%em2013e85% em2014e2015). produzidos laudosmaissimplesparaatingir esta enquadrados noprazo de10dias,ouseja, foram dos laudos,produziu-se laudosquenãoestavam riciais e a própria priorização em produzir 85% do quedevidoaoaltovolume derequisições pe- mento da meta de laudos atrasados, foi aponta- ção, nasdiscussõessobre asrazões donãoatingi- minal eummédico-legista. laboratório; easpromoções deumperitocri- criminais, umdelesdesignadoparaoperaro mais um médico-legista e dois novos peritos tando mais de R$ 400.000,00; designação de dolaboratório,represengrafo eaconstrução - como: aaquisiçãoeinstalaçãodeumcromató - ve investimentos naunidadepesquisada,tais cia estratégicaeumareferência. Em 2014hou- - considera aunidadepesquisadadeimportân cebimento demaisrecursos daSPTC. ASPTC mentadas naunidadeoreconhecimento ere- para ficarmaisbemposicionadonoranking. 2014 e2015umacompetiçãoentre osperitos ciais tempestivamente.durante Observou-se que consisteemdisponibilizaroslaudosperi- ração paraatingirosobjetivos organizacionais, tiu identificarosdeterminantes-chave daope- presentes vigente. noinstrumento tivos naavaliação dodesempenhoindividual liação serem objetivas, reduzindo vieses subje- e agentespolíticos;ofatodeasmetasaava- fazer sentidoparaosperitoscriminais,gestores direcionamento do trabalho (“dar umnorte”); Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 Como oportunidades demelhorias da medi- Como oportunidades creditamOs participantes àsaçõesimple- O desenvolvimento dosindicadores permi- mento dos participantes e dos pesquisadores. edospesquisadores. mento dosparticipantes penho, numa organização pública, com o envolvi - da aplicaçãodeummétodo mediçãodedesem- teoria foiaconstataçãodafactibilidade eutilidade à edeseusprofissionais. Acontribuição serviço com quemsediscutiuedebateuamediçãodo próprios gestores doórgãopericialpesquisado, A pesquisatambémgerou conhecimentoparaos tado doconsensopossível comosparticipantes. finalfoi Oinstrumento resul- dos participantes. em todasasfaseshouve discussõesecontribuições se mostrou ummétodoapropriado, hajavistaque Apesquisa-ação sões epeculiaridadesdoserviço. aumentar oconhecimentosobre oserviço. Finalizando, sua medição deve sermantidapara deapoio,etc. neração), número deservidores pessoal, taiscomoperitos(quantidadeeremu- de Polícia, reduzindo oscustoscomprédio) e litana funciona nas dependências de Delegacias unidades periciaisdointerioreregião metropo- lidade dos custos com instalações (a maioria das ficuldades parabenchmarking, devidoàvariabi- çamentação. Entretanto, amedidaapresenta di- o gestores eagentespolíticospromoverem aor- do (cml)foiponderadoqueamedidaéútilpara que atabelasejaexibidaapenasinternamente. preferemdiariamente. Algunsparticipantes painéis similares àstabelas5,6e7,atualizadas emrelação àsmetasem ção decadaservidor à vista,ondeháaexposiçãopúblicadaprodu- a eficáciaeefetividadedoslaudos. meça, além da produtividade e tempestividade, sidade desedesenvolver que uminstrumento A pesquisagerou aprendizado sobre asdimen- Quanto ao cálculodocustomédioporlau- Outro ponto levantado foi o uso da gestão CONSIDERA requisitados (produtividade) eonúmero de al delaudosproduzidos emrelação aosexames lizados noprazo (tempestividade),opercentu- o percentual de laudos concluídos e disponibi- laudos ematraso(backlog)esubjacentemente cadores-chave dedesempenhoopercentual de clientes eojuizemsuasentença. cesso criminal, os advogados na defesa de seus públicos emsuadecisãodeabrirounãopro - legados emsuasinvestigações, ospromotores nibilizados emtempohábilparaauxiliarosde- para que laudos periciais sejam dispo- serviço paraosdestinatáriosdo demanda importante des eopróprio órgãodeformaobjetiva. desempenho dos profissionais, gestores, unida- nal, quepossibilitamediraomesmotempoo públicodePeríciapenho paraoserviço Crimi- específicodemediçãodesem- instrumento pesquisa, mostrou odesenvolvimento deum Assim, inicialmente,definiu-secomoindi- desenvolvido atendeuma O instrumento resultadoEste artigo, dequatro anosde ÇÕES FINAIS 6. 4. 3. 2. 5. 7. 1. diferentes organizações), entre outras. próprio desempenhocom odeoutras operações comparáveis”. Pode serinterno (dentro daorganização) e/ouexterno (comparação entre (CORRÊA; CAON, 2006,p. 66). Atividades queocorrem semcontato com ocliente (ouusuáriosouinteressados noserviço) esãochamadasdeatividadesretaguarda Atividades dealto contato com pessoas, também chamadasdeatividadeslinhafrente (CORRÊA; CAON, 2006,p. 66). (objetiva esubjetiva), transparência, obrigaçãodeprestação decontas, controle, premiações e/oupunições(PINHO;SACRAMENTO, 2009). CLARK, 2005,p. 75).  Pedidos declientes queforam recebidos, maisaindanãoprocessados JÚNIOR;BONATO, (LAJE 2010,p. 17)  São pesquisasdeavaliação poramostragem ecom tratamento estatístico (CAUCHICK MIGUEL;HO, 2010,p. 73).  Segundo Slack,ChamberseJohnston (2009,p. 68),“  Stakeholders  Accountability

