Programa de Pós­Graduação em História Social Departamento de História Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

DISSERTAÇÃO

CONTRADIÇÕES E CONFLITOS DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO: Impactos do Software Livre no Brasil – Uma História em Progresso

Dissertação depositada como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em história.

Rubens Araujo Menezes de Souza Filho Orientador: Prof. Dr. Gildo Magalhães dos Santos Filho

Agosto de 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 1 Esta obra se encontra disponível para cópia, distribuição, exibição e execução. Também é facultada a livre criação de obras derivadas de acordo com o termos da licença Creative Commons Atribuição­Uso Não­Comercial 2.5 Brasil1. Qualquer direito de uso legítimo (ou "fair use") concedido por lei, ou qualquer outro direito protegido pela legislação local, não são em hipótese alguma afetados pelo disposto acima.

1 Vide: Anexos, documento V

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 2 Sumário Resumo...... 5 Agradecimentos...... 7 Dedicatória...... 8 Siglas...... 9 1.Introdução...... 10 1.1. Justificativa Pessoal...... 10 1.2. A História do minuto anterior...... 12 1.3. Sistemas Operacionais?...... 16 1.4. Considerações Metodológicas...... 18 1.5. Estrutura da Dissertação...... 21 2.A idéia de progresso e a disputa pelas patentes de softwares...... 23 3.Uma História de softwares e sistemas operacionais...... 37 3.1.Do hardware ao software...... 37 3.2.Do nascimento da Micro­soft à conquista do Desktop...... 43 3.3.O nascimento do ...... 55 3.4.O GNU/Linux e a antiga novidade do Software Livre...... 56 3.5.Visões de Mundo...... 58 3.6.O Linux e o movimento do Software Livre pelos olhos da Microsoft, o Windows e a Microsoft pelos olhos do movimento do Software Livre...... 61 3.7.Considerações Sobre a Natureza da Informática e a Autodeterminação Tecnológica ...... 86 4.Uma História do desenvolvimento tecnológico brasileiro...... 91 4.1.Brasil: raízes da industrialização e do desenvolvimento tecnológico...... 91 4.2.Mudanças no quadro político...... 95 4.3.A Industrialização...... 98 4.4.História do Software no Brasil...... 109 4.5.O Software Livre e a política brasileira de desenvolvimento tecnológico, uma nova tentativa de autodeterminação...... 117 5.Conclusões...... 127 5.1.Balanço Final...... 133 6.Glossário...... 135 7.Bibliografia...... 136 7.1.Livros...... 136 7.2.Teses e Dissertações...... 138 7.3.Artigos...... 138 7.4.Artigos da Imprensa Diária...... 138 7.5.Bibliografia Técnica de Referência...... 139 7.6.Documentos na Internet...... 139 7.7.Legislação Consultada...... 139 7.8.Material de Apoio...... 139

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 3 8.Anexos...... 140 8.1.Documento I...... 140 8.2.Documento II (Resolução n° 5.213 de junho de 2005)...... 141 8.3.Documento III (Lei n° 7.646 de 18 de dezembro de 1987)...... 143 8.4.Documento IV (Decreto de 29 de outubro de 2003)...... 150 8.5.Documento V (Creative Commons Licença de Atribuição­Uso Não Comercial 2.5 Brasil)...... 152 8.6.Documento VI (The Open Source Definition)...... 153

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 4 Resumo

O software represente hoje uma das mais interessantes criações humanas, pois é o conhecimento em estado puro. Ainda que não se possa tocar o software ele está presente em todos os lugares onde estão as tecnologias digitais: telefones celulares, MP3 players, máquinas fotográficas digitais, computadores e a Internet. Peças da rotina diária de milhões de pessoas, todos regidos por softwares.

A evolução e indiscriminada disseminação das tecnologias digitais impõe desafios às pessoas, empresas e governos, tornando imperativo a compreensão das relações econômicas, sociais e políticas que determinam a criação e utilização dos softwares, ou em outras palavras a criação e utilização do conhecimento humano.

Este trabalhado está centrado na questão dos sistemas operacionais, abordando as histórias do Windows e do Linux, mas trata também da idéia do progresso, da disputa pelo conhecimento, da disputa pelas patentes, e do movimento GNU/Linux.

Avalia­se ainda a relação da informática com a autodeterminação tecnológica, dando ênfase ao desenvolvimento tecnológico brasileiro.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 5 Abstract

Today software is one of the most important human creations, once it knowledge in pure form. Even if we can not touch the software it is present at all the places where you can find the digital technologies: cell phones, MP3 players, digital photographic cameras, computers and the Internet. Pieces in the every day life of millions of persons around the world, all of them ruled by softwares.

The evolution and indiscriminate dissemination of digital technologies imposes challenges to people, enterprises and governments, making it urgent to understand the economic, social and political relations that define the creation and use of softwares, or rephrasing it, the creation and use of human knowledge.

This work is focused in the problem of the operating systems, covering the history of Windows and Linux, but it also addresses the very idea of progress, the dispute over knowledge, the dispute over patents, and the GNU/Linux community.

It also evaluates the relations of information technology and the technological self­ determination, with focus on the Brazilian technological development.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 6 Agradecimentos

Agradeço à minha esposa Ana, pelo apoio, incentivo, compreensão e todo amor. A ela peço desculpas por todas as madrugadas no computador enquanto redigia este texto. Agradeço à minha Mãe pelo gosto que me incutiu pelas palavras longas e ao meu Pai que tantos anos financiou esta excentricidade. Agradeço a todos os amigos que abandonei para poder me trancar em “meu mundo” e perseguir estas idéias, em especial Dedé, Klaus, Léo, Rigotti e Madrugada, de quem, com grande aperto no coração, efetivamente me escondi. Agradeço muito ao Prof. Dr. Gildo Magalhães, tanto por sua consistente orientação como por sua paciência de monge que já atingiu a iluminação. Agradeço as leituras cuidadosas das versões deste texto, agradeço a oportunidade, as aulas e a amizade. Espero um dia conquistar erudição semelhante. Como é de praxe declaro que os erros são meus e os acertos compartilhados. Agradeço a todos que injustamente não estão sendo mencionados. Se quem disse que “o trabalho do historiador é solitário” tivesse recebido metade da ajuda que eu recebi, teria ficado calado.

São Paulo, 27 de Agosto de 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 7 Dedicatória

Esta dissertação é dedicada a minha filha, ou ao meu filho, cuja chegada se avizinha. Afinal, como todos sabemos, a história se dedica ao futuro.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 8 Siglas

1. BBS ­ BBS ou bulletin board system. Software, que permite conexão via telefone a um sistema via computador, permitindo a interação com o sistema e com outros usuários. 2. CNPq ­ Conselho Nacional de Pesquisas 3. CPD ­ Centro de Processamento de Dados 4. FINEP ­ Financiadora de Estudos e Projetos 5. FLOSS ­ Free/Libre Open Source Software 6. FNDCT ­ Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 7. FUD – Fear Uncertanty Doub 8. HTML ­ Hiper Text Markup Language, ou Linguagem de Marcação de Hipertexto 9. HTTP ­ Hiper Text Transfer Protocol, ou Protocolo de Transferência de Arquivos de Hipertexto 10. LED ­ sigla em inglês para Light Emitting Diode (Diodo que Emite Luz), um dispositivo semicondutor emissor de luz bastante utilizado como indicador de utilização em dispositivos eletro­eletrônicos. 11. NCSA ­ National Center for Supercomputing Applications. 12. NDA ­ Nondisclosure Agreements ou NDAs 13. NT, Windows ­ Windows New Technology, ou Windows NT 14. NTFS ­ New Technology File System, algo traduzível como Sistema de Arquivos de Nova Tecnologia. 15. OEM ­ Original Equipment Manufacturer 16. RAM ­ Random Access Memory, ou Memória de Acesso Randômico 17. SEI ­ Secretaria Especial de Informática 18. SO ­ Sistema Operacional 19. TI ­ Tecnologia Informação, ou em inglês IT (information technology), sigla utilizada para referir profissionais e recursos deste ramos da engenharia. 20. TCO ­ Total Cost of Ownership, ou em português Custo Total de Propriedade.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 9 1. Introdução

"(...) fiel no sentido, não tanto na forma, o que se compreende e desculpa, já que a memória, que é susceptível e não gosta de ser apanhada em falta, tende a preencher os esquecimentos com criações de realidade próprias, obviamente espúrias, mas mais ou menos contíguas aos factos de cujo acontecer só lhe havia ficado uma lembrança vaga, como o que resta da passagem de uma sombra." José Saramago ­ Todos os Nomes

1.1. Justificativa Pessoal

2Este trabalho começou a ser imaginado em fins de 1996 e foi em grande medida motivado e inspirado pelo editor de textos MS­Word.

No ano de 1997, como aluno de graduação do Departamento de História da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP, obtive uma bolsa de apoio técnico, junto à CAPES, para auxiliar a Profª. Drª. Zilda Márcia Grícoli Iokoi e o seu grupo de alunos, em alguns projetos acadêmicos que então desenvolviam.

Meu papel era auxiliar o grupo em suas necessidades com computadores e softwares. Nesta ocasião ­ como em certa medida, ainda hoje ­ o software central nos trabalhos acadêmicos das ciências humanas era o processador de texto, porém o meu papel era auxiliar na apresentação das possibilidades, criação e manutenção de bancos de dados (que começavam a ser popularizados na baixa plataforma e cujo potencial considero, ainda hoje, sub­aproveexperiências de implantaçãoitado).

2 N. do A. ­ As citações de obras ou documentos encontrados originalmente em inglês foram traduzidas sempre que isto pareceu pertinente para a compreensão do texto, sendo as traduções de responsabilidade do autor. No capítulo sobre o desenvolvimento tecnológico brasileiro, nos documentos da Microsoft se optou por não fazer adaptações ao texto, mantendo redundâncias e vícios de linguagem presentes nos originais já que estes são quase sempre transcrições de apresentações e palestras. Nas traduções o termo Open Source deliberadamente não foi transformado em Software Livre como no restante do texto, visando justamente ajudar a diferenciar quando a referência é feita ao Software Grátis () e quando é feita ao Software Aberto (Open Source), pois o inglês free não se traduz automaticamente como livre, podendo ter (e aqui em geral terá) a acepção de grátis.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 10 Nesta época comecei a notar que para um número sensível de usuários, os processadores de texto, que deveriam ser relativamente simples, por alguma razão não o eram. O software em questão era o MS­Word ­ hegemônico já naquela época ­ que teimava em tomar "decisões" sem consultar os usuários, "corrigindo" palavras, alterando formatações e em certa medida submetendo usuários menos experientes à sua "vontade". Mesmo eu, usuário pretensamente avançado, tinha um inevitável desconforto em ser obrigado a alterar configurações e o setup de "fábrica" para utilizar o software.

Parecia, para mim, que aquela tecnologia subvertia o pensamento, acrescentando aos textos do usuário, de maneira sub­reptícia, suas próprias idéias. Algo sem dúvida descabido, pois a máquina computador, apesar de toda sua tecnologia não seria capaz de pensar mais do que a máquina de escrever ou o aspirador de pó. Ainda assim a máquina de escrever e o aspirador não interferiam no que era datilografado ou aspirado.

A este pequeno fator incomodativo aliou­se uma palestra do intelectual e ativista político norte­americano, Noam Chomsky. Em visita ao Brasil, em novembro de 1996, a convite da ABRALIN (Associação Brasileira de Lingüística), o Prof. Chomsky proferiu uma palestra no Departamento de Letras Modernas, onde entre outras coisas destacava a língua como uma manifestação ideológica dos grupos que a utilizavam e/ou apropriavam e modificavam3.

Estes fatores deram início à fermentação do pensamento de que poderia haver mais nos softwares do que simplesmente uma ferramenta estritamente técnica. Parecia, ao menos para mim, que ali estava contido um pensamento concreto, uma lógica particular, uma visão de mundo concretizada nas soluções apresentadas na tela ou, se preferirmos outro termo, ali estava embutida uma ideologia. Logo, talvez aquela sensação não fosse tão descabida afinal.

Em vista do fato que estes softwares eram hegemônicos e onipresentes; da generalizada expectativa de que cedo ou tarde eles dominariam todos os ramos da atividade humana; da percepção de que eram produzidos por um grupo relativamente pequeno e

3 Knowledge of History and Theory Construction in Modern Linguistics. Palestra proferida em São Paulo, Brasil (Novembro de 1996). Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada (D.E.L.T.A.) 13, (1997): 103­122. Em português no mesmo exemplar, p. 129­52.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 11 homogêneo de pessoas, todas partilhando os mesmos valores culturais de um país, e que este produto era massificado para (e consumido por) todo o planeta, surgiu em mim uma crescente preocupação com a aceitação dos softwares como simples ferramentas desprovidas de intenções. Produtos intangíveis que eram passíveis de críticas apenas quando falhavam, e não, como eu principiava a enxergá­los: uma produção cultural, tão passível de análise crítica e, quiçá, regulação.

Neste terreno brotaram as primeiras inquietações motivadoras deste trabalho. Assim, apesar dos desvios e re­elaborações que sofreu ao longo de sua execução, movimento conhecido e bastante natural nos trabalhos de pesquisa, pode­se seguramente dizer que este texto foi, antes de mais nada, motivado pelo MS­Word e seu pretensioso comportamento de intervir nos textos digitados pelo usuário.

1.2. A História do minuto anterior

A história é o dialogo entre os vivos e os mortos, pois a própria sociedade é herdada, são herdados os costumes, as crenças e os valores. As relações sociais, econômicas e de trabalho de vivos (e mortos), as relações de agora e as relações possíveis então, foram herdadas.

No diálogo de vivos e mortos, também a tecnologia é herdada e, como toda herança, traz sua carga histórica e ideológica, sendo esta carga o objeto de análise deste trabalho.

Pretendendo abordar a história de uma tecnologia recente, iniciada há pouco tempo, quando a posicionamos na longa cronologia do tempo histórico, somos forçados a confrontar algumas questões de ordem prática e metodológica que emergem de maneira inevitável.

Ao tratar da história da micro­informática, em nosso caso específico do ramo de softwares, a primeira e mais irrefletida das questões é se há afinal uma história para ser contada em algo tão recente. Digo irrefletida pois ao iniciar este texto, com a lúgubre ilustração da história como o diálogo entre os vivos e os mortos, pretendo deixar clara a natureza do hoje como derivada do ontem; de forma que fique patente que, mesmo um

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 12 fenômeno recente tem suas raízes plantadas nas gerações precedentes, por vezes em profundidades insuspeitas.

Marc Bloch já observava em sua "Introdução à História" como era pedregoso o caminho do historiador que se aproxima do tempo presente, apontando que o juízo que se faria deste historiador era que ele se afastava da história para lidar com "política", talvez em uma avaliação mais gentil com "sociologia", ou em outra menos gentil que seria "jornalismo". Mas Bloch observa que concordar com esse julgamento "é esquecer também que, quando as ressonâncias sentimentais entram em jogo, o limite entre o actual e o inactual não se regula necessáriamente pela medida matemática de um intervalo de tempo" e que haveria ainda aqueles que, mesmo aceitando o presente humano como suscetível de conhecimento científico, este seria reservado a outras disciplinas. "Consideram a época em que vivem separada das antecedentes por contrastes grandes demais para não ter em si mesma a sua própria explicação”, deixando o estudo das sociedades dividido em duas partes: "De uma banda, um punhado de antiquários ocupados, por deleite macabro, em desenfaixar os deuses mortos; de outra, sociólogos, economistas, publicistas: os únicos exploradores das coisas vivas...", algo inaceitável, uma vez que é justamente "nesta faculdade de apreensão do que é vivo é que reside, efectivamente, a qualidade fundamental do historiador"4.

Imbuído deste espírito, acredito que um trabalho desta natureza traz em si elementos de grande motivação para o pesquisador e interesse para a sociedade. Por ser a micro­ informática aspecto dominante da economia e das sociedades modernas, ela está submetida a forte apropriação ideológica, já que é uma ponta de lança do capitalismo moderno.5 E esta é uma apropriação, sem dúvida, histórica.

Um dos traços mais proeminentes desta apropriação, parece ser justamente a prontidão e veemência com que é negado o peso de preconceitos e idéias, que tenham motivações diversas dos critérios técnicos em sua evolução. Estivessem os

4 BLOCH, Marc. Introdução à História. Edições Europa­América. (vide páginas 38 e 43, nas citações foi preservada a grafia do texto consultado). 5 Afirmação que pode ser verificada por um lado nos escritos de José Luiz Fiori e Giovanni Arrighi sobre a globalização financeira do capital e por outro nos escritos de Manuel Castells sobre a nova configuração da sociedade em rede.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 13 desenvolvimentos do hardware e software blindados do peso das ideologias, constituiriam, apenas por isso, irresistível tema para historiadores e outros cientistas sociais, pois tratar­se­ ia de caso único na história da humanidade.

Uma das premissas desta reflexão é que esta negação faz parte de um raciocínio economicista dominante na atualidade, raciocínio que afasta as formas sociais de compreensão do mundo em favor de uma onipresente lógica empresarial, poderosa para cooptar até mesmo os Estados Nacionais. O principal resultado dessa situação é que ressaltada a racionalidade econômica, esconde­se a racionalidade humana; desta forma embora esta pesquisa verse sobre a historia da tecnologia motriz da chamada “nova economia”, o que nos interessa são as formas sociais que a engendraram e as formas sociais por ela engendradas, mais do que qualquer outra coisa.

Assim, este texto não pretende recontar a história da informática, nem tão pouco dos computadores, embora por vezes façamos menção a tais temas, com o objetivo de embasar determinadas teses, perpetrar analogias ou simplesmente por ser impossível atingir nosso objetivo sem passar por estes temas em algum momento. Sem menosprezar a relevância destas áreas de investigação, acreditamos que neste sentido nossa contribuição seria de pequena relevância em relação à bibliografia já disponível, bibliografia vasta o bastante para nos dar uma pista do grande interesse que o tema desperta na sociedade contemporânea6.

Como já foi dito, este trabalho aborda uma subdivisão da história da informática, a história dos softwares que operam os microcomputadores de hoje. Portanto temas como hardware e Internet estão fora do escopo inicial desta investigação, sendo o nosso objetivo específico recontar parte da história dos softwares ­ com um especial interesse nos sistemas operacionais Windows e Linux ­ porém, menos com o objetivo de fazer o simples registro cronológico de sua trajetória, do que analisar e expor as forças sociais e econômicas que operaram e operam esta trajetória. 6Cf. CERUZZI, Paul E. A History of Modern Computing. Massachusetts : MIT Press, 1998. ou MAGALHÃES, Gildo. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. Tese (Doutorado História) ­ FFLCH, USP para uma história da computação geral e para o caso específico brasileiro; ou os trabalhos de Pierre Levy e Manuel de Castells para a elaboração de aspectos mais gerais do impacto desta tecnologia na sociedade.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 14 O principal pressuposto deste trabalho é a idéia que a ideologia opera ativamente no desenvolvimento da tecnologia7 (e dos softwares por conseqüência), não sendo a evolução da tecnologia resultado exclusivo da imparcial aplicação de novas técnicas. Acreditamos que a seleção das técnicas e os caminhos escolhidos por técnicos e cientistas no desenvolvimento da tecnologia são resultado de fatores que trazem mais do que pressupostos técnicos e neutros, como em geral se considera.

Este é um trabalho de investigação no campo da história da ciência, que ao “contar a história dos softwares”, busca apontar o peso da ideologia nesta história. Porém, ao tratar “da ideologia”, estamos obrigados a definir com qual conceito de ideologia estaremos trabalhando, pois o termo em si é suficientemente controverso para dar origem a inúmeros trabalhos acadêmicos. Aqui utilizaremos o termo ideologia sem aplicar a ele necessariamente um juízo de valor, sem desconsiderar que a ideologia pode, como tudo, ser boa ou má. No nosso caso trabalharemos o termo ideologia simplesmente como “idéias que servem a determinados fins”8, não raro, mascarando os seus reais objetivos.

Por fim cabe apontar que se esta pesquisa não busca o “deleite macabro, em desenfaixar os deuses mortos”, há o tom herético de quem conta uma história in the making, que ainda não permite o distanciamento temporal tão caro a tantos colegas historiadores. Para os críticos da proximidade só resta oferecer o conforto de que para tratar da história do que está acontecendo foi necessário recuar no mínimo um quarto de século, e em alguns momentos mais do que isso, já que os vivos dialogam constantemente com os mortos. Os riscos e desvantagens desse situação eram conhecidos e foram assumidos, com seu peso inerente de imprecisão, que não deve porém impedir a crítica dessa história desde já.

7 Esta idéia é apenas uma extensão natural da noção já bastante sedimentada da força exercida pela(s) ideologia(s) no desenvolvimento científico. Sobre este tema existe extensa bibliografia disponível, da qual destacamos alguns títulos a seguir: MAGALHÃES, Gildo. Introdução à metodologia científica: caminhos da ciência e tecnologia. São Paulo : Ática, 2005; CANGUILHEM, Georges. Ideologia e racionalidade nas ciências da vida. Lisboa : Edições 70, 1997; JAPIASSU, Hilton. As Paixões da ciência. São Paulo : Letras & Letras, 1991; CHALMERS, Alan. A Fabricação da Ciência. SP: UNESP, 1994; LACEY, H. Valores e Atividade Científica. São Paulo : Discurso Editorial, 1998; LACEY, H. Is Science Value Free? Values and Scientific Understanding. London and New York: Routledge, 1999. 8 MAGALHÃES, Gildo. Introdução à metodologia científica: caminhos da ciência e tecnologia. São Paulo : Ática, 2005.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 15 1.3. Sistemas Operacionais?

É muito comum que a história da micro­informática seja contada com ênfase no aspecto físico, e mais evidente, das máquinas: o computador propriamente dito, tratando os programas que neles são utilizados como algo secundário, por vezes desimportante. Nossa percepção é contrária a esta abordagem, acreditamos que os programas (software) têm relevância, se não superior, ao menos igual às máquinas (hardware).

Para ilustrar nossa visão, e familiarizar o leitor menos embrenhado nas searas da técnica, com o objeto deste trabalho, utilizemos a seguinte imagem cartesiana: em sendo o computador uma entidade “viva” o hardware seria seu corpo, e o software seu espírito. Nesta dissertação, trataremos pois de questões “espirituais”.

A motivação desta abordagem é, em primeiro lugar, dada pela seguinte constatação: ainda que sejam aplicados os mais inovadores designs, quer estejamos tratando de poderosos mainframe no CPD9 de grandes empresas ou órgãos públicos, de um tradicional clone dos PC em um escritório, de um roteador gerenciando tráfegos de rede, ou de um compacto palmtop anotando pedidos em um restaurante, a tecnologia física de todas estas máquinas é, sob diversos aspectos, muito parecida. Na verdade, trata­se de tecnologia recorrente e comum.

O hardware, pelo menos o hardware comercialmente disponível, fora dos laboratórios de empresas e universidades, oferece uma gama limitada de abordagens, sem menosprezar características técnicas/tecnológicas de cada plataforma. Mesmo que considerados diferentes modelos, fabricantes e tecnologias, todos obedecem a um mesmo conjunto de soluções e princípios solidamente estabelecidos pela indústria e pela história. Por isso, para um técnico não há, ou raramente parece haver, muita diferença entre computadores que são “diferentes” para o público em geral. Descontando pequenas variações características de cada tipo de equipamento, podemos, por exemplo, fazer uma generalização sobre os processadores. Basicamente todos as máquinas que podem ser classificadas como computadores seguem uma arquitetura que inclui um ou mais

9 Sigla utilizada para Centro de Processamento de Dados, vide no início deste texto a lista com siglas e abreviaturas aqui utilizadas.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 16 microprocessadores10, memória de acesso randômico (RAM11) e em geral alguma forma de armazenamento de dados como hard­drives12 ou memórias flash13, o que contudo não é obrigatório. Estes princípios são constantes, constituindo um padrão que independe totalmente da plataforma e do sistema operacional.

Mas não acreditamos que o mesmo possa ser dito sobre os softwares14, que mesmo dentro dos limites impostos pelo hardware podem ser tão criativos como a imaginação humana. Dito isto, a próxima justificativa que se faz necessária é a razão de escolhermos sistemas operacionais (SO) e não, por exemplo, planilhas ou processadores de texto para nossa análise.

10 Na definição da Wikipédia: “Um microprocessador (abreviado como µP ou uP) é um componente eletrônico de computador, feito de transistores miniaturizados em um único circuito integrado (IC) de material semi­ condutor (também chamado microchip ou apenas chip). A unidade central de processamento (CPU) é o mais comum microprocessador, mas muitos outros componentes em um computador contêm microprocessadores, como as unidades de processamento gráfico (GPU) em uma placa de vídeo. (....)” ­ (http://en.wikipedia.org/wiki/Microprocessor ; acesado em 12/10/05 ) 11 Memória de acesso randômico, comumente conhecida pelo acrônimo em inglês RAM, tipo de armazenador para computadores (na prática um chip de computador) do qual os conteúdos podem ser acessados em qualquer ordem (random). Em contraste com dispositivos de armazenamento seqüencial como fitas magnéticas e discos, no qual o movimento mecânico da mídia de armazenamento força o acesso em uma ordem fixa. (...) Computadores utilizam a RAM para guardar o código dos programas durante a execução. Uma característica que define a RAM é que o acesso a diferentes blocos da memória é feito quase na mesma velocidade, em contraste com outras tecnologias(...). (http://en.wikipedia.org/wiki/RAM ; acessado em 12/10/05) 12 Um disco rígido (hard disk) utiliza pratos rígidos que se movimentam em alta rotação. Cada prato tem uma superfície magnética plana na qual os dados são armazenados. A informação é escrita no disco pela transmissão de um fluxo eletromagnético disparado por uma antena ou cabeça de leitura­gravação contra o material magnético da superfície, alterando assim sua polaridade em blocos específicos. A informação pode ser lida de volta por esta mesma cabeça de leitura­gravação devido a alteração elétrica causada pelo campo magnético na cabeça de leitura­gravação quando ela passa por este disco em rotação. (explicação adaptada da definição da Wikipédia, conforme acessado em 12/10/05 no endereço: http://en.wikipedia.org/wiki/Hard_disk) 13 Memória Flash é uma forma de EEPROM (Electrically­Erasable Programmable Read­Only Memory) que permite que múltiplos setores sejam lidos e apagados em uma única operação de programação. (...) uma forma de chip de memória re­gravável que, ao contrário do chip de memória de acesso randômico (RAM), mantém seu conteúdo sem a necessidade de alimentação constante de energia. É um exemplo de memória não volátil (Non­Volatile Read Write Memory ou NVRWM). 14 Pode­se contra­argumentar que também os softwares obedecem a um mesmo conjunto de soluções e princípios solidamente estabelecidos pela indústria, mas mesmo assim acreditamos que eles apresentam variabilidade mais do que suficiente para esta análise, bem como outras características únicas que ainda serão exploradas, como sua forma de produção que serão vistas em capítulos subsequentes, para justificar nossa posição.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 17 A opção pelos SO deve­se em primeiro lugar à sua centralidade e sua função vital dentro das máquinas15. Todos os demais softwares são dependentes do SO para conseguirem “rodar” como se diz no jargão, ou de forma mais objetiva, os softwares precisam do SO para desempenhar os papéis para os quais foram projetados16, como também precisa o próprio hardware, que sem o SO consegue fazer pouco mais do que piscar alguns LEDs. O SO é pré­condição para que tanto o hardware ou outros softwares efetivamente funcionem, mal comparando poder­se­ia pensar no SO como um administrador, que mantém a máquina operacional e cuida das funções básicas do computador, mantendo­o ligado e funcionando para que os softwares possam executar as funções específicas para as quais foram projetados.

Assim, nosso estudo será dirigido ao universo dos sistemas operacionais (SO) tanto por sua importância relativa em comparação com outros softwares, como pela possibilidade de análise de dois SO concorrentes e, sob diversos aspectos, antagônicos, o Windows da Microsoft e o GNU/Linux do movimento Open Source. A escolha destes dois sistemas deve­se não tanto a suas características técnicas distintivas, que sem dúvida existem, mas principalmente à divergência dos princípios que norteiam suas criações e desenvolvimentos. Enquanto o Windows é um sistema comercial, propriedade de uma empresa norte­ americana e desta forma protegido por patentes e segredos industriais, o GNU/Linux existe como uma espécie de criação coletiva transnacional. Sobre estas diferenças e seus significados trataremos adiante.

1.4. Considerações Metodológicas

O recorte temporal desta dissertação foi definido como compreendendo os anos de 1991 e 2005, anos que respondem respectivamente pela gênese do sistema Linux e pelo

15 Todas as máquinas citadas no exemplo de tecnologias recorrentes (início desta seção), apesar de fisicamente parecidas trabalham com SO próprios e diversificados, lá temos: Mac OS X (uma variação do OpenBSD) no caso da Apple, HP­UX (uma variação do Unix) dentro do mainframe HP, uma versão do Windows, Linux ou BSD no clone IBM­PC, um SO proprietário e específico da CISCO para o seu roteador, e no Palmtop um PalmOS. 16 Claro, sempre existem exceções, como por exemplo os softwares de particionamento de disco, ou mesmo os códigos gravados dentro dos chips dos computadores, mas são aplicações específicas o bastante para que possam ser ignoradas sem prejuízo ou invalidação das teses aqui apresentadas.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 18 surgimento do Brasil como uma das mais relevantes forças mundiais do Software Livre (FLOSS)17.

Esta delimitação levou­nos a expor com clareza quatro aspectos que precisariam ser abordados nesta dissertação: 1) a questão da propriedade das idéias, 2) a história dos softwares e dos sistemas operacionais, 3) a história do desenvolvimento tecnológico brasileiro e 4) os impactos do advento do Software Livre no Brasil; respectivamente as quatro partes em que está dividida esta dissertação.

Reconstruir o desenvolvimento tecnológico brasileiro exigiu o levantamento e posterior análise da bibliografia (fontes secundárias) disponível sobre o tema; o mesmo deu­se com a maior parte do trabalho necessário para debater a evolução histórica da propriedade das idéias e o seu reflexo no campo dos softwares. Já no processo de pesquisa da história dos softwares (tanto no Brasil como no exterior) tivemos fontes primárias pouco ortodoxas, incluindo­se aí documentos oficiais de empresas divulgados na internet, mensagens de e­mail e mesmo bulletin board threads18 cristalizadas em servidores; além das tradicionais fontes secundárias.

Algumas hipóteses apresentam­se ante os questionamentos propostos nesta dissertação, a primeira e mais instigante é o que poderia ser chamado de teoria do refluxo, utilizando aqui a acepção geofísica da palavra refluxo: um movimento que se opõe a outro. A hipótese é que o próprio afã do capital em mercantilizar o conhecimento cria um movimento contrário, animado justamente com a idéia de libertar o conhecimento das amarras do capital.

Esta idéia só pôde ganhar o relevo que têm hoje graças ao advento da Internet, a rede de computadores reelaborou a geografia espacial e política do conhecimento. Reelaborou a geografia espacial na medida que distendeu o seu acesso para além dos Campi das universidades e dos muros dos laboratórios das corporações, e reelaborou a geografia

17 FLOSS ou Free/Libre Open Source Software é a sigla pela qual o Software Livre é atualmente mais conhecido. A idéia por trás do Software Livre (FLOSS) não é a da gratuidade do produto, mas sim (ou também) a liberdade para usar, distribuir, copiar e alterar o programa sem restrições legais. Em nome da simplicidade, será utilizado o termo Software Livre ao longo da dissertação. As principais características do Open Source (Software Livre) se encontram ao final do capítulo 2, à frente. 18 Seqüência de mensagens em um fórum de debates eletrônico.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 19 política na medida em que diluiu o espaço das nações, criando um não lugar e não tempo, onde convivem e convergem indivíduos cujas identidades não são pautadas unicamente por uma condição de funcionários de uma empresa ou membros de uma nação, mas sim por um ou mais interesses comuns.

Este convívio deu início, ou melhor acelerou tremendamente o compartilhamento, reelaboração e geração de novos conhecimentos em torno dos interesses comuns destes indivíduos que passaram a se organizar em grupos de interesse na rede de computadores.

Como o produto desta reunião no não lugar e não tempo da Internet pertence a ninguém em especial e a todos ao mesmo tempo, começaram a surgir anomalias no seio da lógica capitalista, como uma forma diferente de produção de valor. Trabalho autônomo, força de trabalho livre, combustão de energia humana que não é transformada imediata ou diretamente em capital.

Ao mesmo tempo que as corporações e os Estados buscam controlar a nascente idéia da economia do conhecimento, um problema se apresenta, pois "uma autêntica economia do conhecimento corresponderia a um comunismo do saber no qual deixam de ser necessárias as relações monetárias de troca", como observa com certa ironia André Gorz19.

Esta anomalia do não lugar e não tempo da Internet gera outras contestações ao capital, pois para além da difusão e geração livre de conhecimento propicia ainda (ou até por isso) a contestação da propriedade dos bens imateriais como softwares, conteúdos artísticos e do próprio conhecimento. Todos estes itens são "bens" ou "produtos intangíveis" da sociedade moderna que têm sido livremente distribuídos pela rede, a despeito dos protestos dos detentores legais dos direitos de exploração.

Justamente partindo desta contestação surge a segunda hipótese, que deriva dela com linearidade, a hipótese de que o capital vem promovendo uma apropriação indébita de um conhecimento outrora pertencente a toda sociedade, privatizando idéias e processos antes públicos. Trata­se de um movimento que ocorre com maior vigor no centro do capitalismo, nos países desenvolvidos ou mais industrializados, mas que repercute com

19 GORZ, André. O Imaterial. Conhecimento, valor e capital. São Paulo : Annablume; Janeiro de 2005

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 20 maior força nas bordas do capitalismo prejudicando sensivelmente os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

Uma terceira hipótese a ser verificada nesta dissertação é mais específica em relação aos softwares e o seu desenvolvimento tecnológico. Mais à frente serão apresentados os dois “macro modelos” de desenvolvimento tecnológico que competem na elaboração de softwares na atualidade. O modelo empresarial tradicional, onde o desenvolvimento é protegido por um segredo industrial e tem o objetivo de ser vendido como um produto, e o modelo do Software Livre onde os códigos são conhecidos e alterados por uma rede trans­ nacional de programadores e entusiastas (não necessariamente remunerados por seu trabalho) e que é livremente distribuído.

Parte de nosso trabalho consiste em identificar até que ponto estas diferentes formas de desenvolvimento e de licenciamento interferem nos rumos tomados pela tecnologia de cada sistema operacional.

1.5. Estrutura da Dissertação

O encadeamento lógico proposto para esta dissertação é inicialmente debater a questão da propriedade das idéias, derivando daí a história dos softwares. Depois o foco será dirigido ao caso brasileiro, tratando primeiro da história do desenvolvimento tecnológico e depois de questões relativas aos softwares e em especial ao Software Livre no Brasil.

No primeiro capítulo a idéia central é averiguar a maneira pela qual o capital apropria­se e mercantiliza conhecimentos públicos. Esta apropriação acontece em bases que restringem formal e legalmente o desenvolvimento contínuo ou subseqüente de uma idéia antes livre, propondo uma contradição que se torna especialmente perceptível no ramo dos softwares. Neste capítulo trataremos a questão da propriedade das idéias.

Depois abordaremos a história dos softwares propriamente dita, refazendo a cronologia de eventos e conflitos que culminaram nas principais tecnologias em uso nos

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 21 microcomputadores atuais. Contudo o foco deste capítulo estará na história dos Sistemas Operacionais e não na história dos softwares como um todo. Também é neste capítulo que trataremos de temas como Windows, Microsoft, Linux, movimento do Software Livre e suas interações.

Antes de abordarmos os significados do Software Livre para o Brasil, será necessário entender em que bases se deu o desenvolvimento tecnológico brasileiro, considerando que este desenvolvimento é invulgar para um país subdesenvolvido.

Buscaremos especialmente compreender como foi possível o surgimento do pensamento técnico­científico nacional e como foram constituídas as primeiras gerações de engenheiros e cientistas, já que foram eles os responsáveis, entre outras coisas, pelo desenvolvimento da indústria brasileira possível de micro­informática.

Assim esperamos ter as bases necessárias para entender o caminho traçado pelo Brasil até ser reconhecido como uma das potências mundiais do Software Livre, tanto em desenvolvimento como em adoção.

Por fim pretendemos refletir sobre quais os significados deste reconhecimento, e sobre a consolidação do Software Livre enquanto alternativa viável incorporada pelo Brasil. Também neste capítulo serão discutidos quais os impactos do Software Livre sobre o desenvolvimento tecnológico e quais as possibilidades que ele apresenta ao Brasil. Junto a estas discussões agregamos nossas conclusões e considerações finais.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 22 2. A idéia de progresso e a disputa pelas patentes de softwares.

"We are like dwarfs sitting on the shoulders of giants. We see more, and things that are more distant, than they did, not because our sight is superior or because we are taller than they, but because they raise us up, and by their great stature add to ours." John de Salisbury20, em 1159.

