JAYME FERNANDES RIBEIRO

Os “Combatentes da Paz”: a participação dos comunistas brasileiros na Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas (1950)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História.

Orientador: Jorge Ferreira

Niterói/2003 2

JAYME FERNANDES RIBEIRO

Os “Combatentes da Paz”: a participação dos comunistas brasileiros na Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas (1950)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História.

______Professor Dr. Jorge Ferreira – Orientador Universidade Federal Fluminense

______Professor Dr. Daniel Aarão Reis Filho Universidade Federal Fluminense

______Professor Dr. Marco Aurélio Santana Universidade do Rio de Janeiro

Niterói/2003 3

Agradecimentos

Este trabalho constitui a dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Pós- Graduação em História, na Universidade Federal Fluminense, segundo semestre de 2002. Ele muito deve aos que me apoiaram e estimularam sua realização. Agradeço aos inesquecíveis amigos do curso de Formação Geral do segundo grau, cuja meta estabelecida de união e conquista não me deixava esmorecer. Aos fraternos amigos Márcio André Rodrigues dos Santos, Alexandre da Silva Nunes, André Luiz de Azevedo Assunção, Gualci Turque de Souza, Edney Dantas e Nino que me apoiaram e incentivaram, cada um a sua maneira, para a realização do projeto. Ao Amigo Thales Soares, sou grato pelos livros e pelo apoio às questões da física nuclear, que tanto auxiliaram para a compreensão dos assuntos relativos às armas atômicas. Ao fraterno amigo Cláudio Ribeiro, pelo apoio e contribuição nos materiais de informática. Aos novos amigos da UFF, Luiz Fernando, Eduardo Silva, André Guiot, Márcio Rogério e Pedro Sadio, que muito contribuíram com suas palavras de incentivo e indicações para a pesquisa. Aos amigos do curso de Pós- Graduação, Roberto Mansilla do Amaral, Edson Teixeira, Alessandra Ciambarella e ao baiano Coelho, agradeço pelas oportunas indicações de leitura, pelos debates calorosos e pelo apoio incondicional. Aos amigos que fiz durante as pesquisas nos arquivos e bibliotecas sou notório devedor. No Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro agradeço a Dona Sônia, Dona Joyce, Edson e Nano. No Arquivo Nacional, ao amigo Sátiro. No Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro, sou grato às novas amigas Sílvia, Letícia e Alessandra. Na Biblioteca Nacional, aos amigos Leandro, Robson, Luíza e Ana. A todos, agradeço pela imensa paciência com que me atenderam e pelo auxílio na procura das fontes. Sou bastante grato a Jorge Ferreira, orientador e amigo, pelo inestimável auxílio na escolha do tema, sem o qual jamais poderia existir esse trabalho. Agradeço, também, por mostrar-me como olhar algo além da simples visão, tão necessária à minha formação profissional e pessoal. Além do empréstimo de materiais necessários à conclusão desse estudo. 4

Sou grato, também, a Daniel Aarão Reis Filho e Marco Aurélio Santana pela leitura rigorosa do texto e pelas observações muito pertinentes, sem as quais o trabalho não seria tão especial. Aos funcionários e amigos da Coordenação de Pós-Graduação da UFF, Mário Branco, Estela Guerreiro e Joceli da Silva, ofereço meus sinceros agradecimentos. Aos amigos que os laços da vida me possibilitaram, Renato Pinheiro De Maria, Mery Luci Melo De Maria e Aline Melo De Maria, agradeço por ajudarem a mim e a minha família nos momentos difíceis que o caminhar nos leva a encontrar. Meu pai, Jaime Ribeiro, possibilitador da minha formação educacional. Por muitos anos me felicitou com a oportunidade de estudar sem precisar contribuir nas despesas familiares. Meu irmão, Antônio Carlos, e sua esposa, Lohanne, que participaram, de uma forma ou de outra, ainda que apenas ouvindo pacientemente minhas longas divagações e narrativas. Uma referência especial a Vera Lúcia Fernandes (minha querida mãe) e a Carla Melo De Maria (minha querida namorada), que acompanharam a pesquisa com paciência inesgotável e palavras oportunas nos momentos de desânimo. Sem elas, nada teria sido possível. Com paciência, inteligência, dedicação, carinho e amor tornaram sonho em realidade.

Jayme Fernandes Ribeiro. Niterói, 2003.

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Resumo O trabalho procura reconstituir a “Campanha pela Proibição das Bombas Atômicas”, adotada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) no ano de 1950. Originada do encontro dos “Partidários da Paz”, em Estocolmo, Suécia, e seguindo a linha pacifista do Partido Comunista da União Soviética, dirigida a todos os partidos comunistas, a campanha consistia no recolhimento de assinaturas, pelos militantes comunistas, através de inúmeros documentos dirigidos à opinião pública, aos governos nacionais e a organismos internacionais, como a ONU, reivindicando a proibição da utilização das armas atômicas por qualquer país e a eliminação dos arsenais atômicos existentes até aquele momento. Os comunistas brasileiros, mesmo na ilegalidade, articularam-se e viabilizaram a participação de diferentes grupos sociais em apoio à campanha. A dissertação preocupa-se em mostrar a maneira como os comunistas brasileiros a desenvolveram. Através de imagens, crenças e idéias, tenta-se apresentar os principais fatores que tensionaram tal campanha.

Abstract

This production look for to reconstruct the “Campaign for the Prohibition of Atomic Bombs”, adopted for the “Communist Faction from Brazil” (PCB) in 1950. Originated of ameeting of “Devoted of Peace”, in Stocolm, Sweeden, and follwing the pacifist line of “Communist Faction of Sovietc Union”, directed to all of communist factions, the campaign consisted in the retirement of signatures, of communist active members, through innumerable documents directed to public opinion, national governments and to internaitonal organisms, as ONU, claiming the prohibition of atomic bombs in any country and the elimination of atomic arseanals existing until that moment. The brazilian communists, even when in the illegality, articulated then selves and viabilizated the participation of different social groups to support the campaign. The dissertation preoccupy itself to show the way as the brazilian communist desenvolved the campaign. Through images, belif and ideas, we could try to show the mainly factors that intendene this campaign.

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Resumé Le travail prétend à reconstituer la “Campagne pour la Prohibition des Armes Atomiques”, adoptée par le Parti Communiste du Brésil (PCB) en 1950. Originée de la rencontre des “Partidaires de la Paix”, à Estocolme, Suede, suivant la ligne pacifiste du Parti Communiste de l’Union Soviétique, et orientée à tous les partis communistes, la campagne consistait à le recueillir des signatures, par les militantes communistes, à partir de innombrables documents orientés vers l’opinion publique, aux gouvernements nationaux et aux organismes intenationaux, comme l’ONU, revendiquant l’interdiction de l’utilisation des armes atomiques à n’importe quel pays et l’élimination des arsenaux atomiques existants jusqu’à ce moment. Les communistes brésiliens, même dans l’illégalité, ils s’articulaient et viabilisaient la participation des différents groupes sociaux en faveur de la campagne. La dissertation est preocupée à montrer la manière comme les commnunistes brésiliens l’ont développée. Utilisant des images, croyances et idées, on essaie de présenter les principaux facteurs qui tensionaient cette campagne.

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Para Carla, Jorge e Vera. Corpo, mente e alma indispensáveis à realização desse trabalho. 8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 09

CAPÍTULO 1 – PELA PAZ: A MILITÂNCIA VAI À LUTA...... 17

A luta pela paz entre duas guerras...... 17 Da guerra quente à Guerra Fria...... 26 “Hibakushas”: os filhos da bomba...... 40

CAPÍTULO 2 – O PCB NA GUERRA E NA PAZ...... 49

O dilema do PCB: pacifismo ou radicalidade...... 49 Imagens do apocalipse...... 61

CAPÍTULO 3 – OS INIMIGOS DA PAZ...... 89

URSS: o mundo da paz...... 89 A “farsa pacifista”...... 96 Correndo da polícia...... 122

CAPÍTULO 4 – ESFORÇO FRUSTRADO ...... 132

Pedagogia militante...... 132 O redobrar de esforços...... 155 Em busca da paz...... 165

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 176

FONTES...... 180 BIBLIOGRAFIA...... 182

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Introdução Si vis pacem, para bellum.

Na segunda semana do mês de setembro, do ano de 2001, circulou pela internet uma petição em favor da paz mundial. O apelo era encaminhado às pessoas do mundo inteiro, conclamando, cada uma, a conseguir quinhentas assinaturas. Quando as tivessem, deveriam enviar para o endereço eletrônico [email protected]. O texto encontrava-se em inglês e fazia o seguinte apelo,

“PETIÇÃO PELA PAZ O texto a seguir é pedido pela paz. Por favor, copie e cole enviando para todas as pessoas que você conheça e quando tiver com 500 assinaturas envie para UN ([email protected].). Se você não quiser assinar, por favor, tenha consideração pelas outras pessoas e passe adiante.”1

Abaixo vinham 289 assinaturas, sobretudo da França, Espanha, Suíça, Suécia, Estados Unidos, Escócia, Nova Zelândia, Dinamarca, Equador, China, Líbano, África do Sul, Argentina, Alemanha, Inglaterra, Chile, México, Venezuela e Brasil. O objetivo era coletar o maior número de assinaturas possível para serem encaminhadas à Organização das Nações Unidas (ONU), acreditando contribuir, dessa maneira, para estabelecer a paz no mundo. É importante destacar que a campanha foi articulada devido ao fato ocorrido na data de 11 de setembro de 2001, onde um atentado terrorista destruiu as “Torres Gêmeas” do World Trade Center nos Estados Unidos, acarretando milhares de mortos e feridos e uma resposta militar ao grupo terrorista. Mas será que o fato constitui uma novidade? Será que um apelo em forma de abaixo-assinado em favor da paz apresenta algo de novo no mundo contemporâneo? A resposta para a pergunta é, com absoluta certeza, não. A Guerra Fria, surgida, em fins da década de 1940 com o lançamento da doutrina Truman, abriu uma nova página na história. A disputa político-ideológica e militar entre as duas grandes potências daquele período (Estados Unidos e União Soviética) alterou, de maneira significativa, as bases das relações internacionais. O mundo inteiro foi ______1 Extraído de: [email protected].

10 marcado pela sombra de uma nova guerra mundial, que, em determinados momentos, pareceu realmente poder acontecer. As armas nucleares intensificariam ainda mais o temor de um conflito internacional, principalmente, por não ser possível calcular suas proporções. No início da década de 1950, militantes comunistas, de várias partes do mundo, lançaram-se numa campanha com o mesmo objetivo: salvaguardar a paz mundial. Uma tarefa extremamente difícil, porém de grande valor humanitário. O “Apelo de Estocolmo”, como ficou conhecido, era o nome dado à “Campanha pela Proibição da Armas Atômicas”, que, por sua vez, fazia parte do chamado “Movimento pela Paz”. A partir de 1947, a União Soviética, sob a liderança de Stálin, lançava para os partidos comunistas uma nova “linha geral”2. A nova perspectiva consistia em formar uma ampla frente antiamericana, visando impor aos Estados Unidos um arranjo mundial que fosse satisfatório aos interesses soviéticos e que permitisse, em maior amplitude, obter o controle da corrida armamentista, assim como barrar o desenvolvimento armamentístico norte-americano, proporcionando, ao mesmo tempo, o avanço das pesquisas nucleares soviéticas. Assim, o movimento organizado que obteve maior destaque dentro da nova “linha geral” foi o chamado “Movimento pela Paz”. O movimento começou em agosto de 1948, quando celebrou-se, na Polônia, o Congresso Mundial dos Intelectuais pela Paz e, em novembro, na França, o Congresso Nacional dos “Combatentes da Paz”. Somente a partir de março de 1950, a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” foi incorporada ao “Movimento pela Paz”. O objetivo do “Apelo de Estocolmo” era coletar milhões de assinaturas, em diversos países, para serem enviadas à ONU, manifestando, dessa forma, a vontade de milhões de pessoas em favor da paz mundial. O “Movimento pela Paz” incluía outras campanhas, não apenas se restringindo à “Campanha pela Interdição das Armas Atômicas”. Apelos e protestos contra a OTAN, contra a Guerra da Coréia, pelo desarmamento geral, contra o envio de soldados brasileiros para a Coréia, contra a guerra atômica, por um pacto de paz entre as cinco grandes potências – a saber: Estados Unidos, União Soviética, China, Inglaterra e França – estavam vinculados ao movimento maior da “Luta pela Paz”.3 A “Campanha pela Interdição das

______2 CLAUDIN, Fernando. La crisis del movimiento comunista. De la Komintern al Kominform. Paris, Ruedo Ibérico, 1970. 3 Assim também era chamado o “Movimento pela Paz”. 11

Armas Atômicas”, em menor amplitude, limitava-se a dirigir seus esforços para a proibição da utilização das armas atômicas por qualquer país e a eliminação dos arsenais atômicos existentes até aquele momento. Vale a pena lembrar que uma campanha não anulava a outra, pois, para garantir uma paz sólida e duradoura, o primeiro passo era proibir a utilização das armas atômicas em quaisquer guerras. No Brasil, os militantes comunistas, sob a orientação do Partido Comunista do Brasil (PCB), deveriam colher quatro milhões de assinaturas em favor do “Apelo de Estocolmo”. A “Campanha” começou em março de 1950, quando foi lançado o “Apelo” e terminou em 30 setembro do mesmo ano – data de entrega das cotas de todos os países participantes. Cada país tinha uma cota de assinaturas que deveria coletar e, posteriormente, enviar ao II Congresso Mundial da Paz, que seria realizado na cidade de Shefield, na Inglaterra. Assim, cada partido comunista deveria se empenhar ao máximo para atingir suas cotas. O PCB assumiu a tarefa, divulgando e propagandeando a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”. Para melhor conquistar sua cota, o Partido dividiu o Brasil em três grandes grupos, redistribuindo uma nova cota de assinaturas. Os comunistas brasileiros, na intenção de conquistar o maior número possível de assinaturas, lançaram mão de diversas estratégias, que procurarei mostrar no desenvolvimento do trabalho. Grande parte dos jornais da grande imprensa (não comunista) denunciava a referida campanha e todo o “Movimento pela Paz” como sendo parte integrante dos planos soviéticos para aumentar suas áreas de influência e espalhar o comunismo por todo o mundo. Vale lembrar que a imagem do comunismo em países ocidentais, e no caso específico do Brasil, era muito negativa. Os comunistas eram vistos como “inimigos da pátria”4 e a grande imprensa não se cansava de publicar artigos e manchetes confirmando essa idéia. De acordo com Bethania Mariani, “o discurso da imprensa atua na constituição da figura do PCB no imaginário ocidental, mais especificamente, do comunista como o (outro) inimigo.”5 Diversos panfletos distribuídos pelos militantes nas ruas, em portas de fábricas, colégios, levados de casa em casa etc., procuravam contradizer a imprensa não ______4 MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro: Revan; Campinas, São Paulo. UNICAMP, 1998. 5 Idem, Op. cit., p. 11.

12 comunista, mostrando que a “Campanha pela Interdição das Bombas Atômicas” era apenas uma campanha em favor da paz. Além disso, atendia aos anseios de milhares de pessoas “de boa vontade”6 do mundo inteiro. Nos jornais comunistas, dezenas de artigos eram publicados defendendo essa mesma idéia. Podia-se perceber que a defesa da humanidade dependia, principalmente, dos esforços da União Soviética e das democracias populares, enquanto que os países ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, representavam os grandes incentivadores do conflito nuclear e, particularmente, os iniciadores de uma catástrofe mundial. É interessante observar que a oposição Bem versus Mal se faz presente, quase que exaustivamente, em grande parte do discurso da imprensa comunista. Até mesmo no que concerne à posse da bomba atômica – que parecia ser uma “arma de terror e extermínio em massa de populações”, como relatavam os comunistas – podia-se perceber, até para um leitor menos atento, uma dupla imagem sendo divulgada: nas mãos da União Soviética, a bomba atômica era “fator de paz e segurança”7; em mãos norte-americanas, era verdadeiramente a representação do mal, a possibilidade do fim da humanidade. Até a data de entrega das cotas, o PCB iria articular e propagandear a “Campanha”, no intuito de conseguir cumprir a sua tarefa. É preciso ressaltar que notícias do mundo inteiro chegavam aos militantes revelando que outros países já haviam conquistado suas cotas ou estavam em vias de fazê-lo. Vale lembrar que isso era uma maneira de tencionar a militância, impelindo-os ao redobrar de esforços e visando demonstrar que, se outros haviam conseguido, era realmente possível chegarem ao êxito. Assim, os “combatentes da paz”, em sua maioria militantes comunistas e simpatizantes, saíam em busca das preciosas assinaturas, acreditando estar contribuindo para uma causa de extrema nobreza: salvar a humanidade de uma catástrofe nuclear que acarretaria o fim do mundo. O trabalho procura reconstituir a Campanha pela Proibição das Armas Atômicas adotada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB)8 no início da década de 1950. A ______6 Assim eram classificadas as pessoas que assinavam o “Apelo de Estocolmo”. 7 Manchete de Voz Operaria em 1o de outubro de 1949, p. 3. 8 Será utilizado o nome Partido Comunista do Brasil devido ao período compreendido pelo trabalho. Fundado em março de 1922 com o nome de Partido Comunista do Brasil, Seção Brasileira da Internacional Comunista, e adotando a sigla PCB, somente em agosto de 1961 o Comitê Central do partido modifica os estatutos e sua denominação, passando, assim, a utilizar o nome Partido Comunista Brasileiro. 13

Pesquisa visa problematizar e elucidar algumas questões referentes ao “Movimento pela Paz”, analisando algumas contradições presentes no discurso soviético. Procura, ainda, mostrar a tensão existente no processo de implementação da nova linha política. No Brasil, no momento de inserção da “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” como tarefa central de todos os partidos comunistas, há um acirrado debate sobre a viabilidade de adoção da nova proposta. Não apenas no Brasil, mas, em toda a América Latina, houve uma relutância, por parte dos partidos comunistas, em aderir a nova “linha geral”, proposta pelo Partido Comunista da União Soviética. No caso brasileiro, especificamente, o “Manifesto de Agosto” de 1950, sendo responsável pela proposição da luta armada, adotando uma linha radical no Partido, mostra o evidente choque de posições políticas e a enorme tensão que se encontrava o PCB. Enfim, de uma lado, a linha da luta armada, acreditando que aquele momento era oportuno para a tomada do poder; de outro, a linha pacifista, relegando a um plano secundário a via revolucionária para os países latino- americanos. A Campanha pela Proibição das Armas Atômicas foi difundida em diversos estados brasileiros, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, com o objetivo de coletar assinaturas em favor do movimento. Além de reconstituir a Campanha pela Proibição das Armas Atômicas, o presente estudo tentará mostrar a maneira como os comunistas a estavam desenvolvendo. Através de imagens, crenças e idéias formuladas pelo PCB, tentar-se-á apresentar os principais fatores que motivaram a campanha. Os comunistas brasileiros, principalmente a partir da Guerra da Coréia, manifestavam seus temores e crenças a respeito do que acreditavam representar, verdadeiramente, um iminente perigo nuclear. No imaginário comunista, o conflito na Coréia era o primeiro passo para um confronto direto entre os Estados Unidos e a União Soviética, acarretando, por conseqüência, um desastre mundial. De acordo com Baczko, o imaginário social “elaborado e consolidado por uma colectividade é uma das respostas que esta dá aos seus conflitos, divisões e violências reais ou potenciais. Todas as colectividades têm os seus modos de funcionamento específicos a este tipo de representações”.9 Tentando dar respostas a seus conflitos por meio de um ______9 BACZKO, Bronislaw (a). “Imaginação social”. In Enciclopédia Einaudi – Anthropos-Homem, vol. 5. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1985, p. 309.

14 imaginário, os comunistas possuíam a crença de que o único meio de impedir uma desgraça mundial era proibir a ação das bombas atômicas em quaisquer conflitos internacionais. Mais ainda, era necessário acabar com os arsenais atômicos em todo o mundo. Para isso, restava uma única alternativa: colher assinaturas para o “Apelo de Estocolmo”. O período analisado corresponde a março de 1950 e se estende até setembro do mesmo ano. É nesse espaço de tempo que se desenvolve toda a “Campanha pela Proibição das Armas atômicas”. Embora haja manifestações para a manutenção da paz desde o final da Segunda Grande Guerra, em 1945, o ano de 1950 se mostra relevante pelo fato de ter sido criado o “Apelo de Estocolmo”, destinado a coletar as tais assinaturas. É a partir desse ano que as manifestações pela paz intensificam-se e ganham grande destaque nos jornais. Será analisada, também, a parte anterior ao “Apelo de Estocolmo”, visando revelar a sua inserção no “Movimento pela Paz”. O trabalho estender-se-á, ainda que superficialmente, até 1956, data posterior a campanha que pretende-se abordar, no intuito de mostrar que houve outras campanhas inseridas na campanha maior do chamado “Movimento pela Paz”. É necessário destacar que, apesar de haver diversos trabalhos sobre o Partido Comunista do Brasil, em diferentes períodos e distintas abordagens, existem poucos estudos acerca do tema. Assim, acredito ser de significativa importância realizar um estudo mais detalhado e específico sobre o assunto. O trabalho propõe-se, portanto, a resgatar a importância de um movimento pouco estudado que mobilizou milhões de pessoas em diversos países do mundo. Uma pesquisa mais detalhada sobre o tema também permitirá analisar a prática pedagógica dos militantes comunistas de ensinar o que era uma guerra atômica; o que era a bomba atômica e seus efeitos devastadores. Trabalhando com imagens e representações acerca dos acontecimentos ocorridos nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki, os comunistas brasileiros fizeram um importante trabalho de informação sobre as conseqüências de um conflito nuclear, o que não podia ser encontrado nos jornais da grande imprensa. A pesquisa, permitirá, ainda, relatar qual a visão dos comunistas brasileiros em relação à bomba atômica e as suas perspectivas em relação à possibilidade de um novo conflito mundial. 15

O estudo da “Campanha pela Proibição das Bombas atômicas” permite mostrar como os comunistas brasileiros, na ilegalidade e com forte repressão política e policial, articularam-se e viabilizaram a participação de diferentes grupos sociais em apoio ao movimento. Permite, também, revelar a relação entre os dirigentes comunistas e a militância de base, que, através da estratégia de tensão máxima e do massacre das tarefas, tensionavam os militantes, a todo o instante, ao redobrar de esforços, e sempre com o peso maior da responsabilidade para a militância de base. O trabalho utilizará a imprensa comunista como fonte privilegiada de pesquisa, incluindo, também, panfletos e transcrições de um programa radiofônico paulista. Os jornais Voz Operaria e Imprensa Popular serão utilizados no decorrer de todo o trabalho. O periódico Voz Operaria será pesquisado entre 1948 e 1956; já o jornal Imprensa Popular, nos anos de 1949 a 1956. Os periódicos relatam toda a trajetória da “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”, descrevendo suas origens, o contexto nacional e internacional, seu desenrolar e seu objetivo, assim como o seu resultado. Importa ressaltar que a imprensa comunista é fonte e, ao mesmo tempo, objeto de análise, pois além de propagandear a Campanha, permite investigar a maneira como os comunistas a estavam desenvolvendo. Outros periódicos comunistas, em menor escala, serão utilizados – a saber: o jornal paulista O Sol (1950) e o jornal Democracia Popular (1950), do Rio de Janeiro. Além disso, a pesquisa documental estender-se-á a jornais não comunistas – como os periódicos: O Jornal (1948 a 1952), Jornal do Brasil (1949 e 1951), O Estado de S. Paulo (1950), O Globo (1949 a 1951), a fim de revelar como a grande imprensa se manifestava em relação à “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” e ao “Movimento pela Paz”. Na intenção de elucidar algumas questões relevantes ao trabalho, já anteriormente apresentadas, pesquisar-se-á, também, a revista de orientação comunista Problemas, encontradas no Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ), correspondendo ao período de 1947 a 1955. No referido arquivo, também foram pesquisadas iconografias que serão utilizadas ao longo do trabalho. Os panfletos, folhetos, dossiês e iconografias, assim como alguns jornais, foram pesquisados no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Os documentos dos órgãos de repressão foram encontrados no Arquivo Nacional, em sua maioria, e no APERJ. Recorri, também, a biografias e memórias de militantes comunistas, a exemplo de Hércules Correia, Moisés 16

Vinhas, Manuel Alves Ribeiro, João Falcão, Osvaldo Peralva, Jorge Amado, Leôncio Basbaum, Gregório Bezerra, Agildo Barata e Heitor Ferreira Lima . Os panfletos constituem, em sua maioria, informativos sobre o movimento. Apresentam soluções à questão das armas atômicas e tentam responder a possíveis perguntas dos leitores através de questionários, como, por exemplo, “o que aconteceria se uma bomba atômica atingisse Belém?”; “por que é preciso proibir a utilização das armas atômicas?”; “a campanha pertence a um partido político?”, etc. Enfim, mostram a tentativa dos comunistas de incentivar as pessoas a assinarem o “Apelo de Estocolmo”, aderindo, desta maneira, à Campanha. As transcrições são do programa “Defendendo o Direito de Viver”, da “Rádio Difusora”, de São Paulo, patrocinado pela “Cruzada Humanitária pela Proibição das Armas Atômicas”. O programa era irradiado das 18:35h às 18:45h. Nesse programa eram trazidas pessoas para falarem de seu envolvimento e de sua experiência na Campanha, assim como relatar os ouvintes o seu desenvolvimento em todo o Brasil. Em resumo, conclamava aos ouvintes a participarem da Campanha pela Proibição das Armas Atômicas através da coleta de assinaturas e o envio das mesmas à sede da Rádio Difusora ou à sede da “Cruzada Humanitária pela Proibição das Armas Atômicas”. Vale lembrar que os panfletos e as transcrições foram encontrados no Arquivo Nacional e no Arquivo Público do Estado, ambos no Rio de Janeiro. Sendo assim, iremos conhecer homens e mulheres que dedicaram parte de sua vida para o que acreditavam ser a salvação da humanidade: a proibição das armas atômicas como armas de guerra e a preservação da paz mundial.

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Capítulo 1 - PELA PAZ: A MILITÂNCIA VAI À LUTA

“Toda a atividade dos partidos comunistas deve subordinar-se a esta tarefa central: assegurar uma paz sólida e duradoura.” (Discurso proferido por Stálin ao Bureau Político do Partido Comunista Soviético, em novembro de 1949.)

A luta pela paz entre duas guerras

Na conferência econômica internacional de Gênova, em abril/maio de 1922, participaram, em caráter oficial, representantes do governo soviético que tinham como um dos pontos principais a questão relativa ao pacifismo. Tratava-se de uma iniciativa nascida e promovida no espírito de cooperação internacional em que se inspirava a ação da recém- fundada Sociedade das Nações. A União Soviética enviou sua delegação, sendo liderada por G. V. Tchitcherin, instruído pelo próprio Lênin. A proposta de Tchitcherin esboçava o projeto de um congresso mundial com a participação de todas as nações do mundo. O congresso operaria como uma “autoridade moral”, de acordo com o modelo do Tribunal de Haia, e deveria elaborar um programa geral de paz mediante “comissões técnicas” adequadas. Entre as várias recomendações e medidas do programa, destacavam-se a redução geral dos armamentos, a internacionalização das linhas ferroviárias, fluviais e marítimas e a “repartição planejada” entre os países “economicamente arruinados” do ouro que restava nos depósitos bancários americanos.1 Segundo Giuliano Procacci, a proposta constituía “de uma tentativa de resposta soviética e proletária aos enunciados pacifistas que tinham estado na base dos quatorze pontos de Wilson e dos princípios instituintes da Sociedade das Nações”.2 O projeto soviético diferenciava-se, claramente, do projeto wilsoniano. Embora ambos acolhessem princípio de autodeterminação dos povos e a concepção geral, segundo a qual uma organização pacífica e justa da comunidade internacional deveria não só ser desejável como também possível, o primeiro inspirava-se em critérios e ideais socialistas e nos interesses da ______1 PROCACCI, Giuliano. “A ‘luta pela paz’ no socialismo internacional às vésperas da Segunda guerra Mundial”. In HOBSBAWM, Eric (0rg.). História do Marxismo – O marxismo na época da Terceira Internacional: da internacional comunista de 1919 às frentes populares., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 250, vol. 6 18

2 Idem. União Soviética. Lênin não apenas concordou com a proposta de Tchitcherin, como também fez questão de acrescentar uma pequena reserva:

“Nós, comunistas, temos o nosso programa comunista (III Internacional), mas consideramos nosso dever, como comunistas, apoiar (embora com uma probabilidade em dez mil) os pacifistas do outro campo, ou seja, do campo burguês nele compreendendo a Segunda Internacional e a Internacional dois e meio. Veneno e bons modos; isto nos ajudará a desagregar o inimigo.”3

É possível perceber, na declaração de Lênin, um significativo ceticismo em relação ao pacifismo do “outro campo”. Com isso, toda colaboração com eles na preservação da paz e na fundação de uma nova ordem internacional vem submetida a graves condicionamentos. Mais adiante, poder-se-á perceber que, em relação ao “Movimento pela Paz” e à “Campanha pela Proibição das Bombas Atômicas”, os comunistas, sob orientação soviética, terão semelhantes atitudes quanto às propostas pacifistas enunciadas pelos países ocidentais. A própria expressão “luta pela paz”, tão corrente no léxico oficial soviético a partir de 1949, só aparece, rara e ocasionalmente, nos documentos comunistas dos anos 1920. Como apresenta Procacci,

“a primeira ocasião em que ela foi posta no centro de um debate real nas fileiras da Internacional foi o VIII Pleno, de maio de 1927, no curso da qual o problema da palavra de ordem de ‘luta pela paz’ foi suscitado por dois dirigentes de grande autoridade e prestígio, Bukhárin e Togliatti.”4

Ainda segundo o autor, a resolução não pretendia reduzir-se a mero expediente tático ou propagandístico, mas pressupunha em seus defensores a convicção de que a “luta pela paz” pudesse, efetivamente, ter sucesso e a de que a paz, pela qual se afirmava lutar, pudesse realmente ser assegurada. É também provável que, como primeiro objetivo da “luta pela paz”, houvesse um provável acordo sobre o desarmamento, o qual estava em voga na Europa daquele período. A União Soviética, em relação ao acordo, mostrar-se-ia, repetidamente, favorável. Contudo, a palavra de ordem de “luta pela paz” foi bastante

______3 Idem. 4 Idem.

19 combatida no decorrer dos trabalhos do VIII Pleno. Polêmicas e divergências eram constantemente debatidas. Naquele momento, era assinalado um grave perigo de guerra que as potências ocidentais, principalmente a Inglaterra, estavam preparando contra a União Soviética. Assim, tornava-se necessária a sua defesa, e a palavra de ordem passava a ser a “luta contra a guerra”. Merece destacar, ainda, que havia aqueles que defendiam a tese da inevitabilidade da guerra que, dessa forma, representaria uma esperança para o proletariado, na medida em que de uma guerra mundial nasceria a revolução proletária mundial. O pacifismo dos anos 1920, de extração wilsoniana, diferenciava-se do pacifismo clássico, de tipo humanitário e oitocentista, uma vez que ambicionava apresentar-se como o programa de um movimento político que envolvia a ação dos governos, assim como a opinião pública organizada. Dessa maneira, partia-se do pressuposto de que a paz poderia ser preservada, desde que certas regras internacionais fossem respeitadas e, por outro lado, a opinião pública exercesse uma pressão constante. Analisando as teses de Otto e os discursos de Friedrich Adler, no início da década de 1930, Giuliano Procacci afirma que a questão central, em relação a um conflito mundial, naquele momento, não era o antes, mas, sim, o que fariam depois. Com isso, mesmo que a guerra eclodisse, os partidos socialistas dos países aliados à União Soviética deveriam abster-se de qualquer ação de sabotagem e a Internacional devia exortar os proletários a cumprir seu dever nos campos de batalha e, como operário, nas oficinas de guerra. Por seu turno, a URSS deveria anistiar todos os socialistas e os comunistas de oposição detidos e dar a seu esforço militar o caráter de uma “guerra revolucionária”. Mas um fato era bastante relevante:

“não se podia excluir que o desenvolvimento da guerra – como, por exemplo, uma vitória militar da coalizão antifascista ou do início da revolução na Alemanha – induzisse os aliados da URSS a se retirarem da própria coalizão ou mesmo a voltarem as armas contra o país do socialismo. Em face de tal eventualidade, os partidos socialistas deviam evitar dar ao seu apoio ao esforço bélico dos respectivos países o caráter de union sacrée, preparando-se, inversamente, ‘para utilizar a guerra com vistas a apossarem-se do poder’ e ‘transformar a defesa nacional em defesa revolucionária e jacobina, em defesa de um país socialista e proletário’. Por seu lado, a URSS tinha de estar pronta, no caso de revolução na Alemanha, para romper com seus aliados capitalistas e

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concluir uma paz em separado com a Alemanha proletária.”5

Assim, verifica-se que os cenários possíveis, tomados em consideração, concerniam ao desenvolvimento do conflito, não à sua prevenção. Mais adiante, será possível observar que, no interior do movimento pela paz, a “Campanha pela Interdição das Bombas Atômicas” objetivava, ao máximo, evitar uma nova guerra mundial, já que, naquele período da história, uma guerra com proporções nucleares levaria a uma enorme catástrofe. Com isso, lutar pela manutenção da paz tornava-se também uma luta contra uma guerra nuclear. Além disso, não mencionavam sequer o que deveriam fazer se uma guerra desse tipo eclodisse. No pacifismo soviético, presente após a adoção da nova “linha geral”, o depois não era cogitado, mas, sim, as possibilidades reais de se evitar um novo conflito mundial de proporções perceptivelmente incalculáveis. É importante destacar que o pacifismo apresentado pelos dirigentes soviéticos no entreguerras não era exclusividade daquele período, nem originário das fileiras comunistas propriamente ditas. A trajetória pacifista vinha sendo delineada na tradição da Internacional Socialista, desde a sua fundação, em 1889. A partir dela, é possível verificar uma atenção particular ao problema da guerra. Questões referentes ao assunto e à organização, à agitação e à propaganda contra as forças belicistas eram freqüentes e estavam na ordem do dia em diversos congressos. De acordo com Daniel Aarão Reis Filho, “do primeiro congresso, em 1889, em Paris, ao último, o congresso extraordinário de Bâle, em 1912 (salvo a exceção do de Amsterdam, em 1904), o tema da guerra, sob diversas formas, reaparecerá sempre, comprovando o quanto a questão preocupava os partidos socialistas europeus.”6 Durante esse período, a tendência dominante, nos discursos e nas campanhas organizadas, era clara: guerra à guerra entre as potências capitalistas. Como demonstra o autor, “uma tendência francamente anti-militarista toma corpo, sobretudo

______5 Idem. 6 REIS FILHO, Daniel Aarão. A aventura dos projetos socialistas contemporâneos: a social-democracia internacional e o modelo soviético. Tese para professor titular de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói, 1995, p. 51.

21 entre os jovens socialistas. Líderes conhecidos, como J. Jaurès, K. Liebknecht, R. Luxemburgo, G. Hervé e tantos outros, inclusive anarquistas, que se manterão na Internacional até 1896, unirão suas vozes na rejeição à guerra.”7 Assim, desde o seu início até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a Internacional Socialista vai mostrar, sobretudo, em seus congressos, sua preocupação em relação às guerras na Europa e o dever de lutar contra essa possibilidade, procurando, com isso, preservar a paz. Contudo, com o passar dos anos, o conflito entre as potências européias deixava de ser apenas uma probabilidade. Por isso mesmo, afirma Reis Filho, “é que as lideranças decididamente favoráveis a um posicionamento claro contra a guerra e pela paz, ou seja, um posicionamento que se traduzisse em atividades práticas, em políticas definidas, insistiriam repetida e incansavelmente pela inclusão e reinclusão da questão nos pontos dos congressos”.8 É nessa medida que, anos mais tarde, em dezembro de 1933, poucos meses depois da chegada de Hitler ao poder, foi reunido em Moscou o XIII Pleno da Internacional Comunista. Nele, ficava clara a resolução sobre o fascismo como um provável perigo de guerra. Nesse sentido, um novo conflito mundial mostrava-se iminente e inevitável. Assim, como anteriormente, a Internacional Socialista manteve, em sua tradição, uma tendência de rejeição à guerra, a tarefa de todos os partidos comunistas deveria ser a “luta contra a guerra”. Importa lembrar que a luta deveria ter início antes da deflagração das hostilidades, mas seu objetivo não consistia, como dito anteriormente, em prevenir o conflito, mas em contribuir para criar aquelas condições que possibilitassem a transformação da guerra imperialista em guerra revolucionária. Nesse momento, não havia lugar para a hipótese de “luta pela paz” e para a prevenção da guerra. A situação, por conseguinte, permaneceu assim até o início de 1934, quando, no decorrer desse mesmo ano, a consolidação do regime nazista tornou mais evidente aos olhos dos dirigentes soviéticos a necessidade de revisão de suas orientações e previsões. Como afirma Procacci,

“foi neste período, efetivamente, que tomou corpo de um modo gradativo a doutrina do ‘inimigo principal’, com base na qual se reconhecia que os Estados fascistas, particularmente a Alemanha e o Japão, constituíam ‘focos’ de guerra ______7 Idem. 8 Idem. 22

mais perigosos do que os Estados imperialistas que saíram satisfeitos da Primeira Guerra Mundial e estavam, assim, mais interessados na manutenção do status quo.”9

A esse respeito, um fato interessante deve ser mencionado. Quando perguntados, em janeiro de 1939, sobre quem os norte-americanos queriam que ganhasse, se irrompesse uma guerra entre a União Soviética e a Alemanha, 83% foram a favor de uma vitória soviética.10 Assim, fica claro o que representava o fascismo para as democracias ocidentais. Nesse momento, uma aliança antifascista era apregoada por diversos governos. Acreditavam que somente a união entre as grandes potências daquele período poderiam levar a cabo a derrocada dos regimes fascista e nazista, deixando de lado, com isso, pelo menos temporariamente, suas ideologias políticas. Com isso, comunistas e liberais, postos diante do mesmo inimigo e da mesma ameaça de aniquilamento, foram levados para o mesmo campo. Na verdade, o tempo de aliança entre Estados Unidos e União Soviética foi bastante curto. A situação histórica, sem dúvida excepcional, durou, como salienta Hobsbawm, no máximo de 1939 (quando os Estados Unidos reconheceram oficialmente a URSS) até 1947 (quando é deflagrada a Guerra Fria). Em outras palavras, “foi determinada pela ascensão e queda da Alemanha de Hitler (1933-45), contra a qual EUA e URSS fizeram causa comum, porque viam como um perigo maior do que cada um ao outro”.11 No campo ocidental, os intelectuais foram a “primeira camada social mobilizada em massa contra o fascismo na década de 1930”.12 Todavia, constituía, ainda, uma camada social pequena, mas grandemente influente, especialmente por incluir jornalistas que, nos países não socialistas do Ocidente, desempenharam um papel de extrema importância, divulgando e alertando leitores e governantes mais conservadores para a natureza do nazi-fascismo. A radicalização dos intelectuais nos anos 1930 foi, entre outros fatores, uma resposta à crise que tinha abalado o capitalismo, onde suas origens devem ser buscadas na

______9 PROCACCI, Giuliano. Op. cit., p. 262. 10 HOBSBAWM, Eric J. (a). Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 145. 11 Idem. 12 Idem.

23 grande depressão de 1929-1933. Não obstante, como retrata Hobsbawm, “o que surpreendia não só os círculos restritos de intelectuais potencialmente ou efetivamente comunistas, mas também estratos muito mais amplos da população, não era somente a catástrofe global da economia capitalista, [...], mas também o fato de que a União Soviética estivesse aparentemente imune a ela”.13 Portanto, se entre o colapso do capitalismo e o seu tipo de industrialização planificada socialista levou alguns intelectuais para o marxismo, o triunfo de Hitler, como afirma o autor, converteu um número muito maior ao antifascismo. O perigo da Alemanha de Hitler tornava-se capaz de dar um sentido, mais do que justificado, à coalizão entre os inimigos de ontem e do futuro. Havia uma ameaça ainda mais grave, apesar de suas divergências políticas. Dessa maneira, também na Europa, o pacifismo – que, há algum tempo, era debatido e pregado como possibilidade de convivência entre as nações – foi sendo deixado de lado. Contudo, mesmo com o repúdio à guerra – recordar que os horrores da Primeira Guerra Mundial estavam bastante presentes na memória das pessoas –, sendo favoráveis a um desarmamento geral, a um entendimento internacional e à Liga das Nações, a recusa de combater comportava, implicitamente, uma disponibilidade para aceitar a permanência do fascismo. Assim, a alternativa consistia em renunciar ao pacifismo, decidindo que a resistência ao fascismo justificaria o recurso às armas. Lutar pela paz, pelo menos naquele momento, significava combater o fascismo. Bukhárin, um dos primeiros a suscitar a questão da “luta pela paz”, continuava acreditando que era perfeitamente possível e não irrealista a prevenção do conflito. Concordando com ele estava Palmiro Togliatti, dirigente da Internacional Comunista que teve a tarefa de redigir, no VII Congresso, o informe sobre a preparação de uma nova guerra mundial por parte dos imperialistas e sobre o papel da Internacional. Nesse momento, deve-se destacar um fato interessante: depois de uma longa ausência, ressurge, pela primeira vez num documento oficial da Internacional Comunista, a palavra de ordem de “luta pela paz”. Conforme demonstra Procacci, o item do documento dedicado à luta pela paz e a defesa da União Soviética começava assim:

______13 HOBSBAWM, Eric J (b). “Os intelectuais e o antifascismo”. In HOBSBAWM, Eric (org.). História do Marxismo – O marxismo na época da Terceira Internacional: problemas da cultura e da ideologia. Vol. 9, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 163-64. 24

“Diante da repugnante realidade do mundo capitalista, que se precipita para a guerra, milhões e milhões de homens, de mulheres, de jovens, de soldados, se perguntam com angústia: nossa sorte, então, está fatalmente decidida? Não é possível que nos ameaça? Nós, comunistas, vanguarda da classe operária, sabemos como responder a esta pergunta. Sabemos que a guerra é uma necessidade do regime capitalista. (...) Mas nós também sabemos que, em última análise, todas as questões do desenvolvimento da sociedade humana são decididas pela luta – pela luta das massas. Às amplas massas, que não querem a guerra, lançamos nosso apelo: ‘Unamos nossas forças! Lutemos juntos pela paz! Organizemos a frente única de todos aqueles que querem a paz!’”14

Entretanto, como lutar pela paz se a “guerra é uma necessidade” do regime capitalista? Sendo assim, no que concerne aos assuntos do “Movimento pela Paz” e da “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”, diversas contradições poderão ser percebidas ao longo do discurso comunista, sejam referentes aos dados, às questões teóricas etc. Em conclusão ao seu informe, Togliatti dizia: “Somos hoje um grande exército que luta pela paz. Até quando nossa luta pela paz poderá continuar – e continuará –, não podemos prevê-lo, ninguém pode prevê-lo. Talvez um ano, talvez mais, talvez alguns meses. É preciso estar pronto a cada momento”.15 Para os comunistas, ficava claro, naquele momento, que a hipótese de uma prevenção da guerra parecia notavelmente improvável. “Estar pronto” significava evidentemente que os partidos comunistas deveriam preparar-se, desde então, para lutar pela transformação da guerra imperialista em guerra civil (revolucionária) – o que não será mencionado na campanha para proibir a ação das armas atômicas. Desse modo, a “luta pela paz” reduzia-se , por um lado, a um momento da “luta contra a guerra”. Por outro, ligava-se à luta pela defesa da União Soviética, quase se confundindo com ela. Vertente essa que percorrerá toda a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”. O autor afirmava ainda: “não defendemos a União Soviética somente em termos gerais; defendemos concretamente toda a sua política e cada um de seus atos.”16 Aqui, nomeadamente, fica claro que a luta pela defesa da União Soviética ocupava um lugar privilegiado com referência à “luta pela paz”.

______14 PROCACCI, Giulliano. Op. cit., p. 281. 15 Idem. 16 Idem. 25

Embora alguns dirigentes comunistas problematizassem quanto aos agressores e iniciadores de um novo conflito mundial, chegaram a um acordo na década de 1930, principalmente após o VII Congresso em 1936, elegendo os “Estados fascistas” como os grandes responsáveis pela deflagração de uma nova guerra. Assim, Gueorgui Dimítrov – outro relator do VII Congresso – confirmava:

“A luta pela manutenção da paz é, nas circunstâncias de hoje, luta contra o fascismo e é, por sua natureza, uma luta revolucionária. A manutenção da paz é um perigo mortal para o fascismo, por aumentar suas dificuldades internas e levar ao fim a ditadura fascista da burguesia; a manutenção da paz provoca o crescimento das forças do proletariado, das forças da revolução; estimula a superação da divisão dentro do movimento operário; ajuda o proletariado a transformar-se em classe dirigente na luta de todos os trabalhadores contra o capitalismo; sepulta os fundamentos da ordem capitalista; apressa a vitória do socialismo.”17

É possível perceber que se delineava uma hipótese diferente, e mesmo contrária, daquela pela qual a guerra surgia como um momento necessário no caminho da revolução, e se indicava, em termos de programa político, a perspectiva de conexão de “luta pela paz” e a luta pelo socialismo. Uma das condições para a realização desse programa político de paz era a reaproximação entre socialistas e comunistas e a reconstituição, com a “luta pela paz”, daquela unidade do movimento operário que a guerra destruíra. É possível notar, também, a eleição do fascismo como o mal maior, onde lutar pela paz, em primeiro lugar, era lutar contra o fascismo. A partir de 1937, com as primeiras derrotas militares da frente popular espanhola e o início do período mais obscuro dos expurgos de na União Soviética, os artigos sobre a paz dentro do campo socialista eram cada vez mais raros. O tema do pacifismo estava fadado a aparecer cada vez menos freqüentemente nas revistas e nos jornais do Komintern. A proposta de “luta pela paz” passava, nesse momento, para o segundo plano. Como relata Hobsbawm, “o pacifismo irrestrito (não religioso), embora muito popular na Grã-Bretanha na década de 1930, jamais foi um movimento de massa, e

______17 Idem. 26 desapareceu na década de 1940”.18 Seguiram-se, em poucos meses, o pacto germano-soviético e o início da Segunda Guerra Mundial. Agora que os combates na Europa tinham recomeçado, a palavra de ordem voltava a ser “luta contra a guerra” e defesa da União Soviética. A idéia de “luta pela paz”, que não tinha conseguido muitos adeptos e conquistado um aspecto de movimento de massas na década de 1930, retornaria somente com o fim da Segunda Grande Guerra, principalmente no contexto da Guerra Fria.

Da guerra quente à Guerra Fria

O advento da época das armas nucleares, anunciada ao mundo em Hiroshima e Nagasaki, transformou irreversivelmente a natureza da guerra. A possibilidade de um verdadeiro holocausto mundial alterou, de maneira bastante significativa, as bases e os termos dos relacionamentos internacionais. Diversas gerações foram criadas à sombra de batalhas nucleares globais que, acreditavam firmemente, poderiam acontecer a qualquer momento e devastar toda a humanidade. Mesmo aqueles que não acreditavam que qualquer um dos lados não pretendia atacar o outro, era difícil ser otimista. Toda uma série de crenças e imagens povoavam o imaginário das pessoas em todo o mundo. A esse período peculiar da história, os pesquisadores chamam de Guerra Fria. Teve início em 1947, consistindo no antagonismo entre as duas grandes potências mundiais daquele momento: Estados Unidos e União Soviética. No mesmo ano, declarava o presidente dos EUA, Harry Truman:

“Uma maneira de viver é baseada na vontade da maioria e distingue-se pela existência de eleições livres, governo representativo, garantias de liberdade individual, liberdade de opinião e de religião e ausência de opressão política. O segundo modo de vida baseia-se na vontade de uma minoria imposta pela força a uma maioria. Ele repousa no terror e na opressão, no controle da imprensa e do

______18 HOBSBAWM, Eric J (a). Op. cit., p. 153

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rádio, em eleições fraudadas e na supressão das liberdades pessoais. Acredito que deva ser a política dos Estados Unidos apoiar os povos livres que estão resistindo à tentativa de subjugação por minorias armadas ou por pressões externas.”19

A resposta não demorava a chegar. Meses depois, Joseph Stálin relatava que ê

“dois campos opostos se formaram: de um lado a política da União Soviética e dos países democráticos direcionada a anular o imperialismo e fortalecer a democracia; do outro lado a política dos Estados Unidos e da Inglaterra, direcionada ao fortalecimento do imperialismo e anulação da democracia.”20

Os dois pronunciamentos revelam e marcam o grande antagonismo existente entre as duas superpotências que, nos anos da Segunda Guerra Mundial, haviam sido aliados na luta contra o nazi-fascismo. A tônica das relações entre os governos dos Estados Unidos e da União Soviética passava por acusações mútuas, onde cada um dos lados procurava “desmascarar” o outro. Nos meios de comunicação, de uma maneira geral, eram divulgados relatos de políticos, membros religiosos, personalidades do mundo inteiro etc., revelando os horrores das bombas jogadas sobre as cidades japonesas, sobre a bomba atômica e seus efeitos – essa principalmente divulgada pela imprensa comunista –, sobre a preparação de uma nova guerra mundial, entre outros temas. Do lado dos Estados Unidos, o grande inimigo e iniciador do confronto que levaria a uma nova guerra mundial era a União Soviética, com sua política de expansão do comunismo para o restante do mundo. O medo de uma nova revolução, tal qual ocorrera na Rússia em 1917, em países capitalistas e sob a área de influência da política norte-americana, era, principalmente, o que impulsionava os EUA a combater duramente a União Soviética. Em março de 1948 era publicada, em manchete de primeira página de O Jornal, com letras garrafais, a seguinte notícia: “Depende da URSS a eclosão de novo conflito mundial.”21 A advertência foi feita pelo marquês de Salisbury, na Câmara dos Lords da

______19 Discurso pronunciado por Harry Truman, em 1947. Apud FENELON, Dea R. A Guerra Fria. SP, Brasiliense, 1983, p. 87. 20 STÁLIN, Joseph. In Idem. 21 O Jornal. Rio de Janeiro, 04 de março de 1948, p. 01.

