DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS

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Agradecimentos A todos os professores, colegas e amigos com quem tive o prazer de partilhar estes anos na Universidade do Minho. Na impossibilidade de me dirigir diretamente a todos, registo aqui o meu sincero agradecimento pelo que aprendi convosco. Um especial agradecimento à Professora Alena Vieira, pelo rigor científico, pelo empenho que colocou nesta dissertação e pelo esforço incansável que demonstrou durante todo este período. À Professora Catarina Silva, um agradecimento pelos comentários e pelas sugestões que ajudaram no desenvolvimento deste trabalho. À minha família – Carla, Filipe e Joana –, por tudo. À Catarina, pela luz que me segurou durante esta viagem. À memória de Delfim e Manuel.

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DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração. Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.

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“O marxismo-leninismo e a crise económica e financeira de 2008: oportunidades e desafios em análise” Resumo Os partidos marxistas-leninistas têm sido estudados dentro do âmbito mais alargado dos partidos de esquerda radical e o seu caráter distintivo não tem sido, por isso, explorado. Esta dissertação procura responder a essa lacuna, analisando a reação do Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Comunista da Grécia (KKE) à crise económica e financeira de 2008. Para investigar a evolução destes partidos ao longo da crise, observa-se a alteração nas estruturas de oportunidade política que os partidos enfrentaram no pós-crise. Simultaneamente, considera-se a evolução do PCP e do KKE em três dimensões: ideologia, comportamento político e estrutura organizacional (2002-2015). A abordagem metodológica utilizada para analisar a evolução dos partidos nestas dimensões centra-se numa análise qualitativa, com recurso a dados quantitativos de inquéritos a especialistas (Chapel Hill Expert Survey, CHES) e de análise de conteúdo de manifestos eleitorais (Comparative Manifesto Project, CMP), assim como à análise de documentos oficiais dos partidos. Os resultados desta investigação demonstram, em primeiro lugar, que o PCP enfrentou um conjunto de oportunidades estruturalmente mais favoráveis do que as do KKE e que a crise representou uma oportunidade positiva para ambos. No entanto, os comunistas portugueses tiveram uma maior capacidade de mobilização neste período. Em segundo lugar, argumenta-se através dos resultados desta investigação que PCP e KKE mantêm uma orientação ideológica de extrema-esquerda, uma postura crítica face à integração europeia e uma estrutura interna centralizada e rigidamente organizada. Contudo, em terceiro lugar, o PCP denota uma maior abertura face à cooperação e diálogo com outras forças políticas e partidárias – tanto na esfera nacional, como europeia. O KKE é um partido crescentemente autoritário, com propostas políticas dependentes da sua capacidade de impor a saída unilateral da Grécia da União Europeia e a socialização dos meios de produção. Esta dissertação confirma, por isso, conclusões de alguns estudos recentes que apontam para a divisão entre partidos marxistas-leninistas pragmáticos (caso do PCP) e perfecionistas (caso do KKE). No entanto, demonstra-se que esta distinção se centra cada vez mais no comportamento político dos partidos, e não em diferentes conceções ideológicas.

Palavras-chave: Crise económica e financeira de 2008; Estruturas de oportunidade política; Partido Comunista da Grécia; Partido Comunista Português (PCP); Partidos políticos

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“Marxism-Leninism and the 2008 economic and financial crisis: new opportunities, new divergencies?”

Abstract Marxist-Leninist parties have been largely subsumed into the larger studies of the radical left; thus, its distinctive character is yet to be explored. This dissertation aims to address this gap, analysing the reaction of the Portuguese Communist Party (PCP) and the Communist Party of (KKE) to the 2008 economic and financial crisis. To investigate the parties’ evolution throughout the crisis, the dissertation looks into the changing political opportunities structure faced by these parties. Simultaneously, it considers the evolution of PCP and KKE along three dimensions: ideology, political behaviour and organizational structure (2002-2015). In terms of methodological options, the present thesis recurs to qualitative analysis, while also drawing upon quantitative data from expert surveys (Chapel Hill Expert Survey, CHES) and content analysis of electoral manifestos (Comparative Manifesto Project, CMP), as well as the analysis of official party documents. The findings of this investigation demonstrate, firstly, that the PCP has faced a set of opportunities that were structurally more favourable than those of KKE; and that the crisis has been a positive opportunity for both. However, the Portuguese communists had a greater capacity of political mobilization as a result of the changing political opportunities. Secondly, PCP and KKE have maintained an extreme-left ideological orientation, with a critical stance on European integration, as well as a highly centralized and tightly organized inner structure. However, thirdly, the PCP has shown a greater openness towards cooperation and dialogue with other political actors – both at the national and European level. The KKE, instead, has been an increasingly authoritarian party, with its political proposals inseparable from party’s aspiration to impose Greece’s unilateral exit from the EU and the socialization of the means of production. This dissertation therefore confirms the recent finding pointing towards a division between pragmatic (PCP) and perfectionist (KKE) Marxist-Leninist parties. However, it also shows that this distinction is increasingly related to the political behaviour of the parties, rather than their ideological positioning. Keywords: 2008 economic and financial crisis; Communist Party of Greece (KKE); Political opportunity structures; Political parties; Portuguese Communist Party (PCP)

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Lista de abreviaturas

AKEL Anorthotikó Kómma Ergazómenou Laoú (Partido Progressista do Povo Trabalhador, Chipre) ANEL Anexartitoi Ellines (Gregos Independentes) AR Assembleia da República BE Bloco de Esquerda CC Comité Central CCC Comissão Central de Controlo CDS Centro Democrático Social – Partido Popular CDU Coligação Democrática Unitária CGTP Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional CHES Chapel Hill Expert Survey CMP Comparative Manifesto Project CPGB Communist Party of Great Britain (Partido Comunista da Grã-Bretanha) DIMAR Dimokratiki Aristera (Esquerda Democrática) EAR Elliniki Aristera (Esquerda Grega) EOP Estruturas de oportunidade política EUA Estados Unidos da América GAL-TAN Green/Alternative/Libertarian – Traditionalist/Authoritarian/Nationalist (Verde/Alternativo/Libertário – Tradicionalista/Autoritário/Nacionalista) GUE/NGL Gauche Unitaire Européene/ Nordic Green Left (Esquerda Unitária Europeia/ Esquerda Verde Nórdica) ID Intervenção Democrática KKE Kommounistikó Kómma Elládas (Partido Comunista da Grécia) NATO North Atlantic Treaty Organization (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ND Nea Dimokratia (Nova Democracia, Grécia) OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico PAME Panergatiko Agonistiko Metopo (Frente Militante de todos os Trabalhadores) PASOK Πανελλήνιο Σοσιαλιστικό Κίνημα (Movimento Socialista Pan-Helénico) PE Parlamento Europeu PEL Party of the European Left (Partido da Esquerda Europeia) PEC Plano de Estabilidade e Crescimento vii

PER Partidos de esquerda radical PEV Partido Ecologista “Os Verdes” PCF Parti Communiste Français (Partido Comunista Francês) PCP Partido Comunista Português PCUS Partido Comunista da União Soviética PS Partido Socialista PSD Partido Social-Democrata PR Presidente da República SPD Sozialdemokratische Partei Deutschlands (Partido Social-Democrata da Alemanha) UE União Europeia URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas V Vänsterpartiet (Partido da Esquerda, Suécia)

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Lista de tabelas

Tabela 1. Classificações dos partidos de esquerda radical (March 2012) Tabela 2. Partidos de esquerda radical na Europa (March 2012) Tabela 3. Classificações adicionais dos PER Tabela 4. Estruturas de competição abertas e fechadas Tabela 5. O ambiente político e o sucesso eleitoral da extrema-esquerda nos países da UE- fatores de sucesso Tabela 6. Hipótese da investigação Tabela 7. Estrutura de análise da ideologia através do CMP Tabela 8. Ideologia - estrutura de análise estabelecida através dono CHES Tabela 9. Estrutura de análise do comportamento político na dimensão europeia (CHES) Tabela 10. As estruturas de competição em Portugal antes e depois da crise (2002-2011) Tabela 11. Fatores de sucesso dos partidos de extrema-esquerda em Portugal (1990-2008 e 2009- 2015) Tabela 12. As estruturas de competição na Grécia antes e depois da crise (2004-2015) Tabela 13. Fatores de sucesso dos partidos de extrema-esquerda em Portugal (1990-2008 e 2009- 2015) Tabela 14. Evolução do posicionamento do PCP na escala esquerda-direita económica (CHES) – Tabela 15. Evolução das categorias de esquerda e direita económica nos manifestos eleitorais do PCP (CMP) Tabela 16. Evolução do posicionamento do PCP na escala GAL-TAN (CHES) Tabela 17. Evolução das categorias liberais e conservadoras nos manifestos eleitorais do PCP (CMP) (valores em % do manifesto eleitoral) Tabela 18. Evolução do posicionamento da liderança do PCP sobre a integração europeia (CHES) Tabela 19. Referências positivas e negativas à UE nos manifestos eleitorais do PCP (valores em % do manifesto eleitoral) Tabela 20. Evolução dos níveis de dissidência interna acerca da integração europeia (CHES) Tabela 21. Evolução do posicionamento do KKE na escala esquerda-direita económica (CHES) Tabela 22. Evolução das categorias de esquerda e direita económica nos manifestos eleitorais do KKE (CMP) Tabela 23. Evolução do posicionamento na escala GAL-TAN (CHES)

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Tabela 24. Evolução das categorias liberais e conservadoras nos manifestos eleitorais do KKE (CMP) Tabela 25. Evolução do posicionamento das lideranças partidárias sobre a integração europeia (CHES) Tabela 26. Referências positivas e negativas à UE nos manifestos eleitorais do KKE Tabela 27. Evolução dos níveis de dissidência interna acerca da integração europeia (CHES) Tabela 28. Hipótese da investigação

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Lista de gráficos

Gráfico 1. Eleições legislativas em Portugal Gráfico 2. Eleições legislativas na Grécia (2004-2015) Gráfico 3. Posicionamento na escala esquerda-direita económica (2002-2014) (CHES) Gráfico 4. Posicionamento na escala GAL-TAN (2002-2014) (CHES) Gráfico 5. Posição das lideranças partidárias sobre a integração europeia (2002-2014) (CHES) Gráfico 6. Posição das lideranças partidárias sobre a integração europeia – partidos comunistas (2002-2014) (CHES) Gráfico 7. Posição sobre os poderes do Parlamento Europeu Gráfico 8. Posição sobre o mercado interno Gráfico 9. Posição sobre as políticas regionais e de coesão da UE Gráfico 10. Posição sobre a política externa e de segurança da UE Gráfico 11. Posicionamento na escala esquerda-direita económica (2002-2014) (CHES) Gráfico 12. Posicionamento na escala GAL-TAN (2002-2014) (CHES) Gráfico 13. Posição das lideranças partidárias sobre a integração europeia (2002-2014) (CHES)

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Índice

1. Introdução …………………………………………………………………………………………………….. 1 1.1. Identificação e relevância temática ……………………………………………………………… 2 1.2. Revisão bibliográfica …………………………………………………………………………………. 5 1.2.1. Os partidos comunistas na era pós-soviética …………………………………………. 6 1.2.2. Variedades de radicalismos: as diferentes faces da esquerda radical entre a crise da Social-democracia e a crise económica e financeira de 2008 ………………… 7 1.2.3. Os partidos marxistas-leninistas: tendências e lacunas na literatura …………. 13 1.3. Quadro teórico ………………………………………………………………………………………. 14 1.3.1. Oportunidades institucionais: o sistema político ………………………………….… 18 1.3.2. Os eventos como oportunidades: a crise e as eleições …………………………… 20 1.3.3. O ambiente sociopolítico ………………………………………………………………… 21 1.4. Hipótese e objetivo de estudo …………………………………………………………………… 21 1.5 Estrutura da dissertação …………………………………………………………………………… 24

2. Desenho da investigação ………………………………………………………………………………… 27 2.1. Seleção de casos ……………………………………………………………………………………. 27 2.2. Período de análise ………………………………………………………………………………….. 28 2.3. Métodos e dados ……………………………………………………………………………………. 28 2.3.1. Ideologia: dimensões em análise ………………………………………………………. 30 2.3.2. Comportamento político: dimensões em análise …………………………………… 33 2.3.3. Estrutura organizacional: dimensões em análise …………………………………. 35

3. As estruturas de oportunidade política e a crise económica e financeira de 2008 ………. 36 3.1. A crise económica e financeira de 2008 e a Europa do Sul ……………………………… 37 3.2. As estruturas de oportunidade política em Portugal ……………………………………….. 38 3.2.1. O sistema político português: considerações gerais ………………………………. 38 3.2.2. O sistema partidário português …………………………………………………………. 40 3.2.3. O impacto da crise …………………………………………………………………………. 41 3.2.4. O ambiente sociopolítico …………………………………………………………………. 43 3.3. As estruturas de oportunidade política na Grécia …………………………………………. 45 3.4.1. O sistema político grego: considerações gerais ……………………………………. 45

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3.4.2. O sistema partidário grego ……………………………………………………………….. 46 3.4.3. O impacto da crise …………………………………………………………………………. 47 3.4.4. O ambiente sociopolítico …………………………………………………………………. 49

4. PCP e KKE: dois partidos comunista em perspetiva histórica e comparada (até 2008) .. 51 4.1. As diferentes trajetórias do movimento comunista …………………………………………. 52 4.2. A ideologia em perspetiva histórica e comparada ………………………………………….. 54 4.3. O comportamento político em perspetiva histórica e comparada ……………………… 57 4.4. A estrutura organizacional em perspetiva histórica e comparada ……………………… 59

5. A resposta à crise do PCP e do KKE em perspetiva comparada ……………………………… 62 5.1. PCP …………………………………..…………………………………..……………………………. 62 5.1.1. Evolução da ideologia …………………………………..……………………………. 62 5.1.1.1. Esquerda-direita económica ……………………………………………… 62 5.1.1.2. New politics …………………………………..………………………………. 64 5.1.1.3. Integração europeia …………………………………..……………………. 66 5.1.2. Evolução do comportamento político ……………………………………………. 67 5.1.2.1. Dimensão nacional …………………………………..…………………….. 67 5.1.2.2. Dimensão europeia …………………………………..…………………….. 70 5.1.3. Evolução da estrutura organizacional …………………………………..……….. 73

5.2. KKE …………………………………..…………………………………..……………………………. 75 5.2.1. Evolução da ideologia …………………………………..……………………………. 75 5.2.1.1. Esquerda-direita económica …………………………………..…………. 75 5.2.1.2. New politics …………………………………..………………………………. 77 5.2.1.3. Integração europeia …………………………………..……………………. 79 5.2.2. Evolução do comportamento político …………………………………………….. 80 5.2.2.1. Dimensão nacional …………………………………………………………. 80 5.2.2.2. Dimensão europeia …………………………………………………………. 83 5.2.3. Evolução da estrutura organizacional ……………………………………………. 84

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6. Conclusão …………………………………………………………………………………………………… 87 6.1. Contributo da investigação ……………………………………………………………………… 93

6.2. Vias de investigação futura ……………………………………………………………………… 94

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1. Introdução

A presente investigação visa analisar a resposta dos partidos marxistas-leninistas à crise económica e financeira de 2008, salientando o caráter distintivo destes em função dos restantes partidos da esquerda radical e comunistas. O Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Comunista da Grécia (KKE) são utilizados, para o efeito, como estudos de caso. As crises consistem, afirmava Antonio Gramsci, “no facto de que o velho está a morrer e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”1. A crise económica e financeira de 2008 pode ser também interpretada, à luz da referida conceptualização de Gramsci, como um momento de interregno2. Embora possa ser precipitado afirmar que a ordem existente (‘o velho’) esteja a morrer, é possível identificar, no período pós-2008, várias manifestações (‘sintomas’) de uma tendência associada: o consenso através do qual a ordem atual se estabeleceu e sustentou está, ele próprio, em crise. As manifestações da crise desta ordem incluem os níveis cada vez mais elevados de instabilidade social e económica e a persistência de níveis elevados de pobreza e desemprego. Simultaneamente, a crise é também visível no aumento da perceção de incapacidade, tanto da União Europeia (UE), como dos Estados-nação, das instituições públicas e dos sistemas políticos em responder eficazmente às novas dinâmicas da economia de mercado e a fenómenos globais como as migrações internacionais e as alterações climáticas. Recorrendo novamente à frase de Gramsci, observa-se também que esta crise mantém as mesmas caraterísticas na medida em que “o novo ainda não pode nascer”. A crise trouxe novos desafios e expôs debilidades antigas das democracias liberais, para os quais não se encontram respostas, nem alternativas para além das limitações e condicionamentos existentes. Os partidos centristas do consenso liberal democrático europeu, historicamente predominantes, têm visto a sua capacidade eleitoral e de influência social cada vez mais diminuída (por exemplo, na Grécia, Espanha e França). A extrema-direita e os movimentos populistas têm encontrado possibilidades de prosperar, especialmente em contextos marcados pela crise económica e pelo desemprego (caso da Grécia), pela crise dos refugiados (Hungria e Alemanha) e pela descrença generalizada

1 Esta frase terá sido escrita entre o final da década de 1920 e o início da década de 1930, nos Cadernos do Cárcere (Bauman 2012: 49). A frase aqui citada é retirada de Hoare, Q. e G. Nowell-Smith (org.) (1971) Selections from the Prison Notebooks, pág. 276, Londres: Lawrence e Hishart. 2 Zygmunt Bauman (2012: 49-50) argumenta que o conceito de interregno de Gramsci está associado a um momento que “a moldura legal de controlo social perde a sua firmeza e não consegue aguentar mais, enquanto uma nova moldura, feita à medida das condições recentemente emergidas e responsáveis por tornarem a anterior moldura inútil, ainda está na sua fase de conceção, ainda não foi completamente agregada, ou ainda não tem força para ser posta no seu sítio”. Sobre a questão do interregno, ver Bauman (2012) 1 nos atores políticos tradicionais (caso da Itália). Estes movimentos partilham entre si uma tendência para a mobilização política contra o mainstream político e contra a integração europeia, mesmo que esta seja expressa de formas diferentes: mais espontânea e focada num sentimento geral de descontentamento no caso dos populistas, ao contrário da ênfase temática específica na identidade nacional, segurança e combate à imigração no caso da extrema-direita. Ao mesmo tempo, as dificuldades enfrentadas pelo Syriza, quer na sua governação, quer nas negociações com as instituições europeias, mostraram a incapacidade da esquerda radical em propor uma alternativa clara e viável neste contexto. Isto demonstra não só que a esquerda radical e os comunistas enfrentam um conjunto de constrangimentos políticos e institucionais comuns que dificultam a execução dos seus programas políticos (tanto dentro como fora da UE), mas também que esses programas políticos não respondem às manifestações desta crise e dos desafios por ela colocados. Nesta encruzilhada, os partidos marxistas-leninistas, um dos ramos mais antigos e historicamente predominantes da esquerda radical, enfrentam, assim, um conjunto de oportunidades e desafios diferentes dos momentos políticos anteriores. Esta investigação procura demonstrar como é que o PCP e o KKE têm agido em função delas.

1.1. Identificação e relevância temática O PCP e o KKE partilharam, nas últimas décadas, um percurso histórico distinto face aos restantes partidos da esquerda radical e comunistas. O desaparecimento da URSS alterou radicalmente o curso do movimento comunista, e em especial dos partidos comunistas europeus. A desagregação do bloco soviético significou para estes partidos ora uma transformação ‘para lá de reconhecimento’, ora a condenação à irrelevância eleitoral e social – e, não poucas vezes, ambas. Mantendo a orientação ideológica marxista-leninista, o PCP e o KKE recusaram a primeira, como estratégia - eficaz - para evitar a segunda. Os comunistas portugueses e gregos reagiram aos eventos na URSS através da assunção de uma postura mais fechada e numa reafirmação ortodoxa dos princípios e ideologia do partido. Os partidos conseguiram sobreviver e manter a sua implantação social e influência nas instituições políticas. Atualmente, o PCP e o KKE mantêm representantes eleitos em todas as instituições políticas democráticas nacionais e a nível da UE. Apesar da estagnação da percentagem de votos que enfrentam desde as quedas eleitorais do início da década de 1990, a influência de ambos nos maiores sindicatos nacionais e no movimento trabalhista, assim como a significativa capacidade

2 autárquica no caso do PCP, demonstra a capacidade de penetração social destes partidos. Esta capacidade é, por um lado, superior e, por outro, complementar, à sua capacidade eleitoral. O apoio do PCP, desde novembro de 2015, ao governo minoritário do Partido Socialista (PS), liderado por António Costa e apoiado também pelo Bloco de Esquerda (BE), vem demonstrar que estes partidos mantêm uma capacidade assinalável de penetração institucional e uma influência significativa nos respetivos sistemas partidários. Quase 30 anos depois da desagregação da URSS, a crise económica e financeira de 2008 veio representar uma nova oportunidade para o PCP e o KKE se afirmarem como alternativas. Esta investigação visa, por isso, efetuar uma análise comparada da reação dos partidos marxistas-leninistas à nova conjuntura política surgida após a crise de 2008, verificando de que forma alteraram as suas propostas ideológicas, o seu comportamento político e a sua estrutura organizacional para aumentar a mobilização política. Simultaneamente, procura-se observar se esta resposta se distingue da que foi dada perante as dificuldades de sobrevivência dos dois partidos nas décadas anteriores. Para o efeito, utiliza-se a abordagem neo-institucionalista da escolha racional, das estruturas de oportunidade política (EOP), como instrumento conceptual e analítico para localizar a ação destes partidos no seu contexto político e social próprio. Nesse sentido, a pergunta de investigação é formulada da seguinte forma: “Como é que o PCP e o KKE exploraram as estruturas de oportunidade política subjacentes à conjuntura política surgida após a crise económica e financeira de 2008?”. Espera-se, por um lado, analisar a evolução destes partidos para compreender a sua reação à crise. Por outro, procura-se compreender esta reação em função do contexto em que os partidos operam, analisando as estruturas de oportunidades dos seus contextos nacionais e a forma como estes moldaram a sua ação em função delas. A presente dissertação considera assim os fatores exógenos (a crise, que altera a estrutura das oportunidades políticas) que ajudam a compreender a (nova) postura política dos partidos. A análise foca-se em três dimensões partidárias - a ideologia, o comportamento político e a estrutura organizacional. Estas dimensões dizem respeito aos contributos de Lenine para o marxismo. Debruçando-se sobre os escritos de Marx e Engels e de outros pensadores de tradição socialistas, Lenine reflete sobre os princípios do materialismo dialético, definindo um conjunto de princípios para a relação dos partidos comunistas com as restantes forças políticas e partidárias

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(‘táticas’), assim como sobre a organização do partido enquanto vanguarda da classe operária3 (Keith e Charalambous 2016). Os partidos comunistas receberam instruções claras relacionadas com estas três dimensões e reclamam esta herança, uma característica que em termos analíticos, representa uma base útil para comparações, (Keith e Charalambous 2016: 149) e permite uma maior especificidade e detalhe no olhar sobre os partidos marxistas-leninistas. A análise da ideologia permite identificar não só como é que estes partidos estabelecem o seu plano para o futuro (Freeden 2003: 32), baseada na sua cosmovisão e teleologia, mas também nas suas preocupações imediatas em torno dos temas políticos atuais. O estudo do comportamento político mostra como é que os partidos articulam as suas táticas e formas de implementação dos seus objetivos. A estrutura organizacional permite observar como os partidos articulam os diferentes interesses no seu interior (membros, órgãos, direção). A análise conjunta destas três dimensões permite, por isso, uma visão mais ampla sobre a evolução e o funcionamento destes partidos. O período de análise desta investigação estende-se de 2002 a 2015, abrangendo os anos anterior e o posterior à crise, nomeadamente os períodos 2002 - 2008 e 2009 - 2015, respetivamente. O estudo comparado dos dois períodos permite verificar a evolução dos partidos e identificar o impacto da crise. As unidades de análise a utilizar nesta investigação, de acordo com as três dimensões, assim como a justificação do período de análise, são apresentadas e discutidas em detalhe no Capítulo dois. A análise da evolução do PCP e do KKE com a crise é feita com o recurso a dados de análise de conteúdo de manifestos eleitorais, do dataset do Comparative Manifesto Project (CMP), de dados de inquéritos a especialistas, do Chapel Hill Expert Survey (CHES), assim como a análise de documentos oficiais dos partidos. Estes instrumentos empíricos têm sido frequentemente utilizados nos estudos sobre os partidos políticos (e.g. Gomez et al. 2016; Fagerholm 2017). O CMP providencia à comunidade científica dados sobre as posições políticas dos partidos, derivadas de uma análise de conteúdo de manifestos eleitorais. Esta análise é efetuada através de uma divisão dos manifestos eleitorais em quasi-sentences - afirmações, statements - aos quais são atribuídas uma de 66 categorias do codebook do CMP (Volkens et al. 2018). Esta base de dados cobre mais de 1000 partidos, avaliados regularmente desde 1945, em mais de 50 países

3 Sobre as “táticas” do partido comunista, ver: Que fazer? Problemas candentes do nosso movimento (Lenine, 1902) e Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás (A crise no nosso partido) (Lenine 1904). Fonte: Lenine, V. I. (1970) Obras Escolhidas, Edições Avante, Lisboa-Moscovo. 4 em cinco continentes. A análise é continuamente atualizada pelo Manifesto Research Group

(MRG).4 O CHES estima as posições dos partidos políticos nacionais em países europeus sobre a integração europeia, ideologia e questões políticas. O primeiro inquérito foi realizado em 1999, sendo elaborado subsequentemente em 2002, 2006, 2010 e 2014. Atualmente, engloba todos os Estados-membros da UE (e também a Noruega, Suíça e Turquia). Esta investigação recorre a dois inquéritos anteriores e dois inquéritos posteriores à crise (relativos aos anos 2002 e 2006, bem como 2010 e 2014, respetivamente). Nestes inquéritos o foco incide sobre as questões que são transversais e comuns a todos eles, nomeadamente as posições gerais acerca da integração europeia, sobre as políticas da UE e sobre o posicionamento na escala esquerda-direita (geral, económica e social). Esta dissertação procura, assim, contribuir para o conhecimento sobre os partidos marxistas-leninistas que sobreviveram à queda do Muro de Berlim até aos dias de hoje, bem como sobre o seu papel nas democracias europeias. Por um lado, estes partidos apresentam mundivisão oposta ao mainstream político das democracias liberais e um projeto político de transformação radical, social e económica. Por outro, devido à sua implementação social e ao papel histórico que desempenharam, mantêm alguma capacidade de influência nos respetivos sistemas partidários e um potencial significativo de mobilização social, essencialmente associado ao setor operário e ao movimento sindical. Estas caraterísticas permitem indicar que o PCP e o KKE têm um papel a desempenhar na construção dos futuros políticos dos seus países. Por último, estes partidos mantêm também um modo de organização que resiste aos fenómenos de catch-allism (Kircheimer 1966; Krawer 2006) e de cartelização (Katz e Mair 1995; Detterbeck 2008) a que se assiste na maioria dos restantes partidos das democracias europeias. A investigação do seu modo de organização peculiar permite também, por isso, um olhar sobre diferentes práticas e comportamentos políticos e sobre o seu impacto e papel futuro nas democracias contemporâneas.

1.2. Revisão bibliográfica A partir da década de 1990, com a Queda do Muro de Berlim, a reunificação da Europa a Leste e o intensificar do processo de integração europeia, a literatura sobre partidos políticos parecia partilhar da assunção e da visão comum de acordo com a qual os partidos comunistas

4 Alguns dos dados utilizados nesta dissertação não estavam, por isso, disponíveis no momento em que esta começou a ser elaborada. Foi o caso do manifesto eleitoral do PCP para as eleições legislativas de 2015, cujos resultados foram disponibilizados apenas na atualização mais recente do dataset do CMP, a 21 de dezembro de 2018. 5 teriam entrado num período de declínio ou estagnação eleitoral e de indefinição ideológica. Esta perspetiva veio também associada à tese do ‘fim da história’ (Fukuyama 1989), que postulava que as ideologias que pusessem radicalmente em causa a democracia liberal e o capitalismo estariam condenadas ao fracasso, com este modo de organização político-económico a triunfar cada vez mais e assumir-se como hegemónico. No seu estudo sobre o socialismo e a esquerda da Europa Ocidental no séc. XX, Donald Sassoon (1998) demonstra como esta visão era generalizada. Nela, o autor atribuiu pouca atenção aos partidos comunistas e ignorou grande parte dos outros partidos da esquerda radical, focando- se maioritariamente na Social-democracia (March 2011). Sassoon acreditava que a adesão da esquerda ao consenso neoliberal tinha trazido os radicalismos de esquerda e o anticapitalismo a um último reduto. O sucesso eleitoral do Partido Trabalhista Britânico e o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), partidos que afirmaram a ‘terceira-via’ para o socialismo, parecia confirmar esta tendência. A bibliografia sobre os partidos de esquerda radical (PER), classificados como os partidos à esquerda da5 Social-democracia – e não apenas na esquerda6 desta, que não consideram ser suficientemente de esquerda ou nem sequer de esquerda (March 2012: 315) - é, por isso, diminuta durante este período.

