UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANNA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E EVOLUÇÃO

DIETA DE GIRINOS: INFLUENCIA DO FOGO SOBRE LARVAS DE MONTIVAGUS E MUDANÇAS ONTOGENETICAS NAS LARVAS DE RUPIRANA CARDOSOI

SIDIANE DA SILVA OLIVEIRA

Feira de Santana-BA

2020

10

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANNA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E EVOLUÇÃO

DIETA DE GIRINOS: INFLUENCIA DO FOGO SOBRE LARVAS DE SCINAX MONTIVAGUS E MUDANÇAS ONTOGENETICAS NAS LARVAS DE RUPIRANA CARDOSOI

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ecologia e Evolução da Universidade Estadual de Feira de Santana, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de mestre em Ecologia e Evolução.

Sidiane da Silva Oliveira

Orientadora: Drª. Flora Acuña Juncá

Feira de Santana-BA Outubro-2020

SIDIANE DA SILVA OLIVEIRA

DIETA DE GIRINOS: INFLUENCIA DO FOGO SOBRE LARVAS DE SCINAX MONTIVAGUS E MUDANÇAS ONTOGENETICAS NAS LARVAS DE RUPIRANA CARDOSOI

Aprovada em: 30/10 / 2020

BANCA EXAMINADORA

______Profª. Dra. Flora Acuña Juncá Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS

______Prof. Dr. Caio Vinicius de Mira Mendes Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC

______Prof. Dr. Marcelo Felgueiras Napoli Universidade Federal da Bahia-UFBA

Feira de Santana-BA Outubro-2020

“A vida é aquilo que acontece enquanto estamos ocupados fazemos outros planos” (Jhon Lenon)

AGRADECIMENTOS

A todas e todos que vieram antes de mim e que um dia lutaram de forma coletiva para que pessoas que vem de onde eu venho pudessem fazer parte de um espaço tão privilegiado e importante para a sociedade, que é a Universidade Pública.

Eu agradeço a minha mãe, Sonilce da Silva Oliveira, que mesmo não terminando o ensino fundamental, sempre nos passou valores importantes e nos incentivou a estudar. Se cheguei aqui foi por causa de sua ajuda. Agradeço também ao meu pai, Djalma Barbosa, que mesmo desconhecendo o alfabeto linguístico, tem outras leituras do mundo e da vida, eu o agradeço por me apoiar sem mesmo entender o que eu faço.

A vida parece mais fácil quando temos amigos para caminhar ao nosso lado. Assim, agradeço a família Cabral Guedes que me acolheu em “Fêra” de Santana, durante um dos momentos mais difíceis da minha vida até aqui: Ana Cláudia, Anailda, Jhonatas, Ana Paula e as crianças. Vocês foram o braço forte que me ergue para que pudesse continuar caminhando.

A Diana Coronel Bejarano pela mais que agradável companhia tanto durante as viagens de campo quanto no laboratório, obrigada pelos momentos de riso e troca de ideias sobre o trabalho.

A todos que me ajudaram em Campo: Seu Carlito, um dos melhores guias que tivemos a sorte de encontrar, Lidiane Gomes, Bruno Pires e Michaelle Pessoa.

Aos motoristas da UEFS, Gildásio, Adailson e em especial a seu Ivo, que nos acompanhou em algumas coletas, e nos propiciou maior sensação de segurança quanto ao fato de sermos mulheres trabalhando em campo durante a noite, espero que um dia isso mude!

A dona Marizete e dona Raimunda, vigilantes do Museu de Zoologia da UEFS, pelo cuidado e apoio.

A minha orientadora Flora, por tudo que fez por mim durante todo esse tempo. Eu não teria conseguido sem a senhora, que acima de tudo sempre me corrigiu como tinha que ser. Eu não desisti graças a admiração, respeito e carinho que cultivo pela senhora.

A todas/os que passaram por este lugar tão afetuoso e acolhedor que é a Divisão de Anfíbios e Répteis, em especial a Conceição Carneiro, (Conce) por sua dedicação e disposição em sempre ajudar em tudo que pode.

A FAPESB pela concessão da Bolsa de pesquisa. E todas/os que me apoiaram.

LISTA DE FIGURAS

CAPÍTULO 1 Figura 1. Localização do Parque Nacional da Chapada Diamantina, Bahia, Brasil. Figura 2. Histórico de queimadas no Parque Nacional Da Chapada Diamantina. Figura 3. Mapa do Parque Nacional da Chapada Diamantina com os pontos de coleta em área controle e incêndio. Figura 4. Sítios de amostragem em diferentes corpos d´água, biomas e estruturas de vegetação no Parque Nacional da Chapada da Diamantina. Figura 5. Diagrama de ordenação da dieta de Scinax montivagus nos estágios 26-30 em área de incêndio e controle. Figura 6. Diagrama de ordenação da dieta de Scinax montivagus nos estágios 31-37 em área de incêndio e controle. Figura 7. Diagrama de ordenação da dieta de Scinax montivagus nos estágios 26-37 em área de incêndio e controle. Figura 8. Regressão linear com o comprimento total em relação a abundância de itens ingeridos por Scinax montivagus nos estágios 26-37 em área controle e em áreas queimadas.

Figura 9. Regressão linear com o comprimento do intestino em relação a abundância de itens ingeridos por Scinax montivagus nos estágios 26-37 em área controle e em área queimada.

CAPÍTULO 2 Figura 1. Localização do Parque Nacional da Chapada Diamantina, Bahia, Brasil. Figura 2. Diagrama de ordenação da dieta de Rupirana cardosoi ao longo do desenvolvimento ontogenético. Figura 3. Correlação de Pearson entre o comprimento do corpo e comprimento do intestino de Rupirana cardosoi ao longo dos estagiem os de desenvolvimento: 26-30 e 31-38.

LISTA DE TABELAS

CAPÍTULO 1 Tabela 1: Frequência de ocorrência (FO %), Frequência numérica (FN %) e Índice de importância (I) das categorias alimentares presentes na dieta de Scinax montivagus em áreas com incêndio e em área queimada.

CAPÍTULO 2

Tabela 1: Frequência de ocorrência (FO%), Frequência numérica (FN%) e Índice de importância (I) das categorias alimentares presentes na dieta de Rupirana cardosoi ao longo do desenvolvimento: estágios 26-30 e 31-38.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO GERAL...... 10 REFERENCIAL TEÓRICO...... 12 Efeitos do fogo sobre o ambiente e as espécies...... 12 Os anfíbios em ambientes impactados pelo fogo...... 13 Dieta de girinos em ambientes impactados pelo fogo...... 16

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 17 CAPÍTULO 1: Influência do fogo sobre a dieta de girinos de Scinax montivagus Anura: de uma região montanhosa do Nordeste do Brasil...... 22 INTRODUÇÃO...... 23 MATERIAIS E MÉTODOS...... 24 Área de estudo...... 24 Histórico de queimadas e caracterização dos pontos de amostragem...... 25 Espécie alvo...... 29 Coleta e estudo da dieta dos girinos...... 29 Descrição da dieta ...... 30 Análises estatísticas...... 30 RESULTADOS...... 31 DISCUSSÃO...... 37 CONCLUSÃO...... 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 39 CAPITULO 2: Dieta de girinos de Rupirana cardosoi Anura: ao longo de diferentes estágios de desenvolvimento...... 43 INTRODUÇÃO...... 45 MATERIAIS E MÉTODOS...... 46 Área de estudo...... 46 Espécie alvo...... 47 Coleta e estudo da dieta dos girinos...... 47 Descrição da dieta ...... 48 Análises estatísticas...... 49 RESULTADOS...... 49 DISCUSSÃO...... 53 CONCLUSÃO...... 56

REFÊRNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 56

INTRODUÇÃO GERAL

O aumento global das temperaturas climáticas tem sido uma ameaça a diferentes espécies, principalmente aos anfíbios, que estão entre os grupos de vertebrados mais ameaçados de extinção (Nori, et al., 2015). As principais características que tornam os anfíbios vulneráveis a perturbações de temperatura estão ligadas às suas particularidades fisiológicas, como a pele permeável, ovo anamniótico, dependência de ambientes aquáticos para reprodução e desenvolvimento (Pough, 1999). Previsões futuras com base em dados climatológicos têm sugerido que as mudanças na temperatura global, precipitação e níveis de radiação ultravioleta podem contribuir para o declínio da população de anfíbios, afetar os organismos aquáticos e os hidroperíodos (Blaustein, et al., 2010), ou seja, essas mudanças possivelmente afetam as populações de anfíbios tanto na fase adulta quanto na fase larval.

Os efeitos do fogo sobre as comunidades vegetais estão melhor compreendidos do que em relação às comunidades animais (Frizzo et al., 2011). Entretanto, sabemos que as queimadas alteram atributos importantes para os anfíbios (Cano; Leynaud, 2010), como por exemplo, a redução e disponibilidade de recursos, local para reprodução e disponibilidade de nutrientes presentes nos corpos d’água, sendo este último de grande importância para espécies de anuros com desenvolvimento exotrófico, já que estes necessitam de alimentos presentes no meio externo para suprir suas demandas nutricionais e alcançar o estágio de metamorfose (Kupferberg, 1997).

Estudos que avaliaram a dieta de espécies de anuros durante a fase larval, têm sugerido que estas possuem dieta onívora, micrófaga, detritívora ou filtradora de suspensão (Altig, et al., 2007). Por outro lado, a dieta seletiva tem sido sugerida para algumas espécies, como por exemplo, para girinos de Leptodactylus labyrinthicus (Spix, 1984) que apresentam hábitos carnívoros, (Miranda & Ferreira, 2008), e girinos de Corythomantis greeningi (Boulenger, 1896) que se alimentam principalmente de diatomáceas, (Juncá, com.pessoal). Além disso, a dieta de girinos pode mudar ao longo do ano e interagir com as etapas do desenvolvimento (Klooh et al., 2018). Neste sentido, a composição da dieta de anuros durante a fase larval é conhecida para pouco mais de noventa espécies (Montaña et al., 2019) e, até este momento, não há estudos que comparem como as queimadas nos ambientes naturais onde ocorrem girinos, interferem especificamente na dieta de espécies ocorrentes em ambientes lênticos temporários. No

10

entanto, sabemos que após um incêndio há deposição de cinzas e sedimentos (Gamradt & Kats, 1997) em corpos d’água devido a queima da vegetação circundante.

Em corpos d’água a deposição de cinzas afeta a turbidez, pH e quantidade de nutrientes como Nitrogênio (N) e Fósforo (P) (Philiiod et al., 2003), enquanto que a deposição de sedimentos pode afetar negativamente o desenvolvimento de girinos e recrutamento pós- metamórfico (Gillespie, 2002). Uma redução na disponibilidade de microhabitats provocada pela sedimentação pode limitar a exploração de recursos alimentares para girinos com maiores dimensões corporais e em estádios de desenvolvimento mais avançados (Glos et al., 2017).

Pouco se sabe sobre os efeitos do fogo sobre os anuros, principalmente durante a fase larval. A anurofauna do Parque Nacional da Chapada Diamantina abriga espécies endêmicas com algumas deficientes em dados (Magalhães et al., 2015), e que frequentemente passam por eventos de queimadas, causados principalmente pela ação antrópica (Icmbio, 2007). Portanto, este estudo objetiva contribuir com o conhecimento sobre como as queimadas em ambientes onde ocorrem girinos interferem na dieta destes organismos ao longo de diferentes estágios de desenvolvimento e, em áreas com distintos tempos de queimadas. Dois capítulos apresentarão a dieta de girinos de duas espécies endêmicas da Chapada Diamantina. No primeiro, estudamos a dieta de girinos de Scinax montivagus (Juncá, Napoli, Nunes, Mercês, Abreu, 2015) em áreas impactadas e não impactadas pelo fogo e, no segundo capítulo estudamos a dieta de girinos de Rupirana cardosoi (Heyer, 1999).

Nossa hipótese para o primeiro capítulo é que girinos ocorrentes em áreas não queimadas tenham dieta com maior riqueza e abundância de itens do que aqueles coletados em área queimada. Pois alterações ambientais causadas por incêndios afetam a vegetação circundante, promove deposição de sedimentos e cinzas nos corpos d’água. Para o segundo capítulo nossa hipótese é que girinos de Rupirana cardosoi tenham a dieta com menor diversidade e abundancia de itens em estágios iniciais do desenvolvimento quando comparado as larvas em estágios mais avançados, pois em estágios anteriores não possuem todas as estruturas orais formadas e costumam apresentar menores dimensões corporais.

REFERENCIAL TEÓRICO

11

Efeitos do fogo sobre o ambiente e as espécies

A humanidade evoluiu com o fogo e, ainda hoje, apesar do homem utilizá-lo de diversas maneiras, continua sendo um desafio para a conservação da diversidade biológica (Koproski, 2005). O fogo é uma ferramenta de manejo muito antiga e amplamente utilizada na agricultura e na alteração das paisagens tropicais (Mistry, 2011). Além disso, é um importante agente evolutivo em ecossistemas savânicos e de campos rupestres.

No entanto, embora o fogo seja utilizado como ferramenta de manejo nesses ecossistemas, pois é capaz de reduzir a biomassa vegetal e influenciar na frequência e intensidade dos incêndios (Alves & Silva, 2011) a ocorrência do fogo descontrolado, provocado principalmente por causa das interferências antrópicas, como, por exemplo, desmatamento e intensificação das alterações climáticas globais, tem aumentado a incidência dos incêndios florestais em diferentes regiões (Icmbio, 2007; Pastro et al., 2014). A passagem do fogo gera diversas consequências ao meio ambiente e à biota, pois mata organismos, modifica o crescimento e taxas reprodutivas, altera a disponibilidade e uso de recursos e relações competitivas entre organismos. Essas mudanças, a longo prazo, podem afetar na produtividade e na estrutura populacional de espécies e comunidades (Frost & Robertson, 1987).