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Inglaterra, denunciando a política externa soviética como “horrível totalitarismo”. Segundo o marquês, restava “muito pouco tempo para evitar-se uma nova guerra mundial.”22 Em meio a calorosos aplausos e palavras de apoio, como revelava o artigo, Salisbury, ex- subsecretário das Relações Exteriores do governo britânico, iniciou o debate sobre a política externa da Grã-Bretanha com uma clara e rotunda advertência de que haveria a repetição do ano de 1939, a menos que a União Soviética mudasse de política. Afirmava Salisbury, “resta muito pouca areia na ampulheta, e cada dia que passa encurta-se o tempo para evitar a guerra na Europa.”23 Comparando a política soviética com a da Alemanha antes da Segunda Grande Guerra, dizia o marquês: “na minha opinião é impossível continuar passando por alto ameaça que ameaça (sic) a Europa. É inútil fechar nossos olhos diante da realidade a que os acontecimentos nos estão produzindo e que se assemelha a situação de 1939. Ninguém deseja a guerra mas é possível que a guerra seja o resultado de tudo isso”.24 Assim, o artigo demonstrava que a política da União Soviética era a mesma política adotada pela Alemanha de Hitler antes da deflagração da Segunda Guerra Mundial, e, por isso mesmo, deveria ser combatida, antes que fosse tarde demais. Para os jornais da grande imprensa, o grande iniciador de um novo conflito mundial seria a União Soviética. Churchill admitia claramente a hipótese de uma Terceira Guerra Mundial. Nas palavras do ex-primeiro-ministro britânico:

“qualquer pessoa que pensa pode ver que estamos nos colocando numa terrível situação, no país e no exterior. Não somente privações aproximam-se de nós nesta ilha, mas também a ameaça de uma terceira guerra mundial rola na nossa direção com cada ato de agressão imperialista russa e de violências e intrigas comunistas.”25

Os jornais não comunistas procuravam mostrar que a União Soviética seguia os passos de Hitler, utilizando violências e intrigas que denegriam falsamente a imagem do adversário, ao mesmo tempo em que mascaravam a sua própria. Assim, para os comunistas, os Estados Unidos representavam o líder dos países imperialistas. Na imprensa não comunista, a URSS, de igual postura imperialista, liderava seus países satélites em busca de ______22 Idem. 23 Idem. 24 Idem. 25 O Jornal. Rio de Janeiro, 07 de março de 1948, p. 01. 29 maior influência nos países capitalistas ocidentais. Outra manchete de primeira página deixava claro a instabilidade daquele período da história. Em letras garrafais, podia ser lido: “ABALADA A PAZ MUNDIAL”.26 O artigo apresentava as preocupações do presidente norte-americano, Harry Truman, sobre uma possível agressão soviética aos países “da democracia e da liberdade”. Segundo Truman, a paz mundial encontrava-se “um tanto abalada”, mas continuava manifestando sua crença num possível acordo diplomático com a União Soviética para a sua manutenção. “Devemos ter confiança na paz ou o mundo inteiro seria destruído numa outra guerra”,27 salientava Truman. No dia seguinte, outro artigo mais alarmante dizia: “Irão os Estados Unidos até a guerra”.28 No artigo, verificava-se a intenção clara e objetiva dos EUA no combate ao comunismo e a preparação de planos políticos e militares “contra a agressão russa”. Segundo o periódico,

“os observadores diplomáticos acreditam que os Estados Unidos, premidos pelo crescente ritmo da agressão política soviética, estão preparando uma nova fase na campanha, anti-comunista que poderá chegar a assumir forma concreta antes do próximo choque entre o oriente e o ocidente através das eleições que serão disputadas na Itália”.29

O triunfo do comunismo pelo mundo assustava a maioria dos parlamentares norte-americanos. A enorme participação dos comunistas nas eleições italianas, de 18 de abril de 1948, dava provas do que a opinião pública e a imprensa dos EUA declaravam. Até o presente momento, retratava O Jornal, era “insuficiente o programa de reabilitação européia para lutar contra o comunismo no campo econômico”.30 Tendo por base essas declarações e o receio de um avanço, cada vez maior, por parte do comunismo nos EUA e nos países capitalistas de todo o mundo, o periódico anunciava que “se isso [acontecesse] existiriam sinais que os dirigentes norte-americanos fariam uma ofensiva política total ‘contra o comunismo internacional’ admitindo-se ao mesmo tempo os perigos de guerra

______26 Idem, 12 de março de 1948, p. 01. 27 Idem. 28 Idem, 13 de março de 1948, p. 01. 29 Idem. 30 Idem.

30 decorrentes de tal política”.31 Dessa forma, pode-se notar claramente que, para os Estados Unidos, o grande responsável pela deflagração de um novo conflito mundial era a União Soviética. Era preciso conter o desenvolvimento do comunismo em todo o mundo, mesmo que, para isso, fosse necessário o desencadeamento de uma nova guerra mundial. Por outro lado, a União Soviética acusava os Estados Unidos de estarem tramando, junto com a Inglaterra, um ataque contra os países socialistas e, principalmente, contra a própria URSS. Para o Kremilin, os norte-americanos estavam inquietos com os “êxitos” do socialismo no “país dos sovietes”. Inquietavam-se também pelos sucessos dos países da nova democracia (países que estavam sob a área de influência da URSS e/ou aderiram ao socialismo) e pelo desenvolvimento do movimento operário, em diversos países do mundo. De acordo com as divulgações da imprensa comunista, os países capitalistas, sendo liderados pelos Estados Unidos, estavam inclinados, a partir do pós- guerra, a se incumbir da tarefa de “salvadores” do sistema capitalista, ameaçado pelo comunismo. Segundo Andrei Zhdanov, os instigadores da nova guerra tentavam

“espantar e atemorizar não somente a URSS, mas também a outros países, e em particular a China e a Índia, apresentando caluniosamente a URSS como um possível agressor, e apresentando-se a si mesmos como ‘amigos’ da China e da Índia, como ‘salvadores’ contra o perigo comunista, chamados a ‘ajudar’ os mais débeis.”32

Dessa forma, a União Soviética procurava explorar a contradição entre capitalismo e socialismo, mostrando-se como a legítima salvadora do mundo contra o verdadeiro inimigo: o imperialismo norte-americano. De acordo com as informações do Partido Comunista da União Soviética, a política dos países capitalistas era a de preparar uma nova guerra imperialista, lutar contra o socialismo e a democracia e em sustentar, por toda parte, os regimes e os movimentos “filo-fascistas reacionários” e “anti-democráticos”. Acreditavam que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, o “campo imperialista”

______31 Idem. 32 Revista Problemas. nº 05, p. 26.

31 redobrava sua agressividade. Executavam abertamente uma política de agressão, uma política de preparação e desencadeamento de uma nova guerra mundial. Os líderes soviéticos ficariam muito mais preocupados, como salienta Hobsbawm, se soubessem que os chefes do Estado-Maior norte-americano “elaboraram um plano para lançar bombas atômicas sobre as vinte principais cidades soviéticas dez semanas depois do fim da guerra”.33 Tais atitudes do governo norte-americano, afirma Vizentini, “deviam-se ao fato do grupo do bombardeio estratégico ter passado a dominar o Pentágono e a influenciar o presidente americano, a partir do momento que a bomba A entrou em cena”.34 Deve-se lembrar que, no ano de 1942 – em plena vigência da aliança EUA-URSS – o general Groves, responsável pelo Projeto Manhattan, afirmou que a bomba atômica seria uma importante arma contra a União Soviética. No mesmo ano, Winston Churchill elaborou seu memorando secreto, onde afirmou: “assim que o Eixo deixasse de constituir uma ameaça, os aliados anglo-saxões deveriam considerar que a URSS era o verdadeiro inimigo”.35 Depois da Conferência de Informação dos Partidos Comunistas, em 1947, ficava estabelecido que o objetivo dos comunistas era denunciar o Plano Marshall, “como plano de escravização econômica e política da Europa, pelo imperialismo americano.”36 Zhdanov afirmava: “a ‘doutrina Truman’ e o ‘Plano Marshall’ são, nas condições atuais dos EE. UU., a expressão concreta desses esforços expansionistas. No fundo, estes dois documentos são a expressão de uma só política, ainda que se distingam, pela forma que é apresentada a pretensão americana de subjugar a Europa.”37 Nesse momento, o objetivo da URSS era desmascarar o Plano Marshall e combater a doutrina Truman. Mais adiante, à medida que o tempo passava, mais e mais coisas poderiam dar errado, política e tecnologicamente, num confronto nuclear baseado permanentemente na suposição de que só o medo da destruição mútua impediria um lado ou outro de dar o sinal para o início do fim da civilização. Dessa maneira, uma paz limitada e frágil instalava-se no mundo. Quanto a isso, Thompson afirma:

______33 Hobsbawm, Eric J. (a) Op. cit., p. 230. 34 VIZNETINI, Paulo G. Fagundes. “A Guerra Fria” In REIS FILHO, Daniel Aarão, FERREIRA, Jorge e ZENHA, Celeste (orgs.). O Século XX – O tempo das crises: revoluções, fascismos e guerras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, Vol. 2, p. 199. 35 Idem. 36 Revista Problemas. nº 22, p. 43. 37 Idem, nº 05, p. 35. 32

“A própria existência de enormes máquinas militares aglomeradas em torno de armas de destruição maciça dá às atuais estruturas políticas e econômicas uma terrível inércia, impedindo, [...], movimentos cuja própria atividade pode pôr em risco o ‘equilíbrio’ de terror em que parece se basear a paz precária e parcial que ainda conhecemos.”38

Durante toda a Guerra Fria, foi exatamente isso que ocorreu. A posse de armas nucleares pelas duas superpotências antagonistas não permitiu que o mundo fosse jogado numa catástrofe. Numa guerra onde seria difícil dizer quem sairia o vencedor. Um planeta devastado pela energia atômica era o que povoava o imaginário das pessoas em todo o mundo. Partilhando das idéias de Thompson, salienta Bronislaw Baczko que

“se a paz se limitasse a surgir sobre um fundo de guerra, como produtos de guerras precedentes, mantidas pelo temor do conflito e por um equilíbrio de forças, com vistas a guerras futuras para as quais é preciso estar preparado, não seria mais do que uma interrupção momentânea dos conflitos armados entre os povos, e a eles subordinada.”39

Com isso, é possível perceber o que ocorrera durante a chamada “coexistência pacífica” da Guerra Fria. Os governantes da União Soviética e dos Estados Unidos mantiveram a paz – a saber, uma paz armada –, evitando um confronto direto, pois sabiam da força um do outro. Além disso, sabiam também do poder de destruição de armas desse tipo. Uma destruição atômica atinge, indistintamente, todas as classes, todos os credos, todas as pessoas. É preciso apenas que estejam sob o alvo do inimigo. Nas palavras de Hobsbawm, o confronto direto “não aconteceu, mas por cerca de quarenta anos pareceu uma possibilidade diária”.40 Concordando com Hobsbawm, Edward Thompson relata: “nós nos habituáramos, em um canto recôndito de nossa consciência, à expectativa de que a própria continuidade da civilização era problemática.”41 Vale lembrar que, posteriormente, a Guerra da Coréia vai contribuir, ainda mais, para a

______38 THOMPSON, Edward. (org.). Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 07. 39 MANIN, Bernard. “Paz”. In Enciclopédia Einaudi. Anthropos-Homem, Lisboa, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1985, p. 273, vol. 5. 40 HOBSBAWM, Eric J. (a). Op. cit., p. 224. 41 THOMPSON, Edward. Op. cit., p. 51. 33 produção desses imaginários. O imaginário de uma guerra nuclear, devastando o mundo inteiro, perpassava a mente das pessoas que, atemorizadas com tal possibilidade, ajudavam na divulgação e mesmo na amplificação do fato. Nos Estados Unidos, principalmente, pessoas construíam abrigos nucleares próximos a suas casas. Simulações de um bombardeio atômico eram feitas, pondo os cidadãos em treinamento para o caso de um ataque de fato. Crianças eram, da mesma forma, ensinadas nas escolas sobre qual o procedimento correto a tomar em caso de guerra nuclear. Toques de alarmes eram soados para dar início ao treinamento. Os tempos de crise são tempos de “explosão do imaginário”. Segundo Baczko, nesses períodos “a mitologia que nasce a partir de determinado acontecimento sobreleva em importância o próprio acontecimento”.42 Assim, a mitologia da Guerra Fria amplifica ainda mais o simbolismo de que a imaginação foi carregada. Para Hobsbawm, apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados, “mas sobretudo do lado americano, os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivaleria a um equilíbrio de poder desigual, mas não contestado em sua essência.”43 Resumidamente, a URSS controlava uma parte do globo, ou sobre ela exercia predominante influência e não tentava ampliá-la com o uso da força militar. Os EUA, por sua vez, exerciam o controle sobre o resto do mundo capitalista, além do hemisfério norte e oceanos. Em troca não intervinham na zona aceita de hegemonia soviética. Alguns historiadores apontam o período mais explosivo da Guerra Fria como aquele compreendido entre a enunciação da Doutrina Truman e a Guerra da Coréia. O medo norte-americano de uma desintegração social ou revolução social não se baseava na fantasia. Afinal, os comunistas assumiram o poder na China, em 1949, e, posteriormente, mergulharam numa dispendiosa guerra na Coréia e dispunham-se, de fato, a enfrentar uma hecatombe nuclear e sobreviver.44 A instabilidade político-econômica mundial naquele, determinado período da história, era de tal ordem, que a crença na possibilidade de explodir

______42 BACZKO, Bronislaw (a). “Imaginação social”. In Enciclopédia Einaudi – Anthropos-Homem, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1985, p. 296, vol. 5. 43 HOBSBAWM, Eric J. (a). Op. cit., p. 224. 44 Idem. 34 uma nova guerra mundial fazia-se constantemente presente. No campo ocidental, a Guerra Fria baseava-se numa crença de que o futuro do capitalismo mundial e da sociedade liberal não estava, de modo algum, assegurado. A maioria dos governos esperava uma séria crise econômica no pós-guerra, assim como ocorrera após a Primeira Guerra Mundial. Os Estados Unidos estavam preocupados com o desenvolvimento da política externa soviética. De acordo com Hobsbawm,

“a situação do imediato pós-guerra, em muitos países liberados e ocupados parecia solapar a posição dos políticos moderados, com pouco apoio além do de aliados ocidentais, e assediados dentro e fora de seus governos pelos comunistas, que emergiam da guerra em toda a parte mais fortes que em qualquer época do passado, e às vezes como os maiores partidos e forças eleitorais de seus países.”45

Em diversos países do mundo, ampliava-se o prestígio das esquerdas. Corroborando com as análises de Hobsbawm, Vizentini afirma que “as tendências democratizantes dos movimentos antifascistas conferiram grande força a uma esquerda que, em sua maioria, opunha-se à penetração americana”.46 Merece destacar que a Doutrina Truman e o Plano Marshall materializaram a partilha da Europa, lançando as bases para a formação dos blocos político-militares. Entretanto, foram também utilizados para conter o avanço do comunismo na parte ocidental do continente. De acordo com Vizentini, “a ajuda americana, já usada como instrumento de chantagem em eleições européias, foi condicionada à expulsão dos comunistas dos governos de coalizão ocidentais, sobretudo na França e na Itália, onde estes constituíam os partidos mais fortes.” 47 No Brasil, o pós-guerra surge para o Partido Comunista do Brasil como um reanimador de suas forças. Nas eleições de dezembro de 1945, o PCB elegeu um senador (Luiz Carlos Prestes) e quatorze deputados federais, todos diretamente sob sua legenda. O candidato comunista para presidente da República, Yedo Fiúza, obteve 10% dos votos, um grande feito para um partido que há bem pouco tempo havia saído da ilegalidade. Segundo Leôncio Martins Rodrigues, “o grande êxito do Partido durante o período de sua

______45 Idem. 46 VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. cit., p. 201. 47 Idem. 35 legalidade ocorreu no plano eleitoral.”48 Dessa maneira, quanto à política adotada pelos Estados Unidos em relação ao crescimento dos Partidos Comunistas em diversas partes do mundo, é possível perceber uma das bases norte-americanas no que concerne ao enfrentamento político-ideológico contra a URSS e na elaboração de todo um imaginário anticomunista. Em suas declarações públicas, o governo norte-americano alicerçava-se num cenário de pesadelo da superpotência de Moscou, pronta para a conquista imediata do planeta, e dirigindo uma “conspiração comunista mundial” atéia, sempre disposta a derrubar os reinos da liberdade e da democracia. Por outro lado, Stálin acreditava que o capitalismo estava com os seus dias contados e, portanto, seria inevitavelmente substituído pelo comunismo. Nessa base de raciocínio, ele acreditava também que qualquer coexistência entre os dois sistemas políticos (EUA e URSS) não seria permanente, embora, em seus pronunciamentos públicos, apregoasse a possibilidade não apenas de coexistência, como também de colaboração pacífica entre os sistemas capitalistas e socialistas. Nesse caso, é preciso destacar que havia, por parte dos governos de ambos os países, aspirações a uma coexistência a longo prazo, mesmo que, na maioria das vezes, fossem marcadas pela propaganda negativa que um fazia do outro. Havia, no mundo inteiro, e sobretudo na União Soviética, aspirações imensas pela paz. As estimativas das perdas de vidas humanas atestam um quadro verdadeiramente impressionante. A Segunda Guerra Mundial, no seu conjunto, afetou, de maneira incontestável, a vida do continente europeu. No entanto, nenhum outro país seria afetado de modo tão catastrófico quanto a URSS. Segundo Reis Filho, “enquanto a União Soviética perdeu 20 milhões de habitantes, entre civis e militares, Estados Unidos, Inglaterra e França, reunidos, tiveram perdas de cerca de 1,3 milhão de pessoas.”49 Nota-se, portanto, uma diferença significativa, principalmente, ao considerar-se que as mortes associaram-se, também, a outras perdas, de difícil mensuração, como, por exemplo, invalidez permanente ou temporária, traumatismos, desestruturação de famílias, devastação de propriedades etc. É evidente que Inglaterra e França também foram ______48 RODRIGUES, Leôncio Martins. “O PCB: os dirigentes e a organização”. In FAUSTO, Boris (org.). HGCB. O Brasil Republicano - Sociedade Política (1930-1964), São Paulo, Difel, 1983, p. 410-11, vol. 3. 49 REIS FILHO, Daniel Aarão. Uma Revolução Perdida: a história do socialismo soviético. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo: 1997, p. 153. 36 afetadas. Endividaram-se pesadamente, perderam a condição de grandes potências e sofreram perdas humanas e materiais. Todavia, nada comparável às destruições causadas pelos nazistas nas regiões soviéticas ocupadas durante a guerra. Cidades inteiras arruinadas, milhares de aldeias arrasadas. Como relata Reis Filho,

“os soviéticos, após o conflito, classificaram 1.710 cidades e cerca de 70 mil aldeias como destruídas, quase metade do espaço urbano, 1,2 milhão de habitações urbanas e 3,5 milhões de habitações rurais gravemente avariadas ou simplesmente riscadas do mapa. A infra-estrutura de transporte e comunicações foi violentamente abalada: perdas totais ou graves avarias foram registradas em 65 mil quilômetros de trilhos, 15.800 locomotivas, 428 mil vagões, 4.280 barcos e em metade de todas as pontes nos territórios ocupados. O gado eqüino perdeu dois terços do seu estoque, o suíno quase 85%.”50

Os dados, em todos os níveis, eram sombrios. A vitória na Segunda Guerra Mundial fora conquistada. Contudo, a um custo extraordinariamente elevado. Para Reis Filho, “este custo marcaria a sociedade por gerações, de uma forma irremediável, acrescentando traumas e patologias inenarráveis.”51 Ainda, segundo o autor, “em meados dos anos 50, mais de dez anos após o fim da guerra, muitas regiões na URSS ainda não haviam recuperado os níveis demográficos de 1940.”52 Dessa maneira, é possível perceber que uma coexistência pacífica, a longo prazo, era um fator que agradava não apenas a população soviética, mas, de igual forma, a opinião pública internacional. Como salienta Reis Filho, “nunca, talvez, a URSS conhecera, de forma tão generalizada e profunda, tal anseio e confiança numa paz duradoura. Um senso comum.”53 Importa ressaltar que, mesmo nos Estados Unidos, foi preciso um grande esforço para mobilizar a sua população, durante a Guerra Fria, contra a União Soviética. Vale lembrar que os soviéticos haviam sido um importante aliado na luta contra o nazismo e sairiam da Segunda Guerra Mundial com grande prestígio internacional. Assim, não se pode dizer que o “Movimento pela Paz” e a “Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas” foram apenas chamamentos à paz, sem nenhum respaldo das populações, que

______50 Idem. 51 Idem. 52 Idem. 53 Idem. 37 foram criados apenas como manobra da URSS para conter o avanço das pesquisas nucleares norte-americanas e espalhar sua revolução comunista pelo mundo, como vão dizer os governos capitalistas, aliados dos Estados Unidos durante a disputa da Guerra Fria. Entretanto, não desejando ficar para trás no confronto político daquele período, Stálin, que segundo a imprensa comunista, na década de 1920, pregava a palavra de ordem “luta pela paz”, dizia que a política exterior soviética era clara, não entregue a rodeios e falseamentos como a imprensa norte-americana. Em declaração feita ao Bureau de Informação do Partido Comunista da União Soviética, Stálin afirmava:

“Nossa política exterior é clara. É a política da manutenção da paz e do melhoramento das relações comerciais com todos os países. A U.R.S.S. não pretende ameaçar ninguém e, com maior razão, não pretende atacar quem quer que seja. Somos pela paz e defendemos a causa da paz. Mas não tememos ameaças e estamos dispostos a responder golpe por golpe aos provocadores de guerra.”54

Declarações como essas apontavam para a possibilidade de um novo conflito mundial, já que havia, perceptivelmente, a predisposição para o confronto. O líder soviético, entretanto, não tinha dúvidas de que a hegemonia mundial continuaria com os Estados Unidos. Assim, como revela Hobsbawm, a postura básica da URSS após a Segunda Guerra Mundial não era agressiva, mas defensiva. Da mesma maneira, Thompson afirma: “o socialismo de Estado, embora ‘deformado’, (...), tem uma postura militar que é ‘esmagadoramente defensiva.’”55 Apesar de sua posição defensiva, Stálin, é claro, não podia deixar transparecer qualquer tipo de inferioridade. Procurava mostrar que, mesmo com seus esforços pacifistas, se necessário fosse, não hesitaria em se lançar numa nova guerra de proporções ainda maiores e com um inimigo ainda mais poderoso. Com isso, milhares de pessoas que vivenciaram o pós-1945 até, basicamente, o final da década de 1980 e início de 1990, onde se tem o colapso do regime soviético, foram marcadas e compartilharam, em seu imaginário, um possível confronto nuclear direto entre Estados Unidos e União Soviética, que daria início ao fim da humanidade. ______54 Declaração feita por Stálin ao Bureau Informação do Partido Comunista da URSS. Citado em Revista Problemas, no. 49, p.50. 55 THOMPSON, Edward. Op. cit., p. 18. 38

A partir da postura consciente de segunda potência mundial, a União Soviética vai se aproveitar de sua condição no cenário político internacional e, sob a égide de uma posição defensiva, lançará mão de uma política de paz entre as nações. Acreditando estar seriamente ameaçada pela política exterior norte-americana, através da Doutrina Truman, do Plano Marshall e, principalmente, pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a URSS sustentará, diante de toda pressão ocidental capitalista e sua influência nos países do Terceiro Mundo, a idéia de que o mundo caminhava para uma nova guerra mundial (é claro, articulada e preparada pelos Estados Unidos), com sérios e verdadeiros riscos para toda a humanidade. Para os líderes soviéticos, a OTAN, em especial, era o principal instrumento de uma política agressiva dos governos dos EUA e da Inglaterra. O órgão de ajuda mútua militar entre os países membros revelava a intenção clara e objetiva de preparação de uma nova guerra. Segundo o informe apresentado na Conferência do Bureau de Informação dos Partidos Comunistas, realizada na segunda quinzena do mês de novembro de 1949, o pacto do Atlântico Norte

“tem por objetivo permitir que os círculos dirigentes dos Estados Unidos e da Inglaterra tomem em suas mãos as rédeas do maior número de Estados possível, tirando-lhes a possibilidade de fazer uma política nacional independente, no interior e no exterior, e utilizando esses Estados como meio auxiliar na realização de seus planos agressivos, que visam à instauração da dominação anglo-americana sobre o mundo.”56

Assim, para os dirigentes do Estado soviético, a OTAN propunha-se a reprimir a resistência dos povos da Europa à ofensiva dos Estados Unidos contra seus direitos vitais: a liberdade e a independência nacional. Visava transformar a Europa Ocidental numa “semi-colônia” do imperialismo norte-americano, em uma base militar e uma praça de armas, cuja finalidade era a preparação de uma nova guerra mundial. Além disso, relatavam que a intenção maior do pacto do Atlântico Norte era

“uma agressão direta contra os Estados democráticos da Europa Oriental e, antes de tudo contra a União Soviética, como força principal do campo democrático, como baluarte seguro da paz e da segurança, da liberdade e da independência dos povos. Finalmente, um dos objetivos principais do Pacto Atlântico Norte [...] é a preparação do esmagamento do movimento de

______56 Revista Problemas, nº 05, p. 44. 39

libertação nacional nos países coloniais e dependentes, é a luta contra a República popular chinesa e a República democrática popular da Coréia[...]”.57

Dessa forma, a OTAN era vista como uma aliança imperialista de dominação do mundo. Tal aliança, sob a liderança dos Estados Unidos, representava, portanto, uma ameaça para toda a humanidade, na medida em que não permitia a luta pela liberdade dos povos, visando mantê-los sob sua área de influência e sob seus interesses e, claro, tornava-se uma ameaça ainda maior quando combatia política e ideologicamente a União Soviética, que também visava defender seus interesses e proteger suas áreas de influência na corrida da Guerra Fria. De acordo com o que foi anteriormente mencionado e, corroborando com as idéias de Thompson, “estava implícita uma teoria da conspiração em todas as análises elaboradas na órbita stalinista. Os círculos dirigentes dos Estados Unidos estavam aplicando todos os seus esforços à preparação de uma nova guerra, sendo novos planos de agressão constantemente preparados por esses mesmos círculos.”58 Atribuía-se, então, uma presciência criminosa ao inimigo. Vale lembrar que, por parte dos EUA, procedia-se da mesma maneira, apenas invertendo o agressor. Nos Estados Unidos, o anticomunismo era genuinamente popular, até porque o discurso anticomunista propiciava muitos votos nas eleições. Como retrata Hobsbawm, “num país construído sobre o individualismo e a empresa privada, e onde a própria nação se definia em termos exclusivamente ideológicos (‘americanismo’) que podiam na prática conceituar-se como o pólo oposto ao comunismo.”59 Como é possível notar, o discurso negativista do outro era importante para ambos os lados. A eleição do inimigo e sua descaracterização moral, política, ideológica etc., tornavam-se necessárias para a própria construção político-ideológica de cada um dos antagonistas. Era a partir do outro que cada um dos lados se definia. Segundo Baczko, é próprio da imaginação transportar o homem para fora de si mesmo. Afirma o autor que “nenhuma relação social e, por maioria da razão, nenhuma instituição política são possíveis sem que o homem prolongue a sua existência através das imagens que tem de si próprio e de outrem.”60 Assim, cada um dos antagonistas criava a sua própria imagem, ao mesmo ______57 Idem. 58 THOMPSON, Edward. Op. cit., p. 16. 59 HOBSBAWM, Eric. J. (a). Op. cit., p. 232. 60 BACZKO, Bronislaw (a). Op. cit., p. 301. 40 tempo em que, no decurso da criação e, concomitante a ela, construía a imagem do outro, sempre de maneira pejorativa e negativista. Desse modo, na imprensa comunista, a disputa entre União Soviética e Estados Unidos vai ser marcada, durante toda a Campanha pela Proibição das Armas Atômicas, pela disjunção Bem versus Mal, compreendendo o exército pacifista dos coletores de assinaturas as forças do bem e os verdadeiros preservadores da paz mundial.

“Hibakushas”: os filhos da bomba

No período posterior à Segunda Guerra Mundial, entra em cena a bomba atômica, uma arma com um poder de destruição muito superior ao das armas que, até então, eram utilizadas nos conflitos internacionais. As bombas atômicas jogadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, causaram um enorme impacto na opinião pública mundial. Governos de diversos países do mundo não conheciam o verdadeiro teor de uma arma que utilizava a energia atômica. Milhões de pessoas em todo o mundo só souberam o que era a bomba atômica na prática, isto é, após os episódios de Hiroshima e Nagasaki. Mesmo a partir daquele momento, muitos se perguntaram: o que é a bomba atômica? Quais são seus efeitos? Quais as conseqüências para uma pessoa que sobrevive à explosão? O que acontece a uma pessoa exposta à radiação derivada da bomba? Essas e muitas outras perguntas eram feitas, com freqüência, por inúmeras pessoas em todo o mundo. Dessa maneira, antes de fazer a análise da “Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas”, é necessário elucidar alguns aspectos concernentes às bombas atômicas e seus efeitos para a humanidade. A cidade de Hiroshima, em agosto de 1945, era atingida por uma bomba que marcou a era atômica no mundo. Uma arma de formato cilíndrico, medindo três metros de comprimento por 70 centímetros de diâmetro, pesando quatro toneladas e apelidada de “Little Boy”. Três dias depois, caía sobre a cidade de Nagasaki outra bomba atômica, de potencialidade ainda maior. Com o apelido de “Fat Man”, ela possuía 3,5 metros de comprimento e uma barriga proeminente de 1,5 metro em seu diâmetro máximo. Pesava 41 meia tonelada a mais do que a de Hiroshima e apresentava uma outra novidade: era feita de plutônio, não de urânio, apresentando uma capacidade explosiva ainda maior, 20 quilotoneladas de TNT, contra 15, da de Hiroshima. Desde o início da II Grande Guerra, desenvolviam-se, nos Estados Unidos e na Europa, pesquisas destinadas a descobrir uma bomba que se poderia obter a partir da fissão do átomo. Em 1942 foi implantado o Projeto Manhattan, no qual, cercados de sigilo, trabalharam diversos físicos domiciliados em território norte-americano. Três anos mais tarde, no dia 16 de julho de 1945, foi realizado com sucesso, no Deserto de Alamogordo, Estado do Novo México, o primeiro teste nuclear do mundo. Um ano antes da tragédia de Hiroshima e Nagasaki, Niels Bohr, um dos descobridores da física nuclear e Prêmio Nobel, escreveu que estava sendo criada uma arma de potência sem precedentes, que modificaria, completamente, as condições de todas as guerras. Advertiu ainda que, caso não se realizassem, de imediato, acordos para o controle do emprego dos novos materiais radioativos qualquer vantagem temporária, por maior que fosse, poderia ser superada, constituindo uma ameaça permanente à civilização. Além disso, afirmava que, desde o início, o Projeto Manhattan mostrara-se incontrolável. Não muito depois de sua chegada aos Estados Unidos, Bohr começara a ficar apreensivo em relação às armas atômicas. Segundo Paul Strathern, “em 1944, escrevera a Roosevelt induzindo-o a partilhar o segredo da fissão nuclear com os aliados (inclusive os russos), de modo que se pudesse chegar a um acordo internacional sobre o controle dessas armas.”61 Menos de um mês depois do teste nuclear de Alamogordo, em seis de agosto, por decisão do presidente Truman, realizou-se o bombardeio atômico de Hiroshima, que destruiu cerca de 60% da cidade e causou a morte de milhares de pessoas, deixando seqüelas até os dias atuais. Três dias após, um novo ataque atômico foi desferido contra a cidade de Nagasaki, causando, assim como no primeiro ataque, a devastação da cidade, com milhares de mortos e centenas de feridos. A Segunda Grande Guerra deixava um saldo de 45 milhões de mortos, 35 milhões de feridos e 3 milhões de desaparecidos. Um custo

______61 STRATHERN, Paul. Oppenheimer e a bomba atômica em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, pp. 71-72. 42 custo total de 1 trilhão e 385 milhões de dólares, custo superior ao da Primeira Grande Guerra. O mundo ficou assustado e perplexo com a novidade. A manchete do jornal Asahi Shimbun, no dia 8 de agosto, foi: “Hiroshima atingida por uma novo tipo de bomba”. Ninguém sabia, ao certo, que bomba era aquela, que tipo de explosivo usava. Contudo, naquele momento, já sabiam o seu poder de destruição. Um dos cinco prédios que ainda permaneceram de pé, após a explosão, foi o antigo edifício da prefeitura, destinado a exposições comerciais, chamado hoje de Domo de Hirosima, ou Domo da Bomba Atômica. Todas as pessoas que estavam dentro morreram, mas o esqueleto do prédio se manteve, e resolveu-se preservá-lo tal qual ficou. Antes de relatar o que ocorreu nas cidades japonesas atingidas pelas bombas atômicas, é preciso realizar uma breve elucidação do que seria uma arma atômica e seu poder de destruição.62 Contrariamente às armas convencionais, baseadas nas reações químicas das substâncias explosivas, a explosão nuclear tem múltiplos efeitos. Entre eles, os seguintes: a) onda de choque (entre outras coisas, sobrepressão na frente da onda de choque); b) irradiação luminosa (calórica); c) radiação penetrante inicial (instantânea); e d) radiação radioativa residual.63 Vale lembrar que os efeitos mais devastadores das bombas atômicas são aqueles causados pela sua explosão na atmosfera. Nos outros tipos de explosão, as correlações são diferentes. Na explosão terrestre, por exemplo, o efeito da radiação luminosa diminui 25%. A onda de choque, devido à pequena densidade do ar, não se produz de fato, razão pela qual quase toda a energia da explosão é consumida na radiação luminosa e na penetrante. ______62 As informações que se seguem, a respeito dos dados estatísticos sobre as bombas atômicas jogadas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, estão citadas em: “A review of 30 years study of Hiroshima and Nagasaki atomic bomb survivors”. J. Rad. Research, Suppl, 1975, v. 16. (The Japan Rad. Res. Society); CHAZOV, Evgueni, ILIN, Leonid e GUSKOVA, Anguelina. Perigo: Guerra Nuclear – Uma Análise dos Médicos Soviéticos. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES), 1984 e STRATHERN, Paul. Op. cit., 1998. 63 a) Onda de choque – a explosão do artefato provoca evidente diferença de pressão atmosférica, a qual ocasionando brusco deslocamento de grande massa de ar, se choca com tudo aquilo que se interponha em seu caminho; b) Irradiação luminosa – emissão de luz (que provocará intenso calor); c) Radiação penetrante inicial – formada principalmente de nêutrons e rediações gama; d) Radiação radioativa residual – formada pela transformação de vários elementos. In: CHAZOV, Evgueni, ILIN, Leonid e GUSKOVA, Anguelina. Op. cit., p. 36.

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Logo em seguida à explosão nuclear, e em conseqüência da temperatura bastante elevada, surge um intenso clarão da aquecida e luzente zona de ar ionizado: a bola de fogo.64 Na décima-milésima parte de segundo em que se produziu, na atmosfera, a explosão de uma megatonelada, o clarão da bola de fogo a cem quilômetros de distância (caso a atmosfera esteja transparente) é 30 vezes superior à do Sol ao meio-dia em zona tropical. A radiação da bola de fogo compreende as radiações no lado visível e no dos raios infravermelhos, que se propagam à velocidade da luz. Por isso, a radiação luminosa atua sobre as pessoas e à sua volta antes da onda de choque. O efeito permanece durante todo o tempo do resplendor da bola de fogo, que dura vários segundos (calcula-se, por exemplo, que, se a explosão for de vinte quilotoneladas, na atmosfera, a radiação luminosa terá duração de cerca de três segundos, e que, se for de dez megatoneladas, a duração será de, aproximadamente, trinta segundos). A temperatura da radiação da zona luminosa chega entre 5700 e 8600 graus celsius. Relatos de diversos sobreviventes comprovam a teoria.65 Como o depoimento de Toshio Fukada, que, em 1945, tinha 16 anos e trabalhava num centro de distribuição de munições do Exército, no bairro de Kasumicho. Assim como centenas de jovens, fora mobilizado pelo governo para o esforço de guerra. Ele estava conversando com amigos no pátio do Exército quando se deu o clarão. Disse Fukada, “foi como o flash de uma câmera. Uma luz alaranjada. Não ouvi o barulho.”66 Logo após, veio uma rajada de vento e o arremessou para longe. Como estava distante do hipocentro, apenas parte do prédio fora destruído, conseguindo, então, salvar-se. Outro caso bastante significativo é o de Tsuyo Kataoka, uma moça, na época da explosão. Ela revela que ouviu barulho de avião e pensou: “ estranho, não houve alarme”.67 Durante a guerra, muitas cidades japonesas viviam sob intenso bombardeio. Sempre, quando passavam aviões no céu, o alarme era acionado e as pessoas fugiam para os abrigos antiaéreos. Quando

______64 Idem. Antes da explosão, todo ar era formado de átomos e moléculas neutras; após a explosão, em certas reações ocorrerá modificação na neutralidade de seus constituintes, que se tornam ionizados (eletricamente carregados). 65 Entrevista realizada por Roberto Pompeu de Toledo, a respeito dos sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, publicada em Veja – Ed. Especial, 1995. Em comemoração ao cinqüentenário do episódio. 66 Revista Veja – Ed. Especial, 1995, p. 64 67 Idem.

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Tsuyo olhou para o alto, viu o clarão. Foi como “uma bofetada de luz”68, disse. Após o clarão, desmaiou, não se sabe por quanto tempo, e, ao acordar, percebeu que estava sob os escombros da fábrica onde trabalhava, a mil e quatrocentos metros do hipocentro. A onda de choque aérea forma-se devido à rápida expansão dos gases da bola de fogo e à transmissão dessa energia ao ar circulante. No momento em que se forma a onda de choque, em torno do epicentro da explosão, a velocidade de sua propagação é mais de duas vezes superior à velocidade do som. As radiações ionizantes são próprias das explosões nucleares e bastante prejudiciais ao ser humano. O efeito seguinte da arma nuclear é o da radioatividade residual. No fundamental, é radiação radioativa dos produtos de fissão dos núcleos pesados, os quais, caindo da nuvem de explosão na superfície terrestre em forma de precipitações, constituem as fontes de irradiação dos seres humanos, da fauna e da flora. Uma parte do que se sabe, hoje em dia, sobre os efeitos da bomba atômica, não vem dos laboratórios, onde são realizados testes com radioatividade. Mas, sim, daqueles que conseguiram sobreviver aos horrores de Hiroshima e Nagaski. Os hibakushas – palavra japonesa que significa “expostos à bomba” – conheceram de perto, ou dizendo da maneira correta, de baixo, as terríveis conseqüências de uma guerra nuclear. O que entrou para o senso comum da história, a imagem da explosão da bomba atômica como um cogumelo gigante de fumaça, os hibakushas têm uma outra versão. Como eles dizem, a bomba atômica vista de baixo não é o cogumelo de fumaça, é o clarão. Os efeitos da bomba atômica são inúmeros. Além de milhares de mortos e devastação da cidade onde for jogada a bomba, há também a ocorrência de lesões traumáticas graves (feridas, fraturas, síndrome de compreensão etc.), queimaduras de primeiro, segundo e terceiro graus pelo corpo, queimadura dos órgãos da retina, conseqüências radiológicas (síndrome de radiação, alterações genéticas, tumores cancerosos etc.). São considerados efeitos indiretos para as pessoas aqueles que se deveram à destruição, ou profunda deterioração, da base material e técnica, ao descenso da economia

______68 Idem.

45 e à deterioração de todos os níveis de vida social. É preciso destacar, ainda, a fome e surtos epidêmicos de determinadas doenças (tuberculose, disenteria, hepatite etc.), surgimento de numerosas doenças de alterações psíquicas e psicossomáticas. Inúmeras lesões de pessoas, animais e vegetais são também constatadas, devido ao aumento crescente e duradouro do fluxo de radiação ultravioleta solar, na superfície da Terra, por força de modificação da camada de ozônio atmosférico pela ação de óxidos de nitrogênio que se formam durante as explosões nucleares. Mudanças de clima também podem ser verificadas como resultado das oscilações ou das mutações dos regimes de temperatura nas diferentes regiões do planeta. As conseqüências imediatas manifestam-se, o mais tardar, nos vinte e quatro primeiros meses que se seguem ao ataque nuclear. As conseqüências tardias aparecem após muitos meses e até anos. Quanto aos efeitos genéticos, que estão situados na esfera das conseqüências tardias, apresentam-se durante dezenas de anos em gerações sucessivas, nos descendentes das pessoas que ficaram expostas à irradiação. Nos casos de Hiroshima e Nagasaki, é visível, ainda nos dias atuais, um certo tipo de preconceito sobre aqueles que foram expostos à bomba. Os Hibakushas revelam que, no Japão, no período da reconstrução das cidades, encontravam dificuldades para arrumar emprego, casamento, casar os próprios filhos etc. Em ambas as cidades, mesmo anos depois da explosão, apareciam pessoas com catarata, leucemia ou algum tipo de câncer. Ainda hoje, há casos de pressão alta, câncer, problemas hepáticos, cardíacos e diabetes relacionados aos efeitos radiológicos da bomba atômica. Como relata o presidente da Associação dos Hibakushas do Brasil, Takashi Morita, o preconceito contra os sobreviventes e seus descendentes ainda existe. Segundo Morita, muitos hibakushas não assumem sua condição,

“temem ser discriminados. No emprego, por exemplo, podem ser preteridos por constituir-se em pessoas supostamente frágeis, mais sujeitas a doenças. (...) O resultado é que muita gente prefere que seu filho ou filha não venha a se casar com o filho ou filha de um hibakusha.”69

______69 Idem.

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Há hibakushas que só assumem sua condição depois de casar os filhos, e alguns, mais seguros ainda, que só se admitem depois de casar seus netos. Foi o caso do próprio Morita, que, morando no Brasil desde 1956, só se assumiu depois de casar os filhos. Os efeitos das bombas atômicas sobre as cidades japonesas e suas populações foram aterrorizantes. Em Hiroshima, situada em uma planície, os efeitos foram mais devastadores. Num raio de dois quilômetros, em relação ao epicentro da explosão, encontravam-se 60% da população e a parte mais importante dos edifícios da administração e casas de moradia. Já a cidade de Nagasaki localizava-se em terreno acidentado, cheio de colinas, razão pela qual uma quarta parte da população estava defendida, em certa medida, do clarão luminoso e da radiação. Nessas cidades, pereceu metade dos habitantes que se encontrava num raio de dois quilômetros em torno do epicentro da explosão nuclear. Em consonância com seus três tipos principais de efeitos, as explosões causaram às pessoas diversas lesões (queimaduras, lesões traumáticas e radiotoxemia e suas complicações). Queimaduras por radiação luminosa sofrida principalmente pelos que não estavam protegidos. Sua freqüência na zona até quatro quilômetros do epicentro foi de 89,9% para Hiroshima e de 73,8% para Nagasaki. Dentre as pessoas que se encontravam a menos de cinco quilômetros do epicentro da explosão, foram vítimas de lesões de caráter mecânico (ondas de choque e fragmentos de edifícios destruídos, casas etc.) cerca de 82,8%, em Hiroshima, e, em torno de 71,6%, em Nagasaki. Nesse caso, há, ainda hoje, pessoas que possuem pedaços de vidro em seus corpos. Como relata Tsukasa Uchida, que era apenas um garoto de quinze anos, que fora mobilizado para o esforço de guerra a trabalhar na fábrica de armas da Mitsubishi. Em seu depoimento, afirma “ter ainda muito estilhaço de vidro alojado na cabeça, apesar das várias operações a que se submeteu.”70 Quanto à radiação calórica, provocada pela bola de fogo, atingiu a seis quilômetros de distância. Quando não se morria ou ficava ferido pela exposição direta ao calor produzido pela bomba, podia-se morrer ou ficar ferido pelos incêndios que rapidamente tomaram conta de Hiroshima, e, três dias depois, de Nagasaki. O calor e o

______70 Idem. 47 fogo foram a primeira causa da destruição, provocando ferimentos e mortes. A segunda foi o impacto da explosão. Ao clarão seguiu-se um deslocamento de ar de proporções inigualáveis. Segundo o físico japonês Naomi Shohno, a furiosa rajada “viajou 740 metros no segundo posterior à explosão.”71 Ela fez quatro quilômetros em dez segundos, e onze quilômetros em trinta segundos. Merece relatar que a exposição direta ao gigantesco deslocamento de ar poderia, até mesmo, deslocar os membros das pessoas. São numerosos os depoimentos em que aparecem pessoas sem algum pedaço do corpo, ou cujos olhos estavam saltados, ou ainda que as vísceras estavam expostas. Alguns hibakushas relatam o que presenciaram:

“Vi uma menina de uns quatro anos com a barriga e os intestinos pendurados para fora; Vi uma jovem mãe carregando uma jovem nas costas, e essa criança estava sem cabeça.”72

A magnitude das destruições e o número elevado de vítimas da explosão de apenas uma bomba atômica, em cada cidade japonesa, verdadeiramente, aterrorizou a todos, até mesmo aqueles que tinham vivido as calamidades da guerra anteriormente. A trágica situação dos feridos e a destruição das cidades atingidas pelo bombardeio nuclear superou, grandemente, o imaginário daqueles que sobreviveram à catástrofe, e daqueles que simplesmente tiveram notícias. Atualmente, Hiroshima é uma curiosa cidade. Turistas chegam de diferentes partes do mundo. Contudo, um tipo diferente de turismo, onde o que se reverencia não é a arte, como em Veneza ou Florença, nem o berço de uma religião ou antiga civilização. O que se reverencia é a paz. É com esse argumento que a prefeitura da cidade e o governo japonês fazem a promoção de Hiroshima (lembrar que Nagasaki também tem monumentos referentes à paz, mas Hiroshima tem maior destaque, com um simbolismo maior – talvez por ter sido a primeira cidade a ser destruída). Em diversos lugares, pode-se encontrar referências à paz – Parque da Paz, Museu da Paz, Avenida da Paz etc. Entre as árvores e alamedas do parque, sucedem-se os monumentos menores. Há uma “Pira da Paz” que só

______71 Idem. 72 Idem. 48

será apagada quando as armas nucleares forem extintas no mundo. Há também uma homenagem à menina Sadako Sasaki, que morreu em 1955, de leucemia, conseqüência da radiação atômica. Todos os fatores mencionados são conseqüências das bombas atômicas jogadas sobre as cidades japonesas. Naquele instante, o final da Segunda Grande Guerra estava decretado. Surgia um novo contexto político mundial. A partir daquele momento, a Guerra Fria seria marcada pela disputa de duas grandes potências – Estados Unidos e União Soviética – por áreas de influência em todo o mundo. Como foi possível verificar, os comunistas tinham com o que se preocupar. O que eles denunciavam não eram inverdades, nem fantasias tiradas de suas imaginações. Mas, sim, um fato ocorrido num determinado período da história, que ficaria marcado para sempre.

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Capítulo 2 – O PCB NA GUERRA E NA PAZ

“Nosso povo enfrenta assim um dilema que se torna cada dia mais agudo e evidente. A paz ou a guerra [...].” (Luiz Carlos Prestes – Manifesto de Agosto – 1950.)