Este texto busca expor o antagonismo existente entre “a idéia de progresso”, situada em termos do período histórico contemporâneo, abordando­a dentro das idéias dominantes da sociedade; e a apropriação capitalista da Inteligência Geral21, como proposto por Marx nos Grundrisse22, e posteriormente re­elaborado pela escola autonomista23. Para tanto

20 Aparentemente não é realmente possível estabelecer, com absoluta precisão, a autoria desta frase. Sendo mais conhecida como um aforismo original de Isaac Newton ("If I have seen farther, it is by standing on the shoulders of giants"), ela é de fato apenas uma re­elaboração do que já havia sido dito por John de Salisbury em 1159. Segundo M.T. Clanchy (em From Memory to Written Record: England 1066­1307 e Abelard: A Medieval Life) a idéia por trás desta frase possivelmente pertenceria a Bernard de Chartres (Bernardus Carnotensis) outro acadêmico do século XII, hipótese provável uma vez que grande parte do que se sabe sobre seu trabalho é conhecido somente por escritos de John de Salisbury. Devido aos estudos de Bernard de Chartes terem aparentemente concentrado­se sobre a obra de Platão, há quem defenda que a idéia por trás desta frase pudesse derivar diretamente do pensamento platônico, embora a comprovação de tal idéia não seja possível. O eminente sociólogo Robert K. Merton, tem um livro entitulado On the Shoulders of Giants : The Post­ Italianate Edition onde discute questões como o plágio, criatividade e o conceito de progresso partindo da busca pela origem desta famosa frase. 21 Esta Inteligência Geral pode ser compreendida como a subjetividade das coletividades sociais, o conjunto de saberes historicamente acumulados pelos grupos sociais, introjetados em diferentes atividades sem que “pertençam” a um indivíduo ou mesmo que se lhes possa apontar um autor. 22 MARX, Karl. Grundrisse: Elementos Fundamentales Para La Critica de la economia politica (Borrador) 1857­1858; Buenos Aires; Siglo XXI Argentina Editores S.A: junho 1972. 23 Marxismo autonomista designa uma escola de pensamento que coloca o centro da autodeterminação na classe trabalhadora. Esta corrente de pensamento marxista foi formulada durante as greves e protestos de trabalhadores, movimento feminista e estudantes italianos nos anos 1960 e 70. Os principais intelectuais desta linha do marxismo são Antonio Negri, Mario Tronti, Sergio Bologna, Mariarosa Dalla Costa, Francois Beradi e Raniero Panzieri. A autodeterminação da classe trabalhadora é uma idéia que tem ramificações profundas dentro de toda a tradição marxista, mas o conceito autonomista em particular enfatiza o poder autônomo dos trabalhadores, colocando sua autodeterminação acima do poder do capital, dos partidos, dos sindicatos. No marxismo autonomista o poder autônomo de um grupo de trabalhadores é autônomo até mesmo dos outros grupos de trabalhadores. Aqui autonomia entende­se em geral como a habilidade dos trabalhadores de identificarem seus próprios interesses e lutarem por eles, indo além da mera reação à exploração que são submetidos pelo capital ou do direcionamento dado por "líderes trabalhadores" ao seu foco/objetivo de luta.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 23 pretendemos explorar a questão sob a luz do crescente recrudescimento das legislações de Copyright e patentes.

Embora, por um lado, reconheçamos que a escola autonomista faz uma leitura um tanto polêmica do conhecimento marxista, substituindo o operário como o “sujeito” da revolução, por outro lado acreditamos que suas formulações sobre diversas facetas do capitalismo contemporâneo e sobre as formas de trabalho imaterial são extremamente pertinentes, merecendo portanto ser consideradas.

Esta formulação insere­se na necessidade de compreender e explicitar a apropriação capitalista da subjetividade dos trabalhadores e, em seu desdobramento, a apropriação da subjetividade das coletividades sociais. O tema suscita o debate tanto sobre a necessidade do Capital em dominar a cultura e a inteligência das massas, quanto sobre o seu poder e “direito” de fazê­lo.

Tratando então da relação entre o Copyright e a apropriação da Inteligência Geral, procuraremos de forma específica explicitar o antagonismo existente entre a idéia de progresso no desenvolvimento histórico da informática e o fenômeno contemporâneo do recrudescimento das patentes de softwares. Estas idéias são parte do raciocínio acerca da influência da ideologia no desenvolvimento dos softwares de computador, campo do conhecimento humano tomado tacitamente como livre de influências de natureza ideológica e percebido, em geral, como apenas técnico.

A idéia de progresso está bastante presente e solidamente documentada na história da cultura ocidental, especialmente a idéia do progresso científico­tecnológico24, progresso do qual os atuais estágios e perspectivas para o futuro próximo nos campos da física, biologia e micro­informática parecem ser a materialização, apenas para ficarmos nos exemplos mais recorrentes. Dentro destes trataremos, como dito acima, da micro­ informática, ou da especificidade de seus softwares.

Não será portanto, foco deste texto discutir o conceito de progresso, nem pesquisar sua validade. Dentro de nosso recorte o progresso parece tangível, se pretendemos atrelar

24 Cf. BASALLA G. The Evolution of Technology. Cambridge, 1988. e ROSSI, P. Naufrágios sem Espectador. A idéia de progresso. EDUNESP, 2000.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 24 ao conceito meramente o aperfeiçoamento técnico, a potência das máquinas e o generalizado espraiamento de suas aplicações em diferentes ramos da atividade humana.

Compreender o progresso em um sentido mais amplo, como progresso da humanidade em geral, como a melhoria de suas condições de vida e trabalho, exigiria um debate maior do que o proposto aqui, que ainda que não levasse fatalmente à negação do progresso, nos levaria ao menos a questionar sua pertinência, ou colocá­lo dentro de termos mais objetivos, como “progresso de quem?” ou, “progresso para quem”.

Portanto, ficaremos com a idéia, por certo unânime, de que entre as primeiras calculadoras mecânicas como a “pascalina” de Pascal (1642) ou o “relógio contador” de Wilhem Schickard (1626),25 e os atuais computadores houve por certo um progresso técnico, ou com a apropriação do conceito biológico, uma evolução, conforme elaboraremos a seguir.

Em seu livro The Evolution of Technology, George Basalla busca explicar a mudança tecnológica, seu progresso portanto, de uma perspectiva evolucionária, centrando sua análise em quatro grandes conceitos: diversidade, continuidade, inovação e seleção. Para nós, é justamente esta idéia de evolução que põe em relevo o antagonismo mencionado no início do texto. A evolução da informática, em especial dos softwares, parece incompatível com a necessidade capitalista de proteger por meio de patentes e restrições de direito autoral estes mesmos softwares.

George Basalla coloca o desenvolvimento tecnológico como desvinculado das necessidades básicas e imediatas de sobrevivência dos homens, estando para o autor, muito mais relacionado à história das aspirações humanas, onde as coisas feitas pelos homens são fruto de suas fantasias, desejos e necessidades elaboradas. “O mundo dos artefatos exibiria uma diversidade bem menor se operasse primeiramente sob os limites impostos por necessidades fundamentais”. 26

25 MAGALHÃES, Gildo. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. Tese (Doutorado História) ­ FFLCH, USP 26 BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995. p 14.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 25 Basalla cita Karl Marx27, na defesa da idéia de que a invenção é um processo social, que repousa na acumulação de inúmeras pequenas melhorias e não nos esforços heróicos de alguns poucos gênios. Como no exemplo do elevador, onde não é possível determinar sua data de invenção, nem seu inventor, uma vez que seu princípio básico, o equilíbrio entre peso e contra­peso era conhecido no mundo antigo, tendo sido usado na Idade Média, na Roma antiga e possivelmente antes disso. Foi o Sr. Otis28 que no entanto entrou para a história do elevador em 185229 como um grande inventor, mesmo que sua contribuição, os freios de segurança, indispensáveis na proteção de pessoas e cargas, em um eventual rompimento dos cabos, seja relativamente pequena em toda a tecnologia e conhecimento empregados na máquina.

Parece haver, portanto, uma continuidade nas técnicas e ferramentas dos homens, “qualquer coisa nova que apareça no mundo das coisas fabricadas é baseado em algum objeto já existente.”30 Mas o que se verificou com o avanço da sociedade industrial foi a emergência do inventor como herói, um tipo de gênio, fortemente defendido pelos estados nacionais, logo que os reflexos econômicos e a importância estratégica da industrialização passaram a ser por eles percebidos.

“Apesar das evidências em contrário, há um apoio generalizado à idéia de que invenções são o resultado de revelações na tecnologia, trazidas por gênios individuais. As origens desta visão tem três pilares: a perda ou supressão de antecedentes cruciais; a emergência do inventor como herói; e a confusão entre mudança social e mudança sócio­econômica.31”

27 Idem, 1995. p 21. É importante deixar registrado que embora cite Karl Marx, o texto de Basalla é crítico a um bom número de idéias apresentadas pelo economista alemão, estando longe de um texto que poderia ser caracterizado como marxista. 28 Elisha Graves Otis, inventou e iniciou a produção de elevadores com freios de segurança entre 1852 e 1856, sendo com isso um dos principais responsáveis pela viabilização de edifícios cada vez mais altos nas grandes cidades. 29 The New Encyclopaedia Britanica in 30 Volumes : Ready Reference and Index VII. USA; Encyclopaedia Britannica, Inc.; 1980 ­ 15th edition 30 BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995. p 45. 31 Idem, 1995. p 57.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 26 Uma vez que com a revolução industrial, o desenvolvimento tecnológico foi integrado aos sentimentos de nacionalismo ­ pois o crescimento (e o poder) de uma nação passou cada vez mais a estar a ele relacionado ­ não apenas os inventores foram alçados à categoria de heróis, mas também a tecnologia passou a ser foco de rivalidades, tensões e negociações entre países. Esse movimento redundou no fortalecimento da idéia e do sistema de patentes, legislações específicas que visam proteger a “propriedade intelectual” dos inventores, garantindo a estes o pleno direito de exploração de seus inventos, proibindo a outros a cópia não autorizada dos princípios e soluções empregados pelo detentor da patente.

“Patentes são a forma jurídica pela qual as sociedades industriais premiam e protegem os inovadores tecnológicos. Neste processo, uma invenção é identificada unicamente com seu inventor e as associações com os artefatos existentes são obscurecidas. Toda a legislação de patentes é baseada na premissa que uma invenção é entidade única, nova que pode ser atribuída ao indivíduo que os tribunais determinarem como sendo seu legítimo criador. Desta forma, o sistema de patentes converte o fluxo contínuo das coisas criadas em uma série de entidades distintas

Em uma sociedade capitalista, o detentor de uma patente está em posição de utilizar a patente para obter vantagens financeiras pessoais. Tendo em conta que dinheiro, status social e a gratificação do ego estão simultaneamente em jogo, os concorrentes em uma disputa de patentes muitas vezes lutam de maneira menos do que justa para preservar sua pretensão de originalidade.32”

Sendo portanto as inovações tecnológicas decorrência de um processo evolutivo, como propõe Basalla, considerando os gênios criativos como uma construção social e política e não como um fato dado e inconteste, estamos aceitando tanto o conceito de progresso como o de evolução na tecnologia e, considerando que ambos os processos

32 Idem, 1995. p 60.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 27 decorrem do conhecimento acumulado por gerações passadas. Trata­se portanto de um conhecimento de massas, ou da Inteligência Geral como proposto por Karl Marx nos Grundrisse33.

Alie­se a isso a própria natureza do conhecimento científico, que repousa sobre uma base acumulada de conhecimentos pretéritos para avançar (mesmo que seja negando e reformulando o conhecimento do passado), a presente e crescente dificuldade para separar ciência de tecnologia torna­se mais espinhosa na questão das patentes.

E esta não é de maneira alguma uma percepção nova ou recente, o próprio Sir Isaac Newton em carta enviada ao cientista inglês Robert Hooke em 1675 (ou 1676), admitia que "If I have seen further, it is by standing on the shoulders of giants34", uma idéia, formulada e registrada quase 500 anos antes (em 1159) pelo monge John de Salisbury, conforme a citação que acompanha a epígrafe deste capítulo.

O que nos parece estar ocorrendo na atualidade é uma apropriação da inteligência, da subjetividade construída pelas sociedades.

Seguindo o delineamento teórico proposto pela escola autonomista, pode­se compreender e explicitar a apropriação capitalista da subjetividade dos trabalhadores e, em seu desdobramento, a apropriação da subjetividade das coletividades sociais, a apropriação da Inteligência Geral pelo Capital.

Como sugerido atrás, o marxismo­autonomista refere­se à vertente marxista que coloca a atividade do trabalhador, o próprio trabalho como foco da análise. Assim no lugar de centrar­se no avanço teleológico das forças produtivas o marxismo­autonomista centra­se no conflito entre aqueles que produzem e aqueles que apropriam. O termo “autonomista” deriva da visão da autonomia do trabalhador, pois na leitura autonomista o trabalhador não é vítima passiva das determinações do capitalista, sendo sujeito ativo da produção, detentor de habilidades, motor de inovações e cooperação com as quais o capital conta.

Nick Whiteford aponta que o que torna a análise autonomista particularmente importante “is the perspective it opens on the new forms of knowledge and communication

33 MARX, Karl. Grundrisse: Elementos Fundamentales Para La Critica de la economia politica (Borrador) 1857­1858; Buenos Aires; Siglo XXI Argentina Editores S.A: junho 1972; 34 “Se eu vi mais longe, foi por estar nos ombros de gigantes”.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 28 not merely as instruments of capital domination, but also as potential resources for working class struggle.”35 Uma interpretação subversiva da “Information Society”.

Nas últimas décadas tem havido uma crescente necessidade do Capital em dominar a cultura e a inteligência das massas, refletido por exemplo no surgimento de termos como “indústria cultural”, o que suscita o debate sobre o poder e o “direito” do Capital em proceder a esta apropriação, pois esta parece de certa forma indébita.

A apropriação do conhecimento social encontra­se refletida no recrudescimento da proteção do direito autoral e das patentes, dentro de legislações que foram sucessivamente alteradas nas últimas décadas em diversos países, especialmente aqueles das economias mais desenvolvidas, pretendendo estender e reforçar o domínio sobre idéias, cuja original definição de propriedade e autoria já seriam bastante contestáveis.

Para além dos softwares, talvez o campo onde o conflito das patentes esteja em maior relevo seja a indústria farmacêutica, onde o direito às patentes esbarra em questões éticas e morais de toda a sorte. Este assunto, especialmente no que tange à indústria farmacêutica é recuperado pela jornalista Maria Helena Tachinardi, em seu livro A Guerra das Patentes, onde são retratadas as rusgas entre Brasil e EUA neste campo, mas Tachinardi não limita sua análise na questão moral e ética, indo além, apresentando questões econômicas e de política internacional:

“Os países que lideram o processo tecnológico desejam sistemas de propriedade intelectual fortes em nível internacional para compensar as deficiências nos regimes de apropriação dos países que estão aumentando sua capacitação tecnológica e de imitação, e para compensar, também, a taxa de difusão acelerada de novas tecnologias, o que reduz o seu tempo de vida.

Os países desenvolvidos, sobretudo os EUA, consideram vital a ampliação dos direitos de propriedade intelectual em escala planetária porque garantiria incentivos à inovação e serviria de barreira defensiva

35 WHITHEFORD, Nick. Autonomist Marxism And The Information Society. Capital & Class, 52, p.85­95, Spring 1994.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 29 contra a imitação no exterior de tecnologias desenvolvidas nacionalmente em seus mercados.

Os países em desenvolvimento, contudo, receiam que surja uma nova modalidade de protecionismo tecnológico. Carlos Maria Corrêa chama atenção para o fato de que os países desenvolvidos estão empenhados em uma nova política comercial que tende a substituir a promoção do investimento direto ou o licenciamento de tecnologia pelo acesso direto aos mercados externos, incluindo a abertura forçada de alguns recalcitrantes.

Os países seguidores, que, recorde­se, são aqueles que se apropriam de oportunidades, estão dificultando aos líderes na corrida tecnológica a possibilidade de apropriação. É o caso dos países que estabeleceram reservas de mercado, como a informática no Brasil.

A inovação é uma invenção incorporada à produção. A invenção é um produto essencialmente intelectual, enquanto a inovação é um fenômeno econômico.”36

Este recrudescimento da proteção do direito autoral é um fenômeno mundial, encontrando no campo da informática exemplos emblemáticos em leis como o Sonny Bono Copyright Act37, lei norte americana que estendeu por vinte anos além do prazo original o direito dos autores; a lei de patentes de softwares atualmente em vias de aprovação na Europa, que será uma versão européia do Digital Millenium Copyright Act (DMCA)38 promulgado nos EUA em outubro de 1998 pelo presidente norte­americano Bill Clinton. Este afã capitalista em proteger e cercear de todas as formas o acesso à cultura e tecnologia reverbera mesmo na periferia do Capital, primeiro com ações bastante concretas, como o

36 TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes : O conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. São Paulo : Paz e Terra, 1993. p 66. 37 Sonny Bono Copyrigth Act lei promulgada nos EUA em fins de 1998 com objetivo de estender a proteção do copyrigth. É por vezes referida pejorativamente como Mickey Mouse Copyrigth Act, em referência ao fato de ter “coincidentemente” impedido que personagens da Walt Disney Company como o Mickey entrassem em domínio público. 38 Lei que revoga direitos históricos de técnicos e cientistas, como a legitimidade da engenharia reversa e que vai contra as diversas legislações de outras nações.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 30 endurecimento da política externa dos EUA contra a pirataria em outros países, que aventa mesmo a possibilidade de sanções políticas e econômicas contra os países tidos por corsários da cultura; segundo com alterações induzidas nas próprias legislações dos países periféricos, como no caso brasileiro, que passou a produzir legislações específicas para o combate a pirataria.

Este tema não deve ser tomado de maneira superficial, sua importância é central para o desenvolvimento e perpetuação do conhecimento e da tecnologia e, para o desenvolvimento econômico.

Sobre o predomínio do fator econômico sobre o desenvolvimento tecnológico, podemos novamente recorrer a Basalla, que vai ainda tratar da maneira como uma certa invenção ou tecnologia é classificada de “genial”. “Uma invenção é classificada como genial apenas se a cultura escolher colocar um grande valor associado a ela. Desta forma, a reputação do inventor está atrelada a valores culturais.”39

Em busca da proteção dos direitos (e dividendos) do Capital, eleva­se a questão a um grau de importância tal, que se torna capaz de limitar o acesso à cultura, conseguindo até fazer eco mesmo dentro das instituições de ensino público, como na situação recente da USP40 frente ao cerceamento das cópias xerox no Campus41. Isto obrigou a universidade a tomar uma posição oficial42, em um comunicado autorizando as cópias xerox, onde defende pura e simplesmente o cumprimento da lei e a utilização justa do material protegido, uma vez que até isso estava sendo perseguido.

Tachinardi, ainda em seu livro sobre o conflito de patentes Brasil/EUA observa que:

“Por trás do discurso de que o objetivo dos direitos de propriedade intelectual é o incentivo à invenção, existe o real objetivo econômico de permitir a apropriação financeira do conhecimento científico, um bem

39 BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995. p 34. 40 Vide: Anexos, documento I 41 Vide: jornal O Estado de S. Paulo (08/03/2005 ­ Caderno 2); (04/03/2005 ­ Metrópole ­ DEIC apura a ação de professores em xerox); (03/03/2005 ­ Metrópole ­ Polícia investiga comércio de cópias de livros em universidade); (02/03/2005 ­ Metrópole ­ Faculdades mantêm xerox dentro das bibliotecas / Metrópole ­ Bibliotecas oferecem xerox); (21/02/2005 ­ Índice); Jornal da Tarde (03/02/2005). 42 Vide: Anexos, documento II

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 31 público, intangível, mas que gera vantagens comparativas e aumenta a competitividade dos países, além de lhes permitir a penetração nos mercados e o seu controle e reduzir as incertezas associadas à inovação, ao grau de obsolescência dos produtos.

O sistema de propriedade intelectual é, portanto, um regime de apropriação que pode ser mais ou menos abrangente, mais ou menos rígido, dependendo dos países.”43

A apropriação do conhecimento por parte do Capital já havia, como dissemos, sido notada por Marx, nos Grundrisse, que constituem os fundamentos do pensamento marxista, tendo sido publicados pela primeira vez entre 1939 e 1941, na União Soviética com o titulo: Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie (Rohentwurf) 1857­1858. Trata­se de uma coletânea de obras inéditas até então, que para Marx tinham a característica de esboço, utilizadas pelo autor como forma de organização de suas idéias, sem que houvesse a intenção manifesta de sua publicação. Estes “cadernos” de Marx devem portanto ser considerados em seu contexto, não representando o pensamento mais elaborado do autor, mas sim uma fase pretérita, embrionária. Feita esta ressalva, sobre tratar­se de um texto ainda em formulação pelo autor, podemos considerar, sem sombra de dúvida, que os Grundrisse estabeleceram as bases para a posterior redação do Capital, onde muitos dos conceitos propostos serão retomados com maior profundidade.

Nos Grundrisse Marx estabelece bases para a compreensão do desenvolvimento tecnológico, sua evolução, e também coloca de maneira clara como ocorre uma forma de apropriação que transcende a tradicional apropriação do trabalho, passando a existir uma apropriação do poder criador do trabalhador. Na extensa e detalhada introdução da edição argentina que consultamos, estas questões estão claramente colocadas:

“Las fuerzas de producción son en sí mismas un producto histórico y social y para Marx el proceso productivo es un proceso social. Es

43 TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes : O conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. São Paulo : Paz e Terra, 1993. p38.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 32 necessario enfatizar este punto con el fin de poner en evidencia que el importante papel que Marx asigna al desarrollo de las fuerzas productivas materiales bajo el capitalismo no lo convierte en un determinista tecnológico. Por el contrario, no es la tecnologia la que obliga al capitalista a acumular, sino la necessidad de acumular la que lo obliga a desarrollar los poderes de la tecnología. La base del processo de acumulación, del proceso por medio del cual las fuerzas productivas se fortalecem, es la extracción de plusvalía de la fuerza de trabajo. La fuerza de producción es la fuerza de explotación.

Es evidente entonces que la dicotomía formulada por Marx en el Prefacio es idéntica a que existe entre los dos processos perfectamente diferenciados que Marx identifica en los Grundrisse como fundamentales para la reprodución capitalista: por una parte, la produción consiste en un acto de cambio y por la otra, consiste en un acto que es precisamente lo oposto al cambio. Por un lado, la produción es un simple cambio de equivalentes y por el otro, es la apropriación violenta del poder creador del obrero.”44

Diante das propostas de Marx sobre a apropriação do poder criador do trabalhador e de George Basalla sobre o caráter evolucionário da tecnologia, onde um elemento criado depende da pré­existência de outro, já em uso corrente, começamos a nos aproximar da tese central deste trabalho, a de que possa existir um antagonismo entre a idéia de progresso no desenvolvimento histórico da informática e o fenômeno contemporâneo do recrudescimento da defesa das patentes de softwares. Ou melhor formulando, a legislação de patentes de software tende a emperrar ou atrasar a evolução deste ramo do conhecimento.

44 NICOLAUS, Martin. El Marx Desconocido (Prefácio). Em MARX, Karl. Grundrisse: Elementos Fundamentales Para La Critica de la economia politica (Borrador) 1857­1858; Buenos Aires; Siglo XXI Argentina Editores S.A: junho 1972; p.30 (o grifo é nosso).

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 33 Com os argumentos até aqui colocados podemos constatar dois movimentos, 1) a evolução da tecnologia baseada no conhecimento geral acumulado, e 2) a apropriação deste conhecimento pelo Capital, que se apropria da Inteligência Geral e então procura cercear seu acesso pela via legislativa.

A hipótese aqui é que estes dois movimentos fornecem o combustível para os movimentos contrários, que buscam tanto romper com as amarras legislativas como libertar a tecnologia (de softwares) do domínio exclusivo do Capital, re­transferindo sua propriedade para a comunidade. Casos como o dos movimentos Open Source e Creative Commons45 parecem emblemáticos desta resistência e, no ramo dos sistemas operacionais, é o GNU/Linux quem melhor representa esta tendência, politicamente confusa, mas sem dúvida revolucionária46.

Aqui cabe a abertura de um pequeno parênteses para explicar o conceito do Open Source.

A definição de Open Source foi primeiro elaborada por Bruce Perens47, quando escreveu o esboço do documento "The Debian Free Software Guidelines", que foi refinado com os comentários da comunidade de desenvolvedores do Debian, ao longo de um mês de debates por e­mail em Junho de 1997. Perens terminou por remover as definições

45 Creative Commons é uma ONG sem fins lucrativos fundada em 2001 com o seguinte objetivo: "Thus, a single goal unites Creative Commons current and future projects: to build a layer of reasonable, flexible copyright in the face of increasingly restrictive default rules." Em dezembro de 2002 o grupo lançou uma série de licenças livres para o uso público, permitindo que uma obra intelectual e/ou artística seja licenciada em termos menos restritivos. Declaradamente o conceito por trás da Creative Commons veio do Software Livre: "Taking inspiration in part from the Free Software Foundation's GNU General Public License (GNU GPL)". Fonte: http://creativecommons.org/ O CTS, Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, dirige o projeto Creative Commons no Brasil, garantindo que as adaptações e traduções das licenças estejam em total acordo com a legislação brasileira. Fonte: http://www.direitorio.fgv.br/cts/ 46 Aspecto que pretendemos elaborar e aprofundar com maior ênfase à frente. 47 Bruce Perens, antigo líder do projeto Debian (uma das mais antigas e tradicionais distribuições Linux, reconhecida como a que mais respeita os princípios do Software Livre) é co­foundador da Open Source Initiative e diversas outras instituições de defesa dos Softwares Livres. Também trabalhou por 20 anos na indústria de computação gráfica, 12 deles na Pixar Animation Studios, onde participou dos filmes Vida de Inseto e Toy Story II.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 34 específicas ao Debian e criou a "Open Source Definition"48, hoje mantida e divulgada pela Open Source Initiative49

Esta definição, que busca esclarecer se um determinado software é ou não Open Source, condiciona a observação de algumas premissas para a avaliação de uma licença de software e estas premissas não se referem exclusivamente ao acesso ao código fonte, como se poderia imaginar.

As principais características de uma licença Open Source50 são:

● A liberdade de redistribuição, permitindo que o software seja dado ou vendido livremente, sem pagamento de royalties;

● A necessidade da distribuição de um programa incluir o código fonte;

● Permissão para criação de produtos derivados a serem distribuídos na mesma forma de licenciamento;

● Não discriminar qualquer pessoa, grupo, ou finalidade de uso;

● Ser tecnologicamente neutra.

Com esta explicação fecha­se o parênteses para a retomada da linhas de raciocínio anterior.

Ainda mais à frente em seu texto, quando George Basalla pretende definir os mecanismos psicológicos que motivam a inovação (propondo três categorias: sonhos tecnológicos, máquinas impossíveis e fantasias populares), volta a mencionar patentes, ao tratar dos sonhos tecnológicos, onde afirma:

“Patentes compõem o segundo grupo de sonhos tecnológicos. Sua inclusão aqui pede alguma explicação pois patentes são usualmente concedidas para inovações que passaram pelo cuidadoso escrutínio de

48 Open Source pode ser traduzido como Código Aberto, mas no Brasil tem sido em geral referido como Software Livre. 49 Open Source Initiative (OSI) é uma ONG sem fins lucrativos dedicada à manutenção e promoção da definição do Open Source. Fonte: http://www.opensource.org/ 50 Para o texto integral vide anexos, documeto VI.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 35 examinadores e não são esquemas fantasiosos. Tomadas como um todo, contudo, patentes são melhor representantes da potencialidade tecnológica do que da tecnologia propriamente dita.51”

É justamente a possibilidade de registrar e apropriar idéias não realizadas que visualizamos como contradição na relação entre a necessidade do capital em apropriar­se da Inteligência Geral e ao mesmo tempo depender da evolução tecnológica para atender sua necessidade de aprofundar a acumulação. Toda a questão pode então ser apreendida no paradoxo da necessidade de um continuum de idéias, ou relações, ou mesmo de tecnologia para o desenvolvimento da tecnologia e a imposição de propriedades fragmentando este mesmo continuum.

E parece ser desta contradição que emergem os movimentos de resistência, de que trataremos à frente. É ainda irônico considerar que o esboço das resistências à apropriação da Inteligência Geral parece ser mais sólido no competitivo mercado de softwares, ponta de lança do moderno capitalismo financeiro, que só pôde se globalizar com a constituição de redes informacionais de telecomunicações52, permitindo que o tempo do capital transcendesse o espaço físico, unindo mercados em todos os fusos. Pois se só com a constituição das redes de comunicação o capitalismo pôde efetivamente se globalizar53 é esta mesma rede o fator determinante para a existência dos movimentos contrários como Open Source, Creative Commons e mesmo das redes alternativas de mídia e notícias, que não poderiam existir e se articular sem as modernas via de comunicação por computador.

51 BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995. p 69. 52 MARQUES, Ivan da Costa. O Brasil e a abertura dos mercados: o trabalho em questão. Rio de Janeiro; Contraponto; 2002. 53 CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: os negócios e a sociedade; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 36 3. Uma História de softwares e sistemas operacionais

"Não havendo testemunhas, e se as houve não consta que tenham sido chamadas a estes autos para nos relatarem o que se passou, é compreensível que alguém pergunte como foi possível saber que estas coisas sucederam assim e não doutra maneira, a resposta a dar é a de que todos os relatos são como os da criação do universo, ninguém lá esteve, ninguém assistiu, mas toda a gente sabe como aconteceu." José Saramago ­ Ensaio sobre a cegueira ­ pg. 253

3.1. Do hardware ao software

Uma breve reconstituição da história da computação e da micro informática são obrigatórias antes que se introduza o problema proposto neste texto. A seguir traçamos o histórico do computador, do desenvolvimento deste ramo da tecnologia moderna e principalmente de seu espírito fundante nos primeiros anos da informática.

Entendendo um computador dentro da definição já apresentada de uma máquina capaz de processar instruções e apresentar um resultado, poderemos dividi­los para efeitos didáticos e práticos em 2 tipos: analógicos e digitais.

O senso comum tende a vislumbrar na presença ou ausência de chips a diferença entre um computador digital e um analógico, mas esta diferença é na verdade determinada pelo princípio que rege seu funcionamento para obter os resultados das contas processadas.

Os computadores analógicos, que podem ser máquinas estritamente mecânicas, eletro­mecânicas ou até eletrônicas são diferentes na concepção dos computadores digitais que utilizamos hoje em dia, por não responderem a uma lógica binária discreta (em geral binária), podendo conceitualmente trabalhar com um espectro de possibilidades maior ou tendendo ao infinito. Nossos computadores atuais baseiam­se na lógica digital, ou seja dos dígitos, no caso binário o zero e um, oferecendo apenas duas possibilidades de resposta: não e sim, ou negativo e positivo, ou 0 e 1.

Considerados de maneira ampla, computadores são máquinas capazes de apresentar resultados de contas54, e pensando na história das máquinas mecânicas que executam

54 Na definição atual se diria máquinas capazes de fazer contas e armazenar dados, de forma ordenada.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 37 cálculos podemos, com alguma elasticidade no conceito, citar o ábaco, a Pascalina de Blaise Pascal, a Máquina de Diferenças do matemático Charles Babbage e os protótipos frustrados de sua evolução, a Máquina de Diferenças 2 e a Máquina Analítica, todas de certa forma precursoras dos atuais computadores.

Os computadores mecânicos apoiavam­se em um intrincado esquema de movimentação de engrenagens, tendo muitas vezes que substituir peças para executar contas diversas como somas, multiplicações e subtrações. Já os computadores eletrônicos basearam seu funcionamento inicialmente em válvulas, mais tarde substituídos por dispositivos semi­condutores.

Em 1944 foi construído o Mark I, na Universidade de Harvard, um computador baseado em relês e princípios eletro­mecânicos, projetado pela equipe de Howard H. Aiken.

Entre os anos de 1946 e 1947 foi construído o famoso ENIAC na Universidade da Pensilvânia. ENIAC (ou Eletronic Integrator And Calculator) foi efetivamente o primeiro computador eletrônico, embora seu funcionamento ainda estivesse baseado em válvulas e não semi­condutores.

Desta forma, com todas as suas válvulas, o ENIAC é considerado o primeiro computador eletrônico, uma incrível máquina capaz de executar diferentes operações sem a necessidade de re­estruturar sua configuração. Isso permitiu que as instruções a serem executadas fossem previamente preparadas, encadeadas e armazenadas, dando origem aos softwares.

O surgimento dos computadores, o momento de sua passagem ao “modo digital”, a história de seu desenvolvimento, e a evolução do hardware encontram­se hoje extensivamente documentados e têm larga bibliografia disponível, contemplando inclusive o caso brasileiro55, de forma que reconstituir novamente a trajetória do hardware não seria pertinente a esta pesquisa. Também escapa ao escopo proposto nesta análise redesenhar toda a trajetória da micro­informática até a criação dos primeiros sistemas operacionais,

55 Cf. SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 38 outro tema que também conta com bom numero de trabalhos publicados, contudo cumpre registrar que a relevância dos softwares foi logo notada. Gildo Magalhães destaca que:

“A programação cedo se revelou como o ponto sensível sem o qual as imensas máquinas que foram os primeiros computadores não poderiam operar com eficiência. Um dos primeiros programas a serem construídos foi o que traduzia linguagem digital (binária) das máquinas para linguagem mnemônica, de fácil manipulação. surgiram assim as linguagens ditas “científicas”: o FORTRAN (Formula Translator) foi inventado por John Backus entre 1953 – 56; o LISP (List Processing) foi inventado especificamente para aplicação aos problemas de “inteligência artificial”, em 1956; o COBOL (Common Business Oriented Language) e ALGOL (Algorithimic Language) são de 1960, enquanto que o PL/1 (de “Programming Language”) é de 1964, mesmo ano do PASCAL; o BASIC (Beginner's All Purpose Symbolic Instruction Code) é da década de 1970.”56

Esta relevância faz com que o acesso ao código fonte, a seqüência de instruções lógicas codificadas pelos programadores de forma inteligível que é depois compilada ­ ou transformada em linguagem de máquina ­ gerando os softwares ou programas necessários para operar o computador ou para permitir que ele execute suas inúmeras funções, se torne cada vez maior.

Assim iniciaremos a história contada neste texto na década de 1970, com a importância dos softwares já solidamente estabelecida e após a criação e divulgação das principais linguagens de programação,

A IBM, um tradicional fornecedor de máquinas para escritório anterior ao surgimento dos computadores pessoais, vinha desde meados dos anos 50 comercializando software e hardware conjuntamente, em um modelo de negócios baseado na locação de equipamentos para empresas, algo que mudaria no final dos anos 60.

56 Idem, 1994, p. 55

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 39 “A IBM desvinculou seus preços e fornecimentos de software e de serviços em 1968, uma decisão que foi encorajada pela ameaça de um processo antitruste. A “dissociação” do software por parte do principal fornecedor de hardware (...) abriu oportunidades para a expansão de vendedores de software independentes”.57

Esta posição aliada ao surgimento do micro­computador, criação atribuída a David Ahl quando trabalhava na Digital – que ignorou o invento dado sua capacidade reduzida – abriu espaço para um novo tipo de desenvolvimento na indústria, permitindo que florescesse a “cultura” dos microcomputadores58, algo muito importante para a discussão sobre a propriedade dos softwares e das idéias.

“O que as grandes empresas (inclusive a IBM) não perceberam é que estava se abrindo a oportunidade para a apropriação individual de uma máquina que até então era o privilégio apenas das empresas, devido ao seu alto custo. No ambiente glorificador do mito individualista corporificado pelo movimento “hippie”, a Califórnia dos anos 70 sediaria também os primeiros fabricantes de micro­computadores, como Apple, Commodore, etc. Tardiamente tendo se dado conta do erro estratégico cometido, a IBM começou a recuperar o terreno perdido, lançando seu próprio modelo de micro­computador, chamado de “computador pessoal” (PC, de “personal computer”).”59

A importância atribuída aqui ao ano de 1970 deve­se aos desenvolvimentos alcançados pela Xerox Corporation, através de seu centro de pesquisas em Palo Alto na Califórnia, (o famoso PARC,60 vizinho da Universidade de Stanford), onde investigações

57 MOWERY, David C., ROSENBERG, Nathan. Trajetórias da Inovação : A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. p. 172 58 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 58 59 Idem, 1994, p. 58 60 PARC = Palo Alto Research Center

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 40 sobre “interfaces de usuário” focadas no desenvolvimento de novos produtos, chegaram nas fronteiras mais perceptíveis de nosso objeto de estudo.

O PARC, desenvolveu uma estação de trabalho gráfica, algo inédito até então, denominada Xerox Star, onde o sistema operacional e a interface com o usuário eram inteiramente gráficas, baseadas em metáforas visuais e ícones. Foram destas pesquisas do PARC que surgiram elementos centrais nos sistemas operacionais atuais (e em outros diversos tipos de softwares), itens como o mouse61, as interfaces de janelas, os menus "drop­down" e os ícones. O primeiro resultado prático destas pesquisas surgiu com o “Alto” (1972) uma máquina que não chegou a ser comercializada, e já em 1981 estava disponível o “Star 8010 workstation” a primeira máquina comercializada a contar com um mouse e uma interface gráfica.