Os impactos que os incêndios florestais causam nas comunidades biológicas dependem de diferentes características, como tamanho da área queimada, intensidade e frequência (Coutinho, 1990). A intensidade está relacionada com o tamanho das chamas, temperaturas atingidas e tempo do incêndio, enquanto a frequência está associada à quantidade de vezes que uma área pegou fogo. Neste sentido, quanto mais frequentes, menos intenso será o incêndio, pois não há tempo suficiente de acumulação de material combustível. Deste modo, intensidade e frequência são características dependentes, mas com efeitos distintos sobre as comunidades biológicas (Frizzo et al., 2011).

Os efeitos que o fogo exerce sobre os organismos podem ser tanto diretos quanto indiretos. Os diretos costumam ser imediatos, como as mortes, queimaduras e intoxicações, enquanto os indiretos costumam ser mais amplos, tardios e diversos Frizzo et al., 2011).

No entanto, embora o fogo seja utilizado como ferramenta de manejo nesses ecossistemas (pois é capaz de reduzir a biomassa vegetal e influenciar na frequência e

12

intensidade dos incêndios), a ocorrência do fogo descontrolado provocado pela ação antrópica, gera diversas consequências ao meio ambiente e a biota, pois matam organismos, modificam o crescimento e taxas reprodutivas, alteram a disponibilidade e uso de recursos e as relações competitivas entre organismos. Essas mudanças, a longo prazo podem afetar na produtividade e na estrutura populacional de uma espécie, ou das comunidades (Frost & Robertson, 1987).

Os impactos que os incêndios florestais causam nas comunidades biológicas dependem de diferentes características, como tamanho da área queimada, intensidade e frequência (Coutinho, 1990). A intensidade está relacionada com o tamanho das chamas, temperaturas atingidas e tempo do incêndio; enquanto a frequência está associada a quantidade de vezes que uma área pegou fogo. Neste sentido, quanto mais frequentes, menos intenso será o incêndio, pois não há tempo suficiente de acumulação de material combustível. Deste modo intensidade e frequência são características dependentes, mas com efeitos distintos sobre as comunidades biológicas (Frizzo et al., 2011).

Os efeitos que o fogo exerce sobre os organismos podem ser tanto diretos quanto indiretos. Os diretos costumam ser imediatos, como as mortes, queimaduras e intoxicações, enquanto os indiretos costumam ser mais amplos, tardios e diversos Frizzo et al., 2011).

Um dos efeitos indiretos provocados com a passagem do fogo é a alteração do e função ecossistêmica (Pillioid et al., 2003). Durante a queima de matéria orgânica circundante, grande quantidade de sedimentos pode ser carregada pelas chuvas e depositada em corpos d’água, provocando mudanças na temperatura da água, turbidez e níveis de nutrientes. A maior sedimentação de ambientes aquáticos pode provocar mudanças significativas no fluxo e estrutura da comunidade de macroinvertebrados (Gillespie, 2002).

Os anfíbios em ambientes impactados pelo fogo

Atualmente, há preocupação com incêndios de alta gravidade frente ao esforço considerável para conservar espécies sensíveis a alterações de temperatura, como peixes e anfíbios, bem como restaurar redes de aquáticos produtivos (Bisson, 2003). Devido a suas características fisiológicas e comportamentais, diversas espécies de anfíbios são consideradas como excelentes bioindicadoras de alterações das condições ambientais, pois estas espécies têm um alto grau de filopatria, área de vida restrita e

13

passível de delimitação (Toledo, 2009). Por outro lado, as mudanças nos regimes de temperatura e de precipitação, decorrentes das mudanças climáticas globais, poderão ter impacto indireto sobre populações de anfíbios através de alterações na disponibilidade de hábitats e de alimento (Haddad et al., 2008).

E estudos realizados sobre a influência do fogo sobre as comunidades de anfíbios têm apresentado resultados divergentes (Pastro et al., 2014). Os dados disponíveis sugerem que as respostas dos anfíbios ao fogo são espacial e temporalmente variáveis e insuficientemente entendidas, já que grande parte das pesquisas se limita a abordar os efeitos a curto prazo, ou seja de 1 a 3 anos após a passagem do fogo (Pillioid et al., 2003).

Um estudo realizado no nordeste da Argentina avaliou a relação entre abundância, riqueza e diversidade de anfíbios e lagartos em áreas com diferentes regimes de fogo e pastoreio e concluiu que o fogo desempenha um papel importante na dinâmica das paisagens, exerce forte influência na diversidade e estrutura da fauna de anfíbios (CANO & Leynaud, 2010). Além disso, o fogo pode afetar negativamente a densidade e dieta de espécies, como da perereca Scinax alter, (Lutz, 1973) a qual apresentou menores densidades e limitação de alimento em área queimada (Rocha et al., 2008). Por outro lado, Brown e colaboradores (2011) concluíram que incêndios de diferentes intensidades em curto prazo não impactaram negativamente as capturas nem a condição corporal de junvenis de três gêneros de anfíbios, em floresta de pinheiros.

A combustão das plantas herbáceas e da serapilheira forma uma camada escura de cinzas. Isso gera aumento na amplitude da temperatura do solo em até 30°C (Castro Neves & Miranda 1996) e possivelmente, também causa mudanças na umidade relativa e na heterogeneidade ambiental. Neste sentido, a temperatura no interior do solo não se eleva durante a queima tradicional, chegando a no máximo 70º C a 2 centímetros de profundidade, aos 4 minutos (Redini et al., 2011) mas, para os anfíbios esse aumento pode ser fatal devido aos seus limites de tolerância térmica. Assim, durante a passagem do fogo, devido à combustão completa da vegetação de uma dada área, anfíbios e répteis podem sobreviver caso consigam se entocar abaixo do solo, buscando abrigo em esconderijos subterrâneos ou se dispersem para outras áreas (Frizzo et al., 2011; Koproski, 2005).

Apesar das cinzas representarem importante fonte de nutrientes, devido à sua constituição por óxidos de cálcio, potássio, magnésio e outros elementos essenciais

14

(Coutinho, 1990), nas primeiras chuvas após um incêndio, estas cinzas são carregadas para os corpos d'água e sua elevada quantidade ocasiona mudanças físico-químicas e eutrofização dos ambientes aquáticos, principalmente os de pequeno porte (Minshall, 2003). Estes corpos d’água, normalmente temporários, são muito utilizados para reprodução de diversas espécies de anuros. Durante a fase larval, os girinos respiram por brânquias, consequentemente, a eutrofização do ambiente aquático causa redução da quantidade de oxigênio o que pode levar a mortalidade destes organismos, além disso, a eutrofização causa limitação de alimento, devido ao crescimento desordenado de cianobactérias, por exemplo. Assim, as mudanças nestes ambientes, proporcionadas pelo depósito das cinzas, podem acelerar o desenvolvimento dos girinos e ocasionar distúrbios metabólicos durante a metamorfose (Gillespie, 2002).

Além disso, podem abafar e reduzir a disponibilidade de recursos alimentares importantes, como microalgas (Power,1984) impedindo, deste modo, o crescimento e desenvolvimento dos anuros. Os impactos negativos do aumento dos sedimentos na densidade de girinos e tipo de alimentação foram observados para o crescimento e desenvolvimento de Litoria spenceri (Dubois, 1984), desde que o aumento da carga de sedimentos reduziu a qualidade dos alimentos em vez da quantidade (Gillespie, 2002), afetando negativamente o recrutamento para o estágio terrestre.

Os ecossistemas aquáticos e terrestres são estruturados por processos que interligam esses dois ambientes, tanto por interações entre organismos terrestres e aquáticos quanto pelo clima (Bisson et al., 2003). A maioria das espécies de anfíbios vive em transição entre estes dois ambientes. Para os anfíbios, parte considerável dos estudos sobre os efeitos do fogo focou em espécies terrestres ou fases da vida terrestre (Spencer et al. 2003). Entretanto, ao menos um estudo sugere que a sensibilidade deste grupo a perturbações causadas por incêndios e, provavelmente, variará entre os estágios da vida, em diferentes populações, regiões geográficas e, provavelamente, entre as espécies que evoluíram sob diferentes regimes de fogo e condições ambientais (PIllioid et al., 2003).

Fatores como tempo de reprodução, duração do período larval e resistência à dessecação são características que podem determinar a resposta dos anfíbios ao fogo, já que os incêndios eliminam ou alteram a cobertura do sub-bosque, materiais da superfície, ou preenchimento de espaço intersticial em substratos aquáticos com cinzas e sedimentos (Pilliod et al., 2003).

15

Por reduzir a cobertura vegetal ao redor dos corpos d’água utilizados pelos girinos, o fogo aumenta a temperatura d’água. Esse aumento pode acelerar a taxa de evaporação destes corpos d’água. A redução nos níveis da água afeta a quantidade de nutrientes disponíveis, aumenta a suspensão de sedimentos, turbidez e causa a eutrofização dessas poças, reduzindo assim a composição da comunidade de fitoplâncton e favorecer o aumento de cianobactérias (Rodrigues et al., 2016).

A despeito de que a maior parte dos estudos avaliaram como o fogo afeta os ecossistemas em curto prazo, ao menos um estimou os impactos imediatos e de médio prazo (cinco anos) em córregos após um grande incêndio florestal nos Estados Unidos da América (Spencer et al., 2003). Os autores mostraram que os impactos relacionados ao fogo afetamtodo o ecossistema, estendendo-se da química da água aos peixes.

Um aumento nas concentrações de amônia pode matar peixes e promover o crescimento de certas algas como as cianobactérias (Spencer et al., 2003), as quais costumam fazer parte dos itens observados na dieta de girinos. A dominância das cianobactérias na comunidade fitoplanctônica depende de um conjunto de fatores como temperatura, intensidade luminosa e concentração de nutrientes, como nitrogênio e fósforo, porém o aumento desordenado destas algas pode levar à degradação do ambiente aquático (Wojciechowski, 2013). Pode, portanto, causar uma diminuição na população de anuros, já que interrompe os estágios de desenvolvimento que antecedem a metamorfose.

Os girinos de espécies de anuros que tiveram suas dietas estudadas se alimentam tipicamente de detritos e perifíton (Altig et al., 2007; Eterovick, 2000; Kupferberg, 1997b). Entretanto, espécies generalistas podem se alimentar também de invertebrados aquáticos. Neste sentido, os incêndios podem alterar a comunidade desses macroinvertebrados aquáticos (Minshall et al., 2003), causando, mais uma vez, alteração na dieta de girinos de algumas espécies.

Estudos enfocando a dieta de girinos têm sido realizados em diversas regiões biogeográficas, principalmente na Neotropical, como mostrado por Montaña e colaboradores (2019). Estes autores realizaram revisão sobre estudos publicados de 2007 a 2017 sobre ecologia trófica de girinos. Seus resultados indicaram que das 7.291 (Frost, 2020) espécies de anuros, apenas 96 espécies (%) distribuídas em 21 famílias, e 56

16

gêneros, tinham informações sobre dieta durante o estágio larval sendo as famílias Hylidae e Ranidae as mais estudadas com (22 e 15 espécies) respectivamente.

Diversos trabalhos sobre dieta de girinos foram realizados em países como a Tailândia, (Heyer, 1976), Argentina (Lajmanovich, 2000), Estados Unidos da América (Wagner, 1986). No Brasil, a maior parte dos estudos, foi realizada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, a exemplo dos desenvolvidos por Rossa-Feres (2004), Fonseca (1996) e Souza-Filho e colaboradores (2007). De modo geral, poucos trabalhos foram realizados sobre a ecologia de girinos em regiões semiáridas do Nordeste do Brasil (Silva, 2005; Vieira et al., 2019) e até o presente momento há poucos estudos que avaliaram os efeitos do fogo sobre o ambiente e as populações de anuros, enquanto que para o estádio larval ainda não há estudos publicados em nosso país.

Dieta de girinos em ambientes impactados pelo fogo

A dieta de girinos está relacionada à capacidade destes organismos em ingerir partículas presentes no ambiente aquático. Esta capacidade de ingestão está associada à morfologia do disco e da cavidade oral, a qual é constituída basicamente por bico córneo, fileira de dentículos, papilas externas e internas (McDiarmid & Altig, 1999). Ao menos um estudo verificou que os girinos que se desenvolveram em ambientes afetados pelas cinzas de carvão tiveram 90% menos dentículos nas fileiras anteriores quando comparados a girinos que se desenvolveram em áreas controle. Os indivíduos com tais deformidades foram menos capazes de se alimentar do perifíton do que girinos sem deformidades (Rowe et al.,1996).

Hossack e colaboradores (2006) acompanharam por dois anos os efeitos ante e pós-fogo para girinos de Ascaphus montanus (Nielson, Lohman, Sullivan, 2001). Os autores testaram a hipótese de que o fogo reduz a abundância e afeta a estrutura etária dos girinos em áreas queimadas e não queimadas. Girinos desta espécie levam três anos para alcançar o estágio de metamorfose. Seus resultados encontraram números similares de girinos nas duas áreas durante o primeiro ano do estudo, mas notaram que após a passagem do fogo houve efeito negativo para os girinos com um ano de idade, sendo sua abundância reduzida de 45% antes do fogo, para 25% após a queimada. Para estes autores os efeitos negativos na abundância destes girinos podem ter sido provocados principalmente pelo aumento da temperatura da água e toxicidade de amônia, já que estes são dois potentes mecanismos capazes de reduzir a abundância das larvas de anuros.

17

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Altig, R., Whiles, M.R.; Taylor, C.L. 2007. What do tadpoles really eat? Assessing the trophic status of a understudied and imperiled group of consumers in freshwater habitats. Freshwater Biology. Vol: 52, 386-395.