1.2.1. Os Partidos Comunistas na era pós-soviética Os partidos comunistas, por seu lado, enquadrados dentro da família partidária da esquerda radical, sofreram também da tendência de diminuição dos estudos académicos sobre os PER. Os poucos estudos existentes focaram-se essencialmente, por um lado, na reação destes partidos à desagregação da União Soviética (Bull e Heywood, 1994; Bell, 1993) e, por outro, nas atitudes e trajetórias de transformação dos partidos na Europa Central e de Leste (Ishyama 1999; Bozoki e Ishyama 2002; Dauderstädt 2005). Só um pequeno número dos estudos explorava os partidos comunistas da Europa Ocidental numa perspetiva comparada (Keith 2011; Bosco 2001). A reação dos partidos comunistas à desagregação do bloco soviético é um dos aspetos fulcrais para a compreensão da evolução histórica recente destes partidos e de como esta influenciou as suas caraterísticas atuais. A bibliografia, nesse sentido, salienta em primeiro lugar a existência de uma menor coordenação e diálogo ao nível internacional, que aumentaram a autonomia dos partidos perante a possibilidade de se adaptarem em função da sua visão e dos

5 No original: to the left of (March 2012: 315) 6 No original: on the left of (March 2012: 315) 6 seus ambientes nacionais (Keith e Charalambous 2016:148; Bull e Heywood 1994). Este contexto propiciou o aumento da diversidade destes partidos. As divergências no movimento comunista podem, assim, ser enquadradas nas seguintes três trajetórias, de acordo com a formulação de Bull (1994): a manutenção de uma linha ortodoxa (KKE e PCP); transformação nos partidos comunistas ‘refundados’ (Rifondazione Comunista, que resulta da cisão do Partido Comunista Italiano) ou mudança para partidos da esquerda não-comunista (por exemplo, o Partido Comunista da Grã-Bretanha). Por outro lado, a análise dos estudos sobre as trajetórias dos partidos comunistas da Europa Ocidental, de certo modo, as divergências assinaladas em Bull (1994). Como afirma Bosco (2001: 329), estes partidos estão “à procura de um papel”. Nessa procura, Keith (2011) demonstra que alguns partidos se reformaram drasticamente, abandonando partes significativas da sua agenda política para atrair mais eleitores, como o Partido Socialista Holandês. Outros mudaram-se para o mainstream político - por exemplo, o Partido da Esquerda (V, Suécia), que fez parte de coligações com partidos do centro. Houve ainda partidos que desapareceram, como por exemplo o Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB). Finalmente, alguns partidos mantiveram a ortodoxia Marxista-Leninista (por exemplo, o PCP). Finalmente, em relação à tensão relacionada com os processos de modernização dos partidos, expressa na tensão entre reformistas e hard-liners, é possível concordar com Keith (2011). Este último apresenta dois argumentos principais sobre esta tensão. Primeiro, que as elites partidárias com uma maior experiência de trabalho com grupos e instituições exteriores aos partidos, tiveram o papel principal nos processos de reforma partidária. Segundo, que as elites intermédias dos partidos não eram hard-liners. Assim, tornou-se possível para os partidos comunistas da Europa Ocidental conjugarem estas reformas do partido com o aumento da democracia interna, demonstrando uma menor necessidade de uma centralização organizacional. Contrariamente, nos partidos com uma participação menos aberta ao contacto com organizações alheias ao partido, estas reformas foram bloqueadas.

1.2.2. Variedades de radicalismos: as diferentes faces da Esquerda radical no contexto da crise da Social-democracia e perante a crise económica e financeira de 2008 A tese do fim da história viria a ser posta em causa pelo declínio dos partidos da terceira- via e pelos efeitos da crise económica e financeira de 2008 (March 2011) e obrigar a uma reconsideração das perspetivas sobre a esquerda radical, os partidos comunistas e a sua

7 importância nas democracias liberais. Hudson (2000) afirmou que a deslocação para a direita da Social-democracia criaria um vácuo à sua esquerda, com as condições para uma mobilização à esquerda contra o neoliberalismo, criando assim um espaço político de mobilização para os PER. Este potencial de crescimento estaria dependente da sua capacidade de apresentar um projeto alternativo ao neoliberalismo. Os PER concretizaram este projeto através de uma articulação entre a oposição ao Tratado de Maastricht e a defesa de uma melhoria dos níveis de vida, do papel interventivo do Estado na economia e do Estado social (Hudson 2012). A tese de que o deslocamento para a direita da Social-democracia aumentaria as hipóteses da esquerda radical se sobrepor e aumentar o seu espaço político não acabaria, no entanto, por se confirmar. Este espaço foi também ocupado por outros partidos (extrema-direita, verdes, populistas), que conseguiram responder ao vácuo deixado pela Social-democracia um pouco por todo o espaço europeu (March 2011). Neste contexto, verifica-se um aumento da atenção académica aos PER europeus (e, por consequência, também aos Partidos Comunistas). Destacam-se, em primeiro lugar, várias tentativas de elaborar uma tipologia para a classificação dos PER (Vieira e Escalona 2013; Backes e Moreau 2008; March 2011). Entre elas, salienta-se o trabalho de March (2011, 2012), que estabeleceu uma visão abrangente e detalhada sobre os PER (incluindo os partidos comunistas e não-comunistas) na Europa Ocidental e de Leste (ver Tabela 1).

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Tabela 1. Classificações dos partidos de esquerda radical (March 2012) Comunistas conservadores Comunistas reformistas Socialistas democráticos Marxismo; Social-democracia Marxismo pós-1968; Social- Inspiração Marxismo-Leninismo; prática e tradições socialistas democracia e tradições ideológica soviética domésticas socialistas domésticas Atitude sobre a Essencialmente negativa (às Essencialmente positiva Negativa URSS vezes ambígua) Anticapitalismo; anti- Anticapitalismo; classe Anti-neoliberalismo; Crítica do imperialismo; centralidade suplementada com conflitos equiparação de questões de capitalismo dos conflitos de classe ecológicos e de género classe, género e ambientais Comunismo (através da via Ênfase no Estado social e Alternativa Comunismo (transformação revolucionária ou processo de no aumento da participação oferecida pacífica) evolução) democrática Classe trabalhadora, Classe trabalhadora, Classe trabalhadora, Eleitorado pensionistas, desempregados sindicatos precários e classe média e precários Atitude sobre a cooperação no Normalmente negativa Crescentemente pragmática Crescentemente pragmática governo Alianças semipermanentes Alianças semipermanentes Alianças com grupos leais e Aliados e alianças com outros grupos de com outros grupos de ideologicamente sãos esquerda não-comunista esquerda radical Encontro Internacional de Afiliações Partidos Comunistas e GUE/NGL; PEL GUE/NGL; PEL internacionais Operários Fonte: March (2012: 318); classificações revistas de acordo com Keith e March (2016)

March (2011, 2012) estabelece a subdivisão da esquerda radical em quatro campos: os comunistas conservadores, os comunistas reformistas, os socialistas democráticos e os socialistas populistas. Os comunistas conservadores são aqueles que, após a queda do Muro de Berlim mantiveram a sua linha ortodoxa (casos do PCP e do KKE). Os comunistas reformistas correspondem aos partidos que abandonaram aspetos do modelo soviético e entraram num processo de refundação/reformas, tornando-se mais divergentes e ecléticos (por exemplo, o AKEL e o PCE, Partido Comunista de Espanha). Sob os socialistas democráticas entendem-se aqueles partidos que se definiram cada vez mais numa crítica ao neoliberalismo e cada vez menos ao capitalismo em si, deixando de parte alguns aspetos do comunismo e do marxismo (por exemplo, o V, o BE e o Syriza). Finalmente, os partidos socialistas populistas seriam aqueles que combinam aspetos ideológicos do socialismo com um maior apelo anti-establishment e anti-elite (March 2012: 316-317). No entanto, numa revisão mais recente destas categorias, Keith e March (2016: 9) sugerem que os partidos socialistas populistas deixem de ser considerados nesta tipologia, devido ao crescimento do fenómeno do populismo e aos estudos que demonstram que se trata de uma ideologia política neutra e transversal a vários tipos de partidos. March (2011: 16-18) sugere também uma divisão binária adicional entre os PER, baseada no grau de radicalismo/extremismo (ver Tabela 2). Aqui, o autor distingue entre os partidos de

9 esquerda radical, por um lado, com uma crítica do direcionada ao neoliberalismo e ao consenso de Washington e com a aceitação e interiorização de algumas das regras da democracia liberal e da economia de mercado, com o objetivo de reformar as suas instituições. Os partidos de extrema- esquerda, por outro lado, têm uma postura mais revolucionária e críticas mais acentuadas ao capitalismo em si, à economia de mercado e à democracia liberal.

Tabela 2. Partidos de esquerda radical na Europa (March 2012) Esquerda radical Extrema-esquerda KKE, PCP, Partido Comunista da Eslováquia Comunistas (KSS), Partido Comunista da Federação conservadores Rússia (KPRF), Partido Socialista de Letónia (LSP), Partido Comunista da Ucrânia (KPU) Partido Comunista da Espanha (PCE), Partido Comunista da Boémia e Morávia Comunistas Rifondazione Comunista, Partido dos (KSCM) reformistas Comunistas Italianos (PdCI), AKEL, Partido Comunista Francês (PCF) Syriza, BE, Partido da Esquerda (V, Partido Socialista (Irelanda), Novo Partido Suécia), Aliança de Esquerda (VAS, Anticapitalista (NPA, França) Finlândia), Movimento de Esquerda Verde (VG, Islândia), Aliança Vermelha e Verde Socialistas (EL, Dinamarca), Partido da Esquerda democráticos Socialista (SV, Noruega), Partido Socialista (SP, Holanda), Die Linke (Alemanha), Partido Popular Socialista (SF, Dinamarca), A Esquerda (LÉNK), Partido Socialista Escocês (SSP) Fonte: March (2012: 318); classificações revistas de acordo com Keith e March (2016)

Vários estudos tentaram examinar a diversidade destes partidos noutras dimensões estruturantes da competição das sociedades europeias atuais, como a integração europeia (e.g. Keith 2017; Holmes 2017; Charalambous 2011; Verney 2011; Dunphy 2004), as new politics e aspetos específicos das políticas económicas e sociais (e.g. Fagerholm 2017; Gomez et al. 2016; March e Mudde 2005). A Tabela 3 apresenta duas das classificações realizadas em torno dos PER de acordo com estas dimensões, nomeadamente nos estudos de Gomez et al. (2016) e Charalambous (2011).

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Tabela 3. Classificações adicionais dos PER Dimensão Classificação - Partidos tradicionais (PCP, PCF, KKE, AKEL, PCE); New politics - Partidos da Nova Esquerda (BE, VAS, Die Linke, V) - Eurorejecionistas (V, KKE, PCP); - Soft eurosceptics (AKEL, PCE, - Eurocéticos (PCE, Die Linke, Integração europeia Rifondazione, Syriza, Die Linke); Rifondazione, Syriza); - Hard Eurosceptics (KKE, PCP, V) - Europragmáticos (PCF); - Euroentusiastas Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em: Gomez et al. (2016: 364); Charalambous (2011: 311-312)

Gomez et al. (2016) procura averiguar se os PER são diferentes em termos dos seus apelos programáticos. Nele, os autores demonstram que estes mantêm uma diferença essencial em torno do eixo das new politics. Nesse sentido, estabelece-se uma divisão entre partidos tradicionais e partidos da Nova Esquerda. Os primeiros mantêm o discurso clássico da esquerda radical, mais ligado a questões de classe social (por exemplo, o PCP e o Partido Comunista Francês). Os partidos da Nova Esquerda, que combinam uma agenda radical de transformação económica com preocupações ligadas ao ambientalismo, pacifismo e oposição à moralidade tradicional (por exemplo, o Bloco de Esquerda e o Die Linke). Fagerholm (2017) salienta também que, desde 1989, os PER se têm tornado gradualmente menos radicais no que toca à dimensão esquerda-direita, enquanto simultaneamente aumentam a saliência dos temas não- socioeconómicos. Em relação à integração europeia, a esquerda radical tem constantemente chamado por uma ‘Outra Europa’ (GUE/NGL 2014); o euroceticismo7 é, por isso, um denominador comum a estes partidos. Charalambous (2011) recorre a tipologias já existentes para identificar as diferenças de posicionamento face à UE e ao processo de integração europeia. Primeiro, utiliza a distinção de Taggart e Szczerbiak (2002, 2004, 2008) entre ‘hard euroscepticism’ (oposição de princípio à UE e à integração europeia, manifestada numa oposição à pertença à UE) e ‘soft euroscepticism’ (oposição contingente à UE, não baseada numa questão de princípio). O autor demonstra que a maioria dos PER são soft eurosceptics (por exemplo, Partido Comunista Espanhol, Die Linke e Rifondazione); contudo, comprova também a existência hard eurosceptics (por exemplo, KKE e PCP). Em segundo lugar, o estudo de Charalambous (2011) utiliza a divisão Kopecký e Mudde (2002), relativa a duas dimensões de apoio à integração europeia: apoio ‘difuso’

7 O fenómeno do euroceticismo é vago e a sua definição ampla. Nesta dissertação não se procura discutir ou aprofundar este debate. Por isso, o conceito de euroceticismo é, aqui, utilizado no seu sentido mais lato, enquanto uma posição de oposição à UE (Taggart 1998: 363). De salientar, no entanto, que o euroceticismo pode ser considerado tanto como um fenómeno partidário (party-based Euroscepticism) (por exemplo, Taggart 1998; Kopecký e Mudde 2002; Conti 2003; Taggart e Szczerbiak 2003; Flood e Usherwood 2005), assim como fenómeno de opinião pública (por exemplo, Sorensen 2008; Vallaste 2009). 11

às ideias gerais da integração europeia (europhiles – positivo - e europhobes - negativo) e apoio ‘específico’ para a UE durante o seu processo de desenvolvimento (UE-otimistas e UE-pessimistas). Constrói-se, assim, uma classificação da atitude partidária face à integração europeia: euroentusiastas (Europhile e UE-otimistas), eurocéticos (Europhile e UE-pessimistas), eurorejecionistas (Europhobes e UE-pessimistas) e europragmáticos (Europhobes e UE-otimistas). De acordo com esta tipologia, a parcela mais significativa dos PER são classificados como eurocéticos, ou seja, partidos que apoiam a integração europeia como um ideal, mas que são céticos face ao desenvolvimento da UE e ao seu funcionamento atual (por exemplo, Die Linke, Syriza, PCE). No entanto, um número significativo de partidos também é classificado como eurorejecionista – críticos tanto do atual rumo da UE como da integração europeia enquanto um princípio (por exemplo, KKE e PCP). Ao nível europeu, a maioria dos PER faz parte do GUE-NGL (Gauche Unitarie Européene – Nordic Green Left), grupo com representação no Parlamento Europeu. O Partido da Esquerda Europeia (PEL- Party European of the Left) é também um grupo transnacional que agrega vários PER, embora sem representação direta no Parlamento Europeu. Num estudo recente sobre o euroceticismo enquanto um fenómeno pan-europeu e transnacional, Holmes (2017) argumenta que estes grupos são pautados, em primeiro lugar, por uma grande diversidade de posições sobre a integração europeia. Estes partidos concordam numa crítica à União Económica e Monetária, ao rumo neoliberal e militarista da UE, expressa no lema ‘Outra Europa é possível!’ (GUE/NGL 2014). Contudo, não existe um consenso claro sobre qual seria essa Europa. Os PER encontram-se assim divididos entre aqueles que defendem uma maior integração como resposta aos problemas nacionais e europeus, e a ala que se assume contra tentativas de aprofundamento da integração ou até favoráveis à saída da UE. Também como consequência da crescente diversidade entre estes partidos, a participação em coligações e na atividade governativa é por eles encarada cada vez mais como um passo apropriado. Alguns estudos têm analisado, neste contexto, as experiências governativas e prática de coligações dos PER (Katsourides 2016; Hudson 2012; Olsen et al. 2010; Bale e Dunphy 2011). Como demonstra Dupnhy e Bale (2011: 500), a participação em coligações governativas contribuiu para a legitimação destes partidos enquanto atores plenos nos respetivos sistemas políticos. Simultaneamente, estes adquiriram uma maior capacidade para influenciar a agenda política e contribuir para a aplicação de políticas de defesa do Estado-social e que permitam, de certa forma, reverter o rumo neoliberal das sociedades europeias. O envolvimento de minorias e

12 novos atores políticos e sociais no processo político foi também impulsionado por esta participação. Apesar de mais reticentes em estabelecer compromissos que alterem as propostas políticas, os PER têm cada vez mais aceite fazê-lo e assumido um comportamento semelhante ao dos partidos mainstream (Olsen et al. 2010: 174; Dunphy e Bale 2011: 501). Por último, importa também salientar que estes partidos têm seguido uma trajetória de implantação social inversa à dos restantes partidos, ao procurar reverter a tendência para a diminuição da base de apoio. Os PER têm assim procurado uma maior ligação à sociedade civil e um maior envolvimento da sua base militante (Tsakatika e Lisi 2013; Tsakatika e Eleftheriou 2013).

1.2.3. Os partidos marxistas-leninistas: tendências e lacunas na literatura Apesar do recente aumento de publicações relacionadas com a esquerda radical europeia, os estudos sobre os partidos marxistas-leninistas continuam a ser reduzidos e realizados por um número limitado de académicos. No entanto, a classificação dos partidos marxistas-leninistas e a sua análise como ‘comunistas tradicionais’ (Gomez et al. 2016; Ramiro 2003), ‘partidos marxistas-leninistas tradicionalistas’ (Backes & Moreau, 2008) e ‘comunistas conservadores’ (March 2011) demonstra o reconhecimento da existência de diferenças significativas face aos restantes partidos de esquerda radical. Assim, o caráter distintivo destes partidos merece uma exploração mais profunda, devido à existência de um conjunto de caraterísticas e atributos que lhes são exclusivas. Recentemente, Keith e Charalambous (2016), partindo desta premissa, efetuam um dos primeiros estudos comparados utilizando os partidos marxistas-leninistas enquanto família partidária, desde a década de 1990. Nele, os autores demonstram – através de um estudo comparado entre o PCP e o KKE – que estes partidos têm caraterísticas comuns que justifiquem o estudo deles como um corpo político distinto e próprio. É também sugerida uma classificação dos partidos desta família entre perfecionistas e pragmáticos. Esta divergência, sugerem os autores, estabelece-se em torno da ideologia. Os partidos marxistas-leninistas perfecionistas (caso do KKE) estão associados à interpretação mais estrita dos princípios ideológicos do marxismo- leninismo, com ligações ao estalinismo. Os partidos pragmáticos (caso do PCP) apresentam uma linha ideológica mais moldada também pela influência de outras vertentes do marxismo e mais tolerante em relação às outras tradições ideológicas.

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Ao mesmo tempo, a bibliografia sobre os partidos marxistas-leninistas é constituída essencialmente por estudos de caso individuais. Apesar de estes estudos não permitirem uma visão geral sobre estes partidos enquanto família, a análise cruzada desta bibliografia permite-nos tirar algumas ilações. Em primeiro lugar, que a resistência à mudança é uma das principais caraterísticas destes partidos (Jalali e Lisi 2012; Keith 2011; Bosco 2001; Cunha 1991). Em segundo lugar, que estes partidos são especialmente hostis no que toca à cooperação com outras forças partidárias e reticentes nas cedências para a formação de coligações eleitorais e/ou governativas (Charalambous 2013; Keith e Charalambous 2016). Contudo, as evidências do único partido marxista-leninista com experiências governativas sucessivas (caso do AKEL8), demonstram que estes partidos também estão dispostos a fazer cedências e moderar propostas para assegurar a governação (Dunphy e Bale 2007). Em terceiro lugar, o euroceticismo é um denominador comum na agenda destes partidos (Charalambous 2013, 2011; Benedetto e Quaglia 2007). No que toca à organização interna dos partidos, a bibliografia é mais reduzida. É possível afirmar, no entanto que este é o aspeto do funcionamento dos partidos que menos alterações tem sofrido. Keith (2011) e Botella e Ramiro (2003) demonstraram que são as mudanças organizacionais a chave para a compreensão do desenvolvimento dos partidos. Os partidos organizam-se através dos princípios do centralismo democrático, com uma estrutura altamente hierarquizada e com o poder centralizado na direção do partido (Waller 1996). Apesar de um aumento do número de estudos, os partidos marxistas-leninistas não têm sido o foco da atenção académica. Isto ajuda a explicar as lacunas existentes relativas ao conhecimento sobre estes partidos, nomeadamente sobre os seus posicionamentos ideológicos nos respetivos sistemas partidários, assim como sobre as suas dinâmicas internas. Acresce também que a sua estrutura fechada, hierarquizada e centralizada dificulta a execução de análises mais aprofundadas sobre o seu funcionamento interno.

1.3. Quadro teórico A abordagem teórica utilizada nesta dissertação será o neo-institucionalismo. Assume-se, em primeiro lugar, o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Comunista Grego (KKE) como instituições que são capazes de agir para além da pura soma de interesses dos seus agentes considerados de forma isolada. Em segundo lugar, assume-se também que estes partidos têm a

8 O AKEL (Anorthotikó Kómma Ergazómenou Laoú- Partido Progressista do Povo Trabalhador) é o maior partido comunista na Europa, em termos de resultados eleitorais, e um dos dois maiores partidos do Chipre. Sobre a ‘anormalidade cipriota’ ver Dunphy e Bale (2007), Charalambous (2013). Sobre as experiências governativas do AKEL, ver Katsourides (2016). 14 sua ação e a sua existência moldada pelo contexto histórico e político onde se encontram e que estes fatores ajudam a explicar a sua persistência e as suas escolhas políticas. Este paradigma coloca no centro da análise os constrangimentos institucionais que são colocados aos indivíduos e à ação das instituições políticas (March e Olsen 1989: 258). O neo- institucionalismo é um paradigma teórico decorrente do institucionalismo, que se distingue por uma interpretação mais ampla sobre aquilo que constitui as instituições. O neo-institucionalismo afasta-se das aproximações puramente legalistas e constitucionalistas aos fenómenos políticos, tendo em conta aspetos menos formalizados da arena política (Bulmer 1998: 369). O neo-institucionalismo pode ser considerado um “termo guarda-chuva” (Bulmer 1998: 369), na medida em que é composto por vários ramos de estudo diferentes. Destes salientamos três, de acordo com Peters (2016): o institucionalismo normativo, o institucionalismo histórico e o institucionalismo da escolha racional. O primeiro afirma que as preferências dos indivíduos são endógenas às instituições e que podem ser enquadradas e assimiladas por estes através de processos de socialização (Peters 2016). Nesse sentido, as instituições têm a capacidade de criar comprometimento nos seus membros, através de um conjunto de mitos, símbolos, tradições e valores partilhados, que permitem o estabelecimento de uma ligação entre os indivíduos que dela fazem parte e os seus valores enquanto instituição. No caso do institucionalismo histórico, assume- se que a persistência e o funcionamento das instituições e das suas políticas podem ser explicadas através da path dependence, ou seja, que a atuação destas é moldada pelo contexto histórico em que atuam e influenciada pelas decisões anteriormente tomadas (Thelen et al. 1992). O institucionalismo da escolha racional, com origem na economia e na teoria das organizações, é uma abordagem que se opõe ao institucionalismo normativo, examinando as instituições como sistemas de regras e incentivos que são contestados para que os atores políticos possam ter vantagem uns sobre outros (Ishiyama e Breuning 2014). Nesta vertente, os interesses das instituições moldam-se de acordo com os incentivos, os constrangimentos e as possibilidades que estas enfrentam. Os estudos sobre estes partidos têm assentado, essencialmente, em orientações normativistas. Estes estudos correspondem sobretudo às análises da ideologia partidária. A evolução dos PER e dos partidos comunistas pode ser explicada, de uma forma especialmente útil, numa ligação com o institucionalismo normativo. Estes são partidos com uma grande preponderância do fator ideológico e com uma larga base de apoio e capacidade de apelo à socialização dentro de si, com militantes que participam mais ativamente, tendo por base e como

15 ponto de orientação uma teleologia e um conjunto de princípios e objetivos comuns. Estes partidos associam-se, assim, à noção de “valores institucionais” do paradigma neo-institucionalista normativo (Bulmer 1998: 369). Contudo, os partidos marxistas-leninistas obedecem a diferentes critérios neste âmbito, influenciados até pela própria ideologia marxista-leninista, que atribui ao comportamento político e à estrutura organizacional um papel fulcral na organização partidária. A ação coordenada e organizada pelo partido é um dos aspetos centrais da ideologia marxista- leninista. Nesse sentido, o estudo do marxismo-leninismo enquanto família partidária deve considerar, acrescendo à ideologia, estas duas dimensões (comportamento político e estrutura organizacional). Estas dimensões permitirão compreender as diferentes faces dos partidos marxistas-leninistas. Esta particularidade justifica a adoção de um quadro teórico baseado no institucionalismo da escolha racional. Este quadro teórico permite também uma maior ligação entre a ação dos partidos e as diferentes circunstâncias – estruturas e conjunturais – que ambos enfrentam, de modo a que se estabeleça uma ligação entre o contexto enfrentado e a resposta dada. A operacionalização deste enquadramento teórico do neo-institucionalismo da escolha racional efetua-se através da utilização das estruturas de oportunidade política (EOP). Estas são um instrumento teórico utilizado por Kitschelt (1986), que as conceptualizou como “uma configuração de recursos, arranjos institucionais e precedentes históricos para a mobilização social, que facilitam o desenvolvimento de movimentos de protesto em alguns casos e os dificultam noutros” (Kitschelt 1986:58). Anteriormente, Eisinger (1973) já havia analisado as EOP como variações de acesso institucional que explicam o comportamento dos movimentos de protesto em diferentes cidades dos EUA. Uma das primeiras conceptualizações mais compreensivas sobre as EOP foi elaborada por Tilly (1978), que enquadrou as oportunidades como parte de um modelo, também composto por interesses, organização, mobilização e ação coletiva. As EOP foram definidas como “a relação entre os interesses da população e o estado do mundo à sua volta” (Tilly 1978: 55). Por outro lado, Tarrow (1996: 54) definiu estas estruturas como um “conjunto consistente, mas não necessariamente formal, de sinais para os atores políticos ou sociais que ora os encoraja ou desencoraja a mobilizar recursos internos para formar movimentos sociais”. Salienta-se, assim, a existência de um conjunto de fatores externos aos grupos que se mobilizam e que influenciam as possibilidades e os riscos associados a essa mobilização (Koopmans 2004: 65).

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Estes estudos baseados no processo político evoluíram essencialmente em duas direções. Por um lado, destaca-se um foco nos aspetos mais voláteis das oportunidades políticas, procurando ‘janelas de oportunidade’ que potenciem e facilitem a mobilização social e atividades de protesto, seguido essencialmente por académicos dos EUA (e.g. McAdam 1999; Tarrow 1989). Por outro lado, existe um conjunto de académicos, essencialmente europeus, que se foca nos aspetos mais estáveis das oportunidades políticas, tentado perceber diferenças entre países em relação às formas, níveis e resultados da mobilização social e atividades de protesto (e.g. Kitschelt 1986; Kriesi et al. 1995). Pode-se assim afirmar que a primeira corrente se foca nas oportunidades políticas, de caráter mais volátil e dinâmico, enquanto a segunda se dedica às estruturas de oportunidade política, de caráter mais estável e duradouro. Nesta investigação focamo-nos essencialmente na segunda vertente, na medida em que o seu caráter mais duradouro e estável (enquanto estruturas de oportunidade) permite fazer a ligação do conceito das EOP com a evolução dos partidos políticos (e.g. Holmes 2017). Na construção das estruturas de análise baseadas nas estruturas de oportunidade política para diferentes países, consideram-se acima de tudo fatores exógenos, nomeadamente o sistema político e partidário e grau de abertura a novos atores políticos e inputs (Kitschelt 1986). Deste modo, os objetos de estudo são colocados dentro de um contexto mais amplo e pode-se captar o seu potencial de impacto: através de canais de participação, políticas de impacto significativo e transformações das próprias estruturas de oportunidade como um todo (Usherwood 2017: 16). É neste sentido que a conceptualização de Kitschelt pode ser considerada útil enquanto estrutura analítica. Posteriormente, autores como Rootes (1999) apontaram também críticas a esta abordagem, considerando que o modelo de Kitschelt (assim como o de Tarrow) confunde fatores estruturais com fatores conjunturais. Associada a uma utilização indiscriminada do conceito, em que qualquer coisa poderá ser considerada uma estrutura de oportunidade, corre-se o risco de um erro de conceptual stretching9 (Sartori 1984). Isto é, ao adequar conceitos e categorias a novos casos (conceptual travelling), existe a possibilidade de ocorrer uma distorção do próprio conceito, quando este não se aplica totalmente ao novo caso (Sartori 1970, 1974). Esta tem sido uma das principais críticas apontadas e que tem limitado os estudos baseados nas EOP e o debate acerca destas. Em relação a esta problemática, salienta-se, em primeiro lugar, que as EOP são um

9 Não existindo uma tradução direta e óbvia para este termo, opta-se por manter o original. Contudo, o termo pode ser traduzido por “alargamento conceptual”. 17 construto analítico, não sendo por isso expectável que encaixem perfeitamente em cada caso (Collier e Mahon 1995: 847). Em segundo lugar, recorre-se a uma operacionalização das EOP de acordo com a estrutura elaborada por Usherwood (2017). Este autor propôs que as estruturas de oportunidade deveriam considerar na sua análise tanto fatores internos, como fatores externos aos partidos políticos (Usherwood 2017: 17). Como já referido anteriormente, os fatores internos aos partidos sobre os quais incide esta investigação são a ideologia, o comportamento político e a estrutura organizacional. Como fatores externos, considera-se, de acordo com Usherwood (2017) e Holmes (2017), em primeiro lugar, as instituições e as oportunidades institucionais e, em segundo lugar, o os eventos como oportunidades. Os eventos podem ser divididos em eventos intencionais (por exemplo, a ocasião de um referendo que provoca debate e mobilização sobre um tema específicos) e não intencionais (por exemplo, uma crise económica). Esta estrutura de análise estabelece uma base de trabalho comparativo, que pode ser aplicada a um estudo mais amplo sobre partidos políticos e famílias partidárias (e.g. Holmes 2017). Nos seguintes subcapítulos demonstra-se como se efetua a articulação desta estrutura de análise de acordo com os objetivos da investigação e como será operacionalizada. São analisadas três dimensões. Em primeiro lugar, as oportunidades institucionais, ou seja, o sistema político e as oportunidades dele decorrentes, com especial foco no sistema partidário. Em segundo lugar, procura observar-se o impacto da crise nas estruturas de oportunidade política que os partidos enfrentaram. Em terceiro lugar, é também analisado o ambiente sociopolítico de ambos os países e de que modo é que este se tornou mais propício para o crescimento eleitoral do PCP e do KKE.