Comercialmente, o projeto foi mal recebido, especialmente por seu elevado custo, mas serviu de base e inspiração para que a Apple Computer, fundada por Steve Wozniak e Steven Jobs, pudesse desenvolver seu novo PC, um microcomputador chamado LISA (Local Integrated System Architecture), lançado em 1983.

A Apple já havia lançado outros computadores, mas o LISA contava então com 16 bits, e inovava com um sistema operacional de interface gráfica, ou seja, baseado em windows (janelas), dois itens inovadores que estavam pela primeira vez disponíveis em um computador pessoal com preço mais acessível.

Esta geração de máquinas da Apple também não foi um grande sucesso, muito embora tenha sido comercializada até 1985 com o nome de Macintosh XL, mas teve o mérito de abrir caminho para a geração seguinte, os agora denominados Apple Macintosh de 1984, uma geração de microcomputadores que penetrou rapidamente o mercado acadêmico dos EUA, tendo também boa aceitação na automação de escritórios. Foi um sucesso de vendas, até hoje lembrado pela indústria como um dos mais revolucionários microcomputadores de todos os tempos, pois trazia a integração de soluções gráficas, aliada a potência e um mouse.

61 De fato o mouse fora oficialmente apresentado em uma demonstração pública em 9 de dezembro de 1968 por Douglas C. Englebart e sua equipe do Satnford Research Institute, um projeto em que vinham trabalhando desde 1962. Mais detalhes em:

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 41 O grande sucesso comercial de seu hardware encontrou a jovem Apple sem capacidade para atender à demanda por softwares, assim a empresa precisou recorrer a desenvolvedores externos, favorecendo o cenário para que empresas especializadas em software pudessem surgir e/ou crescer com a indústria; pode­se pensar em nomes como Lotus, e Microsoft como empresas que foram beneficiadas por este momento.

Mas apesar da demanda por computadores Apple, foi a IBM que obteve maior sucesso na forma de comercialização e fabricação de seu produto, o IBM­PC, aumentando muito sua participação no mercado, apesar de rodar um sistema operacional que em comparação com o do Macintosh poderia, já naquela época, ser considerado antiquado62.

O sistema operacional dos IBM PC era o MS­DOS63 da Microsoft, que não contava com interface gráfica e tinha todos os seus comandos controlados exclusivamente por inputs de teclado; mais à frente, ainda neste capitulo será narrada a história do MS­DOS.

“Tanto a entrada de fornecedores independentes de software quanto o crescimento até a dominância da arquitetura do IBM­PC estiveram relacionadas com a decisão da IBM de obter a maioria dos componentes para seu microcomputador de fornecedores externos, incluindo a Intel (fornecedora do microprocessador) e a Microsoft (fornecedora do sistema operacional do PC, MS­DOS), sem forçá­los a restringir as vendas desses componentes a outros produtores”64

Apesar da tecnologia defasada, em favor da IBM pesavam os canais de distribuição já bastante estabelecidos, representantes comerciais, uma campanha de marketing e a sua reputação no mercado. Todos fatores que aliados a um pesado investimento na reestruturação das linhas de produção e canais de distribuição fizeram­na sobrepujar a Apple e os demais concorrentes com relativa rapidez, assim, “para concorrer com a florescente Apple, a IBM vendeu seu PC nas mais conhecidas lojas de departamento, como 62 Esta colocação parte da constatação de que um sistema baseado em interfaces amigáveis é mais moderno que um sistema baseado exclusivamente em linha de comando, permitindo por exemplo uma melhor curva de aprendizagem dos usuários. 63 Sigla de Microsoft Disk Operational System 64 MOWERY, David C., ROSENBERG, Nathan. Trajetórias da Inovação : A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. p. 173.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 42 Sears e Macy's, o que foi fundamental para transformar o computador em nova mercadoria de consumo”65.

Este cenário fez com que em poucos anos, a participação do Macintosh no mercado mundial de desktops declinasse, de seu auge em 30 %, para os menos de 2 %, estimados hoje em dia. A crise que se instalou com a sucessiva perda de mercado dos computadores Apple para os PCs da IBM fez com que a companhia afastasse seu executivo fundador, Steven Jobs em 1985, assustando os leais usuários do “Mac”. Um novo presidente, John Sculley, que vinha da Pepsi­Cola trazendo na bagagem novas técnicas de marketing, conseguiu, por um período, fazer a empresa reagir, contudo, para esta pesquisa o interesse por Sculley dar­se­á mais à frente, como coadjuvante de um significativo detalhe no desenvolvimento do Windows.66

3.2. Do nascimento da Micro­soft67 à conquista do Desktop

Fundada em 1975 por William H. Gates III e Paul Allen – dois estudantes que se conheceram por partilharem um hobby em comum: programar o computador PDP­10 da Digital Equipment Corporation – a Microsoft viria a se tornar um dos gigantes do setor de informática.

Foi neste ano (1975) que a revista Popular Electronics68 publicou uma reportagem de capa sobre o Altair 8800, considerado o primeiro computador pessoal. Reza a lenda que foi este artigo que empolgou Gates e Allen a desenvolverem a primeira versão da linguagem de programação conhecida como BASIC, pensada para funcionar no Altair.

A fabricante do Altair, Micro Instrumentation and Telemetry Systems (MITS), comprou a linguagem da dupla, fornecendo­lhes assim o capital utilizado na fundação da Microsoft em Albuquerque, Novo México. A nova empresa tinha como objetivo

65 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 58 66 KAWASAKI, Guy. O Jeito Macintosh. São Paulo: Callis, 1993. 67 O nome da Microsoft era originalmente escrito desta forma: Micro­soft. 68 Janeiro de 1975, Popular Electronics Magazine

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 43 desenvolver novas versões de BASIC para outras companhias do setor. A Apple Computer, fabricante do Applle II, a Commodore, fabricante do PET, e a Tandy Corporation, fabicante do Radio Shack TRS­80, foram alguns dos primeiros clientes da Microsoft.

Em 1977 a Microsoft lançou no mercado seu segundo produto, o Microsoft FORTRAN69, outra linguagem de programação, e lançou também versões da linguagem BASIC para os microprocesadores 8080 e 8086. Gates e Allen mudaram a companhia para Bellevue, Washington em 1979, estando agora já bem próximos de Seattle (a cidade natal de ambos). A mudança definitiva para Redmond, cidade próxima de Bellevue e atual sede da empresa, aconteceria em 1986.

Mas o que determinaria o destino da Microsoft foi o contrato com a IBM, em 1980, para escrever um sistema operacional para o IBM PC, microcomputador que seria lançado no ano seguinte para concorrer com a Apple e outras empresas do segmento.

“A decisão de comprar o software do sistema operacional da Microsoft foi guiada por dois fatores. O desenvolvimento do IBM­PC foi um “programa de choque” empreendido por uma unidade de negócios autônoma que tinha uma equipe ou tempo insuficientes para assegurar o desenvolvimento interno de uma família de componentes ou de um único sistema operacional. Igualmente importante, entretanto, foi a preocupação da IBM de que o PC pudesse operar um grande número de aplicações e outros programas desenvolvidos (...)”70

Com o pouco tempo disponível para realizar a tarefa, a Microsoft adotou aquela que seria uma de suas principais práticas nos anos vindouros sempre que quisesse entrar em um mercado que não fosse de sua expertise: comprou a solução de outra empresa.

69 O FORTRAN ou Formula Translator já era empregado em 1955 no IBM 704, tendo sido inventado por John Backus em 1953. 70 MOWERY, David C., ROSENBERG, Nathan. Trajetórias da Inovação : A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. p. 173­174.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 44 A aquisição foi o QDOS (Quick and Dirty Operating System) de Tim Paterson, um programador de Seattle, por US$ 50.000,00; este sistema seria rebatizado para MS­DOS ou Microsoft Disk Operational System.

Na medida que as vendas do MS­DOS disparavam, a Microsoft passou a ampliar seu leque de produtos, desenvolvendo novos ou portando uma série de aplicativos comerciais para serem utilizados nos IBM­PC. Em 1982 lançou softwares como o Multiplan, um programa de planilha de cálculo, e no ano seguinte um processador de textos, denominado MS­Word.

Conforme apresentado anteriormente a Microsoft foi uma das primeiras companhias do setor que se dedicou a desenvolver aplicações para o Macintosh, o já mencionado microcomputador lançado com grande sucesso pela Apple em 1984. Inicialmente a empresa obteve um grande êxito de venda em programas para Macintosh como o Word (1983) que fora escrito originalmente para os IBM/PC e portado em 1984 para os Macintosh, o Multiplan, um software de planilhas para CP/M (um sistema operacional da Digital Research), mais tarde portado para MS­DOS e Macintosh.

No ambiente do MS­DOS o Multiplan foi quase totalmente obliterado pela famosa planilha de cálculos Lotus 1­2­3, da Lotus Development Corporation e mesmo o Word passou a enfrentar forte competição de diversos concorrentes como WordStar e WordPerfect. Porém de posse do sistema operacional que viria a se tornar o sistema operacional de facto dos microcomputadores, em pouco tempo a Microsoft conseguiria eliminar ou absorver a concorrência em quase todas as frentes.

Para ela persistia a necessidade de “evoluir” o MS­DOS até o nível do sistema dos Macintosh, agregando a interface gráfica ao sistema, o que traz Sculley de volta à cena. Além de promover a recuperação nas vendas de computadores Macintosh, o executivo John Sculley da Apple, deixou outra importante herança durante sua temporada à frente da companhia. Foi Sulley quem firmou um acordo, autorizando a Microsoft, de Bill Gates a utilizar a interface gráfica do sistema operacional Macintosh no desenvolvimento do software que viria a ser batizado como Windows 1.0, lançado em 1985.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 45 O Windows conseguira se tornar viável no final da década de 1980, sendo não exatamente um sistema operacional, mas uma interface gráfica para a utilização do MS­ DOS71, passo necessário no rompimento de uma das principais barreiras à adoção mais generalizada dos PCs, que careciam de um ambiente amigável, que não exigisse do usuário comandos escritos, algo, como sabemos, há muito disponível no Macintosh.

Com o Windows era possível ampliar (ou tornar mais acessíveis) as funcionalidades do MS­DOS e incorporar, pela primeira vez às máquinas IBM­PC com este sistema operacional uma interface gráfica, simplificando o trabalho do usuário.

Como o contrato da Microsoft com a IBM permitia­lhe, de forma expressa, vender seu sistema operacional para outras empresas e fabricantes, a Microsoft cresceu praticamente junto com o próprio mercado de computadores pessoais. Em 1984 ela já havia licenciado seu MS­DOS para mais de 200 fabricantes de equipamentos e, assim, seu sistema operacional se converteu no mais utilizado entre todos os PCs; alie­se a isso o fato de que para tornar o MS­DOS mais amigável era necessário adquirir também o Windows 1.0 (1985) e temos o cenário que proporcionou à empresa um crescimento vertiginoso na década de 1980.

O ano de 1987 testemunhou o lançamento do Windows 2.0, que melhorava o rendimento da máquina e oferecia um novo visual, com mais cores. Três anos mais tarde, uma nova versão, o Windows 3.0, que foi seguido pelo Windows 3.1 e 3.11 (1992). Estas versões, que já vinham pré­instaladas na maioria dos equipamentos converteram­se rapidamente nos sistemas operacionais mais utilizados do mundo, assim, em 1990 a Microsoft já era a empresa líder de programas para computadores pessoais. O Windows 3.11 que agregava capacidades de rede ao sistema deu início à derrocada de empresas como Novell e Lantastic que produziam sistemas operacionais focados em redes corporativas de computadores.

Para fazermos curta uma história longa, reproduzimos abaixo um trecho da reportagem "The Gates Operating System", publicada na revista TIME:

71 Para rodar o Windows 1.0 era necessário ter instalado no computador o MS­DOS 2.0 (no disco rígido) e um mínimo de 256 KB de RAM.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 46 "Logo depois que Gates apresentou seu programa Windows 3.0 em 1990, a indústria de softwares estava se entregando. Mais de 60 milhões de cópias do programa Windows haviam sido vendidas, o que estabeleceu o sistema operacional da Microsoft como o software padrão dos PCs e deixou companhias como a Lotus e WordPerfect incomunicáveis (fora do padrão) pois elas vinham criando aplicações para o sistema da IBM, o OS/2. Seis anos após o lançamento do Windows a Microsoft domina os mercados de processadores de textos e planilhas de cálculo."72

Este caminho levou a Microsoft a consolidar seu domínio mundial no campo dos sistemas operacionais para computadores pessoais (PCs) e conseguir assim uma enorme capacidade de fundos e penetração em diversos outros segmentos. A base deste domínio da Microsoft estava então estabelecida: o controle sobre o sistema operacional e o conseqüente controle sobre os softwares de escritório como planilhas e processadores de texto.

A posição da Microsoft quando se consolida como líder do mercado de PCs, coincide com as acusações de práticas desleais e/ou monopolistas praticadas pela empresa. A primeira acontece em 1990, quando a FTC73 inicia uma investigação sobre a Microsoft por supostas práticas contrárias à livre concorrência, mas sendo incapaz de determinar uma sentença (positiva ou negativa) a FTC abandona o caso em 1993, sendo o mesmo continuado pelo Departamento de Justiça norte­americano.

Em 1994 a Microsoft e o Departamento de Justiça firmaram um acordo em que a Microsoft deveria abandonar práticas que foram consideradas abusivas, modificando a forma de vender e conceder licenças de seus sistemas operacionais aos fabricantes de computadores (OEM), e impedindo que fossem feitos contratos que exigissem a exclusividade de instalação do Windows. O acordo também impedia a Microsoft de celebrar contratos de confidencialidade (NDAs) com outros desenvolvedores de software, e impedia que a Microsoft exigisse de seus parceiros a assinatura de qualquer contrato de confidencialidade que os proibisse de desenvolver software para outras plataformas.

72 The Gates Operating System; TIME; JANUARY 13, 1997 VOL. 149 NO. 2; USA. 73 Federal Trade Commission, ou Comissão Federal do Comércio

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 47 Em 1991 a Microsoft e a IBM encerraram uma década de parceria, quando a IBM, apercebendo­se das dimensões do mercado de softwares, e da centralidade dos sistemas operacionais neste mercado, decidiu dar seqüência a um antigo projeto que tinha em comum com a Microsoft, o sistema operacional OS/2 (lançado no mercado em 1987). Defasado o OS/2 Warp, segunda versão do OS/2, este não encontrou espaço e nunca chegou a ser um real concorrente para o Windows nos desktops.

O efetivo domínio da Microsoft nas redes corporativas aconteceria apenas com o lançamento do Windows NT em 1993, seu primeiro sistema multitarefa e multiusuário de 32 bits. O Windows NT foi um lançamento de sistema operacional especialmente desenhado para ambientes corporativos, onde foi introduzida uma Nova Tecnologia74 de controle de arquivos no disco, chamada NTFS que permitiu um SO semelhante aos UNIX, com controle de usuários e permissões de leitura e gravação.

Também em 1993 a Apple perdeu um processo movido contra a Microsoft onde acusava a empresa de violação do direito autoral por haver copiado o desenho da interface gráfica do Macintosh.

Em 1995 a Microsoft lançou o Windows 95, que trazia uma mudança sensível na interface gráfica e não necessitava mais do MS­DOS, sendo agora um sistema totalmente gráfico. Multi­tarefa e com uma boa capacidade multi­mídia, o Windows 95 foi um sucesso, passadas apenas sete semanas de seu lançamento haviam sido vendidas sete milhões de cópias. A Microsoft passou ainda nesta época a operar também meios de comunicação, instituindo empresas e divisões como The Microsoft Network (1995) e MSNBC (1996).

A visão de Bill Gates de que haveria um computador em cada mesa de cada casa e escritório75 foi realmente uma grande antecipação do que estava por vir, porém tanto o executivo como a Microsoft falharam em ver algo realmente grande que vinha na mesma direção: a Internet.

74 New Technology, ou NT 75 http://www.microsoft.com/billgates/speeches/industry&tech/iayf2005.asp

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 48 A Internet, ou melhor a WWW ou World Wide Web nasceu como uma estrutura descentralizada de computadores em rede, capazes de comunicarem­se entre si e manterem a comunicação independente da perda de algum servidor (ou algum nó da rede). A idéia original partira dos militares norte­americanos e depois expandiu­se para o mundo acadêmico, contando com diversos protocolos de comunicação e transferência de arquivos.

A entrada do grande público na rede deu­se com o lançamento de um software chamado Mosaic, pelo National Center for Super Computing (NCSA) entre 1992 e 1993, este software permitia uma navegação simplificada por páginas HTML acessíveis pelo protocolo HTTP, algo que até hoje é identificado pelas pessoas em geral como sendo “A Internet”, quando na verdade esta envolve e contempla diversos outros elementos.

Em 1994 foi fundada a Netscape Communications Corporation que lançou o Netscape Navigator, um browser que rapidamente dominaria a quase totalidade do mercado, atingindo 90% em seu auge.

Já na metade de 1995 a Internet começou a ganhar especial atenção do público e da mídia, sendo colocada por muitos analistas e veículos de comunicação como a derradeira evolução da indústria da informática, trazendo promessas de novos paradigmas em educação, comunicação, lazer e trabalho. Sem dúvida as promessas vinham embaladas no tradicional exagero que acompanha o entusiasmo por novas tecnologias, mas neste caso estavam ao menos parcialmente dentro do que aconteceria nos anos vindouros.

A Microsoft só ingressou efetivamente no mercado dos browsers em 1995 com o lançamento do Windows 95 Plus!, uma pacote que trazia atualizações, novos elementos gráficos e instalava o browser Internet Explorer 1.076 no Windows 95. Apesar do engajamento tardio a empresa fez do controle do mercado dos browsers um ponto estratégico e empenhou muito de seus amplos recursos nesta meta.

A história da ascensão da Netscape e seu browser, o lançamento do Internet Explorer e a posterior queda da Netscape englobam o que é referido pela indústria como a guerra dos browsers (browser wars) e são um dos principais casos lembrados quando se

76 O Internet Explorer utilizava já desde sua primeira versão o código fonte do Mosaic Spyglass, que a Microsoft licenciou da Spyglass, uma empresa de Internet originada dentro da Universidade de Illinois.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 49 quer exemplificar o poder disponível à Microsoft por controlar o mercado de sistemas operacionais como o Windows. A estratégia da Microsoft consistiu em oferecer versões grátis dos produtos para servidores que a Netscape comercializava, o que inicialmente não teve grande efeito pois o mercado central da Netscape eram servidores SUN, rodando UNIX, mas com a popularização do Windows NT a companhia foi sendo asfixiada pela baixa em suas receitas. Além disso, a Microsoft passou a integrar o Internet Explorer em seus produtos, alegando que não era um software, mas sim uma funcionalidade do sistema.

Em 1996 surgiu o Windows CE (Compact Edition), projetado para computadores portáteis e outros aparelhos de pequeno porte e processamento que necessitem de um sistema operacional, e em 1998 surgia o Windows 98 que corrigia inúmeras falhas de seu antecessor e tinha como diferencial uma alardeada integração do SO com a Internet, viabilizada pelo Internet Explorer 4, um software que vinha praticamente “soldado” ao Windows e interagia com diversas funções do SO e com outras camadas de software.

Esta fusão do Internet Explorer ao Windows, que era apresentada como uma evolução do sistema, era também um golpe mortal no browser Netscape, que não tinha a mesma vantagem competitiva de vir pré­instalado no sistema operacional, muito embora a Netscape, sem condições de se manter na briga com a Microsoft, tinha sido comprada pelo provedor de acesso e conteúdo América On­Line neste mesmo ano.

O saldo da guerra dos browsers foi positivo para a Microsoft, que terminou com mais de 90% do mercado (mais do que a Nestcape teve em seu auge), porém a vitória não aconteceu sem danos.

Ainda dentro da proposta de estender sua atuação para os campos da mídia e comunicações, em 1997, por US$ 425 milhões, a Microsoft adquiriu a WebTV Networks, um fabricante de aparelhos de baixo custo para conectar televisores à Internet, e no mesmo ano a empresa investiu US$ 1 bilhão na Comcast Corporation, um operador norte­ americano de televisão a cabo, como parte de sua declarada política de estender a disponibilidade de conexões de banda larga à Internet.

No final de 1997 o Departamento de Justiça acusou a Microsoft de violar o acordo de 1994, obrigando os fabricantes de computadores que instalavam o Windows 95 a

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 50 incluírem o Internet Explorer como seu browser de Internet. O Governo alegou que a companhia estava se aproveitando de sua posição no mercado de sistemas operacionais para conseguir o monopólio dos browsers. Em sua defesa a Microsoft justificava que deveria ter o direito de melhorar as funcionalidades do Windows, integrando o browser ao sistema operacional, acrescentando a este funções e capacidade relativas ao acesso à Internet.

Também em fins de 1997 a Sun Microsystems processou a Microsoft, alegando que esta havia descumprido o contrato pelo qual se permitia que a Microsoft utilizasse a linguagem JAVA, um tipo de linguagem de programação desenvolvida pela SUN, com forte característica de universalidade, que em tese permite que programas escritos nesta linguagem sejam executadas em qualquer plataforma e/ou sistema operacional. A SUN acusava a Microsoft de introduzir na linguagem melhoras específicas e exclusivas para o Windows, o que na prática equivalia a minar a principal característica do JAVA, sua capacidade multi­plataforma.

Em novembro de 1998 um tribunal atendeu às demandas da SUN e sentenciou a Microsoft a revisar seu software para atender os padrões e especificações de compatibilidade com JAVA.

No início de 1998 a Microsoft chegou a um acordo com o Departamento de Justiça no caso relativo ao processo de 1997 (onde foi acusada de violar o acordo de 1994). Este novo acordo permitia aos fabricantes de PC oferecerem uma versão do Windows 95 sem acesso ao Internet Explorer.

Mesmo assim, em maio de 1998 o Departamento de Justiça e vinte estados dos Estados Unidos apresentaram queixas contra a Microsoft por supostas práticas monopolistas e por abusar de sua posição dominante no mercado para destruir os concorrentes. Estas ações obrigaram a Microsoft a vender uma versão do Windows sem o Internet Explorer ou a incluir o Navigator, então o browser da Netscape Communications Corporation, e seu principal competidor. Estas ações a obrigaram ainda a modificar alguns contratos e a sua política de preços.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 51 O julgamento da Microsoft por violação das leis anti­monopólio começou em outubro de 1998, nele testemunharam executivos da Netscape, SUN e diversas outras empresas de software e hardware, sobre seus contratos empresariais com a Microsoft.

Em novembro de 1999, o juiz norte­americano Thomas Penfield Jackson do tribunal federal, declarou que a Microsoft detinha o monopólio do mercado de sistemas operacionais, em abril de 2000 esse juiz declarou sua sentença contra a companhia por haver violado as leis anti­monopólio ao empregar táticas que minavam a competitividade.

Neste ano a Microsoft pagou US$ 5 bilhões à companhia de telecomunicações AT&T Corporation para que esta utilizasse seu sistema operacional Windows CE (CE para Compact Edition, ou Edição Compacta, em português) em dispositivos projetados para oferecer aos consumidores serviços integrados de televisão a cabo, telefone e acesso rápido à Internet77. Além disso, neste mesmo ano a companhia lançou o Windows 200078, uma nova versão de seu sistema operacional Windows NT. O ano 2000 iniciou com Bill Gates transferindo seu cargo de presidente executivo (CEO) a Steve Ballmer, alegadamente para que pudesse concentrar­se no desenvolvimento de novas tecnologias, agora com o cargo de Chief Software Engineer.

Em junho de 2000, o mesmo juiz Jackson decidiu que a Microsoft Corporation deveria ser dividida em duas empresas por haver violado a lei anti­monopólio norte americana79 (conhecida como Sherman Antitrust Act). Esta decisão que poderia ter trazido profundas conseqüências para a indústria de tecnologia e para a regulação das empresas no Estados Unidos não foi levada a cabo.

Diretores da Microsoft qualificaram a decisão de pouco razoável e afirmaram que ela poderia ser anulada com uma apelação para os responsáveis pelo caso no Departamento de Justiça. Esta vitória repercutiria em benefício tanto dos consumidores como da própria indústria.

A sentença que ordenou a divisão da empresa foi, possivelmente, a mais rigorosa desde 1982, quando a justiça norte­americana eliminou o monopólio da AT&T no ramo das

77 http://www.cfoasia.com/archives/9910­38.htm 78 Lançado em 1999. 79 http://money.cnn.com/2000/06/07/technology/microsoft_ruling/

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 52 telecomunicações, desmembrando a empresa. O Juiz Jackson baseou sua decisão nas recomendações do Departamento de Justiça, e a ordem do juiz estipulou que uma das companhias deveria ocupar­se dos sistemas operacionais, enquanto a outra dos softwares de aplicações e de serviços, como o MS Office, MS Exchange, a enciclopédia eletrônica Encarta e os serviços de Internet oferecidos via MSN. Ainda segundo a decisão, os altos executivos da empresa, entre eles Bill Gates e Steve Ballmer, deveriam escolher para qual das duas novas empresas iriam trabalhar.

A sentença também impôs significativas restrições às praticas de negócio da Microsoft, o que para alguns analistas eram potencialmente mais prejudiciais do que a própria divisão de empresa. Entre as decisões do tribunal constavam determinações como: o estabelecimento de controles estritos sobre o modo de venda e comercialização do sistema Windows.

A Microsoft deveria proporcionar a outros desenvolvedores de software acesso ao código fonte do Windows, e aos fabricantes de computadores a possibilidade de adaptar o Windows às suas necessidades e especificações. Windows e Internet Explorer deviam desvincular­se e ser vendidos como produtos separados.

Na época o juiz afirmou que se vira forçado a tomar esta decisão porque “relutantemente cheguei a conclusão que uma punição estrutural se tornou imperativa: a Microsoft da maneira que está atualmente organizada e conduzida é incapaz de aceitar a noção de que infringiu a lei ou cumprir uma decisão corrigindo sua conduta.”80.

Os representantes da Microsoft reagiram violentamente à decisão de Jackson de não conceder­lhes o tempo que solicitaram para preparar e apresentar argumentos contra a decisão. Especialistas em jurisprudência questionaram o abrupto final dado ao caso com esta decisão do juiz Jackson, e os advogados da Microsoft expressaram sua confiança na atuação do Tribunal de Apelações do Distrito de Colúmbia e recordaram que este tribunal já havia contestado uma decisão de Jackson em 1998 e determinou que a companhia tinha direito de fundir o Internet Explorer com o Windows se isso resultasse em benefício para o consumidor.

80 http://money.cnn.com/2000/06/07/technology/microsoft_ruling/

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 53 Jackson ordenou deixar em suspenso o plano de divisão até que fosse cumprida a fase de apelações. Em 20 de junho, inesperadamente, o juiz alterou sua opinião e obrigou a empresa a mudar suas práticas comerciais até que um tribunal superior decidisse sobre o caso. Ao mesmo tempo, posicionou­se favoravelmente ao Departamento de Justiça e decidiu enviar o caso para o Supremo Tribunal. Este, por sua vez, poderia dar andamento ao caso ou devolvê­lo ao Tribunal de Apelações.

Aqui cabe um parênteses para retomarmos restrospectivamente a evolução desta idéia de interface gráfica: ela foi adotada pelo Windows 1.0 (Microsoft) em 1985, com idéias baseadas na interface gráfica do LISA (Apple) de 1983, que fora inspirado/copiado da interface do Star 8010 (Xerox) de 1981, este derivando diretamente do Alto (Xerox) de 1972. Todas estas interfaces gráficas são, claro, dependentes da utilização e dos conceitos propostos pelo mouse de Douglas Englebart e sua equipe, desenvolvido entre 1962 e 1968 na Universidade de Stanford. Novamente a questão da propriedade das idéias se coloca com ênfase. A quem pertence a idéia da interface gráfica?

Assim, o Windows como o conhecemos tem parte de sua origem no Q­DOS de Tim Paterson, no Xerox Star e na interface dos Macintosh., já o outro sistema operacional objeto de nossa análise, o Linux, deriva sua origem de um sistema operacional mais antigo, e durante um bom tempo mais sofisticado81, o UNIX.

Criado nos Bell Laboratories82 o UNIX teve sua primeira versão compilada em 196983, e no que diz respeito a sua arquitetura e premissas o Linux é considerado um “clone84” do UNIX utilizando inclusive a mesma nomenclatura em seus comandos operacionais principais .

Enquanto o sistema operacional MS­DOS e sua evolução, o Windows, avançavam no domínio do mercado mundial de desktops, o UNIX e seus diversos clones tornavam­se a opção do mercado de servidores, tinham boa penetração entre pesquisadores,

81 Como exemplo dessa sofisticação pode­se indicar a existência de diferentes usuários com perfis próprios e a faculdade de atribuir permissões de acesso aos arquivos 82 http://www.bell­labs.com/history/unix/ 83 http://cm.bell­labs.com/cm/cs/who/dmr/hist.html 84 A popularidade do sistema UNIX, que em geral é atribuída às suas capacidades e arquitetura, fez com que surgissem diversos “clones”, ou seja, outros sistemas operacionais que emulam seus conceitos. Alguns destes clones são: HPUX (da Hewlett­Packard), Solaris da SUN Microsystems, MINIX e Linux.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 54 departamentos de ciência da computação e no meio acadêmico universitário em geral, possivelmente por suas características de arquitetura e administração, então sem similaridade nos produtos da Microsoft.

3.3. O nascimento do Linux

Em 25 de agosto de 1991, uma mensagem postada por um então aluno da Universidade de Helsinki, em um BBS, inesperadamente tornava­se um documento histórico, anunciando pela primeira vez, o nascimento de um modesto sistema operacional batizado de Linux, outro clone do UNIX como o seu próprio nome denunciava:

“From: [email protected] (Linus Benedict Torvalds) Newsgroups: comp.os.minix Subject: What would you like to see most in minix? Summary: small poll for my new operating system Keywords: 386, preferences Message­ID: [email protected] Date: 25 Aug 91 20:57:08 GMT Organization: University of Helsinki Lines: 20

Olá a todos aí fora usando minix ­ Eu estou fazendo um sistema operacional (grátis) (é só um passatempo, não vai ser grande e profissional como o ) para clones 386(486)AT. Ele tem fermentado desde abril, e está começando a ficar pronto. Eu gostaria de comentários sobre coisas que as pessoas gostam/desgostam no minix, uma vez que meu SO lembra­o de alguma forma (mesma organização física do sistema de arquivos (devido a razões práticas) entre outras coisas). Eu já portei o bash (1.08) e o gc(1.40), e as coisas parecem funcionar. Isso sugere que eu vou conseguir algo prático em alguns poucos meses, e eu gostaria de saber quais as funções que a maioria das pessoas quer. Qualquer sugestão é bem­vinda, mas eu não vou prometer que vou implementá­las :­)

Linus ([email protected]) PS. Sim ­ ele está livre de qualquer código do minix, e tem um fs (file system ­ sistema de arquivos) de múltiplas transações. Ele NÃO é portável (utiliza chaveamento de tarefas do 386 etc), e ele provavelmente nunca irá suportar qualquer coisa além de discos rígidos AT, uma vez que são tudo o que tenho :­(.85”

85 Texto Original: “Hello everybody out there using minix ­ I'm doing a (free) operating system (just a hobby, won't be big and professional like gnu) for 386(486) AT clones. This has been brewing since april, and is starting to get ready. I'd like any feedback on things people like/dislike in minix, as my OS resembles it somewhat (same physical layout of the file­system (due to practical reasons) among other things).

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 55 Com esta mensagem, em 1991 Linus Torvalds deu início ao processo de construção coletiva do sistema operacional Linux, um sistema operacional “tipo X”86. O embate entre Windows e Linux traz, além do mérito técnico de cada sistema operacional, uma avaliação e ponderação sobre as soluções tecnológicas e as metodologias adotadas em cada sistema, que acabam evidenciando questões ideológicas em seara que seria inicialmente apenas técnica.

3.4. O GNU/Linux e a antiga novidade do Software Livre

Richard Stallman criou a Free Software Foundation em 1984 iniciando o projeto GNU87, segundo Stallman sua motivação foi constatar o virtual desaparecimento da cultura de compartilhamento de softwares dentro do laboratório de Inteligência Artificial do MIT, de onde seus pares estava saindo para entrar ou para fundar companhias de software proprietário. Stallman é o autor da idéia por trás do "free software" (no Brasil batizado de Software Livre) segundo a qual aos programadores deveria ser garantido o direito de acesso ao código fonte dos softwares permitindo que alterações fossem feitas para adaptar o software a cada necessidade. Foi Stallman quem criou a famosa licença GNU/GPL (sob a qual o Linux é licenciado), a GNU General Public License (GNU/GPL) garante ao usuário de um software o direito de ter acesso ao código fonte e produzir as alterações que julgar conveniente, mas obriga a distribuição futura deste software a ser feita nos mesmos termos. I've currently ported bash(1.08) and gcc(1.40), and things seem to work. This implies that I'll get something practical within a few months, and I'd like to know what features most people would want. Any suggestions are welcome, but I won't promise I'll implement them :­)

Linus ([email protected]) PS. Yes ­ it's free of any minix code, and it has a multi­threaded fs. It is NOT protable (uses 386 task switching etc), and it probably never will support anything other than AT­ harddisks, as that's all I have :­(.” 86 Diz se sistema “tipo X” quando um sistema operacional é derivado do UNIX. 87 GNU é um acrônimo recursivo para "GNU's Not Unix", um tipo de piadinha recorrente entre os hackers e geeks. A página oficial do projeto GNU na internet (http://www.gnu.org/gnu/gnu­history.html) oferece a seguinte explicação sobre a sigla: "O nome 'GNU' foi escolhido porque atende alguns requisitos; primeiro, era um acrônimo recursivo para 'GNU não é Unix' (GNU's Not Unix), segundo, porque era uma palavra verdadeira, e terceiro, era divertida de dizer (ou cantar)."

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 56 Esta idéia ganhou força inicialmente na comunidade acadêmica e já em 1989 a Universidade da California em Berkeley lançaria alguns softwares livres (protocolos e ferramentas para rede) sob outra licença a Berkeley Software Distribution ou BSD como é conhecida, e em 1991 sob a mesma licença quase todo o código fonte de seu clone do Unix, o BSD Unix. Assim dois aspectos fundamentais separam os dois sistemas operacionais que analisamos, o primeiro sua maneira de licenciamento, enquanto o Windows vende licenças de utilização para seu software compilado, o Linux é licenciado sob a égide do Software Livre que permite a livre distribuição e utilização do software. Isso não significa apenas uma diferença de custos, mas na verdade uma diferença de conceitos, em tese um usuário do Linux pode ter acesso ao seu código fonte e fazer alterações diretamente no coração do sistema, algo não permitido no Windows. Esta primeira dicotomia, leva à segunda que é também relevante para este trabalho, a forma de desenvolvimento das duas tecnologias. Além de estarem historicamente enraizados em conceitos diferenciados os dois sistemas operacionais são desenvolvidos dentro de duas lógicas completamente diferentes, o Windows tem uma equipe (ou equipes) de desenvolvimento, que trabalham o código (ou parte do código) sem contato com o mundo exterior e atendendo apenas as demandas internas de cada departamento ou líder de projeto, construindo funcionalidades e otimizações que além de se originarem em necessidades técnicas também são geradas por departamentos de marketing e mesmo por psicólogos. Já o Linux, insere­se em um anárquico processo de criação coletiva, sofrendo interferências de programadores de diferentes países, companhias e formações. Parte de nosso trabalho consiste em identificar até que ponto estas diferentes formas de desenvolvimento e de licenciamento interferem nos rumos tomados pela tecnologia de cada sistema operacional.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 57 3.5. Visões de Mundo.

