Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. Revista Brasileira de

Geografia Física

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Agentes condicionantes e desencadeadores de movimentos gravitacionais de massa na vertente úmida do maciço de Uruburetama, , Brasil

Danielle Lopes de Sousa Lima¹, Abner Monteiro Nunes Cordeiro², Frederico de Holanda Bastos³ ¹Geógrafa e Técnica em Geoprocessamento da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará, Rua Jaime Benévolo, 1400, Bairro de Fátima, , Ceará. E-mail: [email protected]. ²Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará-UECE. Av. Dr. Silas Muguba, 1700, Campus do Itaperi, Serrinha, Fortaleza, Ceará. E-mail: [email protected]. ³Prof. Dr. da Universidade Estadual do Ceará-UECE. Av. Dr. Silas Muguba, 1700, Campus do Itaperi, Serrinha, Fortaleza, Ceará. E-mail: [email protected].

Artigo recebido em 04/09/2015 e aceito em 29/12/2015. R E S U M O Os movimentos gravitacionais de massa são um dos processos modeladores da superfície terrestre, podendo ser esses eventos decorrentes de fatores naturais, como também de atividades socioeconômicas que são desenvolvidas em determinada área, com destaque para os ambientes serranos. A associação entre as características topográficas do relevo, o forte controle estrutural, a textura dos solos, a quantidade e distribuição de chuvas, além das atividades socioeconômicas desenvolvidas, tornam a serra de Uruburetama um ambiente potencial à ocorrência de movimentos de massa. Desta forma, esse trabalho tem como objetivo identificar os agentes condicionantes e desencadeadores de movimentos gravitacionais de massa em ambientes serranos, com destaque para a vertente úmida do maciço de Uruburetama. A metodologia utilizada teve como base a pesquisa bibliográfica referente a análise integrada da paisagem, com enfoque geossistêmico; os princípios de ecodinâmica; eventos morfodinâmicos; pesquisa de campo; além do uso das geotecnologias. Os resultados obtidos demonstram que os movimentos de massa identificados na vertente úmida estão relacionados, principalmente, aos cultivos de sequeiro e a construção de estradas, estando essas atividades desenvolvidas em áreas consideradas instáveis, de forma a potencializar a ocorrência de eventos morfodinâmicos. Portanto, entender a ocorrência desses eventos, seus agentes desencadeadores e suas características, possibilita auxiliar as decisões dos planejadores e gestores, fornecendo informações necessárias para a adoção de medidas preventivas, principalmente em ambientes serranos. Palavras-Chave: Maciço úmido; Análise geoambiental; Movimento de massa. Conditioning Agents and Triggers of Gravitational Mass Movements in the Wet Side of the Massif of Uruburetama, Ceara, ABSTRACT The gravitational mass movements are one of the modelers processes the earth's surface and can be these events due to natural factors, but also socio-economic activities that are developed in an area, especially the peasants environments. The association between the topographic features of the relief, the strong structural control, soil texture, the amount and distribution of rainfall, in addition to developed socioeconomic activities, make the saw Uruburetama a potential environment for occurrence of mass movements. Thus, this study aims to identify the conditioning agents and triggering mass movements of peasants gravitational environments, especially for damp strand of massive Uruburetama. The methodology used was based on the literature concerning integrated landscape analysis with geossistêmico approach; the principles of ecodynamics; morphodynamic events; field research; and the use of geotechnology. The results show that the mass movements identified in the damp strand are related mainly to upland crops and the construction of roads, being developed in these activities considered unstable areas in order to enhance the occurrence of morphodynamic events. Therefore, to understand the occurrence of these events, their triggering agents and their characteristics, enables assist the decisions of planners and managers, providing information necessary for the adoption of preventive measures, especially in serrano environments. Keywords: Massive wet; Geoenvironmental analysis; Mass movement.

1142 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. Introdução intermontanas, o mesmo possui uma série de No contexto intertropical do Brasil, o ambientes de exceção, que aparentemente são semiárido nordestino apresenta grande diversidade estáticos, mas que na realidade são dinâmicos, ambiental face a sua complexa variedade de sofrendo alterações ao longo do tempo e do fatores naturais dispersos ao longo das terras espaço de modo diferenciado. semiáridas. Nessa área, conhecida pelo sugestivo Segundo Souza (2000), entender a nome de região ou domínio morfoclimático das morfodinâmica atual é requisito indispensável caatingas, ocorre o predomínio das superfícies para o aproveitamento adequado dos recursos sertanejas intermontanas quentes e secas, mal naturais renováveis, principalmente quando esta servidas por chuvas tropicais (Ab’Sáber, 1977). encontra-se associada a um ambiente com Entretanto, no interior da área nuclear do declives acentuados, terrenos impermeáveis, domínio das caatingas existem vários ambientes dissecados por dezenas de riachos que se refletem de exceção, como é o caso dos maciços úmidos e em instabilidades, gerando intensos processos subúmidos. Essas paisagens de exceção erosivos, responsáveis diretos pela evolução do conhecidas como “brejos de altitude” configuram modelado (Cordeiro e Garcez, 2012). verdadeiras ilhas de umidade, enclaves de floresta Para Fernandes e Amaral (2006), os úmida no domínio semiárido do Nordeste processos morfodinâmicos são fenômenos brasileiro, contribuindo com a diversificação naturais, contínuos ou descontínuos da dinâmica fisiográfica e ecológica dos sertões (Ab’Sáber, externa da superfície terrestre, responsáveis pela 2003). sua esculturação e por grandes perdas econômicas Conforme Souza e Oliveira (2006), os e sociais. De acordo com os mesmos autores, enclaves úmidos e subúmidos se distribuem de dentre os processos modeladores do relevo da forma dispersa nos sertões semiáridos, se superfície terrestre, destacam-se os movimentos caracterizando por superfícies topograficamente de massa, responsáveis por inúmeros problemas elevadas de relevos serranos, com dimensões socioeconômicos e ambientais em vários países e variadas, submetidos às influências de mesoclima ao longo do território brasileiro. de altitude. De acordo com Reis (1988), o Os movimentos de massa se caracterizam mesoclima corresponde a uma unidade climática por uma significativa dissipação de energia, sendo intermediária, se encontrando entre os responsáveis pelo deslocamento de material nas macroclimas, que seriam as grandes unidades encostas de relevo, podendo ser esses eventos climáticas regionais, e os microclimas, que decorrentes tanto de fatores naturais como apresentam um significado mais restrito. socioeconômicos (Bastos, 2012). Esses ambientes de exceção se Nos espaços de exceção do Estado do diferenciam como áreas de grande importância Ceará, esses eventos morfodinâmicos estão por sua alta produção agrícola e denso contingente subordinados, essencialmente, às condições populacional, podendo exibir características hidroclimáticas, onde sua eficácia é dependente da climáticas completamente distintas daquelas capacidade protetora da vegetação, da topografia e presentes nas depressões sertanejas, justificando das formas de uso e ocupação do solo, não uma dinâmica natural com solos profundos, rios compatíveis com os limites de tolerância do semiperenizados, vegetação perenifólia de porte suporte ecológicos (Souza, 2011). arbóreo e predomínio de intemperismo químico Segundo Meireles (2007), as intervenções (Bastos e Cordeiro, 2012). humanas nos ambientes serranos do Estado do O Nordeste semiárido apresenta onze Ceará que estão relacionadas com desmatamentos enclaves úmidos e subúmidos que se encontram das encostas e chuvas torrenciais, originaram distribuídos pelos Estados do Ceará, Rio Grande movimentos de massa em diversos pontos das do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia vertentes, provocando nos relevos serranos a (Souza e Oliveira, 2006). No Ceará, os relevos remobilização do solo, deslizamentos e que apresentam essas configurações naturais são desmoronamentos. as serras de Uruburetama, Aratanha, , Buscando abordar tal temática, o presente e Baturité, como maciços cristalinos, o trabalho objetiva identificar os agentes setor setentrional no planalto da Ibiapaba e o setor condicionantes e desencadeadores de movimentos oriental da chapada do , como relevos em gravitacionais de massa na vertente oriental úmida estruturas sedimentares (Bastos, 2012). da serra de Uruburetama, localizada na porção Portanto, apesar do semiárido cearense norte do Ceará, tendo em vista as potencialidades apresentar como feições geomorfológicas mais e limitações naturais desse maciço pré-litorâneo, representativas as depressões sertanejas associadas à crescente pressão exercida pelas

