RENATA BASTOS DELLAMÉA FERRAZ

ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO: MEMÓRIA E GESTÃO DE UM BEM SIMBÓLICO DE

CANOAS, 2019

RENATA BASTOS DELLAMEA FERRAZ

ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO: MEMÓRIA E GESTÃO DE UM BEM SIMBÓLICO DE PORTO ALEGRE

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Memória Social e Bens Culturais.

Orientação: Dra. Judite Sanson de Bem Coorientação: Dr. Artur César Isaia

CANOAS, 2019

RENATA BASTOS DELLAMEA FERRAZ

ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO: MEMÓRIA E GESTÃO DE UM BEM SIMBÓLICO DE PORTO ALEGRE

Tese de Doutorado aprovada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Memória Social e Bens Culturais pela Universidade La Salle – Unilasalle.

Aprovado pela banca examinadora em 17 de dezembro de 2019.

Aos meus pais, Luiz Pedro (in memoriam) e Rejane, amor incondicional. Ao meu esposo e filho, Ronaldo e Rafael, razões da minha vida.

AGRADECIMENTOS

Essa tese só foi possível pelo envolvimento de um conjunto de pessoas e instituições especiais.

Do meio acadêmico da Universidade La Salle, gratidão:

À orientadora, Profª. Drª. Judite, pela paciência infinita e conhecimento invejável.

Ao coorientador, Prof. Dr. Artur, pelos ensinamentos sobre memória e fé em Deus.

À professora e amiga, Profª. Drª. Margarete, pelo otimismo e estímulo para cursar o doutorado.

Aos professores do PPG, Profª. Drª. Cleusa, Prof. Dr. Lucas, Prof. Dr. Móises, Profª. Drª. Maria de Lurdes, Profª. Drª. Tamara, Profª. Drª. Zilá, Profª. Drª. Nádia, Profª. Drª. Patrícia e Profª. Drª. Maria Luísa, por me apresentarem outras áreas de conhecimento.

Aos colegas do curso, principalmente, à Rita, Kellen, Arlete e Eliane, pelas palavras certeiras nas horas que mais precisei.

Aos funcionários do PPG, pela eficiência nas informações prestadas quando solicitadas, e à bibliotecária Melissa, pela revisão na formatação do trabalho.

Do meio acadêmico da Universidade Feevale, gratidão:

Aos coordenadores dos cursos de graduação do Instituto de Ciências Humanas e Sociais - ICHS, pela ausência nas reuniões.

Do meio associativo, gratidão:

À Associação Amigos do Theatro São Pedro, representada pelo Sr. Roberto Moraes e Sra. Ivonete Souza, que, com a autorização de Eva Sopher (in memoriam), permitiu o acesso às informações da entidade e ao complexo São Pedro, tão lindo e acolhedor.

Do meio governamental, gratidão:

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pela concessão da bolsa parcial ao longo do curso.

Do meio familiar, gratidão:

À Juba, pelas palavras de incentivo e momentos carinhosos com meu filho.

Todos esses que aí estão Atravancando o meu caminho, Eles passarão… Eu passarinho!

(Mário Quintana)

RESUMO

Desde sua criação, no século XIX, o Theatro São Pedro está em permanente transformação, seja pela demanda cultural crescente, seja pelos novos espaços teatrais que transitam no mesmo cenário urbano. Tanto o setor público, por meio da Fundação Teatro São Pedro, quanto o setor privado, por meio da Associação Amigos do Theatro São Pedro, compartilham sua administração e buscam na gestão financeira garantir recursos para suas atividades. No entanto, cada entidade atua de forma distinta, conforme seus interesses, fazendo com que o teatro seja alvo de disputas dentro do campo no qual se insere. Nesse sentido, o estudo traz o seguinte questionamento: que ações foram adotadas pela Associação Amigos do Theatro São Pedro, a partir dos anos 1980, para fazer frente às dificuldades financeiras, dado a sua representação como patrimônio e identidade da sociedade gaúcha? Para isso, o estudo tem como objetivo analisar, por meio de suas memórias, as ações adotadas pelas gestões da AATSP com vistas a capacitá-lo ao exercício de inúmeras atividades culturais. A pesquisa se classifica como um estudo de caso com enfoque qualitativo e quantitativo. Foram feitas entrevistas com os gestores da Associação a fim de analisar a memória de suas ações no processo de ampliação do teatro e, ainda, buscaram-se dados orçamentários com o intuito de compreender o comportamento entre a tomada de decisões e o impacto gerado sobre a oferta cultural. Observou-se que a Associação cumpre um papel ativo na gestão do teatro, principalmente na captação de recursos e em ações que promovem a continuidade do complexo, como a adoção de melhorias em processos e readequações orçamentárias. Além disso, o financiamento do teatro, via leis de incentivo à cultura, fortaleceu a interação com as empresas privadas, favorecendo a ampliação física do local.

Palavras-chave: Memória, Theatro São Pedro, Associação Amigos do Theatro São Pedro, Fundação Teatro São Pedro.

ABSTRACT

Since its creation, in the XIX century, the Theatro São Pedro is in constant change, be it by the increasing cultural demand or by the new theatrical spaces sharing the same urban scenery. Both the public sector, represented by the Fundação Teatro São Pedro, and the private sector, through the Associação Amigos do Theatro São Pedro, share its administration and aim to ensure resources for its activities based on its financial management. Nevertheless, each institution acts in a different way based on their interests, which results in the theater being disputed within the field it belongs to. Thus, this study brings the following question: what was done by the Associação Amigos do Theatro São Pedro, from the 1980’s on, to face the theater’s financial difficulties, considering its importance as heritage and identity of Rio Grande do Sul’s society? For this reason, the goal of this study is to analyze, through the AATSP’s memories, the actions taken by its managers to make the theater multifunctional so as it could host a numberless of cultural activities. The research is based on a qualitative and quantitative case study. The managers were interviewed for their actions considering the process of expansion of the theater. Moreover, budget data was studied for the understanding of the behavior between decision- making and its impact on the cultural offer. It was verified that the institution has an active role on the management of the theater, mainly when it comes to raising funds and actions aiming to promote the complex’s continuity, such as the adoption of processes enhancements and budget readjustment. Besides, the theater’s financing, through Culture Development Laws, strengthened the interaction between the two companies, benefiting the theater’s physical enlargement.

Keywords: Memory, Theatro São Pedro, Associação Amigos do Theatro São Pedro, Fundação Teatro São Pedro.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 -– Eva Sopher no interior do teatro, 1975...... 44 Figura 2 – Visita do Presidente João Figueiredo, durante a restauração, com Eva Sopher...... 44 Figura 3 – Eva Sopher e equipe em reunião no interior do Theatro São Pedro, anos de 1970...... 45 Figura 4 – Paisagem a óleo, Praça da Matriz, os prédios do Theatro São Pedro (esquerda) e da antiga Casa da Câmara (direita), séc. XIX...... 51 Figura 5 – Fachada principal do teatro, vidros quebrados, anos de 1970...... 5 6 Figura 6 – Piso de madeira deteriorado, gradil amarrado, anos de 1970...... 56 Figura 7 – Plateia/Camarote, piso de madeira original apodrecido...... 56 Figura 8 – Antigo madeiramento com fiação elétrica exposta...... 56 Figura 9 – Vista lateral do teatro, tapumes da obra...... 63 Figura 10– Eva e três senhores, entre eles arquiteto Mancuso, em visita às 64 obras,1976...... Figura 11 – Eva Sopher em visita às obras, 1978...... 64 Figura 12 – Vista lateral escadas externas...... 64 Figura 13 – Vista aérea da obra e escavações...... 64 Figura 14 – Obra no palco e plateia,camarotes, gradil...... 65 Figura 15 – Colocação da nova estrutura metálica no forro e galerias...... 65 Figura 16 – Lustre...... 66 Figura 17 – Poltrona...... 66 Figura 18 – Palco e plateia...... 66 Figura 19 – Reinauguração, plateia...... 67 Figura 20 – Reinauguração, Eva Sopher...... 67 Figura 21 – Vista aérea do Theatro e Multipalco...... 68 Figura 22 – Frente do teatro ...... 69 Figura 23 – Praça Multipalco...... 69 Figura 24 – Estacionamento...... 69 Figura 25 – Sala de dança...... 69 Figura 26 – Teatro Italiano...... 69 Figura 27 – Sala de oficina...... 69 Figura 28 – Concha acústica...... 70 Figura 29 – Foyer Multipalco...... 70

Figura 30 – Sala de música...... 70 Figura 31 – Sala de música...... 70 Figura 32 – Salas múltiplas...... 70 Figura 33 – ...... 70 Figura 34 – Salas do Memorial...... 71 Figura 35 – Entrada do Memorial...... 71 Figura 36 – Gestor da AATSP...... 86 Figura 37 – Alunos na aula de violão...... 90 Figura 38 – Alunos na aula de canto...... 90 Figura 39 – Gestora da AATSP...... 92 Figura 40 – Modelo de gestão híbrido...... 102 Figura 41 – Estrutura do Conselho Fiscal da AATSP...... 104

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Radiografia cultural Brasil e Rio Grande do Sul, 1970 e 1980...... 60 Tabela 2 – Classificação dos estados quanto às atividades e equipamentos culturais, década de 1980...... 60 Tabela 3 – Atividades culturais no RS, anos de 1980...... 61 Tabela 4 – Associações culturais no RS, anos de 1980...... 61 Tabela 5 – Número de associados da AATSP, 1984/2018...... 98 Tabela 6 – Despesa Empenhada e Paga, em milhões de R$, para a Secretaria da Cultura – 2000/2015...... 109 Tabela 7 – Despesa Paga, em milhões de R$, para a Secretaria da Cultura e para a FTSP, 2000/2017...... 110 Tabela 8 – Despesa Empenhada e Paga, em milhões de R$, do orçamento do Estado para a FTSP,1994/2017...... 111 Tabela 9 – Despesa Paga, em milhões de R$, por Projeto – Programa para a FTSP, 2000/2017...... 113 Tabela 10 – Percentual das despesas pagas por Projeto /Programa para a FTPS, 2000/2017...... 113 Tabela 11 – Fonte de recursos destinados à FTSP, 2000/2017...... 114 Tabela 12 – Percentual das fontes de recursos destinados à FTSP, 2000/2017. 114 Tabela 13 – Receitas e despesas, em milhões de R$, da AATSP ...... 117 Tabela 14 – Evolução das despesas em milhões de R$, da AATSP, 2005/2010 117 Tabela 15 – Percentual da evolução das despesas da AATSP, 2005/2010...... 118 Tabela 16 – Evolução das despesas, em milhões de R$, da AATSP, 2011/2017 118 Tabela 17 – Percentual da evolução das despesas da AATSP, 2011/2017...... 119 Tabela 18 – Evolução das receitas, em milhões de R$, da AATSP, 2011/2017... 122 Tabela 19 – Percentual da evolução das receitas da AATSP, 2011/2017...... 122 Tabela 20 – Despesas totais, em milhões de R$, da FTSP e AATSP...... 125 Tabela 21 - Receitas totais, em milhões de R$, da FTSP e AATSP...... 125 Tabela 22 – Evolução das atividades do teatro e complexo, 2015/2017...... 127 Tabela 23 – Atividades culturais do teatro e complexo, 2015/2017...... 127 Tabela 24 – Preço, em R$, das entradas das atividades do teatro e complexo, 2015/2017...... 128 Tabela 25 – Ocupação das dependências do teatro e complexo, 2015/2017...... 129

Tabela 26 - Projetos apresentados à lei de incentivo cultural federal, por segmento cultural, 1997/2018...... 147 Tabela 27 – Valores dos projetos apresentados à lei de incentivo cultural 148 federal, em R$ mil, por segmento cultural, 1997-2018...... Tabela 28 – Valores dos projetos apresentados à lei de incentivo cultural federal, em R$ mil, por modalidade de incentivo, 1997/2018...... 149 Tabela 29 – Situação dos projetos apresentados à lei de incentivo cultural federal, por modalidade de incentivo, 1997/2018...... 149 Tabela 30 – Situação dos projetos apresentados via Mecenato, por segmento cultural, 1997/2018...... 150 Tabela 31 – Valores dos projetos na modalidade de Mecenato por segmento cultural e apoiadores...... 151 Tabela 32 – Quantidade de incentivadores na modalidade de Mecenato, por segmento cultural...... 152 Tabela 33 – Quantidade de projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, por área cultural, 1997/2018...... 159 Tabela 34 - Situação dos projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, 1997/2018...... 159 Tabela 35 – Valores dos projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, em mil R$, por segmento cultural, 1997/2018 ...... 160 Tabela 36 – Comparativo das receitas, em milhões de R$, da FTSP e AATSP... 161

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Órgãos e Competências da AATSP...... 103 Quadro 2 – Diretoria Executiva da AATSP...... 104 Quadro 3 - Governadores do Rio Grande do Sul, 1983/2018...... 107 Quadro 4 - Caracterização das Receitas e Despesas da FTSP...... 112 Quadro 5 - Caracterização das Receitas e Despesas da AATSP...... 115 Quadro 6 – Comportamento do setor público e privado no financiamento da cultura...... 141 Quadro 7 – Projetos submetidos à lei de incentivo cultural federal, 1997/2018.. 146 Quadro 8 – Pessoas jurídicas apoiadoras dos projetos submetidos à lei de incentivo federal ...... 152 Quadro 9 – Projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, 1997/2018 157

LISTA DE SIGLAS

AATSP Associação Amigos do Theatro São Pedro DAP Departamento de Atividade Cultural da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul FTSP Fundação Estadual Teatro São Pedro FAC Fundo de Apoio a Cultura do Estado do Rio Grande do Sul FICART Fundo de Investimento Cultural e Artístico FNC Fundo Nacional de Cultura LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias LIC Lei de Incentivo a Cultura do Estado do Rio Grande do Sul MINC Ministério da Cultura PPA Plano Plurianual PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura PRÓCULTURA Sistema Estadual Unificado de Apoio às Atividades Culturais do Rio Grande do Sul RS Rio Grande do Sul SEFAZ Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul SALIC Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura SEDAC Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul SEC Secretaria da Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul SPGG Secretaria de Estado do Planejamento, Governança e Gestão do Estado do Rio Grande do Sul OCTSP Orquestra de Câmara Theatro São Pedro TSP Teatro São Pedro

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...... 18 2 THEATRO SÃO PEDRO: MEMÓRIA DE UM BEM SIMBÓLICO...... 24 2.1 Memória coletiva e Patrimônio...... 24 2.2 Teoria do campo: dinâmica das práticas sociais...... 31 2.3 Theatro São Pedro: inserção no campo cultural e realidade patrimonial...... 41 2.4 Theatro São Pedro: sua história, sua memória...... 49 2.5 Contexto cultural de Porto Alegre nos anos de 1970 e 1980...... 57 2.6 Considerações Finais...... 72 3 THEATRO SÃO PEDRO: GESTAO DE UM BEM CULTURAL...... 76 3.1 O Estado como indutor cultural...... 77 3.2 O teatro e a gestão Eva Sopher...... 79 3.3 O teatro e a gestão da Associação Amigos do Theatro São Pedro... 83 3.3.1 A rotina financeira da Associação Amigos do Theatro São Pedro...... 91 3.3.2 A estrutura da Associação Amigos do Theatro São Pedro...... 101 3.4 Desempenho orçamentário da gestão...... 106 3.4.1 Análise financeira da Fundação Teatro São Pedro...... 106 3.4.2 Análise financeira da Associação Amigos do Theatro São Pedro...... 114 3.4.3 Comparativo entre Fundação e Associação...... 124 3.5 Oferta cultural do teatro...... 126 3.6 Considerações Finais...... 129 4 THEATRO SÃO PEDRO: FINANCIAMENTO SOB AS LEIS DE INCENTIVO A CULTURA...... 133 4.1 Desenvolvendo o setor cultural: modelos de financiamento...... 134 4.2 A Lei Rouanet, o Theatro São Pedro e o Multipalco...... 143 4.3 O Pró-Cultura, o Theatro São Pedro e o Multipalco...... 153 4.4 Avaliação dos gestores da Associação Amigos do Theatro São Pedro...... 161 4.5 Considerações Finais...... 165 5 CONCLUSÃO...... 169 REFERÊNCIAS...... 178 APENDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADA AOS

GESTORES DA ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO 192 APENDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO...... 193

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1 INTRODUÇÃO

O Theatro São Pedro1 já surgiu num campo de disputas. Primeiro, quando de sua idealização, os problemas dos agentes giravam em torno da falta de um espaço físico e recursos para sua construção. Mais tarde, quando de sua inauguração e início de sua operacionalização, o dilema voltou-se para a definição do modelo de sua administração. Já em funcionamento, a obtenção de recursos de forma continuada para sua manutenção foi o imbróglio maior, tanto que obrigou o teatro a encerrar suas atividades durante nove anos, nos anos de 1970, pela precariedade de suas instalações. Durante esse período, a falta de recursos por parte do Estado foi suprida pelo apoio financeiro do Governo Federal, oportunizando ao local ressurgir no campo cultural e começar uma nova etapa na sua gestão. A partir daí, o teatro passou a ser dirigido pela Fundação Teatro São Pedro2 e pela Associação Amigos do Theatro São Pedro. Duas entidades distintas, uma pública e outra privada, mas unidas em torno de um objetivo comum: garantir recursos para a manutenção do local. Nesse momento, o equilíbrio financeiro do Theatro São Pedro começou a ser um fator importante para seus gestores equacionarem, principalmente, diante do crescimento de suas despesas em relação a suas receitas. Por mais que o Estado houvesse concedido ao teatro o status de patrimônio cultural, isso não lhe garantiu ingresso de recursos suficientes para seu funcionamento, muito pelo contrário, registros públicos atestam que a área da cultura nunca foi prioridade dos governos. Conforme dados disponibilizados pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, ao longo dos últimos vinte anos, a trajetória dos repasses financeiros à Secretaria da Cultura e à Fundação Teatro São Pedro mostrou-se pequena, comparada a outros órgãos da administração do Estado, e evidenciou que os valores efetivamente pagos nunca coincidiram com os estimados pelos orçamentos anuais. No entanto, ao mesmo tempo que lhe faltavam recursos, o teatro movimentava uma agenda cultural intensa e diversificada. Considerando o Relatório de Gestão da Secretaria da Cultura do Estado, de 2015, o espaço apresentou uma

1 Pela regra ortográfica a palavra teatro, substantivo comum masculino, se escreve sem a letra h. Por 2 Conforme a lei de criação da Fundação Teatro São Pedro, a palavra teatro mantém a regra ortográfica. 19

quantidade crescente de atividades culturais, incluindo shows de música, apresentações teatrais, atividades formativas, danças, exposições e leituras dramáticas, que ocupavam praticamente todas as suas dependências internas. De posse dessas evidências, ficou uma lacuna a ser investigada, uma vez que os recursos que a Fundação recebia não sustentavam o volume dessas programações. Coube então à Associação Amigos do Theatro São Pedro atuar na captação de recursos que pudessem viabilizar esses eventos. Nesse sentido, o estudo propõe encontrar respostas para o seguinte problema: que ações foram adotadas pela Associação Amigos do Theatro São Pedro, a partir dos anos 1980, para fazer frente às dificuldades financeiras, dado a sua representação como patrimônio e identidade da sociedade gaúcha?

A partir disso, o estudo tem como objetivo geral analisar, por meio de suas memórias, as ações adotadas pelas gestões da AATSP com vistas a capacitá-lo ao exercício de inúmeras atividades culturais. Entender melhor sua forma de gestão é encontrar os motivos que levaram o teatro a permanecer operante, é buscar identificar os atores sociais que trabalharam nesse projeto, é compreender as adversidades das escolhas de seus administradores, é resgatar lembranças, recordações, arquivos, marcos, rastros, memórias que ainda hoje permanecem vivas e que são capazes de mostrar o porquê do local ainda figurar no cenário atual. Para isso, foram traçados quatro objetivos específicos: apresentar referencial teórico sobre memória social e teoria do campo; ativar a memória do teatro, a partir das pessoas que nele ainda trabalham, e o panorama sociocultural da cidade no período de 1970 a 1980; identificar os atores relevantes no processo de seu restabelecimento no cenário cultural de Porto Alegre nos anos de 1980; e analisar qualitativamente e quantitativamente a situação da gestão financeira do teatro a partir da década de 1980. Como opção metodológica, a pesquisa ora proposta é classificada, por sua natureza, como aplicada; quanto aos seus objetivos, como descritiva e exploratória; quanto aos procedimentos técnicos, como bibliográfica, documental e de estudo de caso; e quanto a sua abordagem, como qualitativa e quantitativa. No estudo, foram utilizadas diferentes fontes bibliográficas, como jornais, artigos, livros, teses, dissertações, relatórios técnicos, atas, leis e decretos. Na abordagem quantitativa foram utilizadas bases on-line de diversos órgãos 20

públicos, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Ministério da Cultura, a Secretaria da Fazenda do Estado, a Secretaria da Cultura do Estado e a Fundação Teatro São Pedro, bem como dados contábeis e financeiros da própria Associação Amigos do Theatro São Pedro. Estes dados foram apresentados por meio de tabelas e gráficos, mediante tratamento estatístico descritivo. Todos os dados referentes a valores monetários sofreram correção monetária para corresponderem a valores de agosto de 2019 e, assim, permitir uma comparação atual compensando a perda do valor da moeda. O recorte da análise da gestão orçamentária da Associação iniciou-se em 2005 e estendeu-se até 2017, pois antes desse período a entidade não possuía métodos de armazenamento de informações e controle de documentos financeiros que permitissem analisar um período de tempo maior. Quanto aos projetos submetidos às leis de incentivo fiscal, o período de análise compreendeu os anos de 1997 a 2018. No caso dos dados orçamentários da Fundação Estadual Teatro São Pedro, o período de análise foi de 1994 a 2017, conforme a base disponível pela Secretaria da Fazenda. O uso dos dados quantitativos procurou identificar as relações existentes entre a tomada de decisão e o impacto gerado sobre a oferta e a demanda cultural da Associação. Já a abordagem qualitativa analisou a memória dos sujeitos que, direta e indiretamente, influenciaram o processo de reconstrução do teatro. Foram feitas entrevistas com os dois principais gestores da entidade, Sr. José Roberto Diniz Moraes e Sra. Ivonete Souza, durante os meses de setembro e outubro de 2018 na sede da Associação, localizada junto ao complexo Multipalco São Pedro. A decisão de entrevistá-los foi baseada no fato de que ambos têm no mínimo quinze anos de trabalho na entidade e ambos conviveram diariamente com Eva Sopher na tomada de decisões operacionais e estratégicas. A entrevista foi pessoal, com duração de cerca de duas horas para cada gestor, seguindo um roteiro semiestruturado com temas que direcionavam para o problema do estudo. As entrevistas foram gravadas e transcritas em arquivos em formato doc no Word. Após a transcrição, foram analisados os conteúdos das respostas, separando-se aspectos que pudessem encadear a memória da entidade e descrever o comportamento de diversas áreas da gestão da Associação, como comunicação, orçamento, relação com atores, estratégias, parcerias, entre outros. O processo de coleta de informações da entrevista deu-se de forma receptiva, da mesma forma quando foi visitado pessoalmente o local pela primeira vez, onde 21

foi possível conhecer todas as dependências do teatro. Na medida em que eram pontuados os tópicos, pôde-se perceber que praticamente a totalidade das lembranças dos gestores vinha à mente de forma rápida ancoradas em pessoas próximas de seu ambiente de trabalho ou em fatos por eles vividos. O estudo se justifica como uma forma de compreender, mais especificadamente, a memória de um teatro que há mais de cento e cinquenta anos vive, ou melhor, “sobrevive” entre apresentações que tanto fascinam o público, e um limite de recursos que, muitas vezes, compromete a manutenção de suas atividades e sua agenda cultural. A pesquisa trará, ainda, a compreensão da atuação da Associação Amigos do Theatro São Pedro, que muito se dedica a não deixar que o local figure no esquecimento da população. A trajetória construída pela Associação reforça seu comprometimento e seriedade na manutenção e na expansão do teatro, carrega memórias de seus gestores, possui história que se inicia na década de 1980, estendendo-se até os dias atuais. Com a existência do Theatro, Porto Alegre ganhou projeção diante dos demais Estados como detentora de uma referência cultural, de cujas programações artistas nacionais e internacionais participam. Tido como uma herança cultural, o São Pedro carrega significados pela presença de políticos, da elite gaúcha, de artistas e outros no seu espaço, bem como pelos impactos que sofreu diante das guerras e de planos econômicos que comprometeram a apresentação de seus espetáculos. Mais ainda, o teatro carrega identidade, possui sentido, e as representações construídas ao seu redor ultrapassam o valor histórico do prédio. As experiências que os indivíduos tiveram antes de seu fechamento e após seu retorno foram relações construídas com significados que reforçam a crença do teatro como um símbolo cultural. Ademais, o desenvolvimento e os resultados da pesquisa poderão servir como fonte de pesquisa para a Universidade Lasalle mediante a construção de conhecimento aplicado à memória e sua relação com o modelo de gestão de uma instituição cultural que data do século XIX. Pessoalmente, essa pesquisa se justifica pela vivência da pesquisadora junto ao Theatro São Pedro, a época da adolescência quando frequentava os espetáculos teatrais, e da trajetória profissional quando, entre 2004 e 2011, começou a trabalhar como docente de ensino superior nas Faculdades Monteiro Lobato, situada na Praça da Alfândega, onde frequentava a cafeteria do teatro duas a quatro vezes por mês 22

para almoçar. Foi nesse período, que a obra intitulada “Álbum ilustrativo comemorativo de sua reinauguração: 1858-1984” - a qual mostrava imagens e pequenos textos de escritores, poetas, historiadores e artistas - foi lida. Concomitante a esse trabalho, em 2011, a pesquisadora foi convidada a integrar a equipe técnica da Secretaria da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico do Estado, onde pôde acompanhar a elaboração dos orçamentos anuais de diversos órgãos. No desenvolvimento desse trabalho, foi constatado que os percentuais que o Estado definia para cada secretaria e seus órgãos diferenciavam sobre o montante total orçamentário. A Secretaria da Cultura chamava a atenção por receber valores ainda menores que a Secretaria da Inovação. A partir desse aprendizado e encerrado o trabalho como servidora pública, ao final de quatro anos, o tema sobre gestão pública e cultura foi escolhido para ingressar no curso de doutorado voltado a Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle. Aprovada, no grupo de alunos selecionados, os estudos em diversas disciplinas - como Tópicos Avançados em Cultura, Tópicos Avançados em Memória, Tópicos Avançados em Gestão e Bens Culturais, além de Memória Organizacional e Institucional - reforçaram a escolha da presente pesquisa, contribuindo para ampliar os conhecimentos adquiridos na área de graduação e mestrado em Economia. Profissionalmente, o estudo representa a possibilidade de gerar pesquisas para o campo social da Universidade Feevale, entidade onde a pesquisadora começou a exercer a função de docente, desde 2001 e até hoje presente no quadro funcional. A Feevale possui Programa de Doutorado em Processos e Manifestações iniciado em 2009 que contempla as atividades acadêmicas da instituição e apresenta uma proposta interdisciplinar de estudos com linhas de pesquisas voltadas à memória e identidade; linguagens e processos comunicacionais. O trabalho está subdividido em 4 capítulos. O primeiro, “Theatro São Pedro: memória de um símbolo cultural”, apresenta a revisão teórica da memória e da teoria do campo, a trajetória histórica do Teatro São Pedro e a figura de Eva Sopher. O teatro concentra as atenções da população desde sua concepção até a concretização de sua estrutura física. O teatro já nasce sendo símbolo de riqueza e beleza e, com o tempo, se torna difusor da cultura local e promotor de desenvolvimento econômico, social e educacional. O teatro se torna complexo na 23

medida em que surgem novas relações e agentes atuando sobre o campo cultural, intervindo no seu modo de funcionamento e alterando sua forma de atuação. O segundo, “Theatro São Pedro: gestão de um bem simbólico”, expõe a gestão do local a partir de um modelo, em que Estado e iniciativa privada passam a agir conjuntamente no processo decisório. Apresenta-se a Associação Amigos do Theatro São Pedro e a forma como acontece sua interação com o setor público. Observa-se que o ponto de inflexão na transformação do teatro num complexo, reforçando sua categoria de símbolo, é a criação da Associação. As análises dos dados orçamentários da gestão apresentam o comportamento e as ações da AATSP que foram priorizadas pelos seus gestores para transformar o teatro no Complexo Multipalco. O terceiro capítulo, “Theatro São Pedro: financiamento sob as leis de incentivo”, apresenta as políticas de financiamento cultural a nível federal e estadual, os projetos captados pela AATSP e o desempenho dos incentivos para a expansão e para a oferta cultural do complexo. Informações sobre os tipos de projetos, as empresas parceiras e o volume de recursos provenientes das leis de incentivo fiscal fazem parte deste capítulo. É analisado o comportamento da Associação com esses mecanismos e a forma como a entidade se adequou para buscar as parcerias que viabilizassem a expansão do complexo. Por fim, a conclusão tem a intenção de resgatar os temas decorrentes do objeto de estudo, encadeando as abordagens de cada capítulo e as considerações analíticas.

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2 THEATRO SÃO PEDRO: MEMÓRIA DE UM BEM SIMBÓLICO

O Theatro São Pedro constituiu-se num marco para o desenvolvimento cultural, educacional, econômico e social da cidade de Porto Alegre. Até seu surgimento, nenhum espaço teatral existente na cidade podia ser comparado a ele quanto à arquitetura e à capacidade de público. Com uma trajetória composta por produções artísticas internacionais e nacionais, o teatro representava o ponto de encontro da elite local e dos governantes e, com o passar do tempo, local de acesso aos menos afortunados. Recordar seus 158 anos de história requer não apenas contextualizá-lo historicamente, mas também aflorar um sentimento de pertencimento e de identidade. Ao longo de sua existência, o teatro vivenciou momentos gloriosos até chegar, nos anos 1970, a uma situação física precária, que forçou o encerramento de suas atividades. Mesmo com seu fechamento a mobilização para reabri-lo envolveu a sociedade civil, empresários e governos, tamanha era a importância que esse espaço público havia adquirido. Finalizado o processo de sua reconstrução nos anos 1980, uma nova etapa na condução de sua gestão foi iniciada, e seu espaço físico foi ampliado para contemplar uma diversidade maior de apresentações culturais. Diante disso, o presente capítulo apresenta, num primeiro momento, as bases teóricas sobre memória e campo social. Logo após, passa-se para a apresentação do Theatro São Pedro permeando sua trajetória histórica, a dinâmica sócio-cultural da cidade nos anos de 1970 a 1980 e os atores relevantes no processo de sua reinvenção como espaço cultural.

2.1 Memória coletiva e patrimônio

Considerado um patrimônio cultural3, o Theatro São Pedro evoca um tempo, um espaço, memórias e identidade. Desde sua inauguração, no século XIX, o teatro

3 Tombado pela Portaria Estadual número 10/84 de 01 de agosto de 1984 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE). Registrado no livro Tombo Histórico número 29. Considera- se como patrimônio bens de “natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Inclui as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, os objetos, os documentos, as edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticas e culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988, art. 216). 25

representa um lugar para vivenciar e imaginar tempos pregressos, símbolos, crenças, valores e significados diversos. Por meio da obra “Theatro São Pedro: 150 anos de história” (2008), é possível evocar lembranças a partir das memórias de grupos de artistas, músicos, cantores, escritores, jornalistas, diretores, professores, gestores, entre outros profissionais do meio artístico, e compreender os motivos pelos quais continua sendo um local de respeito, fascínio e admiração. Tecendo um olhar sobre a obra a partir de pontos de vista de três grupos sociais - artistas, músicos e gestores - os autores demonstram como o teatro acolhe, encanta, emociona, instiga e marca. Na seção dedicada ao grupo dos artistas, percebe-se que o local faz parte da carreira e da história de vida de muitos considerado uma referência territorial, um teatro luxuoso de cinema, uma joia, um sonho, um paraíso onde prevalece regras capazes de transmitir a sensação de se estar num país desenvolvido e civilizado. De acordo com o ponto de vista presente no grupo de músicos, o teatro é um ambiente de beleza arquitetônica deslumbrante e única, uma moldura perfeita, um espaço com público certo e carinhoso, um marco na carreira, uma estrutura que funciona, além de ser apontado como um local de importante significado histórico. Conforme as lembranças dos gestores, o Theatro São Pedro significa amor à primeira vista, parte da vida, família, mágico, aconchegante, despojado, revolucionário, politicamente engajado, ponto de encontro e espaço para troca de experiências. Nos três grupos, o teatro, ainda, é associado a Eva Sopher4, dada sua importância à frente da gestão do local. Nesse sentido, o teatro pode ser visto:  como símbolo, objeto construído de forma coletiva e exterior que serve para interpretar uma mensagem diante de fenômenos presentes nas interações humanas, aproximando sujeitos de objetos, dando-lhes um sentido e servindo de foco para a memória (MOSCOVICI, 2015);  como produto de atribuição cultural, objeto composto de dimensão simbólica em que a ação de lembrar e recordar assegura os laços sociais, dando sentido para os grupos (SILVA, 2010); e  como patrimônio, objeto que possui uma natureza afetiva em que o passado é tido como lembranças para o presente; é uma memória viva, capaz de

4 Gestora do teatro entre 1975 a 2017. Sua importância para o teatro será abordada no capítulo 2. 26

produzir uma nova duração para as coisas. Refletir sobre patrimônio é entender como objetos assumem essa condição, é entender de que forma a memória e a recordação são construídas (CHOAY, 2010).

O teatro como símbolo é construído no imaginário social por desejos, aspirações e motivações passíveis de classificação, tradução de valores, ações e comportamentos. Imaginação que serve como dispositivo simbólico para a construção da identidade, vinculada à condição humana em que “[...] todas as épocas têm as suas modalidades específicas de imaginar, reproduzir e renovar o imaginário, assim como possuem modalidades específicas de acreditar, sentir e pensar.” (BACZKO, 1985, p. 308). Meira (2008, p.106) destaca que é por meio dos imaginários sociais que “[...] uma coletividade elabora uma representação de si, exprime e impõe crenças comuns, organiza a distribuição dos papeis e as posições sociais, enfim, designa suas identidades.” Como patrimônio, o local é uma herança que acumula memória, capaz de construir um sentimento de identidade, permeada por acontecimentos, pessoas, personagens e lugares que remetem a transformações e projeções, desde o momento em que é articulada até o momento em que é expressa (POLLAK, 1992). A memória dá continuidade e permite a uma pessoa ou a um grupo ter a reconstrução de si, ter identidade, que é vista como imagem de si, para si e para os outros. Identidade do teatro que é construída “[...] em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros.” (POLLAK, 1992, p.5). Sendo o teatro portador de memória, Halbwachs (1990) aponta que a capacidade de lembrar se reconstrói entre os sujeitos com base nos pontos de vista de um ou mais grupos por meio de quadros sociais5 formados a partir de uma combinação de lembranças individuais de diferentes membros de uma sociedade (HALBWACHS, 2010). Mesmo que os indivíduos vivenciem acontecimentos isolados, as lembranças são erguidas quando a consciência volta-se para um grupo, quando a identidade se

5 Halbwachs aponta que a sociedade condiciona os indivíduos, seguindo a visão de Durkheim sobre fato social: “[...] toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda, toda a maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais.” (DURKHEIM, 2007, p.13). 27

torna intensa a ponto de se conservar no indivíduo. A representação do espaço feita pelo indivíduo é percebida com relação a um grupo, pois a leitura que se faz dos objetos ao redor é ensinada pela sociedade, fazendo com que as lembranças também possuam a mesma lógica de percepção coletiva. Compartilhando do pensamento de Halbwachs, Schmidt e Makfaud (1993) apontam que a lembrança é

Reconhecimento e reconstrução. É reconhecimento, na medida em que porta o “sentido do já visto”. É reconstrução, principalmente em dois sentidos: por um lado, porque não é repetição linear de acontecimentos e vivências do passado, mas sim um resgate destes acontecimentos e vivências no contexto de um quadro de preocupações e interesses atuais; por outro, porque é diferenciada, destacada da massa de acontecimentos e vivências evocáveis e localizada num tempo, num espaço e num conjunto de relações sociais. (SCHMIDT; MAKFAUD, 1993, p. 289)

Dentro dessa interpretação, a memória pode mudar conforme o lugar que o indivíduo ocupa e as relações que mantém com os outros. Nesse sentido, as lembranças são explicadas “[...] sempre pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses meios, cada um tomado à parte, e em seu conjunto.” (HALBWACHS, 1990, p. 51). Ou seja, as lembranças fundem-se com diversos elementos em que cada indivíduo pode pertencer a vários grupos que mudam no tempo e espaço fazendo com que a lembrança necessite de uma “comunidade afetiva” para ser consistente.

A memória, sendo construída socialmente, faz parte da memória histórica, apresentando-se dentro de um quadro contínuo e denso no qual o indivíduo se insere em outros grupos: [...] se, por memória histórica, entendemos a sequência dos acontecimentos dos quais a história nacional conserva a lembrança, não é ela, não são seus os quadros que representam o essencial daquilo que chamamos de memória coletiva. Mas, entre o indivíduo e a nação, há muitos outros grupos, mais restritos do que esse que, também eles, têm sua memória, e cujas transformações atuam muito mais diretamente sobre a vida e o pensamento de seus membros. (HALBWACHS, 1990, p. 79).

É nessa história viva que o pensamento se apoia; em que as lembranças se processam carregadas de reflexões, ancoradas em imagens e transformadas no tempo; memórias construídas em diferentes narrativas a partir das mesmas experiências vividas que moldam novos quadros sociais, novos traços e novos significados. A memória coletiva é, assim, um pensamento contínuo, retendo, 28

[...] do passado somente, aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na consciência do grupo que a mantém. Por definição, ela não ultrapassa os limites desse grupo. Quando um período deixa de interessar ao período seguinte, não é um mesmo grupo que esquece uma parte de seu passado: há, na realidade, dois grupos que se sucedem. (HALBWACHS, 1990, p.82).

A memória coletiva, nesse sentido, diferencia-se da memória histórica. A primeira está permanentemente sendo reconstruída e, por ser contínua, “[...] não há limites de separação nitidamente traçados, como na história, mas somente limites irregulares e incertos.” (HALBWACHS, 1990, p. 82). Ainda que os membros dos grupos desapareçam, a memória não deixa de se transformar, pois “[...] basta que se conserve numa parte limitada do corpo social, para que possamos encontrá-la sempre ali”, enquanto que a memória histórica é desenvolvida por meio de esquemas que rompem com o presente, atendendo a uma necessidade didática e de esquematização. (HALBWACHS, 1990, p. 84) A dinâmica da sociedade multiplica a memória, pois as relações ou contatos com outros grupos permitem ao individuo inserir-se em imagens e quadros sociais particulares. A memória coletiva é, dessa forma, “um grupo visto de dentro.” Sob esse olhar, a duração das lembranças nos indivíduos difere do tempo cronológico, já que os pensamentos se ancoram em pontos de referências que permanentemente alteram-se pelas mudanças das relações sociais, fluindo entre as consciências de forma simultânea. Mesmo que um indivíduo conduza seu pensamento por meio de outros, a presença dos outros não é necessária, uma vez que o que influencia a sociedade presente é a reconstrução das imagens que se conservam no indivíduo, permitindo- o recordar. As lembranças de cada um se organizam no pensamento de forma diferente conforme o interesse, relativizando o tempo social. Mesmo que a sociedade mude, vestígios do passado podem permanecer nos grupos mais recentes, permitindo ao pensamento voltar-se para esses traços. Um indivíduo é membro de vários grupos, e seu olhar atravessa vários tempos coletivos, constituindo-se num elemento de diferenciação, pois a consciência individual é o lugar de passagem das diversas correntes de pensamentos e é o ponto de encontro dos tempos coletivos. O pensamento muda todo o tempo de acordo com momentos de aproximação dos grupos. 29

As imagens espaciais têm papel relevante na memória coletiva, pois o lugar marca um grupo e vice-versa. Cada aspecto do lugar tem sentido para alguns dos mesmos grupos, pois representa aspectos estáveis de suas vidas, porém diante um acontecimento grave, mudanças nas relações do grupo com o lugar podem afetar a memória coletiva. A diversidade de funções e costumes sociais de uma cidade muda mais lentamente do que a de um grupo, pois os hábitos locais resistem mais às mudanças, permitindo “[...] perceber melhor até que ponto, em tais grupos, a memória coletiva tem seu apoio sobre as imagens espaciais. Com efeito, as cidades se transformam no curso da história.” (HALBWACHS, 1990, p.136). No entanto, mesmo com transformações no espaço, os hábitos dos indivíduos podem persistir pela aderência muito próxima do grupo ao seu lugar. Dessa forma, a memória coletiva se ampara num quadro social, num espaço que muda constantemente, possibilitando ao pensamento reaparecer em categorias de lembranças (HALBWACHS, 1990). Mesmo que Halbwachs vincule a memória coletiva à identidade, outros aspectos também se associam a ela, como aponta Gondar (2008), como interesses práticos, subjetivos e políticos, fazendo com que a lembrança e o esquecimento atuem conflituosamente para preservar uma imagem. Dada uma imagem, a memória, dentro de um contexto afetivo, é corpo, sensações, invenções e práticas de si capazes de propagar e criar hábitos. Nesse sentido, a memória pode ser recordada ou reinventada pelos indivíduos e grupos sob diferentes sentidos e relações, e é essa a riqueza da memória,

[...] ou, de outro modo: abre-se a possibilidade de que a memória, ao invés de ser recuperada ou resgatada, possa ser criada e recriada, a partir dos novos sentidos que a todo tempo se produzem tanto para os sujeitos individuais quanto para os coletivos – já que todos eles são sujeitos sociais. A polissemia da memória, que poderia ser seu ponto falho, é justamente a sua riqueza. (GONDAR, 2008, p. 6).

Além disso, a ampliação da memória de Halbwachs demonstra sua importância em relação a outras correntes do pensamento, como o caso da memória cultural proposta por Assmann (2011b). Para ela, a memória é reinventada não apenas no âmbito coletivo, mas também no individual, político e cultural. Enquanto as experiências conduzem o processo na memória individual e coletiva, as 30

representações conduzem o processo no âmbito político e cultural (ASSMANN; 2011b):  No âmbito individual, a memória é o material pelo qual se dão as relações interpessoais, o senso de responsabilidade e a imagem para construção da identidade, surgindo quando despertadas por algum evento externo que conduz à consciência;  No âmbito coletivo, a memória se dá pela interação do indivíduo e de grupos sociais em um ambiente de proximidade, interação regular e experiências compartilhadas capazes de transformar normas, valores e renovar a criatividade cultural;  No âmbito político, a memória se baseia em representações materiais em que instituições e grupos sociais maiores criam uma memória para si por meio de símbolos, textos, imagens, ritos, cerimônias, lugares e monumentos, construindo uma identidade.  No âmbito cultural, a memória é caracterizada por sua distância do cotidiano, possuindo pontos fixos que não mudam com o passar do tempo. Tais pontos são entendidos como “[...] eventos fatídicos do passado, cuja memória é mantida através da formação cultural (textos, ritos, monumentos) e comunicação institucional (recitação, prática, observância)” ou ainda como "figuras de memória" (ASMANN, p. 129, 1995). No fluxo das comunicações cotidianas são formadas “ilhas do tempo” que permitem expandir a memória.