A História é poder, ou melhor, a história pertence ao poder. Expressões como "história dos vencidos" ou "história oficial" evidenciam a curiosa noção de que exista mais de uma história a ser contada. Nosso objetivo é retratar e compreender os diferentes discursos envolvidos na acirrada contenda dos sistemas operacionais para computadores. A pretensão é produzir um resgate histórico e a analítico dos discursos de dois universos coexistentes porém antagônicos, representados pela lógica empresarial capitalista já solidamente consolidada do software proprietário, e a alternativa de cores comunais do movimento do Software Livre. Focando a reflexão no caso dos sistemas operacionais (Windows e Linux), a pretensão não é fazer o resgate do processo histórico que constituiu cada um dos lados, tarefa impossível aqui dada a limitação de espaço, propomos­nos sim a fazer o resgate histórico da maneira como cada lado tem enxergado e classificado a si mesmo e ao seu nêmesis ao longo de suas histórias. Esse debate no primeiro plano evidencia a disputa capitalista pelo domínio ­ e eventual monopólio ­ de um mercado mundial de bilhões de dólares, que porém, se considerado para além dos lucros é estratégico para empresas e mesmo para os Estados Nacionais, pois constitui­se em ponto nevrálgico de uma das mais importantes tecnologias em uso na sociedade atual, afetando não apenas a economia mas também a difusão do conhecimento e até a organização social. Portanto, quais são e têm sido, as motivações declaradas e ocultas nos diferentes discursos das partes, em especial naqueles que emanam de “fatos” aparentemente incontestáveis, estatísticos, técnicos, econômicos, que criam e/ou aplicam rótulos, e pretendem­se por isso aptos a definir o caminho futuro da disputa pela hegemonia da tecnologia. A luta pelo poder, presente nos discursos destes dois grupos, organizada na cronologia do tempo histórico auxilia na compreensão dos caminhos do desenvolvimento tecnológico,

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 58 que passam não só pela busca da superação técnica do antagonista, mas também pela conquista dos corações e mentes dos usuários, das empresas e dos governos. Novamente não é uma análise de mérito quanto à qualidade de cada tecnologia que se busca aqui, algo fora dos propósitos do texto, mas sim evidenciar que ainda que se pretenda o contrário, para o desenvolvimento tecnológico, o futuro não está dado e não é certo, e que críticas ao atual raciocínio economicista dominante podem surgir mesmo no interior dos mecanismos que originalmente o haviam engendrado, sendo capazes de derivar em formas de resistência. No fim as escolhas tecnológicas parecem estar marcadas de maneira indelével por diferentes visões de mundo. Aqui buscamos retratar o quanto da disputa pela técnica e pela tecnologia é determinada por aspectos comerciais, ideológicos e passionais, pretendendo produzir um resgate histórico e analítico dos discursos de dois universos co­existentes e antagônicos da micro­informática: a lógica empresarial já solidamente consolidada do software proprietário e a recente alternativa a esta lógica proposta pelo movimento do Software Livre. Uma vez que o Software Livre é alternativa de desenvolvimento tecnológico de natureza difusa é impossível que seja identificado com uma única entidade ou grupo (já que diferentes empresas, governos, ONGs e comunidades o representam e/ou advogam em seu favor), aqui trabalharemos com duas vertentes, a forma de licenciamento GNU/GPL e o sistema operacional Linux que dela faz uso. Na defesa das posições do software proprietário e em oposição ao ideário do Software Livre, posicionamos a Microsoft Corporation – sem dúvida um dos maiores expoentes deste outro modelo de desenvolvimento tecnológico. Antes de avançarmos cabe breve conceituação sobre Software Livre e software proprietário: o software proprietário é o software desenvolvido e comercializado por uma determinada empresa da mesma maneira que um produto tradicional. Porém a empresa tem sobre este produto (que é um produto essencialmente intelectual) direitos de propriedade ainda mais abrangentes do que em outros segmentos, podendo legalmente impedir o consumidor final de utilizar, copiar, distribuir, revender e alterar o software da maneira que bem entender, algo por exemplo impensável com um automóvel. O usuário fica portanto restrito aos termos de licenciamento do fabricante do software.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 59 O software proprietário é o modelo mais conhecido de licenciamento de software, mas é um modelo que vem sendo constantemente desafiado pelo Software Livre, que pode ser definido da seguinte maneira:

“É um programa de computador de código­fonte aberto, possibilitando que qualquer técnico possa estudá­lo, alterá­lo, adequá­lo às suas próprias necessidades e redistribuí­lo, sem restrições. Geralmente os softwares livres também são gratuitos.”88

É certo que no início da indústria da informática ninguém se ocupava muito dos softwares, eles já eram parte integrante do pacote para empresas e instituições com capacidade orçamentária suficiente para adquirir um computador, além disso, os primeiros técnicos e pesquisadores estavam imbuídos do espírito de cooperação acadêmica e compartilhamento. Como visto atrás, com a popularização do computador, especialmente dos micro­ computadores domésticos (os PCs89) empresas especializadas na produção de softwares surgiram e ganharam força, entre elas estava a Microsoft que embarcou em um vantajoso contrato com a já poderosa IBM que proporcionou a popularização de seu sistema DOS. Sobre o DOS a Microsoft construiu o Windows, seu primeiro sistema gráfico, gerenciado por janelas e uma interface que tornava o contato com o computador mais humanizado, permitindo uma ampliação da base usuária (nos moldes de pesquisas e desenvolvimentos que já haviam sido feito por outras empresas como a Apple e a Xerox). O surgimento dessas empresas fez cair em desuso o software “sem dono” a que haviam se acostumado os acadêmicos e os entusiastas dos primeiros tempos do micro­ computador, algo que não passaria sem uma resposta e uma tentativa de resgate com o Software Livre. Se as guerras, para além dos campos de batalha, são também ganhas nos corações e mentes das pessoas, o combate entre o software proprietário e o Software Livre segue acirrado já faz alguns anos.

88 CASSIANO, João. Cidadania Digital: Os Telecentros do Município de São Paulo. In: SILVEIRA, Sérgio Amadeu da., CASSIANO, João (Org.) Software Livre e Inclusão Digital. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003. 89PC = Personal Computers, ou Computador Pessoal.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 60 3.6. O Linux e o movimento do Software Livre pelos olhos da Microsoft, o Windows e a Microsoft pelos olhos do movimento do Software Livre.

"Com as palavras todo cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas." José Saramago ­ As Intermitências da Morte ­ pg. 69

Roszack90 rememora que o espírito dos jovens técnicos que iniciaram a revolução da micro­eletrônica nos EUA era o espírito do movimento “hippie”, a idéia de “compartilhar” o fruto do trabalho estava na base do que viria a ser conhecido como a cyber­cultura, os computadores pessoais eram per si socialmente revolucionários quando começaram a surgir, ou pelo menos assim pensava uma grande parcela dos pioneiros. Mas tão logo sua importância econômica tornou­se evidente, ganhou força o movimento de refluxo neste conceito de compartilhar, logo considerado amador e inadequado ao mundo empresarial. Já em 1976 Bill Gates alertava para o problema da pirataria, em sua uma “Carta aberta aos Hobistas91” onde acusava os entusiastas amadores (hobbyists) de roubarem seu software e desta forma prejudicarem as possibilidades de evolução, já que sem os dividendos ele não poderia contratar programadores para aperfeiçoar os softwares. Esta carta é nosso ponto de partida para a análise dos diferentes discursos envolvidos na acirrada contenda dos sistemas operacionais que eclodiria com força total um quarto de século adiante.

90 ROSZAK, Theodore. The Cult of Information : A Neo­Luddite Treatise on High Tech, Artificial Intelligence, and the true Art of Thinking. New York : Pantheon Books, 1986. 91 “Bill Gates is one of the first programmers to raise the issue of software piracy. In "An Open Letter to Hobbyists," first published in MITS Computer Notes, Gates accuses hobbyists of stealing software and thus preventing "...good software from being written." He prophetically concludes with the line, "...Nothing would please me more than being able to hire ten programmers and deluge the hobby market with good software."” Disponível em: Key Events in Microsoft History ­ key_events_in_microsoft_history.doc (83 KB) em: http://www.microsoft.com/downloads/info.aspx?na=46&p=4&SrcDisplayLang=en&SrcCategoryId=&SrcFam ilyId=b604bb05­7c33­4643­96b4­ 38e06383bda5&u=http%3a%2f%2fdownload.microsoft.com%2fdownload%2f6%2f3%2fa%2f63a018ae­711f­ 4edb­8b79­ca109e5eed07%2fkey_events_in_microsoft_history.doc

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 61 Até 1999 o movimento do Software Livre foi solenemente ignorado pela Microsoft, tratado como algo interessante para estudantes, mas inescapavelmente amador. Porém, neste ano “vazou” o notório "Halloween Memo92" que trazia a primeira “imagem semi­pública de reconhecimento do Software Livre como ameaça competitiva”93. Neste documento interno da Microsoft eram apontados alguns aspectos considerados nevrálgicos sobre o Software Livre, entre os quais o fato de representar uma ameaça direta à Microsoft, especialmente no mercado de servidores; trazer um problema prático da percepção de custo zero do Software Livre contra o modelo de licenças da Microsoft; a constatação de que qualidade comercial poderia sim ser atingida e até excedida pelo Software Livre. O documento trazia ainda a concepção que uma política de FUD94 não poderia ser sustentada no longo prazo e que o ideal seria combater o conceito de Software Livre e não uma companhia específica. Além disto o mais interessante eram algumas constatações como a enormidade da comunidade envolvida, com milhares de pessoas envolvidas em um desenvolvimento simultâneo de velocidade sem precedentes, valendo­se de seu tempo livre e trabalhando sem um objetivo financeiro imediato. Apesar da idéia de que a política de FUD não teria como ser mantida no longo prazo, sem dúvida, ela não foi evitada pela Microsoft e em 2000, durante o Microsoft's Annual Financial Analysts Meeting, Steve Ballmer, agora presidente executivo da Microsft, declararia:

92 Vide: http://www.catb.org/~esr/halloween/ 93 DIBONA, Chris; STONE, Mark; COOPER, Danese (Eds.). Open Source 2.0. O'Reilly Media. ISBN 0596008023. 94 FUD é a sigla de Fear, Uncertanty, Doubt (ou em português Medo, Incerteza, Dúvida). Trata­se de uma técnica de marketing, pouco ética porém largamente difundida baseada na propagação de desinformação. Na prática consiste em espalhar boatos que desacreditem um produto ou um concorrente, em geral no que tange à qualidade, preço e sua capacidade de se manter no mercado. Um FUD pode incluir ainda confusão proposital de conceitos, ameaças jurídicas fictícias e relatos inverídicos corroborando as testes sustentadas. Na atualidade é comum associar a prática de FUD com a Microsoft dadas suas práticas em relação aos concorrentes, mas em geral a primeira larga utilização de FUD no mercado de informática é atribuída a IBM nos anos de 1970, quando preparava­se para entrar no mercado dos computadores pessoais e desencadeou diversas campanhas contra os concorrentes por meio de seus canais de vendas. Mais informações sobre a história do FUD podem ser encontradas neste endereço: . Acesso em: 27 abr. 2006 ou em . Acesso em: 01 jul. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 62 "Não há uma empresa chamada Linux, mal há um roadmap95 do Linux. Ainda assim o Linux brota organicamente da terra. E ele tem, você sabe, as características do comunismo que as pessoas amam tanto, tanto nele. Que são, ele é grátis.”96

Qualquer que fosse o tom de vermelho com que o pinguim97 do Linux estivesse sendo pintado ele seria logo coberto de um azul98 bem capitalista pela IBM, que anunciou em dezembro planos de investir 1 bilhão de dólares em Linux ao longo do ano seguinte99, de longe o maior investimento feito até então em um Software Livre e sem dúvida um fator de atenção adicional em Redmond100. Logo em seguida, em fevereiro de 2001101 Jim Allchin, executivo responsável pelo Windows dentro da Microsoft, alertava sobre os danos que seriam causados por softwares livremente diustribuídos como o Linux e sobre a necessidade de tornar isto claro aos legisladores, para que eles entendessem a ameaça. Em junho do mesmo ano, em uma entrevista ao jornal Chicago Sun­Times102, novamente Ballmer, deixou claro como via o movimento do Software Livre, elaborando com mais objetividade o ponto de vista esboçado por Allchin: "

95 Roadmap, ou mapa da estrada é o termo utilizado para descrever as funcionalidades previstas para cada nova versão de um software a ser lançada. 96 MS' Ballmer: Linux is communism. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2005 97 O mascote e símbolo do Linux é um pinguim, animal admirado por Linux Torvalds. O pinguim do Linux foi batizado de Tux, derivado de “tuxedo” (fraque), dada a brincadeira de dizer que os pinguins estão vestidos com esta roupa. 98 O azul é a cor da IBM, às vezes também referida como “Big Blue”. 99 WILCOX, Joe. IBM to spend $1 billion on Linux in 2001 : CNET News.com. Dez. 2000. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2006. 100 Redmond é o local da sede da Microsoft nos EUA. No jargão da indústria é comum que se refira a Redmond para falar da Microsoft. 101 Microsoft Executive Says Linux Threatens Innovation. Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2004; . Acesso em: 12 set. 2005; . Acesso em: 12 set. 2005 102 NEWBART, Dave. Microsoft CEO take launch break with the Sun­Times : Chicago Sun­Times, 2001. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2001; Disponível em:

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 63 Linux é um câncer que se fixa no sentido de propriedade intelectual em tudo o que toca (...) Pela maneira como a licença é escrita, se você quiser utilizar um software open­ source, você têm que fazer o resto do seu software Open Source". Assim não restaram dúvidas sobre o que afinal deveria ser explicado aos legisladores de acordo com a ameaça vislumbrada de dentro da Microsoft. Menos de vinte dias depois, uma entrevista de Bill Gates reforçava estas idéias e eliminava qualquer dúvida sobre se a Microsoft tinha ou não uma política de FUD em andamento, em um primeiro momento o objetivo parece efetivamente ser o de criar confusão sobre os termos pertinentes ao Software Livre e caracterizá­los com cores comunistas ou pelo menos anti­capitalistas.

“Há uma parte do Open Source chamada GPL que interrompe aquele ciclo­­que é, ele torna impossível para uma companhia comercial utilizar qualquer parte daquele trabalho ou construir sobre qualquer parte daquele trabalho. Então o que você viu com o TCP/IP ou (tecnologia de e­mail) Sendmail ou o browser nunca poderia ter acontecido. Nós acreditamos que deve existir software grátis e software comercial; que deve existir um rico ecossistema que trabalhe em torno disto. Existem pessoas que acreditam que o software comercial não deve existir sob nenhuma forma­­que não devem existir empregos ou impostos em torno do software comercial. E este é um grupo pequeno, mas a GPL foi criada com este objetivo em mente.

E assim, as pessoas devem entender a GPL. Quando as pessoas dizem Open Source elas em geral querem dizer GPL. Quando alguém faz uma pergunta, “E que tal Open Source?” eles querem dizer Open Source ou eles querem dizer a GPL?

Nós acreditamos naquele ecossistema e em ter um mix de software comercial e grátis.”103

103 RICCIUTI, Mike . Gates' grand design : CNET News.com, Jun. 2001. Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2005.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 64 Em 2002 a Microsoft já admitia o Linux como um competidor que viera para ficar, e novamente declarava na voz de Ballmer:

"Nós temos que competir com software grátis, em valor, mas de uma maneira esperta. Nós não podemos precificar a zero, então nós precisamos justificar nossa postura e precificação. O Linux não vai desaparecer­­nosso trabalho é fornecer um produto melhor no mercado."104

Assim parece claro que desde os primeiros momentos de consolidação do Software Livre a Microsoft esteve consciente da ameaça que estava colocada ao seu modelo de negócios. Pela primeira vez as estratégias empresariais a que se acostumara não valeriam, não havia uma companhia específica para combater ou comprar, nem tão pouco era possível oferecer ao mercado um produto competitivo com um preço mais atraente, como constatava o próprio Ballmer com certa perplexidade em dezembro de 2003 ao falar do Linux:

“É um concorrente esquisito. Não há uma empresa por trás dele. Você não sabe exatamente quem o faz. Ele é grátis. Eu prefiro dizer: “Olhe, o que temos aqui é uma pequena desvantagem no preço.” É a primeira vez que temos uma desvantagem no preço.”105

Ainda em 2002 fora fundado o consórcio UnitedLinux, que tinha o objetivo de consolidar e padronizar diversas distribuições Linux, que eram populares em pontos geográficos distintos, dando origem a uma única e nova distribuição. A idéia era tanto fundir as qualidades específicas de cada distribuição quanto produzir um sistema que fosse global, unificado e capaz de fazer frente ao Windows. O consórcio era composto pela norte­americana Caldera (mais tarde renomeada de Santa Cruz Operation, ou SCO), pela brasileira Conectiva (mais tarde adquirida por uma distribuição francesa chamada Mandrake, de cuja fusão resultou a Mandriva), pela SUSE

104 JUDGE, Peter. Ballmer: We'll outsmart Open Source : ZDNet News. Set. 2002. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2006. 105 Steve Ballmer On Microsoft's Future : BusinessWeekOnline, Jan. 2003. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2006.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 65 LINUX (distribuição alemã considerada a mais popular da Europa) e pela Turbolinux (distribuição asiática). O consórcio lançou uma única versão e nunca chegou a dar efetivamente certo, fato que atribuímos em especial a uma mudança de postura de um dos participantes e ao fato de não ter contado com a adesão da , então a distribuição mais importante, e do Debian, uma das mais populares entre os antigos usuários do Linux. Porém independente do insucesso deste consórcio, em 2003 o combate dos sistemas operacionais já se dava em campo aberto, e se Ballmer afirmava que não havia uma empresa por trás do Linux, também poderia ter afirmado que havia várias. Cada vez mais empresas passaram a basear seus negócios em Linux para competir com a Microsoft; além da IBM e seu mega investimento outras companhias de vulto aderiam ou erguiam­se diretamente do Software Livre. Empresas como a novata Red Hat, fundada em 1993 com o objetivo de distribuir e dar suporte ao Linux, mantenedora de uma das distribuições mais populares na América do Norte e que viu seu negócio crescer no mesmo rítimo do Software Livre. Ou a Novell, talvez o mais ilustrativo exemplo das novas possibilidades colocadas pelo Software Livre. A histórica Novell, uma empresa de softwares fundada em 1979, que competiu no mercado de sistemas operacionais e chegou a dominar o filão das redes corporativas nos anos 80 com o seu lendário “NetWare”, constitui um sólido exemplo de empresa quase colocada fora do mercado com a ascenção dos produtos de rede e dos sistemas operacionais da Microsoft. Iniciando um reposicionamento estratégico em janeiro de 2004 a Novell mudou radicalmente sua inserção no mercado de softwares, adquiriu a SUSE, principal distribuição Linux da Europa, alterou sua estratégia de ação e fez investimentos pesados em Linux, e desde então vem tentando – com relativo sucesso – se equilibrar na fina linha entre Software Livre e Software Proprietário. Assim, mesmo com o confortável virtual monopólio dos sistemas operacionais dos microcomputadores desktop, a Microsoft passou a enfrentar dificuldades em setores específicos com a ascensão do Linux, setores como servidores de Internet e super­ computadores apenas para nomear dois nichos.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 66 Um movimento inesperado, que pegou o mercado de tecnologia de surpresa, aconteceu em março de 2003 quando uma empresa membro da iniciativa United Linux, a Caldera, agora adotando o nome de SCO (Santa Cruz Operation), para espanto geral processou a IBM em mais de 1 bilhão de dólares, alegando que os investimentos desta empresa no Linux violavam e tornavam públicos códigos UNIX, de propriedade da SCO, que agora estariam inseridos no Linux. A SCO afirmava ser, em um complicado emaranhado de transferências, compras e fusões a atual proprietária das patentes do UNIX, e que estas estariam sendo violadas pela IBM e por qualquer empresa, indivíduo ou Governo que utilizasse o Linux. A resposta da IBM foi contra­processar a SCO, seguida logo depois pela Red Hat em um processo onde afirma que as alegações da SCO prejudicam seu negócio106; ainda para continuarmos falando dos advogados e de táticas de FUD a SCO passou a enviar cartas para grandes corporações usuárias de Linux, alertando­as sobre a possibilidade de virem a ser processadas por violação de sua propriedade, e em Novembro a SCO finalmente passou da ameaça à ação processando as empresas AutoZone e DaimlerChrysler107. Red Hat, Novell, e HP prontamente passaram a oferecer proteção legal a seus clientes e o OSDL (Open Source Development Labs) criou um fundo para defesa contra processos. Não é razoável sugerir que a Microsoft estivesse envolvida nas demandas da SCO (como muito da imprensa especializada aventou na época)108, mas o movimento foi providencial e com um bom senso de oportunidade a Microsoft rapidamente licenciou o código fonte e patentes do UNIX da SCO com o objetivo declarado de deixar claro que a "Microsoft respects legitimate licenses, and Microsoft took that license (from SCO)."

106 Detalhes sobre o andamento do processo, seus desdobramentos e outras questões de Propriedade Intelectual podem ser acompanhadas no site . Mas cabe apontar que até o momento (julho de 2006) a SCO falhou em todas as oportunidades de demonstrar onde e quais de suas patentes teriam sido infringidas, encaminhando o processo para um vitória quase certa da IBM, de forma que em geral a imprensa especializada da indústria já raramente menciona os desdobramentos do processo. 107 SHANKLAND, Stephen. SCO suits target two big Linux users : CNET News.com. Mar. 2004. Disponível em . Acesso em: 18 abr. 2006 LYMAN, Jay. SCO Sues DaimlerChrysler, AutoZone : www.TechNewsWorld.com / LinuxInsider. mar. 2004. Disponível em . Acesso em: 18 abr. 2006. 108 SHANKLAND, Stephen. Fact and fiction in the Microsoft­SCO relationship : CNET News.com / ZDNet News. Nov. 2004. Disponível em . Acesso em: 18 abr. 2006.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 67 O efeito colateral deste licenciamento foi, além de um reforço na política de FUD, alguma injeção de fundos no caixa da SCO que vinha apresentando balanços sucessivamente negativos, e que após a divulgação do acordo viu suas ações subirem quase 38%109. Estes aportes de fundos deram à SCO fôlego para seguir com os processos. Assim, a questão principal da argumentação desenvolvida no capítulo sobre a propriedade das idéias, é novamente colocada, agora no mundo dos sistemas operacionais. Já que o Linux não pode ser comprado, apropriado, ou diretamente processado, pode­se utilizar o sistema de proteção intelectual estabelecido, o sistema de patentes, contra os seus desenvolvedores e até contra os seus usuários. O raciocínio é linear: na impossibilidade de o superar, destruir ou assimilar, resta a possibilidade de o proibir. Assim, se em um primeiro momento, possivelmente pega de surpresa com o veloz crescimento do Linux, a estratégia defensiva da Microsoft foi a de rotular o Linux como brinquedo e depois como algo anti­americano, uma nova possibilidade de barrar o avanço do concorrente (e dos Softwares Livres em geral) passa a ser a possibilidade de valer­se do sistema legal norte americano. Tendo sido tantas vezes arrastada as barras do tribunal por concorrentes, consumidores e órgãos governamentais ao redor do globo, a idéia até que faz bastante sentido. Em 2004 Ballmer, falando a líderes asiáticos, mencionou, de passagem, um estudo do qual ficara sabendo, onde o Linux estaria violando mais de 200 patentes110, algumas delas da Microsoft, e claro, eles (a Microsoft) “deviam algum tipo de estratégia a seus acionistas”. Depois, com a repercussão que encontraram na Internet, os comentários foram oficialmente desmentidos pela Microsoft, que alegou uma interpretação errônea das palavras de seu presidente executivo. Contudo, desde a ação da SCO contra a IBM, a

109 LaMONICA, Martin. RICCIUTI, Mike. Microsoft sends message with Unix deal : CNET News.com. Mai. 2003. Disponível em . Acesso em: 18 abr. 2006. Microsoft Licenses Unix From SCO : Wired News. Mai. 2003. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2006. 110 KERNER, Sean Michael. Linux's Patent Risk. : InternetNews. Ago. 2004. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2006. VAUGHAN­NICHOLS, Steven J. Author of Linux Patent Study Says Ballmer Got It Wrong. : Eweek.com. Nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2006. FOLEY, Mary Jo. Is Microsoft Rattling the Linux­Patent Sabers? : Eweek.com. Nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2006.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 68 questão das patentes vem sendo a principal ameaça ao Linux, dando inclusive origem a um movimento contrário à aprovação de leis que regulamentem patentes de softwares – que seriam em última análise, patentes de idéias. É oportuno lembrar que foram justamente patentes de softwares e acusações de pirataria que que ajudaram a derrubar a Política Nacional de Informática, durante a redemocratização do Brasil, como será melhor elaborado na segunda metade do capítulo quatro111. A leitura dos documentos oficiais da Microsoft, mantidos em seu site de relações com os investidores permite traçar a mudança que se processou na cultura da empresa em relação à ameaça do Linux e dos Softwares Abertos. Em julho de 2003 Bill Gates, em um encontro com analistas financeiros, comentando o processo da SCO dava como certo que a propriedade intelectual da Microsoft e de muitas outras empresas estava sendo utilizada e clonada pelo movimento do Open Source:

“BILL GATES:

Certamente não há duvida que, particularmente em algumas das atividade mais clonadoras, propriedade intelectual de muitas, muitas empresas, incluindo a Microsoft, está sendo usado no software Open Source. É em geral quando as pessoas clonam coisas que isso freqüentemente se torna inevitável. O processo da SCO, é realmente – você fez um comentário sobre este assunto, que está largamente relacionado, ou existem aspectos dele que são únicos a eles, porque eles se relacionam com marcas registradas e copyright.”112

111 Sobre este tema ver: COSTA MARQUES, Ivan da. Cloning Computers: From Rigths of Possession to Rigths of Creation. In: Science as Culture. Routledge, Jun. 2005. Vol. 14, No. 2, 139­160. e SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 112 Financial Analyst Meeting ­ Executive Q&A : MSFT Investor Relations. 24 Jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 69 Um assunto, sem dúvida, palpitante, retomado por Steve Ballmer na mesma reunião, agora com ênfase no aspecto da clonagem:

“Existe um item crítico: Irá o software – e irá TI, você pode dizer em geral, mas eu vou falar apenas do preço do software – irá o software ser um negócio de inovação e valor, ou irá ele ser um negócio que se torna comoditizado? E ele é comoditizado por clones, ele é comoditizado por custos menores, ou alternativas com custo menor do que aquelas que os vendedores comerciais produzem. E essa é a questão”113.

Determinar os termos em que se dará a discussão é, como se sabe, ter metade da discussão ganha, se Steve Ballmer é famoso no mundo da tecnologia por seu temperamento explosivo, estilo performático, personalidade intempestiva e pelo hábito de falar em alto e bom som o que lhe vem à mente, podemos dizer que com certeza se trata de um homem que sabe escolher bem as palavras. Ao opor a “comoditização” como diz, à “inovação e valor” Ballmer sugere que o software proprietário é o único capaz de inovar e entregar valor, justamente por seu aspecto comercial, ao contrário do Software Livre, que estaria transformando a indústria de softwares em uma indústria de commodities. Quando Ballmer coloca o Software Livre na categoria de commoditie, a interpretação possível é a seguinte: um produto de baixo valor agregado, com pouca industrialização, que portanto mantidas as condições mínimas de qualidade pode ser adquirido de qualquer produtor (ou distribuição, no caso do Linux) utilizando­se apenas o critério do menor preço.

Os dois discursos acima também deixam claro, que a esta altura, tanto Ballmer quanto Gates se esqueceram completamente (ou convenientemente) do acordo firmado com John Sculley em meados dos anos 80, e do subsequente processo da Apple em 1993, acusando a Microsoft de ter clonado sua interface gráfica.

113 Financial Analyst Meeting ­ Changing the World with Software : MSFT Investor Relations. 24 Jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 70 Ballmer continua explicitando que o problema da “comoditização” do software não afeta apenas a Microsoft, mas toda indústria de tecnologia, inclusive seus principais rivais, pois para Ballmer o Software Livre é um obstáculo à inovação:

“Não é uma questão apenas na Microsoft. Deveria ser uma questão na Oracle; deveria ser uma questão até de caras como a SAP. Continuará o software a ser uma área na qual inovação cria valor, inovação é protegida por um período de tempo, cria valor, cria novos cenários consumidores, é capaz de atrair pessoas para gastar dinheiro? Este é o tipo de cenário competitivo de alto nível”114.

A conclusão de Ballmer aponta inevitavelmente o vilão que ameaça a continuidade da indústria de tecnologia:

“Haverá uma competição maior no negócio de softwares para o mundo como um todo? Será o negócio de software maior daqui a cinco anos do que ele é hoje? Ou irá o trabalho gratuito das pessoas ser tão bom quanto a inovação e valor que as empresas comerciais criam? Então esse é o diálogo Numero Um aqui. E as pessoas dizem, “Ok, eu entendi. Isso é sobre Open Source. Isso é sobre software não comercial. Blá, blá, blá. Isso é sobre Linux."115

E novamente a escolha de palavras de Ballmer é feita sob­medida para transmitir mais do que o que está dito de forma direta. A idéia de um modelo de software “não comercial” coloca o Linux e seus pares do Software Livre fora da indústria de tecnologia. É muito bem pensado identificar estes softwares como não comerciais, o não comercial se ajusta como uma luva às idéias anteriores da Microsoft sobre o Software Livre, ou seja:

Não comercial é algo fora do mercado, um brinquedo; não comercial é comunista; não comercial é grátis e não gera renda ou arrecadação; não comercial é a infração da propriedade intelectual, enfim, não comercial é um termo carregado de preconceito e que

114 idem. 115 idem.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 71 será comum nas declarações, entrevistas e documentos da Microsoft e seus executivos deste momento em diante, o Software Livre, em inglês, é uma expressão que vem carregada de promessas de liberdade e transparência, portanto, algo a ser evitado.

Outro executivo da empresa, John Connors116, no mesmo encontro repete a fraseologia de Ballmer referindo­se ao Linux como software não comercial:

“Eu gostaria de reiterar os fatores de risco que são muito importante para as pessoas gerenciando dinheiro. Primeiro de tudo, o ambiente econômico. Nós falamos sobre o fato de que não antecipamos que a economia melhore radicalmente por todo o mundo mas nós também não esperamos que ela decline de forma mensurável.

Segundo, Linux e software não comercial: Nós temos mostrado a vocês o que nós pensamos ser a cota de ganho do Linux para 04. Se o Linux ganhar uma fatia no desktop, isso é um impacto para nós. Se nós executarmos bem, nós atenuamos o risco.”117

Além da harmonização do discurso, o ano de 2003 trouxe para a Microsoft a consolidação pétrea do Linux como um concorrente que deveria ser levado a sério em todas as frentes, agora menções ao Linux, Software Livre e software “não comercial” serão constantes na documentação da empresa; em novembro, no encontro de acionistas, Ballmer volta a deixar claro o quanto o assunto Linux subiu na escala de prioridades de Redmond.

“STEVE BALLMER: Nós não somos nada sem competição. John enfatizou o fato que cada um dos nossos negócios tem bons competidores neles, e nós certamente sentimos que nós temos intensa competição a qualquer hora, ao menos nos meus 23 anos com a Microsoft. Nós temos alguns competidores únicos que tem emergido nos últimos anos, competição vindo do assim chamado software não comercial, que é

116 Microsoft Senior Vice President, Finance and Administration, Chief Financial Officer 117 Financial Analyst Meeting ­ Financial Update : MSFT Investor Relations. 24 Jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 72 disponibilizado por comunidades de pessoas trabalhando em uma base voluntária sem custo pela Internet.

Nós acreditamos que temos um bom plano, um plano que nos vai permitir inovar e entregar valor que exceda aquele que vem de softwares não comerciais. Mas eu tenho que lhe contar, sempre que alguém diz não ter custo inicial de aquisição, ou seja, que é gratuito, isso atraí muita atenção.

E então realmente ajudando as pessoas a entender por que nós acreditamos oferecer um melhor valor total e melhor custo total é certamente um desafio que todos nós no nosso time de gerência estamos encampando, e um desafio onde nós sabemos que necessitaremos foco afiado como uma lâmina para ter êxito.”118

Os quatro trechos destacados em negrito, sintetizam pontos importantes do que a Microsoft já havia concluído sobre o Linux e sobre quais seriam os passos da empresa para enfrentar a competição no ano seguinte.

O primeiro destaque já foi apontado, trata da definitiva mudança do Linux para o centro das atenções na Microsoft, agora considerado como um concorrente “único” por suas característica, e (terceiro destaque) a repetição daquilo que Ballmer aponta como o grande diferencial do Linux: o preço (algo que mencionara em 2002, vide nota 105).

O segundo destaque é a declaração de que a empresa já elaborou uma estratégia de combate ao inimigo, que se liga ao quarto destaque, que é na verdade um vislumbre desta estratégia: Ballmer propõe ajudar as pessoas a perceberem como o custo do produto da Microsoft é, de fato, mais vantajoso. Este é um conceito inusitado, que ainda será melhor explorado neste texto.

118 Microsoft Corporation 2003 Shareholder Meeting : MSFT Investor Relations. 11 Nov. 2003. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 73 Seis dias mais tarde outro executivo da Microsoft, Jeff Raikes119, surgia com uma idéia parecida, embora agora já um pouco mais elaborada:

“JEFF RAIKES: (...) nós pensamos sobre o Linux e a alternativa Open Source como sendo um importante fator no mercado. Agora, serão eles hoje um fator importante em termos de share atual? Não, provavelmente não, mas eu acho que você sabe que o software comercial é muito mais do que gorjetas e isso é algo que temos que pensar a respeito.

Qual é nossa estratégia? Nossa estratégia é ter certeza de que criamos o melhor custo total de propriedade, e eu penso que na maioria dos casos nós estaremos aptos a ter custos totais de propriedade menores quando você considera o espectro do custo total.

Muitas pessoas ouvem sobre o governo de uma cidade, um governo na Alemanha120 buscando o Linux como uma alternativa. Esse é um importante pensamento para concluirmos e entendermos o que nós deveríamos ter feito diferentemente. (...) então o levamos muito seriamente”.121

Assim, a Microsoft vai dando forma ao conceito de “custo total de propriedade”, com o qual pretende demonstrar ao mercado que seus softwares são, na verdade, mais baratos do que os Softwares Livres. Outro destaque é a intensificação da pressão de governos ao redor do mundo na adoção do Software Livre, postura que será cada vez mais difundida.

No final do ano, em sua tradicional carta aos acionistas a Microsoft resume sua posição sobre o Linux e delineia a estratégia a ser seguida:

“(...) Algumas organizações migrando do UNIX estão considerando software não comercial como Linux e OpenOffice. Enquanto o custo inicial

119 Microsoft Group VP, Productivity and Business Services 120 Jeff está falando da cidade de Munich. 121 Bear Stearns Trek to COMDEX Conference : MSFT Investor Relations. 17 Nov. 2003. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 74 de aquisição de sistema operacional simplificado, faça você mesmo possa parecer atraente, um conjunto crescente de pesquisas independentes, mostram que nossa plataforma integrada fornece não apenas melhor funcionalidade, mas também menor custo total de propriedade nas funções mais comuns nos negócios.

(...) Contudo, Linux e outros softwares não comerciais apresentam um desafio, e nós não somos complacentes. Nós estamos trabalhando duro para assegurar que nossos produtos e serviços continuem a melhorar e atender demandas dos consumidores por valor. Nós estamos comprometidos a ultrapassar as expectativas do consumidor por produtos confiáveis, seguros, e com excelência em engenharia.”122

Não é demais notar a observação pejorativa sobre o Linux “stripped­down, do­it­ yourself operating system”, ou “sistema operacional simplificado, faça você mesmo”, um comentário que dificilmente encontraria eco em um administrador de sistemas da época que tenha tido oportunidade de trabalhar com os dois sistemas. Pode­se sem dúvida atribuir ao Linux de então o rótulo do “faça você mesmo”, mas considerar isto algo bom ou ruim, é questão de opinião, e pode, na verdade, ser dito até mesmo do Linux atual. Mas classificar o Linux, herdeiro do UNIX de “sistema operacional simplificado” estampa perplexidade no rosto de um técnico que conheça os dois sistemas. O ponto nevrálgico desta carta aos acionistas é a informação de que “um crescente corpo de pesquisas independentes” estaria mostrando a maior funcionalidade e menor custo total de propriedade das soluções Windows da Microsoft, este é o tom da fase seguinte do combate entre o Windows e o Linux.

A organização do pensamento e do discurso da Microsoft acompanhado até aqui desemboca no que seria sua evolução natural, o lançamento em janeiro de 2004, da campanha publicitária “Get the Facts”. Voltada aos administradores de sistemas e

122 MSFT Annual Report 2003 Letter to Shareholders : MSFT Investor Relations. 2003. Disponível em: (português) e (inglês). Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 75 profissionais de TI em geral a campanha, que contava com mídia impressa, anúncios em sites de tecnologia e até seu próprio site123, veiculava “estudos” comparando os custos entre a adoção do Linux e do Windows, chegando invariavelmente à conclusão sobre o custo superior do Linux.

Esta campanha marcou uma mudança de posição da Microsoft em relação ao Linux, se inicialmente o foco era desacreditar o concorrente com preconceitos, agora pretendia­se desacreditar o concorrente com “fatos”. Não que as prática anteriores de FUD estivessem totalmente desautorizadas, especialmente no que tange à propriedade intelectual, a ameaça mais relevante recebida pela comunidade do Linux, como discursava o executivo da Microsoft John Connors em janeiro para analistas financeiros:

“Quando você pensa sobre financiar novos programas, nós adicionamos mais de 300 pessoas esse ano no setor publico, tanto para propósitos de política publica e para evangelização e vendas em nas arenas acadêmicas e do governo, onde o desafio Open Source é o mais forte.

