4 Visões Sobre a Masculinidade Na Hq – Os Livros Da Magia, De Neil Gaiman
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4 VISÕES SOBRE A MASCULINIDADE NA HQ – OS LIVROS DA MAGIA, DE NEIL GAIMAN Dr. Fábio Caim Faculdade Cásper Líbero – São Paulo/Brasil Faculdades de Campinas, FACAMP – Campinas/Brasil RESUMO O objetivo deste artigo é entender de que forma a representação das 4 personagens masculinas – John Constantine, Mister Io (Mistério), Doutor Oculto e Vingador Fantasma – ao interagirem com a personagem adolescente – Timothy Hunter –, na HQ “Os Livros da Magia”, conformam jeitos de ser masculino, introduzindo trilhas de possíveis singularidades que se estendem pelo passado, presente, futuro e outras dimensões, como se a masculinidade fosse um jogo construtivo de diferentes posições que se completam e testam continuamente. De certa maneira, a apresentação que as personagens fazem ao adolescente do mundo da magia pode ser interpretada como uma apresentação do que significa ser masculino e quais pesos esse tipo de gênero carrega, justamente, porque são solicitadas da masculinidade diversas provas de que se é masculino. Sendo assim, o objeto de estudos deste artigo é a HQ “Os Livros da Magia” (edição de luxo), publicada em 2013 pela Panini Comics (Brasil), por meio do selo Vertigo (HQs voltadas para um público adulto). A primeira edição do “The Books of Magic” foi em 1990, lançada pela DC Comics dos EUA, em 4 volumes: Livro I – O Labirinto Invisível; Livro II – O Mundo das Sombras; Livro III – A Terra do Crepúsculo de Verão e o Livro IV – A Estrada para o Nada. A proposta deste artigo está baseada em uma fundamentação teórica que miscigena dois campos complementares, identificada como semiótica-psicanalítica. O uso das duas teorias se justifica por investigar a HQ como linguagem (semiótica), porém com o objetivo de desvendar sua atuação como representante de fenômenos psicanalíticos que se dão no seio da própria cultura, neste caso, as trilhas possíveis de constituição das singularidades do masculino. PALAVRAS-CHAVE: singularidades masculinas; semiótica; psicanálise; história em quadrinhos. INTRODUÇÃO A arte sequencial abusa de uma perspectiva temporal diacrônica e por isso se apresenta como uma narrativa – invariavelmente – crescente e romanceada por mostrar personagens que devem atuar em uma determinada história, segundo linhas de conduta coerentes com o contexto, ou ambientação. Em certo sentido, o herói é aquele que valoriza uma postura moral adequada à realidade social e o vilão um possível perverso que não se familiariza ou conforma com os preceitos e regras sociais. Entretanto, há as personagens mais cinzentas que transitam por vias não tão claras ou definidas, mas ainda assim apropriadas para a narrativa da história em quadrinhos. Sendo a história em quadrinhos uma arte sequencial o acaso não é característica de sua conformação, sua semiose é bem conduzida por determinadas regras constituintes do meio em si, que são aplicadas por meio de sinsignos. Talvez, neste aspecto exista uma forte diferença qualitativa entre a arte em si, livre do primado do mercado, e as histórias em quadrinhos que demandam certa adequação aos gostos dos leitores. A arte seria um qualissigno icônico remático, isto é, mera possibilidade de ser – apesar de sua aplicação em um existente, atuando segundo a criatividade e seu imperativo seria a própria qualidade do que deve ser representado, enquanto que as histórias em quadrinhos seriam sinsignos incônicos remáticos, isto é, existentes criativos, porém condicionados às regras contextuais que conformam sua realidade física, segundo padrões de mercado, de consumo e, até mesmo, de estilo. Consequentemente, caracterizadas como produções culturais. Toda produção cultural resvala – quando incorpora o masculino e feminino em seu discurso – em representações dos sujeitos que apresentam caminhos marcados pelo gênero, entendido aqui como performance (Butler, 2017), ou seja, como um jeito de ser, de se organizar e de se expressar que faz com que o sujeito atue em sua realidade segundo linhas de condutas baseadas em crenças e hábitos culturalmente desenvolvidos, portanto, historicamente dados. Entendemos que o gênero é culturalmente erigido e socialmente aplicável, portanto partícipe de um fluxo de entrelaçamentos que se movimentam conforme a própria semiosfera se modifica e, definitivamente, ela está constantemente em movimento. Essa situação leva-nos a compreender que gênero, novamente, é uma performance e não um dado pronto e acabado, ou parte estanque de um sistema que se encontre absolutamente ancorado no biológico, como exclusiva ou principal fonte de significados. Neste sentido, a história em quadrinhos como produção cultural é, também, fruto das representações presentes no sistema de pensamento de um determinado momento histórico e social, incorporando, como toda arte o faz, o “clima” ou “atmosfera” daquele pedaço temporal. Todas as práticas sociais envolvem interpretar o mundo. Como observam os pós-estruturalistas, nada humano está “fora” do discurso. A sociedade é um mundo de significados. Ao mesmo tempo, significados carregam os traços dos processos sociais por meio dos