Alves, R. J. V., Silva, N. G. 2011. O fogo é sempre um vilão nos campos rupestres? Biodiversidade Brasileira Ano I, n.2, 120-127.

Bisson, P.A., Rieman, B.E., Luce, C., Hessburg, P.F., Lee, D.C., Kershner, J.L.; Reeves, G.H.; Gresswell, R.E. Fire and aquatic ecosystems of the Western USA: current knowledge and key questions. Forest Ecology and Management. 178: 213-229. 2003.

Blaustein, A, R., Walls. S, C., Bancroft. B, Y. A., Lawler. J, J., SEARLE. C, L., GERVASI. S, S. Direct and Indirect Effects of Climate Change on Populations. Diversity 2 (2), 281-313. 2010.

Boulenger, G. A. 1896. Descriptions of new batrachians in the British Museum. Annals and Magazine of Natural History, Series 6, 17: 401–406.

Cano, P. D., Leynaud, G. C. Effects of fire and cattle grazing on and lizards in northeastern Argentina (Humid Chaco). European Journal of Wildlife Research, Vol: 56(3), 411–420. 2010.

Brown, D.J., Baccus, J. T., D. Means, B., Forstner, M. R.J. 2011. Potential Positive Effects of Fire on Juvenile Amphibians in a Southern USA Pine Forest. Journal of Fish and Wildlife Management 2 (2): 135–145. https://doi.org/10.3996/062011-JFWM-037

Castro-Neves, B.M., Miranda, H.S. Efeito do fogo no regime térmico do solo de um campo sujo de Cerrado. In: H.S. Miranda, C.H. Saito & B.F.S. Dias (eds.). Impactos de queimadas em áreas de Cerrado e Restinga. ECL/Universidade de Brasília, Brasília, DF. 187p. 1996.

Coutinho, L. M. O cerrado e a ecologia do fogo. Ciência hoje. Vol:12 (68) ,22- 30. 1990 Dubois, A. 1984. Miscellanea nomenclatorica batrachologica (II). Alytes. Paris 3: 83–84.

18

Eterovick, P.C. Effects of Aggregation on Feeding of Bufo crucifer Tadpoles (Anura, Bufonidae). Copeia, (1): 210-215. 2000.

Frizzo, T. L. M., Bonizário, C., Borges, M. P., Vasconcelos, H.L. Revisão dos efeitos do fogo sobre a fauna de formações savânicas do Brasil. Ecologia Australis.Vol:15(2), 365- 379, junho 2011.

Frost. P, G.H., Robertson. F, The ecological effects of fire in savannas In: Determinants of tropical savannas. Presentations made by savanna researchers at a workshop in Harare, Zimbabwe, Chapter 5. IRL Press, Oxford. The International Union of Biological Sciences. Monograph Series, No. 3. December 1987. Frost, D. R. 2021. Amphibian Species of the World: An Online Reference. Versão 6.1 (acesso em 30 de Janeiro de 2021). Banco de dados eletrônico acessível em https://amphibiansoftheworld.amnh.org/index.php. Museu Americano de História Natural, Nova York, EUA. doi.org/10.5531/db.vz.0001. Gamradt, S. C., Kats, L. B. 1997. Impact of chaparral wildfire-induced sedimentation on oviposition of stream-breeding California newts (Taricha torosa). Oecologia 110:546– 549. Gillespie, G. R. Impacts of sediment loads, tadpole density, and food type on the growth and development of tadpoles of the spotted tree Litoria spenceri: an in-stream experiment. Biological Conservation. Vol:106, 141–150. 2002. Glos, J., Wolter, J., Struck, U., Rodel, Mark-Oliver. 2017. Ecological shifts during larval development in two West savana . Journal of Tropical Ecology. 33:50–59. Haddad, C., Giovanelli, J., Alexandrino, J. 2008.O aquecimento global e seus efeitos na distribuição e declínio dos anfíbios. Dimensão Zoológica. DOI: 10.13140/RG.2.1.4642.1848. Heyer, W.R. 1976. Studies in larval amphibian habitat partitioning. Smithsonian Contribution to Zoology, N. 242. 27p. Heyer, W.R. 1999. A new genus and species of frog from Bahia, Brazil (Amphibia: Anura: Leptodactylidae) with comments on the zoogeography of Brazilian camposrupestres. Proceedings of the Biological Society of Washington, 112(1):19-39. Hossack, B.R., Corn, P.S., Fagre, D.B. Divergent patterns of abundance and age-class structure of headwater stream tadpoles in burned and unburned watersheds. Canadian Journal of Zoology. Vol: 84, 1482–1488. 2006.

19

Icmbio - Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (2007). Parque Nacional da Chapada Diamantina - Plano de Manejo. Brasília. 657 pp. Juncá, F. A., Napoli, M. F., Nunes, I., Mercês, E. A., Abreu, R.O. A New Species of the Scinax ruber Clade (Anura, Hylidae) from the Espinhaço Range, Northeastern Brazil. Herpetologica, 71(4):299-309 Koproski, L.P. O fogo e seus efeitos sobre a herpeto e a mastofauna terrestre no Parque Nacional de Ilha Grande (PR/MS). Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal. Curitiba. 2005. Kloh, J.S., Figueredo, C.C., Eterovick, P.C. 2018.You are what, where, and when you eat: seasonal and ontogenetic changes in a tropical tadpole’s diet. Amphibia-Reptilia, 39 (4). Kupferberg, S.J., 1997b. The role of larval diet in anuran metamorphosis. American Zoologist 37: 146–159. Lajmanovich, R. C. 2000. Interpretación ecológica de uma comunidade larvária de anfíbios anuros. Interciência 25: 71-79. Lutz, B. 1973. Brazilian Species of Hyla. Austin: University of Texas Press. Magalhães, F. M., Laranjeiras, D. O., Costa, T. B., Juncá, F. A., Mesquita, D. O., Röhr, D. L., Garda, A. A. Herpetofauna of protected areas in the Caatinga IV: Chapada Diamantina National Park, Bahia, Brazil. Herpetology notes. Vol:8, 243–261. 2015. McDiarmid, R, ALTIG R. Tadpoles: the biology of anuran larvae. Chicago, IL: University of Chicago Press. 1999. Minshall, G. W. Responses of stream benthic macroinvertebrates to fire. Forest Ecology and Management. Vol: 178, 155–161. 2003. Miranda, N., Ferreira, A. 2008. Internal buccal morphology of the tadpoles of Leptodactylus labyrinthicus Spix, 1824 (Amphibia: Anura: Leptodactylidae). Biota Neotropica.v.8 n.1 Campinas jan./mar. https://doi.org/10.1590/S1676- 06032008000100025. Mistry, J., Bizerril, M. 2011. Por Que é Importante Entender as Inter-Relações entre Pessoas, Fogo e Áreas Protegidas? Biodiversidade Brasileira Ano I, n.2, 40-49. Montaña, C.G., Silva, S.D.G.T.M., Hagyari, D., Wager, J., Lindsey, Tiegs., Sadeghian, C., Schriever, T.A., Schalk, C.M. 2019. Revisiting “what do tadpoles really eat?” A 10‐ year perspective. Freshwater Biology 64:2269–2282.

20

Nielson, M., K., Lohman., Sullivan, J. 2001. Phylogeography of the tailed frog (Ascaphus truei): Implications for the biogeography of the Pacific Northwest. Evolution 55: 147– 160. Nori, J., Lemes, P., Urbina-Cardona, N., Baldo, D., Lescano., Loyola, J. R; Amphibian conservation, land-use changes and protected areas: A global overview. Biological Conservation. Vol: 191, 367–374. 2015. Pastro, L. A., Dickman, C. R., Letnic, M. Fire type and hemisphere determine the effects of fire on the alpha and beta diversity of vertebrates: a global meta-analysis. Global Ecology and Biogeography.Vol: 23, 1146–1156. 2014. Pilliod, D.S., Bury, R. B., HYDE, E.J., Pearl, C. A., Corn, P. S. Fire and amphibians in North America. Forest Ecology and Management.Vol: 178,163–181. 2003. Power, M.E. The importance of sediment in the grazing ecology and size class interactions of an armored catfish, Ancistrus spinosus. Environtal Biology of FishVol:10, 173–181. 1984. Redin, M., Santos, G. F., Miguel, P., Denega, G. L., Lupatini, M., Doneda, A., Souza, E. L. Impactos da queima sobre atributos químicos, físicos e biológicos do solo. Ciência Florestal. Santa Maria. Vol: 21, n. 2, p. 381-392. 2011. Rocha, C.F.D., Ariani, C.V., Menezes, V.A., Vrcibradic, D. Effects of a fire on a population of tree frogs (Scinax cf. alter, Lutz) in a restinga habitat in southern Brazil. Braz. J. Biol. Vol: 68(3), 539-543, 2008.

Spix, J.B von. 1824. Animalia nova sive Species novae Testudinum et Ranarum quas in itinere per Brasiliam annis MDCCCXVII – MDCCCXX jussu et auspiciis Maximiliani Josephi I. Bavariae Regis. Munique: FS Hübschmann.

Pough F.H., Janis, C.M., Heiser, J.B. 1999. A Vida dos Vertebrados. Atheneu Editora, São Paulo.

Rodrigues, M. R. A.C., Attayde, J. L., Becker, V. Effects of water level reduction on the dynamics of phytoplankton functional groups in tropical semi-arid shallow lakes. Hydrobiologia.Vol: 778, 75-89. 2016.

Rossa- Feres, D. C., Jim, J. & Fonseca, M.G. Diets of tadpoles from a temporary in southeastern Brazil (Amphibia, Anura). Revista Brasileira de Zoologia. Vol:21(4), 745- 754. 2004.

21

Rowe, L.C., Kinney, O., Fiori, A., Congdon, J. 1996. Oral deformities in tadpoles (Rana catesbeiana) associated with coal ash deposition: effects on grazing ability and growth. Freshwater BiologyVol: 36. https://doi.org/10.1046/j.1365-2427.1996.00123.x

Silva, M. B. Hábitos Alimentares de Quatro Espécies de anuros (Amphibia) Abundantes de uma comunidade de girinos da Serra São José. Monografia. Universidade Estadual de Feira de Santana. 2005.

Souza-Filho, I.F. De; Branco, C. C., Carvalho. Silva, A. M. P., Silca, G. R. & Sabagh, L.T. The diet of Scinax angrensis (Lutz) tadpole in área of Atlantic forest (Mangaratiba, Rio de Janeiro) (Amphibia, Anura, Hylidae). Revista Brasileira de Zologia.Vol: 24 (4), 965-970. 2007.

Spencer, C. N., Gabelb, K. O., Hauer, F. R. Wildfire effects on stream food webs and nutrient dynamics in Glacier National Park, USA. Forest Ecology and Management. Vol: 178, 41–153. 2003.

Toledo, L. F. 2009. Anfíbios como Bioindicadores. In: Neumann-Leitão, S. & El-Dier, S. (Orgs.) Bioindicadores da Qualidade Ambiental. Recife: Instituto Brasileiro Pró Cidadania. Pp. 196-208.

Wagner, W. E. Tadpoles and pollen: observations on the feeding behavior of Hyla regilla larvae. Copeia. Vol: 3, 802-804. 1986.

Wojciechowski, J. Efeitos da Temperatura, Fósforo e Luz no crescimento da cianobactéria Cylindrospermopsisraciborskii (Woloszynska) Seenayya et SubbaRaju do reservatório de Alagados, Paraná. Dissertação de mestrado. 123p. Universidade Federal do Paraná. Programa de pós-graduação em botânica. Curitiba. 2003.

Vieira, M.S., Silva, I.R.S., Vilanova, J.L., Machado, C.M.S., Faria, R.G.2019. Avaliação da dieta dos girinos de três corpos d’água temporários do monumento natural Grota do Angico, Sergipe, Brasil. Agroforestalis News 1 (1), setembro.

22

CAPÍTULO 1

Influência das queimadas ambientais sobre a dieta de girinos de Scinax montivagus (Anura: Hylidae) de uma região montanhosa do Nordeste do Brasil

A ser submetido à revista: Biological Conservation Instruções para os autores: https://www.elsevier.com/wps/find/journaldescription.cws_home/405853?generatepdf=t rue

Sidiane da Silva Oliveira1*, Flora Acuña Juncá1

¹ Divisão de Anfíbios e Répteis – Museu de Zoologia – Universidade Estadual de Feira de Santana. Campus Universitário. Avenida Transnordestina, S/N. CEP 44036-900

*Autora para correspondência: [email protected]

RESUMO: Os efeitos do fogo em ambientes naturais incluem alterações no habitat e nos recursos disponíveis. Estas alterações podem afetar o crescimento e desenvolvimento de girinos. Aqui, investigamos os possíveis efeitos das queimadas sobre a dieta e tamanho dos girinos de Scinax montivagus ocorrentes em ambientes lênticos temporários, em áreas queimadas e controle. Hipotetizamos que devido as alterações ambientais provocadas pelo fogo em torno dos ambientes aquáticos, girinos ocorrentes em áreas queimadas tenham dieta de menor diversidade e abundância de itens do que em áreas controle. Desenvolvemos este estudo no Parque Nacional da Chapada Diamantina, uma Unidade de Conservação, localizada em área montanhosa da Serra do Espinhaço no Nordeste do Brasil. Realizamos coletas em novembro de 2018 e janeiro, maio e junho de 2019. Analisamos a dieta e três medidas corporais: comprimento total (CT), comprimento do corpo (CC) e comprimento do intestino (CI) de 93 girinos: 73 em oito poças de áreas controle e 20 em duas poças de área queimada, em duas faixas de estágio de desenvolvimento sensu Gosner (26-30 e 31-37). Comparamos a dieta entre as áreas e ao longo da ontogenia através do método de ordenação não-paramétrico (nMDS) e Análise de similaridade (ANOSIM). Utilizamos teste t e de Mann-Whitney para comparar as medidas corporais ao longo do desenvolvimento e entre as áreas. Identificamos e quantificamos 52.197 itens em áreas controle, distribuídos em 28 categorias alimentares e 15.706 em área queimada em 20 categorias. Não houve diferenças para CT e CC de girinos provenientes das áreas controle e queimada para os estágios 26-30 e 31-37, mas encontramos diferenças no CI dos estádios 31-37.