(...) Open Source continua sendo uma ameaça para nós porque somos a maior empresa de software no mundo que ganha dinheiro vendendo software, mas é uma ameaça para qualquer um que licencia IP (Intellectual Property) e são pagos pelo software. É uma ameaça se você é a Oracle no espaço de banco de dados. É uma ameaça se você é a IMB e você vende software.”124

Menos de um mês depois, o mesmo executivo estava em um simpósio onde foi inquirido sobre como via os riscos representados pela tentativa da China, Coréia do Sul e Japão em desenvolver sua própria versão do Linux, já que aparentemente o objetivo deste desenvolvimento seria dar condições para o desenvolvimento de uma indústria de softwares local, baseada em um sistema operacional próprio. A mesma pergunta englobava o Estado

123http://www.microsoft.com/windowsserver/facts/default.mspx ou http://www.microsoft.com/windowsserversystem/facts/default.mspx 124 John Connors, CFO, Presentation to Financial Analysts in Boston : MSFT Investor Relations. 27 Jan. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 76 americano de Massachusetts, que fazia movimentos semelhantes, e embora não tenha mencionado o Brasil, poderia, já que o país também havia se engajado no mesmo movimento.

Ao que parece esta é um pergunta sem resposta satisfatória, pois embora tenha sido respondida com objetividade por Connors, os trechos destacados em negrito na resposta abaixo, deixam claro que a visão da Microsoft só consegue contemplar o desenvolvimento da indústria de softwares da cada um destes países subordinada ao seu próprio desenvolvimento. A inovação da própria Microsoft é a inovação possível para os países submetidos, situação da qual a empresa tem aparente consciência, e que pretende manter.

É instigante notar que Connors, em sua resposta, apresenta a dependência tecnológica de um sistema operacional alienígena, como um cenário positivo para os países que anseiam em desenvolver sua indústria de softwares, ainda que não lhes seja permitido produzir inovação localmente.

“JOHN CONNORS: Bem, primeiro de tudo, é meio estranho ter um estado nos Estado Unidos no mix que você menciona, mas isso é o que é.

Se você olhar para a companhia e o que nós tentamos fazer, temos tentado ser muito claros que Linux é um competidor e um desafio para a Microsoft. Temos também sido muito claros que o Open Source e modelos de software gratuitos são uma ameaça para todos os vendedores de software comercial. Visto que obtemos o maior lucro que qualquer vendedor de software comercial, nossa ameaça é maior. Mas é uma ameaça para todos.

De muitos modos você pode ver e dizer o que os governantes na maioria dos países estão propondo é que eles desenvolvam sua própria indústria de software. Você poderia dizer, bem, nossa, pode ser que eles estejam desenvolvendo sua própria versão do UNIX. Mas eu penso que a coisa chave é que eles estão tentando desenvolver uma indústria de

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 77 software, e desenvolver uma área onde postos de trabalho possam ser criados.

(...) A ponto de não sermos melhores, não importa se é um governo, não importa se é uma outra companhia, nós temos uma ameaça. Se nós somos melhores, então nós temos que nos sentar com aqueles governos e aquelas entidades que têm uma visão de que nós não somos, e explicar porque nós pensamos que nós somos melhores; mas, mais importante, quão crítico nosso papel tem sido em desenvolver suas economias de TI como elas existem hoje.

A maioria dos estados durante o período de '99 a 2000, com o caso do DOJ (Department of Justice), ficam surpresos em saber quantas pessoas no seu estado realmente desenvolvem, distribuem e suportam a tecnologia Microsoft. Achamos que muitos países similarmente não estão conscientes do quão grande um ecossistema de pessoal de TI existe em torno da plataforma Microsoft – com quantos clientes nós trabalhamos de seus países que recebem valor pela entrega de nossa inovação.

E assim nós temos primeiro e principalmente, a fazer um ótimo trabalho em inovação. Nós temos que fazer um ótimo trabalho em ambos, na venda e no lado do relacionamento. E então eu penso que a terceira coisa chave é nós termos que esperar que você veja as pessoas que vêem TI e a indústria do software como sendo oportunidades para seus países, e eles incentivarão a inovação local, e nós apenas temos que fazer um bom trabalho de agregar valor impedindo isto.”125

125 John Connors, CFO, Presentation at the Goldman Sachs Technology Investment : MSFT Investor Relations. 25 Fev. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 78 A questão do interesse dos governos pelo controle das ações do sistema operacional parece ser o maior calcanhar de Aquiles da estratégia da Microsoft, o modelo do software proprietário e estrangeiro não tem como superar as questões macroeconômicas que coloca, como a evasão de divisas, nem tampouco as questões da segurança das informações e da autonomia tecnológica.

Assim em 2004 a emergência do Linux já havia se convertido em um problema de grande relevo dentro da Microsoft e todos os executivos tinham os discursos alinhados na estratégia de se aterem aos “fatos”:

JOHN CONNORS (25/02/2004) : “E assim me deixe explicar um pouco sobre o cenário do mercado. Uma das coisas mais interessantes sobre o Linux e o mundo Open Source é a quantidade de hype e ruído, religião e emoção que existe quando você está tendo estas discussões e diálogos. E assim o que eu gostaria de tentar fazer é talvez separar um pouco do ruído da realidade e deixa­los saber como nós vemos o mercado.”126

CURT ANDERSON (18/05/2004) : “Primeiro os riscos: obviamente software não comercial é um risco para o nosso negócio. O software grátis pode ter um impacto em nosso modelo do negócio. E nós estamos pensando sobre como o que isso se pareceria.

A maneira que nós combatemos o Linux e os Softwares não comerciais francamente é superando­os na inovação e nós acreditamos que nossos produtos ofereçam mais valor ao consumidor, menor custo total de propriedade (TCO) e melhor interoperabilidade avançando, e esse é realmente o nome do jogo, para nós é continuar a investir e diferenciar

126 Martin Taylor Presentation on Microsoft Platform Competitive Strategy : MSFT Investor Relations. 27 Fev. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 79 nossos produtos contra o Open Source, mais isso é de fato um risco importante.”127

KEVIN JOHNSON (30/11/2004): “Deixe­me ir agora de proporcionar satisfação para ganhar consumidores e a questão de como estamos nos saindo contra o Linux. Deixe­me começar enquadrando a perspectiva de como o diálogo mudou com os clientes. Eu diria que três a quatro anos atrás, o diálogo em torno do Linux era muito mais um debate emocional sobre as metodologias de desenvolvimento de software do Open Source versus a metodologia do software comercial. Hoje, aquele diálogo se alterou para uma análise bastante lógica de valor do negócio.

(...) Número um, custo total de propriedade (TCO). Muitos clientes notaram que uma vez que software Open Source como o Linux tem um custo de aquisição de software de zero, que ele deve ter o menor custo de propriedade (TCO). Contudo se você olhar os fatos, eles não corroboram isto. Em nosso site, www.getthefacts.com, nós temos mais de 17 analistas da indústria e mais de 100 consumidores que passarm pela experiência de ou testar o Linux e descobrirem que o custo total de propriedade (TCO) era maior do que no Windows ou fazerem a análise.”128

E no final do ano, na carta anual aos acionistas, assinada por Bill Gates e Steve Ballmer, o esforço era apresentado:

“Ao longo do último ano, nós trabalhamos duro para comunicar aos consumidores sobre o valor único da plataforma Windows em comparação com o Linux e outros softwares open­source. Inúmeros analistas independentes reportaram que o Windows oferece um menor custo total de

127 Curt Anderson Address to Institutional Investors at Ragen MacKenzie Investment Conference : MSFT Investor Relations. 18 Mai. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006 128 Kevin Johnson (Group Vice President, Sales, Marketing, Services Group) at Credit Suisse First Boston Technology Conference : MSFT Investor Relations. 30 Nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 80 propriedade (TCO), maior segurança, e uma proteção mais abrangente contra processos na justiça129.”130

Em julho de 2005 o executivo da Microsoft Kevin Johnson131 oferecia no encontro dos analistas financeiros, um resumo da situação do combate contra o Linux e o Software Livre, fornecendo além de um panorama claro da atuação da Microsoft, interessantes insights sobre o que reservaria o futuro para os mercados de países pobres como o Brasil. Esse assunto será tratado em maior detalhe no capítulo sobre a industrialização brasileira, quando esta apresentação de Johnson será novamente utilizada:

“(...) Eu vou começar com mobilização. Em 2003 nós realmente focamos em como poderíamos contar nossa história e enviar a mensagem para deixar claro que há uma clara proposição de valor no Windows versus Linux. A percepção que o Linux provê um menor custo de propriedade não é verdadeira (TCO). E assim Get the Facts visava ter análises terceirizadas132 das evidências e divulgar amplamente os fatos. Nósestamos com a campanha Get the Facts em mais de 50 países, e nós continuamos a acumular mais e mais evidências de analistas.

Em 2004, construímos com base nisto. (...) Nós agora temos mais de 300 casos de estudo de consumidores, onde consumidores em cenários reais medindo perfomance, testaram o Linux, mediaram sua performance contra a plataforma Microsoft, e tomaram a decisão de que a plataforma Microsoft provê claro valor para eles.

129 N. do A. ­ No caso a expressão em inglês era more comprehensive indemnification, mas optou­se por traduzir pelo sentido, já que é da proteção legal contra processos semelhantes ao da SCO a que Ballmer e Gates pretendem se referir. 130 GATES, Bill (Chairman and Chief Software Architect). BALLMER, Steve A. (Chief Executive Officer) ­ MSFT Annual Report 2004 ­ Letter to Shareholders : MSFT Investor Relations. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006 131 Group Vice President, Worldwide Sales, Marketing and Services Group 132 N. do A. ­ O correto nesta tradução seria “independentes” no lugar de “terceirizados”, mas a palavra acrescentaria um duplo sentido a frase que não existe no original em inglês.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 81 (...) Gartner acaba de divulgar um estudo que eles fizeram, eu acho, com uma grande instituição de serviços financeiros que avaliou o Linux no desktop. E eles concluíram que o Windows não apenas provê um menor custo de propriedade (TCO) mas que também os custos de aquisição daquela solução Linux eram maiores que os custos de aquisição do Windows. Então mais e mais evidência surge suportando a proposição em torno de um menor custo de propriedade.”133

O ano de 2006 está fora do período analisado neste texto, mas é muito importante, para a apreciação dos eventos narrados até aqui, deixar registrado que foi o ano de lançamento do website “Port 25”134, que marca uma nova postura da Microsoft em relação ao “não comercial”, Software Livre.

O Port 25 agrega os esforços da Microsoft no universo do Software Livre, e aborda muito a interoperabilidade do Windows, Unix e Linux, configurando um reconhecimento do Linux pela Microsoft como um player do mercado, um sistema com o qual, a despeito dos esforços empreendidos até aqui, terminou­se por chegar à conclusão que será necessário estabelecer uma convivência.

O nome Port 25 se refere à porta de um servidor usualmente utilizada pra o tráfico de emails SMTP, uma vez que o site é a tentativa da Microsoft de se comunicar com a comunidade do Software Livre. O site é mantido pelo Open Source Software Lab da Microsoft, dirigido por Bill Hilf, um antigo militante do Linux, ex­empregado da IBM e agora gerente geral de estratégia da Microsoft para o Software Livre.

É claro, há o sempre um outro lado, e lá do outro lado as comunidades do Linux e do Software Livre não assistiram pacificamente aos ataques da Microsoft e, de fato, seria muito difícil determinar qual lado atirou a primeira pedra.

A postura religiosa tantas vezes mencionadas pelos executivos da Microsft nas citações anteriores refere­se a um posicionamento bastante radical e quase generalizado da comunidade contra a Microsoft. É comum encontrar nas listas de discussão, fóruns, posts e 133 Financial Analyst Meeting 2005 : MSFT Investor Relations. 28 Jul. 2005. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006 134 http://port25.technet.com

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 82 comentários de blogs, sites e correntes de e­mail todo tipo de críticas e comentários jocosos contra a Microsoft. As frases mais comuns referem­se à Microsoft como “the evil empire” e “dark side of the force”, a Bill Gates como “Darth Gates”, todas referências aos vilões da série Guerra nas Estrelas (Star Wars). Também é comum que a Microsoft seja referida como “The Borg” em referência aos alienígenas da série de cinema e televisão Jornada nas Estrelas (Star Trek), a crítica aqui se dá pela característica dos Borgs de “assimilarem” outras formas de vida em uma única consciência coletiva, e pelo bordão sempre repetido pelos alienígenas: “resistance is futile”, duas referências ao comportamento da Microsoft no mercado. Esta última crítica é tão recorrente que no site Slashdot, um portal de notícias fundado em 1997 e um dos redutos das comunidades Linux e do Software Livre, as notícias referentes a Microsoft vêm acompanhadas por um ícone de Bill Gates, transfigurado em “borg”.

O que se pode dizer sobre os dois lados da contenda é que se a Microsoft trata o Linux inicialmente como um brinquedo para estudantes, depois como um câncer anti­ capitalista, depois um inimigo, até que tenta mostrar os “fatos” e termina admitindo a concorrência, do outro, a comunidade do Software Livre em geral e do Linux em especial, tratam a Microsoft de forma bem mais constante e consistente135.

Em quase todas as suas manifestações a Microsoft é retratada como o império do mal, sem muitas concessões, e coube à Red Hat em 2005, possivelmente pela pressão que sofreu com campanha Get The Facts da Microsoft, sendo a maior distribuidora de soluções Linux da América do Norte, responder com outra campanha publicitária, que parece traduzir o espírito da comunidade Linux de maneira fidedigna.

A campanha “Truth Happens”, ou “A Verdade Acontece” é sintetizada desta forma:

“Através da história, novas tecnologias enfrentaram resistência daqueles que diziam que não poderia ser feito. Ainda assim, apesar da oposição, tempo e de novo o impossível é feito possível por aqueles com

135 Sobre a imagem da Microsoft e sua representação na cultura de massas ver: SOUZA F., Rubens A. Menezes. Percepção e imagem da informática. In: XXII Simpósio Nacional de História ­ História: Guerra e Paz, 2005, Londrina. XXII Simpósio Nacional de História ­ História: Guerra e Paz. Londrina, PR : Associação Nacional de História ANPUH / Editorial Midia., 2005.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 83 determinação e visão. Nós acreditamos que o open source é uma maneira melhor. Uma maneia melhor de desenvolver tecnologia e uma maneira melhor de a tornar acessível. E ainda que existam aqueles que ignoraram o open source ou alegassem que não funcionaria ou alegassem que não duraria, nós acreditamos que a verdade acontece.”136

Realizar o impossível com determinação e visão dão bem o tom messiânico que por vezes o Software Livre e o Linux adotam, e são exatamente as variações desta postura, em maior ou menor grau, que a Microsoft pretendeu combater com com sua campanha de “fatos”.

A Red Hat por sua vez, tem sua peça publicitária principal em um vídeo137 que pode ser dividido em duas partes, na primeira ele é genérico e trata da evolução tecnológica geral da humanidade, apresentando cenas dos primórdios da aviação, do automóvel, do fonógrafo, alternadas com imagens de células, animais e microscópios, dando um “ar de tecnologia” às imagens. Sua estrutura consiste em imagens, vídeos ou fotos de época, contrastando com frases que são colocadas sobre as imagens e que expõem o ridículo de certas previsões do futuro.

Na segunda parte mantém­se a linguagem, mas se concentra no caso específico do Linux, onde acontece o ponto alto do vídeo, uma frase de Gandhi, entrecortada com declarações sobre o Linux, concluindo que se estaria vivendo o último estágio, o estágio da vitória. A transcrição abaixo ajudará a compreensão da peça publicitária.

O MUNDO É PLANO A TERRA É O CENTRO DO UNIVERSO APESAR DA IGNORÂNCIA [FATO] ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO O TELEFONE TEM MUITAS LIMITAÇÕES PARA SER SERIAMENTE CONSIDERADO COMO APESAR DA IGNORÂNCIA UM MEIO DE COMUNICAÇÕES APESAR DO RIDÍCULO WESTERN UNION [1876] APESAR DA OPOSIÇÃO A VERDADE ACONTECE

136 http://www.redhat.com/magazine/008jun05/features/truth_happens/ 137 http://www.redhat.com/truthhappens/

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 84 EM [1899] O ESCRITÓRIO NORTE­ AMERICANO DE PATENTES DECLAROU, TUDO O 640K DEVEM SER O BASTANTE PARA QUE PODE SER INVENTADO JÁ FOI INVENTADO QUALQUER UM BILL GATES [1981] APESAR DO RIDÍCULO O FONÓGRAFO NÃO TÊM NENHUM VALOR PRIMEIR ELES IGNORAM VOCÊ... COMERCIAL LINUX É O HYPE DU JOUR THOMAS EDISON [1880] GARTNER GROUP [1999] ENTÃO ELES RIEM DE VOCÊ... A LOUCURA DO RÁDIO VAI MORRER LOGO NÓS PENSAMOS NO LINUX COMO UM THOMAS EDISON [1922] COMPETIDOR NO MERCADO DOS ESTUDANTES E AFICCIONADOS MAS EU REALMENTE NÃO O AUTOMÓVEL PRATICAMENTE ATINGIU O PENSO QUE NO MERCADO COMERCIAL NÓS O LIMITE DO SEU DESENVOLVIMENTO VEJAMOS DE QUALQUER FORMA SIGNIFICATIVA SCIENTIFIC AMERICAN [1909] BILL GATES [2001]

APESAR DA OPOSIÇÃO ENTÃO ELES LUTAM CONTRA VOCÊ... APESAR DISTO TUDO LINUX NÃO VAI DESAPARECER A VERDADE ACONTECE LINUX É UM COMPETIDOR SÉRIO NÓS VAMOS ENFRENTAR ESTE DESAFIO O HOMEM NÃO IRÁ VOAR POR CINQUENTA STEVE BALLMER [2003] ANOS

ORVILLE WRIGTH [1901] ENTÃO VOCÊ VENCE... PRIMEIRO ELES IGNORAM VOCÊ... UM FOGUETE NUNCA IRÁ DEIXAR A ENTÃO ELES RIEM DE VOCÊ... ATMOSFERA DA TERRA ENTÃO ELES LUTAM CONTRA VOCÊ... NEW YORK TIMES [1936]

ENTÃO VOCÊ VENCE... HÁ UM MERCADO MUNDIAL PARA TALVEZ MOHANDAS GANDHI CINCO COMPUTADORES

THOMAS WATSON DA IBM [1943] VOCÊ ESTÁ AQUI

"First they ignore you, then they laugh at you, then they fight you, then you win", Mohandas Karamchand Gandhi, o “Mahatma138 Gandhi”, utilizou esta frase para descrever a luta de independêcia do sub­continente indiano sob o jugo colonial britânico.

138 O termo “mahatma” pode ser traduzido como “grande alma”.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 85 Uma luta que poderia ser caracterizada como uma história de Davi e Golias, onde os ingleses, tal como o Golias bíblico, apesar da desproporção das forças e da percepção óbvia de que eram inimigos formidáveis, possivelmente invencíveis e contra os quais nada valia lutar, perderam. A imagem bíblica associada ao parágrafo anterior vem no socorro de ampliar a compreensão da auto­imagem que parte das comunidades do Linux e Software Livre fazem de suas atividades. A comparação lateral da Microsoft ao poderoso império britânico, que apesar de tudo foi derrotado pelo movimento de independência indiano, esbarra novamente no tom messiânico mencionado acima, apontando para a crença da inevitabilidade da vitória. O fato do movimento do Software Livre ter se espalhado pelo planeta, ganhando grande torque com a adoção por governos ao redor do mundo – com destaque para o caso brasileiro – e ter também contado com a adesão de grandes companhias de software que competiam com a Microsoft em um ou mais produtos, só faz aumentar a certeza da vitória.

Portanto dos discursos de Ballmer ao vídeo da Red Hat, é possível constatar como os dois lados competem, como já foi dito, por corações e mentes de usuários, empresas e governos.

3.7. Considerações Sobre a Natureza da Informática e a Autodeterminação Tecnológica

A importância da cronologia de eventos narrada até aqui reside no que se pode encontrar quando os discursos dos dois grupos são analisados. Organizando­os na cronologia do tempo histórico transparece a luta pelo poder, que está o tempo todo presente e atuando nos caminhos do desenvolvimento tecnológico.

Desqualificar uma dada tecnologia é também qualificar outra, no combate entre softwares livres e softwares proprietários, o que se almeja conquistar são os caminhos que

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 86 ainda serão percorridos pela tecnologia, ou como definiu Sérgio Amadeu, então presidente do ITI: “O que está em disputa é o futuro, não o presente”139. Ainda que seja recorrente encontrar profetas pregando o contrário, o futuro não está dado e não é certo, sendo já isto razão suficiente para que o raciocínio economicista determinista dominante deva ser contestado. Mesmo diante do imponderável, a resistência existe e acontece de forma vibrante, oscilando entre o heróico e o quixotesco, muitas resistências ocorrem como lutas de apropriação; desta forma as populações não se deixam levar e praticam sim diversas formas de resistência, até mesmo a apropriação da tecnologia. Sem o objetivo de fazer análises de mérito quanto à qualidade de cada tecnologia, é possível evidenciar que existem rachaduras no atual raciocínio economicista dominante e que a tecnologia não contém apenas a componente técnica, sendo também política e ideológica, mesmo em campos onde isso não transpareceria em um primeiro olhar, como nos sistemas operacionais de computadores. O conceito que apresentaremos a seguir é original do pesquisador e “evangelista” do movimento do Software Livre140, Eric S. Raymond, conforme apresentado em seu livro "The Cathedral & the Bazaar141". Baseado em sua observação do kernel142 do Linux e no processo de desenvolvimento do software fetchmail, em a Catedral e o Bazar143, Raymond apresenta duas metodologias de desenvolvimento de software aberto radicalmente diferentes e por vezes quase antagônicas: o modelo da catedral, onde o código fonte está disponível juntamente com o lançamento do software, mas somente neste momento, sendo até então exclusivo ao grupo de desenvolvedores; e o bazar, onde o código é desenvolvido via Internet, aos olhos do público. Raymond concede a Linus Torvalds, lider do projeto do kernel do Linux, o título de inventor deste processo.

139 O Pingüim Avança. Carta Capital, 17 de março de 2004 ­ Ano XI ­ Número 345. 140 The Open Source Definition is used by the Open Source Initiative to determine whether or not a software license can be considered Open Source. The definition was based on the Debian Free Software Guidelines, adapted primarily by Bruce Perens and by April 2004 has reached version 1.9, conforme definido na WIKIPEDIA em: http://en.wikipedia.org/wiki/Open_Source_Definition 141 Inicialmente apresentado como um ensaio no Linux Kongress em 27 de maio de 1997. 142 Parte central do sistema operacional, responsável por funções básicas. 143 http://www.catb.org/~esr/writings/cathedral­bazaar/

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 87 A constatação de Raymond é importante para nossa análise na medida em que evidencia um aspecto particularmente anárquico do processo de criação do Linux e talvez o elemento que permitiu a ele crescer onde tantos projetos semelhantes fracassaram: “o código é desenvolvido via Internet, aos olhos do público”. Este talvez seja, para além dos modelos de licenciamento das duas alternativas estudadas aqui (Windows e Linux) o principal ponto de divergência entre duas abordagens para o desenvolvimento tecnológico. Enquanto a Microsoft trabalha fornecendo tecnologia a seus clientes, tecnologia proprietária, feita sob segredo industrial em seus laboratórios, o Linux tem cada segundo de sua evolução aberto e acompanhado por seu público consumidor, que opina e altera os rumos tomados por esta tecnologia. Isso leva a dois resultados muito distintos, se o objetivo perseguido pela Microsoft ao desenvolver o Windows é a obtenção de lucro e conquista e manutenção de novos mercados, este com certeza não é o objetivo do Linux, ou pelo menos não é o objetivo central de seus desenvolvedores, que em seu trabalho buscam atender as demandas diretas de seus usuários e mantenedores. E as demandas dos usuários podem não necessariamente coincidir com conquista de novos mercados, ou traduzindo, para a criação, integração e instalação de novas características no sistema operacional. Esta disparidade de objetivos distancia ainda mais os dois sistemas operacionais do que suas próprias origens históricas, levando as duas tecnologias, focadas na solução do mesmo problema (a operação básica do computador), a adotarem padrões e mesmo opções arquitetônicas muito diferenciadas. Por sua gênese e tradição a comunidade Linux busca apoiar e manter padrões abertos de computação, intercambiáveis entre todos os sistemas operacionais e plataformas, enquanto a Microsoft, dentro da lógica de empresa privada, busca padrões proprietários, compatíveis apenas com seus produtos. Constatado que os dois sistemas operacionais divergem em seus objetivos e métodos, é cabível iniciar a ponderação do quanto isso afeta o usuário final destas tecnologias distintas.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 88 No caso do Windows, a mesma empresa que fabrica o sistema operacional, fabrica também suítes de escritório (os pacotes Office), leitores de e­mail, browser de Internet, instant messenger e toda uma gama de softwares em diferentes funções e atividade. Isso significa que além do sistema operacional, a Microsoft compete com outras empresas em diversos segmentos, e todas estas empresas fazem seus produtos para serem utilizados no Windows. Como apenas a Microsoft tem acesso ao código fonte do Windows e apenas ela comanda os rumos de seu desenvolvimento, pratica muitas vezes uma política considerada predatória e também perigosa. Ela promove uma grande integração entre seus aplicativos e o kernel do sistema, o que é, desconsiderando­se o aspecto de falta de competitividade, um risco de segurança. Por ocasião do processo dos estados americanos contra a Microsoft por políticas anti­ competitivas os advogados da Microsoft chegaram a alegar que não era possível remover o browser Internet Explorer do Windows dado seu grau de integração com o sistema, e que mesmo que tal fosse possível não cabia ao Departamento de Justiça interferir e impedir a Microsoft de “inovar”. Porém este princípio de “inovação” não é adotado pelos mantenedores do Linux, sendo na verdade considerado um erro conceitual, Eric Raymond, apesar de seu estilo notadamente panfletário, parece estar baseado nos argumentos corretos em seu artigo “Editorial ­­ Microsoft: Designed for Insecurity144” que traz maiores detalhes sobre outro problema de arquitetura de produtos Microsoft. Assim enquanto o Windows segue um plano de desenvolvimento onde os executivos, pessoal de marketing e analistas de mercado foram ouvidos, o Linux permanece uma criação coletiva da comunidade, ou como definiu Linus Torvalds: "Linux is evolution, not intelligent design."145 144 http://www.oreillynet.com/pub/a/oreilly/opensource/news/insecure_0400.html 145 Citação atribuída a Linus Torvalds por Greg Kroah­Hartman, funcionário da SUSE e um dos mantenedores do kernel do Linux (e de diversos subsistemas de drivers), que exibiu esta citação em um slide de sua apresentação no encerramento do OLS 2006 (Ottawa Linux Symposium), uma das principais conferência sobre o desenvolvimento do kernel do Linux. A tradução desta citação é Linux é evolução, não desenho inteligente, e faz referência ao combate entre as idéias do evolucionismo biológico e criacionismo divino. Daí a comparação de Torvalds, que não vê um plano traçado de para onde o Linux deva seguir, mas o vê sendo capaz de se adaptar a novos ambientes e novas condições.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 89 Esta diferença de abordagem entre os dois sistemas operacionais, traz um reflexo direto na vida dos usuários de computadores, na medida em que os usuários do Linux parecem muito menos sujeitos a ataques de vírus e sempre com efeitos notadamente menos devastadores, já que o coração do sistema não é facilmente atingido por outros programas. Há portato, menos lógica matemática e muito mais idéias e ideais, direcionando os rumos dos bits e bytes, dentro dos onipresentes computadores.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 90 4. Uma História do desenvolvimento tecnológico brasileiro

4.1. Brasil: raízes da industrialização e do desenvolvimento tecnológico.

Tendo em vista que a existência pretérita do material humano qualificado tem sido um pré­requisito para a inserção do Brasil como um ator relevante no atual estágio de desenvolvimento tecnológico do capitalismo e na arena do Software Livre, cabe a pergunta: “Qual a origem dos técnicos e engenheiros de informática brasileiros?”

Não há, como é de se imaginar, uma resposta curta para esta pergunta. Chegar até ela exige a reconstrução dos caminhos que conduziram à industrialização brasileira, pois só assim pode­se compreender a origem dos técnicos, engenheiros e cientistas nacionais.

Esta necessidade aqui colocada já foi bem explicitada por Milton Vargas ao constatar que existe um “fato primordial de que a tecnologia depende do valor e do preparo do corpo de pesquisadores nacionais”.146 Gildo Magalhães aponta ainda que “Se o próprio mecanismo da tecnologia avançada implica na adaptação e no progresso do conhecimento, não há como separar ciência, pura ou aplicada, bem como sua utilização, do desenvolvimento como um todo. (...) Muitos, imprecisa e vagamente, denominam isto de “know­how” (e para nós, o verdadeiro conhecimento tecnológico precisa incluir o “know­ why”).”147

Não há aqui a intenção de confundir desenvolvimento tecnológico com industrialização, mas há que se estabelecer uma relação causal entre uma coisa e outra, já que para operar as máquinas, executar sua manutenção, e controlar seus processos é necessária uma formação técnica. A indústria se transforma, portanto, no primeiro passo para a demanda por novo desenvolvimento tecnológico e por conhecimentos atualizados de ciências e engenharias, ou seja, conhecimentos que se não são científicos, deles são

146 VARGAS, Milton. Para uma Filosofia da Tecnologia. Editora Alpha Omega, 1994, São Paulo, pág. 225. 147 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 106

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 91 derivados. Para implantar as primeiras indústrias, por rudimentares que fossem era necessária a existência de um corpo mínimo de técnicos e/ou de artesãos mais bem preparados, até com algum rudimento de conhecimento em ciências.

“O Brasil, entretanto, antes de ser o âmbito de uma sociedade criadora de saber científico, para seu próprio conhecimento, foi objeto de investigação alheia. (...) O primeiro modo de pensamento moderno que de algum modo integrou a atividade científica na sociedade brasileira foi o positivismo, já nos meados do século XIX. Isto deu como resultado final a idéia de ciência como necessidade social – a qual prevalece até hoje entre nós. (...) O segundo foi a criação das academias militares e de medicina, por D. João VI, a partir de 1808. As escolas militares desdobraram­se em escolas de engenharia, onde ao correr do século ensinava­se matemática, física e geologia. Nas escolas de medicina, a química e as biologias faziam parte do currículo. Além disso, o ensino das ciências do homem começava a despontar nas já existentes escolas de direito. Assim formaram­se ambientes de estudos ligados às profissões liberais, onde havia também o aprendizado de ciências.”148

Assim as raízes da industrialização brasileira encontram­se parcialmente plantadas no século XIX, pois em meados deste século o Brasil já havia experimentado um pequeno surto de industrialização com o desenvolvimento da indústria têxtil, a implantação de ferrovias para escoar a produção agrícola, alguns portos, hidrelétricas e mesmo sistemas de comunicação149.

No início do século XX a implantação dos institutos de pesquisa é talvez o primeiro ponto importante para o desenvolvimento científico no Brasil, já que tinham como objetivo resolver problemas da sociedade por meio da pesquisa. Refletindo as necessidades sociais

148 Idem, 1994, p. 226­227 149 PEREIRA, L.C. Bresser. Desenvolvimento e Crise no Brasil. Zahar Editores, 1968, Rio de Janeiro, pág. 29.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 92 estes institutos eram biológicos, agronômicos e de tecnologia, cobrindo as searas da saúde pública, agricultura e engenharia150.

Mesmo assim o país permanecia basicamente agrário, e por contraditório que possa parecer é com a crise mundial de 1929, com a quebra da bolsa de Nova York que serão dadas as condições para o início da industrialização brasileira, pois a crise trará a necessidade de substituição das importações.

Até então o Brasil mantinha­se em um estado economicamente semi­colonial, controlado pela elite cafeeira exportadora, que cuidava apenas de garantir que o processo de exportação do café fosse mantido em funcionamento. Esta elite importava praticamente todos os produtos que o Brasil consumia e agia ora com indiferença, ora com impedimentos e até sabotagem e perseguição às iniciativas de industrialização, como aquelas capitaneadas pelo Visconde de Mauá na segunda metade do século XIX. Além da elite cafeeira havia uma pequena burguesia, parasitária do Estado, indicada aos cargos estatais por esta elite agrária e, portanto, plenamente em uníssono com os seus interesses.

Quando a família real portuguesa foi forçada a se transferir para o Brasil cuidou de ajustar a “nova sede” aos padrões de quem agora era o centro do Império, assim em 1808 o Príncipe Regente D. João liberava às colônias portuguesas a liberdade de indústria, que por si só era insuficiente para iniciar a industrialização, como já apontou Nícia Vilela Luz:

“Não se efetuava, entretanto, a industrialização de um país por simples decreto concedendo liberdade econômica. A própria doutrina liberal reconhecia a necessidade de um pequeno impulso às indústrias nascentes e o Príncipe Regente foi instado a dar mais um passo à gente, no sentido de favorecer o desenvolvimento industrial do Brasil. O resultado foi o alvará de 28 de abril de 1809 que não se limitou, porém, aos meios preconizados pelos liberais. Além da isenção de direitos aduaneiros às matérias­primas necessárias às fábricas nacionais, isenção de imposto de exportação para produtos manufaturados do país e utilização dos artigos nacionais no fardamento das tropas reais, medidas todas essas que não

150 VARGAS, Milton. Para uma Filosofia da Tecnologia. Editora Alpha Omega, 1994, São Paulo, pág. 230.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 93 podiam deixar de ser aplaudidas pelos liberais, estabeleciam­se certas concessões que iriam, no decorrer do século, favorecer certos abusos contra os quais protestariam defensores do liberalismo econômico.”151

Como a propriedade das idéias, patentes e o direito autoral são assuntos centrais neste texto, cumpre notar que parte desses “abusos” consistia na “outorga de privilégios exclusivos, por 14 anos, aos inventores ou introdutores de novas máquinas”152.

Mas apenas dois anos depois, por imposição dos interesses ingleses os manufaturados oriundos da Grã­Bretanha conseguiram uma tarifa de importação preferencial, inferior a 15%, menor que os 16% praticados contra os produtos portugueses, sendo isto o bastante para minar os esforços anteriores de industrialização e estabelecer clara dependência externa. Findos estes tratados na década de 40 o Brasil buscou novo protecionismo à sua indústria quando em 1843 estabeleceu impostos de 50 a 60% sobre bens que tivessem similares nacionais, mas logo em 1844 a tarifa Alves Branco estabeleceu uma taxa de importação na casa de 30%. Os anos de 1846 e 1847 viram novos esforços e incentivos à indústria brasileira, em especial a têxtil, mas o café então já tomava o cenário político e econômico, tornando menos favorável o ambiente para as discussões sobre o desenvolvimento industrial brasileiro, reforçando a crença da notória “vocação agrícola” do Brasil e colocando os dirigentes em uma gangorra oscilando ora para o protecionismo ora para a liberalização. Para Nícia Vilela Luz:

“Colocados nesse dilema – promover a industrialização do país, que reconheciam ser uma necessidade nacional, e atender ao mesmo tempo os interesses da lavoura – hesitaram, assim, os dirigentes brasileiros em adotar uma política francamente protecionista. Por outro lado, repousando o sistema tributário brasileiro na renda alfandegária, exigiam os interesses do fisco uma tarifa essencialmente fiscal. Nesse impasse permanecerá a política alfandegária brasileira, durante todo o período abrangido por este

151 LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. Editora Alpha Omega, 1978, São Paulo, pág. 21. 152 Idem, 1978, p. 21.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 94 estudo, incapaz de satisfazer nem aos partidários de uma política protecionista, nem aos defensores de um regime de livre troca.”153

Os anos seguintes trouxeram novas discussões sobre as taxas a serem aplicadas aos produtos importados e sobre a proteção da indústria nacional; se num primeiro momento o principal entrave à industrialização haviam sido os interesses ingleses, nos anos seguintes este entrave foi interno, configurado como a pressão exercida pelos interesses da monocultura. Mas em 1878 os problemas de caixa do Tesouro cuidaram de elevar para 50% as taxas de importação, que redundaram em alívio e certa proteção para a indústria interna, finalmente dando condições para um primeiro surto industrial entre as décadas de 1880 e 1890.

“Em 1885, registra­se em São Paulo o funcionamento de 13 fábricas têxteis com 1.670 operários e 3 fábricas de chapéus com 315 operários. No mesmo ano no mesmo Estado sabemos ainda da existência de 7 empresas metalúrgicas que reúnem cerca de 500 operários. Em 1889, conta­se no Brasil 636 empresas industriais onde trabalham 54 mil operários. Em 1901, entre as 91 mais importantes empresas industriais paulistas, 33 empregam de 10 a 49 operários, 33 de 50 a 199, 22 de 200 a 499, duas outras ocupam 600 operários cada e uma empresa possui cerca de 800 operários.”154

4.2. Mudanças no quadro político

Mas a real implantação da industrialização brasileira só poderia ter seu início com uma mudança radical processada nas direções políticas do país, onde os exportadores agrícolas não fossem mais os controladores da máquina estatal, ainda que o processo de acumulação da lavoura tenha sido determinante para o nascimento da indústria, como destaca Sérgio Silva:

153 Idem, 1978, p. 26­27. 154 SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. Editora Alpha Omega, 1976, São Paulo, pág. 77.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 95 “Ainda assim a produção de café serviu de base para a industrialização enquanto cumpriu seu papel na acumulação de capital. Mas na década de 1880 a 1890, as necessidades historicamente determinadas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo no Brasil e pela sua inserção na economia mundial capitalista em formação conduzem ao rompimento com as formas de acumulação do trabalho escravo, características da economia colonial.