são quaisquerpessoas ouorganizações quetenham alguminteresse nodesempenhodoserviço público emtela (JOHNSTON; éumtermo queaindanãoencontra umatradução precisa emportuguês.Écomumente associado aresponsabilização Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 benchmarking dade doslaudospericiais. principalmente emtermosdeeficáciaeefetivi- domesmo, tado ebuscapeloaperfeiçoamento desempenho, aceitação do sistemaimplemen- decausaseventuais diferençasdescoberta de aplicação, paraanálisedenovos resultados e são semelhantes. pericial no país, haja vista que as operações volvido é generalizável paraqualquerórgão de medição de desempenho desen- trumento mentação eaccountability.Alémdisso,oins- agentes políticos em atividades como orça - como oprincipalproblema. positivos, boaaceitaçãoeapontouobacklog de pericialdurantetrês anos,comresultados médio porlaudo(cml). definiu-se tambémcomoindicador ocusto tarmente, paraauxiliaragestãodoserviço, reclamações porano(eficácia).Complemen- Por fim,sugerem-se novas pesquisasde éútil tambémparaosO instrumento foi testado em uma unida- O instrumento é oprocesso de aprender com osoutros eenvolve acomparação doseu 203

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204 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 clientes. 1. ed.SãoPaulo: Atlas, 2006.479p. tividade pormeiodeoperações edesatisfação dos Gestão deserviços CAON, M. : lucra- H.L.; CORRÊA, 2010. e gestão deoperações Elsevier. RiodeJaneiro: , emengenhariadeproduçãodologia depesquisa tipo survey. P.A. In: CAUCHIK MIGUEL, (Org.) Meto P.CAUCHICK MIGUEL, Olevantamento HO, A.; L.L. Brasil. Brasília, 2012. (Org.). Diagnóstico C. daPerícia Criminalno C. A. de Segurança Pública.FIGUEIREDO, I.S.; PARESCHI, Ministério daJustiça –Secretaria Nacional BRASIL. n.11, p.1288-1310, 2002. of Operations &Production, v.22, Management participating managers.International Journal formance measurement initiatives: perceptions of et al.Thesuccess M. BOURNE, andfailure of per foco. Editora RiodeJaneiro: FGV, 2013, 412p. (Org.). Gestão pública:aperíciacriminalem A. M. In: VASCONCELOS, F. FONTES FILHO, C.; TSUNODA, R.; tividade aplicadosàcriminalística daPolícia Federal. BELLUCO, Indicadores deprodu - C. G.;PIMENTA, R. C. 2012. Empresas, RJ, Escola Brasileira deAdministração Públicaede blica) –Centro deFormação AcadêmicaePesquisa, 89f. Dissertação (Mestrado emAdministração Pú- cados àcriminalística daPolícia Federal. 2012. BELLUCO, G.Indicadores deprodutividade C. apli- nistration Review, v.63, 2003. n.5, p.586-606, purposes require different measures. PublicAdmi- Why measureBEHN, R. performance? Different Cambridge University Press, 2007. theory andintegrating practice. 