Uma tiara com 4000 diamantes

A tiara with 4000 diamonds

História e paradeiro da tiara de D. Estefânia, reconvertida por D. Maria Pia e vendida após a implantação da República. 1858-1912

João Júlio Rumsey Teixeira

João Júlio Rumsey Teixeira

Uma tiara com 4000 diamantes

História e paradeiro da tiara de D. Estefânia, reconvertida por D. Maria Pia e vendida após a implantação da República. 1858-1912

João Júlio Rumsey Teixeira Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Título: Uma tiara com 4000 diamantes. História e paradeiro da tiara de D. Estefânia, reconvertida por D. Maria Pia e vendida após a implantação da República. 1858-1912 Aos meus pais, por me ensinarem a ver. Autor: João Júlio Rumsey Teixeira [email protected]

Prefácio: Teresa Maranhas, PNA, DGPC

Revisão: Teresa Maranhas, PNA, DGPC Hugo Xavier, PNP, PSML

Capa, design e paginação: Nicolás Fabian nfabian.pt

Imagem da capa: Desenho do diadema de D. Estefânia, Nicolás Fabian, técnica mista sobre papel, col. autor.

Tradução: Autor

Revisão da tradução: Catarina Alcântara Luz

Abril 2020, Todos os direitos reservados Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Índice

7 9 15

Prefácio Introdução Identificação e Análise Pericial

21 37 39

História, Conclusão Apêndice Proveniência Documental e Autorias

Abreviaturas

ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo APNA - Arquivo do Palácio Nacional da Col. - Coleção 55 57 58 Cx. - Caixa DGFP - Direção Geral da Fazenda Pública Preface Introduction Identification Doc. - Documento and expert Doc. cit. - Documento citado analysis ELI - Espólio Leitão & Irmão FCG - Fundação Calouste Gulbenkian Fig. - Figura 60 67 68 Inv. - Inventário N. - Número History, Conclusion Considerations P. - Página Provenance and about the PNA - Palácio Nacional da Ajuda Authorship 1873 Jewelry PNP - Palácio Nacional da Pena Appraisal PSML - Parques de Sintra - Monte da Lua, S.A. Vol. - Volume Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Prefácio

A colaboração de João Júlio Rumsey Teixeira com o Palácio Nacional da Ajuda remonta a 2006 quando ingressou no museu como voluntário, tendo depois prosseguido com o seu estágio curricular de final da licenciatura em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Da sua formação e percurso profissional destacam-se a peritagem em diamantes pelo Gemological Institute of America (GIA), a especialização em antiguidades no Sotheby’s Institute of Art, em Londres, e a experiência no mercado leiloeiro em Lisboa, na área da ourivesaria e joalharia, nos últimos dez anos. Foi ainda autor do blog Arte em Números, redator da extinta revista L+arte e lecionou a cadeira de Mercados de Arte e Avaliação na Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva. 7

O estudo inédito da sua autoria que agora se publica resulta do convite que o diretor do palácio lhe dirigiu para integrar a equipa de investigação do projeto do futuro museu do Tesouro Real do Palácio Nacional da Ajuda.

A reconstituição formal de uma importante estrutura de diadema do século XIX, cujos diversos elementos se encontravam dispersos e, por consequência, por identificar, é devida à expertise de João Júlio que, para o efeito, habilmente interligou a pesquisa arquivística com a leitura estética e artística daqueles elementos, restituindo-lhes o seu verdadeiro sentido, uso e valor.

O presente trabalho constitui pois um novo e brilhante contributo não apenas para a narrativa do Tesouro Real, mas também para a história da joalharia portuguesa.

Lisboa, 9 de Abril de 2020 Teresa Maranhas conservadora das coleções de ourivesaria e joalharia do Palácio Nacional da Ajuda João Júlio Rumsey Teixeira

Introdução

Na investigação que decorre no âmbito da abertura do museu do Tesouro Real do Palácio Nacional da Ajuda tem sido possível fazer importantes descobertas sobre as peças que serão exibidas no novo espaço expositivo, atualmente em construção. A identificação que me foi possível fazer, a partir de diversos 9 elementos soltos e à primeira vista desconexos, da estrutura descravada de um grande diadema romântico que originalmente estava cravejado com diamantes reveste-se de especial importância, não só pela descoberta de uma nova joia mas também porque o seu estudo ofereceu respostas às questões em aberto1 sobre a tiara que D. Pedro V ofereceu a D. Estefânia no casamento.

Antes de desenvolver este tema parece-me pertinente esclarecer duas questões que permanecem algo dúbias na literatura sobre história da joalharia em . A primeira, essencial para este texto, é a definição dos termos, hoje sinónimos2, “tiara” e “diadema”. A correta utilização das duas palavras permanece uma questão, apesar de atualmente serem entendidas como sinónimos em diversos dicionários.

1 MARQUES, Eduardo Alves; Se as Jóias Falassem, Esfera dos Livros, 2009; SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e; “Aspetos da Ourivesaria portuguesa na revista “O Ocidente”, 1878-1915”, ARTIS, revista de História da Arte e Ciências do Património (dir. Vítor Serrão), n. 4, Caleidos- cópio, 2016, p. 92; e FRANCO, Anísio; Lisboa Desconhecida e Insólita, Porto Editora, 2017.

2 Por exemplo: Dicionário Porto Editora. Disponível em: https://www.infopedia.pt/diciona- rios/linguaportuguesa/ João Júlio Rumsey Teixeira

Em 1869, no Diccionario dos Synonimos Poetico e de Epithetos da Lingua Portugueza3 o termo diadema é sinónimo de coroa. Ou seja, referiam-se ambos a uma peça de adorno que cingia por inteiro o perímetro da cabeça e que era igualmente símbolo e sinónimo4 de soberania. Já o termo tiara é referido apenas como sinónimo de trirregno; ou seja, a tiara Papal, do latim Triregnum. O termo é etimologicamente relacionado como o número três porque a chamada tiara papal é a sobreposição de três coroas numa estrutura em colmeia que termina numa cruz latina. Já em inglês5 uma tiara é, desde o século XIX, o que em português se chamava apenas diadema; sendo o termo diadem pouco habitual e referente a pequenos adornos de cabeça sem qualquer associação de poder. O processo de anglicização da língua portuguesa das últimas décadas acabou por tornar as duas palavras sinónimas e, como tal, serão utilizadas neste texto.

O segundo ponto prende-se com a leitura de valores monetários nas antigas moedas portuguesas: Réis e, depois de 1911, Escudos. A 11 confusão e leituras deturpadas são por demais frequentes em textos sobre joalharia antiga onde são mencionados valores. Em 1911 a primeira república substituiu a designação da moeda. O Real, moeda portuguesa desde o século XV, foi substituído pelo Escudo mas o sistema permaneceu praticamente inalterado desde 1837, aquando da introdução do sistema decimal. Em Réis e desde essa altura, as somas escreviam-se da seguinte forma: até novecentos e noventa e nove réis o valor era expresso pelo numeral cardinal: 999 réis. A partir de mil réis introduzia-se o cifrão; ou seja, dois mil e quinhentos réis seriam expressos como 2$500 réis, apenas 2$500, ou substituindo o cifrão por alguma abreviatura como um apóstrofe, aspas ou até duas vírgulas. Podem assim surgir variantes como: 2”500, 2’500 ou 2,,500. A unidade de contagem era o Conto e equivalia a um milhão de Réis: 1:000$000. Assim expresso, separando os milhões por dois

3 ROQUETTE e FONSECA, J.-I e José; Diccionario dos Synonimos Poetico e de Epithetos da Lingua Portugueza, Aillaud, Guillard e Cª, Paris, 1869.

4 Segundo o mesmo dicionário de sinónimos.

5 Disponível em: https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

pontos, ou por um ponto apenas: 1.000$000. Pode naturalmente surgir com as abreviaturas anteriormente vistas para a separação dos milhares: 1:000,,000, etc. A partir de 1911 um Escudo vai equivaler a mil réis: 1$000, sendo as frações de escudo denominadas Centavos. Por tradição e utilidade, a unidade de contagem, o conto, permaneceu inalterada. Assim se explica como um conto designa, a partir de 1911, mil escudos. Quem se lembra da circulação de escudos recorda-se naturalmente que foram expressos até 2002 com o cifrão separando os centavos, nessa altura já apenas com duas casas decimais e sem utilidade prática. Assim e resumindo, um conto de réis designa um milhão de réis e expressa-se da seguinte forma: 1:000$000. Este valor equivale a mil escudos: 1000$000, ou mais recentemente: 1000$00.

12

Figura 1 Alguns elementos identificados como pertencentes a uma mesma peça reunidos pela primeira vez. Nesta altura permaneciam dispersos e por identificar inúmeros fragmentos de pequena dimensão, incluindo a grinalda da base. Só depois da identificação desses elementos foi possível a reconstrução da joia. Some elements, already identified as part of the same jewel, reunited for the first time at the same box. At this stage most of the smaller fragments were not yet identified, neither the garland of the base. Only after that identification it was possible to reconstruct the jewel’s structure. Foto: autor Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

1. Identificação e Análise Pericial

Na observação que fui fazendo de peças descravadas distribuídas por diferentes caixas detetei uma consistência formal e técnica em muitos elementos (Fig. 1). Alguns eram claramente idênticos entre si, apesar de variarem em tamanho. Outros, dentro da mesma estética, apresentavam exatamente as mesmas técnicas de execução e “a mesma mão”. Vários apresentavam encaixes complementares revelando, inequivocamente, que faziam parte do mesmo conjunto. Assim formei, mentalmente, a ideia de que poderiam fazer parte de uma única peça. Entre estes elementos existiam fragmentos de uma barra curva que calculei ser a base estrutural de uma tiara. Ao concluir que os encaixes que subsistem nesses fragmentos são iguais aos existentes nalguns dos restantes elementos, a peça foi ganhando corpo. Ao longo de vários dias fui-lhe dando forma até se tornar evidente a composição original (Figs. 5 e 6). A partir de então foi possível estudá-la e chegar às conclusões 14 que agora partilho. 15

Trata-se de uma grande tiara articulada que permite a utilização fechada, como uma coroa (com a base formando uma circunferência completa, cingindo toda a cabeça), ou aberta, como um diadema. É constituída por nove elementos de formato semelhante, variando em tamanho e profusão de decoração. Cinco são os motivos principais, intercalados por quatro outros na mesma linguagem formal mas mais simples e de menor tamanho. Estes últimos servem igualmente como

Figuras 2, 3 e 4 charneiras da estrutura (Fig. 7). Todos os nove elementos assentavam Fragmentos dos elementos decorativos que guarneciam sobre uma base onde corria uma linha ziguezagueante de enrolamentos a base do diadema. vegetalistas; existente mas totalmente fragmentada (Figs. 2, 3 e 4). Os remates aguçados destes enrolamentos vegetalistas terão sido, com toda a probabilidade, a causa principal do desconforto que a peça causava quando usada, chegando a ferir a testa de D. Estefânia. De acordo com uma avaliação de joias datada de Dezembro 6 Fragments of the base’s garland. The pointed foliage scrolls were, most probably, the main de 1873 , localizada no Arquivo do Palácio Nacional da Ajuda pela cause of the discomfort when worn. conservadora das coleções de ourivesaria e joalharia deste palácio, Fotos: Teresa Maranhas Teresa Maranhas, foi possível ter a certeza que todos os elementos eram cravejados de diamantes brilhantes de diversos tamanhos [...] e diamantes rosas.