Nesse último aspecto, a memória cultural se relaciona com a diversidade de signos e símbolos construídos que exige reavaliações e reinterpretações constantes, já que, pela cultura, homens e mulheres criam um quadro temporal transcendente à duração da vida individual relativa ao passado, presente e futuro. A memória cultural permite aos indivíduos orientarem-se pelos espaços da recordação em que “[...] recordando, interagindo, lendo, comentando, criticando e discutindo os seres humanos participam de horizontes alargados de significado e produção.” (ASSMANN, 2011a, p.73). Para Assmann (1995), o processo de formação da memória cultural detém seis características importantes: construir a identidade de um grupo a partir das manifestações objetivas da memória, capaz de determinar uma consciência de unidade e peculiaridade; reconstruir o passado para o presente, 31

como a sociedade, em cada época, reaparece dentro de quadros de referência; objetivar ou cristalizar a comunicação, compartilhada coletivamente com a transmissão do patrimônio cultural; organizar a comunicação na transmissão da memória; obrigar a formação da autoimagem e identidade do grupo por meio de um sistema de valores e diferenciações, estruturando a oferta cultural de conhecimento e símbolos. A sexta característica coloca a necessidade de se refletir sob três formas: prática-reflexiva, interpretando a prática comum por meio de provérbios, máximas e rituais; autorreflexiva, baseando-se em explicar, distinguir, reinterpretar, criticar o grupo; e reflexiva, relativa à própria imagem do grupo para o sistema social (ASMANN, 1995).

Sob esse enfoque, a memória cultural compreende textos, imagens e rituais específicos de cada sociedade em cada época, servindo para transmitir sua autoimagem em que cada grupo se baseia na sua própria consciência, mesmo que a época e a cultura variem. A herança pode, assim, se dar sob intensidades e formas variadas. Um grupo pode lembrar seu passado para desviar de seu modelo ou até mesmo para não repeti-lo. Por intermédio de sua herança cultural, uma sociedade torna-se visível para si e para os outros. O passado, o patrimônio, os valores emergem na formação da identidade da sociedade mostrando sua constituição e suas tendências (ASMANN,1995). A memória, nesse viés,

[...] se torna, portanto, elemento chave na formação das diferentes identidades. Essa formulação, de certo modo, já presente em Halbwachs, da pluralidade da memória, pode auxiliar a explicar as bases do multiculturalismo, fenômeno tão forte no século XXI. Através da memória cultural, portanto, é que os grupos constroem sua identidade, preservam suas tradições, ritos e costumes, elaboram a representação de si mesmos e dos outros, bem como reforçam seu sentimento de pertencimento, adesão. (WEBER; PEREIRA, 2010, p. 120).

O conceito de memória cultural induz ao coletivo na medida em que as imagens, os quadros e as representações produzidas pelos indivíduos ou pelos grupos definem o que será guardado e esquecido, o que será transmitido ou não. São memórias vinculadas a fatos que podem ser objeto de conflitos e interesses entre indivíduos e grupos, dada a complexidade das relações sociais, passíveis de entendimento pelo pensamento de Pierre Bourdieu, explicitado a seguir.

2.2 Teoria do campo: dinâmica das práticas sociais 32

Considerando a memória como uma construção coletiva recriada no presente a partir de lembranças de quadros sociais sob o ponto de vista de um grupo, pode- se empreender uma relação próxima desse pensamento com os estudos sobre o funcionamento da organização do mundo social de Pierre Bourdieu. Para o autor, o sistema de relações que cada indivíduo carrega pelas experiências vividas e lembranças se refletem no modo de agir e pensar de cada um (BOURDIEU, 1989; 1996). O mundo, ou o campo social, como o autor prefere denominar, é o lugar onde agentes e instituições interagem em diversos campos existentes (artístico, literário, científico...) situado historicamente, datado e reconhecido como um caso particular do possível. (BOURDIEU, 2007b). Conforme Bourdieu (2007b), toda condição social vivida ou situação real é relacional, e cada grupo só pode ser entendido em um dado momento, levando-se em consideração suas posições sociais dentro do espaço e suas disponibilidades ofertadas de bens e práticas. Nessa compreensão, o autor propõe uma “teoria da prática”, em que as ações sociais realizadas pelos indivíduos se deparam com estruturas no interior da sociedade que são difíceis de efetivar. Assim, constrói-se a teoria da prática ou, mais exatamente, “[...] do modo de engendramento das práticas, condição da construção de uma ciência experimental da dialética da interioridade e da exterioridade, isto é, da interioridade da exterioridade e da exterioridade da interioridade.” (BOURDIEU, 1983, p. 65).

O modelo teórico envolve noções de campo, espaço simbólico, espaço de diferenças, onde as classes sociais existem “[...] em um estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata fazer.” (BOURDIEU, 1996, p. 27). Para o autor [...] uma sociedade diferenciada não se encontra plenamente integrada por funções sistêmicas, mas ao contrário, é constituída por um conjunto de microcosmos sociais dotados de autonomia relativa, com lógicas e possibilidades próprias, específicas, com interesses e disputas irredutíveis ao funcionamento dos outros campos. (BOURDIEU, 2011, p. 192).

O espaço social é um espaço de distinção que só faz sentido se compreendido na relação com outras propriedades que o circundam, formado por agentes individuais ou grupos distribuídos dotados conforme suas posições de capitais – econômico, cultural e simbólico (BOURDIEU, 1996). É um espaço ou campo de possibilidades onde agentes montam estratégias de ação dentro de uma estrutura já mantida, mas que possa ser alterada dependendo da posição, dos 33

limites e das disposições que tais agentes carregam (BOURDIEU, 1983). O espaço social deve ser entendido como [...] um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, como meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a transformação de sua estrutura. (BOURDIEU,1996, p. 50).

Ou seja, a sociedade é um espaço de diferenças onde o comportamento dos indivíduos e dos grupos se altera conforme o momento e o lugar onde o princípio gerador dessas diferenças deve ser entendido como uma “[...] estrutura da distribuição das formas de poder ou dos tipos de capital eficientes no universo social.” (BOURDIEU, 1996, p. 50). Assim, o espaço social é um espaço de representações, espaço entendido juntamente com a noção de habitus e capital, que é definida no interior de um sistema. Habitus é entendido como o princípio gerador das práticas distintas e distintivas, conjunto de saberes acumulados como ethos (valores, moral), pelo hexis (princípios de expressões corporais e gestos, funcionamento sistemático do corpo socializado) e pelo eidos (forma de pensar) (BOURDIEU, 1989). Quando percebidas essas diferenças, uma nova linguagem emerge, fazendo parte de sistemas simbólicos, e que

[...] só se torna visível, perceptível, não indiferente, socialmente pertinente, se ela é percebida por alguém capaz de estabelecer a diferença – já que, por estar inscrito no espaço em questão, esse alguém não é indiferente e é dotado de categorias de percepção, de esquemas classificatórios, de um gosto, que lhe permite estabelecer diferenças, discernir, distinguir... A diferença só se torna signo de distinção (ou de vulgaridade) se lhe aplicamos um princípio de visão de divisão que, sendo o produto da incorporação da estrutura de diferenças objetivas [...] está presente em todos os agentes. (BOURDIEU,1996, p. 23).

Nesse escopo, pode-se dizer que as realidades sociais são construções sociais que existem por serem reconhecidas coletivamente. E é esse princípio de construção que forma o habitus,

[...] uma estrutura mental que, tendo sido inculcada em todas as mentes socializadas de uma certa maneira, é ao mesmo tempo individual e coletiva; uma lei tácita (nomos) da percepção e da prática que fundamenta o consenso sobre o sentido do mundo social. (BOURDIEU, 1996, p. 127, grifo do autor).

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A interação entre os agentes já se encontra estruturada, e as relações de interação envolvem uma questão de poder e de aprendizado passado, o habitus, o qual reproduz um sistema de dominação da sociedade. A prática é um produto da relação dialética entre o habitus e uma situação.

Nesta lógica, a prática poderia ser definida como o resultado do aparecimento de um habitus, sinal incorporado de uma trajetória social, capaz de opor uma inércia maior ou menor as forças sociais, e de um campo social funcionando, neste aspecto, como um espaço de obrigações (violências) que quase sempre possuem a propriedade de operar com a cumplicidade do habitus sobre o qual se exercem. Isto conduziria a uma teoria da eficácia simbólica. Seria preciso, enfim, examinar a relação entre os diferentes campos e as diferentes espécies de "capital" ou, também, entre as diferentes formas da energia social que é produzida e reproduzida dentro e pelas tensões e as lutas constitutivas de cada um desses espaços. (BOURDIEU, 1983, p.45).

O habitus tende a orientar a ação sendo produto das relações sociais (grupo ou classe), já que estas internalizam as representações objetivas conforme as posições sociais. O indivíduo pode ser entendido como uma variante estrutural, e o habitus é um sistema de disposições de percepção e de ação que se realiza conforme as condições sociais dos indivíduos. Por isso, é importante fundar uma teoria da prática que considere as necessidades dos agentes e a objetividade da sociedade a qual ele considera como campo (BOURDIEU, 1983). A prática é o conjunto do habitus e da situação que ocorre dentro de um espaço, e o ator só realiza suas ações as quais ele pode realmente fazer. Nos campos, ainda, existem subcampos que são espaços menores onde os agentes também atuam, mas os interesses ali estabelecidos são regidos pelas regras da estrutura do campo todo (BOURDIEU,1996). Os agentes atuam no campo e nos subcampos conforme suas posições dentro de uma estrutura já definida, como também podem configurar novas regras no jogo social a partir do habitus que os capacitam a criar e a inventar (BOURDIEU, 1989; 2007b; 1983). A identificação do habitus serve para compreender as regras constituídas na gestão do campo onde as relações entre os agentes são tensas, moldando o ambiente. O campo, dessa forma, é constituído por suas leis de funcionamento específicas e busca validar suas verdades como universais, mas que não o são, pois diferentes atores operam dentro de uma dinâmica determinada e determinante, com regras, princípios e hierarquias específicas (BOURDIEU, 1989). 35

As relações de troca linguística, dos grupos ou dos interlocutores, é uma estrutura que deve ser levada em consideração, possibilitando o entendimento da “[...] forma específica de que se revestem, em cada campo, os mecanismos e os conceitos mais gerais (capital, investimento, ganho)” (BOURDIEU, 1989, p.69). Assim, os indivíduos devem

[...] compreender a gênese social de um campo, e aprender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo arbitrário e do não motivado, os atos dos produtores e as obras por eles produzidas e não, como geralmente se julga, reduzir ou destruir. (BOURDIEU, 1989, p. 69).

No campo se trava uma luta concorrencial entre os atores em torno de seus interesses. A gestão do campo traz uma dinâmica determinada e determinante, na medida em que sofrem a influência de seus agentes. É um jogo de oposições e distinções, importante para o entendimento das ações dos agentes e o poder que deles emana. Na conduta humana, os jogos têm alvos, e esses alvos, interesses, os “[...] agentes sociais não realizam atos gratuitos.” (BOURDIEU, 1996, p. 135). No campo se manifestam relações de poder estruturadas a partir de uma quantidade social desigual, capital social, que determina a posição de cada um. A estratégia se orienta em função da posição que os agentes detêm no campo a fim de maximizar seus interesses, seus lucros. A dominação é uma categoria que ordena a representação social onde ela “[...] não existe, pois uma neutralidade das ações, pois toda a realização pressupõe necessariamente uma série de interesses (os mais diversos) em jogo.” (BOURDIEU, 1983, p.22). As relações de poder dentro dos campos reproduzem outras que lhe são externas. Mesmo os agentes ocupando posições diferentes dentro do campo, acordos ocultos podem existir, demonstrando que os interesses são socialmente constituídos na relação com o espaço social. Os agentes que melhor se ajustam ao jogo são aqueles que melhor compreendem essa dinâmica, são os que conseguem perceber e compreender o sentido do funcionamento do campo social, através do histórico e ainda da trajetória futura do jogo, ou seja, aqueles que têm as tendências imanentes do jogo no corpo e Os agentes que lutam por objetivos definidos podem estar possuídos por esses objetivos. Podem estar prontos a morrer por esses objetivos, 36

independentemente de qualquer consideração em relação aos lucros específicos, lucrativos, da carreira ou outros... Eles têm o sentido do jogo; nos jogos nos quais, por exemplo, é preciso mostrar desinteresse para ter êxito, eles podem realizar de maneira espontaneamente desinteressada, ações que estejam de acordo com seus interesses. (BOURDIEU, 1996, p. 146).

As estratégias formadas entre os agentes e as instituições, nas quais estão inseridas, constituem-se um espaço de lutas e tomadas de decisões que dependem da posição que cada agente ocupa na estrutura do campo, variando conforme a distribuição do capital simbólico específico e as disposições do habitus de cada agente capaz de,

[...] transformar a estrutura da distribuição, logo, a perpetuar as regras do jogo ou a subvertê-las. Mas essas estratégicas, através dos alvos da luta entre os dominantes e os pretendentes, as questões a propósito das quais eles se enfrentam, também dependem do estado da problemática legítima, isto é, do espaço de possibilidades herdado de lutas anteriores, que tende a definir o espaço de tomadas de posição possíveis e a orientar assim a busca de soluções e, em consequência, a evolução da produção. (BOURDIEU, 2007b, p. 64).

A relação construída em cada campo é formada pela percepção dos prováveis resultados disponíveis diante dos interesses, percepções e hábitos entre os agentes. Cada agente ocupa uma posição dentro do campo levando em consideração as regras instituídas pelo “jogo”, podendo ocasionar tensões entre os agentes e tendendo a provocar mudanças nas regras. As posições ocupadas pelos agentes revelam a relação existente entre o habitus, princípio ativo das práticas e representações, e as forças do campo que vão compondo suas trajetórias. Os agentes ocupam posições diferentes de acordo com o acúmulo de diferentes tipos de capital, onde a distribuição resulta em conflitos para fazer prevalecer as classes sociais dominantes (BOURDIEU, 1989; 2007c). O capital é uma relação social que produz efeitos no campo em que se reproduz, e a posição social de cada agente depende do capital específico que eles detêm e que pode disseminar-se dentro do campo. O volume global de capital são recursos e poderes utilizáveis que estabelecem essa distinção (BOURDIEU, 2007c).

[...] sendo capital uma relação social, ou seja, uma energia social que existe e produz seus efeitos apenas no campo em que ela se produz e se reproduz, cada uma das propriedades associadas a classe recebe seu valor e sua eficácia das leis específicas de cada campo: na prática, ou seja, em um campo particular, nem sempre todas as propriedades incorporadas 37

(disposições) ou objetivadas (bens econômicos ou culturais), associadas aos agentes, são eficientes simultaneamente; a lógica específica de cada campo determina aquelas que têm cotação neste mercado, sendo pertinentes e eficientes no jogo considerado, além de funcionarem, na relação com este campo, como capital específico e, por conseguinte, como fator explicativo das práticas. Isso significa, concretamente, que a posição social e o poder específico atribuídos aos agentes em um campo particular dependem, antes de mais nada, do capital específico que eles podem mobilizar, seja qual for sua riqueza em outra espécie de capital - que pode exercer, todavia, um efeito de contaminação. (BOURDIEU, 2007c, p.107).

Cada agente carrega consigo sua trajetória social, seu habitus e sua posição conforme o capital que possui e conforme a dotação desses capitais; cada agente toma sua posição dentro do campo. Cada campo tem sua lógica interna, e o resultado nas lutas (econômicas, sociais, políticas...) externas influencia as relações de força internas (BOURDIEU, 2001). Os capitais podem se classificar como capital econômico, capital cultural capital social e capital simbólico. O capital social diz respeito ao agregado de recursos efetivos ou potenciais que os indivíduos conseguem auferir por intermédio de redes de relacionamentos pelos quais estão vinculados. As redes sociais são construídas pelos indivíduos mediante estratégias para instituir relações de grupo onde é possível estabelecer um grau de confiança e solidariedade entre outros benefícios, tendendo a reproduzir ligações duradouras e úteis. Bourdieu reforça a conversibilidade das diferentes formas de capital ao econômico. No entanto, mesmo que haja essa conversão, os processos que produzem estas diferentes formas de capital possuem dinâmica própria em relação à troca econômica ocasionando menor transparência e maior incerteza. (PORTES, 2000) Mesmo assim, as formas não monetárias podem se tornar recursos de poder e influência. Por capital econômico entende-se um conjunto de fatores de produção e bens adquiridos pelos agentes, estando sujeito a trocas e que pode ser acumulado, reproduzido e ampliado pelo investimento econômico e cultural oportunizando incrementar as relações sociais estabelecendo vínculos que podem ser úteis a curto e longo prazo. (BONAMINO; ALVES; FRANCO, 2010) As estratégias feitas para a posse do capital econômico tendem a variar no tempo e no espaço, podendo-se transformar numa força simbólica, uma vez que os “próprios efeitos da representação dessa riqueza fazem com que a força econômica mais bruta acabe se beneficiando de um efeito simbólico suplementar que fortalece esse mesmo 38

reconhecimento.” (GRUN, 2017, p. 107) O capital cultural é definido como um conjunto de qualificações de ordem intelectual adquirida por um indivíduo por meio dos processos de socialização, composto por três estados: o incorporado, o objetivado e o institucionalizado (BOURDIEU, 1979). O estado incorporado se refere ao corpo, à transmissão familiar e a propriedades adquiridas pelo indivíduo e que constituem o patrimônio hereditário. Esse tipo de capital exige tempo e “[...] no sistema das estratégias de reprodução, recebe um peso tanto maior quanto mais as formas diretas e visíveis de transmissão tendem a ser mais fortemente censuradas e controladas.” (BOURDIEU, 1979, p.4). O estado objetivado, proveniente da posse de bens culturais, como quadros, obras de arte, livros, etc, pressupõe o capital econômico e uma apropriação simbólica, pois podem ser utilizados como objetos de luta dentro do campo da produção cultural e “[...] no campo das classes sociais, onde os agentes obtêm benefícios proporcionais ao domínio que possuem desse capital objetivado, portanto, na medida de seu capital incorporado.” (BOURDIEU, 1979, p.5). O estado institucionalizado se refere à objetivação do capital cultural com a aquisição de diploma ou certificado escolar que confere ao seu portador um valor cultural, o que permite a comparação entre diplomados e estabelecer taxas de conversibilidade entre capital cultural e econômico, o qual pode ser trocado por dinheiro no mercado de trabalho (BOURDIEU, 1979). Além do capital cultural, o capital simbólico também recebe importância dentro do campo e é definido como qualquer tipo de capital percebido pelos agentes que detêm as mesmas categorias de percepção, visão e divisão, ou ainda,

[...] uma propriedade qualquer – força física, riqueza, valor guerreiro – que, percebida pelos agentes sociais dotados de categorias de percepção e de avaliação que lhes permitem percebê-la, conhecê-la e reconhecê-la, torna- se simbolicamente eficiente, como uma verdadeira força mágica: uma propriedade que, por responder às expectativas coletivas, socialmente constituídas, em relação às crenças, exerce uma espécie de ação à distância, sem contato físico. (BOURDIEU, 1996, p. 170).

O capital simbólico serve como instrumento estratégico para ações coletivas e individuais e apresenta grande estabilidade no meio, já que as estruturas de percepção e de avaliação dos membros do grupo são idênticas. E nesse ato invisível, a violência simbólica pode aparecer como consequência das relações de dominação e de submissão. O capital simbólico se relaciona com categorias de 39

percepção capazes de produzir um poder simbólico, um ato misterioso, mágico, onde “[...] os agentes sociais constroem o mundo social através de estruturas cognitivas... suscetíveis de serem aplicadas a todas as coisas do mundo e, em particular, às estruturas sociais.” (BOURDIEU, 1996, p. 115). A organização das práticas e das representações dos agentes constrói “[...] a posição ocupada no espaço social, isto é, na estrutura de distribuição de diferentes tipos de capital, que também são armas, comanda as representações desse espaço e as tomadas de posição nas lutas para conservá-lo ou transformá-lo.” (BOURDIEU,1996, p. 27). A teoria dos campos passa a ser entendida como uma teoria que estuda a lógica interna e as estruturas pertencentes de cada espaço social e [...] é no horizonte particular dessas relações de força específicas, e de lutas que têm por objetivo conservá-las ou transformá-las, que se engendram as estratégias dos produtores, a forma de arte que defendem, as alianças que estabelecem, as escolas que fundam, e isso por meio dos interesses específicos que são aí determinados. (BOURDIEU,1996, p. 60).

Nesse espaço, o trabalho simbólico é capaz de unir membros de um grupo alterando-o conforme a proximidade e as disposições de interesses num mesmo projeto. Dentro desses espaços existe uma concentração de recursos materiais e simbólicos capaz de emanar um poder, uma força,

[...] entre os agentes suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital para poderem dominar o campo correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o valor relativo dos diferentes tipos de capital é posto em questão. (BOURDIEU,1996, p. 51).

Os sistemas simbólicos instituídos dentro dos campos são instrumentos de conhecimento e comunicação que podem exercer um poder simbólico, invisível. Os símbolos, como instrumentos de integração social, permitem construir um consensus acerca do sentido do mundo social, a reprodução da ordem social (BOURDIEU, 1989). No entanto, as produções dos símbolos podem se configurar em instrumentos de dominação por meio da comunicação. O poder material ou simbólico acumulado dos agentes é formado conforme interesses próprios, reproduzindo posições sociais. Ou seja, o campo da produção simbólica, sendo um campo de lutas, é também um campo onde a violência simbólica pode surgir com a imposição dos interesses das classes. A forma como os grupos se apropriam dos sistemas simbólicos pode se transformar em sistemas de 40

dominação moldando a estrutura do campo, permitindo exercer um poder invisível que só é reconhecido entre

[...] os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras. O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder. (BOURDIEU, 1989, p. 15).

Os sistemas simbólicos reproduzem divisões na estrutura social, orientando as regras do jogo, atendendo a interesses específicos e podendo resultar em instrumentos de dominação que, dependendo da posse de capitais pelos agentes no campo, pode gerar a violência simbólica (BOURDIEU, 2001; 1989). Esse universo simbólico é formado por agentes que criam produtos conforme seus interesses específicos e que agem conforme suas posições, estratégias e decisões dentro do campo de disputas. A ordem simbólica, por ser coerente e sistemática, consegue explicar o comportamento imposto dos dominantes aos dominados no mundo social, possibilitando criar uma forma universal conforme seus interesses particulares e capitais que detém. Nesse universo, nem sempre o lucro econômico é o objetivo dos agentes sociais, tendendo a oferecer lucros simbólicos na medida em que [...] favorece a criação de universos nos quais são reconhecidos, ao menos verbalmente, valores universais (razão, virtude etc.) e nos quais se instaura um processo de reforço circular entre as estratégias de universalização, para obter lucros (ainda que negativos) associados ao conformismo, às regras universais e às estruturas desses universos oficialmente consagrados ao universal. (BOURDIEU, 1996, p. 123).

No campo simbólico os agentes mais treinados são capazes de impor suas disposições, práticas e discursos dado suas posições e peso relativo dos capitais. O processo histórico responsável pela autonomia da realidade social segmenta as diversas atividades simbólicas em grupos que lutam por seus interesses no campo das relações (BOURDIEU, 2007a). Cada campo é, portanto, diferente um do outro, e a lógica “[...] do que está em jogo e da espécie de capital necessário para participar do mesmo, é que comanda as propriedades através das quais se estabelece a relação entre a classe e a prática.” (BOURDIEU, 2007c, p.106). No campo cultural, tanto as práticas como as preferências culturais, ou seja, 41

as necessidades culturais, são produto da educação seja em termos de origem social como pelo nível de instrução de estudo. As práticas de consumo culturais dependem do volume de capital acumulado adquirido por meio do nível de instrução e da herança familiar, que unem aqueles que possuem condições similares e promovendo uma diferenciação dos que não as têm (BOURDIEU, 2007c). Nesse campo, os gostos e as preferências são formados dentro da lógica interna de cada campo com uma relação simbólica, passível de distinção, obedecendo a formas de classificação dos valores e das práticas. Cada gosto se baseia numa natureza, num habitus, num conjunto de esquemas provenientes, primeiramente, da educação familiar, onde são reatualizados ao longo da trajetória social capaz de gerar consciência para os grupos e fundamentar o sentido nas relações de troca (BOURDIEU, 2007c). De posse desses conceitos, é possível compreender como se moldam as relações sociais dentro dos campos. O que será lembrado pelos indivíduos dependerá da proximidade que tiverem com os outros agentes ambientados num espaço de conflitos e interesses. A memória individual será um ponto de vista sobre a memória coletiva, mudando conforme o lugar que os agentes ocupam dentro do campo e das relações que mantêm com os outros campos. E é nesse sentido que a memória do Theatro São Pedro deve ser reconstituída, permeada de agentes que agem conforme a posse de seus capitais e interesses para manter o local em operação.

2.3 Theatro São Pedro: inserção no campo cultural e realidade patrimonial

Localizado no centro de Porto Alegre, em frente à Praça da Matriz, entre a Assembleia Legislativa e o Palácio Piratini, o Theatro São Pedro resiste ao tempo. Desde sua inauguração, no século XIX, o teatro representa não apenas um palco, mas também “[...] para muitas pessoas, um lugar para vivenciar e imaginar o passado” podendo em seu espaço ter “[...] a sensação de estar realmente vivendo na época do império [...] e, lá, fugazes partículas do presente reacendem a vivência do passado no tempo presente.” (D’AMBROSI; MEIRELLES, 2014, p. 73). Desde sua criação uma nova história do local é retratada, um novo contexto é apresentado, novos personagens aparecem e novas relações são evidenciadas. O teatro é um espaço de memória e imaginação, lugar de rememorização ativa, em 42

constante transformação e de significados diversos. Nesse aspecto, o reconhecimento do Theatro São Pedro como valor cultural se deu com seu tombamento6, transformando-o em um patrimônio oficial. Tal ação pelo poder público deveu-se aos bens vinculados aos fatos memoráveis da história7, onde patrimônio e cultura se fundem originando um novo resultado, uma herança coletiva (SILVA; MELLO, 2014). O Theatro São Pedro, assim, é um bem herdado pela comunidade, é um objeto que possui um nexo de pertencimento e quando se atribui valor cultural a um bem considerado patrimônio é,

[...] possível problematizar acerca da relação entre sujeito e patrimônio, suas aproximações e afastamentos, assim como as formas de apropriação deste conceito pelo grupo social. [...] A combinação destas ideias [...] reúne o conjunto de bens e valores representativos para um grupo social, inseridos em um contexto cultural comum. Sua construção se dá através da apropriação de elementos que integram o imaginário social e ganham sentido para certa comunidade. (SILVA; MELLO, 2014, p. 759).

Como patrimônio, o teatro é um bem fundamental para o desenvolvimento, envolvendo fatores econômicos, políticos, educacionais e afetivos que permitem estabelecer diretrizes para uma gestão total (BOLÁN, 2010). Mas o Theatro também é a materialização de uma rivalidade e de uma estrutura social, a partir do campo cultural, pois o próprio conceito de patrimônio denota uma estrutura de valores ligados a classes. Nesse aspecto, o teatro é um produto no mercado simbólico passível de práticas preservacionistas que envolvem não apenas a compreensão da sensibilidade de um momento, mas também da influência política e das tensões de determinados grupos sociais. Portanto, o teatro deve ser entendido dentro das práticas preservacionistas feita entre indivíduos e instituições estrategicamente posicionados que disputam e negociam com os capitais que detêm dentro do campo cultural e patrimonial.

6 Tombamento significa registro do bem num livro de tombo com objetivo de garantir a integridade externa e interna da edificação, onde “os imóveis tombados são um estímulo para as práticas preservacionistas, envolvendo ações de mais de uma esfera de governo. Na maioria das vezes conseguem adquirir o apoio financeiro para bons projetos de restauro, mantendo a integridade do imóvel” (SILVA; MELLO, 2014). 7 Nesse aspecto, os bens considerados devem existir “[...] em território estadual ou a ele trazidos, cuja preservação seja de interesse público, quer em razão de seu valor artístico, paisagístico, bibliográfico, documental, arqueológico, paleontológico, etnográfico ou ecológico, quer por sua vinculação a fatos históricos memoráveis, constituem, em seu conjunto, patrimônio cultural do Estado, e serão objeto de seu especial interesse e cuidadosa proteção.” (RIO GRANDE DO SUL, 1978, art.1).

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Assim, Bourdieu aponta um caminho para compreender como o local ainda se mantém vivo, por meio de seus conceitos de habitus, capital cultural, capital simbólico e poder simbólico. Tanto a identificação como símbolo quanto as práticas que são implementadas para garantir a proteção ao teatro estão inseridas em espaços de negociações complexos e conflituosos que envolvem

[...] agentes de políticas públicas (técnicos e burocratas) e agentes profissionais, políticos e empresariais [...] que coloca em cena o Estado como representante do interesse público nos processos de construção de representações simbólicas da nação e da identidade dos grupos que a formam. (ARANTES, 2006, p. 427).

Desde sua inauguração, o Estado foi responsável pelo funcionamento do teatro, mas nos anos 1970, a precariedade de sua infraestrutura fez com que o local permanecesse fechado durante nove anos, enquanto se aguardava o momento de sua restauração. No período, o Estado resolveu trazê-lo de volta à paisagem urbana convidando um agente do campo artístico e cultural que pudesse conduzir o processo de restauração. Para preencher essa responsabilidade, o titular do Departamento de Atividade Cultural – DAC, da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, Paulo Amorim, resolveu convidar, à época, Eva Sopher, dada sua experiência profissional na área cultural junto ao Instituto Pró-Arte na capital. No início, Eva relutou em abraçar o projeto, mas convencida pelo marido, aceitou o desafio com a justificativa que se assim não fosse, o local desapareceria da cena cultural gaúcha. Seu marido, Wolfgang Klaus Sopher, era um homem culto, detentor de alto capital cultural, grande líder da indústria do Rio Grande do Sul e bem relacionado no meio empresarial e político, que uniu as indústrias Hércules e Zivi numa única denominada Zivi-Hércules, antecessora da empresa Tramontina, da cidade de Carlos Barbosa (MORAES, 2018a). Acreditando no teatro como símbolo cultural, Eva Sopher assumiu o trabalho de trazer à tona o local, “[...] pois nem todos estavam efetivamente convencidos de que valia a pena investir recursos públicos naquele velho casarão em ruínas [...] numa época em que não existiam as leis de incentivo à cultura” (AXT, 2008, p.74). Mas Eva Sopher acreditava no projeto de reconstrução, mesmo vendendo uma mercadoria abstrata, desacreditada e desrespeitada, um status, a credibilidade num momento de absoluta ausência, uma ilusão, a certeza da palavra empenhada, 44

espetáculos para dia e hora indicados dentro de uma obra de cimentos e tintas e cultura no meio de pedreiros e operários. (HOHLDFELDT, 1991). Com seu espírito empreendedor e a convicção de que a arte ocupava um espaço dentro das relações sociais, Eva Sopher transformou o teatro num palco de obras, introduzindo uma nova forma de se relacionar com os diversos agentes pertencentes ao campo patrimonial, conforme Figuras 1, 2 e 3. No meio dos entulhos em que se apresentava o palco do teatro, após três semanas como nova gestora, recebeu a visita de um representante do Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional8, para avaliar a situação e garantir “[...] o futuro da casa centenária, entregue, há muito, ao descaso e ao cupim.” (SOPHER apud THEATRO SÃO PEDRO, 1984, p. 11).

Figura 1 – Eva Sopher no Figura 2 - Visita do Presidente João interior do teatro, 1975 Figueiredo, durante a restauração

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

8 O primeiro visitante foi Ney Braga enviado pelo Ministro da Educação e Cultura. 45

Figura 3 - Eva Sopher e equipe em reunião no interior do Theatro São Pedro, anos de 1970

Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Nascida na Alemanha em 1923, Eva Margarete Plaut, como foi registrada oficialmente, veio para o Brasil com a família, fugindo da 2º. Guerra Mundial com destino a São Paulo9. Com treze anos de idade emigrou para a América do Sul com a família, na perspectiva de construir a vida. Quando chegaram a São Paulo, depararam-se com dificuldades econômicas e com o novo idioma. Matriculada na escola, Eva aos poucos foi se adaptando e foi se interessando pela escultura pelas mãos de uma artista da área. Largou os estudos do colégio e se inscreveu numa escola de arte recém inaugurada. Nesse período, dada as condições econômicas difíceis da família, Eva decide com 16 anos de idade se candidatar a um emprego no Instituto Pró-Arte10 instalada na loja Casa e Jardim, loja de objetos de arte e galeria (HOHLDFELDT, 1991). A Pró-Arte era uma entidade cultural promotora de eventos e programações artísticas em São Paulo, e Eva começou daí a ter contato com músicos famosos a nível nacional e internacional. Na família de Eva a ética e a moral sempre foram características presentes, tanto na família quanto nos negócios do pai, que era banqueiro na Alemanha. De

9 O documentário de Claudia Dreyer sob o título “Dona Eva e o Theatro São Pedro”, feito em 2008, conta a trajetória de vida de Eva Sopher. O documentário foi feito em comemoração aos 85 anos de Eva e aos 150 anos do Theatro São Pedro e apresenta as memórias e registros de Eva Sopher com relação a sua trajetória de vida pessoal e como gestora do teatro. A trilha sonora foi feita pela Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro. (SOUZA, 2018) 10 Fundado em 1930 em São Paulo, e depois estendeu suas atividades para o Rio de Janeiro, por um bávaro emigrado que amava arte. 46

pais conservadores, Eva possuía estreita relação com sua mãe, tia (irmã de sua mãe) e avó materna. Três figuras importantes que lhe serviram de referência para seu futuro. Da avó materna, Eva lembra de ser uma mulher segura e amorosa, com “riqueza de vitalidade e de vivência”. Da avó herda,

[...] a honestidade, a grandeza da alma, a maneira direta e franca, sem cerimônias [...] muito mais que eventuais influências dos próprios pais [...] Eva sempre se abriria às novidades, distanciando-se o mais possível de preconceitos. Por isso buscou novos horizontes, querendo construir sua própria estrada “a um jovem deves-se dar a noção de responsabilidade e a respectiva liberdade”, defende ela. (HOHLFELDT, p. 23 e 24).

Na escola, Eva já era observada como uma líder pelos professores, conforme atesta a observação do boletim de 1935 que dizia,

Primeiro trimestre de 1935/1936 - ela é segura, porém discreta em seu comportamento. É ordeira, responsável e de confiança. Nas aulas deveria ser mais ativa. Segundo trimestre de 1935/1936 – sua participação nas aulas melhorou um pouco, mas deveria desinibir-se mais, pois é certo que então renderia melhor. Terceiro e último trimestre de 1935/1936 – ainda não participa com a necessária atividade nas matérias escolares. Na sua função de líder de classe, porém exerce o encargo com absoluta noção de responsabilidade, confiança e firmeza. (HOHLFELDT, 1991, p. 14).

Quando a família se equilibrou financeiramente, decidiu ir para o Rio de Janeiro em 1943. Chegando lá, envolveu-se no meio da “[...] intelectualidade, nomes que mais tarde torna-se-iam consagrados, nas artes, na literatura e na música.” (HOHLDFELDT, 1991, p. 27). Dividindo apartamento com uma harpista, Eva convivia com pessoas do meio artístico do teatro, artes plásticas, literatura e música. Eva foi impulsionada desde criança e na adolescência para o meio artístico, e sua adoração pela arte à fez aprender e a criar encadernação de livros diferenciados e jardins artísticos com vasos de barro e plantas. Na época em que viveu no Rio de Janeiro, conheceu Wolfgang Klaus Sopher e se casou em seguida. Casamento que durou 41 anos, encerrando-se apenas com sua morte em 1988. Wolfgang era filho de um escultor de arte na Alemanha, judeu, que veio para o Brasil em 1940 quando eclodiu a II Grande Guerra. Começou a trabalhar numa firma de importação e exportação de aparelhos ópticos e em 1959 foi convidado para trabalhar em Porto Alegre quando já era casado com Eva. Com referência ao marido, Eva lembra de sua dignidade, fluência em outros idiomas, conhecimento geral com relação a outras culturas e, principalmente, da capacidade de ensiná-la a ampliar seus pensamentos. 47

Eva aceitou continuar trabalhando para a Pró-Arte quando chegou em Porto Alegre dada sua percepção de que a cidade possuía um quadro cultural tímido. Com essa incumbência profissional, resolveu estabelecer uma grade de programação em diversos locais artísticos, bem como organizar a vinda de artistas estrangeiros e uma intensa oferta de shows musicais e danças. Sua rede de relações profissionais com pessoas reconhecidas do campo cultural aumentava cada vez mais e por mais que o volume de trabalho fosse grande, sua equipe resumia-se a dois funcionários apenas, obrigando-a a se apropriar de conhecimentos de gestão administrativa, financeira, marketing e compras. Como forma de reduzir os custos de operacionalização dos eventos, a programação era feita seguindo o roteiro dos outros estados, pois se o artista chegasse ao país pelo sul “[...] começava sua temporada brasileira em Porto Alegre. Se entrasse pelo norte, apresentava-se primeiro em São Paulo ou Rio de Janeiro”, mas, mesmo assim, havia independência na programação de cada cidade (HOHLDFELDT, 1991, p. 46). Para garantir a entrada de recursos, além das vendas normais da bilheteria, Eva promovia a cobrança antecipada de uma anuidade para cada temporada de eventos, o que dava direito a dez concertos para cada associado, permitindo-lhe organizar melhor o planejamento dos eventos. As receitas provenientes dessas ações serviam para custear as despesas com o pagamento dos cachês, enquanto que as doações custeavam o material de produção e divulgação. Incentivar a cultura foi como reger uma orquestra de finanças durante seus 23 anos de atuação na Pró- Arte. Quanto à divulgação da programação, Eva Sopher adotou como estratégia a cooperação com a mídia e com empresas privadas. No primeiro caso, sua intenção foi difundir a programação artística da Pró-Arte para jornalistas parceiros e de repassar um calendário de artistas presentes na cidade a fim de conceder entrevistas aos órgãos midiáticos. No segundo, sua intenção foi se aproximar de empresas nas ações de marketing, por meio de campanhas de arrecadação de recursos para a compra de equipamentos. Em todo o período que esteve à frente da gestão da Pró-Arte, sua visão estratégica e operacional lhe permitiu acumular experiências no campo cultural, tão necessárias para depois conduzir o processo de reconstrução do Theatro São Pedro. Revestida de um poder simbólico, Eva Sopher e o São Pedro tornaram-se 48

um mesmo objeto. Figura humana que se confunde com o teatro, recorda ela, em suas memórias, a condição precária em que o São Pedro estava, e a tarefa de adotar aquele “templo secular” como parte de sua vida foi seu maior desafio de trabalho, pois acreditava que, se assim não fosse, a demolição do local se tornaria realidade (THEATRO SÃO PEDRO, 2008). Por sua “obstinação germânica, sensibilidade italiana e trabalho açoriano”, Eva fez história (AXT, 1984). Ao longo de todo seu trabalho à frente do teatro, Eva concedeu centenas de entrevistas11 e recebeu alguns títulos e homenagens como: o título de Cidadã Honorária da Câmara Municipal de Porto Alegre; a Cruz do Mérito de Primeira Classe nos 10 anos de atividade da Pró-Arte em Porto Alegre, pela República Federal da Alemanha; o grau de Cavalheiro da Ordem das Artes e das Letras como homenagem por estar à frente da Pró-Arte pelo governo da França; a Medalha Simões Lopes Neto pela atuação no campo das artes pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul; o título de Cidadã de Canela pela doação de sua residência ao Governo do Estado; o título de Destaque de Marketing pela ADVB; a homenagem numa escola de samba no carnaval em Porto Alegre; a Medalha de Porto Alegre pela Prefeitura Municipal. (HOHLDFELDT, 1991). Mesmo nunca tendo cursado nenhum curso superior, Eva era uma pessoa envolvida no meio artístico e de vasto conhecimento cultural12 e de posse dessa bagagem, a figura de Eva Sopher trouxe um novo modelo de relacionamento dentro do campo cultural da cidade e do teatro.

11 As entrevistas foram dadas em diversos programas como: Programa Desatando Nós, Plano Aberto, Programa Tânia Visita, Programa Tele Domingo, Programa Jornal do Almoço, Programa Corpo & Alma, Programa Flávio Alcaraz Gomes, Programa Personalidades, Agenda – SBT, Programa Estação Cultura, Programa Frente a Frente, Programa Linha de Vida, Programa Jô Soares Onze e Meia, Programa Perguntar Não Ofende, Programa Ponto de Encontro entre outros. Além disso, alguns documentários também foram feitos: pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; pela Escola de Comunicação, Artes e Design (FAMECOS) da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS); pela emissora RBS e TVE, e outros por artistas locais como Hique Gomez. Os assuntos desses arquivos se relacionam: ao início simbólico das obras do Multipalco; a retirada de uma Figueira de 10 metros de altura para permitir as obras do Multipalco; a história de vida de Eva Sopher com relação à Pró-Arte, família, o amor às artes e ao teatro; a Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro; ao primeiro exemplar do seu livro de memórias DOCE FERA; a homenagem pelos 70, 80 e 90 anos de Eva; a estrutura e funcionalidade do TSP; a homenagem aos 145 anos de Theatro São Pedro; a homenagem aos 134 anos de existência do Theatro São Pedro e 8 anos de reabertura, as dificuldades enfrentadas; a restauração/reconstrução; a premiação como Patrimônio e Memória do MINC à Eva Sopher como personalidade do RS; a homenagem ao teatro no carnaval de 1986 por uma escola de samba de Porto Alegre entre outros temas. A listagem completa está acessível na própria página do teatro. Disponível em: http://acervo.teatrosaopedro.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/scripts/Acessado em: 8 jul. 2019. 12 Eva e o marido conheciam diversos modelos de espaços culturais pelo hábito que tinham de viajar para o exterior, em média três vezes por ano para a Europa, Estados Unidos e Oriente Médio. 49

2.4 Theatro São Pedro: sua história, sua memória

Desde o século XVIII, já se tem registros dos primeiros teatros em solo brasileiro, conhecidos como “casas de comédia” ou “casas de ópera”. Diversas cidades já ofereciam para sua população essa modalidade de entretenimento. Com a transferência da família real portuguesa para o Brasil, no século XIX, foi possível a criação de espaços mais adequados, em parceria com a iniciativa privada, como foi o caso do Real Teatro São João, no Rio de Janeiro, e mais de vinte espaços similares em diversas cidades (ARAÚJO, 1977). Nesse período, Porto Alegre, tida como o principal centro econômico da província, no século XIX, via seu processo de urbanização crescer, representado por novas edificações e espaços que alteraram a fisionomia da cidade (PESAVENTO, 1991). A cidade se moldava ao aumento populacional, ao crescimento do comércio e da indústria, à criação de meios de transportes e às melhorias urbanas de coleta de lixo, água encanada, iluminação pública, serviços telefônicos, entre outros aspectos (CONSTANTINO, 1994). Dado esse novo contorno espacial, a condição de “cidade” dá lugar à “metrópole” trazendo a ideia de um “território como estilo de vida”, influenciado pelos padrões culturais dos países europeus, principalmente por influência dos imigrantes alemães e italianos que aqui se instalaram (CONSTANTINO, 1994). Mas deve-se reforçar que a província “[...] se destacava pelo fornecimento de produtos agrícolas e industriais derivados da agropecuária. Porto Alegre refletia o arranjo entre o rural e o urbano, entre antigos costumes e novos hábitos.” (KARLS, 2014, p. 354). Nesse contexto, o espaço urbano foi formado por um conjunto de práticas culturais diversas que envolviam teatros, bailes, festas, recitais, jogos, manifestações religiosas, bem como novas práticas de lazer, como competições esportivas, touradas e corridas de cavalo (PEREIRA, 2010; KARLS, 2014). Na segunda metade do século XIX, com o processo de urbanização crescendo, ampliaram-se ainda mais as distrações da cidade com o surgimento de espaços públicos como cafés, confeitarias e bares, que passaram a funcionar como extensão dos ambientes privados e a introduzir hábitos até então inexistentes para a população da cidade (CONSTANTINO, 1994). No entanto, mesmo com um rol diversificado de atividades culturais, especificamente os locais artísticos como os teatros não apresentavam 50

infraestrutura capazes de atrair grande público. Os tablados improvisados que abrigavam modestas apresentações para o povo não apresentavam condições de atrair a classe burguesa, mas desde o período colonial, os governantes “[...] alimentavam o sonho de construir um teatro que abrigasse as diferentes manifestações artísticas, pois os teatros eram considerados o centro da efervescência cultural e social.” (MAIA, 2012, p.32). Ainda, tem-se relato de que

[...] estabelecida a sede do governo do Rio Grande no ano em Porto Alegre, no ano de 1773, começou logo a acentuar-se grande movimento no futuro Porto dos Casais [...] um tal Fernando, mestre de cerimônias nos atos religiosos, estabeleceu um alpendre, na Praça da Alfândega, onde se realizavam mensalmente representações de diferentes autos e danças dos bugres. (HESSEL, 1974, p.68).