1.3.1. Oportunidades institucionais: o sistema político No domínio do sistema político, descreve-se a distribuição e a localização do poder político entre os diferentes órgãos e atores políticos, assim como as regras do sistema eleitoral que potenciam ou prejudicam as possibilidades de ascensão de novos partidos, de afirmação de forças partidárias minoritárias e de sobre-representação dos maiores partidos. Em relação ao sistema partidário procura-se, em primeiro lugar, classificar os sistemas partidários de acordo com a tipologia de Sartori (1976); esta tipologia divide os sistemas partidários entre sistemas bipartidários (existência de dois partidos com condições de competir por uma maioria absoluta, em que se espera tanto que um partido governe de acordo com a sua maioria parlamentar, como a existência de alternância dessa maioria), sistemas de pluralismo moderado (competição centrípeta moderada e fragmentação limitada, sem partidos antissistema relevantes

18 e com uma distância ideológica reduzida entre os partidos relevantes), sistemas de pluralismo polarizado (altamente fragmentado e ideologicamente polarizado, com partidos antissistema relevantes) e sistemas de partido único (um partido obtém constantemente as maiorias parlamentares). Esta tipologia é a mais utilizada na tipologia dos sistemas partidários (Jalali 2007: 180), sendo considerada a mais completa e elaborada para a compreensão dos elementos que podem distinguir os sistemas partidários (Mair 1990: 356). No entanto, como refere Jalali (2007: 181-182), apesar de se tratar de um instrumento útil para captar a evolução da relação entre os partidos, tem também alguma dificuldade em analisar os sistemas partidários como atualmente eles são concebidos e as suas dinâmicas de estabilidade e mudança. Esta debilidade da tipologia de Sartori é especialmente visível nos casos de sistemas partidários mais recentes, como o português, o espanhol e o grego. Nesse sentido, a classificação do sistema partidário deve também ser complementada com a noção das estruturas de competição, de Mair (1997). As estruturas de competição assentam no pressuposto de que um sistema partidário tem sempre a si associado um conjunto de estruturas de competição estáveis (Mair 1997: 199), cuja natureza depende de três dimensões interrelacionadas (Jalali 2007: 182): a) padrão de alternância no governo (mudanças na composição partidária dos executivos): completa, com a substituição de todos os partidos que compunham o governo de um governo para o outro; parcial, com a inclusão de pelo menos um partido que não fazia parte do executivo anterior no novo executivo; inexistente, com a ausência total de alternância); b) inovação no governo - até que pontos são utilizadas fórmulas inovadoras na formação do governo; c) abertura a novos partidos, ou seja, se todos os partidos relevantes têm a capacidade de aceder ao governo ou se este está limitado a um subconjunto de partidos relevantes. Assim, as estruturas de competição podem oscilar entre dois eixos: ou relativamente fechadas, ou relativamente abertas (tabela 4).

Tabela 4. Estruturas de competição abertas e fechadas Estruturas de competição fechadas Estruturas de competição abertas - Alternância completa ou inexistência de alternância no - Alternância parcial, ou um misto de alternância parcial poder; e total; - Fórmulas de governo familiares; - Fórmulas inovadoras de governo; - Acesso ao governo restrito a alguns partidos - Acesso ao governo aberto a quase todos os partidos Fontes: Mair 1997; Jalali 2007: 182

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A noção das estruturas de competição permite compreender o processo de estabilização dos sistemas partidários. Após a massificação do direito ao voto e o estabelecimento das regras do sistema político e legal, espera-se que o sistema partidário se estabilize através de uma forma específica de interação entre os partidos (Mair 1997: 6). Uma vez atingido este equilíbrio, o sistema partidário tende a estruturar-se em torno de conflitos e clivagens e a criar em volta destes uma linguagem política específica que se torna predominante. Entre estes conflitos, a competição pelo governo é aquela que se torna predominante, constituindo, assim, a principal dimensão de competição (Jalali 2007: 183). A principal dimensão de competição e as estruturas de competição contribuem para a estabilização dos alinhamentos eleitorais, impondo constrangimentos e organizando as escolhas dos eleitores. Autores como Lipset e Rokkan (1992: 139) salientam também a importância das clivagens sociais e da organização e estruturação dos partidos de acordo com estas e o seu papel na estabilização e mudança nos sistemas partidários. No entanto, tanto em Portugal como na Grécia, os sistemas partidários estruturaram-se desproporcionalmente através da vertente institucional (Lobo 1996). Os fracos níveis de enraizamento social partidário e a incapacidade da maioria dos partidos em criarem redes organizacionais capazes de estabelecer ligações mais profundas com a sociedade civil e os grupos sociais (Lobo 1996: 1088-1089), estão na base desta dependência institucional dos partidos. Este desenvolvimento implicou, assim, uma maior importância das estruturas de competição e da principal dimensão de competição na formação do sistema partidário.

1.3.2. Os eventos como oportunidades: a crise e as eleições Nesta dimensão consideram-se os eventos ocorridos durante o período de tempo considerado, que representaram oportunidades políticas para os partidos considerados. Em primeiro lugar, considera-se a crise económica e financeira de 2008. Procura-se observar o impacto da crise nas oportunidades institucionais que os partidos enfrentaram, considerada como uma oportunidade resultante de um fator exógeno (evento não-intencional). Em segundo lugar, consideram-se também as várias eleições legislativas que ocorrem durante o período anterior (2002-2008) e posterior à crise (2009-2015), em ambos os países.

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1.3.3. O ambiente sociopolítico O ambiente sociopolítico diz respeito a um conjunto de dinâmicas e caraterísticas sociais e institucionais que desempenham um papel de fundo na ação dos partidos. Os diferentes desenvolvimentos do ambiente político podem torna-lo mais ou menos propício ao crescimento eleitoral dos partidos de extrema-esquerda. Baseada nos contributos de Müller-Rommel (1998) e March (2008), a tabela 5 enumera os principais fatores que mais influência têm na performance eleitoral dos partidos de extrema- esquerda. De acordo com estes autores, os fatores de longo-prazo que mais influenciam as possibilidades de sucesso destes partidos são (em ordem de importância): a existência de um predecessor de extrema-esquerda, desemprego elevado e sentimento de protesto, a ausência de partidos de protesto competidores e um sistema partidário convergente (March 2008: 8-9). De salientar, no entanto, que estas não são condições necessárias e que os partidos de extrema- esquerda podem crescer em ambientes diversos, independentemente de estas condições se verificarem ou não.

Tabela 5. O ambiente político e o sucesso eleitoral da extrema-esquerda nos países da UE- fatores de sucesso Ambiente político nacional e o crescimento da extrema-esquerda – fatores: 1. Pré-existência de um partido de extrema-esquerda relevante; 2. Federalismo/Devolução; 3. Sistema Partidário convergente; 4. Desemprego elevado1; 5. Baixo crescimento do PIB2; 6. Baixa satisfação com a democracia3; 7. Baixo suporte da UE4; 8. Elevada ansiedade com a globalização5; 9. Inexistência de um partido verde relevante6; 10. Inexistência de um partido de extrema-direita relevante6 Notas (definições): 1 Média de desemprego acima dos 8%; 2 Média de crescimento anual do PIB inferior a 2% 3 Quando aqueles que se indicam fairly ou very satisfeitos com a democracia representam menos de 60% do total da população; 4 Quando menos de 50% da população vê como boa a pertença à UE 5 Quando mais de 40% da população considera que a globalização é uma ‘ameaça para o emprego e para as empresas do país’ 6 Média de votações inferior a 3% do voto nacional Fonte: March (2012:8)

1.4. Hipótese e o objetivo do estudo Na presente dissertação, procura-se comprovar a hipótese da existência de uma postura mais pragmática (‘soft’) por parte do PCP – assim como a manutenção da postura mais ortodoxa

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(‘hard’) do KKE – como resposta à crise, em função das diferentes estruturas de oportunidade política que enfrentaram nos seus contextos nacionais. Como se demonstra de forma detalhada no Capítulo três, o PCP enfrentou um conjunto de oportunidades políticas - estrutural e conjunturalmente - mais favoráveis para o seu crescimento do que o KKE. O sistema eleitoral proporcional e o caráter pluralista do sistema partidário português favorecem a afirmação do PCP no sistema político português, ao contrário do sistema político grego, no qual o bónus maioritário reforça o papel predominante dos grandes partidos e resulta numa menor capacidade de influência para partidos com uma menor capacidade eleitoral, como o KKE. Simultaneamente, apesar de ambos terem estado sob a aplicação de um programa de resgate económico e financeiro, que determinou a aplicação de medidas de austeridade, a crise de 2008 afetou de forma diferente os dois países10. Estas diferenças são visíveis tanto na deterioração mais acentuada e mais prolongada das condições económicas e sociais na Grécia, como nas repercussões políticas que delas decorreram. Enquanto em Portugal não se assistiram a alterações significativas no funcionamento do sistema partidário e os atores políticos tradicionais mantiveram o seu papel preponderante, na Grécia assistiu-se a uma alteração completa das relações de força dentro do sistema político e partidário, com o declínio dos partidos tradicionais (ND e PASOK), a subida exponencial do Syriza (esquerda radical) e o crescimento e afirmação do Aurora Dourada (extrema-direita). Em função das diferenças nas estruturas de oportunidade política, espera-se os partidos apresentem respostas e trajetórias de evolução divergentes. Por um lado, no caso português, as dificuldades económicas e sociais associadas à crise geraram uma base de descontentamento social favorável para o crescimento do PCP, enquanto a maior estabilidade do sistema partidário representa para os comunistas portugueses uma maior pressão para a participação nas decisões políticas e para a cooperação e abertura face às restantes forças políticas e partidárias. Esta pressão é também acrescida pela ligeira subida eleitoral do partido no pós-crise. Na Grécia, por outro lado, a transformação completa do sistema partidário trouxe uma maior instabilidade nas interações partidárias. Simultaneamente, embora o declínio das condições económicas e sociais tenha originado uma base de descontentamento favorável para o crescimento do KKE, o partido viu o seu poder eleitoral diminuído, especialmente a partir de 2012, com o crescimento do Syriza (próximo do seu campo político) e da extrema-direita.

10 Os efeitos da crise económica e financeira de 2008 e as suas diferentes repercussões em Portugal e na Grécia são exploradas em maior detalhe no Capítulo 2. 22

Esta investigação tem, assim, como Hipótese que, no pós-crise, se irá assistir a um deslocamento do PCP em direção ao mainstream político, enquanto o KKE se mantém na marginalidade. Espera-se, assim, assistir a uma moderação ideológica e a uma maior abertura em termos de comportamento político e estrutura organizacional, por parte do PCP. Em relação ao KKE, espera-se que mantenha a ortodoxia ideológica, a inflexibilidade do comportamento político e a rigidez da estrutura organizacional (ver tabela 6).

Tabela 6. Hipótese da investigação PCP KKE (EOP mais favorável) (EOP menos favorável) Ideologia ✓ x Comportamento político ✓ x Estrutura organizacional ✓ x Legenda: ✓ - moderação x - sem alterações Fonte: elaborada por autor

Espera-se, assim, que neste período de crise, o KKE mantenha uma trajetória de fechamento, com a manutenção dos níveis de rigidez organizacional, da ortodoxia ideológica marxista-leninista, de uma postura avessa à cooperação interpartidária, da crítica ao projeto europeu e à integração europeia, aliadas a um maior número de ações de protesto e de enraizamento social. Esta expetativa deriva do ambiente hostil que o KKE enfrentou no pós-crise, devido a perdas eleitorais, ao crescimento eleitoral do Syriza (próximo do seu campo político) e da extrema-direita. A Hipótese apoia-se também no argumento, avançado por Charalambous (2013), de que o KKE tende a recorrer à sua ortodoxia ideológica e rigidez organizacional perante ambientes externos hostis, assim como na sua classificação como partidos marxistas-leninistas perfecionistas (Keith e Charalambous 2016). Por outro lado, espera-se que o PCP demonstre uma postura mais pragmática na resposta à crise. Esta postura, apesar de ir de acordo com a classificação do PCP como parte da corrente pragmática da ideologia marxista-leninista, contraria alguns aspetos da literatura sobre os comunistas portugueses, que indica a resistência à mudança e a manutenção da sua ortodoxia como um dos aspetos-chaves deste partido (Keith 2011; Cunha 1996; Jalali e Lisi 2012). Contudo, a existência de um ambiente mais propício para o seu crescimento eleitoral está também associada a uma maior pressão para que o partido modere o seu posicionamento ideológico (por exemplo, em relação à integração europeia), para que se

23 demonstre mais flexível perante a possibilidade de cooperação com outras forças políticas e que diminua ligeiramente a sua rigidez organizacional.

1.5. Estrutura da dissertação A presente investigação está dividida em seis capítulos. No segundo Capítulo, relativo ao desenho da investigação, apresentam-se e discutem-se a seleção de casos, o período e os parâmetros de análise, assim como a abordagem metodológica utilizada. Esta investigação procura, assim, analisar a evolução dos partidos marxistas-leninistas face à alteração nas estruturas de oportunidade política decorrentes da crise de 2008, sendo que o PCP e o KKE são utilizados como estudos de caso. O período de análise estende-se desde 2002 até 2015 (2002 a 2008 – antes da crise – e 2009-2015 – pós-crise). Será analisada a evolução comparada dos dois partidos em três dimensões: ideologia, comportamento político e estrutura organizacional. Procuram-se demonstrar as alterações que ocorrem nestas dimensões no período pós-crise. Como referido, a abordagem metodológica utilizada para o efeito assenta num método de análise qualitativa, para o qual se recorrem a dados de inquéritos a especialistas e análise de conteúdo, de cariz quantitativo, e à análise de documentos oficiais dos partidos, de cariz qualitativo. A utilização das bases de dados do CMP e do CHES e a sua aplicabilidade ao objetivo desta dissertação são também discutidas no segundo capítulo. No Capítulo dois são indicadas as unidades de análise que serão utilizadas para verificar a evolução dos partidos - em termos ideológicos, de comportamento político e de estrutura organizacional -, assim como a aplicação destas unidades às categorias e dimensões de análise do CMP e do CHES. Em relação à ideologia, são consideradas três dimensões estruturantes da competição política ideológica das sociedades europeias atuais: esquerda-direita económica, esquerda-direita social (new politics, temas ligados ao libertarismo social, como o anti-racismo, a defesa da comunidade LGBT e a proteção ambiental) e integração europeia. No que toca ao comportamento político, a análise divide-se entre o nível nacional e europeu. No primeiro considera-se a evolução da distância ideológica do PCP e do KKE face aos principais partidos de esquerda em Portugal (PS e BE) e na Grécia (PASOK e Syriza), assim como a postura de ambos face à prática de coligações e alianças com outras forças políticas. Ao nível europeu, considera-se a evolução do posicionamento destes partidos em relação à integração europeia e às políticas da UE em comparação com outros PER que tenham sido atual ou previamente classificados como hard eurosceptics (AKEL, PCF e V). Na estrutura organizacional são analisadas as decisões dos

24 congressos realizadas no período pós-crise (em 2009 e 2014, no caso do KKE, em 2012 no caso do PCP), verificando-se se existiram alterações à estrutura e práticas internas dos partidos durante este período. Adicionalmente, explora-se a evolução dos níveis de dissidência interna das lideranças partidárias acerca da integração europeia. No Capítulo três, as EOP, segundo a abordagem analítica escolhida, são analisadas, em relação aos dois países, três dimensões: oportunidades institucionais (o sistema político), o ambiente sociopolítico e o impacto da crise. Assim, divide-se esta análise entre Portugal e Grécia, sendo que em relação a cada um são analisadas as principais caraterísticas do sistema partidário, eleitoral e de governação, assim como o ambiente sociopolítico em cada país. Simultaneamente, verifica-se o efeito que a crise teve em ambas as dimensões. Para o efeito, recorrem-se a dados do Eurobarómetro, Eurostat, OCDE e PORDATA para indicadores económicos e sociais, como a taxa de desemprego e crescimento do PIB, assim como para indicadores políticos, como as atitudes da população face à integração europeia. No quarto capítulo é feita uma análise histórica e comparada do PCP e do KKE, enquadrando-os nas trajetórias do movimento comunista, com especial atenção para a sua evolução em termos de ideologia, de comportamento político e de estrutura organizacional. Neste capítulo recorre-se ao estudo detalhado das fontes secundárias em relação a estas três dimensões, de forma a elaborar um enquadramento sobre estes partidos, de forma a melhor compreender como a crise os impactou. A reação do PCP e do KKE à crise de 2008 é estudada no quinto capítulo, onde são apresentados e discutido os resultados desta investigação, baseados nos dados do CMP e do CHES para as dimensões e unidades de análises referidas no segundo capítulo. Na conclusão procura-se responder à pergunta de investigação e verificar se a hipótese delineada se confirma. Argumenta-se, em primeiro lugar, que o PCP enfrentou um conjunto de EOP – conjunturais e estruturais – mais favoráveis e que potenciam uma trajetória de moderação. Em segundo lugar, os resultados desta investigação sugerem que o PCP reagiu a esta alteração na estrutura de oportunidades através de uma maior abertura em termos de comportamento político. Os comunistas portugueses mantiveram os níveis de rigidez organizacional e não se observa uma tendência de moderação ideológica, sendo até visível que o partido se tornou mais crítico do processo de integração europeia. O KKE manteve-se como um partido ideologicamente de extrema-esquerda, demonstrando também um maior fechamento e indisponibilidade no que

25 toca à cooperação com outras forças partidárias. Simultaneamente, a estrutura organizacional do partido não registou alterações significativas. Estas conclusões permitem confirmar a divisão entre partidos marxistas-leninistas perfecionistas, caso do KKE, e partidos marxistas-leninistas pragmáticos, caso do PCP. Contudo, ao contrário do que a bibliografia anterior sugeria (Keith e Charalambous 2016), esta distinção estabelece-se aqui em torno do comportamento político e não da ideologia. O PCP e o KKE mantêm uma orientação ideológica marxista-leninista, de extrema-esquerda e crítica da integração europeia. Esta postura ideológica tem um respaldo total no comportamento político do KKE, que se mantém avesso à cooperação interpartidária e recusa a possibilidade de aprofundar a sua participação nas instituições democráticas nacionais e europeias enquanto estas se organizarem tendo por base a economia de mercado. Este não é, no entanto, o caso do PCP. Os comunistas portugueses mantêm uma orientação ideológica próxima da do KKE, mas apresentam uma crescente abertura face à colaboração e participação nas instituições representativas, quer a nível europeu, quer a nível nacional. O seu comportamento político apresentou uma postura mais moderada, sem refletir uma moderação ideológica. Sugere-se, assim, que para o PCP, o comportamento político se desenvolve enquanto dimensão autónoma face à ideologia. Em função destas conclusões são também sugeridas algumas possíveis vias de investigação futura, apresentados também no sexto capítulo.

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2. Desenho da investigação A presente investigação opta por um método de análise qualitativo para avaliar a resposta do PCP e do KKE à crise económica e financeira de 2008. Para o efeito, recorre-se a dados de análise de conteúdo de manifestos eleitorais e de inquéritos a especialistas, de cariz quantitativo, assim como à análise de documentos oficiais, de cariz qualitativo. Esta abordagem orienta-se para a análise de três dimensões relacionadas com estes partidos: ideologia, comportamento político e estrutura organizacional. Para analisar a alterações decorrentes da crise de 2008 na postura dos partidos, subdividem-se os estudos de caso individuais em duas partes. Neste capítulo apresentam-se, em primeiro lugar, os critérios utilizados para a seleção dos casos e o período de análise. Em segundo lugar, são apresentadas e discutidas as escolhas relativas às fontes empíricas utilizadas para essa análise (CMP e CHES). Por último, expõe-se as estruturas de análise que serão operacionalizadas no capítulo seguinte para análise dos partidos nas três dimensões assinaladas.

2.1. Seleção de casos Esta investigação tem como objeto de estudo os partidos marxistas-leninistas, sendo o PCP e o KKE utilizados como estudos de caso. Apesar de estarem enquadrados em contextos nacionais, sociais e políticos que são, por natureza, diferentes11, o PCP e o KKE partilham um conjunto central de caraterísticas que permite que possam ser analisados em conjunto no âmbito de uma investigação sobre os partidos marxistas-leninistas (Keith e Charalambous 2016). A matriz marxista-leninista através da qual se estruturam fez com que os partidos mantivessem essas similaridades, não obstante terem sido marcados por trajetórias com especificidades e relativamente distintas. Para tal, recorre-se ao método comparado através da estratégia do most similar systems design, em que o investigador escolhe casos com várias caraterísticas idênticas, para que a maioria das variáveis se possa manter constante e não possam ser interpretadas com as causas das diferenças entre eles (Hancke 2010: 291-292).

11 Estas diferenças nos contextos nacionais são apresentadas e discutidas de forma mais detalhada no Capítulo três desta dissertação. 27

2.2. Período de análise O período de análise desta investigação estende-se de 2002 até 2015. Este período pode ser subdivido em dois espaços temporais: antes da crise (2002-2008) e depois da crise (2009- 2015). Em primeiro lugar, esta divisão corresponde ao objetivo de comparar a evolução interna dos partidos face ao conjunto de transformações externas que ocorreram com o impacto da crise. Em segundo lugar, o critério para a escolha do período temporal resume-se à tentativa de enquadrar estas transformações dentro do âmbito das eleições legislativas e dos mandatos governativos em Portugal e na Grécia. No período anterior à crise (2002-2008), ocorreram duas eleições legislativas em ambos os países. Em Portugal, em 2002 o PSD vence as eleições e governa em coligação com o CDS, com Durão Barroso como primeiro-ministro (a que viria a suceder Santana Lopes, após a saída de Durão Barroso para a presidência da Comissão Europeia). Nas eleições de 2005, o PS obtém a maioria absoluta e José Sócrates assume funções como primeiro-ministro, cumprindo a legislatura completa, até 2009. Na Grécia, a Nova Democracia governou o país com maioria absoluta, alcançada nas eleições de 2004, com Kostas Karamanlís como primeiro-ministro. Este partido voltaria a alcançar a maioria absoluta nas eleições de 2007. De 2009 a 2015, ocorreram três eleições legislativas em ambos os países, sendo este um período marcada por uma elevada instabilidade política. Na Grécia nenhum dos governos conseguiu cumprir um mandato inteiro e a fragmentação crescente do sistema partidário forçou os partidos do centro (ND e PASOK) a coligarem-se para conseguirem formar uma coligação governativa, em 2011 (e em 2013 a incluir o DIMAR nessa solução). Em Portugal, por outro lado, PSD e CDS, sob a liderança de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro, cumpriram o seu mandato completo, de 2011 a 2015. Os casos tornam-se mais semelhantes, contudo, se considerarmos a queda do governo de José Sócrates a meio do seu mandato (em 2011). Os governos portugueses e gregos aplicaram também programas de austeridade durante este período, com vasto impacto económico e social, como resposta à crise que afetou severamente os dois países.

2.3. Métodos e dados A ideologia, o comportamento político e a estrutura organizacional dos partidos políticos pode ser analisada recorrendo a diferentes técnicas, adaptadas conforme os objetivos da investigação. Nesta orientação metodológica optamos por um método de análise qualitativa para

28 a qual se recorrem a dados quantitativos das bases de dados do Comparative Manifesto Project (CMP) e do Chapel Hill Expert Survey (CHES), assim como à análise de documentos oficias dos partidos. A utilização destes métodos tem várias desvantagens, discutidas em detalhe em baixo, que neste trabalho são mitigados com o recurso à sua combinação. A análise é também baseada numa comparação entre as estruturas de oportunidade política de Portugal e da Grécia. A utilização deste instrumento permite enquadrar as ações e a evolução dos partidos nos seus diferentes contextos e atribuir um maior significado a estas variações. A base de dados do CMP (1945-2018) (https://manifestoproject.wzb.eu) mede o posicionamento dos partidos em relação a vários assuntos e dimensões políticas e é baseado na codificação de quasi-phrases dos manifestos eleitorais, em torno de 56 categorias (cada categoria relacionada com um assunto específico) (Volkens et al. 2018). O CMP é um instrumento empírico frequentemente utilizado para a análise de conteúdo (e.g. March e Freire 2012, Gomez et al. 2016), com um reconhecido grau de validade e de objetividade dos dados (Bakker e Hobolt 2013). A análise de conteúdo é um método capaz de refletir aquilo que os partidos “verdadeiramente são” e aquilo que enfatizam estrategicamente (Gomez et al. 2016:356). Este instrumento permite perceber o posicionamento dos partidos em momentos-chave da sua presença nas democracias (as eleições) (Volkens 2002). O CHES (https://chesdata.eu) (1999-2014) é também instrumento amplamente utilizado para a análise da evolução das posições dos partidos através de inquéritos a especialistas (e.g. Carter 2013; Calca e Gross 2019). De acordo com Bakker et. al (2012:226), este instrumento empírico e os seus resultados têm um alto grau de validade e consistência. As potenciais fragilidades associadas à utilização destas bases de dados são niveladas através do cruzamento de ambas, assim como com o recurso à análise de documentos oficiais. As principais limitações são, no caso do CMP, o facto de a codificação se efetuar por intermédio de vários codificadores pode aumentar a volatilidade dos resultados e pode por em causa a sua fiabilidade completa (Krowel e van Elfrinkhof 2014). No caso do CHES, apontam-se como limitações a dependência da subjetividade dos especialistas e a propensão para uma cristalização dos posicionamentos (Bakker et. al. 2012). Por último, a análise de documentos oficiais é focada nos estatutos partidários e nos documentos dos congressos que os partidos realizaram durante este período. No pós-crise, o PCP realizou um congresso (O XIX Congresso), enquanto o KKE realizou dois (XVIII e XIX Congressos). Esta análise permite observar com maior detalhe as posições dos partidos ao nível interno, assim

29 como analisar a evolução das dinâmicas internas dos partidos. Esta aproximação tem sido utilizada tanto para investigar a evolução do posicionamento dos partidos (e.g. Holmes 2017; Charalambous 2011), como a evolução do seu comportamento político e da sua estrutura organizacional (e.g. Keith e Charalambous 2016).

2.3.1. Ideologia: dimensões em análise Bakker et al. (2012: 220-221, 231) indicam a existência três dimensões de contestação política na Europa: a dicotomia económica tradicional entre esquerda e direita, a dicotomia social entre esquerda e direita (new politics) e a integração europeia. Estas serão as dimensões utilizadas para analisar a evolução ideológica do PCP e do KKE face à crise de 2008. A análise comparada de partidos políticos recorrendo a três dimensões referidas tem sido realizada frequentemente

(e.g. Bakker et al. 2012; Lisi 2015; Carrol e Kubo 2017)12. A dicotomia esquerda/direita é uma dimensão baseada em assuntos socioeconómicos tradicionais como o papel do Estado na economia, o estado social, a regulação dos mercados e a distribuição da riqueza. Esta dimensão é, por isso, também referida como “old politics”, na medida em que diz respeito a uma das primordiais questões políticas: a distribuição da riqueza e o papel do Estado e do mercado nessa alocação de recursos (Freire 2015: 47). Por norma, partidos de esquerda defendem uma maior intervenção estatal na economia, com uma política mais redistributiva e um Estado social mais amplo; a direita, por outro lado, defende uma menor intervenção do Estado da economia, através de uma menor regulação do mercado e de uma diminuição de impostos. A dicotomia social entre esquerda e direita, também referida como GAL-TAN (Green/Alternative/Libertarian vs. Traditionalist/Authoritarian/Nationalist – Verde/Alternativa/Libertária vs. Tradicionalista/Autoritária/Nacionalista), diz respeito às posições dos partidos face aos valores e atitudes pós-materialistas, como o ambientalismo, feminismo e direitos das minorias. Por oposição à dimensão económica, esta dicotomia é também referida como “new politics”, na medida em que está relacionada com a qualidade de vida, a participação política dos cidadãos, entre outros (Freire 2015: 47) Mais próximo do eixo GAL situam-se os partidos libertários e pós-materialistas, defensores de uma maior igualdade, participação cidadã

12 Estudos anteriores, como exemplo o de Keith e Charalambous (2016), utilizaram outras estruturas conceptuais para analisar os partidos marxistas-leninistas. Estes propõem uma análise partida entre cosmovisão (visão sobre a dissolução do bloco soviético, a teleologia socialista, visão da democracia liberal e análise do capitalismo global) e propostas políticas (economia e política externa). Contudo, esta estrutura de análise já foi aplicada ao PCP e ao KKE em Keith e Charalambous (2016). 30 no processo de tomada de decisão política, tolerância em relação às minorias, opiniões e estilos de vida divergentes e alternativos, preservação ambiental e assuntos relacionados com a qualidade de vida (Inglehart 1994; Freire 2015: 47). Mais próximos do eixo TAN situam-se os partidos mais conservadores, tradicionalistas e autoritários, que defendem a existência de um conjunto de valores que enformam a atividade política, assentes na defesa da pátria e de uma moralidade tradicional (muitas vezes associada a valores religiosos), da ordem e da estabilidade, assim como o patriotismo (Freire 2015: 48; Flanagan 1984). A integração europeia é também uma das principais dimensões de competição política na Europa atualmente (Bakker et al. 2012; Marks e Wilson 2000). Esta refere-se a um processo de aumento do nível de centralização, do âmbito das políticas e da pertença à UE (Schimmelfennig 2018), sendo que a dimensão se estrutura em torno do binómio mais integração/ menos integração (Keith 2017). Nesse sentido, será efetuada uma comparação individual das diferentes dimensões e categorias do CMP e do CHES. Esta aproximação metodológica tem a potencialidade de demonstrar um maior detalhe sobre as posições dos partidos.13 Para a escala esquerda-direita económica, o CHES considera tópicos económicos como o papel do Estado na economia, sendo que para a escala GAL-TAN considera tópicos relacionados com liberdades pessoais e direitos democráticos (Bakker et al. 2014:144) (tabela 2). Em relação ao CMP, para distribuir as categorias pela escala económica esquerda-direita e pela escala GAL- TAN recorre-se à divisão efetuada por Prousser (2014) (tabela 6).