Essas transformações não podem ser reduzidas à passagem ao trabalho assalariado, sob risco de não entendermos a própria passagem ao trabalho assalariado. O trabalho assalariado é o índice de transformações que incluem as estradas de ferro, os bancos, o grande comércio de exportação e importação e, inclusive, uma certa mecanização ao nível das operações de beneficiamento da produção.

São essas transformações que fazem da economia cafeeira o centro de uma rápida acumulação de capital baseada no trabalho assalariado. E é como parte integrante dessa acumulação de capital que nasce a indústria no Brasil.”155

A crise de 1929 redunda na derrocada econômica da elite cafeeira e, em 1930, Getúlio Dornelles Vargas, então com 47 anos, toma o poder pela Revolução, tornando­se chefe do então Governo Provisório, provisório apenas até 10 de novembro de 1937, quando Vargas capitaneou um golpe de Estado, instituindo o Estado Novo que o manteve no poder, pondo fim à luta sucessória dos candidatos à Presidência da República.

Porém a desestruturação do poder oligárquico não segue com suavidade e travestidos sob o ideal constitucionalista – uma idéia em torno da qual podiam­se aliar de comum acordo diferentes correntes políticas – estavam os interesses da elite empresarial urbana paulista que, cooptou outras camadas com seu discurso progressista veiculado principalmente no jornal O Estado de São Paulo do então editor Júlio de Mesquita Filho.

155 Idem, 1976, p. 80­81.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 96 Da Revolução de 1930 que levou Vargas ao poder, desencadeou­se o Movimento Constitucionalista onde os paulistas em 1932 levantaram armas contra o Governo. Durante três meses ocorreram combates no território paulista e matogrossense, isolando São Paulo do restante do país durante julho, agosto e setembro de 1932.

Comandada pelas elites a Revolução de 1932 foi apoiada pela FIESP que engajou diversas fábricas na produção de material bélico; assim durante estes três meses, além de tentar seguir com a vida civil na retaguarda, a indústria, o comércio, os transportes e as comunicações, foram colocados diante do invulgar desafio de abastecer também várias frentes de batalha com armas, munições e suprimentos. “A primeira vez que um instituto de pesquisas brasileiro tomou parte ativa num movimento político militar foi quando o LEM156 desenvolveu atuação decisiva na Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932”.157

Os outros estados que inicialmente apontaram que iriam apoiar São Paulo como Rio Grande do Sul e Minas Gerais recuaram, vindo a única adesão do Mato Grosso. Isolados e em inferioridade numérica os paulistas foram derrotados, mas mesmo assim a elite empresarial posará, no ano seguinte, com a convocação da Constituinte, de vencedora moral e política do combate, alegando que Vargas foi incapaz de ignorar o clamor de São Paulo. Por conta desta “visão paulista”, que em grande medida persiste até hoje, a revolução de 1932 teve e tem um curioso aspecto bairrista do qual ainda se ufanam os paulistas.

Além do engajamento da indústria na produção (e concepção) de armamentos durante a revolução, a derrota paulista trouxe um importante e inesperado desdobramento para a ciência e tecnologia no Brasil. Mesmo de posse da dita “vitória moral” a derrota de 1932 deixou um gosto amargo para a elite e as classes médias de São Paulo, e a idéia de que São Paulo perdeu por não estar preparado para a guerra tomou vulto.

Assim em 1934 foi fundada a Universidade de São Paulo, criada com a união de faculdades pré­existentes (como Direito e Medicina) e a criação de novos institutos (como a Faculdade de Filosofia). A a USP já nasceu com um brasão onde se lê sugestiva divisa latina "Scientia Vinces", ou “Vencerás pela Ciência”.

156 LEM – Laboratório de Ensaio de Materiais da Escola Politécnica de São Paulo. 157 VARGAS, Milton. Para uma Filosofia da Tecnologia. Editora Alpha Omega, 1994, São Paulo, pág. 233.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 97 O mais interessante do episódio talvez resida no fato de que pela primeira vez tomou­se consciência em território nacional do valor prático da pesquisa científica e a necessidade de se investir nela. Nos anos seguintes a Universidade de São Paulo irá se firmar como uma das mais relevantes instituições de ensino e pesquisa da América Latina, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento científico e industrial alcançado por São Paulo e pelo Brasil.

Destaca­se o processo de constituição das universidades como um dos fatores de peso na industrialização do Brasil, e em geral datam dos anos 30 as primeiras universidades brasileiras que surgem tardiamente mas firmam­se como centros produtores de ciência e tecnologia, ocupando o espaço de alguns institutos (muitos dos quais foram integrados às universidades). Porém Milton Vargas considera que “o que abriu definitivamente a atividade de pesquisas tecnológicas na universidade foi a instituição dos cursos de pós­ graduação a partir dos primeiros anos da década de 60.”158 Sua argumentação baseia­se na percepção de que o estabelecimento destes cursos é igual à execução de pesquisas na universidade, pesquisas estas agora financiadas por agências governamentais especialmente estabelecidas para tanto como a FINEP, FAPESP e CNPq.

4.3. A Industrialização

Desta forma, se por um lado a revolução de 30, não permite a Vargas romper totalmente com a antiga elite agrária do país, por outro afasta­a pela primeira vez na história do cume do poder, abrindo espaço para novas posturas e novos interesses.

Porém transições desta natureza raramente são tão simples, e diante do levante armado de 1932 em São Paulo, o Governo provisório se viu coagido pela necessidade de compor com a elite cafeeira. O resultado desta composição foi a série de medidas destinadas a auxiliar o setor em sua crise, lançadas em 1933.

A crise leva o Governo a comprar as safras de café que não tinham mais condições de serem exportadas. Agindo desta maneira o Governo manteve o nível de demanda interna, impedindo o colapso da economia cafeeira.

158 Idem, 1994, p. 238.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 98 “Ao garantir preços mínimos de compra, remuneradores para a grande maioria dos produtores, estava­se na realidade mantendo o nível de emprego na economia exportadora e, indiretamente, nos setores produtores ligados ao mercado interno. Ao evitar­se uma contração de grandes proporções na renda monetária do setor exportador, reduziam­se proporcionalmente os efeitos do multiplicador de desemprego sobre os demais setores da economia.

(...) Dessa forma, a política de defesa do setor cafeeiro nos anos de grande depressão concretiza­se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional.

(...) É portanto perfeitamente claro que a recuperação da economia brasileira, que se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator externo e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa dos interesses cafeeiros.159”

Ao mesmo tempo, as diferenças cambiais impediam sumariamente que fosse mantida a política de importação de bens, um fator decisivo no cenário e necessário para o surgimento e consolidação da empresa nacional.

Assim, quando o primeiro Governo de Vargas deu início ao processo de substituição de importações, causou um surto – talvez inadvertido – de industrialização no país, logo, em pouco tempo a capacidade ociosa da empresa nacional foi preenchida e o investimento na produção industrial passou a ser altamente lucrativo, mesmo que contemplando apenas o mercado interno, conforme relata Bresser Pereira:

“Vai­se desenrolar então, a partir de 30, um drama, cujos contornos se irão definindo cada vez mais. De um lado, lutando por uma volta ao antigo regime, a agricultura latifundiária do café e o alto comércio ligado ao café ou diretamente ao capitalismo internacional, com o apoio da classe

159 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1999. p.190, 192 e 193.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 99 média parasitária ligada por laços econômicos e sociais (familiares mesmo) à antiga classe dominante. Do outro, o Governo, no qual, além de parte das referidas classes de oposição que aderiram para poder lutar por seu interesses em campos mais favoráveis, além dêsse grupo vamos encontrar a classe industrial, a classe proletária e uma nova classe média.” 160

A economista Maria da Conceição Tavares estudou o processo de substituição de importações que foi operado no Brasil e no restante da América Latina a partir deste período, para ela o desequilíbrio externo de 1914 a 1945 levou os governos a adotarem medidas objetivando a defesa do mercado interno frente à crise mundial. O objetivo seria antes defender­se do desequilíbrio externo do que estimular o mercado interno, e estas medidas consistiam quase que exclusivamente em controle e restrição de importações.

Tais medidas proporcionaram um processo de desenvolvimento para “dentro”, contrastando como o modelo primário­exportador que operava com a exportação de um ou dois produtos primários e circunscrevia o crescimento à demanda externa por estes produtos. Se no modelo anterior a demanda interna de manufaturados era suprida por importações, agora, com as importações limitadas seria possível tentar suprir internamente a demanda, abrindo espaço para a industrialização161, o que segundo Conceição Tavares corresponde a novo modelo de desenvolvimento.

“Inicialmente utilizando e mesmo sobreutilizando a capacidade existente foi possível substituir uma parte dos bens que antes se importavam. Posteriormente, mediante um redistribuição de fatores e, particularmente, do recurso escasso, as divisas, utilizou­se a capacidade para importar disponível com o fim de obter do exterior os bens de capital e as matérias­primas indispensáveis à instalação de novas unidades destinadas a continuar o processo de substituição”162.

160 PEREIRA, L.C. Bresser, Desenvolvimento e Crise no Brasil, Zahar Editores, 1968, Rio de Janeiro, pág. 25. [sic] 161 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 162 Idem, 1982, p. 33.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 100 Outros fatores contribuiriam para o desenvolvimento da industrialização brasileira, como a facilidade do transporte e a presença do imigrante que produziram um salto qualitativo entre 1919 e 1929 na indústria paulista.

Além disso, as relações capitalistas estavam mais avançadas no Sul, dando as condições, juntamente com a política estatal de substituição de importações, para que tivesse início, após a crise de 1929, a produção industrial de manufaturados no Brasil. Alinhados a estes fatores podemos colocar a dependência nordestina com o comércio internacional e sua baixa integração regional para começamos a pintar o quadro das desigualdades regionais que a industrialização brasileira agravaria.

Apesar de ainda sentir a pressão da elite agro­exportadora, neste período o Governo passa a atender as demandas de novas classes emergentes: a classe proletária e uma nova classe média, que agora é menos parasitária do Estado. Uma disputa política que pode ser mais claramente compreendida quando analisamos a composição da nova classe industrial.

É comum encontrar relatos de que com a crise do café os produtores da monocultura cederam espaço para os imigrantes, porém parece haver mais cinza nesta transição do que preto e branco. Bresser Pereira sustenta que, com efeito, apenas uma pequena fração da classe industrial surge na parcela da antiga classe dirigente que se alinha ao novo Governo, tendo seus principais representantes na classe média paulista, especialmente entre os imigrantes:

“Os empresários brasileiros, ou melhor, paulistas, segundo pesquisas que realizamos, eram em geral imigrantes êles mesmos (50%), ou filhos e netos de imigrantes. Apenas 16% dos empresários tinham origem em famílias brasileiras, em que os pais e os avós eram brasileiros” 163

Aqui está colocada a controversa idéia de que o capital para esta produção industrial era inicialmente familiar e imigrante, que passou a ser reinvestido na produção e expandiu­ se. Mesmo Caio Prado Junior cai, em sua História Econômica do Brasil, na armadilha de

163 PEREIRA, L.C. Bresser, Desenvolvimento e Crise no Brasil, Zahar Editores, 1968, Rio de Janeiro, pág. 55.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 101 visualizar uma origem modesta para o empresariado brasileiro. Sérgio Silva não deixa de notar esta imprecisão quase tradicional da historiografia e aponta que:

“Warren Dean dá uma contribuição decisiva para demonstrar o caráter errôneo dessas teses: os imigrantes que se tornam industriais não se confundem com a massa de migrantes. Dean os denomina 'burgueses imigrantes', ressaltando desse modo aquilo que os distingue da massa de imigrantes constituída de trabalhadores.

(...) Para a burguesia industrial nascente, a base de apoio para o início da acumulação não é a pequena empresa industrial, mas o comércio, em particular o grande comércio cujo centro está na atividade de exportação e importação. Do mesmo modo que na exportação, a importação é controlada por empresas estrangeiras. Graças às suas origens sociais, o burguês imigrante encontra facilmente um lugar no grande comércio. Ele torna­se representante de firmas e marcas estrangeiras e se encarrega da distribuição de produtos importados pelo interior do país.

(...) A situação privilegiada do importador durante esse período implica particularmente a possibilidade de dispor de capitais relativamente importantes, seja aplicando lucros de seus negócios, seja recorrendo ao crédito dos bancos estrangeiros com os quais mantém relações comerciais.”164

Corroborando esta tese está também Conceição Tavares ao apontar que “grande parte das atividades substituidoras de importações era realizada por investimentos diretos estrangeiros, associados ou não a empresários nacionais, que traziam consigo, além do capital, a técnica adotada em seus países de origem”165. Some­se a isso, o fato inegável de

164 SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. Editora Alpha Omega, 1976, São Paulo, pág. 93 e 95. 165 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p.51

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 102 que com o florescimento da indústria parte do capital acumulado pela monocultura encontrou seu caminho até esta nova fase de acumulação.

Os anos 30 trazem assim um conturbado período na história brasileira, marcados por um forte nacionalismo, disputas políticas166 e pelo início da industrialização. Se até os anos 30 o foco das políticas econômicas era a monocultura, não havendo política industrial no Brasil, a mudança de atitude que vinha se consolidando, tomaria vulto durante o segundo Governo Vargas167.

Além do foco da política econômica, muda também a mentalidade, e a industrialização passa finalmente a ser vista como uma necessidade para fortalecer o país frente os humores dos mercados externos que consumiam os produtos agrícolas dominantes na pauta de exportações.

No primeiro Governo Vargas, durante a 2ª Guerra Mundial, ganharam relevo as obras de infra­estrutura e a criação das indústrias de base (siderurgia e cimento), pois é quando o “Governo decidiu entrar no setor da siderurgia dando início ao investimento pioneiro de Volta Redonda, cuja entrada em funcionamento em 1946 constitui a primeira operação em grande escala na indústria pesada da América Latina”168. Após o desmantelamento do Estado Novo, o Governo Dutra paralisou a tendência industrializante e de iniciativa estatal, retomada no segundo Governo Vargas, que marca a volta da industrialização, “reservando um papel estratégico para as estatais”169,

Em 1948 com o esgotamento das reserva de divisas o país precisa entrar em uma política de controle cambial e discriminação das importações, o que termina por oferecer

166 Com a instituição do Estado Novo em 1937 foi dissolvido o Congresso, outorgada uma nova Constituição e garantida a permanência de Vargas no poder até 29/10/1945, data em que tomou posse o advogado José Linhares, levado à presidência por convocação das Forças Armadas, como Presidente do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a deposição do titular Getúlio Vargas. 167 José Linhares permanecerá no cargo apenas até 1946, quando em 31/01/1946, toma posse o Marechal Eurico Gaspar Dutra, eleito por sufrágio direto e de acordo com todos os dispositivos constitucionais de então. Dutra é novamente sucedido por Getúlio Vargas, também em eleição direta. 168 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p.70 169 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 131

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 103 novo estímulo à industrialização, pois além da proteção cambial institui uma reserva de mercado. Esta foi basicamente a fase de implantação das indústrias de aparelhos eletrodomésticos e outros artefatos de consumo durável170.

Apesar de toda a “confusão”171 no quadro político durante os anos 50, a necessidade de industrialização e a sua importância haviam se tornado quase consenso nas camadas dominantes da sociedade brasileira, em parte pela situação deficitária da balança comercial, em parte pela influência do pensamento de Raul Prebish e da CEPAL172, que após a 2ª Guerra Mundial ocuparam­se do estudo do desenvolvimento dos países sub­desenvolvidos da América Latina. Assim, “Graças à emergência de uma camada tecno­burocrática imbuída dessas idéias, criou­se um padrão de intervenção de forma até relativamente independente do grupo político no poder: o plano SALTE, de 1949­1954 (governos Dutra e Vargas), o Programa de Metas, de 1956­1960 (governo JK) e o Plano Trienial (governo Goulart). Também nesta fonte podem ser encontradas as raízes das grandes empresas brasileiras, tais como a Petrobrás, BNDE e SUDENE.”173

Os anos 50 trazem um aumento da participação indireta do Governo nos investimentos e permite que o capital privado estrangeiro entre de maneira oficial na economia. Este capital estrangeiro impulsiona novos investimentos, especialmente na indústria mecânica. “Neste período teve lugar a instalação de algumas indústrias dinâmicas como a automobilística, de construção naval, de material elétrico pesado e

170 Idem, 1994, p. 71 171 Vargas suicida­se em 24 de agosto de 1954, assumindo então seu vice João Fernandes Campos Café Filho. Segue­se um novo período bastante conturbado na arena política brasileira, onde Café Filho é afastado por motivo de saúde e depois sofre um impedimento. Com o afastamento de Café Filho, em 08/11/1955, o advogado Carlos Coimbra da Luz, Presidente da Câmara dos Deputados, assume a presidência, onde permanece por apenas três dias, tendo sido deposto por um dispositivo militar e considerado impedido de exercer o cargo de Presidente da República pelo Congresso Nacional. Entre 11/11/1955 a 31/01/1956 Nereu de Oliveira Ramos, então Vice­Presidente do Senado Federal, assumiu o Governo em virtude do impedimento do Presidente João Fernandes Campos Café Filho e do Presidente da Câmara dos Deputados, conforme deliberação do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Somente em 31/01/1956, por eleição direta, a normalidade é restaurada, com a eleição do médico Juscelino Kubitschek de Oliveira como Presidente da República. ­ dados e datas: https://www.planalto.gov.br/historia.htm 172 CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina 173 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 115

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 104 outras indústrias mecânicas de bens de capital”174. O preço desta nova fase da industrialização foi o agravamento das desigualdade regionais e aumento da inflação, além disto passa a existir a percepção de que algo está faltando na industrialização brasileira e que a mesma ocorre acelerada, mas incompletamente:

“Nesse modelo de desenvolvimento “dependente”, havia lugar para o crescimento de um setor industrial local, que se efetuaria com recurso à tecnologia estrangeira. Note­se porém que a produção transplantada dos países adiantados se desloca para a periferia do sub­desenvolvimento apenas após a tecnologia envolvida ter se tornado rotineira.

(...) Assim, a indústria local não chega a necessitar de pesquisa e desenvolvimento próprios, pois atua no mais das vezes como entreposto de vendas para as multinacionais”.175

Até a implantação da indústria automobilística não são feitas grandes perguntas ou reflexões sobre a origem da tecnologia, aceitando­se como certo que a tecnologia seria de alguma forma importada e paga, porém, entre o fim dos anos 60 e início dos 70 com a percepção de que “[u]m país que não desenvolva por si mesmo sua capacidade científica e tecnológica, sem dúvida se tornará dependente tecnológicamente e será dominado pelos países mais avançados.”176, foi desencadeando uma mudança de postura do Governo brasileiro.

O Plano Estratégico de Desenvolvimento, lançado em 1967, cria a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), fortalece o CNPq e constituí o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ações que implementam uma base institucional sólida de apoio à pesquisa científica.

174 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p.72 175 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 145 176 SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p.16

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 105 Em 1974 Geisel lançou o II PND, que incluía a acentuada atuação das estatais na economia e visou promover novamente um movimento de substituição de importações como forma de poupar divisas (especialmente devido à crise do petróleo). Os empresários brasileiros encontraram neste período uma infra­estrutura bastante favorável em energia, metalurgia, química e bens de capital, além de um novo padrão qualitativo na mão de obra oriunda das universidades e institutos de pesquisa.

Dentro do segundo PND estava finalmente uma política de informática icialmente desvinculada de outras áreas em geral, que não a militar como nota Gildo Magalhães, “[a] formação de uma política nacional de informática após 1974 se daria no ápice de um segundo ciclo industrial após Vargas, que se poderia situar em princípio entre os anos de 1967 e 1981.”177 É nesta época, com a formulação desta política nacional de informática, que ganha corpo, entre os profissionais da nova área, a idéia de que a dependência tecnológica era muito prejudicial ao desenvolvimento:

“(1) a falta de conhecimento científico­tecnológico de como os produtos era concebidos e desenhados situou o Brasil no lado da execução na divisão internacional do trabalho; e (2) o compromisso no lado da execução resulta em comparativa desvantagem econômica. Esta dupla construção de significado traduzia a falta de conhecimento científico­ tecnológico como a causa da desvantagem econômica no contexto da divisão internacional do trabalho, que era também traduzida como a causa da pobreza”178

Durante os anos 70 o Governo brasileiro buscou fugir do seu modelo tradicional de importação de tecnologia e objetivou desenvolver uma indústria de microcomputadores 100% nacional, empreendimento que ao menos no quesito técnico teve significativo

177 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 135 178 COSTA MARQUES, Ivan da. Cloning Computers: From Rigths of Possession to Rigths of Creation. In: Science as Culture. Routledge, Jun. 2005. Vol. 14, No. 2, 139­160.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 106 sucesso. Além da idéia de capacitação nacional, animava também este projeto o peso dos computadores e componentes eletrônicos na situação desfavorável da balança comercial.

A capacitação nacional deveria ser baseada na criação de uma massa crítica de técnicos brasileiros, uma posição que inicialmente encontra eco em diferentes setores da sociedade, dos militares à comunidade científica e burocracia estatal, fortalecida ainda com a existência de relativa capacitação tecnológica no Brasil179.

Para atingir tal objetivo foi garantido às pesquisas universitárias de engenharia­ reversa das máquinas importadas, e comercialmente disponíveis, o status de pesquisa científica “legítima”. O conceito apoiava­se na argumentação de que a engenharia­reversa consistia na “descoberta” e capacidade de reprodução de uma tecnologia alienígena, sem que a mesma fosse previamente conhecida, ou tivesse seu processo original de produção conhecido180.

Neste período está a resposta da pergunta que abre este capítulo, qual a origem dos técnicos e engenheiros de informática brasileiros?

Basicamente a partir do final dos anos 60, com o esforço da engenharia reversa e a posterior reserva de mercado181 – implementada quando o Brasil atingiu capacidade técnica para produção de computadores, sem ter a capacidade industrial para sua produção – foram formados os primeiros grupos de profissionais de informática com profundo domínio de hardware e software, o material humano que foi base de sustentação e multiplicação da informatização brasileira nas décadas de 80 e 90.

Vigevani, assim como Gildo Magalhães (vide nota 173) também enxerga uma tecno­ burocracia que adere ao conceito de capacitação nacional para além das visões ideológico­ partidárias, “[o]s técnicos desses núcleos tinham diferentes origens: escolas de alto

179 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. 180 COSTA MARQUES, Ivan da. Cloning Computers: From Rigths of Possession to Rigths of Creation. In: Science as Culture. Routledge, Jun. 2005. Vol. 14, No. 2, 139­160. 181 Para a discussão detalhada da Reserva de Mercado da Informática, estressando diferentes aspectos, ver: Ivan da Costa Marques, Gildo Magalhães do Santos Filho, Maria Helena Tachinardi e Tullo Vigevani.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 107 gabarito tecnológico (Politécnica da USP, ITA, Engenharia da PUC/RJ, COPPE­UFRJ), orgãos públicos, etc.”182

Contudo tecnocratas de médio escalão compõem um “bloco social débil”, e a desarticulação da academia e do poder público com o capital impediram a continuidade do desenvolvimento alcançado nos laboratórios, não sendo possível, afinal, “separar o problema do desenvolvimento tecnológico do problema da capacidade industrial”183.

O que ficou demonstrando no caso do projeto brasileiro de informatização foi a necessidade de se trabalhar conjuntamente a Tecnologia de Projeto, a Tecnologia de Produção e a Tecnologia de Uso. Isto significa que além de ser capaz de manufaturar um artefato em laboratório, é precisa investimento industrial para ganhar os mercados, sem esquecer do condicionante de um ambiente cultural e educacional compatível, capaz de absorver o novo artefato.

Chegando nos anos 1980 a crise econômica aliada à ideologia liberalizante colocou um freio nas conquistas até aqui realizadas:

“O Estado brasileiro, sem diretrizes e incapaz de realizar as necessárias reformas sociais, iniciou na década de 1980 o rápido declínio que o levaria ao colapso de vitórias conseguidas a duras penas desde os anos 30 com a decadência da educação, saúde, segurança, energia, transporte, telecomunicações, etc. No afã de minimizar o Estado em funções claramente obsoletas e de fortalecer uma iniciativa privada encabeçada por empresas multinacionais, jogou­se fora a criança com a água do banho: destruiu­se também a capacidade de o Estado brasileiro promover a modernização e o desenvolvimento, em meio a uma crise sem precedentes em que o poder de caixa do Estado minguou cada vez mais.”184

182 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.76 183 Idem, 1995, p. 80. 184 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 151

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 108 Ao contrário do que aconteceu em outros países, nos anos 80, o capital para a produção do computador brasileiro não teve origem nos grupos industriais, mas sim no sistema financeiro. Duas razões são apontadas para esta origem, a primeira sendo a indução do Estado, e a segunda a visão do setor, que considerou os benefícios da automação como caminho para a diminuição de custos na operação da economia inflacionária; assim nos anos 80, no Brasil, os bancos criam e/ou adquirem empresas de tecnologia. Grandes empresas de tecnologia, ainda em operação no Brasil, são herança deste movimento como a Scopus (banco Bradesco) e a Itautec (banco Itaú).

Porém, a pressão americana sobre as reservas aplicadas ao setor de informática pelo governo brasileiro – formalizada em ameaça de sanções aos produtos exportados pelo Brasil – aliada ao descontentamento interno com a burocracia e questionamentos sobre a capacidade do governo em gerir a política de informática, indicavam que logo este mercado sofreria uma mudança185. Um dos principais pontos do qual faziam questão os americanos era uma lei brasileira do software, assunto abordado a seguir.

4.4. História do Software no Brasil

A transformação proposta por uma inovação tecnológica não pode ser satisfatoriamente engendrada se estiver dissociada da acumulação de capital (como Celso Furtado já havia notado), uma vez que a difusão da inovação é, ou deve ser, sustentada pelo capital previamente acumulado.

Como já foi mencionado neste texto, além da pesquisa, são necessários mais dois passos na consolidação da tecnologia: produção e uso. O uso é um fato culturalmente determinado e se relaciona com a capacidade social de absorver a tecnologia, está diretamente ligado ao nível educacional da população. Produção, contudo, é um fator mais

185 Cf. SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. e VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 109 complexo, está relacionado com a existência ou criação da base industrial necessária para tornar a inovação em produto viável, logo depende da acumulação prévia de capital já convertido ou passível de conversão em instalações produtivas.

“No Brasil, como, aliás, em outros países, a indústria de informática não surgiu como consequência do fluir das forças produtivas ou da “mão invisível do mercado”, mas como consequência de uma ação deliberada do Estado, que foi levado a isto pela conjugação de diferentes razões, inclusive e principalmente por vontade política e por interesses que não eram diretamente empresariais, ao menos na origem”186.

E já no começo da indústria de informática no país o software foi uma questão espinhosa a ser administrada pelo Governo Brasileiro, “desde 1968 a Marinha estava preocupada com o domínio tecnológico dos computadores de bordo para controle de tiro vindos em suas novas fragatas, recém­importadas da Inglaterra”187.

O protótipo G­10 (“Patinho Feio”), realizado pela Escola Politécnica da USP em 1971 foi o primeiro computador brasileiro, construído sob o patrocínio do GTE (Grupo de Trabalho Especial) da Marinha/BNDE, formado com objetivo de desenvolver o projeto do computador nacional. Além da Escola Politécnica da USP que ficou responsável pelo projeto do hardware, a PUC­RJ foi patrocinada para desenvolver o software188.

Fundada em 1974 a COBRA189 industrializou o protótipo G­10, cuja evolução o G­ 11 foi o início de sua linha comercial (modelo 530). “Ao mesmo tempo foi nacionalizado o computador da Ferranti inglesa, para a Marinha (que como vimos estava na origem da

186 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.75. 187 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 157 188 SANTOS FILHO, loc. cit. 189 Computadores Brasileiros S.A.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 110 substituição de importações de computadores), resultando na fabricação de um modelo destinado também para o uso civil em controle de processos.190”

O dirigismo estatal na criação da indústria de informática deu origem a diferentes atritos com os Estados Unidos191, agravados sensivelmente em outubro de 1984, com a aprovação pelo congresso nacional da Lei de Informática192 quando se intensificou a pressão norte­americana contra a política de informática do governo brasileiro, com a possibilidade concreta de retaliações contra produtos brasileiros. Desde os primórdios destes atritos, os softwares se apresentam como questão estratégica para o Brasil, estratégia e problemática com o forte impulso protecionista dos anos de 1982, 1983 e 1984.

“Com o Ato Normativo 022/82 a SEI conferiu ao software natureza de tecnologia não patenteável, negando a tais produtos direitos de propriedade autoral (copyright), e ao mesmo tempo instituiu o registro dos programas de computador comercializados no mercado local, cedendo preferência aos produtos desenvolvidos no país”193.

Essa medida foi tomada em resposta à tentativa de empresas norte­americanas de registrar no Brasil os seus softwares como obras intelectuais, ou seja, já em 1982 a questão da propriedade das idéias estava colocada no mercado brasileiro de softwares.

No ano de 1986 as relações com os Estados Unidos estavam extremamente tensas e o copyright para o software era uma das principais questões em discussão. Os órgãos do

190 SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p. 159 191 Cf. VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. ; SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. ; TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes : O conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. São Paulo : Paz e Terra, 1993. 192 Vide: Anexos, documento III 193 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.104.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 111 governo encarregados de gerir a política de informática, pretendiam que o software fosse comercializado com controle sobre o limite de pagamentos de royalties e pela via do licenciamento de empresas brasileiras. Havia também a intenção de exigir que o registro dos softwares fosse feito na forma de código fonte, reflexo da busca da capacitação para a concepção e engenharia dos produtos, tom principal de toda a política brasileira de informática, o que alarmava as empresas norte americanas.

“Em relação à questão do software, além dos pontos já citados, um outro era considerado essencial pelos Estados Unidos: a regulamentação da obrigatoriedade ou não das empresas exportadoras de software de divulgar seus códigos­fonte. Aí residia uma questão de princípio que, conforme a decisão final do governo, implicaria debilitamento de todo o conceito de capacitação nacional. A embaixada norte­americana preocupava­se com o risco de que fossem reduzidos para três anos os direitos das empresas estrangeiras sobre seus programas. Enquanto isso, a questão do código­fonte mobilizaria rapidamente, além dos negociadores dos Estados Unidos, as próprias empresas daquele país, em particular as de software, que começava a mover­se concretamente em relação ao Brasil e suas empresas.

(...) a abertura do programa fonte era um risco inaceitável para as empresas produtoras de software, pois abririam mão da matéria­prima básica do retorno de seu investimento intelectual em pesquisa e desenvolvimento. Este era, certamente, um caso de conflitualidade estrutural de difícil equacionamento, em que a perspectiva cooperativa tinha difícil aplicação”.194

A questão do software mereceu então lei específica195, criada devido à pressão americana e que foi enviada para tramitar no Congresso, mantendo as premissas brasileiras

194 Idem, 1995, p. 246 e 248. 195 Vide: Anexos, documento III (Lei No 7,646, de 18 de dezembro de 1987)

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 112 de inserção na indústria de informática: mantendo o controle do mercado e buscando a capacitação para a concepção e engenharia dos produtos informáticos.

Em maio de 1986 a Microsoft comunicou a empresas brasileiras, incluindo aí a Itautec, que poderiam ser processadas pela violação da propriedade do MS­DOS. A defesa da Itautec alegou ter desenvolvido um software de sistema operacional, compatível com o IBM­PC, sem consulta a especialistas, código fonte ou documentação da Microsoft, portanto não configurando cópia.

“A iniciativa da Microsoft visou, inicialmente, a algumas empresas brasileiras: além da Itautec, Sid, Microtec, Prológica e outras. Cerca de cinqüenta empresas brasileiras poderiam ser atingidas pela acusação. (...) a SDD – Sistemas de Informática que licenciou para outros quinze fabricantes o chamado SSD­DOS, negou desde o princípio qualquer plágio. (...) provas em poder da Microsoft, obtidas através de peritagem em micros e programas, eram em alguns casos comprobatórias e em outros insustentáveis, mas o fato é que estas pressões produziram resultados importantes (...)”.196

Destes o mais relevante talvez tenha sido o auxílio em minar o apoio interno à Reserva de Mercado. Diante das acusações, diversos empresários viram­se compelidos a considerar e defender o licenciamento do produto da Microsoft. Esta postura parece ter sido particularmente forte entre os casos onde havia a perspectiva “comprobatória” de fraude, que tornava o licenciamento ainda mais atraente, já que não haveria grande investimento em pesquisa e desenvolvimento a ser perdido.

Este relato dá a idéia da importância para o Brasil da autonomia sobre os softwares e em especial sobre o seu próprio sistema operacional, assunto sobre o qual pode­se juntar a efetiva atuação do USTR197 contra a obtenção de um sistema operacional pelo Brasil.

196 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p. 252. 197 United States Trade Representative

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 113 Um conjunto de empresas brasileiras, unidas na Associação para o Progresso da Informática (API) vinha negociando há três anos com a ATT198 a compra de seu sistema UNIX, com o código fonte incluso, até que a negociação foi terminada pela ATT.

“(...) o Departamento de Comércio e o USTR não ordenaram medidas concretas à ATT, mas alertaram para os perigos que a falta de proteção de software no Brasil traria para um produto no qual estava implícito o licenciamento do código­fonte.

(...) a ATT interrompeu as negociações, o que evidenciou a força de liderança da ação estatal norte­americana, que, confirmando mais uma vez nossa hipótese, tinha objetivos de caráter estratégico, mais amplos que os aspectos comerciais específicos”.199

Nesta época o Brasil já contava com inúmeros “clones” do UNIX desenvolvido por empresas como “COBRA (SOX), Digirede (Digix), Edisa (Edix), USP e Prológica (Real), Núcleo de Computação e Eletrônica da UFRJ (Plurix)”200, mas os empresários brasileiros estavam em busca do licenciamento do UNIX para contarem com um padrão único.

O contencioso da informática entre Estados Unidos e Brasil arrastou­se por anos, periodizados entre setembro de 1985 e outubro de 1989 pelo Prof. Tullo Vigevani. Entre todas as questões levantadas nos anos de debate entre as duas nações foram contestadas posições sobre: a legalidade da engenharia reversa, o direito à autonomia tecnológica, proteção à indústrias nascentes, reserva de mercado e clonagem de sistemas.

Porém foi a questão da propriedade intelectual e do direito à propriedade dos softwares, em especial dos sistemas operacionais, que levou mais tempo para ser equacionada, levando o Brasil à beira de pesadas sanções econômicas, justamente por uma ação contrária ao MS­DOS da Microsoft.

198 American Telephone and Telegraph 199 VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p.264. 200 Idem, 1995, p. 264.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 114 Atuando dentro dos limites técnicos da lei de reserva de mercado, a SEI (Secretaria Especial de Informática) recusou o registro e proibiu a comercialização no Brasil do MS­ DOS em setembro de 1987, por existir um similar nacional, o Sisne, da Scopus. Com a crise econômica instalada no Brasil o momento era oportuno para o governo americano “atender às reivindicações da Microsoft”201 (que então não tinha nenhuma participação no mercado brasileiro) e anular porções da lei do software, relacionadas à propriedade intelectual, inaceitáveis para os negociadores norte­americanos.

Esta ação fora desencadeada por empresas brasileiras que considerando a posição da Microsoft de líder neste segmento, entraram em um acordo com a empresa e solicitaram o registro do MS­DOS a SEI. O resultado da negativa foi a Scopus ser acusada de pirataria pela Microsoft, que inclusive ao lado de outras produtoras de software como Lotus e Autodesk, buscou levar o caso ao Congresso Norte Americano.

O resultado direto dos protestos da Microsoft foi o anúncio, pelo presidente Reagan, que o Brasil sofreria sanções no valor de 105 milhões de dólares, em produtos a serem definidos, ação que serviu definitivamente para minar o já vacilante apoio da sociedade e da classe empresarial (que como sabemos nunca aderiu com muita convicção) à reserva de mercado. O valor da sanção inclusive cheou a ser contestado, pois se fosse constatado algum prejuízo da Microsoft ele escilaria entre 1,5 e 4 milhões de dólares.

“(...) Bill Gates se empenhou pessoalmente em reverter a decisão brasileira de não autorizar o licenciamento do MS­DOS. (...) Gates em nenhum momento aceitou que a similaridade prevista na legislação brasileira era uma idéia razoável e válida (...) ele usaria todo seu poder de lobby para conseguir licenciar o DOS, o que efetivamente ocorreu”.202

Pela segunda vez neste texto é necessário remeter o leitor, pela semelhança dos casos, à questão da clonagem do software do Lisa, o acordo da Microsoft com John Sculley e o indeferido processo da Apple contra a Microsoft por conta da “similaridade” do Windows com os sistemas operacionais dos Macintosh.

201 Idem, 1995, p. 298 202 Idem, 1995, p. 301

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 115 Como forma de suavizar a postura americana e tentar evitar as sanções anunciadas Sarney sancionou a Lei 7.646 (18/12/1987), chamada Lei dos Softwares, com 13 vetos, que atendiam parcialmente às demandas norte­americanas, que viriam a ser plenamente satisfeitas até a regulamentação da lei203.

