Boletim Informativo das Pesquisas do Projeto Paleotocas Número 29 – março de 2014 Responsável: Prof. Heinrich Frank Site: www.ufrgs.br/paleotocas Contato: [email protected]

EDITORIAL PESQUISA A 40ºC ? A investigação de paleotocas é algo NÃO, OBRIGADO. que não dá para fazer sozinho. Algumas No verão geralmente se consegue pesquisas preliminares até se consegue fazer fazer um pouco mais de pesquisa de campo, já sozinho, mas lá dentro dos túneis uma equipe que não há aulas na Universidade. Mas esse é imprescindível. Vários colegas do Projeto verão de 2014 foi diferente, com as Paleotocas trabalham agora em outras cidades temperaturas tórridas entre 35 e 40 graus e estados e, assim, nosso desafio nesse início durante várias semanas. Não há como de 2014 será a formação de um grupo novo trabalhar com temperaturas dessas. O que se aqui em para dar continuidade às consegue a 40ºC é uma desidratação bem pesquisas. Já achamos várias ocorrências instalada. novas, fantásticas, daquelas de cair o queixo, Portanto fizemos pouco esse verão. cada uma delas exigindo muita dedicação, Alguns trabalhos iniciando bem cedo e trabalho e, principalmente, trabalho em terminando perto do meio dia ou nos poucos equipe. dias nublados. O mais interessante foram as paleotocas das obras de duplicação da BR- PALEOTOCAS NA MÍDIA 116, como descrito na próxima página. Em janeiro gravamos uma matéria sobre paleotocas com a equipe do canal de PALEOTOCAS EM TV da Assembléia Legislativa do RS. Para CAMBARÁ DO SUL tanto, visitamos a paleotoca da Fazenda Passeando com a família em Cambará Refúgio, em Viamão. É um túnel longo, com do Sul (e sempre alerta!), encontramos várias mais de 30 metros, muito erodido pela água, o paleotocas preenchidas em um barranco da que permite que a gente entre caminhando de RS-020. Paleotocas grandes, com larguras de pé na toca. Desta vez não havia mais mais de 2 metros. A história está aqui: vampiros (morcegos hematófagos) na toca, http://turismocambara.wordpress.com/2014/0 apenas 4 morcegos pequenos, provavelmente 2/04/descoberta-revela-existencia-de-animais- insetívoros, completamente inofensivos. milenares-em-cambara-do-sul/ AS LIÇÕES DA DUPLICAÇÃO DA BR-116 Estamos acompanhando, desde julho de 2013, as obras de duplicação da BR-116 entre Guaíba e Camaquã, visando detectar eventuais paleotocas. A rodovia está sendo alargada para Leste, o que significa a escavação de 40 cortes de estrada de grandes proporções ao longo de 75 quilômetros que selecionamos. Estamos percorrendo o trecho em intervalos de algumas semanas, à medida que os cortes avançam. Há cortes prontos e outros que nem iniciaram ainda. A duplicação representa uma oportunidade única de pesquisa de paleotocas nessa região. Toda a região é essencialmente agrosilvopastorial e cortes grandes nas são extremamente raros; uma oportunidade dessas a gente só tem uma vez na vida e nunca mais. Em Geologia fala-se de um “perfil”, que é um alinhamento ao longo do qual se obtêm uma amostragem representativa do objeto de pesquisa. Um perfil com 75 km de comprimento é altamente representativo, é algo imperdível. As sistemáticas inspeções nos ensinaram que as paleotocas da BR-116, quase sempre completamente preenchidas(!), se tornam visíveis de maneira altamente aleatória: 1. Tem paleotocas que já estão lá no corte antigo (pré-duplicação), mas encobertas por vegetação (grama alta cobrindo a paleotoca). Durante a execução do corte elas são removidas. 2. Algumas paleotocas se tornam visíveis durante a abertura do corte de estrada. Quando o corte está pronto ou se tornam muito menos nítidas ou desaparecem. 3. Outras paleotocas você não percebe durante a execução do corte, aparecem só quando o corte está pronto. Com o corte recém-finalizado essas paleotocas são bem visíveis. 4. Mais outras paleotocas se tornam visíveis nem durante a abertura do corte nem depois de sua finalização, apenas depois que uma chuva forte lavou o corte finalizado e a erosão iniciou. 5. Em outros casos as paleotocas preenchidas você vê apenas imediatamente após a conclusão do corte, depois são cobertas por poeira, desaparecem e nem com chuva reaparecem. 6. Cuidado! Nos cortes prontos, a erosão da água da chuva pode formar buracos que parecem pequenas cavernas e que de longe são facilmente confundidas com paleotocas.

Até agora, sempre correndo contra o tempo, antes dos cortes serem cobertos por grama, já achamos quase uma centena de paleotocas (8 dessas abertas) como a paleotoca ao lado, completamente preenchida com argila em baixo e com areia em cima.

Quando todos os cortes estiverem prontos, ao longo do primeiro semestre de 2014, teremos coletados dados suficientes para escrever um artigo científico inédito e de boa qualidade. SERÁ QUE SÃO PALEOTOCAS ?

Pesquisando na internet, se encontra imagens de cavernas cuja forma sugere fortemente que sejam paleotocas. Ao lado, a “Cueva Pintada de Ayasta” em Honduras, que se alcança depois de uma hora de caminhada. Uma caverna com arte rupestre. Tem muita cara de paleotoca.