13 A análise de conteúdo dos manifestos tem sido sobretudo utilizada (como nos exemplos acima citados) para realizar estudos longitudinais e com uma maior amostra de partidos, através de análise estatística e da construção de escalas para o posicionamento dos partidos. Os seus contributos direcionam-se essencialmente a tentativas de categorização ou a medições de larga escala do posicionamento dos partidos. Sendo esta investigação focada em apenas dois partidos e num período de tempo de 13 anos, estes objetivos não se enquadram. Acresce que também já foram também apontadas algumas limitações à construção de escalas através dos dados do CMP e do CHES (ver Lourenço 2017). 31

Tabela 6. Estrutura de análise da ideologia através do CMP Esquerda-direita económica GAL-TAN Integração europeia Direita Esquerda Conservador Liberal Pro-UE Anti-UE Regulação de UE: UE: Free Enterprise: Internacionalismo: Militarismo: Mercado: positivo Positivo Negativo positiva (401) negativo (109) Negativo (105) (403) (108) (110) Protecionismo: Tecnologia e Centralização Paz (106) negativo (407) Infraestrutura (411) (302) Ortodoxia Controlo da Autoridade Internacionalismo: económica: economia: positivo Política: positivo positivo (107) positivo (414) (412) (305) Limitação do Modo de Vida Liberdade e Nacionalização: Estado Social: Nacional: positivo Direitos Humanos positivo (413) (505) (601) (201) Limitação da Multiculturalismo: Igualdade (503) Democracia (202) educação (507) negativo (608) Labour groups: Expansão do Estado Economia anti

negativo (702) Social (504) crescimento (416) Expansão da Proteção

educação (506) ambiental (501) Labour Groups: Cultura (502) Positivo (701) Modo de vida nacional: negativo (602) Multiculturalismo:

positivo (607) Classe Média e Grupos

Profissionais (704) Minorias e grupos desprivilegiados (705) Grupos demográficos não- económicos (706) Fonte: elaborado pelo autor com base em Prousser (2014); Volkens et al. (2018)

Em relação à integração europeia, procura-se observar a evolução da posição de princípio dos partidos face à UE (Holmes 2017). Os dados do CMP apresentam duas categorias para esta dimensão: referências positivas ou negativas (tabela 6). Os dados do CHES focam na posição da liderança partidária em relação à integração europeia (tabela 7).

32

Tabela 7. Ideologia - estrutura de análise estabelecida no CHES Dimensões Unidades de análise

Integração - Posição (da liderança partidária em relação à integração europeia); Europeia Esquerda- ‘LRECON’ – posição do partido na escala esquerda-direita em termos económicos Direita

Económica ‘GAL-TAN’ – posição do partido na dimensão das new politics GAL-TAN

Fonte: elaborado pelo autor com base em Bakker et al. (2016)

2.3.2. Comportamento político: dimensões de análise O comportamento político pode ser estudado através de várias dimensões diferentes, como por exemplo as dinâmicas de coligação (e.g. Olsen et al. 2010), as dinâmicas entre governo e oposição (e.g. Keith e Charalambous 2016) ou as afiliações e relações bilaterais, multilaterais e transnacionais (e.g. Holmes 2017). Estes estudos focam-se também em diferentes níveis de governação (por vezes, em simultâneo). Nesta investigação focamo-nos no nível europeu e nacional. Em relação ao nível nacional, analisam-se as dinâmicas entre governo e oposição e o posicionamento do partido no sistema partidário. Para o efeito, analisa-se, em primeiro lugar, a postura dos partidos face à possibilidade de entrar em governos de coligação e, em segundo lugar, observa-se a evolução da distância ideológica dos partidos comunistas face aos restantes partidos de esquerda dos respetivos sistemas partidários – o BE e o PS em Portugal, o PASOK e o Syriza na Grécia. Para observar a evolução desta distância ideológica, analisam-se o posicionamento do PCP e do KKE na escala esquerda-direita económica, na escala GAL-TAN e sobre a integração europeia, em comparação com o PS e o BE e o PASOK e o Syriza, respetivamente. A análise do nível europeu foca-se na UE (tabela 3), analisando-se o comportamento político destes partidos em função das estruturas de oportunidades neste nível. Para esse efeito, procura-se observar a evolução da saliência da UE nas posições públicas dos dois partidos, com os dados do CHES. A saliência da UE é uma medida do CHES que diz respeito à importância relativa da integração europeia nas posições públicas dos partidos, cujos valores oscilam entre zero (‘a integração europeia não tem importância’) e dez (‘integração europeia é o assunto mais importante’) (Bakker et al. 2016: 16). Em segundo lugar, é avaliada a evolução da posição do PCP e do KKE face à integração europeia em comparação com os restantes partidos de esquerda radical de países da UE que foram consistentemente classificados como ‘hard eurosceptics’ ou ‘eurorejecionistas, de acordo com Charalambous (2011). Os partidos que cumprem estes critérios

33 e que são, por isso, considerados nesta análise são o Partido Comunista Francês (PCF), o Partido Progressista do Povo Trabalhador (AKEL, Chipre) e o Partido da Esquerda (V, Suécia). Esta dimensão é medida com recurso ao CHES, comparando a posição das lideranças partidárias face à UE, e ao CMP, comparando a evolução das referências positivas e negativas à UE nos manifestos eleitorais. Apesar de o PCF, o V e o AKEL não serem os objetos de estudo desta investigação, são aqui utilizados como casos de controlo para o posicionamento do PCP e ao KKE nesta dimensão. Por último, analisa-se a evolução da postura do PCP e do KKE face à transferência de competências para UE e em relação às políticas específicas desta, observando o impacto da crise nessa postura. Recorre-se aqui, também, aos dados do CHES, para avaliar a posição das lideranças partidárias em relação aos poderes do Parlamento Europeu e face a políticas europeias específicas. As políticas da UE em análise, selecionadas de acordo com o período de análise desta investigação e com as categorias do CHES, são o mercado interno, políticas regionais e de coesão e política comum de segurança e defesa14 (tabela 8).

Tabela 8. Estrutura de análise do comportamento político na dimensão europeia (CHES) Categorias Unidades de análise Partidos

- KKE Questões - Posição (da liderança partidária em relação à integração - PCP gerais europeia) - AKEL - PCF - V - EU_EP (posição da liderança sobre os poderes do Parlamento Europeu) - EU_INTMARK (posição sobre o mercado interno); Políticas - EU_COHESION (posição sobre políticas regionais e de coesão); - EU_FOREIGN (posição sobre a Política Comum de Segurança e Defesa) Fonte: Bakker et al. (2016); Charalambous (2011)

O estudo do comportamento político é tradicionalmente realizado através de análise qualitativas das declarações e documentos oficiais dos partidos, assim como dos manifestos eleitorais. Contudo, esta análise já foi aplicada ao estudo do PCP e KKE durante este período (ver capítulo 3) (Keith e Charalambous 2016). Por outro lado, o estudo desta dimensão através das EOP foi também utilizado para investigar a esquerda radical e o seu euroceticismo enquanto um

14 O CHES dispõe de dimensões adicionais relacionadas com políticas da UE - harmonização fiscal, política comum de emprego, prerrogativas orçamentais da UE, política agrícola comum, política ambiental e política de asilo. Contudo, a recolha para estas categorias iniciou-se já depois de 2008, não cobrindo assim a totalidade do período de análise desta investigação e impossibilitando a observação do impacto da crise. Estas categorias não são, por isso, consideradas.

34 fenómeno transnacional e pan-europeu (ver Holmes 2017). A aproximação metodológica acima delineada é, por isso, uma abordagem inovadora aos partidos marxistas-leninistas, que pretende salientar o seu caráter distintivo do comportamento político destes. Simultaneamente, a incorporação dos dados do CHES na análise permite não só confirmar as conclusões (recentes) dos estudos existentes, mas também perceber de que forma é que a crise alterou o posicionamento ideológico destes partidos nos respetivos sistemas partidários.

2.3.3. Estrutura organizacional: dimensões em análise Os estudos sobre a estrutura organizacional podem-se estruturar em torno de vários fatores: o papel dos militantes, das elites e dos organismos internos do partido; a estruturação interna dos partidos, a existência de fações, assim como na relação do partido com estruturas externas (por exemplo, sindicatos, movimentos sociais). A análise destas dimensões pode ser efetuada com recurso a vários métodos, entre os quais se salientam a utilização de entrevistas e a análise de documentos oficiais. Contudo, como já referido anteriormente, esta é a dimensão cujo estudo mais é dificultado, quer pela estrutura fechada dos partidos (por exemplo, o KKE não revela números de militância), quer pelas limitações inerentes ao trabalho desta dissertação. Estas dimensões de análise são, por isso, adequadas ao objetivo de estudar a evolução da estrutura organizacional, mas também às limitações encontradas. Analisa-se, em primeiro lugar, a evolução nos níveis de dissidência na liderança partidária. Como estes partidos proíbem estatutariamente a existência de fações, o estudo sobre o facciosismo interno não se pode aplicar, no seu sentido mais estrito. Contudo, a análise da evolução dos níveis de dissidência interna das lideranças partidárias permite avaliar se, apesar da inexistência de fações, os partidos se têm tornado mais divididos e fragmentados. Para efetuar esta análise recorrem-se aos resultados do CHES da categoria ‘EU_dissent’ - grau de dissidência sobre a integração europeia (‘0- Partido completamente unido’ – ’10- Partido extremamente dividio) (Bakker et al.2016)15. Por outro lado, verifica-se se existiu alguma alteração naquilo que Duverger (1981) referia como a ‘armação’ dos partidos, ou seja, nas estruturas básicas destes e as suas relações e equilíbrios (Lisi 2011: 117-118). Para o efeito, observam-se os documentos dos congressos, órgão com legitimidade para efetuar alterações à estrutura do partido.

15 O CHES dispõe também de categorias para a dissidência interna dos partidos em relação à economia e à escala GAL-TAN. Esses dados não são, contudo, considerados nesta investigação, dado que o CHES apenas recolheu informação para estas dimensões nos anos de 2014, no caso do PCP e do KKE, impedindo a verificação da evolução dos partidos e do impacto da crise. 35

3. As estruturas de oportunidade política e a crise económica e financeira de 2008

Este capítulo procura demonstrar o impacto que a crise teve nos sistemas políticos e partidários de Portugal e Grécia e as suas implicações para os partidos políticos, recorrendo às estruturas de oportunidade política como ferramenta analítica. Para isso, em primeiro lugar é elaborado um enquadramento acerca da crise económica e financeira e como esta afetou os países da Europa do Sul, com especial foco em Portugal e na Grécia. Em segundo lugar, conceptualizam-se as estruturas de oportunidade política e como estas poderão ser utilizadas para o estudo de partidos políticos e famílias partidárias. Em terceiro lugar, analisa-se a evolução das contingências e dos fatores estruturais que moldam a atividade dos atores políticos em Portugal e na Grécia, e de que forma estes foram influenciados pela crise. Considera-se, neste âmbito, a evolução as principais caraterísticas dos sistemas político e partidário de ambos os países, assim como as alterações ao ambiente sociopolítico decorrentes do impacto da crise. Para o efeito, recorrem-se a dados do Eurobarómetro e da OCDE para indicadores como a satisfação da população com a democracia e com a integração europeia, assim como indicadores sociais e económicos, como a taxa de desemprego e o crescimento do PIB. Através deste capítulo são enunciados quatro argumentos principais. Em primeiro lugar, que o PCP enfrentou oportunidades institucionais estruturalmente mais favoráveis do que o KKE. O sistema eleitoral proporcional e o caráter pluralista do sistema partidário português facilitam a capacidade do PCP para se afirmar como uma força influente no sistema político português. Em segundo lugar, demonstra-se que a crise representou uma estrutura de oportunidades conjunturalmente mais favorável para o KKE, devido ao impacto mais significativo da crise e à transformação completa do sistema partidário grego que decorreu durante este período. Em terceiro lugar, argumenta-se que ambos os partidos enfrentaram um ambiente social favorável para o crescimento eleitoral, mas que o ambiente político se demonstrou mais favorável para o PCP. O aumento do desemprego e o baixo crescimento económico, assim como o aumento da insatisfação com a democracia e com a integração europeia são marcas comuns do período pós-crise tanto em Portugal como na Grécia. Contudo, o crescimento eleitoral do Aurora Dourada (extrema-direita) representa uma desvantagem para o KKE no seu ambiente político. Por último, demonstra-se que o PCP teve uma maior capacidade de aproveitar as estruturas de oportunidade política decorrentes da crise. Os comunistas portugueses aumentaram os seus resultados eleitorais consecutivamente, ainda que de forma ligeira, durante este período

36 e atingiram em 2015 o melhor resultado eleitoral desde 199916. O apoio do PCP - e do BE - ao governo minoritário do PS demonstra também um crescimento da influência do partido no sistema partidário português. Por sua vez, o KKE não só desempenhou um papel central na mobilização social contra a austeridade, como aumentou ligeiramente a sua capacidade eleitoral num primeiro período do pós-crise. Contudo, o crescimento eleitoral da Aurora Dourada, por um lado, e do Syriza, por outro, vieram dificultar as possibilidades de o KKE aumentar a sua capacidade eleitoral e resultaram num declínio eleitoral do partido, especialmente no ano de 2012, do qual não recuperou totalmente.

3.1. A crise económica e financeira de 2008 e a Europa do Sul

Após o colapso bancário nos EUA (2007-2008), os Estados-membro da UE decidiram intervir nas suas economias de forma a minimizar o impacto da recessão económica e suster o crescimento através de investimento público. Países como a Itália, Bélgica e Grécia tinham já níveis bastante elevados de dívida pública; em Portugal o rácio da dívida em função do PIB estava próximo da média da UE, enquanto a Espanha se encontrava ligeiramente abaixo deste nível (Freire et al. 2014: 414). Resultado da crise e da resposta que lhe foi dada, os problemas de balanço das finanças públicas agravaram-se, despoletando uma crise de dívida soberana, que afetou principalmente os países no sul da Europa (Blyth 2013). Os países da Europa do Sul seriam assim dos principais afetados pelos efeitos da crise económica. Espanha, Portugal, Grécia e Itália viram-se forçados a pedir ajuda externa ou a cortar drasticamente nas despesas públicas (Belluci et al. 2012). No final de 2012, como demonstra Magalhães (2014: 126), nenhum dos países tinha conseguido melhorar os indicadores de performance económica, em relação aos níveis anteriores à crise. Nesse sentido, os anos da crise representaram um grande teste aos sistemas partidários da Europa do Sul (Sanches 2017: 129), com a entrada em cenas de novos partidos políticos e com a implementação de medidas de austeridade feita debaixo de fortes protestos populares (della Porta 2012). Enquanto em França, Itália e Grécia, os governos incumbentes foram punidos fortemente pelo eleitorado e se assistiu ao surgimento de partidos radicais e populistas, em Portugal as mudanças não foram tão drásticas (Lobo e Lewis-Beck 2012).

16 De salientar, contudo, que este crescimento eleitoral diz respeito à percentagem de votos do partido. No entanto, observando o número total de votos, verifica-se que o partido sofreu uma ligeira perda de 2009 para 2011 – 446279 votos em 2009, 441147 em 2011 – da qual recupera em 2015 – 445901 votos (fonte: Comissão Nacional de Eleições). Houve um aumento da abstenção nas eleições legislativas em Portugal durante este período, o que favoreceu o PCP, que demonstra aqui a sua capacidade de manter um número estável e fiel de votantes. 37

O colapso do Lehman Brothers alcançou a Grécia sob a forma de crise da dívida soberana no final de 2009. O Movimento Socialista Pan-Helénico (PASOK - Πανελλήνιο Σοσιαλιστικό Κίνημα) tinha vencido as eleições em outubro com o slogan ‘o dinheiro está lá’ (Verney 2014: 26). Contudo, as difíceis condições das finanças gregas levaram os mercados a dificultarem cada vez mais a possibilidade da Grécia de emprestar dinheiro. O governo grego começou por aplicar medidas de austeridade; estas revelaram-se, no entanto, insuficientes para contrariar a situação de crise, levando o país a assinar um programa de resgate com um conjunto de três instituições – o Banco Central Europeu (BCE), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia -, que viriam a ser conhecidas como a troika. Este acordo estava acompanhado por um memorando de entendimento, que impunha um conjunto de reformas estruturais e ajustamentos fiscais que deveriam ser implementados através de medidas de austeridade (Tsatsanis et al. 2014: 523). Em Portugal, após a recusa do quarto Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) e subsequente demissão do Primeiro-Ministro José Sócrates, a 23 de março de 2011, a necessidade de pedir ajuda externa tornou-se uma inevitabilidade, com as taxas de juro a subirem ainda mais e o país sem capacidade de obter financiamento para cobrir as suas despesas. A troika chegou também a Portugal, com o memorando de entendimento a ser negociado pelo então governo do PS e pelo PSD e CDS, que viriam a formar governo de coligação e a implementar o memorando. Este acordo apresentava um pendor neoliberal, tendo como principais objetivos o pagamento da dívida através de um conjunto de reformas estruturais, nomeadamente um programa de privatizações, aumento de impostos, diminuição do peso do Estado e do setor público, controlo do défice orçamental e desregulação do mercado de trabalho, de modo a aumentar a flexibilidade laboral (Tsatsanis et al. 2014: 526).

3.2. As estruturas de oportunidade política em Portugal

3.2.1. O sistema político português: considerações gerais Portugal é um país unitário e centralizado (Lijphart 1999: 189), embora com relativo grau de autonomia das entidades regionais e alguma transferência de poder entre o Estado central e as entidades locais. Portugal é também caraterizado como um sistema semipresidencial. No entanto, é um semipresidencialismo distinto, em que o poder executivo se encontra nas mãos do governo. O Presidente da República (PR) tem os seus poderes severamente restritos, especialmente desde a revisão constitucional de 1982 (Magalhães 2011). Apesar disso, as

38 competências do Presidente nunca se tornaram irrelevantes ao ponto de justificar a classificação de Portugal como um sistema parlamentar (Neto e Lobo 2009: 250). De acordo com Shugart e Carey (1992) e Shugart (2005: 336), a partir da revisão constitucional de 1982, o sistema de governo português passou de ‘presidencial-parlamentar’ a ‘premier-presidencial’. Esta tipologia introduz uma maior precisão na classificação dos regimes semipresidenciais (Freire e Pinto 2010: 74). Em ambos os casos, tanto o Presidente (eleito por voto popular) como o Parlamento têm poder sobre a formação do governo. Contudo, no presidencial-parlamentar há uma primazia do Presidente em termos do seu poder sobre o gabinete, face ao primeiro-ministro. O Presidente tem, assim, largos poderes para nomear e demitir o governo17. No caso do regime premier-presidencial, há uma clara preponderância do primeiro ministro sobre o gabinete. Isto é, apesar de o Presidente intervir na nomeação do Governo, os seus poderes para o demitir são bastantes limitados (ou nulos) – a sobrevivência do

Governo dependendo, quase exclusivamente, da Assembleia18 (Shugart e Carey 1992: 63-65; Freire e Pinto 2010: 73-74). O sistema premier-presidencial português pauta-se, assim, pela manutenção do poder de seleção e de demissão do governo em simultâneo com uma limitação da discricionariedade do poder do presidente sobre o governo (Shugart A influência do PR no processo político depende também da própria composição do Governo (Neto e Lobo 2009: 250-251). Quando enfrenta um governo minoritário, vê a sua influência reduzida. Isto deve-se à possibilidade de o governo ultrapassar o poder de veto do Presidente, através da reconfirmação das propostas legislativas na Assembleia da República. No entanto, o Presidente vê a sua influência crescer quando coabita com um governo minoritário ao qual ele se opõe19. O governo é o órgão do poder executivo que conduz a administração pública e a atividade política do país. No contexto do sistema de governo premier-presidencial português, há uma dupla responsabilização política do Governo perante o PR e perante a Assembleia (Freire e Pinto 2010: 74). A AR detém o poder legislativo e de verificar a ação do governo; deve legislar, aprovar leis e assegurar a concordância destas com a Constituição da República Portuguesa. É composta por

17 Em termos de regimes democráticos, os países com um sistema de governo presidencial-parlamentar são: Portugal (até 1982) e a República de Weimar (Shugart e Carey 1992: 55-75). 18 Em termos de regimes democráticos, os países com um sistema de governo premier-presidencial são: Portugal (após 1982); França (5ª República); Finlândia; Áustria; Islândia e Irlanda (Shugart e Carey 1992: 55-75). 19 O segundo período de coabitação entre o Presidente Mário Soares e o Primeiro-Ministro Cavaco Silva demonstrou o quão importante pode ser o poder de veto do PR. Soares recorreu a este mecanismo para influenciar as iniciativas políticas de Cavaco Silva (Neto e Lobo 2010: 251). 39

230 deputados, eleitos através de 22 círculos eleitorais (correspondentes aos 18 distritos do território nacional, às duas regiões autónomas – Açores e Madeira – e os círculos da Europa e fora da Europa). O sistema eleitoral para a AR é um sistema de representação proporcional. Os partidos apresentam os candidatos através de listas fechadas e os votos são transformados em mandatos através do método d’Hondt. Não existe qualquer limite legal mínimo para a obtenção de representação. Este sistema eleitoral foi desenhado acima de tudo para evitar o controlo maioritário por apenas um partido (Jalali 2007). É, por isso, um sistema com elevados níveis de proporcionalidade, caraterística que se deve também à elevada magnitude eleitoral da maioria dos círculos eleitorais. De salientar, no entanto, a existência de disparidades significativas entre estes, que provocam algumas desproporcionalidades (por exemplo, Lisboa elege 47 deputados, enquanto Portalegre elege apenas 2). Por outro lado, a utilização do método d’Hondt para a transformação dos votos em mandatos tende a favorecer os grandes partidos (Cruz 1995).

3.2.2. O sistema partidário português O sistema partidário português formou-se na transição revolucionária, após o 25 de Abril, sendo que o único partido minimamente consolidado nessa altura era o PCP (Cruz 2017: 39). O PS tinha sido fundado apenas em 1973, na Alemanha, sendo que tanto o PSD como o CDS só seriam formados depois do 25 de Abril. No entanto, a transição para a democracia por revolução social e a rutura com o passado autoritário geraram fontes simbólicas de estabilização do sistema partidário a longo prazo (Sanches 2017: 157). Este pode ser classificado como de pluralismo moderado, na medida em que o sistema tem apresentado consistentemente cinco partidos relevantes, com uma fragmentação limitada e uma competição centrípeta (Lobo 1996). As principais caraterísticas do sistema partidário português estabeleceram-se rapidamente e mantiveram-se desde 1975 e viram- se reforçadas após 1985. Das suas caraterísticas salientam-se, em primeiro lugar, uma tendência de competição centrípeta, estruturada em torno do PSD e PS (Jalali 2007: 218). Em segundo lugar, observa-se também uma tendência para o fechamento das estruturas de competição, com padrões de alternância completa, acesso mais restrito ao governo e ausência de inovação na composição dos executivos. Estas duas caraterísticas mostram que a principal dimensão de competição – a competição pelo governo – se estruturou em torno de PSD e PS, com estes partidos a lideraram

40 todos os governos desde a democratização20. Ambos os partidos já governaram sozinhos – quer em minoria, quer em maioria - e juntos, através de coligação (o ‘Bloco Central’). O CDS também já governou em coligação com os dois, embora como parceiro minoritário. Isto leva-nos a outra das principais caraterísticas do sistema partidário português: a ausência de coligações à esquerda, com a ausência do PCP e do BE, desde a sua criação em 1999, da governação a nível nacional. Esta caraterística resume aquilo que André Freire (2009: 224) designa como o “enviesamento de direita do sistema partidário português”. Devido a este enviesamento, sempre que em Portugal os partidos de direita alcançaram uma maioria da representação parlamentar, formaram governos maioritários de direita; no entanto, o mesmo não acontece à esquerda. As maiorias parlamentares à esquerda não se materializarem em governos de esquerda, antes em governos minoritários do PS ou em governos do PS em coligação com a direita.

3.2.3. O impacto da crise No início do período considerado, no ano de 2002, Durão Barroso (PSD) forma governo em coligação com o CDS. Após a sua nomeação para Presidente da Comissão Europeia, este viria a ser substituído por Pedro Santana Lopes, em 2004. Este governo viria a ser dissolvido pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, em 2005. As eleições seguintes deram ao Partido Socialista a primeira maioria absoluta da sua história, sob a liderança de José Sócrates. Este voltaria a vencer as eleições em 2009, mas perde a maioria absoluta e forma um governo minoritário. Este governo, fragilizado desde início, não conseguiu resistir ao impacto da crise e não teve capacidade de reagir aos eventos precipitados pelo aumento dos juros da dívida do país e às dificuldades em obter financiamento. Em 2011, após o PEC IV ser recusado na Assembleia da República, e já depois do pedido de ajuda externa que Portugal faz às instituições europeias e internacionais, José Sócrates demite-se. O próximo governo, eleito nesse ano, voltaria a ser uma coligação entre o PSD e o CDS, sob a liderança de Pedro Passos Coelho. Este foi o governo responsável pela governação do país durante o período em que o memorando da troika se encontrou em vigor. Este programa focava-se num conjunto de medidas de austeridade, aplicadas com o objetivo de reduzir o endividamento externo do país e tidas como condição necessária para que Portugal continuasse a receber financiamento destas instituições. Entre as medidas contam- se privatizações, aumento de impostos, liberalização do mercado de trabalho e cortes nas pensões de reforma.

20 Com exceção dos governos de iniciativa presidencial entre 1978-1980. 41

Portugal permaneceu resiliente perante a desestruturação dos sistemas partidários que ocorreu em vários países europeus (Grécia e Espanha, por exemplo). A crise não originou novos partidos e os movimentos anti-austeridade foram dinamizados pelos atores tradicionais (sindicatos e partidos de esquerda). Estes atores foram bem-sucedidos em absorver os principais temas de conflito político, limitando o surgimento de novos partidos ou de competidores dentro do mesmo espectro político (Sanches 2017: 157). Os resultados eleitorais confirmam este argumento, com a manutenção do PS e do PSD como as principais forças eleitorais e PCP, BE e CDS como os restantes partidos capazes de obterem representação (gráfico 1). Destes, o BE é o partido que mais oscila no seu número e percentagem de votos, ao contrário do PCP, o partido que mantém uma maior estabilidade. Nas eleições legislativas de 2015, o PAN (Pessoas, Animais e Natureza) foi a quinta força política mais votada, elegendo o deputado André Silva pelo círculo eleitoral de

Lisboa21. Este foi o primeiro novo partido na Assembleia da República desde que o BE elegeu dois deputados nas eleições legislativas de 1999.

Gráfico 1. Eleições legislativas em Portugal

PS PSD CDU BE CDS PàF (PSD+CDS) PAN

50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 2002 2005 2009 2011 2015

Fonte: Comissão Nacional de Eleições

Deste modo, o sistema partidário mantém a classificação de pluralismo moderado. Manteve-se o mesmo número de partidos relevantes, um nível moderado de polarização, uma tendência de competição centrípeta e sem a entrada de novos partidos governo. A sua estrutura de competição mostra-se fechada durante todo este período. Como se verifica na tabela 9, a

21 Fundado em 2009, o PAN concorreu às eleições legislativas em 2011 e 2015. Na segunda data, o partido elegeu um deputado com um pouco mais de 1 por cento dos votos no distrito de Lisboa. De todos os pequenos partidos que concorreram a eleições em 2015, o PAN foi um “vencedor improvável”, na medida em que não tinha um líder com capacidade mediática (Fernandes 2016: 895). 42 composição dos governos mantém a oscilação entre graus de alternância completa e inexistente, sem nenhuma inovação na composição partidária dos executivos nem a entrada de novos partidos na governação.

Tabela 9. As estruturas de competição em Portugal antes e depois da crise (2002-2011) Abertura a novos Composição do Governo Alternância Inovação partidos 2002-05 PSD+CDS Completa Não Não 2005-09 PS Completa Não Não 2009-11 PS Inexistente Não Não 2011-15 PSD+CDS Completa Não Não 2015- PS Completa Não Não22 Fonte: elaborado pelo autor com base em Jalali (2017) Apesar de não se ter assistido a uma transformação completa do sistema partidário português, podem, no entanto, ser apontadas três dinâmicas que sugerem um potencial de mudança (Jalali 2019: 228). Em primeiro lugar, o declínio do voto combinado nos dois maiores partidos (PS e PSD). Em segundo lugar, a diminuição da durabilidade dos governos. Em terceiro lugar, o apoio do PCP e BE ao governo minoritário do PS. No ano de 2015, após as eleições de outubro, BE e PCP assinaram acordos bilaterais com o PS, que garantiram o apoio parlamentar de ambos ao Governo minoritário dos socialistas, liderado por António Costa. À solução resultante destes acordos deu-se o nome de “geringonça”. Nesta solução, nem o PCP nem o BE entraram efetivamente no governo. Contudo, ela pode ser indicativa de que se quebrou o ‘muro’ que excluía a esquerda radical do ‘arco da governação’ (Freire 2017). As consequências estruturais da ‘geringonça’ para o sistema partidário português continuam incertas, mas o seu surgimento revela que o sistema partidário português se encontra sobre uma pressão crescente face às anteriores décadas (Jalali 2019: 228; Fernandes 2016: 898).