O dilema do PCB: pacifismo ou radicalidade

Até 1948, os clamores em favor da paz eram menores, na imprensa comunista, quando comparados com os anos de 1949-50. A partir de 1949, com a consolidação da OTAN, inúmeras manifestações em prol da paz podiam ser lidas nos jornais do PCB. O temor de uma nova guerra parecia estar bastante presente no imaginário comunista. Manchetes como “Paz ao Mundo”, “Os Povos da América Latina e a Luta pela Paz”, “Os ex-combatentes e a Paz”, “O Papel da Classe Operária na Luta pela Paz”, “Criemos Sólida Frente de Defesa da Paz”, “Em Luta pela Paz”, “O Povo Brasileiro na Luta pela Paz”, “A Liberdade Sindical e a Defesa da Paz”, “Espíritas em Defesa da Paz”, “Milhões de Assinaturas contra a Bomba Atômica”, “Colher Assinaturas para o Apelo de Estocolmo - Tarefa Central na Luta pela Paz”1, entre diversas outras, encontravam-se, freqüentemente, nos periódicos comunistas. É importante dizer que os jornais, em muitas reportagens, relacionavam a luta pela paz a inúmeras questões. Assuntos políticos, econômicos, sociais e, ainda, culturais associavam-se à campanha. Lutar pela paz não era apenas desejá-la, mas criar condições para a sua realização. Lutar por outros direitos possibilitariam sua conquista. Assim, liam-se nos jornais notícias como “A Liberdade Sindical e a Defesa da Paz”, “Na Luta pela Paz Defendamos Nossos Minérios”, “Luta pela Paz e pela Cultura”.2 Dessa forma, o trabalhador que estivesse lutando pela liberdade sindical estaria lutando também pela paz. Os comunistas afirmavam que não vendendo e, até mesmo, não embarcando nos portos os minérios necessários à fabricação de bombas atômicas estariam contribuindo para o

______1 As manchetes estão citadas em Voz Operaria e seguem, respectivamente, as datas e páginas – 7 de junho, p.8, p.7, p.5; 23 de junho, p. 1; 26 de fevereiro, p.4; 7 de julho, p. 11, p.4; 6 de agosto, p. 4; 10 de junho de 1950, p. 1; 24 de junho de 1950, p. 5. 2 Idem, 29 de junho de 1949, p. 5; 23 de junho de 1949, p. 5; 11 de fevereiro de 1950, p. 6. 50 sucesso da campanha e ajudando na luta pela paz. De igual forma, dizia o jornal Voz Operaria:

“não há nenhuma novidade em afirmar-se que defender a Paz é defender a Cultura; mas é preciso insistir na afirmativa de que defender a Paz e a Cultura significa lutar ativamente contra a guerra geral e sim, o que é o caso no momento presente, contra o perigo crescente de nova guerra, que os imperialistas ianques e seu sócios europeus querem a todo custo desencadear sobre o mundo.”3

Em outra manchete do referido jornal, com letras garrafais, podia ser lido: “MAIS VIGOR E AUDÁCIA NAS LUTAS DE MASSA PELO 1o DE MAIO; PELA INTERDIÇÃO DA BOMBA ATÔMICA; PELA PAZ E A INDEPENDÊNCIA NACIONAL”.4 Assim, questões amplas e diversas eram relacionadas à luta pela paz e à proibição das bombas atômicas, tentando fazer com que os leitores se aproximassem da campanha e engrossassem suas fileiras. Além disso, artigos como esses não eram apenas para melhor convencer os leitores de que o “Apelo de Estocolmo” formava uma causa justa. Isso fazia parte dos constantes debates travados no interior do PCB sobre a adoção da linha pacifista soviética, principalmente após o seu afastamento legal e institucional da vida política brasileira. O Partido foi jogado na ilegalidade pela justiça brasileira em 1947 e, em 1948, os mandatos de seus membros cassados. Até a ilegalidade do Partido, a política do pós-guerra era a de “união nacional”. Essa postura política foi criada a partir da Conferência da Mantiqueira, em 1943, e constituiu um marco na vida do movimento comunista no Brasil. Naquele momento, definia-se uma proposta política de união nacional contra o nazi-fascismo. Segundo Reis Filho, “prevalecia a idéia de que era preciso compor a mais ampla aliança, incluindo o governo ditatorial existente”.5 Os dirigentes comunistas, sobretudo aqueles ligados a CNOP – Comissão Nacional de Organização Provisória –, “estavam convencidos de que esta era a proposta politicamente adequada porque favorecia o avanço das lutas ______3 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 1950, p.6. 4 Idem, 22 de abril de 1950, p. 01 5 REIS FILHO, Daniel Aarão. “Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943 e 1964”. In REIS FILHO, Daniel Aarão e RIDENTI, Marcelo (orgs.) História do marxismo no Brasil. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, vol. 5, 2002, p. 70. 51 sociais, do pensamento progressista e do pensamento das esquerdas e do Partido Comunista em particular”.6 Após a Segunda Guerra Mundial e o fim do Estado Novo, o PCB prosseguiu numa linha política moderada, pregando a “união democrática nacional”. A solução para os problemas nacionais deveria ser buscada através de “meios pacíficos”. Segundo Leôncio Martins Rodrigues, “a linha de ‘união nacional’ que o partido procurou levar à prática no período da legalidade deveu-se, principalmente, a fatores internacionais durante os anos de ‘convivência pacífica’ entre a URSS e os EUA.”7 Merece aqui lembrar que, internamente, as classes proprietárias brasileiras, assim como as Forças Armadas e a Igreja, continuaram bastante hostis ao comunismo, mesmo o partido demonstrando moderação em suas ações e manifestações públicas. Contudo, os comunistas continuavam firmes em sua proposta de “união nacional” e de não atacar de forma hostil o governo, que já lhe havia garantido sucesso durante os anos da guerra. Como relata Reis Filho, o Partido acreditava ser necessário “manter e aprofundar a união nacional, liquidar os restos de fascismo existentes na sociedade e no Estado”.8 Na medida em que os anos passavam, deterioravam-se as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e as potências ocidentais, por um lado, e a União Soviética e os países da Democracia Popular, por outro. Com o alinhamento do Brasil ao lado dos EUA e do PCB ao lado da URSS, intensificou-se o endurecimento do governo brasileiro para com os comunistas, ainda mais quando radicalizavam, cada vez mais, suas críticas ao capital estrangeiro, ao “imperialismo” e ao próprio Estados Unidos. De acordo com Rodrigues,

“em abril de 1947, a União da Juventude Comunista foi considerada ilegal; em maio, o Supremo Tribunal Eleitoral colocou o próprio Partido fora da lei; em janeiro de 1948, os mandatos dos deputados comunistas foram cassados; o Ministério do Trabalho interveio em 143 sindicatos tidos como controlados pelo comunistas; a CTB foi fechada.”9

______6 Idem. 7 RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p. 412. 8 REIS FILHO, Daniel Aarão. Op. cit., p. 72. 9 RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p. 413.

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Posto na ilegalidade, o número de membros e simpatizantes do PCB decresceu acentuadamente, embora o Partido conservasse forte influência nos meios intelectuais e sindicais. Entretanto, nesse período, o PCB pôde manter legalmente seus jornais e publicações de massa, apesar de sujeitos a periódicas investidas da repressão policial e a fechamentos temporários. Diante da posição do governo Dutra em relação ao PCB e da nova situação internacional de hostilidades mútuas entre as duas superpotências, a linha anterior moderada de “união nacional” foi prontamente abandonada e substituída por uma linha mais agressiva, ultra-radical, orientada para a derrubada do governo. A partir desse momento, o PCB deveria preparar-se para lutas revolucionárias de massas e abandonar a idéia de uma pressão através da via parlamentar. Segundo Rodrigues, a nova orientação política, agora revolucionária, “foi divulgada publicamente em janeiro de 1948, num manifesto assinado por Prestes. Em maio de 1949, uma reunião do Comitê Central ratificou a mudança de linha. Porém, foi apenas em 1950, através de um manifesto assinado por Prestes, que a nova política do PCB foi exposta de modo mais sistemático”.10 O “Manifesto do Agosto”, como ficou conhecido, classificava o governo Dutra como um

“governo de traição nacional que entrega a nação à exploração total dos grandes bancos, trustes, e monopólios anglo-americanos, governo que constitui a maior humilhação até hoje imposta à nação, cujas tradições de altivez, de independência, de convivência pacífica com todos os povos são brutalmente negadas e substituídas pelo servilhismo com que esse governo se submete à política totalitária e guerreira do Departamento de Estado norte-americano.”11

Dessa forma, o Manifesto apresentava que o governo brasileiro estaria à serviço dos Estado Unidos e se submetia à dominação imperialista, crescente a cada dia. Se o caminho seguido pelo governo Dutra fosse mantido, acarretaria não somente a “perda total” da soberania nacional, como também, e mais grave ainda, o país seria mantido sob uma “escravidão colonial”.

______10 Idem. 11 Luiz Carlos Prestes – Manifesto de Agosto. Citado em Voz Operaria. Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1950, pp. 1, 2 e 4. 53

Luiz Carlos Prestes demonstrava que um grave perigo assolava não apenas o Brasil, mas o mundo inteiro. O temor de um novo conflito mundial povoava o imaginário dos comunistas brasileiros. A ameaça de guerra, cada dia maior e mais iminente, pesava sobre o país, pondo em risco a vida de milhares de jovens e a segurança de toda a população brasileira. Segundo Prestes, no “Manifesto de Agosto”,

“é a guerra que nos bate às portas e ameaça a vida de nossos filhos e o futuro da nação. Sentimos em nossa própria carne, através do terror fascista, como avançam os imperialistas norte-americanos no caminho do crime, dos preparativos febris para a guerra, como passam eles à agressão aberta e à intervenção armada contra os povos que lutam pelo progresso e a independência nacional!”12

Para o líder comunista, o medo de uma nova guerra mundial não se baseava em nenhuma fantasia. Os horrores de um outro confronto internacional, ainda mais perigoso do que aquele que ocorrera entre 1939 e 1945, mostravam-se bastante próximos. A Guerra da Coréia revelava-se como o primeiro passo no desencadeamento do conflito. Além disso, uma guerra mundial naquele momento da história representaria a possibilidade de uma catástrofe sem limites para a humanidade, já que havia uma arsenal nuclear à disposição das superpotências, e que, segundo seus representantes políticos, caso houvesse necessidade e de acordo com os nervos em determinados momentos da Guerra Fria, não hesitariam em lançar mão. Quanto a essa questão, o periódico O Jornal, de julho de 1950, publicava uma declaração do presidente norte-americano Harry Truman a jornalistas de seu país afirmando que, no presente momento,13 não pensava em utilizar a bomba atômica contra os comunistas da Coréia do Norte. Contudo, em palestra ao mesmo jornal, um correspondente recordou ao presidente que “ele declarou várias vezes em público que não vacilaria em utilizar a bomba atômica em caso de agressão”.14 Em outro momento, era publicado pelo mesmo periódico, com letras garrafais, em manchete na primeira página, a seguinte frase: “USAR BOMBA ATÔMICA NA LUTA ASIÁTICA”.15 Inaugurando o artigo com essa manchete, o jornal descrevia a necessidade prática da utilização do arsenal atômico dos países ocidentais contra a o governo da Coréia do Norte. ______12 Idem. 13 Grifo do Autor. 14 O Jornal. Rio de Janeiro, 28 de julho de 1950, p. 01. 15 Idem. 09 de julho de 1950, p. 01. 54

Dessa maneira, é possível perceber que a preocupação dos comunistas brasileiros com um novo conflito mundial e, naquele momento, com a utilização de armas nucleares, não é infundada, nem fantástica. O receio de que ocorresse realmente o que os jornais da grande imprensa divulgavam contribuía para aumentar os temores dos militantes comunistas, como também de toda uma população que viveu aqueles momentos decisivos da Guerra Fria. Contribuía, de igual forma, para consolidar no imaginário comunista, o iminente perigo de guerra atômica e suas conseqüências para a humanidade, assim como apresentava um único caminho a ser seguido: o da luta pela paz e da proibição das armas atômicas. Prestes, no “Manifesto de Agosto”, anunciava:

“É a preparação da guerra que se intensifica no país. Á medida que crescem no mundo inteiro as forças da democracia e do socialismo, que a União Soviética, cada vez mais poderosa, amplia seu prestígio mundial, que os povos da Ásia com o grande povo chinês libertam-se do jugo imperialista, que os partidários da paz organizam-se em todo o mundo e unem suas forças, que cresce o movimento operário e a influência do Partido Comunista, as forças do imperialismo, do mundo capitalista minado por contradições cada vez maiores desesperam, tornam-se mais agressivas, preparam-se abertamente para a guerra, cujo desfecho querem precipitar e exercem pressão, cada dia maior sobre os governos dos países dominados, dos quais exigem submissão e obediência crescentes.”16

Com isso, Prestes deixava claro a “verdadeira” posição do governo brasileiro, “traidor nacional” e “entreguista”, “negocista” dos bens da pátria, dos bens de todos os cidadãos brasileiros. Relatava, ainda, que o ataque norte-americano à Coréia era a comprovação prática da política de agressão aberta “de aventura e desespero”, por meio da qual pretendiam os monopólios anglo-americanos arrastar os povos a mais uma “carnificina guerreira” de proporções jamais vistas. Em concordância com a teoria marxista, o autor do manifesto revelava que os países capitalistas estavam premidos por uma crise econômica e, por isso, queriam precipitar o desencadeamento de uma guerra mundial. Na Coréia, “os aviões norte-americanos já trucidam a mulheres e crianças e bombardeiam povoações pacíficas. (...) Já proclamam cinicamente suas bárbaras intenções e ameaçam matar com suas bombas atômicas a mulheres e crianças, jovens e velhos, ______16 Luiz Carlos Prestes. Op. cit., p. 1, 2 e 3.

55 indistintamente, para impor ao mundo sua dominação escravizadora”.17 Assim, a posição do Brasil ao lado dos Estados Unidos levava o governo a elaborar e confirmar tratados de apoio às potências capitalistas ocidentais, que levariam a mais gastos militares, ao envio de tropas brasileiras para combater numa “guerra de agressão”, principalmente não sendo nossa, ao não destino de verbas necessárias às áreas de maior premência do país, à perseguição política e policial de “todos aqueles que não se conformam com a colonização do Brasil” etc. Dessa forma, o “Manifesto de Agosto” pregava a nacionalização dos bancos, das empresas de seguros, assim como todas as grandes empresas industriais e comerciais de caráter monopolista, com ou sem indenização. Pregava a “confiscação das grandes propriedades latifundiárias, sem indenização”, e a entrega da terra aos camponeses. Além das medidas de caráter mais geral e fundamental, o Manifesto reclamava o direito de voto para os analfabetos, soldados e marinheiros, a abolição de qualquer tipo de discriminação, o aumento geral dos salários, educação gratuita e outras disposições de cunho social.18 Com isso, aprofundava-se a política de radicalidade adotada pelo PCB a partir do “Manifesto de Agosto”. O objetivo do Manifesto era alertar as pessoas para a situação mundial e do país naquele momento, conclamando-as para ações que levariam a tomada do poder. Prestes, então, afirmava:

“E é justamente por isso que, hoje, mais uma vez, nos dirigimos a todos vós, democratas e patriotas e, diante dos perigos que ameaçam toda a nação, apresentamos a única solução viável e progressista dos problemas brasileiros – a solução revolucionária – que pode e há de ser realizada pela ação unida do próprio povo com a classe operária à frente.

______17 Idem. 18 Uma sugestão dada pelo professor Daniel Aarão Reis Filho é a de se fazer uma análise sobre a influência da Revolução Chinesa, de 1949, no Manifesto de Agosto, de 1950. Nomeadamente, é possível verificar ressonâncias do acontecimento revolucionário chinês no documento divulgado pelo PCB, estabelecendo uma proposta revolucionária para a tomada de poder no Brasil. A questão da terra e a questão nacional, presentes, como elementos centrais, no Manifesto de Agosto, foram os eixos da luta dos revolucionários chineses. É possível verificar, também, que, assim como na Revolução Chinesa, os comunistas brasileiros propuseram a criação de uma “ampla frente nacional”, organizada em torno da “Frente Democrática de Libertação Nacional”. Além disso, a utilização ampliada de terminologias militares no Manifesto de Agosto permite refletir sobre o culto das “virtudes militares”, presentes na Revolução Chinesa e no maoísmo. Contudo, um estudo mais detalhado e profundo sobre essas questões ainda está por ser feito. Sobre essas análises ver REIS FILHO, Daniel Aarão. “O maoísmo e a trajetória dos marxistas brasileiros.” In REIS FILHO, Daniel Aarão e RIDENTI, Marcelo (orgs.) História do marxismo no Brasil. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, vol. 1, 2002. 56

É este o caminho da independência e do progresso, da democracia e da paz.”19

A única maneira de se resolver os problemas que o Brasil apresentava naquele momento era por via das armas. Por intermédio de um movimento revolucionário que englobasse amplas camadas populares, sendo lideradas pela classe operária, que, dentro da lógica marxista, era a vanguarda das lutas revolucionárias. Somente por meio da revolução popular que o país alcançaria a independência, o progresso, a democracia e, até mesmo, de maneira paradoxal, a paz. Na prática, o Manifesto conclamava os cidadãos a formarem comitês da “Frente Democrática de Libertação Nacional” para a organização da luta e da ação revolucionárias. Enfim, dirigir e unir as forças do povo para a grande ação revolucionária de tomada do poder. No que concerne a essa questão, os dirigentes comunistas orientavam sua militância a adotar formas de luta mais rígidas e audaciosas contra as forças de reação. No entanto, de acordo com Reis Filho, “para essa perspectiva, era preciso contar com as próprias forças, pois as novas orientações denunciavam sem contemplações os ‘demagogos esquerdistas da UDN’ e os demais partidos ‘ditos de oposição’, como o PTB ou o PSB.”20 Com isso, o PCB colocava termo a sua política de alianças, desqualificando todos os demais partidos. A partir da nova linha política consolidada pelo “Manifesto de Agosto”, afirma Moisés Vinhas, que “adotando a palavra de ordem de ‘derrubar o governo’, classificado como de ‘traição nacional’, os comunistas passam a estimular todo o tipo de ação grevista, independente de hora e lugar”.21 Os comunistas adotam uma prática divisionista, criando “atritos permanentes com outras correntes e personalidades até então aliadas”, como, por exemplo, “nos movimentos de organizações populares, nacionalistas, femininas, estudantis e culturais”.22 Ainda segundo o autor, os comunistas “passam a considerar os sindicatos como órgãos do Estado e do governo de burgueses e latifundiários, logo, como órgãos a serviço da burguesia e do latifúndio. E tratam de criar organizações novas, revolucionárias, puras, ‘autônomas’, ‘independentes’ e ‘paralelas’”.23 Para Vinhas, sob a nova política adotada pelo Partido, ______19 Luiz Carlos Prestes. Op. cit., p. 1, 2 e 3. 20 REIS FILHO, Daniel Aarão. “Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943 e 1964” Op. cit., p. 77. 21 VINHAS, Moisés. O Partidão: a luta por um partido de massas (1922-1974). São Paulo, Hucitec, 1982, p. 95. 22 Idem. 23 Idem. 57

“os comunistas adotam uma concepção militarista de partido, tomando como organização preparada para o assalto ao poder. Preservam os dirigentes na clandestinidade extremada, retornam a uma política obreirista de quadros, centralizam excessivamente a organização, cerceiam a democracia e instauram o reino da irresponsabilidade permanente à base dos métodos mandonistas de direção.”24

Abria-se ao PCB, a partir daquele momento, um verdadeiro isolamento político, que lhe custaria caro. Retornando à clandestinidade e apostando no confronto revolucionário, os comunistas acabariam por desorganizar suas bases operárias. Pode-se dizer que na prática, de acordo com Rodrigues, “o Partido pouco ou nada conseguiu fazer no sentido da criação dos Comitês Democráticos de Libertação Nacional”.25 A proposta revolucionária não obteve o sucesso esperado pelos comunistas. Segundo Reis Filho,

“aquela sociedade parecia insensível aos transportes radicais. Os militantes exauriam-se na tentativa de empolgar as ‘massas’ com propostas revolucionárias de ação e organização. Era até possível aos iniciados, construir proclamações incendiárias nos bunkers bem abrigados dos aparelhos. Difícil era convencer a imensa maioria de profanos, envolvidas em atribulados cotidianos, de que, além de justas, as orientações eram aplicáveis e praticáveis.”26

Dessa forma, com a visível dificuldade de se obter o apoio das massas para a transformação revolucionária, o PCB procurava relacionar o objetivo principal do “Manifesto de Agosto” a outras questões de interesse geral, como foi o caso da luta pela paz e da “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”. Lutar pelas reivindicações mais imediatas e sensíveis do povo brasileiro, assim como, e principalmente, lutar pela independência nacional deveriam estar em íntima ligação com a luta pela paz. A esse respeito, Prestes dedicava, no Manifesto, apenas um ponto para os assuntos do “Movimento pela Paz” e da “Campanha pela Proibição das Bombas Atômicas”. No ponto dois do programa comunista, intitulado: “PELA PAZ E CONTRA A GUERRA IMPERIALISTA”, Prestes destacava: “Interdição absoluta da arma atômica, rigoroso controle internacional dessa interdição e condenação como criminoso de guerra do governo que primeiro ______24 Idem. 25 RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p. 416. 26 REIS FILHO, Daniel Aarão. “Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943 e 1964” Op. cit., p. 79. 58

utilizar essa arma de agressão e extermínio em massa. Luta efetiva pela paz, contra os provocadores de guerra e de todas as medidas de preparação guerreira. Contra a política reacionária e guerreira do governo norte-americano, por uma política de paz e de luta efetiva pela paz no mundo inteiro e de apoio à luta antiimperialista e de libertação nacional de todos os povos. Contra o tratado do Rio de Janeiro e todos os tratados internacionais de guerra. Imediato estabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética, com a China Popular, com a Alemanha Democrática e todos os povos amantes da paz.”27

Logo no início do segundo ponto do programa, Prestes descreve exatamente o Apelo de Estocolmo, condenando a bomba atômica como arma de extermínio em massa e exigindo a condenação do governo que primeiro a utilizasse contra qualquer país. Nota-se, também, desse modo, que lutar pela paz era lutar pelos interesses soviéticos, defendendo a “liberdade” para os povos da “democracia popular”. Além disso, a disputa ideológica fazia parte do confronto entre as duas superpotências, onde cada uma, lutando por suas áreas de influência, manchava a imagem e as ações umas das outras. Com isso, Prestes conclamava:

“COMPATRIOTAS! Lutai em defesa da paz! Exijamos a interdição absoluta da arma atômica. Que milhões de brasileiros subscrevam o Apelo de Estocolmo e imponham a sua vontade contra o emprego da bomba atômica, arma de terror e de extermínio em massa.”28

Assim, não era nenhuma contradição lutar pela paz e pela independência nacional, lutar pela proibição das bombas atômicas e por melhores condições de vida e de trabalho. Os interesses do “Movimento pela paz” e da “Campanha pela Interdição das Armas Atômicas” misturavam-se com outros de caráter predominantemente nacional. Um não anulava o outro. Pelo contrário, ambos se apoiavam, numa contribuição mútua por lutas reivindicatórias da classe trabalhadora e pela paz, embora, em determinados momentos, os dirigentes comunistas acreditassem que outras questões que não fossem ligadas à “Campanha pela Proibição das Bombas Atômicas” deveriam ser colocadas em segundo plano. Os comunistas acreditavam que, se uma nova guerra mundial irrompesse, seria bastante difícil lutar por melhores salários, por liberdade sindical, pela educação, por nacionalizações etc., já que todo um esforço de guerra seria imposto à população. Além disso, um novo conflito mundial, de proporções nucleares, geraria uma grave crise ______27 Luiz Carlos Prestes. Op. cit., pp. 1, 2 e 3. 28 Idem. 59 econômica e poria em risco toda a humanidade. Em outro aspecto, o “Movimento pela Paz, a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”, a campanha “O Petróleo é Nosso”, a campanha contra a Guerra da Coréia, entre outras, foram uma maneira pela qual os comunistas procuraram manter-se na vida política do país. Como revela Marco Aurélio Santana, em relação aos sindicatos, o PCB “fazia de seus vínculos com a classe operária e seu suposto ou real controle sobre os sindicatos um elemento importante de sua tentativa de: primeiro, se manter no sistema político – tendo em vista as inúmeras pressões para o seu banimento –; depois, quando efetivada a sua ilegalidade, voltar por uma caminho alternativo para dentro do sistema.”29 O Partido, posto na ilegalidade pelo governo Dutra, e adotando a linha radical do “Manifesto de Agosto”, que o colocou no gueto do isolamento político, perdera muitos membros e simpatizantes, além de ser reprimido constantemente pela polícia. Assim como a anterior linha pacifista, a linha do Manifesto de Agosto foi, em grande medida, uma conseqüência das transformações que ocorreram no cenário político internacional, com o antagonismo existente entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria. Como revela Ronald Chilcote, o estabelecimento do Bureau Comunista de Informações (kominform), em setembro de 1947, possibilitou a garantia de um relacionamento mais estreito entre o PCB e o Partido Comunista da União Soviética. Como conseqüência, indica o autor, “o PCB, assim como os outros partidos comunistas ilegais da América Latina, substituiu o suave reformismo de frente-popular, voltados para temas domésticos, pela retórica revolucionária”.30 Então, a partir do que acontecia nas relações internacionais, a direção do PCB reajustava a interpretação dos fatos e dos processos da política e da economia brasileira. Contudo, embora os fatores externos pareçam dominantes, e concordando com Rodrigues, “pode-se entender a política inaugurada com o Manifesto de Agosto, como uma resposta desesperada do Partido a um conjunto de medidas repressivas adotadas pelo governo Dutra.”31 Vale lembrar que, durante todo o seu mandato, o presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, continuou ______29 SANTANA, Marco Aurélio. Homens partidos: comunistas e sindicatos no Brasil. Rio de Janeiro, Editorial Boitempo, 2001, p. 27. 30 CHILCOTE, Ronald. Partido Comunista Brasileiro. Conflito e integração. 1922-1972. Rio de Janeiro, Graal, 1982, p. 107. 31 RODRIGUES, Leôncio Martins. Op. cit., p. 416.

60 tratando o movimento dos trabalhadores de forma arbitrária e severa, com uma política repressiva verdadeiramente feroz. Anteriormente, a política do partido era de “manutenção da ordem” e de não entrar em choque contra o governo. A cassação do registro do Partido e do mandato de seus parlamentares causou um enorme impacto no PCB, além da enorme perseguição policialesca que sofrera a partir daquele momento. Frustrou todas as suas expectativas de uma evolução eleitoral do Partido dentro da lei. Na prática, como afirma Rodrigues,

“o PCB continuou a explorar todas as possibilidades de atuação legal através da atuação de certas ‘organizações de massa’ que forneciam aos comunistas uma cobertura institucional para sua política. Neste período, o Partido engajou- se no Movimento Nacional pela Proibição da Armas Atômicas, com seus militantes, principalmente da juventude, coletando assinaturas em favor do ‘Apelo de Estocolmo’.”32

O Partido, de acordo com Marco Aurélio Santana, demonstrando ambigüidade, “intentava, assim, articular a luta pela paz no âmbito internacional com a luta pela revolução internamente.”33 Como de costume, em diversos artigos, manifestos e pronunciamentos do PCB, é possível perceber ambigüidades em suas propostas. Com isso, fica difícil tentar entender como o Partido, naquele momento, estaria interessado em lutar pela paz – e mobilizava sua militância para isso – ao mesmo tempo em que pregava uma revolução. Importa destacar que havia, certamente, por parte de diversas personalidades no interior do Partido, uma resistência à radicalização, que procurava, com freqüência, utilizar-se dos meios legais, como forma de luta, para reconquistar o status institucional de antes. Além disso, havia enorme dificuldade de pôr em prática o viés radical proposto pelos comunista no governo Dutra. Estabelecido o alinhamento do governo brasileiro com o norte-americano, os comunistas seriam hostilizados, perseguidos e reprimidos política e policialmente, como poderá ser visto mais adiante. De igual forma, um fato se mostra bastante interessante em relação ao movimento sindical. No momento em que a palavra de ordem era a tomada de poder pela

______32 Idem. 33 SANTANA, Marco Aurélio. Op. cit., p. 70.

61 via das armas, já que as instituições não eram mais confiáveis, o PCB procurava ter de volta sua legalidade e a volta de seus parlamentares. Segundo Santana, o PCB, com sua nova postura política de radicalidade, apesar da crítica ao espaço de atuação institucional e a autocrítica por tê-lo priorizado no momento da legalidade, demonstrava uma certa valorização daqueles espaços e seu interesse em retornar a eles. Assim, sabendo que o partido utilizava-se dos espaços institucionais como instrumentos de efetivação de sua política, nesse momento mais radicalizado, a instrumentalização fica muito mais explícita.34 Com isso, “diante da cerrada repressão, pensava o partido, estes espaços poderiam servir para dar-lhe fôlego”. 35 Dessa maneira, entre o chamamento à revolução e a busca pela atuação nos meios legais e institucionais, entre a guerra revolucionária e a luta pela paz, os comunistas procuravam envolver-se em campanhas e movimentos de diferentes naturezas a fim de continuarem participando da vida política do país e não se desestruturarem a ponto de extinguirem-se enquanto instituição política. Como destaca o militante comunista Moisés Vinhas, o que impedia os comunistas de desaparecer como força política efetiva era “provavelmente sua participação em campanhas pela paz, contra a bomba atômica, na qual conseguem reunir milhares de assinaturas.”36 Dessa maneira, afirma o militante essas campanhas mantinham “algumas franjas de sua política ligadas à realidade do país.”37 Em resumo, mesmo com certa contrariedade e alguma relutância de alguns partidos comunistas, em especial os latino-americanos, o movimento revolucionário internacional acatou as determinações do Kominform. A “luta pela paz” estava mantida, agora era preciso mobilizá-la.

Imagens do apocalipse

O período imediatamente posterior à Segunda Grande Guerra, até 1947, é marcado por uma relativa cordialidade nas relações entre o governo norte-americano e o governo soviético. Entretanto, apesar dos esforços diplomáticos, as coligações não duraram ______34 Idem. 35 Idem. 36 VINHAS, Moisés. Op. cit., p. 96. 37 Idem. 62 muito tempo, pois os antagonismos das concepções dos EUA e dos países capitalistas, por um lado, e os da URSS e dos países socialistas, por outro, afloraram novamente. Naquele mesmo ano, a União Soviética, sob a liderança de Stálin, ditou aos partidos comunistas uma nova “linha geral”,38 que representava a adaptação da política desses partidos à resposta que o Kremlin pretendia dar ao curso expansionista de Washington. Nesse momento, fazia-se necessário formar uma ampla frente antiamericana, na intenção de impor aos Estados Unidos um arranjo mundial, baseado na repartição das áreas de influência, que fosse satisfatório para os interesses soviéticos. Como afirma Fernando Claudin,

“a idéia tática essencial da nova linha consistia em explorar a fundo as contradições entre a expansão americana e as burguesias nacionais européias ou de outras latitudes; em agrupar - como dizia Zdanov - ‘todas as forças dispostas a defender a causa da honra e da independência nacional’, e mobilizar a todos os ‘partidários da paz’ contra o perigo de uma terceira guerra mundial.”39

Segundo Stálin, isso faria pressão às autoridades políticas norte-americanas e as obrigaria a empreender as resoluções da conferência de Yalta.40 Da mesma forma, permitiria aos partidos comunistas do Ocidente empreender o caminho da união nacional seguido até 1947, pela via parlamentarista e pacífica até o socialismo. A intenção de explorar as contradições interimperialistas teve escassos resultados, ao menos até a morte de Stálin. Os apelos para “defender a causa da honra e da independência nacional”41 não encontraram eco fora das fileiras comunistas, salvo em alguns reduzidos círculos intelectuais. Segundo Claudin, “o único aspecto da nova linha que tomou corpo em certa medida, ainda que em um plano quase exclusivamente Propagandístico, foi a ‘luta pela paz’.”42 Importa ressaltar que movimentos e apelos ______38 CLAUDIN, Fernando. Op. cit., p. 525. 39 Idem. 40 Em Yalta, ficaram estabelecidos diversos pontos sobre o fim da Segunda Guerra Mundial e a paz que, logo após, se propunha. A conferência, entre várias questões, estabeleceu: a divisão da Alemanha em zonas de influência pelos países vencedores, dentre eles a URSS; a concessão de territórios à URSS na Ásia e na Europa; um pacto secreto entre Roosevelt e Stálin, pelo qual a URSS deveria receber de volta a Estrada de Ferro Chinesa Oriental, a parte meridional da ilha de Sacalina, as Ilhas Kuril e Porto Arthur; o desmantelamento das indústrias alemães, sobretudo as bélicas; o pagamento de indenização à URSS por danos causados pelos nazistas nos territórios ocupados durante a Segunda Guerra Mundial; entre outros. Ver DEUTSCHER, Isaac. Stalin. A história de uma tirania. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970, vol. 2. (especialmente o capítulo XIII) 41 Idem. 42 Idem. 63 reivindicando a paz para o mundo eclodiram até mesmo durante a Segunda Grande Guerra, e, principalmente, a partir do seu fim. Todavia, o movimento organizado que obteve mais destaque em todo o mundo foi o chamado “Movimento pela Paz”. Ele começou em agosto de 1948, onde celebrou-se, na Polônia, o Congresso Mundial dos Intelectuais pela Paz e em novembro, na França, o Congresso Nacional dos “Combatentes da Paz”. Nos meses seguintes, várias manifestações de caráter semelhante eclodiram pela Europa. A “Campanha pela Proibição das Bombas Atômicas”, por exemplo, é uma campanha posterior ao “Movimento pela Paz” e, incorporada a ele, através do “Apelo de Estocolmo”, de 1950. A “luta pela paz”, contudo, confundia-se com a defesa da União Soviética contra as agressões do “imperialismo” norte-americano. O contexto da Guerra Fria e o desenvolvimento da corrida armamentista, principalmente no que concerne à posse da bomba atômica pelos Estados Unidos, causavam uma enorme preocupação ao governo soviético. O “Movimento pela Paz” e a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” assumiriam, desta forma, a tentativa de controle da corrida armamentista por parte da URSS, procurando, também, impedir o desenvolvimento armamentístico norte-americano, proporcionando, ao mesmo tempo, o avanço das pesquisas nucleares soviéticas. Na “luta pela paz”, os militantes comunistas deveriam recolher assinaturas através de inúmeros documentos dirigidos à opinião pública e aos governos, assim como parlamentares, Organização das Nações Unidas (ONU) etc., não apenas reclamando a proibição das armas atômicas, mas também protestando contra a OTAN, reivindicando o desarmamento geral e apoiando as iniciativas da diplomacia soviética. A “Campanha pela Interdição das Armas Atômicas”, em menor amplitude, limitava-se a dirigir seus esforços para a proibição da utilização das armas atômicas por qualquer país e a eliminação dos arsenais atômicos existentes até aquele momento. Para a compreensão do contexto internacional em que foi criado o “Movimento pela Paz” e, posteriormente, a inserção nesse movimento da “Campanha pela Proibição das Bombas Atômicas”, observam-se vários fatores bastantes significativos, como: o envio, para o Uruguai, de bombardeiros do Comando Aéreo Estratégico dos Estados Unidos, armados com dispositivos nucleares, em uma demonstração de força no momento da posse do presidente do Uruguai em fevereiro de 1947, a Doutrina Truman e o Plano Marshall do mesmo ano , a crise de Berlin (junho de 1948 – maio de 1949), a conclusão da 64

Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em abril de 1949, o comunicado da agência de informação Tass, em 25 de setembro de 1949, confirmando a explosão de uma bomba atômica soviética em abril daquele ano, e revelando que a União Soviética a possuía desde 1947, e a guerra na Coréia, em junho de 1950. Nesse contexto, nasceu o “Movimento pela Paz” ou também chamado de “Movimento dos Partidários da Paz”. O “Congresso Mundial dos Intelectuais pela Paz”, realizado em agosto de 1948, na Polônia, e o “Congresso Nacional dos Combatentes da Paz”, realizado em novembro do mesmo ano, na França, foram os criadores do “Movimento”. Além deles, o “Congresso Mundial da Federação Democrática das Mulheres”, em Budapeste no outono do mesmo ano, e, muito particularmente, o primeiro “Congresso Mundial dos Partidários da Paz”, realizado em Paris e em Praga, de vinte a vinte e cinco do abril de 1949, contribuíram grandemente para a divulgação e propagação do “Movimento pela Paz” em todo o mundo. Em novembro de 1949, na reunião do Kominform, a “luta pela paz” foi definida como tarefa central do movimento comunista, a qual deveriam subordinar-se todas as outras tarefas e objetivos. Acreditava-se, nesse momento, numa possível “ação direta” do imperialismo norte-americano contra a União Soviética. Os líderes do Kominform diziam que a URSS vivia uma grave ameaça com a escalada armamentista dos EUA, especialmente com seus arsenais atômicos. A intervenção na Coréia, relatavam, era a grande prova da agressividade imperialista. O objetivo prioritário dos revolucionários, portanto, era o de conquistar uma paz “sólida e duradoura” em detrimento de novas revoluções socialistas. De acordo com Stálin,

“o atual movimento pela paz se propõe a mobilizar as massas populares na luta pela conservação da paz, por conjurar uma nova guerra mundial. Por conseguinte, não tende a derrubar o capitalismo e a instaurar o socialismo: se limita a fins democráticos de luta pela manutenção da paz.”43

O comitê do Congresso Mundial dos Partidários da Paz realizou sua terceira sessão plenária para fazer um balanço das lutas pela paz que se desenvolveram e ______43 Citado in CLAUDIN, Fernando. Op. cit., p. 528. 65 intensificaram, nos primeiros meses de 1950, e trocar experiências para prossegui-las de modo mais elevado, com a finalidade de conjurar as ameaças de guerra que se agravaram naquele ano. O comitê adotou importantes resoluções para a luta dos partidários da paz em todo o mundo. Eram as seguintes:

“1) - Chamamos todos os homens de boa vontade para um novo Congresso Mundial da Paz, a realizar-se na Itália no 4o trimestre de 1950. 2) - Convidamos para este Congresso todas as coletividades sociais, religiosas e culturais, todas as pessoas de bem quaisquer que sejam as suas opiniões sobre a origem da atual tensão internacional, que se preocupam e desejam sinceramente o restabelecimento das relações pacíficas entre as nações. 3) - Submetemos a todos, como ponto para um acordo, a proibição da arma atômica e a condenação de qualquer governo que, em primeiro lugar, dela fizer uso.”44

A partir desse momento, a proibição das armas atômicas tornava-se o elemento central do “Movimento pela Paz”. Merece, aqui, ressaltar a convocação para os “homens de boa vontade” quanto à sua participação e apoio ao movimento. O comitê lançou ainda um “Apelo”, segundo Voz Operaria, assinado pelo seu presidente, o cientista francês Frederic Joliot-Curie, o qual encontrava-se assim redigido:

“Exigimos a proibição absoluta da arma atômica, arma de terror e extermínio em massa de populações. Exigimos ao mesmo tempo o estabelecimento de um rigoroso controle internacional que assegure a aplicação da medida de interdição. Consideramos que o governo que primeiro utilizar a arma atômica, não importa contra que país, terá cometido um crime contra a humanidade e deverá ser considerado criminoso de guerra. Pedimos a todos os homens de boa vontade que assinem este apelo.”45

Em 15 de março de 1950, o “Apelo de Estocolmo” (figura 1), como ficou conhecido, mobilizou comunistas de todo o mundo que se engajaram com disciplina e grande determinação na tarefa. Importa ressaltar que uma campanha não anulava outra, pois a defesa da paz passava, especialmente, pela proibição das armas atômicas. Nessa ______44 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 01 de abril de 1950, p. 4. 45 Idem.

66 campanha, a principal atividade dos “combatentes da paz”46 consistia em recolher assinaturas47 através de inúmeras cópias do “Apelo de Estocolmo”, em favor da proibição das armas atômicas em todo o mundo. No Brasil, os revolucionários eram orientados sobre a política “pacifista” da URSS. Diversos “comitês pela paz” foram criados em cidades, bairros, empresas etc. Salvo algumas exceções, eram em sua maioria constituídos por comunistas e simpatizantes. Os comunistas, dedicados à campanha, faziam comícios (figuras 2 e 3), organizavam comitês, elaboravam “comandos” (grupos de pessoas destinadas a colher assinaturas para o Apelo de Estocolmo) para serem distribuídos a todas as pessoas que pudessem fazer assinar. A tarefa central era a coleta de assinaturas. Os militantes deveriam dedicar-se ao máximo para que o objetivo da campanha fosse conquistado. O sucesso da campanha, relatava a imprensa comunista, não residia, simplesmente, na coleta de assinaturas, mas num bem maior e mais glorioso. A paz para o mundo e a salvação da humanidade eram as verdadeiras conquistas dos combatentes da paz. Dessa maneira, a imprensa comunista incentivava seus leitores e, principalmente, militantes, na busca, cada vez maior, de assinaturas para a campanha. Os jornais comunistas incentivavam e relatavam a adesão, sempre maior, de pessoas que assinavam o apelo e apoiavam a campanha. As mulheres eram incentivadas a participar, a organizarem-se em associações femininas, a realizarem palestras, “comícios-relâmpago” etc. Acreditavam os comunistas que a participação das mulheres era indispensável. Perguntas como “Desejaria V. que seu filho marido ou irmão participasse de uma guerra de agressão” ou “De que modo está V. ajudando a defesa da Paz?”48 eram encontradas, com freqüência, nos jornais comunistas. Desse modo, fica evidente a tentativa de se acreditar numa sensibilidade feminina, num suposto instinto materno, que auxiliasse na adesão à campanha. Havia, até mesmo, modelos do “Apelo de Estocolmo”, criados pela imprensa comunista, ______46 Assim eram chamados aqueles que participavam ativamente da campanha colhendo assinaturas. Em sua maioria, militantes comunistas. 47 É preciso salientar que a coleta de assinaturas pela proibição das armas atômicas não teve início somente a partir do “Apelo de Estocolmo” . Em 11 de fevereiro de 1950, publicava o jornal Voz Operaria que, no Canadá, “uma grande reunião dos partidários da paz, (...), decidiu angariar 40 mil assinaturas em favor da proibição das armas atômicas.” 48 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 01 de abril de 1950, p. 04

67 no intuito de serem recortados do jornal para que as pessoas pudessem assinar, quer sejam parentes, amigos ou colegas de trabalho. Um desses modelos era destinado, em particular, às mulheres:

“VOCÊ QUE NÃO QUER QUE SEU FILHO MORRA NA GUERRA QUE NÃO QUER PERDER SEU NOIVO QUE AMA SEU MARIDO E DESEJA QUE ELE VIVA AO LADO DE SEUS FILHOS assine e mande para nossa Redação este apelo em favor da defesa da Paz entre os povos: EXIGIMOS a proibição absoluta da arma atômica, arma execrável e de extermínio em massa de populações. EXIGIMOS o estabelecimento de um controle internacional para assegurar a aplicação desta medida. CONSIDERAMOS que o governo que utilizar contra qualquer outro país a arma atômica cometerá um crime contra a humanidade e será tratado como criminoso de guerra.

(ass.)...... Tire cópias desta importante resolução do Comitê Mundial dos Partidários da Paz e com ela consiga o maior número possível de assinaturas, enviando-nos em seguida.”49

Luiz Carlos Prestes, em seu “Manifesto de Agosto”, fazia um apelo especial as mulheres. Acreditando em sua força e coragem, dizia:

“MULHERES DO BRASIL! Sois as primeiras e as maiores vítimas da guerra e do terror fascista. Operárias e camponesas, donas de casa, mães e esposa Sois vós que primeiro sentis as agruras produzidas pela fome em vossos lares. Com vossa tradicional coragem e decisão impedi o crime de mais uma guerra imperialista!”50

______49 Idem. 50 Idem, 5 de agosto de 1950, pp. 1,2 e 4.

68

Dessa forma, os comunistas tentavam fazer com que um número maior de pessoas assinassem o “Apelo de Estocolmo”. Invocando valores humanitários, maternos, de amor e de amizade, procuravam alcançar suas cotas de assinaturas e angariar mais partidários da paz. É interessante notar a maneira como os comunistas, através da imprensa, formulavam seus “apelos”. Não permitiam muitas alternativas para quem os lesse, senão, pelo menos, assinar. Um outro exemplo dessa medida, podia ser encontrado no jornal Voz Operaria, de 24 de abril de 1950, que dizia:

“Você é Contra Este Crime? UMA ÚNICA BOMBA ATÔMICA JOGADA SOBRE A CIDADE JAPONESA DE HIROSHIMA, MATOU 200 MIL PESSOAS - HOMENS, MULHERES E CRIANÇAS, INDISCRIMINADAMENTE - UMA POPULAÇÃO DE 400 MIL HABITANTES Você deseja que outras cidades, e, quem sabe, sua própria cidade com seu lar, seus entes queridos, seus amigos tenham o mesmo trágico destino de Hiroshima? NÃO! Você, se é um ser humano não deseja que se repita este crime contra qualquer cidade ou população. Então, recorte e assine este apelo dos Partidários da Paz, ou tire um cópia dele e faça seus amigos e companheiros de trabalho assiná-la e depois remeta-os à nossa redação - AV. Rio Branco, 257, sala 1711 - Rio, D. F. - que os encaminharemos à Organização Brasileira de Defesa da Paz.”51

Com isso, os combatentes da paz foram conseguindo um número cada vez maior de assinaturas logo nos primeiros meses da campanha. Alguns dados, relatados na imprensa comunista, demonstravam o sucesso da campanha. Em uma manchete, lia-se que “todos os operários de uma fábrica exigiam a proibição da bomba atômica.”52 O exemplo vem de Santo André, em São Paulo, onde os operários da indústria metalúrgica Nizan assinaram o “Apelo de Estocolmo”. Continua o jornal, dizendo que

“os operários dessa fábrica, unanimemente, sem nenhuma exceção, assinaram o apelo em que milhões de homens, mulheres, jovens e crianças do mundo inteiro estão exigindo a proibição da arma atômica, arma terrorista de destruição de vidas humanas, de eliminação de populações pacíficas.”53

______51 Idem, 24 de abril de 1950, p. 08. 52 Idem, 10 de junho de 1950, p. 04. 53 Idem. 69

A imprensa afirmava que políticos aderiam à campanha e apoiavam-na, assinando o Apelo (figura 4). Na Bahia, mencionava Voz Operaria, que todos os membros do governo, desde o Governador até os secretários de Estado, o Prefeito de Salvador, os presidentes da Assembléia Legislativa Estadual e da Câmara Municipal de Salvador, os líderes de todas as bancadas parlamentares e o reitor da Universidade da Bahia assinaram o “Apelo de Estocolmo”. Mais surpreendente, contudo, foi a extraordinária notícia de primeiro de junho de 1950. O artigo revelava que

“um dos mais notáveis exemplos do quanto pode ser feito na campanha pela proibição das armas atômicas é o que nos oferece a vila Calumbi de Flores, em Pernambuco, onde todos os habitantes, sem exceção, assinaram o Apelo de Estocolmo exigindo a interdição da mais hedionda arma que ameaça a humanidade.”54

Nessa medida, é possível perceber a adesão de um número crescente de pessoas que assinavam o “Apelo de Estocolmo” e garantiam o êxito da “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”. Entretanto, é de causar uma certa estranheza a adesão unânime de todos os habitantes de uma vila, “sem exceção”. Deve-se lembrar que um dos objetivo dos artigos era tensionar os militantes. Essa notícia, em particular, revela que se algo tão improvável como o artigo propunha fora conseguido pela militância pernambucana, em outras regiões esse fato também seria possível. Outra questão a ser considerada diz respeito às regiões Norte e Nordeste do país que apresentavam, naquele período, um elevado número de analfabetos. Assim, é, de certa forma, impressionante que todos os habitantes de uma vila tenham assinado o “Apelo de Estocolmo”. Importa ressaltar, também, que, para aqueles que não podiam assinar, devido ao analfabetismo, os militantes comunistas faziam-na à rogo. Em centenas de panfletos pesquisados, foi possível perceber que a letra era a mesma em diversos nomes, incluindo o material usado para a escrita (lápis ou caneta). Uma hipótese é que comandos entravam nas casas e um ______54 Idem, 01 de junho de 1950, p. 04. Consultando o IBGE, verifica-se que a Vila Calumbi, localizada no município de Flores, pertence a zona do sertão alto, de Pernambuco. Em divisões territoriais datadas de 31/12/1936 e 31/12/1937, figurava no município de Flores o distrito de São Serafim. Todavia, pelo decreto- lei estadual nº 92, de 31/03/1938, o distrito de São Serafim passou a denominar Calumbi. Em divisão territorial datada de 01/07/1960, o distrito Calumbi permaneceu no município de Flores. Contudo, em 20/12/1963, foi elevado a categoria de município, pela lei estadual nº 4938, sendo desmembrado de Flores, sede no antigo distrito de Calumbi. O senso de 1950, referindo-se a população presente, revela que em Calumbi havia 3.875 habitantes. Já o município de Flores constava com 39.548 habitantes. 70 membro da família assinava por todos. No entanto, não se trata de assinaturas, mas, sim, de nomes escritos (figuras 5 e 6), já que havia, até mesmo, nomes de pessoas de uma mesma família espalhados nos talões de coleta. Entretanto, quando os nomes eram enviados para instituições políticas, nesse caso, encontravam-se verdadeiras assinaturas (figura 7). Assim, não seria exagero dizer que o número de assinaturas divulgado pela imprensa comunista podia estar sendo inflacionado, no intuito de fazer com que a militância redobrasse seus esforços para atingir a tarefa. O objetivo dos combatentes da paz era coletar 4 milhões de assinaturas, em todo o Brasil, até 30 de setembro de 1950. Cada estado possuía sua quota mínima que deveria ser coletada. As assinaturas seriam entregues no 2o Congresso Brasileiro dos Partidários da Paz, a ser realizado de 21 a 23 de outubro daquele ano, para, posteriormente, serem apresentadas no II Congresso Mundial da Paz, em novembro, na cidade de Sheffield, Inglaterra. Para facilitar a coleta de assinaturas e proporcionar uma competição entre os estados, o Conselho Consultivo do Movimento Nacional Pela Proibição das Armas Atômicas decidiu dividir as diversas unidades da federação em cinco grupos. Os estados estavam assim distribuídos:

“1o Grupo: Estado de São Paulo - 1.500.000 assinaturas; Distrito Federal - 500.000; Minas Gerais - 300.000; Estado do Rio - 320.000; Rio Grande do Sul - 300.000. Total: 3.020.000 assinaturas. 2o Grupo: Pernambuco - 200.000 assinaturas; Bahia - 150.000; Ceará - 150.000. Total: 450.000 assinaturas. 3o Grupo: Espírito Santo - 30.000; Sergipe - 25.000; Alagoas - 35.000; Paraíba - 45.000; Rio Grande do Norte - 25.000. Total: 160.000 assinaturas. 4o Grupo: Santa Catarina - 40.000; Paraná - 50.000; Mato Grosso - 20.000; Goiás - 40.000. Total: 150.000 assinaturas. 5o Grupo: Amazonas - 10.000; Pará - 30.000; Maranhão - 20.000; Piauí - 15.000; Amapá - 5.000; Território do Acre - 5.000. Total: 85.000 assinaturas.”55