23

Palavras-chave: efeitos do fogo, dieta de girinos, desenvolvimento ontogenético, Chapada Diamantina. INTRODUÇÃO

O fogo de causa natural ou antropogênica pode influenciar a distribuição, estrutura e funcionamento de ecossistemas terrestres em todo o planeta (BOND, 2001), causando danos e perdas irreparáveis do ponto de vista conservacionista, ecológico e econômico (KORPOSKI, 2005). Sabe-se que o fogo desempenha papel importante na dinâmica das paisagens e exerce forte influência na diversidade e estrutura da comunidade de anfíbios (CANO; LEYNAUD, 2010). Sua ocorrência é influenciada pelas condições meteorológicas e, consequentemente, pelas mudanças climáticas globais, que contribuem para a maior incidência de incêndios nas regiões tropicais (FRIZZO et al., 2011).

Nos últimos anos houve um aumento no número de estudos sobre os efeitos do fogo em alguns ecossistemas (PASTRO et al., 2014) mas ainda são poucos os que se propuseram a avaliar seus efeitos sobre a diversidade da fauna, principalmente a de anfíbios (PASTRO et al., 2014). Os anfíbios estão entre os grupos de vertebrados mais ameaçados de extinção (NORI et al., 2015), sobretudo devido às suas necessidades e limites fisiológicos sensíveis a extremos de temperaturas e umidade, duas variáveis fortemente influenciadas pela passagem de um incêndio.

A maioria das espécies de anuros depende da disponibilidade de corpos d’água para depositar seus ovos (MCDIARMID; ALTIG,1999). A qualidade destes corpos d’água costuma ser um fator importante para a sobrevivência das espécies, pois determinará o sucesso no desenvolvimento de suas larvas. A passagem do fogo gera diversas consequências para esses ambientes aquáticos causando tanto efeitos positivos quanto negativos. Dentre os efeitos positivos estão as alterações nas concentrações e disponibilidade de nitrogênio (N) e fósforo (P) que podem aumentar a quantidade de determinados nutrientes (NARDOTO et al., 2006), como por exemplo, a quantidade de biomassa de macroinvertebrados bentônicos (SCRIMGEOUR et al., 2001). Por outro lado, a passagem do fogo causa a deposição de cinzas, a qual pode afetar negativamente os anuros, pois altera condições físicas e químicas do ambiente aquático, como a turbidez e o pH, afetando, portanto, a quantidade de nutrientes e, por consequência, pode afetar negativamente o desenvolvimento de girinos e recrutamento pós-metamórfico (GILLESPIE, 2002).

24

Em ecossistemas tropicais aquáticos, o estudo da dieta natural de espécies da comunidade é uma ferramenta importante para a compreensão das inter-relações bióticas e abióticas (SOUZA; FILHO, 2007). A dieta de girinos é conhecida para algumas espécies e os itens alimentares incluem algas, protozoários, ovos de outros anuros, microinvertebrados, entre outros (ALTIG, 2007). Várias espécies de girinos utilizam fluxos anuais de produção primária, os quais incluem o rápido crescimento de algas, muitas vezes disponíveis por um breve período aos organismos capazes de explorá-los (ALTIG, 2007). Ainda, ao longo do seu desenvolvimento ontogenético, as larvas dos anuros utilizam fontes diferentes de recursos alimentares para alcançar o estágio de metamorfose (ALTIG; JOHNSTON, 1989). Entretanto, pouco se sabe sobre o efeito específico do fogo na composição da dieta dos girinos.

No estado da Bahia, nordeste do Brasil, o Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD) é a unidade de conservação federal que registra o maior número de focos de incêndio por temporada (IBAMA 2008, MESQUITA et al., 2011). Esta ecorregião montanhosa pertence à cadeia do Espinhaço a qual possui altitudes que ultrapassam 2000m. Os registros sistemáticos, espaciais e temporais das queimadas no PNCD iniciaram a partir de 2002 pelo IBAMA/ICMBio (COSTA, 2010). No PNCD, foram registradas 51 espécies de anfíbios, com muitas espécies endêmicas para a região (MAGALHÃES et al., 2015).

O objetivo deste estudo foi investigar como ambientes naturais sob influência de queimadas afetam a dieta dos girinos de Scinax montivagus, (JUNCÁ, NAPOLI, NUNES, MERCÊS, 2015) espécie endêmica da região da Chapada Diamantina. Nossa hipótese é que girinos ocorrentes em áreas controle apresentem dieta com maior riqueza e abundância de itens alimentares do que girinos ocorrentes em áreas queimadas. Diante desta hipótese, esperamos que devido as alterações ambientais ocorridas ao redor dos corpos d’água utilizados pelos anuros para sua reprodução, os girinos de áreas queimadas, apresentem menor quantidade e diversidade de categorias taxonômicas em sua dieta do que os girinos das áreas controle.

MATERIAIS E MÉTODOS

Área de estudo

25

O Parque Nacional da Chapada Diamantina, com cerca de 152.400 hectares, está localizado nos municípios de Andaraí, Ibicoara, Itaetê, Lençóis, Mucugê e Palmeiras, no estado da Bahia, Brasil (ICMBIO, 2007) (Fig 1). A Unidade de Conservação está localizada na região da Chapada Diamantina, onde ocorrem altitudes que chegam a 2000 metros (JUNCÁ et al., 2005). A vegetação é composta por um mosaico vegetacional com formações típicas da Caatinga, Cerrado, Campos Rupestres e alguns enclaves com formações deciduais e semideciduais associadas à Mata Atlântica (NEVES; CONCEIÇÃO, 2010).

Figura 1. Localização do Parque Nacional da Chapada Diamantina, Bahia, Brasil. Em verde, a região da Chapada Diamantina, e em amarelo, o Parque Nacional da Chapada Diamantina.

Histórico de queimadas e caracterização dos pontos de amostragem O histórico de queimadas no Parque Nacional da Chapada Diamantina –PNCD- (Fig 2) foi obtido através da análise de imagens de satélite LandSat 05, 07 e 08 no

26

software ArcGIS 10.3.1. As imagens analisadas, referentes ao período de 01 de janeiro de 2008 a 22 de dezembro de 2018, estão disponibilizadas no site de Pesquisas Geológicas dos Estados Unidos da América (https://earthexplorer.usgs.gov/) e aqui usamos os poligonos delimitados por BATISTA (2020) (Fig. 2).

Figura 2 – Histórico de queimadas no Parque Nacional Da Chapada Diamantina (BATISTA, 2020).

Amostramos 16 pontos em corpos d´água lênticos, sendo treze em área sem incêndios (controle) e três em áreas que queimaram nos anos de 2015 e 2018. A distância mínima entre os pontos controle foi de 181 metros e a máxima de 75.520 metros (X = 31.9, DP = 21.6). Entre os pontos de incêndio, a menor distância foi de 6.336 m e a maior 36.815 m (X = 18,65 + DP = 15,18). O tamanho dos corpos dágua em áreas queimadas

27

variou de 0,92m2 a 38,01m2 (X=18,66 + DP=15,18). Em ambientes controle o tamanho mínimo dos corpos d´água foi de 0,80m2 e o máximo 171,60m2 (X =34,45, DP = 49,47).

2015

2018

Figura 3. Incêndios no Parque Nacional da Chapada Diamantina (2015-2018): Pontos de coleta em áreas sem incêndio (círculos verdes) e áreas com ocorrência de incêndio em 2015 e 2018 (círculos roxos), no Parque Nacional da Chapada Diamantina.

28

A B C

D E F

G H I

J K L

O M N

Figura 4. Exemplos de diferentes corpos d’água amostrados no Parque Nacional da Chapada da Diamantina. A-M: poças amostradas em áreas controle; N-O: poças amostradas em áreas queimadas.

29

Espécie estudada

Scinax montivagus (JUNCÁ, NAPOLI, NUNES, MERCÊS, 2015) (Anura: Hylidae) é uma espécie endêmica da ecorregião da Chapada Diamantina. As larvas de S. montivagus apresentam morfologia típica de girinos que ocupam a coluna dá água, são caracterizadas, dentre outros aspectos, por apresentarem corpo ovóide em vista dorsal e triangular em lateral (JUNCÁ et al., 2015), morfologia típica de larvas nectônicas (ALTIG; JOHNSTON, 1989).

Coleta e estudo da dieta dos girinos

A amostragem dos girinos foi feita durante cinco viagens à campo, nos meses de novembro (2018), janeiro, abril, maio e junho (2019). Os indivíduos foram coletados com peneiras de diferentes tamanhos, adequadas às condições locais. Em seguida os girinos foram mortos com anestésico a base de lidocaína líquida (5%) e, imediatamente, colocados em uma solução de Transeau (60% de álcool a 70%, 30% de água e 10% de formalina a 10%) usualmente utilizada na fixação de algas. Em laboratório, foi feita a identificação taxonômica e dos estágios larvares de desenvolvimento, esta última com base em GOSNER (1960).

Para análise da dieta, usamos 10 girinos de cada espécie por poça, sendo estes distribuídos em duas faixas de desenvolvimento: estágios de 26 a 30 e estágios de 31 a 38 a depender da quantidade disponível. Com o auxílio de um estereomicroscopio Leica, EZ4 HD, medimos o comprimento total CT (distância do focinho até a ponta da cauda) e o comprimento do corpo CC (distância entre as extremidades da maior largura do corpo) de cada girino. O comprimento do intestino CI foi medido em uma placa de petri associada a um papel milimetrado. Com o auxílio de instrumentos cirúrgicos retiramos o conteúdo intestinal de cada indivíduo e diluímos em 1 ml de solução de transeau (mesma substância de fixação) e armazenamos em microtubos. Usamos uma a duas gotas (0,05 ml) da solução armazenada para identificar a composição dos itens alimentares em cada girino. Os itens alimentares encontrados na dieta foram quantificados e identificados através de chaves de identificação e bibliografia especializada, ver por exemplo, (BICUDO; MENEZES, 2006; RAMOS, 2013). A identificação e quantificação dos itens alimentares foram realizadas através de um microscópio óptico com oculares de 10 e 40 vezes.

30

Análises da dieta

Para descrever a dieta de Scinax montivagus em áreas com fogo e sem fogo, calculamos a frequência numérica (FN%) e frequência de ocorrência (FO%) para cada uma das categorias alimentares. A frequência numérica (FN%) foi obtida pela contagem do número de uma dada categoria presente nos intestinos, dividida pelo número total de itens nos intestinos analisados, segundo a fórmula: FN% = n/N x 100, onde n representa a soma total de itens de uma dada categoria alimentar e N o número total itens analisados de todas as categorias (HYSLOP, 1980). A frequência de ocorrência (FO %) de cada categoria alimentar foi obtida pelo número de intestinos que contém uma dada categoria alimentar em relação ao total de intestinos analisados (COLLI et al., 2003). A fórmula para a estimativa desse parâmetro é: FO%= I/E x 100, onde I representa a presença de uma determinada categoria presente nos intestinos e E o número de total de intestinos analisados de uma determinada espécie. O índice de importância foi obtido pelo cálculo por FN% mais FO% dividido por dois (Hyslop, 1980). Os cálculos foram realizados através do programa Microsoft Office Excel 2016.

Análises estatísticas

Realizamos teste de Shapiro-Wilk para checar a suposição de normalidade das variáveis comprimento total (CT) comprimento do corpo (CC) e comprimento do intestino (CI) das duas áreas. Área controle 26-30: CT (Shapiro Wilk = 0,97 p = 0,4), CC (SH = 0,95 p = 0,09) e CI (SH = 0,93 p = 0,02); 31-37 CT (SH = 0,96 p = 0,3), CC (SH = 0,94 p = 0,09) e CI (SH = 0,90 p = 0,009). Em área queimada os valores de normalidade para os estádios 26-30 foram: CT (SH = 0,88 p = 0,1), CC (SH = 0,92 p = 0,4) e CI (SH = 0,92 p = 0,4); estádios 31-37: CT (SH = 0,91 p = 0,3), CC (SH = 0,75 p = 0,003) e CI (SH = 0,88 p = 0,1).

Para comparar a dieta dos girinos nas áreas de incêndio e controle realizamos o método de dimensionamento multidimensional não paramétrico nMDS através do programa estatístico PAST, versão 4.03. A semelhança entre a dieta nas duas áreas foi comparada através de uma matriz de abundancia relativa dos alimentos retirados de cada indivíduo (abundância relativa de cada célula da matriz = número de itens de da categoria de alimentos consumidas por indivíduo, dividido pelo total de itens consumidos pelo indivíduo). O índice de Bray-Curtis foi utilizado como medida de distância e duas dimensões foram selecionadas. Para Scinax montivagus, comparamos a dieta dos girinos

31

em três tratamentos: girinos nos estágios 26-30, girinos nos estágios 31-37 e total de girinos sem fazer distinção dos estádios de desenvolvimento. Para verificar similaridades na dieta das espécies em área queimada e não queimada realizamos uma análise de similaridade ANOSIM unifatorial (One-way ANOSIM) (CLARKE, 1993).