quais foram produzidos. Sistemas culturais refletem interesses sociais particulares e partem de modos de vida específicos. (CONNELL, PEARSE, 2015, p. 172) Talvez, a forma mais apropriada fosse assumir que da perspectiva da semiótica tudo é signo e signo só se faz como tal em um contexto onde pode significar. Neste aspecto, até mesmo o homem seria signo realizável em seu ambiente, além de ser réplica de hábitos e crenças prévias. Consequentemente, suas produções sígnicas também seriam discurso. É por participar da teia de significados culturais de determinados contextos que a HQ pode ser analisada segundo o ponto de vista do gênero e a partir de uma compreensão psicanalítica da construção das masculinidades, usando para isso um sistema de pensamento dinâmico por ser triádico, que é a teoria semiótica de extração peirceana. O objetivo deste trabalho é analisar a história em quadrinhos como uma plataforma de sentidos para a representação de caminhos possíveis da masculinidade. A HQ analisada – Os livros da Magia, de Neil Gaiman, com desenhos de John Bolton, Scott Hampton, Charles Vess e Paul Johnson (todos homens) – é um material rico, justamente, por colocar em rota paralela 4 possíveis trilhas para esta performance que são encabeçadas por personagens interessantes e místicas: John Constantine, Mister Io (Mistério), Doutor Oculto e Vingador Fantasma. Figura 1 Os Livros da Magia Fonte: GAIMAN, Neil. Os Livros da Magia. 1ª ed. Barueri, SP: Panini Books, 2013 AS PERSONAGENS Como citado anteriormente são 4 personagens que apresentam a Thimoty Hunter os caminhos do misticismo metaforicamente representando percursos possíveis para a masculinidade. Thimoty Hunter, ou Tim é um adolescente inglês de 12 anos que está predestinado se tornar o maior mago do mundo e por isso precisa ser devidamente orientado para que não se perca em caminhos obscuros. Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 O Labirinto Invisível O Mundo das Sombras A Terra do Crepúsculo Estrada para o Nada de Verão Fonte: GAIMAN, Neil. Os Livros da Magia. 1ª ed. Barueri, SP: Panini Books, 2013 As demais personagens místicias são (por ordem estabelecida na própria HQ): Vingador Fantasma, John Constantine, Doutor Oculto e Mister Io (Mistério). O Vingador Fantasma é uma personagem misteriosa que tem sua história pouco explorada, em certos momentos aparece como um penitente que caminha pelo mundo desde a época da morte de Cristo, por vezes identificado com Judas Escariotes ou com o Judeu Errante, além de outros possíveis vínculos. No entanto, em muitas histórias é apenas uma entidade sem passado definido que de vez em quando se aventura pelas histórias da Liga da Justiça Sombria. Foi criado por John Broome e Carmine Infantino e uma das características mais marcantes dessa personagem é seu não envelhecimento, possivelmente, sendo imortal. A responsabilidade dele na história é apresentar ao Tim o passado (Livro I – O Labirinto Invisível), como tudo começou, de que forma os anjos caíram na Terra e como alguns lugares lendários, como Atlântida, se apagaram no decorrer dos milênios. John Constantine – personagem criado em 1985 por Alan Moore foi levado às telas de cinema em 2005 por meio da interpretação de Keanu Reeves e, também, foi tema de uma série de TV que durou de 2014 a 2015, com o ator Matt Ryan interpretando o papel desse místico. A personagem, normalmente, associada a um selo mais adulto da editora DC, o Vertigo, tem como característica principal uma personalidade por vezes misógina, vigarista com certo talento místico. Atua de maneira pouco moral e muito menos ética, já que está sempre procurando saídas nada ortodoxas para os enredos nos quais é envolvido. Dentre as personagens que povoam a história dos Livros da Magia, John Constantine é o menos poderoso, apesar de possuir certos talentos conquistados, por vezes, de maneira bastante questionável. Nos “Livros da Magia” John Constantine é o responsável por apresentar Tim (Thimoty) Hunter o mundo presente da magia (Livro II: O Mundo das Sombras), caminhando por lugares escuros, pregando peças em alguns personagens e tomando atalhos morais para chegar a destinos mais difíceis. De certa forma, o que é apresentado ao garoto é o submundo, algo que está lá, mas não é visto pelos “meros mortais”. Doutor Oculto, visto como o detetive do sobrenatural, foi uma das primeiras personagens da DC Comics criado em 1935 e, na HQ Livros da Magia, é responsável por levar Tim ao mundo dos sonhos (Livro III: A Terra do Crepúsculo de Verão). Uma característica interessante dessa personagem é que ela tem um alter-ego chamado Rose, sua parte feminina que se manifesta quando eles adentram a Terra do Crepúsculo de Verão. Em certo sentido, ela demonstra uma comunhão entre o feminino e o masculino ao garoto que está em busca de conhecimento (de si?). Por fim, a última personagem é o Mister Io ou Mistério e talvez ele seja o menos maleável de todos já que pautado em cima de sua moral cega (litaralmente, já que a personagem é cega) “enxerga” tudo como preto e branco, sem meio termo. Possui a habilidade de caminhar pelo tempo e leva o Tim em um passeio quase sem volta para o futuro (Livro IV: Estrada para o Nada).