Mesmo diante da escassez de casas teatrais, duas mereceram atenção na época, a Casa de Ópera (1794-1833) e o Teatro Dom Pedro II (1838-1871). No entanto, por mais que tivessem sido as primeiras casas de cultura e arte do município, não conseguiram atender às expectativas do público exigente e das autoridades locais (AXT, 2008). Ambos eram de propriedade de empresários, sendo a primeira um armazém comprido que estava quase sempre fechada, feita de pau a pique e que transformou-se mais tarde em uma estrebaria; enquanto a segunda era composta de uma série de casas térreas sem muita expressão (HESSEL, 1974). A preferência da população eram os pavilhões que funcionavam aos domingos e dias de descanso, conhecidos como casas de teatro também e “[...] nos últimos tempos da Casa de Ópera, pela deficiência das casas dessa natureza, era hábito dos porto- alegrenses darem seus espetáculos em casas particulares ou em locais públicos, improvisados.” (HESSEL, 1999, p. 20) Dada essas estruturas precárias, os anseios da população por um teatro que fosse motivo de orgulho, um monumento, crescia, pois “[...] o sonho da comunidade e também do governo era o de construir um teatro pomposo e que representasse o progresso da Capital.” (D’AMBROSI; MEIRELLES, 2014, p. 69). Em 1833, em atendimento à solicitação da população local, que já se encontrava com cerca de 12 mil habitantes, [...] doze cidadãos, de sobrenome luso, subscrevendo cada um dez ações, num total de 120 contos de reis, endereçaram um memorial para o então presidente da Província, bacharel Manuel Antônio Galvão, solicitando-lhe o beneplácito e o auspício para o plano que voluntariamente haviam elaborado para edificar um teatro [...] quando um dia outros cidadãos nos queiram imitar, ficar-nos-á a glória de sermos os primeiros a subscrever ações para a ereção da grande obra. (HESSEL, 1999, p. 28). 51

Com o aceite do presidente, foi cedido um terreno na praça principal da cidade localizado no Alto da Praia (Praça da Matriz), onde se localizava o Palácio da Presidência. O construtor João Batista Soares da Silveira e Sousa13 começou a dar forma aos alicerces do teatro. O projeto arquitetônico inicial, Figura 4, contemplava dois prédios14, de estilo neoclássico, de igual simetria e estética, inspirado em grandes casas de espetáculos europeias (MAIA, 2012).

Figura 4 - Paisagem a óleo, Praça da Matriz, os prédios do Theatro São Pedro (esquerda) e da antiga Casa da Câmara (direita), séc. XIX

Fonte: Theatro São Pedro (2018).

No entanto, a eclosão da Revolução Farroupilha (1835/1845) e a falta de recursos fez com que as obras do teatro fossem paralisadas, contribuindo para que o local somente fosse inaugurado vinte anos depois. Na época, em 1845, o Conde de Caxias endereçou à Assembleia Provincial o argumento de que a Província precisava de um teatro público construído não apenas por empresa de particulares, exigindo recursos do governo que, [...] no ano seguinte, já no fim, autorizou o poder executivo a efetuar um empréstimo de 16:000$000 para auxiliar na construção... e entre avanços e recuos, desistências, injeções de novos recursos, loterias, até a formação de uma terceira associação, em 1850, as obras foram se arrastando até que, afinal, a majestosa casa de espetáculos fosse inaugurada. (HESSEL, 1999, p. 30).

13 Grande proprietário de bens na capital. (HESSEL, 1999). 14 No entanto, um dos prédios foi destruído por um incêndio nos anos 1850. 52

As dívidas contraídas e as despesas de manutenção feitas pela associação encarregada da obra fizeram com que o governo provincial desapropriasse e incorporasse o teatro ao patrimônio da Província. E no dia 27 de junho de 1858 o teatro pôde, finalmente, abrir suas portas apresentando instalações luxuosas, o que o fez ser comparado às casas de espetáculos do Rio de Janeiro e de São Paulo (D’AMBROSI; MEIRELLES, 2014). Na noite de inauguração “[...] compareceu a fina flor da sociedade, dando o decote das damas e a casaca dos cavalheiros o tom chic da festa, em que tudo ressumbrava completa alegria.” (HESSEL, 1999, p. 31). O local foi considerado

[...] vistoso demais para a capital de uma simples Província [...] um legítimo galardão para a cidade, salientando-se no complexo urbano da época, não só por seu porte como por seu luxo e bom gosto de sua decoração interna. (DAMASCENO et al., 1975, p.24).

Com a inauguração, Porto Alegre passou a ter, juntamente com as cidades de Rio Grande e Pelotas, um teatro com infraestrutura adequada e arquitetonicamente luxuoso, e com capacidade de lugares suficiente para atender ao público. Pelotas e Rio Grande eram também centros econômicos importantes da Província - pela atividade econômica das charqueadas e pelo porto marítimo – e possuíam dois teatros de referência, o Teatro Sete de Abril e o Teatro Sete de Setembro. Ambos eram revestidos de decoração requintada para atender às exigências de gosto da classe aristocrática15. Nesse momento, o São Pedro iniciava sua trajetória como centro cultural do país, centro de irradiação de padrões e valores burgueses, localizado num território dotado de operações comerciais e financeiras em expansão e de concentração de atividades industriais (PESAVENTO, 1991). A classe burguesa comemorava a chegada de um novo momento do movimento teatral, pois considerava que seus problemas culturais estavam resolvidos. O quadro que se apresentava, no último decênio do século XIX, foi contabilizado com a participação de 20 companhias

15 Conforme Hessel (1999), ao todo 44 cidades da Província de São Pedro apresentavam atividades artísticas, são elas: Rio Grande, Pelotas, Porto Alegre, Santa Vitória do Palmar, Jaguarão, Piratini, Bagé, Dom Pedrito, Sant’Ana do Livramento, Quaraí, Uruguaiana, Itaqui, São Borja, Alegrete, São Gabriel, Caçapava do Sul, Santa Maria, Rosário do Sul, Jaguari, Cruz Alta, Palmeira das Missões, Passo Fundo, Soledade, Cachoeira do Sul, Rio Pardo, Lajeado, Taquari, Santo Amaro/General Câmara, Triunfo, Caxias do Sul, Bom Jesus, Santo Antônio da Patrulha, Osório, Torres, Encruzilhada do Sul, , Estrela, Pinheiro Machado, Santa Cruz do Sul, Santiago, São Francisco de Paula, São Jerônimo, São Leopoldo, São Vicente do Sul e Viamão.

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externas, 24 atores de renome, 39 teatrólogos estrangeiros e 24 lusofônicos, 18 peças de preferência do público e 19 companhias líricas (HESSEL, 1999, p. 34). Mesmo o São Pedro reinando para a classe aristocrática, a classe popular não deixada de se divertir e tinha o Teatro Variedades como local de preferência, cuja estrutura de alvenaria e madeira comportava 1.500 pessoas e servindo, também, para eventos de companhias equestres. Além desse teatro, a cena cultural contou ainda, em 1890, com o surgimento do Teatro Poliatema Porto Alegrense, que posteriormente se transformou no Teatro Coliseu (HESSEL, 1999). Mesmo com outras casas de espetáculos na cidade, o São Pedro foi a mais pujante e duradoura. No início de sua trajetória, as apresentações artísticas teatrais dominavam a concentração de suas atrações e, com o tempo, seu espaço também foi utilizado para cursos de enfermagem e de defesa antiaérea durante as guerras mundiais e para eventos socais como bailes, lutas de boxe e conferências políticas. A mensagem que o local transmitia permitia receber “[...] com a mesma hospitalidade espetáculos e realizações de toda a espécie, desde apresentações de companhias dramáticas e líricas até convenções de partidos ou formaturas de estabelecimento de ensino.” (DAMASCENO et al., 1975, p. 302). Em 1902, o teatro ampliou sua oferta cultural introduzindo o cinema mudo em sua grade de programação, o que dividiu a preferência do público. Mas foi o contato com outras culturas, promovido pela vinda das companhias estrangeiras aos palcos do teatro, que permitiu perceberem-se mudanças na sociedade porto-alegrense, tecendo um novo ritmo de comportamento. O impacto dessas culturas externas refletiu-se em diversas categorias sociais, como famílias, público, imigrantes, governantes, escritores, artistas amadores e profissionais e empresários, incorporando novos usos, costumes e hábitos aos já praticados pelos habitantes da cidade. Com o passar do tempo, essas novas características sociais incidiram na diversidade da programação, temas e gêneros dos espetáculos. A música, ou seja, óperas, operetas, concertos e recitais, introduziu um gênero musical burguês europeu que refez o gosto não só da elite local, mas também do funcionário, do burocrata, do pregoeiro e do artífice prosaico (DAMASCENO et al., 1975, p. 170). A dança tornou-se a “expressão da sensibilidade humana”, em que

[...] o movimento, o gesto, a marcha deixaram de se constituir motores da atividade humana para se transformar em elementos essenciais a criações 54

estéticas tão válidas como as já consagradas pela tradição e o gosto predominante. (DAMASCENO et al., 1975, p. 281).

O balé, outra modalidade presente, garantia público, incentivava a criação de escolas de dança e inovava por meio de apresentações que misturavam ritmos e cantos. Concertos e recitais consagraram artistas nacionais, internacionais e locais e introduziram aos poucos uma função educativa ao teatro, “[...] não só por formar e aprimorar artistas, mas também por atrair os parentes ou amigos dos mesmos, que aos poucos chegavam a ser frequentadores assíduos dos saraus de música erudita.” (DASMASCENO et al., 1975, p. 307). O Theatro São Pedro oportunizou a geração de grêmios e sociedades dramáticas, a valorização de obras de autores nacionais, a profissionalização dos “homens de teatro”, a criação de cursos de arte dramática no ensino superior, a instituição nas escolas de cursos de dramaturgia para formação de professores, bem como a criação de festivais de teatro envolvendo teatro acadêmico, estudantil, agremiação e cursos de arte. Ainda, com incentivos do governo, a criação de orquestras, coros, corpo de baile, e a realização de seminários foram moldando um retrato artístico na cidade. O São Pedro deu oportunidades para que artistas locais pudessem mostrar suas habilidades e despertar na população o interesse pela cultura, desempenhando uma função social significativa. Nesse aspecto, Hessel (1999) apresenta alguns marcos importantes dessas transformações, entre 1900 a 1970, período no qual o Theatro São Pedro se inseria:  em 1900, nove entidades teatrais estavam em atividade;  em 1902, o Theatro São Pedro cedeu espaço para o cinema mudo;  em 1903, organiza-se a Sociedade Dramática por um grupo de amadores de língua estrangeira (italiano);  em 1904, ocorre a fundação da União Acadêmica Dramática;  em 1905, ocorre a comemoração de 30º aniversário da Sociedade Particular Luso-Brasileira;  em 1910, nasce a sociedade teatral S.D.P Amantes da Arte;  em 1913, constrói-se o Teatro Guarani na Praça da Âlfandega e o Teatro Apolo na Praça Dom Feliciano;  em 1926, é fundado o Grêmio de Amadores Teatrais;  em 1927, funda-se o Teatro de Brinquedo; 55

 em 1929, inicia-se o teatro-cego, ou seja o rádio-teatro da Rádio Sociedade Gaúcha;  em 1930, cria-se o Orfeão Rio-Grandense e seu Teatro 5 de Setembro;  em 1942, ocorre a fundação da Escola Dramática do Rio Grande do Sul;  em 1941, cria-se o Teatro do Estudante pela União Estadual de Estudantes;  em 1944, cria-se o Teatro Anchieta;  em 1948, onze sociedades dramáticas fundaram a Federação Rio-Grandense de Amadores Teatrais;  em 1957, cria-se o Curso de Arte Dramática (CAD) da UFRGS;  em 1959, acontece o 1º. Festival Gaúcho de Amadores Teatrais no Theatro São Pedro;  em 1962, acontece o IV Festival Nacional de Teatros de Estudantes;  em 1966, inaugura-se o Teatro Leopoldina, o Teatro de Equipe do Auditório Tarso Correa do Instituto de Belas Artes e o Clube de Cultura;  em 1967, cria-se o Teatro da Arena na Avenida Borges de Medeiros;  em 1970, inaugura-se o Centro Social Israelita e o Teatro de Câmara.

Dada essa nova configuração cultural, o Theatro São Pedro não detinha mais o monopólio do movimento teatral presenciado no século XIX. Nos seus mais de 115 anos de existência, o São Pedro foi acolhendo outros públicos, e as apresentações foram se tornando mais qualificadas e heterogêneas. No entanto, nos anos 1970, o teatro já necessitava de manutenções físicas mais frequentes, chegando a obras de conservação de maiores proporções, dado seu avançado estado de debilidade. Sua estrutura infestada de cupins, instalações elétricas precárias, infiltrações e banheiros infrequentáveis, demandavam uma necessária e inevitável reforma, como atestam as figuras seguintes:

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Figura 5 - Fachada principal, Figura 6 - Piso de madeira deteriorado, vidros quebrados, anos de 1970 gradil amarrado, anos de 1970

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Figura 7 - Plateia/Camarote, piso de Figura 8 - Antigo madeiramento madeira original apodrecido com fiação elétrica exposta

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

O piso de madeira apodrecido, a fiação elétrica exposta e danificada, os vidros quebrados e o gradil sem sustentação em decorrência do piso apodrecido tornaram o local impróprio para a circulação de pessoas. Ou seja, o teatro não podia mais receber apresentações, e o público ficou como “[...] uma velha carcaça, jogada 57

ao canto da Praça.” (AXT, 2008, p.72). Dada essa condição, o processo de restauração era uma questão de tempo. E, assim, em 1972 o local encerrou suas atividades, sem que houvesse uma previsão sobre quando a reforma aconteceria e, ainda mais quando seria sua reabertura. Mesmo com seu encerramento, seu compromisso social ultrapassou os palcos, servindo como um canal de difusão da arte e cultura do sul do Brasil. Nesse momento, o teatro passou a aguardar um novo começo.

2.5 Contexto cultural de Porto Alegre nos anos de 1970 e 1980

Nos anos 1970 e 1980, Porto Alegre já apresentava uma reconfiguração espacial diferente das décadas anteriores. O aumento populacional, o crescimento imobiliário, o surgimento de novos bairros e novos espaços culturais contribuíram para que o teatro ficasse à margem dessa nova dinâmica, mas ainda vivo no cenário urbano, pois permanecia como vestígios de uma espécie de herança, testemunhos e representações carregadas de valores humanos e aspirações pessoais, como toda a cidade que tem sua história e suas formas (MATTAR, 2010). No final dos anos 1970, Porto Alegre não era mais a cidade antiga que há tempos moldava a paisagem. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de 1979 remodelara o território de forma integrada com a finalidade de obter melhoria da qualidade de vida da população e o incremento do bem-estar da comunidade, objetivando: I - a ordenação do crescimento urbano do Município, em seus aspectos físicos, econômico, social, cultural e administrativo; II - pleno aproveitamento dos recursos administrativos, financeiros, naturais, culturais e comunitários do Município; III - atendimento das necessidades e carências básicas da população quanto às funções de habitação, trabalho, lazer e cultura, circulação, saúde, abastecimento e convívio com a natureza; IV - conservação do patrimônio ambiental do Município; através da proteção ecológica, paisagística e cultural; V - integração da ação governamental municipal com a dos órgãos e entidades federais, estaduais e metropolitanas, e, ainda, com a iniciativa particular; VI - participação comunitária no processo de planejamento; VII - ordenação do uso e ocupação do solo, em consonância com a função social da propriedade urbana. (PORTO ALEGRE, 1979, art. 2).

Ou seja, o governo ampliou sua atuação, remodelando a estrutura de ocupação urbana para atender a sua população de 1.158.709 habitantes, sendo 58

99,9% residentes nesse espaço16 (BRASIL, 1981). Porto Alegre ganhava, assim, outros contornos, como viadutos, perimetrais, elevadas e túneis. A área central da cidade, tida como área nobre nos anos 1960, assumiu outra imagem: bondes elétricos foram retirados e instalaram-se bancas de floristas; terminais de ônibus na área do Mercado Público e da Praça XV foram construídos; Rua da Praia, Praça da Alfândega e Praça Otávio Rocha formaram um calçadão de pedestres; a instalação de uma Rodoviária junto ao Cais do Porto foi erguida; a construção do túnel Conceição e muro da Avenida Mauá foram executados; e a Avenida Praia de Belas ampliou o acesso a outras áreas da cidade (PESAVENTO, 1999). A população adquiriu novos hábitos, como a ida aos shoppings centers - possibilitando às classes médias urbanas e abastadas a participação num mercado de consumo sofisticado - e a novos parques, como o Harmonia, Marinha do Brasil e Moinhos de Vento. O momento oportunizou a criação de associações de bairros, a valorização dos centros de tradições gaúchas (CTGs), shows musicais, bailões e encontros no Brique da Redenção17 (PESAVENTO, 1999). No entanto, ao mesmo tempo em que a cidade se desenvolvia, outro retrato se moldava: o desequilíbrio entre o campo e a área urbana, intensificando a proliferação de favelas, vilas, violência, criminalidade e mendicância. A área central da “[...] Praça da Alfândega, a Praça XV e a Praça Dom Feliciano, de lugares de socialidade burguesa transformou-se em lugares de prostituição, de desempregados e biscateiros.” (PESAVENTO, 1999, p. 165). O crescimento dessas desigualdades sociais e o aprofundamento dos debates políticos, na época, transformaram a Avenida Borges de Medeiros e a Rua dos Andradas como ponto de encontro dos intelectuais, constituindo-se na “esquina democrática”, e a Praça da Matriz, como teatro de “[...] acampamento dos sem-terra, dos professores do magistério em greve e das mulheres do campo em prol dos direitos sociais.” (PESAVENTO, 1999, p. 166). Enquanto o Theatro São Pedro, que havia compartilhado a cidade com mais de 11 espaços teatrais, continuava de portas fechadas, surgiram 17 novos locais culturais. Os teatros eram: Teatro Dante Barone; Auditório da Assembleia Legislativa;

16 A taxa de urbanização era de 98,9% da cidade em 1981, conforme a Fundação de Economia e Estatística. Disponível em: http://feedados.fee.tche.br/feedados/. Acesso em: 30 set. 2018. 17 O Brique da Redenção é uma feira semanal onde se comercializam artesanatos, artes, antiquários e alimentos. Surgiu nos anos de 1970 e se localiza no Parque Farroupilha. Disponível em: https://briquedaredencao.com.br/institucional/. Acesso em: 20 ago. 2019. 59

Teatro Arena; Teatro Araújo Viana; Teatro da Câmara; Teatrinho do DAD; Círculo Social Israelita; Teatro Clube de Cultura; Teatro Instituto de Artes da UFRGs; Teatro - Reitoria da UFRGS; Teatro da PUC; Teatro Renascença; Teatro Alvaro Moreyra; Teatro do Ipê; Teatro Um; Teatro da Ospa, antigo Teatro Leopoldina; Teatro Presidente (GOLIN et al., 1989; HESSEL, 1999). O funcionamento dos teatros na cidade, na época, apontava aspectos técnicos interessantes, conforme as estatísticas do IBGE (BRASIL,1975). O cenário mostrava que apenas 33,33% dos teatros tinham sistema de refrigeração; 50%, ventiladores; 33,33%, calefação; 83,33%, sanitários; 50%, bebedouros; 50% tinham iluminação direta e 33,33%, indireta; 50%, poltronas estofadas e 33,33%, de madeira; e 66,67% tinham tapetes. Apenas um teatro tinha carpintaria especializada; quatro aparelhos para iluminar cenários e um para movimentar cenários. Com relação a aparelhos de reprodução sonora de alta fidelidade, apenas dois detinham esse recurso, enquanto os outros ainda possuíam a forma magnética e estereofônica. A estrutura de operação dos teatros revelava que 25% funcionavam semanalmente, e 8,33%, diariamente.Quanto ao tipo de construção, 50% eram tidas como especiais e 41,67%, adaptadas; nenhum local possuía elevador, mas em compensação a quantidade de camarins coletivos eram superiores aos camarins individuais, um claro contraste com demais locais do país, onde 45,36% funcionavam diariamente; 69,59% eram construções especiais, e 29,90%, adaptadas (BRASIL, 1982). Dadas essas condições físicas, somadas ao público cada vez maior, outros locais foram sendo procurados para acomodar as produções que necessitavam de melhores qualidades técnicas e de lugares suficientes para sua demanda. A Tabela 1 permite analisar que no país a evolução dos equipamentos culturais18 deu-se em maior quantidade em bibliotecas, museus e emissoras de televisão. Ou seja, novos tempos que se refletiram também a nível estadual, em que as bibliotecas cresceram 1.322,40%, as emissoras de televisão, 550%, os museus, 210%, e os teatros, 200%.

18 O termo equipamento cultural significa “[...] edificações destinadas a práticas culturais (teatros, cinemas, bibliotecas, centros de cultura, filmotecas, museus)” e, ainda, “[...] grupos de produtores culturais abrigados ou não, fisicamente, numa edificação ou instituição (orquestras sinfônicas, corais, corpos de baile, companhias estáveis, etc.)”. (COELHO, 1997, p. 165) 60

Tabela 1 - Radiografia cultural Brasil e Rio Grande do Sul, 1970 e 1980 Brasil Rio Grande do Sul RS/BR Δ% Δ% 70 80 70 80 70/80 70 80 70/80 (%) (%) Bibliotecas 2.517 21.602 758,24 183 2.603 1.322,40 7,27 9,55 Cinemas 3.079 2.139 -30,53 263 166 -36,88 8,54 7,76 Cine-teatros 117 154 31,62 15 21 40,00 12,82 13,64 Emissoras de 990 1159 17,07 124 149 20,16 12,53 12,86 rádio Emissoras de 40 108 170,00 2 13 550,00 5,00 12,04 televisão Jornais 957 1371 43,26 72 136 88,89 7,52 9,92 Museus 206 571 177,18 20 62 210,00 9,71 10,86 Teatros 91 194 113,19 3 12 200,00 3,30 6,79 Fonte: Brasil (1979, 1982,1985).

Por mais que a concentração das atividades culturais estivesse localizada em São Paulo e Rio de Janeiro, nos anos 1980, o estado do Rio Grande do Sul projetava-se frente aos demais estados (Tabela 2), ocupando o 3º lugar em despesas realizadas em educação e cultura; o 3º em quantidade de teatros, bibliotecas e museus; e o 4º em cinemas, cine-teatros, atividades culturais e associações culturais.

Tabela 2 – Classificação dos estados quanto às atividades e equipamentos culturais, década de 1980

Ativ. Museus Cinemas Cine- Teatros Bibliot. Emis. Emis. Cult. teatros tv rádio Brasil 239.989 571 2.139 154 194 21.602 108 1.159 Minas 19.255 52 265 24 11 4.202 8 134 Gerais (4º.) (2º.) (2º.) (2º.) Paraná 23.805 36 185 6 9 1.288 9¹ 137 (2º.) (3º.) (3º.) São Paulo 128.766 157 523 27 73 4.432 12 281 (1º.) (1º.) (1º.) (1º.) (1º.) (1º.) (2º.) (1º.) Rio 22.840 62 166 21 12 2.603 13 149 Grande do (3º.) (2º.) (4º.) (3º.) (3º.) (3º.) (1º.) (2º.) Sul Rio de 20.343 73 179 13 33 1.530 6 72² Janeiro (3º.) (3º.) (2º.) Fonte: Brasil (1982,1985). Nota¹: Amazonas também tinha 9 emissoras de televisão. Nota²: Santa Catarina é o 5º colocado com 77 emissoras de rádio.

O Rio Grande do Sul dominava uma posição cultural importante a nível nacional, oferecendo diferentes modalidades de atividades culturais (Tabela 3), como reuniões, assembleias, apresentações folclóricas, concertos, recitais, audições e exibições de música. As reuniões e assembleias detinham maior participação de 61

público, com 26,14% seguidas das apresentações folclóricas com 15,96%; dos concertos, recitais e audições com 10,39%; e exibições de música com 7,93%. Os cinemas e as representações teatrais estiveram entre os menos frequentados; ainda assim, aqueles (1,77%) ficaram à frente destas (1,44%).

Tabela 3 - Atividades culturais no RS, anos de 1980 Atividades Quantidade % Apresentações Folclóricas 3.646 15,96 Conferências e Palestras 1.439 6,30 Cursos 286 1,25 Concertos, recitais e audições 2.372 10,39 Exibições de música 1.811 7,93 Representações teatrais 329 1,44 Reuniões e Assembleias 5.970 26,14 Sessões de cinemas e audiovisual 405 1,77 Outras 6.582 28,82 Total 22.840 100,00 Fonte: Brasil (1985).

As associações cresceram e segmentaram-se, também, nesse período. As artísticas e culturais, em geral, concentravam o mercado, e juntas detinham 81,85% e 78,79% respectivamente; tanto em quantidade física como em número de associados. As associações literárias, científicas e tecnológicas e de difusão linguística apareciam logo em seguida; enquanto que as voltadas para o teatro tinham tímida participação, como 1,03% e 0,09% respectivamente, em quantidade de associados (Tabela 4).

Tabela 4 - Associações culturais no RS, anos de 1980 Associações culturais Quantidade Quantidade física % de sócios % Artística 120 41,10 29 797 28,47 Científica e Tecnológica 11 3,77 2 428 2,32 Cultural em geral 119 40,75 52 670 50,32 Difusão Linguistica 5 1,71 2 278 2,18 Literária 13 4,45 5 793 5,53 Teatral 3 1,03 96 0,09 Outras 21 7,19 11 600 11,08 Total 292 100,00 104 662 100,00 Fonte: Brasil (1985).

Nesse contexto, Porto Alegre ampliava seu mercado cultural com a 62

duplicação de suas salas de cinema, dada à oferta de salas em centros comerciais e shoppings, à segmentação do público e à otimização dos espaços ociosos de salas já existentes. Em 1975, a cidade contava com 18 cinemas distribuídos espacialmente da seguinte maneira: Centro, com 8 salas; Azenha, com 4; Cidade Baixa, 3; Bom Fim, Floresta, Menino Deus e Cristo Redentor, 2; Independência, Moinhos de Vento, Navegantes, Petrópolis, Teresópolis e Ipanema, com 1 sala (GOELLNER, 1999). Nos anos 1980, das 32 oferecidas pela cidade, 24 localizavam-se no Centro ou em bairros vizinhos a este. No Centro, os cinemas se mantiveram estáveis mesmo com a concorrência dos centros comerciais e shoppings, e até mesmo com o uso do videocassete, que passou a mudar ainda mais os hábitos dos consumidores. Nesse período, a televisão chegava a 89,13% dos lares porto-alegrenses. O prestígio do cinema se manteve, prova disso, e fato marcante foi a inauguração do espaço alternativo Cinema de Bolso, localizado nos fundos do Theatro São Pedro, e a intervenção do poder público, oferecendo duas salas com a inauguração da Casa de Cultura Mário Quintana e uma sala no espaço da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GOELLNER, 1999). Além das salas de cinema, Porto Alegre também registrava um movimento de descentralização da vida boemia nos bares e restaurantes do Centro para outros bairros como Bom Fim, Independência, Cidade Baixa e Moinhos de Vento. No Bom Fim aparecem os bares Escaler, Bar do João, Lancheria, Cacimba, Alaska e Ocidente; na Cidade Baixa, o Shopping Olaria e o Opinião; no Moinhos de Vento, a Tortaria. Novos costumes e práticas culturais surgem nesses espaços atraindo os mais diversos tipos sociais e transformando a dinâmica urbana (FONSECA, 2006). Mesmo com essas transformações, o teatro continuava vivo na memória, e sua restauração era uma questão de tempo e envolvimento da sociedade. O São Pedro, tido como patrimônio, símbolo da cidade, não tinha como gerir sua própria conservação, e o Estado, como principal agente financiador da área, deveria voltar a priorizá-la, uma vez que seu incentivo se refletiria na produção de determinados hábitos e costumes (D’AMBROSI; MEIRELLES, 2014). Conforme aponta Pesavento (2004, p.1597), recuperar a cidade do passado implica “[...] registrar lembranças, relatar fatos, celebrar personagens, reconstruir, reabilitar ou restaurar prédios, preservar materialmente espaços significativos do contexto urbano”, mas mais, ainda, implica em ir além dos domínios do simbólico e 63

do sensível, implica “[...] sobretudo, fixar imagens e discursos que possam conferir uma certa identidade urbana, um conjunto de sentidos e de formas de reconhecimento que a individualizem na história.” Dentro dessa ideia, a recuperação do São Pedro envolvia identidade, história e sentido que permaneciam no espaço da cidade, nas lembranças e memórias individuais e coletivas. Dois arquitetos foram convidados para gerenciar a obra: Carlos Antônio Mancuso e seu assessor, Antonio Carlos Castro. A determinação era que o estilo arquitetônico do teatro deveria ser mantido, respeitando sua identidade histórica, unindo o original e o moderno, a tecnologia e a tradição “[...] para dotar a cidade de uma moderna e confortável casa de espetáculos.” (AXT, 2008, p. 83). As obras internas e externas transformaram o entorno do local como mostra as Figuras 9,10,11,12,13, 4 e 15.

Figura 9- Vista lateral do teatro, tapumes da obra

Fonte: Theatro São Pedro (2018).

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Figura 10 - Eva e três senhores, entre Figura 11 - Eva Sopher em eles o arquiteto Mancuso, 1976 visita às obras, 1978

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Figura 12: Vista lateral das, Figura 13: Vista aérea da obra escadas externas e escavações

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

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Figura 14 - Obra no palco e Figura 15 - Colocação da nova plateia, camarotes, gradil estrutura metálica no forro e galerias

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

A meta era preservar sua estrutura externa e aumentar a área útil do local, o que foi possível com escavações no subsolo, o que aumentou a área total do teatro equivalente a 7 andares. Toda a parte interna recebeu nova estrutura, com exceção dos gradis originais que foram restaurados. A parte acústica, as portas, as aparelhagens de som, as cortinas, o forro e a climatização também receberam investimentos. As poltronas ganharam novos tecidos, a partir de um fragmento de veludo francês, e foram substituídas as telhas portuguesas e as vigas de madeira. As escadas laterais cederam lugar às instalações sanitárias e o lustre foi recriado, inspirado no original, ganhando um mecanismo de elevação e abaixamento, o que conseguiu harmonizar beleza e antiguidade, compondo o ambiente histórico. O palco foi ampliado e novas iluminações sobre as laterais das galerias foram instaladas (Figuras 16, 17 e 18).

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Figura16 - Lustre Figura 17 - Poltrona

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Figura 18 - Palco e plateia

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Ou seja, distanciando-se do pensamento de que o destino das construções do passado é serem consumidas pelo tempo “[...] arquitetos e historiadores preocupam- se em intervir no processo, preservando memória, sentido, história.” (PESAVENTO, 2004, p.1603). A obra deveria devolver “[...] sua atmosfera, acolhedora e bela ao mesmo tempo, inserindo nela os recursos da atual tecnologia. Era devolver à Capital aquele monumento que dela fazia uma Capital, era devolver ao porto-alegrense sua memória.” (THEATRO SÃO PEDRO, 1984, p. 13). Ou seja, o local deveria preservar seus símbolos, valores e crenças construídas ao longo de sua existência. A passagem do tempo havia castigado sua estrutura física, restando pouca coisa antiga, e a restauração faria conservar e revelar o valor estético e histórico-cultural do monumento, além de seu significado simbólico, em que, 67

Todo traço do passado possui em si uma sucessão de temporalidades objetivas acumuladas, ou seja, as marcas da passagem dos anos e do seu uso e consumo pelos atores sociais que percorreram esse espaço. Embora seja importante datar essas camadas históricas, como, por exemplo, no caso de um determinado espaço construído, importa também atingir as temporalidades subjetivas que esse espaço urbano contém, dado pelas experiências do vivido, pelos sentidos conferidos a tal espaço, tornando-o qualificado, como um lugar no tempo. Trata-se antes, pois, de tentar atingir, ou mesmo resgatar, a capacidade evocativa e de significação que cada fragmento do passado possa oferecer à recriação imaginária de uma cidade. Ou, ainda, o quanto de memória, história e sentido ele possa invocar. (PESAVENTO, 2004, p.159).

Finalizada a obra, o teatro foi efetivamente reinaugurado no dia 28 de junho de 1984, retornando ao cotidiano da população local (Figuras 19 e 20).

Figura 19 - Reinauguração, plateia Figura 20 - Reinauguração,Eva Sopher

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Em 1985, o balanço era de 305 apresentações com 121.698 espectadores. No ano seguinte, houve 270 promoções com público pagante de 100 mil pessoas e mais 20 mil espectadores em promoções gratuitas, como os projetos especiais no foyer e programações musicais (HOHLFELDT, 1991). Hoje, o local ocupa uma área de 25 mil m², sendo que 18 mil m² se refere à área construída, formado por um complexo cultural que inclui o teatro principal e um anexo denominado de Multipalco São Pedro. Sua infraestrutura em nada lembra o período de sua reconstrução, e a necessidade de estender a área física seguiu as novas tendências culturais que as casas de espetáculos precisavam ter para atender à demanda crescente, fazendo com que o governo estadual cedesse um espaço de área maior ao lado do teatro (D’AMBROSI; MEIRELLES, 2014, p. 72). 68

O teatro não passa despercebido do cenário urbano, pois é o único formado por um complexo, se comparado aos 13 teatros localizados no bairro Centro e aos 36 teatros que a cidade possui, totalizando 9.292 lugares onde 53% desses locais são administrados por gestão privada (BRASIL, 2019). O Theatro São Pedro tem como Missão “encantar, divertir e emocionar as pessoas, através da apresentação de teatro, música, dança e ações culturais de qualidade, contribuindo para a democratização da cultura”; sua Visão é “constituir-se, junto ao Multipalco Theatro São Pedro, em um grande centro de referência das artes de palco da América Latina”; e seus Valores são “qualidade artística, respeito ao patrimônio público, e crença na energia e no talento das pessoas” (THEATRO SÃO PEDRO, 2018). O complexo é composto por um teatro italiano com capacidade para 650 lugares, mesma capacidade do teatro principal; sala de música composta por quatro salas, dois camarins, uma musicoteca e uma sala de instrumentos; teatro oficina com capacidade para 200 pessoas; salas múltiplas, moduláveis e adaptáveis para trabalhos de práticas circenses; foyer multipalco composto de cafeteria e bar, quatro lojas, agência bancária e sala para entrevistas ou reuniões. Na área externa tem-se o estacionamento e a praça Multipalco, onde se encontra a concha acústica e o restaurante. As figuras a seguir apresentam tais espaços (Figuras 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33):

Figura 21 - Vista aérea do Teatro São Pedro e Multipalco

Entrada ao complexo Concha acústica Multipalco

Lateral do teatro, foyer principal e Memorial Restaurante

Acesso ao setor administrativo, salas de musica, dança e oficinas, teatro italiano, foyer.

Estacionamento

Fonte: Theatro São Pedro (2018).

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Figura 22 - Frente do teatro Figura 23 - Praça Multipalco

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Figura 24 - Estacionamento Figura 25 - Sala de dança

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Figura 26 - Teatro Italiano Figura 27 - Sala de oficina

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

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Figura 28 - Concha acústica Figura 29 - Foyer Multipalco

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Figura 30 - Sala de música Figura 31 - Sala de música

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Figura 32 - Salas múltiplas Figura 33 - Teatro oficina

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Sua estrutura física exige organização e recursos para a manutenção de suas 71

dependências em pleno funcionamento. A histórica fachada do Theatro (Figura 22) e a Praça Multipalco são as entradas de acesso principais. Pela vista aérea (Figura 21) é possível ver como se distribui seu complexo. O Theatro São Pedro se posiciona ao fundo, enquanto os demais espaços estão na área anexa. Pela frente, Figura 14, tem-se o acesso ao Theatro São Pedro, Foyer e Memorial principal; pelo Acesso Administrativo, ou pela Entrada do Complexo, tem-se acesso às salas de música, múltiplas, oficinas e salas de dança, além do teatro italiano. O estacionamento (Figura 24), com 240 vagas, distribuídas em três andares, situa-se na lateral do complexo, e sua fachada externa oportuniza acesso rápido à via pública. Na Praça Multipalco (Figura 23), estão localizados o Du’Attos Restaurante Multipalco e a concha acústica, servindo de passagem para o teatro. Quando o teatro completou 150 anos de história, em 2008, foi inaugurado o Memorial do Theatro São Pedro, no subsolo do teatro principal (Figuras 34 e 35), objetivando registrar a trajetória histórica do local por meio de objetos e registros jornalísticos. O espaço é composto por quatro salas e uma galeria, e é ambientado como se fosse um espetáculo. Cada espaço está dividido por épocas que marcaram alguma transformação importante no local.

Figura 34 - Salas do Memorial Figura 35 - Entrada do Memorial

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

O primeiro espaço denominado “Abrem-se as cortinas” expõe o início da construção no século XIX até o encerramento de suas atividades em 1970; o segundo chama-se “Intervalo”, período de reconstrução do teatro, de 1973 até sua 72

reinauguração em 1984; o terceiro, intitulado “Reinauguração” mostra o retorno cultural do local após o período de obras com uma programação artística intensa a partir daí; e a quarta sala, designada de “Nosso Teatro” retrata de ampliação da área do Multipalco, entre o período entre 1991 a 2008, projetando o local como um dos maiores da América Latina (MAIA, 2012). Com essa transformação, o teatro adotou outra relação com a comunidade, incorporando um conceito mais contemporâneo de oferta cultural combinando edificação, usos, história e linguagem urbana. A junção da ideia do sentido do lugar com as estruturas materiais já preservadas ganhou novas significações, transformando o sentimento de identidade e pertencimento. Nesse contexto, o teatro, visto como um recurso material e simbólico, passível de “[...] potencialidades de mercado do patrimônio edificado (seu valor de troca) e, de outro, a de facilitar os meios de sua apropriação pelos habitantes da cidade, em razão de sua utilidade e valor simbólico (seu valor de uso)” pode se reinventar adotando práticas até então inexistentes (ARANTES, 2006, p. 431).

2.6 Considerações finais

Levando em consideração o que foi exposto, lembrar o Theatro São Pedro quando de sua inauguração no século XIX e percebê-lo hoje, é reconhecer a grande transformação do local, que passou de um palco único para um complexo cultural, remodelando seu papel dentro do campo patrimonial e continuando sendo um centro de referência cultural. Seu reconhecimento como símbolo começou a ser construído no imaginário da população muito antes de sua inauguração em 1858. A classe aristocrática e política exigia publicamente a construção de um teatro que representasse o progresso econômico e social pelo qual a província passava e que a representasse, enquanto classe, com poder econômico e político. Nesse sentido, a exigência para a construção do local deveria incorporar beleza e riqueza em sua estrutura interna e externa, refletindo a identidade dos seus idealizadores. Essa era a imagem que o local deveria ter no campo cultural, até porque Porto Alegre possuía status econômico na Província juntamente com as cidades de Pelotas e Rio Grande. Ou seja, o teatro era a materialização de uma estrutura de valores sociais ligada diretamente a determinados grupos, decorrente da rivalidade entre cidades - era o capital simbólico. 73

Quando de sua inauguração, a diversão, a admiração e o imaginário que o teatro representava ultrapassaram as fronteiras regionais. Mesmo com seu fechamento nos anos 70, a mobilização para reabri-lo envolveu sociedade civil, empresários e governos, tamanho o respeito que esse espaço público havia adquirido. Havia de fato se tornado um símbolo, mais que isso, havia se tornado um legado repassado às gerações futuras, um patrimônio cultural da cidade, portador de identidade e memória. Memórias do teatro reconstruídas permanentemente nos seus mais de 150 anos de existência, em que fatos e personagens servem como pontos de apoio para contextualizar momentos de sua história. Um desses personagens foi Eva Sopher. Convidada para assumir o projeto de reconstrução do teatro, suas vivências, experiências e conhecimentos absorvidos ao longo de sua vida profissional e pessoal a conduziu para aceitar o desafio de trabalho do imponente monumento que estava esquecido sob o “palco da cidade”. Seu desempenho frente à condução desse processo foi uma combinação do princípio gerador de suas ações, habitus, somados à posse de seus capitais - cultural e simbólico - que juntos lhe garantiram um poder no campo cultural. Sua herança artística foi um elemento importante no processo. Construída em seu núcleo familiar e somada ao meio social em que Eva viveu, refletiu-se na transmissão da sua maneira de ser e se portar, o que resultou em suas habilidades, competências e sensibilidades. Seus pais e avós influenciaram sua educação, que foi revestida de princípios e valores que desenvolveram em Eva um senso de responsabilidade desde pequena, o que lhe preparou para, lidar com as situações adversas que a vida lhe impôs, e que foram enfrentadas com afetividade. A guerra e a fuga de sua família para o Brasil a fez ter força suficiente para reverter a restrição de oportunidades no país de origem, fazendo com que ingressasse no mercado de trabalho ainda jovem. Essa imersão precoce no mundo do trabalho, aliada à educação recebida em casa e na escola, permitiu-lhe absorver conhecimentos diversos que foram valorizadas quando iniciado o projeto de reconstrução do teatro. O capital cultural adquirido por Eva ao longo do tempo foi proveniente do estado incorporado - advindos de suas propriedades físicas como postura corporal, habilidades linguísticas, preferências estéticas, competências intelectuais - e objetivado - como o contato com bens culturais, obras de arte, livros, galerias de arte 74

- já que sob o estado institucionalizado apenas lhe foi atribuído boletins do ensino primário quando morava na Alemanha. Eva não detinha apenas capital cultural, mas também capital simbólico resultante da crença que grupos e indivíduos, dotados de mesmas categorias de percepção, visão e divisão acreditavam existir em sua pessoa. Eva possuía um conjunto de propriedades distintivas, como maneira de se portar e de se expressar, que eram valorizadas pelos agentes sociais, conferindo-lhe um poder invisível. Diante dessa força, a manutenção dos laços sociais era assegurado, e um poder simbólico lhe era instituído. Esse poder pode ser atribuído à sua posição ocupada na hierarquia social, resultado de seu trabalho, principalmente, na Pró-Arte, que lhe proporcionou conhecimento de gestão e contatos com artistas nacionais e internacionais. Eva e o marido foram submetidos a condições sociais similares e compartilhavam esquemas mentais similares que lhe permitiram ficar tanto tempo juntos. O convívio com Wolfgang influenciou, ainda mais, seu habitus, seu conjunto de disposições corporais, valores, competências linguísticas e estéticas, dotando-lhe de capacidade para cumprir tarefas diferenciadas e aceitar o projeto de reconstrução do São Pedro. O caráter moral de Eva orientava seus sentimentos e sua conduta, funcionando como impulsionador de seu comportamento social junto à gestão do São Pedro. Pelo fato de Wolfgang atuar profissionalmente na função de líder empresarial, Eva pôde aproximar-se de políticos e empresários, aumentando sua rede de relacionamentos e potencializando seu capital social. O capital econômico adquirido por Eva, ao longo de seu casamento, possibilitou-lhe acumular bens culturais e a conhecer outros modelos de teatros nacionais e internacionais, proporcionando ideias para a renovação do Theatro São Pedro. Essas características foram importantes para moldar seu modo de agir na consolidação do São Pedro. Objeto de disputas entre os agentes públicos e privados, o teatro considerado um bem cultural estava inserido num campo de forças sociais carregado de representações simbólicas, onde Eva Sopher e Estado atuavam conforme objetivos distintos. O Estado reconhecia a importância de sua reconstrução, oficializando uma gestora para conduzir o processo, mas ao mesmo tempo inviabilizava os repasses financeiros. De outro lado, Eva Sopher trabalhava focada em dar andamento à obra e lutava contra a má vontade política, mobilizando a sociedade civil para agilizar o processo. No campo político as posições hierárquicas e a força das ideias se davam 75

pela capacidade de mobilização dos grupos, ou seja, da autoridade do agente com capacidade de fazer valer sua verdade, já que nesse espaço o que se transaciona é a crença. E na medida em que Eva se apropriava do sistema de disposições presente no campo, habitus, da lógica da concorrência pelo monopólio da posição de controle e do estabelecimento das regras do jogo político, suas táticas eram recombinadas conforme seus interesses e capitais que possuía. Nesse contexto, cada agente atuava com posições, práticas e estratégicas diferentes para redefinir a estrutura das relações de forças dominantes. Por meio do conceito de campo, é possível compreender a dinâmica do teatro, principalmente, a atuação de Eva Sopher na gestão da Associação Amigos do Theatro São Pedro como mostra o capítulo seguinte.