Através de regressão linear simples analisamos se estas variáveis influenciavam quali-quantitativamente na dieta das espécies nas duas áreas, ou seja, se o tamanho das variáveis morfométricas influenciava na abundância de itens alimentares. Para avaliar possíveis diferenças no CT, CC e CI em áreas queimadas e controle realizamos teste t para as variáveis cujas medidas apresentaram distribuição normal e teste de Mann- Whitney para as variáveis que não apresentaram distribuição normal.

RESULTADOS

Retiramos sete indivíduos das análises por serem considerados outliers. Assim, analisamos a dieta de 93 girinos de Scinax montivagus (73 girinos de oito poças em áreas controle e 20 girinos em duas poças em área queimada). Identificamos e quantificamos um total de 52.197 itens em áreas controle, distribuídos em 28 categorias alimentares e 15.706 em área queimada distribuídos em 20 categorias alimentares (Tabela 1).

Tabela 1: Frequência de ocorrência (FO %), Frequência numérica (FN %) e Índice de importância (I) das categorias alimentares presentes na dieta de Scinax montivagus em áreas com incêndio e sem incêndio.

Itens alimentares Controle Incêndio

FN% FO% I FN% FO% I OCHROPHYTA/ Bacillariophyceae

Diatomácea 30,61 98,64 79,93 1,66 70 36,66 CHLOROPHYTA/ Chlorophyceae

Sp.1 0,01 4,05 2,04 0 0 0

Ankistrodesmus 0,003 2,7 1,3 0 0 0

32

Crucigeniella 2,34 31,0 17,8 2,12 35 19,62

Crugineia 0,01 4,05 2,0 0 0 0

Coanocystis 0,25 35,13 17,82 0,32 55 27,82

Oocystis 1,15 50 26,1 0,45 40 20,45

Scenedesmus 0,13 31,0 15,6 0,07 5 2,57 ACANTHOCYSTIDAE

Acanthocystis 0,16 17,5 8,95 0,21 25 12,71 CYANOBACTERIA

Cianobacteria 1,15 16,21 9,26 0 0 0 STREPTOPHYTA/ Zygnematophyceae

Cosmarium 15,15 87,83 59,07 13,71 80 53,71

Closterium 3,23 60,81 33,6 1,99 80 41,99

Desmídia 3,70 67,56 37,4 0,47 15 7,97

Euastrum 3,34 82,43 44,56 24,36 80 64,36

Micrasteris 0,14 20,27 10,27 0,05 20 10,05

Staurastrum 16,34 71,62 52,15 15,35 70 50,35

Spirogyra 0,10 5,40 2,80 0 0 0 EUGLENOPHYTA/ Euglenophyceae

Euglena 1,71 45,94 24,69 18,51 80 58,51

Phuacus 0,04 5,40 2,75 0 0 0 EUGLYPHIDAE

Euglypha 0,18 31,08 15,72 0,73 50 25,73

ROTÍFERA

33

Lecane 0,37 48,64 24,70 0,18 55 27,68

NEMATODA ovo de nematóide 0,21 50 25,21 0,03 10 5,03 nematoide 1,15 56,75 29,53 0,49 60 30,49

ARCELLINIDA/ Lobosa

Arcella sp1 0,04 14,86 7,47 0,08 20 10,08

Arcella sp.2 0,38 8,10 4,44 0 0 0

OUTROS

Asa de inseto? 0,46 35,13 18,03 0,03 20 10,03

Filamento vegetal 17,50 93,24 64,13 19,10 75 56,60

As microalgas das classes Chlorophyceas e Streptophyceas tiveram uma maior quantidade de espécies em área controle (Tabela 1). Dentre as Chlorophyceas, o gênero Coanocystis ocorreu em 35,1% dos girinos de área controle e em 55% em área queimada, tendo maior índice de importância para esta área (Tabela 1). Entre as Streptophyta, os gêneros Cosmarium e Staurastrum apresentaram alta frequência de ocorrência em áreas controle e incêndio e índices de importância similares nas duas áreas (Tabela 1). Euastrum apresentou alta frequência de ocorrência em ambas as áreas, mas o índice de importância foi maior na área queimada (Tabela 1). As diatomáceas tiveram maior FO% e I em área controle que em área queimada (Tabela 1). Item de origem vegetal ocorreu em 93,2% dos intestinos em área controle e 75% em área queimada e em ambas as áreas tiveram índice de importância acima de 50%. Sete itens alimentares não ocorreram em áreas queimadas: alga Chlorophycea (sp1) Ankistrodesmus, Crucigenia, cianobactéria, Arcella sp2, Phacus e Spirogyra.

A análise nMDS da dieta de girinos de Scinax montivagus em área controle e incêndio (Figuras 5, 6 e 7) teve tendência de agrupamentos distintos, indicando diferenças na alimentação desta espécie de acordo com a incidência ou não de incêndios

34

nas áreas amostradas. Esta diferença foi sustentada pela análise de similaridade (ANOSIM) para os estádios 26-30 de desenvolvimento (R =0,49 e p = 0,0001).

Figura 5. Diagrama de ordenação da dieta de girinos de Scinax montivagus nos estádios 26-30 de desenvolvimento (Gosner, 1960), em áreas de incêndio e controle a partir de escalonamento multidimensional não métrico (nMDS). Matriz baseada no índice de Bray-Curtis. Stress = 0,21. Símbolos em verde representa diferentes pontos amostrados em áreas controle. Símbolos em laranja representam pontos amostrados em áreas queimadas. = poça 1; = poça 2; = poça 3; = poça 4; = poça 5;

= poça 6 = poça 7 = poça 8 = poça 9; = poça 10.

Também para os estádios 31-37 houve tendência de agrupamentos diferentes, para a dieta dos girinos das áreas controle e incêndio (FIG 6). Esta diferença entre as duas áreas foi sustentada pela análise de similaridade ANOSIM (R = 0,79 e p = 0,0001).

35

Figura 6. Diagrama de ordenação da dieta de girinos de Scinax montivagus nos estádios 31-37 de desenvolvimento (Gosner, 1960), em áreas de incêndio e controle, a partir de escalonamento multidimensional não métrico (nMDS). Stress = 0,18. Símbolos em verde representam diferentes pontos amostrados em área controle. Símbolos em laranja representam áreas queimadas. = poça 1; = poça

2; = poça 3; = poça 4; = poça 5; = poça 6 = poça 7 = poça 8 = poça 9; = poça 10. Quando avaliada a dieta em área controle e de incêndio para os estádios 26=37 juntas, observa-se uma tendência a separação (FIG 7), embora com alguma sobreposição. A análise ANOSIM (R = 0,61) e p = 0,0001 indica que há diferença entre a dieta entre as áreas queimadas e não queimadas.

Figura 7. Diagrama de ordenação da dieta girinos de Scinax montivagus em área de incêndio e controle, nos estádios 26-37 de desenvolvimento (Gosner 1960), a partir de escalonamento multidimensional não métrico (nMDS). Stress= 0,20. Símbolos em verde representam diferentes pontos amostrados em área controle. Símbolos em laranja representam áreas queimadas. = poça 1; = poça 2; = poça 3; = poça 4; = poça 5; = poça 6 = poça 7 = poça 8 = poça 9; = poça 10.

O comprimento total de Scinax montivagus de estágios 26-30 variou de 14,0 mm a 28,5mm (x = 20,1, DP = 3,2) na área controle e de 14,0 mm a 23,0 mm (x = 20,1 DP = 2,6) na área queimada. Para os estádios 31-37, o comprimento total nas áreas controle variou de 13,2 mm a 34,5 mm (x = 23,8, DP = 4,4) e de 22,0 mm a 26,8 mm (x = 23,8 DP = 1,5) em áreas de incêndio. Não houve diferenças no comprimento total de girinos provenientes da área queimada e não queimada para os estágios 26-30 (t = 0,04, p=0,9, GL = 16) e para os estágios 31-37 (t = 0,04, p = 0,9 e GL = 40).

36

O comprimento do corpo para os estádios 26-30 em áreas controle variou de 3,5 mm a 10,5 mm (x = 8,0, DP = 1,33) e de 7,5 mm a 10,2 mm (x = 8,8 DP = 0,9) em áreas queimada. Nos estádios 31-37, o CC mínimo foi de 7,5 mm a 12,0 mm (x = 9,5, DP = 1.2) em área controle e 8,5 mm a 11,5 mm (x = 10,0, DP = 0,6) em área queimada. Para os estádios 26-30, não houve diferenças no CC entre área queimada e não queimada (t = 1,9 p = 0, 06 GL = 19). Do mesmo modo, o comprimento do corpo nos estágios 31-37 não diferiu entre as áreas queimada e controle (U = 118, p=0,1).

O comprimento do intestino, nos estádios 26-30 variou de 4,0 mm a 12,0 mm (x = 7,3 DP = 2,3) em área controle e de 5,0 mm a 12,0 mm (x = 8,9, DP = 2,3) em área queimada. Nos estádios 31-37, o CI teve tamanho mínimo de 4,0 mm e máximo de 18,5mm (x = 8,5, DP = 2,7) em área controle e 8,5 mm a 19,0 mm (x = 11,7, DP = 3) em área queimada. Não encontramos diferenças no CI entre área queimada e não queimada para os estádios 26-30 (U = 127, p = 0,08), mas encontramos diferenças no CI para os estádios 31-37 (U = 58,5, p = 0,001).

Na área controle, encontramos que quanto maior o girino (comprimento total) maior a quantidade de itens ingeridos (abundância) (r2 = 0,12, t = 3,12 p = 0,002; Fig 9 A). Para área queimada não houve relação entre o CT e a abundância (r2 = 0,01 t = 0,14 p = 0,8; Fig 9 B)

A B

Figura 9. Regressão linear simples entre o comprimento total em relação a abundância de itens ingeridos por Scinax montivagus nos estádios 26-37 em área controle (A) e em áreas queimadas (B).

O comprimento do intestino de Scinax montivagus em área controle (r2 = 0,21 t = 4,45, p = 3,01 E-05) teve correlação positiva, indicando que quanto maior o CI maior a

37

abundância de itens ingeridos. Para área queimada não foi observada esta relação (r2 = 0,01 t = 0,5 p = 0,5) (Fig 10).

A B

C.I (cm) C.I (cm)

Figura10. Regressão linear com o comprimento do intestino em relação a abundância de itens ingeridos por Scinax montivagus nos estádios 26-37 em área controle (A) e em área queimada (B).

DISCUSSÃO

A composição da dieta de girinos de Scinax montivagus foi composta por microalgas, rotíferos, nematoides, ovo de nematoide, ameba testada e filamentos vegetais, resultados semelhantes a outros estudos que investigaram a dieta de girinos (BIONDA, et al., 2012, 2013; CHEN et al., 2008; KUPFERBERG, 1997; LAJMANOVICH et al., 2002; SANTOS, et al., 2015; ROSSA-FERES, et al., 2004; SILVA, et al., 2019). Entretanto, constatamos, através das análises NMDS e ANOSIM, que a dieta dos girinos coletados em pontos de área controle tiveram dieta diferente daqueles coletados nos pontos de áreas de incêndio.

Dentre as diferenças encontradas na dieta destes dois grupos de girinos, as diatomáceas e Desmidia tiveram índices de importância muito maiores nas áreas controle do que nas áreas de incêndio. Por outro lado, Euglena teve índice de importância muito maior para girinos dos pontos de áreas de incêndio do que de áreas controle. A ocorrência significativa destas algas também foi vista na dieta de outros gêneros de anuros durante a fase larval, como, Pseudis paradoxa platensis (ARIAS et al., 2002), Rhinella arenarum (BIONDA, et al., 2011), Lithobates, Dendropsohpus, Eupemphix e Scinax (HENDRICKS, 1973; KUPFERBERG, 1997; ROSSA-FERES, 2004; SOUZA FILHO,

38

2007). As diatomáceas são consideradas uma ótima fonte nutricional para larvas de anuros, porque armazenam gorduras e proteínas (KUPFFERBERG, 1997).

A análise NMDS para os estágios 26-37 evidenciou também a proximidade de pontos referentes à dieta de girinos amostrados numa mesma poça, indicando que as larvas de anuros tendem a se alimentar do que encontram disponíveis no ambiente (ALTIG et al., 2007).

O tamanho dos girinos, aferido através do comprimento do corpo e comprimento total, não variou entre as áreas controle e de incêndio. Este resultado sugere que, embora a dieta tenha sido diferente entre as duas áreas, os itens alimentares ingeridos pelos girinos foram capazes de suprir as demandas energéticas e de manter uma estabilidade no crescimento das dimensões corporais avaliadas.

O comprimento do intestino dos girinos coletados nos pontos controle e pontos áreas incêndiadas não foi diferente, quando considerados os estágios 27-30, mas foi nos estágios mais adiantados (31-37), os girinos coletados nos pontos de áreas controle tiveram em média intestinos menores. Sabe-se que a dieta dos girinos pode afetar o comprimento do intestino (GLOS et al.,2017). A redução no comprimento do intestino reflete as mudanças de uma dieta com maior quantidade de proteínas vegetais para proteínas animais, como rotíferos, nematóides e artrópodes (DEEPTHI, et al., 2007). Nos estágios anteriores de desenvolviemento (27-30), pode não ter havido tempo suficiente para que a plasticiadade no tamanho dos intestinos se manifestasse. Entretanto, neste estudo, a medida que os girinos cresceram e se adaptaram ao ambiente e, por conseguinte, a dieta local, a diferença no comprimento do intestino pode ser constatada. Quando averiguamos a abundância de itens consumidos pelo comprimento do intestino e comprimento total, nota-se novamente diferença entre as áreas cotrole e áreas de incêndio. Na área controle, observamos que quanto maior o intestino e comprimento total dos girinos, maior a abundâcia de itens. A mesma relação não foi observada para os girinos dos pontos de áreas incendiadas.

