PROCESSO nº 217/2021 RECURSO VOLUNTÁRIO RECORRENTE: CORITIBA FOOT BALL CLUB RECORRIDO: PROCURADORIA DE JUSTIÇA DESPORTIVA DO STJD JULGAMENTO: 24/05/2021 AUDITOR RELATOR: SÉRGIO LEAL MARTINEZ.

EMENTA:

CAMPEONATO BRASILEIRO SÉRIE A – 2020. PROCESSO DISCIPLINAR. ARTS. 191, II E III DO CBJD – DESCUMPRIMENTO DE PROTOCOLO SANITÁRIO E REGULAMENTO GERAL DE COMPETIÇÃO. TROCA DE CAMISAS. TRANSAÇÃO DISCIPLINAR. CONDENAÇÃO EM MULTA. ULTRATIVIDADE DA REGRA. ANALOGIA AO ART. 3º CÓDIGO PENAL.

Trata-se de Denúncia oferecida pela Douta Procuradoria de Justiça Desportiva , após recebimento da Notícia de Infração nº 29/2021 emitida pela Diretoria de Competições da CBF, em face do Coritiba Foot Ball Club (“Coritiba”), por infração ao art. 191, incisos II e III, do CBJD, por descumprimento ao Regulamento Geral de competições e normas dispostas pela Diretriz Técnica Operacional para retorno das competições da CBF, na partida entre Coritiba e Fluminense, realizada no dia 20 de janeiro de 2021, válida pelo Campeonato Brasileiro Série A – 2020, ante à constatação de troca de camisas dentro de campo entre os atletas Hudson (Fluminense) e Rafinha, e Osman (Coritiba), em ofensa às regras do Regulamento Geral de Competições relativas aos protocolos de segurança e prevenção ao COVID-19.

Na origem, a denúncia foi oferecida também em face do Fluminense (RJ), por infração ao art. 191, incisos II e III do CBJD, e Robson dos Santos Fernandes e Caio Fernando de Oliveira, ambos por infração ao art. 250 do CBJD.

O Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva homologou transação disciplinar firmada entre Fluminense e Procuradoria de Justiça Desportiva.

No tocante ao Coritiba, a Primeira Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva rejeitou a preliminar de prescrição, e no mérito, por maioria dos votos, condenou o Coritiba Foot Ball Club a multa de R$ 8.000,00 (oito mil reais), por reconhecer o descumprimento do Protocolo de Retorno das Competições, entendendo pela violação do Regulamento Geral das Competições, Diretriz Técnica Operacional para Retorno das Competições da CBF, incorrendo em infração ao art. 191, II, do CBJD, notadamente por ter deixado de “zelar pela segurança de atletas e comissões técnicas, árbitros e assistentes, profissionais da imprensa e demais pessoas que estejam atuando como prestadoras de serviços autorizados”, em desobediência da obrigação prevista no art. 7º, inciso IX, do Regulamento Geral das Competições.

Irresignado, o Coritiba Foot Ball Club interpôs Recurso Voluntário com pedido de efeito suspensivo, para reformar a sentença exarada pela Primeira Comissão Disciplinar, para absolver o Coritiba da condenação do art.191, inciso II, do CBJD, ou, subsidiariamente, a redução da multa imposta. Ainda, em observância ao disposto no §5º da Resolução nº 03/2020 STJD, em conjunto com o art. 80-A, §4º do CBJD, e, tendo em vista a segunda reincidência, e em virtude da transação disciplinar homologada pela Primeira Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o Coritiba se comprometeu a efetuar a doação de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), firmado em ata em 09 de junho de 2021.

É o relatório.

Voto:

Preliminarmente, o Recorrente arguiu inépcia da denúncia. Ocorre que, não se observa em sede de defesa, na forma de sustentação oral, que o Recorrente tenha sido suscitado referida preliminar.