2e. Cambridge/UK: Business performance measurement: unifying when itworks, In:NEELY, butshouldnot. (Org.). A. J.H.Anomalies of measurement: AUSTIN, GITTEL, R.; Referências bibliográficas - - de Janeiro: Editorade Janeiro: FGV, 2013, 412p. (Org.). Gestão pública:aperíciacriminalemfoco. Rio In: VASCONCELOS, F.; A. FONTES FILHO, M. TSUNODA, R.; mento dePolícia Federal: umaabordagem multinível. desempenho emlaudosde criminalística noDeparta- F.LIMA, F.; GOLDSZMIDT, G.B. Determinantes R. do trole daprodução 2010. . Goiânia:FUNAPE/DEPECAC, mos, expressões esiglasdeplanejamento econ- BONATO, M.; JÚNIOR, LAJES F.K. Minidicionáriodeter p.159-170, 2009. ce. systems designed to process criminalforensic eviden- KING, W.; Assessing theperformance E. MAGUIRE, of ce 2005. Hall, ment: improving service delivery. 2e. London: Prenti- G.ServiceJOHNSTON, operations CLARK, manage R.; 2007, p.383-407. tice. CambridgeUniversity Press, 2e. Cambridge/UK: measurement: unifyingtheoryandintegrating prac formance. In:NEELY, (Org.). Business performance A. of composite indicators to measure health care per JACOBS, SMITH,P.; R.; GODDARD, Thedevelopment M. Science andJustice, v.52, n.4, p.209–216, 2012. performance assessment for forensic laboratories. et al.Thebalanced M. scorecard:HOUCK, sustainable 2013. RJ, ção). Escola Brasileira deAdministração Pública,FGV, ral. 2013.103f. Dissertação (Mestrado emAdministra- Instituto deCriminalística noâmbito doDistrito Fede às sentenças judiciais:ocasodaperíciacriminaldo e delatrocínio junto aosoperadores dodireito e GONÇALVES, N.Impacto doslaudosdehomicídio M. 240, 2002. tions &Production, v.22, Management n.2, p.220- Internationaltions management. Journalof Opera - COUGHLAN, P.; COGHLAN, D. Actionresearch for opera- Forensic Science Policy, v.1, &Management n.1, - - - - - bridge University Press, p.218-235, 2007. ory andintegrating practice. Cam- 2e. Cambridge/UK: Business performance measurement: unifyingthe meworks: measurement theory. In:NEELY, (Org.). A. S.; ROOS, G.ThevalidityPIKE, of measurement fra- University Press, 2012. ces PIDD, M. aprender. Porto Alegre: Bookman,2009. PAIM, et al.Gestão deprocessos R. : pensar, agire Science Policy, v.2, &Management n.4, p.164-174, 2011. sight metrics to thedevelopment of actionplans.Forensic gement of forensic laboratory resources: from project fore NEWMAN, J.; DAWLEY; D.; P. SPEAKER, J.Strategic- mana bridge University Press, 2002. ness NEELY, et al.Getting themeasure A. of your busi- : principles andpractice. Cambridge Cambridge/UK: : strategy andperformance. Cam- Cambridge/UK: Measuring the performance of public servi- - - Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 e. SãoPaulo: Atlas, 2009, 165p. THIOLLENT, Pesquisa-ação nasorganizações M. . 2 ção daProdução. 3e. SãoPaulo: Atlas, 2009. N.;CHAMBERS, S.; JOHNSTON,SLACK, Administra R. - São Carlos, 2010. de Produção -Universidade Federal deSãoCarlos, nharia deProdução) –Departamento deEngenharia de serviços. 2010.255f. Tese (Doutorado emEnge V.RODRIGUES, C. Perícia criminal:umaabordagem Jossey-Bass, 2003. and nonprofit organizations. SãoFrancisco/CA: POISTER, T. H.Measuring performance inpublic nov./dez., pp. 1343-1368, 2009. Administração Pública.RiodeJaneiro, v. 43, n.6, já podemostraduzi-la para oportuguês? Revista de PINHO, G.;SACRAMENTO, S. Accountability: J.A. R. A. - 205