CONCLUSÃO

A dieta das larvas de Scinax montivagus diferiu entre as áreas queimadas e não queimadas. Não houve variações significativas entre o comprimento total e comprimento

39

do corpo entre as duas áreas. Houve diferença no comprimento do intestino de girinos em estágios de desenvolvimento 31-37 entre as duas áreas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTIG, R.; JOHNSTON, G.F. Guilds of Anuran Larvae: Relationships among Development Modes, Morphologies, and Habitats. Herpetological monographs, Vol:3, 81-109.1989.

ALTIG, R; WHILES, M.R.; TAYLOR, C.L. what do tadpoles really eat? Assessing the trophic status of a understudied and imperiled group of consumers in freshwater habitats. Freshwater Biology. Vol: 52, 386-395. 2007.

ARIAS, M.M., PAOLA, M. P. e Lajmanovich. R.C. 2002. “Dieta do Giant Tadpole Pseudis Paradoxa Platensis (Anura, Pseudidae) da Argentina”. Phyllomedusa: Journal of Herpetology 1 (2): 97-100.

BATISTA. C, S. girinos do parque nacional da Chapada Diamantina: Caracterização morfológica e efeitos do fogo. 2020. Dissertação de mestrado. Programa de Pós- Graduação em Sistemas Aquáticos Tropicais. Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA.

BIONDA C.L., LUQUE E., GARI N., SALAS N.E., LAJMANOVICH R., MARTINO A.L. 2013. Diet of tadpoles of biligonigerus (Leiuperidae) from agricultural in the central region of Argentina. Acta Herpetologica 8(2): 141-146.

BICUDO, C.E.M., MENEZES, M. gêneros de algas de águas continentais do Brasil: chave para identificaçãoe descrições. 2 ed. Editora Rima. 2006.

BOND, W. Fires, ecological effects of. Encyclopedia of Biodiversity. vol: 2. 2001.

CANO, P. D.; LEYNAUD, G. C. Effects of fire and cattle grazing on amphibians and lizards in northeastern Argentina (Humid Chaco). European Journal of Wildlife Research, Vol: 56(3), 411–420. 2010.

CHEN H.C., LAI B.C., FELLERS G.M., WANG W.L., KAMY.C. 2008. Diet and foraging of Rana sauteri and Bufo bankorensis tadpoles in subtropical Taiwanese streams. Zoological studies 47: 685–696.

40

COLLI G.R., MESQUITA D.O., RODRIGUES P.V.V., KITAYAMA K. 2003. Ecology of the Gecko Gymnodactylus geckoides amarali in a neotropical savanna. Journal of Herpetology 37:694-706.

COSTA, G.M. Regeneração da vegetação campestre sob distúrbio de fogo na Chapada Diamantina, Bahia, Brasil. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Feira de Santana Departamento de Ciências Biológicas. Programa de Pós-Graduação em botânica. Feira de Santana. 2010. 87p.

FRIZZO, T. L. M.; BONIZÁRIO, C.; BORGES, M. P.; VASCONCELOS, H.L. Revisão dos efeitos do fogo sobre a fauna de formações savânicas do Brasil. Ecologia Australis.Vol:15(2), 365-379, junho. 2011.

GILLESPIE, G. R. Impacts of sediment loads, tadpole density, and food type on the growth and development of tadpoles of the spotted tree frog Litoria spenceri: an in-stream experiment. Biological Conservation. Vol:106, 141–150. 2002

GOSNER, KL. A simplified table for staging anuran embryos and larvae with notes on identification. Herpetologica.16:183-190.1960.

HAMMER, O., HAPER D.A.T. 2006. Paleontological Data Analysis. BLACKWELL PUBLISHING. P345.

HENDRICKS, F.S. 1973. Intestinal contents of Rana pipiens Schreber (Ranidae) larvae. Southwestern Naturalist 18: 99-101.

HYSLOP, E.J. Stomach contents analysis a review of methods and their application. Journal Fish Biology 17: 411-429. 1980.

ICMBIO- Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (2007). Parque Nacional da Chapada Diamantina - Plano de Manejo. Brasília. 657 pp.

IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Parque Nacional da Chapada Diamantina – BA. Relatório de combate ampliado. IBAMA – PREVFOGO: Brasília. 2008. 11 p.

JUNCÁ, F.A. 2005. Anfíbios e Répteis. In: F. A. Juncá., Funch, L and W. Rocha (Eds), Biodiversidade e Conservação da Chapada Diamantina–Série Biodiversidade. Ministério do Meio Ambiente, Brasília. 339-376.

41

JUNCÁ, F.A., NAPOLI M. F., NUNES I., MERCÊS E. A., ABREU R.O. A New Species of the Scinax ruber Clade (Anura, Hylidae) from the Espinhaço Range, Northeastern Brazil. Herpetologica, 71(4):299-309

KOPROSKI, L.P. O fogo e seus efeitos sobre a herpeto e a mastofauna terrestre no Parque Nacional de Ilha Grande (PR/MS). Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal. Curitiba. 2005.

KUPFERBERG, S.J. The role of larval diet in anuran metamorphosis. American Zoologist 37: 146–159. 1997b

MAGALHÃES, F. M.; LARANJEIRAS, D. O.; COSTA, T. B.; JUNCÁ, F. A.; MESQUITA, D. O.; RÖHR, D. L.; GARDA, A. A. Herpetofauna of protected areas in the Caatinga IV: Chapada Diamantina National Park, Bahia, Brazil. Herpetology notes. Vol:8, 243–261. 2015

MCDIARMID, R., ALTIG, R. Tadpoles: the biology of anuran larvae. Chicago, IL: University of Chicago Press. 1999.

MESQUITA, F. W., LIMA, N. R. G., GONÇALVES, C. N., BERLINCK, C. N., LINTOMEN, B. S. Histórico dos Incêndios na Vegetação do Parque Nacional da Chapada Diamantina, entre 1973 e abril de 2010, com base em Imagens Landsat. Biodiversida de Brasileira ICMBio. Vol: 2, 228–246. 2011.

NARDOTO, G.B., BUSTAMANTE, M.M.C., PINTO, A.S., KLINK, C.A. Nutrient use efficiency at ecosystem and species level in savanna areas of Central Brazil and impacts of fire. Journal of Tropical Ecology, 22: 191-201. 2006.

NEVES, S. P. S., CONCEIÇÃO, A. A. Campo rupestre recém-queimado na Chapada Diamantina, Bahia, Brasil: plantas de rebrota e sementes, com espécies endêmicas na rocha. Acta Botânica Brasílica.Vol: 24(3), 697-707. 2010.

NORI, J., LEMES, P., URBINA-CARDONA, N., BALDO, D., LESCANO., LOYOLA, J. R. Amphibian conservation, land-use changes and protected areas: A global overview. Biological Conservation. Vol: 191, 367–374. 2015.

PASTRO, L. A., DICKMAN, C. R., LETNIC, M. Fire type and hemisphere determine the effects of fire on the alpha and beta diversity of vertebrates: a global meta-analysis. Global Ecology and Biogeography.Vol: 23, 1146–1156. 2014.

42

RAMOS, J.G.P. Algas verdes cocóides (Chlorophyta) de duas áreas do Pantanal do Marimbus-Iraquara, Chapada Diamantina, Bahia, Brasil. Dissertação (Mestrado academico em Biotecnologia) Universidade Estadual de Feira de Santana. 233 p. 2013.

ROSSA- FERES, D. C; JIM, J. & FONSECA, M.G. Diets of tadpoles from a temporary pond in southeastern Brazil (Amphibia, Anura). Revista Brasileira de Zoologia. Vol:21(4), 745-754. 2004.

SANTOS, F. J. M., PROTÁZIO, A. S., MOURA, C, W. N., JUNCÁ, F. A Diet and food resource partition among benthic tadpoles of three anuran species in Atlantic Forest tropical streams. Journal Freshwater Ecology. 2016. Vol: 31, No. 1, 53-60

SCRIMGEOUR, G.J., TONN, W.M., PASZKOWSKI, C.A., GOATER C. Benthic macroinvertebrate biomass and wildfires: evidence for enrichment of boreal subarctic lakes. Freshwater Biology, 46, 367–378. 2001

SOUZA-FILHO, I.F., BRANCO, C. C., CARVALHO. SILVA, A. M. P., SILCA, G. R. & SABAGH, L.T. The diet of Scinax angrensis (Lutz) tadpole in área of Atlantic forest (Mangaratiba, Rio de Janeiro) (Amphibia, Anura, Hylidae). Revista Brasileira de Zologia.Vol: 24 (4), 965-970. 2007.

WICKRAMASINGHE. D, D., OSEEN. K, L., WASSERSUG. R, J. Ontogenetic changes in diet and intestinal morphology in semi-terrestrial tadpoles of Nannophrys ceylonensis (Dicroglossidae). Copeia: 1012-1018. 2007.

43

CAPÍTULO 2

Dieta de girinos de Rupirana cardosoi (Anura: Leptodactylidae) ao longo de diferentes estágios de desenvolvimento

A ser submetido à revista: South American Journal of Herpetology Instruções para os autores: http://sbherpetologia.org.br/publicacoes/herpetologia- brasileira/instrucoes-para-autores

Autora: Sidiane da Silva Oliveira1* Orientadora: Flora Acuña Juncá1= ¹ Divisão de Anfíbios e Répteis – Museu de Zoologia – Universidade Estadual de Feira de Santana. Campus Universitário. Avenida Transnordestina, S/N. CEP 44036-900

*Autora para correspondência: [email protected]

RESUMO: Girinos com desenvolvimento exotrófico ocupam uma grande variedade de habitats aquáticos e podem utilizar os recursos alimentares disponíveis nestes ambientes de maneira diferentes ao longo do seu desenvolvimento ontogenético. A maioria dos girinos tem sido classificada como herbívoros filtradores e suas dietas podem sofrer modificações ao longo do desenvolvimento. Neste estudo, nós investigamos quais mudanças ocorrem na dieta de girinos de Rupirana cardosoi ao longo de duas faixas de estádio de desenvolvimento e comparamos com mudanças morfológicas de tamanho corpóreo. Para isso, descrevemos a dieta de girinos de R. cardosoi ao longo de duas faixas de estádios ontogenéticos, 26-30 e 31-38. As larvas foram coletadas no Parque Nacional da Chapada Diamantina, estado da Bahia, Brasil, nos meses de novembro (2018), janeiro, maio e junho (2019). Para verificar diferenças na dieta, nós realizamos o método de ordenação não-paramétrico (NMDS) e análise de similaridade (Anosim). Para avaliar o tamanho do girino, utilizamos comprimento total, comprimento do corpo e, como um parâmetro interno, comprimento do intestino. A dieta desta espécie foi composta principalmente por microalgas das famílias Bacillariophyceae, Chlorophyceae, Zygnematohyceae, Euglenophyceas, além de nematoides, rotíferos, ameba testada e filamentos de origem vegetal. Houve mudanças na dieta de R. cardosoi ao longo dos estádios de desenvolvimento. Nossos resultados sugerem que a dieta desta espécie é onívora e possivelmente reflete as condições de disponibilidade de alimentos presentes no tipo de habitat utilizado pela espécie.

44

Palavras chave: Ecologia trófica, desenvolvimento ontogenético, girinos, Chapada Diamantina.

45

INTRODUÇÃO

Os girinos com desenvolvimento exotrófico ocupam uma grande variedade de habitats aquáticos (Pough, 1999) que podem ser lênticos ou lóticos, permanentes ou temporários (Altig e MCDiamird, 1999). Estes ambientes contêm os recursos alimentares utilizados por girinos de diferentes espécies de uma mesma comunidade e podem ser consumidos ou partilhados em termos de espaço e tempo (Heyer, 1976). Nestes ambientes, os girinos são organismos importantes, pois desempenham o papel de transferir a energia adquirida no meio aquático para o terrestre (Wassersug, 1975; Pryor, 2003). A maioria dos girinos tem sido classificada como onívoros filtradores (Altig et al., 2007; Kupferbeg, 1997), embora alguns estudos apontem para a possibilidade de alimentação seletiva entre táxons de algas. Os estágios pré-metamórficos costumam ser críticos para girinos de diversas espécies que ocupam ambientes temporários devido ao risco de dessecação (Altig e MCDiamird, 1999). A qualidade dos itens alimentares ingeridos pelas larvas de anuros pode afetar o recrutamento de jovens e a aptidão necessária para a realização da metamorfose (Kupferberg et al., 1994).

Um estudo de revisão recente sobre ecologia trófica de girinos indicou que de 70 artigos publicados em 27 países e nove regiões biogeográficas (no período de 2007 a 2017) apenas 96 espécies, das 7.292, distribuídas em 21 famílias e 56 gêneros, tinham informações sobre dieta (Montaña et al., 2019). O mesmo estudo apontou que as famílias Hylidae e Ranidae foram as mais estudadas (22 e 15 espécies, respectivamente), demonstrando um conhecimento relativamente baixo sobre este tema.

Com o objetivo de entender melhor as relações tróficas das larvas de anuros, alguns autores têm utilizado diferentes características morfológicas, (posição do disco oral, quantidade de papilas labiais, fileira de dentículos, tamanho do corpo, das nadadeiras, etc.). Para inferir o tipo de alimentação de girinos com diferentes ecomorfotipos (Altig e MCdiarmid, 1999). Durante as etapas finais do desenvolvimento ontogenético, os girinos tornam-se menos eficientes na detenção de partículas alimentares devido a mudanças em suas dimensões corporais, principalmente aquelas ligadas ao tamanho das superfícies coletoras de alimentos (Pough et al., 1999),

Nosso objetivo foi investigar quais mudanças ocorrem na dieta de girinos de Rupirana cardosoi ao longo de diferentes estágios de desenvolvimento, considerando

46

também o tamanho corpóreo, expressado por distâncias corpóreas, como o comprimento total, são capazes de explicar a diferença na dieta de girinos de R. cardosoi ao longo de seu desenvolvimento (ou ontogenia o tamanho associado a esses estágios. Nossa hipótese é que girinos de estágios iniciais do desenvolvimento apresentem dieta quali-quantitativa diferente daqueles girinos de desenvolvimento mais tardio. Estas diferenças poderão estar relacionadas ao tamanho do corpo e do intestino.