1143 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. atividades humanas, com implicações que alteram do material intemperizado é transportado pela as condições naturais de ocorrência dos processos força da gravidade (Bastos, 2012), sendo uma morfodinâmicos. característica marcante na área de estudo. Para Molinari (2010), o equilíbrio das Agentes Condicionantes e Desencadeadores de vertentes está diretamente associado às Movimentos Gravitacionais de Massa em Relevos características dos solos, principalmente por seus Serranos elementos morfológicos, hidráulicos e Os movimentos de massa possuem mineralógicos. As características pedológicas características distintas, estando estas associadas à influenciam as condições de infiltração, circulação influência de diferentes fatores como a estrutura e armazenamento de água, sendo determinante nas geológica, morfologia, pedologia, características condições de saturação do solo, e hidroclimáticas, cobertura vegetal, como também consequentemente na capacidade de resistência a as formas de uso e ocupação do solo por parte das ruptura (Molinari, 2010). atividades socioeconômicas. De acordo com As características hidroclimáticas também Teixeira (2005), esses fatores desencadeiam e representam importantes variáveis para a condicionam os processos morfodinâmicos, ocorrência de movimentos de massa, influenciando os tipos de movimentos de massa, principalmente referente a pluviosidade (Souza, sua velocidade e duração. 2000). Esta é uma condicionante da saturação do Bigarella et al. (2003) afirmam que dentre solo, e consequentemente da capacidade de os fatores geológicos relacionados com resistência e de estabilidade do mesmo. Os movimentos de massa, devem ser considerados os aspectos, sobretudo relacionados à pluviosidade aspectos litológicos, os padrões de fraturas, em regiões tropicais, são os principais agentes diaclases, xistosidades, dobramentos e desencadeadores de movimentos de massa em estratificações quando presentes, a coesão e peso ambientes serranos, pois são responsáveis pela por unidade do material formador das vertentes, a saturação dos solos e consequente perda de sua circulação das águas e o esforço de cisalhamento e estabilidade (Bastos, 2012). planos de cisalhamento. Para Bastos (2012), as Guidicine e Nieble (1984) afirmam que a características geológicas são importantes na pluviosidade é o aspecto mais significativos a ser deflagração dos movimentos de massa, pois considerado para a ocorrência de movimentos de influenciam nos fluxos de água superficiais e massa, pois quase todos os movimentos de massa subsuperficiais causando a instabilidade dos registrados estão relacionados a episódios de alta materiais. Nessa perspectiva, a presença de falhas pluviosidade e de curta duração. Entretanto, a e/ou fraturas representam importantes ocorrência de um elevado índice de pluviosidade é descontinuidades tanto em termos mecânicos condição necessária, mas nem sempre é condição quanto hidráulicos (Molinari, 2010). suficiente para o desencadeamento de Segundo Batateira (2001), os movimentos escorregamentos (Guidicine e Nieble, 1984). de massa são influenciados pela morfologia das De modo complementar, Bastos (2012) vertentes e devem ser considerados fatores como a afirma que ambientes que são sujeitos a altimetria, declividade e a disposição do relevo ocorrência de pequenas chuvas por períodos frente a ação dos agentes atmosféricos. No Brasil, prolongados, podem apresentar solos saturados, todos os eventos catastróficos relacionados com desta forma, o solo que já possui certa umidade e movimentos de massa ocorrem em encostas de peso, quando ocorre uma única chuva mais elevadas declividade (Bigarella et al., 2003). intensa, a mesma pode induzir o acontecimento de Para Bastos (2012), as vertentes com um movimento de massa. declividades superiores a 37º e inferiores a 55º A degradação ou supressão da vegetação possuem equilíbrio precário, favorecendo a também constitui um importante agente ocorrência de movimentos do regolito. A partir desencadeador de movimentos de massa nas dessa declividade ocorre uma diminuição desses encostas dos relevos serranos. A cobertura vegetal processos por influência da própria declividade é fundamental na estabilidade da vertente, que limita a manutenção do regolito na encosta protegendo-a dos efeitos da erosão pluvial e (Fernandes e Amaral, 2006). Porém, elevadas eólica. Para Teixeira (2005), as raízes da cobertura declividades propiciam outros tipos de vegetal sustentam os materiais das vertentes, mas movimentos como queda de blocos ou o alargamento das raízes que penetram nas fendas tombamentos (Valeriano, 2008). das rochas pode desencadear queda de blocos, Áreas com declives superiores a 40º evento muito comum na área de estudo. tendem a apresentar solos rasos, pois grande parte