Após demonstrar a divisão dos estados por grupos, os dirigentes comunistas, através do periódico, conclamavam: “cada partidário da paz, cada patriota consciente tem o dever de honra de trabalhar infatigavelmente para que o município e o Estado em que resida cubram e ultrapassem essa quotas.”56 ______55 Idem, 01 de junho de 1950, p. 01. 56 Idem. 71

Enquanto os militantes empenhavam-se na coleta de assinaturas, eclodiu a guerra na Coréia, o primeiro conflito entre forças ocidentais e comunistas. Com a eclosão da guerra, a imprensa comunista passou a criticar, com firmeza, a “intervenção imperialista nos assuntos da Coréia” e a violência contra seu povo. Sob o título de “Tirem as mãos da Coréia”, o jornal Democracia Popular afirmava que “milhões de pessoas no mundo inteiro levantavam unanimemente e com energia da voz indignada para protestar contra a agressão dos imperialistas americanos e ingleses.”57 Os comunistas brasileiros reprovavam a guerra na Coréia, mas no sentido de considerarem-na uma guerra imperialista. Compartilhavam de idéias e ações que reivindicavam a liberdade para o povo coreano. A ação soviética, nesse momento, era louvável, pois ajudava o povo coreano na defesa de sua liberdade contra os “trustes ianques”. Em 1950, Luiz Carlos Prestes, a mais importante personalidade do comunismo brasileiro, destacava que o povo devia lutar “pela paz, contra qualquer participação na criminosa intervenção guerreira de Truman na Coréia e na China.”58 Dizia, ainda, o líder comunista:

“Nada, mas absolutamente nada para a guerra imperialista! Nenhum soldado do Brasil para ajudar a agressão americana na Coréia. A luta dos povos asiáticos contra o imperialismo é parte integrante de nossa própria luta pela independência do Brasil do jugo imperialista. Que os norte-americanos saiam imediatamente da Coréia.”59

Assim, diante das notícias de que o Brasil, convocado pela ONU, enviaria tropas para lutar naquela guerra, os comunistas distribuíam panfletos, lançavam manifestos, faziam passeatas (figura 8) e realizavam comícios “contra a agressão à Coréia”. O apoio da imprensa comunista era total às ações soviéticas na Coréia. Era preciso acabar com a guerra, em defesa da paz, mas, se houvesse um vencedor, que fosse a União Soviética. Num “comício-relâmpago”, realizado em 18 de julho de 1950, na Praia Pequena, Distrito Federal, os comunistas desfilavam faixas com os seguintes dizeres:

______57 Democracia Popular. Rio de Janeiro, 1o de agosto de 1950, p. 01. 58 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1950, p.04. 59 Idem. 72

“FORA COM OS INVASORES NORTE-AMERICANOS DA CORÉIA E DO BRASIL.”60 Seus oradores concluíam: “essa criminosa ação de guerra é parte do plano geral dos gangsters atômicos para desencadearem a guerra mundial, que ameaça todos os povos.”61 Além disso, nos quartéis das três Forças Armadas, os militares comunistas passaram a distribuir diversos panfletos, propagando a idéia de que os soldados não deveriam aceitar seus embarques para a Coréia (figuras 9 e 10). Um dos panfletos, intitulava-se “Corrente do N”, e conclamava seus camaradas a escrever a letra “N”, de “não”, nos quartéis, navios, alojamentos etc. Em um dos panfletos, podia ser lido o questionamento do autor alegando:

“- Morrer para quê? - Para defender o Brasil? Não. Para ajudar os americanos a conquistar um País que nunca nos fez mal. - Para defender a liberdade? Não. Para ajudar os americanos a escravizarem o povo coreano que quer ser liver.”62

Com isso, os comunistas brasileiros e, em particular, nessa questão, os militares comunistas, tentavam frear o apoio do governo Dutra ao governo norte- americano. Com a intenção de barrar, ou, pelo menos, retardar, o envio de tropas àquele país. A guerra na Coréia, nesse contexto, surge para os comunistas como uma grave ameaça de guerra atômica. Era preciso redobrar os esforços na coleta de assinaturas pela proibição das armas atômicas e em defesa da paz para o mundo. Principalmente, a partir da eclosão da guerra na Coréia, começam a surgir, na imprensa comunista, inúmeros artigos sobre a necessidade, urgente, de se estabelecer a paz e interditar a ação das bombas atômicas. Alguns títulos de artigos são reveladores: “Dirigem-se à consciência dos povos os jovens de Hiroshima e Nagasaki”, “Cada Assinatura é um Voto Contra a Guerra”, “Reforçar a Luta em Defesa da Paz”, “Contra a ameaça Iminente de Guerra”, “O povo sente agora mais iminente o perigo de guerra”, “Pela proibição da Bomba Atômica, Contra

______60 Idem, 22 de julho de 1950, p. 04. 61 Idem. 62 Arquivo Nacional. MJ/Segurança Nacional. Panfleto “Corrente do N”. 73 o envio de tropas à Coréia”.63 A partir da análise das fontes, é possível perceber que, assim como no período anterior à Segunda Grande Guerra e com o advento do nazi-fascismo, os comunistas, com a eclosão da Guerra da Coréia, passaram a adotar também a política de “luta contra a guerra”. Para se criar as condições necessárias de uma paz sólida e duradoura entre as nações, era preciso fazer todo o possível para evitar a deflagração de um novo conflito mundial. A guerra na Coréia, nesse momento, revelava-se como um grande perigo e obstáculo à manutenção da paz. O medo crescente de uma nova guerra mundial, agora de proporções nucleares, se fazia presente no imaginário comunista e de um sem número de pessoas que viveram aqueles “períodos quentes” da chamada Guerra Fria. Em março de 1950, O Jornal, dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, apresentou uma manchete alarmante: “IMPOSSÍVEL A DEFESA DA EUROPA”.64 No artigo, o ex- primeiro-ministro britânico Churchill advertia sobre o “perigo crescente de uma agressão russa” e conclamava uma ação decidida do governo inglês para impedir os horrores de uma nova conflagração internacional. O dirigente conservador dizia, no Parlamento, que, sem a ajuda efetiva da Alemanha Ocidental, não se poderia defender com êxito a Europa Ocidental de uma possível invasão russa. Suas declarações causavam polêmica no cenário internacional, já que estava falando de uma Alemanha que havia posto o mundo em uma guerra catastrófica e dispendiosa para o povo europeu. Contudo, o temor de uma invasão, por parte da União Soviética, era maior que o do rearmamento alemão e, como ele, havia muitos que apostavam nessa idéia. Em outras palavras, não apenas para Churchill, mas para a grande maioria dos parlamentares europeus ocidentais, o medo de uma invasão soviética, junto com seus países “satélites”, povoava o imaginário daqueles que pretendiam manter relações político-econômicas com os Estados Unidos ou estavam sob sua área de influência. Vale lembrar, entretanto, que o crescimento dos partidos comunistas, em todo o mundo, e suas vitórias nas eleições parlamentares de diversos países contribuíam, em grande medida, para a confirmação e a reprodução daquele imaginário. Segundo Winston Churchill, ______63 Seguem-se as datas e páginas dos artigos encontrados no jornal Voz Operaria no ano de 1950: 24 de junho (2o caderno), p. 9; 1o de julho, p. 3; 8 de julho, p. 11; 15 de julho, p. 12; 22 de julho, p. 12; 12 de agosto, p. 12. 64 O Jornal. Rio de Janeiro, 17 de março de 1950, p. 06. 74

“a decisão de estabelecer uma frente na Europa contra uma possível invasão russa e de seus Estados satélites é de suma gravidade para nós e também imperiosa. Acredito necessário dizer, falando pessoalmente e expressando opinião própria, que esta longa frente não poderá ser defendia com êxito sem a ajuda ativa da Alemanha Ocidental. (...) Não podemos assegurar aos alemães de que seu território não será invadido pelos russos ou seus satélites. A poderosa massa do exercito russo e seus satélites ameaça o povo alemão como uma nuvem ominosa e os aliados não podem dar-lhe proteção.”65

Sempre com um tom alarmante, o ex-primeiro-ministro britânico fazia questão de enfatizar o avanço comunista pelo mundo, a possibilidade real de uma terceira guerra mundial desencadeada pela União Soviética. Se nenhuma ação prática fosse decidida a curto prazo, se nenhum acordo de paz fosse eficazmente realizado ou se a Alemanha Ocidental não fosse tão logo remilitarizada, o mundo inteiro reviveria os revezes de uma guerra mundial nuclear. A esse respeito Churchill prevenia: “neste terreno da bomba atômica a nossa situação piorou desde a terminação da guerra, isto porque os russos obtiveram o segredo da bomba atômica e, diz-se, começaram sua produção.”66 A arma atômica e seus efeitos povoavam o imaginário dos comunistas brasileiros. Para eles, a bomba “era um instrumento de agressão e extermínio em massa de populações pacíficas” e “matava indistintamente”. A guerra na Coréia representava o perigo iminente de uma guerra nuclear, pois, como alegava a imprensa comunista, as duas potências em confronto possuíam armas atômicas. Dessa maneira, como revela Baczko, pode-se notar que o imaginário social informa acerca da realidade, ao mesmo tempo em que constitui um apelo à ação, um apelo a comportar-se de uma determinada maneira. O imaginário social é um esquema de interpretação e, também, de valorização. O dispositivo do imaginário suscita a adesão a um sistema de valores e intervém, de modo eficaz, nos processos da sua interiorização pelos indivíduos, modelando os comportamentos, capturando as energias e, em caso de necessidade, arrastando os indivíduos para uma ação comum. Raoul Girardet relata que é ao longo das linhas de mais forte tensão social que se desenvolvem os mitos, principalmente os mitos políticos. Segundo o autor, “é nos ‘períodos críticos’ que os mitos políticos afirmam-se com mais nitidez, impõem-se com mais intensidade, exercem com mais violência seu poder ______65 Idem. 66 Idem. 75 de atração.”67 Os mitos tensionam e, ao mesmo tempo, atraem. Assim, torna-se possível perceber a adesão de um número cada vez maior de pessoas que contribuíram com suas assinaturas ao “Apelo de Estocolmo”. A bomba atômica e seus efeitos devastadores povoavam o imaginário dos militantes comunistas e informavam acerca da realidade que estava por vir. Num momento de grave tensão internacional, onde as duas superpotências enfrentavam-se e hostilizavam-se mutuamente, a guerra na Coréia simbolizava, no imaginário comunista, o início de confrontos mundiais que levariam ao fim da humanidade. Dessa maneira, existindo uma possibilidade, cada vez mais premente, de um conflito mundial nuclear, os comunistas deveriam canalizar suas energias em prol de uma necessidade comum e de um bem maior para todos: a coleta de assinaturas para o “Apelo de Estocolmo”. Fazia-se necessário alertar às pessoas de seus malefícios e suas conseqüências. “Comícios-relâmpago” eram realizados, pichações nos muros eram feitas (figura 11), centenas de panfletos eram distribuídos, cartazes eram espalhados nas ruas (figura 12), comitês contra a bomba atômica eram criados, “bônus” eram vendidos para ajudar no financiamento da Campanha (figuras 13, 14 e 15), assembléias eram reunidas. Assim, acreditavam os comunistas, poderiam esclarecer às pessoas o que era a bomba atômica e obter sucesso na campanha pela coleta de assinaturas. De posse de dados científicos, relatos da imprensa nacional e internacional, depoimento de sobreviventes etc., os militantes comunistas, através dos “comandos”, dos comícios-relâmpago, palestras, dos panfletos que quotidianamente distribuíam pelas ruas das cidades e, sobretudo, de sua imprensa, procuravam alertar e esclarecer as pessoas sobre o que era a bomba atômica, seus efeitos e as conseqüências de uma guerra utilizando energia de tal tipo. Em um panfleto intitulado “JÁ PENSOU BEM O QUE SIGNIFICA UMA GUERRA ATÔMICA? ENTÃO MEDITE NO SEGUINTE:”,68 os comunistas procuravam esclarecer o poder de destruição de uma bomba nuclear e, comparando com cidades brasileiras, almejavam dar a melhor explicação, ao mesmo tempo em que aproximava para o Brasil a realidade das cidades japonesas atingidas. Segundo o panfleto, ______67 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia da Letras, 1987, p. 180. 68 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Departamento de Política Social (DPS), Panfleto 717, ano de 1950. 76

“uma só bomba atômica, a que foi lançada sobre a cidade de Hiroshima no Japão matou 80 mil pessoas (número equivalente a toda a população de Maceió, capital de Alagoas) e estropiou mais de 200 mil pessoas (número equivalente a toda a população de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais).”69 Os panfletos eram bastante simples e didáticos, baseados, em grande parte, num processo de perguntas e respostas. O objetivo era o de explicar, de maneira direta, os enormes danos causados pela bomba atômica e suas radiações, além de causar grande impacto nos leitores. Um grande número de panfletos retratavam os efeitos destruidores das bombas atômicas jogadas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Em sua maioria, como já demonstrado, também comparavam seus terríveis efeitos sobre cidades brasileiras, fábricas, praças etc., caso houvesse uma guerra atômica e fossem lançadas bombas sobre esses lugares. Num dos panfletos, questionava-se, em letras garrafais: “O QUE ACONTECERÁ SE CAIR UMA BOMBA ATÔMICA SOBRE BELEM?”70 Logo, vinha a resposta, comparando com a destruição causada nas cidades japonesas, onde “num momento, morreram mais de 80.000 pessoas; outras 80.000 morreram nos dias imediatos. E até hoje morre gente naquelas cidades japonesas em conseqüência das radiações produzidas pela bomba!”71 Outro panfleto foi mais direto. Mostrou, também em letras garrafais, o que aconteceria se fosse jogada uma bomba atômica sobre uma indústria. Imediatamente após, respondia o panfleto:

“Se uma bomba atômica cair sobre a fábrica Goodyear, tudo que estiver a 200 metros desse ponto será arrasado e dissolvido pelo calor. A destruição será massiça até 1.600 metros desse mesmo ponto; e até 4.800 metros de distância do ponto onde cair a bomba produzir-se-á um tal aquecimento que se registrarão incêndios em massa; além disso, os efeitos da radiação ou mataram imediatamente as pessoas que estiverem nessa área ou atingirão os centros vitais de um a grande maioria, vindo a causar-lhe a morte mais tarde.”72

Concluía o panfleto, revelando os bairros e as outras fábricas que poderiam ser

______69 Idem. 70 Arquivo Nacional. MJ/Segurança Nacional. Panfletos Ij1 1325, ano de 1950. Importa lembrar que o local referido é a cidade paulistana Belém, Belenzinho. 71 Idem. 72 Idem. 77 atingidas pelos efeitos da bomba atômica. Terminava dizendo que onde havia, naquele momento, “produção e vida seria o reino da destruição e da morte”. O jornal comunista O Sol publicou, em 22 de agosto de 1950, uma suposição do que aconteceria se uma bomba atômica, similar a de Hiroshima, explodisse na praça Barão de Drumond, no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Imediatamente, 8.000 trabalhadores têxteis teriam sido derretidos, devido à elevada temperatura. Isso ocorreria, ao mesmo tempo em que fábricas, bondes, hospitais, laboratórios, e instalações elétricas se transformavam “num inferno de estrondos e de morte, misturados aos gritos dos moradores, das ruas e dos morros, a correr e a caírem fulminados e carbonizados.”73 Finalizava o jornal, expondo que todos os moradores da região compreendida entre o Maracanã, a Praça Saens Peña e o antigo Jardim Zoológico teriam sido mortos. A população dos bairros do Engenho Novo, Mangueira, São Cristóvão, Tijuca e Grajaú, um pouco mais afastada, morreria mais tarde graças aos efeitos da radiação. Outro panfleto revelava que

“se uma bomba atômica caísse no Largo da Carioca, destruiria totalmente a maior parte da Esplanada do Castelo, mais da metade da Av. Rio Branco, a Cinelândia e muitas ruas do Centro da cidade. Dezenas de milhares de pessoas morreriam na hecatombe, muitas mais ficariam inutilizadas pelo resto da vida e os prejuízos do comércio, da indústria e da Nação subiriam a muitos bilhões de cruzeiros. A vida da cidade e grande parte da vida do país ficariam paralisadas, porque nessa zona se encontram numerosas firmas importantes, bancos, as maiores repartições públicas e Ministérios. Dezenas de milhares de pessoas perderiam os empregos e suas famílias iriam passar fome. Nossos parentes e amigos que trabalham no centro da cidade seriam mortos ou inutilizados pelas radiações fatais.”74

Na verdade, o que faziam os comunistas, em suas comparações com cidades brasileiras, era mostrar o que havia acontecido nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Com isso, eles chegavam à conclusão de que, numa nova guerra mundial, as principais vítimas seriam as “populações pacíficas” das grandes cidades. Para tanto, diziam os comunistas, os objetivos dos provocadores de um novo conflito internacional – a saber: Estados Unidos e seus aliados –, eram claros: “eliminar vidas humanas.” ______73 O Sol. São Paulo, 22 de agosto de 1950, p. 02. 74 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Departamento de Política Social (DPS), Panfleto 717, ano de 1950. 78

Um outro panfleto com o título de “A TRAGÉDIA DE HIROSHIMA”,75 mostrava-se bastante interessante. Nele, vinha o relato dos comunistas sobre o depoimento de um sobrevivente de Hiroshima. Shinso Hamai, que em 1950 era o prefeito da cidade atingida, fez um filme documentário revelando as conseqüências da bomba atômica jogada sobre sua cidade. Segundo Hamai, no momento da explosão ocorreu “um clarão formidável! Dir-se-ia que um pedaço de sol havia desabado sobre a cidade! Em seguida a tormenta escaldante da deflagração.”76 De acordo com ele, um “vento de fogo”, soprando a 300 quilômetros por hora, varreu as casas e os homens. Tonto e cambaleante, procurava levantar-se, mas estava ferido no pé e sangrava bastante. Depois de algum tempo, conseguiu levantar-se e verificou que tudo era silêncio, “um silêncio horrível, abafado, asfixiante, apenas perturbado pelo crepitar do telhado de palha a arder.”77 Procurou por sua mulher e notou que continuava ali, próxima a ele, quando do momento da explosão. Estava “ajoelhada, apertando o filhinho de encontro ao seio. A vizinha, na outra casa, desconjuntada como um bibelô quebrado, jazia sobre a esteira ensangüentada, enquanto a sua filha, ainda viva, continuava agarrada ao seio.”78 Relatos como esses eram extremamente explorados e divulgados pela militância comunista encarregada da coleta de assinaturas. Tudo o que pudesse alertar as pessoas sobre os verdadeiros fatos e horrores que haviam ocorrido em Hiroshima e Nagasaki era de suma importância para o esclarecimento da população.79 Dessa forma, os comunistas elegiam a bomba nuclear e seus efeitos devastadores como elementos de mobilização contra uma nova guerra mundial. Os combatentes da paz esforçavam-se para convencer o conjunto da sociedade sobre os horrores de um conflito atômico. Nessa medida, procuravam coletar o maior número de assinaturas possível para o “Apelo de Estocolmo”. ______75 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Departamento de Política Social (DPS), Panfleto 2039, ano de 1950. É preciso destacar que havia diversos panfletos apresentando depoimentos de sobreviventes. Contudo, muitos encontravam-se em mau estado de conservação, não podendo, em grande medida, compreender, de maneira eficaz, seu conteúdo. 76 Idem. 77 Idem. 78 Idem. 79 Nesse aspecto, os comunistas não faltaram com a verdade. John Hersey, em seu livro sobre a tragédia de Hiroshima, relata a trajetória de seis sobreviventes da bomba atômica, um ano depois da explosão e quarenta anos mais tarde. Em seu trabalho, é possível encontrar depoimentos semelhantes, e até mesmo idênticos, aos narrados pelos comunistas durante a campanha em favor da proibição das bombas atômicas. De acordo com o relato do reverendo Kiyoshi Tanimoto – um dos seis sobreviventes entrevistados por Hersey –, que estava 79

Havia, também, um outro recurso utilizado pelos comunistas. Dramatizações sobre os efeitos “monstruosos” da bomba atômica eram feitas com a intenção de alertar a sociedade acerca dos enormes danos causados por sua ação. Os artistas da rádio de São Paulo, utilizando os recursos da narração, do diálogo, coros de vozes e efeitos de som, em forma dramatizada, realizaram uma gravação sobre os “efeitos destruidores da bomba atômica”. A finalidade era fazer com que as pessoas ouvissem, sensibilizando-se e, com isso, assinassem o Apelo. Garantindo o sucesso das gravações, que duravam cerca de dez minutos, a imprensa comunista afirmava:

“Tocam-se os discos nas festas e bailes apresentando-se em seguida a todos os presentes, o apelo de Estocolmo, em favor da proibição absoluta da arma atômica. Nessas ocasiões tem havido, em muitos casos, adesões unânimes. Todos os presentes à audição subscrevem com entusiasmo, o Apelo de Estocolmo.”80

A intenção era proibir a utilização das armas atômicas e, verdadeiramente, condenar como criminoso de guerra o governo que, em primeiro lugar, as utilizasse. Os comunistas execravam a bomba atômica e a consideravam uma arma criminosa. Acreditavam que não era uma arma capaz de decidir uma operação militar, sobretudo quando não era mais monopólio dos Estados Unidos. Condenavam seus efeitos mortíferos e acrescentavam que, em uma guerra, não somente os militares morreriam, como também populações civis, envolvendo homens, mulheres, crianças e idosos. Afirmavam que “qualquer pessoa que se encontre a menos de 800 metros da explosão, em sentido contrário ao vento e a 3 quilômetros e meio na direção do vento, será atingida pelas emanações radioativas da bomba, radiações que provocam a morte.”81 Confirmavam também que, três ______afastado do centro da explosão por mais de três quilômetros, “um imenso clarão cortou o céu. [...] Parecia um naco de sol.” Conseguiu ainda dar dois ou três passos, jogando-se entre duas grandes pedras, agarrando-se firmemente a uma delas. Com o rosto encostado na pedra, não viu o que aconteceu. Sentiu uma enorme pressão repentina e estilhaços de pedra, vidro, madeira e telhas voarem sobre ele. Pensando que uma bomba jogada por um B-29 havia caído sobre a casa, levantou-se e viu a casa completamente arrasada. Num outro canto da cidade, a sra. Nakamura observava um vizinho, quando um clarão iluminou todas as coisas. Segundo Hersey, “ela não se importou em saber o que estava acontecendo com o vizinho; o instinto materno a direcionou para sua prole. No entanto, mal deu um passo (encontrava-se a 1215 metros da explosão), alguma coisa a levantou e fez voar até o cômodo contíguo, em meio a partes de sua casa.” Passado o impacto da explosão, aqueles que conseguiram sobreviver não entendiam o que os havia acontecido e não acreditavam no que estavam vendo. HERSEY, John. Hiroshima. São Paulo, Companhia da Letras, 2002. 80 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 20 de maio de 1950, p. 4. 81 Idem, 8 de abril de 1950, p. 4. 80 anos após dos testes nucleares em Bikini, ainda existia, naquela região, uma pequena zona de perigo. Dessa maneira, baseados em documentos sobre a bomba atômica e suas conseqüências, em depoimentos dos sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki e, até mesmo, nas pesquisas soviéticas sobre armas nucleares, os comunistas informavam, de maneira simples e didática, através dos “comícios-relâmpago”, dos murais em praças públicas, dos comandos de casa em casa, dos panfletos e, principalmente, através de sua imprensa, os efeitos catastróficos das armas atômicas. Merece destacar que os jornais da grande imprensa não explicavam o que era a bomba atômica e seus efeitos. Os comunistas, nesse sentido, faziam um importante esclarecimento à população de uma arma que, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, mudaria o rumo das relações internacionais e poria o mundo em constante alerta. Os comunistas brasileiros acreditavam no sucesso da campanha. Afirmavam que conseguiriam interditar a ação das armas atômicas, assim como foi proibida, no final da Primeira Grande Guerra, a utilização de gazes venenosos em ações militares. Os partidários da paz aproveitaram-se dessa informação e divulgavam-na em seus panfletos, comícios, manifestos etc. A proibição da utilização de gazes venenosos em ações de guerra, após 1918, fomentava esperanças entre os militantes, mostrando que o êxito da campanha era totalmente possível e praticável. No entanto, destacavam a importância das “ações de massas” como elemento primordial para a vitória da campanha pela interdição das armas atômicas. Para evitar uma guerra, – relatavam – o simples desejo da paz não era suficiente. Tampouco, ações governamentais e diplomáticas, pura e simples, garantiriam a manutenção da paz. A solução, então, seria “tomar ações concretas e decisivas que demonstrem o ódio dos trabalhadores e das massas populares à guerra imperialista.”82 Como “ações concretas”, realizadas principalmente pelos trabalhadores, os jornais e panfletos comunistas destacavam:

“não embarcar matérias-primas para a guerra para a fabricação de material de guerra. Recusarmos, nós, no Brasil a entregar nossas areias monazíticas –

______82 Idem.

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matéria prima para armas atômicas – aos trustes americanos. Recusarmos explorar e embarcar nosso manganês para a United States Steel que produz para a guerra. Recusar entregar nosso petróleo a Standard Oil, monopólio de senhores de guerra, que esteve ligado a Hitler durante a Segunda Guerra Mundial.”83

A ação dos trabalhadores e das massas populares não era apenas importante, mas também imprescindível. Os periódicos, em diversos artigos, revelavam que “as ações de massas é que decidirão da manutenção e consolidação da paz, afastando assim o perigo de morte de milhões de criaturas pelas armas atômicas e bacteriológicas.”84 O sucesso da campanha pela interdição das armas atômicas dependia de sua transformação em uma “campanha de massas”. Deveria “unir todas as pessoas” em prol de um objetivo comum: proibir a utilização das bombas atômicas por qualquer país, dando o mais importante passo para a consolidação da paz. Na imprensa comunista, a União Soviética era apresentada como a “campeã da paz mundial”, pois fora “o primeiro país a propor a proibição das armas atômicas”. De acordo com a imprensa, desde a primeira reunião da comissão atômica da ONU, realizada a 19 de junho de 1946, o representante da URSS, Andrei Gromiko, propôs uma resolução a ser adotada por todos os países. Nos sete artigos da proposta soviética, verifica-se, em resumo, a decisão de proibir a produção e o emprego das armas que utilizam a energia atômica. Com esse fim, deixava claro as medidas a serem tomadas:

“1- não empregar em nenhum caso as armas atômicas; 2- proibir a produção e a acumulação das armas que utilizam a energia atômica; 3- destruir, no espaço de 3 meses a contar do dia da entrada em vigor da convenção proposta, todos os estoques de armas atômicas concluídas e em dias de conclusão.”85

______83 Idem. 84 Idem. 85 Idem, 15 de abril de 1950, p. 6.

82

Com o projeto de acordo internacional sobre a energia atômica, a União Soviética, retratava a imprensa comunista,

“traduzia os anseios de todos os povos que amam a paz e que desejam ver afastado para sempre o perigo de uma guerra que destruiria não somente as vidas dos combatentes das frentes de batalhas, mas populações inteiras, sobretudo nas grandes cidades.”86

Nesse mesmo ano, a 24 de setembro, Stálin concederia uma entrevista ao correspondente do jornal inglês “Sunday Times”, em Moscou, falando sobre a bomba atômica e seus efeitos. Dizia Stálin:

“não considero a bomba atômica como uma força tão séria como fazem crer certos políticos. As bombas atômicas se destinam a amedrontar aqueles que têm nervos fracos, mas elas não podem decidir a sorte das guerras, porque para decidi-las as bombas atômicas são insuficientes. Certamente, os monopólios que possuem o segredo da bomba atômica, constituem uma ameaça, mas existem dois remédios contra esta ameaça: a) - o monopólio da posse da bomba não pode continuar por muito tempo; b) - o emprego da bomba atômica será proibido.”87

Para o movimento comunista, Stálin foi o “campeão da paz” (figuras 16 e 17). Aquele que lutou, como nenhum outro estadista, pela paz mundial, pela justiça internacional e pela concórdia entre as nações. Graças a ele, garantia a imprensa comunista em diversos artigos, milhões de seres humanos seriam poupados dos horrores de uma guerra nuclear.88 Na imprensa comunista, inúmeros artigos apresentavam Stálin como o verdadeiro defensor da paz, como o único que lutava incansavelmente, desde o final da Segunda Guerra Mundial, e até mesmo, antes, para tornar possível o sonho de milhares de pessoas em todo o mundo: a paz sólida e duradoura entre as nações. Um artigo da revista Problemas resumiu bem essa idéia. O artigo, assinado por Luiz Carlos Prestes, intitulava-se: “STALIN – O PORTA ESTANDARTE DA PAZ”.89

______86 Idem. 87 Idem, 29 de abril de 1950, p. 8. 88 FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito. Cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil. Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUAD, 2002. 89 Revista Problemas, no 37, p. 03.

83

Nele, era descrito toda a trajetória de um homem que desejava e amava a paz. Segundo Prestes, “é evidente para todos que ninguém como ele, o dirigente do mais poderoso país do mundo, da gloriosa União Soviética, que derrotou o nazismo à custa do sacrifício incomensurável de 16 milhões de vidas do seu povo laborioso e bom, da destruição de suas cidades e fábricas, de sua agricultura avançada, ninguém como Stálin tem feito tanto pela paz e pelo entendimento sincero e honesto entre os homens do mundo inteiro.” 90

Para Stálin, a vida de centenas de milhões de seres humanos não podiam depender da “insensatez de um pequeno grupo de canibais que pregam diariamente a necessidade e a fatalidade de novas guerras e da liquidação em massa de populações inteiras por meio de novas armas ultra-modernas.”91 Com isso, relata Prestes, desde que assumiu o governo da União Soviética, após a morte de Lênin, em 1924, Stálin se propôs a lutar incansavelmente pela edificação da paz. Procurava, ainda, dar o primeiro passo nas negociações de paz, declarando que era perfeitamente possível a coexistência pacífica entre os sistemas socialista e capitalista. Antes da eclosão da Guerra Fria, no XV Congresso do Partido Bolchevique, em dezembro de 1927, Stálin já dizia: “nossas relações com os países capitalistas são baseadas na possibilidade da coexistência dos dois sistemas opostos.”92 Assim, desde quando passou a governar a URSS, sua luta concentrava-se em “denunciar e desmascarar os provocadores de guerra” e lutar para impedir a deflagração de um novo conflito mundial, preservando, assim, a paz para a humanidade. Um outro artigo extremamente interessante, no que concerne à apresentação de Stálin como o verdadeiro baluarte da paz e à criação de todo um imaginário acerca do referido pacifismo, tratava-se de um poema, que o periódico comunista Voz Operaria afirmava ser de um militante, embora não revelasse o nome do autor. Segundo o jornal, o poema traduzia o apoio do povo brasileiro ao “pioneiro” na luta pela paz. Em suas páginas, Voz Operaria declamou:

______90 Idem. 91 Idem. 92 Idem.

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“HINO A STÁLIN

Estribilho

STÁLIN, STÁLIN

Grande mestre E guia genial O teu nome ficou gravado, Nas páginas Da História Universal.

Pioneiro na luta pela paz, Braço forte, punho firme e tenaz, Tua vida voltaste com lealdade, Pelo amor, pelo bem da humanidade.

Tua glória, teu valor, homem de aço, Estão na terra, estão no mar e no espaço, Nas cidades, aldeias e sertões, Estão gravados em nossos corações.

Teu roteiro havemos de seguir, Teu exemplo havemos de imitar, Não há nada que nos possa impedir, De lutar e a vitória conquistar.

Tua bandeira há de sempre tremular Empunhada pelo povo a lutar, Nesta luta decidida e audaz Pelo bem, pelo amor e pela paz.

Uberlândia, maio de 1953.”93

Dessa forma, é possível compreender que, para os comunistas brasileiros, o governo soviético, sob Stálin, realizava uma nomeada política de paz, “de luta incessante pelo entendimento entre todos os povos, pelo desarmamento progressivo e pela abolição total e imediata das armas atômicas”. 94

______93 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 01 de maio de 1954, p. 03 (suplemento). 94 Revista Problemas, no 37, p. 02.

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Entretanto, uma questão importante e, de certa maneira, paradoxal é revelada na análise dos periódicos. As armas atômicas eram maléficas, destruidoras em massa de “populações pacíficas”, destruidora “indistintamente de vidas humanas” e uma “arma de terror”, apenas por um aspecto. Na União Soviética, por outro, a arma atômica era “fator de paz e segurança”. Como afirma Raoul Girardet, ao analisar os mitos políticos contemporâneos, o postulado inicial é bastante simples: “o único meio de combater o Mal é voltar contra ele as próprias armas de que se serve”.95 Era por esse argumento que os soviéticos explicavam a sua posse da bomba atômica. Preocupavam-se a todo o instante em não caírem em contradição, pois lideravam uma campanha que o objetivo era justamente o fim das armas nucleares. A contradição era evidente, porém, plenamente justificável. Se os Estados Unidos representavam os “provocadores de guerra”, os “traficantes de carne humana”, os iniciadores do fim da humanidade, tornava-se preciso alguém que, representando o lado do Bem, pudesse combatê-lo. Contudo, explicavam os comunistas, isso só seria possível utilizando-se das mesmas armas. Nas análises dos documentos e periódicos, como já foi possível demonstrar anteriormente, os comunistas viam os países capitalistas ocidentais, em particular os Estados Unidos, como aqueles que só estavam interessados em estabelecer o caos no mundo, a desordem, a violência e a dominação. Os comunistas viam-nos como a nítida representação do Mal. O papel dos revolucionários, nesse momento, era desmascarar o inimigo que, sorrateiramente, articulava-se e tramava pôr em prática seus objetivos, ou seja, desencadear uma nova guerra mundial e iniciar a destruição da vida humana. Os Estados Unidos e seus “comparsas”, afirmava a imprensa comunista, falseavam a verdade sobre seus planos militares de dominação do mundo e escondiam-se por trás de um política de ajuda econômica e militar contra uma União Soviética atéia, provocadora da desordem e do caos revolucionário. Além disso, escondiam-se por trás de seus pronunciamentos inverídicos e sua imprensa manipuladora. Na intenção de fazer valer os seus interesses no plano internacional, os EUA falseavam as notícias sobre o país dos sovietes e as democracias populares. De acordo com os dados divulgados pela imprensa

______95 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 59. 86 comunista, os “Traficantes de Guerra” queriam apenas multiplicar seus lucros, não se interessando, sequer, com as “populações pacíficas”. Em um artigo publicado por Voz Operaria podia ser lido:

“NÃO É POR ACASO que o governo dos Estados Unidos tem rejeitado todas as propostas da União Soviética para a consolidação da paz mundial. É que os imperialistas lucram com os preparativos de guerra e esperam lucrar ainda mais com o desencadeamento da guerra.”96

Nesse sentido, a responsabilidade dos comunistas era grande. Deviam lutar pela paz, passando, em primeiro lugar, pela proibição da utilização da bomba atômica. Entretanto, a tarefa não seria fácil. Antes de os combatentes da paz cumprirem seu objetivo, como a coleta de assinaturas para o “Apelo de Estocolmo”, precisariam, concomitantemente a isso, desmascarar o inimigo. Para Girardet, não há nenhuma das construções míticas que “não possa ser interpretada como uma resposta a uma ameaça, ou pelo menos como uma reação quase instintiva ao sentimento de uma ameaça – e pouco importa, no caso, a exata medida da realidade dessa ameaça...”97 Isso podia ser percebido em toda a imprensa comunista. A todo momento, os comunistas afirmavam estarem sendo vítimas de ameaças e “chantagens atômicas” por parte dos países “imperialistas a serviço dos Estados Unidos”, dos “lacaios de Truman” etc. Os dirigentes comunistas revelavam que era preciso, e de extrema importância, denunciar os países que apoiavam a política norte-americana. Utilizando as análises de Girardet, o Mal que se sofre, e também aquele que se teme, encontra-se bastante camuflado, escondido e encarnado. É necessário, antes de tudo, dar-lhe forma, um rosto, um nome. De acordo com o autor, “expulso do mistério, exposto em plena luz e ao olhar de todos, pode ser enfim denunciado, afrontado e desafiado”.98 Dessa maneira, os comunistas denunciavam a política externa dos Estados Unidos e utilizavam, também, suas campanhas para combatê-lo.

______96 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 17 de junho de 1950, p. 04. 97 GIRARDET, Raoul. Op. cit., p. 54. 98 Idem.

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Para os comunistas, a propriedade da bomba atômica pela URSS poderia conter o avanço das “chantagens imperialistas”, lideradas pelos EUA, no restante do mundo. Segundo os propagandeadores da Campanha, a energia atômica, que poderia ser uma força propulsora de progresso e bem-estar, é transformada pelos “monopolistas de Wall Street” num instrumento de agressão e de extermínio de populações. A arma que deveria dar “às 60 famílias norte-americanas o domínio do mundo”, esbarrava na confirmação da arma atômica soviética. Molotov, então ministro do Exterior da URSS, em 1947, garantia “com muita naturalidade, sem qualquer estardalhaço que o segredo da energia atômica não existia mais, deixava de ser monopólio dos Estados Unidos.”99 Nos jornais comunistas, a diferença entre as atitudes dos dois países, em relação à bomba atômica, podia ser percebidas até mesmo para um leitor menos atento. Voz Operaria, de 1o de outubro de 1949, relatava que “enquanto nos países do socialismo vitorioso, de posse da arma atômica, encabeça a luta mundial dos povos pela paz, os Estados Unidos imperialistas preparam a mais criminosa das guerras...”100 No país do socialismo, “a energia atômica transforma os desertos em terras férteis”, declarava, em letras garrafais, o jornal. Enquanto os cientistas norte-americanos aproveitavam a energia atômica para fins de guerra e de destruição de vidas humanas, a ciência soviética envidava todos os esforços para fazer do átomo um instrumento de progresso humano. O mesmo artigo mostrava a força da energia atômica sendo utilizada para o progresso do país e para o bem da humanidade. A energia atômica, em mãos do Estado Socialista Soviético, transformaria a vida das pessoas, mudaria o curso dos rios, tornaria as terras secas em solos férteis. Além disso, destacava o jornal:

“As águas da Sibéria não correrão mais através da Targa, das Tundras geladas para se perder sem proveito. As regiões secas dos Uzbequistan e Kasakstán, a Ásia Central, tomada pelo sol inclemente, se tornarão terras férteis de algodão, borracha, vinhedos, vergeis floridos, de amoreira. Essas terras recuperadas de sua esterilidade multiplicarão por sete as superfícies atualmente irrigadas da União Soviétca.”101

______99 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 1o de outubro de 1949, p. 3. 100 Idem. 101 Idem. 88

Dessa maneira, a posse da energia atômica pelos soviéticos representaria o Bem, enquanto os Estado Unidos, com seu arsenal atômico, encarnavam as verdadeiras forças do Mal. Pela mesma operação, assim como faziam os comunistas em relação ao “Apelo de Estocolmo” e todo o arsenal imaginativo que dali resultava, essas representações globalizantes e unificadoras definiam o movimento como defensivo, como uma resposta armada contra a chegada de um invasor armado. Enfim, contra um agressor. Dessa forma, os Estados Unidos eram assimilados simbolicamente às forças ímpias e diabólicas que atacam a vida de cada um e de todos, sendo antecipadamente apontados como os verdadeiros representantes de todos os males do mundo. Os imaginários sociais, desse modo, intervinham continuamente ao logo da “Campanha”. Segundo Baczko, as funções dos imaginários sociais são múltiplas: “designar o inimigo no plano simbólico; mobilizar as energias e representar as solidariedades; cristalizar e ampliar os temores e esperanças difusos”.102 Com isso, os comunistas, por sua vez, procuravam deixar bem claro quem era o “verdadeiro” inimigo, produzindo toda uma simbologia a seu respeito. Mobilizavam sua militância nas tarefas pela coleta de assinaturas, manifestando a solidariedade das pessoas que encontravam em seu percurso e através dos leitores de sua imprensa. Além disso, solidificavam e ampliavam seus temores em relação a um novo conflito mundial, com a utilização de armas nucleares, e manifestavam suas esperanças, acreditando, como certezas, na interdição do uso de armas atômicas como material bélico para guerras e na manutenção da paz mundial.

______102 BACZKO, Bronislaw (a). Op. cit., p. 316. 89

Capítulo 3 – OS INIMIGOS DA PAZ

“Os comunistas inventaram o movimento ou apropriaram-se da idéia de alguém. Isso não tem importância, o que tem importância é que eles se infiltraram nas suas fileiras, de tal modo que acabaram dominando-o completamente”. (Arquivo Nacional. MJ/Segurança Nacional – Série Justiça/Gabinete do Ministro. Panfletos Ij1 1367, no 02, ano de 1949.)

URSS: o mundo da paz

No plano interno, uma grande preocupação agitava os comunistas: a possibilidade de pôr o “Movimento pela Paz” e, conseqüentemente, a “Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas” na ilegalidade. Assim, durante as discussões políticas acerca da legalidade ou não do movimento, os comunistas articulavam-se e lutavam para que todo o esforço em favor da paz não fosse jogado na ilegalidade. Pediam, com bastante freqüência, que as pessoas apoiassem o “Apelo de Estocolmo”, aderindo à campanha. Em 8 de outubro de 1949, na primeira página de Voz Operaria, podia ser vista a manchete: “O Povo Não Permitirá Ser Jogado na Ilegalidade o Movimento pela Paz”. Em seu texto, a classe operária era a verdadeira defensora da paz, mesmo com toda repressão ao movimento feita pelo Estado. Revelando a ação violenta do governo em relação aos congressos, comitês, comícios e até mesmo manifestações populares pela defesa da paz e pela coleta de assinaturas, afirmava o jornal:

“Nessas demonstrações da classe operária e das massas populares de amar a paz não deixou de correr o sangue do povo. Os assassinos da polícia de Ademar mataram, na cidade de Santos, o líder operário Deoclécio Augusto Sant’Ana ao mesmo tempo que feria, prendia e espancava numerosas pessoas. Também no Rio, na Praça Barão de Drumond, os beleguins feriram e agrediram diversos partidários da paz.(...) Assim, neste 2 de outubro os partidários da paz demonstraram sua decisão de não permitir, de nenhuma forma, que os lacaios de Truman joguem na ilegalidade a campanha de defesa da paz.”1

______1 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1949, p. 01.

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Nesse caso, deve-se destacar uma questão bastante relevante: em inúmeros artigos, a partir de 1947, a classe operária, que era a verdadeira vanguarda na luta revolucionária, também era a campeã na luta pela paz. Mas, a partir daquele ano, com o advento da Guerra Fria, a imagem da União Soviética juntava-se ao lado do proletariado: ambos como verdadeiros defensores da paz. De maneira similar como os homens das antigas sociedades viviam seus mitos, os comunistas tinham, na URSS, um modelo exemplar, um paradigma de comportamento. É preciso deixar claro que, como o mito, a crença no caráter pacifista da URSS não surgia como uma abstração ou como algo exterior, mas, sim, vivido plenamente por eles.2 Desse modo, os comunistas entendiam os relatos do pacifismo soviético como a narrativa de algo que começou a ser, daquilo que teve um início e que se manifestou plenamente na história. Em 15 de abril de 1950, o jornal Voz Operaria publicava um artigo de página inteira intitulado: “A U.R.S.S. – CAMPEÃ DA PAZ MUNDIAL”3, revelando que o “país dos sovietes” havia sido o primeiro a propor a proibição das armas atômicas. Segundo o artigo,

“DESDE O DIA em que os imperialistas norte-americanos criminosamente, utilizaram a bomba atômica contra a população civil de duas grandes cidades no Japão, quando o Exército soviético levava a derrota esmagadora e irremediável o grosso das forças japonesas na China e na Mandchuria, a consciência dos povos passou a exigir a proibição das armas atômicas”.4

Até mesmo antes de 1950, mas, sobretudo, a partir do “Apelo de Estocolmo”, vários artigos sobre o pacifismo soviético eram publicados na imprensa comunista. A partir desse ano, os jornais comunistas, de uma maneira geral, passaram a publicar uma série de artigos mostrando o que tinha “sido a luta dirigida pela URSS visando à proibição das criminosas armas atômicas como armas de guerra e a utilização da energia atômica para fins pacíficos”.5 Demonstrava a publicação que o governo soviético, desde o fim da

______2 FERREIRA, Jorge. Op. cit., p. 19. 3 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 15 de abril de 1950, p. 06. 4 Idem. 5 Idem. 91

Segunda Grande Guerra, lutava incansavelmente no sentido de fazer valer a proibição das armas atômicas em quaisquer tipos de conflito e continuaria a fazer os mais ingentes esforços para a consolidação da paz entre as nações. De acordo com a imprensa comunista,

“desde da primeira reunião da Comissão Atômica da ONU, a 19 de junho de 1946, o representante da URSS, Andrei Gromiko, propôs uma resolução a ser adotada por todos os países: ‘PROJETO DE CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA PROIBIR A PRODUÇÃO E A UTILIZAÇÃO DAS ARMAS ATÔMICAS BASEADAS SOBRE O USO DO ENGENHO ATOMICO’”.6

Assim, declarava o artigo, “toda a atividade da URSS, no após-guerra, em favor da consolidação paz mundial, tem [destino] à proibição da arma atômica ou como requisito prévio da mais alta importância para afastar o perigo de guerra.”7 Para a reunião da ONU, a URSS levou uma proposta, contendo sete artigos, que afirmava, em resumo, que os países membros da Organizações da Nações Unidas deveriam proibir a produção e o emprego das armas que utilizassem a energia atômica. Com esse fim, fazia-se necessário que fossem tomadas três medidas:

“1- não empregar em nenhum caso as armas atômicas; 2- proibir a produção e a acumulação das armas que utilizam a energia atômica; 3- destruir, no espaço de 3 meses a contar do dia da entrada em vigor da convenção proposta, todos os estoques de armas atômicas concluídas e em dias de conclusão.”8

Com isso, os dirigentes soviéticos, afirmava a imprensa comunista, eram os grandes responsáveis pela condução de um programa de paz internacional. Os verdadeiros baluartes da paz mundial. Com o projeto de acordo internacional sobre a energia atômica, concluía o artigo, “a URSS traduzia os anseios de todos os povos que amam a paz e que desejam ver afastado para sempre o perigo de uma guerra que destruiria não somente as vidas dos combatentes das frentes de batalhas, mas populações inteiras, sobretudo nas grandes cidades”.9 (figuras 18 e 19) ______6 Idem. 7 Idem. 8 Idem. 9 Idem.