MATERIAIS E MÉTODOS

Área de estudo

Nossas coletas foram realizadas no Parque Nacional da Chapada Diamantina, localizado nos municípios de Andaraí, Ibicoara, Itaetê, Lençóis, Mucugê e Palmeiras, no estado da Bahia, Brasil (Figura 1). Esta Unidade de Conservação possui cerca de 152.400 hectares (ICMBIO, 2007) e está localizado na região da Chapada Diamantina que apresenta altitudes que chegam a 2000m (Juncá, 2005). Abriga 55 espécies de anuros, muitas delas endêmicas para a região (Juncá et al., 2005; Magalhães et al., 2015). A vegetação é composta por um mosaico com formações típicas da Caatinga, Cerrado, Campos Rupestres e alguns enclaves com formações deciduais e semideciduais associadas a Mata Atlântica (Neves & Conceição, 2010). Os meses com maior incidência de chuvas são registrados entre novembro e maio, com médias maiores em dezembro ICMBIO (2007).

Amostramos cinco poças. A distância entre os pontos variou entre 988m a 73.168m (x = 37,84, DP = 21,92). O tamanho dos corpos d’água variou de 0,94m2 a 69,21m2 (x = 18,25, DP = 33,97).

47

Figura 1. Localização do Parque Nacional da Chapada Diamantina, Bahia, Brasil. Em verde, a região da Chapada Diamantina, e em amarelo, o Parque Nacional da Chapada Diamantina.

Espécie estudada

Rupirana cardosoi Heyer, 1999 (Anura, Leptodactylidade) pertence a um gênero monotípico e endêmico da Chapada Diamantina. Seus girinos costumam habitar poças lênticas e temporárias formadas em rochas ou substrato arenoso (Juncá & Lugli, 2009). Estes girinos possuem corpo ovoide em vista dorsal, ligeiramente deprimido na vista lateral, corpo mais largo que alto, os caracterizando como girinos bentônicos.

Coleta e estudo da dieta dos girinos

Para amostrar os girinos realizamos cinco viagens à campo, nos meses de novembro (2018), janeiro, abril, maio e junho (2019). Coletamos os indivíduos com peneiras de diferentes tamanhos, adequadas às condições locais. Em seguida foram

48

mortos com alta dosagem de lidocaína líquida (5%) e, imediatamente, colocados em uma solução de Transeau (60% de álcool (a 70%), 30% de água e 10% de formalina a 10%) usualmente utilizada na fixação de algas. Em laboratório, foi feita a identificação taxonômica e dos estádios larvares de desenvolvimento, esta última com base em Gosner (1960).

Para análise da dieta, usamos 43 girinos, categorizados em duas faixas de desenvolvimento: estádios 26 a 30 (n = 19) e estágios de 31 a 38 (n = 24). Para avaliar o tamanho dos girinos, medimos o comprimento total CT (distância do focinho até a ponta da cauda) e o comprimento do corpo CC (distância da maior largura do corpo) de cada girino, com o auxílio de um estereomicroscopio Leica, EZ4 HD. Também medimos o comprimento do intestino CI, como mais um indicador de tamanho, com auxílio em uma placa de Petri associada a um papel milimetrado. Com o auxílio de instrumentos cirúrgicos, fizemos uma pequena incisão de um lado a outro do corpo, retiramos o conteúdo intestinal de cada indivíduo e diluímos em 1 ml de solução de transeau, (mesma substância de fixação) e armazenamos em microtubos.

Usamos uma a duas gotas (0,05 ml) da solução armazenada para identificar a composição dos itens alimentares em cada girino. Os itens alimentares encontrados na dieta foram quantificados e identificados através de chaves de identificação e bibliografia especializada ver por exemplo, (BICUDO & MENEZES, 2005; RAMOS, BICUDO, MOURA, 2015). A identificação e quantificação dos itens alimentares foram realizadas através de um microscópio óptico com as oculares de 10 e 40 vezes.

Descrição da dieta

Para descrever a dieta de girinos de Rupirana cardosoi, nas duas faixas de estádios de desenvolvimento, calculamos a frequência numérica (FN%) e frequência de ocorrência (FO%), para cada uma das categorias alimentares. A frequência numérica foi obtida pela quantidade de itens de uma dada categoria presente nos intestinos, dividida pelo número total de itens de todas as categorias ingeridos por todos os girinos analisados, segundo a fórmula: FN% = n/N x 100, onde n representa a soma total de uma dada categoria alimentar e N a somatória do número de itens analisados de todas categorias analisadas (Hyslop, 1980). A frequência de ocorrência de cada categoria alimentar foi obtida pelo número de intestinos que contém uma dada categoria alimentar em relação ao total de intestinos analisados. A fórmula para a estimativa desse parâmetro é: FO%= I/E x 100,

49

onde, I representa a presença de uma determinada categoria presente nos intestinos e E o número de total de intestinos analisados de uma determinada espécie. Calculamos o índice de importância de cada categoria através da fórmula I = (NF% + FO%)/2, conforme Hyslop, 1980. Para todos os cálculos, utilizados o programa Microsoft Office Excel versão 2016.

Análises estatísticas

Para comparar a dieta dos girinos entre as duas faixas de estádios, realizamos o método de dimensionamento multidimensional não paramétrico nMDS através do programa estatístico PAST, versão 4.03. A semelhança entre a dieta nas duas áreas foi comparada através de uma matriz de abundancia relativa dos alimentos retirados de cada indivíduo (abundância relativa de cada célula da matriz = número de itens de da categoria de alimentos consumidas por indivíduo, dividido pelo total de itens consumidos pelo indivíduo. Usamos a medida de distância de Bray-Curtis. Para checar suposição de normalidade das medidas morfométricas realizamos teste de Shapiro Wilk. Para as variáveis que seguram distribuição normal realizamos teste T de Student e para as variáveis que não seguiram distribuição normal realizamos o teste de Mann-Whitney.

Para verificar se ao longo do desenvolvimento o intestino cresce proporcionalmente ao tamanho do corpo, utilizamos a correlação de Pearson. Os cálculos foram realizados no programa Microsoft Office Excel, versão 2007. Para verificar se houve diferenças na quantidade de presas ingeridas ao longo do desenvolvimento, correlacionamos a abundância de itens ingeridos nas duas faixas de estágios, realizamos regressão linear simples no programa estatístico PAST, versão 4.0.

RESULTADOS

Analisamos 43 girinos de Rupirana cardosoi (19 nos estágios 26-30 e 24 nos estágios 31-38) provenientes de cinco corpos d’água lênticos temporários. As larvas de R. cardosoi foram coletadas principalmente em poças rasas e em pequenos filetes de água sobre as rochas. Alguns girinos desta espécie foram observados se alimentando com o disco oral voltado para a superfície da água. Identificamos e quantificamos 38.979 itens alimentares (18.728 nos estádios 26-30 e 20.251 para os estádios 31-38) distribuídos em 25 categorias alimentares (Tabela 1).

50

Tabela 1. Frequência de ocorrência (FO%), Frequência numérica (FN%) e Índice de importância (I) das categorias alimentares presentes na dieta de Rupirana cardosoi nos estádios 26-30 e 31-38.

Itens alimentares Estádios 26-30 Estádios 31-38

FN% FO% I FN% FO% I

OCHROPHYTA/Bacillariophyceae

Diatomácea 16,81 100 66,81 24,1 100 74,11

CHLOROPHYTA/Chlorophyceae

alga em forma de "x" 66,99 47,36 90,67 41,50 41,66 62,33

Crucigeniella 0,005 5,26 2,63 - - -

Crucigenia 1,86 36,84 20,28 5,19 41,66 26,02 tetrapedia

Coanocystis 0,01 10,52 5,27 0,03 8,33 4,20

Monoraphidium - - - 2,64 41,66 23,48

Oocystis 0,84 52,63 27,16 - - -

Scenedesmus 2,26 36,84 20,69 0,51 58,33 29,68

Acanthocystis 0,21 36,84 18,63 0,009 4,16 2,09

STREPTOPHYTA/ Zygnematophyceae

Cosmarium 5,40 84,21 47,51 0,48 70,83 35,90

Closterium 1,04 52,63 27,35 - - -

Desmídia 0,34 57,89 29,29 - - -

Euastrum 0,97 63,15 32,55 0,35 62,5 31,60

Staurastrum 0,09 42,10 21,14 0,33 54,16 27,41

Spirogyra - - - 0,37 16,66 8,70

51

EUGLENOPHYTA/Euglenophyceae

Euglena 0,01 10,52 5,27 16,40 95,83 64,32

Phuacus 0,005 5,26 2,63 - - -

EUGLYPHIDAE

Euglypha 0,20 52,63 26,36 0,01 4,16 2,09

ROTÍFERA

Lecane 0,02 21,05 10,54 0,12 16,66 8,45

NEMATODA ovo de nematoide nematoide 0,26 78,9 39,55 0,56 58,33 29,73 ARCELLINIDA/ Lobosa

Arcella 0,02 10,52 5,27 0,01 8,33 4,18

Outros

Asa de inseto? 0,13 52,63 26,36 5,094 91,66 50,92

Filamento vegetal 2,43 94,73 49,80 1,58 45,83 24,49

Alga hexagonal - - - 0,14 12,5 6,39

Na dieta de Rupirana cardosoi as diatomáceas ocorreram em 100% dos intestinos, tanto para os estádios 26-30 quanto 31-38, mas teve maior (I) nestes últimos estágios (Tabela 1). Dentre a classe Zygnematophyceae, as microalgas Cosmarium, Euastrum e Staurastrum foram as mais consumidas em ambas as faixas de estágio de desenvolvimento e tiveram as maiores FO e índices de importância. Embora não tenha sido contabilizado, houve uma grande quantidade de areia na dieta os girinos da espécie estudada.

52

Nos estágios iniciais (26-30), os girinos comeram uma grande quantidade de fragmento vegetal quando comparado com os estágios posteriores (31-38) (Tabela 1). Itens de origem , como rotífera e nematoide foram mais consumidos nos estágios 26-30. Crucigeniella, Oocystis, Closterium, Desmidia e Phacus também só foram encontradas nestes estágios. Entre as Euglenophyceae, Euglena teve maior FO e índice de importância nos estágios mais avançados (31-38) quando comparado aos iniciais. Dentre as categorias alimentares, “alga hexagonal”, Spirogyra e Monoraphidium foram observadas apenas nestes estágios.

A análise NMDS não separou claramente as duas faixas de estádio 26-30 e 31-38, o que pode ser notado é uma separação em grupos diferentes, mas sem sobreposição. A análise ANOSIM (R = 0,17 e p = 0,001) indicou que há diferença na dieta de R. cardosoi entre as duas faixas de estádios de desenvolvimento.

Eixo2

Eixo1

Figura 2. Diagrama de ordenação realizado pela análise NMDS da dieta de Rupirana cardosoi. Stress=

0,12. Símbolos na cor vinho representam os estádios 26-30: = poça 1; = poça 2; = poça 3;

= poça 4 = poça 5. Símbolos em azul representam os estádios 31-37: = poça 1; = poça 2; =

poça 3; = poça 4 = poça 5.

Durantes os estágios iniciais do desenvolvimento (26-30), o CT de Rupirana cardosoi variou de 13,3 mm a 20,0 mm (x = 16,7 DP = 2,0) e seguiu distribuição normal (teste de Shapiro Wilk = 0,94 p = 0,3). O CC variou de 5,3 mm a 9,3 mm (x = 7,3, DP =

53

1,0) (Shapiro-Wilk = 0,98 p = 0,9). O CI de estágios 26-30 variou de 4,5 mm a 15,0 mm (x = 8,1, DP = 2,7) (Shapiro-Wilk = 0,91 p = 0,07). Nos estádios 31-37 o CT variou de 19,0 mm a 31,0 mm (x = 21,1, DP = 2,4) e não seguiu distribuição normal (Shapiro-Wilk = 0,63 p = 1,43E-06). O CC variou entre 7,5 mm a 11,0 mm (x = 8,9, DP = 0,8) e apresentou distribuição normal (Shapiro Wilk = 0,95 p = 0,4). O CI variou de 7,0 mm a 14,7 mm (x = 10,60, DP = 2,0) (Shapiro-Wilk = 0,95 p = 0,3).

A regressão linear (R = 0,14 p = 0,3) mostrou que não há relação entre a abundância de itens ingeridos e os estágios de desenvolvimento. Também não encontramos diferenças entre o comprimento do intestino e abundância de itens. Encontramos uma forte correlação entre o CC com o CI ao longo dos estádios de desenvolvimento (Fig. 3).

Figura 3. Correlação de Pearson entre o comprimento do corpo e comprimento do intestino ao longo das duas faixas de estádio de desenvolvimento: 26-30 e 31-38.

DISCUSSÃO

No presente estudo as larvas de Rupirana cardosoi ingeriram tanto itens de origem vegetal quanto animal, detritos e areia. Este resultado é semelhante à de outras espécies de girinos que tiveram suas dietas estudadas (Rossa-Feres et al., 2004; Souza Filho et al., 2007; Chen et al., 2008; Santos et al., 2015; Bionda et al., 2013; Vieira et al., 2016; Kloh et al.,2018) e caracteriza os girinos desta espécie como onívoros e generalistas. Ao longo do desenvolvimento, os girinos de R. cardosoi consumiram basicamente os mesmos itens alimentares.