6 APNA., 10.2.2., doc. 183. Vd. Apêndice Documental. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

No processo de análise e peritagem acabei por encontrar, com recurso a instrumentos de aumento da visão de 10 a 20 vezes, vários diamantes talhe rosa que, pela sua pequeníssima dimensão, não foram descravados e permanecem ainda nos seus lugares originais. Da contagem possível, salvaguardando os elementos em falta ou de difícil leitura, foi possível concluir que toda a estrutura, de prata forrada a ouro, estava cravejada com entre 3500 a 4000 diamantes. Os maiores, em talhe brilhante, estavam colocados em cravações abertas e os menores, em talhe rosa, eram exibidos em cravações fechadas. De evidente inspiração arabizante (Figs. 5, 8 e 9), bem dentro do gosto dos meados do século XIX e esteticamente relacionável com o Oriental Circlet7, desenhado pelo Príncipe Alberto e executado em 1853 pela Garrard8 para a Rainha Vitória do Reino Unido9, a peça portuguesa é datável da mesma década mas apresenta maior dimensão. Igualmente seria, quando completa, bastante mais rica em termos gemológicos do que a sua congénere inglesa. Esta última acabaria por sofrer uma remontagem logo entre 1858 e 1859, quando foi necessário substituir alguns diamantes, ganhando nessa altura a 16 forma atual10 mas tendo então no lugar dos rubis, opalas11. A moda das joias de inspiração indiana ou arabizante foi marcante na década de 1850 e a ela está muitíssimo associada a figura do príncipe Alberto através da Grande Exposição de Londres de 1851. A primeira grande exposição universal ocorreu em Londres no momento da afirmação do Império britânico, superpotência da época, na Índia. Em 1850, na sequência do Tratado de Punjab, foi oferecido à rainha Vitória o maior diamante conhecido até então, o Koh-i-Noor. Com 186 quilates era

o maior diamante do mundo e estava avaliado em dois milhões de libras. Figura 5 São umas impressionantes dezasseis toneladas de ouro. Parte dos elementos fragmentados na sua posição original e que permitem visualizar, dentro do possível, a linguagem formal original. PNA, inv. 53497.

Part of the fragments in their original positions enabling to understand the jewel’s formal composition. Foto: autor 7 Agradeço ao Hugo Xavier a chamada de atenção para o Oriental Circlet da Garrard.

8 Joalheiros da Coroa Britânica entre 1843 e 2007.

9 MUNN, Geoffrey C.;Tiaras , A History of Splendour, Antique Collector’s Club, 2002, p. 90.

10 Disponível em: https://www.rct.uk/collection/themes/exhibitions/victoria-albert-art-love/ the-queensgallery-buckingham-/the-oriental-tiara

11 Substituídas, a pedido da rainha Alexandra, em 1902 pela má fama que, à época, essas gemas carregavam. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Esta verdadeira fortuna em forma de diamante foi a atração principal da Exposição e o centro da Secção Indiana, que ocupava a nave central do Palácio de Cristal cobrindo o dobro da área de todas as outras colónias britânicas em conjunto. A estética romantizada do médio oriente apresentada nesta secção não só fascinou, como moldou a moda da época. Um resultado colateral que, longe de inocente, sublinhou o sucesso da política imperial britânica: If India was the jewel of the colonies, the Koh-i-Noor was the ultimate symbol of India’s wealth and the advantages of colonial possessions12.

18

Figura 6 Figura 7 Vista superior dos fragmentos Vista do verso da joia onde é observável a charneira do sistema possíveis de reunir nos seus lugares de articulação da estrutura escondida atrás de um dos elementos originais. PNA, inv.53497. decorativos de menor dimensão. São igualmente visíveis os alfinetes aplicados para a utilização Top view of the reconstructed piece dos elementos principais como broches. PNA, inv. 53497. Foto: Teresa Maranhas Back view. One of the hinges is clearly visible at the back of the smaller motif. The gold pins later soldered to wear as brooches, are also visible on the larger elements. Foto: Teresa Maranhas 12 GERE, Charlotte; RUDOE, Judy, Jewellery in the Age of Queen Victoria, London, The British Museum Press, p. 262. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

2. História, Proveniência e Autorias

O surgimento da peça, a par da investigação em curso pela restante equipa, vem dar resposta a duas questões célebres e há muito em aberto acerca das joias da família real portuguesa:

- Como era e o que aconteceu à tiara oferecida em 1858 por D. Pedro V a D. Estefânia? - Qual a proveniência da tiara utilizada em 1886 por D. Maria Pia no casamento de D.Carlos?

Em 1858 D. Pedro V casa com D. Estefânia de Hohenzollern- Sigmaringen, casamento patrocinado pelo príncipe Alberto e pela rainha Vitória que nutriam grande afeto por ambos13. Para esta ocasião o noivo encomenda a Raimundo José Pinto, ourives da casa real portuguesa, 20 uma corôa magnifica, adornada de quatro mil pedras preciosas. Subdivide-se 21 de modo, que, fechada, cinge a cabeça completamente, e serve para os actos de côrte; e quando aberta, é um diadema na verdadeira accepção da palavra, [...]. O custo de joias e mão d’obra foi de noventa mil cruzados. Foi encarregado d’este excellente trabalho, o senhor Raymundo José Pinto, joalheiro da casa real14. Apesar da mesma notícia dar conta que a joiaria desta corôa foi comprada no reino15 encontrámos uma fatura datada de 20 de Abril de 185816 referente à compra de quatro brilhantes em Paris, que poderão ter servido para completar a peça.

Segundo diversos relatos17 D. Estefânia usou a joia em várias ocasiões durante o período em que decorreram as cerimónias do seu casamento em Lisboa. No dia da ratificação do matrimónio, 18 de maio

13 MÓNICA, Maria Filomena; Correspondência entre D. Pedro V e o seu tio, o príncipe Alberto, Figuras 8 e 9 Quetzal Editores, 2000. Duas propostas de representação do diadema de D. Estefânia na sua forma original. 14 Two drawing representions of D. Estefânia’s diadem in its original form. Ilustração Luso-Brazileira, n.21, vol. II, 22 de Maio de 1858, p. 163. Desenhos: Nicolás Fabian e autor 15 Idem.

16 ANTT, Casa Real, cx. 4540.

17 Por exemplo vd. Archivo Pittoresco, n.48, 1858, p. 378. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

de 1858, durante a celebração em S. Domingos, chegou a aparece[r] Temos, todavia, a certeza que se tratava do mesmo diadema na fronte da Noiva [...] uma gota de sangue: era a coroa, muito pesada, a partir da já referida avaliação de 1873 onde é descrito, a par de outras que lhe feria a testa18. Segundo a Marquesa de Rio Maior, depois disso importantes joias pessoais de D. Maria Pia: substituiu-se a tiara por uma grinalda de rosas. Verba N.º 1. Cinco pessas de um diadêma todas d’igual desenho, Em carta ao filho José, a Condessa de Rio Maior, sogra da mas de diversos tamanhos; a maior é a principal e cada duas das restantes anterior, relata que D. Pedro V ofereceu uma coroa de diamantes são iguaes entre si em tamanho e distribuição d’ornatos; isto é duas são mais magnífica, mas uma brutalidade, pois a pobre senhora não pode com ela, pequenas que a principal e duas ainda menores; são todas de brilhantes e acho que até a pode matar se a continuar a trazer19. Nesta sequência de de diversos tamanhos em cravações de prata a jour guarnecidas na parte correspondência ficamos contudo a saber, em carta ao seu outro filho, inferior com oiro acobreado; nestas pessas ha bastantes brilhantes grossos António, que D. Estefânia voltou a usar a peça, desta vez com sucesso, mas o maior de todos está na frente da pessa principal; pesam dozentos no dia 20 de maio, para o beija-mão que se realizou em Belém: estava vinte e seis grammas e valem oito contos de réis. 8:000,,000 [a rainha D. Estefânia] muito ricamente vestida com um vestido de noiva Verba N.º 2. Nove pessas complementos das cinco de diadêma cor-de-rosa bordado de prata e cauda irmã; na cabeça um riquíssimo descriptas na verba entecedente; cinco são as curvas do aro, das quaes diadema que lhe deu El-Rei, colar de diamantes, muitos diamantes no uma é a para a frente e para cada lado d’ella são duas correspondentes peito; enfim com uma toilette esplêndida, que lhe ficava muito bem20. em tamanho e feitio; as outras quatro pessas são iguaes em feitio e teem a Observando a sua composição formal, tamanho e, sobretudo, fórma pyramidal conica ornatada; todas as nove pessas são guarnecidas de a aguçada grinalda vegetalista que corria na base é natural que o uso brilhantes de diversos tamanhos e nas curvas do aro com diamantes rosas da joia fosse desconfortável, ao ponto de causar feridas. O diâmetro miudos; faltam lhes porem, muitos brilhantes e diamantes rosas; as cravações 22 23 da base, mesmo na posição menor é muito grande fazendo com que a são de prata a jour guarnecidas de oiro acobreado na parte inferior e as peça assentasse, não no topo da cabeça mas numa posição mais próxima armações são tambem d’oiro da dita qualidade; pésam cento sessenta e dois da testa, tal como uma verdadeira coroa. grammas e meio e valem um conto e dozentos mil réis. 1:200,,000 23

Poucos anos depois, em 1862 - tendo já morrido tanto D. Estefânia, Nesta altura o diadema ainda se encontrava identificado como tal como D. Pedro V -, D. Luís vê-se aclamado rei e casa com a princesa D. mas estava já inutilizado, uma vez que se achava desmanchado em várias Maria Pia de Sabóia, a quem oferece uma tiara cujas características peças e com falta de diversos diamantes nos elementos de charneira. relatadas nos documentos da época encaixam na de D. Estefânia21. É pouquíssima a iconografia conhecida onde a joia surge O diadema que lhe fôra oferecido é de elegantissimo feitio e de representada. De D. Estefânia nenhuma representação é conhecida, delicadissimo lavor, foi avaliado em 20:000$000 de reis. É marchetado com exceção da pequena gravura, quase naïf, publicada no Archivo por 4:000 pedras de diversas qualidades e tamanhos, havendo entre ellas Pittoresco24 (Fig. 10) onde a figura da soberana, que surge diluída no uma de extraordinário brilho e grandeza 22. meio do aparato das celebrações do matrimónio, tem desenhada na cabeça uma tiara totalmente estilizada mas cuja composição, apesar de 18 COLAÇO, Branca de Gonta; Memórias da Marquesa de Rio Maior Bemposta-Subsserra, básica, corresponde à da agora descoberta. Parceria A.M. Pereira, Lisboa, 2005, p. 71-72.