No Peru, em Huarochiri, estão as

“Cuevas Tres Ventanas”. São 3 cavernas

lado a lado, situadas a quase 4.000

metros de altura. A imagem ao lado é do

interior da caverna do meio. O autor da

foto informa que “foi escavada

aparentemente por megatérios e usada

por humanos”. O formato das paredes é

idêntico àquele das paredes da Gruta de

Santa Cruz do Sul (RS), essa com certeza

uma paleotoca.

No Uruguai, um pouco ao Sul de

Rivera, está a “Piedra Furada”. É

um afloramento de arenito com um

túnel que ramifica em 3 túneis bem

pequenos ao seu final. As poucas

fotos que temos não permitem

conclusões, mas há uma boa chance

dessa caverna ser uma paleotoca.

MAIS EVENTOS PALEONTOLÓGICOS SEM PALEOTOCAS Recentemente foi lançado pela Sociedade Brasileira de Paleontologia o Boletim “Paleontologia em Destaque” n o. 66 (disponível em http://www.sbpbrasil.org/pt/paleontologia-em- destaque ). É uma coletânea dos 175 trabalhos apresentados nas reuniões regionais PALEO de 2012. Essas Reuniões PALEO ocorrem sempre no final do ano. O Boletim lista os trabalhos apresentados na PALEO-NE (Nordeste), PALEO-Minas (Minas Gerais), PALEO-RJ-ES (Rio de Janeiro e Espírito Santo), PALEO-PR-SC (Paraná e Santa Catarina) e a PALEO-RS (). Apesar do elevado número de trabalhos não há nenhum trabalho sobre paleotocas . Dada à abundância de paleotocas, isso implica em duas conseqüências: (1) estamos perdendo oportunidades de registrar a ocorrências de paleotocas, estamos perdendo a memória dessas tocas e (2) estamos perdendo oportunidades de apresentar trabalhos paleontológicos em eventos. Como as paleotocas geralmente surgem em obras, uma vez a obra pronta ou o corte de estrada leivado, a chance de registrar uma paleotoca, mesmo preenchida com sedimentos, se perdeu para sempre. Se é uma região onde raramente se executam obras grandes, podem se passar décadas até que seja possível registrar paleotocas nessa região outra vez. É uma vez na vida e nunca mais.

MAIS PALEOTOCAS EM DUPLICAÇÃO DE ESTRADAS Acompanhamos durante 2 anos a duplicação da BR-386 de Tabaí até Lajeado, definimos um trecho representativo de 17 km e achamos paleotocas em 4 dos 15 cortes. Acompanhamos a duplicação da RS-239 de até e achamos paleotocas em 2 dos 5 cortes. Estamos acompanhando desde julho de 2013 a duplicação da BR-116 entre Guaíba e Rolante, definimos um trecho de 75 km e já achamos paleotocas em 21 dos 40 cortes, sendo que 6 nem iniciaram ainda. Agora em 2014 inicia a duplicação da BR-290 entre e Pântano Grande, em um trecho de 105 km ( http://wp.clicrbs.com.br/estamosemobras/2014/02/19/definidos-vencedores- de-todos-os-lotes-da-licitacao-da-duplicacao-da-br-290/?topo=52,1,1,,171,e171 ). O que você acha, será que haverá paleotocas? Pode apostar, claro que sim, basta inspecionar os cortes em intervalos regulares. Ainda mais que o trecho tem muitas coxilhas e, portanto, muitos cortes de estrada. Provavelmente a grande maioria (mais de 90%) estará completamente entulhada com areia e argila, nesses casos só se consegue obter uma imagem de boa qualidade e a posição no GPS. Portanto, vamos nos programar para fazer esses campos. Em 2015, quando todos os cortes estiverem finalizados, podemos escrever um artigo sobre essa ocorrência e o artigo correspondente provavelmente será publicado em 2016 ou 2017.

O mistério das “Grutas Del Palacio” Uma das conhecidas atrações turísticas do Uruguai são as “Grutas del Palacio”, um nível oco com em torno de uma centena de colunas com ao redor de 2 m de altura, lembrando um palácio. A origem dessas grutas é um mistério. Naturais? Cavadas? Por quem? Para que? Quando?

Novas investigações principalmente nas gigantescas cavernas em quartzito da Venezuela oferecem uma explicação bem plausível. Aparentemente é possível se forme em uma rocha silicosa (quartzito ou arenito) um nível horizontal cuja porosidade está saturada com um gel de sílica formado por processos intempéricos. Esse gel pode, em alguns pontos dentro da rocha, escorrer para baixo e endurecer. Entre os “escorrimentos” a rocha continua friável, solta. Mais tarde ocorrem processos de erosão, removendo essas porções friáveis e deixando para trás os “escorrimentos”, muito mais duros, na forma de colunas. As imagens abaixo ilustram bem esse processo em duas escalas. Imagem da esquerda de Branislav et al., a outra de http://www.theitinerant.co.uk/tag/caves/

Branislav Nmída et al., 2010. Geomorphology of the largest sandstone caves in the world on the Proterozoic table- mountains Churí and Roraima (Gran Sabana, Venezuela) and their research in the years 2002 – 2009. In: Proceedings of the 11 th International Symposium on Pseudokarst, 12-16 Maio 2010, Saupsdorf, Alemanha, p. 103-107.

Essa é uma explicação bem plausível para a origem das Grutas del Palacio. Um nível superior onde se gerou o gel, colunas que representam antigos “escorrimentos” verticais do gel e espaços abertos criados pela remoção da rocha ainda friável existente entre as colunas. E as Grutas del Palacio com certeza não são uma paleotoca. ☺ Obrigado pela leitura.