1144 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. Para Bastos (2012), a evolução dos (2006), Guidicini e Niebli (1984), Dikau (2004) e sistemas radiculares propicia uma maior aeração Bastos (2012). dos solos, podendo também exercer processos de O presente trabalho adotou terminologias desagregação mecânica através do atuais e internacionalmente reconhecidas para a desenvolvimento das raízes em rochas. descrição de movimentos de massa, tendo por Os processos naturais relacionados com a base os trabalhos de Dikau (2004) e Varnes evolução de vertentes apresentam diferentes tipos (1978). Portanto, adotou-se seis categorias que são de material envolvido e capacidades energéticas utilizadas pela Sociedade Geotécnica variadas. Apesar de existir o perigo ou a Internacional, no grupo de trabalho responsável suscetibilidade natural à ocorrência de movimento pelos inventários acerca de movimentos de massa de massa em algumas encostas, a ação antrópica no mundo Working Party on World Landslide pode exercer forte influência no desencadeamento Inventory (WP/WLI), vinculado à Organização desses processos. das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Segundo Teixeira (2005), as ações Cultura (UNESCO), que são eles: deslizamentos, humanas podem condicionar o desencadeamento fluxos, quedas, tombamentos, espalhamentos de eventos morfodinâmicos de vertentes sem que laterais e movimentos complexos. ocorra nenhuma interferência de origem natural. Para a elaborar do presente estudo, fez-se A ocupação de encostas para o uso das geotecnologias como o desenvolvimento de práticas agrícolas, construção geoprocessamento, sendo utilizadas bases de estradas e expansão de áreas urbanizadas, por cartográficas de instituições estaduais e federais exemplo, são fatores que potencializam a como o Instituto de Pesquisa e Estratégia instabilidade do ambiente. Essas práticas estão Econômica do Ceará (IPECE), Instituto do associadas ao desmatamento, a retirada da base de Desenvolvimento Agrário do Ceará (IDACE), apoio da vertente para a construção de estruturas, Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), causando modificação morfológica da vertente e Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais consequente desestabilização da mesma (Bastos, (CPRM), Fundação Cearense de Meteorologia e 2012). Recursos Hídricos (FUNCEME), Instituto Cabe ressaltar que muitas ocupações em Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), National encostas perigosas não configuram Aeronautics and Space Administration (NASA) e necessariamente crimes ambientais. A legislação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística brasileira que trata de áreas de preservação (IBGE). permanente indica que somente as encostas com Os produtos de sensoriamento remoto declividade superior a 45º devem ser preservadas. também foram primordiais, sendo utilizadas No entanto, inúmeras encostas com declives em informações derivadas do projeto TOPODATA torno de 30º já apresentam sérios perigos naturais. realizado pelo INPE. Os produtos desse projeto derivam do processo de refinamento dos dados Material e métodos Shuttle Radar Topographic Mission (SRTM), em O embasamento teórico-metodológico foi que a resolução espacial original de ~90 m é fundamentado na análise integrada da paisagem, transformada para ~30 m por meio do método de com enfoque geossistêmico (Bertrand, 1972), krigagem e de análises geomorfométricas. tendo em vista que a abordagem geossistêmica A folha do projeto TOPODATA utilizada possibilita clareza e concisão dos resultados que no presente estudo foi a 03S405ZN, por meio do são obtidos com relação ao estudo da paisagem, tratamento desta, foi gerado o Modelo Digital do abordando de forma integrada o meio físico- Terreno (MDT) e o relevo sombreado da serra de biótico, como também prevê a integração de Uruburetama. Esses produtos possibilitaram a elementos das relações sociais. Para determinar as melhor representação das vertentes da área em condições de estabilidade e/ou instabilidade da estudo, e consequentemente, a identificação e área objeto de estudo, tomou-se os princípios da marcação mais precisa do sistema de falhas que ecodinâmica de Tricart (1977), que foram exerce grande influência sobre a drenagem do adaptados por Souza (2000) às características maciço, e principalmente sobre os eventos naturais do Estado do Ceará. morfodinâmicos. Com relação a compreensão e Para a confecção dos mapeamentos, o classificação dos movimentos de massa na software de geoprocessamento utilizado para o vertente úmida da serra de Uruburetama, o tratamento dos dados foi o Sistema de Informação embasamento teórico teve suporte nos trabalhos Geográfica (SIG) ArcGIS 9.3, possibilitando todo de Bigarella et al. (2003), Fernandes e Amaral o tratamento dos dados vetoriais e matriciais,

1145 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. permitindo a criação de um bando de dados A caracterização dos aspectos georreferenciados, sendo todos os arquivos geoambientais foi realizada a partir de submetidos a projeção cartográfica Universal levantamento e análise de trabalhos anteriores Transversa de Mercator (UTM), utilizando-se o realizados na serra de Uruburetama e de material Datum Sistema de Referência Geocêntrico para as geocartográfico pré-existente, bem como pelos Américas de 2000 (SIRGAS-2000). trabalhos de campo. O limite do maciço de Uruburetama foi As jornadas de campo serviram realizado por meio de critérios geomorfológicos, inicialmente para reconhecimento da área de com destaque para a ruptura topográfica, em estudo e para constatar a veracidade das virtude do forte controle estrutural presente na informações obtidas por meio das geotecnologias, área. Já o limite de sua vertente oriental úmida, sendo primordiais para a identificação e área objeto de estudo, foi definido conforme caracterização dos movimentos gravitacionais de observação de imagens de satélite, sendo massa na sua vertente oriental, possibilitando a analisada a cobertura vegetal, com o auxílio das melhor análise da relação desses eventos curvas de nível extraídas dos dados SRTM. morfodinâmicos com outros componentes Dessa forma, a imagem utilizada para a geoambientais do maciço úmido. análise da cobertura vegetal foi a imagem do satélite LandSat 8, sensor Thematic Mapper (TM), Resultados órbita/ponto 217/063 ano de 2014, Localização da Área de Estudo disponibilizadas gratuitamente pela NASA. A O maciço de Uruburetama está localizado imagem utilizada possui resolução espacial de na porção norte do Estado do Ceará, região 30m nas bandas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 9, que são Nordeste do Brasil, a aproximadamente 90 km da bandas multiespectrais; e resolução de 15m na capital Fortaleza. Esse relevo serrano possui uma banda 8, banda pancromática. Foi realizada a área de aproximadamente 858,38 km², e sua composição colorida falsa cor RGB com as vertente oriental úmida possui 221,94 km², ou respectivas bandas 654. Posteriormente, a banda seja, 25,85% da área total do maciço. A área da pancromática foi fusionada com a cena de vertente úmida está distribuída entre os composição RGB, resultando em uma cena de municípios de Uruburetama, , Itapajé, composição falsa cor e resolução espacial de 15m, e Tuturu. As principais vias de acesso e a de forma a possibilitar a melhor representação do visão do maciço como um todo, com destaque relevo e da cobertura vegetal da serra de para sua vertente oriental úmida, podem ser Uruburetama. visualizados na carta-imagem da serra de Uruburetama (Figura 1).