92

Um outro artigo sobre o pacifismo soviético podia ser lido no jornal Voz Operaria. No artigo, a URSS, “campeã da paz”, lutava pelo controle internacional da energia atômica. Mais uma vez, a União Soviética encaminhava-se à ONU para apresentar outra proposta de paz e pela proibição das armas atômicas. Representada por Andrei Gromiko, desde 11 de junho de 1947, a URSS lutava para ser criada uma Comissão Internacional de Controle da Energia Atômica. De acordo com Gromiko,

“Para assegurar que a energia atômica não será utilizada senão para fins pacíficos, como prevê a convenção internacional sobre a interdição das atômicas e de outras armas principais de destruição maciça; ... será instituído um controle internacional rigoroso de todas as empresas que se ocupam da extração de matérias-primas atômicas, ao mesmo tempo que as empresas que produzem materiais atômicos ou energia atômica.”10

Entretanto, o artigo denunciava que, por maior que fosse o esforço da URSS pela proibição das armas atômicas e pela manutenção da paz, os Estados Unidos só estavam preocupados, através de sua “propaganda de guerra”, em levar o mundo a uma nova hecatombe mundial, para que pudessem obter mais lucros para suas empresas imperialistas. O governo soviético denunciava as ações do governo norte-americano no atol de Bikini. Para os dirigentes comunistas, as “experiências” atômicas, naquele atol, demonstrariam, uma vez mais, que a bomba atômica era apenas uma “arma de terror”, um criminoso instrumento de destruição em massa, “uma ameaça às populações pacíficas”. Segundo o relato do referido periódico, o que os Estados Unidos pretendiam, naquele momento, não era nada menos que “o velho método hitlerista de intimidar pela força das armas. Era uma tentativa inútil de forçar a URSS a aceitar as imposições do imperialismo americano. Era a não menos inútil a tentativa de barrar a luta mundial dos povos pela sua libertação das garras do imperialismo.”11 No que concerne à criação, no imaginário comunista, do mito do pacifismo soviético, com letras garrafais, num artigo de página inteira, a imprensa comunista

______10 Idem, 29 de abril de 1950, p. 08. 11 Idem.

93 anunciava: “14 vezes a URSS Propôs na ONU A Proibição da Bombas Atômicas e o Controle da Energia Atômica”.12 O artigo retratava toda a trajetória da luta da URSS pela interdição das armas atômicas e pela preservação de uma paz sólida e duradoura entre as nações. De acordo com o jornal, o primeiro passo teria sido dado por Andrei Gromiko, em 19 de junho de 1946. Naquele momento, o representante soviético propôs “a assinatura de um convênio internacional, colocando fora da lei a bomba atômica; o controle da produção e a destruição dos estoques de bombas existentes dentro de 90 dias seguintes á ratificação do convênio.”13 O segundo passo teria sido em 29 de outubro de 1946, onde Molotov, na segunda sessão da ONU, em Nova York, propôs “a redução dos armamentos de todos os países; interdição do emprego da fabricação de armas atômicas, o controle para a energia atômica, para assegurar sua utilização para fins pacificos”.14 Em 14 de dezembro de 1946, segundo a imprensa comunista, houve uma “histórica intervenção de Molotov”, na assembléia da ONU, que votou uma resolução de capital importância, por proposta do ministro do Exército soviético, na qual ficava estabelecido que a energia atômica deveria ser controlada internacionalmente, sob a direção do Conselho de Segurança da ONU. Em 19 de fevereiro de 1947, Andrei Gromiko fez emendas ao relatório da Comissão Atômica da ONU, proposto pelos Estados Unidos. Já em 19 de junho do mesmo ano, Gromiko apresentou à ONU o projeto soviético para a criação de uma Comissão Internacional de Controle da Energia Atômica. Em agosto, também do mesmo ano, afirmou o artigo, a maioria norte-americana da ONU recusou o projeto soviético e declarou, no segundo relatório da comissão atômica, “que não abandonaria os princípios americanos do ‘Plano Baruch’, baseado no ‘monopólio atômico’ dos Estados Unidos.”15 Gromiko, desse modo, reafirmou a posição soviética, colocando “fora da lei” a produção e o emprego da arma atômica, visando, ainda, que houvesse um controle internacional sobre aquele tipo energia. Passando para o ano de 1948, em 29 de março, o representante soviético, revelou o periódico comunista, denunciou “como de inspiração americana uma declaração comum da

______12 Idem, 03 de junho de 1950, p. 06. 13 Idem. 14 Idem. 15 Idem. O Plano Baruch será analisado mais adiante. 94

Grã Bretanha, França, Canadá e China de Chiang Kai Shek pela qual estes países rejeitavam a proposta soviética e apoiavam o chamado ‘Plano Baruch’ ianque”.16 Em 5 de abril do mesmo ano, Gromiko reafirma que a URSS estará sempre pronta, depois da conclusão de um acordo sobre a proibição das armas atômicas, a “elaborar outras convenções relativas á distribuição dos contingentes de produção de energia atômica; a organizar a inspeção e a regulamentação das pesquisas sobre a energia atômica.”17 Em 17 de maio daquele ano, mais uma vez, os Estados Unidos recusaram-se a prosseguir as negociações com a União Soviética sobre as questões referentes ao não uso das bombas atômicas em guerras e aos assuntos de manutenção da paz mundial. Os acordos sobre a energia atômica e a utilização de armas desse tipo baseavam-se nos mesmos pontos, como foi possível observar. Todavia, a partir de 1o de outubro de 1948, o governo soviético, através do seu representante, Vichinski, cria uma nova proposta: “a redução de um terço de todas as forças armadas, terrestres, navais e aéreas das 5 grandes potências (URSS, Estados Unidos, Inglaterra, França e China.)”.18 Em oito de outubro do mesmo ano, a União Soviética renova a proposta de Vichinski, na reunião da ONU, realizada no palácio Chaillot, em Paris. Além disso, o ano de 1949 também é marcado por manifestações e propostas pacifistas por parte da URSS. O governo soviético, em 25 de fevereiro, renova, numa assembléia da ONU, a proposição de Vichinski. Já em 20 de julho, declara o jornal, “tendo o representante dos Estados Unidos, Osborn, pedido para que fossem suspensos os trabalhos da Comissão Atômica da ONU, o representante soviético Manuilski renova as propostas soviéticas, sobre as quais não há nem um voto dos representantes dos países capitalistas”.19 Por fim, completando o histórico das quatorze proposições de paz feitas pela União Soviética, em 23 de setembro de 1949, Vichinski propôs:

“A proibição incondicional da utilização de armas atômicas e o estabelecimento de um controle internacional adequado e rigoroso; A conclusão de um pacto de paz entre as 5 grandes potências.”20

______16 Idem. 17 Idem. 18 Idem. 19 Idem. 20 Idem.

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Pode-se se perceber, que os dirigentes soviéticos procuravam apresentar a URSS como a verdadeira defensora da paz. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, preocupava-se com a segurança do mundo, principalmente em defender as populações pacíficas, como era dito, insistentemente, em sua imprensa. As nações do mundo inteiro não estariam seguras, se não houvesse uma proposta cabal e definitiva sobre o controle da energia atômica. Os Estados Unidos, por sua vez, conforme apresentava a imprensa comunista, possuidores de bombas atômicas, não estavam dispostos a parar ou até mesmo reduzir sua produção. Sobre cada proposta de paz soviética, concluía um dos artigos, “cada vez as potências imperialistas responderam: Não!”21 Dessa forma, os dirigentes comunistas procuravam mostrar toda a trajetória pacifista da União Soviética, sobretudo desde o final da Segunda Grande Guerra. Criando um momento fundador – no caso específico a primeira proposta de Gromiko, em 19 de junho de 1946 – o governo soviético procurava passar ao mundo e aos seus militantes, que estavam lutando em favor do bem da humanidade, por uma causa grandemente nobre, interditando a ação das bombas atômicas, sua fabricação e o controle de sua energia, salvaguardando, assim, a consolidação da paz entre todas as nações. Por sua vez, os Estados Unidos procuravam, sistematicamente, combater a proliferação dos ideais comunistas pelo mundo e, sobretudo, em sua própria sociedade. Para isso, era preciso lançar mão de mitos e imagens que desarticulassem a corrente e condicionassem a população a uma visão maniqueísta. Desse modo, como relata Vizentini, “a ‘ameaça soviética’ e a ‘defesa do mundo livre’ constituíram esses mitos mobilizadores e legitimadores da nascente Guerra Fria.”22 No entanto, na outra margem dos acontecimentos, estava a União Soviética, utilizando-se do seu “mito pacifista” e aproveitando-se dele para veicular, no imaginário coletivo, um conjunto de idéias, crenças e imagens de uma nação amante da paz e protetora dos povos. Os comunistas procuravam explicar a vida social privilegiando os discursos e os pensamentos organizados, todos logicamente construídos e baseados num saber que se apresentava como científico – o marxismo. Entretanto, uma outra dimensão, no conjunto de crenças que partilhavam, menos ordenada e racionalizada, como as imagens, os símbolos e os mitos, também contribuiu, significativamente, para o desejo e o entusiasmo ______21 Idem. 22 VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Op. cit., p. 202. 96 de transformar o mundo, seja pela via revolucionária, ou pela via pacifista. A vida social, é sabido, não produz apenas bens de caráter material, mas igualmente bens simbólicos, imateriais, que, segundo Ferreira, “traduzidos por meio da linguagem, oferecem informações aos indivíduos sobre a realidade social em que vivem e os incita a ações e comportamentos, seja para agir de maneira adequada, seja para alterar e modificar suas relações sociais. Bens imateriais, certamente, mas não menos reais”.23 Assim, os comunistas, apesar de defenderem idéias secularizadas, racionalizadas e recorrerem aos argumentos fornecidos pela ciência, não deixaram de alimentar seus pensamentos com mitos, crenças e simbologias próprios de sociedades antigas e tradicionais. Entre os comunistas, os “slogans” que clamavam por liberdade, abolição das classes, igualdade, solidariedade humana, independência nacional e, sobretudo a partir de 1947, paz, entre outros, resgataram antigos mitos e se traduziam em imagens, nostalgia, desejos e entusiasmos que mobilizaram milhões de pessoas em diversos países. Tais slogans, afirma Ferreira, “atuaram como mitos revolucionários, é verdade, mas, de qualquer maneira, mitos, ainda que disfarçados por uma linguagem secularizada e científica.”24 Dessa maneira, os comunistas, utilizando-se de mitos, crenças e simbologias resgatadas de sociedades tradicionais, procuravam compreender a realidade em que viviam e dar sentido às suas ações. No caso específico da Guerra Fria e da adoção da linha pacifista, compreendiam o mundo a partir da disputa entre o Bem e o Mal, no qual estavam incumbidos da nobre tarefa de resguardar o Bem, mobilizando seus militantes e todos que pudessem lutar ao seu lado por uma paz sólida e duradoura entre as nações.

A “farsa pacifista”

A imprensa não comunista retratava a campanha pacifista da União Soviética

______23 FERREIRA, Jorge. Op. cit., p. 08. 24 Idem.

97 como uma enorme falsidade. Segundo relatos da imprensa, a URSS era a verdadeira responsável pelas diversas tentativas infrutíferas de acordos internacionais de redução de armamentos, de controle da energia atômica e propostas de paz. De acordo com a manchete publicada em O Jornal, a União Soviética era contrária à redução de armamentos. O periódico afirmava que a URSS havia indicado perante a comissão de armamentos convencionais das Nações Unidas que não tomaria parte em nenhum programa de redução de armamentos, a menos que a decisão final, relativamente a tais disposições, dependesse do Conselho de Segurança da ONU, onde as grandes potências poderiam exercer o direito de veto. Ainda de acordo com o periódico, “o delegado soviético, Sr. Andrei Gromiko, repeliu, parágrafo por parágrafo, a proposta britânica para limitação de armamentos.”25 Na proposta, as Nações Unidas teriam a missão de investigar e castigar todas as violações do tratado sobre armas atômicas. Além disso, estipulava que seria criado um sistema adequado de medidas de proteção contra a produção ilegal de armas. Contudo, afirmava O Jornal, Gromiko “criticou essa proposta como ‘uma sugestão sem conteúdo’, e declarou que a União Soviética se oporia à mesma, a menos que nela fosse incluída a disposição de que cada acusação de violação fosse estudada pelo próprio Conselho de Segurança.”26 Num outro artigo, em sua primeira página, O Jornal lançava a seguinte manchete: “Ilusório o plano russo de controle da energia atômica”.27 Destacava o periódico que a Comissão de Energia Atômica da ONU havia decidido, por votação de nove votos contra dois, recusar as propostas soviéticas para a regulamentação internacional da energia atômica, por considerá-las inadequadas. Andrei Gromiko tentou ainda adiar a votação, mas foi em vão. Pronunciou um discurso em tom conciliador, que, segundo o jornal, “o mais conciliador feito até agora pelos russos nas Nações Unidas.”28 No artigo, o representante da delegação soviética afirmou: “ ‘não é nossa’ a culpa de que tenham fracassado as negociações atômicas e acusou os Estados Unidos e as Nações que o apoiam de ‘ter decidido não tratar seriamente de chegar a acordo sobre a importante questão de regular a

______25 O Jornal. Rio de Janeiro, 03 de março de 1948, p. 04. 26 Idem. 27 Idem, 06 de abril de 1948, p. 01. 28 Idem.

98 energia atômica’.”29 No entanto, o periódico confirmava que o plano soviético de controle da energia atômica era “ilusório e impraticável”, pois não proporcionaria “meios adequados para a devida regulamentação da energia atômica e para surpreender e castigar prontamente aos violadores das disposições do [acordo].”30 Bastante interessante é um artigo de O Jornal, publicado em 4 de março de 1948. O artigo intitulado “A diplomacia soviética” encontrava-se assim assinado: “De um observador social”. Nele, o autor procurava desmascarar o pacifismo soviético, apresentando a política externa da URSS como uma verdadeira política de guerra. Para o autor do artigo, os “vermelhos” gabavam-se por possuir uma nova diplomacia, que buscava a conciliação dos povos em prol da paz mundial. Todavia, expressava ainda que a nova diplomacia, que eles diziam eficaz e direta, sem a hipocrisia da velha escola inglesa da era vitoriana,

“não foi entretanto fundada por eles, porque Hitler dela se utilizava para preparar a guerra mundial. Foi com essa diplomacia, fomentadora da quinta coluna, incentivadora nos países onde ela se instala, de revoluções e crises internas, que preparou a ocupação da Áustria com o assassinato do Doufuss, depois a ocupação da Polônia, enfim todas as investidas de guerra relâmpago.”31

Procurando comparar as atitudes do Estado soviético com as da Alemanha nazista de Hitler, o artigo, assim como, de uma maneira geral, os jornais da grande imprensa, tentavam comprometer, negativamente, a imagem da nova linha política da União Soviética – a linha pacifista. Insistiam em mostrar que – assim como Hitler, com seus pactos e acordos de não intervenção elaborados com alguns países antes da Segunda Grande Guerra foi apenas um fôlego para a posterior investida – a URSS utilizava-se de sua nova política e diplomacia ao mesmo tempo em que se preparava para tomar semelhante atitude. Dessa forma, declarava O Jornal:

______29 Idem. 30 Idem. 31 Idem, 04 de março de 1948, p. 04.

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“Não se trata portanto de uma diplomacia, mas de um sistema de intimidação; não é um aparelhamento de paz, mas um aparelhamento de guerra. Não é a prova do reconhecimento de direitos e deveres das nações livres mas uma arma de imposição e de conquista.”32

O governo brasileiro, inserido na política da Guerra Fria e apoiando as decisões da diplomacia norte-americana, põe-se a condenar as campanhas organizadas pelo PCB e a persegui-las. O combate ao comunismo, após a ilegalidade do Partido, em 1947, estava na ordem do dia. O “Movimento pela Paz” e a “Campanha pela Interdição das Bombas Atômicas”, dirigidos, veiculados e propagandeados pelo PCB foram duramente perseguidos e reprimidos. Importa ressaltar que o “Movimento pela Paz” e as campanhas que veiculavam, como a “Campanha Pela Proibição das Armas atômicas” não foram postos na ilegalidade. Como os comunistas eram os responsáveis pela sua divulgação e propaganda, assim como pela coleta de assinaturas, foram considerados, desse modo, “subversivos” e “perturbadores da ordem”, pelos dirigentes do governo brasileiro. Nesse caso, fazia-se necessário combatê-los. O jornal A Hora, num artigo publicado pelo próprio Departamento de Ordem Política e Social, revelava:

“O Departamento de Ordem Política e Social expediu o seguinte comunicado: ‘A lei n.o 1.207, de 25 de outubro de 1950, em seu artigo 1.o, exclui o direito de reunião, quando esta vise a prática de ato proibido. [...] Ora, a Constituição e seu autorizado intérprete, como é o Superior Tribunal Eleitoral, declara ilegal, inconstitucional, o funcionamento do Partido Comunista e, implicitamente, o de todas as organizações que lhe são filiadas’.” 33

Assim, de acordo com a interpretação que faziam da lei, os órgãos de repressão passaram a combater os comunistas e suas campanhas em favor da paz – aqui, nomeadamente, a “Campanha Pela Interdição das Armas Atômicas”. Já que o PCB era um partido ilegal, quando fosse comprovada a participação de seus membros em qualquer atividade política e social, lá estaria a lei, através de seus órgãos policiais, para fazer valer a Constituição e punir seus perturbadores.

______32 Idem. 33 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Dossiê – DPS – Polícia Política, Dossiê no 30060.

100

Com o título: “Mais de um bilião de dólares para a campanha anti- comunista”34, O Jornal apresentava, em sua primeira página, a disposição de o governo dos Estados Unidos, através de inúmeras organizações, em fornecer aos países latino- americanos tal quantia para conter o avanço do comunismo nessa parte do continente. Segundo o periódico, “os planos existentes permitirão que a América Latina obtenha cerca de 750 milhões do Banco de Exportação e Importação e outros 250 milhões do Banco Internacional de Reconstrução e Fomento”.35 Ainda existiriam, caso houvesse necessidade, reservas especiais que giravam em torno de 250 bilhões de dólares. O artigo mostrava também declarações a respeito de novos empréstimos. De acordo com o artigo, o general George Marshall “declarou que o governo de Washington estaria disposto a pedir ao Congresso que autorizasse um credito de mais de 500 biliões, para o mesmo fim.”36 Outro artigo demonstrava que havia a necessidade de uma ação conjunta dos países da América Latina contra o comunismo. Tornava-se de extrema importância tomar uma vigorosa atitude contra o desenvolvimento das atividades comunistas. De acordo com a imprensa, um delegado do Chile, enviado à Conferência Pan-Americana, realizada em Bogotá, na primeira quinzena de abril de 1948, estava trabalhando “em estreito contato com a delegação dos Estados Unidos na redação de uma proposta que criaria no Hemisfério Ocidental um poderoso bloco anticomunista para apoiar os norte-americanos na ‘guerra incruenta’ contra a União Soviética”.37 A proposta, na forma indicada pelo Chile, disporia que cada nação adotasse medidas internas “para reprimir as atividades subversivas mediante as quais indivíduos, cidadãos ou estrangeiros, pudessem procurar favorecer os interesses políticos extra-continentais”.38 Também se pedia que as nações americanas apresentassem uma frente unida contra o comunismo, com um amplo intercâmbio de informações sobre as medidas adotadas para reprimi-lo. Dessa maneira, os países que estavam sob a área de influência dos Estados Unidos e com ele mantinham

______34 Idem, 08 de abril de 1948, p. 01. 35 Idem. 36 Idem. 37 Idem, 03 de abril de 1948, p. 01. 38 Idem.

101 relações econômicas adotaram sua política de combate ao comunismo. O Brasil, já que desde o final da Segunda Grande Guerra encontrava-se ao lado dos EUA, fazia a sua parte: perseguia e combatia os comunistas como os fora-da-lei. Os órgãos encarregados do policiamento e da repressão às atividades dos militantes comunistas brasileiros conheciam bem os assuntos relativos ao “Movimento pela Paz” e à “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”. O PCB, já em estado de ilegalidade, continuava a ser perseguido também nas campanhas que articulava e propagandeava. Segundo os departamentos de repressão do governo brasileiro, os comunistas apresentavam uma extrema “maleabilidade tática”, e a política externa soviética não se cansava em mostrar, mais uma vez, “ao mundo democrático” os “malabarismos do Kominform”.39 De acordo com o documento Radiopress, de divulgação interna, datado de 20 de abril de 1949, o Kominform havia planejado e lançado, no momento posterior ao fim da Segunda Grande Guerra e o início da Guerra Fria, duas campanhas, que deveriam ser executadas pelos partidos comunistas do mundo inteiro. Segundo o documento, a primeira campanha baseava-se no seguinte ponto:

“1) As declarações dos chefes comunistas do mundo inteiro, no sentido de estarem dispostos a apoiar militarmente a União Soviética, mesmo numa guerra contra seu próprio país.”40

O objetivo da primeira campanha, então, seria a de – se fosse realmente necessário – total apoio às decisões soviéticas e a de mobilizar os comunistas de determinadas nações a lutarem a favor da URSS contra seus próprios países. Os organismos destinados à perseguição aos comunistas e suas atividades realizaram uma intensa pesquisa, onde demonstravam que o objetivo da referida campanha não era, de fato, irrealizável. No que revela o documento, a primeira declaração de fidelidade à União Soviética foi feita no Brasil, pelo então senador República, Luiz Carlos Prestes, em março de 1946, o qual havia relatado que, em caso de uma deflagração de guerra entre o Brasil e a União Soviética, os comunistas brasileiros apoiariam a URSS. ______39 Arquivo Nacional. MJ/Segurança Nacional – Série Justiça/Gabinete do Ministro. Panfletos Ij1 1367, no 45, ano de 1949. 40 Idem.

102

Isso, é claro, foi divulgado por toda a grande imprensa, contribuindo, em larga medida, para a intensificação da perseguição aos comunistas no Brasil. Partindo da primeira declaração de Luiz Carlos Prestes, os órgãos de repressão vão divulgar que, em outros países, a postura de aliança com a URSS, em caso de conflito mundial, era extremamente partilhada. O documento fazia um balanço das manifestações em apoio à URSS, demonstrando uma significativa escalada de apoio ao comunismo no cenário internacional. Assim, julgava interessante destacar as declarações dos representantes dos partidos comunistas em todo o mundo. Com isso, em 22 de fevereiro de 1949, o secretário do Partido Comunista Francês, Thorez, declarava:

“se o exército soviético fosse obrigado a perseguir o agressor até nosso solo, o povo francês se comportaria para com este exército da mesma forma que os povos da Polônia, da Romênia, da Iugoslávia. A França jamais faria guerra à União Soviética.”41

O apoio à União Soviética vinha, também, por parte de Togliatti. O secretário do Partido Comunista Italiano dizia, em 26 de fevereiro de 1949, que

“se o exército soviético entrar em nosso território perseguindo um agressor, creio que neste caso o povo italiano – que somente pode condenar qualquer agressão – teria evidentemente o dever de auxiliar da maneira mais eficiente o exército soviético, dando assim aos responsáveis pela agressão a lição que eles merecem.”42

Em 28 de fevereiro do mesmo ano, Pollit – secretário do Partido Comunista Inglês – declarou, em reunião da comissão executiva do partido: “os comunistas da Grã- Bretanha ficarão ao lado da União Soviética em caso de guerra”.43 De igual forma, o líder comunista da Dinamarca, Aksel Larsen, havia declarado: “em qualquer caso de luta contra um agressor, os comunistas da Dinamarca farão causa comum com os povos da União Soviética, com as democracias populares e com todos os outros partidos comunistas”.44 Da mesma maneira, países como Holanda, China, Suíça, além das declarações dos líderes dos países satélites da URSS, mantinham a postura de combater ______41 Idem. 42 Idem. 43 Idem. 44 Idem. 103

“ao lado da União Soviética, e de outros países comunistas contra o bloco imperialista.”45 Com isso, os órgãos de repressão do Brasil insistiam em denunciar a vinculação dos partidos comunistas nacionais à União Soviética. O jornal soviético Pravda, em março de 1949, lançava uma série de artigos apresentando a América Latina como um forte ponto de apoio aos interesses soviéticos. No dia 10 daquele mês, publicou que o comitê central do Partido Comunista da Argentina havia revelado: “se for declarada a guerra contra a União Soviética, nós, a fim de defender a soberania nacional, agiremos com a máxima energia contra os agressores anglo-norte americanos e satélites”.46 No dia 13, o Partido Comunista do Uruguai declarou: “nós comunistas, sempre e em todas as ocasiões ficaremos do lado da União Soviética, contra os imperialistas”.47 Por fim, entre outros países latino-americanos, o documento retratava e enfatizava as revelações destinadas ao Brasil. Segundo o Pravda, em 17 de março de 1949, o PCB declarou que apoiaria “a atitude dos líderes comunistas, franceses e italianos, em caso de guerra contra a União Soviética e convida[ria] o povo e os trabalhadores brasileiros a lutarem contra todas as tentativas imperialistas de envolver o país, na guerra imperialista”.48 Dessa forma, o governo brasileiro procurava mostrar os reais interesses dos países comunistas e, principalmente, da União Soviética. Para o governo brasileiro, o que estava em jogo não era a defesa da paz, mas, pelo contrário, a defesa dos interesses da URSS e uma verdadeira “guerra de nervos” que se impunha pelo “país dos sovietes”. A outra campanha, a cujo Pravda se referia dizia respeito à “Campanha da Paz” ou, como era também chamado, “Movimento pela Paz”. De acordo com os organismos repressores, “uma campanha de paz, realiza-se em todos os países democráticos, fazendo apelo aos nobres ideais de paz, aos mais legítimos sentimentos femininos e acusando-os como fautores da guerra”.49 Para o autor do documento, que assina A. D. C., a concomitância, em todo o mundo, “destes pseudo-movimentos

______45 Idem. 46 Idem. 47 Idem. 48 Idem. 49 Idem. 104 pacifistas” era suficiente para demonstrar sua origem comum. É claro, organizada pela União Soviética. Segundo o documento, quem lesse as notícias dos soviéticos e de seus satélites poderia constatar as palavras de ordem emanadas de Moscou. O Pravda comunicava, em 5 de fevereiro de 1949, que já havia sido criado um comitê de iniciativa para a convocação, em Bucareste, de um “congresso para a defesa da paz e da cultura”. O documento mostrava, detalhadamente, como haviam sido organizadas as manifestações pela paz em diversos países do mundo e a participação comunista durante todo o seu processo. Isso demonstra que a perseguição aos comunistas brasileiros era extremamente importante e convertia-se em resultados satisfatórios para o governo brasileiro. Depois de um trabalho minucioso, verificando os jornais e panfletos comunistas apreendidos e analisando os periódicos soviéticos, o autor do documento encaminha seu relatório à Seção de Segurança Nacional, expondo um breve resumo da criação do “Movimento pela Paz”. De acordo com o seu relato:

“Em 1948 foram na Polônia lançadas as bases deste movimento/com o ‘congresso internacional dos intelectuais’, em Wroclaw depois realizou-se em Budapeste um ‘congresso da Federação Internacional das Mulheres’,. Seguiu-se um ‘congresso Internacional Cultural e Científico para a Paz Mundial’ em Nova York e finalmente, em Paris, abre-se o atual ‘Congresso Mundial dos Partidários da Paz’. Estes movimentos de caráter internacional foram acompanhados por congressos regionais em todos os países do mundo e contaram com o máximo apoio da imprensa comunista e comunizante.”50

Pode-se perceber que o governo brasileiro, através dos seus órgãos de repressão política, estava informado sobre as campanhas pacifistas da União Soviética. Os movimentos e campanhas que os comunistas envolviam-se e participavam no Brasil eram grandemente vigiados, perseguidos e reprimidos. Aqui, nomeadamente a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”, inserida no amplo “Movimento pela Paz”, foi, de igual forma, duramente reprimida. As iniciativas da diplomacia soviética, em solo brasileiro, eram sempre vistas com olhares desconfiados e, para os representantes do Estado brasileiro, apresentavam-se como “uma verdadeira guerra de nervos às democracias ocidentais”. Assim, por intermédio das declarações dos líderes comunistas de todo o

______50 Idem. 105 mundo, a URSS procurava mostrar, nada menos, que o poderio de sua “quinta coluna”, tentando, ao mesmo tempo, acalentar a consciência democrática, mostrando que não havia perigo, “devido às suas intenções pacíficas”. Em conclusão de sua exposição sobre as atividades “pacíficas” da União Soviética no mundo, o autor do documento enfatizou ainda que

“o movimento ‘pró-paz’, visa na verdade, o desarmamento das consciências livres e a criação de um ambiente de confusão interna nos países democráticos. [...] É claro que o movimento ‘pró-paz’, é no fundo uma posição de guerra tão agressiva como o movimento ‘pró-soviético’ dos chefes comunistas. Os que aderiram a este movimento ou são tolos e irresponsáveis, ou, como os líderes comunistas, estão dispostos a trair conscientemente suas pátrias. O movimento ‘pró-paz’ é um novo aspecto, mais subtil e por isto mais perigoso, da Quinta coluna bolchevista.”51

Dessa maneira, é possível notar que, para os dirigentes do governo brasileiro, a União Soviética lutava, sobretudo, para amortecer a consciência mundial em relação ao perigo do desenvolvimento do comunismo nos países capitalistas ocidentais, impedindo, assim, a união “defensiva dos povos livres”. Visava também a impedir a consolidação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Para os representantes do governo brasileiro, as campanhas pacifistas da URSS não passavam de “parte da propaganda comunista”. Amplamente divulgadas pelos jornais da grande imprensa, as campanhas “pró-paz” eram apenas meios mais sutis de mascarar os verdadeiros interesses da URSS, que eram, exatamente, estabelecer um novo conflito mundial, levar o caos aos “países livres e democráticos”, impedir a reconstrução da Europa e implantar, através da revolução, sua ditadura comunista no maior número possível de países em todo o mundo. De acordo com Mariani, durante décadas, para grande parte do mundo ocidental, incluindo-se o Brasil, o comunismo foi representado como uma ameaça aos valores estabelecidos – a saber, valores baseados na ética dos direitos humanos. “No cinema, TV, imprensa, obras ficcionais e tratados sociológicos, a propaganda anticomunista, ou melhor, anti-soviética, nunca deixou de se fazer ver e ouvir, veiculando

______51 Idem. 52 MARIANI, Bethania. Op. cit., p. 18. 106 um imaginário imposto pelo modelo político e econômico capitalista”.53 Importa ressaltar que proibições e censuras dos inúmeros quadros de poder legalmente constituídos sempre impuseram o silenciamento ao PCB, procurando manter predominantes os fios discursivos que trançavam o predomínio de um certo sentido para os comunistas brasileiros: “o comunista é um inimigo”. Ao longo de dezenas de anos, os comunistas foram vistos como inimigos. Verdadeiros “inimigos da Pátria”, “inimigos do Brasil”. Entretanto, tratava-se de um tipo de inimigo muito específico e especial, pois o tipo de negatividade mobilizada aponta para uma questão de crueldade, misturada com ateísmo e amoralismo. Segundo Mariani,

“eles são assassinos, pretensiosos de meia ciência, extremistas, sem Deus, ferozes, descontentes, tiranos, revolucionários. Em suma, são bárbaros. Como conseqüência, são inimigos jurados da ordem, das instituições e da família brasileira. Por sua vez, o comunismo, um abismo de escravização, uma barbárie, é apresentado como crime, praga sinistra, atitude de permanente violência, processo violento e subversivo da ordem social, mas também como ditadura, ideologia totalitária, fantasia econômica delirante, materialismo histórico, nefasta doutrina.”54

Durante décadas, foi sendo criado, na “formação discursiva brasileira”, através do discurso jornalístico da grande imprensa, todo um imaginário negativo do comunismo e do ser comunista (figura 20). Extrapolando o ideário da política e da economia, que são campos específicos da doutrina comunista, os adjetivos e significados atribuídos ao comunismo e aos comunistas perpassavam o âmbito da moral, da ética, do jurídico, da religião etc. Com isso, foi sendo criado todo um imaginário de crueldade e de escravização, que, sempre que convocado, mantinha-se e estendia-se sobre o vocabulário de natureza política e econômica. Ao longo dos anos, concomitante à criação do imaginário comunista como “inimigo”, como o “outro indesejável”, foi sendo criada uma rede de significados que descreviam e classificavam os comunistas como “maus”, “desatinados”, “infelizes”, “ateus”, “agitadores extremistas”, “falsos”, “sedentos de poder”

______53 Idem. 54 Idem. Grifo da autora. 107 etc. A denominação dos comunistas era inseparável do modo de dizer jornalístico-político e das práticas históricas, tal como aconteciam, ou seja, a repressão político-partidária realizava-se concomitantemente à sua determinação negativa na linguagem jornalística. Nas mensagens veiculadas pelos jornais havia pouco ou quase nenhum espaço para a discussão política. Aliás, como demonstra Mariani, “com ou sem os muitos períodos censórios, no discurso jornalístico há pouco espaço para as vozes ideologicamente divergentes se fazerem entender. Apenas permanece ressoando evocativamente a ameaça do ‘perigo vermelho’.”55 Dessa maneira, no processo de produção de sentidos, veiculado pelos jornais, o PCB é direcionado para um lugar que apaga a polêmica política. Assim, o discurso jornalístico, que atua na institucionalização social dos sentidos, buscando promover consensos em torno do que seria a verdade de um evento, vai contribuir grandemente na negativização da doutrina política comunista. Postulando a existência do comunismo na forma assumida pela União Soviética, o discurso jornalístico da grande imprensa vai colaborar, sobretudo, para destinar atributos ao comunismo, mas não o definir. Por diversas vezes, pode-se observar que comunismo e comunista encontravam-se fora da ordem do político, tendo seu nome ligado a questões valorativas morais e religiosas. Em resumo, as campanhas em favor da paz mundial, segundo o governo brasileiro, não passavam de uma “farsa pacifista”. Constantemente, os responsáveis pela vigilância e repressão aos militantes do PCB faziam questão de lembrar a atuação do partido em diversas outras campanhas. “Se alguém precisa ter ante os olhos um modelo de atuação do Partido Comunista, basta lembrar-se do movimento do ‘Petróleo é nosso’”,56 relatava o agente repressor. Comparando a campanha do “Petróleo é nosso” com as campanhas em favor da paz, o autor do documento – A. D. C. – destacava que o modelo de atuação e os objetivos eram sempre os mesmos: atacar a política externa norte-americana e perturbar a ordem nacional vigente, atrasando, com isso, o desenvolvimento da “liberdade” e da “democracia” em nosso país.

______55 Idem. 56 Arquivo Nacional. MJ/Segurança Nacional – Série Justiça/Gabinete do Ministro. Panfletos Ij1 1367, no 02, ano de 1949. 108

Enfatizava-se ainda que, como a campanha do “Petróleo é nosso”, “na superfície não aparecia nenhum líder comunista. Ao contrário, apareciam nomes absolutamente insuspeitos.”57 Na verdade, através da análise das fontes comunistas, é possível verificar que os dirigentes do PCB, responsáveis pela divulgação e propagação das campanhas – aqui nomeadamente a “Campanha Pela Interdição das Bombas Atômicas” –, visavam, a todo instante, provar que as campanhas das quais participavam não eram obras da União Soviética e não tinham, por conseqüência, nenhuma ligação com o Partido Comunista do Brasil. Constituíam apenas campanhas em que todos os “homens de boa vontade”, todas as pessoas de sentimento nobre deveriam lutar, justamente porque a causa era igualmente nobre: a paz para toda a humanidade. Com isso, os dirigentes comunistas pretendiam mostrar que o sentido do movimento e seu objetivo não tinham nenhuma relação com o comunismo. Consistia, nada menos, numa campanha pela preservação da paz mundial, assim como a campanha referente ao petróleo fora apenas um movimento em prol da defesa e nacionalização das jazidas brasileiras, em cuja frente, naquele momento, haviam-se colocado generais do Exército, congressistas, escritores, intelectuais etc. Entretanto, para o relator do documento entregue à Secretaria de Segurança Nacional, que assinava o nome apenas com as iniciais A. D. C., apesar de tentar colocar à frente uma maioria acima de qualquer suspeita quanto à simpatias ou à ligações comunistas,

“os vermelhos estavam dentro do movimento e praticamente o dominavam. Eram eles que promoviam e davam público aos comícios e assembléias, e, uma vez feita a reunião, lá dentro eles agiam de acordo com as apuradas táticas de agitação do Partido, promovendo provocações que redundavam, freqüentemente, em conflitos, correrias, perturbações.”58

Ainda, segundo o autor do documento, além de fornecer-lhes temas de agitações e pretextos para reuniões,

“tais movimentos proporcionaram-lhes os meios para manter os seus contatos e serviam e servem sempre os seus secretos objetivos. Porque, no caso do petróleo, por exemplo, cada reunião e cada comício resultavam sempre em manifestações contra o ‘imperialismo americano’, os ‘senhores da Wall Street’ e ‘seus agentes’ no Brasil.”59 ______57 Idem. 58 Idem. 59 Idem. 109

Mais uma vez, destacou A. D. C.:

“O mesmo dar-se-á com o atual movimento denominado ‘em defesa da Cultura e da Paz’. Os comunistas não aparecem em nenhuma frase, não são eles que assinam e lançam os manifestos. Não são eles que presidirão as reuniões. E a defesa da Cultura e da Paz é algo em que toda a gente de boa fé e de bons sentimentos está empenhada, não parecendo ter nada de comum com o comunismo, nem com os Soviéticos.”60

Assim, torna-se fácil perceber que, para os dirigentes do governo brasileiro, foram os comunistas que inventaram o “Movimento pela Paz” e as campanhas pacifistas subseqüentes, e assim o diziam constantemente. Eles, dessa forma, promoveram todos os movimentos em favor da paz, encarregaram-se de sua propaganda, encheram as assembléias, que davam público aos comícios, decidiram a hora certa de votar moções e manifestos, além de converterem tudo numa ofensiva contra as medidas de defesa e prevenção que os países do ocidente tinham tomado para enfrentar a União Soviética e o avanço dos ideais comunistas em todo o mundo. Contudo, a campanha pacifista soviética já era esperada pelo governo brasileiro, uma vez que o PCB, posto na ilegalidade no governo Dutra, precisava manter-se na vida política do país. A União Soviética, desse modo, em disputa com os Estados Unidos durante a Guerra Fria, lançava uma nova linha política a ser seguida pelos partidos comunistas do mundo inteiro, a fim de retardarem, ou até mesmo evitarem a perseguição política e policial nos países capitalistas ocidentais aliados aos EUA. O chamado “Movimento pela Paz” não passava, para os dirigentes políticos desses países, de simples e astuciosas transformações da estratégia soviética. De acordo com o agente repressor, major Adauto Esmeraldo, representante do Exército no Departamento de Ordem Política e Social, a paz é um desejo de todas as pessoas, e o mundo ocidental estava ativo e vigilante na busca desse objetivo, construindo as forças que visavam esmagar o perigoso inimigo que ameaçava o mundo com uma nova guerra. Por isso, explicitava Esmeraldo,

“como o bandido que sorrateiramente espreita o sertanejo pacífico e desarmado para aniquilar-lhe a família e os haveres, assim também a União Soviética

______60 Idem. 110

deseja lançar-se contra os desprevenidos países do ocidente e sujeitá-los as duras condições que imperam nas regiões já escravizadas por ela.”61

Deve-se destacar, no entanto, que da maneira que os comunistas procuravam desmascarar os Estados Unidos como os verdadeiros causadores e iniciadores de um novo conflito mundial e como os reais escravizadores da humanidade, através de seu imperialismo, os representantes do governo brasileiro faziam-no da mesma forma. Utilizavam-se, também e inúmeras vezes, dos mesmos argumentos, fazendo nitidamente a oposição Bem versus Mal. Quando de posse dos comunistas, os EUA representavam o mal. Do contrário, a URSS encarnaria as malignas forças. Assim, segue o major, retratando as modificações na estratégia político-militar da União Soviética: “na impossibilidade atual de operar contra tais adversários, que ainda são relativamente fortes, ela se lança agora numa outra espécie de ofensiva, a da paz, precursora das operações realmente militares”.62 Munido de fortes argumentos, o major Esmeraldo, procurava mostrar que por trás da política pacifista da URSS estava, sem a menor dúvida, uma política agressiva da “quinta coluna soviética”, uma real política de guerra. Da mesma maneira, um artigo do jornal O Estado de S. Paulo, publicado em abril de 1949, intitulado: “A FARSA PACIFISTA”, revelava:

“Lançado na ilegalidade, o Partido Comunista, para não desaparecer, precisava de temas de agitação, e, não podendo aparecer a frente de nenhum movimento para não se denunciar, coloca-se sempre por trás de uma categoria especialmente numerosa dos ingênuos e a dos ‘inocentes úteis.’”63

Dessa forma, e percebendo o que, de certa maneira, ocorria, o artigo mostrava a necessidade de o PCB continuar participando da vida política do país, como já destacado anteriormente. A “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”, assim como todo o “Movimento pela Paz”, foi, durante o governo Dutra, duramente perseguida e reprimida. A

______61 Idem. 62 Idem. 63 O Estado de S. Paulo. São Paulo, 08 de abril de 1949, p. 01.

111 grande imprensa anunciava, cada vez mais, que a União Soviética era um “obstáculo intransponível” no que concernia às questões relativas a um acordo de paz internacional. Em diversas ocasiões, divulgadas pela imprensa não comunista, o secretário geral da ONU, Trygve Lie, apresentava diferentes soluções para uma real aproximação pacífica entre EUA e URSS. Numa dessas ocasiões, teria viajado para Moscou a fim de conversar pessoalmente com Stálin e propor os dez pontos que acreditava servir de base para as negociações destinadas a pôr termo a Guerra Fria. Contudo, relatou o secretário, “como a União Soviética e os seus satélites sustentam o ponto de vista contrário e estão determinados a não regressar aos organismos da ONU, de que se afastaram, não se vê como possa o secretário geral obter uma conciliação a respeito”.64 Não havendo a possibilidade de um acordo de paz entre as duas superpotências, como demonstrava a imprensa de ambos os lados, o que se fazia necessário era, sempre que possível, “desmascarar” o inimigo. Assim, como é possível perceber analisando os jornais da grande imprensa daquele período, havia inúmeros artigos que procuravam mostrar o falso pacifismo articulado pela URSS. O Jornal, em abril de 1950, publicou um artigo de primeira página intitulado “CAMPANHA MUNDIAL PELA VERDADE CONTRA O COMUNISMO”.65 O artigo preocupava-se em demonstrar o apelo do presidente dos Estados Unidos à imprensa dos “países livres” em prol de uma campanha de divulgação da realidade democrática em todo o mundo. Num discurso pronunciado perante à Sociedade Americana de Diretores de Jornais, Truman apelou para a imprensa no sentido de que lhe ajudasse a derrubar ou transpor as barreiras que se levantaram às “comunicações livres no mundo”. Era necessária uma “campanha pela verdade, contra a propaganda russa.”66 Nas palavras do presidente, “se não conseguirmos fazer chegar histórias genuínas aos outros países, perderemos, por falta de ação, a batalha pela conquista da mentalidade humana”.67

______64 O Jornal. Rio de Janeiro, 08 de junho de 1950, p. 02. Os organismos a que se refere o texto são: o Conselho de Segurança da ONU e seus órgãos técnicos. 65 Idem, 21 de abril de 1950, p. 01. 66 Idem. 67 Idem.

112

Não sem razão, Baczko revela que o domínio do simbólico é extremamente importante para que um grupo ou classe social possua, de maneira eficaz, o controle sobre determinado grupo. Para o autor, “é significativo que as elites políticas se dêem rapidamente conta do fato de o dispositivo simbólico ser um instrumento eficaz para influenciar e orientar a sensibilidade coletiva, em suma, para impressionar e eventualmente manipular as multidões”.68 O controle do simbólico mostra-se grandemente relevante para o controle efetivo daqueles que se quer dominar. Merece destacar que os símbolos só são eficazes quando assentados numa “comunidade de imaginação”. Se essa não existe, eles têm tendência a desaparecer da vida coletiva ou, então, a serem reduzidos a funções puramente decorativas. Analisando a questão da Guerra Fria, tal comunidade não apenas existia, como também impulsionava a fabricação de valores, crenças e idéias que povoavam o imaginário de todos aqueles que viveram direta ou indiretamente a disputa política na arena internacional. Ambos os antagonistas, cada qual à sua maneira, procuravam fabricar os seus mitos e estabelecer as suas verdades. Não apenas disputavam o controle de determinados países e/ou regiões de influência, mas também o controle do imaginário social. Concomitante a disputa por bens materiais, disputavam acirradamente bens simbólicos, imateriais, porém, não menos reais e importantes. A preponderância na veiculação de imaginários e no seu controle era de extrema relevância. Com isso, podiam passar ao mundo seu modo de vida, seu modelo político e econômico. Enfim, toda uma série de valores e crenças que podiam auxiliar na conquista de novos aliados políticos, parceiros econômicos e novas áreas de influência. É a partir dessas indicações teóricas que interpretamos a fala de Truman:

“Em toda a parte onde a propaganda do totalitarismo comunista for divulgada, temos de enfrentá-la e vencê-la, com informações honestas sobre a liberdade e a democracia. (...) Em muitos países, atualmente, os jornais só publicam do exterior o noticiário que o governo lhes permite. Nada podem acrescentar ou cortar. Nas democracias os jornais gozam de total liberdade.”69

______68 BACZKO, Bronislaw (a). Op. cit., p. 324. 69 Idem.

113

O presidente dos Estados Unidos mostrava sua preocupação quanto ao desenvolvimento da propaganda comunista nos países capitalistas ocidentais e no seu próprio. Para ele, tal propaganda, no mundo inteiro, consistia em falsidades, distorções e mentiras. Assim, fazia-se necessário impedi-las, no intuito de não comprometerem a política externa de seu país e, sobretudo, não servirem a objetivos políticos domésticos. Concluindo seu discurso, Truman revelou:

“Sabemos como são falsas essas promessas comunistas, mas não nos basta saber disso. (...) Esse esforço requererá a imaginação e a energia de grupos e indivíduos particulares. Precisaremos, para atingir o objetivo colimado, recorrer a todos os meios oficiais e privados que até agora se mostraram eficientes, e descobrir e empregar novos meios.”70

Pode-se notar, através da análise das fontes, que o objetivo principal era revelar a verdadeira face do inimigo e suas reais aspirações, ao mesmo tempo em que constituía- se a sua própria. Como já analisado anteriormente, cada um construía-se a partir do outro. Segundo Bethania Mariani, “no campo do outro, a diferença comunista é representada como compromissada com o Mal: ela ameaça os valores cristãos, as propriedades, a ordem, os bons costumes etc. Assim sendo, na imprensa de referência não pode haver espaço para os dizeres comunistas”.71 Dessa forma, o discurso jornalístico vai atender a disjunção Bem versus Mal, construída em torno da moralidade ocidental cristã, separando em dois campos antagônicos os sentidos possíveis – que, no dizer de Mariani, “o sentido, o bom sentido, o sentido comum, o consenso”72 – daquilo que não faz sentido. E o que não faz sentido, proibido e impossível, é o que não está adequado à ética e/ou à moralidade judaico-cristã, isto é, o comunismo. Assim, o discurso dos jornais da grande imprensa procurava atuar na constituição da figura do PCB no imaginário ocidental e, mais especificamente, do comunista como o outro inimigo. Com isso, o reconhecimento do comunista como “Outro”, em vez de propiciar a sua assimilação ao discurso do direito à diferença, produziu sua assimilação para o campo do Mal, do “mau Outro”. Como destaca

______70 Idem. 71 MARIANI, Bethania. Op. cit., p. 86. 72 Idem. 114

Mariani, “contra esse inimigo-estrangeiro-outro se reafirma a docilidade, a cordialidade, a religiosidade cristã do brasileiro”.73 Quem fugisse a essa lógica seria considerado um “mau brasileiro”, um “traidor” da pátria. Assim, ao se negar o comunismo, por inseri-lo no campo do “Outro” – do “mau Outro”, do inimigo dos valores ocidentais e cristãos –, reafirmava-se, cada vez mais, uma identidade brasileira no campo do “Mesmo”, do consenso, do bom senso, enfim, do imaginário ocidental cristão. A negação do PCB está, sem dúvida, relacionada à confirmação do modelo ocidental. Dessa maneira, enfatiza a autora, “a situação da exclusão do comunismo como outro indesejável, mas necessário à afirmação do mesmo, também se encontra reiterada na grande maioria dos artigos assinados, bem como nas vozes que são citadas pelos jornais”.74 Controlar os meios de construção dos imaginários sociais tornava-se de extrema importância, assim como utilizar os mesmos métodos do inimigo na elaboração de imaginários. Mas, não apenas isso. Havia a necessidade de elaboração de novos e mais sofisticados métodos de produção e divulgação desses mesmos imaginários, a fim de garantirem o sucesso e a aceitação de uma ideologia. O caminho a escolher era o dos pares antagônicos Correto versus Incorreto, Livre versus Escravo, Bem versus Mal. Haja vista que o PCB fora posto na ilegalidade, o comunismo perseguido em âmbito internacional pela política externa dos Estados Unidos e o contexto, cada vez mais acirrado, da Guerra Fria, verificava-se a necessidade de perseguir os militantes comunistas e simpatizantes em todas as atividades e manifestações a que se dirigiam. Não foi diferente em relação ao “Apelo de Estocolmo”. Segundo os relatos da imprensa não comunista,

“o Kominform ordenou aos comunistas de todo o mundo o lançamento de uma campanha contra a bomba atômica. Estão angariando por toda parte assinaturas para um demonstração colossal de hostilidade ao emprego das armas à base de energia nuclear, na hipótese de uma guerra.”75

Para a grande imprensa, é claro, a “Campanha pela a Proibição das Armas Atômicas” fazia parte da estratégia imperialista comunista de avançar suas áreas de influência pelo mundo. Evidentemente, dizia o periódico, os comunistas iriam recolher um

______73 Idem. 74 Idem. 75 O Jornal. Rio de Janeiro, 30 de maio de 1950, p. 02. 115 número elevado de assinaturas. Havia milhões de pessoas que viam na bomba atômica, antes de tudo, o elemento de destruição em massa, capaz de aniquilar cidades inteiras e até países, com um grande furor. Entretanto, salienta o artigo,

“a adesão dos democratas ao movimento encomendado pelo Kominform não pode nem deve traduzir uma atitude de incompreensão em face de um problema que só existe porque a União Soviética se tem recusado sistematicamente a contribuir para a sua resolução.”76

O alerta deveria ser dado antes que os “milhões de democratas” fizessem assinar as listas comunistas. Analisando o artigo intitulado “A verdadeira causa”, pode-se notar que os países detentores dos segredos atômicos e/ou já fabricantes da bomba eram os verdadeiros dispostos a encontrarem uma saída pacífica para o mundo na disputa da Guerra Fria. Por diversas vezes tinham se dirigido à URSS no sentido de obter um acordo que suprimisse as armas atômicas, através do único meio capaz de consegui-lo: o do controle internacional. Todavia, o país dos sovietes não concordaria com nenhuma das proposições feitas pelos Estados Unidos. As propostas, feitas pelos norte-americanos, giravam em torno de dois pontos comuns: a não fabricação de armas atômicas e a eliminação dos arsenais existentes até aquele momento. Importa ressaltar que os pontos destacados na proposta norte-americana também se encontravam no Apelo de Estocolmo. Os EUA, como afirmou o artigo, tinham a resposta para a não aceitação das propostas pacifistas. Com isso, demonstravam: “Por que não aceita a Rússia a fórmula preparada e apresentada pelas Nações Unidas? Porque neste assunto, como em tantos outros, não está agindo de boa fé e sim levada exclusivamente pelos seus interesses imperialistas.”77 Assim, podia-se perceber, através da análise das fontes não comunistas, que era sempre pensando na sua conveniência que o Kominform, inteiramente a serviço do imperialismo soviético, lançava movimentos e campanhas daquela natureza. Podia-se ver, nas campanhas pacifistas soviéticas, mais do que o generoso desejo de evitar para a humanidade as destruições em massa, ocasionadas pelo uso do petardo atômico, mas, sim, a revolução social nos países capitalistas ocidentais e o aumento da influência comunista pelo mundo.