A medição de desempenho no serviço de Perícia Criminal: proposição e aplicação em uma unidade pericial Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo Artigo A medição de desempenho no serviço de Perícia Criminal: Artigo proposição e aplicação em uma unidade pericial

206 Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo en Serviciospúblicos. operaciones deserviciospúblicos. Pericia criminal.Calidad Palabras clave: clave: Palabras benchmarking ymejoríasenlasoperaciones. buena aceptación, portener sentido práctico, posibilitar unidades periciales,losgestores yelórgano, ypresentó por año. El instrumento permite evaluar los peritos, las los exámenes requisados yelnúmero dereclamaciones porcentaje delaudospuestos adisposicióncon relación a siguientes indicadores: elporcentaje delaudosenatraso, medición, queconsiste deunindicador compuesto porlos El resultado fuelaimplementación deuninstrumento de el método de investigación-acción en una unidadpericial. que rellenase esta laguna en la Pericia Criminal. Se utilizó e implementar uninstrumento demedicióndesempeño a losgestores. Elobjetivo deesta pesquisafuedesarrollar de un instrumento demedicióndesempeño, para auxiliar y carece técnico-científica prueba la produce órgano calidad, incluyendo elserviciodePericia Criminal.Este La sociedadbrasileña demandaserviciospúblicos de Pericia de Criminal: proposición servicio yaplicaciónenunaunidadpericial el en desempeño de medición La Resumen Claudio VilelaRodrigues eJoséCarlosdeToledo uma unidadepericial Perícia Criminal:proposição eaplicaçãoem A mediçãodedesempenho noserviço de Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 Medición de desempeño. Gestión de make possible benchmarkingand operations improvement. has received goodacceptance, because itmakes sense, evaluates professionals, unities,managersandservice. It backlog; andnumberof complaints by year. Theinstrument dimensions: percentage of completed reports; percentage of whichconsists onacompositeinstrument, indicator withthree developing andimplementing aperformance measurement Action gap. this research has been carried out onForensic Science Unity by out fill to instrument an develop to was instrument to helpservice managers.Theaimof thisresearch measurement a performance it lacks e evidence scientific Forensic Science Services. Forensic Science produce the Brazilian society demandsbetter publicservices, including Proposition andapplication at aForensic Science Unity Service: Science Forensic on Management Performance Keywords: services. ForensicOperations Science. Management. Qualityinpublic Abstract Measuring performance. PublicServices Data derecebimento: Data deaprovação:

18/01/2017 28/02/2016

Rev. bras.| SãoPaulo segur. v. pública 11, n.1, 184-206, Fev/Mar 2017 207

A medição de desempenho no serviço de Perícia Criminal: proposição e aplicação em uma unidade pericial Claudio Vilela Rodrigues e José Carlos de Toledo Artigo REVISTA BRASILEIRA DE SEGURANÇA PÚBLICA Escopo e política editorial A Revista Brasileira de Segurança Pública é a revista semestral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e tem por objetivo a produção de conhecimento e a reflexão no campo da segurança pública no Brasil e exterior. Os autores(as) dos artigos podem ser pesquisadores, policiais e/ou demais profissionais da área que tenham desenvolvido pesquisas científicas dentro de suas respectivas instituições e desejem disseminar resul- tados. Pretende-se promover o intercâmbio de informações qualificadas no que tange às relações entre segu- rança pública, violência e democracia, focando em políticas implementadas na área, policiamento, ensino policial, monitoramento e avaliação de dados, justiça criminal e direitos humanos. Especialistas nacionais e estrangeiros podem ser convidados a conceder entrevistas ou depoimentos para a publicação. Regras Instruções aos autores 1 Os trabalhos para publicação na Revista Brasileira de Segurança Pública devem ser inéditos no Brasil e sua publicação não deve estar pendente em outro local. Deverão ter entre 20 e 45 mil caracteres com espaço, consideradas as notas de rodapé, espaços e referências bibliográficas. 2 Os trabalhos deverão ser enviados através do sistema on-line de gestão da Revista Brasileira de Segurança Pública, dis- ponível em http://revista.forumseguranca.org.br/. Para tanto, os autores devem realizar um cadastro, que permitirá o acesso à área de submissão de trabalhos, bem como permitirá o acompanhamento de todo o processo editorial. Toda a comunicação com os autores que submeterem o trabalho através do sistema será realizada por meio da ferramenta. 3 Recomenda-se a utilização de editores de texto que gravam em formatos compatíveis tanto com programas amplamente disseminados quanto, prioritariamente, com softwares de código aberto. 4 As opiniões e análises contidas nos textos publicados pela Revista Brasileira de Segurança Pública são de responsa- bilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a posição do Fórum Brasileiro de Segurança Públi- ca. A Revista Brasileira de Segurança Pública reserva-se todos os direitos autorais dos artigos publicados, inclusive os de tradução, permitindo, entretanto, sua posterior reprodução com a devida citação da fonte. 5 Todos os trabalhos serão submetidos ao Comitê e ao Conselho Editorial da Revista, que terão a responsabilidade pela apreciação inicial dos textos submetidos à publicação. 6 O Comitê Editorial da Revista Brasileira de Segurança Pública pode, a qualquer tempo, solicitar apoio de con- sultores AD HOC, sempre especialistas no tema do artigo submetido, para emissão de pareceres de avaliação sobre os textos encaminhados. Cada artigo receberá a avaliação de dois pareceristas, sendo os pareceres em blind review, portanto, sem a identificação dos autores ou dos pareceristas. Estes pareceristas podem aceitar recusar ou reapresentar o original ao autor com sugestões de alterações. 7 Os trabalhos poderão, ALTERNATIVAMENTE, ser enviados por correio, cuja correspondência deverá ser en- viada para a sede do Fórum, localizada à Rua Amália de Noronha, 151, Cj. 405, Pinheiros, São Paulo / SP, CEP 05410-010. Nesse caso, os textos deverão ser enviados em CD-R ou CD-RW e duas cópias impressas em papel A4 e deverão ser precedidos por uma folha de rosto onde se fará constar: o título do trabalho, o nome do autor(a) (ou autores), endereço, telefone, e-mail e um brevíssimo currículo com principais títulos acadêmicos, e principal atividade exercida, cidade, estado e país do autor. Recomenda-se que o título seja sintético. Qualquer identificação de autor(a) deve constar em folha ou arquivo separado. 8 A revista não se obriga a devolver os originais das colaborações enviadas por correio. 9 Após aprovação do trabalho para publicação, o(s) autor(es) deverão enviar a “Declaração de responsabilidade e trans- ferência de direitos autorais”, assinada por todos os autores. A declaração pode ser enviada por e-mail, escaneada em formato .jpg, ou para a sede do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O modelo da declaração encontra-se dispo- nível ao final das regras de publicação e no link: http://www2.forumseguranca.org.br/arquivos/declaracaorbsp.pdf 208 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 208-210, Fev/Mar 2017 Critérios Bibliográficos

Resenhas Serão aceitas resenhas de livros publicados no Brasil, no máximo, há dois anos e no exterior, no máximo, há três anos, além de conter a referência completa do livro. Artigos Deverão ser precedidos por um breve resumo, em português e em inglês, e de um Sumário; Palavras-chave deverão ser destacadas (palavras ou expressões que expressem as idéias centrais do texto), as quais possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho na biblioteca. Serão aceitos artigos escritos nas línguas portuguesa e espanhola. Artigos escritos em inglês ou francês pode-