19 MÓNICA, Maria Filomena; Isabel, Condessa de Rio Maior, Correspondência para seus filhos, Quetzal Editores, 2004, p. 216.

20 Idem, p. 178.

21 MARQUES, Eduardo Alves; Ob. cit., p. 146. 23 APNA 10.2.2., Doc. cit. 22 VENTURA, José Miguel; Portugal e Itália, ou enlace da Dynastia de Bragança com a Dynastia de Saboya, 1862, p. 197. 24 Archivo Pittoresco, n. 48, 1858, p. 377.

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Vimos anteriormente que os elementos que constituíam o diadema foram separados e descravados em tempos diferentes, tal evidência é reforçada pela existência de espigões em ouro soldados nos versos dos maiores (Figs. 7 e 12). Concluímos assim que serviram como broches durante algum tempo.

Em 1886, por ocasião do casamento do seu filho D. Carlos, a 22 de Maio desse ano, D.Maria Pia encomenda na Leitão & Irmão a execução de um grande diadema de desenho naturalista, com folhas e flores (Figs. 13 e 16). A composição da peça é muito próxima à do diadema de diamantes e safiras oferecido pela Duquesa de Génova a sua filha, a princesa Margarida de Sabóia, como presente de casamento26. Nas celebrações desse enlace, realizado em 1868 com o futuro rei Humberto de Itália, esteve presente D. Maria Pia, irmã do noivo. De maior dimensão, posterior e com maior realismo botânico, a tiara floral de D. Maria Pia está dentro de uma das maiores tendências da joalharia do séc. XIX.

24 25

Figura 10 Figura 11 Pormenor da gravura publicada em 1858 no Busto de D. Maria Pia. Santo Varni, Génova, Archivo Pittoresco represetnando D. 1863. PNA, inv. 4088. Estefânia usando a joia na sua chegada a Lisboa. Bust of D. , Queen of Portugal. Santo Varni, Genoa, 1863 Detail of the illustration published at Archivo Pittoresco depicting D. Estefânia wearing the tiara. Foto: autor Hemeroteca de Lisboa, disponível na Hemeroteca Digital (hemerotecadigital.cm-lisboa.pt) Figura 12 Vista do verso de um dos elementos decorativos principais onde é visível o espigão em ouro que serviu para utilizá-lo Da época de D. Maria Pia apenas num busto da coleção do como broche. 25 PNA (Fig. 11), que representa a soberana à época do seu casamento, Back view of one of the main elements where is esta surge a usar uma coroa fechada com uma composição formal clearly visible the gold pin soldered to wear the semelhante, ainda que simplificada. Esta simplificação da minúcia da obra piece as a brooch de ourivesaria é natural numa obra em pedra. Foto: Teresa Maranhas

25 Santo Varni (1807-1885), Génova, 1863, mármore. PNA, inv. 4088. 26 SAVOY, Maria Gabriella de; PAPI, Stefano; Jewellery of the , Electa, 2007.

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Figura 13 Diadema floral encomendado em 1886 pela rainha D. Maria Pia à casa Leitão & Irmão e executado com diamantes do diadema de D. Estefânia. Floral tiara commissioned to Leitão & Irmão by Queen Maria Pia in 1886 and executed with diamonds unset from the tiara of D. Estefânia. Foto: Biblioteca de Arte, FCG, Espólio Leitão & Irmão. Edição e restauro digital: autor. Todos os direitos reservados.

26 27 Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

A elite europeia de oitocentos foi atravessada por um interesse A parcela que tem a inscrição 404 bri. Pequenos contém ávido em botânica, seja no cultivo, estudo ou desenvolvimento de novas diamantes talhe antigo de brilhantes pesando 16,18 quilates e a outra espécies. Ao conhecimento científico aliava-se o espírito romântico da parcela que tem a inscrição De Sua Magestade A Rainha/ 289 rosas época, acrescentando simbolismos e uma verdadeira “linguagem das pesando 1q ¾ contém diamantes talhe rosa pesando 1,83 quilates. flores”. Em joalharia o crescimento deste interesse foi claro a partir da A parcela dos diamantes talhe rosa está completa e pesa um década de 1830 mas atingiu dois momentos particularmente brilhantes. pouco mais que o indicado; à parcela dos diamantes talhe brilhante O primeiro, na década de 1850, foi despoletado pela foram retirados, entre 1886 e 191130, oito diamantes. Apesar disso, os apresentação, na exposição de Londres de 1851, de um enorme bouquet restantes pesam ainda um pouco mais de 16 quilates31. com 6000 diamantes pela Hunt & Roskell. Este serviu de modelo a uma peça semelhante que acabou por se tornar mais célebre: o bouquet de diamantes feito para a imperatriz Eugénia dos franceses por Théodore Fester em 1855. Mais tarde, nas décadas de 1880 a 1910, a representação floral em joias atinge níveis de realismo inigualáveis, em sintonia com a nova estética Naturalista. Pela sua qualidade, dificilmente repetível, ficaram mundialmente famosos, entre vários outros, nomes como Vever ou Lalique27.

28 29 Um pequeno relatório entregue pela Leitão & Irmão em 26 de Maio de 1886 e guardado próximo das peças descravadas revelou- se precioso, especialmente quando confrontado com os registos 28 Figura 14 pesquisados no Espólio Leitão & Irmão, conservado em arquivo . No Parcela de diamantes talhe rosa referido relatório são enumerados diamantes descravados de obra sobrantes. antiga e empregados no novo diadema. O documento informa-nos que Entregue pela Leitão e Irmão após a execução do novo diadema floral. foram descravados de obra antiga 3170 diamantes. Destes, 2606 eram em talhe brilhante e pesavam 251 quilates; 564 eram em talhe rosa e Rose cut diamond parcel, returned to the Queen with the new tiara. pesavam 3,75 quilates. Foram aplicados no novo diadema 2194 brilhantes Foto: autor (pesando 234 quilates) e 275 rosas (pesando 2 quilates). Indica, por fim, que sobraram e foram devolvidos 412 brilhantes pesando 17 quilates e 289 rosas pesando 1,75 quilates. 30 Data do Arrolamento Judicial onde se encontra descrita esta parcela contendo 404 Junto a este documento encontravam-se, nos seus papéis brilhantes. No documento é, além disso, afirmado que se calcula terem pertencido estes originais, estas duas últimas parcelas de diamantes (Figs. 14 e 15). Tive diamantes a algumas das peças descravadas que junto a eles se encontravam. Essas a oportunidade de as analisar, classificar e pesar numa balança atual29. peças são, na sua maioria, as que analiso neste texto e juntas formam o diadema agora descoberto. APNA, DGFP, Arrolamento do Palácio Nacional da Ajuda, vol.3, 1911.

31 Sempre que trabalhamos com documentos anteriores a 1907 onde são mencionados 27 VEVER, Henri; French Jewellery of the Nineteenth Century, Thames & Hudson, 2001. pesos de diamantes devemos ter em atenção que, em rigor, pode haver um ligeiro acerto a fazer aos valores apresentados. 28 O espólio Leitão & Irmão encontra-se à guarda da Biblioteca de Arte da Fundação Só em 1907 o peso do quilate foi internacionalmente definido em 0,20 gramas, até então Calouste Gulbenkian. e apesar de rondar sempre esse valor, variava de região para região. Em Lisboa seria o 29 Balança de precisão para pedras preciosas, TANITA 1210N. equivalente a 0,20575 gramas. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Temos assim resposta à última questão: D. Maria Pia reutiliza os diamantes da antiga tiara de D. Estefânia, já desmantelada e parcialmente descravada, na execução de um novo diadema de estética naturalista, que estreou por ocasião do casamento do príncipe D. Carlos, seu filho.

No arquivo Leitão & Irmão localizei não só uma boa fotografia da nova tiara (Fig. 13), como também alguns registos interessantes e até agora totalmente desconhecidos. A partir deles sabemos que a peça foi executada na oficina de José Cuadrillero, fabricante de joias com oficina da Rua Nova da Trindade, nº 7, 5º, em Lisboa32. Pela sua execução recebeu este ourives pagamento em Maio de 1886 tendo, no mesmo mês, a Leitão & Irmão averbado na conta da Rainha um conto, oitocentos e cinquenta e um mil, setecentos e cinquenta réis (1.851$750), referentes à Montag. d/ grande diadema/ 2469 Pedras a 75033. Somados os 2194 brilhantes com as 275 rosas referidos no relatório do PNA chegamos ao mesmo número: 2469 diamantes.

31 Junto a estes registos estão os das restantes joias adquiridas pelos membros da casa real para o casamento de D. Carlos com D. Amélia e entre as quais estão, naturalmente, os presentes oferecidos à noiva e ilustrados na conhecida gravura da revista O Occidente34 (Fig. 17): Na conta do rei D. Luís é lançado o custo do diadema D. Luís35, 10:000$000. Na conta do príncipe D. Carlos é lançado o custo do colar de diamantes e safiras, 4:450$000 e também o custo das duas alianças e competentes gravações, 17$000. Na conta da rainha D. Maria Pia somam-se, ao já mencionado

Figura 15 Parcela de diamantes talhe brilhante sobrantes, entregue com a anterior. Old mine cut diamond parcel, returned to the Queen with the new tiara. 32 Biblioteca de Arte, FCG, ELI-364, Livro de Registo de Oficinas 1885-1890 e ELI- 597, Foto: autor Correspondência 1885-1885.