76

3 THEATRO SÃO PEDRO: GESTÃO DE UM BEM CULTURAL

A partir de sua reinauguração, o Theatro São Pedro pôde novamente figurar no cenário da cidade. Mas tanto o processo de sua reabertura quanto de sua transformação como complexo exigiu de Eva Sopher muito trabalho e o envolvimento de uma equipe de profissionais que acreditavam no teatro como símbolo da população gaúcha. No entanto, enxergar o teatro apenas como símbolo não lhe garantia perpetuar sua existência, pois o teatro é um produto no mercado de bens simbólicos, é um local físico que necessita de investimentos financeiros para continuar seu propósito de existir. Identificar que ações foram feitas para reerguer o Theatro São Pedro e transformá-lo num complexo cultural implica apresentar a criação e a gestão da Associação Amigos do Theatro São Pedro, entidade que desde os anos 80 se tornou responsável pela reinvenção do local dentro do campo cultural. Nesse sentido, entender o modelo de gestão praticado pelos agentes responsáveis pelo local requer a reconstrução de sua memória organizacional composta de diversos agentes que se movimentam dentro do campo cultural, cada um atuando com objetivos, prioridades e ações distintas. Segundo Walsh e Ungson, a memória organizacional é entendida como memória armazenada possível de ser recuperada e capaz de influenciar as decisões do presente a partir das recordações individuais e de interpretações compartilhadas. (WALSH; UNGSON, 1991, p. 61). Ou ainda, a memória organizacional é o meio pelo qual o conhecimento do passado é exercido sobre as diversas atividades da empresa incluindo a tomada de decisão, a organização, a liderança, a concepção, o controle, a comunicação, o planejamento e a motivação do modelo do negócio. (STEIN, 1995). A memória organizacional é capaz de contextualizar a dinâmica e a estrutura de funcionamento do teatro e é enfatizada como um sistema capaz de armazenar informações que impactam na aprendizagem, na linguagem, nos valores e nas normas que fazem parte da cultura corporativa. Para isso, a memória deve ser entendida numa abordagem interdisciplinar sendo possível armazená-la em recipientes (ou depositórios) em diferentes localizações, como nos indivíduos, por meio de suas experiências e observações; na cultura, por meio do aprendizado, percepção, pensamento e sentimentos transmitidos; nas transformações dos 77

insumos e produtos, processos e práticas de trabalho; nas estruturas; no ambiente físico e nos arquivos externos (WALSH; UNGSON, 1991) (LEHNER; MAIA, 2000). Nesse sentido, empreende-se a apresentação da gestão do teatro, desde o momento em que o Estado detinha a responsabilidade inicial sobre ele, mas principalmente para a atuação da Associação Amigos do Theatro São Pedro, entidade que se tornou, com o tempo, responsável principal pela condução do funcionamento do local.

3.1 O Estado como indutor cultural

Desde a criação do teatro, o Estado sempre assumiu o local como parte de sua política cultural, até porque foram os governos estaduais os principais agentes que proviam o local de recursos para sua manutenção. No século XIX, passados dois anos de sua edificação, o teatro começou a apresentar desgastes o que fez com que medidas acauteladoras de sua conservação fossem tomadas, como a incorporação do edifício ao patrimônio público, uma vez que esses espaços dependiam de auxílios dos governos. De sua inauguração até 1930, o teatro foi administrado, unicamente, por delegados dos próprios governos num modelo de cessão para todas as entidades ou pessoas que tivessem interesse “[...] fazendo-o, porém sem fins lucrativos e, no máximo, cobrando dos responsáveis uma taxa especial para cobrir as despesas de iluminação e pessoal.” (DAMASCENO et al., 1975, p. 401). Para isso, a administração podia cobrar preços diferentes na acomodação do espaço do público segmentado em camarotes, poltronas, balcões e galerias. Entre 1930 e 1950, os governantes passaram a administrar o teatro, definindo suas operações, mas permitindo a um cessionário fazer uso do local. Nesse momento, critérios quanto à cessão, ocupação, localidades privativas, pessoal, custos, rendas e comportamentos ao público foram ditados pelo próprio governo. A gratuidade do local ficou vedada a concertistas, companhias líricas, dramáticas, operetas, comédias, bailados, ensaios, comemorações cívicas, literárias. Foi implementada a realização de bailes, banquetes e manifestações políticas. O governo arcava com as despesas de pessoal e permitia a gratuidade dos serviços de luz e funcionários ao cessionário, que angariava sua renda pela venda dos ingressos. Normas de comportamento interno foram instituídas, como o acesso 78

negado a indivíduos que estivessem indevidamente trajados e a retardatários, bem como a proibição de uso de chapéus (RIO GRANDE DO SUL, 1944). Depois de mais de duas décadas com esse modelo de gestão, em 1957 “[...] restabeleceu-se a vinculação direta entre Estado e o São Pedro, passando para a Secretaria do Interior, através de sua Diretoria Geral, administrar o local.” (DAMASCENO et al., 1975, p. 401). Ou seja, novamente, o Estado tomava a frente do gerenciamento do teatro com o compromisso de arcar com seus custos e administrar suas receitas. Com esse modelo de gestão, nos anos 1960, a Divisão de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura (SEC) começou a patrocinar apresentações nos palcos do São Pedro, promovendo maior desenvolvimento cultural na cidade. Em 1982, o Estado criou a Fundação Estadual Theatro São Pedro19 com a finalidade de administrar o teatro; zelar pela manutenção de um elevado nível artístico da programação que viesse a realizar; colaborar com instituições, públicas ou privadas, no desenvolvimento e incentivo à música e às artes cênicas; e promover atividades e exibições de caráter artístico e cultural (RIO GRANDE DO SUL, 1981; 1982; 1986a). A partir daí, a Fundação tornou-se o órgão oficial de atuação na administração do teatro, criando uma estrutura organizacional que lhe permitisse ter autonomia administrativa e financeira para conduzir suas ações. Com esse formato de gestão, a Fundação passou a ter subdivisões de poderes no comando da pasta por meio de uma Presidência, dois Conselhos20 - um Deliberativo e um Curador - além de três Diretorias, a Artística, a Operacional e a Administrativo-Financeira, cada uma com suas próprias competências. Entre outras atividades, ao Presidente competia “orientar, coordenar e supervisionar o desenvolvimento das atividades da Fundação por meio das Diretorias” e ao Conselho Deliberativo,

[...] aprovar: diretrizes gerais para elaboração do plano anual de trabalho; normas e critérios gerais para a execução de planos, programas, projetos a cargo da Fundação ou cuja prestação for ajustada através de acordos e

19Entidade pública criada pela Lei nº 7.582, de 21 de dezembro de 1981. Estatuto criado pelo Decreto No. 30.590 de 18 de março de 1982. Nos dias atuais, a Fundação pertence à estrutura organizacional da Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul. 20A composição do Conselho Deliberativo é composta por membros e suplentes da Secretaria da Educação e Cultura; da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre - OSPA; da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; da Prefeitura Municipal de Porto Alegre; e de membros e suplentes de livre escolha do Governador do Estado. O Conselho Curador se compõe de três membros e seus suplentes, indicados pelo Governador do Estado e Titular da Pasta. 79

contratos; produção e apresentação de espetáculos culturais e artísticos em suas linhas básicas; propostas de alteração deste Estatuto; propostas da fixação da lotação qualitativa e quantitativa do pessoal da Fundação; projetos específicos e o orçamento da Fundação. (RIO GRANDE DO SUL, 1986a, p. 2).

O Conselho Curador ficaria encarregado de [...] apreciar os balanços anuais e as prestações de contas apresentadas pela Diretoria, emitindo parecer a respeito; acompanhar e fiscalizar a execução orçamentária da Fundação e a aplicação das despesas extraordinárias autorizadas pelo Conselho Deliberativo; examinar documentos, livros e papéis que digam respeito à administração financeira da Fundação, bem como verificar a situação do caixa e valores em depósito. (RIO GRANDE DO SUL, 1986a, p. 2).

Já a Diretoria Financeira passou a deter a capacidade de “[...] submeter ao Presidente o plano de aplicação de orçamento anual, para apreciação pelo Conselho Deliberativo; apresentar balancetes e balanços da Fundação à Presidência” onde o Presidente fica encarregado de “aprovar e encaminhar ao Conselho Deliberativo” essa atribuição.” (RIO GRANDE DO SUL,1986a, p.2). A Diretoria Operacional deteria o poder de “[...] coordenar e executar a montagem de espetáculos e eventos do Teatro São Pedro; e fixar honorários e coordenar o funcionamento e a segurança do Teatro São Pedro” e a Diretoria Artística, de “[...] elaborar e coordenar o plano de atividades culturais e artísticas da Fundação e a pauta de eventos do Teatro, submetendo-os à aprovação da Presidência.” (RIO GRANDE DO SUL,1986a, p. 2). Com essa estrutura, o poder decisório de formular o orçamento e de estabelecer regras de funcionamento para o teatro e de difusão artística migraria do setor público para as diretorias específicas. A Fundação controlaria a gestão do teatro, e o Estado se comprometeria a repassar recursos orçamentários, abrindo espaço, também, para o recebimento de outras fontes de financiamento. Entre 1973, ano do fechamento do teatro, até 1984, ano de sua reinauguração, o teatro recebeu recursos exclusivamente do orçamento público estadual e federal, instituindo um poder centralizador no processo de tomada de decisões. A estrutura da gestão foi alterada, apenas posteriormente, com a criação da Associação Amigos do Theatro São Pedro, o que se verá em detalhes a seguir.

3.2 O teatro e a gestão Eva Sopher

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Quando Eva Sopher foi convidada a assumir o projeto de “restauração", em 1973, a Fundação Estadual Teatro São Pedro ainda não existia. Seu desafio iniciaria com sua posse no estado em 26 de março de 1975, começando seu envolvimento com diversas questões administrativas e operacionais que iam desde a apresentação de uma proposta de lei do estatuto de uma Fundação para o teatro, como contatos com atores e políticos a fim de viabilizar a liberação de recursos para a obra, encontros com os operários que iniciariam os primeiros trabalhos na área, reuniões com os arquitetos responsáveis pelo projeto, viagens a fim de conhecer outros espaços teatrais e, principalmente, acompanhamento das liberações dos valores orçamentários dos governos para a reconstrução do local. Com essa rotina, Eva arriscou estimar que a obra do local levaria no máximo 2 anos, o que não ocorreu, dado aos cronogramas de pagamentos atrasados e não realizados. Na época, o Governo Federal era o principal agente que investiria no projeto, comprometendo-se a repassar, em 1975, cerca de 17 milhões de cruzeiros. A nível de setor público estadual, o repasse apenas aconteceria em 1977, com a liberação de cerca de três milhões, que mesmo assim não foram suficientes para atender às adequações no projeto quanto às inovações necessárias para sua infraestrutura. Na época, os custos aumentavam significativamente, chegando a um montante de trinta e três milhões de cruzeiros (HOHLFELDT, 1991). O impasse pela falta de verbas era o principal fator que impedia continuar o andamento das obras. Por mais problemático que fossem os atrasos de recursos, Eva dizia que o Theatro São Pedro nunca estaria a serviço de nenhum partido político, e esse problema era mostrado frequentemente na mídia regional e nacional. Jornais, na época, evidenciavam ao público a situação. O jornal Folha da Tarde, em um artigo de 4 de maio de 1977, destacou: Não há harmonia entre as verbas e a construção e depois: Obras continuam, mas Eva Sopher apela para que verbas sejam liberadas logo. O Jornal O Estado de São Paulo, em 1978, publicou: Quanto custa restaurar ruínas, apontando que o convênio entre o Estado e a União não andava pela falta de cumprimento por parte do Estado. A imprensa local também registrou o descaso público, apontando que o Governo Federal havia transferido o valor para o Estado repassar ao teatro, na ordem de mais de 26 milhões de cruzeiros, mas a o teatro não havia recebido o valor, denunciando haver má fé ou má vontade do titular da Secretaria da Cultura, Desporto e Turismo do estado (HOHLFELDT, 1991). 81

Em 1980, 80% das obras já haviam sido concluídas. Numa época em que não existiam leis de incentivo à cultura, as articulações políticas eram o foco das ações de Eva Sopher. Em 1981, a vinda do Ministro da Educação e Cultura, Rubim Ludwig, ao estado resolveu o problema da escassez de recursos, destinando um montante robusto para a conclusão onde

[...]o Ministro Golbery do Couto e Silva, e Amálise Geisel – ligada a FUNARTE – durante o governo Geisel, tiveram um papel importante nos primeiros repasses de Brasília, sendo que Geisel assinou o convênio original com o Estado do Rio Grande do Sul com este fito, após excelentes tratativas dirigidas e orientadas pelo então diretor do Instituto de Artes Cênicas, Orlando Miranda. (HOHLFELDT, 1991, p. 69).

Solidário com o problema, em 1983, o então governador do estado, Jair Soares, resolveu garantir verbas para a conclusão do teatro e perguntou à Eva Sopher sobre a demora da obra, identificando a necessidade de suprir o montante de 500 mil cruzeiros. (BUENO; MISKULIN, 2013, p.27). Tendo conhecimento dessa quantia, o governador resolveu selar seu compromisso de forma simbólica, destinando recursos da venda do livro sobre a história do Palácio Piratini para o teatro e no mesmo ano, em que se comemoravam os 123 anos do local, o Estado passou a destinar recursos provenientes das receitas da loteria estadual. Da mesma forma fizeram representantes da iniciativa privada, como empresários ligados à Federação das Associações Comerciais, também doaram valores ao local. Fazendo-se uma avaliação sobre esse contexto, pode-se ver que Eva Sopher convivia com dois principais entraves: a falta de verbas e o desinteresse demonstrado pelos gestores públicos. A luta por verbas foi o desafio permanente e, como tática, Eva Sopher envolvia a opinião pública sobre a importância de finalizar a reconstrução do local. Para isso, aproximou-se da mídia jornalística e envolveu-se com ações criativas e com tom crítico, para pressionar os administradores públicos a retomar a prioridade na área da cultura. A cultura, conforme sua visão, tinha que ser encarada como artigo de primeira necessidade e, como tal, a obrigatoriedade de se criar um mercado para vendê-la deveria ser feita por meio das entidades culturais, pois “[...] o artista não passa, no momento de sua apresentação, de uma mercadoria cuja aceitação depende do mercado, e de toda a publicidade que se possa fazer em torna dela.” (SOPHER apud HOHLFELDT, 1991, p. 144). 82

Entre as ações realizadas por Eva, nos anos 70 e início dos 80, para o teatro, pode-se destacar:  Pintura dos tapumes da obra por crianças de uma escola convidada, para chamar a atenção do público;  Solicitação para a comunidade que lhe fosse cedido qualquer documento, objeto ou traço relativos ao teatro;  Autorização para que a empresa Samrig divulgasse imagens do teatro num relatório de diretoria onde apareciam monumentos históricos;  Autorização para uma peça publicitária da Semana do Corretor de Imóveis divulgar imagem da fachada do prédio;  Pesquisa de opinião pública para a escolha da cor das poltronas e pano de boca de cena do local;  Evento em comemoração aos 120 anos do teatro, ao qual convidou algumas pessoas e a imprensa para reforçar a importância de receber recursos a nível federal;  Abertura das portas do teatro para visitações durante as obras, visando indiretamente chamar maior atenção do Governo Estadual;  Abertura do bar do teatro antes da reinauguração a fim de conseguir recursos para a obra por meio da locação do local;  Antecipação de recursos ao teatro pela empresa Coca-Cola pela exclusividade de venda do produto no bar;  Visitações formais de políticos e artistas;  Abertura do Foyer antes da reinauguração para apresentações de músicas e de peças teatrais, desfiles de moda, exposições, leilões de arte, entre outros;  Sorteio antecipado dos camarotes, poltronas e frisas para o público;  Produção de cartões postais e camisetas;  Encontros de teatro com produtores locais e do centro do país.

Todas essas ações, somadas aos repasses financeiros dos Governos Federal e Estadual surtiriam efeito sobre a finalização da obra, e depois de passados nove anos, no dia 28 de junho de 1984, o teatro pôde finalmente ser reinaugurado. A meta era ter um “[...] endereço cultural fixo, o ponto de referência, o marco de sua vida cultural, dirigido ao público e capaz de abrigar todos condignamente” tendo em vista 83

que a cidade tinha “[...] apenas teatros mais ou menos improvisados, salas adaptadas na maioria dos casos.” (HOHLFELDT, 1991, p. 145). Axt (2008) define o São Pedro como uma:

[...] pequena joia entre os modernos prédios da Assembleia e Palácio da Justiça, o Theatro São Pedro reconcilia aos porto-alegrenses, todos os dias, a cada espetáculo, com o seu passado. Ali se faz história. Ali Porto Alegre dialoga com o mundo. Ali, um pedacinho do mundo é acolhido em Porto Alegre... Administrado com esmero, sem que nenhum detalhe escape, da maçaneta polida ao veludo impecável e o chocolate quente no camarim, os artistas são recebidos com aconchego e respeito, por funcionários sempre atentos e amáveis. O público chega, noite após noite, abraçado com carinho, na recepção pela Dona Eva, que a todos saúda, sempre sorrindo (AXT, 2008, p. 86).

Levando em consideração todo o trabalho de Eva, uma longa jornada de captação de recursos foi feita até o local ser entregue para a população. De acordo com ela “[...] ninguém podia dar um centavo, em sendo para o Governo do Estado. A partir do momento em que nos tornamos Fundação autônoma, começamos um passo gigantesco em nossa obra.” (HOHLFELDT, 1991, p. 70). Depois desse passado conflituoso para equilibrar o orçamento, o futuro é que norteava o pensamento dos gestores para garantir as atividades culturais em andamento21.

3.3 O teatro e a gestão da Associação Amigos do Theatro São Pedro

Ponderando sobre a questão financeira, em 1984, Eva Sopher resolveu criar a Associação Amigos do Theatro São Pedro, com um grupo de 18 amigos22, com o propósito de dar suporte às atividades do teatro e garantir receita para gastos necessários que o Estado não cobria (SOUZA, 2018). Desse grupo faziam parte profissionais que tinham trabalhado no projeto de reconstrução23, amigos ligados à arte e ao teatro, professores da antiga escola de Belas Artes da Universidade

21 Depois do trabalho de reconstrução, Eva Sopher continuou na gestão do teatro. No entanto, no governo posterior, época do Governador Alceu Collares, a intenção era fazer com que Eva Sopher deixasse a gestão para fundir administrativamente a Fundação Teatro São Pedro, Ospa e Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (IGTF) (BUENO; MUSKULIN, 2013). 22 Os 18 amigos eram: Antonio Carlos Vasques de Castro, Eva Sopher, Henrique Anawaté, Ismael Geraldo Acunha Solé, Joaquim Paulo de Almeida Amorim, Léo Iolovitch, Luis Alberto d'Azevedo Aurvalle, Mafalda Volpe Veríssimo, Maria Cristina Zappoli Presser, Maria Isabel Locatelli, Paulo Brossard de Souza Pinto, Paulo do Couto e Silva, Paulo José da Rocha, Romualdo do C. Skowronsky, Susana Sondermann Espíndola, Warner Francisco Wohlfeil Netto, Wolfgang Klaus Sopher e Zuleika Rosa Guedes. 23 Como o engenheiro Ismael Geraldo Acunha Solé que até hoje faz parte do quadro de associados da Associação. Ele foi engenheiro responsável pela reconstrução do teatro e pela obra do Multipalco. 84

Federal do Rio Grande do Sul e pessoas da sociedade (MORAES, 2018). Os valores instituídos por Eva sinalizavam, já nessa época, que o respeito ao local e às pessoas devia prevalecer nas relações. Moraes recorda que Eva era

[...] uma pessoa que não se importava em abaixar e pegar o pedaço de papel, [...] puxar a orelha de algum frequentador caso estivesse botando o pé onde não devia. [...] ela não tinha muita preocupação com esse negócio EU SOU A DONA EVA e não vou fazer tal e tal coisa... era um exemplo permanente. (MORAES, 2018, grifo nosso).

Na sequência da criação da AATSP, em 1985, Eva resolveu criar também a Orquestra Sinfônica do Theatro São Pedro, em parceria com o Departamento de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi um projeto ambicioso que objetivava auxiliar no processo formativo dos músicos locais e oportunizar aos jovens estudantes espaço para suas apresentações (MORAES, 2018). A ideia da orquestra surgiu da

[...] inexistência de um conjunto instrumental onde os alunos pudessem adquirir experiência da prática de música em conjunto. A partir dessa constatação, idealizou-se uma forma de preencher essa lacuna, através da criação de uma orquestra de câmara... no final de 1984 surgiu uma possibilidade de vincular o projeto, através de convênio, ao então recém inaugurado Theatro São Pedro. A orquestra então passou a ser denominada Orquestra de Câmera Theatro São Pedro, cuja estreia oficial ocorreu em junho de 1985. (GUERCHFELD, 1989, p. 65-66).

Além dos concertos oficiais, a orquestra atua na apresentação de concertos – Concertos Oficiais, Concertos Banrisul para Juventude e Consertos Populares – além de óperas e balés, com um repertório que incluem música erudita e brasileira. Com esse propósito, a orquestra cumpre com suas metas que “[...] englobam o enriquecimento artístico através da erudição, o sincretismo musical no encontro do popular com o erudito, e a socialização da cultura na formação do público infanto- juvenil24”. A missão idealizada era transformar o teatro

[...] em uma casa receptiva, [...] em uma casa propositiva, uma casa de formação, e já estava apontado na gênese quando ela criou a Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro não para que fosse uma outra Orquestra de excelência, e essa sempre foi a briga com os maestros - porque de um modo geral o maestro quer a qualidade musical, que não é errado - mas o propósito primeiro da orquestra é servir de introdução para o novo músico,

24 Atualmente, a direção artística da OCTSP está sob a responsabilidade de Evandro Matté que, além de ser o maestro da orquestra, possui também qualificação em gestão empresarial. Disponível em: http://www.orquestratsp.com.br/a-octsp/historia/. Acessado em: 25 de out. 2019. 85

para o novo artista que vai se tornar profissional, [...] então é uma escola de formação, [...] uma orquestra de boas-vindas ao mundo profissional, [...] e aí ao longo da obra a ideia foi crescendo. (MORAES, 2018).

No início da gestão da AATSP, a entidade possuía uma equipe enxuta de trabalho resumida em apenas dois funcionários, uma secretária e um auxiliar de contabilidade, além de Eva Sopher, como gestora estratégica e operacional. Depois foi incorporado o pessoal da Fundação25, com o setor administrativo trabalhando no porão do teatro26 (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). Eva Sopher, não satisfeita com as condições no ambiente de trabalho, solicitou ao prefeito de Porto Alegre, Glênio Peres, um terreno bem ao lado do teatro para transferir a administração para lá. Essa área deveria ser uma permuta entre o estado e o município, no entanto em função de uma diferença de avaliação do valor das áreas o processo não andou como esperado. Nesse mesmo período, Eva solicitou ao município outro terreno encostado ao Arquivo Público, onde hoje é o estacionamento, que devia ser desapropriado por pertencer a herdeiros particulares. Dois espaços que somados ao já existente teatro expandiriam e transformariam a capacidade de oferta artística. Para ajudar a resolver esses problemas na esfera jurídica, Eva Sopher contou com o trabalho do colega José Roberto Diniz de Moraes que passou, em 1999, a integrar a equipe de trabalho com a incumbência de assessorar juridicamente a Associação27. Lembra Moraes, que o convite para trabalhar na Associação foi gratificante e meio assustador, pois

[...] a dona Eva eu já a conhecia meio lateralmente [...] conhecia a história dela como todo mundo maneja dentro da Cultura [...] mas trabalhar com gente que tem esse nome muitas vezes é um problema [...] lá sei eu como é a pessoa! Então eu vim para cá meio que de lado [...] Isso foi em abril de 99. Começamos a conversar e ela me demandou uma grande tarefa que não tinha uma grande coisa do ponto de vista jurídico: muitas ações trabalhistas. (MORAES, 2018).

Funcionário municipal do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, Moraes, músico e advogado por formação, apresenta em seu currículo o viés de seu conhecimento em termos de cultura espontânea, tradicionalismo gaúcho e cultura

25 Até hoje o funcionário Lauro, chefe dos serviços gerais, integra a equipe (MORAES, 2018). 26 Porão onde hoje funciona o Memorial. 27 Atualmente é o Presidente da Diretoria Executiva da AATSP. 86

musical. Com apenas 17 anos, foi o primeiro violinista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Figura 36). Figura 36 – Gestor da AATSP

Fonte: Moraes (2018).

No início, acreditava que o trabalho na assessoria jurídica seria desenvolvido dentro do horário de funcionamento do teatro, mas quando viu “[...] já estava trabalhando de domingo a domingo quase 24 horas [...]” recorda28. Em 2000, tanto o problema da permuta como o da desapropriação foram resolvidos, e as áreas foram legalmente agregadas ao teatro. Fazendo um balanço da articulação de Eva com os gestores públicos, pode- se destacar a atuação importante de quatro gestores estaduais e dois municipais no processo de implantação do complexo São Pedro. No campo municipal, o primeiro foi o Prefeito Glênio Peres, que cedeu as duas permutas de área em favor do teatro, e o segundo, o Prefeito Raul Ponte, que autorizou o uso de exploração de uma área junto ao Fórum Central para a Associação, visando a implantação de um estacionamento29. Essa última fez com que a Associação conseguisse aumentar suas receitas, uma vez que o quadro de associados, ainda, era pequeno e não

28 “nunca vou esquecer... meses depois [...] (ela disse) “Moraes vamos conversar lá na minha sala lá em cima no teatro” e o teatro tem um elevador antigo lá atrás [...] ele tem cara de antigo, mas não é, e eu me encaminhei pensando que ela fosse pegar o elevador e ela estava subindo as escadas (ela disse) “o senhor quer ir de elevador?” Não, não, e eu fui atrás dela” (MORAES, 2018, grifo nosso). 29Foi essa ação que fez com que a Associação tivesse a ideia de construir, primeiro, o estacionamento no complexo, a fim de obter um fluxo de receitas. 87

gerava recursos expressivos para o caixa da entidade. No campo estadual, o Governador Antônio Britto tomou duas atitudes fundamentais para o Multipalco: a criação de um concurso público30 para o desenvolvimento de um projeto para a obra do complexo e a elaboração do Decreto de desapropriação da ultima área particular ao entorno do teatro, implicando em negociações com a Prefeitura de Porto Alegre para a permuta da área. O projeto Multipalco venceu o concurso público, em 1997, e, ainda, em 1999, recebeu a Medalha de Ouro na categoria “Teatros para o Terceiro Milênio” do evento “Quadrienal de Arquitetura de Teatros e Cenografia”, realizado na cidade de Praga, na República Tcheca (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). Também merece destaque o Governador Olívio Dutra, que determinou o pagamento da desapropriação feita pelo governo Britto, e o Governador Germano Rigotto, que firmou contrato com o Banrisul para as obras do Multipalco (MORAES, 2018a). Neste contexto, Eva já mostrava interesse em expandir o local e construir o Multipalco, um espaço onde houvesse a possibilidade de ampliar os horizontes culturais. O projeto submetido ao concurso público serviu como ponto de partida para sua concretização e para isso, Eva começou a articulação a nível nacional e com algumas empresas para captar recursos com esse propósito. Empresas como Votorantim, Brasil Telecom, Gerdau e Vonpar se mostraram solidárias com a causa e doaram quantias ao teatro, da mesma forma que o governo estadual, via orçamento da Fundação, para construir um “Centro Cultural Theatro São Pedro”. No entanto, conforme Moraes (2018a), por “falta de vontade política”, a Secretaria da Fazenda do Estado não liberou os recursos, e as empresas privadas não puderam depositar seu apoio financeiro na conta da Fundação. A partir desse momento, conversando com Moraes, Eva decidiu um novo rumo em termos de gestão,

Ela disse assim: o que a gente pode fazer? Tudo que a senhora podia fazer está feito, agora depende de vontade política e de ter alguém que acredita realmente que isso aqui é importante. Mas então qual é a solução? (disse ela). Eu só vejo uma: a senhora começa a construção a partir da Associação Amigos do Theatro São Pedro. Tu acha que isso é a única solução? (ela disse). Eu vejo e não tem outra. Mas e aí tu faz isso acontecer? (ela disse). Se a senhora me aquecer as costas vamos lá, sou parceiro. (MORAES, 2018, grifo nosso).

30 Nesse mesmo concurso, mais dois projetos foram vencedores: o projeto para o Cais do Porto e o outro para a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. 88

Com esse objetivo em mente31, um projeto via AATSP foi elaborado por dois profissionais da área de captação, em 2001, para ser encaminhado ao Ministério da Cultura. A partir daí, a Associação se tornaria proponente de projeto e o submeteria aos organismos governamentais, conforme a lei de incentivo à cultura. Nesse momento, “[...] começamos a botar mãos à obra, isso é em março de 2003, no dia 27 de março de 2003, a gente começa a fisicamente a cavar o terreno. A essa altura do campeonato nós já tínhamos uma movimentação financeira significativa” (MORAES, 2018). O projeto Multipalco começou a nascer pelas empresas privadas via incentivo fiscal sem nenhuma verba pública32. O projeto passou a ser financiado, então, ou por incentivo fiscal ou por doação direta das empresas. Aprovado e deferido o projeto, em 2003, por parte do Ministério da Cultura, a Associação cresceu, conseguiu recursos e contratou mais pessoas, pois “[...] a obra faz com que a Associação ganhe uma dinâmica diferente que a distinguiu de todas as outras associações.” (MORAES, 2018). E é essa passagem que faz com que ela tenha reconhecimento, principalmente porque nesse período o Estado foi reduzindo, consideravelmente, o orçamento da Fundação. A busca por empresas parceiras que financiassem o projeto era não só interesse da gestão da Associação, mas também das próprias empresas, pois a projeção da marca no espaço construído serviria como indutora de marketing empresarial. Nesse contexto, a AATSP se destacou como gestora e como geradora de postos de trabalho33, “[...] passou a ter voz ativa, passando a ter uma administração compartilhada onde todos os funcionários terceirizados pagos pelo Estado passaram a ser funcionários da Associação” (MORAES, 2018). O complexo Multipalco compreende sete andares na área ao lado do teatro, [...] um dos raros edifícios que, para sair tu tem que subir; [...] estamos falando numa obra de 18 mil e 600 metros quadrados de área nova; o teatro São Pedro tem 5 mil, ou seja, alguém já disse em uma outra vez que nós criamos aqui um shopping cultural. Tudo isso para tornar o centro histórico um lugar mais habitável. [...] que cada um desfrute isso aqui como um local de estar. [...] local de lazer. [...] local de relacionamento, de integração com a comunidade. (MORAES, 2018).

31 Em 1999, o projeto Multipalco foi desenvolvido e encaminhado para um concurso público do Estado e foi contemplado, mas por uma questão burocrática o recurso não veio. 32 Com a exceção de um recurso federal que o Deputado Federal Sérgio Zambiase conseguiu, mas não muito significativo. 33 “[...] no governo Ieda Crusius, e até quase o final do governo Tarso Genro, a Associação respondeu por todos os recursos humanos da casa, à exceção dos 3 únicos funcionários que permanecem até hoje... que são os antigos do quadro.” (MORAES, 2018). 89

Com a obra, muitos espaços foram sendo delineados por necessidades e ideias que surgiam no transcurso do processo, como a necessidade de um espaço para atender à demanda de trabalho técnico dos engenheiros, arquitetos e trabalhadores da construção. A ideia era colocar um escritório dentro da obra com um container, mas como o custo era alto e havia espaço externo no pátio da obra foi improvisado um galpão, num local desocupado do pátio, ao lado do teatro onde fica uma paineira, de mais de 150 anos, tombada pelo município. O galpão inicialmente improvisado ficou como definitivo e até hoje faz parte da paisagem da área anexa. Ou seja, surgia aí o primeiro espaço do complexo Multipalco um “teatro galpão”:

[...] quando a gente tira administração da obra de dentro do galpão e traz aqui para obra mesmo, o que se perguntou foi o seguinte: vamos botar abaixo o galpão? Ninguém queria botar abaixo o galpão porque o galpão tinha se tornado um marco também da nossa história. (MORAES, 2018).

Na medida em que o local expandia sua área física, o interesse em novas ideias e práticas culturais crescia, e as necessidades e ambições foram se apresentando aos gestores: “nos damos conta de que tínhamos outros nichos que precisavam ser preenchidos”, recorda Moraes. Na área ambiental, o destaque do complexo foi a instalação de um eco-telhado no prédio onde funciona o restaurante. A ideia surgiu durante a obra de reconstrução na área externa do multipalco, quando os gestores decidiram estender o conceito para outras estruturas da obra e decidiram duplicar a rede hidráulica para trabalhar com a água da chuva captada no telhado do teatro. Dessa ação derivou-se, posteriormente, a colocação de placas de captação de energia solar, de sistema de ar movido a gás, já que o bairro tem gás encanado, objetivando fazer com que o São Pedro continue a existir por mais outros 160 anos e para tornar o Centro Histórico um lugar mais habitável para que cada um

[...] desfrute isso aqui como um local de estar, [...] local de lazer, [...] local de relacionamento, de integração com a comunidade;; [...] ao longo do tempo nós estendemos a ambição; [...] hoje a ambição dentro dessa proposta de inserção sócio-educativa: nós temos um leque de atividades que começa a descoberta de jovens de 7 a 14 anos que a gente traz pra cá duas vezes por semana e que são pinçadas das escolas da periferia da cidade; até a discussão de psicólogos e psiquiatras que vêm aqui discutir Freud e os Escritores, [...] fazendo uma interpretação de texto [...] a importância da ambição da dona Eva, que foi crescendo e foi incorporando coisas [...] que não estavam pensadas. (MORAES, 2018).

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Por ser um patrimônio, o teatro tem como desafio “[...] encontrar o ponto de equilíbrio entre essas forças, ou seja, construir a sustentabilidade econômica e socioambiental da preservação.” (ARANTES, 2006, p. 432). Mais tarde, a postura com propostas de inserção sócio-educativa também foi se consolidando no espaço do teatro, como o Projeto Associação Sol Maior34. Esse projeto surgiu em 2007, e até hoje faz parte da rotina do complexo, visando promover educação musical para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social oferecendo aulas de violão, cavaquinho, bandolim, teclado, flauta, percussão e bateria, além de canto coral e dança. O teatro cede espaço dentro de seu complexo, mais especificamente no Centro Cultural Refap (Figuras 37 e 38), composto por cinco salas de oficinas, onde duas vezes por semana uma equipe de professores de música, todos com formação superior, ensinam os alunos selecionados e, a cada final de ano, o teatro cede o palco principal para suas apresentações. Dada essa parceria, valores como inclusão, confiança, respeito, solidariedade, cidadania, disciplina e responsabilidade transformam a realidade social de alunos carentes em novas perspectivas humanas e profissionais.

Figura 37 - Alunos na aula de violão Figura 38 - Alunos na aula de canto

Fonte: Theatro São Pedro (2018). Fonte: Theatro São Pedro (2018).

Nos últimos anos, o local também atuou em ações coletivas, participativas e sustentáveis, para a comunidade ao entorno, com a promoção de feiras ao ar livre na praça do complexo, oferecendo bazar, brique, moda, música, gastronomia e

34 O projeto Sol Maior foi iniciado por Maria Teresa Campos e Cesar Franarin, tendo como sede a Fundação Pão dos Pobres. Disponível em: http://www.solmaior.org.br. Acesso em: 4 de jun. 2018. 91

espaço infantil.35 O incentivo à introdução de novos hábitos na programação artística também foi sendo construído e efetivado, por meio dos quais projetos musicais ganharam espaço como o Musical Évora oferecendo, uma vez por semana, apresentações ao vivo de músicos nacionais e internacionais de estilo erudito, MPB, choro e Jazz, e de forma gratuita.36 O musical Mistura Fina também outro exemplo, propõe reunir diversas linguagens no palco do Foyer Nobre com apresentações de música, ao final da tarde, no formato de happy hour, uma vez por semana, convidando músicos locais e do interior e de estilos musicais ecléticos. Diante dessa nova perspectiva, ampliou-se o olhar para que outras bandeiras pudessem constituir o foco de ação do teatro, potencializando o desenvolvimento cultural, educacional e ambiental.

3.3.1 A rotina financeira da Associação Amigos do Theatro São Pedro

Na medida em que se consolidava a expansão do local, aumentava a necessidade de se ter um processo de gestão mais eficiente em face do controle e do acompanhamento das informações orçamentárias, técnicas e administrativas, já que a Associação37, periodicamente, tinha o dever de encaminhar informações de acompanhamento técnico aos órgãos governamentais. Diante desse novo contexto, agregou-se à equipe de trabalho, em 2004, como gerente geral da entidade, Ivonete Souza38, pessoa que instituiu um novo modelo administrativo até então inexistente na entidade (Figura 39). Formada em Administração de Empresas, com MBA em Finanças Empresariais, colocou em prática os processos gerenciais prioritários para dinamizar a rotina diária de informações, coleta de dados e relatórios. Primeira providência que a nova gestora tomou quando assumiu foi elaborar uma radiografia da instituição a partir dos dados disponíveis para poder entender em que condições se apresentavam os arquivos da documentação, as carências dos setores e as condições de infraestrutura do complexo.

35 Todo mês são divulgadas, antecipadamente, as datas e as atividades culturais das feiras. Disponível em: http://www.teatrosaopedro.com.br/eventos/feira-multipalco-rs/. Acesso em: 8 mar. 2019. 36 O projeto Musical Évora e o Mistura Fina são projetos patrocinados por empresas privadas mediante apoio da lei de incentivo cultural do Estado, assunto do capítulo 4. 37 Conforme a Lei 9.186/90, a Associação tem que investir 70% de suas receitas no teatro, enquanto os outros 30% são flexíveis. No entanto, na prática a AATSP investe 100% no teatro. 38Colaboradora há mais de 15 anos na Associação e até hoje presente no quadro funcional. 92

Figura 39: Gestora da AATSP

Fonte: Souza (2018).

No final de 2004, a equipe somava ao todo doze profissionais, sendo quatro técnicos de palco, dois de bilheteria, dois de atendimento aos associados, três do administrativo e um de zeladoria. Nesse período, o cenário de trabalho era de condições físicas inadequadas, exaustão dos funcionários pelas horas de trabalho em demasia, falta de controle gerencial, falta de equipamentos e de sistemas que pudessem dar conta dos serviços realizados, insatisfação quanto a falta de planejamento de cargos, o que contribuía, também, para a insatisfação geral (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). Para melhorar o ambiente de trabalho, a partir de 2007, ações foram desenvolvidas, a partir do levantamento dos problemas, nas áreas de recursos humanos, contabilidade e financeiro, estrutura de TI, sistemas de segurança, estrutura física e Multipalco. Com relação aos recursos humanos, foi feito um diagnóstico com os funcionários, a partir de entrevistas individuais, para identificar as causas das insatisfações quanto ao nível salarial, funções, habilidades e competências das equipes, objetivando construir um Plano de Cargos e Salários, inclusive para os profissionais atuantes no Multipalco, e aprimoramento anual desse plano. Os problemas apontados foram: fadiga entre os funcionários, devido a longas jornadas de trabalho, horários não fixos, desgaste na montagem e na desmontagem das estruturas dos espetáculos, custos altos com horas extras. 93

Como forma de equacionar os problemas, ações foram adotadas39:  Para os espetáculos para os quais as produtoras ficaram limitadas a um número mínimo de horas, evitaram-se as montagens no período noturno, além de cobrança maior nas montagens nas madrugadas;  Para as jornadas de trabalho exaustivas, foi instituído um sistema compensatório de banco de horas de, no máximo, duas horas por dia. Isso reduziu os custos de Rh e a fadiga;  Os salários foram readequados conforme o mercado, equiparando os salários entre funcionários que atuavam nas mesmas funções;  Foram oportunizadas condições estruturais necessárias para os funcionários desenvolverem mais adequadamente seu trabalho. Para isso, foram adquiridos equipamentos, houve a renovação de sistemas informatizados e de iluminação; cadeiras, mesas e EPI’s foram comprados;  Entre as novas rotinas, foram instituídas reuniões semanais com os gestores executivos sobre assuntos mais relevantes.

Diante dessas alterações, o comprometimento das equipes cresceu. Com o tempo, a equipe foi aumentando face às novas atividades advindas das instalações do complexo, exigindo maior capacidade de recursos, pois “[...] o teatro tem peculiaridades. Ele funciona de segunda a segunda... então as equipes não podem trabalhar à exaustão; tem que ter equipes para suprir as necessidades na quantidade de programação.” (SOUZA, 2018). Para isso, a Associação tornou-se parceira da Fundação, mediante um contrato, cedendo o pessoal técnico e de apoio e, em contrapartida, o Estado repassaria para a Associação parte dos gastos com esse pessoal, ou seja, “[...] um contrato de cessão de mão de obra [...] como se fosse uma terceirizada, mas não.” (SOUZA, 2018). Em 2007, a AATSP firmou contrato com a FTSP para organizar mais adequadamente a equipe de trabalho, e o pessoal de apoio operacional terceirizado da FTSP ficou sob a responsabilidade da AATSP, juntamente com outros custos operacionais e administrativos. Pelo fato de a Associação não ser uma empresa terceirizada e ser isenta de cobrança de taxas e impostos, essa modalidade de contrato mostrou-se vantajosa para o Estado, amenizando as despesas com as

39 Conforme relatório de gestão condensado da AATSP de 2000 a 2015. 94

ações trabalhistas que lhe cabiam. Com custos maiores sobre a folha de pagamento, a ação da AATSP foi a de aumentar suas receitas por meio da arrecadação das mensalidades pagas pelos associados e finalizar a obra do estacionamento do complexo. Entre 2007 e 2015, a Associação pagou sozinha pelo incremento de pessoal para fazer face às novas demandas estruturais que o complexo exigia. Nesse período, a questão era encontrar mecanismos para aumentar as receitas, para pagar as causas trabalhistas antigas e ter uma reserva de liquidez de precaução (SOUZA, 2018). A Associação tem sob sua responsabilidade o pessoal administrativo e operacional, a programação, a comunicação, os departamentos financeiro, de compras, contábil e de recursos humanos, ou seja, o pessoal mais especializado e técnico é pago pela Associação. Como alguns quadros estavam em extinção, em 2015 foi feito um novo contrato entre AATSP e a Fundação para que a Associação cedesse os profissionais para a Fundação. Atualmente, a Fundação tem na gestão apenas um diretor, pois os outros funcionários da Fundação são cedidos pela Associação por contrato. A Associação possui duas folhas de pagamento quase equivalentes para pagar tanto o pessoal de apoio quanto o pessoal técnico - com grau de formação mais qualificado (SOUZA, 2018). Hoje, a AATSP conta com aproximadamente 50 pessoas distribuídas em equipes: seis técnicos de palco, três na bilheteria, dois no atendimento ao associado, cinco no administrativo geral, um na comunicação, dois na programação/área artística, um operacional, sete no estacionamento, dez nos serviços gerais, um no camarim, cinco na portaria, um recepcionista/telefonista, nove recepcionistas entre o teatro e o memorial, um na manutenção e um contínuo. No entanto, não é papel da Associação

[...] prover o quadro de funcionários terceirizados e técnicos, como vem acontecendo; que o objetivo maior é agregar valor cultural, viabilizando somente os projetos e eventos para o Theatro São Pedro, o que a Associação já vem fazendo. (RIO GRANDE DO SUL, 2016b, p. 2).