3.2.4. O ambiente sociopolítico Conforme enunciado no subcapítulo 3.2.3., a tabela 10 apresenta os fatores do ambiente sociopolítico que mais contribuem para o sucesso dos partidos de extrema-esquerda em Portugal. Neste subcapítulo, procura-se verificar se houve um aumento da correspondência entre estes

22 O governo socialista, liderado por António Costa, é formalmente um governo minoritário. Contudo, e apesar do formato minoritário, as relações entre PS, BE e PCP sofreram um processo de institucionalização, cujo resultado em termos de processos político se equipara ao de um governo minoritário. Um exemplo disso são as reuniões semanais agendadas entre os três partidos, que podem ser equiparadas aos mecanismos de governação em coligações (Fernandes 2016: 898). 43 fatores e a realidade portuguesa, de modo a verificar se o ambiente sociopolítico se tornou mais propenso para o crescimento eleitoral do PCP, de acordo com March (2008). No período anterior à crise (1990-2008), o ambiente sociopolítico assinalava apenas quatro dos dez fatores analisados. Estes fatores centravam-se em torno da inexistência de partidos de extrema-direita ou verdes relevantes no sistema partidário português e no baixo grau de satisfação com a democracia nacional. No período pós-crise (2009-2015), assinala-se uma maior correspondência entre os fatores e o ambiente sociopolítico em Portugal, na medida em se verifica a presença de oito das dez categorias. Observando a tabela 10, é possível afirmar que o ambiente sociopolítico dos pós- crise em Portugal se tornou mais propício para o crescimento eleitoral do PCP.

Tabela 10. Fatores de sucesso dos partidos de extrema-esquerda em Portugal (1990-2008 e 2009-2015)

direita

-

esquerda

-

zação

existência de partido

-

Federalismo/Devolução Desemprego elevado TOTAL

Pré de extrema partidárioSistema convergente Baixo crescimento do PIB Baixo suporte UEda Alta ansiedade globali com a Inexistência de relevantes ‘verdes’

Baixa satisfação com a democracia nacional Inexistência de partido relevante de extrema 1990-2008 + + + + 4

2009-2015 + + + + + + + + 8 Fonte: Compilação do autor, com base dos dados de March (2008), para o período 1990-2008; Taxa de desemprego: PORDATA (consultado em janeiro de 2019); Crescimento do PIB: OCDE (consultado em janeiro de 2019); Satisfação com a democracia, suporte da UE e ansiedade com a globalização: Eurobarómetro (consultado em janeiro de 2019).

Neste período, nenhum partido ecologista nem de extrema-direita se tornou relevante em

Portugal23. A crise tem não só um impacto económico e social, mas também afeta posições dos cidadãos face à democracia, à integração europeia e à globalização. Em primeiro lugar, o impacto social e económico verifica-se através do aumento da taxa de desemprego (12,8% de média de 2008 a 2015) e da diminuição do crescimento do PIB (média de 0,44% no mesmo período), segundo dados da PORDATA e da OCDE, respetivamente. Em segundo lugar, observa-se também uma diminuição do número de cidadãos que afirma que a pertença à UE é positiva para o país, assim como um aumento do número de cidadãos que consideram que a globalização é uma

23 O PAN alcançou representação parlamentar em 2015. Contudo, elegeu apenas um deputado. 44 ameaça é uma ameaça para os trabalhadores e para as empresas nacionais. Por último, é de assinalar o aumento dos valores, já anteriormente elevados, de insatisfação com a democracia.

3.3. As estruturas de oportunidade política na Grécia

Neste subcapítulo argumenta-se que o sistema político grego, apesar de ter um sistema eleitoral que dificulta a ascensão dos pequenos partidos, não impede a presença do KKE no parlamento grego (onde o KKE consegue sempre superar a barreira mínima dos 3%). No entanto, a existência do bónus maioritário que facilita a configuração bipolar do poder entre PASOK e ND, capazes de formar governos maioritários de apenas um partido, fizeram com que o KKE não fosse, muitas vezes durante o período democrático, uma força partidária relevante, apesar de ser a terceira ou quarta mais votada em todas as eleições, o que diminuiu a influência do partido no sistema político e partidário grego. Por último, argumenta-se que o sistema partidário grego sofreu com a crise uma transformação radical, que alterou as configurações e as relações entre os partidos. O deteriorar das condições económicas e sociais que marcaram a Grécia durante este período criaram um ambiente político mais favorável para o crescimento eleitoral de partidos de extrema-esquerda; no entanto, este espaço foi essencialmente assumido pelo Syriza e pelo Aurora Dourada.

3.3.1. O sistema político grego: considerações gerais A Grécia tem um Estado unitário e centralizado (Lijphart 1999: 189). O país é uma República com um sistema de governo parlamentarista, em que o Presidente - eleito a cada cinco anos pelo Parlamento - é o Chefe de Estado, enquanto o Primeiro-ministro é o chefe de governo. Na política doméstica, o primeiro ministro é órgão com maior preponderância, junto com o governo, por ele nomeado – são eles que detêm o poder executivo. O Presidente da República tem as suas capacidades limitadas nos assuntos domésticos pelas regras constitucionais e dependentes de outros órgãos, como o governo e o parlamento (Hass 2006: 504). Os poderes do Presidente da República são largamente cerimoniais e de representação, estando severamente limitados, especialmente desde a revisão constitucional de 198624, que aboliu os poderes mais

24 A constituição grega foi aprovada em 1975, como fruto da transição democrática de 1974. A polémica proposta de revisão constitucional de 1986, lançada pelo Primeiro-Ministro Andreas Papandreou (PASOK) e apoiada pelo KKE, propôs e alcançou a abolição dos poderes mais importantes do Presidente da República. Constantinos Karamanlis, Chefe de Estado grego nesse período, demitiu-se em protesto quando o plano foi anunciado (Alivizatos e Eleftheriadis 2001: 63-64). 45 significativos por ele detidos. Desde então que o Chefe de Estado grego é o mais fraco na Europa (Alivizatos e Eleftheriadis 2001: 63-64). O poder legislativo é, por outro lado, dividido entre o governo, que pode introduzir propostas, e a legislatura grega (parlamento grego), que pode propor e aprova legislação, tendo também a possibilidade de exercer um voto de não confiança ao Governo ou a ministros específicos no momento da sua formação. O sistema eleitoral para a legislatura grega prevê a realizações de eleições de 4 em 4 anos, através de um sistema de representação semi-proporcional com bónus maioritário. Dos 300 membros do parlamento, 238 são eleitos diretamente nos seus círculos eleitorais, enquanto 12 são deputados nacionais, eleitos através de um círculo nacional, sendo que o partido mais votado recebe um bónus de 50 deputados. O acesso à legislatura tem como barreira mínima de representação os 3% do total de votos. Este sistema eleitoral potencia a estabilidade governativa e desencoraja a proliferação de pequenos partidos.

3.3.2. O sistema partidário grego Após a queda do regime dos coronéis e o conjunto de mudanças políticas (Metapolitefsi) que lhe sucederam durante o ano de 1974, os partidos políticos desempenharam um papel importante na mudança e estabilização do regime democrático, sendo que todos os que desempenharam um papel importante neste processo eram novos partidos, surgidos durante este período (com exceção do KKE, criado em 1918) (Verney 2011: 498). Desde 1974, o sistema partidário grego evoluiu de um sistema fragmentado para um mais polarizado; Pappas (2003: 110) sugere que a evolução deste sistema pode ser dividida em três fases: uma fase de partido- predominante (1952-1963), seguida de pluralismo polarizado (1963-1981) e de uma fase de bipartidarismo (de 1981 em diante). A Nova Democracia (centro-direita/direita) de Konstantions Karamanlis liderou o processo de transição para a democracia, vencendo as eleições de 1974 e 1977. Embora tenda perdido as eleições para o PASOK de Andreas Papandreou em 1981, regressaria ao poder entre 1985 e 1990 e entre 2004 e 2007. O PASOK foi o mais votado entre 1993 e 2000 e em 2008. Estes foram os dois partidos mais votados entre 1974 e 2012, e só no contexto da crise é que registaram uma quebra significativa nas suas votações (sobretudo o PASOK), com o Syriza (Coligação de Esquerda radical) a ser o principal beneficiado (Sanches 2018: 138). Os governos de partido único foram dominantes, com exceção dos governos de 1989- 1990, em que os comunistas foram integrados (Pridham e Verney 1991).

46

Apesar de em 2007 já se manifestarem sinais de uma crescente fragmentação, que aumentaram de intensidade em 2009, o bipartidarismo manteve-se relativamente estável até 2012, sendo que desde 1990 a ND e o PASOK foram os únicos partidos relevantes na legislatura grega, com os partidos mais pequenos a obterem representação, mas com reduzida capacidade de influência (caso do KKE), devido às maiorias absolutas quer de um, quer de outro (Tsatsanis 2019: 119). Nas últimas décadas o sistema partidário dividiu-se em três campos ideológicos: direita/ centro-direita (ND), centro/centro-esquerda (PASOK) e esquerda radical (KKE,

Synapismos25 e Syriza) (Lyrintzis 2015). Com uma constante alternância governativa entre ND e PASOK, com fórmulas de governo familiar e acesso ao governo limitado entre estes dois partidos, o sistema partidário grego apresenta uma estrutura de competição fechada.

3.3.3. O impacto da crise O sistema partidário grego foi aquele que mais alterações sofreu com o impacto da crise económica e financeira de 2008. A transformação que sofreu durante este período é um dos casos raros em que uma alteração radical do sistema partidário ocorreu sem uma mudança de regime ou sem uma reforma do sistema eleitoral (Tsatsanis 2019: 132). Esta transformação não é ainda visível em 2009. Apesar disso, eram já visíveis alguns sinais de estagnação do sistema partidário. O bipartidarismo persiste apesar da falta de entusiasmo pelo novo governo do PASOK e da dificuldade da ND em modernizar a sua ideologia e estrutura interna (Pappas 2010: 273). Os sinais de estagnação do sistema partidário grego viriam a manifestar-se de forma mais contundente em 2012 - as eleições desse ano deixaram o sistema “em cacos” (Verney 2014: 32). Apesar de os mesmos partidos continuarem a ser eleitos, as relações entre estes alteraram-se profundamente. O PASOK entrou numa trajetória de declínio, descendo para 12% nas eleições em 2012 (e para 4% em 2015). Por outro lado, o Syriza apresenta a trajetória inversa, tornando-se o segundo maior partido (e viria a vencer as próximas eleições, em 2015). De salientar também a entrada na legislatura do Aurora Dourada, partido de extrema-direita, bem como do DIMAR (Dimokratiki Aristera – Esquerda Democrática) e do ANEL (Anexartitoi Ellines- Gregos

25 O Synaspismos surgiu inicialmente como coligação entre o KKE, KKE-Interior e outras forças políticas de esquerda. Após a participação da coligação em dois governos de coligação, o KKE abandonou a coligação eleitoral. Não obstante, as restantes forças políticas decidiram mantê-la e continuar a participar nas eleições subsequentes, entrando para o parlamento em 1996 sem a participação do KKE. Mais tarde, viria a fazer parte da formação do Syriza. 47

Independentes), cisões do Syriza e da Nova Democracia, respetivamente. A entrada destes partidos neste período atribui-lhes um papel de maior proeminência, devido a uma maior pulverização dos votos e da representação partidária lhes garantir um maior poder de influência no sistema partidário.

Gráfico 2. Eleições legislativas na Grécia (2004-2015)

PASOK ND KKE Syriza ANEL (GI) AD DIMAR

50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 2004 2007 2009 2012 2012 2015

Fonte: Ministério Helénico do Interior e da Reconstrução Administrativa

O surgimento de novas forças partidárias e a perda de preponderância dos dois partidos principais permite-nos identificar que o sistema partidário grego evoluiu do bipartidarismo para o pluralismo polarizado (Tsatsanis 2019: 128). Sete partidos foram eleitos para a legislatura gregas nas duas eleições de 2012 e manteve-se um elevado nível de polarização ideológica, oscilando entre os comunistas e a extrema-direita (duas tendências que se mantêm em 2015). Por outro lado, o sistema mantém uma estrutura de competição fechada (tabela 8). No entanto, a abertura do governo ao DIMAR, assim como a fórmula governativa inovadora baseada em três partidos (ND, PASOK e DIMAR) mostram uma pequena abertura da estrutura de competição. Esta abertura demonstra as dificuldades dos partidos tradicionais em preservarem o seu papel na principal dimensão de competição e a manutenção das suas práticas de coligação e governativas. O Syriza aproxima-se cada vez mais do PASOK e ultrapassa-o em 2012, tornando-se a segunda maior força eleitoral. Todas estas tendências viriam a materializar-se de forma ainda mais clara em 2015, com o Syriza a vencer as eleições e a formar governo de coligação com os Gregos Independentes. Por isso, em 2015, pela primeira vez desde a década de 1990, o sistema partidário grego apresenta uma estrutura de competição aberta, com alternância completa, inovação na composição dos

48 executivos e abertura a (dois) novos partidos (tabela 11). Consuma-se, assim, uma transformação completa deste sistema partidário.

Tabela 11. As estruturas de competição na Grécia antes e depois da crise (2004-2015) Abertura a novos Composição do Governo Alternância Inovação partidos 2004-07 ND Completa Não Não 2007-09 ND Inexistente Não Não 2009-11 PASOK Completa Não Não 2011-12 PASOK+ND Parcial Não Não 2012-15 ND+PASOK+DIMAR Parcial Sim Sim 2015- SYRIZA+ANEL Completa Sim Sim Fonte: elaborado pelo autor com base em Jalali (2007)

3.3.4. O ambiente sociopolítico Como se pode verificar na tabela 12, a crise representou uma ligeira alteração do ambiente sociopolítico na Grécia, que o tornou mais favorável para o crescimento eleitoral do KKE. Argumenta-se, aqui, que este ambiente se tornou mais favorável devido à deterioração das condições económicas e sociais, assim como pela crescente descrença por parte dos cidadão na democracia e nas instituições políticas europeias e nacionais. Contudo, o crescimento eleitoral da extrema-direita veio tornar o ambiente político também mais hostil para os comunistas gregos. Em primeiro lugar, as condições económicas e sociais pós-crise definem-se essencialmente pela diminuição do crescimento económico e a um aumento significativo do desemprego. O país entrou em recessão em 2008, sendo que só voltaria a ter crescimento a partir de 2012 – e, mesmo assim, desde esse ano até 2015, o crescimento seria sempre inferior a 1% e na maioria dos casos perto do 0%. Os níveis de desemprego, que já eram considerados elevados durante o período de 1990 a 2008, aumentaram drasticamente, subindo desde os 7,7%, em 2008, até aos 27,5% em 2013, a taxa de desemprego mais elevada de sempre na Grécia desde a democratização. Em segundo lugar, mantêm-se os níveis elevados de desconfiança dos cidadãos face ao funcionamento da democracia nacional e aos efeitos da globalização, sendo de salientar a diminuição do suporte pela presença na UE (por exemplo, o Eurobarómetro aponta que em 2012, 50% dos inquiridos da população grega afirmaram que a pertença à UE era uma ‘coisa má’ para o país’). No entanto, como já verificado no subcapítulo anterior, este foi também o período de afirmação do Aurora Dourada como partido relevante e do Syriza como uma das principais forças

49 partidárias. Isto pode indicar que, apesar das condições mais favoráveis, estas podem ter sido capitalizadas acima de tudo por estes partidos, dificultando o crescimento eleitoral do KKE.

Tabela 12. Fatores de sucesso dos partidos de extrema-esquerda em Portugal (1990-2008 e 2009-2015)

direita

-

de de partido

esquerda

-

antes

existência

-

Federalismo/Devolução Desemprego elevado TOTAL

Pré de extrema partidárioSistema convergente Baixo crescimento do PIB Baixo suporte UEda Alta ansiedade globalização com a Inexistência de relev ‘verdes’

Baixa satisfação com a democracia nacional Inexistência de partido relevante de extrema 1990-2008 + + + + + + 6

2009-2015 + + + + + + + 7 Fonte: Compilação do autor, com base dos dados de March (2008), para o período 1990-2008; Taxa de desemprego e crescimento do PIB: OCDE (consultado em janeiro de 2019); Satisfação com a democracia, suporte da UE e ansiedade com a globalização: Eurobarómetro (consultado em janeiro de 2019).

50

4. PCP e KKE: dois partidos marxistas-leninistas em perspetiva histórica e comparada

O marxismo-leninismo é uma tendência dentro do pensamento comunista e marxista, que nele incorpora as contribuições teórico-práticas de Lenine. É uma aproximação do marxismo, focada na tomada do poder de e para o proletariado, com o objetivo da construção de uma sociedade socialista (Lane 1998). O partido comunista exerce aqui um papel de vanguarda, legitimando a ação revolucionária do partido em nome da classe trabalhadora (Keith e Charalambous 2016: 156). O marxismo, enquanto teoria baseada nos contributos de Karl Marx e Friedrich Engels, é universalmente reconhecida como a origem principal (e os seus autores, os principais criadores) do comunismo enquanto ideologia e enquanto movimento. Estes contributos assentam em diferentes conceções sobre política, economia, filosofia e sociologia que alteraram a forma como estes campos são analisados e estabeleceram novas formas de analisar os fenómenos políticos e históricos (Lefebvre 1974). O materialismo dialético é a base filosófica do marxismo. Esta base filosófica tem dois eixos principais: o materialismo histórico e a dialética hegeliana. Em primeiro lugar, o materialismo histórico assenta na visão de que o mundo material e o mundo das ideias são diferentes e opostos, mas que funcionam dentro de uma unidade, na qual o material é primordial (materialismo). Deste modo, “a sociedade, como entidade geral, não tem qualquer existência separada dos indivíduos que a compõem” (Lefebvre 1974: 71). As formas de organização social e políticas, as leis e outros aspetos da estruturação das sociedades são assim interpretados como um reflexo das desigualdades de poder dentro das sociedades e da sua divisão em classes. Em segundo lugar, a dialética hegeliana afirma que a realidade concreta é uma unidade composta por elementos contraditórios, cujo confronto permite a evolução histórica (tese, antítese, síntese) (Edgley 1998). É a conceção materialista dialética, através nestes dois eixos, que está na base da afirmação de que a “história de todas as sociedades que existiram até aos nossos dias tem sido a história da luta de classes”: uma luta entre “opressores e oprimidos” que terminou sempre com a “transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta” (Engels e Marx 1848). Segundo a tese marxista, a sociedade de classes capitalista, assente na acumulação de capital e na propriedade privada dos meios de produção, produziria inevitavelmente um conjunto de contradições que criariam as condições para a sua desagregação. Esta desagregação, exposta pela intensificação do conflito entre classes, levaria à construção da

51 sociedade socialista, assente no fim da propriedade privada dos meios de produção e ao consequente desaparecimento da divisão da sociedade em classes. A visão materialista dialética está também na base da vertente internacionalista do marxismo. O internacionalismo marxista postula que os indivíduos se definem socialmente pela classe a que pertencem e não pela nacionalidade, raça ou outro fator. Nesse sentido, a classe trabalhadora é um sujeito histórico que deve procurar atuar não de acordo com os interesses da sua nação ou país, mas sim de acordo com os interesses da sua classe. É esta a base do internacionalismo proletário e é com isto em mente que Marx e Engels escrevem, no Manifesto do Partido Comunista (1848), “Proletários de todos os países, uni-vos!”. Ao materialismo dialético, à luta de classes, ao internacionalismo proletário e à crítica ao capitalismo, Lenine acrescenta um conjunto de contributos um conjunto de princípios orientados para a tomada do poder por parte da classe trabalhadora. Estes contributos facilitaram a adequação do marxismo ao contexto específico da Rússia no início do século XX e seriam, depois, o mote para a adequação dos movimentos revolucionários aos seus contextos nacionais. O objetivo de tomada do poder seria alcançado com a organização da classe trabalhadora através do Partido Comunista, que exerceria o papel de vanguarda revolucionária. Nesta perspetiva, a estrutura do Estado é rejeitada, enquanto parte da mais larga estrutura do desenvolvimento capitalista, e a participação nos seus mecanismos representativos era limitada (Valenta 1989). Assim, o partido é entendido como um conjunto de revolucionários profissionais, que deveriam alcançar o poder em nome do proletariado e destruir as estruturas económicas e políticas do capitalismo (Clarke 1997). O marxismo e o marxismo-leninismo construíram um corpo teórico que estabeleceu as bases para a criação de vários movimentos revolucionários, em países muito diferenciados e eles próprios com práticas muito diversas. No entanto, todos partilham um objetivo comum – a construção de uma sociedade socialista.

4.1. As diferentes trajetórias do movimento comunista O internacionalismo proletário defendido pelos partidos comunistas sempre os levou a coordenarem as suas atividades no nível internacional. Isto fez com que estes partilhassem entre si grandes similaridades em termos ideológicos, táticos e organizacionais. Apesar disso, estes partidos também se foram construindo de forma divergente ao longo da sua história. Estas divergências surgiram, em primeiro lugar, porque os partidos enfrentaram

52 diferentes contextos históricos, diferentes estruturas de oportunidade política e clivagens nos seus contextos nacionais e foram-se adaptando em função disso (Charalambous 2013: 5). Em segundo lugar, as referidas divergências também se devem a uma crescente divergência do movimento comunista internacional. Esta divisão dentro do movimento despoleta-se com a dissolução do Comintern (Terceira Internacional, 1919-1943) e do Cominform (Escritório de Informação dos Partidos Comunistas e Operários, 1943-1956), organizações internacionais de orientação comunista e ligadas ao PCUS, que promoviam o intercâmbio de informações e a coordenação das atividades de vários partidos comunistas da Europa (Keith e Charalambous 2016: 148). Em terceiro lugar, o surgimento de diferentes correntes teóricas do movimento comunista, críticas do marxismo-leninismo, reforça as divergências dentro da família partidária. Na década de 1950, as correntes maoístas e trotskistas adquirem uma maior visibilidade, contestando a interpretação estalinista do marxismo-leninismo (Lane 1998: 280). A partir da década de 1970 surgiram também cada vez mais correntes que desafiavam a visão ortodoxa do marxismo-leninismo, das quais se salientam o eurocomunismo, especialmente influente em Itália, Espanha e França (Kindersley 1981). Estas correntes postulavam um maior distanciamento da União Soviética e a utilização das instituições do capitalismo e da democracia liberal como formas de alcançar o socialismo (Narkiewicz 1990). Por último, a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a posterior desagregação da URSS vieram acentuar esta divergência. Bull (1994: 213-214) afirma que, após este acontecimento, o ‘movimento comunista como o conhecemos morreu’ – não no sentido do seu desaparecimento físico, mas de uma reorientação ideológica fundamental. Analisando concretamente o PCP e o KKE verificamos que estes partilham da mundivisão marxista-leninista. Nesse sentido, é importante observar como é que estes evoluíram face às contribuições de Lenine para o marxismo. Estas contribuições podem ser divida em três dimensões partidárias: ideologia oficial, comportamento político e estrutura organizacional (Keith e Charalambous 2016). Os partidos comunistas receberam orientações relativas a estas três dimensões. A sua organização segundo os parâmetros leninistas do centralismo democrático era um parâmetro obrigatório tanto para a entrada como para a permanência na Internacional comunista (Hobsbawm 1994: 69). A manutenção, por parte do PCP e do KKE, de uma orientação ortodoxa em linha com estes princípios, demonstra que estas dimensões continuam a ser fulcrais para o seu estudo. Apesar de serem considerados os dois como comunistas conservadores (March 2011), um estudo recente (Keith e Charalambous 2016) veio confirmar a existência de alguma diversidade intrafamiliar dentro dos partidos marxistas-leninistas, essencialmente em torno da

53 ideologia. Estes autores sugerem que estes podem ser identificados como partidos marxistas- leninistas perfecionistas (caso do KKE) e pragmáticos (caso do PCP). Nos subcapítulos abaixo analisa-se comparativamente a evolução histórica da ideologia, do comportamento político e da estrutura organizacional do PCP e do KKE, de forma a compreender de forma mais detalhada a diversidade intrafamiliar dos partidos marxistas-leninistas e a distinção entre perfecionistas e pragmáticos.

4.2. A ideologia em perspetiva histórica e comparada Os partidos classificados como comunistas conservadores tem como principais caraterísticas uma inspiração ideológica no marxismo-leninismo, assente no anticapitalismo, no anti-imperialismo e no papel central atribuído às conceções de classe; estes partidos defendem a construção do comunismo através da via revolucionária (March 2012: 318). Ambos os partidos assumem assim uma atitude largamente positiva face ao legado da URSS. Apesar disso, tanto o PCP como o KKE criticaram aspetos específicos da URSS. O PCP, por um lado, afirma que esta se desviou do ideal comunista devido ao excesso da centralização do poder nas mãos da burocracia, aos excessos repressivos do Estado e à criação de uma economia excessivamente estatista, caraterísticas que dificultaram a ligação entre os partidos e as massas (Keith e Charalambous 2016: 150). No entanto, o partido afirma que o socialismo foi traído na URSS, e que Mikhail Gorbachev e a perestroika se afiguraram tanto como manifestações dessa traição, como causas que levaram ao colapso do socialismo (Cunhal 1995). Por outro lado, apesar de ter apoiado inicialmente a perestroika (Smith 1993), o KKE viria também a criticar a orientação destas reformas. O KKE recusa a visão de que a URSS não era democrática e valida a orientação geral do plano económico estalinista. Para o partido, a dissolução da URSS deveu-se não a um conjunto de falhas estruturais do sistema soviético, mas antes à influência de forças contrarrevolucionárias dentro do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) (Keith e Charalambous 2016: 150-151). O PCP e o KKE demonstram semelhanças no seu olhar sobre o capitalismo. Ao contrário da maioria dos restantes partidos de esquerda radical, ambos colocam o ónus das suas críticas ao capitalismo em si, e não apenas no neoliberalismo ou na globalização (March 2012: 318). Ambos salientam as tendências monopolistas e imperialistas do capitalismo, vendo as organizações internacionais (como por exemplo a NATO e a UE) como instrumentos dos grandes interesses económicos e políticos. Nesse sentido, ambos valorizam também o papel do Estado-

54 nação, visto como o último reduto da soberania popular, assim como o local onde estes partidos tentam focar a sua ação de luta de classes (Keith e Charalambous 2016: 151). Por outro lado, apesar de manterem o uso da teleologia marxista e a sua visão do partido como uma vanguarda da classe operária, com o objetivo da construção de uma sociedade socialista, observa-se, neste âmbito, uma postura mais ambígua por parte do PCP, ao contrário do KKE. Após a Revolução de 1974, os comunistas portugueses seguiram uma estratégia de ‘ocupação institucional’, através do qual o partido estabeleceu a sua influência nos sindicatos, no poder local e nos media (Bosco 2001: 336), que foi capaz de manter posteriormente. A partir da década de 1980, o PCP foi fortemente influenciado pela tese da ‘democracia avançada’ de Álvaro Cunhal, segundo a qual o ideal e projeto dos comunistas é a construção de uma democracia em quatro vertentes inseparáveis - política, económica, social e cultural -, sendo esta uma fase embrionária para uma sociedade comunista (Cunha 1991; Keith e Charalambous 2016: 151). Bosco (2001) aponta esta alteração como um sinal de adaptação e flexibilização ideológica, enquanto outros autores, como Cunha (2008) e Gaspar (1991) vêm a tese da ‘democracia avançada’ como uma tentativa de ofuscar os objetivos revolucionários do partido através de uma ambiguidade retórica. No entanto, apesar destas divergências, pode-se confirmar, por um lado, que o PCP mantém a ligação à ideologia comunista e, por outro, que o partido sentiu a necessidade de ajustar a sua retórica revolucionária em função tanto dos eventos que se desenrolaram na URSS, como em função do ambiente político em Portugal. Como já foi referido, neste âmbito o KKE apresenta uma postura mais aberta e inequívoca do que a do PCP. Os comunistas gregos recusam a possibilidade de governar num sistema capitalista, defendo a instauração da ditadura do proletariado, construída através da ação central de um Estado socialista revolucionário que proceda à socialização dos meios de produção, sob a liderança do partido (KKE 2009). As recentes demonstrações de apoio do partido às políticas industriais estalinistas (por exemplo, KKE 2009) e a rejeição do multipartidarismo, visto como uma conceção democrática burguesa (Keith e Charalambous 2016: 152), são ilustrativas da cosmovisão do partido e da conceção do comunismo a ela inerente. Os partidos partilham também o essencial das suas propostas económicas, focadas essencialmente no pleno emprego, aumentos de salários e pensões e num maior controlo estatal da economia. O KKE defende a existência de um sistema de educação e de saúde gratuitos, a criação de cooperativas agrícolas, a semana de trabalho a 35 horas e o valor dos salários dependente das necessidades dos trabalhadores e não consoante a sua produtividade

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(Charalambous 2013). Por outro lado, o PCP defende também a melhoria dos sistemas de saúde, um maior planeamento económico, assim como a redução do défice comercial e da dependência alimentar para garantir a independência nacional (PCP 2012). Apesar de similares, as propostas políticas do PCP são mais pragmáticas que as do KKE. Esta diferença está baseada, acima de tudo, na posição divergente que tomam em relação à economia de mercado, com o KKE a recusar por completo a existência de iniciativa privada e o PCP a afirmar a importância de algumas formas de iniciativa privada no processo de construção de uma economia mais científica e de um melhoramento do setor dos serviços, capazes de contrariar a posição de debilidade de Portugal no mundo (PCP 2012). Assim, as propostas políticas do KKE são dependentes da revolução socialista, enquanto as propostas do PCP se baseiam também em propostas incrementais, tornando o seu programa político mais flexível e, por isso, mais exequível dentro das condições políticas e sociais existentes. Segundo a tipologia de Gomez et al. (2016: 364) para o posicionamento dos partidos face às New Politics, ambos os partidos são classificados como ‘partidos tradicionais’, por oposição aos ‘partidos da nova esquerda’. Isto significa que nenhum dos dois coloca temas como a ecologia e o feminismo no topo das agendas, sendo estas questões subordinadas às questões de classe (March 2012: 318). No entanto, já foi também apontado (Keith e Charalambous 2016: 153) que na escala GAL-TAN, o PCP se posiciona como mais próximo dos temas verdes, alternativos e libertários do que o KKE, um partido mais tradicionalista, autoritário e nacionalista. Por último, em relação à integração europeia, importa salientar que o euroceticismo está no centro da agenda destes partidos. Dentro de várias tentativas de categorização do euroceticismo partidário e em específico dos partidos de esquerda radical, tanto o PCP como o KKE foram classificados como ‘hard eurosceptics’ e eurorejectionistas, o que demonstra que ambos partilham não só críticas a políticas específicas e a órgãos da UE, mas também uma oposição de princípio à integração europeia (rejeição da UE como ideal normativo) (Charalambous 2011; Verney 2011). O PCP afirma que a UE foi ‘concebida como um instrumento e espaço dos grandes monopólios e das multinacionais europeias’, um projeto capitalista com intenções imperialistas e relações coloniais dentro de si (PCP 2014: 5). No entanto, esta visão e retórica altamente eurocéticas divergem um pouco das mais moderadas propostas políticas do partido, que procuram também que Portugal aproveite as oportunidades provenientes dos fundos estruturais para modernizar a sua indústria e economia, procurando simultaneamente uma renegociação dos termos de pertença do país à UE (PCP 2014; Dunphy 2004: 114). Apesar de defender a saída do país do

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Euro, o PCP assume na sua estratégia que esta saída deverá ser previamente preparada e deliberada a nível europeu, considerando também que as perspetivas de saída da UE são irrealistas (Charalambous 2011). Estas caraterísticas divergem bastante face às do KKE, que defende uma saída imediata da Grécia da União Europeia. Os comunistas gregos vêm a UE e o intergovernamentalismo como incompatíveis com a mudança revolucionária e as políticas europeias, como por exemplo os fundos estruturais, como instrumentos de promoção do capitalismo e da própria UE (Keith e Charalambous 2016; Charalambous 2013; Verney 2011).