______76 Idem. 77 Idem. 116

De acordo com o referido artigo, “talvez a causa mais provável e certa da atitude do Kominform contra a bomba atômica seja a verificação pela Rússia da impossibilidade material de competir com o ocidente no número e na qualidade das armas de energia nuclear.”78 Com isso, havendo a impossibilidade de competir com os EUA na corrida pela produção de armas atômicas – no caso, um fato verdadeiro –, uma das principais causas do “Apelo de Estocolmo”, era obter o controle da corrida armamentista, retardando ou, até mesmo, barrando o avanço das pesquisas nucleares norte-americanas e podendo, assim, causar, na opinião pública internacional, um choque de tal maneira significativo que pudesse pôr fim a utilização dos arsenais atômicos existentes e proibisse sua fabricação. Desse modo, torna-se bastante relevante destacar tal necessidade de controle por parte do governo soviético. Os gastos da União Soviética com armamentos eram verdadeiramente grandiosos. Os objetivos prioritários do IV Plano Qüinqüenal, previstos para o período de 1946 a 1950, estavam direcionados a questões de reconstrução e defesa. Os setores da indústria de base, relacionados direta ou indiretamente aos setores bélicos, foram os que mais receberam investimentos. Como salienta Reis Filho, “no qüinqüênio, 87, 9% dos investimentos direcionavam-se nesse sentido, contra apenas 12,1% para os setores de produção de bens de consumo, incluindo construção civil e alimentos.”79 Da mesma forma, Thompson afirma que o setor de armamentos concentrou “uma proporção significativamente superior dos físicos, engenheiros, químicos, matemáticos, especialistas em eletrônica e cibernética mais qualificados do país.”80 Os efetivos das Forças Armadas, entre 1948 e 1955, “chegaram a duplicar, aumentando de 2,874 milhões para 5,763 milhões de homens.”81 Outro sinal relevante da política orçamentária de investimentos da URSS era de que “enquanto as despesas totais do Estado, entre 1950 e 1952, cresciam menos de 15%, as militares aumentavam em quase 45%.”82 Para se ter uma idéia de quanto a corrida armamentista pesava nos cofres do governo soviético, Rudolf Bahro revela:

______78 Idem. 79 REIS FILHO, Daniel Aarão. Uma Revolução Perdida. Op. cit., p.172 80 THOMPSON, E. P. Op. cit., p. 40. 81 REIS FILHO, Daniel Aarão. Op. cit., p. 175. 82 Idem.

117

“Dado um produto total que é menos da metade dos EUA, uma produtividade ainda mais inferior e a integração muitíssimo menos favorável do setor militar no conjunto da economia, a União Soviética, com sua população mais pobre, tem de gastar pelo menos uma proporção duas vezes maior da sua renda para se manter na corrida armamentista.”83

Assim, durante os anos da Guerra Fria, percebe-se que o andamento da tecnologia soviética de armamentos, segundo diversos historiadores, foi, em grande medida, regulado pela sua concorrente norte-americana. Nesse sentido, ocorreu a abertura de um enorme fosso entre o modelo tecnológico de armamentos e a própria sociedade civil. Com isso, diz Thompson, “no Leste, uma economia de guerra diminui e distorce a direção do crescimento, e gera escassez de recursos e qualificações.” 84 Dessa maneira, é possível notar as dificuldades que a URSS encontrava para se manter na corrida armamentista. Para isso, era preciso descobrir um meio de controlá-la. O “Movimento pela Paz” e as campanhas nele inseridas, sobretudo a “Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas”, mostravam-se como uma tentativa de controle da referida corrida. Entretanto, mesmo em alguns momentos da Guerra Fria a União Soviética tendo conseguido a paridade em determinados armamentos, como relata Bahro, “sempre se manteve atrasada na tecnologia militar.”85 Da mesma maneira, acrescenta Thompson, “o incremento dos armamentos americanos é mais ativo e inovativo, o incremento soviético é mais reativo, imitativo, na forma de modificações ‘continuadas’.”86 Mas é preciso, também, relativizar essa questão. Como foi analisado anteriormente, havia uma clamor na União Soviética e na opinião pública mundial pela manutenção da paz. É necessário mencionar que os horrores da Segunda Guerra Mundial estavam, ainda, bastante presentes na vida das pessoas, sobretudo da população européia. Assim, não se pode ver a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” de uma maneira simplista e maniqueísta, como se fosse um jogo de cena do governo soviético, querendo apenas conquistar mais áreas de influência e espalhar sua revolução comunista pelo mundo, ou, ainda, ganhar tempo para

______83 BAHRO, Rudolf. “Uma nova abordagem para o movimento pacifista na Alemanha.” In THOMPSON, E. P. (org.). Op. cit., p. 114. 84 THOMPSON, E. P. Op. cit., p. 49. 85 BAHRO, Rudolf. Op. cit., p. 114. 86 THOMPSON, E. P. Op. cit., p. 22. 118 equiparar-se aos EUA na corrida armamentista. Mesmo havendo a necessidade de controlar a corrida armamentista por parte da União Soviética, havia, também, clamores pela paz que se mostravam expressivos em diversos países, e que contribuíam grandemente para a divulgação e propagação das campanhas pacifistas. Entretanto, no Brasil, a referida Campanha era constantemente apresentada pelos jornais da grande imprensa como uma propaganda política da União Soviética. Mais uma estratégia político-militar dos soviéticos, sob a liderança de Stálin, para vencer a Guerra Fria e lançar ao mundo sua doutrina comunista, conquistando mais países satélites, como fizera ao fim da Segunda Grande Guerra. A imprensa não comunista enfatizava que a campanha que o Kominform estava movendo contra a bomba atômica fazia pensar que a URSS, embora tivesse conseguido fabricar “um ou mais desses petardos”, não estava ainda em condições de possuir um estoque capaz de garanti-la numa guerra com o Ocidente. Segundo os relatos da imprensa,

“sabe-se muito bem que se os russos estivessem em situação de fabricar todas as bombas atômicas de que necessitassem numa luta contra os Estados Unidos, jamais pensariam em eliminar semelhante arma de guerra. As razões sentimentais que geralmente se invocam contra as armas de destruição em massa não pesam na consciência dos homens do Kremlin.”87

Os valores sentimentais que eram utilizados pela imprensa comunista não eram válidos para o governo brasileiro nem para os jornais da grande imprensa. Como destacou O Jornal, a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” era uma “campanha desmoralizada”. Se realmente os soviéticos pudessem fabricar bombas atômicas em larga escala, como acontecia nos Estados Unidos, a URSS jamais lançaria uma campanha cujo objetivo significava exatamente a interdição daqueles arsenais. Vários artigos eram publicados pela imprensa não comunista, confirmando a inferioridade do arsenal atômico soviético. Num dos artigos publicados por O Jornal, em maio de 1950, podia ser lido, em destaque, a seguinte manchete: “400 bombas atômicas dos EE.UU.

______87 Idem, 07 de junho de 1950, p. 02.

119 contra 25 da URSS”.88 Segundo o artigo, a informação havia sido revelada pela revista norte-americana U. S. News & World Report, onde afirmava a superioridade dos países ocidentais no que concernia à posse dos arsenais atômicos. Ainda de acordo com o artigo, “os aliados ganham maior confiança entre si enquanto que entre os satélites reina a desconfiança. há suspeitas de ambições políticas, e dificuldades industriais, bem como deficiência de transportes”.89 Cabe mencionar que a grande imprensa não estava lançando inverdades aos seus leitores. Segundo Mike Davis, que pesquisou muitos anos a Guerra Fria, os Estados Unidos detinham uma verdadeira vantagem em relação aos armamentos nucleares soviéticos. Sobre a capacidade nuclear das duas superpotências, desde o início da Guerra Fria até meados da década de 1980, afirmava Davis:

“Os Estados Unidos têm uma imensa capacidade de ataque nuclear com bases avançadas, a URSS não tem nenhuma. A URSS está rodeada por milhares de quilômetros de fronteiras hostis, da Turquia ao Japão, ao passo que os Estados Unidos desfrutam de três oceanos e do maior bloco de satélites, o hemisfério ocidental.”90

É necessário lembrar, também, que, ao contrário dos Estados Unidos, a União Soviética recusou-se obstinadamente a permitir qualquer proliferação de sua capacidade nuclear entre seus países satélites. Uma questão cuja relevância desempenhou um papel de significativa importância na precipitação da primeira ruptura sino-soviética em 1959-60. Outra questão interessante é levantada pelos pesquisadores soviéticos Roy e Zhores Medvedev. Para eles, a URSS encontrava-se sempre numa posição de reação no que diz respeito aos assuntos das pesquisas nucleares. Como demonstra os autores, “em todos os estágios, a América do Norte sempre esteve à frente, tomando a liderança tecnológica e obrigando a URSS a recuperar o atraso a partir de uma posição de inferioridade. Essa dinâmica permanente estruturou profundamente as reações russas, criando um complexo de inferioridade generalizado[...]”.91 Enfim, ao longo dos anos da ______88 Idem, 23 de maio de 1950, Segunda Seção, p. 01. 89 Idem. 90 Davis, Mike. “O imperialismo nuclear e dissuasão extensiva”. In THOMPSON, E. P. (org.). Op. cit., p. 85. 91 MEDVEDEV, Roy e Zhores. “A URSS e a corrida armamentística”. In THOMPSON, E. P. (org.). Op. cit., p. 179.

120

Guerra Fria, embora a URSS tenha chegado próximo dos EUA, e até mesmo conquistado à paridade em algumas áreas do campo militar, como fazia questão de poder afirmar, em termos reais, diz Hobsbawm que “o poder americano, ao contrário de seu prestígio, continuava decisivamente maior que o soviético”.92 Os jornais da grande imprensa revelavam, também, que a arma atômica de posse dos países ocidentais, principalmente nas mãos dos Estados Unidos, era um grande fator de segurança. De acordo com o artigo,

“basta lembrar um fato único: em 1946 e 1947, a União Soviética só não atacou os povos do oeste, pelo temor da bomba atômica. Foi a certeza de que os Estados Unidos não duvidariam, um instante, em empregá-la contra objetivos russos que salvou a Europa da escravidão vermelha”.93

O próprio ex-primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill, em discurso pronunciado na cidade de Boston, nos Estados Unidos, declarou: “se os russos desejassem sinceramente a supressão das armas atômicas, nada seria mais fácil de conseguir. Bastaria que concordassem com as propostas feitas pelo governo americano, com apoio dos demais membros da Comissão de Energia Atômica das Nações Unidas.”94 A proposta, referida pelo ex-primeiro-ministro inglês, era a do Plano Baruch. Nela ficava estabelecido o controle internacional das atividades atômicas. Previa todas as garantias, não apenas contra o uso das armas à base de energia nuclear, como contra a sua fabricação. Com isso, acreditavam os propositores do Plano, se todos os países que pudessem construir armas atômicas, que naquele momento da história eram especialmente poucos, decidissem aceitar a supervisão internacional, não haveria sequer o perigo de se desviarem as pesquisas científicas para fins bélicos. A União Soviética, por sua vez, não aceitava a determinação de tal plano, acreditando que o controle internacional importaria em intervenção na vida doméstica dos países interessados. Como é possível perceber, através da análise das fontes, esse tipo de intervenção tornava-se incompatível com a soberania. Dessa maneira, já que, segundo a imprensa não comunista, os signatários do acordo internacional estavam

______92 HOBSBAWM, Eric.(a). Op. cit., p. 243. 93 O Jornal. Rio de Janeiro, 07 de junho de 1950, p. 02. 94 Idem. 121 dispostos a abrir mão dos seus direitos soberanos, em vista da nobre causa, a única explicação para a não aceitação por parte da URSS era a de que sua campanha em prol do fim das armas atômicas era verdadeiramente “um simples e desmoralizado recurso de propaganda comunista”.95 Vale lembrar, como já mencionado, que os comunistas, até mesmo depois da Primeira Guerra Mundial, não concordavam em aceitar as propostas pacifistas dos países capitalistas do ocidente, em particular dos Estados Unidos e da Inglaterra. Os governantes do Estado soviético encontravam sempre obstáculos e divergências nas propostas feitas por países capitalistas, o que levavam a elaborarem suas próprias proposições, que também não eram aceitas do outro lado da Europa e nos Estados Unidos. Sob o título: “PACIFISMO SUSPEITO DO APELO DE ESTOCOLMO”96, O Jornal lançava mão de mais um argumento condenando as atividades pacifistas dos comunistas, em sua “Campanha pela Proibição das Bombas Atômicas”. Para O Jornal, a campanha em prol do “Apelo de Estocolmo” não servia para defender e lutar pela paz, mas “para agravar a guerra contra aqueles que estão decididos a defender sua liberdade”.97 O pacifismo soviético devia ser encarado com total desconfiança, pois a história se encarregava de comprovar as suas atitudes contraditórias e seus falsos projetos de paz. Antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, os comunistas realizaram um acordo de paz em separado com a Alemanha de Hitler. Os líderes de Estado do mundo inteiro não se esqueceram disso. De acordo com a imprensa não comunista,

“que disse, à essa época, a imprensa comunista? Que o pacto germano-soviético era um instrumento de paz! A humanidade sabe agora de que paz se tratava. É por tê-la visto, que não pode agora esquecê-lo nem escutar o pacifismo suspeito dos ‘partidários da paz’ de Estoclomo.”98

Outro artigo, publicado pelo jornal O Globo, em 26 de agosto de 1950, dizia: “O apelo anti-atômico de Estocolmo, manobra comunista.”99 Segundo o periódico,

______95 Idem. 96 Idem, 21 de junho de 1950, p. 02. 97 Idem. 98 Idem. Refere-se ao “Apelo de Estocolmo”. 99 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Dossiê – DPS – Polícia Política, Dossiê 30126. 122

“recordando as palavras de PIO XII em 1939 – O pacto germano-soviético também ‘era um instrumento de paz’.”100 Dessa forma, o artigo apresentava a política externa soviética como uma falsa política de paz, comparando com a atitude de Stálin em assinar um acordo de paz, em separado, com a Alemanha nazista, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Com isso, concluía o artigo, a atitude do governo da URSS não passava de uma “estratégia de manobra”, um “pacifismo suspeito”. Assim, para a imprensa não comunista, o “Movimento pela Paz” e a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” não passavam de simples manobras da propaganda soviética, de uma simplória mudança tática dos comunistas para levar a cabo a derrocada do sistema capitalista nos países ocidentais e implantar, em seu lugar, um governo ditatorial, tal qual o da União Soviética.

Correndo da polícia

Considerada como uma simples manobra política, uma das diversas variáveis da estratégia militar soviética e como pura propaganda comunista, a “Campanha pela Interdição das Bombas Atômicas” foi severamente reprimida pelo governo brasileiro. Fazia-se necessário perseguir e prender seus colaboradores, em sua maioria militantes e simpatizantes comunistas. Tornava-se de extrema importância desarticular o movimento pacifista do PCB. E assim, o governo brasileiro tentou fazer. Os órgãos de repressão política do Brasil atuaram em diversos estados da federação, infiltrando-se nos comícios, em reuniões, em assembléias, manifestações e até mesmo participando como voluntários, simpatizantes da causa pacifista do Partido Comunista Brasileiro. Os agentes repressores buscavam colher materiais necessários à comprovação das atividades comunistas para posteriormente apreendê-los (figura 21), fechar seus comitês, prender seus líderes e desarticular o movimento. Num dos documentos encontrados, o agente, sem mencionar seu nome, relatava: “transcrevemos abaixo, o relatório de um dos nossos colaboradores, sobre as atividades de um pobre operário

______100 Idem. 123 utilizado pelo partido Comunista ‘na Campanha contra o emprego da Bomba Atômica’. Caso como esses se contem às centenas.”101 Segundo o relato do colaborador, Ismael F. de Lima, um dos empregados da fábrica de chocolate Falchi, estava angariando assinaturas entre seus colegas de trabalho contra o emprego da bomba atômica. O operário “tinha em seu poder um talão numerado de 66. 321 a 66. 339, já com 144 assinaturas, no qual estão os dizeres: ‘Proibição Absoluta da Arma Atômica’.”102 Os militantes comunistas saíam às ruas para coletar assinaturas em favor do Apelo de Estocolmo, mas também vendiam uma espécie de panfleto, chamado de “bônus”, por dois cruzeiros, no intuito de angariar dinheiro para a manutenção das diversas atividades comunistas, dentre elas, continuar o desenvolvimento da campanha para proibir a utilização das armas atômicas. Conforme o relatório, “o operário acima citado é de pouca cultura e parece estar sendo manejado por elementos comunistas. Ele mesmo informa que quem o incumbiu desse trabalho foi um promotor Público e um outro senhor que tem escritório próximo à Companhia Telefônica Brasileira”.103 Na grande maioria dos documentos analisados, o discurso que o PCB aproveitava-se de trabalhadores de baixa cultura para manipulá-los e agirem por seus interesses era constantemente afirmado, demonstrando nitidamente que o trabalhador brasileiro servia como uma massa de manobra a serviço do comunismo. Em outro documento, intitulado “atividades comunistas”, com data de julho de 1950, o agente repressor relatava:

“Realizou-se no dia 15 do corrente uma conferência pelo psiquiatra Dr. João Beline Mruza, na sede do Clube Mundo Esportivo, à rua 7, no 55, Vila Maria, às 20, 45 horas. Estavam presentes onze senhoras, inclusive a representante da Federação das Mulheres do Estado do São Paulo, e cinqüenta e cinco homens. Presidiu a reunião o farmacêutico do bairro, Sr. Manoel Messias de Oliveira.” 104

Os relatórios eram sempre muito bem detalhados. Apontavam o nome dos líderes ou dos representantes das reuniões, assembléias etc. Todos com data, local, hora,

______101 Arquivo Nacional. Rio de Janeiro. Fundo Góes Monteiro. Microfilme: 052-97/SA 738. 4 102 Idem. 103 Idem. 104 Idem, SA 738. 6. 124 número de participantes, oradores, às vezes até mesmo o endereço das pessoas que no local se encontravam. Faziam um resumo de tudo o que era discutido nos encontros a que foram incumbidos de vigiar. Procuravam, sempre que podiam, mostrar o número de pessoas que assinavam o Apelo de Estocolmo. Ao final de cada encontro, seja congresso, assembléia, comissão etc., passavam-se as listas do Apelo para que fossem assinadas. Como salienta o agente:

“Finalmente, apresentou listas para serem angariadas assinaturas e organizou em seguida a comissão dos partidários da Paz, contra a Bomba Atômica, tendo sido aclamado presidente, o próprio Manoel de Oliveira, que ficou com uma diretoria completa, para o bairro de Vila Maria. Esta diretoria reunir-se-á periodicamente, e o jornal ‘O Sol’, que veio substituir o ‘Hoje’, publicará amplamente as atividades dessa Comissão.”105

De uma maneira geral, era assim que ocorria a vigilância sobre as atividades dos comunistas brasileiros. Bastante detalhada, com um discurso simples e direto, os agentes repressores informavam tudo o que viam e ouviam em suas infiltrações nas “secretas” reuniões comunistas. Tentavam anotar tudo o que os militantes relatavam: assuntos relativos à Coréia, ao imperialismo norte-americano, à carestia no Brasil, aos programas de greves operárias, à situação dos camponeses, à exploração dos operários das fábricas, à participação dos estudantes, dos militares, personalidades públicas, políticos, intelectuais etc. Enfim, procuravam informar-se de tudo e de todos que participavam das campanhas pacifistas promovidas pelo PCB. Os militantes tinham a consciência de que estavam sendo vigiados e que a repressão ao movimento era dura. Num dos relatos, de outro agente repressor, podia ser verificada tal questão: “Como é sabido, o Partido recomenda a máxima precaução e defesa própria, obtenção de armas e revide à Polícia, isso caso o local facilite tal revide, principalmente se o mesmo vier a proporcionar vantagens a organização.”106 Assim, afirmava o agente, os comunistas estavam prontos a atacar. Em contrapartida, a repressão deveria ser respondida o mais rápido possível, e se fosse preciso endurecer ainda mais, não hesitariam em fazê-la.

______105 Idem. 107 Idem, SA 738. 05

125

O chefe de polícia do Departamento Federal de Segurança Pública do Rio de Janeiro, general Antônio José de Lima Câmara, enviou uma carta ao ministro da Justiça e Negócios Interiores, em 29 de agosto de 1950, relatando o grave problema da infiltração comunista no Brasil e mostrando o que o governo do Rio de Janeiro já havia feito no sentido de combater a “ameaça vermelha”. Contudo, afirmava o general, as leis brasileiras eram insuficientes para neutralizar as ações “anti-democráticas e anti-brasileiras” que se processavam à sombra da Constituição. Sob sua direção, o combate ao comunismo no Distrito Federal havia sido sistemático e contínuo. Segundo o chefe de polícia,

“numerosos congressos vermelhos têm sido dissolvidos, reuniões clandestinas de fundo revolucionário têm dado motivo à prisões e a processos (não raro neutralizados pelo Poder Judiciário); inúmeras vezes publicações vermelhas têm sido apreendidas e processadas, por atentares contra a segurança do País; comícios relâmpagos, propaganda de toda natureza, greves, abaixo-assinados, manifestações de fundo vermelho têm sofrido a ação às vezes necessariamente dura do D.F.S.P.”107

Dessa forma, a repressão era e deveria continuar intensa. Cada vez mais, tornava-se necessário – já que o Brasil fazia parte do conjunto de nações que se opunham ao comunismo – o máximo de vigilância efetiva contra a propaganda comunista, sendo essa ostensiva ou não. Para os órgãos de repressão, havia a necessidade de centralizar as diretrizes de combate ao desenvolvimento do comunismo, por meio de um ampliação de recursos legais que levassem a atuação ostensiva do Departamento Federal de Segurança Pública a todo o território brasileiro. A falha em um combate sistemático dava margem para que reuniões, congressos e comícios comunistas fossem realizados, sem maiores problemas, não apenas no Distrito Federal, mas em diversos estados da Federação. As campanhas patrocinadas pelo Partido Comunista do Brasil eram duramente reprimidas. A simpatizante do PCB, D. Brites, relata, com bastantes detalhes, sua participação nas campanhas em favor da paz, em especial, a “Campanha pela Proibição das

______107 Arquivo Nacional. MJ/Segurança Nacional. Série Justiça. Documento Ij1 1329, ano de 1950.

126 das Bombas Atômicas”. A repressão aos movimentos e campanhas pacifistas do PCB era intensa. De acordo com D. Brites:

“A polícia perseguia esses movimentos. Não posso contar para você, houve vários congressos e os fatos se misturam na minha memória. A polícia foi fechando tudo. Um dos congressos conseguiu local num circo de cavalinhos perto do monumento do Ipiranga. Branca Fialho veio do Rio e o desembargador Fialho, marido dela, ficou o tempo inteiro conversando na porta com a polícia, que não queria permitir o encontro.” 108

O trabalho de espionagem era constante e o trabalho policial era feito com vigor. Os agentes repressores procuravam se informar muito bem antes de agirem. As células comunistas eram intensamente vigiadas, para que, através da real confirmação das atividades comunistas e seus locais de encontro, realizassem uma batida, prendendo as pessoas que se lá estivessem, interditando o local. Como revela D. Brites, “muita gente foi presa por causa da campanha da paz.”109 Os dirigentes comunistas, entretanto, sabiam da importância de atrelar a campanha pelo “Apelo de Estocolmo” a personalidades brasileiras não ligadas ao Partido Comunista, como poderá ser visto mais adiante. Por isso, incentivava constantemente esse tipo de relação. Os jornais comunistas, por seu turno, denunciavam as agressões sofridas e as prisões, não apenas dos seus militantes, mas de todos aqueles, no mundo inteiro, que estavam dispostos a lutar pela paz. De uma maneira dramática, o jornal comunista Voz Operaria lançava uma manchete, em maio de 1950, intitulada: “Preso por desejar a Paz”.110 O artigo afirmou que

“nos Estados Unidos, um certo James Otsuka, membro da organização religiosa dos Quakers norte-americano, foi preso. Por que motivo? Porque esteve distribuindo um apelo em favor da proibição da bomba atômica. Onde? No próprio recinto de Oakridge, o campo de morte de Tenesse, onde se fabrica a bomba atômica.”111

______108 BOSI, Ecléa. Lembrança de Velhos. São Paulo, T. A. Queiroz, Editor, 1979, p. 280. 109 Idem. 110 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 20 de maio de 1950, p. 4. 111 Idem.

127

O artigo revelava ainda que a prisão havia acontecido justamente “no país dos homens livres”, ironizando claramente com a política de justiça e liberdade que era defendida pelos Estados Unidos e amplamente divulgada pelos jornais brasileiros da grande imprensa. No Brasil, diversas pessoas foram agredidas e presas quando participavam da “Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas” ou de qualquer campanha relacionada ao “Movimento pela Paz”. Distribuindo panfletos, participando de comícios-relâmpago, espalhando faixas pela cidade, pichando muros, coletando assinaturas etc., as pessoas envolvidas na campanha em favor do “Apelo de Estocolmo” eram constantemente surpreendidas pela polícia, que hostilizavam, espancavam e prendiam todos aqueles que estivessem direta ou indiretamente comprometidos. Numa manchete de primeira página, o jornal Imprensa Popular afirmou: “DUAS SENHORAS ESPANCADAS QUANDO FAZIAM PROPAGANDA EM DEFESA DA PAZ.”112 Segundo o periódico, “prosseguindo em sua campanha de terror contra os Partidários da Paz, a polícia carioca cometeu ontem mais uma violência, prendendo e espancando em plena rua as senhoras Nadia Teixeira Peralva e Maria Cândida Bonfim.”113 Outro artigo relatava: “PARTIDÁRIO DA PAZ É PRESO E ESPANCADO PELA POLÍCIA”. 114 De acordo com o jornal, o “jovem operário defensor da causa da paz”, Milton Ivan Heller, foi preso no momento em que estava distribuindo seus panfletos em favor da paz. O periódico A Cidade, de agosto de 1949, apresentava a seguinte manchete: “PRESO E ESPANCADO O OPERÁRIO MIQUEAS RODRIGUES”. 115 O texto dizia que o próprio operário havia procurado a redação do jornal para denunciar as arbitrariedades da polícia. Como retrata o artigo, o trabalhador foi “arbitrariamente preso nas proximidades do edifício Darke de Matos, para onde se dirigia a fim de assistir à conferência pró-paz, no dia 25 do corrente.”116

______112 Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1949, p. 01. 113 Idem. 114 Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 16 de julho de 1952, p. 02. 115 A Cidade. Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1949, p. 02. 116 Idem.

128

Um documento do Departamento de Ordem Política e Social mostrava-se bastante relevante no que diz respeito à repressão dirigida pelo governo Dutra aos “movimentos Pró-Paz”. Nele, o inspetor chefe do setor trabalhista do Rio de Janeiro apresentava ao chefe do serviço de investigação117 uma relação com trinta e três nomes de pessoas detidas envolvidas nas campanhas contra a guerra e em favor da paz. O documento era rico em detalhes. Continha o nome, a idade, profissão, grau de participação nas campanhas pacifistas e o endereço de cada um dos enviados à delegacia. O seu teor era, assim, descrito:

“Sr. Chefe: Cumprindo às determinações expressas por V.s., cabe-me informar que ontem, cerca das 18,20 horas, quando se achavam reunidos a rua Afonso Cavalcante no: 134, sede da União dos Operários Municipais, a fim de tratarem sôbre a articulação de planos de sabotagem e agitação, com os quais pretendem impedir a participação do Brasil numa possível guerra, foram detidos os seguintes indivíduos: Alcindo Dias Tavares – 39 anos – funcionário municipal [...]. José Raimundo Gonçalves Leite – 27 anos – membro do M. A. I. P. – Movimento de Ajuda a Imprensa Popular – membro da Organização Brasileira da Paz e da Cultura [...]. Grinjalva de Almeida Cabral – 22 anos – trocador de ônibus [...]. João Paulo Santana de Oliveira – mecânico – membro da Comissão Organizadora da Conferência dos Trabalhadores Cariocas pela Paz e contra as Armas Atômicas [...]. João Pedro Moura – 34 anos – empregado da prefeitura [...]. José Amâncio Luiz – 31 anos – ferroviário – escrevia artigos para ‘ A Voz Operária’ [...].”118

É possível perceber, através da análise do documento, que todos possuíam profissões que não exigiam o nível superior, sendo muitos deles operários. Os jornais da grande imprensa também noticiavam as prisões efetuadas pela polícia, mas sob um outro enfoque. Para a imprensa não comunista, a campanha em apoio

______117 O documento não revelava o nome dos chefes. 118 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Dossiê – DPS – Polícia Política, Dossiê 470. É preciso mencionar que optou-se por não divulgar todos os trinta e três nomes devido `a possuírem, muitos deles, a mesma profissão. Também não foram destacados os endereços, para não alongar demasiadamente a fonte, distanciando o interesse da análise, e preservar a privacidade dos supracitados, caso ainda residam, ou seus familiares, nos mesmo locais. 129 ao “Apelo de Estocolmo” era manobra dos comunistas para a perturbação da ordem e a derrubada dos regimes democráticos e capitalistas em todo o mundo. Como demonstra o jornal A Noite em sua manchete: “OS COMUNISTAS EM ATIVIDADE: PRESOS DOIS ‘AMIGOS DA PAZ’”.119 O artigo relatava que Benedito do Nascimento e José Arruda de Alencar haviam sido presos quando “distribuíam prospectos ‘Pró-Paz’.” Em outro artigo, do Diário Trabalhista, podia ser lido: “CONCEDIDO ‘HABEAS-CORPUS’ A TRÊS ‘AMANTES DA PAZ’”. 120 De acordo com o periódico, o juiz da 12a Vara Criminal, Luiz Afonso Chagas, concedeu o habeas-corpus “em favor de diversas pessoas presas pela Polícia Política e Social quando pregavam alguns cartazes alusivos à Campanha da Paz”.121 Para o juiz encarregado de analisar a ação criminal, o habeas-corpus foi concedido por uma simples razão: “os cartazes não atentam contra a segurança do Estado, conforme consta no auto de apreensão.”122 Nesse ponto, ao menos duas questões podem ser destacadas. Em todos os momentos, nos periódicos da grande imprensa analisados, as palavras e frases relacionadas às campanhas em favor da paz e contra as bombas atômicas encontravam-se invariavelmente entre aspas, demonstrando claramente as suspeitas sobre o pacifismo dos comunistas. Outra questão é a de que havia pessoas, até mesmo ocupando cargos públicos no governo brasileiro, que não consideravam as campanhas pela paz uma ameaça à ordem social vigente daquele momento, ou um plano comunista para a tomada de poder, como apresentavam os órgãos de repressão. Na medida em que o tempo passava, intensificava-se, ainda mais, a perseguição aos “Partidários da Paz”. Em relatório enviado ao delegado auxiliar, diretor do Departamento de Ordem Política e Social (D. O. P. S.), Elpidio Reali, o Chefe de Gabinete do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, A. Junqueira Ayres, relata a prisão de mais um “elemento comunista”. Segundo Junqueira Ayres, o documento anexado no dia 15 de dezembro de 1950 era pertinente “ao comunista Palamede Borsari, preso em Havana, quando estava investido da qualidade de representante do Brasil no II Congresso Internacional Pró Paz”.123 Como esse, muitos outros casos foram catalogados nos arquivos ______119 Idem. 120 Idem. 121 Idem. 122 Idem. 123 Arquivo Nacional. MJ/Segurança Nacional. Série Justiça. Documento Ij1 1329, ano de 1950.

130 do D. O. P. S. Muitas pessoas, militantes comunistas ou não, foram fichadas pelos órgãos de repressão do governo Dutra, e muitos artigos denunciando a repressão política e policial perpassavam as páginas da imprensa comunista. Entretanto, nenhum deles ganhou tamanha repercussão como o caso da militante comunista Elisa Branco, uma operária, casada com um operário, e que possuía grande prestígio entre os militantes. No dia 7 de setembro de 1950, nas ruas de São Paulo, participando de uma manifestação em favor da paz e contra a guerra da Coréia, abriu uma faixa com os seguintes dizeres: Os soldados nossos filhos não irão para a Coréia. Quando encerrada a manifestação, começou a implacável perseguição. Saindo da passeata a pé, enrolou a faixa e a pôs debaixo do braço. Estava sendo perseguida e quando percebeu o que estava acontecendo já era tarde. Tomou o bonde, e quando descia, procurando fugir dos policiais, foi presa e levada para a detenção. Permaneceu lá por um ano, ficando alojada junto às presas comuns. Durante todo o período de sua prisão, inúmeras manifestações foram realizadas no local onde se encontrava. Os protestos eram inúmeros e a imprensa comunista condenava duramente a ação do governo. Nos jornais comunistas, a partir da data de sua prisão, sempre eram lançados artigos pedindo a sua liberdade. Nos congressos, comícios, conferências e até em simples reuniões dos militantes, a polícia estava presente. A vigilância não cessava. Como confirma D. Brites em suas memórias: “toda noite tínhamos uma moça que nos espionava, era tira mesmo.”124 Num outro momento, em uma reunião em São Paulo, para decidir quem iria representar o estado num congresso pela proibição das armas atômicas no Rio de Janeiro, D. Brites observou: “e se tomaram as últimas decisões com nada menos de cinco ou seis homens do DOPS dentro da sala mais a tal moça e mais uma gordona que apareceu na sala.”125 Um outro caso interessante, em que D. Brites diz ter sentido um medo enorme, foi durante um trabalho organizado pelo PCB, no chamado “escritório da paz”, no 11o andar de um prédio localizado na Praça da Bandeira, em São Paulo, quando confeccionava faixas e cartazes para a campanha pela proibição das bombas atômicas. Nesse dia, a sua amiga Ana precisou sair e ela ficou sozinha na sala, quando de repente surgiu uma mulher:

______124 BOSI, Ecléa. Op. cit., p. 280. 125 Idem. 131

“- As senhoras aqui dão remédio? - Não, senhora. Estou me preparando para sair. - Não estou me sentindo bem. Pode me dar um copo d’água? Ela tomou e depois disse: - O que é que as senhoras fazem aqui? - Estou servindo uma amiga que trabalha aqui. - Como é o nome de sua amiga? Dei um nome qualquer e disse: - A senhora me dá licença, vou sair já. Devolvi a chave para a Ana: - Não posso ficar mais lá. Podem até me matar e não tem ninguém, ninguém, ninguém.” 126

Concluindo , D. Brites revelou: “Medo é uma coisa humana. Tenho medo de apanhar, o que vou fazer?”127 Num determinado momento da história do Partido, sob a nova linha política pacifista, muitos militantes acreditaram e defenderam a causa da paz. Sabendo os riscos que corriam, diversos membros do PCB não se deixaram amedrontar pela repressão e, embora o “Movimento pela Paz” e a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” tenham sido severamente reprimidos pelo governo de Eurico Dutra, os comunistas brasileiros continuaram firmes no propósito de recolher as assinaturas.

______126 Idem. 127 Idem. 132

Capítulo 4 – “Esforço Frustrado”

“Assine senhor. Se for preciso me ajoelharei para colher a sua assinatura...” (Divulgado pela “Rádio Difusora”, de São Paulo. Programa “DEFENDENDO O DIREITO DE VIVER - patrocinado pela “Cruzada Humanitária pela Proibição das Armas Atômicas”. São Paulo, 21 de agosto de 1950.)

Pedagogia militante

Nos primeiros meses de 1950, podia-se ler, na imprensa comunista, notícias sobre a adesão “em massa” de homens e mulheres, crianças, jovens e idosos de diferentes camadas da sociedade. Diversas manifestações públicas contra a guerra e a favor da paz eram realizadas. O Comitê dos Partidários da Paz da Grã-Bretanha lançava a palavra de ordem: “fazer de 1950 um ano de paz.”1 Nesse ano, os esforços deveriam ser redobrados e aos “combatentes da paz” a honrosa tarefa de coletar mais assinaturas. No âmbito internacional, a imprensa comunista divulgava a rápida propagação do “Apelo de Estocolmo”. Diversos países aderiam à “Campanha” contribuindo com milhares de assinaturas. Em alguns países, não só conseguiam as firmas, como também ultrapassavam suas previsões. Em vinte de maio de 1950, relatava o jornal Voz Operaria, “na Alemanha, na pequena cidade de Furth, onde o objetivo inicial era de recolher 10.000 assinaturas, estas chegaram a 15.000. Na Comuna de Stuthurge a população assinou o Apelo de Estocolmo na proporção de 80 por cento.”2 Fazia ainda uma pequena tabela, mostrando os resultados do “Apelo” em diversas cidades da Alemanha. Em Dusseldorf, a primeiro de maio, foram recolhidas 38 mil assinaturas. Em Colonia, 30.600; em Essem, 28.000; em Nuremberg, 38.000 e em Munich, 22.000 assinaturas. Em Hamburgo, revelava Voz Operaria,

______1 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1950, p. 4. 2 É preciso salientar que a coleta de assinaturas pela proibição das armas atômicas não teve início somente a partir do “Apelo de Estocolmo” . Em 11 de fevereiro de 1950, publicou o jornal Voz Operaria que, no Canadá, “uma grande reunião dos partidários da paz, (...), decidiu angariar 40 mil assinaturas em favor das armas atômicas”.

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“o famoso escritor Arnold Zweig presidiu uma conferência da qual participaram 1038 delegados da classe operária notadamente os portuários e os ferroviários. Apesar da campanha de intimidação e provocações do prefeito de Hamburgo, 51.001 assinaturas foram recolhidas ao apelo para a interdição da bomba atômica.”3

Na Romênia e na Bulgária, retratavam os jornais comunistas, haviam sido coletadas, até a primeira quinzena de maio, dezenove milhões de assinaturas contra a bomba atômica. Ainda na Romênia, destacava o jornal, “existem 237.000 voluntários recolhendo assinaturas para o Apelo de Estocolmo em favor da proibição da bomba atômica. São operários, camponeses, estudantes, sacerdotes, soldados e jornalistas. Dessa tarefa participam homens e mulheres, rapazes e moças, que vão às fábricas, às repartições, aos escritórios comerciais, de casa em casa.”4

Como essas, manchetes e notícias do mundo inteiro eram veiculadas pela imprensa comunista. Havia, até mesmo, no periódico Voz Operaria, uma seção dedicada aos assuntos e notícias internacionais da “Campanha pela Interdição das Bombas Atômicas” intitulada: “A Campanha de Assinaturas”. É possível notar que a Campanha não apenas angariava milhares de assinaturas, como também conquistava novos “combatentes da paz”. Pessoas de diversos setores da sociedade, não importando sexo ou idade, aderiam à Campanha contribuindo com suas assinaturas para o fim dos arsenais atômicos em todo o mundo. Da mesma forma, o jornal dizia: “Na França, o Apelo está assinado por operários de fábricas, oficinas, portos, funcionários públicos, homens da rua. Os recolhedores de assinaturas visitam todos os locais de trabalho, vão de casa em casa, ás escolas, ás repartições, etc”.5 Assim, é possível perceber que a Campanha crescia cada vez mais, e, continuando com essa velocidade, os resultados seriam certamente alcançados. Até meados de maio de 1950, a imprensa comunista dava uma parcial dos resultados da Campanha de assinaturas em diversos países do mundo. Apresentava que, na Hungria, já haviam sido recolhidas 6 milhões e 600 mil assinaturas, na Romênia, 4 milhões, na Bulgária, 5 milhões, na Alemanha (República Democrática), 5 milhões e 500

______3 Voz Operaria, Rio de Janeiro, 20 de maio de 1950, p. 04. 4 Idem. 5 Idem, 27 de maio de 1950, p. 04. 134 mil, na Alemanha Ocidental, 150 mil assinaturas e no Japão, relatava Voz Operaria que milhões de assinaturas estavam sendo recolhidas, e que, em apenas um dia, “num só ato público realizado em Tóquio, o Apelo em favor da proibição das bombas atômicas recebeu 20.000 assinaturas.”6 Dessa maneira, os comunistas apresentavam em sua imprensa que, devido ao grande entusiasmo demonstrado por pessoas do mundo inteiro, assinando o Apelo de Estocolmo, era verdadeiramente possível conquistar a cifra desejável na coleta de assinaturas, a fim de conseguirem proibir a utilização de armas atômicas em quaisquer tipos de conflito e condenar como criminoso de guerra aquele que primeiro a utilizasse contra qualquer país. A partir de 1950, o jornal Voz Operaria dedicou sua página quatro, sob o título de “Ação em defesa da paz”, exclusivamente a matérias sobre o “Movimento pela Paz” e a “Campanha pela Interdição das Armas Atômicas”. Divulgou notícias nacionais e internacionais, assim como todas as ações em favor do movimento. Lançou mão de artigos que incentivavam e, ao mesmo tempo, tensionavam os militantes a cumprir suas cotas de assinaturas, destacando esforços individuais e coletivos que superaram os obstáculos e obtiveram êxito em suas jornadas pela proibição das armas nucleares. Em Vila Isabel, no Distrito Federal, afirmava o jornal comunista, havia sido instalada uma seção da Liga de Defesa das Liberdades Democráticas, e uma de suas resoluções foi o apoio à “Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas”. No dia seguinte ao ato de instalação da seção da Liga naquele bairro, “foi realizado um comando de porta em porta visitando 80 famílias em menos de 2 horas e conseguindo mais de 500 assinaturas.”7 Em Salvador, no bairro Estrada de Liberdade, “de composição acentuadamente operária e o mais populoso da cidade, foi organizado um grupo coletor de assinaturas do Apelo de Estocolmo, constituídos por cinco garotos. O mais velho tinha 13 anos e o menor 11.”8 Segundo informações do periódico, o grupo já havia realizado três grandes comandos, sendo recolhidas 1.344 assinaturas. Ainda na Bahia, em Feira de Santana,

______6 Idem. 7 Idem, 29 de julho de 1950, p. 4. 8 Idem.

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“num só dia, os partidários da paz, em vários comandos, recolheram 1500 assinaturas ao Apelo de Estocolmo. Um desses comandos foi realizado na feira da cidade, colocando os coletores um cartaz numa mesinha representando uma cena da destruição de Hiroshima. Centenas de assinaturas foram recolhidas por esse grupo.”9

A imprensa comunista relatava, ao longo dos meses, o crescente apoio de diversos estados brasileiros, destacando São Paulo como “vanguarda” da campanha, pois era o estado que mais arrecadava assinaturas para o “Apelo”. Em Minas Gerais, a União Geral dos Trabalhadores lançava “um manifesto condenando a arma atômica e considerando criminoso de guerra o governo que primeiro a utilizar contra qualquer pais.”10 Após as declarações daquela instituição, concluía o jornal, “seguiram-se imediatas manifestações em fábricas e fazendas, em apoio ao Apelo de Estocolmo.” No Ceará, a secretaria da Associação Cearense de Defesa da Paz e da Cultura revelou à imprensa local que já teriam sido recolhidas mais de trinta mil assinaturas. Dentre os que mais arrecadaram, estava a Associação das Mulheres, seguida pelos trabalhadores do porto. Segundo os orientadores da campanha, trabalhadores de diversos setores da economia brasileira davam sua colaboração ao movimento. Um artigo de Voz Operaria dizia: “os trabalhadores de ‘O MOMENTO’, jornalistas, funcionários e gráficos, já contribuíram com 4.500 assinaturas.”11 Outro artigo afirmava que trabalhadores da empresa Circular, de transportes urbanos da Bahia, teriam conseguido mais de 3.500 assinaturas. Essas e diversas outras reportagens eram encontradas com bastante freqüência na imprensa comunista. A primeira impressão que se tem ao ler as notícias era a da certeza na conquista dos 4 milhões de assinaturas destinados ao Brasil. Como revela Baczko, todas essas crenças, idéias e mitos, partilhados pelos militantes comunistas, “articulando entre si, traduzem no plano imaginário a grande mola impulsionadora da dinâmica dos revoltosos, isto é, a esperança, senão mesmo a certeza, de uma vitória próxima e fácil.”12

______9 Idem. 10 Idem. 11 Idem. 12 BACZKO, Bronislaw (a). Op. cit., p.321.

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É dessa maneira, também, que os comunistas vão manifestar suas esperanças na “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”. A crença na vitória movia a militância, fornecendo-lhe o ânimo necessário para a busca incansável de mais assinaturas ao “Apelo de Estocolmo”. Assim como o mito da inevitabilidade da revolução, que levaria o mundo do capitalismo ao socialismo, o mito do pacifismo soviético direcionava os comunistas no caminho da vitória pela paz. Acreditavam na certeza infalível da vitória final. De acordo com Reis Filho, “as organizações comunistas brasileiras cultivariam com dedicação o mito da revolução inevitável.”13 Assim, sendo a revolução um destino, era de se esperar uma visão sempre otimista. Era “uma lei natural”. Sob essas circunstâncias, afirma o autor, para os comunistas, “em momentos cruciais, sempre prevalece a confiança na vitória.”14 Motivados por essa esperança, ou mesmo a certeza, é que muitos militantes dedicavam-se, cada vez mais, às suas tarefas. Esforços solitários eram revelados no decorrer da campanha a fim de convencer o leitor a tornar-se um “combatente da paz”, fazendo-o conseguir novas assinaturas junto aos colegas de trabalho, amigos, parentes etc., e não apenas a sua própria. Os exemplos individuais, por outro lado, mostravam aos militantes comunistas que as barreiras deveriam ser superadas. A tarefa de coletar assinaturas para o Apelo de Estocolmo era seu dever principal, não devendo outras questões interferirem em seu curso. Assim, podia ser lido na imprensa:

“Uma violinista, partidária da paz, incumbida de tocar a Marcha Nupcial, durante um casamento em uma igreja do Distrito Federal, levou consigo diversos exemplares do Apelo de Estocolmo. Finda a cerimônia, a violinista aproveitou o ambiente de fraternidade reinante, e se dirigiu a cada um dos presentes. Ao apresentar o apelo, lembrou que a utilização da bomba atômica ameaçava a felicidade e a vida do jovem casal. Foram unânimes as adesões ao Apelo de Estocolmo.”15

______13 REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro. Op. cit., p. 108. 14 Idem. 15 Idem, 24 de junho de 1950, p. 4.

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O militante comunista não deveria “vacilar” em nenhum momento. Qualquer situação que presenciasse em seu quotidiano era uma oportunidade de angariar mais assinaturas, contribuindo não apenas para a campanha, mas para a consolidação da paz. Um artigo, chamado “Êxito Notável”, denotava o esforço de uma partidária da paz, de São Paulo, pertencente à Federação das Mulheres, que, em uma única tarde, conseguiu mais de 500 assinaturas para o Apelo de Estocolmo durante uma visita que fez às obras de reparação do Estádio Municipal do Pacaembu. Dizia o jornal que “todas as pessoas a que foram explicadas as conseqüências terríveis da guerra atômica sobre os esportes, assinaram imediatamente o apelo. Isto, desde os operários que estavam trabalhando, até os simples visitantes.”16 Em um artigo denominado “Exemplo de Luta pela Paz”, Voz Operaria relatava que o jovem camponês Plácido Dantas Lima, de 15 anos de idade, percorreu a pé “grandes distâncias”, visitando diversas fazendas de cacau e conseguindo, até 23 de setembro de 1950 – lembrar que a campanha teve início em março do mesmo ano –, 1.300 assinaturas em prol da proibição da utilização das armas atômicas como armas de guerra. Numa das ruas do Rio de Janeiro, Maria Luiza K. Lins e Silva foi abordada pelos “combatentes da paz” que lhe pediram para assinar o “Apelo de Estocolmo”. Após uma breve explicação sobre o assunto, respondia Maria Luiza: “assino por mim e pelos meus quatro filhos.”19 A cena da Sra. Lins e Silva, cercada de seus quatro filhos, saiu impressa na primeira página de Voz Operaria, em junho de 1950. Quando indagada sobre os horrores de uma guerra atômica, ela relatou: “Quem, mais do que as mães, pode ter apreço pela vida e procuram defendê-la?” O artigo, no intuito de causar sensacionalismo, concluiu:

“Esta mesma fotografia..., mostra o que todas as mães têm o sagrado dever de defender a vida de seus entes queridos esta felicidade e esta tranqüilidade de mãe reunida às suas crianças. As mães de todos os países não poderão consentir na repetição dos crimes de Nagasaki e Hiroshima, onde a bomba atômica matou milhares de crianças no berço ou no regaço de suas progenitoras. Salve a vida de seus filhos! Assine o Apelo de Estocolmo!”18

______16 Idem. 17 Idem, 17 de junho de 1950, p. 1. 18 Idem. 138

Como já mencionado anteriormente, os jornais comunistas, com essa linguagem, procuravam sensibilizar o leitor, sobretudo as mulheres, resgatando um sentimento materno que pudesse causar impacto a ponto de aderirem à campanha, assinando o Apelo. Uma professora municipal, confirmava o jornal, “com a ajuda de seus alunos, conseguiu mais de 4 mil assinaturas. Entregando cópia do Apelo aos alunos verificou, com entusiasmo, que os pais das crianças não só assinavam, mas se transformavam também em coletores de assinaturas.”19 O mesmo artigo apresentava duas pessoas que, individualmente, destacaram-se na campanha: o radialista Mário Lago, em São Paulo, que coletou mil assinaturas, e a jovem tecelã Mariana Lopes, com mais de 9 mil já coletadas. Concluía o jornal afirmando: “estes êxitos demonstram que a vitória da campanha depende exclusivamente da compreensão política e do entusiasmo dos partidários da paz, de que não vacilem em se dirigir a massa, em qualquer ocasião e em qualquer local.”20 Dessa maneira, os militantes eram tensionados a participar com grande determinação na tarefa pela coleta de assinaturas. O êxito da campanha, no entender dos dirigentes comunistas, dependia do sucesso da militância. Com isso, a direção partidária eximia-se de um possível fracasso na obtenção das quotas. Todavia, se os quatro milhões de assinaturas fossem obtidos, a vitória seria do partido, pois seria sob sua liderança que os militantes poderiam alcançar os objetivos. Isso fazia parte do que Reis Filho chamou de “complexo da dívida”. Nesse contexto, o Partido é a encarnação de uma vontade coletiva, politicamente organizada, detentor de um saber maior, porque científico e social. Ao ingressar no Partido, integrando- se e fazendo parte de uma vontade coletiva, o militante assumirá, por um lado, sensações e noções de superioridade. Portanto, distingue-se das pessoas comuns. Possui um saber especial – o marxismo-leninismo – e um poder, que daí decorre, sobre elas e os acontecimentos. Por outro lado, afirma o historiador,

______19 Idem, 22 de julho de 1950, p. 12. 20 Idem.

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“o militante sabe – mais ou menos conscientemente (e o Partido o lembrará freqüentemente) – que sua superioridade é relativa, porque, deriva, única e exclusivamente, do Partido. O saber e o poder de cada militante são dádivas do Partido e da vida partidária. Por maiores que sejam suas capacidades, o militante nunca deverá esquecer duas coisas: suas prerrogativas e conhecimentos jamais se igualarão as prerrogativas e conhecimentos do partido e, em segundo lugar, foi sua inserção no Partido que tornou possível adquirir o que possui.”21

É importante perceber, nesse momento, a compreensão de uma inferioridade que vai marcar o militante, em relação ao partido, por toda sua vida partidária. A figura do débito, pode-se dizer, sempre estruturou a prática social dos comunistas. “Incorrendo em erros, terá faltado ao Partido, deverá acerto de contas, autocríticas. Nas vitórias, não terá senão cumprido o dever revolucionário e aplicado a linha do Partido”.22 Com isso, os militantes deveriam superar todas as dificuldades, transpor todos os obstáculos e honrar a dádiva que lhe fora concedida. Atingir suas quotas de assinaturas em prol da campanha contra as bombas atômicas era, naquele momento, a maneira de honrar parte de sua dívida para com o Partido. Desde o início da campanha, os comunistas procuravam engrossar suas fileiras com personalidades de destaque na sociedade brasileira (figuras 22 e 23). A intenção era atrair um número maior de “partidários da paz” que colaborassem com o movimento. Acreditavam que, com figuras proeminentes na literatura, na religião, nas artes, nos esportes, na política etc., conseguiriam cobrir a quota nacional e até mesmo ultrapassá-la. Os comunistas aproveitavam as declarações de algumas personalidades brasileiras, não filiadas ao PCB, para se defenderem das acusações de que a campanha pela proibição das armas atômicas era uma “manobra” dos comunistas e da União Soviética. Diversos panfletos23 entregues à população iniciavam seus esclarecimentos da seguinte maneira:

“Aos Que Afirmam: ‘Essa campanha pertence a um partido político’

______21REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou o encontro. Op. cit., p. 119. 22 Idem. 23 Merece aqui destacar que o conteúdo de muitos panfletos era reproduzido na imprensa comunista - esse é um exemplo.