Figura 1. Carta imagem da serra de Uruburetama, Ceará, Brasil. Elaboração dos autores. 1146 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157.

Contextualização Ambiental serra é composta de rochas granitoides, tendo A serra de Uruburetama é constituída por como unidade litoestratificada a Suíte Intrusiva um batólito Neoproterozoico, localizado na Tamboril-Santa Quitéria, constituída por porção setentrional da Província Borborema granitoides cinzentos e rosados, de granulação (Figura 2). De acordo com Souza (1988), trata-se variável (CPRM, 2003). As rochas granitoides em de um maciço pré-litorâneo que pertence ao virtude de sua constituição geológica apresentam domínio dos escudos e maciços antigos, sendo maior resistência aos processos erosivos e composto por litotipos do embasamento cristalino permanecem na topografia como cristas alongadas datados do Pré-Cambriano. Litologicamente, a nas direções dos trends estruturais.

Figura 2. Localização do maciço de Uruburetama na porção setentrional da Província Borborema. Elaboração dos autores.

A serra de Uruburetama apresenta uma Em função desse forte controle estrutural morfologia que documenta importantes episódios a rede de drenagem do maciço, responsável pela de evolução morfotectônica, além da ação dos sua dissecação, está encaixada no sistema de processos morfodinâmicos ao longo do tempo falhas e fraturas, de forma a condicionar a direção geológico. Esse maciço não é um setor dos fluxos dos rios e exercer influência sobre as tectonicamente ativo, mas apresenta grande características topográficas do ambiente serrano influência do controle estrutural, com falhas que (Figura 3). A orientação do controle estrutural da representam descontinuidades do relevo, que vertente oriental úmida no setor norte, apresenta podem estar associadas tanto a eventos tectônicos direção predominante leste-oeste (E – W); e no pretéritos, como também a alívios de pressão. setor sul, direção sudeste-noroeste (SE – NW).

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Figura 3. MDT e relevo sombreado associado ao forte controle estrutural da serra de Uruburetama, Ceará. Elaboração dos autores.

A análise das condições hidroclimáticas alcançam mais de 1.000m. A distribuição espacial da serra de Uruburetama é imprescindível, das chuvas possui estreita relação com essas principalmente, tendo em vista que o clima exerce características altimétricas e com a disposição do influência nos processos e formas relevo frentes aos sistemas atmosféricos, com geomorfológicas, na disponibilidade hídrica e destaque para a vertente oriental (encosta de regime dos rios, no desenvolvimento dos solos, barlavento). Essas condições favorecem a como também na formação e distribuição de ascensão das massas de ar, influenciando a cobertura vegetal (Zanella, 2007). nebulosidade e nas melhores condições de De acordo com Souza e Oliveira (2006), umidade na área em estudo. parte dos maciços residuais proporcionam a Com relação as características ocorrência de precipitações com mais de pedológicas, a tipologia dos solos encontrada na 1.200mm, funcionando como condensadores de vertente oriental úmida possui variações de acordo umidade. Já as serras úmidas, como a serra de com as condições geológicas, geomorfológicas e Uruburetama, apresentam índices pluviométricos fitoecológica. Segundo Seara (1988), os solos significativos, variando de 900-1300mm, entre os existentes na vertente úmida são os argissolos meses de janeiro a junho, período mais chuvoso. vermelho-amarelo eutróficos e os neossolos Segundo Zanella e Salles, 2011, a Zona de litólicos eutróficos, sendo que a classe de solo Convergência Intertropical (ZCIT) é o principal mais representativa na vertente úmida são os sistema produtor de chuvas para o norte do argissolos vermelho-amarelo (eutrófico ou Nordeste brasileiro. Ela se forma na confluência distrófico), predominantes nos setores mais dos alísios de SE e NE e se desloca para os dois elevados. hemisférios, atuando de modo mais expressivo Pereira et al. (2011) destaca que a sobre o Estado do Ceará a partir de meados do diferença de textura entre os horizontes dos verão, atingindo sua posição mais meridional no argissolos vermelho-amarelo, os propiciam outono. maiores riscos a erosão, principalmente quando os A serra de Uruburetama é uma superfície mesmos estão associados a relevo forte ondulado topograficamente elevada, apresentando níveis e montanhoso, como é o caso da serra de altimétricos com cotas médias entre 500 – 800m, Uruburetama (Figura 4). existindo locais específicos na vertente úmida que 1148 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157.

Figura 4. Vegetação arbóreo-arbustiva degradada associada a argissolos, município de Itapipoca, Ceará. Fonte: autores, 2015.