Pelo fato de os repasses do Estado para a Fundação nem sempre ocorrerem continuamente, o foco era encontrar estratégias viáveis para manter as portas abertas, como a adoção de mudanças nas rotinas de funcionamento do teatro40

40 O Memorial funcionou, assim, por um período, abrindo apenas duas horas antes das apresentações. 95

(SOUZA, 2018). O Estado repassava quando havia recursos disponíveis, e o atraso no pagamento do pessoal de apoio acontecia frequentemente. Para cobrir essas diferenças, de valores devidos e não pagos, a Fundação teve que solicitar uma suplementação de verba para a Assembleia Legislativa, ou seja, havia uma constante preocupação por parte dos gestores, pois “[...] se não acontece essa suplementação nós temos que rescindir todo contrato do pessoal que é terceirizado para eles porque nós não vamos ter mais condições de manter o teatro aberto.” (SOUZA, 2018). Com relação ao departamento contábil, a operacionalização inicial ocorria pela elaboração de relatórios específicos, em que apenas a aplicação dos recursos era evidenciada no documento. Uma única funcionária, não especializada na área contábil, fazia a operacionalização entre o setor administrativo e o financeiro, e elaborava a apresentação das contas de forma inadequada. Não havia relatórios gerenciais financeiros, nem contador responsável pelas apurações contábeis, nem mesmo planejamento. A prestação de contas era feita com a apresentação apenas das notas fiscais, algumas produtoras deviam locações e custos extras, e a tele- entrega de ingressos congestionava as linhas telefônicas, o que resultava num prejuízo financeiro maior (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). Para sanar essas dificuldades, a contratação de uma contabilidade externa foi a solução encontrada, uma vez que a regularização contábil devia ocorrer o quanto antes. Problemas com atrasos de pagamentos devidos à previdência social e ao FGTS, entre outros, foram detectados. A solução para isso foi o parcelamento da dívida junto à Previdência Social. Foram elaborados relatórios mensais de prestação de contas junto aos órgãos do governo. Os livros contábeis, desde 2003, começaram a ter consistência contábil e ficaram permanentemente à disposição junto ao departamento financeiro. Hoje, toda a contabilidade é feita internamente pela AATSP, gerando um fluxo maior de integração entre os setores, diminuindo erros e possibilitando elaborar planejamentos estratégicos mais eficientes. Quanto ao setor financeiro, desde 2004 foram organizados os processos relativos aos relatórios contábeis e elaborada uma metodologia financeira específica para atender à dinâmica orçamentária e financeira. Em 2011, a rotina do setor passou a ser elemento prioritário a ser acompanhado pelos gestores, fazendo com que o uso de relatórios de gestão se tornassem mais frequentes, bem como a 96

elaboração de planejamentos estratégicos anuais. A capacidade de projeção da realidade, a partir daí, começa a se tornar um instrumento importante no processo por meio da elaboração de cenários e premissas como forma de garantir um fluxo previsível de gastos e receitas. Ao final de cada período, uma análise do planejamento permite apontar os fatores que se distanciaram e os que se aproximaram do planejado e do efetivado (SOUZA, 2018). Com novos processos pode-se atestar a evolução das receitas pela oferta de serviço de estacionamento, realização de eventos fechados, cobranças, mensalidades de sócios e tele-entrega de ingressos (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). Com relação à infraestrutura de TI, ao longo do tempo, com o crescimento da AATSP, a urgência em investir em inovações de processos e de TI foi necessária, pois seus sistemas foram ficando obsoletos. O sistema de ponto a ponto de sua rede, ao mesmo tempo que permitia acesso dos funcionários à internet, deixava os fios aparentes, comprometendo a segurança do local. A única copiadora existente era antiga, fora da rede e exigia manutenção frequente. Na área administrativa, a rede local funcionava ponto a ponto sem servidor, não se fazia backup dos documentos, e muitas informações se perdiam devido às falhas nos equipamentos. Na bilheteria havia um servidor, mas esse atendia às demandas específicas do local, ou seja, as informações ficavam armazenadas unicamente nele e sem programação de backup. (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). Em 2005, para resolver esses problemas de estrutura, foi feito um investimento em equipamentos tecnologicamente mais avançados, integrando os departamentos que começaram a operar em rede por meio de um servidor. Com isso, o processo de realização de backups dos documentos foi possível, e a perda de arquivos, por falhas dos equipamentos, foi solucionada. Hoje, a AATSP possui três servidores físicos e dois virtuais e três computadores modernos equipados com softwares que permitem aumentar a segurança dos backups. Um deles atende à bilheteria, outro armazena o acervo histórico digital e outro atende aos arquivos da administração, realizando backup diariamente. A estrutura conta ainda com rede estabilizada com nobreaks, três switches e trinta máquinas interligadas. Há ainda copiadora multifuncional, impressora para emissão de relatórios e borderôs das produtoras. Foram adquiridos 3 notebooks e monitores e um relógio ponto No que diz respeito a software foram investidos recursos significativos para aumentar e dar agilidade aos sistemas, pois eram arcaicos e não atendiam às 97

necessidades da instituição. Na bilheteria, até 2005 rodava um sistema em DOS e rede novel, comprometendo a funcionalidade dos relatórios do fluxo de caixa, caso aparecesse alguma inconsistência contábil. Nesse sentido, foi feito investimento num servidor de rede mais avançado, o Windows Server 2008 R2, com funcionalidades de proteção antivírus no hardware e no software, proteção contra invasão, compactador de arquivos e assistência remota via internet. Foram desenvolvidos três novos sistemas para otimizar os serviços: o primeiro foi direcionado para a bilheteria, melhorando a integração de consultas ao banco de dados e o atendimento e possibilitando a impressão de relatórios gerenciais; o segundo para o estacionamento; e o terceiro, para o sistema financeiro, implantado em 2010, contemplando também módulos específicos para a prestação de contas, para os setores contábil, de recursos humanos e de estoques. Já para o meio de comunicação foi criado um portal na internet, incluindo o teatro e o complexo onde o público consegue maior interação por meio de informações quanto à programação cultural, compra de ingressos, envio de comentários, fotos da obra de restauração e da história do teatro e links diversos Com relação à segurança do local, no início o serviço de portaria era realizado de dia apenas, não havia vigilância noturna, ou seja, não havia segurança 24 horas nem sistema de alarme ou circuito interno de TV, e o pessoal de front-office não usava vestuário adequado que permitisse a identificação de funcionários do local. Com o término da primeira etapa do Multipalco foi firmado contrato como uma empresa de vigilância para haver portaria 24 horas, rondas noturnas e monitoramento de alarmes com nova central, o que beneficiou também o estacionamento com circuito interno de TV. Esse movimento reduziu problemas com a circulação de pessoas não autorizadas na área e facilitou a identificação visual (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). Quanto à estrutura física, quando o TSP foi reinaugurado, em 1984, não houve previsão para a instalação dos setores administrativos e técnicos, por isso, estes tiveram de ser alocados no antigo porão do teatro. As instalações iniciais eram precárias em termos de energia elétrica, e não havia vestiários para funcionários de apoio técnico e de manutenção; nem tampouco existia refeitório para os funcionários que atendiam o restaurante e a cafeteria, que se localizavam sob a escadaria de acesso lateral do prédio. Assim, em 2007, o setor administrativo foi realocado para outro espaço, onde hoje é o memorial do teatro, e foram feitos locais específicos 98

para refeitório, oficina e cozinha. Um dos camarins foi adequado para instalar uma Central de Processamento de Dados. A bilheteria foi reformada, e a iluminação foi melhorada. A partir de 2011, a administração geral foi instalada no 3º andar do Multipalco. A cafeteria do teatro foi reformada, e foi possível instalar um restaurante quando a laje superior do complexo foi finalizada (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). No início do Projeto Multipalco, os problemas enfrentados pela AATSP foram atribuídos a uma série de fatores: recursos restritos para a formação de uma equipe técnica qualificada que trabalhasse com remuneração simbólica; equipe do teatro pequena e sem conhecimento técnico para administrar um projeto de grande dimensão; restrição de captação de recursos41; falta de documentos fiscais e de controle financeiro; fluxos de caixa atuais e projetados inconsistentes; documentação confusa com relação à prestação de contas e cópias de documentos encaminhados aos órgãos públicos; e dificuldades de conseguir crédito junto a fornecedores. Passado esse período, hoje o projeto está regularizado, a documentação foi organizada e os documentos são encaminhados com frequência para as entidades governamentais. Apesar de o número de associados no momento da criação da Associação fosse de apenas 18 amigos, ao longo do tempo, a curva de adesão foi crescendo, e o nível de inadimplência, que antes era na ordem de 30%, hoje está em 10%, chegando em 2018 a ter 1.205 associados. A Tabela 5 mostra o crescimento anual dos associados: Tabela 5 – Número de associados da AATSP, 1984/2018 Anos Associados 1984 18 2000 700 2011 825 2012 1.056 2013 1.047 2014 1.094 2015 1.151 2016 1.134 2017 1.155 2018 1.205 Fonte: Souza (2018); AATPS (2015b; 2015c)

41 Em 2004, o Conselho Estadual de Cultura deixou de aprovar a captação de novos recursos por questões de entendimento político-administrativo. 99

Isto demonstra que, [...] o que move o associado e que fideliza é o fato dele saber que nós estamos mantendo o teatro aberto e que a gente está colocando coisas novas e que são importantes para o estado... Se considerar que os associados que frequentam são pouco mais de 150 e que o teatro tem capacidade para 650 lugares, ou seja, que não há lugar para todos caso todos comparecessem, a pergunta que vem é: o que faz com que as pessoas tenham essa fidelidade? (MORAES, 2018a).

Para Moraes, a explicação reside no fato de que,

[...] as pessoas veem as coisas sendo feitas e veem que o seu dinheiro está bem aplicado [...] tu não vai encontrar nenhuma dívida [...] não vai encontrar absolutamente nada e a gente exige de todos os nossos fornecedores a consideração a marca do teatro São Pedro tem importante para todo mundo; [...] então quer dizer é um privilégio e essa talvez a herança maior que a dona Eva nos deixa como equipe o comprometimento com a causa [...], comprometimento com o trabalho, isso é uma coisa importante para o estado, que isso é um serviço público. (MORAES, 2018).

Como forma de incentivar os associados a estreitar relações com o complexo, diversos benefícios lhes foram oferecidos, como pagamentos de ingressos com descontos, reserva de até dois ingressos por apresentação para cada membro, recebimento da divulgação mensal da programação, tele-entrega de ingressos, desconto no estacionamento do Multipalco e em estabelecimentos parceiros como restaurantes, livrarias e serviços de saúde42. Além dessas vantagens, campanhas na mídia para a captação de novos associados são feitas utilizando artistas e produtoras de vídeos, como explica Ivonete:

[...] existe uma força-tarefa aí por trás que é do nosso pessoal e desses parceiros. [...] a mídia também entra nessa parceria porque nós não pagamos mídia. A gente vai para os veículos de comunicação e pede o apoio deles para a divulgação das campanhas. (SOUZA, 2018).

As empresas de comunicação e mídia realizam o trabalho sem ônus para a Associação pelo respeito ao trabalho desenvolvido por Eva Sopher; uma credibilidade vinculada ao fato de que não há

[...] como dissociar o teatro, a dona Eva, [...] e vai continuar sendo por muitos anos e nós temos que honrar isso. Como diz o Moraes: nós não contratamos coisas que não podemos pagar, então a nossa credibilidade com fornecedores, com parceiros é muito, muito grande. [...] nós nunca ficamos devendo nada para ninguém. (SOUZA, 2018).

42 Atualmente o valor mensal cobrado para ser associado é de R$ 65,00. Disponível em: http://www.teatrosaopedro.com.br/aatsp/beneficios/. Acessado em: 30 ou. 2019. 100

Pelo fato de o Estado não repassar recursos suficientes, e mesmo adotando mecanismos de controle financeiro, a preocupação dos gestores com o futuro do complexo persiste. De que forma a Associação pode sobreviver no longo prazo e como continuar o trabalho de Eva, são questionamentos que conduzem à adoção de novas ideias e práticas na entidade, principalmente após seu falecimento em 2018, que fragmentou os paradigmas de administração exercidos nos últimos 15 anos entre a Associação e a Fundação, fazendo com que os gestores passem

[...] o tempo todo em reduzir despesas e aumentar receitas. Só que tem despesas que tu não tem como reduzir. Tem despesas que são investimentos, [...] pessoal, [...] essa é uma instituição de serviços como qualquer instituição de serviços; vai ter sempre custo elevadíssimo de pessoal. O teatro não funciona sem equipe técnica de palco, não funciona sem bilheteria, não funciona sem produtores, não funciona sem pessoal na programação artística, não funciona sem o pessoal no designer, na imprensa, então são diversos setores: receptivo noturno, receptivo diurno, portaria. (SOUZA, 2018).

Diante desses dilemas, os gestores começaram a delinear soluções para contornar os problemas orçamentários e diminuir o impacto da própria conjuntura econômica do país, que fez diminuir o poder de compra da população ao longo dos anos. Por mais que exista um colchão de liquidez para equilibrar eventuais déficits, outras estratégias já fazem parte dos pensamentos dos gestores. As estratégias fundamentais da Associação seriam:  Captar patrocinadores;  Redefinir o quadro de colaboradores da Associação;  Repensar a programação, pois as metas do estado não coincidem com os recursos da Associação;  Ter uma nova linha de receitas como vendas on-line43;  Oferecer venda on-line de estacionamento e colocação de cancelas para maior controle do fluxo de veículos;  Tornar-se uma OSCIP - Organização Social de Interesse Público - para aumentar a segurança do orçamento 44”;

43 A Associação se tornou operadora on-line, o que diminuiu os custos com a contratação de uma empresa externa (SOUZA, 2018). 44 Lei no 12.901, de 11 de janeiro de 2008, do Rio Grande do Sul regula a relação entre poder público e sociedade dando garantia jurídica as entidades que comprovem execução de atividades culturais de interesse público, entre outras áreas. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/arquivos/12.901.pdf. Acessado em: 8 dez.2018. 101

 Captar novos associados e ex-associados por meio de uma parceria com uma empresa de comunicação, com o objetivo de atualizar o cadastro dos associados. Hoje não se tem um perfil que possa servir de insumo para a tomada de decisão dos gestores, uma vez que se limita a nome, e-mail, endereço, profissão, telefone e CPF;  Criar uma nova fonte de renda como um fundo financeiro, via BNDES, para instituições culturais obterem recursos para seus projetos. Nessa modalidade, as instituições só podem mexer no valor nominal sobre os rendimentos das aplicações até 5%, e com o tempo o fundo cresce com o aumento das arrecadações45;  Construir um palco a céu aberto na área ao lado do restaurante para apresentações culturais ou happy hours numa concepção similar aos rooftops de Nova York, lugar para integrar pessoas em um ambiente seguro no centro de Porto Alegre;  Ter um teatro circense acrobático, bem como uma sala para um corpo de baile. No primeiro caso, já existe uma sala adaptada, mas não totalmente pronta.

Ou seja, são ações orçamentárias e culturais que envolvem o estreitamento das relações com o Estado e parcerias privadas, bem como decisões próprias da gestão da Associação. O Theatro São Pedro é uma das poucas instituições públicas que consegue prestar serviços de qualidade mediante um Estado falido e sucateado devido aos aportes financeiros que a Associação consegue pelas contribuições privadas e pela exploração das áreas dos prédios do Theatro e Multipalco (RIO GRANDE DO SUL, 2015b).

3.3.2 A estrutura da Associação Amigos do Theatro São Pedro

Caracterizada como uma instituição de promoção cultural e artística sem fins

45 O mecanismo funciona como “[...] uma empresa, tem que ter um conselho consultivo e investidores que vão fazer todas as aplicações. E eu tenho que fazer todas as campanhas de arrecadação do fundo como se ele fosse um projeto... em contrapartida o BNDES faz um aporte... vai ficar aplicado e não podemos mexer e fazemos uma campanha para as pessoas físicas doarem... o fundo não deixa de existir nunca. A instituição pode deixar de existir. O fundo, não. Se a instituição deixar de existir, o fundo vai ter que ser direcionado para outra instituição da mesma categoria e do mesmo segmento [...]” (SOUZA, 2018). 102

lucrativos, a Associação Amigos do Theatro São Pedro foi criada com a finalidade de apoiar as atividades afins da Fundação Teatro São Pedro por meio da captação de recursos financeiros junto a pessoas, naturais ou jurídicas, públicas ou privadas, associadas ou não, para a execução de projetos, programas ou plano de ações relativos ao teatro (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO TEATRO SÃO PEDRO, 2010). Com esse propósito, o modelo de gestão do teatro passou a ser híbrido: iniciativa pública, via Fundação, e privada, via Associação, cada uma com estruturas organizacionais distintas. A Associação gerencia os recursos vindos do Estado, além de suas próprias rendas (Figura 40).

Figura 40: Modelo de gestão híbrido

Fundação Teatro Associação São Pedro Amigos do Theatro São Pedro (FTPS) (AATSP)

THEATRO SÃO PEDRO E MULTIPALCO

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

Sendo uma Associação, sua estrutura organizacional está subdividida em quatro órgãos: Assembleia Geral, Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal e Diretoria Executiva (Diretoria Administrativa e Diretoria Financeira) tendo, cada uma, competências bem definidas (Quadro 1)46.

46 Faz parte, atualmente, como Presidente da AATSP, José Roberto Diniz de Moraes e como Presidente da FTSP, Antônio Hohlfeldt. A composição atual dos representantes da AATSP é: na Diretoria Executiva o Presidente, José Roberto Diniz de Moraes, e o Vice-presidente, Luiz Osvaldo Leite; na Diretora Financeira integra Eleonora Maria Guimarães de Oliveira Rizzo e na Diretoria Administrativa Margit Steiner Lamachia. No Conselho Fiscal, integram como titulares, André Constante Blonski, Ottomar Vontobel e um representante da FTSP; e como suplentes, Alice Inês Lorenzi Urbim e João Antônio Pires Porto. O Conselho Deliberativo é composto pelos Conselheiros Fundadores: Eva Sopher, Ismael Geraldo Acunha Solé, Luis Alberto d’Azevedo Aurvalle, Maria Isabel Locatelli, Paulo José da Rocha, Romualdo do C. Skowronsky e Zuleika Rosa Guedes; pelos Conselheiros Natos: Presidente da AATSP e Presidente da FTSP; e pelos Conselheiros Eleitos, Lúcia Helena Massa Veríssimo, Paulo D’Arrigo Vellinho e Olívio de Oliveira Dutra. Na Presidência do Conselho está Paulo José da Rocha, na Vice-presidência, Lúcia Helena Massa Veríssimo, e na Secretaria, Ismael Geraldo Acunha Solé. Disponível em: http://www.teatrosaopedro.com.br/aatsp/diretoria/. Acessado em: 18 set. 2019

103

Quadro 1 - Órgãos e competências da AATSP Estrutura Competências Ordinária (Realizada anualmente no mês de março): a) eleger os membros e suplentes do Conselho Deliberativo e Fiscal; b) examinar e julgar o relatório e a prestação de contas da Diretoria, acompanhados do parecer do Conselho Fiscal; c) reformar o estatuto, mediante 2/3 dos presentes; d) deliberar sobre a extinção da Associação. Geral Extraordinária (Feita pelos Presidentes da Diretoria Executiva Assembleia Geral e do Conselho Deliberativo, pelo Conselho Fiscal ou pelo menos 1/5 dos associados): a) eleger os membros e suplentes do Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal, caso não tenham sido convocados ainda em Assembleia Ordinária; b) destituir os membros do Conselho Deliberativo, Diretoria Executiva e Conselho Fiscal; c) reformar o estatuto; d) deliberar sobre qualquer assunto de urgência; e) deliberar sobre a extinção da Fundação. A Assembleia se reúne uma vez por ano. a) eleger e dar posse ao Presidente, Vice-Presidente e Secretário; b) eleger e dar posse aos membros da Diretoria Executiva; c) dar posse aos membros dos Conselhos Deliberativo e Fiscal; d) examinar a proposta de programação anual da Associação; e) estabelecer orientação geral para atuação da Associação; Conselho Deliberativo f) emitir ordens normativas para funcionamento interno da Associação; g) deliberar sobre a aquisição, alienação, permuta ou hipoteca de bens patrimoniais; h) propor a reforma do estatuto; i) decidir sobre a extinção da Associação; j) deliberar sobre qualquer matéria; k) resolver os casos omissos. O Conselho se reúne uma vez por semestre. a) acompanhar a gestão da Diretoria, por meio do exame dos relatórios e balancetes; b) emitir parecer sobre as contas e relatório anual financeiro e contábil, operações patrimoniais e execução de programas; Conselho Fiscal c) requisitar documentação comprobatória das operações econômico-financeiras; d) convocar Assembleia Geral Extraordinária. O Conselho se reúne ao fim de cada semestre. a) realizar as finalidades da associação; b) elaborar e apresentar ao Conselho Deliberativo a programação anual das atividades; c) cumprir as deliberações da Assembleia Geral e do Conselho Deliberativo; d) elaborar para apreciação da Assembleia Geral o relatório e a Diretoria Executiva prestação de contas anual das atividades; e) aprovar a admissão de novos associados; f) praticar atos de livre gestão e resolver as questões de interesse da Associação; g) fixar anualmente as contribuições dos associados; h) contratar e demitir funcionários; i) emitir ordens executivas para disciplinar o funcionamento interno da associação. Fonte: AATSP (2010).

104

Nas Assembleias Gerais, somente o associado que estiver quite com a contribuição e que já tiver um ano de contribuição pode participar, votar e ser votado, e são nessas reuniões que todos os associados recebem informações do funcionamento geral das decisões dos gestores. O Conselho Fiscal é composto por um representante da Fundação e de membros eleitos que deliberam acerca do funcionamento do teatro (Figura 41). Os membros são classificados como permanentes, associados fundadores da Associação; natos, Presidente da Associação e Presidente da Fundação; e eleitos, associados eleitos pela Assembleia Geral. ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO TEATRO SÃO PEDRO, 2010).

Figura 41 - Estrutura do Conselho Fiscal da AATSP

Fonte: Elaborado pela autora, conforme AATSP (2010).

A Diretoria Executiva integra as Diretorias Administrativa e Financeira, além do Presidente e do Vice-Presidente. Conforme o Quadro 2, observam-se as competências de cada um, destacando que cabe ao Diretor Financeiro apresentar “semestralmente, o relatório sobre a situação financeira da entidade” e preparar “o relatório e a prestação de contas contendo as demonstrações do desempenho financeiro e contábil das operações patrimoniais realizadas e da execução dos programas” (ASSOCIAÇÃO, 2010, p. 10). Como competências da Diretoria Executiva, temos no Quadro 2:

Quadro 2 - Diretoria Executiva da AATSP Estrutura Competências

Diretor Administrativo a) assessorar o Presidente e executar as tarefas que lhe forem atribuídas; b) promover as decisões emanadas da Diretoria; c) lavrar e assinar as atas das reuniões. Diretor Financeiro a) efetuar pagamentos aprovados pelo Presidente; Diretores b) assinar, juntamente com o Presidente, cheques, documentos ou títulos; c) apresentar, semestralmente, o relatório sobre a situação financeira da entidade; 105

Quadro 2 - Diretoria Executiva da AATSP Estrutura Competências

d) zelar pela regularidade da escrituração contábil e promover a elaboração do balancete mensal; e) preparar o relatório e a prestação de contas contendo as demonstrações do desempenho financeiro e contábil das operações patrimoniais realizadas e da execução dos programas. a) presidir as reuniões da Diretoria e as reuniões conjuntas com os membros do Conselho Fiscal; b) convocar as Assembleias Gerais; c) representar a Associação perante os poderes públicos, bem como nos atos da vida civil; d) superintender todas as atividades da Associação, criar grupos de trabalho, Presidente comissões e departamentos, e promover as campanhas que visem à realização das finalidades da Associação; e) encaminhar à Assembleia Geral a prestação de contas e o relatório anual, acompanhado do parecer do Conselho Fiscal; f) fixar as datas das eleições; g) assinar, juntamente com o Diretor Financeiro, os cheques, documentos e títulos; h) exercer as demais atribuições que decorram do estatuto. a) substituir o presidente em seus afastamentos e impedimentos e sucedê-lo sempre que a vaga ocorra; Vice- b) executar as delegações outorgadas pelo presidente; Presidente c) prestar colaboração com o Presidente; d) convocar a Assembleia Geral e Extraordinária requeridas pelos associados quando o Presidente deixar de o fazer. Fonte: AATPS (2010).

Os direitos dos associados permitem: votar e ser votado para cargos da Diretoria e dos Conselhos; comparecer às Assembleias Gerais e nelas fazer uso da palavra, votar e ser votado; convocar Assembleia Geral extraordinária; propor a admissão de novos associados; participar das atividades culturais e sociais da Associação; participar dos Departamentos e Comissões que forem criados pela Diretoria, a convite desta; e propor à Diretoria qualquer medida de interesse social (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2010). Os deveres dos associados permitem: colaborar com a concretização das finalidades da Associação; pagar pontualmente a contribuição social; exercer com dedicação cargos e funções que lhes forem atribuídas; cumprir e fazer cumprir o estatuto e demais regulamentos da Associação; e comunicar à secretaria as alterações de nome e endereço (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2010). Em termos práticos, cabe à Associação gerenciar os recursos vindos do Estado. Além de suas próprias rendas e de sua estrutura, apresenta uma gerência geral e departamentos financeiro, contábil, de comunicação e de recursos humanos (SOUZA, 2018). 106

Tecendo um paralelo com a estrutura da Fundação, percebe-se que somente essa entidade possui uma Diretoria Artística, fazendo com que o processo decisório quanto à oferta cultural do teatro fique restrita a ela. Durante a gestão de Eva, essas decisões eram tomadas de forma colaborativa com a Associação, que sempre era convidada a participar desse processo. Tal prática foi interrompida apenas com o falecimento de Eva. No entanto, deve-se reforçar que a gestão do teatro, numa relação entre as esferas pública e privada, não é mais hierarquizada e complexa, para que tanto administradores como gestores possam desempenhar um papel significativo na articulação da pluralidade dos atores envolvidos (CASTRIOTA, 2007).

3.4 Desempenho orçamentário da gestão

3.4.1 Análise financeira da Fundação Teatro São Pedro

Pelo fato de o teatro ser administrado pela Fundação e pela Associação, isto é, por entidades de natureza jurídica diferentes, os orçamentos de cada órgão são distintos, tanto na elaboração quanto na escolha de investimentos recebidos. Na Fundação os gestores são servidores públicos, enquanto que na Associação são gestores privados. O orçamento da Fundação é definido conforme o Orçamento Anual do Estado, que deve ir ao encontro do Plano Plurianual e da Lei de Diretrizes Básicas, conforme a Constituição de 1988, além da Lei de Responsabilidade Fiscal. A Lei Orçamentária Anual orienta os governos nos seus planejamentos compreendendo

[...] a programação das ações a serem executadas anualmente, visando à viabilização das diretrizes, dos objetivos e das metas programadas no PPA, em consonância com os dispositivos previstos na LDO. É o instrumento que permite controlar as informações de despesas de custeio e de capital dos entes federativos, bem como das autarquias e fundações criadas e mantidas com seus recursos, assim como apresentar o orçamento de investimentos das empresas estatais e o modo de gestão de seus negócios (RIO GRANDE DO SUL, 2019, p. 9)

Por mais que tenha autonomia administrativa e financeira, a Fundação é supervisionada pela Secretaria da Cultura do Estado e pelo Ministério Público, e fiscalizada pela Contadoria e Auditoria Geral do Estado e pelo Tribunal de Contas, sendo a fiscalização da administração financeira exercida pelo Conselho Curador, 107

que pode recorrer a pessoas físicas ou jurídicas, de reconhecida capacidade técnica e idoneidade, para assessorá-lo, se necessário (RIO GRANDE DO SUL, 1986a). O patrimônio da Fundação é constituído pelos bens imóveis, móveis e direitos; pelas doações, heranças ou legados; pelo prédio atual do teatro, com seus anexos, bem como os materiais e equipamentos de propriedade do Estado. Sua receita compreende as rendas decorrentes da exploração dos seus bens ou prestação de serviços; contribuições, subvenções e auxílios; e outros que lhe forem destinados. Para compras, obras e serviços contratados, a Fundação deve seguir obrigatoriamente os princípios de licitação. O exercício financeiro é anual, e a prestação de contas é feita pelo Conselho Curador até o dia 25 de fevereiro, contendo balanço patrimonial, balanço financeiro, demonstrativo de dívidas e compromissos a pagar. Para maior transparência na prestação de contas para a população, o exercício financeiro deve ser publicado semestralmente, no Diário Oficial do Estado e em outro veículo de comunicação de grande circulação (RIO GRANDE DO SUL, 1986b). Sendo a Fundação um órgão público, sua gestão sofre impactos tanto de ordem econômica como política. Nesse sentido, analisar o fluxo de seus recursos é reconhecer que de quatro em quatro anos o poder do Estado é alterado por partidos políticos que têm pensamentos, metas, estratégias e ações diferentes, que tomam decisões que impactam o funcionamento do órgão. Desde a criação da FTSP, em 1982, nove governantes diferentes assumiram o poder do Estado (Quadro 3):

Quadro 3 - Governadores do Rio Grande do Sul, 1983-2018 Período de mandato Governador (a) Partido político 1983/1986 Jair Soares PDS 1987/1990 Pedro Simon PMDB 1991/1994 Alceu Collares PDT 1995/1998 Antônio Britto PMDB 1999/2002 Olívio Dutra PT 2003/2006 Germano Rigotto PMDB 2007/2010 Yeda Crusius PSDB 2011/2014 Tarso Genro PT 2015/2018 José Ivo Sartori PMDB Fonte: Rio Grande do Sul (2018a). Cada um adotou posições distintas dentro do campo cultural, interferindo sobre a definição do montante de recursos orçamentários destinados à Fundação, sob justificativa de corrigir os problemas do déficit estrutural das contas públicas que há quatro décadas permaneciam crescentes. Nesse sentido, entender os ciclos 108

orçamentários da Fundação exige uma contextualização da forma como cada governo enfrentou esse problema:  Em 200047, o governo apontou desequilíbrio entre gastos e receitas, o que comprometeu o crescimento dos investimentos. Diversas áreas econômicas, incluindo a área da cultura, sofreram com repasses menores para cobrir os gastos.  Em 200548, persistiu a crise das finanças públicas, obrigando o governo a manter a disciplina fiscal e contando com a colaboração e o esforço de todos os Poderes. Mesmo diante de um orçamento público menor, a importância em manter a programação cultural do Theatro São Pedro desenvolvida pela Fundação foi respeitada, vislumbrando-se o crescimento da produção cultural e artística do Estado.  Em 201049, as contas públicas continuavam apresentando desequilíbrios financeiros, fazendo com que o governo atuasse no campo orçamentário, patrimonial e financeiro. Houve esforço em ampliar a receita e conter o gasto público, e em captar recursos de instituições financeiras internacionais. Todos os projetos em andamento tiveram que se enquadrar diante ao novo cenário.  Em 201550, agravaram-se os problemas estruturais, e o Estado enfrentou uma fragilidade fiscal que fez com que houvesse maior contingenciamento em todas as áreas. Houve contenção severa dos gastos, e aumentou-se a arrecadação. Criou-se um novo pacto federativo para envolver todos os poderes e a sociedade civil.  Em 201751, os problemas estruturais e a fragilidade fiscal continuavam. Foi feito um esforço para dar continuidade ao plano de recuperação fiscal que restringia fortemente as despesas dada à falta de recursos arrecadados. Todas as áreas foram afetadas.

O foco das ações dos governos era combater o desequilíbrio fiscal por meio de contenção de gastos. Para cada ano foi estimado um orçamento pelo poder

47 Conforme mensagem do Governador Olívio Dutra (RIO GRANDE DO SUL, 2000). 48 Conforme mensagem do Governador Germano Antônio Rigotto. (RIO GRANDE DO SUL, 2005). 49 Conforme mensagem da Governadora Yeda Crusius, o Estado ainda sentia os reflexos da crise de 2008. (RIO GRANDE DO SUL, 2010). 50 Conforme mensagem do Governador José Ivo Sartori (RIO GRANDE DO SUL, 2015a). 51 Conforme mensagem do Governador José Ivo Sartori (RIO GRANDE DO SUL, 2017). 109

Executivo em que as receitas e as despesas deviam estar equilibradas. Esse valor estimado, por convenção, se denomina “empenho” e difere do valor que efetivamente foi pago aos órgãos. Nesse caso, as despesas empenhadas podem não ser idênticas às despesas pagas devido às flutuações econômicas que podem resultar em uma menor arrecadação de receitas junto ao caixa do Estado. Quando isso acontece, o fluxo de repasses inicialmente “empenhados” dos órgãos públicos fica comprometido, podendo ser menores52. Analisando especificadamente os dados disponibilizados pela Secretaria da Fazenda do Estado, dos últimos 15 anos, os recursos para a Secretaria da Cultura representaram menos de 1% do total das outras Secretarias de Estado, denotando a frágil prioridade dos governos nessa área (RIO GRANDE DO SUL, 2018b). Entre 2000 a 2015, os repasses estimados e os efetivamente pagos à Secretaria da Cultura e à Fundação (Tabela 7 e 8), não obedeceu a um movimento linear crescente. As finanças públicas, que incluem receitas e despesas, sofreram interferência de fatores macroeconômicos, além de diretrizes, planos e leis orçamentárias e do próprio montante financeiro herdado pelos governos anteriores. Analisando os dados da Secretaria da Cultura53, pode-se ver que entre 2000 e 2015 a despesa empenhada e paga, conforme Tabela 6, nunca coincidiu.

Tabela 6 - Despesa empenhada e paga, em milhões de R$, para a Secretaria da Cultura, 2000-2015 Despesa emp. Despesa Variação Anos R$ pag. R$ % 2000 112.977.239,09 91.994.055,91 -18,57 2005 25.071.426,56 19.294.009,21 -23,04 2010 24.165.862,57 22.672.872,26 -6,18 2015 43.804.846,19 35.023.153,76 -20,05 2017 56.507.131,89 40.447.355,96 -28,42 Fonte: Rio Grande do Sul (2018b). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

52 Valor empenhado é o estágio da despesa quando é criada a obrigação de pagamento pelo governo ao credor, mediante reserva de dotação. Já o valor pago é o estágio da despesa em que é entregue o numerário ao credor, determinando que a despesa liquidada seja paga mediante crédito em conta bancária. Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br/pagina-interna/603453-dicionario-de- dados-execucao-da-despesa. Acesso em:19 set. 2019. 53 A consulta aos dados da SEFAZ permite acompanhar esses recursos previamente previstos no orçamento e aprovados pela AL, e “[...] para fazer frente aos gastos com a prestação de serviços públicos, o Estado utiliza recursos provenientes da arrecadação de impostos, taxas, transferências do Governo Federal, dentre outros [...]”. Disponível em: https://www.sefaz.rs.gov.br/AFE/REC- CON_1.aspx. Acesso em: 19 set. 2019. 110

Ao longo do período, observa-se que os valores empenhados variaram negativamente todos os anos. Em 2010, ocorreu a menor variação, que chegou a - 6,18%, enquanto que em 2017 foi de 28,42%. A área da cultura, que já tem uma representatividade menor em comparação a outras áreas, diminui sua capacidade de repasse também junto aos órgãos com que tem vinculação, como é o caso da Fundação Theatro São Pedro. Os valores efetivamente pagos pela Secretaria da Cultura afetam a Fundação Theatro São Pedro. Na Tabela 7, percebe-se que a despesa média paga para a Fundação entre 2000 a 2017 correspondeu a 7%, sendo que 2000 e 2010 foram os anos que ficaram abaixo da média. Já nos anos de 2005, 2015 e 2017, alcançaram patamares maiores, de 9,35%, 8,36% e 7,16%, respectivamente.

Tabela 7- Despesa paga, em milhões de R$, para a Secretaria da Cultura e para a FTSP, 2000/2017 Despesa paga pelo Despesa paga Anos Estado à SEC pela SEC à % R$ FTSP R$ 2000 91.994.055,91 2.479.444,49 2,70 2005 19.294.009,21 1.803.507,62 9,35 2010 22.672.872,26 1.523.499,14 6,72 2015 35.023.153,76 2.929.339,47 8,36 2017 40.447.355,96 2.895.635,26 7,16 Fonte: Rio Grande do Sul (2018b). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Analisando a Fundação, entre 1994 a 2017, pode-se perceber que os valores empenhados variaram negativamente em todos os anos (Tabela 8). A variação negativa média ficou em 20%, sendo que em 1998 houve a menor variação, com 10,02%, enquanto que em 2016 houve a maior variação, de 43,52%. Ao longo da série de 24 anos, vê-se que em 15 anos a variação negativa nunca foi menor que 17%. Considerando que o orçamento anual, feito por cada governo, é uma estimativa, isso significa que todas as despesas dos programas sofrem restrições ou readequações ao longo do tempo.

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Tabela 8 - Despesa empenhada e paga, em milhões de R$, do orçamento do Estado, para a FTSP,1994/2017 Anos Despesa empenhada Despesa paga R$ R$ Variação % 1994 2.774.762,14 2.367.764,00 -14,67 1995 4.546.493,41 3.740.119,43 -17,74 1996 4.084.708,40 3.547.960,75 -13,14 1997 3.970.108,26 3.440.168,45 -13,35 1998 3.701.720,26 3.330.647,37 -10,02 1999 3.117.039,30 2.663.970,40 -14,54 2000 2.880.478,42 2.479.444,49 -13,92 2001 2.775.754,37 2.302.761,68 -17,04 2002 2.564.700,92 1.917.478,15 -25,24 2003 2.421.619,47 2.019.749,50 -12,88 2004 2.632.669,65 1.696.283,40 -35,57 2005 2.239.179,94 1.803.507,62 -19,46 2006 2.383.000,68 1.925.941,22 -19,18 2007 1.859.222,82 1.560.302,14 -16,08 2008 2.200.231,84 1.941.549,82 -11,76 2009 1.617.901,14 1.317.072,33 -18,59 2010 1.875.693,93 1.523.499,14 -18,78 2011 2.296.382,38 1.543.133,17 -32,80 2012 1.956.465,81 1.572.761,70 -19,61 2013 1.996.277,05 1.616.352,57 -19,03 2014 3.338.812,64 2.480.529,42 -25,71 2015 3.858.400,83 2.929.339,47 -24,08 2016 3.838.131,77 2.147.623,18 -43,52 2017 3.802.508,97 2.895.635,26 -23,85 Fonte: Rio Grande do Sul (2018b). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores corrigidos pelo IGP-M, agosto de 2019.

Os valores pagos destinados à Fundação são provenientes de três fontes de receitas: do tesouro livre, os próprios da FTSP e os vinculados pela Constituição. Dessas fontes, os recursos são destinados para cinco categorias de despesas54, conforme o Quadro 4:

54 Conforme a apresentação da despesa orçamentária, a natureza das rubricas das despesas por projeto/atividade pode variar de classificação. Não há uma padronização, portanto em alguns anos os valores referentes das rubricas podem aparecer sem valores, mas isso pode significar que a despesa tenha sido contabilizada em outra categoria. Disponível em: https://www.sefaz.rs.gov.br/AFE/DOT- DES_1.aspx. Acessado em: 21 set. 2019. 112

Quadro 4 - Caracterização das receitas e despesas da FTSP Fonte de recursos Despesas por Projetos/Atividades e por natureza da despesa (rubrica) TESOURO LIVRE: PAUTA DE EVENTOS ARTÍSTICOS E Recursos disponíveis no caixa do Estado CULTURAIS: Energia elétrica PRÓPRIOS DA FUNDAÇÃO: REMUNERAÇÃO DO PESSOAL ATIVO: Recursos próprios: rendas decorrentes Vencimentos e vantagens, décimo da exploração dos seus bens ou terceiro, gratificações, outras vantagens, prestação de serviços; contribuições, vale transporte, vale refeição subvenções e auxílios TESOURO - VINCULADO PELA APOIO ADMINISTRATIVO E CONSTITUIÇÃO: QUALIFICAÇÃO DA INFRAESTRUTURA: Recursos definidos pela Constituição Material de expediente, combustível, água (vinculados à saúde) e esgoto, lavanderia, assinatura de periódicos, material didático, manutenção de limpeza, manutenção de bens móveis e imóveis, OUTRAS CONTRIBUIÇÕES PATRONAIS Obrigações patronais e tributárias CONTRIBUIÇÃO PATRONAL A FAS RS- IPERGS Obrigações patronais Fonte: Rio Grande do Sul (2018b).

Como se vê, as despesas da Fundação se destinam apenas à remuneração de recursos humanos e apoio administrativo e de infraestrutura. Pode-se ver nas Tabelas 9 e 10, que, em 2000 e 2005, a despesa média foi de R$ 2.183.947,68, e que em 2000 a despesa totalizava R$ 2.479.444,49, passando em 2017 a R$ 2.895.635,26, ou seja, uma variação de 17%. As categorias mais representativas foram Apoio Administrativo e Qualificação da Infraestrutura e remuneração do Pessoal Ativo, que juntas somavam 76,69%, 77,26%, 89,29%, 90,22% e 83,44% ao longo de todo o período. Deve-se reforçar que em 2000 e 2005 a Remuneração do Pessoal Ativo estava inclusa no valor do Apoio Administrativo por uma questão de demonstração contábil.

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Tabela 9 - Despesa paga, em milhões de R$, por Projeto/Programa para a FTSP, 2000/2017 Descrição 2000 2005 2010 2015 2017 R$ R$ R$ R$ R$ Pauta de Eventos 578.017,35 410.197,24 12.086,77 0,00 169.452,00 Artisticos e Culturais Remuneracao do 0,00 0,00 829.490,57 898.701,73 890.623,83 Pessoal Ativo Apoio Administrativo 1.901.427,13 1.393.310,37 529.407,61 1.744.158,01 1.525.392,26 e Qualificacao da Infraestrutura Outras Contribuições 0,00 0,00 152.514,19 282.545,96 307.297,58 Patronais Contribuição Patronal 0,00 0,00 0,00 3.933,78 2.869,59 ao Fas RS-Ipergs Total 2.479.444,49 1.803.507,62 1.523.499,14 2.929.339,47 2.895.635,26 Fonte: Rio Grande do Sul (2018b). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Tabela 10 - Percentual das despesas pagas, por Projeto/Programa para a FTSP, 2000/2017 2000 2005 2010 2015 2017 Descrição % % % % % Pauta de Eventos 23,31 22,74 0,79 0,00 5,85 Artísticos e Culturais Remuneração do 0,00 0,00 54,45 30,68 30,76 Pessoal Ativo Apoio Administrativo e 76,69 77,26 34,75 59,54 52,68 Qualificação da Infraestrutura Outras Contribuições 0,00 0,00 10,01 9,65 10,61 Patronais Contribuição Patronal 0,00 0,00 0,00 0,13 0,10 ao Fas RS-Ipergs Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: Rio Grande do Sul (2018b).