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DIZEMOS: ‘O Apelo de Estocolmo foi lançado por diversas personalidades de renome mundial e pertencentes a correntes políticas as mais diferentes. A primeira assinatura foi a do grande sábio francês Joliot-Curie. Com êle assinaram mais de cem pessoas de fama internacional, tais como Madame Coiton, presidente da Federação Internacional das Mulheres, General Lázaro Cárdenas, ex-presidente do México, o ex-procurador geral dos Estados Unidos, John Rogger, amigo e colaborador de Roosevelt, o escritor soviético Illya Ehrenburg, o abade católico Jean Boulier, o líder sindical mexicano Lombardo Toledano, Pietro Nenni, presidente do Partido Socialista italiano e o Deão de Canterbury, além de outros. São essas algumas personalidades que compõem o Comitê Permanente eleito no Primeiro Congresso dos Partidários da Paz realizado em Paris e em Praga em abril de 1949, cujos delegados representavam 600 milhões de seres humanos.”24

O panfleto continuava afirmando que a campanha não servia aos interesses de um país ou governo. Retratava que o “Apelo de Estocolmo” limitava-se a colocar três simples questões: a proibição da arma atômica, o controle que garantisse essa proibição e a condenação como criminoso de guerra do governo que primeiro a utilizasse. É interessante notar que a fim de melhor esclarecer que a campanha não era uma articulação comunista e que a URSS não tinha o menor interesse em fazer guerra, confirmava que a bomba atômica não era monopólio de um só país, deixando-se entender que já existia a arma atômica soviética, e que ela sendo a favor da paz não aceitaria as provocações de guerra dos norte- americanos. Merece destacar que isso fazia parte da propaganda comunista, onde o par antagônico Bem versus Mal era constantemente explorado. Os comunistas, através de sua imprensa, apresentavam-se como os verdadeiros salvadores da humanidade e preservadores da paz, enquanto os Estados Unidos e os países capitalistas eram destruidores de vidas humanas e exploradores dos países que queriam ser livres. Outro panfleto bastante divulgado pelos comunistas apresentava o seguinte título: “10 OBJEÇÕES E RESPOSTAS”.25 Nele, os comunistas apresentavam as possíveis perguntas mais freqüentes dos cidadãos brasileiros a respeito da referida campanha. Na primeira página do panfleto vinha a seguinte objeção:

______24 Arquivo Nacional. MJ/Segurança Nacional. Panfletos Ij1 1325, ano de 1950. 25 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Departamento de Política Social (DPS), Panfleto 76, ano de 1950.

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“AOS QUE DIZEM: ‘POR QUE PROIBIR SÒMENTE A ARMA ATÔMICA E NÃO TODAS AS ARMAS DE DESTRUIÇÃO COLETIVA?’ RESPONDEMOS:

CONSEGUIR a interdição da arma atômica é recuar a ameaça mais grave, é por fim à ‘guerra fria’, criar um clima favorável a negociações entre as grandes potências e dar o primeiro passo no caminho do desarmamento geral. [...]”26

Havia no panfleto outras nove objeções, todas respondidas sem hesitações, e de maneira firme e contundente. Perguntas do tipo:

“AOS QUE DIZEM: ‘EM PRIMEIRO LUGAR É PRECISO ORGANIZAR O CONTROLE DA ARMA ATÔMICA’ RESPONDEMOS:

ISTO SERIA o mesmo que aplicar uma lei antes de promulgá-la. É evidente que é preciso, em primeiro lugar, proibir a arma atômica e em seguida controlar a aplicação desta medida. Como seria possível verificar a execução de uma determinação que ainda não foi aceita? Por isso o Apelo exige a proibição absoluta da arma atômica, e a seguir, o controle rigoroso desta medida. [...]

AOS QUE DIZEM: ‘A ARMA ATÔMICA NÃO ME ATINGIRÁ’ RESPONDEMOS:

A EXPERIÊNCIA demonstra que as guerras modernas reservam dolorosas surpresas aos que se julgam em segurança. Os habitantes de Narvick, de Tobrouk, de Conventry, de Varsóvia, de Oradour, de Nagasaki, de Hiroshima, por acaso estavam conscientes de que os horrores da guerra os atingiriam tão em cheio? E, mesmo admitindo-se que alguém tenha a esperança de escapar ao massacre, será possível que admita que milhões de inocentes sejam assassinados ao seu lado. [...]

AOS QUE DIZEM: ‘NINGUÉM OUSARÁ UTILIZAR A BOMBA ATÔMICA’ RESPONDEMOS:

______26 Idem.

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A BOMBA ATÔMICA já foi utilizada em 6 de agosto de 1945 sobre Hiroshima e depois sobre Nagasáki, fazendo cerca de 150 mil mortes.[...] E Truman, presidente dos Estados Unidos, que ordenou o lançamento das primeiras bombas, repeliu em Pocatello, em maio deste ano: ‘Eu o fiz então e vos digo que fá-lo-ei outra vez se for necessário’.

AOS QUE DIZEM: ‘PARA QUE PODE SERVIR UMA SIMPLES ASSINATURA?’ RESPONDEMOS:

AS ASSINATURAS reunidas em todos os pontos do globo traduzirão a vontade irresistível de Paz dos povos. Os mandatários eleitos deverão levá-las em conta. Os parlamentares deverão preocupar-se com ela. Os governantes lhe deverão prestar maior atenção. Os fautores de guerra recuarão diante desta reprovação de milhões de seres humanos, que os ameaçam de um implacável se atentassem contra sua vida e seu patrimônio. [...].”27

Além dessas, outras perguntas e respostas eram divulgadas pelos comunistas em seus panfletos. Todavia, inúmeros deles eram uma tentativa de não vincular a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” ao PCB, nem aos interesses da União Soviética. Como é possível perceber, os comunistas procuravam mostrar que ninguém estaria a salvo diante de uma guerra nuclear. O perigo de um conflito internacional de proporções catastróficas, utilizando a energia atômica, não era apenas fantasia ou especulação. As declarações apresentadas pela imprensa comunista, relatando a possibilidade de serem utilizados os arsenais atômicos norte-americanos num outro confronto militar, e, por sua vez, a resposta de países que já possuíam tal armamento, Causavam, na opinião pública mundial, um enorme temor, agravando, ainda mais, a tensão existente naquele momento. Os comunistas manifestavam suas esperanças na vitória dos Partidários da Paz em todo o mundo. Mas, para isso, era preciso proibir a utilização de armas atômicas como armas de guerra e realizar um efetivo controle internacional da política de armamentos. Assim, continuavam firmes na coleta de assinaturas. Compartilhavam a crença de que o meio mais eficaz de conseguirem seus objetivos – o fim

______27 Idem. 143 dos arsenais atômicos – era fazer com que milhões de pessoas do mundo inteiro conjurassem a proliferação das bombas atômicas, lutando, até mesmo contra seus próprios governos, para pôr fim a uma arma com tamanho poder de destruição. Além de personalidades internacionais, de um modo geral pouco conhecidas no Brasil, os jornais comunistas mostravam, em seus artigos, a adesão de brasileiros destacados na sociedade. O “Apelo de Estocolmo” já havia sido assinado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, pelo general Leitão de Carvalho, senador Mathias Olímpio (UDN), os deputados Plínio Barreto (UDN), Campos Vergal (PSP) e Gurgel do Amaral (PTB), sacerdotes como o padre João Batista de Carvalho (deputado PSD), Dr. Pedro Pernambuco Filho, professor da Faculdade Nacional de Medicina e representante da América Latina na Seção de Combate aos Tóxicos da UNESCO, Evandro Lins e Silva, criminalista, Oscar Niemeyer, arquiteto e autor do projeto da sede da ONU, os escritores Aníbal Machado, Aparício Torelly, Adalgisa Nery e Jorge Amado, Caio Prado Júnior, sociólogo, Édison Carneiro, etnólogo, os jornalistas Edmar Morel, Pedro Mota Lima, Arnaldo Estrela, pianista, os pintores Di Cavalcante, José Pancetti, Candido Portinari e Clovis Graciano, Alvaro Moreyra, presidente da Associação Brasileira de Escritores, Camargo Guarnieri, regente, Sra. Alice Tibiriçá, presidente da Federação das Mulheres do Brasil, Dr. Valério Konder, sanitarista, Roberto Gusmão, representante da UNE no Conselho da União Internacional dos Estudantes, Salomão Malina, ex-combatente da FEB e membro do Conselho da Federação Mundial da Juventude Democrática, Frei Ludovico, provincial dos franciscanos de São Paulo, o cientista Cesar Lattes, artistas como Mara Rúbia, Gregório Barrios e Nhô Totico, radio- atores como Leonor Navarro, Gessy Fonseca , Mário Lago e Lia de Aguiar, a educadora Branca Fialho e vários professores universitários. As declarações do embaixador Osvaldo Aranha ganharam grande destaque nos jornais comunistas, pois, não sendo filiado ao PCB, ajudaria “a desmascarar a torpe campanha dos traficantes de guerra que procuram apresentar como comunistas todos os combatentes da paz.”28 Dizia o embaixador: “a interdição da bomba atômica será o primeiro passo no sentido do desarmamento geral, sem o qual a paz viverá ameaçada pela

______28 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 8 de abril de 1950, p. 3. 144 força e pela brutalidade.”29 Suas declarações eram consideradas valiosas e ajudariam a repercutir, de maneira salutar, na Campanha. O artigo chegava ao final avaliando:

“finalmente as declarações do Sr. Osvaldo Aranha indicam a pujança já adquirida pelo movimento, no Brasil e no mundo, dos combatentes da paz, movimento que está empolgando e reunindo na mesma frente ampla luta de todos quantos prezam a paz e a liberdade, independente de raça, classe ou convicções políticas e religiosas. Fica assim demonstrado mais uma vez que o movimento pela paz não é obra nem causa apenas de um partido ou de uma classe, mas de toda a humanidade.”30

As declarações das personalidades brasileiras não deveriam, em momento algum, ser subestimadas, afirmavam os dirigentes comunistas. Tornava-se de extrema importância obtê-las, para que pudessem comprovar que a campanha pela proibição das bombas atômicas não era vinculada ao Partido Comunista do Brasil, muito menos que a campanha representasse os interesses da União Soviética. Os comunistas deveriam aproveitar o apoio das personalidades para atrair mais colaboradores e assinaturas em favor da campanha. Corroborando com as idéias apresentadas acima, um artigo de Voz Operaria, com o título “A Importância das Declarações das Personalidades”, relatava:

“essas declarações têm a maior importância junto a diversos grupos e setores da população, e demonstram que a campanha não é deste ou daquele Partido, contra ou a favor deste ou daquele país, mas de uma campanha de todos os povos por sua própria sobrevivência. Os partidários da Paz devem utilizá-las amplamente, munindo-se de recortes de jornais que as divulgaram, e exibindo-as ás pessoas que, por este ou aquele motivo, vacilem em assinar o Apelo de Estocolmo. Por seu turno, os jornais da imprensa popular, para ajudar o trabalho dos partidários da paz, precisam realizar o maior número possível de entrevistas com personalidades conhecidas.”31

É possível verificar, na análise das fontes, uma espécie de pedagogia militante, onde os dirigentes comunistas, através da imprensa, mas não apenas, auxiliavam a militância de base no modo de proceder, na intenção de conquistar mais assinaturas. Direcionavam ações práticas para os militantes e exigiam êxito no seu cumprimento. Como destaca Reis Filho, “a dinâmica das organizações comunistas é marcada por uma extensa ______29 Idem, 8 de abril de 1950, p. 4. 30 Idem, 8 de abril de 1950, p. 3. 31 Idem, 27 de maio de 1950, p. 12. 145 gama de atividades – ou tarefas. ‘Internas’ – realizadas para atender a imperativos da própria vida orgânica e ‘externas’, referentes à sociedade envolvente.”32 Os jornais comunistas mostravam-se de extrema importância no que concerne ao ensino das tarefas. Apresentavam através de exemplos, de maneira simples e didática, como os militantes deveriam agir em determinadas situações, como deveriam fazer para conseguir que diferentes segmentos sociais assinassem o Apelo, como abordar um trabalhador sem ser inconveniente, como esclarecer sem confundir, como convencer sem titubear. Enfim, explicitavam as melhores formas e condições para pedir aos operários, mulheres, jovens etc., que assinassem o apelo dos partidários da paz. Num dos artigos, intitulado “Como Pedir aos Operários que Assinem o Apelo de Estocolmo”33, os propagandeadores da campanha ensinavam, de maneira clara, simples e objetiva, com apenas três argumentos, como fazer com que aqueles trabalhadores dessem sua contribuição à causa da paz. No primeiro argumento, o partidário da paz deveria mostrar que a bomba atômica ameaçava a vida dos operários (figura 24). Ela, explicava o artigo, “é uma arma para o bombardeio das grandes cidades, para o massacre da população civil, e portanto atinge a população operária que não for mobilizada para a frente durante a guerra. Os bombardeios visam principalmente as zonas industriais, as fábricas, porque é interesse dos agressores destruir o potencial econômico do pais.” No segundo argumento deveria alertar que “a guerra atômica cria o desemprego, a fome e a miséria.” Ainda nesse ponto, mostrando que as destruições causadas pela bomba atômica paralisam a vida de qualquer cidade, arrasando bancos, fábricas, sistema de transportes, centrais elétricas etc., além de provocar o desemprego daqueles que conseguirem escapar de seus malefícios, dizia o jornal:

“A desorganização do comércio e dos transportes causará terrível crise no abastecimento e mais dificuldades recairão principalmente, como sempre, sobre a classe operária. Além da morte para muitos operários, a guerra atômica representa o desemprego, a fome e a miséria para os restantes.”34

______32 REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro. Op. cit., p. 124. 33 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 1o de julho de 1950, p. 4. 34 Idem.

146

Por fim, o terceiro argumento apontava: “os operários só têm a perder com a guerra atômica”. Dando continuidade as explicações de cada argumentação relatava:

“Quando não vão arriscar a vida nas trincheiras, os operários ficam submetidos ás leis da guerra (obrigado a trabalhar mais pelo mesmo salário; proibidos de mudar de emprego; sujeitos a prisão e conselho de guerra como desertores, etc.) e ainda sofrem as conseqüências da carestia de vida e do cambio- negro de gêneros alimentícios, que se agravam. Por isso, o interesse dos operários é de que haja paz.”35

Com esses três argumentos, acreditavam os comunistas, poderiam elucidar o “Apelo de Estocolmo” à classe operária e conquistar suas assinaturas. Outro artigo, também com três argumentos chaves, era destinado particularmente às mulheres. Do mesmo modelo que o acima destacado, questionava: “Como Pedir Assinaturas às Mulheres Para o Apelo de Estocolmo.”36 Articulavam suas reflexões, mais uma vez, recorrendo a uma certa sensibilidade feminina . Dirigindo-se aos apelistas, os propagandeadores da campanha frisavam: “eles precisam utilizar argumentos á compreensão e ao sentimento feminino, a fim de [convencê-las] a participar desta cruzada da humanidade...” Os argumentos eram: “1- Arma de Massacre de Mulheres e crianças”, “2- A Senhora Não Está Livre Disso” e “3- A Desgraça Ronda Seu Lar.” Com base nos três pontos apresentados, os militantes comunistas deveriam convencer e garantir a adesão das mulheres à campanha. A questão central das abordagens era mostrar que uma guerra atômica não estava longe de acontecer – para isso exemplificavam com a guerra na Coréia – e que todos sairiam perdendo. Vale lembrar que, assim como os outros artigos destinados a ensinar as tarefas aos militantes, esse possuía explicações complementares em cada argumento. O artigo destinado a atrair a atenção dos jovens era mais detalhado e apresentava cinco argumentos. Após o questionamento “Como Pedir aos Jovens que Assinem o Apelo de Estocolmo?”,37 os articuladores da campanha dirigiam-se aos coletores de assinaturas, principalmente militantes comunistas, dizendo: “fornecemos-lhe

______35 Idem. 36 Idem, 19 de agosto de 1950, p. 4. 37 Idem, 17 de junho de 1950, p. 4.

147 aqui algumas sugestões para a sua argumentação quando se dirigir aos jovens nas escolas ou nas fábricas, na rua ou nos campos de esporte, nas feiras ou nas filas de cinema.” Prosseguindo, encontrava-se o primeiro argumento: “Você tem amor a vida”. Enumerando as vantagens de ser jovem e, ao mesmo tempo, os reveses de ser um jovem operário que “sofre a exploração dos salários baixos e todas as privações que recaem sobre os trabalhadores”, mostrava que o futuro estava cheio de incertezas e fazendo a relação com o segundo ponto da argumentação – “A guerra atômica significa a morte” – perguntava: “mas se você quer mesmo viver, já pensou o que significa para os jovens a guerra atômica que se prepara”. Esclarecendo as diferenças entre a “guerra comum” (guerra de trincheira) e a guerra atômica, explicava que, na primeira, “você vai ao encontro da morte, no campo de batalha. Na guerra atômica a morte vem ao seu encontro, em sua casa”. Passando ao terceiro ponto – “Não há abrigo contra a bomba atômica” –, revelava que não havia nenhum local eficaz contra aquela arma e fazia a comparação com a destruição causada na cidade japonesa de Hiroshima, onde “65 mil casas” foram devastadas e “150 mil habitantes, entre os quais dezenas de milhares de jovens” foram mortos, afirmava que tudo que estivesse a 8 mil metros do ponto da explosão seria completamente destruído. No quarto argumento, adotando valores familiares e valores sentimentais de amor e amizade, expõe que, caso um indivíduo conseguisse sair vivo de uma explosão em sua cidade e “sua noiva”, “seus amigos” e “seus pais” tivessem sido mortos, “você perderia a razão de viver”. No último questionamento, mostrava que a decisão estava nas mãos do jovem leitor e pedia: “assine o Apelo pela proibição da bomba atômica” e “garanta a paz aos povos e á juventude de todo o mundo”. Um artigo bastante interessante, publicado por Voz Operaria em julho de 1950, ensinava, com detalhes, “Como Fazer Um Jornal Mural Contra a Bomba Atômica.”38 (figuras 25 e 26) Apresentava um modelo e pedia que conteúdo e orientação fossem conservados. Todavia, modificações poderiam ser introduzidas, de acordo com as condições locais e por iniciativa dos encarregados de sua confecção. Segue-se o modelo:

______38 Idem, 15 de julho de 1950, p. 04.

148

“1- Titulo: ‘PELA PROIBIÇÃO DA BOMBA ATÔMICA’ 2- Apelo do Comitê Mundial dos Partidários da Paz, pela proibição da bomba atômica... 3- Fotografias e revistas, mostrando o que seriam os efeitos da bomba atômica sobre o Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras. 4- Um artigo de fundo esclarecendo a Campanha pela Proibição da Bomba Atômica. Deve mostrar que milhões de pessoas de todas as classes sociais, crenças religiosas e partidos, pronunciam-se contra a arma atômica. (...) 5- Foto-montagem, (fotos de revista) ou desenhos, mostrando cenas de guerra. Legendas: ‘Isto é a guerra atômica - MORTE, LUTO, MISERIA, DESTRUIÇÃO. 6- Declarações de Osvaldo Aranha apoiando a campanha. (...) 7- Dados sobre os efeitos da bomba atômica. Em Hiroshima morreram 80.000 pessoas e 70.000 ficaram gravemente feridas. (...) O número de vítimas de Hiroshima é superior á população das capitais brasileiras: Manaus, São Luiz, Terezina, Natal, João Pessoa, Maceió, Aracaju, Vitória, Florianópolis, Cuiabá e Goiânia. (...) 8- Declarações de eminentes personalidades pela proibição da bomba atômica. (Ver coleção de ‘VOZ OPERARIA’, seção ‘Ação em Defesa da Paz’) 9- Foto-montagem, ou desenho, dando idéia da união do povo contra a arma atômica. Legenda: ‘TODOS UNIDOS, LUTAMOS PELA PROIBIÇÃO DA BOMBA ATÔMICA’.”39

Outro artigo procurava ensinar “Como Organizar Amplamente Os Comitês de Defesa da Paz”.40 O jornal Voz Operaria, em maio de 1950, levava a seus leitores a discussão realizada pelo Comitê Permanente do Congresso dos Partidários da Paz. A imprensa comunista retratava a importância de ampliar, nos diferentes países, as formas de atuação para a conquista das quotas de assinaturas. O “Movimento dos Partidários da Paz” estava preocupado em evitar formas “estreitas e exclusivas de luta”. De acordo com os dirigentes do Comitê Permanente dos Partidários da Paz, a troca de experiências entre militantes e o encontro de idéias os levariam a estabelecer determinadas normas para o melhor cumprimento das atividades e melhor alcançarem seus objetivos. O artigo definia seis pontos básicos para atender, de forma eficaz, a organização dos comitês de defesa da ______39 Idem. 40 Idem, 20 de maio de 1950, p. 04. Havia inúmeras organizações, assembléias e associações de paz e pela proibição das bombas atômicas em todo o Brasil. Organizações nacionais, estudantis, regionais, de bairros, de trabalhadores etc., tais como: Assembléia Nacional das Forças Pacíficas, Associação da Campanha Nacional Contra a Preparação de Guerra Atômica, Assembléia do Distrito Federal pela Paz, Assembléia Fluminense pela Paz, Associação Cearense de Defesa da Paz e da Cultura, Associação Democrática de Cascadura – Comissão Contra as Armas Atômicas, Associação Municipal pela Interdição da Bomba 149 paz. De acordo com os propagandeadores da “Campanha”, em seu primeiro ponto, havia a necessidade de uma “ampliação geográfica e política” do movimento. No entanto, afirmavam: “o desdobramento cada vez maior do nosso movimento terá que ser assegurado pela multiplicidade e pela continuidade das iniciativas, capazes de arrastar a esta ou aquela ação concreta este ou aquele grupo da população.”41 Nesse momento, os dirigentes comunistas estavam preocupados em atrair para as fileiras da campanha em prol do “Apelo de Estocolmo” diferentes grupos sociais, diversas parcelas da população, sobretudo personalidades. A segunda norma demonstrava uma preocupação ainda maior, devido ao fato de ter sido apontada como o grande entrave à ampliação do movimento. Conforme apresenta o periódico,

“a amplitude, a continuidade e a diferenciação das iniciativas, constituem os meios fundamentais aos quais os Comitês Nacionais deverão recorrer para afirmar sua autoridade e para adquirir uma fisionomia própria, procurando corresponder á amplitude e á justeza das nossas tarefas. A confusão do nosso movimento com este ou aquele outro movimento, com esta ou aquela outra organização, representa ainda, em vários países, um fator de limitação das formas e do desdobramento da nossa influência.”42

Aqui, é possível perceber a preocupação dos comunistas em não atrelar a “Campanha pela Interdição das Armas Atômicas” a qualquer outro tipo de campanha ou interesse do PCB. Para os articuladores da Campanha, “um sério esforço deve ser desenvolvido para eliminar todas as possibilidades de uma tal confusão, a fim de dar-se ao “Movimento dos Partidários da Paz”, por toda a parte, uma fisionomia isenta de qualquer estreiteza e conforme á universalidade dos interesses da Paz que defendemos.”43 Assim, os dirigentes comunistas começavam a pôr em discussão as práticas que haviam feito até ______Atômica (RJ), Comissão de Defesa da Paz de Nova Friburgo, Comissão de Defesa da Paz de São Lourenço, Comissão da Paz dos Trabalhadores da Light, Comissão Feminina Pró-Paz da Bahia, Comissão Fluminense de Defesa da Paz, Comissão Municipal de Juiz de Fora pela Interdição da Bomba Atômica, Comissão Municipal Pró-Paz de Barra Mansa, Comissão Pró-Paz de Bonsucesso, Comitê da Paz de Maria da Graça, Movimento Carioca pela Paz e Contra as Armas Atômicas, Movimento Interdição da Bomba Atômica, Associação Pernambucana pela Proibição da Bomba Atômica, Campanha em Defesa da Paz e da Cultura do Rio de Janeiro, Campanha pela Paz e Contra a Carestia, Centro Carioca dos Partidários da Paz, 41 Idem. 42 Idem. 43 Idem.

150 aquele momento, ligando a campanha contra as armas atômicas a diversas outras questões domésticas. A partir de maio de 1950, os dirigentes do Partido Comunista do Brasil vão debater essas questões – como poderá ser visto mais adiante – a fim de tomar a decisão correta para a maior propagação das suas campanhas pacifistas. Nos outros três pontos do programa de regularização das normas, os dirigentes comunistas confirmavam a necessidade de unir os diversos comitês (locais, de empresas, vilas, bairros, regionais, nacionais etc.) em prol de ações comuns, sem, contudo, deixar que ocorresse uma cristalização, ou burocratização do movimento que redundasse no afogamento da iniciativa das diferentes organizações aderentes. Era preciso apenas que as iniciativas estivessem ligadas, direta ou indiretamente, aos assuntos da paz. Desse modo, pode-se verificar que diversos artigos denotam características pedagógicas na intenção de munir os militantes de argumentos e didatismo para não fracassarem na obtenção das quotas. A necessidade de atingir o número de assinaturas destinadas ao Brasil fazia com que os comunistas utilizassem todos os recursos possíveis para garantir o sucesso da campanha. A ordem do dia era a de coletar assinaturas e nenhuma outra questão deveria estar à frente disso. Para a população, de uma maneira geral, não houve maior repercussão que as assinaturas dos integrantes da seleção brasileira de futebol de 1950. Os jornais comunistas aproveitaram-se da oportunidade da entrevista com os “craques” e divulgaram-na em página inteira. O técnico da equipe brasileira, Flávio Costa, ao ser abordado pela reportagem da Imprensa Popular, justificou a posição dos esportistas relatando: “Assinarei o APÊLO DE ESTOCOLMO com muito prazer. (...) Acho que a guerra e o esporte são duas coisas antagônicas. A guerra só serve para dividir os povos. O esporte, ao contrário, serve para uni-los.”44 Após as palavras, continuava o artigo confirmando que “seguindo

______Movimento pela Paz de Juiz de Fora, Movimento pela Paz de Nilópolis, Movimento Fluminense dos Partidários da Paz, Assembléia do Povo de São Gonçalo pela Paz, Movimento dos Bancários pela Paz, Conselho de Paz da Fábrica Maviles, Conselho da Paz da Tijuca, Conselho da Paz de São Cristóvão, Conselho de Defesa da Paz da Marinha Mercante, Conselho de Defesa da Paz do Banco do Brasil, Conselho de Paz da Penha, Conselho de Paz das Fábricas Maviles e Bonfim, Conselho de Paz de Maria da Graça, Conselho de Paz do Centro da Cidade, Conselho de Paz do Engenho de Dentro, Conselho da Paz dos Funcionários Municipais, Conselho de Paz Noel Rosa, Conselho dos Partidários da Paz de Barra Mansa, Conselho Portuário de Defesa da Paz e da Cultura, Conselho Pró-Paz do Bairro da Lapa, Conselho Provisório dos Jovens pela Paz, entre diversos outros. 44 Idem, 24 de junho de 1950, p. 12 (2o Caderno)

151 o exemplo de Flávio, todos os titulares da Equipe Nacional, e mais o pessoal técnico que a acompanhava, assinaram entusiasticamente o Apelo de Estocolmo. Nenhum só deles se recusou ou sequer vacilou em dar sua assinatura em favor da Paz.”45 Dando prosseguimento, a reportagem retratava que os membros da seleção de futebol italiana também tinham feito o mesmo. Danilo, dizia o repórter, resumia numa frase o sentimento de todos: “sob o signo da Paz marchamos para a vitória”.46 Ao centro, o periódico fazia questão de mostrar uma reprodução do original, com o nome dos jogadores e membros da comissão técnica que assinaram o Apelo. Ao final, os propagandeadores da campanha apresentavam a utilidade da reportagem e conclamavam todos os “combatentes da paz” que a aproveitassem na abordagem das pessoas dizendo:

“Você, leitor da Voz, que está trabalhando na coleta de assinaturas para o Apelo de Estocolmo, recorte esta página e trabalhe com ela. Nas suas visitas de casa em casa, ás escolas, durante as partidas de futebol, apresente o exemplo dos craques brasileiros. Mostrem que todos podem assinar o Apelo condenando a arma atômica, arma de terror e extermínio em massa de populações.”47

A repercussão das assinaturas dos jogadores da Seleção Brasileira de Futebol foi de tal maneira surpreendente que os jornais da grande imprensa noticiaram que os jogadores foram “enganados” pelos comunistas. O jornal O Globo, de 19 de agosto de 1950, noticiava em suas páginas: “CHANTAGEM CONTRA NOSSOS ‘CRACKS’!”.48 Segundo o periódico, os comunistas, de acordo com a técnica de lançar mão dos acontecimentos de maior popularidade para a propaganda de sua “nefasta doutrina”, não poderiam deixar escapar a oportunidade de explorar o Campeonato Mundial de Futebol que seria realizado no Brasil naquele ano. Como demonstra o artigo,

“e o fizeram da maneira mais desleal, que bem caracteriza os processos de sabotagem dos agentes de Moscou. Alguns elementos comunistas, dizendo-se ‘enviados da Igreja’, pediram aos cracks de nosso selecionado o apoio a um manifesto de Sua Santidade, o Papa, em prol da Paz universal. Assim, ludibriados, não tiveram os jogadores a menor dúvida em assinar tal manifesto.

______45 Idem. 46 Idem. 47 Idem. 48 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Dossiê – DPS – Polícia Política, Dossiê 30126.

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E – contam os próprios enganados – ainda lhes garantiram os desconhecidos – que as assinaturas [tinham] um destino: a benção do Vaticano.”49

No dia seguinte, era publicado pelo Diário Carioca: “Desfeita Pelos ‘Cracks’ Exploração dos Comunistas”. De acordo com o periódico,

“os ‘Cracks’ e os técnicos do ‘scratch’ brasileiro de Futebol ao Campeonato do Mundo desautorizaram, em declaração pública coletiva, suas assinaturas num manifesto pró-paz promovido pelos comunistas. [...] Ditas assinaturas foram obtidas à falsa fé, esclarece a referida declaração.”50

O jornal apresentava, na íntegra, a declaração feita pelo departamento técnico e pelos jogadores da Seleção Brasileira. Mostrava, também, suas assinaturas, da mesma forma como os comunistas haviam feito em sua imprensa. A declaração era textualmente a seguinte:

“O dever de lealdade ao Brasil e às instituições democráticas, tanto quanto o imperativo da própria consciência impõem-nos a declarar que fomos traídos, em nossa boa fé, aqui mesmo, na concentração em que nos preparamos para dignificar os foros desportivos do país, por emissário a serviço da doutrina que prega a desordem da Pátria e o desentendimento entre os brasileiros. À sombra do fraterno convívio daqueles que aqui nos vêm trazer a solidariedade desportiva de que tanto carecemos, nesta véspera do Campeonato Mundial de Futebol, [...], aquele emissário, em instante congratulatório de emoções, [...], deu a nossa assinatura a um documento de exortação e apelo em cujo texto apenas pensamos refletir-se em comunhão de vida universal, livre de ódio e de sangue. Mas, em verdade, o apelo foi publicado como manobra que visa solidariedade a um movimento cuja sorte é hostil à paz entre os povos. Eis porque fiéis ao Brasil e leais ao bem do desporto, a que lavramos solene repulsa ao desvirtuamento do nosso ânimo e nos declaramos em formal desacordo com o móvel daquele documento. [...] ‘Esta declaração reflete diretamente o pensamento da Seleção Brasileira e daqueles que a estão preparando e dirigindo. ‘Casa dos Arcos, 17 de junho de 1950.

(ass.) Flávio Costa, Vicente Feola, dr. Amilcar Giffoni, dr. Newton Pais Barreto, , Francisco Aranbum, Juvenal Amarijo, , Danilo Alvin, Francisco Rodrigues, Nelton Santos, Manoel Marinho Alves, Tomas Soares da Silva, João Ferreira, Carlos José Castilho, Albino Friaca

______49 Idem. 50 Idem. 153

Cardoso, Ovídio Dionísio, Alfredo dos Santos, Jair Rosa Pinto, Eli do Amparo, Adão Dorneles, Oswaldo da Silva, Rui Campos, Olavo Rodrigues Barbosa, José Carlos Bauer, Alfredo Eduardo Noronha, Ademir M. de Menezes e Mário Américo.”51

Com isso, os jornais da grande imprensa, em corroboração com a política de alinhamento do Brasil ao lado dos Estado Unidos, num movimento de perseguição ao PCB, em quaisquer que fossem suas inserções na sociedade, denunciavam, numa campanha de “desmascaramento”, todas as atividades dos “agentes comunistas” e suas “manobras” para enganar a boa fé dos cidadãos brasileiros. No entanto, os dirigentes e os militantes não esmoreceram. Continuavam a propagandear a campanha contra as bombas atômicas. No decurso da “Campanha”, foram criando novas alternativas para obter os resultados almejados. Nesse aspecto, questão bastante relevante para demonstrar o esforço dos comunistas rumo à obtenção das quotas destinadas ao âmbito nacional é verificada na proposta de um “concurso de assinaturas contra a bomba atômica”, lançado pelo jornal Voz Operaria, em 17 de junho de 1950. Segundo o periódico, o leitor que enviasse o maior número de assinaturas do “Apelo de Estocolmo” seria o vencedor. Havia premiação do primeiro ao quinto lugar e estavam assim distribuídas:

“1o LUGAR: uma viagem ao Rio, com estadia de 8 dias, se o colocado residir nos Estados; uma viagem a Salvador ou Recife, com estadia de 8 dias, se residir nesta capital. (Rio de Janeiro) 2o LUGAR: mil cruzeiros 3o LUGAR: um corte da casemira ou um corte de seda. 4o LUGAR: uma assinatura anual do diário ‘IMPRENSA POPULAR’ do Rio. 5o LUGAR: uma assinatura anual de ‘VOZ OPERARI’.”52

As bases do concurso eram prescritas por cinco itens, nos quais ficavam estabelecidos a data de encerramento do concurso (31 de agosto), os critérios para desempate53, os procedimentos para a melhor armazenagem das assinaturas em nome dos seus remetentes etc. Importa destacar que havia outros tipos de premiação, como medalhas, diplomas (figura 27), flâmulas etc. ______51 Idem. 52 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 17 de junho de 1950, p. 6. 53 Os critérios para desempate eram baseados nas experiências quotidianas dos combatentes da paz. Cada concorrente deveria enviar à redação de Voz Operaria, além das assinaturas, suas experiências durante o trabalho de coleta. 154

Os comunistas, através da imprensa, afirmavam ainda que o concurso era também um dever patriótico e que “como patriota e como pessoa dotada de uma consciência humana” não se podia fugir. Lembravam a todo o instante que a ameaça de guerra atômica pesava sobre todas as pessoas, indistintamente, e que cada leitor podia mudar o curso dos acontecimentos e evitar uma catástrofe nuclear. Com isso, destacava o jornal: “você tem o dever de assinar com toda a sua família e de fazer ser assinado por centenas de outras pessoas.”54 Dessa maneira, é possível perceber a tentativa dos comunistas de transformar o simples leitor num “combatente da paz”. Procuravam aumentar o número de pessoas que pudessem contribuir para a campanha colhendo assinaturas, pois a grande maioria dos coletores eram militantes comunistas e/ou simpatizantes. Era preciso fazer com que mais indivíduos assinassem o “Apelo de Estocolmo” e a maneira mais eficaz passava pelo aumento do número de coletores. Na semana posterior ao início do concurso, os prêmios foram modificados. Segundo os organizadores da campanha, as alterações foram sugeridas pelos leitores, passando, então, a ser as seguintes:

“1o LUGAR: UMA VIAGEM AO Rio, com estadia de 8 dias, se o colocado residir nos Estados; uma viagem a Salvador, Recife ou Porto Alegre, com estadia de 8 dias, se residir nesta capital. A passagem fornecida pela VOZ será de ida e volta. 2o LUGAR: uma coleção de todas as obras de Stálin, editadas em português. 3o LUGAR: uma coleção autografada das obras completas de Graciliano Ramos. 4o LUGAR: uma coleção encadernada da revista “PROBLEMAS”. 5o LUGAR: o romance “Marajó”, de Dacildo Jurandir, com autógrafo do autor.”55

De acordo com o que foi mencionado anteriormente, sendo os combatentes da paz, em sua maior parte, militantes comunistas e simpatizantes, as mudanças ocorridas na premiação revelam os interesses dos seus organizadores em “aprimorar” intelectualmente os militantes.

______54 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 17 de junho de 1950, p. 06 55 Idem, 24 de junho de 1950, p. 04

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Outra maneira de contribuir para a obtenção das quotas de assinaturas, acreditavam os dirigentes comunistas, era estimular na sua militância o espírito de emulação. Com a finalidade de angariar mais assinaturas e atingir a quota brasileira havia competições promovidas entre os partidários da paz de diferentes países. Em junho de 1950, a juventude argentina desafiava os jovens brasileiros dizendo: “quem será capaz de colher um número maior de assinaturas para o Apelo de Estocolmo?”56 Falando em nome da juventude brasileira, anunciava a imprensa comunista: “os jovens de todo o Brasil aceitam com alegria e entusiasmo a emulação com seus camaradas argentinos.”57 Pedia que cada jovem compreendesse a grande importância do “desafio fraternal” e alertavam que a vitória seria alcançada desde que se atirassem “ao trabalho com decisão e entusiasmo sempre redobrado.” Para mostrar aos jovens a relevância de sua participação e convencê- los a engrossar as fileiras dos partidários da paz, os propagandeadores da campanha recorriam a inseri-los na possibilidade de uma guerra. Para eles, os primeiros a partilharem os horrores de um conflito mundial seriam os jovens das nações beligerantes. Esses compunham a maioria dos exércitos e, em primeiro lugar, lutavam para defender seu país. Os dirigentes comunistas acreditavam na emulação como agente impulsionador da campanha. Em suas palavras: “a emulação tem sido – e deve ser cada vez mais – um fator importante para o êxito da campanha pela proibição das armas atômicas.”58 No decorrer dos meses, diversas competições foram lançadas. Em Recife, os portuários desafiaram os transviários para alcançarem duas mil assinaturas num determinado período. No Rio de Janeiro, a Sociedade Pela Interdição da Bomba Atômica dividiu os municípios em quatro grupos, estabelecendo quotas de assinaturas de acordo com cada município. Ficou estabelecido também a emulação individual em cada localidade, nas fábricas, repartições, escolas etc. O próprio jornal Voz Operaria foi desafiado pelo periódico Imprensa Popular, que propôs a vitória para aquele que obtivesse o maior número de assinaturas enviadas às respectivas redações.

______56 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 10 de junho de 1950, p. 04. 57 Idem. 58 Idem, 1o de julho de 1950, p. 4.

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Assim, os dirigentes comunistas procuravam ensinar, de maneira bastante pedagógica, como a militância de base deveria proceder, de que maneira deveria abordar um jovem, uma mulher, um operário, um estudante etc., como fazer um jornal-mural, como impressionar a população com os depoimentos de sobreviventes, como utilizar de maneira correta as fotografias catastróficas das cidades de Hiroshima e Nagasaki após serem atingidas pelas bombas atômicas, como utilizar corretamente as declarações de diferentes personalidades brasileiras. Enfim, que tipo de tarefas deveriam se lançar para alcançar, dentro dos prazos exigidos, suas quotas de assinaturas ao “Apelo de Estocolmo”.

O redobrar de esforços

Ao ler os artigos divulgados na imprensa comunista – e até mesmo ao longo desse trabalho – a impressão que se tem é a da campanha ser um verdadeiro sucesso, e que não tardaria para os militantes alcançarem a quota de assinaturas prevista para 30 de setembro, assim como facilmente a ultrapassariam. Fotografias de personalidades nacionais e internacionais eram mostradas pelos jornais comunistas no ato de assinatura do “Apelo de Estocolmo”; experiências dos leitores eram divulgadas com freqüência; Câmaras Municipais condenavam a arma atômica; religiosos apoiavam o movimento em favor da paz; trabalhadores de diversos setores da economia brasileira e de diferentes camadas sociais aderiam à campanha, através de suas organizações sindicais, associações etc. Notícias sobre a coleta de assinaturas no mundo inteiro eram constantemente relatadas, a fim de demonstrarem o crescente desenvolvimento da campanha e corroborarem com as expectativas dos militantes brasileiros. No entanto, através da análise das fontes, pode-se perceber que o objetivo almejado pelos partidários da paz não estava assegurado como apresentavam as manchetes sobre o tema. A partir de junho de 1950, começaram a surgir artigos e depoimentos de personalidades ligadas ao PCB questionando o atraso no recolhimento das assinaturas para o “Apelo de Estocolmo” e pedindo que fossem redobrados os esforços para superar os obstáculos e conseguir a quota desejada. Nesse momento, tornam-se freqüentes manchetes como: “Reforçar a Luta em Defesa da Paz”, “A Resposta Imediata aos Agressores 157

Imperialistas: Cobrir Rapidamente a Quota de Quatro Milhões”, “Contra a Ameaça Iminente de Guerra Intensificar Com Audácia a Campanha Contra a Arma Atômica”, “Superemos Imediatamente o Atraso na Campanha Contra a Arma Atômica”, “É Preciso Redobrar os Esforços para Atingir os Quatro Milhões”, “Recolher Rapidamente os Quatro Milhões de Assinaturas”, “Indispensável Uma Virada na Campanha pela Coleta dos Quatro Milhões de Assinaturas”.59 Os artigos demonstravam que era possível atingir a cifra dos quatro milhões e lembravam que até 15 de setembro tinham sido recolhidos dois milhões de assinaturas. Exigiam mais esforços dos militantes, confirmando que se fazia necessário conquistar a quota em apenas quinze dias. Para a militância, a palavra de ordem era “aumentar o ritmo de colheita de assinaturas.” Os patrocinadores da campanha pediam aos coletores que aproveitassem o momento de tensão proporcionado pela guerra na Coréia, divulgado por toda a imprensa, para alertar as pessoas do perigo iminente de uma guerra nuclear, possibilitando aos hesitantes convicções para assinar. Havia um consenso, por parte dos dirigentes comunistas, que o método mais positivo de se conseguir ampliar a arrecadação de assinaturas seria o de utilizar “comandos de casa em casa nos bairros.” Artur Pereira, escrevendo um artigo para Voz Operaria, em julho de 1950, dizia que a quota nacional somente seria atingida com “10 mil visitas diárias para a coleta de assinaturas”.60 Isso significava a dedicação exclusiva dos militantes ao exercício de suas funções. Para os dirigentes de células, não contava se o militante estava capacitado para a tarefa nem existiam limites para o seu cumprimento – era necessário cumpri-la. Da mesma forma, nenhuma outra questão deveria se impor à campanha pela proibição das armas atômicas. Entretanto, havia um dilema no interior do Partido. Como foi possível notar na análise das fontes, os comunistas associavam a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” a diversos outros temas (liberdade sindical, defesa da cultura, carestia etc.). Todavia, para o dirigente comunista Carlos Marighella, colher assinaturas para o “Apelo de Estocolmo” era tarefa central na luta pela paz. A direção do PCB concordava

______59 Os artigos foram extraídos do jornal Voz Operaria, no ano de 1950 e estão assim distribuídos: 8 de julho, p. 11, p. 16; 15 de julho, p. 12; 22 de julho, p. 12; 29 de julho, p. 12; 5 de agosto, p. 4; 12 de agosto de 50, p. 12. 60 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 8 de julho de 1950, p. 6. 158 a separação entre a campanha pela coleta de assinaturas e qualquer outro assunto nacional. com Declarava com firmeza: “NÃO MISTURAR A CAMPANHA COM OUTROS PROBLEMAS.”61 Através do artigo, concluía:

“É um equívoco supor que o problema da proibição da arma atômica deva ser ligado, por exemplo, ao problema da carestia. Muitas pessoas não estão sentindo suficientemente o encarecimento da vida. Mas estão em condições de compreender a necessidade de exigir a proibição da arma atômica. Por isso, a campanha não deve fugir desse terreno.”62

Assim, a partir de julho de 1950, na imprensa comunista, assuntos concernentes ao “Apelo de Estocolmo” não mais apareceriam relacionados a outros temas que não fossem, direta ou indiretamente, ligados às questões da guerra e da paz. A partir desse momento, os militantes deveriam concentrar todos os seus esforços e mobilizar o seu contingente na obtenção da quota brasileira. Isso fazia parte das resoluções do Bureau Político do Partido Comunista Soviético para os assuntos internacionais, onde, na reunião do Kominform de 1949, ficou estabelecido: “toda a atividade dos partidos comunistas deve subordinar-se a esta tarefa central: assegurar uma paz sólida e duradoura.”63 Essa questão traduzia os anseios soviéticos em barrar o desenvolvimento nuclear norte-americano, tentando obter o controle da corrida armamentista. Quanto mais se aproximava a data limite, mais artigos eram publicados convocando os partidários da paz a redobrarem seus esforços. Pode-se notar, através das fontes, que o peso maior da campanha recaía sobre os ombros dos militantes, assim como aumentaram as críticas dos dirigentes. Esses últimos declaravam: “cada partidário da paz, cada patriota consciente tem o dever de honra de trabalhar infatigavelmente para que o município e o Estado em que resida cubram e ultrapassem essas quotas.”64

______61 Idem, 24 de junho de 1950, p. 4. 62 Idem. 63 CLAUDIN, Fernando. Op. cit., p. 529. 64 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 1o de julho de 1950, p. 01.