De forma complementar, Bastos (2012) De acordo com Pereira et al. (2011), esses solos se afirma que o uso das potencialidades edáficas dos encontram com mais frequência em encostas com argissolos são limitadas pelas características forte declividade e fortemente dissecadas pela topográficas do relevo, pois muitas vezes esse tipo erosão, sendo solos derivados de litologia como os de solo se encontra em áreas fortemente gnaisses, granito e migmatito, onde a associação dissecadas. Conforme o autor, a associação entre desses fatores aumenta a dinâmica dos processos relevo dissecado, argissolos e áreas úmidas, onde erosivos, com um fraco desenvolvimento estas possuem significativo manto de alteração, pedogenético. podem causar movimentos de massa que Segundo Bastos (2012), os neossolos envolvem elevada quantidade de material. litólicos são jovens, rasos, predominantemente Já os Neossolos Litólicos são os menos eutróficos e apresentam afloramentos rochosos. representativos na área em estudo, característicos Na vertente oriental úmida, percebe-se a presença por serem solos rasos, textura argilosa, fertilidade de neossolos litólicos e afloramentos rochosos natural média, sendo bastante susceptível a associados a setores do relevo de alto declive e erosão, ocorrendo fases pedregosas (Souza, 2000). bastante dissecado (Figura 5).

Figura 5. Neossolos litólicos com a presença de afloramentos rochosos, município de Uruburetama, Ceará. Fonte: autores, 2015.

1149 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. Já as características fitogeográficas Portanto, a proximidade da serra com o refletem o complexo jogo de inter-relações entre litoral, suas características altimétricas e a os demais componentes naturais, ou seja, os disposição do relevo frente aos sistemas aspectos fitogeográficos existentes em uma atmosféricos, condicionam significativamente as determinada área refletem as condições condições de clima e solo da vertente úmida, de ambientais a qual estão condicionadas, incluindo forma a refletir de maneira direta nas as feições do relevo, características dos solos, características fisionômicas e florísticas da particularidades climáticas, e a fauna associada. vegetação e nas formas de uso e ocupação do A serra de Uruburetama está inserida no maciço de Uruburetama. Domínio Morfoclimático Semiárido das Caatingas Brasileiras (Ab’Sáber, 1974). No Ceará, segundo Condições de Uso e Ocupação do Solo Souza (2007), há um recobrimento predominante Os aspectos socioeconômicos podem das formações de caatingas, que ostentam influenciar na configuração da paisagem e variados padrões fisionômicos e florísticos. Para o consequentemente na sua dinâmica natural, autor, as áreas de exceção ficam circunscritas aos refletindo nas condições de enclaves úmidos e às matas ciliares que revestem estabilidade/instabilidade do ambiente, portanto, as planícies fluviais. influenciando a ocorrência de movimentos Para Oliveira (2002), o estágio de gravitacionais de massa, principalmente em degradação da serra de Uruburetama está bastante encostas. avançado. A serra de Uruburetama e seu entorno Os ambientes serranos úmidos possuem apresentavam como vegetação primária a caatinga melhores condições climáticas e arbustiva, caatinga arbóreo-arbustiva, caatinga consequentemente ambientais, apresentando solos arbórea, mata seca, mata úmida, mata ciliar e mata de grande importância para a produção agrícola, o de tabuleiro (Silva, 2007). que atrai um denso contingente populacional. Entretanto, devido a degradação, a Conforme Souza (2011), por suas melhores proporção de mata úmida foi reduzida, ocorrendo condições ambientais, possuem as melhores o avanço de espécies menos exigentes com formas de uso da terra, de estrutura econômica e relação as condições ambientais para seu de povoamento. desenvolvimento. Desta forma, o que se encontra Na vertente úmida do maciço de hoje, mesmo na vertente úmida, é a presença de Uruburetama, existem várias atividades agrícolas caatinga arbustiva e caatinga arbóreo-arbustiva, que são desenvolvidas em áreas com condições vegetação subcaducifólia tropical pluvial (mata morfodinâmicas vulneráveis. Dentre as atividades seca), e resquícios de vegetação perenifólia observadas se destacam a bananicultura e os tropical pluvionebular (mata úmida). cultivos de sequeiro (milho e feijão) (Tabela 1).

Tabela 1. Quantidade produzida das principais culturas temporárias nos municípios que compõem a vertente úmida da serra de Uruburetama (espaço temporal de 10 anos). Fonte: Produção agrícola municipal, IBGE/ 2003-2013. Municípios Culturas Ano Itapajé Itapipoca Uruburetama Ceará 2003 149 62 72 101.822 Arroz (Toneladas) 2008 185 81 110 97.769 2013 30 - 33 49.268 2003 131 1.800 41 1.742.801 Cana-de-açúcar 2008 179 2.120 104 2.270.816 (Toneladas) 2013 125 1.780 131 1.674.705 2003 367 323 71 208.792 Feijão (Toneladas) 2008 890 3.121 176 252.741 2013 137 1.109 64 55.630 2003 160 49.032 40 757.891 Mandioca (Toneladas) 2008 320 62.145 135 752.882 2013 543 23.066 144 112.741 2003 1.299 5.786 218 745.317 Milho (Toneladas) 2008 1.915 6.649 378 752.882 2013 283 1.583 129 112.741

1150 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. Na agricultura de sequeiro, com destaque deslizamentos de terras, afloramentos de rochas, para o cultivo do milho e do feijão (Figura 6), são além da diminuição do fluxo hídrico, de nutrientes utilizadas técnicas rudimentares, como a do solo e da redução do potencial hídrico brocagem e a queimada, que proporcionam a superficial e subsuperficial. ocorrência de ravinamentos, voçorocas,

Figura 6. Área desmatada para o desenvolvimento da agricultura de sequeiro em vertente acidentada, município de Uruburetama, Ceará. Fonte: autores, 2015.

Na área objeto de estudo, esse tipo de topográficas do terreno, condicionando a cultura foi e permanece sendo desenvolvida existência de áreas potenciais para a ocorrência de através de técnicas que são extremamente movimentos de massa, se constituindo como predatórias em ambientes instáveis, tendo em atividade que gera impactos ambientais negativos. vista as características topográficas do relevo. Já a cultura permanente que mais se Dessa forma, a cultura de sequeiro e suas práticas, destaca é a bananicultura (Tabela 2), onde os com finalidades alimentares e de renda, municípios de Itapajé, Itapipoca e Uruburetama intensificam o processo de erosão do solo. Esse representam juntos 7,09% da produção total de processo pode ser acelerado pelas condições banana no Estado do Ceará no ano de 2013.