33 Biblioteca de Arte, FCG, ELI-412, Livro de Caixa 1880-1887, p. 282.

34 Revista O Occidente, n.273, 21 de Julho de 1886.

35 Atual propriedade de S.A.R. o Duque de Bragança, D. Duarte. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

32 33

Figura 16 Figura 17 Gravura representando a rainha D. Maria Pia usando a Presentes da família real portuguesa oferecidos à princesa D. Amélia na ocasião do seu tiara floral, o colar de safiras e diamantes oferecido por casamento com o príncipe D. Carlos. D. Fernando II com a grande safiraPollet ao centro, bem Revista O Occidente, n. 273, 21 de Julho de 1886. como os dois pingentes de safira pendentes nos brincos. D. Amélia’s wedding gifts from the Portuguese royal family. Revista O Occidente, n. 339, 21 de Maio de 1888. Hemeroteca de Lisboa, disponível na Hemeroteca Digital (hemerotecadigital.cm-lisboa.pt) Illustration depicting Queen Maria Pia wearing the floral tiara, the sapphire and diamond necklace gifted by D. Fernando II with the center replaced by the large Pollet sapphire and the pear-shaped sapphire pendants at the earrings. Hemeroteca de Lisboa, disponível na Hemeroteca Digital (hemerotecadigital.cm-lisboa.pt) Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

valor para a montagem do diadema floral, o custo do colar gémeo do maior disputa e um valor de venda mais alto quando fosse novamente diadema oferecido pelo rei, 5:250$000, bem como o dos binóculos de apresentada à venda no último dia, junto das restantes peças retiradas teatro, 1:000$00036. por decisão do pregoeiro e das que não tivessem sido vendidas. Tal Nos registos é possível igualmente identificar as oficinas onde não aconteceu e hoje, à distância, percebemos que foi uma má decisão. as peças foram executadas e como se realizaram os pagamentos. Como se depreende pelas somas pagas, ao contrário do diadema floral, para todas as restantes joias foram utilizadas gemas novas, fornecidas pela Leitão & Irmão.

Também esta nova tiara teve vida breve ao serviço de uma soberana portuguesa. Os constrangimentos financeiros do país repercutiram-se nas finanças da rainha acabando por obrigá-la a entregar muitas joias como garantia de empréstimos bancários. A tiara floral foi uma delas. Ainda assim durante alguns anos a rainha teve acesso, sob pedido prévio, às joias depositadas no banco para uso nas cerimónias onde eram necessárias, tal como divulgado em estudo recentemente publicado37.

34 35 Com a implantação da república e o exílio da família real as peças entregues pela rainha ao banco aí permaneceram até que, num ato de afirmação política da nova república, foram vendidas em leilão no Banco de Portugal entre os dias 24 e 31 de Julho de 1912 (Fig. 18). A grande tiara executada em 1886 constituía o lote 48 e foi vendida, no último dia, por nove contos e cem mil réis (9:100$000) a Modesto Alvarez38, influente negociante de joias de Madrid. Por decisão do pregoeiro a peça havia sido retirada de praça sem ser adjudicada a um lance de 12:000$000 que obteve no dia 25 de Julho, primeiro dia em que foi posta em venda. Isto aconteceu na esperança de se conseguir

36 Biblioteca de Arte, FCG, ELI, Doc. cit., p. 282. Figura 18 Capa do catálogo do leilão das joias e pratas da Rainha 37 MARANHAS, Teresa; “A Prata do Serviço para Sintra”, in MONTESINOS, Fernando D. Maria Pia, 1912. (coord.), A Royal Lunch. A visita a Sintra da Rainha Alexandra do Reino Unido. 24 de Março Cover of the auction catalogue of Queen Maria Pia’s jewels de 1905, Colecções em Foco, Palácios Nacionais, Sintra Queluz Pena, vol. 2, Sintra, PSML, and silver 2019, p. 168-242. Digitalização: Cabral Moncada Leilões Disponível em https://www.parquesdesintra.pt/experiencias-e-lazer/colecoes-em-foco/

38 Informação recolhida pela então conservadora do PNA, Maria do Carmo Rebello de Andrade, a quem agradeço. Cf. Catálogo das Jóias e Pratas que pertenceram à fallecida rainha Sra. D. Maria Pia. Lisboa, Typ. do Annuario Comercial, 1912. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Esta informação revela-se, contudo, muito importante para 3. Conclusão a análise das muitas notícias que, à época, surgiram na imprensa nacional sobre o acontecimento. Interessa-nos especialmente a leitura dos artigos impressos entre a primeira colocação em praça e a venda efetiva, que discorrem sobre a história da joia: A tiara oferecida por D. Pedro V a D. Estefânia foi encomendada No dia 30 de Julho de 1912 A Capital, jornal diário republicano, a Raimundo Pinto em 1858. A peça, de enorme riqueza e tamanho, imprimiu um título garrafal onde se lia Um diadema que custou 78:614$000 está dentro do cânone romântico arabizante então muito apreciado, réis/ e que foi pago em prestações por D. Pedro V - Como os tempos mudam!. relacionando-se de perto com o Oriental Circlet da rainha Vitória No texto é afirmado, preto no branco, que o diadema aser executado em 1853/1859 pela Garrard, sob desenho atribuído ao posto em praça no dia seguinte era o mesmo que havia sido oferecido príncipe Alberto, tio muitíssimo próximo do rei D. Pedro V. por D. Pedro V a D. Estefânia, obra de Raimundo José Pinto e que teria A morte prematura deste casal real levou D. Luís ao trono e custado os tais 78 contos, seiscentos e catorze mil réis. apressou o seu casamento, que se realizaria em 1862 com D. Maria Pia Sistematicamente carente de fontes e com a tendência própria de Sabóia. A soberana recebeu a mesma tiara como presente mas em de um jornal republicano, a leitura deste tipo de notícias requer pouco tempo começou a reconvertê-la. particular prudência, especialmente num tempo em que a campanha A joia, que era desconfortável de utilizar, acabou totalmente antimonárquica era fortíssima e poucas semanas depois de debelada a refeita em 1886 num grande diadema naturalista executado na oficina revolta da Monarquia do Norte. de um dos mestres que trabalhavam para a Leitão & Irmão, a tempo do É evidente que, para valorizar a peça, se quis criar a ilusão casamento do príncipe D. Carlos com D. Amélia de Orleães. 36 37 de que seria a encomendada por D. Pedro V e usada por D. Estefânia, Apesar deste diadema floral ter sido entregue pela rainha soberanos sempre muito populares e cujas virtudes foram desde como garantia de empréstimos bancários e vendido pela república cedo enfatizadas pela imprensa republicana para contrastar com os em 1912, a estrutura de 1858 permaneceu guardada no seu quarto, supostos defeitos e vícios dos monarcas que, depois das suas mortes totalmente desmantelada e perto das suas restantes joias. Aquando inesperadas, lhes sucederam. do Arrolamento Judicial de 1911 os fragmentos já não são identificados como pertencentes a uma mesma peça, tendo sido inventariados e Por tudo o que se explicou e documentalmente confirmou guardados separadamente. sabemos agora que esta não era essa tiara mas sim outra, realizada em Perfeitamente conservados, tal como foram arrolados, dispersos 1886 pela Leitão & Irmão utilizando, isso sim, diamantes provenientes em várias caixas na reserva do Palácio da Ajuda, a sua identificação e do diadema que D. Pedro V ofereceu à sua mulher e cuja carcaça e subsequente reunião constituiu um dos desafios mais gratificantes do diamantes sobrantes foram conservados por D. Maria Pia no seu meu percurso profissional. quarto até à partida para o exílio, a 5 de Outubro de 1910. Um privilégio que não quero deixar de agradecer à equipa que tem dirigido este projeto: José Alberto Ribeiro, Teresa Maranhas, Manuela Santana, Hugo Xavier e Inês Líbano Monteiro, muito obrigado. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

4. Apêndice Documental

Da avaliação de joias da Rainha D. Maria Pia que em seguida se transcreve destaco a identificação de, pelo menos, três peças das quais é pública notícia posterior. Para além destes casos, a investigação em curso, baseada no referido documento, tem permitido adiantar outras identificações39.

As verbas 1 e 2 são, como atrás se identificou, os elementos pertencentes à tiara agora estudada.

A verba número 10 é um grande alfinete floral de diamantes e safiras (Fig. 19) avaliado em 5:300$000. Esta peça foi vendida no leilão das joias e pratas da rainha D. Maria Pia em 1912. Formava o lote 25 e foi arrematado por 3:750$000 por Albert Janesich40, membro de uma das mais famosas dinastias de joalheiros europeus da época41. 38 39 A verba número 11 é um colar de diamantes e safiras oferecido pelo rei D. Fernando II a D. Maria Pia pela ocasião do seu casamento em 1862. A joia foi usada recorrentemente pela soberana e surge aqui avaliada em 4:000$000. A partir de 1879, em diversa iconografia da

39 Este tema será objeto de uma comunicação a agendar em breve.

40 Informação recolhida pela então conservadora do PNA, Maria do Carmo Rebello de Andrade, a quem agradeço. Cf. Catálogo das Jóias e Pratas que pertenceram à fallecida rainha Sra. D. Maria Pia. Lisboa, Typ. do Annuario Comercial, 1912.

Figura 19 41 Nota do autor: Lote 25 do leilão de 1912. A dinastia Janesich foi fundada em 1835, em Trieste, por Leopold Janesich, avô de Albert. Grande broche representando um ramo, flores e folhagem ligadas por uma fita de safira A atividade sempre crescente da firma levou-os, em 1896, a estabelecer-se em Paris, Rue e brilhantes; tudo guarnecido de brilhantes. de Lafayette. Além de joalheiro, Albert Janesich ficou célebre como negociante de pedras Arrematado por 3:750$000 por Albert Janesich Fotografia publicada na Ilustração Portuguesa, nº337, 5 de Agosto de 1912. preciosas. No seu percurso de sucesso deu seguimento à internacionalização do negócio de família estabelecendo-se em Londres, New Bond Street. Lot 25 of the 1912 auction Em 1913, logo após o leilão da rainha D. Maria Pia, abriu mais duas lojas: uma em “A large diamond bouquet brooch tied by a sapphire and diamond ribbon” Bought for 3:750$000 frente ao casino de Monte Carlo, no Mónaco e outra na Rue de la Paix, uma das mais by Albert Janesich importantes ruas de joalheiros de Paris. Digitalização: autor Obteve o título de fornecedor da Casa de Sabóia em 1925. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

rainha D. Maria Pia, este colar é representado com o centro, que era destacável, substituído pela safira oval circundada de vinte e quatro diamantes, obra de Adam Pollet, executada em 1784 (PNA, inv. 4782). Este medalhão e os dois pingentes que o acompanham (PNA, inv. 4782/A e 4782/B) foram adquiridos em 1879 aos herdeiros da Infanta D. Isabel Maria por decisão do rei D. Luís, para integrarem as joias da Coroa42. Esta combinação do referido colar com as três grandes safiras compradas para a Coroa é visível na gravura representando D. Maria Pia publicada na revista O Occidente (Fig. 16). Para além do colar, a soberana usa os pingentes de safira como pendentes dos brincos e, sobre a cabeça, exibe o grande diadema floral. O colar e um par de brincos a condizer - sem o medalhão oval e os pingentes de safira, que eram propriedade da Coroa - formavam o lote 50 do leilão de 1912, que acabou vendido por 4:400$000 a Alfons Sondheimer, joalheiro alemão43. Relatório da avaliação de vinte e três lotes de joias, propriedade pessoal da rainha D. Maria Pia, entregue por Fernando Augusto É ainda possível supor que a verba número 17 possa ser um dos de Assunção Ventura, contraste-avaliador em Lisboa. dois colares rivière vendidos no mesmo leilão (lote 41 ou 44). Se assim 40 27 de Dezembro de 1873 for encontrava-se, nessa altura, desprovido dos restantes elementos que originalmente o completavam. (APNA, 10.2.2., doc. 183)

42 Informação recolhida em documentação até há poucos anos numa coleção privada e atualmente em estudo pela equipa de investigação do Tesouro Real.