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Em meados de agosto, com o título “Por Uma Reviravolta na Luta Pela Proibição da Arma Atômica”,65 Jacob Gorender, em um texto amplo, enumerava os problemas que envolviam a campanha e apontava possíveis soluções. Segundo o autor, a campanha de assinaturas havia marcado alguns êxitos importantes no país. Devido aos quase dois milhões de assinaturas, ficava demonstrado que a vontade de paz era muito viva no seio do povo, não havendo necessidade de excessivo esforço para despertá-la e fazer com que se manifestasse. Contudo, era impossível deixar de constatar que o número de assinaturas coletadas estava muito aquém dos quatro milhões que o movimento comunista propôs atingir nacionalmente até fins de setembro. Criticou o ritmo em que se estava desenvolvendo a campanha e a fraca propaganda usada pelos militantes. Dizia Gorender:

“Torna-se inadiável, assim, uma revisão geral nos planos de trabalho, visando o seu aceleramento. A média diária de assinaturas recolhidas precisa aumentar, o que, por sua vez, impõe maior número de visitas de casa em casa, de comandos ás empresas, de caravanas pelo interior, de viagens ás fazendas a fim de as assinaturas dos camponeses, etc. (...) Até agora, a propaganda pela campanha pela proibição das armas atômicas tem sido muito débil. Em alguns pontos do país, ela se restringe quase inteiramente ao esforço do jornal popular local.”66

Após afirmar que, em todo o Brasil, a propaganda havia sido insatisfatória, fazia crítica aos militantes de base explanando: “podemos dizer que os partidários da paz ainda não se convenceram da necessidade de elevar a sua propaganda ao nível da propaganda eleitoral ou ainda acima dele, tanto no que toca ao volume como á rapidez e á variedade.”67 Aqui, merece destacar, mais uma vez, a inferioridade do militante em relação ao Partido. O complexo da dívida demonstrava que o militante, ao aderir ao Partido, contraía um débito insanável, já que era o Partido o agente transformador do indivíduo. Assim, relata Reis Filho, “o militante comum estaria sempre em falta em relação aos seus deveres, vítima de uma verdadeira barragem de críticas.”68 Os dirigentes comunistas acreditavam que uma boa propaganda refletiria sem demora na conquista das massas. Mas, quando falava em boa propaganda, referia-se que ela precisava cobrir três requisitos ______65 Idem, 19 de agosto de 1950, p. 4. 66 Idem. 67 Idem. 68 REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro. Op. cit., p. 128. 160 básicos: “quantidade, qualidade e variedade.” Tornava-se necessário aumentar o número de materiais impressos visando distribuir aos pontos não alcançados ou insuficientemente atingidos. Não obstante, mostrava-se preciso melhorar a qualidade gráfica dos materiais e aperfeiçoar constantemente a argumentação. Por fim, fazendo uma crítica à incapacidade de inovar as abordagens e utilizar meios criativos para atrair as pessoas e fazê-las conceder suas assinaturas, dizia Gorender que não adiantava somente “os pixamentos á calada da noite, os comícios-relâmpago, os valores lançados por gente quase invisível.” Esclarecia ainda: “A propaganda de uma campanha como a da proibição das bomba atômica deve ser feita á luz do dia com audácia, furando o bloqueio que existe no país contra qualquer iniciativa democrática. A utilização do rádio, em alguns casos, mesmo numa cidade como São Paulo, mostra que esse bloqueio pode ser furado.”69

Revelando a imobilidade dos militantes em usar a criatividade para conseguir mais assinaturas relatava: “Outros meios que têm sido pouco ou nada empregados são os carros com alto- falantes, os desfiles de bicicletas ou de homens-sandwich, os jornais murais, os álbuns de argumentação anti-atômica, os cartazes para serem colados ás paredes, os volantes e folhetos especialmente elaborados para mulheres, jovens, camponeses e para as diversas categorias de operário, as conferências em clubes esportivos, instituição de beneficência e associações religiosas, os júris simulados em recinto fechado ou ao ar livre, os enterros simbólicos, os festivais literários ou musicais, etc., etc.”70

Concluía o autor afirmando que “qualquer fracasso só pode se explicar pela incapacidade de fazer uma coisa simples: ir ás massas, apelar para o seu apoio criador.”87 Mais uma vez, os militantes de base seriam os verdadeiros responsáveis pela não obtenção da quota nacional. Eles é que deveriam se dirigir às massas, entrar em contato com jovens, homens e mulheres, realizar conferências, comícios, festivais etc. Assim, fazendo parte de uma lógica intrínseca ao PCB, o fracasso era atribuído aos militantes que não se mostraram capazes de cumprir suas tarefas. O sucesso, desse modo,

______69 Voz Operaria. Rio de Janeiro, 1o de julho de 1950, p. 01. Refere-se ao programa radiofônico “Defendendo o Direito de Viver”, divulgado pela rádio Difusora de São Paulo e patrocinado pela Cruzada Humanitária dos Partidários da Paz. 70 Idem. 161 pertencia ao Partido, pois soube conduzir, com destreza e sabedoria, o conjunto para a vitória. Ao passar dos meses, aproximava-se o dia 30 de setembro. A imprensa comunista mostrava o aumento no recolhimento de assinaturas. Porém ressaltava: “precisamos de uma média de 30 mil assinaturas diárias. Organizar os grupos coletores e ampliar o número de ativistas.”71 As notícias sobre a campanha pela interdição das armas atômicas, em diversos países do mundo, continuavam sendo divulgadas pelos jornais comunistas, na intenção de revelar que, com o apoio mundial, facilmente conseguiriam impor a proibição das bombas atômicas em guerras entre as nações. Em uma reportagem de Voz Operaria, lia-se: “QUASE TODO O POVO BÚLGARO ASSINOU.”72 Na Polônia, em junho de 1950, já havia sido ultrapassada a cifra de 15 milhões de assinaturas. Na Hungria, mais de 6 milhões. Em julho, nos Estados Unidos, passava de 1 milhão de colaboradores, e na França mais de 10 milhões. Em Gênova, Itália, eram coletadas 30 mil assinaturas por dia – lembrar que era exatamente o número que os apelistas brasileiros deveriam colher diariamente, segundo os dirigentes comunistas. Em todo o mundo, até o mês de julho, o “Apelo de Estocolmo” havia conseguido 200 milhões de assinaturas. Todas essas notícias tensionavam os militantes brasileiros, fazendo-os buscar a qualquer custo a quota, “logicamente possível”, dos quatro milhões. Havia chegado o dia destinado à entrega das assinaturas dos milhões de “patriotas” que apoiaram a campanha contribuindo com sua importante presença registrada no Apelo. É interessante observar que, no dia 30 de setembro, a imprensa comunista não mencionou em suas páginas informações sobre a quota brasileira nem o resultado da campanha. Os comunistas, responsáveis pela divulgação e coleta das assinaturas destinadas ao Brasil, até a data limite para a entrega, obtiveram, segundo relatos de sua imprensa, pouco mais de dois milhões de assinaturas. Importa mencionar que, devido ao resultado, é prorrogado o prazo de entrega para 13 de novembro, pois seria realizado de 15 a 19 daquele mês o II Congresso Mundial ______71 Idem, 22 de julho de 1950, p. 12. 72 Idem, 10 de junho de 1950, p. 4.

162 da Paz em Sheffield, Inglaterra, local onde os partidários da paz brasileiros deveriam apresentar sua quota de assinaturas. Os patrocinadores da campanha convocaram para os dias 21, 22 e 23 de outubro de 1950 o II Congresso Brasileiro dos Partidários da Paz. Durante o Congresso, cria-se a “Quinzena da Paz”, cujo principal objetivo era recolher o restante das assinaturas destinadas ao Brasil – quase dois milhões de assinaturas. Os militantes comunistas, mais uma vez, foram conclamados ao redobrar de esforços. No decorrer dos preparativos para o Congresso da Inglaterra, uma surpresa recaiu sobre os “partidários da paz” de todo o mundo. O governo inglês não autorizou a realização do congresso em seu país. Os responsáveis pela campanha, rapidamente, transferiram o encontro de Sheffield para Varsóvia, na Polônia, realizando-se no período de 16 a 23 de novembro. A partir disso, os comunistas, com indignação, apresentaram na imprensa: “desmascarou-se o governo trabalhista de ATTLEE-BEVIN como antidemocrático e provocador de guerra.”73 Afirmavam ainda que de nada havia adiantado a tentativa de abafar as milhares de vozes que clamavam pela paz em todos os países. Com a substituição do local – reparar que o país pertencia ao bloco socialista liderado pela União Soviética – as mesmas vozes puderam manifestar-se livremente. No dia 18 de novembro de 1950, Voz Operaria publicou um artigo em sua primeira página retratando a participação do Brasil, no II Congresso Mundial da Paz, dizendo: “A defesa da paz é a mais nobre tarefa de nosso tempo. Nessa jornada histórica de todos os povos, o Brasil ocupa um lugar de destaque. Nossos 4 milhões de assinaturas ao Apelo de Estocolmo, já assegurados antes dos resultados finais da Quinzena Nacional de Assinaturas, significam considerável contribuição á causa da paz.”74

No mesmo dia, o próprio periódico, em sua página quatro – aquela reservada somente aos assuntos do “Movimento da Paz” e da “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” –, publicou um artigo intitulado “TAREFA IMEDIATA: ATINGIR E ULTRAPASSAR OS 4 MILHÕES.” Na semana seguinte, mais uma vez, podia ser encontrado no jornal a manchete: “ATINGIR E ULTRAPASSAR OS 4 MILHÕES DE ASSINATURAS.”75 Ao menos uma pergunta pode ser feita: por que pedir para atingir ______73 Idem, 18 de novembro de 1950, p. 01. 74 Idem. 75 Idem, 25 de novembro de 1950, p. 4. 163 os quatro milhões se na primeira página do jornal o artigo congratulava os “combatentes da paz” brasileiros pela conquista da tarefa, antes mesmo do final da “Quinzena da Paz”? As informações, portanto, eram desencontradas. Outra questão que causa estranheza é a rapidez com que conseguiram obter os quase dois milhões de assinaturas restantes. Vale lembrar que desde o início da campanha, lançada pelo “Apelo de Estocolmo” na segunda metade do mês de março de 1950, até 30 de setembro – quase sete meses – os partidários da paz, em sua maioria militantes comunistas e simpatizantes, obtiveram dois milhões e quinhentas mil assinaturas. A imprensa comunista revelava que, do início do mês de outubro até antes do dia 12 de novembro – data de encerramento da “Quinzena da Paz” –, os partidários da paz de todo o Brasil tinham conseguido completar a marca dos quatro milhões. Assim, torna-se surpreendente a maneira como atingiram a quota brasileira em tão curto espaço de tempo – aproximadamente 45 dias. Em dezembro de 1950, os jornais comunistas divulgavam as resoluções do congresso ocorrido em Varsóvia. Segundo relatos da imprensa, “500 milhões de pessoas em todo o mundo assinaram o Apelo de Estocolmo exigindo a proibição da bomba atômica como arma de guerra e considerando criminoso de guerra contra a humanidade o governo que primeiro utilizar a bomba atômica contra qualquer pais.”76 Ao refletir sobre os números apresentados no I Congresso Mundial da Paz, realizado em Paris e Praga, em 1949 (figuras 28, 29, 30, 31, 32 e 33), e compará-los com o de Varsóvia, é possível perceber, mesmo para um leitor menos atento, um ponto bastante controverso. Segundo os documentos do primeiro congresso, que estava representando 72 países, havia 600 milhões de combatentes da paz organizados. Porém, nas palavras de Fernando Claudin, “nesta imponente cifra figuravam todos os ‘combatentes da paz’ da URSS, China e demais democracias populares, onde o simples fato de pertencer ao gênero humano era condição suficiente para ficar inscrito no inflamante exército pacifista.”77 Como foi citado anteriormente, no II Congresso, no ano seguinte, foram recolhidos 500 milhões de assinaturas, em 79 países. É interessante observar que o número oficial de assinaturas era inferior em 100 milhões ao do I Congresso, que afirmou, naquela ocasião, haver 600 milhões de “combatentes da paz”, ______76 Idem, 2 de dezembro de 1950, p. 4. 77 CLAUDIN, Fernando. Op. cit., p. 528.

164 portanto, mais 100 milhões de pessoas para angariar assinaturas. Além disso, havia um número maior de países participando do movimento pacifista em favor da proibição das armas atômicas. Em resumo, descontando os 400 milhões de assinaturas de todos os países comunistas, onde as listas eram uma “obrigação” do cidadão, os 100 milhões nos 69 países do Ocidente demonstraram o pouco sucesso dos revolucionários na campanha. Excetuando-se os países do bloco socialista, no resto do mundo, os combatentes da paz reduziam-se, com ligeiras variantes, aos efetivos dos partidos comunistas e das organizações de massas que controlavam (sindicatos, associações femininas, juvenis, culturais etc.). Mesmo com a participação de personalidades não atreladas ao movimento comunista do mundo esportivo, científico, artístico etc., deve-se relativizar esses dados. Os patrocinadores da campanha inflacionavam publicitariamente o número de assinaturas, cuja exatidão era extremamente difícil controlar. Informações que poderiam produzir aos não advertidos a impressão de que o movimento era um verdadeiro sucesso, ultrapassando o âmbito político e social constantemente influenciado pelos comunistas. É preciso salientar que as questões não se desenvolveram exatamente como pregavam os comunistas, e que os meios dirigentes tinham consciência disso. Além da demonstração de que a paz era o verdadeiro desejo da maioria dos habitantes do mundo, de acordo com os organizadores da campanha, três questões ficaram estabelecidas: a luta pela defesa da paz deveria continuar até que fossem aprovados definitivamente na ONU a proibição da utilização de bombas atômicas como armamento de guerra, o fim da guerra na Coréia e o desarmamento geral. Dessa forma, a linha pacifista adotada pelos comunistas permaneceu e, junto com seus partidários da paz, representados por suas delegações no II Congresso Mundial, decidiram continuar combatendo as “ações guerreiras” em todo o mundo, rumo à manutenção de uma “paz sólida e duradoura” entre as nações. Não se pode esquecer, por outro lado, que, independente das cifras obtidas pela campanha, os comunistas, na clandestinidade, e sob forte repressão política e policial, conseguiram mobilizar diversos setores da sociedade. Políticos, religiosos, estudantes, esportistas, intelectuais, trabalhadores de diferentes áreas da economia brasileira etc., foram abordados em seu quotidiano e convencidos a cederem suas assinaturas em prol da 165 campanha. Diversas personalidades, não atreladas ao PCB, contribuíram com suas assinaturas e, até mesmo, apoiaram publicamente a “Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas”. Além disso, realizaram um importante trabalho de divulgação sobre a bomba atômica e seus efeitos. A opinião pública, em sua maior parte, desconhecia os assuntos relativos às armas nucleares, não sabiam, por exemplo, o que era a bomba atômica. Foi, em particular, através da imprensa comunista, dos “comícios-relâmpago”, dos congressos, dos panfletos distribuídos de casa em casa, entre outros meios de divulgação, que a população, de uma maneira geral, ficou conhecendo a ação de uma bomba atômica e suas conseqüências. Assim, torna-se necessário relativizar as questões concernentes à frustração do esforço dos comunistas brasileiros. Os militantes, atuando clandestinamente, conseguiram angariar um impressionante número de assinaturas e conquistar diferentes personalidades de diversos setores da sociedade, continuando, como desejavam, mantendo- se ligados à vida política do país.

Em busca da paz

O ano de 1950 foi marcado pela vitória das “forças de paz”, relatava a imprensa comunista. O “Apelo de Estocolmo” foi recebido pela população brasileira com “grande satisfação”. A partir da segunda quinzena de dezembro do referido ano, a imprensa comunista congratulava os partidários da paz brasileiros pela participação na “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”, cujo esforço no cumprimento da tarefa de coletar assinaturas havia garantido a cota dos quatro milhões destinada ao Brasil. Manchetes como: “A PAZ NÃO SE ESPERA A PAZ CONQUISTA-SE”, “Leis em Defesa da Paz”, “NÃO QUEREMOS GUERRA”, “Nossos Filhos Não Irão Para a Guerra”, “Um Ano de Vitória das Forças de Paz”, “Foi Decisivo o Ano de 1950”78, entre diversas outras, demonstravam que o esforço de paz não havia sido em vão. A cota brasileira teria sido conquistada e levada ao II Congresso Mundial da Paz, fazendo somar “o montante de 500 milhões de

______78 As manchetes correspondem respectivamente à: Voz Operaria. RJ, 02 de dezembro de 1950, p. 01; Imprensa Popular. RJ, 05 de janeiro de 1951, p. 02; Imprensa Popular. RJ, 05 de janeiro de 1951, p. 04; Imprensa Popular. RJ, 06 de janeiro de 1951, p. 01; Voz Operaria. RJ, 03 de janeiro de 1951, p. 02; Imprensa Popular. RJ, 09 de janeiro de 1951, p. 02.

166 assinaturas ao Apelo de Estocolmo.”79 Contudo, os dirigentes comunistas estavam interessados em aumentar o número de firmas dos brasileiros. Mesmo após a realização do II Congresso, o presidente do Movimento Nacional Pela Proibição das Armas Atômicas, Odilon Duarte Batista, estabeleceu que deveria ser recolhido mais um milhão de assinaturas, no intuito de demonstrar que os brasileiros seriam capazes de superar a cota dos quatro milhões que lhe fora destinada. Com isso, o jornal Imprensa Popular, de 24 de novembro de 1950, destacava uma entrevista com o segundo secretário do M. N. P. P. A. A, o sanitarista Valério Regis Konder, revelando que “o Movimento pela Proibição das Armas Atômicas assinalou aos partidários da paz um novo objetivo: a coleta de mais um milhão de assinaturas ao Apelo de Estocolmo, atingindo assim uma cifra de cinco milhões.”80 O prazo para a entrega das assinaturas seria ainda mais surpreendente. A data foi marcada para o dia cinco de janeiro de 1951, pouco mais de trinta dias após o lançamento da campanha. Nessa data, seria realizado no saguão do Palácio Tiradentes, às 16:30 horas, um ato solene para o encerramento oficial da “grandiosa campanha nacional pela interdição da bomba atômica”. De acordo com o periódico comunista, “uma comissão de personalidades e representantes de várias organizações encarregou-se de levar à Câmara o resultado oficial da apuração das assinaturas ao Apelo de Estocolmo – [...] onde 5 milhões de brasileiros clamaram NÃO QUEREMOS GUERRA.”81 A “Campanha pela Interdição das Armas Atômicas” chegou ao fim, oficialmente no Brasil, em 5 de janeiro de 1951. Entretanto, os esforços pela paz deveriam continuar até que as armas atômicas fossem proibidas e a paz mundial fosse estabelecida e garantida. Os militantes comunistas de todo o mundo continuariam a levar as palavras de ordem do Conselho Mundial da Paz e deveriam se esforçar para que as atividades do II Congresso Mundial da Paz fossem cumpridas. O II Congresso, realizado na Polônia, em nome dos 2.065 delegados de 80 países,82 adotou várias resoluções, dentre elas uma mensagem à ONU, chamada de “Carta da Paz”. Segundo o documento, a Organização das Nações Unidas já não garantia mais o entendimento pacífico entre os diferentes países do mundo, já não era o melhor mediador ______79 Idem, 09 de janeiro de 1951, p. 02. 80 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Dossiê/Polícia Política – DPS 19, ano de 1950. 81 Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 05 de janeiro de 1951, p. 01. 82 É importante destacar que diversos artigos mostravam contradição a respeito do número de países que o Congresso representava. É possível encontrar nas fontes comunistas 79, 80 e 81 países. 167 de conflitos. O documento relatava:

“Entretanto, a guerra perturba hoje a vida pacífica de certos povos, e ameaça perturbar amanhã a de toda a humanidade. Se a Organização das Nações Unidas não justifica a grande esperança que nela depositaram os povos do mundo – tanto os que ali estão representados pelos seus governos, como os que ainda não estão – Se a Organização das Nações Unidas não assegura a humanidade a tranqüilidade e a Paz, é porque está influenciada pelas forças que se afastaram do único caminho possível da Paz universal: a busca de um entendimento geral.”83

Dessa maneira, os dirigentes do II Congresso Mundial da Paz acreditavam que a ONU deveria retornar ao caminho que desde o dia de sua fundação lhe foi traçado pelos povos: o de garantir o entendimento entre as nações, possibilitando, assim, a manutenção da paz mundial. Os dirigentes do II Congresso acreditavam que fazendo pressão e mobilizando a opinião pública internacional podiam resolver as questões conflitantes de maneira pacífica, sem que houvesse o perigo de uma nova guerra mundial e, sobretudo, com armas de destruição em massa. A “Carta da Paz” possuía nove pontos. Destacava o perigo da guerra da Coréia, as questões concernentes aos rearmamentos da Alemanha e do Japão, a questão da “Liberdade” e da “Independência” nacional dos povos colonizados, o perigo da propaganda de guerra feita pela imprensa mundial, a responsabilidade do general Mac Arthur sobre os crimes cometidos na Coréia, a “interdição absoluta das armas atômicas”, a prejudicial economia de guerra nas relações econômicas mundiais e os obstáculos que os países de regimes políticos diferentes impõem ao intercâmbio cultural. O documento dirigido à ONU também lançou um novo apelo. Segundo a “Carta da Paz”, a ONU deveria “assegurar no mais breve prazo a reunião das cinco grandes potências: Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha, França e República Popular da China, para o exame e a solução pacífica das divergências existentes.”84 Contudo, o “Apelo Por Um Pacto de Paz”, como ficou conhecido, somente foi consolidado em 25 de fevereiro de 1951, em Berlim, quando o Conselho Mundial da Paz realizou uma de suas reuniões.

______83 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Departamento de Política Social (DPS), Panfleto 1326, ano de 1951. 84 Idem.

168

O “Apelo Por Um Pacto de Paz” era a nova campanha pacifista que os comunistas brasileiros deveriam engajar-se. Eis seu texto:

“Atendendo às aspirações de homens do mundo inteiro, qualquer que seja sua opinião sobre as causas que engendram os perigos de guerra mundial; Para assegurar a paz e garantir a segurança internacional: Reclamamos a conclusão de um pacto de paz entre as cinco grande potências: Estados Unidos da América, União Soviética, República Popular da China, Grã- Bretanha e França. Consideramos a negativa do Governo de qualquer das grandes potências a reunir-se para concluir esse pacto de paz, como evidência de desígnios agressivos por parte desse Governo. Fazemos um apelo a todas as nações amantes da paz para que apoiem a exigência de um pacto de paz aberto a todos os Estados. Colocamos nossas assinaturas ao pé deste Apelo e convidamos a assiná-lo a todos os homens e a todas as mulheres de boa vontade, a todas as organizações que aspiram à consolidação da paz.”85

O “Apelo de Berlim” (figura 34), como também ficou conhecido, mobilizava os partidários da paz de todo o mundo a conseguirem novas assinaturas para serem enviadas à ONU, demonstrando, com isso, a força da opinião pública mundial no desejo de preservar a paz. No Brasil, os militantes comunistas deveriam contribuir, mais uma vez, com seus esforços para a obtenção da cota de cinco milhões de assinaturas destinada ao país (figura 35). Importa ressaltar que a campanha em favor do Apelo de Berlim não estabelecia um prazo único para a entrega das assinaturas, como havia ocorrido com o “Apelo de Estocolmo”. As assinaturas ficariam sob a responsabilidade dos órgãos regionais, municipais, de bairros, estudantis etc, que deveriam recolher e enviar ao Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz,86 que, por sua vez, poderia enviar diretamente à ONU ou levar ao III Congresso Brasileiro dos Partidários da Paz (figura 36), que teve sua realização nos dias 27, 28 e 29 de outubro de 1951. O Apelo Por Um Pacto de Paz lança, ainda, uma maneira de participar individualmente. Em um dos panfletos distribuídos pelos comunistas em suas buscas por ______85 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Departamento de Política Social (DPS), Panfleto 1349, ano de 1951. 86 É preciso destacar que, em 10 de julho de 1951, o Movimento Nacional Pela Proibição das Armas Atômicas (M. N. P. P. A. A.) muda oficialmente de nome, passando para Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz. 169 mais assinaturas podia ser lido:

“QUE PODE VOCÊ FAZER? Pode incorporar-se à ação mundial pela Paz, a título pessoal. Não duvide que esse simples gesto, repetido por centenas de milhares, de milhões de pessoas, tem sua eficácia. Pode, também, promover uma ação de Paz coletiva, o que é ainda mais útil. INDICAÇÕES PRÁTICAS Como atuar a título pessoal? Conheça o conteúdo desta mensagem. Estamos certos de que estará de acordo com o conjunto de soluções que nela se propõe. Em todo caso poderá introduzir as modificações que julgue úteis. Faça seu esse texto e o envie, em seu nome, à Organização das Nações Unidas. Bastará, para isso, redigir sua aprovação nas linhas que para esse fim estão reservadas na parte superior da primeira página. Assim, por exemplo: ‘O abaixo-assinado (ou os abaixo-assinados, se V. conseguiu incorporar alguns parentes ou amigos a esta ação) se declara integralmente de acordo (ou se declara de acordo, com esta ou aquela modificação) com a mensagem que segue.’ Finalmente depois de destacar este talão, V. envia a mensagem junta à Organização das Nações Unidas. [...] ENDERÊÇOS: Organização das Nações Unidas, Lake Success, New York, Estados Unidos. Secretariado do Conselho Mundial da Paz, 2 rue de L’Elysée, Paris 8e. Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz – Caixa Postal 1515 – Rio.”87

Dessa maneira, sobretudo para aqueles que não queriam depositar suas assinaturas nos talões de coleta dos militantes e simpatizantes comunistas espalhados pela cidade – já que a propaganda anticomunista era intensa e insistiam em dizer que as campanhas pacifistas não passavam de manobra da União Soviética e de seus “agentes vermelhos” – havia outro modo de participar e lutar pela paz, podendo, até mesmo, ter a garantia de que as assinaturas chegariam à ONU. Da mesma forma que o “Apelo de Estocolmo”, os dirigentes comunistas, durante o “Apelo de Berlim”, também promoveram concursos para premiar os mais dedicados à Campanha. Em função do III Congresso Brasileiro pela Paz, o “Movimento Carioca pela Paz” instituiu o “Concurso Pacto de Paz”, no qual ficavam estabelecidos prêmios para os Conselhos e outras organizações, bem como para os partidários da paz que ______87 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Departamento de Política Social (DPS), Panfleto 249, ano de 1951.

170 se distinguissem na campanha. Os prêmios a serem disputados eram os seguintes:

“Prêmio Elisa Branco – Medalha Vermeil – Será conferido a todas as organizações que realizarem suas Conferências, cumprindo as instruções baixadas pelo Movimento Carioca pela Paz. Prêmio Madame Cotton – Medalha de Prata - Será conferido a todas as organizações que realizarem suas Assembléias, cumprindo as instruções baixadas pelo Movimento Carioca pela Paz. Prêmio Fadeiev – Taça – Será conferido à organização que conquistar maior percentagem de Sócios da Paz em relação a sua cota de assinaturas. Prêmio Ilia Ehremburg – Medalha de Prata – Será concedido aos Conselhos da Paz que conseguirem 1% de sócios em relação às assinaturas conquistadas. Prêmio Jorge Amado – Medalha de Prata – Será concedido ao partidário da paz que conquistar maior número de sócios para o Movimento Carioca pela Paz, a partir de um mínimo de 10 sócios. Prêmio Paul Robeson – Flâmula – Será conferido à organização que recolher ao Movimento Carioca pela Paz, maior contribuição para o Fundo da Paz, até o dia 31 de outubro, a partir de mínimo de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros). Esse prêmio será entregue em solenidade especial constando de um almoço oferecido pelo Movimento Carioca pela Paz aos 10 partidários da paz da organização vencedora que mais se tenham destacado na coleta de assinatura e finanças. Prêmio Branca Fialho – Flâmula e Medalha de Prata – Será conferido à organização que em primeiro lugar cobrir sua cota de assinaturas. Prêmio Abel Chermont – Medalha de Prata – Será conferido às organizações que cumprirem sua cota de assinaturas. Prêmio Pablo Neruda – Medalha Vermeil – Será conferido ao Conselho que mais superar percentualmente sua cota de assinaturas. Prêmio Henry Martin – Coletânea de Poesias de Heróis da Paz, com ilustrações e Medalha Vermeil – Será conferido ao partidário da paz que coletar maior número de assinaturas até o término da Campanha. Prêmio Lázaro Cardenas – Medalha de Prata – Será conferido do 2o ao 10o partidário da paz que coletarem maior número de assinaturas até o término da campanha. Prêmio Jolliot-Curie – Coletânea Monteiro Lobato – Será conferido à organização que conquistar maior número de adesões de personalidades e entidades de relevo à campanha do Apelo por um Pacto de Paz entre as Cinco Grandes Potências. Prêmio Movimento Carioca pela Paz – Uma escrivaninha com sete gavetas – Será conferido ao Conselho da Paz que conquistar em primeiro lugar uma sede independente. Prêmio Movimento Brasileiro pela Paz – Viagem a S. Paulo, com estadia de três dias – Será conferido ao partidário da paz designado pelo Conselho, que mais se destacar nos trabalhos de propaganda (qualidade e quantidade). Os prêmios acima discriminados serão entregues em solenidade a ser programada pelo Movimento Carioca pela Paz. 171

Para fazer jus aos prêmios, os Conselhos, as organizações e partidários da paz deverão apresentar semanalmente ao Movimento Carioca pela Paz, o resultado de seu trabalho e materiais demonstrativos. Pela Diretoria do M. C. P. a) J. F. Sampaio Lacerda.” 88

Dessa forma, os dirigentes comunistas procuravam incentivar seus militantes a redobrarem seus esforços para o cumprimento da tarefa. É interessante observar que os prêmios de maior destaque não ofereciam a tão desejada medalha de ouro, mas, sim, a medalha vermelha. A imprensa comunista continuava a pôr em destaque as assinaturas de personalidades não atreladas ao Partido Comunista do Brasil. Continuaram, por toda a campanha em favor do Apelo de Berlim, a negar que a Campanha fosse obra da propaganda política do governo soviético, ou pertencente a um partido político, o PCB. A assinatura do jogador de futebol da Silva, o Diamante Negro, foi intensamente explorada pelos dirigentes comunistas. Incentivavam a militância de base a utilizar os recortes de jornal e panfletos com tal assinatura para melhor persuadir os cidadãos brasileiros a assinarem o Apelo. Da mesma maneira o fez com as assinaturas da atriz brasileira Vera Nunes e da artista Dalva de Oliveira. “Odeio a guerra e a bomba atômica”,89 foi o que disse a artista brasileira Bibi Ferreira ao assinar o Apelo de Berlim. Segundo a artista, “só devemos guerrear em nossa defesa”.90 Como essas palavras, os dirigentes comunistas divulgavam, com freqüência, em sua imprensa, as declarações de personalidades brasileiras, sendo feitos, até mesmo, panfletos para serem distribuídos à população. Assim como o “Apelo de Estocolmo”, o “Apelo de Berlim” era divulgado, articulado e propagandeado pelo Partido Comunista do Brasil. Os dirigentes comunistas também acreditavam que a emulação deveria ser o espírito impulsionador da campanha. Da mesma maneira, o apoio das massas era o que direcionaria a campanha para o sucesso. Os dirigentes, a todo o instante, pediam aos militantes para redobrarem seus esforços para a obtenção da cota dos cinco milhões. Estipulavam quinzenas da paz, dias de grandes ______88 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Departamento de Política Social (DPS), Panfleto 673, ano de 1951. 89 Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1951, p. 03. 90 Idem. 172

“comandos”, festivais, concursos, conferências, exemplos notáveis, experiências individuais sobre-humanas etc, a fim de fazer com que sua militância atingisse a cota destinada ao Brasil. Como já anteriormente destacado, fazendo parte da estratégia da tensão máxima e do massacre das tarefas, os militantes comunistas deveriam dedicar-se ao máximo à causa da paz. Alguns artigos demonstram como os comunistas brasileiros desenvolviam e propagandeavam a Campanha. Entre eles: “Dois Lutadores da Paz”, “Experiências de Organização dos Partidários da Paz”, “Uma Campanha Decisiva: 5 Milhões de Assinaturas para o ‘Apelo de Berlim’”, “As Cotas da Campanha”, “Emulação Entre os Estados”, “Como Fazer a Campanha”, “Os Prêmios Stálin da Paz”, “Os Camponeses e a Paz”, “Como Organizar Um Comando de Assinaturas na Fábrica”, “Argumentos Para Combater a Propaganda de Guerra”, “Defender a Legalidade do Movimento da Paz”, “Como Dirigir as Mulheres Para Que Assinem o Apelo?”, “Ganhemos as Grandes Massas Para o Apelo por um Pacto de Paz”, “Comando nas Datas Nacionais: Uma Experiência Positiva”, “Como Atingir a Nossa Cota dos 5 Milhões de Assinaturas”, “Os Espíritas pela Paz”, “275 Milhões de Chineses Já Assinaram o Apelo por um Pacto de Paz”, “Você Sabe o Que Fazer para Propagandear a Campanha?”, “Toda Assembléia do Sindicato Assinou o Apelo”, “Populações Inteiras Assinam o Apelo”, “Como Reforçar a Campanha do Apelo”, “Intensificar a Luta pela Paz”, “Por 2 Milhões e 600 Mil Assinaturas Até o III Congresso da Paz”, “Duas Assembléias Legislativas e 24 Câmaras Municipais Já Votaram o Pacto de Paz”, “5 Milhões de Assinaturas, Um Compromisso de Honra”, “Duas Mil Assinaturas, Em Um Bairro, Num Só Dia!”, “Alguns Argumentos Para a Coleta”, “Prêmios de Emulação Aos Coletores de Assinaturas”, “Prossegue com Êxito as Jornadas de Junho: Em Cada Três Habitantes da Capital Paulista, Um Já Assinou o Apelo Por Um Pacto de Paz”.91 No momento de uma conferência ou congresso, os dirigentes comunistas exigiam o redobrar de esforços de seus militantes. Experiências individuais e/ou coletivas serviam de exemplo para mostrar que as tarefas poderiam ser facilmente cumpridas. ______91 As manchetes são do jornal Imprensa Popular e correspondem às respectivas datas do ano de 1951: 07 de abril, p. 10; Idem; 21 de abril, p. 01; 05 de maio, p. 11; Idem; Idem; Idem, p. 04; Idem, p. 09; 12 de maio, p. 04; Idem, p. 05; Idem, p. 12; 2 de junho, p. 04; 12 de maio, p. 01; 16 de junho, p. 04; 28de julho, p. 04; 04 de agosto, p. 04; 18 de agosto, p. 04; Idem; 01 de setembro, p. 02; Idem, p. 04; Idem; 15 de setembro, p. 01; 06 de outubro, p. 04; 20 de outubro, p. 04; 16 de fevereiro de 1952, p. 01; 24 de maio de 1952, p. 04; Idem; 31 de maio de 1952, p. 04 e 21 de junho de 1952, p. 01. 173

Prêmios eram distribuídos entre os que mais se destacavam no decorrer da Campanha, permitindo, assim, que houvesse o espírito de emulação entre a militância e isso possibilitasse mais assinaturas. O ensino das tarefas, como foi possível observar, era constantemente veiculado na imprensa comunista. Diversos artigos demonstravam a preocupação dos dirigentes em deixar claro como o militante deveria proceder para que o sucesso da obtenção das cotas fosse atingido. Utilizando-se dos panfletos, dos folhetos, das palestras e, sobretudo, de sua imprensa, os dirigentes comunistas procuravam dar ao militante de base, de maneira bastante pedagógica, as informações necessárias para o desenvolvimento de suas tarefas e, conseqüentemente, para o bom andamento da campanha em favor do Apelo de Berlim. Após o Apelo de Berlim, os comunistas brasileiros lançaram-se em outra campanha. Em 1955, a “Campanha Contra a Preparação da Guerra Atômica”, ou “Apelo de Viena”, como também ficou conhecida, era a nova tarefa dos militantes comunistas, que deveriam coletar 10 milhões de assinaturas em todo o Brasil (figuras 37 e 38). O PCB, como fizera nas campanhas anteriores, mobilizou sua militância para a conquista das assinaturas. Os estados da federação foram novamente divididos em grupos e estabeleceu-se uma quota para cada um deles. Os comícios, palestras, jornais-murais, enterros simbólicos, simulações dos efeitos catastróficos das bombas atômicas jogadas sobre cidades brasileiras, concursos para estimular a coleta de assinaturas, emulações entre repartições, bairros, federações, estados etc., comandos de casa em casa, nas escolas, nas fábricas, nas repartições, entre outras atividades, eram, mais uma vez, desenvolvidos e articulados pelos comunistas. A ordem do dia era a de continuar lutando e caminhando em busca da paz. Em janeiro de 1955, o Bureau do Conselho Mundial da Paz reuniu-se em Viena para conferir as atividades do “Movimento pela Paz” realizadas até aquele momento e definir suas novas tarefas. Segundo a imprensa comunista, “oitenta delegados vindos de três países, participaram da reunião do Bureau do Conselho Mundial da Paz, presidido pelo Sr. Frederic Joliot-Curie.”92 Durante a reunião foi definida como nova tarefa dos partidários da paz de todo o mundo a coleta de um bilhão de assinaturas ao “Apelo de ______92 Imprensa Popular. Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1955, p. 01.

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Viena”. No Brasil, as atividades para a coleta de assinaturas foi oficialmente apresentada à população em 11 de março do referido ano. No auditório da Associação Brasileira de Imprensa realizou-se uma solenidade de abertura, que, de acordo com a imprensa comunista estariam presentes “os deputados Josué Castro, Campos Vergal, Abguar Bastos, Desembargador Henrique Fialho, Dr. Abel Chermont, Bispo César Dacorso e outras personalidade.”93 Durante a solenidade, o presidente do Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz, Abel Chermont, declarou: “queremos 10 milhões de votos brasileiros nessa campanha que pode reunir um bilhão de votos no mundo de nossos dias.”94 O objetivo a ser atingido tinha um prazo. Assim, disse o presidente: “pretendemos coletar 10 milhões de assinaturas em todo o Brasil até o fim deste ano.”95 Diversos artigos demonstravam que a quota destinada ao Brasil era perfeitamente viável, sobretudo devido ao fato de que, cinco anos antes, o “Movimento pela Paz” havia conseguido reunir meio bilhão de assinaturas para o “Apelo de Estocolmo”. Os dirigentes comunistas revelavam que o povo brasileiro já estava envolvido nos ideais de paz. Isso foi demonstrado pelo “sucesso” dos quatro milhões de assinaturas colhidas durante a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas”. As personalidades, mais uma vez, eram convocadas a apoiar o novo Apelo. Suas assinaturas eram de extrema importância para a campanha, principalmente para continuar mostrando que a campanha não servia a interesses de partidos políticos ou países. Além disso, serviam para incentivar, fazendo com que diversos setores da população assinassem o Apelo. O jornal Imprensa Popular, em sua primeira página do suplemento dominical, destacou a declaração de Cacilda Becker: “teatro é beleza e nada é mais belo do que a paz.”96 O periódico, enfatizando a entrevista realizada com a artista, perguntou, ainda, sobre uma possível deflagração de guerra atômica. A teatróloga, sem rodeios, respondeu: “sou humana e sou mãe: a guerra atômica me revolta da cabeça aos pés.”97 O presidente da Cruz Vermelha Brasileira, senador Vivaldo Lima, ao assinar o

______93 Idem, 10 de março de 1955, p. 01. 94 Idem, 13 de março de 1955, p. 03. 95 Idem, 01 de abril de 1955, p. 01. 96 Idem, 13 de março de 1955, p. 01. (Suplemento Dominical) 97 Idem. 175

Apelo de Viena, disse: “repugna-me a idéia da guerra atômica.”98 O senador Mourão Vieira, do PTB, por sua vez, também “manifestou seu apoio ao Apelo de Viena, que reclama a destruição de todos os estoques das armas nucleares e a cessação imediata de seu fabrico, assim como expressou sua solidariedade à Campanha Nacional contra a Preparação da Guerra Atômica.”99 Outro artigo bastante explorado pelos jornais comunistas era o que revelava a declaração de Oscarito sobre a campanha em favor do Apelo de Viena. Nas palavras do artista, mostrava o jornal: “minha missão é distribuir alegria, por isso não concordo com esses engenhos de destruição em massa. A paz é a maior amiga da vida, da arte e do progresso.”100 Assim, a imprensa comunista divulgava a adesão de inúmeras personalidades da sociedade brasileira, e do mundo inteiro, que aderiam ao Apelo. Diversos artigos, no início da campanha, demonstravam que a tarefa seria cumprida. Contudo, ao aproximar-se do final do ano de 1955, a imprensa comunista evitou divulgar o resultado da campanha, destacando outras atividades articuladas e defendidas pelo Partido. É importante ressaltar que, no decorrer dos outros apelos pacifistas – Apelo de Berlim e Apelo do Viena –, os comunistas patrocinaram e desenvolveram outras campanhas, como por exemplo, contra o acordo militar Brasil-Estados Unidos, contra o envio de 20 mil soldados brasileiros para a Coréia, Contra a carestia, em favor do petróleo (“O Petróleo é Nosso”), em favor dos “jornais do povo” (ajuda financeira aos jornais comunistas), em favor da reforma agrária (com coleta de assinaturas), pela emancipação nacional e “Pró-Imprensa Popular” (campanha de ajuda financeira específica ao referido jornal). Além disso, em março de 1953, divulgou-se a morte de Stálin, o que causou um verdadeiro choque entre os comunistas brasileiros, possibilitando, com isso, o esmorecimento dos militantes. Até o ano de 1956, os comunistas vão desenvolver e propagandear as campanhas pacifistas. A partir desse ano, sobretudo após a divulgação do relatório Krushev, no qual foram revelados os crimes cometidos por Stálin, é possível perceber uma

______98 Idem, 22 de março de 1955, p. 01. 99 Idem, 26 de março de 1955, p. 01. 100 Idem, 27 de março de 1955, p. 01.

176 significativa queda nos chamamentos pacifistas. A imprensa comunista, durante aquele ano, pouco divulgou, principalmente se comparado a anos anteriores, assuntos relativos ao pacifismo soviético. Naquele momento, críticas à organização do Partido e ao culto à personalidade invadiram as páginas dos jornais.

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Considerações finais

O PCB passou a maior parte de sua vida política na ilegalidade. Quase quarenta anos sem o reconhecimento legal de sua legenda, permitiram aos comunistas uma rica experiência na clandestinidade. Nesse período, inseriram-se em diferentes movimentos sociais a fim de manterem-se ligados à vida política do país. Somente em 1985, o PCB conquistava a legalidade. Contudo, a emergência do sistema partidário da Nova República, que garantia legal e oficialmente sua existência, não possibilitou sua transformação numa força política efetiva. A pequena inserção na sociedade e a fraqueza eleitoral eram visíveis aos dirigentes. A crise do movimento comunista internacional, a partir de fins da década de 1980, só fazia aumentar sua debilidade. Como retrata Dulce Pandolfi, “no início dos anos 90, os drásticos acontecimentos nos países socialistas acarretaram reflexos imediatos não só sobre o PCB, mas sobre as esquerdas de um modo geral.”1 Nesse momento da história, o Partido Comunista Brasileiro, em janeiro de 1992, foi declarado “extinto”. Mas, suas crenças, valores e idéias continuariam mostrando-se presentes na sociedade brasileira. Décadas após a campanha patrocinada pelos comunistas em favor do “Apelo de Estocolmo”, o tema da paz – que nunca tivera definitivamente saído de circulação – voltava a cena com destacável força. As armas nucleares, que durante os anos da Guerra Fria causavam um temor internacional, devido ao seu poder de destruição, povoavam, mais uma vez, o imaginário de sociedades inteiras. Com a manchete de primeira página, o jornal Folha de S. Paulo, em dezembro de 2002, confirmava: “EUA ameaçam usar bomba nuclear se forem atacados”.2 A notícia foi divulgada enquanto os inspetores da ONU e o Conselho de Segurança do referido órgão preparavam-se para iniciar, num prazo de dez dias, as discussões relacionadas à declaração do governo do Iraque sobre seus armamentos. Segundo o porta-voz da Casa Branca, a nova estratégia de defesa dos Estados Unidos era

______1 PANDOLFI, Dulce Chaves. Camaradas e companheiros. História e memória do PCB. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1995, p. 11. 2 Folha de S. Paulo. São Paulo, 11 de dezembro de 2002, p. 01.

178 simples e direta. Estava baseada no “direito de responder a ataques com armas de destruição em massa usando uma ‘força esmagadora’, que inclui armas nucleares.”3 A declaração da Casa Branca poderia ser interpretada, também, como um alerta direto do presidente norte-americano, George Wallace Bush, ao Iraque, o que fez aumentar a tensão na região. De acordo com o documento, relatou o periódico, o próprio presidente declarou “que os Estados Unidos não vão permitir que ‘os regimes mais perigosos do mundo’ ameacem o planeta com as ‘armas mais perigosas do mundo’.”4 A partir do final de 2002 e início do seguinte, diversos artigos denotavam o tom alarmante das negociações. Em contrapartida, inúmeras manifestações de paz ocorreram em todo o mundo. Durante a segunda semana de janeiro de 2003, milhares de pessoas de diferentes países do mundo foram às ruas dizer não a um possível conflito no Iraque. Segundo a imprensa, no Japão, a bandeira norte-americana virou sinônimo de guerra. Diversos apelos foram feitos em várias línguas e até sem palavras. Um outro artigo afirmou, ainda, que

“paquistaneses pediram o fim da intolerância americana. Russos protestaram contra a fome de guerra dos EUA. Egípcios queimaram bandeiras brancas para mostrar o que pode acontecer com o mundo. Em Genebra, suíços tocaram músicas típicas, para abafar o barulho das bombas. Em Paris, os franceses chamaram o presidente americano de terrorista número um. Em Bagdá, Saddam Hussein foi defendido por um grupo de jornalistas iraquianos. A manifestação foi diante do quartel-general dos inspetores de armas da ONU, que hoje só encontraram lixo militar. Britânicos também disseram não à guerra, apesar do apoio incondicional do primeiro-ministro Tony Blair aos EUA.”5

No Brasil, em São Paulo, o “Movimento Paulista Contra a Guerra e Pela Paz” organizou uma passeata pedindo aos Estados Unidos que não iniciassem uma nova guerra, que, de acordo com seus organizadores, poderia ser de proporções catastróficas para o mundo inteiro. Os líderes da manifestação levaram um documento, assinado por inúmeras

______3 Idem. 4 Idem. 5 Extraído de: www.jornalnacional.globo.com – 18 de março de 2003.

179 pessoas, ao Consulado dos Estados Unidos. Nele, encontravam-se as razões para evitar uma nova guerra e o apelo dos brasileiros pela manutenção da paz mundial. Os clamores pela paz não paravam de expandir. A partir da declaração do presidente norte-americano de usar o arsenal do seu país numa guerra contra o Iraque, incluindo armas atômicas, começou a circular pela internet uma petição pela paz. O apelo em favor da paz era, assim, descrito:

“Senhoras e Senhores, 3a. Guerra Mundial !!!

Os Estados Unidos estão para declarar guerra. Estamos numa situação de extremo perigo para o equilíbrio mundial: poderia ser o começo da TERCEIRA GUERRA MUNDIAL. Se você é contra a guerra, a ONU propôs o envio de uma petição assinada para evitar esse trágico acontecimento. POR GENTILEZA, COPIE este e-mail numa nova mensagem, coloque o seu nome no final da lista abaixo e envie-o a todos os seus parentes, amigos e conhecidos. Se ao receber esta lista você vir que ela já tem mais de 500 nomes, por favor, envie uma cópia da mensagem a: [email protected]

Se você não quiser assinar, tudo bem. Mas, em nome de todas as pessoas que estão empenhadas em evitar uma catástrofe para o mundo, nós pedimos a você que não o cancele. Devolva-o a quem o mandou para você. Obrigado!”6

Logo abaixo, encontrava-se uma lista com 428 nomes de pessoas de diferentes países: franceses, italianos, suíços, suecos, espanhóis, bolivianos, argentinos, equatorianos, norte-americanos, chilenos, mexicanos, brasileiros, entre outros, subscreveram o apelo. O desejo de uma paz mundial ainda persiste em todas as sociedades, mesmo que ela não possa ser garantida nem assegurada por nenhuma instituição. Como afirma Baczko,

“se os homens conscientemente a procuram, só podem concebê-la como paz perpétua, mesmo que sempre se revele efêmera. A paz que um olhar retrospectivo vê como geograficamente limitada a alguns países ou regiões, é sempre uma verdadeira paz porque resultou de uma aspiração histórica e concreta que irresistivelmente suscita, não a certeza, mas a esperança e o desejo de sua perpetuidade.”7

______6 Extraído de: [email protected] 7 BACZKO, Bronislaw (b). Op. cit., p. 292. 180

Com isso, a paz perpétua não designa uma idéia ou uma condição entre diversas outras, mas pode ser definida como objetivo da vontade humana. Num determinado período da história, durante a Guerra Fria, a paz foi baseada no princípio de que, por si só, a posse de armas nucleares a garantiria entre seus detentores e, por conseguinte, para o mundo. A “paz pelo terror”, como também ficaram conhecidos os anos de disputa entre Estados Unidos e União Soviética, marcou um longo período da história da humanidade. Milhões de pessoas vivenciaram momentos de tensão acerca da eclosão de uma nova guerra mundial e da destruição do planeta com armas nucleares. No Brasil, os militantes comunistas ficaram a cargo do desenvolvimento de uma campanha que visava, em primeiro lugar, à proibição das armas atômicas em quaisquer conflitos internacionais. Muitos partilharam da crença de que o mundo caminhava para uma hecatombe. Acreditaram que o único caminho era lutar pela preservação da paz. Convenceram inúmeras pessoas a assinarem os diversos apelos pacifistas dirigidos à população, esclarecendo o perigo das bombas atômicas. Tudo isso sob feroz repressão política e policial. A paz perpétua é o desejo de todos aqueles que lutaram e continuam lutando pela preservação da paz. Mas o fato de não ser possível instituí-la, unido à irreprimível aspiração de que é objeto, fizeram dela o sentido de uma história sempre aberta.

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FONTES

Instituições de pesquisa Arquivo Nacional Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro Biblioteca Nacional

Periódicos A Cidade (Rio de Janeiro) A Hora (Rio de Janeiro) A Noite (Rio de Janeiro) Democracia Popular (Rio de Janeiro) Diário Carioca (Rio de Janeiro) Diário Trabalhista (Rio de Janeiro) Imprensa Popular (Rio de Janeiro) O Estado de S. Paulo (São Paulo) O Globo (Rio de Janeiro) O Jornal (Rio de Janeiro) O Sol (São Paulo) Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) Voz Operaria (Rio de Janeiro) Revista Problemas Revista Veja

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