Desta forma, em “(...) 1989, os gastos em P&D das empresas nacionais de informática atingiram US$ 340 milhões, correspondendo a 8,2% de seu faturamento total. Neste contexto, havia grande demanda por profissionais altamente qualificados, serviços técnicos e treinamento.

A partir de 1990, com o início do processo de liberalização do mercado de informática, as empresas passaram a buscar no exterior não só a tecnologia como os próprios produtos finais, através da importação de kits ou equipamentos totalmente montados. Em conseqüência, as empresas nacionais reduziram suas atividades de P&D em até 70%, desmobilizando grande parte das equipes técnicas.

A natureza da demanda por serviços tecnológicos também foi alterada, refletindo a ênfase em marketing das novas estratégias das empresas nacionais.”204

E em 1991 a Lei 8.248, de 23 de outubro é sancionada pelo presidente Fernando Collor de Mello, terminando em definitivo com a reserva do mercado brasileiro de informática em outubro de 1992, datas que marcam a capitulação brasileira no seu objetivo de autodeterminação tecnológica.

203 VIGEVANI, Tullo, loc. cit. 204 TIGRE, Paulo Bastos. Liberalização e capacitação tecnológica: o caso da informática pós­reserva de mercado no Brasil. In: SWARTZMAN, Simon (Coord.); KRIEGER, Eduardo... [et. al.]. Ciência e Tecnologia no Brasil : política industrial, mercado de trabalho e instituição de apoio. Rio de janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1995. p. 179.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 116 4.5. O Software Livre e a política brasileira de desenvolvimento tecnológico, uma nova tentativa de autodeterminação.

O florescimento dos microcomputadores nos Estados Unidos e no Brasil, apesar de tudo, guarda certas semelhanças. Se nos Estados Unidos foi a contra­cultura quem criou o PC, no Brasil ele foi criado pela engenharia reversa, ambos movidos a combustíveis com uma identidade comum: a rebeldia.

É preciso destacar o peso do conceito de “engenharia reversa” e dar alguma noção de sua importância, pois mesmo diante do fracasso, ele capacitou toda uma geração de técnicos brasileiros.

Este conceito faz um paralelo com a importância do conhecimento do código fonte dos softwares e do sistema operacional, já que é nesta dimensão que está a diferença fundamental da capacitação para o Estado: ter técnicos que sejam apenas “operadores certificados” de um sistema operacional alienígena ou ter “engenheiros” de um sistema operacional, nacional (ou transnacional no caso do Linux).

O ocaso da política nacional de informática põe em relevo a questão da autodeterminação tecnológica dos países, demonstrando que ela não estava acessível ao Brasil de então – nem em suas décadas de desenvolvimentismo estruturalista, de inspiração cepalina, muito menos na guinada neo­liberal que o acomete em seguida.

“Uma condição prévia para a autodeterminação é ter um grau significativo de autocontrole ou independência nacional, entendendo­se por isso a liberdade de fixar objetivos nacionais e de escolher os meios para alcançá­los. Isto implica um ato político de afirmação e a possibilidade de mantê­lo – neutralizando interferências externas e internas – durante todo o tempo necessário para consolidar as transformações e fixar as bases da estrutura sócio­econômica que se deseja alcançar. Este ato de afirmação deve incluir medidas que permitam regular investimentos, modificar pautas

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 117 de consumo, dirigir a orientação das atividades sociais produtivas, e determinar o uso dos recursos naturais.”205

Dos três pontos que Sagasti elege como centrais na autodeterminação tecnológica de um país206, o Brasil só conseguiu implementar satisfatoriamente a capacidade de gerar conhecimento técnico, falhando na tomada de decisões autônomas e falhando na capacidade de produção interna. Assim, os anos 90 vão configurar o Brasil basicamente em mais um mercado consumidor de informática.

Este cenário ficará praticamente inalterado até 2002 quando o PT chega ao poder com a eleição de Lula. O PT trazia consigo diversas experiências implantação bem sucedida de Softwares Livres em administrações municipais, embora o Software Livre não seja seja exclusividade do PT207 é sintomático que logo que se confirmou a vitória de Lula, a imprensa tenha especulado que Bill Gates, por intermédio do senador Cristóvão Buarque, tenha enviado uma cópia de seu livro A empresa na velocidade do pensamento, e uma carta convidado Lula para visitar os EUA e conversar sobre como implementar projetos de alta tecnologia no Brasil208. Afinal, a adoção em escala Federal da políticas petistas representaria não apenas uma perda de mercado, como um péssimo precedente para a Microsoft.

205 SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 130­131 206 Francisco Sagasti, professor da Universidade do Pacífico, em Lima na década de 90, foi chefe de Planejamento Estratégico do Banco Mundial de 1987 a 1991 e trabalhou nos ministérios das Relações Exteriores e Planejamento e Indústria, do Peru. Segundo Sagasti três pontos são centrais na autodeterminação tecnológica: a) A capacidade de tomar decisões autônomas em questões de tecnologia. b) A capacidade de gerar de modo independente os elementos críticos do conhecimento técnico que são necessários à obtenção de um determinado produto ou processo. c) Capacidade potencial autônoma de produzir, dentro do país, os bens e serviços considerados essenciais na estratégia de desenvolvimento. in SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p.128­129 207 O Metrô da cidade de São Paulo constituí um dos casos de sucesso mais antigos na implantação de Software Livre na administração pública brasileira, com um processo cujo início data de 1997 e tem servido de modelo para diversas autarquias, mas é com os programas governamentais de inclusão digital que o Software Livre vai ganhar o seu momentum no Brasil. 208 LÓPEZ, Nayse ­ Publico.pt ­ Eleições Brasil 2002 : Lula virtualmente eleito com 66 por cento das intenções de voto. 22 set. 2002. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 118 Do exposto até agora, fica evidente a importância estratégica do Software Livre, para o governo brasileiro (e para outros governos); um ponto importante é a diminuição dos gastos com licenciamento de softwares, que reflete na remessa de dólares ao exterior, e traz o benefício adicional de diminuir os impedimentos orçamentários para programas governamentais de inclusão digital, uma característica que é em si mesma geradora de resultados sociais maiores.

Entre outras medidas, os programas de inclusão passam invariavelmente pela criação de Telecentros; espaços públicos dotados de computadores e acesso à Internet onde o cidadão (em geral de baixa renda) tem acesso ao uso e a uma formação básica na operação de computadores.

A idéia de implantar Telecentros equipados com Software Livre na periferia da cidade de São Paulo, como parte da política de inclusão digital, partiu do sociólogo e militante político Sérgio Amadeu da Silveira. Em 2000, no Instituto de Políticas Públicas Florestan Fernandes, Amadeu idealizou o projeto que seria utilizado pela futura administração petista da capital. De acordo com uma de suas declarações: "Queria fazer um programa que servisse inclusive para ajudar na eleição da então candidata à Prefeitura de São Paulo Marta Suplicy."209

Com a eleição de Marta Suplicy, o primeiro Telecentro foi implantado em 18 de junho de 2001, na zona leste de São Paulo, no bairro Cidade Tiradentes. O programa foi vitorioso e hoje conta com 145 Telecentros espalhados por toda São Paulo, mantidos “quase”210 dentro da mesma filosofia pela administração do PSDB, que se seguiu ao PT na administração da Capital paulista.

209 Jornal O Estado de S. Paulo (15/08/2004 – Geral ­ Um militante na batalha pelo software livre ­ Ex­ comunista, chefe do ITI agora luta pela adoção dos programas gratuitos). 210 Notícias veiculadas pela imprensa em 05/05/2006 dão conta da disposição da Prefeitura paulista em utilizar softwares proprietários nos Telecentros indicando uma mudança de postura sobre o Software Livre juntamente com a mudança da administração. Vide: IDG Now! ­ Internet ­ Governo Eletrônico : Telecentro de São Paulo começa a usar softwares da Microsoft. 05 Abr. 2006. Disponível em: . Acesso em: 12 Abr. 2006 IDG Now! ­ Computação Corporativa ­ Software Livre : Software livre não é prioridade em SP, diz secretário. 26 Mai. 2006. Disponível em: . Acesso em: 12 Abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 119 Com a chegada do PT ao poder em 2002, chega também a política petista de adoção de Software Livre em geral e do Linux em particular, consolidada por experiências em diversas prefeituras e no governo do Rio Grande do Sul, e pelos Telecentros paulistas.

Quando Lula assume em 2002 Sérgio Amadeu da Silveira é indicado como diretor do ITI (Instituto Nacional da Tecnologia da Informação) onde dá início a agressiva política de implantação do Software Livre em toda a administração federal.

As motivações desta política são consistentes, para um governo o Software Livre é estratégico por diversas razões, além da já mencionada questão macroeconômica, existem ainda a independência e autonomia tecnológica, a segurança de informações, e a independência em relação a fornecedores para serem consideradas.

Razões que não passam despercebidas pelo novo Governo Federal, que oficialmente integra o Software Livre à política de ciência e tecnologia:

“O presidente Luís Inácio Lula da Silva, em Decreto de 29 de outubro de 2003211, instituiu oito comitês técnicos com o objetivo de coordenar e articular o planejamento e a implementação de Software Livre, inclusão digital e integração de sistemas, dentre outras questões relacionadas. Atualmente, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação ­ ITI coordena o Comitê Técnico de Implementação de Software Livre.”212

A posição do governo é reiterada em várias oportunidades, onde incentiva a adoção e a produção de Software Livre como um novo paradigma capaz de possibilitar o crescimento e fortalecimento da indústria de softwares, gerando emprego e renda.

Novamente o Brasil passa a ter uma política federal para o desenvolvimento tecnológico focada na a área de informática. Também fica clara a importância estratégica e especialmente a dimensão política do Software Livre, agora colocada em relevo.

211 Vide: Anexos, documento IV. 212 fonte: http://www.iti.br/

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 120 O discurso do então Ministro da Casa Civil (ministério ao qual o ITI é filiado), José Dirceu, feito na abertura do Seminário de Software Livre organizado pelo Congresso Nacional213, dá o tom dessa dimensão política:

Senhoras e senhores...

Felicito o Congresso Nacional por incentivar o debate sobre a importância da adoção do software livre neste momento em que o mundo começa a superar o paradigma do software proprietário. O atual Governo tem um claro compromisso com o desenvolvimento nacional.

(...) A tecnologia da informação é um dos caminhos para o almejado crescimento. É necessário que o país produza bens de elevado valor agregado, como é o caso de softwares, e seja capaz de colocá­los de forma competitiva no mercado internacional. Somente assim conseguirá quebrar o ciclo histórico e empobrecedor caracterizado por importações de bens de elevado custo contra exportação de mercadorias de pequeno valor. (...) Da mesma forma devemos incentivar a nossa inteligência coletiva que permita a redução do pagamento de direitos autorais, na forma de royalties.

Possivelmente, temos neste momento uma janela de oportunidade única para a nação, capaz de colocar o Estado brasileiro em patamar de igualdade com países economicamente mais fortes.

(...) O movimento do software livre traduz exatamente esses anseios, além de reafirmar nosso compromisso com a redução de custos, com a diversificação de fornecedores, com o domínio tecnológico e com a capacitação de nossas empresas. Dominar o código fonte, usar totalmente

213 Com o objetivo de discutir a utilização do Software Livre no Brasil, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados promoveram a “Semana do Software Livre no Legislativo”, entre os dias 18 e 22 de agosto de 2003, no Congresso Nacional. Vide: www.congresso.gov.br/softwarelivre

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 121 um software sem restrições, propiciar a criatividade e o desenvolvimento coletivo são condições para o rápido progresso nessa área.

(...) Este evento realizado pelo Congresso Nacional é um marco histórico, sendo mais uma demonstração de que o software livre é mais do que uma possibilidade para o nosso crescimento, na verdade, veio para ficar.214

Além do convite para Lula visitar a Microsoft, a empresa norte­americana passou a atuar com renovado interesse no estabelecimento de parcerias com diversas esferas do governo, na forma de descontos e/ou doações de softwares, enquanto este por sua vez mais se mostrou arredio aos novos gestos de amizade, declinando e optando por buscar outras soluções tecnológicas.

Em entrevista à revista Carta Capital215, Sérgio Amadeu sumarizou a postura do governo a estas investidas, alegando que eram “prática de traficante” acreditando se tratar de um “presente de grego, uma forma de assegurar massa crítica para continuar aprisionando o País.” Os comentários renderam a Amadeu um processo na justiça216, do qual, talvez pela má publicidade, talvez pelo movimento de defesa que a comunidade do Software Livre organizou para Sérgio Amadeu, ou talvez pela necessidade de manter boas relações com o governo, a Microsoft terminou por desistir.

As relações da Microsoft com o governo brasileiro (e outros governos) são abordadas em julho de 2005 pelo executivo da Microsoft Kevin Johnson217 no já

214 Discurso do ministro­chefe da Casa Civil, José Dirceu, na solenidade de abertura do seminário "Software livre e Desenvolvimento do Brasil", no Americel Hall, localizado na Academia de Tênis, em Brasília/DF. 19 Ago. 2003. Disponível em: ou ou Acesso em: 10 Ago. 2006. Grifos nossos. 215 O Pingüim Avança. Carta Capital, 17 de março de 2004 ­ Ano XI ­ Número 345. 216 Interpelação judicial da Microsoft contra Sérgio Amadeu, presidente do ITI. 3a. Vara de Justiça Federal de Barueri, SP. Disponível on­line em: e . Acesso: 17 Ago. 2006 217 Group Vice President, Worldwide Sales, Marketing and Services Group

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 122 mencionado encontro dos analistas financeiros (os negritos destacam os trechos considerados mais relevantes):

“(...) Eu gostaria de lhes dar três coisas: Eu gostaria de falar um pouco sobre como nós mobilizamos. (...) Eu gostaria de tocar brevemente no trabalho que estamos fazendo com governos acerca de alguns destes cenários de inclusão digital.

(...) Conforme nos comprometemos com líderes de governo, eles falam sobre suas prioridades, suas agendas, (...) De muitas maneiras alguns líderes de governo, inicialmente, podem ter pensado que o Linux ou Open Source eram o caminho para ajudar com estas áreas. E temos focado em nos comprometer de uma maneira que permita mostrar o valor da proposição da Microsoft para o governo. (...) Então como você cria uma economia tecnológica forte e saudável em um país?

(...) Agora nós temos um programa chamado Partners in Learning218 que está operando em 91 países, onde nós fornecemos softwares para educação, treinamos professores, e fazemos parcerias com empresas locais para a reciclagem de PCs. (...) Um exemplo que encontramos em diversos países é que eles focam em programas de PCs populares. Vou lhes apresentar um cenário. Vou tratar do Windows Starter Edition, mas quero lhes apresentar o cenário no Brasil. O governo brasileiro estava bastante focado na inclusão digital, e eles iniciaram uma discussão sobre o que chamam PC Conectado, que era fornecer no país um PC de baixo custo para usuários iniciantes. O governo, através de um boa discussão com parceiros, promoveu uma redução de impostos para PCs independente de qual sistema operacional eles usem, sendo ele Linux ou Windows, deixando o consumidor decidir.

218 ou “Parceiros no aprendizado” em português.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 123 Nós então trabalhamos bem próximos aos consumidores no Brasil para criar uma versão do Windows Starter Edition em português brasileiro. Nós trabalhamos com inúmeras empresas brasileiras, incluindo Positivo, um OEM local, e outros OEMs incluindo Itautec, Novadata, Semp Toshiba; e trabalhamos com os principais distribuidores brasileiros incluindo Magazine Luiza, Casas Bahia, Extra, e Ponto Frio.

E conforme o governo continua a dar forma ao seu programa, nós descobrimos que indo ao mercado com estes parceiros, com a versão focada do Windows Starter Edition, obtivemos resultados muito positivos. Na verdade, no Brasil, se olharmos para o trimestre atual versus o trimestre de um ano atrás, a venda de PCs para o consumidor cresceu 45%, e nossa venda de unidades do Windows cresceu 107%.

Windows Starters Edition foi uma grande parte desse crescimento, mas também o Windows XP Windows XP Home Edition cresceu,então não apenas atingimos o usuário iniciante de PCs, como a oportunidade de upgrades no país é ainda bastante positiva.

(...) Nós estamos muito contentes com o nível das discussões que temos tido com líderes de governo no Brasil, e o fato de que temos muitos, muitos parceiros participando disto no Brasil. E isto está focado na inclusão digital, trazendo tecnologia para usuários iniciantes de PCs, seja pela educação com o Partners in Learning, ou pelo trabalho que fizemos com o Windows Starter Edition e o times brasileiros locais, que estão construindo uma economia local de softwares mais saudável, economia tecnológica local no Brasil. Nós estamos mostrando que existem benefícios que podemos entregar, não apenas para o consumidor, mas para o país como um todo.”219

219 Financial Analyst Meeting 2005 : MSFT Investor Relations. 28 Jul. 2005. Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 124 As declarações de Kevin Johnson são verdades parciais, suscitam a reflexão de alguns pontos, e auxiliam na contextualização de outros. Primeiro há a admissão clara e formal de uma política de lobby sobre os governos e seus representantes220, o que não é exclusividade da Microsoft, mas ajuda a contextualizar o convite feito por Bill Gates a Lula.

Depois há a questão da catequização de professores e alunos, conforme a Microsoft fornece “software para educação”, que por sua vez ajuda a contextualizar as declarações de Sérgio Amadeu à Carta Capital.

Porém, o principal elemento que merece contextualização aqui é a natureza do software Windows XP Starter Edition, repetidamente mencionado. Uma versão simplificada do Windows XP, que foi lançada em fins de 2003 visando países como Rússia, Tailândia, Indonésia, Índia e Malásia.

Ele é vendido com um preço diferenciado e faz parte da estratégia da Microsoft de combate à pirataria. Também tem sido utilizado pela empresa como forma de concorrer com o custo quase zero do Linux nos programas governamentais de inclusão digital.

Devido às suas limitações práticas foi apelidado por seus críticos de "Windows dos pobres", em referência ao fato de que a simplificação do sistema, alegadamente a razão para o preço diferenciado, traduz­se em limitações de uso em relação as outras versões do Windows XP.

Segundo a Microsoft as limitações não são relevantes para o primeiro computador de um usuário, e o público­alvo do Starter Edition é justamente a população que busca sua inclusão digital com o programas como o do PC Conectado.

Entre as limitações do Starter Edition temos a fato de que o usuário não pode abrir mais de três aplicativos por vez, com três janelas de cada um; desconsiderados programas antivírus e discadores de internet que não são contabilizados. Esta versão simplificada do Windows também não traz recursos de conexão para redes locais de computadores.

220 Sobre isto é interessante notar, por exemplo, a insistência de Bill Gates em um encontro pessoal com Lula. Depois do primeiro fracasso em 2002, logo após a eleição presidencial, o fundador da Microsoft faz nova investida em 2005 no fórum de Davos. Vide: SOUZA, Leonardo ­ Folha OnLine ­ Presidente evita ter encontro com Bill Gates. 29 Jan 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2006

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 125 O Windows XP Starter Edition é talvez o mais eloqüente exemplo da importância da autodeterminação tecnológica para os países do Terceiro Mundo221, pois exibe claramente a impossibilidade de um país consumidor de tecnologia alienígena em tomar decisões autônomas e ter acesso a artefatos técnicos avançados, novamente recorremos à citação de Gildo Magalhães lembrando que “a produção transplantada dos países adiantados se desloca para a periferia do sub­desenvolvimento apenas após a tecnologia envolvida ter se tornado rotineira” (citação na página 105). No caso específico do Windows XP Starter Edition há um componente perverso que é a intenção de produzir um produto inferior derivado de outro superior. Todas as explicações técnicas, comerciais e mercadológicas que possam ser enumeradas na defesa desta abordagem não podem competir com o argumento de que no Software Livre as limitações, quando existirem, serão determinadas pelo usuário que tem pleno acesso a tecnologia e não por uma empresa estrangeira. Este aspecto será melhor discutido nas conclusões que se seguem.

221 O conceito de “Terceiro­Mundo”, com o desaparecimento daquele que seria o Segundo­Mundo, vem sendo revisto e muitos acadêmicos concordam que é uma categoria ultrapassada, melhor substituída por expressões como “em desenvolvimento”. Sendo este um trabalho de história a defesa da expressão “Terceiro Mundo” é baseada na carga histórica e ideológica que carrega, já que separa com clareza o lado da mesa em que países como o Brasil estão sentados. O peso do termo “Terceiro Mundo” não nos parece nem próximo da subentendida direção de progresso presente no termo “em desenvolvimento” justificando assim, plenamente, sua utilização.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 126 5. Conclusões

Francisco Sagasti alerta em sua obra “Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo” que os meios de controle dos países desenvolvidos sobre os sub­desenvolvidos mudaram dos equipamentos produtivos para a os recursos financeiros e agora estão representados no controle da tecnologia. “Haverá uma tendência em utilizar o acesso à tecnologia como alavanca principal nas relações de dominação entre os hemisférios norte e sul, com a utilização subsidiária dos alimentos e, em alguns casos, do capital, como complemento.”222

Para esta pesquisa, tratando agora do significado que tem para o Brasil o Software Livre, é interessante refletir sobre a proposta de Sagasti para a superação desta dominação tecnológica e a eventual viabilização de uma autodeterminação tecnológica para o Terceiro Mundo.

Esta proposta passa pela criação de uma aliança de cooperação científica, que confessadamente só funcionaria em um contexto de cooperação econômica e política mais amplo. Destarte, ciente das dificuldades e da aparência utopista de sua proposta, Sagasti enumera as vantagens que tal cooperação traria aos países subdesenvolvidos:

1. Necessidade comum de enfrentar o acelerado processo de mudança tecnológica.

2. Aumento da massa crítica mínima necessária para que o esforço tecno­ científico seja viável.

3. Redução dos gastos individuais dos países em pesquisa e desenvolvimento.

4. Redução dos gastos individuais dos países com recursos humanos.

5. Maior poder de negociação frente os vendedores de tecnologia, independente do tamanho do mercado interno.

222 SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 133. N. do A. ­ a versão original em espanhol, Tecnología, Planificación y Desarrollo Autónomo, data de 1977

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 127 E aponta também o que considera as principais dificuldades na implementação de sua proposta:

1. A simplicidade com que são celebrados acordos de cooperação puramente científica não é tão simples quando a atividade científica pode ter aplicação econômica direta.

2. Mudança do conceito de “região”, onde o agrupamento dos países dar­ se­ia não mais por critérios geográficos e sim pela natureza dos problemas a serem resolvidos.

3. Heterogeneidade dos regimes políticos e suas orientações.

4. Diferença nos níveis de desenvolvimento, especialmente tecnológico.

5. Pressões dos países industrializados.

6. Conduta das comunidades científicas autóctones, que não raro preferem ligar­se a centros de excelência nos países desenvolvidos.

Por tudo que se leu até aqui, a proposta de cooperação do livro de Francisco Sagasti, aparece contemplada na maioria das vantagens e superando as desvantagens no atual movimento do Software Livre e em especial no caso do Linux.

A necessidade de enfrentar um acelerado processo de mudança tecnológica tem marcado a história do Linux e de outros Softwares Livres. O Linux em especial, nasceu em 1991 e hoje compete em pé de igualdade, por vezes superando, a técnica de outros sistemas operacionais.

A massa crítica mínima necessária para tornar viável o esforço tecno­científico do seu desenvolvimento é fornecida pela própria comunidade de desenvolvedores de Software Livre, superando sob qualquer forma de aritmética a capacidade individual de desenvolvimento de um Governo ou empresa. A redução dos gastos individuais dos países em pesquisa e desenvolvimento ou com com recursos humanos acontece igualmente pelo mesmo fator.

Representado por um “mercado” global transnacional, os vendedores de tecnologia, sempre estarão colocados frente a uma tecnologia com enorme penetração e conseqüente poder de barganha.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 128 Além de englobar estas vantagens o Linux e os Softwares Livres superam com galhardia as principais dificuldades apontadas na cooperação entre países, pois:

O desenvolvimento da tecnologia acontece sem restrições ou dirigismos sobre o uso comercial que cada membro da comunidade fará dela, a aplicação econômica é direta e livre. O aspecto transnacional mencionado acima já faz com que as comunidades se organizem por interesses, ou pela natureza dos problemas a serem resolvidos. A questão geográfica não chega nem mesmo a ser uma questão, e a heterogeneidade de regimes políticos e suas orientações tem um peso muito pequeno. Apenas para ficar com o caso do Linux, este atende programas governamentais implementados em países tão diversos como Alemanha, Brasil, China, Argentina, Índia, Coréia do Sul, Rússia, Japão, Peru e Bélgica, para citar alguns223.

O que nos demonstra que a diferença nos níveis de desenvolvimento social ou tecnológico não chegaram a constituir uma barreira para nenhum destes países nem para os desenvolvedores nativos, já que com todos ligados entre si, diluem­se os conceitos de “centro” e “periferia”. Com adoção tão diversificada na esfera geográfica, econômica e política a pressão que poderia ser exercida pelas nações industrializadas não tem um ponto focal onde ser aplicada.

Sagasti concluí em tom sombrio que “a menos que países subdesenvolvidos empreendam a curto prazo ações concretas – organizando um plano de cooperação como o que aqui se propõe, ou executando na prática qualquer outra forma de esquemas de colaboração – a autodeterminação em matéria de tecnologia continuara uma ilusão para a quase totalidade do Terceiro Mundo”224.

Não se trata aqui de pretender mudar os destinos dos países subdesenvolvidos pela via do Software Livre, mas sim apontar a relevância desta peça no quebra­cabeças a ser montado por cada nação do Terceiro Mundo.

223 Brasil, Índia, Rússia e China são constantemente referidos como os “BRIC Countries”, países com potencial de crescimento, grandes mercados e políticas governamentais incentivando maciçamente a adoção de Softwares Livres. 224 SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. p.142

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 129 Outro ponto a ser tratado aqui, é que a questão dos softwares se coloca além da ideologia motriz do seu desenvolvimento, ela coloca a relevante questão do domínio tecnológico e cultural, passando assim a ser uma questão estatal, relevante ao ponto de mobilizar países díspares em população, cultura e interesses como Coréia do Sul, Japão, Alemanha, Brasil, Rússia, Índia e China.

Consolidados os efeitos perversos da mundialização do capital, da globalização da cultura e com o crescente recrudescimento das posturas e constantes tomadas de posição unilaterais por parte do Governo Norte Americano, os governos passam a ter real interesse no desenvolvimento de soluções computacionais "domésticas", capazes de retirar área tão sensível de sua economia do monopólio de empresas americanas. O Brasil é hoje um dos países mais envolvidos e ativos na defesa, implantação e desenvolvimento do Software Livre, esta posição só é possível como colheita de dividendos do investimento estatal feito na indústria de informática durante o período de reserva de mercado. O Brasil se tornou capaz de produzir tecnologia informática e o software (livre ou não) surge hoje como produto de alto valor agregado passível de exportação. O Software Livre concede ao Brasil a possibilidade de permanecer na vanguarda tecnológica, tanto se aproveitando, como contribuindo com o desenvolvimento tecnológico de diversos outros países. Investir no Software Livre é por estas razões e por todas as outras que já foram apontadas estratégico para o desenvolvimento tecnológico brasileiro. A maciça adesão das administrações petistas ao Software Livre coloca, portanto, tanto uma oportunidade de desenvolvimento que não acontecia em uma década, como um perigo de ter este processo abortado a qualquer momento. O sistema democrático pressupõe a alternância de partidos no poder, a partidarização da tecnologia pode colocar o país em um ciclo interminável de desmandos capazes de comprometer o desenvolvimento tecnológico brasileiro. Ao identificar o Software Livre como “bandeira petista” imediatamente ele é posto como algo a ser combatido, substituído ou no mínimo evitado no exato momento em que muda uma administração. Não faltam exemplos desta consequência, onde a prefeitura da cidade de São Paulo parece caminhar para se tornar o caso emblemático.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 130 A ação em favor do Software Livre não pode estar identificada com um partido ou uma causa partidária, embora o Software Livre seja sem sombra de dúvida uma tecnologia política, esta tecnologia não pode e não deve ser partidarizada. A causa política do Software Livre deve ser social e não partidária, não é a bandeira de um partido que deve ser com ela erguida, mas sim a bandeira do desenvolvimento tecnológico nacional. Por fim, um último aspecto que merece ser abordado é o da apropriação capitalista dos conhecimentos sociais. Uma das questões centrais neste trabalho, perseguida sempre pela questão subjacente de como romper com o Capital?

Afinal, se a atuação dos indivíduos no movimento do Software Livre é, como foi colocado com a teoria do refluxo, um movimento que se opõe à mercantilização das idéias e do conhecimento pelo capital, não há como negar que a “idéia de libertar o conhecimento das amarras do capital” irá também gerar uma desoneração de custo para as empresas, já que estas irão com o Software Livre, como já o fazem, se apropriar de trabalho realizado e não pago.

Com o Software Livre existe portanto a apropriação de um trabalho imaterial, em geral executado pelo trabalhador em seu momento de lazer. Existe em parte da literatura uma confusão entre “produto imaterial” e “trabalho imaterial”. Muito possivelmente o “trabalho imaterial” é uma categoria nova e talvez desprovida de sentido dentro do marxismo, considerando o trabalho como combustão da energia humana, ele está presente igualmente na produção imaterial, uma área onde a exploração capitalista da força de trabalho parece ser na verdade otimizada. De acordo com André Gorz:

“O fornecimento de serviços, esse trabalho imaterial, torna­se a forma hegemônica de trabalho; o trabalho material é remetido à periferia do processo de produção ou abertamente externalizado. Ele se torna um “momento subalterno” desse processo, ainda que permaneça indispensável

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 131 ou mesmo dominante do ponto de vista qualitativo. O coração, o centro da criação de valor, é o trabalho imaterial”225.

O Software Livre não é, claro, a única forma de apropriação de trabalhado não pago da sociedade atual. O engajamento exigido pela maior parte das companhias e o avanço das redes telemáticas fazem com o que o trabalhador esteja 24h por dia “conectado” à empresa; assim, ainda que formalmente trabalhe um número menor de horas, ele está todo o tempo conectado à empresa e a ela agregando sua subjetividade, esta última a nova unidade utilizada para medir sua produção em contraste com antigas medidas de tempo de trabalho.

Com isto pode­se chegar à conclusão de que o Software Livre deva na verdade ser combatido e não incentivado, mas esta conclusão estaria considerando apenas a relação do trabalho com a empresa capitalista, esquecendo sua relação com a sociedade, já que o trabalho busca sua emancipação do capital. Ou como coloca André Gorz:

“Essa tendência se vê abertamente ilustrada na luta que, no centro dos dispositivos de poder do capital, os artesãos dos programas de computador e das redes livres levam adiante. Com eles, ao menos uma parte dos que detém o “capital humano”, em seu mais alto nível técnico, se opõe à privatização dos meios de acesso a esse “bem comum da humanidade”, que é o saber sob todas as suas formas. Trata­se aqui de uma dissidência social e cultural que reivindica abertamente uma outra concepção de economia e sociedade. Ela tem um alcance estratégico em relação da importância com que a classe dos trabalhadores do imaterial – os americanos a chamam de knowledge class – pensa a evolução da sociedade e seus conflitos.”226

Assim, para contrabalançar a questão colocada pela desoneração de custo, que acontece na forma de apropriação de tabalho realizado e não pago, como o do Software

225 GORZ, André. O Imaterial. Conhecimento, valor e capital. São Paulo : Annablume; Janeiro de 2005. p.19 226 Idem, 2005, p. 63­64

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 132 Livre, não se pode perder de vista o panorama geral, onde este trabalho aparece como a busca da emancipação do capital.

5.1. Balanço Final.

Com esta dissertação se espera ter contribuído para colocar em relevo um novo processo histórico em andamento. No coração das principais ferramentas de controle e otimização desenvolvidas pelo Capital para se apropriar do tempo e da Inteligência Geral, surge de forma dialética, um movimento contrário, contestador das próprias amarras que esta otimização e controle estenderam sobre a sociedade e seus bens intangíveis. Também se espera contribuir com argumentos para a discussão da propriedade das idéias, em especial destacando o quanto a defesa cada vez mais ferrenha das propriedades imateriais é prejudicial aos países em geral e aos países subdesenvolvidos em especial. Outro objetivo perseguido foi o de compreender o processo histórico que fez do Brasil um ator relevante na arena do Software Livre, premissa necessária para que se aponte na direção do desenvolvimento tecnológico autônomo. Este desenvolvimento passa pela estreita janela de oportunidade que o Software Livre agora nos oferece, oportunidade que se aproveitada pode, por sua natureza, trazer reflexos benéficos nos campos social e econômico. Dentro dos objetivos que não foram atingidos o maior destaque é para a omissão sobre a anômala articulação política da comunidade do Software Livre, pois ao mesmo tempo que tem uma grande amplitude, articulação social e por vezes econômica, parece ser totalmente desprovida de uma ideologia política no sentido clássico, tendo mesmo dificuldade em admitir que promove uma atividade que rompe com as regras estabelecidas pelo Capital. A desarticulação da comunidade do Software Livre em torno de bandeiras políticas (ao menos para além da defesa da liberdade do conhecimento) é um processo sintomático de nossa era e mereceria estudo a parte. O trabalho realizado e não pago do Software Livre é por si um tema controverso e que mereceria aprofundamento teórico, ele permite que seja feito um questionamento sobre as direções em que avança o Capitalismo.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 133 Também não se conseguiu tratar das novas articulações geo­políticas que emergem com as redes e os softwares, como os BRIC Countries (Brasil, Rússia, Índia e China) e outros países. Estas relações, como foi colocado na introdução, passam a independer do tempo e do espaço, já que acontecem o tempo todo e em todos os lugares. Novas perspectivas que parecem se abrir a partir dessa dissertação são justamente o estudo mais aprofundado das relações do trabalho imaterial com o Capital, no seio da alta tecnologia. Também haveria relevância em uma análise que perscrutasse como se dá, se deu ou se dará a implementação de políticas tecnológicas quando estas se encontram frente a uma tecnologia essencialmente política como a do Software Livre. Ainda outro tema seriam os desdobramentos de conceitos que “vazam” do software livre e escorrem para outras áreas como o Direito e a Arte, se descolando cada vez mais da tecnologia, como o Creative Commons.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 134 6. Glossário

1. Baixa Plataforma – termo utilizado para referir os micro­computadores de arquitetura Intel, geralmente em oposição à Alta Plataforma dos Mainframes. 2. Geek – De acordo com a Wikipédia [http://pt.wikipedia.org/wiki/Geek] “Geek é uma palavra associada a subculturas ligadas aos computadores e à internet. Nestas subculturas, um geek é uma pessoa com um talento e um interesse por tecnologia e programação acima do normal.” 3. Hacker – Termo utilizado para designar um especialista em Informática, habitual e errôneamente confundido com cracker, que seria o equivalente para criminosos eletrônicos. 4. Kernel ­ “Kernel de um sistema operacional é entendido como o núcleo deste ou, numa tradução literal, cerne. Ele representa a camada mais baixa de interface com o Hardware, sendo responsável por gerenciar os recursos do sistema computacional como um todo. É no kernel que estão definidas funções para operação com periféricos (mouse, disco, impressora, interface serial/interface paralela), gerenciamento de memória, entre outros.” Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Kernel. 5. Mainframe – computadores de grande porte, que são em geral soluções caras utilizadas em aplicações de missão critica, em geral administrados por técnicos e DBAs especializados. 6. Multitarefa ­ Capacidade de executar mais de uma ação simultaneamente, como rodar um programa e formatar um disquete. 7. Multiusuário ­ Capacidade de administrar diferentes perfis e permissões para usuários em uma mesma máquina. 8. Palmtop – ou (Personal Digital Assistant), ou Assistente Pessoal Digital. Um modelo de computador portátil popularizado pela empresa Palm. 9. Portar ­ No jargão da indústria “portar” uma aplicação significa traduzir e adaptar determinado software desenvolvido para uma plataforma para outra que não era seu foco inicial. 10. Setup – sinônimo para configuração. Largamente utilizado na indústria e na literatura especializada.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 135 7. Bibliografia