4.3. O comportamento político em perspetiva histórica e comparada Os ‘comunistas conservadores’ são caraterizados por uma atitude normalmente negativa face à participação nos governos nacionais, por privilegiarem alianças com grupos ‘ideologicamente sãos’ e leais e por afiliações internacionais focadas na sua dimensão internacionalista, essencialmente através do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e dos Trabalhadores (March 2012: 319). O PCP participou nos governos provisórios durante a transição para a democracia entre 1975 e 1976, enquanto o KKE participou num governo de coligação entre 1988 e 1990. Desde então, ambos têm evitado fazer compromissos ideológicos necessários para uma aceitação por parte dos partidos mainstream. Ao invés, têm-se focado essencialmente numa estratégia de protesto social que, embora não tenha tido capacidade de atrair maiores votações, tem-lhes permitido influência e um papel público ativo e saliente (Keith e Charalambous 2016: 154). No entanto, a indisponibilidade não é o único fator explicativo da ausência destes partidos da esfera governativa. Em Portugal, a participação do PCP no governo também foi sempre mal recebida dentro do Partido Socialista, com o partido a optar pela formação de governos minoritários ou em coligação com os partidos de direita (PSD e CDS) (Freire 2017). O PCP considera também que o PS é um partido demasiado à direita para ser um parceiro de coligação viável (De Sousa 2008). Na Grécia, por outro lado, as regras do sistema eleitoral permitiram que, historicamente, tanto o

PASOK como a Nova Democracia conseguissem formar governos maioritários individualmente26. O PCP procurou sempre a construção de alianças que conseguisse dominar. Desde as últimas décadas que o partido concorre em coligação com o Partido Ecologia ‘Os Verdes’ (PEV) e a Intervenção Democrática (ID), através da Coligação Democrática Unitária (CDU). No entanto, a liberdade de ação destes partidos é muito limitada dentro desta coligação. Estas alianças estão

26 O KKE viria, no entanto, a rejeitar a possibilidade de participar no governo liderado pela Syriza, em 2012 (ver capítulo 5). 57 essencialmente destinadas a uma tentativa de obter mais votos e maior presença no espaço público, não representando uma vontade genuína de estabelecer compromissos com outras forças partidárias (Keith e Charalambous 2016: 154; Cunha 2008: 4). Apesar de uma tentativa de institucionalização de relações com o BE (Keith 2011), os dois partidos portugueses criticam-se mutuamente e têm dificultados ações tendo por base um entendimento comum. Por outro lado, o KKE colaborou em várias iniciativas parlamentares com o PASOK, essencialmente de 1974 a 1991, assim como na Confederação Geral dos Trabalhadores da Grécia e na proposta de Christos Sartzetakis para Presidente da República em 1985. Em 1988, o partido formou também a coligação Synaspismos (SYN), com a Esquerda Grega (Elliniki Aristera – EAR), o partido sucessor do KKE-Interior, eurocomunistas dissidentes do KKE. Em 1991, depois de uma queda eleitoral, o partido abandonou a coligação e as vozes mais reformistas no seu interior foram sendo gradualmente afastadas, com a liderança a tornar-se cada vez mais ortodoxa e com uma postura de confronto (Keith e Charalambous 2016: 154). Ao nível local, o PCP formou em Lisboa uma aliança com o PS Lisboa de 1989 a 2001, chegando como parceiro minoritário ao executivo da Câmara Municipal em 1993; no entanto, desde então, as negociações para este órgão não voltaram a ser bem-sucedidas em datas posteriores, nem foram reproduzidas noutras zonas do país, devido a uma postura cada vez mais ortodoxa e intransigente por parte do PCP (Cunha 2008: 17). A política de coligações do PCP está, assim, intimamente ligada à convicção de Cunhal de que a criação de uma ‘frente de esquerda’ provoca inevitavelmente o desaparecimento dos partidos comunistas (Cunhal 1995). O KKE seguiu inicialmente ao nível local uma estratégia baseada na tentativa de penetração institucional através de uma postura de cooperação com o PASOK (Keith e Charalambous 2016: 155). No entanto, o partido tem descartado a possibilidade de repetir estas alianças desde 1990. Os comunistas gregos atribuem uma menor importância ao poder local e têm-se mostrado indisponível para estabelecer compromissos de modo a ganhar mais influência (Eleftheriou 2011: 79). Ao nível internacional, estes partidos mantêm relações próximas com outros partidos marxistas-leninistas, através do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários e através de encontros bilaterais com outros partidos comunistas por todo o mundo. Por outro lado, ao nível europeu, ambos os partidos fizeram parte do GUE/NGL (Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde – Gauche Unitaire Européene/ Nordic Green Left) durante o período considerado neste Capítulo (até 2008)27. Este partido agrega os partidos de

27 O KKE viria a abandonar o GUE/NGL, em 2014 (ver capítulo 5). 58 esquerda radical no Parlamento Europeu e resulta de uma tentativa de cooperação ao nível transnacional. No entanto, nem o PCP nem o KKE mantêm relações próximas com outros partidos da esquerda radical não-comunistas e criticam abertamente as decisões do GUE/NGL. Por outro lado, ambos recusaram a entrada no PEL (Partido da Esquerda Europeia- Party of the European Left), rejeitando a sua natureza não-revolucionária (Charalambous 2013; March e Dunphy 2010).

4.4. A estrutura organizacional em perspetiva histórica e comparada A estrutura organizacional é a dimensão na qual PCP e KKE partilham mais semelhanças. O centralismo democrático é um conceito e um instrumento partidário basilar para os partidos comunistas, mas é também sujeito a diferentes visões, interpretações e práticas. No entanto, Keith e Charalambous (2016: 155-156) já demonstraram que o PCP e o KKE partilham de uma visão do centralismo democrático semelhante e que ambos estão bastante próximos da definição de ‘centralismo ortodoxo’ de Waller (1988, 1981: 133). Segundo este autor, o ‘centralismo ortodoxo’ tem as seguintes caraterísticas: aplicação do princípio eletivo para todos os órgãos de liderança; responsabilização periódica das lideranças dos órgãos do partido às respetivas organizações partidárias; disciplina partidária rigorosa e subordinação da minoria à maioria; caráter vinculativo das decisões dos órgãos superiores sobre os órgãos inferiores; e inexistência de fações e de diálogo horizontal. O PCP e o KKE afirmam ambos terem altos níveis de democracia interna. No entanto, os estudos sobre estes partidos têm repetidamente apontado a existência de um espaço muito limitado de discussão interna e o domínio do processo de decisão por parte das lideranças (Keith 2011; Eleftheriou 2013; Cunha 2008). O centralismo democrático tem também sido um instrumento das lideranças partidárias para evitarem alterações à estrutura partidária e às posições do partido, cada vez menos frequentes e de âmbito mais reduzido após o fim da URSS (Gaspar 1991; Keith e Charalambous 2016). A existência de fações e a divisão interna são combatidas, por um lado, através do controlo central e das restrições ao diálogo horizontal entre os órgãos regionais e locais (Keith e Charalambous 2016: 155) e, por outro, através do controlo da composição dos órgãos partidários. Em ambos os partidos, aqueles que sobem na sua hierarquia trabalham como funcionários pagos a tempo inteiro, com anos de experiência no partido que comprovam a sua conformidade ideológica (Bosco 2001: 356). O PCP tenta deliberadamente que os sindicalistas e os oficiais eleitos estejam em minoria nos órgãos de liderança do partido, enquanto no KKE os sindicalistas

59 que participam nos órgãos do partido fazem-no em primeiro lugar como membros do partido, e em segundo lugar como sindicalistas (Keith e Charalambous 2016; Eleftheriou 2013). Estas medidas surgiram pela crença dos partidos de que as anteriores tentativas de reforma foram necessárias para diminuir a influência de setores externos ao partido (sindicatos, movimento estudantil, entre outros) e também por isso têm sido eficientes a evitar o surgimento de oposições internas. No caso do KKE, o seu setor reformista foi gradualmente abandonando o partido desde a quebra com o Synapismos, em 1991, sendo que desde então não surgiram quaisquer fações. Desde a democratização, o PCP teve três fações, o ‘Grupo dos Seis’ (1988), a ‘Terceira Via’ (início da década de 1990) e os ‘Renovadores’ (final da década de 1990), todas de cariz reformista (Cunha 2008: 18). As principais figuras destas tendências reformistas foram expulsas ou suspensas do partido28 ou acabaram por o abandonar. Desde o final da década de 1990 que tem existido cada vez menos espaço para debate dentro do partido (Keith 2011). Ambos os partidos têm órgãos internos com competências para expor, julgar e punir membros: a Comissão Central de Controlo (CCC), no caso do PCP, e o Comité de Controlo do Partido, no KKE. Dos militantes é esperado que se envolvam na militância, recrutem novos membros, apoiem as atividades, as posições e a unidade do partido e que deem contas da sua atividade (Keith e Charalambous 2016: 156). Os partidos têm meios de comunicação oficiais - o KKE publica o jornal ‘’ (‘O Radical’) e o PCP publica ‘O Avante!’ e ‘O Militante’ - que procuram disseminar informação e a visão do partido junto dos militantes. Ambos os partidos são altamente centralizados, com estruturas locais e regionais com poucas possibilidades de intervirem no processo de tomada de decisões e pouca influência na liderança. Este centralismo é também potenciado pelas suas estruturas hierarquizadas, que permite aos líderes do partido selecionarem e filtrarem os reformistas e a sua influência no partido. No PCP, o centralismo e a hierarquização substanciam-se na capacidade da liderança do partido, através das lideranças regionais e locais, de controlar quem são os delegados nomeados para o Congresso e da proibição da dissidência e da crítica às decisões do partido (Keith 2010; Cunha 1991: 336). Desta forma, a liderança do partido consegue não só influenciar diretamente as decisões tomadas no órgão deliberativo de maior importância no ordenamento interno (o Congresso), assim como proibir estatutariamente a existência de oposição interna. No caso do KKE, a liderança do KKE monitoriza e exerce controlo sobre as reuniões e atividades do partido,

28 O ‘Caso Zita Seabra’, referente ao processo de expulsão de Zita Seabra, ex-deputada e dirigente comunista próxima de Cunhal, é um dos maiores casos que afetou o PCP durante o período da democracia. Sobre esta questão ver Keith (2011) e Seabra (2007). 60 promovendo uma cultura de obediência e mecanismos institucionais de controlo das listas de delegados ao congresso (Keith 2010; Charalambous 2013). Estatutariamente, o Comité Central é o órgão mais importante entre congressos nos dois partidos e estes órgãos mantém um peso preponderante na sua gestão. No entanto, no caso do PCP, o Secretariado e a Comissão Política do Comité Central são os órgãos-chave onde se localiza o poder dentro do partido. Por outro lado, no KKE o Bureau Político é o órgão com maior poder efetivo. Estes órgãos seguem, assim, modelos semelhantes aos de gestão coletiva, assentes numa pequena elite que se localiza próxima do Secretário-Geral (Keith e Charalambous 2016:157). Os partidos procuram deliberadamente limitar as possibilidades deste em atuar sozinho, de modo a evitar desvios reformistas. A figura do Secretário-Geral é, assim, por norma, relativamente fraca e com pouco carisma - com a exceção de Álvaro Cunhal, que dominou durante décadas os órgãos dirigentes do partido (Keith 2011).

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5. O PCP e o KKE e a crise económica e financeira de 2008: oportunidades e divergências em análise

Neste capítulo apresentam-se e discutem-se os dados empíricos sobre a evolução dos partidos que substanciam a presente investigação (ver também o capítulo 2). Como já referido, recorre-se aos dados do CHES, CMP e análise dos documentos primários. Os estudos de caso são subdivididos de acordo com cada uma das três dimensões escolhidas, nomeadamente a dimensão da ideologia, comportamento político e estrutura organizacional. O presente capítulo visa também discutir criticamente os dados apresentados e analisá-las comparativamente, em função das estruturas de oportunidade política.

5.1. Partido Comunista Português

5.1.1. Evolução da ideologia

5.1.1.1. Esquerda-direita económica

Os dados do CHES para a escala esquerda-direita económica permitem apontar que o PCP se deslocou para a esquerda a partir de 2008 (tabela 13). O partido aproximou-se do limite zero da escala (‘extrema-esquerda’), com valores de 0,3 em 2014. A trajetória de deslocamento para a esquerda é constante, sendo que a média dos valores pós-crise é inferior em 0,6 à dos valores anteriores à crise.

Tabela 13. Evolução do posicionamento do PCP na escala esquerda-direita económica (CHES)

2002 2006 2010 2014 Alteração PCP 1,1 0,9 0,5 0,3 -0,6 Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et al. 2016) Nota: Valores de 0 a 10 (‘extrema-esquerda’ – ‘extrema-direita’) na escala esquerda-direita económica

A partir dos dados do CMP (tabela 14), observa-se que no período anterior à crise (eleições de 2002 e 2005, a dimensão da economia correspondia a 43,7% dos manifestos eleitorais do PCP. As categorias de direita económica apresentam todas valores próximos de 0% (tanto no período anterior, como no período pós-crise). As categorias de esquerda com maior relevância nos manifestos eleitorais do PCP são o apoio à expansão do Estado social (9,8% do manifesto eleitoral,

62 em média), ao investimento em tecnologia e infraestrutura (7,4%) e em referências á igualdade29 (6,5%). As dimensões menos salientadas foram o controlo da economia (0,2%) e nacionalizações (4,2%). No período pós-crise (com eleições em 2009, 2011 e 2015), as categorias económicas representaram 46,2% dos manifestos eleitorais do PCP. O apoio à expansão do Estado social mantém-se como a categoria de esquerda mais presente nos manifestos eleitorais (10,8%), salientando-se também as referências positivas a grupos trabalhistas e direitos dos trabalhadores (6,7%) e ao investimento em tecnologia e infraestrutura (5,5%). Também neste espaço temporal, as categorias menos referidas dizem respeito ao controlo da economia (2,2%) e à expansão da educação e do sistema educativo (2,4%).

Tabela 14. Evolução das categorias de esquerda e direita económica nos manifestos eleitorais do PCP (CMP) (valores em % do manifesto eleitoral)

Categorias 2002 2005 AC 2009 2011 2015 PC Alteração 403 Regulação de Mercado (e) 4,7 5 4,8 0,6 6 2,7 3,1 -1,7 411 Tec. e Infraestrutura (e) 7,4 7,4 7,4 8,1 0,5 7,8 5,5 -1,9 412 Controlo da Economia (e) 0,1 0,2 0,2 2,9 1 2,7 2,2 +2 413 Nacionalizações (e) 4 4,3 4,2 5,7 4 4,3 4,7 +0,5 503 Igualdade (e) 7 5,9 6,5 7,2 9 5,2 7,1 +0,6 504 Estado Social: expansão (e) 10,3 9,3 9,8 14,5 6,5 11,3 10,8 +1 506 Educação (expansão) (e) 4,9 5,4 5,2 3,6 0,5 3,2 2,4 -2,8 701 Grupos trabalhistas (e) 4,8 5,6 5,2 8,6 6 5,4 6,7 +1,5 401 Livre iniciativa (d) 0,1 0,1 0,1 0 0 0 0 -0,1 407 Protecionismo (negativo) (d) 0 0 0 0 0 0 0 0 414 Ortodoxia económica (d) 0,3 0,2 0,3 1,1 0,5 0,4 0,7 +0,4 505 Estado Social: limitação (d) 0 0 0 0 0 0 0 0 507 Educação: limitação (d) 0 0 0 0 0 0 0 0 702 Grupos trabalhistas (-) (d) 0 0 0 0 0 0 0 0 Fonte: elaborado pelo autor com base no CMP (Volkens et al. 2018) Legenda: (d) – categoria de direita económica (e) – categoria de esquerda económica (-) – referências negativas (+) – referências positivas AC – antes da crise (média de valores dos anos anteriores à crise) PC – pós-crise (média de valores dos anos posteriores à crise)

Analisando o impacto da crise, observa-se, em primeiro lugar, que o PCP não aumentou a saliência da dimensão económica nas suas posições políticas. Contudo, cinco das oito categorias tiveram uma maior presença nos manifestos eleitorais do PCP após a crise do que tinham anteriormente. De salientar essencialmente o crescimento das referências ao controlo da

29 As referências à igualdade englobam menções à proteção de grupos minoritários e desprivilegiados e a uma maior necessidade de redistribuição de recursos, assente numa visão de justiça social e tratamento igual para todos (Volkens et al. 2018: 17). 63 economia (+2%) e aos grupos trabalhistas e direitos dos trabalhadores (+1,5%). Simultaneamente, as referências à expansão da educação, ao investimento em tecnologia e infraestrutura e à regulação de mercado foram as categorias cuja presença mais diminuiu no pós-crise (-2,8%, -1,9% e -1,7%, respetivamente). Os resultados do CMP confirmam assim a tendência indicada pelo CHES, permitindo afirmar que houve um ligeiro deslocamento para a esquerda do PCP, associada a uma alteração das dimensões nas quais o PCP se focou. O partido mantém o cerne das suas posições sobre economia em torno da defesa do Estado Social e dos direitos dos trabalhadores. Contudo, o aumento das referências ao controlo da economia e nacionalizações sugerem uma ligeira radicalização. No mesmo período, o partido diminuiu o foco na expansão da educação e no investimento em infraestrutura e tecnologia. O deslocamento para a esquerda foi mais acentuado no ano de 2009, descendo significativamente nas eleições seguintes.

5.1.1.2. New politics

De acordo com os dados do CHES (tabela 15), o PCP tornou-se mais próximo do eixo tradicional e autoritário da escala GAL-TAN (crescimento de 0,5% no pós-crise). No entanto, a oscilação verifica-se acima de tudo em 2014 (já que, em 2010 o partido se aproxima mais do outro eixo da escala) e que, apesar desta mudança, o partido mantém-se globalmente mais próximo do eixo libertário.

Tabela 15. Evolução do posicionamento do PCP na escala GAL-TAN (CHES)

2002 2006 2010 2014 Alteração PCP 2,4 2,5 1,7 4,2 +0,5 Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et al. 2016) Nota: Valores de 0 a 10 (‘libertário/pós-materialista’ – ‘tradicional/nacionalista’) na escala esquerda-direita económica

Através dos dados do CMP para a dimensão das new politics (tabela 16), verifica-se que esta é uma dimensão com uma diminuída presença nos manifestos eleitorais do partido. Estas dezoito categorias tiveram, na sua totalidade, uma presença de 24,5% nos manifestos anteriores à crise, considerando as médias de valores das eleições de 2002 e 2005. No período anterior à crise, as categorias liberais tiveram uma presença mais significativa. Destas salientam-se as referências à proteção ambiental (5,1% e 4,9% do manifesto eleitoral em 2002 e 2005, respetivamente), ao papel do Estado na promoção da cultura (5% e 3,7% em 2002 e 2005,

64 respetivamente) e as afirmações de defesa da democracia (3,9% e 2,9% em 2002 e 2005, respetivamente). Das categorias conservadoras salientam-se as referências à autoridade política do partido, ou seja, a afirmação “da capacidade do partido para governar e/ou da falta de tais competências nos outros partidos” (Volkens et al. 2018: 13) (3,8% e 1,3% em 2002 e 2005, respetivamente). No período pós-crise observa-se uma diminuição da presença das categorias da dimensão das new politics, que passam a representar, numa média dos valores de 2009, 2011 e 2015, 17,4% do manifesto eleitoral do PCP, uma diminuição de 4,5% em comparação com o período anterior à crise. Neste período, a maioria das categorias liberais e conservadoras apresentam valores residuais. Mesmo as referências à cultura e à proteção ambiental - que tinham uma presença significativa nos manifestos anteriores à crise - apresentam uma diminuição média de 3,9% e 2,5%, respetivamente. Salienta-se, no entanto, o crescimento às referências à autoridade política do partido (4%, 6% e 3,4% em 2009, 2011 e 2015, respetivamente) e da visão negativa do internacionalismo (críticas à cooperação internacional e apelos ao reforço da soberania nacional) (1,6%, 5,5% e 1,1 em 2009, 2011 e 2015, respetivamente). Por outro lado, mantêm-se as referências positivas à democracia (1,7%, 5% e 2,6% em 2009, 2011 e 2015, respetivamente).

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Tabela 16. Evolução das categorias liberais e conservadoras nos manifestos eleitorais do PCP (CMP) (valores em % do manifesto eleitoral) Categorias 2002 2005 AC 2009 2011 2015 PC Alteração 109 Internacionalismo (-) (c) 0,7 1,4 1,1 1,6 5,5 1,1 2,7 +1,6 302 Centralização (c) 0,3 0,1 0,2 0 0 0 0 -0,2 305 Autoridade política (+) (c) 3,8 1,3 2,6 4 6 3,4 4,5 +1,9 601 Modo de vida nacional (c) 0,4 0,6 0,5 0 0 1,9 0,6 +0,1 608 Multiculturalismo (-) (c) 0,5 0,5 0,5 0 0 0 0 -0,5 105 Militarismo (-) (l) 0,8 1 0,9 0,4 1,5 0,4 0,7 +0,3 106 Paz (l) 0,2 0,2 0,2 0,3 0 0,1 0,1 -0,1 107 Internacionalismo (+) (l) 0,9 1,5 1,2 1 0 0,6 0,5 -0,7 201 Liberdade e DH (l) 1,1 1,2 1,2 2,2 2 0,4 0,9 -0,3 202 Democracia (l) 3,9 2,9 3,4 1,7 5 2,6 3,1 -0,2 416 Econ. anti crescimento (l) 0,3 0,6 0,5 0 0,5 0 0,2 -0,3 501 Proteção ambiental (l) 5,2 4,9 5,1 1,6 0 2,1 1,2 -3,9 502 Cultura (l) 5 3,7 4,4 2 0 3,6 1,9 -2,5 602 Modo de vida nac. (-) (l) 0 0 0 0 0 0 0 0 607 Multiculturalismo (+) (l) 0,1 0,3 0,2 0,1 0 0,4 0,2 0 704 Classe Média (l) 0,5 1 0,8 1,7 0 0 0,6 -0,2 705 Minorias (l) 0,5 0,3 0,4 0,2 0 0 0,1 -0,1 706 Grupos não-económicos (l) 1,4 1,2 1,3 0,1 0 0,1 0,1 -1,2 Fonte: elaborado pelo autor com base no CMP (Volkens et al. 2018) Legenda: (l) – categoria liberal (c) – categoria conservadora

Estes resultados do CMP permitem confirmar a tendência, apontada pelos resultados do CHES, de que o PCP se aproximou do eixo tradicionalista no período posterior à crise. Por outro lado, permitem também observar que este deslocamento está associado a uma diminuição da atenção que o PCP atribui a esta dimensão no pós-crise. Esta tendência é visível, acima de tudo, no manifesto eleitoral de 2011, em que dozes destas dezoito categorias não são referidas nenhuma vez no manifesto eleitoral. Por último, é também possível verificar que a aproximação ao eixo tradicionalista, autoritário e nacionalista é o resultado, por um lado, de um aumento dos apelos soberanistas do PCP, em defesa de um reforço da soberania nacional, e por outro lado, de um reforço da retórica em torno da autoridade política assente na necessidade de reforçar o partido e na valorização da sua competência. O reforço da soberania e da autoridade do partido são encarados como instrumentos necessários para a defesa da democracia.

5.1.1.3. Integração europeia O CHES indica que a liderança do PCP se tornou mais crítica da integração europeia no período posterior à crise (tabela 17). O partido apresentava valores de 3,8 em 2006 e apresenta

66 valores de 3 e 1,9 em 2010 e 2014, respetivamente, demonstrado a persistência de uma trajetória de aumento do ceticismo face ao processo de integração europeia.

Tabela 17. Evolução do posicionamento da liderança do PCP sobre a integração europeia (CHES)

2002 2006 2010 2014 Alteração PCP 2,7 3,8 3 1,9 -1,6 Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et. al 2016) Nota: Valores entre 0-7 (“fortemente opostos” - “fortemente a favor”)

Os dados do CMP (tabela 18) mostram que as referências positivas à UE nos manifestos eleitorais do PCP, já reduzidas no período anterior à crise (0,4 em 2002 e em 2005), desapareceram quase por completo no pós-crise (0% em 2009 e 2011 e 0,4% em 2015). No sentido inverso, observa-se um aumento das referências negativas à UE – em média, representam 6% dos manifestos eleitorais dos anos após a crise, em comparação com 2,5% do período anterior. Esta diferença é visível essencialmente nos manifestos eleitorais de 2011 e 2015, em que 8% e 7,4% dos manifestos eleitorais representam críticas à UE.

Tabela 18. Referências positivas e negativas à UE nos manifestos eleitorais do PCP (valores em % do manifesto eleitoral)

Categorias 2002 2005 AC 2009 2011 2015 PC Alteração 108 UE: referências positivas 0,4 0,4 0,4 0 0 0,4 0,1 -0,3 110 UE: referências negativas 3 1,6 2,3 2,5 8 7,4 6 +3,7 Fonte: Elaborado pelo autor com base no CMP (Volkens et al. 2018)

Através do cruzamento dos dados do CMP e do CHES é possível afirmar, por um lado, que a crise contribuiu para aumentar o ceticismo do PCP face à UE e ao processo de integração europeia e, por outro, que a dimensão europeia se tornou mais relevante nas posições públicas e políticas do partido.

5.1.2. Evolução do comportamento Político 5.1.2.1. Dimensão Nacional Os gráficos 3, 4 e 5 demonstram, respetivamente, o posicionamento ideológico do PCP, do BE e do PS, de 2002 a 2014, na escala esquerda-direita económica, na escala GAL-TAN e sobre a integração europeia, de acordo com os dados do CHES. Na escala esquerda-direita económica, o PCP deslocou-se para a esquerda, de forma ligeira, mas consistente, aproximando- se do eixo ‘extrema-esquerda’ da escala, como já foi apontado no subcapítulo 5.1.1.1. Esta

67 trajetória foi semelhante à do BE, que também se deslocou para a esquerda no período pós-crise – o partido apresentava valores de 1,2 em 2006, passando a apresentar valores de 1 e 0,7 em 2010 e 2014, respetivamente. Por outro lado, o PS manteve-se praticamente inalterado durante este período – 3,9 e 4,8 em 2002 e 2006 e 4 e 4,7 em 2010 e 2014, respetivamente. Nesse sentido, os dados desta escala apontam que o PCP e o BE mantiveram a sua distância ideológica e que ambos se afastaram ligeiramente do PS, sendo que este distanciamento resulta do deslocamento para a esquerda do PCP e do BE.