43 Informação recolhida pela então conservadora do PNA, Maria do Carmo Rebello de Andrade, a quem agradeço. Cf. Catálogo das Jóias e Pratas que pertenceram à fallecida rainha Sra. D. Maria Pia. Lisboa,Typ. do Annuario Comercial, 1912. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

cravações de prata a jour; pésa dezasseis grammas e vale oitocentos e Cópia quarenta mil réis. 840,,000

Fernando Augusto de Assumpção Ventura, ourives em Lisboa na Verba N.º 4. Um pente para ornato de cabeça, tem os dentes rua aurea N.º 63 e Contraste avaliador pela Exma. Camara Municipal da de tartaruga e as costas guarnecidas com brilhantes em quatro linhas dita cidade, etc: curvas de vinte e um cada uma, sendo os da linha superior mais grossos Certifico que os objectos a baixo descriptos que me foram a diminuir em tamanho para as linhas inferiores e para as extremidades, apresentados para avaliar teem os pesos e valores que lhes são designados; todos em cravações de prata a jour; pésa cincoenta e dois grammas e vale a saber: tres contos de réis. 3:000,,000

Verba N.º 1. Cinco pessas de um diadêma todas d’igual desenho, Verba N.º 5. Um alfinete com duas palmas grandes, nove folhas mas de diversos tamanhos; a maior é a principal e cada duas das restantes estreitas e a aste d’esta contendo cento e treze brilhantes de varios são iguaes entre si em tamanho e distribuição d’ornatos; isto é duas são mais tamanhos e mais um brilhante grande em cravação separada, todos em pequenas que a principal e duas ainda menores; são todas de brilhantes cravação de prata a jour guarnecidas pela parte inferior d’oiro acobreado; de diversos tamanhos em cravações de prata a jour guarnecidas na parte pésa doze grammas e meio e vale tresentos e setenta mil réis. 370,,000 inferior com oiro acobreado; nestas pessas ha bastantes brilhantes grossos mas o maior de todos está na frente da pessa principal; pesam dozentos Verba N.º 6. Um alfinete em forma de ramo com seis palmas, vinte e seis grammas e valem oito contos de réis. 8:000,,000 treze folhas estreitas e uma flôr contendo cento setenta e quatro brilhantes, 42 43 inclusivé o do centro da flôr que é grande e amarello, e mais oito brilhantes Verba N.º 2. Nove pessas complementos das cinco de diadêma em cravações e astes separadas; são d’oiro acobreado a armação e os descriptas na verba entecedente; cinco são as curvas do aro, das quaes guarnecimentos inferiores das cravações, e estas de prata a jour; pésa vinte uma é a para a frente e para cada lado d’ella são duas correspondentes e tres grammas e meio e vale seiscentos setenta e cinco mil réis. 675,,000 em tamanho e feitio; as outras quatro pessas são iguaes em feitio e teem a fórma pyramidal conica ornatada; todas as nove pessas são guarnecidas Verba N.º 7. Um alfinete em fórma de ramo; é composto de uma de brilhantes de diversos tamanhos e nas curvas do aro com diamantes flôr com vinte e oito brilhantes, tres palmas com cincoenta e um, dez folhas rosas miudos; faltam lhes porém, muitos brilhantes e diamantes rosas; as estreitas com quarenta e cinco em cravações e hastes separadas; todos cravações são de prata a jour guarnecidas de oiro acobreado na parte inferior estes brilhantes são de diversos tamanhos e o maior está no meio da flôr; e as armações são tambem d’oiro da dita qualidade; pésam cento sessenta e a armação e as guarnições inferiores das cravações são d’oiro acobreado dois grammas e meio e valem um conto e dozentos mil réis. 1:200,,000 e as cravações de prata a jour; pésa dezanove grammas e meio e vale quinhentos e sessenta mil réis. 560,,000 Verba N.º 3. Um alfinete em fórma de ramo, o pé do ramoé guarnecido com vinte e oito diamantes rosas, tem tres palmas com Verba N.º 8. Um alfinete em fórma de ramo com tres flôres, seis sessenta e tres brilhantes de diversos tamanhos, e nove brilhantes grossos palmas, tres folhas estreitas e uma cravação com brilhante separada: a flôr desiguaes em tamanho e em cravações separadas formam a flôr; a maior ou superior tem um brilhante grande e em volta d’elle onze brilhantes armação e os guarnecimentos das cravações são d’oiro acobreado e as pequenos e cinco folhas grandes com setenta e quatro brilhantes; na flôr Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

do meio o brilhante grande tem em parte da volta sete pequenas cravações e um; a que arma para o lado esquerdo dozentos sessenta e cinco; a pessa com um diamante rosa cada um e nas seis folhas que lhe pertencem cento do laço que une os pés das flôres tem no laço cincoenta e uma saphyras e seis brilhantes; a flôr do centro, digo, a flôr pequena tem no centro um em uma fita(?) entre duas de brilhantes com cento e quarenta; o nó é roseta brilhante, e trinta e tres nas suas cinco folhas; as duas palmas juntas a de onze brilhantes em volta de um brilhante grande, á direita e em plano esta flôr conteem trinta e cinco brilhantes e as quatro palmas e tres folhas inferior tem uma flôr de quatro brilhantes pequenos em quadrado e um estreitas na parte superior do ramo sessenta e seis ditos; a aste principal do no meio, e na parte superior tres flôres grandes tambem quadradas de ramo é guarnecida de diamantes rosas miudos; a armação e as guarnições quatro brilhantes grandes aos angulos e um pequeno no centro em cada inferiores das cravações são d’oiro acobreado, os brilhantes são de diversas flôr; a ultima pessa tem os tres pés das flôres e duas folhas estreitas grandezas e as suas cravações de prata a jour; pésa quarenta e sete contendo noventa e quatro brilhantes; os tamanhos dos brilhantes são grammas e vale dois contos trezentos setenta e cinco mil réis. 2:375,,000 variadissimos, a armação bem como os pés para broche, chavetas e guarnições inferiores das cravações são d’oiro acobreado e as cravações Verba N.º 9. Um alfinete em fórma de ramo; a flôr principal tem de prata a jour; pésa cento cincoenta e seis grammas e meio e vale cinco no centro um brilhante grande de fórma irregular e em volta dezoito mais contos e trezentos mil réis. 5:300,,000 pequenos em diversas cravações, as seis folhas d’ella conteem noventa e cinco brilhantes; uma aste que parte do tronco principal tem uma cravação Verba N.º 11. Um collar, com doze pessas e sete pingentes: o com um brilhante grande, e tres palmas e cinco folhas estreitas com meio de cada uma d’estas dezenove pessas é uma saphyra; é redonda a sessenta e sete brilhantes; as duas folhas estreitas collocadas abaixo do do meio do collar, ellipticas as das outras pessas e ôvaes as dos pingentes; brilhante grande teem dez brilhantes; a parte elevada do ramo tem cinco em volta da do meio tem quatorze brilhantes, em volta de cada uma das 44 45 folhas estreitas com vinte e cinco brilhantes, tres palmas com sessenta e outras dez tem doze ditos, em volta de uma pessa que está separada, nove ditos e tres botões com vinte brilhantes dos quaes cinco são maiores; de tamanho quasi igual á do meio, mas de fórma elliptica tem dezesseis e termina n’uma flôr irregular com vinte e quatro brilhantes; a fitaque brilhantinhos cujas cravações são montadas por a saphyra, e em plano finge atar os pés tem dezessete brilhantes, junto a ella ha uma cravação em inferior oito brilhantes grossos iguaes em tamanho intervalladas na aste separada contendo um brilhante; parte dos troncos são guarnecidos ellipse interior por oito brilhantes miudos e na exterior por igual numero com diamantes rosas e o tronco principal tem no extremo um brilhante; mas maiores; os pingentes são como as pessas diminuem em grandeza os brilhantes variam muitissimo em tamanho, a armação do ramo e as do centro para os extremos; tem cada um em volta da saphyra quatorze guarnições inferiores das cravações são d’oiro acobreadas, e as cravações brilhantes, excepto os pingentes extremos que tem só doze cada um; nas de prata a jour; pésa sessenta e sessenta, digo, sessenta e cinco grammas e pessas do collar os extremos dos raios maiores são brilhantes grossos, e vale dois contos e setecentos mil réis. 2:700,,000 nos pingentes augmentam de tamanho do vertice para a base: entre as pessas do collar os intervallos são um brilhante grosso e entre as pessas e Verba N.º 10. Um alfinete grande em ramo armado por cinco os pingentes, são tambem assim os intervallos; mas menores á excepção do pessas, cada uma das quaes tem pé para servir separadamente de alfinete; do meio que é o maior de todos os intervallos e que são dezenove; as cravações o ôlho da flôr principal, inclusivé os tres brilhantes que saem de dentro em são todas de prata a jour guarnecidas inferiormente d’oiro acobreado; pesa cravaçõez d’oiro e astes separadas, conteem cento e oitenta brilhantes; as cento e vinte grammas e vale quatro contos de réis. 4:000,,000 quatro folhas curvas, o pé e as duas folhas estreitas junto a elle quinhentos e nove; tôda a pessa que arma para o lado direito do ramo dozentos oitenta Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Verba N.º 12. Um collar de cinco fios com tresentas vinte e duas do meio bastante grande; toda esta pessa é guarnecida com sessenta e perolas; nas extremidades de cada fio ha uma cravação de prata, com um um brilhantes em cravações a jour e vinte e oito diamantes rosas; pésa brilhante pequeno, o feixo tem a fórma circular cujo centro é um brilhante cincoenta e um grammas e vale quatrocentos e cincoenta mil réis. 450,,000 grande côr de rosa mui clara e em volta um circulo de quatorze brilhantes pequenos, em planos mais inferior outro circulo com igual numero de Verba N.º 17. Um collar com quarenta e um brilhantes em brilhantes, e ainda outro circulo em plano inferior ao antecedente com cravações de prata a jour separadas, todos são grossos mas o do meio quatorze brilhantes grossoz completa o feixo; todas az cravaçõez são de é o maior e diminuem igualmente em grossura para os extremos; tem tres pingentes iguaes em feitio e tamanho com sessenta e tres brilhantes prata a jour, guarnecidas d’oiro acobreado, pésa cento trinta e oito grammas cada um; um broche maior que os ditos pingentes mas d’igual feitio e com e meio e vale seis contos de réis. 6:000,,000 sessenta e um brilhantes, e um par de cabeças com um brilhante pequeno cada uma para com os pingentes do collar armar em brincos; todos os Verba N.º 13. Um collar com trinta e tres brilhantes grossos em referidos (a) [objectos]44 são em cravações de prata a jour guarnecidas cravações de prata a jour separadas; o do meio é o maior e diminuem inferiormente d’oiro acobreado; pésam cem grammas e meio e valem cinco igualmente em tamanho para os extremos; pésa trinta e seis grammas e contos e dozentos mil réis. 5:200,,000 meio e vale tres contos e dozentos mil réis. 3:200,,000 Verba N.º 18. Uma fita com cento sessenta e cinco brilhantes em Verba N.º 14. Um collar com vinte e seiz brilhantes grossos em guarnições de prata a jour guarnecidos inferiormente d’oiro acobreado cravaçõez de prata a jour separadas; o do meio é o maior e diminuem e assente n’uma fita de seda côr de rosa da seguinte fórma dispostos; igualmente em grossura para os extremos; pésa trinta e seis grammas e 46 sete pessas iguaes cada uma com cinco brilhantes em recta entre duas 47 meio e vale dois contos e oitocentos mil réis. 2:800,,000 (b) [curvas]45 de sete brilhantes cada uma com os concavoz das curvas para o meio, os intervallos são quatro brilhantes mais pequenos em linha Verba N.º 15. Uma pulseira, um broche e um par de brincos d’oiro perpendicular ás ditas pessas; pésa oitenta e um grammas e vale sete com brilhantes e rubiz: a pulseira é de aro largo direito com fita larga ao contos de réis. 7:000,,000 meio de esmalte preto, e na frente tem roseta com trinta e cinco brilhantes, dezesseis diamantes rosas miudos e oito rubiz em diversos planoz; o broche Verba N.º 19. Um collar de fios, digo, de cinco fioz com dozentas é como a frente da roseta, digo, da pulseira mas maior e contein quarenta e setenta e oito perolas grossas e um brilhante em cravações d’oiro (c) [em nove brilhantes e cinco rubis e tem cinco pingentes com oitenta e sete cada extremidade dos fios, o feixo é d’oiro]46 tem a forma rectangular, ao brilhantes e quarenta e seis rubiz, os quaes terminam em roseta, cada meio um rubi guarnecido por vinte e seis diamantes rosas e o resto do brinco é uma roseta com nove brilhantes, duas pessas aos lados e tres espaço por vinte e quatro brilhantes d’igual tamanho; e dois feixos iguaes pingentes do feitio igual aos do broche com cincoenta e tres brilhantes e quadrados armados em oiro acobreado com oito brilhantes grossos em trinta rubis miudos; pésa o adereço cento vinte e dois grammas e avalio-o volta de uma perola grande cada um; pésam cento e trinta grammas e em um conto e setecentos mil réis. 1:700,,000 avalio-os em dois contos e quatrocentos mil réis. 2:400,,000