Para pagar essas despesas, verifica-se, nas Tabelas 11 e 12, que o Tesouro livre contribui com a maior parte dos recursos, chegando a ter uma participação de mais de 70% em todos os anos. As receitas próprias da Fundação vêm logo em seguida, mas sua participação diminuiu ao longo do tempo, passando de 26,60% em 2000 para 12,26% em 2017. Nesse sentido, a arrecadação do governo é importante para manter os repasses para o teatro.

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Tabela 11: Fonte de recursos destinados à FTSP, 2000-2017 Fonte de recurso 2000 2005 2010 2015 2017 R$ R$ R$ R$ R$ Tesouro livre 1.819.984,19 1.194.648,93 1.259.370,93 2.641.418,55 2.537.757,68 Próprios da Fundação 659.460,29 608.858,68 264.128,21 283.987,15 355.007,98 Tesouro vinculado 0,00 0,00 0,00 3.933,78 2.869,59 pela Constituição Total 2.479.444,49 1.803.507,62 1.523.499,14 2.929.339,47 2.895.635,26 Fonte: Rio Grande do Sul (2018b). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Tabela 12 - Percentual da fonte de recursos destinados à FTSP, 2000/2017 2000 2005 2010 2015 2017 Fonte de recurso % % % % % Tesouro livre 73,4 66,24 82,66 90,17 87,64 Próprios da 26,6 33,76 17,34 9,70 12,26 Fundação Tesouro vinculado 0,00 0,00 0,00 0,13 0,1 Pela Constituição Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: Rio Grande do Sul (2018b).

Diante desses dados, evidencia-se que os valores pagos nunca coincidiram com os empenhados, uma vez que o orçamento representa uma estimativa de gastos quando da sua elaboração. Além disso, os valores destinados da FTSP não se destinam à expansão física do teatro e seu complexo. As despesas se direcionam na sua totalidade para o pagamento de recursos humanos e apoio administrativo e de infraestrutura. Portanto, o questionamento que se faz é: esse montante de recursos orçamentários da Fundação é suficiente para manter o teatro e seu complexo funcionando? Se não for, da onde vêm os recursos que foram direcionados para a construção do complexo? Perguntas que devem ser respondidas considerando-se a atuação do comportamento financeiro da AATSP.

3.4.2 Análise da Associação Amigos do Theatro São Pedro

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Ao mesmo tempo em que o Estado repassa recursos para a Fundação, a AATSP também atua no campo orçamentário. Seus gestores, desde 2011, elaboram planejamentos estratégicos anuais, conforme premissas definidas pelo histórico orçamentário executado do período anterior, na tentativa de estimar valores próximos da realidade econômica e com isso projetar planos e ações para o espaço. No caso, constituem-se renda e patrimônio da Associação as contribuições dos associados, as doações, os patrocínios, as subvenções, bem como todos os valores e os bens móveis e imóveis55 (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2010). Suas receitas e despesas se classificam, conforme o Quadro 5, em:

Quadro 5: Caracterização das receitas e despesas da AATSP Receitas Despesas

MENSALIDADES ASSOCIADOS: RECURSOS HUMANOS: Mensalidades e anuidades recebidas dos Pessoal administrativo, técnicos, limpeza, associados da AATSP bilheteria, portaria, estacionamento, recepção, manutenção, encargos trabalhistas e benefícios (VT, VR, plano de saúde, uniformes, EPI´s). Pessoas físicas pagas por meio de RPA, como os profissionais liberais CESSÃO DE MÃO DE OBRA: MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS: Valor referente à contrato de cessão de Ar condicionados, central de alarmes e CFTV, mão de obra do pessoal front-office com fragmentadoras, aspirador de pó etc. (compra, FTSP manutenção e reposição de peças) PATROCÍNIOS: TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO: Patrocínio da mala-direta Sistemas, sites, internet, computadores, impressoras, copiadoras e outros periféricos, (compra, reposição de peças, serviços de manutenção, gerenciamento de rede, suporte e desenvolvimentos de sistemas) ALUGUÉIS: MÓVEIS E UTENSÍLIOS: Aluguel restaurante Du´Attus e Café do Cadeiras, mesas, poltronas, balcões, armários, Teatro aparelhos telefônicos etc. ESTACIONAMENTO: DESPESAS LEGAIS: Mensalistas, horistas e locação do Publicações, taxas e cartórios estacionamento para eventos OUTRAS RECEITAS: MATERIAIS GRÁFICOS E DE ESCRITÓRIO: Vendas, chapelaria, doações, reserva do Materiais produzidos por gráficas, cópias, interior, tele-entrega plotagens, encadernações e materiais de consumo (escritório)

55 Conforme o Estatuto da AATPS, a prestação de contas deve ser submetida à Assembleia Geral e à Secretaria de Cultura do Estado e, em cada encerramento do seu exercício fiscal, a Associação deve dar publicidade de sua gestão orçamentária. 116

Quadro 5: Caracterização das receitas e despesas da AATSP RECEITAS FINANCEIRAS: MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO: Rendimentos de aplicações financeiras, Materiais de cozinha, jardinagem, limpeza e descontos obtidos higiene, manutenções gerais PRODUÇÕES PRÓPRIAS: CONSUMOS GERAIS: Oficinas, cursos e espetáculos Contas telefônicas produzidos pela AATSP ESPETÁCULOS (LOCAÇÕES): DESPESAS FINANCEIRAS: Locações do TSP para eventos fechados, Despesas decorrentes de taxas e juros taxas de bilheteria, locações salas bancários, multas etc. Multipalco, cobrança de custos extras e lotes de ingressos COORDENAÇÃO DE PROJETOS: PRODUÇÕES PRÓPRIAS: Coordenação e gerenciamento de Despesas decorrentes de produções gerais da projetos culturais e específicos do AATSP Multipalco SEGURANÇA: Monitoramento alarmes e rondas DESPESAS POSTAIS E ENTREGAS: Despesas de postagens e tele-entregas DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO: Transporte aéreo, táxi e conduções, hospedagens, lanches e refeições etc. OUTRAS DESPESAS ADMINISTRATIVAS: Brindes, confraternizações, homenagens, combustíveis e lubrificantes, taxas, impostos e emolumentos, contribuição sindical patronal Fonte: AATSP (2015b).

Ou seja, pode-se verificar que suas receitas podem ser previsíveis com o planejamento financeiro, mas não são garantidas, já que dependem da adimplência dos associados combinada com um fluxo de patrocínios crescentes, bem como uso do estacionamento, espetáculos e produções. Em contrapartida, suas despesas, independentemente do ingresso de receitas, são praticamente todas elas fixas, como recursos humanos, manutenção e conservação, despesas financeiras, segurança, telefone, impostos, taxas e manutenções gerais. Analisando o total das receitas e despesas da AATSP entre 2011 a 2017 (Tabela 13), percebe-se que total de receita foi de R$ 27.854.603,20, enquanto que a despesa ficou em R$ 27.879.277,35, ou seja, um déficit de menos de 1%. Comparando os sete anos entre si, percebe-se que o saldo ficou positivo apenas em 2013, 2014 e 2017. Quando há esses saldos, a AATSP aplica o valor no mercado financeiro para ter uma reserva monetária, uma reserva de emergência. (SOUZA, 2018a)

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Tabela 13 - Receitas e despesas, em R$(milhões), da AATSP Anos Receitas Despesas Saldo R$ R$ R$ 2011 2.806.772,69 2.810.992,93 -4.220,24 2012 3.233.936,98 3.552.514,39 -318.577,41 2013 3.596.032,26 3.415.425,63 180.606,63 2014 4.262.398,47 4.229.221,96 33.176,51 2015 4.144.469,23 4.642.987,12 -498.517,89 2016 4.278.136,11 4.464.288,14 -186.152,03 2017 5.532.857,46 4.763.847,18 769.010,28 Total 27.854.603,20 27.879.277,35 ... Fonte: AATSP (2011b; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Com relação às despesas da AATSP, podem-se analisar dois momentos: o primeiro, entre 2005 e 2010, que somou R$ 20.231.661,45; e entre 2011 a 2017, que totalizou R$ 27.879.277,35. Ou seja, em treze anos o montante correspondeu a R$ 48.110.938,80. Entre 2005 e 2010 (Tabela 14 e 15)56, as despesas gerais e de pessoal concentraram os gastos em mais de 90%.

Tabela 14 - Evolução das despesas, em R$ (mil), da AATSP, 2005/2010 Descrição 2005 2006 2007 2008 2009 2010 R$ R$ R$ R$ R$ R$ Infra 87.770 14.997 251.650 244.791 287.571 13.374 estrutura Despesas 1.063.187 973.796 1.554.318 2.336.215 2.877.286 2.669.161 gerais Despesas 750.290 684.617 1.036.306 1.418.914 1.921.867 2.045.543 com pessoal Total 1.901.247 1.673.411 2.842.275 3.999.921 5.086.726 4.728.078 Fonte: AATSP (2011a). Nota¹: Para adequar a formatação da tabela foi suprimida as casas decimais. Nota²: Valores acumulados de dezembro. Nota³: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

56 Como já informado na introdução do estudo, a AATSP começou a adotar um controle sobre suas contas a partir de 2011, com os novos métodos de processos introduzidos pela gerente geral. No entanto, entre 2005 a 2010, a gestora conseguiu estimar e registrar em planilhas de Excel alguns dados sobre as despesas da entidade e que são utilizados, nesse momento, como fontes de informações para analisar esse comportamento. 118

Tabela 15 - Percentual da evolução das despesas da AATSP, 2005/2010 Descrição 2005 2006 2007 2008 2009 2010 % % % % % % Infraestrutura 4,62 0,90 8,85 6,12 5,65 0,28 Despesas gerais 55,92 58,19 54,69 58,41 56,57 56,45 Despesas com pessoal 39,46 40,91 36,46 35,47 37,78 43,27 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: AATSP (2011a).

Entre 2011 a 2017, as despesas com recursos humanos permaneceram com um volume maior, representando uma média de 81,54% (Tabela 16 e 17). Ou seja, comparando com os anos de 2005 a 2010, as despesas com pessoal, que antes representavam uma média de 38,89%, cresceram consideravelmente. Esse movimento confirma a observação dos gestores de que, como o teatro funciona diariamente, a demanda por mão de obra de apoio e técnica é necessária.

Tabela 16 - Evolução das despesas, em milhões de R$, da AATSP, 2011/2017

2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Despesas R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ Recursos 2.254.274 2.556.761 2.849.866 3.641.317 4.013.760 3.494.429 4.016.874 humanos Máquinas e 13.184 30.883 37.252 35.180 58.416 124.747 82.668 equip. Tecnologia 94.793 124.308 104.110 108.973 140.289,31 189.432 149.026 da infor. Móveis e 37.451 6.360 3.019 10.001 6.440 5.894 0 utensílios Produções 53.129 411.268 84.956 110.143 39.236 28.259 26.001 próprias Despesas 3.733 1.241 1.534 1.892 1.132 1.282 0 legais Materiais 61.085 122.522 101.439 116.453 87.620 53.010 53.191 graf. e escrit. Manut. e 141.049 117.189 45.298 44.805 76.799 129.232 191.874 conservação Consumos 11.526 21.188 32.448 16.979 16.517 285.341 94.033 gerais Despesas 53.786 61.822 61.992 52.833 96.410 85.135 70.016 financeiras Segurança 21.404 25.272 23.039 25.566 35.533 23.647 24.316 Despesas 30.755 34.776 28.534 22.982 24.631 19.361 20.003 post. e entr. Despesas de 9.745 17.442 13.617 4.426 0 5.950 0 represent. Outras desp. 25.071 21.475 28.313 37.663 46.198 18.562 35.839 administ. Total 2.810.992 3.552.514 3.415.425 4.229.221 4.642.987 4.464.288 4.763.847 Fonte: AATSP (2011b; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017). Nota¹: Para adequar a formatação da tabela foi suprimida as casas decimais. Nota²: Valores acumulados de dezembro. Nota³: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

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Tabela 17 - Percentual da evolução das despesas da AATSP, 2011/2017

2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Despesas % % % % % % % Recursos humanos 80,19 71,97 83,44 86,10 86,45 78,28 84,32 Máquinas e equipamentos 0,47 0,87 1,09 0,83 1,26 2,79 1,74 Tecnologia da informação 3,37 3,50 3,05 2,58 3,02 4,24 3,13 Móveis e utensílios 1,33 0,18 0,09 0,24 0,14 0,13 0,00 Produções próprias 1,89 11,58 2,49 2,60 0,85 0,63 0,55 Despesas legais 0,13 0,03 0,05 0,04 0,02 0,03 0,00 Materiais gráficos e de escritório 2,17 3,45 2,97 2,75 1,89 1,19 1,12 Manutenção e conservação 5,02 3,30 1,33 1,06 1,65 2,90 4,03 Consumos gerais 0,41 0,60 0,95 0,40 0,36 6,39 1,97 Despesas financeiras 1,91 1,74 1,81 1,25 2,08 1,91 1,47 Segurança 0,76 0,71 0,67 0,61 0,77 0,53 0,51 Despesas postais e entregas 1,09 0,98 0,83 0,54 0,53 0,43 0,42 Despesas de representação 0,35 0,49 0,40 0,11 0,00 0,13 0,00 Outras despesas administrativas 0,89 0,60 0,83 0,89 1,00 0,42 0,75 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: AATSP (2011b; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017).

Ao final de cada ano, os gestores da AATSP se reúnem e fazem uma avaliação do comportamento estimado e do efetivamente executado, buscando identificar os fatores que interferiram no comportamento orçamentário e objetivando melhorar os processos e as tomadas de decisões. Como causas dessas variações, os gestores apontaram os seguintes57:  Quanto a recursos humanos, aumento associado à contratação de mais funcionários e reajuste dos planos de saúde, dissídios das categorias, plano de saúde, vale refeição, confecção de uniformes, novas contratações, banco de horas, inclusive com o fechamento do teatro e diminuição do pessoal administrativo.  Quanto a máquinas e equipamentos, aumento maior em 2014, associado ao custo de manutenção e troca de peças dos elevadores e novo equipamento de sonorização e cabeamento telefônico, custos de conservação e

57 Conforme as análises dos Relatórios de Gestão da Associação dos anos de 2011 a 2017. 120

manutenção dos contratos de responsabilidade da FTSP como ar- condicionado, geradores, elevadores e outros58;  Quanto à tecnologia da informação, aumento associado à renovação de alguns equipamentos e reajuste de contratos de prestação de serviços, investimentos em máquinas e regularização de softwares59;  Quanto aos móveis e utensílios, aumento associado a investimentos na compra de utensílios não previstos e em mobiliário e utensílios básicos60;  Quanto às produções próprias, redução associada a pessoal e custos de produção de oficinas e espetáculos, e aumento associado à produção musical;  Quanto as despesas legais, aumento associado às despesas com processos trabalhistas e registros de livros, reajuste das tabelas dos cartórios;  Quanto aos materiais gráficos, aumento associado ao reajuste de preços de mercado e redução associada a custos que foram direcionados para a FTSP devido à simplificação da programação, bem como redução de materiais gráficos como mala direta e materiais de escritório;  Quanto à manutenção e conservação, aumento associado a materiais de consumo de limpeza, higiene e jardinagem, desinsetização, reposição de extintores, desentupimento, serviços de instalações elétricas para palco, sala de controle do teatro e praça Multipalco, reparos gerais, compra de materiais diversos de consumo e redução associada pela decisão de reduzir a lavagem das fachadas;  Quanto ao consumos gerais, redução associada pela decisão de não adquirir o serviço de internet, o que reduziu o consumo de telefone e serviço extra de banda larga, além de negociação com as empresas telefônicas, contratação de energia elétrica e água pagos pela FTSP61;  Quanto às despesas financeiras, redução associada pela cobrança dos associados via débito em conta em vez de carnês, troca de cartões do Banco do Brasil para Banrisul com taxas menores e aumento associado a taxas maiores dos bancos e correios;

58 Não houve justificativa nos relatórios de gestão para a redução da despesa dessa categoria. 59 Não houve justificativa nos relatórios de gestão para a redução da despesa dessa categoria. 60 Não houve justificativa nos relatórios de gestão para a redução da despesa dessa categoria. 61 Não houve justificativa nos relatórios de gestão para o aumento da despesa dessa categoria. 121

 Quanto à segurança, aumento associado na colocação de sensores na central de alarmes, serviços extras contratuais e reajuste dos contratos;  Quanto às despesas postais e entregas, redução associada pela entrega por moto-boy, redução das postagens ao MINC e renegociação com correios;  Quanto às despesas de representação, redução associada em todos os anos por não ter tido viagens nem contratos com produções nacionais e novos patrocinadores;  Quanto às outras despesas administrativas, aumento associado ao reajuste das contribuições patronais devido à ampliação de faturamento, despesas com publicidade, combustíveis, taxas, impostos, contribuições sindicais e comemorações de final de ano e dos aniversários da gestão da AATSP e OCTSP. As reduções foram atribuídas por não terem sido realizadas outras festas, redução do consumo de combustíveis e lubrificantes, taxas, impostos, emolumentos e contribuições sindicais e patronais;  Quanto a contratação de pessoas físicas, aumento associado por não ter tido contratações por meio de RPA62.

Para financiar essas despesas, a AATSP construiu com o passar do tempo uma diversidade grande de fonte de recursos, como mostram as Tabelas 18 e 19. Se inicialmente em 1984, data da criação da AATSP, a única fonte de receitas provinha dos associados, hoje a entidade absorve outras categorias. É interessante notar que o volume de receitas da entidade cresceu com o passar dos anos: em 2011 totalizava R$ 2.806.772,69 chegando em 2017 a R$ 5.532.857,46 , ou seja, uma variação de 97%. O estacionamento, a cessão de mão de obra, as mensalidades dos associados e os espetáculos concentraram o fluxo de ingresso das receitas em todos os períodos: em 2011, totalizaram 74,16% passando, em 2014, a deter 90,22%, chegando, em 2017, ao seu maior nível: 93,83%.

62 Não houve justificativa nos relatórios de gestão para a redução da despesa dessa categoria.

122

Tabela 18 - Evolução das receitas, em R$ (mil), da AATSP, 2011/2017

2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Classificação R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ Mensalidade de 576.125 682.182 830.514 892.287 868.556 784.021 835.428 associados Cessão de M.d.o. 0 0 0 952.580 1.010.562 1.084.401 2.576.798 Patrocínios 106.204 145.945 48.174 0 0 0 0 Alugueis 119.575 98.959 122.827 126.636 124.701 136.755 150.807 Estacionamento 1.174.468 1.397.653 1.455.180 1.461.628 1.267.599 1.255.382 1.341.711 Outras receitas 25.225 16.037 50.885 22.810 19.938 10.048 7.218 Receitas finan. 39.852 19.067 9.543 20.197 34.069 69.060 117.660 Produções 247.903 451.630 131.615 47.738 71.747 76.495 65.852 próprias Espetáculos 330.847 422.460 499.951 539.333 603.330 861.969 437.378 Coord. de proj. 186.569 0 447.338 199.185 143.962 0 0 Total 2.806.772 3.233.936 3.596.032 4.262.398 4.144.469 4.278.136 5.532.857 Fonte: AATSP (2011b; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017). Nota¹: Para adequar a formatação foi suprimida as casas decimais. Nota²: Valores acumulados de dezembro. Nota³: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Tabela 19 – Percentual da evolução das receitas, em R$ (mil), da AATSP, 2011/2017 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Classificação % % % % % % % Mensalidade de associados 20,53 21,09 23,1 20,93 20,96 18,33 15,1 Cessão de mão de obra 0,00 0,00 0,00 22,35 24,38 25,35 46,57 Patrocínios 3,78 4,51 1,34 0,00 0,00 0,00 0,00 Alugueis 4,26 3,06 3,42 2,97 3,01 3,2 2,73 Estacionamento 41,84 43,22 40,47 34,29 30,59 29,34 24,25 Outras receitas 0,9 0,5 1,42 0,54 0,48 0,23 0,13 Receitas financeiras 1,42 0,59 0,27 0,47 0,82 1,61 2,13 Produções próprias 8,83 13,97 3,66 1,12 1,73 1,79 1,19 Espetáculos 11,79 13,06 13,9 12,65 14,56 20,15 7,91 Coordenação de projetos 6,65 0,00 12,44 4,67 3,47 0,00 0,00 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: AATSP (2011b; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017).

Conforme os gestores, essa oscilações foram provenientes dos seguintes motivos63:

63 Conforme as análises dos Relatórios de gestão da AATSP dos anos de 2011 a 2017. 123

 Quanto às mensalidades dos associados, aumento associado à forte adesão de novos associados, reajustes das mensalidades, campanhas de captação, parcerias com atores em propagandas na mídia e redução associada à crise econômica.  Quanto à cessão de mão de obra, aumento associado a atrasos do governo estadual nos recursos de alguns projetos acumulando os valores dos anos anteriores64.  Quanto aos patrocínios: aumento associado à antecipação da mala direta do patrocinador; e em alguns momentos, a absorção do custo da impressão e das postagens da programação pela própria Associação65.  Quanto aos aluguéis, aumento associado a reajuste dos contratos e receitas antecipadas do contrato de aluguel66.  Quanto ao estacionamento, aumento associado à ampliação da tabela dos mensalistas, reajuste, aumento dos clientes e redução associada à recessão econômica e concorrência dos aplicativos de transporte.  Quanto às outras receitas, aumento associado às vendas da chapelaria, doação de pessoas físicas, vendas de novos produtos da loja, e redução associada a doações menores, baixa oferta de produtos e queda de pedidos de espetáculos e de tele-entregas.  Quanto às receitas financeiras, aumento associado a taxas atraentes de outros bancos, repasse de valores atrasados de contrato, e redução associada ao baixo rendimento de aplicações de renda fixa e redução de juros.  Quanto às produções próprias, aumento associado às realizações das produções, número de inscritos e quantidades de novas oficinas de teatro, musica, dança, cenografia, figurino, iluminação e sonorização, e redução associada a quantidades menores de eventos.  Quanto aos espetáculos, aumento associado à quantidade maior da oferta, locação, alteração de valores de locação, tabela de preços e taxas de bilheteria, e redução associada aos contratos de bilheterias que estavam sob gerenciamento da AATSP e que foram devolvidos à FTSP.

64 Não houve justificativa nos relatórios de gestão para a redução da receita dessa categoria. 65 Não houve justificativa nos relatórios de gestão para a redução da receita dessa categoria. 66 Não houve justificativa nos relatórios de gestão para a redução da receita dessa categoria. 124

 Quanto à coordenação dos projetos, aumento associado à entrada dos projetos via lei Rouanet e LIC; e redução associada ao recurso menor de projetos de incentivo fiscal e não retirada do saldo de projetos.

Em 2017, as taxas de vendas on-line incidentes dos ingressos comercializados também fez parte das receitas, o que rendeu, em apenas três meses, R$ 12.074,2067, mesmo sem ter sido feito previsão para essa categoria (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2017). Diante dessas informações, percebe-se que a AATSP tem que gerar um montante de receitas significativo para custear suas despesas.

3.4.3 Comparativo entre FTSP e AATSP

Tanto a AATS como a Fundação tem praticamente o mesmo período de existência, a primeira, fundada em 1984, e, a segunda, em 1982, ambas com uma trajetória histórica de mais de 30 anos e ambas criadas para manter o teatro funcionando. No entanto, a AATSP surgiu para “apoiar” a Fundação, e seus recursos se direcionavam para custear despesas as quais o Estado não cobria, como “dar um buquê de flores” para um artista ou “comprar uma champanhe” como parte de um brinde após uma apresentação. Ou seja, despesas singelas que não demandavam quantias muito altas (SOUZA, 2018a). No entanto, com o passar do tempo, a AATSP assumiu outra postura frente à Fundação, devendo-se tecer um comparativo entre as duas entidades como forma de entender a atuação de cada uma junto ao teatro e seu complexo. Na Tabela 20 é possível comparar o volume das despesas totais das duas entidades entre 2005 a 2017. No período, a Fundação participou com um total de R$ 25.257.247,04 enquanto que a AATSP contribuiu com R$ 48.110.938,80, ou seja, uma diferença superior a 90,48%. Nesse período, apenas em 2005 a Fundação chegou a deter a maior parcela das despesas totais do teatro, com 53,51%, enquanto que a Associação colaborou em todos os anos com uma média de 64,70%, sendo a menor participação em 2006, com 46,49%, e a maior em 2009, com 79,43%.

67 Valor atualizado pelo IGP-M, set de 2019. 125

Tabela 20: Despesas totais, em milhões de R$, da FTSP e da AATSP Anos FTSP AATSP Total R$ % R$ % R$ % 2005 1.803.507,62 48,68 1.901.247,68 51,32 3.704.755,30 100,00 2006 1.925.941,22 53,51 1.673.411,95 46,49 3.599.353,17 100,00 2007 1.560.302,14 35,44 2.842.275,72 64,56 4.402.577,86 100,00 2008 1.941.549,82 32,68 3.999.921,69 67,32 5.941.471,51 100,00 2009 1.317.072,33 20,57 5.086.726,23 79,43 6.403.798,56 100,00 2010 1.523.499,14 24,37 4.728.078,18 75,63 6.251.577,32 100,00 2011 1.543.133,17 35,44 2.810.992,93 64,56 4.354.126,10 100,00 2012 1.572.761,70 30,69 3.552.514,39 69,31 5.125.276,09 100,00 2013 1.616.352,57 32,13 3.415.425,63 67,87 5.031.778,20 100,00 2014 2.480.529,42 36,97 4.229.221,96 63,03 6.709.751,38 100,00 2015 2.929.339,47 38,69 4.642.987,12 61,31 7.572.326,59 100,00 2016 2.147.623,18 32,48 4.464.288,14 67,52 6.611.778,20 100,00 2017 2.895.635,26 37,71 4.763.847,18 62,69 7.679.482,44 100,00 Total 25.257.247,04 48.110.938,80 - - - Fonte: Rio Grande do Sul (2018b); AATSP (2011b; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Além disso, as receitas da AATSP no período entre 2011 a 2017, comparadas às da Fundação, também apresentaram uma variação significativa sobre o montante total de R$ 43.039.977,97 (Tabela 21). A AATSP chegou a ter um montante de R$ 27.854.603,20, enquanto que o da Fundação foi de R$ 15.185.374,77, ou seja, um valor superior a 83,43%. No período, vê-se que a AATSP participou em média com 64,97% sobre o montante dos recursos, se comparada à Fundação.

Tabela 21: Receitas totais, em milhões de R$, da FTSP e da AATSP Anos AATSP FTSP Total R$ % R$ % R$ % 2011 2.806.772,69 64,52 1.543.133,17 35,48 4.349.905,86 100,00 2012 3.233.936,98 67,28 1.572.761,70 32,72 4.806.698,68 100,00 2013 3.596.032,26 68,99 1.616.352,57 31,01 5.212.384,83 100,00 2014 4.262.398,47 63,21 2.480.529,42 36,79 6.742.927,89 100,00 2015 4.144.469,23 58,59 2.929.339,47 41,41 7.073.808,70 100,00 2016 4.278.136,11 66,58 2.147.623,18 33,42 6.425.759,29 100,00 2017 5.532.857,46 65,65 2.895.635,26 34,35 8.428.492,72 100,00 Total 27.854.603,20 64,72 15.185.374,77 35,28 43.039.977,97 100,00 Fonte: Rio Grande do Sul (2018b);AATSP (2011b; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Diante dessas evidências, percebe-se que a atuação de apoio da AATSP para 126

a Fundação foi se transformando com o passar do tempo, e seus gestores foram tendo que assumir novas posturas com relação à administração financeira, tomando decisões de maior controle e acompanhamento dos recursos.

3.5 Oferta cultural do teatro

Todo esse ingresso de recursos que o teatro deteve é percebido quando se observa a quantidade e a diversidade artística que o complexo ofereceu à população. Acessando a página do teatro na internet, é possível evidenciar a intensidade de sua programação e identificar algumas características interessantes, como modalidades dos eventos, preços cobrados e os locais em que são realizados68. Conforme informações dos gestores, a partir de 2008, a AATSP começou a se envolver com produções artísticas próprias, tanto na idealização, quanto na elaboração e na execução. Ao todo, foram 15 espetáculos entre 2008 e 2013 (ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO, 2015b). A cada ano, além das produções próprias, outras atividades culturais são realizadas, e a frequência aumenta anualmente, principalmente porque é a Fundação que decide sobre a programação a ser promovida no teatro por meio de sua Diretoria Artística. A AATSP participava das reuniões sobre essa pauta junto à FTSP, uma vez que envolvia questões orçamentárias de ambas as entidades, até o falecimento de Eva Sopher. De 2015 a 2016, a programação artística aumentou de 369, em 2015, para 386, em 2017 (Tabela 22). Esse crescimento pode ser atribuído às metas definidas pelos gestores da Fundação quando da elaboração dos planejamentos estratégicos, fazendo com que a oferta cultural nunca decresça, muito embora o volume de recursos orçamentários públicos não aumente para sua realização (SOUZA, 2018).

68 A página da AATSP não dispõe de uma longa série de tempo das apresentações, há no máximo dos últimos quatro anos. Mesmo assim, a pesquisa buscou coletar informações sobre os eventos focando em três aspectos: modalidade, valor cobrado e local onde seria realizado. Essa busca possibilitou observar certos pontos importantes quanto a oferta cultural do teatro e seu complexo. Nem todas as informações disponibilizadas na página puderam servir para a coleta, pois alguns eventos careciam de dados. No quesito preço foram coletados os valores dos eventos que disponibilizaram essa informação e depois foi feito um cálculo da média de preços, considerando o preço único de alguns eventos bem como faixas de preços para outros. Nos eventos onde havia gratuidade foi considerado apenas a modalidade e o local onde foi realizado. Além disso, na quantidade dos eventos foram consideradas as quantidades totais das seções de cada um, ou seja, se uma peça tinha quatro apresentações, foi considerada essa quantidade no total de eventos realizados. 127

Tabela 22 – Evolução das atividades do teatro e complexo, 2015/2017 Anos Quantidade 2015 369¹ 2016 342 2017 386 Fonte: Elaborado pela autora (2018). Nota¹: Rio Grande do Sul (2016)

Desse crescimento, pode-se perceber uma maior diversificação cultural na grade da programação. No período, o teatro promoveu 12 tipos de atividades, compreendendo teatro, música, dança, exposição, oficina, seminário, palestra, sarau, conferência, workshop, mesa-redonda e feira69. A Tabela 23 atesta que, entre 2015 e 2017, a música, o teatro e a dança chegaram a representar cerca de aproximadamente 90 % do total de atividades culturais. Mesmo assim, vê-se que feiras, exposições e palestras impulsionaram um novo foco de atuação do local.

Tabela 23 - Atividades culturais do teatro e complexo, 2015/2017 Quantidade de atividades Descrição 2015 2016 2017 Total % Total % Total % Teatro 30 30,00 37 25,69 48 22,75 Música 57 57,00 76 52,78 127 60,19 Dança 4 4,00 19 13,19 10 4,14 Exposição ...... 3 2,08 1 0,47 Oficina 7 7,00 5 3,47 6 2,84 Seminário 1 1,00 ...... Palestra ...... 1 0,69 3 1,42 Sarau ...... 2 0,95 Conferência ...... 1 0,47 Workshop 1 1,00 ...... 2 0,95 Mesa ...... 1 0,69 1 0,47 redonda Feira ...... 2 1,39 10 4,74 Total 100 100,00% 144 100,00% 211 100,00% Fonte: Elaborado pela autora (2018). Nota: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

69 Pesquisa realizada pela consultoria JLeiva Cultura e Esporte, em 2018, mostrou um diagnóstico interessante sobre o acesso a cultura em 12 capitais do país e correlações entre diversas variáveis econômicas, sociais, políticas e religiosas para mostrar o comportamento do brasileiro com relação ao segmento. No caso de Porto Alegre, a pesquisa apontou índices de acesso à cultura acima da média das capitais para quem foi a dez atividades culturais nos últimos doze meses e dos 621 entrevistados, 89% conheciam o Theatro São Pedro e 54% já haviam estado no local. Além disso, 39% dos entrevistados foi a pelo menos seis atividades culturais diferentes no último ano. (MEIRELLES, 2018) 128

Com relação aos preços70 dos ingressos das atividades, a média para apresentações de música ficou em R$ 56,04, teatro, R$ 56,68, dança, R$ 29,65, oficinas, R$ 194,12 e sarau, R$ 25,00. Há que se ponderar, no entanto, que os ingressos podiam custar muito acima da média, pelo fato de existir produções artísticas luxuosas, ou pela fama dos artistas, ou, ainda, pelas diferenças de preços nos lugares à disposição no teatro. Já no que concerne as feiras, suas entradas foram sempre gratuitas71. (Tabela 24).

Tabela 24 - Preço, em R$, das entradas das atividades do teatro e complexo, 2015/2017 2015 2016 2017 Descrição Total Preço Total Preço Total Preço médio médio médio R$ R$ R$ Música 40 56,27 52 48,04 55 63,83 Teatro 20 57,47 25 52,63 42 59,95 Dança 2 35,99 11 29,00 9 23,95 Exposição ...... Oficina 1 299,92 ...... 3 282,42 Seminário ...... Palestra ...... Sarau ...... 1 28,24 Conferência ...... Workshop ...... Mesa redonda ...... Feira ...... 2 gratuito 10 gratuito Fonte: Elaborado pela autora (2018). Nota: Valores atualizados IGP-M, agosto de 2019.

Quanto à locação das apresentações, em suas dependências internas e externas, pode-se ver que as atividades aconteceram, praticamente, em todos os espaços, como mostra a Tabela 25. Entre 2015 a 2017, o palco do teatro foi o espaço dominante dos eventos artísticos do complexo. A sala de música, que em 2015 representava 8%, em 2017 sua locação cresceu para 21,80% sobre o total. Isso confirma o movimento da Tabela 25, que aponta que as atividades musicais cresceram com os anos. A Praça Multipalco começou a ser ocupada, em 2016,

70 Cálculo feito a partir dos eventos em que a informação sobre o preço estava disponível no site da programação. 71 Com relação à gratuidade de eventos na área cultural, pesquisa da consultoria Jleiva, mostrou que em Porto Alegre, 45% dos entrevistados iam mais a eventos gratuitos do que pagos e 28% iam somente a eventos gratuitos, aproximando-se do comportamento do público pertencente às capitais do Sudeste e Brasília. (MEIRELES, 2018) 129

como um espaço integrador com a comunidade por meio das feiras representando 3,47% sobre a quantidade total ofertada.

Tabela 25 - Ocupação das dependências do teatro e complexo, 2015/2017 Quantidade de atividades 2015 2016 2017 Local Total % Total % Total % Palco principal - TSP 73 73,00 111 77,08 117 55,45 Foyer Nobre 8 8,00 ...... 25 11,85 Concha acústica 4 4,00 4 2,78 4 1,90 Sala de música 8 8,00 18 12,50 46 21,80 Sala de oficina 4 4,00 3 2,08 4 7,90 Sala de exposições 3 3,00 2 1,39 1 0,47 Praça Multipalco ...... 5 3,47 11 5,21 Memorial ...... 1 1,00 4 1,90 Total 100 100,00 144 100,00 211 100,00 Fonte: Elaborado pela autora. (2018). Nota¹: Valores acumulados de dezembro. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Esses dados atestam a diversidade de atividades que o local oferece e a utilização de todas as dependências de seu complexo. A reinauguração do teatro, nos anos 1980, foi o ponto de partida para sua transformação não só de área física, mas também de difusão cultural. Para que todas essas atividades aconteçam, a gestão de recursos é peça fundamental na ação dos gestores tanto da FTSP como da AATSP.

3.6. Considerações finais

Diante dessa evidências, pode-se perceber que o Theatro São Pedro é um local que tem muitos custos e sua operacionalização só se mantém se houver um ingresso de receitas significativo. O teatro, portanto, é um bem cultural, é um produto que pertence ao mercado de bens simbólicos: quando visto como produto tem um preço, mas por sua transfiguração de um bem econômico em um bem simbólico, se apresenta como “sem preço”. O valor simbólico é reconhecido pelos agentes detentores de mesma base de percepção e julgamento, que se alimentam de uma crença em que o valor do bem é supostamente “mágico”, denegando a dimensão econômica do bem. 130

No entanto, o tempo funciona nesse mercado como um elemento importante para o reconhecimento de um bem, pois é somente num determinado momento do processo de consagração que o valor simbólico se transforma num valor de mercado. Existe pressão e um trabalho de negociação constante nesse ramo, já que é necessária a imposição das operações que são negociadas. Eva Sopher teve que revestir-se de seu poder simbólico para lutar junto aos agentes públicos e reforçar a importância do teatro como símbolo. Seu poder de linguagem, suas argumentações e justificativas eram estruturadas e articuladas com os meios de comunicação para reforçar essa condição de símbolo que é, ao mesmo tempo, um bem econômico. A proximidade junto às mídias foi fundamental para convencer a opinião pública de que o teatro merecia continuar sua trajetória dada sua representatividade para a população da cidade. Acreditando nisso, em 1975, Eva passou a direcionar sua luta para impor seus princípios com a ética necessária para reverter o ciclo depressivo pelo qual o teatro passava. A relação de Eva Sopher com a mídia ia além do campo cultural, pois usava essa articulação no enfrentamento do campo político e econômico, evidenciando sua posição de destaque e permeando uma densa rede de relações. O teatro necessita de recursos e o Estado concentrava instrumentos de coerção, capital econômico e capital simbólico, acumulando um grande poder sobre os outros capitais e seus detentores nesse campo. O Estado é um agente do campo e um campo ao mesmo tempo, possuindo poder de legitimar pessoas, grupos e instituições e garantindo-lhe se revestir de um poder simbólico. As tensões e as negociações que Eva Sopher e o Estado enfrentavam, pelas práticas adotadas, conferiram ao espaço social arenas políticas, conforme os posicionamentos adotados por cada agente para assegurar o domínio sobre o teatro. A combinação do habitus e da dotação de capitais (econômicos, sociais, cultural e simbólico) que cada um detinha sobre o campo fundamentavam o sentido das relações sociais e das ações de que o teatro necessitava. Nesse aspecto, Eva detinha um conjunto de disposições necessárias, habitus, para perceber o meio cultural e político que a cercava, permitindo-lhe conduzir suas práticas frente à gestão do teatro. Com a criação da AATSP passou-se a introduzir um novo modelo de captação de recursos para o local com a participação da iniciativa privada. Dentro desse espaço, atuava, ao mesmo tempo, o Estado com a FTSP e a AATSP, apresentando mecanismos diferentes de captação de recursos 131

para o local. Com sua bagagem pessoal e profissional, Eva adotou novas práticas na condução operacional e estratégica do teatro, permitindo com que este se transformasse num complexo cultural. A partir dos valores éticos e sociais da própria Eva Sopher, a questão da inclusão social também foi erguida, mesmo sendo uma área de pouca sensibilidade no meio empresarial e no campo econômico por ele representado. Por meio da memória organizacional da AATSP, pode-se ver que a limitação de recursos com que a Associação convivia fazia com que seus gestores planejassem e buscassem outras formas de financiamento para aumentar sua eficácia. Isso é evidenciado com as novas estratégias de gestão que fizeram com que a AATSP diversificasse suas fontes de receita para cobrir suas despesas. Ao longo do tempo, a Associação mostrou um comportamento mais significativo, tornando-se não mais uma entidade de “apoio” da FTSP, mas sim a entidade gestora principal. O Estado foi mudando sua forma de atuação dentro do campo, transferindo para a AATSP a responsabilidade de captação de recursos para promover a manutenção do teatro. Ao mesmo tempo, foi se afastando da gestão do local e intervindo indiretamente por meio de renúncias fiscais para médias e grandes empresas. A relação que se dá, entre o espaço e os gestores, permite identificar formas diferentes quanto às responsabilidades que cada um possui na tomada de decisões. Numa das reuniões entre os Conselhos e Diretoria Executiva da AATSP, foi pontuado que a relação entre a Fundação e a Associação havia se invertido, pois a responsabilidade da AATSP era apoiar a Fundação, mas com o passar do tempo, ela assumiu maior responsabilidade quanto à administração financeira. Alguns conselheiros apontaram que não era papel da Associação prover o quadro de funcionários e sim agregar valor cultural. Além disso, foi colocada a preocupação do risco de fechamento do Theatro, caso o Governo do Estado não cumprisse pontualmente com os repasses dos recursos para ambas as instituições. O Ministério Público vai ao encontro dessa questão, colocando a vantagem que se mostra ao erário público e ao desenvolvimento da cultura no Estado ter a AATSP como parceira no gerenciamento do teatro e do complexo. Outro ponto de destaque no parecer do Ministério Público é o fato de haver poucos funcionários no quadro da Fundação, diferentemente do que acontece na Associação, que emprega mais de 50 pessoas. Pelo fato de a AATSP 132

ter gerenciado grandes quantias de recursos financeiros, em 2010, o Ministério Público recebeu denúncias de conduta duvidosa quanto à aplicação de tais recursos e atuou com o objetivo de apurar possíveis irregularidades na locação de espaços para terceiros, bar do foyer e restaurante, sem prévia licitação. No entanto, depois de verificada a lisura da gestão, concluiu-se que as receitas provenientes dos preços praticados das locações eram compatíveis aos praticados pelo mercado, reforçando que a cessão das áreas para a Associação pela FTSP estavam amparadas por lei, já que o órgão possuía autonomia administrativa e financeira para estabelecer contratos de concessão ou permissão de uso de bem público para a AATSP. Na medida em que o teatro expandia sua participação na cena cultural, os gestores da AATSP viram-se obrigados a adotar novas posições dentro do jogo para dar conta de suas despesas, o que os levou a perceber a necessidade de ampliar suas ações para outras esferas além do território estadual. A partir desse momento, a busca por novas práticas foi se moldando na gestão da entidade, trazendo novas fontes de investimentos para a expansão da infraestrutura do complexo.

133

4 THEATRO SÃO PEDRO: FINANCIAMENTO SOB AS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA

Determinada a ampliar o escopo de atuação do Theatro São Pedro no campo cultural, a AATSP percebeu a oportunidade de recorrer às leis de incentivos culturais para gerir a expansão do local. Tanto a Lei Rouanet, a nível federal, como a Lei de Incentivo à Cultura (LIC), a nível estadual, foram o ponto de partida para alterar fisicamente a estrutura do teatro e ampliar a diversidade da oferta cultural. Inicialmente instituídas nos anos 1990, essas leis impuseram à Associação alterar seu modus operandi na gestão de suas rotinas na medida em que uma série de projetos foram sendo desenvolvidos e submetidos a essas leis de renúncia fiscal. Nesse ambiente, a Associação recorreu ao financiamento do setor público via isenção fiscal e passou a delinear outra relação com os agentes financiadores de seus projetos que, agora, têm interesses múltiplos nesse processo. De um lado, a Associação, com foco em garantir recursos volumosos para a construção da obra do complexo do teatro, e de outro, a iniciativa privada com o objetivo de apoiar projetos que garantissem retorno de visibilidade da imagem. A cultura passa a ser um elemento na formulação das ações de marketing das empresas, um componente estratégico para garantir o financiamento dos projetos do teatro. Como coloca Boas (2005),

[...] temos que perder o pudor e entender a cultura como uma atividade que precisa de sustentabilidade e de lucro... com a velocidade das novas sociedades, é necessário que o setor cultural busque novos princípios de gestão, atualize suas tecnologias e instrumentos de trabalho [...] e, sobretudo que haja uma disposição dos dirigentes culturais para repensar seus projetos de seus espaços. (BOAS, 2005, p. 102).