Gráfico 3. Posicionamento na escala esquerda-direita económica (2002-2014) (CHES)

Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et. al 2016)

Em relação à escala GAL-TAN, o PCP, apesar de se ter aproximada do eixo libertário em 2010 (1,7), desloca-se em direção ao eixo tradicionalista, autoritário e nacionalista no período pós- crise (4,2 em 2014). O PS tornou-se ligeiramente mais próximo do eixo libertário, com valores de 2,3 e 3,2 em 2010 e 2014. O BE desloca-se em direção ao eixo libertário durante este período (0,2 em 2010 e 0,7 em 2014). Assim, verifica-se que nesta dimensão, no período pós-crise, o PS e o PCP encurtaram ligeiramente a sua distância ideológica, embora o PCP se tenha tornado, pela primeira vez em 2014, mais conservador do que o PS. Por outro lado, aumentou a distância ideológica entre o PCP e o BE.

68

Gráfico 4. Posicionamento na escala GAL-TAN (2002-2014) (CHES)

Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et. al 2016)

Por último, no que toca ao posicionamento das lideranças partidárias em relação à integração europeia, observa-se que PS, BE e PCP se tornaram mais críticos, especialmente no ano de 2014 – 6,4, 3,1 e 1,9, respetivamente. No entanto, esta tendência foi mais acentuada no PCP, como se verifica no gráfico v. Assim, apesar de todos os partidos se terem tornado mais céticos face à UE e à integração europeia, é também observável um pequeno aumento da distância ideológica do PCP face ao BE e ao PS, nesta dimensão.

Gráfico 5. Posição das lideranças partidárias sobre a integração europeia (2002-2014) (CHES)

Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et. al 2016)

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5.1.2.2. Dimensão Europeia O PCP manteve-se, durante este período, fora do PEL, mas manteve-se também como membro do GUE/NGL, que considera “o mais sólido suporte político e garantia da segura concretização de um novo caminho para Portugal e para a Europa” (PCP 2014: 11). Contudo, o partido critica abertamente o grupo europeu e algumas das suas opções e decisões. Observando os dados do CHES para a posição das lideranças partidárias sobre a integração europeia (gráfico 6), observa-se que, dos partidos comunistas considerados, o PCP foi o que mais aumentou o seu grau de descontentamento face à integração europeia. Esta trajetória não foi, no entanto, seguida pelos restantes partidários comunistas, cujas posições não se alteraram significativamente no pós-crise. No entanto, é verificável que o KKE se mantém como o partido mais eurocético (1,1 em 2014) e que o PCP se aproxima da sua posição (1,9 em 2014). O PCF e o V mantêm-se opostos à integração europeia (2,6 e 2,1 em 2014), enquanto o AKEL é

único partido favorável à integração europeia (4,5 em 2014).

Gráfico 6. Posição das lideranças partidárias sobre a integração europeia – partidos comunistas (2002-2014) (CHES)

AKEL KKE PCF V PCP

7

6

5

4

3

2

1

0 2002 2006 2010 2014

Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et. al 2016)

Relativamente à análise da evolução do posicionamento destes partidos sobre políticas e setores de ação específicos da UE, os dados do CHES permitem observar, em primeiro lugar, que o PCP e o KKE se tornaram mais opostos aos poderes do PE – ao contrário dos restantes partidos, que demonstram uma aceitação cada vez mais significativa sobre os poderes deste órgão europeu (gráfico 7). Em segundo lugar, verifica-se uma tendência geral de aumento da oposição às políticas

70 específicas da UE nas restantes dimensões. O apoio às políticas regionais e de coesão (por exemplo, fundos estruturais), tradicionalmente uma das dimensões com maior apoio, desceu em todos os partidos, com exceção do PCF. Esta diminuição foi particularmente acentuada no caso do PCP – de acordo com o CHES, o partido era classificado como “fortemente a favor” das políticas regionais e de coesão da UE em 2002 e 2006 (6,8 e 5,9 em 2002 e 2006), sendo que se tornou “neutral” em 2014 (3,8) (gráfico 9). O mercado interno e a política de segurança e defesa da UE são aquelas que têm menor suporte por parte destes partidos. Esta realidade salienta-se no pós- crise, embora já fosse visível anteriormente. O apoio ao mercado interno desce para o V e para o PCP, que juntamente com o PCF se classificam como opostos ao mercado interno – o KKE mantém-se fortemente oposto, enquanto o AKEL se classifica como neutral (gráfico 8). O apoio à política externa e de segurança da UE sobe no caso do PCF – torna-se um pouco oposto à UE em 2014, aproximando-se da posição do AKEL – enquanto o KKE e o V se mantêm como opostos (gráfico 10). O PCP, inicialmente mais favorável, converge com as posições destes dois partidos no período pós-crise, tornando-se também oposto à política externa e de segurança da UE.

AKEL KKE PCF V PCP AKEL KKE PCF V PCP

7 7 6 6 5 5 4 4 3 3 2 2 1 1 0 0 2002 2006 2010 2014 2002 2006 2010 2014

Gráfico 7. Posição sobre os poderes do Parlamento Gráfico 8. Posição sobre o mercado interno Europeu

AKEL KKE PCF V PCP AKEL KKE PCF V PCP

7 7 6 6 5 5 4 4 3 3 2 2 1 1 0 0 2002 2006 2010 2014 2002 2006 2010 2014

Gráfico 9. Posição sobre as políticas regionais e de Gráfico 10. Posição sobre a política externa e de coesão da UE segurança da UE

71

Tendo em conta a evolução do posicionamento do PCP durante este período, verifica-se que o partido se tornou mais oposto à UE enquanto um ideal – aproximando-se, assim, das posições do KKE e V, partidos mais marcadamente eurocéticos. A tendência é a mesma no que toca ao posicionamento do partido em relação à UE enquanto corpo organizacional e de políticas, na medida em que o PCP se torna mais crítico sobre o mercado interno, as políticas regionais e de coesão e sobre a política externa e de segurança da UE. Nestas três dimensões, o PCP aproxima-se também do KKE e do V, os partidos mais críticos destas políticas. De salientar, no entanto, que o PCP mantém uma posição favorável face aos poderes do Parlamento Europeu, mais próxima da posição do AKEL e do PCF, do que dos restantes partidos, mais críticos. A evolução da distância ideológica a nível europeu permite-nos, assim, observar que o PCP se tornou inequivocamente um partido mais crítico da integração europeia. Contudo, a manutenção do partido enquanto parte do GUE/NGL e a sua aceitação dos poderes do Parlamento Europeu demonstram que o partido se foca acima de tudo nos aspetos não-democráticos do funcionamento da UE. Assim, o PCP vê a UE como um organismo assente em pilares neoliberais, federalistas e militares (PCP 2014: 7), com um funcionamento não-democrático e permeável aos grandes interesses económicos (PCP 2014). O aprofundar do processo de integração impede, por isso, a possibilidade de Portugal se desenvolver a sua economia nacional e “o desenvolvimento do país de acordo com os interesses dos trabalhadores e do povo português” (PCP 2014:4). Esta visão não tem, contudo, um respaldo total no comportamento político do partido, pautado, por um lado, por esta visão normativa sobre a UE e, por outro, pela tentativa de aproveitar as oportunidades decorrentes da integração europeia e de reformar as suas instituições, tornando- as mais “pró-soberania” através de reformas institucionais. O PCP defende a introdução de um ‘modelo institucional de cooperação”, através da qual os Estados decidiriam sobre matérias relacionadas com a soberania, num sistema de um país - um voto e poder de veto para os países (PCP 2005: 120) e propõe a convocação de uma “cimeira intergovernamental para revisão dos Tratados, que tenha como objetivos, entre outros, a imediata revogação do Tratado Orçamental e a revogação do Tratado de Lisboa” (PCP 2015: 80). O PCP defende reiteradamente nos seus manifestos eleitorais que “Uma outra Europa é possível!” (e.g. PCP 2005). Esta “outra Europa” é, acima de tudo, uma Europa com menos UE - o partido propõe o retorno para a esfera da soberania nacional de aspetos-chave do poder político nas mãos da UE e a existência de uma solução a nível europeu para uma “dissolução coordenada” da moeda única (PCP 2015: 80). No entanto, esta “outra Europa” não é também uma Europa

72 sem UE, na medida em que o partido não só não demonstra intenções de lutar pela dissolução da UE, como lança várias propostas para reformar políticas específicas da UE, como por exemplo no setor da agricultura (PCP 2005; 2014), indústrias ou direitos sociais e dos trabalhadores (PCP 2015: 80). O partido refere, em 2015, a necessidade de reforçar o orçamento da UE, de modo a apoiar o desenvolvimento dos países afetado pelos efeitos negativos do Euro (PCP 2015). Estas propostas demonstram que o PCP se mostra disponível para trabalhar na esfera europeia de modo a melhorar as políticas europeias e a sua implementação.

5.1.3. Evolução da estrutura organizacional Durante o período considerado do pós-crise (2009-2015), o PCP realizou apenas um Congresso – o XIX Congresso, em dezembro de 2012 -, do qual saiu a “Resolução Política do XIX Congresso do PCP”. Neste documento, o PCP salientou a necessidade de reforçar o partido, cuja ação deveria ser orientada em torno de três eixos. Primeiro, a resposta à crise do capitalismo, manifestada através do “aprofundamento da sua crise estrutural” e da “intensificação da ofensiva imperialista” (PCP 2012: 5). Em segundo lugar, a afirmação do compromisso, a nível nacional, com uma “política patriótica e de esquerda”, assente numa “rutura com a política de direita” seguida por PS, PSD e CDS e intensificada pela perda de soberania associada ao processo de integração europeia (PCP 2012: 23). Por último, numa intensificação da “luta de massas”(PCP 2012: 59). De acordo com estes eixos, o PCP salienta a necessidade de reforçar a capacidade mobilizadora do partido, através de uma ação “intensiva, coerente e combatente” dos seus membros (PCP 2012: 86). O PCP reforça que essa ação decorrerá um “reforço da organização do partido em todas as suas componentes”: militantes, direção, quadros e organização (PCP 2012: 86). O documento apela ao envolvimento dos militantes no “trabalho coletivo”, sendo “de particular importância que, para além de tarefas pontuais, cada membro do Partido assuma tarefas regulares” (PCP 2012: 87). Neste congresso foi também aprovada a entrada de novos membros nos órgãos dirigentes do partido. Em relação à nova composição do Comité Central, o partido assume que este reflete “a identidade, natureza e princípios do Partido”, mantendo “uma larga maioria de operários e empregados, com uma forte componente operário e, no quadro da renovação e do rejuvenescimento, (…) assegurar a combinação adequada de quadros experimentados com a responsabilização de quadros jovens” (PCP 2012: 88). Esta estratégia demonstra que, em termos organizacionais, o PCP tem apostado, por um lado, na preservação da “identidade comunista” dentro do partido e da sua base militante (PCP

73

2012: 88) e, por outro lado, na renovação geracional dos seus quadros políticos e dirigentes. A manutenção da identidade ocorre através dos apelos à mobilização e participação regular dos militantes nas atividades do partido, mas também da preservação da estrutura do partido e dos seus processos de funcionamento e mecanismos de controlo. Por isso, apesar dos apelos a um maior envolvimento e da necessidade de reforçar o partido, no XIX Congresso do PCP continuam a não ser observadas quaisquer alterações da sua estrutura organizacional, nem dos seus procedimentos internos. A estratégia de renovação geracional, por sua vez, tem assentado em dois eixos principais. Primeiro, numa aposta na responsabilização de quadros mais jovens. Apesar da importância atribuída à manutenção de quadros com maior experiência política na estrutura do partido (essencialmente na Comissão Central de Controlo e na Comissão Política e Secretariado do CC) e da manutenção de Jerónimo de Sousa como secretário-geral (71 anos, eleito deputado à AR pela primeira vez em 1975 e ocupa este cargo desde 2004), o PCP tem renovado consecutivamente os seus quadros. Esta renovação é visível através do papel desempenhado, por exemplo, por João Oliveira (39 anos, líder da bancada parlamentar do PCP na AR e deputado desde 2005), João Ferreira (40 anos, vereador da Câmara Municipal de Lisboa e eurodeputado desde 2009) e por Bernardino Soares (47 anos, anterior líder da bancada parlamentar e atual Presidente da Câmara Municipal de Loures). Simultaneamente, a entrada para a bancada parlamentar na AR de deputados abaixo da fasquia dos 30 anos, como Miguel Tiago (primeiro mandato em 2005, com 26 anos30) e Rita Rato (deputada do partido desde 2009, eleita com 26 anos) reforça também esta tendência e o seu caráter estrutural. Associado a este primeiro eixo, de renovação, está o segundo, de continuidade. Esta é assegurada através do estabelecimento de critérios de escolha dos órgãos dirigentes assentes na existência de uma ligação demonstrada e comprovada face ao partido. Estes novos representantes do partido partilham todos décadas de militância, uns no PCP, outros na JCP, sendo que desempenham em exclusividade as funções de representação do partido. Em alguns destes casos (por exemplo, o de Rita Rato), inclusivamente, estes dirigentes já eram funcionários do partido antes de serem eleitos para cargos de representação. A entrada de novos quadros é, por isso, ‘temperada’ com a predominância de membros do partido com décadas de militância, nos órgãos internos de poder, assim como com a seleção dos novos quadros com base na sua ligação ao partido.

30 Viria a ser deputado durante treze anos, até 2018, quando abandonou o cargo, sendo substituído por Duarte Alves (27 anos, ex-membro da Direção Nacional da JCP). 74

Por último, através dos dados do CHES relativos aos níveis de dissidência interna acerca da integração europeia (tabela 19), observa-se que o partido está cada vez mais unido em torno desta questão. Nesse sentido, observa-se que, no pós-crise, os valores de dissidências interna diminuíram face ao período anterior (2,9 e 1,6 em 2002 e 2006, face a valores de 0,8 e 0,3 em 2010 e 2014).

Tabela 19. Evolução dos níveis de dissidência interna acerca da integração europeia (CHES)

2002 2006 2010 2014 Alteração PCP 2,9 1,6 0,8 0,3 -1,7 Nota: valores entre 0 e 7 (0 – ‘completamente unido’ e 7 – ‘extremamente dividido) Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et. al 2016)

Esta trajetória sugere também que, apesar de o partido não ter efetuados quaisquer alterações à sua estrutura nem aos seus processos internos durante o período pós-crise, os apelos ao reforço do partido e os esforços de mobilização interna tiveram respaldo num reforço da coesão interna e na diminuição da dissidência nos órgãos internos do partido.

5.2. Partido Comunista Grego

5.2.1. Evolução da ideologia 5.2.1.1. Esquerda-direita económica O KKE apresenta uma classificação perto do limite zero da escala esquerda-direita económica (‘extrema-esquerda’), de acordo com os dados do CHES. Esta constatação é válida tanto para o período anterior (0,6 em 2002 e 0,1 em 2006), como para o período posterior à crise (0,1 em 2010 e 2014), em que assiste ainda a um ligeiro deslocamento para a esquerda do partido (tabela 20).

Tabela 20. Evolução do posicionamento do KKE na escala esquerda-direita económica (CHES)

2002 2006 2010 2014 Alteração KKE 0,6 0,1 0,1 0,1 -0,3 Nota: Valores de 0 a 10 (‘extrema-esquerda’ – ‘extrema-direita’) na escala esquerda-direita económica Fonte: Bakker et al. (2016)

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Tendo em conta os dados do CMP, presentes na tabela 21, observa-se que as categorias económicas representaram 41,1% dos manifestos anteriores à crise, passando a representar apenas 10,1% no pós-crise (uma diminuição superior a 30%). Simultaneamente, nos manifestos eleitorais de 2004 e 2007, as dimensões mais relevantes foram acima de tudo a defesa da expansão do Estado Social (19,7%) e a referências a grupos trabalhistas e direitos dos trabalhadores (12,1%). As categorias menos salientadas foram o controlo da economia (0%), o apoio ao investimento em tecnologia e infraestrutura (0,8%) e à regulação do mercado (1,2%). No período pós-crise (eleições de 2009, 2011 e 2015), as referências positivas à igualdade (5,4%) e aos grupos trabalhistas e direitos dos trabalhadores (3,6%) foram as categorias mais referidas. Ao mesmo tempo, cinco das oito categorias de esquerda económica têm uma percentagem igual ou inferior a 1% de presença nos manifestos eleitorais do KKE durante este período: investimento em tecnologia e infraestrutura (0%), expansão da educação (0%), regulação do mercado (0,1%), controlo da economia (0,2%) e nacionalizações (1%). Contudo, todas as categorias de direita económica apresentam também valores inferiores a 1%.

Tabela 21. Evolução das categorias de esquerda e direita económica nos manifestos eleitorais do KKE (CMP) (valores em % do manifesto eleitoral)

Categorias 2004 2007 AC 2009 2012 2015 PC Alteração 403 Regulação de Mercado (e) 0 2,3 1,2 0 0,2 0 0,1 -1,1 411 Tec. e Infraestrutura (e) 0 1,5 0,8 0 0 0 0 -0,8 412 Controlo da Economia (e) 0 0 0 0 0,2 0 0,2 +0,2 413 Nacionalizações (e) 0,9 2,3 1,6 0 3 0 1 +0,5 503 Igualdade (e) 1,7 3,1 2,4 0 2,2 3,2 2,7 +0,3 504 Estado Social: expansão (e) 1,7 37,4 19,7 0 3,7 1,6 2,7 -17 506 Educação (expansão) (e) 0,9 3,8 2,4 0 0 0 0 -2,4 701 Grupos trabalhistas (e) 12,1 12,2 12,2 0 5,5 1,6 3,6 -8,5 401 Livre iniciativa (d) 0 1,5 0,8 0 0 0 0 -0,8 407 Protecionismo (-) (d) 0 0 0 0 0 0 0 0 414 Ortodoxia económica (d) 0 0 0 0 0 0 0 0 505 Estado Social: limitação (d) 0 0 0 0 0 0 0 0 507 Educação: limitação (d) 0 0 0 0 0 0 0 0 702 Grupos trabalhistas (-) (d) 0 0 0 0 1,1 0 0,4 +0,4 Fonte: elaborado pelo autor com base no CMP (Volkens et al. 2018)

Analisando o impacto da crise nestas dimensões, constata-se que seis das oito categorias diminuem a sua presença nos manifestos eleitorais do partido, das quais se salientam as referências à expansão do Estado social (-17%) e aos grupos trabalhistas e direitos dos trabalhadores (-8,5%).

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Os resultados aqui apresentados não permitem tirar conclusões significativas. A diminuição de seis das oito categorias assinaladas indica que o partido não se focou nestas dimensões como resposta à crise; contudo, também não permitem concluir que o partido se deslocou para a direita, já que não houve uma transferência de categorias para a direita económica. Estes resultados devem ter em conta, por isso, a ambiguidade e as limitações do próprio método, visível, por exemplo, nas variações superiores a 30% ocorridas nos valores da categoria 504 (Estado social) de uma eleição para outra, sem corresponderem a alterações de fundo no partido. Simultaneamente, deve também ser assinalado que, neste partido, várias dimensões tiveram 0% de presença no manifesto eleitoral (no ano de 2009, nenhuma das categorias de esquerda esteve representada no manifesto, de acordo com o CMP). As grandes discrepâncias podem ser, em parte, explicadas pelas debilidades de um instrumento de análise que é codificado manualmente por diferentes codificadores e cujos resultados são, por isso, influenciados pela subjetividade das interpretações. Também, o CMP apresenta várias categorias cujo significado se pode assemelhar e potenciar estas disparidades. Nesse sentido, a análise da evolução do KKE nesta dimensão deve ser complementada com a análise de outras categorias do manifesto, apresentadas nos subcapítulos seguintes.

5.2.1.2. New politics Observando o posicionamento do KKE na escala GAL-TAN, verifica-se que o partido se mantém mais próximo do eixo autoritário e tradicionalista, não se registando alterações significativas no período pós-crise – os especialistas posicionaram o partido em 6,1 em 2010 e 5,8 em 2014 (tabela 22).

Tabela 22. Evolução do posicionamento na escala GAL-TAN (CHES)

2002 2006 2010 2014 Alteração KKE 6 6,1 6,1 5,8 -0,1 Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et al. 2016) Nota: Valores de 0 a 10 (‘libertário/pós-materialista’ – ‘tradicional/nacionalista’) na escala esquerda-direita económica

Observando os dados do CMP para a dimensão nas new politics (tabela 23), verifica-se, em primeiro lugar, que a categoria de autoridade política apresenta o valor mais elevado de todas as presentes no manifesto. Regista-se também uma tendência de crescimento da presença desta categoria nos manifestos eleitorais pós-crise. Assim, 70,6%, 40,9% e 40,3% dos manifestos eleitorais do PCP em 2009, 2011 e 2015, respetivamente, correspondem a referências à

77 necessidade de reforço do partido, baseada nas suas competências e capacidade para governar e na necessidade de reforço do poder governamental e estatal. Em segundo lugar, verifica-se também que as categorias das new politics têm pouca representação nos manifestos eleitorais do KKE - e que esta sub-representação se intensifica no período pós-crise. Neste período, nenhuma das categorias assinaladas – com a exceção da autoridade política, acima referida - tem uma presença, na média dos 3 anos (2009, 2011 e 2015), superior a 3% do manifesto eleitoral do partido, enquanto dezasseis das dezoito categorias não têm qualquer presença no manifesto. Considerando as médias dos valores anteriores á crise, observa-se que as categorias das new politics representavam 26,4% do manifesto eleitoral. Desta percentagem, 16% correspondem a categorias conservadoras, das quais se salientam a autoridade política (13,4%) e as referências negativas ao internacionalismo (1,7%). As categorias liberais correspondem a 10,4% do manifesto eleitoral, entre as quais se salientam as referências a liberdade e direitos humanos (3,3%) e as referências negativas ao militarismo (3,1%). No período pós-crise apenas as categorias conservadoras tiveram representação nos manifestos do KKE, correspondendo a uma média de 53,9% dos manifestos eleitorais deste período. Aqui, destacam-se, acima de tudo, as referências à autoridade política, que representaram 50,6% dos manifestos eleitorais do KKE neste período – um crescimento de 37,2% em comparação com o período anterior à crise. As referências positivas ao modo de vida nacional31 também subiram ligeiramente neste período, representando, em média, 2,4% dos manifestos eleitorais pós-crise (subida de 1,5% em função do período anterior). Como já referido, as categorias liberais, por outro lado, não tiveram qualquer presença em qualquer dos manifestos eleitorais de 2009, 2011 e 2015.

31 As referências positivas ao modo de vida nacional dizem respeito a menções favoráveis ao patriotismo, ao nacional e à suspensão de algumas liberdades de modo a combater a subversão do Estado (Volkens et al. 2018: 18). 78

Tabela 23. Evolução das categorias liberais e conservadoras nos manifestos eleitorais do KKE (CMP) (valores em % do manifesto eleitoral)

Categorias 2004 2007 AC 2009 2012 2015 PC Alteração 109 Internacionalismo (-) (c) 3,4 0 1,7 0 0 0 0 -1,7 302 Centralização (c) 0 0 0 0 0 0 0 0 305 Autoridade política (+) (c) 26,7 0 13,4 70,6 40,9 40,3 50,6 +37,2 601 Modo de vida nacional (c) 1,7 0 0,9 0 3,5 6,5 3,3 +2,4 608 Multiculturalismo (-) (c) 0 0 0 0 0 0 0 0 105 Militarismo (-) (l) 0 6,1 3,1 0 0 0 0 -3,1 106 Paz (l) 0 0 0 0 0 0 0 0 107 Internacionalismo (+) (l) 1,7 0 0,9 0 0 0 0 0 201 Liberdade e DH (l) 4,3 2,3 3,3 0 0 0 0 -3,3 202 Democracia (l) 0 0 0 0 0 0 0 0 416 Econ. anti crescimento (l) 0 0 0 0 0 0 0 0 501 Proteção ambiental (l) 0,9 0,8 0,9 0 0 0 0 -0,9 502 Cultura (l) 0,9 0 0,5 0 0 0 0 -0,5 602 Modo de vida nac. (-) (l) 0 0 0 0 0 0 0 0 607 Multiculturalismo (+) (l) 0 0 0 0 0 0 0 0 704 Classe Média (l) 0 0,8 0,4 0 0 0 0 -0,4 705 Minorias (l) 0 0 0 0 0 0 0 0 706 Grupos não-económicos (l) 2,6 0 1,3 0 0 0 0 -1,3 Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Volkens et al. 2018) Legenda: (l) – categoria liberal (c) – categoria conservadora

Analisando conjuntamente os dados do CMP e do CHES, observa-se que o KKE não sofreu alterações significativas nesta dimensão. O CHES indica que o partido não sofreu alterações significativas no seu posicionamento na escala GAL-TAN. Quanto aos dados do CMP, estes também não demonstram também quaisquer alterações nas perspetivas do partido sobre o conservadorismo social e sobre o nacionalismo. Observa-se que a agenda relacionada com a proteção dos direitos das minorias e de grupos sociais desfavorecidos e com a proteção ambiental está fora das prioridades do partido. Contudo, a autoridade política torna-se uma dimensão cada vez mais importante para este partido, o que indica que, apesar de não se ter tornado ideologicamente mais conservador nem nacionalista, se tornou claramente mais autoritário no período pós-crise. Esta tendência observa-se acima de tudo no manifesto eleitoral de 2009, em que as referências à autoridade política correspondem a 70,6% do manifesto eleitoral do partido.

5.2.1.3. Integração europeia O KKE mantém-se ‘fortemente oposto’ à integração europeia, tanto no período anterior (1,4 em 2002 e 0 em 2006) como no período posterior à crise (0 em 2010 e 1,1 em 2014), não sendo observáveis uma alteração significativa entre os valores dos dois períodos (tabela 24).

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Tabela 24. Evolução do posicionamento das lideranças partidárias sobre a integração europeia (CHES)

2002 2006 2010 2014 Alteração KKE 1,4 0 0 1,1 -0,1 Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et al. 2016) Nota: valores entre 0 e 7 (0 – ‘fortemente opostos’ e 7 – ‘fortemente favoráveis’)

Os dados do CMP para esta dimensão indicam, por um lado, que os manifestos eleitorais do KKE não contêm nenhuma referência positiva à UE em qualquer dos anos considerados, tanto no período anterior como no período posterior à crise. Por outro lado, as referências negativas aumentaram significativamente no pós-crise, em especial nos anos de 2012 e 2015, passando a representar 10,5% e 9,7% da totalidade do manifesto eleitoral do KKE, respetivamente (tabela 25).

Tabela 25. Referências positivas e negativas à UE nos manifestos eleitorais do KKE (valores em % do manifesto eleitoral)

Categorias 2004 2007 AC 2009 2012 2015 PC Alteração 108 UE: referências positivas 0 0 0 0 0 0 0 0 110 UE: referências negativas 6 0,8 3,4 4,4 10,5 9,7 8,2 +4,8 Fonte: elaborado pelo autor com base no CMP (Volkens et al. 2018)

O cruzamento entre os resultados do CMP e do CHES permitem observar que o KKE se mantém como um partido altamente eurocético, mas também que a integração europeia se tornou um tema mais preponderante para o partido nas suas posições políticas.

5.2.2. Evolução do comportamento político 5.2.2.1. Dimensão Nacional Em termos do posicionamento na escala esquerda-direita económica, o KKE manteve-se, no pós-crise, perto do limiar da ‘extrema-esquerda’, como já foi referido no subcapítulo 5.2.1. De acordo com os dados do CHES, o PASOK deslocou-se mais para a direita (5,5 de média dos anos pós-crise e 4,4 no período anterior), assim como o Syriza, embora de forma menos acentuada (a média de valores subiu de 1,1 para 1,3) (gráfico 11). Estes dados indicam uma trajetória de moderação para os principais partidos de esquerda no sistema partidário grego, que não foi seguida por este partido. Nesse sentido, aumentou a distância ideológica em termos da escala esquerda-direita económica entre os comunistas e a restante esquerda grega.

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Gráfico 11. Posicionamento na escala esquerda-direita económica (2002-2014) (CHES)

KKE Syriza PASOK

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 2002 2006 2010 2014

Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et. al 2016)

O KKE também manteve o seu posicionamento na escala GAL-TAN praticamente inalterado, sendo o partido mais próximo do eixo tradicionalista, autoritário e nacionalista de entre os partidos da esquerda grega. Os dados do CHES indicam, contudo, que o PASOK e o Syriza também se aproximaram deste eixo no período posterior à crise (gráfico 12). Esta variação é visível essencialmente para o PASOK, que apresentou, no ano de 2014, o posicionamento de 4 nesta escala (o mais elevado deste período e mais próximo dos 6,1 do KKE). No caso do Syriza, apesar de uma trajetória consistente em direção ao eixo TAN (1,6 em 2006, 1,9 em 2010 e 2,1 em 2014), não se verifica um deslocamento acentuado, sendo que o partido se mantém mais próximo do eixo libertário. Nesse sentido, é possível afirmar que o KKE e o PASOK se aproximaram ideologicamente nesta dimensão, e que se manteve a distância entre os comunistas e o Syriza.

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Gráfico 12. Posicionamento na escala GAL-TAN (2002-2014) (CHES)

KKE Syriza PASOK

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 2002 2006 2010 2014

Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et al. 2016)

No que toca às posições das lideranças partidárias sobre a integração europeia (gráfico 13), o KKE mantém-se classificado como ‘altamente eurocético’ (0 em 2010 e 1,1 em 2014). Por outro lado, nem o Syriza nem o PASOK registam alterações significativos no seu posicionamento nesta dimensão. O CHES aponta que ambos se tornaram ligeiramente mais críticos da integração europeia em 2010 (alteração de -0,9 no caso do Syriza e -0,7 no caso do PASOK, em comparação com 2006), embora se possa assinalar que esta tendência se reverteu novamente em 2014 (+1,2 no caso do Syriza e +0,5 no caso do PASOK, em comparação com 2010). Assim, é observável, por um lado, que os partidos da esquerda grega se encontram divididos nesta dimensão – o PASOK favorável e o Syriza e o KKE céticos do processo de integração europeia – e, por outro lado, que no pós-crise o KKE manteve a mesma distância face ao PASOK e Syriza.