Tabela 2. Quantidade produzida das principais culturas permanentes nos municípios que compõem a vertente úmida da serra de Uruburetama (espaço temporal de 10 anos). Fonte: Produção agrícola municipal, IBGE/ 2003-2013. Municípios Culturas Ano Itapajé Itapipoca Uruburetama Ceará 2003 37.734 24.486 23.250 341.715 Banana 2008 39.630 23.606 26.000 423.016 (Toneladas) 2013 10.416 9.549 6.661 375.531 2003 129 4.523 84 108.051 Castanha de caju 2008 157 5.365 89 121.045 (Toneladas) 2013 59 690 120 53.112 2003 67 260 129 75.561 Mamão 2008 96 420 126 99.522 (Toneladas) 2013 193 350 253 118.372 2003 421 828 841 39.462 Manga 2008 403 555 886 43.427 (Toneladas) 2013 389 684 863 46.632

1151 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. Lima (2005) afirma que a bananicultura Portanto, os principais vetores de pressão tem sido responsável por grande parte da na vertente úmida da serra de Uruburetama de degradação vegetal nos relevos serranos úmidos, origem socioeconômica, que potencializam a chegando a ter como exemplo a serra de ocorrência de movimentos de massa, são a Uruburetama. A mesma está tão degradada que as agricultura de sequeiro, o cultivo da bananicultura manchas de mata úmida são praticamente e a construção de estradas. Vale destacar que além inexistentes. Esse fato foi verificado em campo, das rodovias principais, existem várias estradas existindo somente resquícios de mata úmida. pavimentadas e não pavimentadas, algumas em De acordo com Oliveira (2002), toda a péssimas condições de conservação, sendo as vertente úmida e grande parcela da vertente mesmas utilizadas como forma alternativa de subúmida seca estão ocupadas pela bananicultura, acesso aos locais mais elevados do maciço. e seu cultivo se encontra em locais onde o declive varia de plano até forte-ondulado, com solos que A serra de Uruburetama e os Movimentos de variam de rasos a muito profundos, e são Massa geralmente argissolos vermelho-amarelo. A característica de relevo fortemente Segundo Lima (2005), a bananicultura dissecado da serra de Uruburetama é causa a perda da qualidade dos nutrientes do solo consequência do forte controle estrutural em virtude da sua forma de cultivo, onde a proveniente das falhas existentes no maciço. Esse vegetação original é totalmente. Para o autor, a controle estrutural influencia tanto nas bananeira não repõe os nutrientes do solo que são características topográficas do relevo quanto na retirados, rompendo a renovação do ciclo sua rede de drenagem, que associados ao material bioquímico. das encostas, aos significativos eventos Na vertente oriental úmida, ocorre forte pluviométricos e as atividades socioeconômicas presença do cultivo de bananicultura, passando a desenvolvidas na área, são os principais ocupar o lugar da mata subcaducifólia (mata condicionantes para a ocorrência de movimentos seca), sendo responsável também pela de massa nesse maciço residual úmido. descaracterização da vegetação pluvionebular. Destaca-se que as atividades A infraestrutura é outro fator importante a socioeconômicas desenvolvidas na serra de ser analisado, com destaque para a abertura de Uruburetama, possuem estreita relação com a novas estradas, sendo identificados na vertente ocorrência desses eventos morfodinâmicos. A oriental úmida de Uruburetama muitos exposição do solo decorrente da utilização movimentos de massa decorrentes desse tipo de agrícola em encostas, com destaque para a obra. Conforme Bastos (2012), os cortes e aterros agricultura de sequeiro, e a alteração da feitos nas encostas para a construção de rodovias, estabilidade das encostas provenientes dos cortes de forma a implementar a malha viária, está topográficos para a construção de estradas, são diretamente associado a ocorrência de fortes condicionantes para a ocorrência de movimentos de massa. Esse tipo de obra movimentos de massa. influencia a instabilização das encostas, Os movimentos de massa identificados na condicionando a ocorrência desses eventos área de estudo e classificados como deslizamentos morfodinâmicos. translacionais, possuem sua ocorrência associada, Para Tominaga (2012), o crescimento principalmente, com a remoção da cobertura indiscriminado da malha urbana brasileira em vegetal para a agricultura de sequeiro, sobretudo áreas desfavoráveis, sem o adequado para o plantio de milho e feijão (Figura 7) e com planejamento do uso e sem a adoção de técnicas os cortes realizados na base da encosta, para adequadas de estabilização, está disseminando a construção de novas rodovias (Figura 8), além da ocorrência de acidentes associados a estes saturação hídrica dos solos em anos de quadra processos morfodinâmicos, os quais trazem chuvosa regular. Nota-se nesses movimentos enormes prejuízos econômicos e, com frequência, gravitacionais que somente uma parte do manto levam à perda de muitas vidas. de intemperismo se deslocou, ocorrendo somente a cicatriz de um movimento translacional.

1152 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157.

Figura 7. Cicatrizes de movimento de massa Figura 8. Cicatrizes de movimento de massa translacional condicionadas pela preparação do translacional condicionadas pelo corte de estrada solo para o cultivo de sequeiro, município de na base da encosta, município de Uruburetama, Uruburetama, Ceará. Fonte: autores, 2015. Ceará. Fonte: autores, 2015.

Já os movimentos de massa classificados Na estrada que liga o município de Itapajé como quedas de blocos apresentam estreita à Uruburetama a presença de blocos rolados é relação com as estradas pavimentas e não elevada, existindo blocos com dimensões que pavimentadas. Percebe-se na vertente úmida que a podem variar de cm³ a m³, totalmente soltos forte presença de blocos soltos está associada a (Figura 9). Já no município de Itapipoca percebe- construção e manutenção de estradas. Esses cortes se a presença de antigos blocos rolados de topográficos podem desencadear movimentos de volumes da ordem de m³, com várias toneladas, massa durante eventos de chuva mais intensa. podendo, caso rolem, atingir residências, De acordo com Bastos (2012), durante a causando impactos negativos, até mesmo tirando construção de estradas são feitos diversos cortes vidas (Figura 10). Esses blocos encontram-se nas vertentes com a aplicação de explosivos nas festonados, indicando que se trata de blocos que rochas para que seja possível se fazer o traçado da percorreram pequenas distâncias, ou seja, são pista, deixando trechos rochosos instabilizados na provenientes de encostas muito próximas. margem da estrada que podem propiciar a ocorrência de quedas de blocos.