Verba N.º 16. Um broche de oiro com um traço d’esmalte preto, Verba N.º 20. Um broche de 3 pessas; a superior tem flôr no meio tem uma perola bastante grande proximamente meia esphérica, grande ao meio, duas flôres pequenas, uma flôr em botão, sete palmas, tem pingentes, e n’estes que são tres, um barroco em cada um sendo o tres cravações separadas e tres folhinhas sobre uma perola grossa e

44 Emenda no fim da página.

45 Idem.

46 Idem. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

contem setenta e oito brilhantes; a do meio tem laço com um brilhante estas argolas são ligadas a uma fita d’igual feitio torcida com vinte e sete grosso sobre elle e outro no nó, sete palmas, duas folhas estreitas, duas brilhantes pequenos iguaes por duas passadeiras semi-circulares com treze cravações separadas ao pé d’ellas e duas folhinhas sobre uma perola rubis cada um, a qual passa por um circulo como o que assenta no collar, grossa, tudo com oitenta e dois brilhantes e mais dois ditos grossos e mas um pouco maior com treze rubis e aberto no centro; de toda esta pessa em cravações separadas na parte inferior; estas duas pessas teem pé pendem sete pingentes, o mais inferiormente collocado é o maior e tem para separadamente servirem de broche; as tres folhas grandes e as dois brilhantes em perpendicular e uma grande perola em fórma de pero, tres folhinhas sobre cada uma das tres perolas grandes da ultima pessa os outros tem um só brilhante e diminuem as perolas em tamanho de baixo comteem trinta e dois brilhantes; os brilhantes d’este broche são de para cima: a pulseira é de aro chato, ôco e direito, na frente tem um ornato diversos tamanhos, a armação e guarnições inferiores das cravações circular com vinte e nove brilhantes e vinte e quatro rubis, e para cada lado d’oiro acobreado e estas a jour; fazem também parte desta verba as duas uma ponta com quatorze brilhantes e nove rubis; cada cabeça de brinco, seguintes pessas soltas; duas folhas com desessete brilhantes e a unil-as nos que é de fórma circular, tem no centro um brilhante, em volta oito rubis, pés um brilhante, e uma flôr em botão com vinte brilhantes em cravações junto ao gancho um brilhantinho e por pingente um brilhante pequeno e de prata a jour; é de tudo o peso cincoenta e sete grammas e o valor dois uma perola feitio de pero; pésam todas as pessas cento sessenta e quatro contos quinhentos e cincoenta réis. 2:550,,000 grammas e meio e valem um conto e dozentos mil réis. 1:2000,,000

Verba N.º 21. Um broche em fórma de laço com um rubi elliptico, Sommam as avaliações das vinte e tres verbas de que consta esta grande e claro ao meio e em volta dezoito brilhantes, sobre a volta uma certidão a quantia de sessenta e cinco contos setecentos e setenta mil roseta com dez brilhantes desiguaes, o laço inclusivé as pontas tem sessenta réis. 65:770,,000 48 49 brilhantes, no pingente do meio quatorze brilhantes, uma perola esphérica e outra perola grande em feitio de pero, e os dois pingentes lateraes são E por me ser pedida certidão dos pesos e valores dos referidos objectos perolas como esta ultima mas menores; pésa trinta e seis grammas e vale passei a presente, para constar, que assigno. dois contos de réis. 2:000,,000 Lisboa 27 de Dezembro de 1873. Verba N.º 22. Uma pulseira toda de brilhantes em cravação de Fernando Augusto Assumpção Ventura prata a jour guarnecidas d’oiro acobreado; o centro que desarma da pulseira contem oitenta e nove brilhantes e oito diamantes rosas, e o aro Dou a presente [ilegível] 29 de Dezembro de 1873. dozentos e treze brilhantes e cincoenta e quatro diamantes rosas; pésa Fernando Augusto Assumpção Ventura47 quarenta e quatro grammas e meio e vale dois contos dozentos e cincoenta mil réis. 2:250,,000

Verba N.º 23. Um collar uma pulseira e um par de cabeças de brincos d’oiro córado: o collar é de tubos ôcos tecidos e na frente tem sobre elles dois circulos com quatorze rubis e uma meia perola grande em cada um, e ligando-os uma fita curva com oito brilhantes iguaes; cada um d’estes circulos tem uma argola angular com cinco brilhantes pequenos,

47 Transcrição Teresa Maranhas, revisão João Júlio Rumsey Teixeira. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Fontes Manuscritas e Documentais Bibliografia

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A tiara with 4000 diamonds

History and whereabouts of Queen Estefania’s tiara, transformed by Queen Maria Pia of Savoy and sold by the Republic 1858-1912

João Júlio Rumsey Teixeira Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Preface

João Júlio Rumsey Teixeira's collaboration with the National dates back to 2006 when he joined the museum as a volunteer, having then continued this cooperation with the completion of his graduation internship in Art History by Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), Nova University of .

Of his subsequent training and career stand out a diamond grading degree by the Gemological Institute of America (GIA), a fine & decorative arts course by the Sotheby’s Institute of Art, London, and ten years of experience at the jewelry and silver departments in Lisbon’s auction houses. He was also the author of the blog Arte em Números, editor of the extinct L+arte magazine and taught "Art Markets and Appraisal" at Escola Superior de Artes Decorativas (ESAD), Ricardo do Espírito Santo Silva Foundation. 55

This unprecedented research of his authorship, which is now being published, results of the invitation addressed by the director of the Palace to join the investigation team of the project of the future Royal Treasury Museum of the National Palace of Ajuda.

The formal reconstruction of an important diadem structure of the 19th century, whose various elements were dispersed and, consequently, yet to be identified, is due to the expertise of João Júlio, who, for this purpose, skillfully connected archival research with the stylistic and artistic interpretation of the fragments, restoring their true meaning, use and value.

The present work is therefore a new and brilliant contribution, not only for the narrative of the Royal Treasury, but also for the history of Portuguese jewelry.

Lisbon, 9th of April of 2020 Teresa Maranhas curator of the silver and jewelry collections of the Nacional Palace of Ajuda. João Júlio Rumsey Teixeira

Introduction

The investigation taking place within the scope of the opening of the Royal Treasury Museum of Palácio Nacional da Ajuda is making important discoveries about the pieces that will be displayed in the new space, currently under construction. The identification that I was fortunate to make of the structure of a large romantic tiara originally set with diamonds turned to be of particular importance. Not only for the discovery of a new historic 57 jewel, which is always exciting, but mainly because its research offered answers for a famous mystery1 about the large diamond tiara offered by D. Pedro V to D. Estefânia (Stephanie von Hohenzollern-Sigmaringen) in 1858, to celebrate their wedding.

Before heading into the central issue, I think it’s important to clarify the ancient Portuguese monetary system. Mistakes are often made and the amounts stated in several texts are frequently misleading. In 1911, the first Portuguese Republic replaced the ancient currency “Réis” for “Escudos”. The first had been the Portuguese currency unit since the 15th century but the monetary system undergone a major reform in 1837 when the decimal system was adopted. Since then, monetary sums were written this way: up to 999, the sums were expressed by the cardinal number only: 999 réis.