82

Gráfico 13. Posição das lideranças partidárias sobre a integração europeia (2002-2014) (CHES)

KKE Syriza PASOK

7

6

5

4

3

2

1

0 2002 2006 2010 2014

Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et al. 2016)

5.2.2.2. Dimensão Europeia O KKE manteve-se de fora do PEL, alegando que o partido põe em causa a luta de classes, cultivando a visão de que não existem margens de ganho num retorno à soberania estatal e escondendo, assim, “a natureza capitalista da UE” (KKE 2014: 4). O partido abandonou o GUE/NGL, decidindo, em 2014, que os seus eurodeputados não participariam em qualquer grupo no PE. Numa declaração do Comité Central posterior às eleições europeias de 2014, os comunistas explicitam a sua visão sobre a participação no PE – e da qual decorre a sua decisão de abandonar o GUE/NGL:

O Comité Central reitera o principal compromisso do KKE com o povo grego: revelar os planos antipopulares concertados na UE e, acima de tudo, contribuir para o fortalecimento da luta do povo contra a UE imperialista, pela socialização dos monopólios, pela saída da UE, de modo a que os povos conquistem o seu próprio poder. A participação de MEPs do KKE em grupos cuja principal linha é embelezar e apoiar a UE não pode servir este compromisso.32 O KKE foi o único a tomar o passo de abandonar o grupo do PE. Esta decisão reflete uma já longa dissonância entre o posicionamento dos comunistas gregos em matérias relacionadas com a UE, não só em relação à posição dos partidos de esquerda radical, mas também partidos comunistas. Os dados do CHES apresentados no subcapítulo 5.1.2.2. suportam este argumento:

32 “Declaração do Comité Central do KKE sobre a posição do KKE no Parlamento Europeu” – CC do KKE (2014b) 83 embora todos os restantes partidos considerados se tenham tornado mais opostos à integração europeia e às políticas da UE, o KKE destaca-se pela sua posição mais clara de rejeição da UE. Os comunistas gregos são os únicos que apresentam o posicionamento da liderança partidária acerca da integração europeia inferior a 2 durante todo o período considerado, inclusive com valores de 0 nos anos de 2006 e 2010. O partido classifica-se como “fortemente oposto” à integração europeia durante todo este período. Os dados indicam também que o partido aumentou o grau da sua oposição aos poderes do Parlamento Europeu – em 2010 e 2014, o partido passa a classificar-se como “oposto” aos poderes do PE, ao invés de 2002 e 2006, classificado como “um pouco oposto”. Em relação aos setores e políticas específicas da UE, o KKE é o partido com uma posição mais crítica face ao mercado interno e em relação às políticas regionais e de coesão; a descida do KKE nestas classificações no pós-crise permite que esta distância se mantenha, mesmo apesar da descida simultânea dos respetivos valores nos casos de outros partidos. Em relação à política externa e de segurança da UE, o partido mantém-se como “fortemente oposto”, à semelhança do V e PCP, que convergem com o KKE nesta dimensão. A análise desta evolução permite confirmar que o KKE tem uma oposição de princípio à integração europeia e que a sua visão da UE como um ideal normativo é marcadamente mais negativa do que a dos restantes partidos comunistas – inclusive dos partidos considerados hard eurosceptics e eurorejecionistas (V e PCP). O partido afirma que “a UE não tem correção” e que a única solução disponível para os povos é o seu derrube (KKE 2014: 1). Esta posição e distância estende-se à sua visão sobre a UE como o um corpo organizacional e de políticas. O movimento de pessoas, capitais, bens e serviços são vistos como meio que asseguram “a invasão e o estabelecimento dos monopólios europeus” e o esmagamento de pequenos negócios (KKE 2014: 3). Esta visão negativa da UE tem uma ligação direta com o comportamento político do partido, que afirma que a sua participação na esfera europeia se pauta por uma ação “inflexível e militante” (KKE 2014: 5) no Parlamento Europeu, com o objetivo de dissolver Tratado de Lisboa, Amesterdão e Helsínquia, assim como o Pacto de Estabilidade e Crescimento, a União Económica e Monetária e o Euro.

5.2.3. Evolução da Estrutura organizacional O KKE realizou dois congressos de 2009 a 2015 (período pós-crise). O XVIII Congresso realizou-se em fevereiro de 2009, do qual resultou a ‘Resolução sobre o socialismo’ (KKE 2009). O XIX Congresso realizou-se em abril de 2013 e dele resultou a ‘Resolução política do XIX

84 congresso do KKE’ (KKE 2013), na qual o partido delineia as tarefas a realizar até ao XX congresso (que viria a ser realizado em 2017). Redigida em 2009, a ‘Resolução sobre o socialismo’ é um documento no qual o partido enuncia avaliações e conclusões sobre a construção do socialismo no século XX – com especial foco na URSS – e tenta reforçar a sua conceção programática do socialismo. Nele, o KKE assume como objetivo do partido a construção de uma sociedade socialista33, decorrente da “necessidade da revolução e do seu descendente político, a ditadura do proletariado, que é o poder da classe trabalhadora revolucionária” (KKE 2009: 1). Este é sobretudo um documento de reflexão teórica, em que o partido reforça a sua linha política. No entanto, é também visível que o partido salienta a necessidade de reforçar a unidade interna, para que essa linha política seja cumprida. O documento assinala a necessidade de membros “responsáveis e maduros, (…) capacitados para expressar as suas opiniões (…) de acordo com os critérios e ao longo dos principais eixos das Teses do Comité Central” (KKE 2009: 2-3) e de combater o “oportunismo, que gradualmente se desenvolve numa força contrarrevolucionária”, contra a “natureza científica e de classe das políticas do Partido Comunista” (KKE 2009: 26). A “Resolução Política do 19º congresso do KKE” consiste essencialmente numa análise sobre as dinâmicas nacionais e internacionais do capitalismo e sobre o papel a realizar pelo partido. O partido defende a necessidade de uma ampla “aliança popular”, construída entre “a classe trabalhadora, os semiproletários, os trabalhadores por conta própria e os agricultores pobres que não conseguem acumular capital, da juventude e das mulheres das classes trabalhadoras e populares”, contra “os monopólios e a propriedade capitalista” (KKE 2013: 6). Apesar de mensagens relacionadas com a necessidade de reforçar a combatividade e a unidade do partido, não se registaram quaisquer alterações relacionadas a sua estrutura e com os seus procedimentos internos, tanto no XVIII como no XIX congresso. De salientar, também, que o partido não divulga dados acerca da composição partidária e do número total de militantes. Contudo, o KKE alterou o titular do cargo de Secretário-Geral do partido em 2013, pela primeira vez em 22 anos. No XIX congresso, Alexandra (“Aleka”) Papariga abandonou a liderança do partido, pela qual era responsável desde 1991, sendo substituída por Dimitris Koutsoumpas. Esta transição de liderança seguiu, no entanto, uma trajetória de continuidade com a anterior, sem demonstrar quaisquer indícios de rutura ou alterações na estratégia do partido. A continuidade é

33 Para o KKE, o socialismo é “o primeiro estágio da formação socioeconómica do comunismo” (KKE 2009: 6). Sobre a mundivisão deste partido, ver subcapítulo 4.2; em relação à sua avaliação sobre o socialismo na URSS, ver subcapítulo 4.4. 85 visível também na manutenção de como líder da bancada parlamentar do KKE até 2015. Por outro lado, a escolha de Dimitris Koutsoumpas demonstra a manutenção da preferência por lideranças com ligação histórica e pessoal ao partido e a importância que o Comité Central atribui à manutenção da ordem associada à estrutura do partido através dos processos de liderança. Militante ativo do KKE desde a década de 1970 (e participante em demonstrações e ações contra o regime dos coronéis), Koutsoumpas foi também diretor do jornal Rizospastis durante mais de uma década, e ainda responsável pelas relações externas do partido, bem como membro do Comité Central do partido há mais de três décadas (eleito pela primeira vez em 1987). Por último, observando os dados do CHES para os níveis de dissidência interna relacionada com a integração europeia, observa-se que o partido se manteve completamente unido em relação a este tema (tabela 26). Não é observável nenhuma oscilação significativa entre os níveis de dissidência interna anteriores (0,5 em 2002 e 0,4 em 2006) e posteriores à crise (0,1% e 0,7% em 2010 e 2014). De salientar, no entanto, que é no período mais próximo da crise considerado no CHES (o ano de 2010) que o KKE apresenta níveis mais reduzidos de dissidência interna (0,1%).

Tabela 26. Evolução dos níveis de dissidência interna acerca da integração europeia (CHES)

2002 2006 2010 2014 Alteração KKE 0,5 0,4 0,1 0,7 -0,05 Fonte: elaborado pelo autor com base no CHES (Bakker et al. 2016) Nota: valores entre 0 e 10 (0 – ‘completamente unido’ e 10 – ‘extremamente dividido)

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6. Conclusão Nesta dissertação procurou-se investigar a reação do PCP e do KKE à crise económica e financeira de 2008, analisando comparativamente a evolução destes dois partidos em volta de três dimensões: ideologia, comportamento político e estrutura organizacional. Esta análise procurou localizar os partidos marxistas-leninistas no âmbito mais geral dos estudos sobre os partidos de esquerda radical e dos partidos comunistas, assim como a evolução histórica destes partidos. Simultaneamente, através do instrumento teórico das EOP, procurou-se localizar o PCP e o KKE nos diferentes ambientes políticos, institucionais e sociais que enfrentaram nos respetivos países. No centro desta investigação está, também, uma abordagem metodológica baseada na análise de conteúdo de manifestos eleitorais, inquéritos a especialistas e análise de documentos oficiais – através do recurso às bases de dados do CHES e do CMP. Neste capítulo são apresentadas e discutidas criticamente as conclusões desta dissertação e responde-se à pergunta de investigação, verificando-se se as hipóteses se confirmam. O primeiro Capítulo demonstra que os partidos marxistas-leninistas têm um caráter distinto dos restantes PER. A queda do Muro de Berlim e a desagregação da URSS marcou profundamente estes partidos, sendo que a resposta que deram a estes eventos definiu o percurso dos partidos nas décadas seguintes. A sua classificação como ‘comunistas conservadores’ (March 2012) é ilustrativa desta resposta e de como ela se materializou nestes partidos, cujas principais caraterísticas distintivas passam a ser a preservação da cosmovisão marxista-leninista, de um comportamento político focado na auto-preservação e no reforço da identidade entre a sua base militante, assim como a organização interna através dos princípios do centralismo democrático, mantendo uma estrutura fechada, hierarquizada e centralizada. Enquanto partidos de ‘extrema- esquerda’, estes mantêm como objetivo uma transformação radical da sociedade, focada numa crítica ao capitalismo, e não apenas a aspetos específicos do seu funcionamento. A sua classificação como partidos da esquerda tradicional demonstra também que eles mantêm no topo da sua agenda política as ‘questões de classe’ – questões relacionadas com a classe trabalhadora, que podem incluir não só os direitos laborais e sindicais, mas também o papel do Estado na economia (nacionalizações, regulação de mercado, redistribuição de riqueza). As explorações recentes sobre o marxismo-leninismo enquanto família partidária sugerem que estes partidos se podem dividir entre partidos marxistas-leninistas ‘perfecionistas’ - que mantêm a aderência aos princípios comunistas do período revolucionário de 1917-1922 e a defesa do estalinismo (KKE) - e ‘pragmáticos’, que reconhecem evoluções posteriores do pensamento

87 comunista e que, ainda que de forma limitada, são mais tolerantes em relação às restantes tradições ideológica e influenciados pelo liberalismo de esquerda (PCP). No capítulo 4, é explorada em maior detalhe como estas diferenças se materializam no desenvolvimento histórico destes partidos e dos seus posicionamentos ideológicos, comportamento político e estrutura organizacional. O PCP e o KKE partilham posições similares no que toca ao seu olhar sobre o capitalismo e sobre o papel do partido comunista. Neste ponto, contudo, o KKE adota uma postura mais inequívoca do que a do PCP, afirmando a impossibilidade de alcançar os objetivos a que o partido se propõe sem derrubar o capitalismo (e a indisponibilidade do partido para governar, caso tal não aconteça). Salienta-se, no entanto, que estes partidos apresentam uma visão e um conjunto de propostas políticas comuns face à política económica e às new politics. Estes apresentam também uma oposição de princípio à UE, embora o KKE defenda a saída unilateral da Grécia e o PCP esteja disposto a fazer compromissos nesta dimensão – também como resultado disso, as afiliações de ambos a nível europeu são marcadas por laços pouco sólidos nas relações com os restantes partidos da esquerda radical. O KKE participou numa coligação eleitoral (o Synaspismos) e numa posterior coligação de governo com o PASOK (em 1990); desde então, o partido recusa a possibilidade de este contexto se repetir, demonstrando um comportamento político similar ao do PCP. É também visível que estes partidos procuram mobilizar e envolver a sua base militante nas atividades do partido, sendo que mantêm uma similaridade assinalável a nível da sua estrutura interna. Os seus elevados graus de centralização e hierarquização mantêm-se através da impossibilidade de constituição de fações, refletem-se na reduzida influência dos organismos locais e regionais, bem como na estruturação do poder acima de tudo em torno do Comité Central. No segundo Capítulo apresenta-se o desenho da investigação e discute-se criticamente a abordagem metodológica utilizada. O período de análise desta dissertação estende-se dos anos de 2002 a 2015, sendo que os estudos de caso (PCP e KKE) se subdividem em duas partes – antes da crise (2002-2008) e depois da crise (2009-2015). Em Portugal e na Grécia, o primeiro período cobre duas legislaturas, enquanto o segundo cobre três. A investigação é realizada com recurso a dados de inquéritos a especialistas e da análise de conteúdo de manifestos eleitorais, assim como à análise de documentos oficiais. Como referido, para o efeito, foram utilizadas as bases de dados do CMP (análise de conteúdo de manifestos eleitorais) e do CHES (inquéritos a especialistas). Ambas são fontes empíricas amplamente utilizadas para estudar a evolução dos partidos políticos, que apresentam dados relativos a todo o

88 período de análise assinalado. Efetua-se também uma análise comparada entre as estruturas de oportunidade política de Portugal e da Grécia. A utilização deste instrumento permite enquadrar as ações e a evolução dos partidos nos seus diferentes contextos e atribuir um maior significado a estas variações. Para o efeito, construiu-se, através da recolha de dados para indicadores sociais e políticos (OCDE, Eurobarómetro, PORDATA) e da análise da evolução das dinâmicas institucionais do sistema político e partidário, uma estrutura que demonstra as diferentes estruturas de oportunidade – estruturais e contingentes – que moldaram a ação dos partidos. A análise das estruturas de oportunidade política permite argumentar, em primeiro lugar, que o PCP enfrentou oportunidades institucionais estruturalmente mais favoráveis ao seu desenvolvimento, resultado da maior proporcionalidade do sistema eleitoral português face ao grego, assim como do caráter pluralista do sistema partidário português. Em segundo lugar, que a transformação do sistema partidário grego representou uma EOP conjunturalmente mais favorável para o KKE, devido à maior fragmentação dos votos que impediu, num primeiro momento, os partidos do centro de formarem governos monopartidários e num segundo momento levou à vitória do Syriza, nas eleições de 2015. Em terceiro lugar, argumenta-se que o PCP enfrentou um ambiente sociopolítico mais favorável para o seu crescimento eleitoral. Ambos os países estiveram sobre a operação de um programa de resgate financeiro durante o qual se aplicaram medidas de redução dos gastos públicos e de aumentos de impostos, com a crise a elevar os níveis de pobreza e desemprego e a reduzir o crescimento económico – de forma mais exacerbada na Grécia, visível, por exemplo, nos valores do desemprego (27,9% em julho de 2013 foi o valor mais elevado no pós-crise, segundo o Eurostat). Contudo, o facto de não se ter afirmado nenhum partido de extrema-direita no sistema partidário português representa uma vantagem comparativa positiva para o PCP. O crescimento da Aurora-Dourada representa uma desvantagem para o KKE, tornando o seu ambiente sociopolítico menos favorável para o seu crescimento. No Capítulo cinco analisou-se a reação do PCP e do KKE à crise económica e financeira de 2008, apresentando-se os resultados desta investigação, através da análise dos dados do CHES e do CMP, bem como de documentos oficiais para as dimensões assinaladas (ideologia, comportamento político e estrutura organizacional). A utilização cruzada dos dados do CMP e do CHES permitiu estabelecer uma visão da evolução destes partidos com o impacto da crise. Globalmente, os resultados destas fontes empíricas seguiram a mesma tendência, não se observando contradições significativas entre os resultados de cada uma para as dimensões analisadas. A natureza mais detalhada do CMP

89 permitiu compreender de forma mais completa a evolução ideológica destes partidos. Salienta-se, no entanto, que a análise do KKE através do CMP tem algumas debilidades. Os manifestos eleitorais do KKE estruturam-se em torno de dois eixos – uma crítica geral ao capitalismo e às ‘instituições burguesas’ nacionais e europeias, por um lado, e a afirmação da capacidade e legitimidade do partido enquanto representante da classe operária, por outro. Por isso, a maioria da categorização das afirmações dos manifestos partidários do KKE são enquadrados, no CMP, em poucas categorias, não permitindo uma visão mais detalhada sobre o conteúdo destes. A utilização do CHES na dimensão do comportamento político permitiu observar a evolução ideológica destes partidos face aos principais partidos de esquerda dos respetivos sistemas partidários; contudo, esta verificação em si não permite tirar ilações significativas. A análise da evolução desta dimensão é, por isso, dependente essencialmente da verificação da evolução das práticas de coligações e afiliações destes partidos. O número limitado de categorias e dimensões do CMP e no CHES que incidam sobre a estrutura organizacional dificultam o alcance de resultados mais conclusivos e tornam estas conclusões apresentadas dependentes das declarações do partido e da observação de alguns dos seus comportamentos. Esta dependência, aliada às dificuldades em investigar o funcionamento interno de partidos que são por natureza fechados, não permite um aprofundamento do conhecimento sobre a estrutura organizacional destes. Apesar disso, a conjugação da análise dos documentos oficias com os dados para os níveis de dissidência interna acerca da UE permite confirmar as tendências apontadas nos próprios documentos. Demonstra-se nesta dissertação que a crise trouxe um aumento do ceticismo face à integração europeia para ambos os partidos, que o KKE se tornou mais autoritário no pós-crise e o PCP mais nacionalista. Os comunistas gregos mantêm-se mais à esquerda e mais eurocéticos do que os portugueses. PCP e KKE radicalizaram ligeiramente o seu posicionamento na dimensão esquerda-direita económica e não só se tornaram um pouco mais céticos face à integração europeia, como aumentaram a saliência desta dimensão nas suas posições políticas. O posicionamento de ambos face às new politics não registou alterações significativas, especialmente no que toca ao conservadorismo social - dimensão que se torna menos relevante para os partidos no pós-crise. Os dados apresentados sugerem, no entanto, que o KKE se tornou um partido mais autoritário no pós-crise, com o partido a salientar a necessidade de reforço do seu próprio poder político, enquanto representante único da classe operária e fonte superior de competência. Os dados indicam também que o PCP se tornou um partido mais nacionalista; esta

90 alteração resulta, no entanto, dos apelos ao patriotismo do partido e têm essencialmente subjacente uma crítica anti-imperialista e anti-UE. A análise do comportamento político na dimensão nacional permite observar que, na dimensão nacional, o PCP demonstra sinais de aproximação aos restantes partidos. O apoio parlamentar dos comunistas portugueses ao governo minoritário do PS, formado em 2015, demonstra que os comunistas estão dispostos a estabelecer compromissos na esfera nacional para aproveitar oportunidades daí decorrentes. A longevidade deste governo – que se mantém em funções no período em que esta dissertação está a ser escrita e que pode completar uma legislatura em 2019 – indica que socialistas e comunistas (e o BE) conseguiram alcançar acordos mútuos durante este período e que a postura do PCP não foi pautada pela intransigência negocial constante. No entanto, esta aproximação não é o resultado de uma aproximação ideológica, dado que a distância ideológica entre PS, PCP e BE não teve alterações significativas no pós-crise, em quaisquer das principais dimensões estruturantes da competição política. A moderação do comportamento político do PCP não correspondeu a uma moderação ideológica: logo, pode-se concluir que há um desfasamento entre a sua ideologia e comportamento político e que este não se subordina totalmente à ideologia. Simultaneamente, a manutenção da distância ideológica entre estes três partidos demonstra que a solução governativa se formou apesar das divergências ideológicas, mas que estas são profundas, especialmente no que toca à integração europeia. No sentido inverso, o KKE endureceu as suas posições ao nível interno, aumentado ligeiramente a sua distância ideológica nas principais dimensões de competição face ao PASOK e Syriza e manteve uma intransigência total face à possibilidade de estabelecer compromissos não só com o PASOK, mas também com o Syriza. A recusa do KKE em entrar no governo liderado pelo Syriza é demonstrativa desta postura isolacionista e denota alguma inflexibilidade. Simultaneamente, demonstra que o partido mantém uma ligação efetiva entre o seu posicionamento ideológico e comportamento político. Estas diferenças em termos de comportamento político são visíveis também na esfera europeia. O KKE defendia a saída unilateral da Grécia da UE antes da crise (e continua a defendê- la posteriormente), mas a crise surgiu como uma oportunidade para o partido demonstrar ostensivamente que não pretende cooperar ao nível europeu com outras forças políticas e partidárias. O abandono do GUE/NGL por parte do KKE demonstra que o partido assume uma postura cada vez mais hostil face à cooperação com outras forças políticas nesta dimensão e que o único possível denominador comum para ações conjuntas no âmbito europeu são ações

91 destinadas ao fim da UE enquanto tal. O caso não é o mesmo para o PCP: apesar de o partido ter endurecido as suas posições sobre a UE e sobre as políticas europeias, o seu comportamento político nesta dimensão é pautado, por um lado, pelas tentativas de aproveitar as oportunidades decorrentes da integração europeia – por exemplo, através de uma melhor implementação a nível nacional dos fundos estruturais – e, por outro lado, pela tentativa de propostas de reforma das instituições europeias, orientadas pelo objetivo de devolver soberania aos Estados – ou pelo menos aumentar a preponderância do poder soberano dos Estados no processo de decisão a nível europeu. Mais uma vez se verifica que o que distingue estes partidos é essencialmente a sua relação interna entre ideologia e comportamento político: apesar de ambos partilharem uma visão normativa negativa sobre a UE e sobre a integração europeia – ligeiramente mais acentuada no caso dos gregos -, o PCP e o KKE apresentam posturas opostas no que toca à participação nas instituições europeias e à presença dos seus respetivos países neste organismo. A estrutura organizacional dos partidos não sofreu alterações durante este período. É visível, acima de tudo, o esforço de ambos na preservação do seu modo de organização e das suas práticas internas. Na medida em que são partidos altamente centralizados e hierarquizados, este é um esforço que corresponde essencialmente à vontade das elites de manterem o seu poder e de preservação da cosmovisão leninista através da qual se estruturam. O KKE privilegia a unidade e o envolvimento dos militantes e reforça a necessidade de combater a dissidência interna – o ‘oportunismo’. Isto reflete-se nos níveis quase inexistentes de dissidência interna também a nível da liderança, localizada no CC e no Bureau Político do CC, em torno de elites partidárias que pertencem a estes órgãos durante várias décadas e que demonstram um elevado grau de fidelidade e compromisso com o partido. A entrada de Dimitris Koutsoumpas para secretário-geral do partido demonstra a continuidade desta estratégia. Por sua vez, o PCP seguiu uma estratégia de renovação geracional cujo principal objetivo é assegurar a continuidade e estabilidade do partido. Esta trajetória assenta na renovação dos seus quadros e elites dirigentes, estruturada e organizada através da liderança do partido, que seleciona os dirigentes do partido tendo como critério essencial a lealdade partidária destes enquanto militantes. No pós-crise, assistiu-se a uma ligeira diminuição dos (quase inexistentes) níveis de dissidência interna.

6.1. Contributo da investigação Esta dissertação mostra que o comportamento político é a dimensão na qual se regista uma maior alteração no pós-crise e que representa uma clara distinção entre estes partidos, que

92 mantêm como similaridades uma orientação ideológica de extrema-esquerda e uma estrutura interna centralizada e fechada, com uma organização rígida. Respondendo à pergunta de investigação, o PCP reagiu às alterações nas estruturas de oportunidade política decorrentes da crise económica e financeira mantendo a sua ortodoxia ideológica e organizacional, mas alterando o seu comportamento político. Os comunistas portugueses demonstram sinais de uma maior abertura à cooperação com outras forças políticas e no que toca à participação nas instituições democráticas – nacionais e europeias. O KKE, por sua vez, manteve não só a sua ortodoxia ideológica e a rigidez organizacional, mas também a inflexibilidade perante a possibilidade de cooperação com outras forças políticas e de participação nas instituições burguesas. Conforme apresentado na tabela 27, confirma-se a Hipótese de que o PCP adotaria uma postura pragmática, enquanto o KKE manteria uma orientação perfecionista. No entanto, ao contrário do esperado, não houve uma moderação, nem em termos ideológicos, nem em termos de estrutura organizacional, por parte do PCP. Contudo, assistiu-se a uma moderação do seu comportamento político. Em relação ao KKE, confirmou-se a expetativa de que iria manter os níveis de radicalismo nas três dimensões.

Tabela 27. Hipótese da investigação PCP KKE (hipótese confirmada?) (hipótese confirmada?) Ideologia x (não) x (sim) Comportamento político ✓ (sim) x (sim) Estrutura organizacional x (não) x (sim) Legenda: ✓ - moderação x - sem alterações Fonte: elaborada por autor

Esta conclusão vai ao encontro da divisão sugerida por Keith e Charalambous (2016) entre partidos marxistas-leninistas perfecionistas (KKE) e pragmáticos (PCP). No entanto, estes autores indicam que esta divisão é baseada, essencialmente, numa distinção ideológica entre os dois partidos – o KKE, que mantém a visão comunista estalinista e o PCP que teve uma maior abertura a outras tradições partidárias – da qual as diferenças a nível de comportamento político decorrem; esta dissertação sugere, por outro lado, que a ideologia e o comportamento político se desenvolveram separadamente e que, por isso, a distinção se estabelece, essencialmente, em torno do comportamento político enquanto dimensão autónoma face à primeira. Assim, PCP e KKE partilham uma herança ideológica comum que se mantém presente ainda atualmente, mas

93 o seu desenvolvimento nos diferentes contextos nacionais potenciou uma maior abertura do PCP em termos do seu comportamento político.

6.2. Vias de investigação futura A investigação futura deverá ter como prioridade explorar o comportamento político destes partidos, tanto a nível nacional como a nível europeu. Em relação ao primeiro nível, dimensões adicionais do comportamento político continuam a carecer de uma análise mais aprofundada, essencialmente na relação destes partidos com os movimentos sociais, sindicatos e as suas experiências autárquicas. Aqui, o PCP e o KKE representam casos distintos. O PCP, por um lado, tem uma influência significativa também ao nível local (com várias presidências de câmara, essencialmente em Lisboa e no Alentejo) e no nível sindical, através da relação próxima e coordenada com a CGTP, o maior sindicato a nível nacional. Em relação ao nível sindical, o PAME, associado ao KKE, é o segundo maior sindicato grego e apresenta uma postura crítica face à Confederação Geral dos Trabalhadores Gregos, o maior sindicato a nível nacional. A distinção entre os dois partidos que resulta da referida característica, poderá ser melhor explorada no futuro, uma vez que ajudará compreender a evolução do comportamento político enquanto dimensão autónoma, em dois casos. Simultaneamente, a maior presença institucional e social, no caso do PCP, traz-lhe uma maior responsabilização. O apoio parlamentar deste partido ao governo minoritário do PS aumentou significativamente esta responsabilização, assim como a pressão para uma maior abertura nas relações com outros partidos e para uma moderação das propostas políticas. Uma vez que esta dissertação demonstra que a maior abertura em termos de comportamento político por parte do PCP não resultou de uma aproximação ideológica nem com o PS nem com o BE, a investigação futura deverá procurar, no sentido inverso, mostrar se a abertura provocou uma moderação ideológica. Importa, por isso, explorar a relação destas alterações ao comportamento político na evolução ideológica dos partidos. Em relação ao segundo nível, europeu, o comportamento pode ser investigado de forma mais aprofundada através da análise do comportamento de voto e da participação institucional dos deputados comunistas nas instituições da UE. Outro dos eixos da investigação futura deverá ser o aumento da abrangência destes estudos a outros partidos marxistas-leninistas europeus, como os partidos comunistas da Eslováquia e da Letónia, assim como os casos de sucesso eleitoral na Moldávia e no Chipre.

94

O estudo da estrutura organizacional destes partidos continua dificultado pelo seu fechamento, especialmente no caso do KKE. Contudo mostrou-se que uma compreensão mais detalhada destes partidos pode ser alcançada de duas formas. Em primeiro lugar, sugere-se que, face às dificuldades de estudar diretamente esta dimensão, devem ser analisadas outros aspetos do desenvolvimento dos partidos e perceber o seu impacto no desenvolvimento organizacional destes; ou seja, avaliar o impacto das alterações ideológicas e de comportamento político na estrutura organizacional do partido. Em segundo lugar, através de um foco no estudo das elites partidárias, localizadas em torno do CC. A estrutura centralizada atribui a estes dirigentes uma influência mais significativa, pelo que o estudo das dinâmicas internas destas elites pode ajudar a compreender a estruturação interna dos partidos.

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