Convictos desse pensamento, os gestores da Associação vislumbraram ações transformadoras no teatro caso os recursos via incentivos fiscais fossem captados e começaram a programar periodicamente o envio dos projetos. O Estado, nesse momento, atuaria no campo financiando indiretamente o local, deixando para os patrocinadores comandar a política cultural. Nesse sentido, o presente capítulo apresenta a contextualização das políticas culturais e as estruturas de operacionalização das leis de incentivo cultural federal e estadual. E, ainda, mostra o desempenho quantitativo dos projetos submetidos pela 134

AATSP ao Ministério da Cultura e à Secretaria da Cultura, permitindo uma análise de seus impactos na condução da transformação do teatro.

4.1 Desenvolvendo o setor cultural: modelos de financiamento

A partir do momento em que o teatro foi reinaugurado, em 1984, suas instalações se limitavam ao prédio construído no século XIX. Quando Eva Sopher assumiu a gestão do local, sua visão de potencializar o espaço já norteava seus pensamentos. Para isso, solicitou aos governantes estadual e municipal a cessão da área ao lado do teatro. Cedido esse espaço, sua preocupação passou a ser a forma de obtenção de recursos para essa nova etapa, já que por sua experiência anterior os repasses financeiros do setor público nunca foram feitos como planejado. Nesse aspecto, deve-se pensar que a cultura sempre foi um setor marginalizado pelo Estado, comparado com outras áreas econômicas, e esse aspecto fica evidente quando são considerados os repasses diminutos que a área recebia em relação ao montante orçamentário global. Ao que se vê, a relação entre Estado e cultura é complexa, pois ao mesmo tempo que existem motivos para seu investimento, como promover a identidade nacional, coesão social, ampliação dos direitos sociais, acesso a bens culturais e consolidação das classes, existe, ainda, a questão do reforço de tendências políticas, do poder central:

[...] o financiamento à cultura foi, por vezes, motivado por fatores exógenos à própria dinâmica interna do circuito cultural... Isso se observa em boa parte dos países com significativo financiamento à cultura: foram sociedades que, em função de demandas históricas – em suas dimensões política, social e inclusive militar –, promoveram a cultura como uma arma simbólica para lidar com embates concretos... Vale, ainda, salientar que a intervenção do Estado na cultura atuou em favor de ideologias, sejam elas totalitárias, liberais ou social-democratas. (GILLIOLI; CHAVES, 2015, p.4).

Na época da reconstrução do teatro até sua reinauguração, Eva Sopher vivenciou um ciclo em que a má vontade política do Estado e a inexistência de leis que incentivassem o setor permeavam o campo cultural. Tendo conhecimento da situação, suas armas concentraram-se na aliança com à opinião pública, por meio de parcerias com jornalistas para remover o primeiro obstáculo, já que o segundo aspecto cabia aos governos. Na época de reconstrução do local, o apoio envolveu unicamente o setor governamental, com recursos oriundos diretamente do orçamento público, principalmente o federal, e mesmo depois da criação da 135

Fundação Estadual do Teatro São Pedro, a forma de financiamento continuava sendo orçamentária. Somente em 1984 é que o envolvimento do setor privado começou a fazer parte do processo por meio da Associação Amigos do Theatro São Pedro. Mesmo assim, o Estado ainda era o principal agente responsável pelo financiamento dos espaços culturais. Desde que a Unesco72 colocou a cultura como fator relevante para o crescimento e o desenvolvimento dos países, o tema faz parte do planejamento público, envolvendo fatores de decisão, objetivos, propostas, leis, regras, implementação, execução e avaliação e, ainda, critérios de seleção do que será financiado, solicitado, promovido e valorizado73 (REIS, 2012). De todos esses aspectos, o financiamento é a questão chave da equação a ser solucionada pelos agentes públicos, já que os recursos destinados oscilam frequentemente (GILLIOLI; CHAVES, 2015). Além disso, a definição de quais os agentes que se envolverão – se públicos ou privados ou ambos, e a forma da gestão – que incluem decisões orçamentárias, financeiras, fiscais, normas, procedimentos, alocação de recursos humanos, formulação de metas, delimitação de atores envolvidos, interfaces e transversalidades de cada ação – são elementos a serem decididos pela política cultural de financiamento (CALABRE, 2007). Nesse aspecto, a forma com que cada agente atua dentro do campo faz diferença para o desenvolvimento na área, principalmente porque o Estado possui diversos instrumentos de política fiscal além dos recursos diretos do orçamento74. O Estado75 age também com a intervenção direta, por meio de subsídios e fundos públicos; e com a intervenção indireta, por meio de incentivos fiscais por meio de redução de alíquotas, isenção ou compensação financeira (SILVA, 2010).

72 Até os anos 60, a construção das políticas culturais apontava o Estado como agente responsável pelo desenvolvimento da área, de acordo com a definição da UNESCO (1969, p.7), pois a política cultural era entendida como “[...] um conjunto de princípios operacionais, práticas e procedimentos administrativos e orçamentários que fornecem uma base para a ação do Estado”. 73 Além disso, a política cultural deve atender às necessidades culturais, incluindo “[...] objetivos e interesses dos diferentes atores e agentes culturais; nível de participação e de reivindicação dos diferentes grupos sociais; e recursos disponíveis (materiais, humanos, de informação, tecnológicos, etc.).“ (REIS, 2012, p. 7). 74 Além desses, Saraiva (1999) salienta a presença de outros agentes no financiamento cultural como: as indústrias culturais, que são agentes integrantes do setor produzindo bens culturais, como é o caso da Walt Disney; os produtores, que são agentes que apoiam o meio cultural por meio da criação e da reprodução da atividade, como é o caso de companhias de teatro; as manifestações autossustentadas e os fundos internacionais, que integram países e organizações atuantes em rede. 75 O apoio governamental pode acontecer, ainda, por instituições públicas não culturais e domínio público pagante (SARAIVA,1999). 136

Além disso, o setor privado pode agir na área cultural mediante a criação de fundações/organizações empresariais e na doação via mecenato76 ou patrocínio. O mecenato se traduz no apoio sem contrapartida direta por parte da empresa para o beneficiário, enquanto que no patrocínio o interesse da empresa é a presença publicitária ou a promoção da imagem ou marca que o patrocinado deve difundir (SARAIVA, 1999). Na prática, cada país adota o seu modelo de política cultural, combinando esses instrumentos77 e levando em consideração o desenvolvimento histórico, os objetivos, os conceitos e os instrumentos de intervenção (LIMA et al., 2013). O modelo dos Estados Unidos e o da França se destacam no cenário cultural por suas características peculiares e por servem de ponto de partida para entender o caso do Brasil, principalmente porque é por meio dos instrumentos adotados no país que Eva Sopher tomou a decisão de recorrer a outras modalidades de intervenção para expandir o Theatro São Pedro. O caso dos Estados Unidos é antigo78 e volta-se para o mercado com a criação de fundações em diversas áreas que atuam por meio de política pública com incentivos, reduções e exonerações fiscais, tanto para pessoas físicas como para pessoas jurídicas, destinadas a organizações artísticas e culturais. O sistema tem como principal instrumento a renúncia fiscal sobre doações de indivíduos, empresas e fundações, e 77% volta-se para o mecenato privado (56% indivíduos, 5% empresas e 16% fundações), enquanto os outros 23%, para o financiamento público. O poder de decidir sobre o que será fomentado culturalmente recai sobre os gostos dos doadores, que “[...] geralmente concentram suas ações em eventos de grande visibilidade de acordo com os padrões da indústria cultural.” (LIMA, 2013, p. 13). O apoio do setor privado à cultura gera publicidade, relações públicas e a possibilidade de fazer novos negócios e ajudar na própria construção da

76 A origem do mecenato vem dos anos 30 a.c. a 10 d.c. Na época, o político romano Caio Mecenas convenceu o imperador a formular uma política de apoio às artes, iniciando nesse momento, a intervenção do Estado no financiamento da cultura. Mais tarde, outros agentes apareceram, como as igrejas, a burguesia e a nobreza (RUBIM, 2005). 77 Três modalidades se destacam: a primeira objetivou consolidar a identidade nacional, preservar o patrimônio e reconhecer a diversidade das comunidades pertencentes ao Estado nacional; a segunda objetivou diminuir o impacto (cultural/ econômico) da indústria cultural estrangeira, fortalecer a indústria nacional e fomentar o setor econômico criativo. Já a terceira objetivou ampliar o acesso à cultura consagrada e apoiar a produção simbólica dos diversos segmentos sociais (LIMA et al., 2013). 78 Trajetória iniciada pela elite, no século XIX, que via nessa ação uma forma de legitimar sua posição social. 137

imagem da empresa (GILLIOLI; CHAVES, 2015). O setor público79 também atua na esfera cultural, mas de forma mais limitada, por meio de órgãos governamentais, como os conselhos de arte e as agências estatais independentes - que recebem recursos públicos e repassam para instituições sem fins lucrativos, artistas e produtores – e da criação de fundos de investimentos públicos. O setor público atua complementando recursos, no limite de 100%, compartilhando o risco do projeto com a iniciativa privada. Existem diversas formas de incentivos como: o individual grants, fundos que são repassados de baixo valor para cobrir os projetos; o matching grants, contribuições diretas do governo complementadas com recursos privados; o reserve matching, contribuições diretas do governo que complementam os recursos privados e o challenging grants, em que o governo financia 25% dos projetos, enquanto o beneficiário tem que captar o restante via patrocínio (GILLIOLI; CHAVES, 2015). Já o modelo da França aponta para o Estado a responsabilidade maior de promoção da cultura, e “[...] o resultado desta conduta pode ser observado na atualidade, sendo a França um dos polos culturais da Europa e com uma indústria cultural riquíssima” (POLETTO, 2018, p. 36). A valorização e o fortalecimento da identidade nacional fizeram com que o governo dominasse a sua posição no financiamento, na programação e na produção das artes, acreditando que o campo cultural englobava todos os aspectos da vida social. Para isso, em 1970, o Estado instituiu um órgão público, o Ministério da Cultura80, com competência para formular e conduzir a política cultural. O órgão é composto de uma estrutura organizacional dividida em diversas subsecretarias internas voltadas para museus, monumentos históricos, arquivos, teatros e cinema, e cada área recebia um determinado montante de recursos. Cada governo, democraticamente eleito, elabora o seu modo de promover as artes, o patrimônio cultural e a proteção social dos artistas (LIMA, 2013). O Estado investe na cultura por meio de financiamento publico direto e por fundos públicos81. Apenas em 1980 a iniciativa privada começou a investir na área com

79 Nos anos 60, o boom do mercado nas grandes metrópoles e o maior consumo a aquisição dos bens culturais foram aspectos que levaram o setor público a intervir na área. 80 Criado em 1960 e que serviu de modelo para outros países. 81 Desde 1979 o Estado criou fundos públicos para apoiar o setor, como o Fundo de Intervenção Cultural (FIC), o Fundo Nacional do Livro, o Fundo Cultural do Livro, o Fundo de Incentivo à Criação (FIACRE), o Fundo Nacional de Arte Contemporânea (FNAC), o Fundo de Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (FDIC), a Associação de Apoio ao Teatro Privado, entre outros (SARAIVA, 1999). 138

incentivos fiscais82 como forma de complementar a atuação do governo. O sistema se baseava na dedução sobre o lucro tributável no limite de 3% da renda bruta para compra de obra de arte, aquisição, locação e manutenção de lugares históricos (SARAIVA, 1999). Atualmente, a Lei Aillagon83 se apresenta como o instrumento de incentivo para a iniciativa privada, pessoas físicas e jurídicas, investirem no setor. As pessoas jurídicas são incentivadas a investir pela redução do imposto de renda em até 60% do montante da doação, limitado a 0,5% dos impostos sobre a receita; já as pessoas físicas, pela redução em até 66%, limitado até 20% da renda tributável (GILLIOLI; CHAVES, 2015; SILVA, 2010). O financiamento via mecenato volta-se para determinadas áreas culturais, como música e artes cênicas, denominadas de artes ao vivo, além dos museus, podendo se dirigir também para as Fundações que são instituições sem fins lucrativos, e cujos recursos são dedutíveis do faturamento. No mecenato francês não há uma seleção prévia dos projetos a serem apoiados, bastando os beneficiários fazerem uma autoavaliação para saber se estão em condições de receber o benefício (SILVA, 2010). No entanto, o reconhecimento de utilidade pública é pré-requisito para a entidade receber doações e as empresas definirem uma política interna de patrocínios, buscando projetos pelos clubes de mecenato “[...] ligados a estabelecimentos culturais específicos ou a grupos patronais.” (VALLIATTI, 2005, p. 13). No caso do Brasil, pode-se perceber dois ciclos distintos quanto à formulação e à execução da política cultural84: o primeiro, entre 1930 e 1970, aproximando-se mais do modelo da França, em que o Estado concentrava o poder de financiar e formular ações para a área; e o segundo, entre 1980 até os dias atuais, assemelhando-se mais ao modelo dos Estados Unidos, em que a iniciativa privada toma a frente do processo de financiamento.

82 A Lei n. 87.571/87 autorizou o incentivo fiscal para as empresas podendo “[...] deduzir de seu lucro tributável, dentro do limite de 3% da sua renda bruta, o valor de aquisição de uma obra de arte, assim como os gastos de aquisição, locação ou manutenção de lugares históricos.” (SARAIVA, 1999, p. 99). 83 O Ministro da Cultura na, época Jean Jacques Aillagon, nomeado Ministro da Cultura e Comunicação da França em 2002, modifica a Lei de 1º de julho de 1901 relativa ao contrato das associações e a Lei de 23 de julho de 1987 quanto ao desenvolvimento do mecenato, bem como o Código Geral de Tributos. (GILIOLLI: CHAVES, 2015). A lei apresenta vinte e três artigos e quatro eixos norteadores: “[...] desenvolvimento da filantropia dos indivíduos, por meio de reforço substancial dos incentivos fiscais; incentivo ao patrocínio empresarial, dobrando o incentivo fiscal; redução das bases de tributação das fundações; e aceleração e simplificação do reconhecimento de utilidade pública.” (POLETTO, 2018, p. 35). 84 Desde o século XIX o setor cultural fazia parte da pauta da condução política do país, quando foi criada a Biblioteca Nacional e a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. 139

No primeiro caso, a cultura recebeu maior atenção do Estado por meio de investimentos em educação com a criação do Ministério da Educação e Cultura - MEC (GILLIOLI; CHAVES, 2015). O Estado passou a ser o financiador direto da área com recursos orçamentários, mas o que se percebe foram iniciativas isoladas no sentido de dar maior institucionalidade para o setor, e não políticas no seu sentido mais amplo85 (CALABRE, 2007). Mas é no período militar, nos anos 1960, que o Estado coloca como meta política o setor cultural por meio do Programa de Ação Cultural (PAC)86, “[...] formalizando um conjunto de diretrizes para o setor que se refletiu imediatamente num novo desenho institucional.” Como estratégia, o país adota “[...] investimentos em infraestrutura, principalmente na área de telecomunicações, que favoreceram a consolidação da indústria cultural” e ainda “[...] a criação de órgãos governamentais destinados a regulamentar e organizar a produção e a distribuição cultural pelo território brasileiro.”87 (FERNANDES, 2006, p.110). O financiamento deu-se via orçamento público proveniente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), bem como de incentivos fiscais sobre as importações de equipamentos visando à modernização dos meios de comunicação. A partir de 198688 altera-se o modelo de política cultural no país, passando a iniciativa privada a ser o agente principal do processo. Essa mudança aconteceu

85 Entre os anos 1940 e 1950, o setor privado conduziu mais intensamente a área por meio da criação de diversas instituições culturais, como o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, a Fundação Bienal São Paulo e o Museu de Arte de São Paulo (MASP) (FERNANDES, 2006). 86 Cria-se o Conselho Federal de Cultura, Conselhos Estaduais e Municipais de Cultura, o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), o Conselho Nacional de Cinema (CONCINE) e reformula-se a Empresa Brasileira de Filmes (EMBRAFILME). Ainda, institui-se o Departamento de Assuntos Culturais - DAC, dentro do MEC86, o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), o Conselho Nacional de Cinema, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE), o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), a Fundação Nacional Pró-Memória, e, ainda, a Secretaria de Assuntos Culturais, voltada para a produção, circulação e consumo da cultura, e o Departamento de Assuntos Culturais, voltado para o patrimônio. 87 O PAC dinamizou o setor que antes detinha recursos escassos, ampliando o incentivo a outras atividades artístico-culturais, preservando a cultura e o incentivo da identidade nacional e buscando ações para ampliar o mercado de bens culturais e formar público consumidor desses bens (FERNANDES, 2006). Nessa proposta, o setor patrimonial, as atividades culturais e artísticas e a capacitação de pessoal foram os segmentos a serem incentivados, e cuja meta foi implementar “[...] um ativo calendário de eventos culturais patrocinados pelo Estado, com espetáculos nas áreas de música, teatro, circo, folclore e cinema com circulação pelas diversas regiões do país, ou seja, uma atuação no campo da promoção e difusão de atividades artístico-culturais. (CALABRE, 2007, p.89). 88 O Ministério da Cultura já existia, desde 1985, e era o órgão com competência para formular a política cultural do país. O Ministério da Educação e Cultura é dividido em dois campos específicos, o Ministério da Cultura (MINC) e o Ministério da Educação (MEC) (FERNANDES, 2006). 140

com a promulgação da primeira lei de renúncia fiscal, a Lei Sarney89, que autorizava a isenção de impostos federais às empresas que investissem no campo cultural, passando a ser o principal instrumento de intervenção pública da política cultural. Nesse caso, o Estado começou a atuar como mediador entre produtores e financiadores, exigindo que os produtores preenchessem um cadastro como forma de identificar os sujeitos interessados em captar recursos90. Com essa forma de atuação, transfere-se o poder de decisão para as empresas sobre quais atividades apoiar, e as políticas deixam de ser quase monopólio dos estados nacionais e passam a ser formuladas por agentes privados diversos (RUBIM, 2009). Em 1991, a Lei Sarney é substituída pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, diga-se Lei Rouanet91, objetivando dar continuidade à política de incentivo fiscal às empresas, mas ampliando as modalidades de incentivo e o caráter mercadológico mais agressivo aos projetos apoiados. Tanto que em 1995, o governo federal lançou uma cartilha com a máxima “cultura é um bom negócio”, fortalecendo o marketing cultural das empresas e enaltecendo a figura do agente cultural - pessoa capaz de elaborar o projeto e captar recursos atuando como um intermediário entre artista e empresário (RUBIM, 2007). Com essa mudança, os produtores culturais ficaram autorizados a contratar serviços das agências de publicidade para elaborar as propostas, e os departamentos de marketing e

89 Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986. O incentivo era feito por meio de doações, patrocínios e investimentos, destinando até 100% em caso de doação, 80% de patrocínio e 50% em investimentos, limitado a 10% de dedução de imposto de renda para pessoa física e lucro líquido para pessoa jurídica. No caso do patrocínio, as empresas poderiam aplicar apenas 30%, e o restante seria descontado via imposto de renda (BRASIL, 1986c). 90 Para Fernandes (2006), a Lei Sarney apresentou falta de estrutura e normatização na prestação de contas e concentração do beneficio apenas nos produtores culturais pessoa jurídica, bem como falta de apreciação de projetos, concentração para segmentos culturais de cunho comercial e escolha de projetos sem caráter público. Não havia critério para seleção de projetos e do caráter cultural das entidades ou controle, e as instituições se cadastravam, mas não prestavam contas do uso do recurso (SILVA, 2010). Além disso, a evasão fiscal e a sonegação também foram aspectos que fizeram da lei um desestímulo para o financiamento cultural (BARBALHO, 2007, p. 47). Barbosa e Filho (2015) apontam três aspectos importantes para o fracasso da Lei Sarney: primeiro, as empresas escolhiam projetos artísticos culturais irrelevantes; segundo, o gasto público indireto financiava uma visão de arte particular; e terceiro, o financiamento promovia o investimento no marketing empresarial. A lei permitia que as despesas do setor público por programas revelassem escolhas políticas e concepções de valores e prioridades, ou seja, diferentes estilos de gestão do governo incidiam na programação orçamentária e os fluxos financeiros. 91 Lei nº 8.313/91 conhecida como Lei Rouanet atribuída ao Secretário da Cultura, na época, Sérgio Paulo Rouanet. Juntamente com essa lei, em 1993, institui-se a Lei do Audiovisual (Lei n. 8.685/93) onde o apoio via patrocínio pode chegar a 100% do investimento para as empresas até um limite de 3% do imposto de renda devido. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8685.htm. Acessado em: 10 jul. 2019. 141

comunicação das empresas, bem como das fundações culturais privadas92, ganharam espaço e aumentaram seu interesse pelo marketing cultural. A lógica para o financiamento da cultura era: Estado mínimo, política fiscal e mercado93. Nesse formato de política cultural é possível diferenciar alguns aspectos que diferenciam o comportamento do Estado e da iniciativa privada (Quadro 6). No Estado, a motivação do financiamento é social, promover o bem-estar da coletividade geral, objetivando a democratização, a diversidade e a identidade nacional a fim de eliminar as desigualdades de acesso à cultura, abranger o máximo de projetos regionais e fomentar a economia local entre outros. Para isso, a articulação do Estado não é isolada, contando com a inclusão dos diversos setores econômicos.

Quadro 6 – Comportamento do setor público e privado no financiamento da cultura Aspectos Setor público Setor privado Social ou pessoal (mecenato) e comercial Motivação Social (patrocínio) Consumidores/clientes atuais ou potenciais, fornecedores, funcionários, Público-alvo População em geral governo, formadores de opinião, jornalistas, comunidades, etc. Pessoais ou sociais (mecenato) ou Os estabelecidos na política cultural: estabelecidos durante a estratégia de Objetivo democratização, diversidade, comunicação: divulgação da marca, promoção da identidade nacional, aprimoramento da imagem, etc. endomarketing, promoção junto a segmentos, patrocínio, etc. Forma de Eliminação das desigualdades de Cobertura de mídia, levantamentos de mensuração acesso à cultura, distribuição conhecimento da marca, estudos de dos descentralizada dos projetos e imagem, predisposição à compra, resultados instituições culturais, estudo de aprovação de projetos, etc. esperados imagem do país, aquecimento da economia local, etc.

92 Muitas vinculadas às instituições financeiras. 93 O efeito foi a concentração regional e em projetos de fundações privadas “com origem nos setores bancários, as multinacionais da área de telecomunicações ou de grandes conglomerados”, privilegiando áreas mais “glamourosas como cinema, espetáculos musicais e peças do show business.” (PORTO, 2007, p. 163 e 164). “[...] A nova versão da lei reforçou o movimento de transferência para o mercado de uma parcela crescente da responsabilidade sobre a política cultural do país. Por um lado, o Estado abdica de determinar onde investir o dinheiro, o que deveria ocorrer dentro de um planejamento em longo prazo. Por outro, a escolha de qual projeto cultural deve receber o mecenato custeado. Por sua vez, a Lei Rouanet, desacompanhada de uma política nacional de cultura, reforçou as desigualdades entre as regiões brasileiras no que se refere ao apoio à produção cultural. Este desnível foi observado pelo Ministério, que procurou promover a divulgação nacional da lei e de suas vantagens junto aos artistas, produtores, empresários e empresas de marketing, bem como ministrando cursos sobre elaboração de projetos, captação de recursos etc. […]” (BARBALHO, 2007, p.48). 142

Quadro 6 – Comportamento do setor público e privado no financiamento da cultura

Setores econômicos, social, Com a comunidade (mecenato) ou com a Articulação educacional, tecnológico, de relações estratégia de comunicação da empresa exteriores, etc. (patrocínio)

Fonte: Reis (2006, p. 182).

No financiamento privado a motivação volta-se para o comercial, com a intenção de focar nos consumidores, objetivando ganhos individuais na difusão da imagem, agindo estrategicamente por meio do marketing cultural a fim de coletar informações sobre a mídia, marca e demanda. O investimento das empresas passa a ser “[...] de natureza diversa, seja do aumento de prestígio e reconhecimento que se enquadra no campo do simbólico, ou mesmo com o aumento no faturamento e nos lucros, pertencente ao campo material e tangível”, pois o marketing cultural “[...] dedica uma preferência estratégica às artes e o entretenimento pela evidente possibilidade de associação e exibição das suas marcas em espetáculos com potencial atração de público” (FREIRE, 2012, p. 57- 60). Nesse caso, a articulação incide sobre a comunidade que recebe o apoio e com o setor de comunicação das empresas onde

[...] o caráter mercantil da negociação distancia o marketing cultural das iniciativas culturais normais do Estado e aproxima-o da ação do mercado. Em trajetória inversa, a perseguida produção das imagens sociais tem proximidade com certa atuação cultural do Estado orientada pela necessidade de legitimação social, mas afasta o marketing cultural de uma realização mercantil de outra mais imediata, como aquela inscrita na lógica da indústria e do consumo cultural. (RUBIM, 1998, p. 145).

Ou seja, o que se vê é uma forte relação entre mercado e o campo da cultura; relação complexa, que inclui diversos agentes e formas de intervenção diferenciadas, em que cada umatua com objetivos e ações distintos. Considerando esse modelo de financiamento do país, e o anseio para transformar o teatro num complexo, Eva Sopher, em 2001, tomou a decisão de recorrer a esse instrumento para financiar o local. A ideia era buscar recursos, por meio da Lei Rouanet, junto a grandes empresas como Petrobrás, Votorantin ou Gerdau, entre outras (MORAES, 2018). Com esse movimento, a AATSP inaugurou uma nova fase na gestão de recursos, tornando-se pela primeira vez proponente de um projeto de construção de infraestrutura. Diante dessa decisão, a Associação contratou uma profissional da 143

área artística e jurídica para elaborar a proposta, capacitando-se como entidade para atender às exigências legais do processo. O projeto Multipalco foi pensado por “[...] por 3 arquitetos que não tinham nada em comum, nenhum approach, familiaridade com o mundo cultural e menos ainda com o teatro. Foi preciso ir adaptando aos poucos.” (MORAES, 2018). Em 2003, o projeto foi submetido ao Ministério da Cultura e seguiu todos os trâmites obrigatórios do processo. O resultado final foi exitoso, para uma primeira participação, e sua aprovação autorizou a captação de R$ 24 milhões de reais94. Enquanto isso, as empresas de arquitetura já haviam começado a obra quando, em 2002, a demolição do prédio foi iniciada e, em 2003, começaram a escavar o terreno. Os recursos foram, na sua totalidade, provenientes da Lei Rouanet ou de doação direta. Mais adiante, houve também um recurso do Tesouro Federal que foi usado para comprar elevadores (MORAES, 2018). Como aponta Moraes,

[...] nesse projeto Multipalco não existe um tostão de verba orçamentária de qualquer poder, [...] nenhuma verba orçamentária do governo do Estado, Federal, Municipal, [...] nada. [...] é Lei Rouanet ou doação direta, não tem outro tipo de recurso nenhum. [...] tem uma pequena verba federal que o Deputado Zambiasi nos concedeu; [...] e por sinal a primeira deu problema por inexperiência nossa, e minha em particular; [...] a gente demonstrou a utilização diferente e tivemos que devolver. [...] a gente usou a verba para comprar os elevadores. [...] no ano seguinte (a verba voltou) para cobrir aquilo ali e foi aí que nós compramos os elevadores [...] (MORAES, 2018, grifo nosso).

A partir desse momento, a construção do complexo fez com que a AATSP ganhasse uma dinâmica diferente, distinguindo-a de todas as demais associações.

4.2 A Lei Rouanet, o Theatro São Pedro e o Multipalco

A Lei Rouanet, até hoje presente na política cultural do país, apresenta três instrumentos de financiamento para a cultura: dois fundos públicos, o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (FICART), além de incentivos fiscais. O Fundo Nacional de Cultura (FNC) volta-se para a concessão de recursos não reembolsáveis ou financiamentos reembolsáveis95 de

94Esse projeto foi encerrado apenas em 2017, pois houve mais de 18 prorrogações de prazo de captação, sendo permitido até 3. Esse projeto hoje está orçado em 60 milhões, sendo que já foram colocados 40 milhões entre LIC, Rouanet e sem incentivo fiscal (SOUZA, 2018). 95O financiamento desse fundo pode incluir bolsas de estudo, de pesquisa e de trabalho - para 144

até 80% do custo total do projeto, devendo o proponente estabelecer uma contrapartida como complementação do custo total; enquanto que o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (FICART) constituiu-se num condomínio de recursos via mercado de capitais onde o detentor das quotas do fundo aufere rendimentos e ganhos de capital os quais ficam isentos de impostos96. A modalidade de incentivo fiscal97 estimula pessoas físicas e jurídicas por meio da dedução do imposto de renda na modalidade de doação ou patrocínio. No caso de pessoas físicas, o abatimento pode ser de 80% no caso de doações e de 60% para patrocínios; ao passo que para as pessoas jurídicas a taxa chega a 40% se forem doações e 30% se forem patrocínios. Pela lei, patrocínio é definido como a transferência de valores monetários com a finalidade promocional, e doações como a transferência de valores monetários sem essa finalidade. O programa apoia cinco categorias de projetos98:  incentivo à formação artística e cultural, que inclui concessão de bolsas de estudo, pesquisa e trabalho; concessão de prêmios; instalação e manutenção de cursos de caráter cultural ou artístico;  fomento à produção cultural e artística, contemplando produção de discos, vídeos, obras cinematográficas; edição de obras; realização de exposições, festivais de arte, espetáculos de artes cênicas, de música e de folclore; cobertura de despesas com transporte e seguro de objetos de valor cultural; realização de exposições, festivais e espetáculos artísticos;  preservação e difusão do patrimônio artístico, cultural e histórico, voltado à construção, formação, organização, manutenção, ampliação e equipamento de museus, bibliotecas, arquivos e outras organizações culturais; conservação e restauração de prédios, monumentos, logradouros e sítios; restauração de obras de artes e bens móveis e imóveis; proteção do folclore, do artesanato e das tradições populares;

realização de cursos ou desenvolvimento de projetos, no Brasil ou no exterior; concessão de prêmios; custeio de passagens e ajuda de custo para intercâmbio cultural, no Brasil ou no exterior; transferência a Estados, Municípios e Distrito Federal para desenvolvimento de programas, projetos e ações culturais. 96Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é o órgão competente para gerir os fundos. Até este momento, esse fundo ainda não foi regulamentado. 97O limite de renuncia fiscal autorizado pelo Ministério da Fazenda é definido anualmente por beneficiário, e as entidades incentivadoras e captadoras devem comunicar os aportes realizados e recebidos. 98 Artigo 3º da lei que institui o PRONAC, Lei nº 8.313/91. (BRASIL, 1991). 145

 estímulo ao conhecimento dos bens e valores culturais, que abrange a distribuição gratuita e pública de ingressos; levantamentos, estudos e pesquisas na área da cultura e da arte; fornecimento de recursos para o FNC para entidades de caráter cultural;  apoio a outras atividades culturais e artísticas, que compreendem a realização de missões culturais; contratação de serviços para elaboração de projetos culturais e outras ações não previstas, mas relevantes. Com relação à gratuidade de ingressos, a intenção do setor público é democratizar o acesso aos bens e serviços à população com preços de comercialização baixos ou até mesmo gratuitos. Nesse caso, tanto patrocinadores quanto beneficiários podem ter, cada um, distribuição gratuita promocional de até 10% dos produtos do projeto e ter sua imagem visível nos produtos, atividades, obras, peças promocionais e campanhas institucionais dos projetos. Ou seja, a visibilidade da imagem da empresa é o meio de incentivar o marketing cultural. A figura do proponente, pessoas físicas e jurídicas, públicas ou privadas, atuantes na área cultural, torna-se agente importante no processo de captação. Os projetos passam a ter maior qualificação por meio do conhecimento das regras, preenchimento dos formulários e acompanhamentos dos prazos. As propostas devem acompanhar as etapas de apresentação, período de recebimento, análise, aprovação, execução, acompanhamento, prestação de contas e avaliação de resultados99. Com o conhecimento dessas regras, a Associação Amigos do Theatro São Pedro começou a submeter projetos ao Ministério da Cultura, iniciando uma trajetória crescente de participação sob as leis de incentivo cultural. Entre 1997 a 2018, foram submetidos 23 projetos, projetos estes relacionados não apenas á construção de infraestrutura, mas também a atividades culturais variadas. Os demais projetos se relacionaram a apresentações de artes cênicas, musicais, edição de livro, oficinas, palestras e acervos digitais, como pode ser conferido no Quadro 7.

99 Caso o proponente não consiga captar recursos nas datas exigidas, a prorrogação do prazo pode ser aceita. Para qualificar a aprovação dos projetos aptos a receber os incentivos, o Ministério da Cultura os encaminha para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura bem como para os Conselhos de Cultura nos estados para que esses agentes possam emitir pareceres. 146

Quadro 7 - Projetos submetidos à lei de incentivo cultural federal, 1997/2018 Ano Nome do projeto Objetivo 1997 Vídeo TSP Produzir um vídeo com a história do teatro. 1998 MPB e chorinho Realizar uma programação musical. 2003 Complexo cultural do Construir um complexo (infraestrutura). Theatro São Pedro 2003 Complexo Cultural do Construir um complexo (infraestrutura). Theatro São Pedro - infraestrutura 2004 Multipalco do Theatro São Construir infraestrutura junto ao teatro. Pedro 2007 Multipalco do Theatro São Implantar um complexo cultural (Multipalco). Pedro 2009 Rede anti-incêndio do Instalar rede anti-incêndio nos três pisos de subsolo subsolo do Multipalco do destinados ao estacionamento do Multipalco. Theatro São Pedro 2009 Theatro São Pedro é nosso Editar um livro de arte comemorativo dos 150 anos de história do Theatro São Pedro. 2009 Fazendo Theatro - o Comemorar os 150 anos do teatro com diversas Theatro São Pedro agora é ações e palestras. das crianças 2009 Recuperação do Theatro Promover a recuperação arquitetônica do prédio do São Pedro teatro. 2010 Além da palavra Difundir texto literário com performance cênica. 2010 Fazendo teatro Realizar espetáculos de teatro e oficinas para crianças. 2010 Música é livre Apresentar um show musical acústico no Foyer Nobre do Theatro São Pedro. 2011 Além da palavra Difundir texto literário com performance cênica. 2012 Theatro São Pedro convida Apresentar quatro grandes espetáculos teatrais. 2012 Acústicos e literários Realizar encontros por meio de palestra/debate e show ao ar livre na concha acústica. 2013 Preservação e Preservar e disponibilizar o acervo do TSP na disponibilização do acervo internet contemplando a memória cultural/artística; do Theatro São Pedro memória institucional; e a memória do teatro como patrimônio histórico-cultural. 2017 Multipalco do Theatro São Construir uma estrutura cultural ao lado do prédio Pedro histórico do Theatro São Pedro. 2018 Mostra de teatro para Apresentar espetáculos, bate-papos, oficinas de crianças teatro e o programa Grandes Espectadores. 2018 Mostra Pirlimpimpim de Apresentar espetáculos infantis, com performances teatro de palhaçaria, oficinas de teatro e intérprete de libras. 2018 Projeto Brasil Apresentar grandes espetáculos e desenvolver um programa para professores e alunos. 2018 Projeto de acessibilidade e Viabilizar projetos técnicos de acessibilidade, PPCI e PPCI do Theatro São comunicação visual. Pedro 2018 Substituição da central Substituir a central térmica existente. térmica do Theatro São Pedro Fonte: Brasil (2018). 147

Condensados por segmentos culturais (Tabela 26), vê-se que 9 projetos encaminhados, ou 39,14% do total, foram direcionados para o segmento de infraestrutura e patrimônio, sendo 6 projetos para o segmento arquitetônico e 3 para preservação material. Outro segmento de destaque foi o teatro, que deteve 30,43% dos projetos dirigidos ao órgão. Ou seja, esses três segmentos juntos totalizaram 69,57% sobre o total de projetos.

Tabela 26 - Projetos apresentados à lei de incentivo cultural federal, por segmento cultural, 1997/2018 Segmento Quantidade % Infraestrutura e patrimônio Arquitetônico 6 26,09 Preservação material 3 13,05 Artístico Teatro 7 30,43 Artes, cultura popular, música 4 17,4 Edição de livros 1 4,35 Videofonográfica 1 4,35 Acervo 1 4,35 Total 23 100,00 Fonte: Brasil (2018).

Quando os projetos são submetidos ao Ministério da Cultura, nem sempre os valores solicitados pelo proponente são aceitos integralmente. Nesse caso, há três classificações: valores solicitados, valores aprovados e valores captados. Na Tabela 27 é possível verificarem-se os valores por segmento cultural dos projetos enviados pela AATSP. O valor solicitado, ao longo do período, totalizou R$ 70.586.742,47, sendo que desse valor R$ 58.272.418,97 foram aprovados. Sobre esse último foi captado apenas R$ 31.238.246,02. A diferença entre o valor captado do solicitado correspondeu a 44,26%. Por segmento, os projetos voltados à arquitetura e à preservação do patrimônio concentraram 95,10% dos valores captados.

148

Tabela 27 - Valores dos projetos apresentados à lei de incentivo cultural federal, em R$ mil, por segmento cultural, 1997-2018 Valor Valor Valor solicitado aprovado captado Segmento capt./ R$ R$ R$ % solic. (%) Infraestrutura e patrimônio Arquitetônico 47.195.579,49 40.148.780,89 29.432.058,81 94,22 62,36 Preservação material 13.536.948,63 9.041.590,18 274.499,40 0,88 97,97 Subtotal 60.732.528,12 49.190.371,07 29.706.558,21 ... 48,91 Artístico Teatro 5.179.346,20 4.637.744,64 904.419,69 2,90 17,46 Artes, cultura popular, música 3.554.410,08 3.410.472,18 0,00 0,00 ... Edição de livros 574.870,58 488.243,60 488.243,36 1,56 84,93 Videofonográfica 406.562,71 406.562,71 0,00 0,00 ... Acervo 139.024,77 139.024,77 139.024,77 0,45 0,00 Subtotal 9.854.214,34 9.082.047,90 1.531.687,82 .... 15,54 Total geral 70.586.742,46 58.272.418,97 31.238.246,03 100,00 44,26 Fonte: Brasil (2018). Nota: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Conforme a modalidade do incentivo da Lei Rouanet (Tabela 28), 17 projetos se classificaram como mecenato100, cinco como FNC e apenas um como recurso do Tesouro. Os projetos submetidos na modalidade de mecenato que tiveram a captação aprovada representaram 50,23% do valor solicitado; enquanto que via FNC representaram 3,37% e via Tesouro, 80,00%. Do total dos recursos captados (R$ 31.238.446,00), 98,13% foi derivado da modalidade mecenato, evidenciando esse tipo de incentivo para a expansão do teatro e seu complexo.

100 No banco de dados SALIC, quase todos os projetos se classificam como mecenato. No entanto, conforme a lei, o que se tem é patrocínio, que é a transferência de recursos com a finalidade promocional. Na prática, os agentes usam os termos como sinônimos. 149

Tabela 28 - Valores dos projetos apresentados à lei de incentivo cultural federal, em R$ mil, por modalidade de incentivo, 1997/2018 Valor Valor Valor solicitado aprovado captado capt/ Tipo No % R$ % R$ % R$ % solic. (%) Mecen. 17 74 61.033.535 87 57.396.230 98, 30.654.120 98 50 FNC 5 22 9.180.082 13 464.439 1 309.626 1 3 Rec.Tes. 1 4 343.124 0 411.749 1 274.499 1 80 Total 23 100 70.586.742 100 58.272.418 100 31.238.246 100 44 Fonte: Brasil (2018). Nota: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019. As casas decimais foram suprimidas para adequar os valores junto ao tamanho da fonte.

No entanto, nem todos os projetos submetidos foram apoiados (Tabela 29). Do total dos 23 projetos, apenas nove tiveram recursos captados pela AATSP, sendo sete via mecenato, um via FNC e um via Tesouro. Chama a atenção que cinco projetos via mecenato foram arquivados sem captação de recursos. Conforme os gerentes da AATSP, isso deveu-se pelo fato de que muitas empresas estão transferindo o departamento de marketing para São Paulo, mudando o foco de interesse em apoiar projetos culturais (SOUZA, 2018).

Tabela 29 - Situação dos projetos apresentados à lei de incentivo cultural federal, por modalidade de incentivo, 1997/2018 Tipo Motivos Quantidade Para não captação Mecenato Projeto arquivado, projeto arquivado feito pelo 5 proponente, indeferido por não atendimento à diligência, arquivado sem captação de recursos. FNC Arquivado por insuficiência de recursos, pré- 4 análise/processo vencido e arquivado, edital encaminhado à Comissão de Avaliação. Para captação FNC Projeto cadastrado 1 Tesouro Prestação de contas aprovada 1 Mecenato Prestação de contas aprovada, apresentou prestação 7 de contas, recolhimento integral dos recursos, expirado o prazo de execução do projeto. A aguardar captação Mecenato Autorizada a captação total dos recursos, projeto 5 adequado à realidade de execução Total 23 Fonte: Brasil (2018). 150

Ou seja, o Theatro São Pedro e o Multipalco receberam recursos para nove projetos, sendo que o único projeto aprovado pelo FNC (Tabela 30) foi direcionado ao segmento arquitetônico, no montante de R$ 309.626,43101, enquanto o projeto via Tesouro direcionava-se para infraestrutura (instalação de rede anti-incêndio), no montante de R$ 274.499,40 (BRASIL, 2018). Na modalidade mecenato, pode-se ver na Tabela 28 que, do valor solicitado, 95% foi requerido para o segmento arquitetônico e de preservação, mas mesmo assim o valor captado representou 23,33% do valor solicitado. Isso vem atestar que o complexo São Pedro foi totalmente construído por incentivo fiscal, uma vez que os recursos próprios da Fundação Teatro São Pedro e da AATSP são quase totalmente direcionados para as despesas de recursos humanos. Chama atenção, ainda, que o valor captado para o segmento teatro foi 17,46% do valor solicitado.

Tabela 30 - Situação dos projetos apresentados via Mecenato, por segmento cultural, 1997/2018

Valor Valor Valor captado solicitado aprovado Segmento % R$ R$ R$ % captado/solicitado Infraestrutura e patrimônio Arquitetônico 37.985.496,93 39.684.341,24 29.122.432,38 95,00 23,33 Preservação material 13.193.824,38 8.629.841,07 0,00 0,00 ... Subtotal 51.179.321,31 48.314.182,31 29.122.432,38 ... 43,10 Artístico Teatro 5.179.346,20 4.637.744,64 904.419,69 2,95 17,46% Arte, cultura popular, 3.554.410,08 3.410.472,18 0,00 0,00 ... música Edição de livros 574.870,58 488.243,60 488.243,36 1,59 15,07 Videofonográfica 406.562,71 406.562,71 0,00 0,00 ... Acervo 139.024,77 139.024,77 139.024,77 0,45 0,00 Subtotal 9.854.214,34 9.082.047,90 1.531.687,82 ... Total geral 61.033.535,65 57.396.230,21 30.654.120,20 100,00 49,78 Fonte: Brasil (2018). Nota: valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Dos sete projetos aprovados com captação de recursos na modalidade de mecenato (Tabela 31) do total de R$ 30.654.120,10, as pessoas jurídicas tiveram

101 Conforme já citado no capítulo 2, a partir da emenda parlamentar requerida pelo Senador Sérgio Zambiasi ao teatro. 151

uma participação de 92,15%, enquanto as pessoas físicas participaram com 7,85%. Do total apoiado, 95% foi direcionado ao segmento arquitetônico; 91,74% proveio de pessoas jurídicas e 8,26%, de pessoas físicas. Pela complexidade que envolve esse tipo de projeto e pelo volume de recursos, nota-se que são as pessoas jurídicas as detentoras de maior capacidade de investimento. Além disso, o apoio nos projetos dos segmentos - edição de livro, acervo e teatro, também foram incentivadas exclusivamente por empresas.