1 MARQUES, Eduardo Alves; Se as Jóias Falassem, Esfera dos Livros, 2009; SOUSA, Gonçalo Vasconcelos e; “Aspetos da Ourivesaria portuguesa na revista “O Ocidente”, 1878-1915”, p. 92, ARTIS, n. 4, 2016; and FRANCO, Anísio; Lisboa Desconhecida e Insólita, Porto Editora, 2017. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

From 1000 onwards the “cifrão” was used to separate the thousands; The dismantled jewel was originally a large articulated headpiece for example, 2500 réis were written like 2$500; frequently the that could be used closed, as a crown, or opened, as a tiara. It was symbol appears replaced by an abbreviation such as commas or composed of nine similarly-shaped elements of different dimensions. apostrophes. For that reason is very common to find variations like The larger five were interspaced by the smaller four that were less 2’’500, 2’500 or 2,,500. profusely decorated but worked as invisible hinges of the piece (Fig. 7). All “Conto” was used as counting unit and was the equivalent these nine elements were placed above a curved bar that was originally of one million réis: 1:000$000, the millions separated by a colon decorated with a wavy garland of pointed foliage scrolls, still existent but or a period mark: 1.000$000. It might also appear with some of the heavily damaged and fragmented (Figs. 2, 3 and 4). mentioned abbreviations for the thousands: 1:000’’000, etc. In 1911 one “Escudo” was set to be the equivalent of one According to a jewelry appraisal report dated of December thousand réis: 1$000; and the fractions called “Centavos”. By tradition 18732 and found at the archives of Palácio da Ajuda by Teresa Maranhas, and practical reasons “Conto” remains, until 2002, as counting unit. curator of the silver and jewelry collections, it was possible to be sure Then naturally meaning one thousand Escudos, which formerly were that the entire headpiece was originally set with diamonds brilliants of one million réis. It’s exactly the same amount of money, but under a different sizes […] and rose [cut] diamonds. different name. During the analysis process I was able to find, under 10 to 20x magnification, several tiny rose cut diamonds still set in its original places. From the possible estimation, taking into account the missing parts and those of more complex composition, it is reasonable to affirm 58 59 1. Identification and expert analysis that the silver-topped gold frame was originally set with between 3500 to 4000 diamonds. The larger ones, brilliant cuts, were set in open backs From the observation of several unset jewelry structures alongside the smaller rose cuts, mainly set in closed backs. kept in different boxes I was able to detect a formal and technical consistency in many of those elements (Fig.1). Of obvious Indian inspiration (Figs. 5, 8 and 9), well into the mid-19th century taste and relatable with the Oriental Circlet3 idealized Some were clearly identical, although different in size. by the Prince Albert as a gift to Queen Victoria, executed by Garrard in Others shared the same aesthetic language and exactly the same 18534, the Portuguese jewel is of similar date but larger. Originally it construction techniques, or the “same hand”. In some of them the would also have been a lot richer. joints had similar shapes revealing that, without any doubt, those The trend for Indian inspired jewelry was defining of the 1850s elements were once part of a larger jewel. A few formed parts of and is associated with the figure of Prince Albert and the Great Exhibition a curved bar suggesting that, at least a number of the fragments, of 1851. The first universal exhibition was held in London in the height of might have formed a tiara. The joints that remained in place were again crucial and the starting point to finally bring the magnificent piece together. After some days completing this extraordinary puzzle, the 2 Archive of Palácio Nacional da Ajuda, 10.2.2., doc. 183 Vd. Apêndice Documental. original form became clear (Figs. 5 and 6) and, after that, it was 3 possible to start an investigation that lead to the conclusions that I’m I have to thank Hugo Xavier who first noticed the relation with the Oriental Circlet. For an image of the tiara not at the British Royal Collection please check: about to share. https://www.rct.uk/collection/themes/exhibitions/victoria-albert-art-love/the-queens- gallery-buckinghampalace/the-oriental-tiara

4 MUNN, Geoffrey C.;Tiaras , A History of Splendour, p. 90. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

the affirmation of the British Empire in India. In 1850, after the Punjab The marriage of D. Pedro V was planned by Queen Victoria Treaty, the Koh-i-Noor diamond was gifted to Queen Victoria. It was, at and Prince Albert, who were immensely fond of both D. Estefânia and this time, the largest known diamond and its 186 carats were insured at D. Pedro, nephew of Prince Albert6. 2 million sterling pounds, or 16 tons of gold. For the occasion, the King of Portugal commissioned a large This true fortune in the shape of a diamond was the main headpiece set with 4000 diamonds to Raimundo José Pinto, jeweler attraction of the Exhibition and the center of the Indian section to the crown. that occupied twice the area of all the other colonies together. The Although some newspapers7 wrote that all the gems were romanticized middle-eastern forms presented at this section, not only bought in Portugal a French purchase invoice for the acquisition impressed, but also shaped the fashion of its time. An effect that, far of four brilliant cut diamonds dated of 20th April 18588 was located from unpredicted, underlined the success of British imperial policy: If at the Royal House archive and it’s most probably related with the India was the jewel of the colonies, the Koh-i-Noor was the ultimate symbol completion of the jewel. of India’s whealth and the advantages of colonial possessions5 According to several descriptions of the event9, the bride wore the jewel during the ceremonies of the marriage in Lisbon. During the ratification of the matrimony held at the church of S. Domingos on the 2. History, Provenance and authorship 18th of May of 1858 the new Queen wore the piece as a crown but after some time a drop of blood appeared on the bride’s face: it was the crown, The emergence of the jewel, supported by the ongoing very heavy, that was wounding the forehead10. According to the testimony 60 61 investigation, brought answers for two of the oldest and best-known of the Marichoness of Rio Maior, after that the jewel was replaced by a questions about the jewels of the Portuguese royal family: garland of roses. In a letter to her son José, the Countess of Rio Maior (mother-in- law of the aforementioned lady) explains that the King offered his wife a magnificent diamond crown, but a brutality for the poor lady can’t held it and I think it might also kill her if she insists on wearing it11. Despite that, in What was it like and what happened to the large a different letter sent to her other son, António, the countess informs tiara offered by D. Pedro V to his wife, D. Estefânia, on the that the Queen wore the headpiece again on the 20th of May, this time occasion of their marriage in 1858? with success. [The Queen] was very richly attired in a silver embroidered pink wedding dress with train; on the head an extremely rich diadem gifted by

What’s the provenance of the floral tiara first worn by Queen Maria Pia of Savoy in 1886, during her eldest son’s wedding with Amelie d’Orléans? 7 Ilustração Luso-Brazileira, nº21, vol. II, 22nd May 1858, p. 163.

8 ANTT; Casa Real, cx. 4540.

9 For example: Archivo Pittoresco, n. 48, 1858, p. 378.

10 COLAÇO, Branca de Gonta; Memórias da Marquesa de Rio Maior Bemposta-Subserra, 5 GERE e RUDOE, Charlotte e Judy, Jewellery in the Age of Queen Victoria, p. 262. pp. 71 and 72.

6MÓNICA, Maria Filomena; Correspondência entre D. Pedro V e o seu tio, o príncipe Alberto, 11 MÓNICA, Maria Filomena; Isabel, Condessa de Rio Maior, Correspondência para seus filhos, Quetzal Editores, 2000. Quetzal Editores, 2004, p. 216. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

the king, diamond necklace, many diamonds at the chest; overall a splendid From the mentioned earlier it’s easy to understand that over time ensemble that suited her very well12. the jewel was dismantled and the diamonds unset. Evidence of that are the gold pins soldered at the backs of the five larger motifs(Figs. 7 and 12), Observing the formal composition of the piece, its large size, and proving they were worn as brooches for some time. above all the pointed wavy garland that decorated the base, it becomes clear why wearing this jewel may have been uncomfortable to the point In 1886, for the marriage of her eldest son, prince D. Carlos, of causing wounds. The diameter of the base, even in its smaller position, Queen Maria Pia commissioned Leitão & Irmão, crown jewelers, a large is very large making the piece to sit not on the top of the head, but around Naturalistic tiara with leaves and flowers (Figs. 13 and 16). Although it, like a true crown. larger and more realistic, the formal composition of this new tiara is very close to that offered17 by the Duchess of Genoa to her daughter, Soon after, in 1862 - having already died both D. Pedro V and his Princess Margherita, on the occasion of her marriage in 1868 with the wife, D.Estefânia -, D. Luís is acclaimed King and marries D. Maria Pia of future King , brother of Maria Pia, who was present Savoy to whom he offers a diamond headpiece whose characteristics fit at the ceremonies. those of the headpiece gifted by his late brother to Queen D. Estefânia13. Floral jewels are a constant in jewelry history but, from the We are, however, quite sure that it is exactly the same jewel mid-19th century until the second decade of the 20th century, the trend once it appears described at the already mentioned jewelry appraisal of realistically representing flower species gained obsessive contours, of 1873, opening a list of several important personal jewels of Queen partly stimulated by the sophistication of botanic sciences and partly by 62 63 Maria Pia14. At this time the tiara was still mentioned as such but was the development of jewelry techniques. already dismantled in fourteen pieces and with some missing diamonds 19th century European elite had an avid interest in botanic, in the smaller motifs. whether on the cultivation, study or even in the development of new Very few representations of this headpiece are known. None species. Scientific knowledge was combined with the romantic spirit of is known of Queen Stephanie wearing it, with the exception of a little, the time, adding symbolic meanings and a true “flower’s language”. In almost naïf, newspaper illustration15 (Fig. 10) were the bride is depicted jewelry this movement is clearly noticeable from 1830s onwards but wearing a stylized tiara. Even so, the basic shape depicted fits that of reached two particularly bright moments. this newly found one. The first, during the 1850s, was triggered by the presentation, Of Maria Pia of Savoy only in a marble bust from the collection at the 1851 London exhibition, of a massive bouquet set with 6000 of Palácio da Ajuda16 (Fig. 11), representing the Queen at the time diamonds by Hunt & Roskell. This jewel served as the model for another of her marriage, is shown a similar, although simplified, tiara. This that became more famous: the Empress Eugénie’s diamond bouquet, simplification is natural in a marble representation of a piece of jewelry made by Théodore Fester in 1855. of this complexity. Later, from the 1880s to the 1910s, floral representation in jewelry reaches peerless levels of realism stimulated by the new Naturalistic aesthetics. For its hardly comparable quality names such as Vever or Lalique became world famous18. 12 Idem, p. 178.

13 MARQUES, Eduardo Alves; Op. cit., p. 146.

14 APNA 10.2.2., Doc. cit.

15 Archivo Pittoresco, n.48, 1858, p. 377. 17 SAVOY, Maria Gabriella de; PAPI, Stefano; Jewellery of the House of Savoy, Electa, 2007.