Trata-se, portanto, de inovação recursal, e por esta razão, não pode ser conhecida sob pena de supressão de instância e patente ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Muito embora o Recorrente tenha trazido a lume a matéria não ventilada em instância anterior, ainda que este Relator tivesse que analisar o cerne arguido em preliminar do Recurso Voluntário, se formalmente válido fosse, não procederia, uma vez que a denúncia se esmera em dados, fatos e fundamentos necessários e suficientes para o seu adequado prosseguimento. Depreende-se da denúncia a adequada narrativa para compreensão dos fatos que ensejaram a peça acusatória, como a descrição dos fatos, a qualificação do infrator, e com o dispositivo supostamente infringido, termos do art. 79 do CBJD, permitindo o pleno exercício do contraditório e ampla defesa dos denunciados.

No mérito, sustenta o Recorrente que “o Coritiba envidou todos os esforços para garantir a segurança de seus atletas e colaboradores, inclusive realizando campanhas publicitárias especificamente voltada para a conscientização da torcida e de toda a população em relação à Pandemia, tem-se que não há como responsabilizar esta entidade de prática desportiva, posto que a materialidade de eventual infração não se deu por conta de sua ação”.

Os fatos narrados na denúncia restam incontrovertidos, inclusive pelo que se apreende dos fundamentos do Recurso Voluntário.

O Regulamento Geral de Competições de 2020 dispõe expressamente, em seu capítulo 9 (Atletas em Campo), alínea d, a proibição da troca de camisas entre atletas. A objetividade da referida regra se pauta nas orientações sanitárias emanadas pelas autoridades competentes em março de 2020, através da Portaria nº 454.

O Recorrente fundamenta suas razões de recurso na inexistência de infração ante à alteração do regulamenta que deixou de proibir a troca de camisas, excluindo o caráter infracional da mencionada conduta.

Entretanto, as razões do Recurso Voluntário não procedem. De fato, houve alteração da redação do item 9, alínea d, da Diretriz Técnica Operacional do ano de 2020 para 2021, cujo texto excluiu o termo “proibir” a troca de camisas, em substituição a “recomendar” que os atletas não os fizessem.

Isso porque a conduta correspondente a este processo disciplinar ocorreu sob a égide da Diretriz Técnica Operacional abarcada pelo Regulamento Geral de Competição de 2020.

Como bem explana a Douta Procuradoria em seu parecer da lavra do Sub Procurador, Dr. Rafael Bozzano ( a quem este relator homenageia por sua substanciosa e jurídica manifestação), “a regra de retroatividade mais favorável ao réu não é aplicável em casos de leis excepcionais ou temporárias”, por força da disposição do art. 3º do Código Penal, o qual estabelece que “a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinam aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”, razão pela qual se mantém a ultratividade da lei temporal ou excepcional, uma vez que a conduta do atleta integrante da entidade desportiva Recorrente ocorreu durante o período de vigência da regra que expressamente proibia a troca de camisas.

Da mesma forma, não prospera a alegação do Recorrente de que não poderia agir contra a conduta de seus atletas em trocarem camisas, por força do que dispõe o art. 932, inciso III do Código Civil, além do critério de responsabilidade objetiva que permeia a entidade de prática desportiva sob os seus empregados, notadamente, os atletas em atuação que dependem da manutenção de sua saúde para o bom desempenho de suas atividades, e consequente andamento da competição, em linha com o art. 7º, inciso IX, do Regulamento Geral de Competições e art. 2º, inciso XI, da Lei Pelé.

PARTE DISPOSITIVA:

Pelo exposto, nego provimento ao Recurso Voluntário interposto pelo Coritiba Foot Ball Club, mantendo in totum a decisão proferida pela comissão julgadora a quo, a qual condenou o Recorrente em multa de R$ 8.000,00 (oito mil reais), pelos motivos acima expostos e fundamentados.

PORTO ALEGRE para o , 16 de agosto de 2021.

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SÉRGIO LEAL MARTINEZ

Auditor Relator do STJD