Figura 9. Queda de bloco rochoso da ordem de m³ Figura 10. Bloco de rocha de volume da ordem de presente em estrada não pavimentada que liga o m³, a montante de uma residência no município de município de Itapajé ao município de Itapipoca, Ceará. Fonte: autores, 2015. Uruburetama, Ceará. Fonte: autores, 2015.

No município de Uruburetama, nota-se dos eventos morfodinâmicos, principalmente os em uma estrada pavimentada que a cobertura movimentos de massa, tendo em vista que há uma vegetal contribui para manutenção do bloco estreita relação entre a ocorrência de processos rochoso que foi rolado, confirmando a morfodinâmicos com a remoção ou importância do recobrimento vegetal na atenuação 1153 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. descaracterização da vegetação original (Figura 11). associados aos cultivos de sequeiro. Talvez, a não ocorrência de movimentos de massa associados a bananicultura, seja em virtude de que essa cultura intensifique o escoamento superficial, o que gera ravinamentos, e não a infiltração, consequentemente não ocorre a saturação dos solos (Bastos, 2012). Contudo, mesmo que não ocorram movimentos de massa associados aos cultivos de banana, o que acontece de maneira excessiva é a descaracterização da vegetação original, que se apresenta como um fator positivo na dinâmica hidrológica devido à manutenção do equilíbrio Figura 11. Árvore mantendo um bloco que foi geomorfológico local, atenuando a ação dos rolado na estrada pavimentada que liga o processos erosivos. No entanto, o que se percebe, município de Uruburetama ao município de na vertente úmida do maciço de Uruburetama, é a Itapajé, Ceará. Fonte: autores, 2014. supressão quase total da mata pluvionebular, ou seja, resquícios de mata úmida e a forte presença A serra de Uruburetama apresenta uma da bananicultura. vegetação bastante degradada, em decorrência do Os movimentos de massa identificados na plantio de subsistência (milho e feijão) e do vertente úmida da serra de Uruburetama, por meio cultivo da bananeira em suas encostas. Essas de observações em campo e com o auxílio de atividades socioeconômicas estão sendo GPS, podem ser observados no mapa de desenvolvidas em áreas consideradas instáveis, de distribuição espacial dos movimentos de massa na forma a potencializar a ocorrência de eventos vertente úmida da serra de Uruburetama (Figura morfodinâmicos. No entanto, não foram 12), sendo feita uma amostragem desses eventos identificados movimentos de massa relacionados à morfodinâmicos, com sua localização pontual. bananicultura na vertente úmida da serra de Uruburetama, o que se observa são movimentos

Figura 12. Mapa de distribuição espacial dos movimentos de massa na vertente úmida da serra de Uruburetama. Elaborado pelos autores.

1154 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. para que esse tema tenha uma maior ênfase dentro Considerações finais das estratégias de planejamento e gestão Em virtude da análise do comportamento ambiental em escala municipal e regional. Dentre dos processos morfodinâmicos, pode-se dizer que as informações a serem levantadas, cabe destacar toda e qualquer modificação no modelado da a identificação do papel de cada um dos agentes paisagem é regida por processos naturais. A desencadeadores, o mapeamento e a classificação contribuição de cada processo pode ser entendida dos movimentos de massa para que se possa de forma individual, mas é a partir da inter- dispor de dados sobre as suas características relação existente entre eles que se pode principais (capacidade energética, material compreender a dinâmica da paisagem dessa área. envolvido, velocidade, etc.) e a identificação de Em todos os processos que foram apresentados os áreas de risco ou de perigo para a ocorrência de componentes naturais têm a sua contribuição, mas tais eventos. na análise que se fez, sentiu-se necessidade realçar Portanto, entender a ocorrência dos a influência das relações sociais no movimentos de massa, seus agentes desencadeamento desses eventos. desencadeadores e suas características, possibilita O uso dos recursos naturais, sem o auxiliar as decisões dos planejadores e gestores, conhecimento e observância de suas interações, fornecendo informações necessárias para a adoção vem potencializando impactos ambientais de medidas preventivas, principalmente em negativos nos ambientes rurais e urbanos do ambientes serranos do Estado do Ceará. maciço de Uruburetama. A ocupação das encostas desse maciço a partir de atividades agrícolas, Referências expansão urbana e construção de estradas tem Ab’Sáber, A.N., 1974. O domínio morfoclimático sido responsável pela instabilização de áreas já semiárido das caatingas brasileira. suscetíveis a movimentos de massa e isso se deve Geomorfologia 43, 1-39. tanto pelos desmatamentos indiscriminados, como Ab’Sáber, A.N., 1977. Problematização da pela modificação na morfologia das vertentes. desertificação e da savanização no Brasil Portanto, o entendimento da ocorrência intertropical. Geomorfologia 53, 1-19. dos movimentos gravitacionais de massa na Ab’Sáber, A.N., 2003. Os domínios de natureza vertente oriental úmida da serra de Uruburetama, no Brasil: potencialidades paisagísticas, 3 ed. se mostra como de fundamental importância para Ateliê Editorial, São Paulo. a compreensão da evolução desse maciço úmido. Bastos, F.H., 2012. Movimentos de massa no Ao longo do trabalho foi possível perceber que maciço de Baturité (CE) e contribuições para esses processos morfodinâmicos estão associados estratégias de planejamento ambiental. Tese a diferentes fatores naturais característicos do (Doutorado em Geografia). Fortaleza, maciço, além desses eventos também possuírem Universidade Federal do Ceará. uma estreita relação com as atividades Bastos, F.H.; Cordeiro, A.M.N., 2012. Fatores socioeconômicas que são desenvolvidas no Naturais na Evolução das Paisagens no mesmo. Semiárido Brasileiro: Uma Abordagem Geral. Desta forma, a vertente úmida da serra de Revista GeoNorte 1, 464-476. Uruburetama apresenta um quadro crítico de Batateira, C., 2001. Movimentos de vertente no problemas ambientais decorrentes de usos NW de Portugal, susceptibilidade inadequados e interferências físicas não geomorfológicae sistemas de informação apropriadas aos requisitos de manutenção do geográfica. Tese (Doutorado em Geografia sistema como um todo. Os principais Física). Porto, Faculdade de Letras da componentes naturais da vertente úmida Universidade do Porto. coexistem em permanente e dinâmica interação, Bertrand, G., 1972. Paisagem e Geografia Física respondendo às interferências naturais e àquelas global: esboço metodológico. Instituto de de natureza social, que por vezes opera no sentido Geografia da Universidade de São Paulo 13, 01 de desencadear e/ou acelerar os processos – 21. naturais. Bigarella, J.J.; Passos, E.; Herrmann, M.L.P.; Alguns setores da vertente úmida do Santos, G.F.; Mendonça, M.; Salamuni, E.; maciço de Uruburetama são identificados como de Suguio, K., 2003. Estrutura e origem das grande perigo de ocorrência de movimentos de paisagens tropicais e subtropicais, 2 ed. v. 3, massa, principalmente queda de blocos, havendo Ed. da UFSC, Florianópolis. dessa forma, a necessidade de elaboração de estudos mais aprofundados sobre essa temática