16 Santo Varni (1807-1885), Genoa, 1863, marble. PNA, inv. 4088. 18 VEVER, Henri; French Jewellery of the Nineteenth Century, Thames & Hudson, 2001. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

At Leitão & Irmão’s historic archive I was able to locate not only A small report delivered by Leitão & Irmão on the 26th a good photo of the new tiara (Fig. 13), but also some very interesting of May of 1886 and preserved near the fragments proved to be new information. It was possible to find the name of the master jeweler precious, especially when confronted with the historic records of the who made the jewel: José Cuadrillero, whose workshop was located at crown jewelers kept in archive19. On that report is listed the number Rua Nova da Trindade, nº7, 5º, in Lisbon23. of diamonds unset from antique work and used for the new tiara. The He received payment for the job on May 1886 and at the document informs us that 3170 diamonds were unset. Of these, 2606 same time a sum of 1.851$750 was added to the Queen’s account for were brilliant cuts weighing a total of 251 carats; 564 were rose cuts the execution of a large diadem/ 2469 stones at 75024. Adding the 2194 weighing a total of 3,75 carats. For the new tiara were used 2194 brilliant cuts to the 275 rose cuts mentioned at the Palácio da Ajuda’s brilliant cut diamonds weighing 234 carats and 275 rose cut diamonds report we get the same number: 2469 diamonds. weighing 2 carats. Finally, it affirms that 412 brilliant cut diamonds weighing 17 carats and 289 rose cut diamonds weighing 1,75 carats Next to these records are many others related with the were not used and returned to the Queen. remaining jewels acquired by the royal family on the occasion of the marriage of prince D. Carlos with princess Amélie d’Orléans. The wedding Next to this document were kept, in its original papers, the gifts offered by the Portuguese royal family, depicted at the famous two diamond parcels (Figs. 14 and 15). I had the opportunity to analyze, engraving of O Occidente magazine (Fig. 17), are naturally mentioned: classify and weigh the gems in a modern scale20. The parcel stating 404 small Bri. contains old mine cut diamonds weighing a total of 16,18 The sum of 10:000$000, price of the D. Luís diadem25, is added 64 carats and the other parcel, stating Of Her Magesty the Queen/ 289 roses 65 to the King's account. weighing 1q ¾, contains rose cut diamonds weighing 1,83 carats. The sums of 4:450$000, price of the sapphire and diamond The rose cut parcel is complete and weights a bit more than necklace and 17$000, price of the wedding bands and its engravings, indicated; from the brilliant cut parcel eight diamonds were removed are added to the account of prince D. Carlos. between 1886 and 191121. Despite that it still weights a little more than In addition to the sum already mentioned for the execution 16 carats22. of the large floral diadem, the account of the Queen is charged with 5:250$000 for the diamond necklace similar to the D. Luis diadem, and Consequently, we have answer to the last question: 1:000$000 for the theater binoculars26. Queen Maria Pia reuses the diamonds of the 1858 tiara, already dismantled and partly unset, for the execution of the new Naturalistic It is also possible to know the workshops where the jewels tiara first worn at the wedding of her eldest son, D. Carlos. were executed and how the payments were made. The prices charged indicate that, unlike the floral tiara, all the other jewels were set with new gems provided by the crown jewelers. 19 The historic archive of Leitão & Irmão is kept by the Art Library of the Caloust Gulbenkian Foundation in Lisbon.

20 TANITA, 1210N.

21 Date of the Judicial Inventory ordered after the Republican revolution. This parcel is 23 Art Library, CGF, ELI-364, Livro de Registo de Oficinas 1885-1890 e ELI- 597, there described containing 404 brilliant cut diamonds. Correspondência 1885-1885.

22 We must keep in mind that standardization of the carat weight in 0,20 grams only 24 Art Library, CGF, ELI-412, Livro de Caixa 1880-1887, p. 282. happened in 1907. 25 Current property of H.R.H. the Duke of Braganza, D. Duarte. Before that the exact weight of the carat varied from region to region. The Lisbon carat equaled 0,20575 grams. 26 Art Library, CGF, ELI-412, Doc. cit., p. 282. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

This new tiara also had a short life serving a Portuguese Queen. Systematically lacking reliable sources and with the natural The financial struggle of the country had repercussions on the Queen's tendency of a republican newspaper we have to be extremely careful finances, eventually forcing her to hand over many jewels as guarantee when reading this kind of news, particularly in a time of strong for bank loans and the floral tiara was one of them. Despite that, for antimonarchical campaign and few weeks after the defeat of a strong many years the Queen had access, on request, to the jewels kept at the monarchic revolt in the North of the country. bank whenever she felt necessary27. It seems clear that, to increase the interest and the value of the jewel, was tried to create the illusion that the piece was the one After the republican revolution (5th October 1910) and the exile commissioned by D. Pedro V and gifted to D. Estefânia, both extremely of the royal family, Maria Pia’s jewels remained at the Bank of Portugal. popular monarchs whose qualities were constantly used to contrast Until 1912, when in a political decision, the new republic decided to sell with the alleged vices and defects of those who succeeded them. them at auction. The sale took place from the 24th until the 31st July of I think it is now entirely proved that that wasn’t true. Although that same year (Fig. 18). recycling diamonds of that jewel, the tiara sold in 1912 was not the one The floral tiara formed the lot 48 and was sold, on thelast made in 1858, but a new one, commissioned in 1886 to Leitão & Irmão. day, for 9:100$000 to Modesto Alvarez28, an important Spanish jewelry The broken structure of the 1858 tiara, as well as a few dealer. By decision of the auctioneer the lot was not sold to a bid of remaining diamonds unset from it, was kept at the Queen’s bedroom 12:000$000 offered on the second day of the sale. This happened in the until her departure into exile on the 5th October 1910. hope of achieving a higher price later. That didn’t happen and we now know it was a bad decision. 66 67 However, this information is very important once several misleading news were published during this period. To us are of particular 3. Conclusion interest the articles related with the provenance of tiara on sale. The tiara offered by King D. Pedro V to Stephanie von On the 30th July 1912 A Capital, a daily republican newspaper, Hohenzollern-Sigmaringen was commissioned to Raimundo José Pinto printed a large headline stating A tiara that costed 78:614$000 and was in 1858. The jewel followed the romantic trend for Indian inspired paid in parts by D. Pedro V – How times change!. designs, much appreciated at the time and aesthetically close to the In this article is clearly affirmed that the tiara on sale was the Oriental Circlet of Queen Victoria, reputedly designed by prince Albert, same gifted by D.Pedro V to Queen D. Estefânia, made by Raimundo uncle and very close friend of King D. Pedro V. José Pinto at the mentioned cost of 78 contos, six hundred and fourteen The premature death of this royal couple offered D. Luís the thousand réis. throne and rushed his wedding that would take place in 1862 with Maria Pia of Savoy. The new queen received the same headpiece as a wedding gift but soon started to transform it. The jewel, that was uncomfortable to wear, ended totally 27 As recently explained at: broken up and its diamonds used in a new large floral tiara executed in MARANHAS, Teresa; “A Prata do Serviço para Sintra”, in MONTESINOS, Fernando (coord.), 1886 by one of the master jewelers working for Leitão & Irmão, in time A Royal Lunch. A visita a Sintra da Rainha Alexandra do Reino Unido. 24 de Março de 1905, for the wedding of prince D. Carlos with Amélie d’Orléans. Colecções em Foco, Palácios Nacionais, Sintra Queluz Pena, vol. 2, Sintra, PSML, 2019, p. Although this second tiara was given as guarantee for the queen’s 168-242. Available: https://www.parquesdesintra.pt/experiencias-e-lazer/colecoes-em- foco/ loans and ended up sold by the republic in 1912, the 1858 structure remained kept at the Queen’s bedroom, next to other personal jewels. 28 Information collected by the former curator of Palácio da Ajuda, Maria do Carmo Rebello de Andrade to whom I’m thankful. Cf. Catálogo das Jóias e Pratas que pertenceram à fallecida Totally fragmented, the broken elements were no longer identified as rainha Sra. D. Maria Pia. Lisboa, Typ. do Annuario Comercial, 1912. part of one same jewel at the judicial inventory of 1911. Uma tiara com 4000 diamantes João Júlio Rumsey Teixeira

Perfectly preserved and distributed in different boxes at alongside two pear-shaped sapphire pendants31, for the crown jewels the reserves of Palácio da Ajuda, as they were described in 1911, by King Luís’ decision once they were part of the estate of the King’s its identification, reconstruction and research was one of the most late aunt, Infanta D. Isabel Maria32. The necklace is represented in this extraordinary challenges of my career. version at the Queen’s portrait published by O Occidente magazine A privilege I must thank to the wonderful team in charge of (Fig. 16). In this picture the sovereign also wears the two pear-shaped this project: José Alberto Ribeiro, Teresa Maranhas, Manuela Santana, sapphires as ear pendants and the large floral tiara. Hugo Xavier and Inês Líbano Monteiro, thank you. The necklace and a pair of matching earrings, but not the three large sapphires part of the crown jewels, formed the lot 50 of the 1912 auction and were sold for 4:400$000 to Alfons Sondheimer, German jeweler33. 4. Considerations about the 1873 jewelry appraisal Finally, it’s possible to guess that piece nr.17 might be one of Regarding the appraisal report of personal jewels property the two diamond rivières sold at the 1912 auction (lots 41 and 44). If so, of Queen Maria Pia, dated of 1873 and mentioned earlier in this text, it was sold without the pendants that originally completed it. some jewels are known from later documents and photographs. Others are now being identified for the first time as a result of the current investigation29.

68 69 Pieces nr.1 and 2 are the parts of the tiara now studied.

Piece nr.10 is a large sapphire and diamond floral brooch (Fig. 19) appraised in 5:300$000. This jewel was sold for 3:750$000 at the 1912 auction, lot 25, to Albert Janesich30.

Piece nr.11 is a sapphire and diamond necklace offered to the Queen by her father-in-law, King D. Fernando II. Frequently worn by the sovereign, the jewel was appraised in 4:000$000 in 1873. From 1879 onwards the jewel is going to be worn with the center replaced by a medallion set with a large oval sapphire surrounded by brilliant cut diamonds executed in 1784 by Adam Pollet. This piece was bought,

29 A communication on the subject will soon be scheduled. 31 Both the medallion and the pendants are kept at the crown jewels collection, Palácio 30 Information collected by the former curator of Palácio da Ajuda, Maria do Carmo Rebello Nacional da Ajuda. (PNA, inv. 4782, 4782/A and 4782/B.) de Andrade to whom I’m thankful. Cf. Catálogo das Jóias e Pratas que pertenceram à fallecida rainha Sra. D. Maria Pia. Lisboa, Typ. do Annuario Comercial, 1912. 32 Information collected in documentation recently offered to the Palace from a private Note: Albert Janesich was the grandson of Leopold Janesich, founder of the Janesich collection and now under research. dynasty. Albert was an extremely successful gem trader and partly responsible for the 33 Information collected by the former curator of Palácio da Ajuda, Maria do Carmo Rebello internationalization of the family business that during his lifetime opened branches in de Andrade to whom I’m thankful. Cf. Catálogo das Jóias e Pratas que pertenceram à fallecida Paris, London and Monte Carlo. rainha Sra.D. Maria Pia. Lisboa, Typ. do Annuario Comercial, 1912.

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