54

As diatomáceas foram a categoria alimentar mais ingerida, ocorrendo em 100% dos intestinos em ambas as faixas de estágio de desenvolvimento. A importância das diatomáceas como fonte de alimento foi visto em outros gêneros de anuros (Hendricks, 1973; Kupferberg, 1997b; Rossa-Feres, 2004; Souza-Filho et al., 2007; Chen et al., 2008; Santos et al, 2015; Kloh, et al.,2018; Vieira et al., 2016). Estas microalgas armazenam proteínas e gorduras que podem proporcionar que girinos se desenvolvam de maneira mais rápida e com tamanhos maiores (Kupferberg, 1997b). Em ambientes lênticos, temporários e rasos como os habitados por Rupirana cardosoi uma dieta rica em proteínas pode possibilitar que os girinos sobrevivam até que alcancem estágios mais tárdios e mais próximos do climax metamórfico, como mostrado por Richter-Boix et al., (2007). Naquele estudo, girinos de Pelodytes punctatus submetidos à dessecação do habitat tiveram dieta rica em proteínase e alcançaram estágios mais próximos da metamorose quando comparado a dieta a base de carboidratos com baixo teor de proteína. Nos estágios iniciais (26-30), os girinos comeram uma grande quantidade de fragmento vegetal quando comparado aos estágios posteriores (31-38). Girinos de Nannophrys ceylonensisem nos estádios 26 também ingeriram grandes quantidades de material vegetal, que foram diminuindo durante o desenvolvimento larval (Wickramasinghe et al., 2007). Larvas herbívoras, em estágios iniciais de desenvolvimento costumam apresentar intestinos mais longos (Altig et al., 2007). Em nosso estudo, no entanto, a maior quantidade de itens de origem animal, como rotífera e nematoide foi mais consumida nos estágios iniciais (26-30) e não se detectou diferenças no comprimento do intestino à medida que houve crescimento e desenvolvimento. A microalga Euglena teve maior índice de importância nos estágios 31-38. Este item alimentar também foi o mais representativo na dieta de girinos das espécies Dendropsophus soaresi, Physalaemus cicada, Rhinella granulosa, Leptodactylus sp. e L. fuscus em estágios de desenvolvimento 31-39 coletados em três ambientes temporários e diferentes poças no Monumento Natural Grota do Angico (Vieira et al., 2016) e na dieta das larvas de Physalaemus biligonigerus nos estágios 36-39 (Bionda et al., 2013). Entretanto, Phacus, que também é uma Euglenophyceae, foi observada aqui apenas nos estágios iniciais, diferente dos resultados encontrados por Vieira et al. (2016) que encontraram esta alga em maiores quantidades na dieta de girinos em estágios 31-39. Esta microalga é comumente encontrada em ambientes lênticos, rasos, com baixo pH e com ampla variação de temperatura (Alves- da- Silva & Fortuna, 2008), como os habitados por Rupirana cardosoi.

55

A análise NMDS não agrupou claramente as duas faixas de estágios de desenvolvimento em dois grupos distintos. Entretanto, também não mostrou sobreposição entre elas. Resultados semelhantes foram encontrados para girinos de Nannophrys ceylonensisque que consumiram os mesmos alimentos, mas em montantes diferentes no início (26-32) e no final (34-42) dos estágios larvais (Wickramasinghe et al.,2007). As diferenças encontradas na dieta de Rupirana cardosoi entre as duas faixas de desenvolvimento foi confirmada pela ANOSIM e podem estar associadas as mudanças morfológicas que acontecem ao longo do desenvolvimento ontogenético dos girinos, principalmente aquelas ligadas a formação e desenvolvimento das estruturas orais (Glos et al., 2017). Girinos em estágios de desenvolvimento iniciais (26-30) podem não ter todas as estruturas orais morfológicas totalmente formadas ou bem desenvolvidas (Altig et al., 2007). Neste sentido, as larvas de R. cardosoi apresentam no disco oral uma única fileira de papilas marginal, interrompida por um grande gap dorsal (Juncá & Lugli, 2009), característica que pode indicar restrições relacionadas ao tamanho de partículas ingeridas e que podem levar à mudanças na dieta a medida que crescem (Glos et al., 2017).

A dieta de girinos pode ser explicada em parte pelos microhabitats onde foram amostrados (KLOH et al., 2019). Neste sentido, os corpos d’água onde Rupirana cardosoi costuma se reproduzir apresentam características semelhantes, que consiste geralmente em poças lênticas com fundo arenoso, rasas e com pouca vegetação, e também em pequenos filetes de água sobre as rochas. Poças com pouca heterogeneidade ambiental pode ser um fator limitante na quantidade e tipos de micro habitats disponíveis por girinos de diferentes tamanhos (Glos et al. 2017). Portanto, a homogeneidade das poças, onde foram coletadas as larvas de R. cardosoi, pode explicar em parte a formação de pequenos grupos formados pelo NMDS ao longo dos estágios de desenvolvimento.

O comprimento do intestino e comprimento do corpo dos girinos de R. cardosoi apresentaram correlação positiva, indicando que o intestino cresce a medida que o girinos se desenvolve. Jacobson et al. (2019) notaram uma redução nos intestinos de girinos de Triprion petasatus no estágio 35 para o 42, mas nossos resultados não incluem estágios metamórficos.

Nós observamos que a abundância de itens ingeridos por R. cardosoi diferiu entre os estágios de desenvolvimento Estes resultados são semelhantes aos encontrados por SOUZA-FILHO e colaboradores (2007). Eles avaliaram a existência de diferenças entre

56

a dieta e as dimensões do comprimentos do corpo, altura da cauda, comprimento total e largura da boca de girinos de Scinax angresis em de dois estágios diferentes (27 - 37) e não encontraram diferenças significativas entre a dieta e as dimensões corporais.

CONCLUSÕES

Nossos resultados permitem concluir que houve mudanças na dieta de Rupirana cardosoi ao longo dos estádios de desenvolvimento. Os girinos de R. cardosoi são onívoros, entretanto, a abundância de itens consumidos não se relacionou com o estágio de desenvolvimento. O tamanho do corpo e do intestino não mostrou diferenças entre as faixas de estádios de desenvolvimento, além do crescimento esperado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTIG R., MCDIARMID, R. W. 1999. Body plan: development and morphology. In: MCDiarrmid R.W., Altig R. (eds.). Tadpoles, the biology of anuran larvae. The university of Chicago Press, Chicago. ALTIG R., WHILES M.R., TAYLOR C.L. 2007.What do tadpoles really eat? Assessing the trophic status of an understudied and imperiled group of consumers in freshwater habitats. Freshwater Biology. 52: 386-395. ALVES- DA SILVA S.M., FORTUNA J.R. 2008.O gênero Phacus (Euglenophyceae) em sistemaslênticos da planície costeira do Rio Grande do Sul, sul do Brasil. Acta. Bot. Bras 22: (3) 684-700.

BATISTA. C, S. girinos do parque nacional da Chapada Diamantina: Caracterização morfológica e efeitos do fogo. 2020. Dissertação de mestrado. Programa de Pós- Graduação em Sistemas Aquáticos Tropicais. Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA.

BIONDA C.L., LUQUE E., GARI N., SALAS N.E., LAJMANOVICH R., MARTINO A.L. 2013. Diet of tadpoles of Physalaemus biligonigerus (Leiuperidae) from agricultural ponds in the central region of Argentina.Acta Herpetologica 8(2): 141-146.

CHEN H.C., LAI B.C., FELLERS G.M., WANG W.L., KAMY.C. 2008. Diet and foraging of Rana sauteri and Bufo bankorensis tadpoles in subtropical Taiwanese streams. Zoological studies 47: 685–696.

57

COLLI G.R., MESQUITA D.O., RODRIGUES P.V.V., KITAYAMA K. 2003. Ecology of the Gecko Gymnodactylus geckoides amaraliin a neotropical savanna. Journal of Herpetology 37:694-706.

GOSNER K.L. 1960.A simplified table for staging anuran embryos and larvae with notes on identification. Herpetologica 16: 183–190.

GLOS J., WOLTER J., STRUCK U., RODEL MARK-OLIVER. 2017. Ecological shifts during larval development in two West savana frogs. Journal of Tropical Ecology. 33:50– 59.

HAMMER O., HAPER D.A.T. 2006. Paleontological Data Analysis. BLACKWELL PUBLISHING. P345. HEYER W.R.1976. Studies in larval amphibian habitat partitioning. Smith sonian Contribution to Zoology 242: 27p.

HEYER W. R. 1999.A new genus and species of frog from Bahia, Brazil (Amphibia: Anura: Leptodactylidae) with comments on the zoogeography of Brazilian camposrupestres. Proceedings of the Biological Society of Washington, 112(1):19-39.

ICMBIO. 2007. Instituto Chico Mendes de Biodiversidade. Parque Nacional da Chapada Diamantina - Plano de Manejo. Brasília. 657 pp.

JUNCÁ F.A. 2005. Anfíbios e Répteis. In: F. A. Juncá.,. Funch, L and W. Rocha (Eds), Biodiversidade e Conservação da Chapada Diamantina–Série Biodiversidade. Ministério do Meio Ambiente, Brasília. 339-376. JUNCÁ F.A., LUGLI. 2009. Reproductive Biology, Vocalizations, and Tadpole Morphology of Rupirana Cardosoi, an Anuran with Uncertain Affinities. South American Journal of Herpetology 4(2):173-178. GOSNER KL. 1960. A simplified table for staging anuran embryos and larvae with notes on identification. Herpetologica.16:183-190. KUPERBERG S.J.; MARKS G.M., POWER M.E. 1994. Effects of variation in natural algal and detrital diets on larval anuram (Hyla regila) life-hystory traits. Copeia2: 446- 457.

KUPFERBERG S.J., 1997b. The role of larval diet in anuran metamorphosis. American Zoologist 37: 146–159.

58

KLOH J.S., FIGUEREDO C.C., ETEROVICK P.C. 2018.You are what, where, and when you eat: seasonal and ontogenetic changes in a tropical tadpole’s diet. Amphibia-Reptilia 39 (4).

JACOBSON, B., CEDEÑO-VÁZQUEZ. J.R., ESPINOZA-AVALOS, J., GONZÁLEZ- SOLÍS, DAVID. The effect of Diet on Growth and Metamorphosis of Triprion petasatus (anura: hylidae) tadpoles. Herpetological Conservation and Biology 14(2):308–324.

MAGALHÃES F.M., LARANJEIRAS D.O., COSTA T.B., JUNCÁ F.A., MESQUITA D.O., RÖHR., D.L (…) GARDAA.A. 2015. Herpetofauna of protected areas in the Caatinga IV: Chapada Diamantina National Park, Bahia, Brazil. Herpetology Notes 8: 243–261. MCDIARMID R, ALTIG R. 1999.Tadpoles: the biology of anuran larvae. Chicago, IL: University of Chicago Press.

MONTAÑA C.G., SILVA S.D.G.T.M., HAGYARI D., WAGER J., LINDSEY TIEGS., SADEGHIAN C., SCHRIEVER T.A., SCHALK C.M. 2019. Revisiting “what do tadpoles really eat?” A 10‐year perspective. Freshwater Biology 64:2269–2282.

NEVES S.P.S., CONCEIÇÃO A.A. 2010. Campo rupestre recém-queimado na Chapada Diamantina, Bahia, Brasil: plantas de rebrota e sementes, com espécies endêmicas na rocha. Acta Botânica Brasílica 24(3): 697-707.

POUGH F.H., JANIS, C.M., HEISER J.B. 1999. A Vida dos Vertebrados. Atheneu Editora, São Paulo. PRYOR, G. S. 2003. Growth rates and digestive abilities of bullfrog tadpoles (Rana catesbeiana) fed algal diets. Journal of Herpetology 37(3): 560-566. RICHTER-BOIX A., LLORENTE G.A., MONTORI A., GARCIA J. 2007. Tadpole diet selection varies with the ecological context in predictable ways. Basic and Applied Ecology8: 464-474. ROSSA-FERES D.C., JIM J., FONSECA M.G. 2004. Diets of tadpoles from a temporary pond in southeastern Brazil (Amphibia, Anura). Revista Brasileira de Zoologia.21(4): 745-754. SANTOS F.J.M., PROTÁZIO A.S., MOURA C.W.N., JUNCÁ F. 2015. A Diet and food resource partition among benthic tadpoles of three anuran species in Atlantic Forest tropical streams. Journal of Freshwater Ecology. 2016.Vol: 31, No. 1, 53-60

59

SOUZA-FILHO I.F., BRANCO C.C., CARVALHO-E-SILVA A.M.P.T., SILVA G.R., SABAGH L.T. 2007. The diet of Scinax angrensis (Lutz) tadpole in área of Atlantic forest (Mangaratiba, Rio de Janeiro) (Amphibia, Anura, Hylidae). Revista Brasileira de Zoologia 24 (4): 965-970.

VIEIRA M.S., SILVA I.R.S., VILANOVA J.L., MACHADO C.M.S., FARIA R.G. 2016. Avaliação da dieta dos girinos de três corpos d’água temporários do monumento natural Grota do Angico, Sergipe, Brasil. Agroforestalis News 1 (1), setembro.

WASSERSUG R.J. 1975. The Adaptive Significance of the Tadpole Stage with Comments on the Maintenance of Complex Life Cycles in Anurans. American Zoologist15:(2) 405-417. WICKRAMASINGHE D.D., OSEEN K.L., WASSERSUG R.J., 2007. Ontogenetic Changes in Diet and Intestinal Morphology in Semi-Terrestrial Tadpoles of Nannophrys ceylonensis (Dicroglossidae). Copeia 4:1012-1018.

60