rão ser submetidos para avaliação, mas, se aprovados, serão traduzidos para a língua portuguesa; Regras Não serão devidos direitos autorais ou qualquer remuneração pela publicação dos trabalhos em nossa revista, em qualquer tipo de mídia impressa (papel) ou eletrônica (Internet, etc.). A simples remessa do original para apreciação implica autorização para publicação pela revista, se obtiver parecer favorável. Quadros e tabelas A inclusão de quadros ou tabelas deverá seguir as seguintes orientações: a/ Quadros, mapas, tabelas etc. em arquivo Excel ou similares separado, com indicações claras, ao longo do texto, dos locais em que devem ser incluídos. b/ As menções a autores, no correr do texto, seguem a forma-(Autor, data) ou (Autor, data, página). c/ Colocar como notas de rodapé apenas informações complementares e de natureza substantiva, sem ultrapassar 3 linhas. Referências bibliográficas As referências bilbiográficas devem ser citadas ao final do artigo, obedecendo aos seguintes critérios: Livro: sobrenome do autor (em caixa alta) /VÍRGULA/ seguido do nome (em caixa alta e baixa) /PON- TO/ título da obra em negrito /PONTO/ nome do tradutor /PONTO/ nº da edição, se não for a primeira /VÍRGULA/ local da publicação /DOIS PONTOS/ nome da editora /VÍRGULA/ data /PONTO. Artigo: sobrenome do autor, seguido do nome (como no item anterior) /PONTO/ título do artigo / PONTO/ nome do periódico em negrito /VÍRGULA/ volume do periódico /VÍRGULA/ número da edição /VÍRGULA/ data /VÍRGULA/ numeração das páginas /PONTO. Capítulo: sobrenome do autor, seguido do nome (como nos itens anteriores) /PONTO/ título do ca- pítulo /PONTO/ In /DOIS PONTOS/ sobrenome do autor (em caixa alta) /VÍRGULA/ seguido do nome (em caixa alta e baixa) /PONTO/ título da obra em negrito /PONTO/ local da publicação /DOIS PONTOS/ nome da editora /VÍRGULA/ data /PONTO. Coletânea: sobrenome do organizador, seguido do nome (como nos itens anteriores) /PONTO/ título da coletânea em negrito /PONTO/ nome do tradutor /PONTO/ nº da edição, se não for a primeira / VÍRGULA/ local da publicação /DOIS PONTOS/ nome da editora /VÍRGULA/ data /PONTO. Teses acadêmicas: sobrenome do autor, seguido do nome (como nos itens anteriores) /PONTO/ título da tese em negrito /PONTO/ número de páginas /PONTO/ grau acadêmico a que se refere / TRAVESSÃO/ instituição em que foi apresentada /VÍRGULA/ data /PONTO. Os critérios bibliográficos da Revista Brasileira de Segurança Pública tem por base a NBR 6023:2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 208-210, Fev/Mar 2017 209 Declaração de Responsabilidade e Transferência de Direitos Autorais Utilize o modelo abaixo, preencha e envie de forma digitalizada (.JPG) como documento suplemen- tar através do sistema on-line. Se preferir encaminhar por fax ou correio, também poderá fazê-lo para a sede do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, localizada na Rua Amália de Noronha, 151, Cj. 405, Pinheiros, São Paulo / SP, CEP 05410-010.

Declaração de Responsabilidade e Transferência de Direitos Autorais Primeiro autor:______Regras Título do artigo:______Nomes de todos os co-autores na ordem que aparecem no artigo: ______

1.Declaração de Responsabilidade - Garanto que em caso de vários autores, obtive, por escrito, autorização para assinar esta declaração em seu nome e que todos os co-autores leram e concordaram com os termos desta declaração. - Certifico que o artigo representa um trabalho inédito e que nem este manuscrito, em parte ou na íntegra, nem outro trabalho com conteúdo substancialmente similar, de minha autoria, foi publicado ou está sendo considerado para publicação em outra revista, que seja no formato impresso ou eletrônico. - Atesto que, se solicitado, fornecerei ou cooperarei na obtenção e fornecimento de dados sobre os quais o artigo está sendo baseado, para exame dos editores. - Certifico que todos os autores participaram suficientemente do trabalho para tornar pública sua responsabilidade pelo conteúdo. No caso de artigos com mais de seis autores a declara- ção deve especificar o(s) tipo(s) de participação de cada autor, conforme abaixo especificado: (1) Contribuí substancialmente para a concepção e planejamento do projeto, obtenção de dados ou análise e interpretação dos dados; (2) Contribuí significativamente na elaboração do rascunho ou na revisão crítica do conteúdo; (3) Participei da aprovação da versão final do manuscrito. Assinatura de todos os autores: ______Data:______

2. Transferência de Direitos Autorais – Declaro que em caso de aceitação do artigo, concordo que os di- reitos autorais a ele referentes se tornarão propriedade exclusiva da Revista Brasileira de Segurança Pública, vedada qualquer reprodução, total ou parcial, em qualquer outra parte ou meio de divulgação, impressa ou eletrônica, sem que a prévia e necessária autorização seja solicitada e, se obtida, farei constar o devido agra- decimento à Revista Brasileira de Segurança Pública. Assinatura de todos os autores: ______Data:______

210 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 208-210, Fev/Mar 2017