7.1. Livros

1. ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: Contraponto: Unesp, 1996. 2. BASALLA, George. The Evolution of Technology. USA; Cambridge University Press; 1995 3. BLOCH, Marc. Introdução à História. Edições Europa­América. 4. CANGUILHEM, Georges. Ideologia e racionalidade nas ciências da vida. Lisboa : Edições 70, 1997; 5. CASSIANO, João. Cidadania Digital: Os Telecentros do Município de São Paulo. In: SILVEIRA, Sérgio Amadeu da., CASSIANO, João (Org.) Software Livre e Inclusão Digital. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003. 6. CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: os negócios e a sociedade; Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003 7. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 8. CERUZZI, Paul E. A History of Modern Computing. Massachusetts : MIT Press, 1998. 9. CHALMERS, Alan. A Fabricação da Ciência. SP: UNESP, 1994; 10. COUTINHO, Luciano; FERRAZ, João Carlos (Coord.). Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas, SP: Papirus; Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995. 11. DIBONA, Chris; STONE, Mark; COOPER, Danese (Eds.). Open Source 2.0. O'Reilly Media. ISBN 0596008023. 12. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1999. 13. GAMA, Ruy. A tecnologia e o trabalho na história. São Paulo: Nobel; Editora da Universidade de São Paulo, 1986. 14. GORZ, André. O Imaterial : Conhecimento, valor e capital. São Paulo : Annablume; Janeiro de 2005. 15. GUROVITZ, Helio. Linux: o fenômeno do Software Livre. [São Paulo]: Editora Abril, 2002. 16. JAPIASSU, Hilton. As Paixões da ciência. São Paulo : Letras & Letras, 1991; 17. KAWASAKI, Guy. O jeito Macintosh. São Paulo: Callis, 1993. 18. LACEY, Hugh. Is Science Value Free? Values and Scientific Understanding. London and New York: Routledge, 1999. 19. LACEY, Hugh. Valores e Atividade Científica. São Paulo: Discurso Editorial, 1998. 20. LAZZARATO, Maurizio & NEGRI, Antonio. Trabalho Imaterial. Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001 21. LOHR, Steve. Go to. [New York]: Basic Books, 2001 22. LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. Editora Alpha Omega, 1978, São Paulo. 23. MAGALHÃES, Gildo. Introdução à metodologia científica: caminhos da ciência e tecnologia. São Paulo : Ática, 2005;

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 136 24. MARQUES, Ivan da Costa. O Brasil e a abertura dos mercados: o trabalho em questão. Rio de Janeiro; Contraponto; 2002 25. MARX, Karl. Grundrisse: Elementos Fundamentales Para La Critica de la economia politica (Borrador) 1857­1858; Buenos Aires; Siglo XXI Argentina Editores S.A: junho 1972. 26. MAZA, Fábio. O idealismo prático de Roberto Simonsen: ciência, tecnologia e indústria na construção da Nação. São Paulo: Instituto Roberto Simonsen, 2004. 27. MELLO, João Manoel C. de, O Capitalismo Tardio. 6ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. 182 p. 28. MOWERY, David C., ROSENBERG, Nathan. Trajetórias da Inovação : A Mudança Tecnológica nos Estados Unidos da América no Século XX. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005. 29. NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 30. PEREIRA, L.C. Bresser. Desenvolvimento e Crise no Brasil. Zahar Editores, 1968, Rio de Janeiro. 31. PROPP, Vladimir Iakovlevitch. Comicidade e riso. Sao Paulo: Atica, 1992. 215p. ISBN 8508040857. 32. ROSSI, P. Naufrágios sem Espectador. A idéia de progresso. EDUNESP, 2000. 33. ROSZAK, Theodore. The Cult of Information : A Neo­Luddite Treatise on High Tech, Artificial Intelligence, and the true Art of Thinking. New York : Pantheon Books, 1986. 34. SAGASTI, Francisco R. Tecnologia, Planejamento e Desenvolvimento Autônomo. São Paulo: Perspectiva, 1986. 35. SENAI. De homens e máquinas. São Paulo: SENAI, 1991 36. SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. Editora Alpha Omega, 1976, São Paulo. 37. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da; CASSINO, João (Org.). Software Livre e inclusão digital. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2003. 38. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. 1ª reimpressão. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. 39. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. (Coleção Brasil Urgente). 40. SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. Editora Brasiliense, 1973. 41. TACHINARDI, Maria Helena. A Guerra das Patentes : O conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. São Paulo : Paz e Terra, 1993. 42. TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 43. TIGRE, Paulo Bastos. Liberalização e capacitação tecnológica: o caso da informática pós­ reserva de mercado no Brasil. In: SWARTZMAN, Simon (Coord.); KRIEGER, Eduardo... [et. al.]. Ciência e Tecnologia no Brasil : política industrial, mercado de trabalho e instituição de apoio. Rio de janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1995. 44. TIGRE, Paulo Bastos. Liberalização e capacitação tecnológica: o caso da informática pós­ reserva de mercado no Brasil. In: SWARTZMAN, Simon (Coord.); KRIEGER, Eduardo... [et. al.]. Ciência e Tecnologia no Brasil : política industrial, mercado de trabalho e instituição de apoio. Rio de janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1995. p. 179. 45. TROTSKY, Leon. Resultados y perspectivas: las fuerzas motrices de la revolucion. Buenos Aires: Ediciones CEPE, 1972

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 137 46. UTTERBACK, James M. Dominando a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Qualitymark Editorial, 1996. 47. VARGAS, Milton. Para uma Filosofia da Tecnologia. Editora Alpha Omega, 1994, São Paulo. 48. VIEIRA, Eduardo. Os bastidores da internet no Brasil. Barueri, SP: Manole, 2003. 49. VIGEVANI, Tullo. O Contencioso Brasil x Estados Unidos da Informática : Uma Análise Sobre Formulação da Política Exterior. São Paulo : Alfa Omega : Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

7.2. Teses e Dissertações

SANTOS FILHO, Gildo Magalhães. Um bit auriverde: Caminhos da tecnologia e do projeto desenvolvimentista na formulação duma política nacional de informática para o Brasil (1971­1992). 1994. 280f. Tese (Doutorado História) ­ Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

7.3. Artigos

1. WHITHEFORD, Nick. Autonomist Marxism And The Information Society. Capital & Class, 52, p.85­95, Spring 1994. 2. CHAUI, Marilena. USP 94: a terceira fundação. Estudos Avançados, Set./Dez. 1994, vol.8, no.22, p.49­68. 3. COSTA MARQUES, Ivan da. Cloning Computers: From Rigths of Possession to Rigths of Creation. In: Science as Culture. Routledge, Jun. 2005. Vol. 14, No. 2, 139­160. 4. SOUZA F., Rubens A. Menezes. Percepção e imagem da informática. In: XXII Simpósio Nacional de História ­ História: Guerra e Paz, 2005, Londrina. XXII Simpósio Nacional de História ­ História: Guerra e Paz. Londrina, PR : Associação Nacional de História ANPUH / Editorial Midia., 2005

7.4. Artigos da Imprensa Diária

1. O Pingüim Avança. Carta Capital, 17 de março de 2004 ­ Ano XI ­ Número 345. 2. Jornal da Tarde: em 03/02/2005 ­ Polícia apreende cópias de livros em universidades. 3. Jornal O Estado de S. Paulo (15/08/2004 – Geral ­ Um militante na batalha pelo software livre ­ Ex­comunista, chefe do ITI agora luta pela adoção dos programas gratuitos). 4. Jornal O Estado de S. Paulo: 02/03/2005 ­ Metrópole ­ Faculdades mantêm xerox dentro das bibliotecas / Metrópole ­ Bibliotecas oferecem xerox; 5. Jornal O Estado de S. Paulo: 03/03/2005 ­ Metrópole ­ Polícia investiga comércio de cópias de livros em universidade; 6. Jornal O Estado de S. Paulo: 04/03/2005 ­ Metrópole ­ DEIC apura a ação de professores em xerox; 7. Jornal O Estado de S. Paulo: 08/03/2005 ­ Caderno 2 8. Jornal O Estado de S. Paulo: 21/02/2005 ­ Índice;

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 138 9. RIVLIN, Gary. Leader of the free world. Wired, EUA, n.11, p.152­157/206­208, nov. 2003. 10. The Gates Operating System; TIME; JANUARY 13, 1997 VOL. 149 NO. 2; USA.

7.5. Bibliografia Técnica de Referência

OLIVEIRA, Rômulo Silva; CARISSIMI, Alexandre da Silva; TOSCANI, Simão Sirineo. Sistemas Operacionais. 3ª Edição. Porto Alegre: Editora Sagra-Luzzato, 2004. p. 274. ISBN 85-241-0643-3

7.6. Documentos na Internet

1. key_events_in_microsoft_history.doc (83 KB) em: http://www.microsoft.com/downloads/info.aspx?na=46&p=4&SrcDisplayLang=en&SrcCat egoryId=&SrcFamilyId=b604bb05­7c33­4643­96b4­ 38e06383bda5&u=http%3a%2f%2fdownload.microsoft.com%2fdownload%2f6%2f3%2fa %2f63a018ae­711f­4edb­8b79­ca109e5eed07%2fkey_events_in_microsoft_history.doc 2. fastfacts.doc (1255 KB) em: http://www.microsoft.com/downloads/info.aspx?na=46&p=3&SrcDisplayLang=en&SrcCat egoryId=&SrcFamilyId=b604bb05­7c33­4643­96b4­ 38e06383bda5&u=http%3a%2f%2fdownload.microsoft.com%2fdownload%2f6%2f3%2fa %2f63a018ae­711f­4edb­8b79­ca109e5eed07%2ffastfacts.doc

7.7. Legislação Consultada

1. DECRETO DE 29 DE OUTUBRO DE 2003 ­ Institui Comitês Técnicos do Comitê Executivo do Governo Eletrônico e dá outras providências. (Diário Oficial da União – Seção 1. No 211, quinta­feira, 30 de outubro de 2003. p.4, ­ ISSN 1677­7042) 2. LEI No 7.646, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1987 ­ Dispõe quanto à proteção da propriedade intelectual sobre programas de computador e sua comercialização no País e dá outras providências (Revogado pela Lei nº 9.609, de 19.2.1998) 3. LEI Nº 7.232, DE 29 DE OUTUBRO DE 1984 ­ Dispõe sobre a Política Nacional de Informática, e dá outras providências. (publicado no D.O.U. de 30 de outubro de 1984)

7.8. Material de Apoio

The Columbia Dictionary of Quotations. Columbia University Press. 1993

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 139 8. Anexos

8.1. Documento I POLÍCIA APREENDE CÓPIAS DE LIVROS EM UNIVERSIDADES227

Um inquérito aberto na Divisão de Investigações Gerais DIG apura o comércio de cópias de livros em universidades de São Paulo. Ele foi aberto em dezembro com base em uma representação da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. A entidade apresentou aos policiais uma lista de locais usados pelos estudantes para fazer cópias dos livros. "Nossos homens apreenderam grande quantidade de cópias e livros", disse o delegado Edson Soares, diretor da DIG, do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic). Segundo o delegado, os investigadores apreenderam cópias perto de instituições de ensino tradicionais, como a Universidade de São Paulo USP, a Pontifícia Universidade Católica PUC e a Universidade Mackenzie. O inquérito ainda não foi concluído, pois a polícia termina a identificação dos envolvidos. "Os locais eram próximos das universidades. Não encontramos nenhum dentro delas."

A reprodução de trechos de livros é crime contra a propriedade intelectual, cuja pena varia de 2 a 4 anos de reclusão. O combate a essa prática é uma das medidas aprovadas pelo Conselho de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, do Ministério da Justiça. Divulgado anteontem, o plano do governo federal prevê a execução dessas ações nos próximos dois anos. "Se eu não pudesse tirar xerox certamente não poderia estudar. No início do ano, os professores passam a bibliografia e a gente vê que não dá para comprar tudo. E muita coisa não tem na biblioteca", protestou a pós­graduanda de língua portuguesa da USP D.C., 30, que tirava cópias de um livro europeu cujo preço fica em torno de R$ 300. O xerox saiu por R$ 28. "Outro dia, eles não quiseram tirar a cópia, disseram que era proibido, mas assim ninguém estuda. Consegui o original com uma amiga que viajou para fora, mas não posso ficar com o exemplar dela." A colega de classe de D. Verena Kewitz, 30, sofre com o mesmo problema. "Muitos títulos já saíram de catálogo e aí não tem jeito, temos de fazer cópia." Outro crime de falsificação foi flagrado pela reportagem ontem à tarde, na Avenida Senador Queiroz, Centro da Cidade. Cinco ambulantes vendiam mercadoria falsificada na calçada, em sua maioria camisetas, CDs e DVDs, ao lado de um carro do DEIC.

227 Jornal da Tarde ­ 03/02/2005

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 140 8.2. Documento II (Resolução n° 5.213 de junho de 2005)

RESOLUÇÃO Nº 5.213, DE 02 DE JUNHO DE 2005.228 ­ (D.O.E. ­ 06.2005)

Regula a extração de cópias reprográficas de livros, revistas científicas ou periódicos no âmbito da Universidade de São Paulo.

O Reitor da Universidade de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 207 da Constituição Federal e no art. 42, IX, do Estatuto, baixado pela Resolução nº 3461, de 07.10.88, e de acordo com o deliberado pelo Conselho Universitário, em Sessão de 31 de maio de 2005, baixa a seguinte

RESOLUÇÃO:

Artigo 1º ­ As normas constantes desse ato deverão ser observadas em todas as instalações e órgãos da Universidade de São Paulo, quer sejam vinculados diretamente à autarquia, quer se trate de permissionários ou concessionários de serviços.

Artigo 2º ­ Visando garantir as atividades­fins da Universidade, será permitida a extração de cópias de pequenos trechos, como capítulos de livros e artigos de periódicos ou revistas científicas, mediante solicitação individualizada, sem finalidade de lucro, para uso próprio do solicitante.

Artigo 3º ­ As bibliotecas deverão marcar seu acervo com sinais distintivos diferenciando as seguintes categorias de obras:

I – esgotadas sem republicação há mais de 10 anos; II – estrangeiras indisponíveis no mercado nacional; III – de domínio público; IV – nas quais conste expressa autorização para reprodução.

Parágrafo único ­ De qualquer obra que contenha o sinal distintivo de uma dessas categorias, será permitida a reprodução reprográfica integral.

Artigo 4º ­ É permitido, por parte de docentes, o fornecimento de material destinado estritamente ao ministério de disciplina constante do programa da universidade, sendo autorizada sua reprodução para os alunos regularmente inscritos, observado o disposto nos artigos precedentes.

228Fonte: http://www.fflch.usp.br/sdi/imprensa/eventos/resolucao_xerox.html

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 141 Artigo 5º ­ Fica garantido o livre exercício das atividades desenvolvidas pelas bibliotecas de intercâmbio de material entre instituições de ensino e pesquisa nos limites desta Resolução.

Artigo 6º ­ Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação. (Proc. 2005.1.13361.1.1)

Reitoria da Universidade de São Paulo, 02 de junho de 2005.

ADOLPHO JOSÉ MELFI Reitor

NINA BEATRIZ STOCCO RANIERI Secretária Geral

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 142 8.3. Documento III (Lei n° 7.646 de 18 de dezembro de 1987)

LEI No 7.646, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1987.

Revogado pela Lei nº 9.609, de 19.2.1998

Dispõe quanto à proteção da propriedade intelectual sobre programas de computador e sua comercialização no País e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço na Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, com as saber que o Congresso Nacional decreta e eu modificações que esta lei estabelece para atender às sanciono a seguinte lei: peculiaridades inerentes aos programas de computador.

TÍTULO I TÍTULO II Disposições Preliminares Da Proteção aos Direitos de Autor Art. 1º São livres, no País, a produção e a Art. 3º Fica assegurada a tutela dos direitos comercialização de programas de computador, de relativos aos programas de computador, pelo prazo origem estrangeira ou nacional, assegurada integral de 25 (vinte e cinco) anos, contado a partir do seu proteção aos titulares dos respectivos direitos, nas lançamento em qualquer país. condições estabelecidas em lei. § 1º A proteção aos direitos de que trata esta Parágrafo único. Programa de computador é lei independe de registro ou cadastramento na a expressão de um conjunto organizado de instruções Secretaria Especial de Informática ­ SEI. em linguagem natural ou codificada, contida em § 2º Os direitos atribuídos por esta lei aos suporte físico de qualquer natureza, de emprego estrangeiros, domiciliados no exterior, ficam necessário em máquinas automáticas de tratamento assegurados, desde que o país de origem do da informação, dispositivos, instrumentos ou programa conceda aos brasileiros e estrangeiros, equipamentos periféricos, baseados em técnica domiciliados no Brasil, direitos equivalentes, em digital, para fazê­los funcionar de modo e para fins extensão e duração, aos estabelecidos no caput determinados. deste artigo. Art. 2º O regime de proteção à propriedade Art. 4º Os programas de computador intelectual de programas de computador é o disposto poderão, a critério do autor, ser registrados em órgão

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 143 a ser designado pelo Conselho Nacional de Direito instalações ou equipamentos do empregador ou Autoral ­ CNDA, regido pela Lei nº 5.988, de 14 de contratante de serviços. dezembro de 1973, e reorganizado pelo Decreto nº Art. 6º Quando estipulado em contrato 84.252, de 28 de julho de 1979. firmado entre as partes, os direitos sobre as § 1º O titular do direito de autor submeterá ao modificações tecnológicas e derivações pertencerão à órgão designado pelo Conselho Nacional de Direito pessoa autorizada que as fizer e que os exercerá Autoral ­ CNDA, quando do pedido de registro, os autonomamente. trechos do programa e outros dados que considerar Art. 7º Não constituem ofensa ao direito de suficientes para caracterizar a criação independente e autor de programa de computador: a identidade do programa de computador. I ­ a reprodução de cópia legitimamente § 2º Para identificar­se como titular do direito adquirida, desde que indispensável à utilização de autor, poderá o criador do programa usar de seu adequada do programa; nome civil, completo ou abreviado, até por suas II ­ a citação parcial, para fins didáticos, iniciais, como previsto no art. 12 da Lei nº 5.988, de desde que identificados o autor e o programa a que 14 de dezembro de 1973. se refere; § 3º As informações que fundamentam o III ­ a ocorrência de semelhança de programa registro são de caráter sigiloso, não podendo ser a outro, preexistente, quando se der por força das reveladas, a não ser por ordem judicial ou a características funcionais de sua aplicação, da requerimento do próprio titular. observância de preceitos legais, regulamentares, ou Art. 5º Salvo estipulação em contrário, de normas técnicas, ou de limitações de forma pertencerão exclusivamente ao empregador ou alternativa para a sua expressão; contratante de serviços, os direitos relativos a IV ­ a integração de um programa, mantendo­ programa de computador, desenvolvido e elaborado se suas características essenciais, a um sistema durante a vigência de contrato ou de vínculo aplicativo ou operacional, tecnicamente indispensável estatutário, expressamente destinado à pesquisa e às necessidades do usuário, desde que para uso desenvolvimento, ou em que a atividade do exclusivo de quem a promoveu. empregado, servidor ou contratado de serviços seja TÍTULO III prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza Do Cadastro dos encargos contratados. Art. 8º Para a comercialização de que trata o § 1º Ressalvado ajuste em contrário, a art. 1º desta lei, fica obrigatório o prévio compensação do trabalho, ou serviço prestado, será cadastramento do programa ou conjunto de limitada à remuneração ou ao salário convencionado. programas de computador, pela Secretaria Especial § 2º Pertencerão, com exclusividade, ao de Informática ­ SEI, que os classificará em diferentes empregado, servidor ou contratado de serviços, os categorias, conforme sejam desenvolvidos no País ou direitos concernentes a programa de computador no exterior, em associação ou não entre empresas gerado sem relação ao contrato de trabalho, vínculo não nacionais e nacionais, definidas estas pelo art. 12 estatutário ou prestação de serviços, e sem utilização da Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984, e art. 1º do de recursos, informações tecnológicas, materiais, Decreto­lei nº 2.203, de 27 de dezembro de 1984.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 144 § 1º No que diz respeito à proteção dos I ­ ser original e desenvolvido direitos do autor, não se estabelecem diferenças entre independentemente; as categorias referidas no caput deste artigo, as quais II ­ ter, substancialmente, as mesmas serão diversificadas para efeito de financiamento com características de desempenho, considerando o tipo recursos públicos, incentivos fiscais, comercialização de aplicação a que se destina; e remessa de lucros, ou pagamento de direitos aos III ­ operar em equipamento similar e em seus titulares domiciliados no exterior, conforme o ambiente de processamento similar; caso. b) observar padrões nacionais estabelecidos, § 2º O cadastramento de que trata este artigo quando pertinentes; e a aprovação dos atos e contratos referidos nesta lei, c) (Vetado); pela Secretaria Especial de Informática ­ SEI, ficarão d) executar, substancialmente, as mesmas condicionados, quando se tratar de programas funções, considerando o tipo de aplicação a que se desenvolvidos por empresas não nacionais, à destina e as características do mercado nacional. apuração da inexistência de programa de computador Art. 11. Fica estipulado o prazo de 120 (cento similar, desenvolvido no País, por empresa nacional. e vinte) dias para que a Secretaria Especial de § 3º Além do disposto no caput deste artigo, o Informática ­ SEI se manifeste sobre o pedido de cadastramento de que trata esta lei é condição prévia cadastramento (Vetado), contado a partir da data do e essencial à: respectivo protocolo. I ­ validade e eficácia de quaisquer negócios Art. 12. Às empresas não nacionais, o jurídicos relacionados a programas; cadastramento será concedido, exclusivamente, a II ­ produção de efeitos fiscais e cambiais e programas de computador que se apliquem a legitimação de pagamentos, créditos ou remessas equipamentos produzidos no País ou no exterior, aqui correspondentes, quando for o caso, e sem prejuízo comercializados por empresas desta mesma de outros requisitos e condições estabelecidos em lei. categoria. Art. 9º O cadastramento, para os fins do Art. 13. Será tornado sem efeito, a qualquer disposto no artigo anterior, terá validade mínima de 3 tempo, o cadastramento de programa de computador: (três) anos, e será renovado, automaticamente, pela I ­ por sentença judicial transitada em julgado; Secretaria Especial de Informática ­ SEI, observado o II ­ por ato administrativo, quando disposto no § 2º do citado artigo. comprovado que as informações apresentadas pelo Parágrafo único. Da decisão que deferir ou interessado para instruir o pedido de cadastramento denegar o pedido de cadastramento, caberá recurso não forem verídicas. ao Conselho Nacional de Informática e Automação ­ Art. 14. A Secretaria Especial de Informática ­ CONIN, observado o disposto no Regimento Interno SEI poderá cobrar emolumentos pelos serviços de deste Conselho. cadastro (Vetado), conforme tabela própria a ser Art. 10. Para os efeitos desta lei, um aprovada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. programa de computador será considerado similar a TÍTULO IV outro, quando atender às seguintes condições: Da Quota de Contribuição a) ser funcionalmente equivalente, Art. 15. O Fundo Especial de Informática e considerando que deve: Automação, de que trata a Lei nº 7.232, de 29 de

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 145 outubro de 1984, será destinado ao financiamento a II ­ assegurar, aos respectivos usuários, a programas de: prestação de serviços técnicos complementares a) pesquisa e desenvolvimento de tecnologia relativos ao adequado funcionamento do programa de de informática e automação; computador, consideradas as suas especificações e b) formação de recursos humanos em as particularidades do usuário. informática; Art. 25. O titular dos direitos dos programas c) aparelhamento dos Centros de Pesquisas de computador, durante o prazo de validade técnica, em Informática, com prioridade às Universidades tratado nos artigos imediatamente anteriores, não Federais e Estaduais; poderá retirá­los de circulação comercial, sem a justa d) capitalização dos Centros de Tecnologia e indenização de eventuais prejuízos causados a Informática, criados em consonância com as terceiros. diretrizes do Plano Nacional de Informática e Art. 26. O titular dos direitos de programas de Automação ­ PLANIN. computador e de sua comercialização responde, Parágrafo único. O Fundo Especial de perante o usuário, pela qualidade técnica adequada, Informática e Automação será constituído de: bem como pela qualidade da fixação ou gravação dos a) dotações orçamentárias; mesmos nos respectivos suportes físicos, cabendo b) quotas de contribuição; ação regressiva contra eventuais antecessores c) doações de origem interna ou externa. titulares desses mesmos direitos. Art 16. (Vetado). Art. 27. A exploração econômica de Art. 17. (Vetado). programas de computador, no País, será objeto de Art. 18. (Vetado). contratos de licença ou de cessão, livremente Art. 19. (Vetado). pactuados entre as partes, e nos quais se fixará, TÍTULO V quanto aos tributos e encargos exigíveis no País, a Da Comercialização responsabilidade pelos respectivos pagamentos. Art. 20. (Vetado). Parágrafo único. Serão nulas as cláusulas Art. 21. (Vetado). que: Art. 22. (Vetado). a) fixem exclusividade; Art. 23. Os suportes físicos de programas de b) limitem a produção, distribuição e computador e respectivas embalagens, assim como comercialização; os contratos a eles referentes deverão consignar, de c) eximam qualquer dos contratantes da forma facilmente legível pelo usuário, o número de responsabilidade por eventuais ações de terceiros, ordem de cadastro, (Vetado) e o prazo de validade decorrente de vícios, defeitos ou violação de direitos técnica da versão comercializada. de autor. Art. 24. O titular dos direitos de Art. 28. A comercialização de programas de comercialização de programas de computador, computador, ressalvado o disposto no art. 12 desta durante o prazo de validade técnica da respectiva lei, somente é permitida a empresas nacionais que versão, fica obrigado a: celebrarão, com os fornecedores não nacionais, os I ­ divulgar, sem ônus adicional, as correções contratos de cessão de direitos ou licença, nos termos de eventuais erros; desta lei.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 146 Parágrafo único. A aprovação pelos órgãos Art. 31. Nos casos de transferência de competentes do Poder Executivo, dos atos e tecnologia de programas de computador, será contratos relativos à comercialização de programas obrigatória, inclusive para fins de pagamento e de computador de origem externa, é condição prévia dedutibilidade da respectiva remuneração, e demais e essencial para: efeitos previstos nesta lei, a averbação do contrato no a) possibilitar o cadastramento do programa; Instituto Nacional de Propriedade Industrial ­ INPI. b) permitir a dedutibilidade fiscal, respeitadas Parágrafo único. Para averbação de que trata as normas previstas na legislação específica; este artigo, além da inexistência de capacitação c) possibilitar a remessa ao exterior dos tecnológica nacional, fica obrigatório o fornecimento, montantes devidos, de acordo com esta lei e demais por parte do fornecedor ao receptor de tecnologia, da disposições legais aplicáveis. documentação completa, em especial do código­fonte Art. 29. A aprovação e a averbação serão comentado, memorial descritivo, especificações concedidas aos atos e contratos, relativos a programa funcionais e internas, diagramas, fluxogramas e de origem externa, que estabelecerem remuneração outros dados técnicos necessários à absorção da do autor, cessionário residente ou domiciliado no tecnologia. exterior, a preço certo por cópia e respectiva Art. 32. As pessoas jurídicas poderão deduzir, documentação técnica, que não exceda o valor médio até o dobro, como despesa operacional, para efeito mundial praticado na distribuição do mesmo produto, de apuração do lucro tributável pelo Imposto de não sendo permitido pagamento calculado em função Renda e Proventos de Qualquer Natureza, os gastos de produção, receita ou lucro do cessionário ou do realizados com a aquisição de programas de usuário. computador, quando forem os primeiros usuários 1º Excluem­se da permissão deste artigo as destes, desde que os programas se enquadrem como empresas não nacionais, a elas assegurada, em de relevante interesse, observado o disposto nos arts. decorrência da comercialização regulada pelo art. 12 15 e 19 da Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984. desta lei, a remessa de divisas previstas nas § 1º Paralelamente, como forma de incentivo, disposições e nos limites da Lei nº 4.131, de 3 de a utilização de programas de computador setembro de 1962, e legislação posterior. desenvolvidos no País por empresas privadas 2º A nota fiscal emitida pelo titular dos nacionais será levada em conta para efeito da correspondentes direitos ou seus representantes concessão dos incentivos previstos no art. 13 da Lei legais, que comprove a comercialização de nº 7.232, de 29 de outubro de 1984, bem como de programas de computador de origem externa, será o financiamentos com recursos públicos. suficiente para possibilitar os pagamentos previstos § 2º Os órgãos e entidades da Administração no caput deste artigo. Pública Direta ou Indireta, Fundações, instituídas ou TÍTULO VI mantidas pelo Poder Público e as demais entidades Disposições Gerais sob o controle direto ou indireto do Poder Público Art. 30. Será permitida a importação ou o darão preferência, em igualdade de condições, na internamento, conforme o caso, de cópia única de utilização de programas de computador programa de computador, destinado à utilização desenvolvidos no País por empresas privadas exclusiva pelo usuário final, (Vetado).

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 147 nacionais, de conformidade com o que estabelece o crime previsto no art. 35 desta lei, serão precedidas art. 11 da Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984. de vistoria, podendo o juiz ordenar a apreensão das § 3º A participação do Estado na cópias produzidas ou comercializadas com violação comercialização de programas de computador de direito de autor, suas versões e derivações, em obedecerá ao disposto no inciso II do art. 2º da Lei nº poder do infrator ou de quem as esteja expondo, 7.232, de 29 de outubro de 1984. mantendo em depósito, reproduzindo ou Art. 33. As ações de nulidade do registro ou comercializando. do cadastramento, que correrão em segredo de Art. 39. Independentemente da ação penal, o justiça, poderão ser propostas por qualquer prejudicado poderá intentar ação para proibir ao interessado ou pela União Federal. infrator a prática do ato incriminado, com a cominação Art. 34. A nulidade do registro constitui de pena pecuniária para o caso de transgressão do matéria de defesa nas ações cíveis ou criminais, preceito (art. 287 do Código de Processo Civil). relativas à violação dos direitos de autor de programa 1º A ação de abstenção de prática de ato de computador. poderá ser cumulada com a de perdas e danos pelos TÍTULO VII prejuízos decorrentes da infração. Das Sanções e Penalidades 2º A ação civil, proposta com base em Art. 35. Violar direitos de autor de programas violação dos direitos relativos à propriedade de computador: intelectual sobre programas de computador, correrá Pena ­ Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) em segredo de justiça. anos e multa. 3º Nos procedimentos cíveis, as medidas Art. 36. (Vetado). cautelares de busca e apreensão observarão o Art. 37. Importar, expor, manter em depósito, disposto no parágrafo único do art. 38 desta lei. para fins de comercialização, programas de 4º O juiz poderá conceder medida liminar, computador de origem externa não cadastrados: proibindo ao infrator a prática do ato incriminado, nos Pena ­ Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos termos do caput deste artigo, independentemente de e multa. ação cautelar preparatória. Parágrafo único. O disposto neste artigo não 5º Será responsabilizado por perdas e danos se aplica a programas internados exclusivamente aquele que requerer e promover as medidas previstas para demonstração ou aferição de mercado em feiras neste e no artigo anterior, agindo de má­fé ou por ou congressos de natureza técnica, científica ou espírito de emulação, capricho ou erro grosseiro, nos industrial. termos dos arts. 16, 17 e 18 do Código de Processo Art. 38. A ação penal, no crime previsto no Civil. art. 35, (Vetado) desta lei, é promovida mediante TÍTULO VIII queixa, salvo quando praticado em prejuízo da União, Das Prescrições Estado, Distrito Federal, Município, autarquia, Art. 40. Prescreve em 5 (cinco) anos a ação empresa pública, sociedade de economia mista ou civil por ofensa a direitos patrimoniais do autor. fundação sob supervisão ministerial. Art. 41. Prescrevem, igualmente em 5 (cinco) Parágrafo único. A ação penal e as anos, as ações fundadas em inadimplemento das diligências preliminares de busca e apreensão, no obrigações decorrentes, contado o prazo da data:

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 148 a) que constitui o termo final de validade Parágrafo único. O Poder Executivo técnica de versão posta em comércio; regulamentará esta lei no prazo de 120 (cento e vinte) b) da cessação da garantia, no caso de dias, a contar da data de sua publicação. programas de computador desenvolvidos e Art. 43. Revogam­se as disposições em elaborados por encomenda; contrário. c) da licença de uso de programas de computador. Brasília, 18 de dezembro de 1987; 166º da TÍTULO IX Independência e 99º da República. Das Disposições Finais JOSÉ SARNEY Art. 42. Esta lei entra em vigor na data de sua Luiz Henrique da Silveira publicação.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 149 8.4. Documento IV (Decreto de 29 de outubro de 2003)

DECRETO DE 29 DE OUTUBRO DE 2003229

Institui Comitês Técnicos do Comitê Executivo do Governo Eletrônico e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea Art. 2o­ Os Comitês Técnicos serão "a", da Constituição, compostos por representantes de órgãos e entidades da administração pública federal, indicados pelos DECRETA: integrantes do Comitê Executivo do Governo Eletrônico. § 1o­ Ato dos Ministros de Estado Chefe da Art. 1o­ Ficam instituídos Comitês Técnicos, Casa Civil da Presidência da República e do no âmbito do Comitê Executivo do Governo Planejamento, Orçamento e Gestão estabelecerá a Eletrônico, criado pelo Decreto de l8 de outubro de composição dos Comitês Técnicos e designará seus 2000, com a finalidade de coordenar e articular o membros e coordenadores. planejamento e a implementação de projetos e ações § 2o­ Em seus impedimentos, os membros nas respectivas áreas de competência, com as dos Comitês Técnicos serão substituídos por seus seguintes denominações: suplentes. § 3o­ Os órgãos e entidades cujos I ­ Implementação do Software Livre; representantes integrem os respectivos Comitês II ­ Inclusão Digital; Técnicos prestarão o necessário apoio técnico e III ­ Integração de Sistemas; administrativo ao seu funcionamento, inclusive por IV ­ Sistemas Legados e Licenças de meio da designação de servidores dos seus quadros Software; para a atuação em atividades e projetos. V ­ Gestão de Sítios e Serviços On­line; § 4o­ Poderão ser convidados a participar das VI ­ Infra­Estrutura de Rede; reuniões dos Comitês Técnicos, a juízo do seu VII ­ Governo para Governo ­ G2G; e coordenador, representantes de outros órgãos e VIII ­ Gestão de Conhecimentos e Informação Estratégica.

229 Diário Oficial da União – Seção 1. No 211, quinta­feira, 30 de outubro de 2003. p.4, ­ ISSN 1677­7042

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 150 entidades públicas, de empresas privadas ou de organizações da sociedade civil. Art. 3o­ Este Decreto entra em vigor na data § 5o­ O Secretário­Executivo do Comitê de sua publicação. Brasília, 29 de outubro de 2003; Executivo do Governo Eletrônico supervisionará os 182o­ da Independência e 115o­ da República. trabalhos dos Comitês Técnicos, inclusive por meio da convocação dos seus coordenadores para LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA participação em reuniões periódicas de Guido Mantega acompanhamento.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 151 8.5. Documento V (Creative Commons Licença de Atribuição­Uso Não Comercial 2.5 Brasil)

Atribuição­Uso Não­Comercial 2.5 Brasil

Você pode:

• copiar, distribuir, exibir e executar a obra • criar obras derivadas

Sob as seguintes condições:

Atribuição. Você deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante.

Uso Não­Comercial. Você não pode utilizar esta obra com finalidades comerciais.

• Para cada novo uso ou distribuição, você deve deixar claro para outros os termos da licença desta obra. • Qualquer uma destas condições podem ser renunciadas, desde que Você obtenha permissão do autor.

Qualquer direito de uso legítimo (ou "fair use") concedido por lei, ou qualquer outro direito protegido pela legislação local, não são em hipótese alguma afetados pelo disposto acima.

Este é um sumário para leigos da Licença Jurídica (na íntegra) [http://creativecommons.org/licenses/by­nc/2.5/br/legalcode].

Termo de exoneração de responsabilidade [http://creativecommons.org/licenses/disclaimer­popup?lang=pt­br]

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 152 8.6. Documento VI (The Open Source Definition230)

Introduction

Open source doesn't just mean access to the source code. The distribution terms of open­source software must comply with the following criteria: 1. Free Redistribution

The license shall not restrict any party from selling or giving away the software as a component of an aggregate software distribution containing programs from several different sources. The license shall not require a royalty or other fee for such sale. 2. Source Code

The program must include source code, and must allow distribution in source code as well as compiled form. Where some form of a product is not distributed with source code, there must be a well­publicized means of obtaining the source code for no more than a reasonable reproduction cost preferably, downloading via the Internet without charge. The source code must be the preferred form in which a programmer would modify the program. Deliberately obfuscated source code is not allowed. Intermediate forms such as the output of a preprocessor or translator are not allowed. 3. Derived Works

The license must allow modifications and derived works, and must allow them to be distributed under the same terms as the license of the original software. 4. Integrity of The Author's Source Code

The license may restrict source­code from being distributed in modified form only if the license allows the distribution of "patch files" with the source code for the purpose of modifying the program at build time. The license must explicitly permit distribution of software built from modified source code. The license may require derived works to carry a different name or version number from the original software. 5. No Discrimination Against Persons or Groups

The license must not discriminate against any person or group of persons. 6. No Discrimination Against Fields of Endeavor

The license must not restrict anyone from making use of the program in a specific field of endeavor. For example, it may not restrict the program from being used in a business, or from being used for genetic research. 7. Distribution of License

230 http://www.opensource.org/docs/definition_plain.php

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 153 The rights attached to the program must apply to all to whom the program is redistributed without the need for execution of an additional license by those parties. 8. License Must Not Be Specific to a Product

The rights attached to the program must not depend on the program's being part of a particular software distribution. If the program is extracted from that distribution and used or distributed within the terms of the program's license, all parties to whom the program is redistributed should have the same rights as those that are granted in conjunction with the original software distribution. 9. License Must Not Restrict Other Software

The license must not place restrictions on other software that is distributed along with the licensed software. For example, the license must not insist that all other programs distributed on the same medium must be open­source software. 10. License Must Be Technology­Neutral

No provision of the license may be predicated on any individual technology or style of interface.

31/08/2006 ­ 20060830_rbns.odt 154