1155 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H. Revista Brasileira de Geografia Física V.08, N.04 (2015), 1142-1157. CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos ambientais. Expressão Gráfica e Editora, Minerais, 2003. Mapa Geológico do Estado do Fortaleza, pp. 77-97. Ceará. Fortaleza. Reis, A.C.S., 1988. O fator climático, in: Mello, IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e M. L. (org.), Áreas de exceção da Paraíba e dos Estatística, 2014. Produção Agrícola sertões de Pernambuco. n. 19, Série Estudos Municipal: Culturas Temporárias e Regionais, Recife. Permanentes. Disponível: Silva, M.V.C., 2007. Análise geoambiental: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl. subsídios ao planejamento agrícola da serra de asp?z=t&o=11&i=P&c=1612>. Acesso em: 20 Uruburetama – CE. Dissertação (Mestrado em de outubro de 2014. Geografia). Fortaleza, Universidade Estadual SEARA - Secretaria de Agricultura e Reforma do Ceará. Agrária, 1988. Zoneamento agrícola do Estado Souza, M.J.N., 1988. Contribuição ao estudo das do Ceará. Fortaleza. unidades morfoestruturais do Estado do Ceará. Cordeiro, A.M.N.; Garcez, D.S.A., 2012. Revista de geologia 1, 73-91. Influência dos componentes geoambientais e Souza, M.J.N., 2012. Bases naturais e esboço do das intervenções antropogênicas nos zoneamento geoambiental do Estado do Ceará, movimentos de massa na APA da serra de in: LIMA, L.C. (org.), Compartimentação Maranguape, Ceará. Congresso Brasileiro territorial e gestão regional do Ceará. 1 ed. Sobre Desastres Naturais, 1. ed. v. 1, Rio FUNECE, Fortaleza, pp. 127-140. Claro, pp. 01-10. Souza, M.J.N., 2007. Compartimentação Dikau, R., 2004. Mass Movement, in: Goudie, A. Geoambiental do Ceará, in: SILVA, J.B.; (hrsg.), Encyclopedia of Geomorphology, Bonn DANTAS, E.W.; CALVACANTE, T. (org.), University, Bonn, pp. 644-653. Ceará: um novo olhar geográfico. Editora Fernandes, N.F; Amaral, C.P., 2006. Movimentos Demócrito Rocha, Fortaleza, pp. 127-140. de massa: uma abordagem geológico- Souza, M.J.N., 2011. Contexto ambiental do geomorfológica, in: Cunha, S.B.; Guerra, enclave úmido da serra de Baturité-Ceará, in: A.J.T. (orgs.), Geomorfologia e meio ambiente. BASTOS, F.H. (org.), Serra de Baturité: uma 6 ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 6. ed. Rio visão integrada das questões ambientais. 1 ed, de janeiro, pp. 123-194. Editora Expressão Gráfica, Fortaleza, pp.19-33. Guidicini, G.; Niebli, C.M., 1984. Estabilidade de Souza, M.J.N.; Oliveira, V.P.V., 2006. Os taludes naturais e de escavações, 1 ed. Edgard enclaves úmidos e subúmidos do semiárido do Blücher, São Paulo. Nordeste brasileiro. Mercator 5, 85-102. Lima, D.C., 2005. A Bananicultura na Área de Tominaga, L.K., 2012. Escorregamentos, in: Proteção Ambiental da Serra de Maranguape- Tominaga, L.K.; Santoro, J.; Amaral, R. CE e suas Implicações no Ambiente Físico, (orgs.), Desastres naturais: conhecer para Humano e na Biodiversidade. Dissertação prevenir. 1 ed, Instituto Geológico, São Paulo, (Mestrado em Desenvolvimento e Meio pp. 25-38. Ambiente). Fortaleza, Universidade Federal do Teixeira, M., 2005. Movimentos de Vertente: Ceará. Factores de ocorrência e metodologia de Molinari, D.C., 2010. Hidrologia, processos inventariação. Geonovas, n. 19, Associação erosivos e movimentos de massa, in: Rebello, portuguesa de geólogos, 95-106. A. (org.), Contribuições teórico-metodológicas Tricart, J., 1977. Ecodinâmica. 1 ed. da Geografia Física. Editora da Universidade IBGE/SUPREM, Rio de Janeiro. Federal do Amazonas, Manaus, pp. 67-103. Valeriano, M.M., 2008. Topodata: guia para Oliveira, V.P.V., 2002. Prospección, utilização de dados geomorfológicos locais. 1 caracterización y cartografía edafopaisajística ed. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – en una región montañosa del semiárido INPE, São José dos Campo. brasileño: La Sierra de Uruburetama (Sertão Varnes, D.J., 1978. Slope movement types and Noedestino – Ceará - Brasil). Tesis Doctoral. process, in: Schuster, R. L.; Krizek, R.J. (eds.), Universidad de Almería, Almería. Landslides analysis and control. Transportation Pereira, R.C.M.; Silva, E. V.; Rabelo, F.D.B., Research Board. National Academy of 2011. Aspectos pedológicos e suas relações Sciences, Special Report 176, 12 – 33. com processos morfodinâmicos na serra de Zanella, M.E., 2007. Caracterização Climática e Baturité, in: Bastos, F.H. (org.), Serra de os recursos hídricos do Estado do Ceará, in: Baturité: uma visão integrada das questões Silva, J.B.; Dantas, E.W.; Cavalcante, T. (orgs.), Ceará: Um Novo Olhar Geográfico.

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1157 Lima, D. L. de S., Cordeiro, A. M. N., Bastos, F. de H.