Tabela 31- Valores dos projetos na modalidade de Mecenato por segmento cultural e apoiadores Pessoas jurídicas Pessoas físicas Segmento R$ % R$ % Total % Infraestrutura e patrimônio Arquitetônico 26.716.666,88 91,74 2.405.765,49 8,26 29.122.494,37 100,00 Artístico Teatro 904.419,69 100,00 0,00 0,00 904.419,69 100,00 Acervo 139.024,77 100,00 0,00 0,00 139.024,77 100,00 Edição de livro 488.243,36 100,00 0,00 0,00 488.243,36 100,00 Total 28.248.354,70 92,15 2.405.765,49 7,85 30.654.120,20 100,00 Fonte: Brasil (2018). Nota: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Com relação à quantidade de incentivadores, via mecenato, por segmento (Tabela 32), pode-se perceber que os projetos arquitetônicos foram os únicos que obtiveram a maior quantidade de apoiadores, totalizando 441 parceiros, sendo 369 pessoas físicas e 72 jurídicas, mesmo tendo sido apenas dois projetos deferidos102. Isso vem demonstrar o poder de articulação da AATSP com a comunidade e com as empresas. Percebe-se uma nova ordem de política cultural que reforça a estratégia de marketing cultural, legitimando o processo decisório dos projetos a serem apoiados sobre aqueles que lhes dão maior retorno de imagem, “[...] subvertendo o projeto inicial de conseguir a parceria da iniciativa privada para investimentos na área da cultura” (CALABRE, 2007, p. 96). As empresas começam a investir em artistas mais conhecidos que lhes dão maior visibilidade pública por meio dos jornais, revistas e televisão (BARBOSA; FREITAS FILHO, 2015).

102 Dos 5 projetos arquitetônicos, apenas dois apresentaram capacidade de execução, os outros três foram arquivados por insuficiência de recursos, por ter vencido e por ter expirado prazo de execução do projeto (BRASIL, 2018). 152

Tabela 32 - Quantidade de incentivadores na modalidade de Mecenato, por segmento cultural Incentivadores Quantidade Pessoas Pessoas Total % Segmento de projetos jurídicas físicas

Arquitetônico 2 72 369 441 98,66 Edição de Livros 1 2 ... 2 0,45 Teatro 3 3 ... 3 0,67 Acervo 1 1 ... 1 0,22 total 7 78 369 447 100,00 Fonte: Brasil (2018).

De acordo com os dados do Ministério da Cultura, os apoiadores pessoas jurídicas (Quadro 8) provêm de diferentes segmentos econômicos, como comércio, serviços, instituições financeiras, industrias de transformação, comunicação e energia. Há desde estabelecimentos atuantes no mercado e não muito visíveis, até grandes conglomerados como Eletrobrás, Petrobrás, Refap, Ipiranga, Grupo Gerdau, Grupo RBS, GKN, Digitel, Banrisul, Lojas Renner, Calçados Beira Rio, Dana Albarus e Marcopolo. Como a lei autoriza a divulgação da marca ou logotipo da empresa nos produtos dos projetos apoiados, percebe-se o interesse de marketing dessas grandes empresas, mas o êxito da ação é o efeito multiplicador que o evento pode promover na medida em que se dissemina o hábito do investimento na área, a geração de empregos, a dinamização do mercado consumidor, a geração de impostos e a promoção da arte e cultura (FERNANDES, 2006).

Quadro 8 - Pessoas jurídicas apoiadoras dos projetos submetidos à lei de incentivo federal Segmento Empresas Lojas Renner S.A.; Excelsior S.A Pneus e Acessórios; AGCO do Brasil Comércio Comércio e Indústria Ltda.; Maquimotor S.A. Comercial e Técnica; Thome Comércio de Combustíveis Ltda. Banco A.J. Renner S.A.; Banco de Lage Landen Brasil S.A.; Banco do Instituições Estado do Rio Grande do Sull S.A.; Banco Matone S.A.; Caixa Estadual financeiras S.A. - Agência de Fomento RS; Corretora Geral de Valores e Câmbio Ltda.; Habitasul Crédito Imobiliário S.A.; Redecard S.A.; Cielo S.A.

153

Quadro 8 - Pessoas jurídicas apoiadoras dos projetos dos projetos submetidos à lei de incentivo federal Grupo RBS; Rádio Atlântida FM de Florianópolis Ltda.; Rádio Atlântida FM de Porto Alegre Ltda.; Rádio e TV Umbú Ltda.; Rádio Gaúcha S.A.; Rádio Comunicação Itapema FM de Florianópolis Ltda.; Rádio Itapema FM de Porto Alegre Ltda.;Televisão Bagé Ltda.; Canal Rural Produções Ltda.; Rede Popular de Comunicação Ltda.; CIA Catarinense de Rádio e TV; Dez Propaganda Comunicação e Marketing Ltda.; Televisão Chapecó S.A.; Televisão Imembuí S.A.; Televisão Tuiuti S.A.; TV Coligadas de Santa Catarina S.A.. Grupo Gerdau; Petróleo Brasileiro S. A. - Petrobrás; CIA Brasileira de Petróleo Ipiranga S.A.; Alberto Pasqualini - Refap S.A.; Amsted Maxion Indústria de Fundição e Equipamentos Ferroviários S.A.; Calçados Beira Rio S.A; Dana transformação Albarus S.A. - Indústria e Comércio; Digitel S.A. Indústria Eletrônica; Celulose Irani S.A.; Crown Embalagens Metálicas da Amazônia S.A.; Aços Villares S.A.; GKN do Brasil Ltda.; Indústria e Comércio Oderich Ltda.; Marcopolo S.A.; MAXION Sistemas Automotivos Ltda.; Rochadel Com. e Ind. de Cosméticos Ltda.; Unifértil Universal de Fertilizantes; Yara Brasil Fertilizantes S.A.. Energia Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRÁS; Eletrosul - Centrais Elétricas S.A. ; AES Infoenergy Ltda. Meta Serviços em Informática Ltda.; Abastecedora ABM Ltda.; Abastecedora de Combustível Vale do Caí Ltda.; Assessoria em Comércio Serviços Exterior Sociedade Simples Ltda.; Bandeira Martha Advogados; Carhouse Veículos Ltda.; Gama Advogados; Kaisencars Veículos & Serviços Ltda.; Luiz Vicente Dutra Consultores S.A.; Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis, Perícias, informações e Pesquisas do RS - SESCON; SGS Polimentos Ltda.; Tondo S.A; Innova S.A. Fonte: Brasil (2018).

Diante dessas evidências, percebe-se a mudança de postura da gestão da AATSP quando da decisão de recorrer à Lei Rouanet para tornar possível a ampliação do teatro. No entanto, a busca de outras fontes de recursos pela entidade não se limitou ao incentivo federal, uma vez que o Estado do Rio Grande do Sul também instituiu nos anos 1990 seu próprio instrumento de intervenção para a área cultural, como se verá a seguir.

4.3 O Pró-Cultura, o Theatro São Pedro e o Multipalco

Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a cultura passou a ser um direito de Estado103, e as esferas estadual e municipal tornaram-se responsáveis pelo fomento de atividades culturais, abrindo espaço para que a gestão pública se

103 No que diz respeito ao campo político, a cultura é, conforme o art. 215 da Constituição Brasileira de 1988, um direito, tendo o Estado como responsável. Assim, a cultura passa a ser elemento de política pública em que programas e ações são delineadas, visando ao seu desenvolvimento. 154

envolvesse com a definição de diretrizes, planejamento, execução e avaliação dos resultados de suas próprias ações (CALABRE, 2007). No âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a Lei 10.846 criou, em 1996, o Sistema Estadual de Financiamento e Incentivo às Atividades Culturais, visando à criação de mecanismos que viessem promover a área. De acordo com a lei, os contribuintes poderiam apoiar projetos culturais via dedução de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), em que o Estado se comprometeria, anualmente, a publicar o limite global da renúncia fiscal para as empresas parceiras dos projetos104. A dedução total ficava limitada a até 75% do valor aplicado com o ICMS a recolher, respeitando-se o montante global previsto105, e as áreas apoiadas voltaram-se para artes plásticas e o grafismo, artes cênicas e carnaval de rua, cinema e vídeo, literatura, música, artesanato e folclore, acervo e patrimônio histórico e cultural. Para definir os projetos que seriam apoiados, foi instituído o Conselho Estadual da Cultura, com competência para emitir pareceres sobre os projetos habilitados conforme critérios de relevância para o desenvolvimento cultural do Estado106. Além disso, foi criado um Cadastro de Produtores Culturais para pessoas físicas e jurídicas submeterem suas propostas de acordo com os editais. Da mesma forma que a lei federal, as instituições culturais poderiam destinar espaço físico para a divulgação das empresas apoiadoras dos projetos107. Em 2010, o sistema passou a se chamar Sistema Estadual Unificado de Apoio às Atividades Culturais - Pró-Cultura108. Seu objetivo era ampliar a origem dos recursos financeiros por meio da continuidade do incentivo fiscal via Lei de Incentivo a Cultura (LIC), com base no ICMS, bem como da criação de um fundo específico denominado Fundo de Apoio à Cultura (FAC), composto de dotação de recursos de diversas fontes. Nessa modalidade, até hoje presente, manteve-se a intervenção, via benefício fiscal, e incluiu-se outra fonte de recursos diretamente do orçamento do Estado, sem necessidade de captação de patrocínio.

104 Conforme o artigo 4º. da lei, esse valor equivale a 0,5% da receita líquida as empresas. 105 Sendo no máximo 3% sobre o saldo devedor do imposto do período imediatamente anterior ao da apropriação. 106Conselho criado pela Lei n.11.289, 23/12/1998. O total de Conselheiros são vinte e quatro, com 1/3 proveniente do Estado, e 2/3, de órgãos e representações culturais. 107 Instrução normativa SEDAC nº 04, de 13 de agosto de 2013. 108 Lei Estadual nº.13.490-2010 que institui o Pró-Cultura. 155

Pela lei, as áreas culturais apoiadas ampliaram-se para109:  artes cênicas (dança, teatro, circo e outras manifestações congêneres), música, tradição e folclore, carnaval de rua, artesanato, culturas populares;  registro fonográfico;  literatura (feiras de livro, impressão de livros, revistas, obras informativas, obras de referência e correlatas);  audiovisual (produção de cinema, vídeo, novas mídias, concursos, eventos de exibição);  artes visuais (artes plásticas, design artístico, fotografia, artes gráficas); pesquisa e documentação relativa a patrimônio cultural imaterial;  projeto e execução para preservação e restauração de bens móveis e imóveis integrantes do patrimônio cultural protegido na forma da lei;  construção, restauro, preservação, conservação e reforma de centros culturais, bibliotecas, museus, arquivos, salas de cinema e outros espaços culturais de interesse público; e  aquisição de acervo.

No caso da Lei de Incentivo a Cultura - LIC, as empresas podem compensar até 100% do valor aplicado com o ICMS a recolher. Os projetos encaminhados pelos proponentes para captação de recursos junto às empresas devem estar habilitados junto a SEDAC, serem prioritários e possuírem mérito cultural. O processo para submissão deve seguir o seguinte rito processual: primeiro registrar o projeto no sistema, e, posteriormente, sua análise técnica, análise de mérito e prioridade e, caso haja aprovação, o produtor cultural inicia o processo de captação de empresas. Encontrado o patrocinador, que deve estar habilitado junto ao órgão público, este começa a usufruir do benefício fiscal concedido de 100%, devendo repassar para o fundo FAC 5% para projetos de construção e restauração e 25% para os demais. Em 2016 os projetos via benefício fiscal começaram a seguir uma classificação de submissão, compreendendo diferentes categorias110:  Projeto cultural continuado, já financiado ao menos durante três edições pelo Pró-Cultura LIC;

109 Conforme artigo 4º da lei que institui o Pró-Cultura. 110 Instrução Normativa SEDAC n.º 01, de 29 de fevereiro de 2016. 156

 Projeto cultural novo, relacionado à produção de novos bens e serviços culturais, à fruição e à circulação de atividades artístico-culturais, bem como projetos continuados que não obtiveram três edições financiadas pelo Pró- Cultura LIC;  Projetos que prevejam a realização de atividades em eventos relacionados a: datas comemorativas (Páscoa, Natal, Semana Farroupilha), rodeios, festas, feiras e exposições agrícolas, industriais e comerciais, bem como demais eventos similares, independentemente de terem ou não tido projetos financiados pela LIC anteriormente;  Projetos de grupo artístico, voltados à manutenção, à qualificação e/ou ao intercâmbio de grupos;  Projetos de patrimônio cultural, voltados à preservação e à restauração de bens móveis e imóveis integrantes do patrimônio cultural; e  Projetos de espaços culturais voltados à construção, restauração, preservação, conservação e reforma de centros culturais, bibliotecas, museus, arquivos, salas de cinema e outros espaços culturais de interesse público. Quanto ao Fundo de Apoio à Cultura – FAC111, os projetos podem ter financiamento de até 100% desde que a justificativa atenda ao interesse público, podendo o Estado incentivar “ações especiais” classificadas por segmentos e convergentes com a transversalidade entre as áreas. O incentivo ocorre por meio de editais que definem segmentos, limites de valores, prazos e requisitos. O produtor deve preencher o formulário específico do edital, e uma comissão de avaliação faz a análise da documentação, identificando se o projeto está habilitado ou não. Habilitado o projeto, este passa a ser avaliado por mérito pela comissão julgadora, por meio da qual os melhores projetos são classificados. Encerrado o prazo para a captação sem a realização do projeto cultural, eventuais recursos são recolhidos ao Fundo112, mas se captado recurso parcialmente, o produtor pode manter o projeto desde que proponha uma readequação das metas e dos custos. Em ambos os incentivos, LIC e FAC, os produtores culturais são obrigados a se cadastrar no Cadastro Estadual de Produtor Cultural (CEPC), possibilitando a atualização de dados e a apresentação e o acompanhamento dos projetos

111 Criada pela Lei nº 11.706, de 18 de dezembro de 2001. 112 Decreto nº 47.618/2010 que institui o Pró-Cultura. 157

culturais113, sendo que o Conselho Estadual de Cultura delibera os projetos a serem apoiados114. Diante do conhecimento das regras da lei de incentivo estadual para a área da cultura, a AATSP encaminhou projetos para o teatro, fortalecendo, ainda mais, o ingresso de recursos. No Quadro 9, percebe-se que foram encaminhados 19 projetos entre 1997 e 2018, dos quais 52,63% corresponderam à manutenção e à ampliação física. Isso vai ao encontro dos 23 projetos submetidos via Lei Rouanet, dos quais 39,14% foram para essa mesma área, mas diferentemente da Lei Rouanet, os projetos via LIC não envolvem obras e sim restauração de bem tombado e aquisição de equipamentos.

Quadro 9 - Projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, 1997/2018 Ano Projeto Objetivo 1997 Chorinho Apresentação musical no palco do teatro. 1997 Piano Steinway Aquisição de instrumento musical. 1997 Veludo -TSP115 ... 1997 Restauro/pintura do Manutenção do prédio do teatro. Theatro São Pedro 1998 TSP 140 anos - Apresentação de show de encerramento do ano festivo de encerramento da aniversário do teatro com a Orquestra de Câmera do TSP. temporada 98 1998 Aquisição de cravo Aquisição de um cravo para a atualização de músicos - TSP profissionais durante as apresentações, visando dinamizar as ações operacionais e diversificar os recursos disponíveis. 2000 Multipalco do Ampliação física do TSP com a implementação de um Theatro São Pedro complexo cultural em terrenos adjacentes . 2000 Multipalco do Ampliação física do TSP com a implementação de um Theatro São Pedro complexo cultural em terrenos adjacentes . 2004 Complexo Cultural Ampliação física do TSP com a implementação de um Theatro São Pedro complexo cultural em terrenos adjacentes. - Multipalco TSP 2006 Multipalco do Ampliação física do TSP com a implementação de um Theatro São Pedro complexo cultural em terrenos adjacentes. 2006 Multipalco do Ampliação física do TSP com a implementação de um Theatro São Pedro complexo cultural em terrenos adjacentes. 2007 Multipalco do Ampliação física do TSP com a implementação de um Theatro São Pedro complexo cultural em terrenos adjacentes. 2011 Subestação Construção de uma subestação transformadora para o transformadora do suprimento da energia elétrica necessária ao funcionamento Multipalco do do complexo cultural. Theatro São Pedro

113 Conforme Instrução normativa da SEDAC nº 04, de 13 de agosto de 2013, que estabelece procedimentos para o cadastro de produtor cultutal. 114 Decreto nº 47.618, de 2 de dezembro de 2010 que institui o PROCULTURA. 115 Sem especificação do objetivo no cadastro do sistema do Pró-cultura. 158

Quadro 9 - Projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, 1997/2018 2011 Subestação Construção de uma subestação transformadora para o transformadora do suprimento da energia elétrica necessária ao funcionamento Multipalco do do complexo cultural Multipalco. Theatro São Pedro 2012 Sala de música do Conclusão da sala da orquestra de câmara. Multipalco do Theatro São Pedro 2012 Subestação Construção de uma subestação transformadora para o transformadora do suprimento da energia elétrica necessária ao funcionamento Multipalco do do complexo cultural Multipalco. Theatro São Pedro 2013 Sala da orquestra Conclusão da sala da orquestra de câmara. do Multipalco do Theatro São Pedro 2015 1º - Acessibilidade e Adequação do complexo às normas legais vigentes, quanto PPCI Theatro São aos aspectos de acessibilidade, prevenção e combate a Pedro - 2016 incêndio, comunicação visual adequada às situações de segurança. 2017 Mostra Apresentações de teatro gratuitas com uma performance de Pirilimpimpim de palhaçaria, bate-papo e oficina de teatro visando a comemorar teatro - 2018 os 160 anos do Theatro São Pedro. 2017 1º - Festa Cultural Apresentações de música, teatro, dança e circo, contação de do Elefante Basílio histórias, oficinas de arte e feira de livros infantis. 2017 1º - O choro é livre - Apresentação musical gratuita na sala da música do 2018 Multipalco. 2018 Preservação e Preservação do acervo documental inserindo-se em um organização do movimento da instituição voltado à preservação de sua acervo documental memória e história. do Theatro São Pedro - 2018 Fonte: Rio Grande do Sul (2018).

Quanto à segmentação cultural, dos projetos submetidos à LIC/RS pela AATSP (Tabela 33), verifica-se que 52,63% se concentraram no restauro de bem tombado e 10,53% para aquisição de equipamentos, ou seja, 63,16% para infraestrutura, enquanto que o restante se destinou à atividades culturais. Destes, a apresentação musical concentrou 15,79% do total dos projetos submetidos.

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Tabela 33 - Quantidade de projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, por área cultural, 1997/2018 Área cultural Quantidade % Infraestrutura e patrimônio Restauro de bem tombado 10 52,63 Aquisição de equipamentos 2 10,53 Subtotal 63,16 Artísticas Música 3 15,79 Teatro 1 5,26 Pesquisa e documentação 1 5,26 Artes integradas 1 5,26 Subtotal 31,57 Sem especificação 1 5,26 Total 19 100,00 Fonte: Rio Grande do Sul (2018).

Por mais que tenham sido submetidos 19 projetos ao longo do tempo, isso não significou sua execução. Os projetos submetidos à LIC podem ser classificados como: aprovados, ou seja, projetos aptos para a captação de recursos; concluídos, que são projetos que tiveram captação de recursos e que foram executados na sua totalidade; arquivados, aqueles projetos que não estão mais tramitando no processo (sem expediente, indeferidos ou por solicitação); inabilitados de análise técnica, ou seja, projetos que apresentaram problemas quanto aos critérios técnicos; e respostas a diligência, compreendendo projetos que aguardam informações requeridas pelo órgão. Do total dos projetos encaminhados ao Pró-Cultura (Tabela 34), 57,89% foram arquivados, enquanto apenas 21,05% foram executados e concluídos na sua totalidade.

Tabela 34 - Situação dos projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, 1997/2018 Status Quantidade % Arquivado 11 57,89 Concluído 4 21,05 Aprovado 2 10,53 Inabilitado por análise 1 5,26 técnica Resposta à diligência 1 5,26 Total 19 100,00 Fonte: Rio Grande do Sul (2018). 160

Os valores dos projetos solicitados116 via LIC e FAC (Tabela 35) chegaram a totalizar R$ 216.691.789,02, mas apenas R$ 28.681.414,94 foram captados, ou seja, uma diferença de 13,15%. Dos valores captados, 97,42% foram direcionados para o restauro de bem, e o restante para a aquisição de um piano. Por mais que a AATSP tivesse submetido projetos para atividades artísticas, nenhum foi contemplado com o incentivo.

Tabela 35 – Valores dos projetos submetidos à lei de incentivo cultural estadual, em mil R$, por segmento cultural, 1997/2018 Valor Valor Valor solicitado aprovado captado Segmento % R$ R$ R$ % captado/solicitado Infraestrutura e patrimônio Restauro de 212.503.413,17 19.518.340,21 27.940.865,14 97,42 13,15 bem tombado Aquisição 873.022,25 880.865,03 740.549,80 2,58 15,17 Subtotal 213.376.435,42 20.399.205,24 28.681.414,94 ... 13,44 Artístico Teatro 244.495,94 244.495,94 0,00 0,00 ... Música 2.798.342,32 246.790,04 0,00 0,00 ... Artes integradas 272.510,34 272.510,34 0,00 0,00 ... Pesquisa doc. 0,00 0,00 0,00 0,00 ... Subtotal 3.315.348,60 763.796,32 0,00 ...... Total geral 216.691.789,02 21.163.001,56 28.681.414,94 100,00 13,24 Fonte: Rio Grande do Sul (2018). Nota: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Tecendo um comparativo geral de todas as receitas que foram destinadas ao teatro e a seu complexo, ao longo do período (Tabela 36), percebe-se que o local recebeu um total de R$ 162.769.520,28, dos quais 66,35% foram captados pela AATSP. Desse total, 55,48% correspondeu às leis de incentivo fiscal, ou R$ 59.919.660,97, ou seja, praticamente todo o valor foi direcionado para a infraestrutura física e o restauro do bem tombado.

116 Deve-se considerar que: sete projetos, os valores solicitados foram os mesmos dos aprovados; três projetos não tinham disponibilizadas informações sobre os recursos solicitados; e quatro, os valores solicitados ficaram entre R$ 20 a R$ 74 milhões, voltados para restauro do bem tombado, e apenas um foi aprovado. Dos três projetos concluídos para restauro do bem tombado, apenas um foi aprovado para captação, e mesmo assim com um valor 69% inferior ao valor solicitado. 161

Tabela 36 - Comparativo das receitas, em milhões de R$, da FTSP e AATSP Entidades Receitas Período R$ % 1994-2004 29.506.347,62 FTSP Tesouro 2005-2017 25.257.247,04 33,65 Subtotal 54.763.594,66 Próprias 2004-2010¹ 20.231.661,45¹ Próprias 2011-2017 27.854.603,20 AATSP Lei 1997-2018 31.238.246,03 66,35 Rouanet LIC/FAC 1997-2018 28.681.414,94 Subtotal 108.005.925,62 Total geral 162.769.520,28 100,00 Fonte: Brasil (2018); Rio Grande do Sul (2018). Nota¹: Considerou-se as despesas da Associação iguais as receitas, pois entre 2004 a 2010 não havia dados sobre as receitas. Nota²: Valores atualizados pelo IGP-M, agosto de 2019.

Ou seja, os investimentos na construção do complexo foram possíveis devido às parcerias privadas firmadas pela Associação com as empresas, sem nenhuma verba pública. Ao mesmo tempo, não se pode negar a importância que o setor público teve no período de reconstrução do teatro quando os recursos financeiros foram, exclusivamente, provenientes dos orçamentos estadual e federal. O teatro, nesse contexto, é estratégico para pensar o desenvolvimento, unindo o Estado e a iniciativa privada - por meio da Associação - no arranjo de recursos humanos, materiais e, principalmente, financeiros.

4.4. Avaliação dos gestores da AATSP

Diante desses dados, pode-se atestar a importância que os mecanismos fiscais tiveram na ampliação do teatro. Moraes (2018) aponta que, na medida em que os recursos foram entrando, a Associação foi “ganhando musculatura” e, ao mesmo tempo, enfrentando problemas com sua credibilidade, levando a questionamentos quanto à probabilidade de desvios de recursos em benefício próprio. Como forma de minimizar as desconfianças de algumas empresas patrocinadoras, foi realizada uma auditoria interna por uma empresa especializada em contabilidade, a Price Water House, que não encontrou nenhum desvio de recursos. 162

Além disso, outra situação quanto à conduta da AATSP foi ajuizada junto ao Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado com o objetivo de apurar possíveis irregularidades na locação, sem prévia licitação, de espaços pertencentes à Fundação Theatro São Pedro para terceiros (bar do Foyer e restaurante). Como resultado, o processo foi arquivado sem ter encontrado nenhum problema quanto às práticas de preços de aluguéis adotadas pela Associação; ainda, foi reforçada a importância da AATSP na gestão do local, enaltecendo sua gestão indispensável para na sobrevida do teatro e para o desenvolvimento da cultura. Conforme parecer do Ministério Público, a AATSP é uma exceção no Estado, pois é uma das

[...] poucas instituições públicas que conseguem manter suas instalações em perfeito estado e prestar serviços de excelência dentro de um Estado falido e sucateado. Isso se deve, sem sombra de dúvida, ao aporte financeiro trazido pela Associação dos Amigos, através de contribuições privadas e da exploração de áreas dos prédios do Theatro e do Multipalco.” (RIO GRANDE DO SUL, 2015b, p. 10).

Esse reconhecimento da importância da gestão da Associação também é comprovado quando se analisa a relação da entidade com o Conselho Estadual da Cultura do Estado. Para exemplificar, em 2011, um projeto submetido à LIC foi considerado inabilitado por não ter aceito uma rubrica de um equipamento, fazendo com que a Associação recorresse da decisão via Conselho117. Entendendo que o equipamento representava menos que 15% sobre o total do projeto, e que a ampliação e os melhoramentos do teatro eram necessários para proporcionar espetáculos de qualidade para a população, o projeto teve seu recurso aceito (RIO GRANDE DO SUL, 2012, p.2). Mesmo sendo um conselho político, seu poder de decisão impactou o financiamento do teatro justificando em seu parecer o fato de o Theatro São Pedro e Multipalco serem

[...] o maior equipamento público cultural do Rio Grande do Sul, com diversos e diversificados espaços para a expressão cultural do segmento cênico/musical [...] Atingiu o atual patamar de espaços graças ao esforço continuado por longos anos de seus gestores, constituindo parcerias com o poder público federal e estadual, e, principalmente, parcerias com a iniciativa privada. (RIO GRANDE DO SUL, 2012, p.2).

117 Sua representatividade em termos de aprovação dos projetos não é tão significativa, pois se destina ao incentivo via alíquota de ICMS, o que não inclui obras, estimulando parceiros do segmento comercial (MORAES, 2018). 163

Considerado como “[...] um dos maiores complexos culturais no mundo, comparável ao Lincoln Center, de Nova York”118, algumas reflexões acerca do processo via incentivos fiscais são trazidas por seus principais gestores, Moraes e Ivonete. Primeiro, a transferência de empresas de Porto Alegre para outros estados, visando a diminuir seus custos pela atração de impostos menores, acarretou a transferência suas decisões de marketing e provocou desinteresse em apoiar o projeto do teatro119. Como aponta Moraes,

[...] Refap desapareceu, Ipiranga desapareceu, Polo Petroquímico desapareceu [...] Quando eu digo é no sentido de que ou foram comprados por alguém, e a direção, a administração, o poder de decisão foi embora, foi embora até a Renner, Gerdau desapareceu daqui, Vonpar foi vendida, a decisão está não sei aonde. Os grandes pontos de apoio para alavancar qualquer coisa mais significativa. (MORAES, 2018).

Segundo, as decisões de marketing dessas empresas tenderam a apoiar projetos com maior retorno de visibilidade, como é o caso de projetos comerciais que promovem shows com artistas renomados. Ou seja, não há continuidade de apoio e sim ações pontuais. Terceiro, os prazos e volume de recursos, após o projeto ter aprovação, podem comprometer a captação, pois deve-se

[...] atingir no mínimo 10% para iniciar a captação e tem prazo senão o projeto é extinto. As pessoas físicas colaboram com montantes muito baixos em relação a projetos grandes como o Multipalco. A pessoa física doa e se o projeto não atinge o recurso [...] o projeto se encerra e se perde o valor. Quando o projeto tem recurso pequeno dá para abrir para pessoas físicas. (SOUZA, 2018).

Quarto, a falta de interesse de grandes empresas de outros municípios do Estado120 também foi apontada como problema. Nesse caso, a justificativa dada pelas empresas foi o foco dos projetos não estarem inseridos no entorno de suas regiões (SOUZA, 2018). E quinto, a dificuldade da Associação em captar recursos com foco exclusivamente no teatro e não na cultura em geral. Diante desses aspectos, estratégias vêm sendo pensadas por seus gestores como forma de diversificar mais as fontes de receitas. Uma dessas é o fortalecimento da parceria com o governo do Estado, por meio dos órgãos de

118 Informação coletada por Eva Sopher em entrevista no Programa Jô Soares Onze e Meia, do SBT, em 11/07/2013. Disponível em: http://acervo.teatrosaopedro.com.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/scripts/. Acessado em: 14 out. 2018. 119 Como exemplo, as empresas Gerdau, Ipiranga e Lojas Renner (MORAES, 2018). 120 Como Marcopolo e Tramontina. 164

administração indireta, como no caso do Banco Banrisul que tem direcionado recursos para finalizar o teatro italiano. Além disso, passado o período de submissão dos grandes projetos do Multipalco às leis de incentivos, nesse momento, a ação deve ser o desenvolvimento de projetos menores e parciais para a conclusão das salas.

[...] Hoje o que falta fisicamente do teatro e complexo é a roupagem. Todas as salas estão prontas em termos de infraestrutura, a sala da música está completa, as oficinas, as salas da administração estão completas, o centro de formação, o receptivo, a acústica, o teatro italiano não. Primeiro optaram por concluir espaços que promoveriam receita imediata como o restaurante, o estacionamento e depois as salas que poderiam ser alocadas. A sala de música e outras, por terem custo elevado devidos as suas especificidades já não, pois tem uma série de detalhes que encarecem os custos e para atender as normas do PPCI e na época tiveram que importar tudo da Espanha. Ou seja, tudo isso vai encarecendo o projeto. Assim a estratégia hoje é apresentar projetos menores. [...] os próximos projetos que a gente já está em andamento a conclusão da sala da dança, a conclusão do teatro oficina, a conclusão do teatro italiano, a conclusão da sala de imprensa [...] nós já temos um já incentivado, mas não tem patrocinador que é a central térmica que vai fazer todo complexo funcionar e integra também o teatro São Pedro. [...] todos os sistemas de ar-condicionado, elétrica, hidráulica, o anti-incêndio, tudo vai ser interligado. (SOUZA, 2018).

Outra iniciativa da gestão da Associação está voltada a buscar novamente o contato de todas as antigas empresas apoiadoras, estimulando-as a darem o nome aos espaços que ainda precisam ser concluídos (SOUZA, 2018). Essas estratégicas, somadas às outras ações orçamentárias referenciadas no capítulo anterior, são importantes para manter a manutenção e a expansão do local, uma vez que o teatro depois da reforma já tem mais de 30 anos e,

[...] as quarteladas do palco estão afundando, então tem que trocar as quarteladas e são caríssimas [...] O fosso da Orquestra onde fica o elevador aquele que sobe e desce tá estragado. A gente fez ele voltar a funcionar, mas de forma precária. Nós precisamos trocar o elevador, o fosso da orquestra. Ele tem 30 anos. Então são coisas nesse sentido [...] nós temos a questão da acessibilidade do teatro que em 1858 não existia [...] e existe um projeto de acessibilidade da associação e PPCI do Theatro São Pedro também em captação. (SOUZA, 2018).

Considerando essas ações e os problemas evidenciados, há também que incluir no processo de análise que o componente “qualidade” dos equipamentos e instalações é exigência da qual os gestores não abrem mão nos projetos que são desenvolvidos e submetidos às leis de incentivo, pois a ideia é fazer com que o local dure mais 160 anos, como afirma Moraes, 165

[...] e aí nos perguntam quando é que termina? Não sei, porque depende do dinheiro. Fundamentalmente, hoje, se nós tivéssemos o recurso necessário terminaríamos em um ano, um ano e pouco [...] a gente precisa colocar equipamento para dentro. Alguns acabamentos... evidentemente vestir a obra. E como a gente também não faz concessões à qualidade, muitas coisas são caras. Uma poltrona de teatro hoje está em torno de 1.600, R$ 1.700 cada uma. No teatro principal são 650, então temos aí quase um milhão só em poltrona! Então é isso. [...] a nossa sala da música passa em qualquer exame de PPCI. (MORAES, 2018).

O Multipalco era uma obra grande, e o paradigma dos gestores sempre foi a manutenção da qualidade da construção e dos acabamentos. [...] o que tu vires aqui pronto, está pronto. Nós não temos retrabalho. Tu tá vendo aqui: tem uma abertura para ar condicionado central, mas nós não temos ainda o ar condicionado central; a estação térmica ainda vai ser colocada, mas os dutos estão todos passados; nós não temos a água ainda da chuva, mas a rede hidráulica está toda duplicada; nosso sistema de incêndio está hoje em conexão ao do Theatro São Pedro; nossa rede elétrica, [...] toda a subestação transformadora, [...] e que hoje está servindo à Praça da Matriz e ao teatro, [...] temos um túnel umbilicalmente que une o Multipalco ao Theatro São Pedro [...] enfim é tudo integrado (MORAES, 2018).

Desde o período de reconstrução do teatro, nos anos 70, o uso de materiais que trouxessem maiores benefícios para o local já tinha sido definido, mesmo com custos mais elevados. A ideia dos gestores da Associação sempre foi a de fazer com o Theatro São Pedro continuasse a ser um espaço diferenciado em sua arquitetura e mobiliário preservando sua história, mas agregando novos conceitos em sua estrutura física. Essa exigência de qualidade se estende, também, aos serviços oferecidos e nos processos administrativos instituídos pela equipe de trabalho.

4.5 Considerações finais

Até os anos 1980, as políticas culturais no país sempre se pautaram no Estado como agente indutor e financiador da área. No entanto, com o avanço das políticas neoliberais e da falência do Estado nos anos 1990, um novo modelo de incentivo foi instituído por meio da Lei Rouanet, fortalecendo a interação entre setor público e privado. Nessa proposta, pela falta de uma política governamental mais bem desenhada, a cultura foi se organizando cada vez mais próxima do mercado e de sua mão invisível, delegando ao setor privado o poder de decisão sobre a condução da política cultural. A partir daí, o setor empresarial passou a ser o agente financiador principal da cultura, focando no mercado consumidor e no fortalecimento da imagem por meio de estratégias de comunicação. Com esse novo ordenamento, o marketing cultural 166

começou a ganhar destaque na tomada de decisões, em que a cultura é vista como moeda de troca, entre patrocinador (ou doador) e beneficiário numa clara relação de mercado. Ou ainda, a cultura só tem sentido para as empresas quando é capaz de fortalecer a imagem para o público e obter retorno em forma de lucro. No entanto, por mais que se reconheçam essas diferenças entre os objetivos da atuação do Estado e da iniciativa privada, foi com as leis de incentivo fiscal que o Theatro São Pedro pôde se reinventar e reforçar seu caráter de símbolo no campo cultural, saindo de uma estrutura em que único palco moldava seu espaço para se transformar num arranjo multicultural. Três aspectos devem ser considerados para entender esse processo: primeiro, a incapacidade do Estado em investir no teatro; segundo, a decisão dos gestores da AATSP em se articular com o governo federal; e terceiro, a determinação de aproximação da AATSP com o mercado. No primeiro caso, percebe-se que o Estado, ao longo do tempo, adotou uma postura de não priorizar o segmento cultural, considerando os valores orçamentários escassos que foram destinados à área. Por mais que o teatro seja considerado um símbolo, um patrimônio, um local que evoca memórias repassadas de gerações para gerações, o fato é que a gestão da Fundação destina recursos praticamente na sua totalidade voltados para a manutenção de recursos humanos e não para a preservação da edificação e para a expansão territorial do local. Isso contrasta com o planejamento dos gestores da Fundação, mais especificamente de sua Diretoria Artística que estabelece uma quantidade crescente de atividades culturais ao passo de recursos diminutos para sua realização. Por mais que o Estado seja a instância responsável pela cultura, é a AATSP que prioriza o teatro dentro do campo cultural, que vislumbra outras oportunidades de financiamento e que se capacita para adotar uma gestão mais profissional e menos condicionada a questões ideológicas e políticas dos gestores públicos. Nesse campo, o teatro é alvo de disputas entre a AATSP e a FTSP, e cada entidade vai atuar conforme seus interesses. Na medida em que as entidades conseguem fazer uma leitura tanto de sua posição como das regras, leis, hierarquias e forças internas presentes no campo, as estratégias adotadas tendem a maximizar os recursos de que dispõem conservando, melhorando ou subvertendo o jogo e suas normas. E é esse efeito que permite entender o comportamento dos agentes na tomada de decisões ou estratégias que podem variar das mais desafiadoras às mais conservadoras. Como no caso em que a AATSP decidiu enfrentar o desafio de 167

implementar outras ações fora do eixo do estado. Refletindo sobre esses aspectos, pode-se afirmar que a AATSP decidiu mudar sua posição estratégica dentro do campo e alterar sua condição de “entidade de apoio da Fundação” para se tornar a “entidade principal na gestão do teatro”. Ao tomar a atitude de ser proponente de projetos de captação de recursos para a expansão do teatro via leis de incentivo fiscal, a Associação abriu oportunidades para aprofundar a interação com outros atores sociais atuantes no campo cultural, como o governo federal e empresas privadas. E é ao longo do período de captação de recursos, via Lei Rouanet, que o teatro modifica sua organização e amplia seu escopo de atuação, deixando de ser somente uma casa de espetáculos. Os recursos que agora chegavam, em quantidade robusta, permitiram a criação de múltiplos espaços na área anexa ao teatro, como a construção de uma concha acústica, sala de música, salas de oficinas, sala de dança, sala multifuncional, praça, restaurante, estacionamento, salas administrativas, teatro italiano, foyer e lojas. Espaços dotados de infraestrutura para ampliar a oferta cultural diversificando, ainda mais, a grade de programações. Ao mesmo tempo que a Associação buscava recursos na esfera federal, sua ação também se direcionava, embora em menor grau, para a esfera estadual, potencializando o ingresso de investimentos para outras demandas de que o teatro e seu complexo precisavam. Esses instrumentos de intervenção de política fiscal possibilitaram à Associação se aproximar do mercado, estabelecendo um novo formato de relacionamento com os parceiros privados. Para o mercado, isso significou uma oportunidade de divulgar a imagem das empresas, reforçando o marketing cultural. Beneficiaram-se a Associação, pois conseguiu atingir sua meta de captação de recursos, e as empresas, que investiram em projetos estampando publicamente sua marca para o mercado consumidor. No entanto, as empresas não atuaram como doadores (mecenas) e sim como financiadores agindo conforme seus interesses distintos e objetivando ter um ganho em comum. Ou seja, o marketing cultural opera numa zona instável de trocas para as empresas, pois o que se troca não se limita a recursos financeiros e sim valores derivados do produto cultural, como prestígio e legitimidade, em que a imagem social é o foco das ações dos doadores. Nesse ambiente, as negociações são tensas, já que gira em torno de recursos em troca de produção de imagem. 168

Nesse sentido, é importante pensar nos relatos dos gestores da Associação quando fazem suas análises sobre os motivos que levam muitos projetos submetidos à aprovação de apoiadores não encontrarem captadores, citando ser a “falta de interesse das empresas”, tanto das locais que já investiram no teatro, como outras situadas em territórios distantes. A prática das empresas volta-se para o apoio a bens culturais que lhe possam dar retorno de lucro por meio da autorização do uso da imagem. Na relação entre as empresas e o teatro, o capital econômico se torna evidente, juntamente com o simbólico e cultural, uma vez que o nome da empresa faz parte desse processo de visibilidade para o mercado. Além disso, a saída dos centros decisórios das grandes empresas para outros estados permite refletir sobre a centralidade do capital simbólico e cultural do teatro, pois o mesmo acaba por se diluir diante do capital econômico. No entanto, mesmo reconhecendo a instabilidade desse ambiente devem-se avaliar essas relações de apoio com as empresas privadas como complementares ao esforço financeiro do Estado, e não como substitutas por completo. E é com essa consciência que os gestores da Associação se permitem constantemente encontrar outros caminhos possíveis para diversificar o ingresso de recursos que possam financiar o teatro e perpetuá-lo na memória de seus grupos sociais.

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5 CONCLUSÃO

O presente estudo teve como problema de pesquisa identificar as ações adotadas pela Associação Amigos do Theatro São Pedro, a partir dos anos 1980, para fazer frente às dificuldades financeiras, dado a sua representação como patrimônio e identidade da sociedade gaúcha. Como resultados obtidos, percebeu- se que o teatro continua sendo um símbolo importante perante a sociedade gaúcha; que a gestão compartilhada, entre Fundação e Associação, garante a continuidade do funcionamento do local; e que a transformação do local num complexo cultural somente foi possível quando os gestores da Associação resolveram aderir às leis de incentivo à cultura.

Para aferir essas respostas, o trabalho foi dividido em quatro objetivos específicos importantes e que permitiram entender mais detalhadamente o comportamento da gestão da Associação que foram: a análise do referencial teórico sobre memória social e teoria do campo; a apresentação da memória do teatro, a partir das pessoas que nele ainda trabalham, e o panorama sociocultural da cidade; a identificação dos atores relevantes no processo de restabelecimento do espaço no cenário cultural de Porto Alegre; e a análise qualitativa e quantitativa da situação da gestão financeira. Com essa divisão, apresentou-se a linha de tempo do teatro e sua inserção no campo econômico, cultural e social.

Para atender a esses propósitos, o método escolhido foi adequado quanto aos procedimentos técnicos, fontes bibliográficas e abordagens do problema. A diversidade das fontes, a coleta e análise dos dados mostraram a situação orçamentária da Associação frente às decisões tomadas por seus gestores. As entrevistas reforçaram o entendimento das ações escolhidas pela entidade contextualizando cada ciclo do teatro com os atores sociais proeminentes. A base teórica adotada sobre memória e campo permitiu evocar lembranças sobre a trajetória social do Theatro São Pedro, compreender o contexto histórico de cada época e associá-lo à figura marcante de Eva Sopher. Nesse caso, o pensamento de Halbwachs permitiu entender como acontece a operacionalização do processo da memória, colocando-a como uma construção social feita a partir de quadros sociais (representações) e experiências vividas pelos indivíduos. A memória é coletiva sob um ponto de vista construído numa relação de proximidade 170

com os grupos sociais e as lembranças são compartilhadas entre os indivíduos de forma dinâmica, necessitando de laços afetivos para garantir a construção da identidade. Nesse aspecto, ao longo do tempo, o teatro foi incorporando diversos significados, ancorado em reflexões e imagens que foram ultrapassando gerações e que o transformaram em uma herança, um legado. O teatro concentra memória cultural acumulada pelas experiências coletivas dos indivíduos e grupos sociais capaz de produzir uma autoimagem que não muda na formação da cultura. A peculiaridade do local é ser referenciado enquanto símbolo da cidade, transmissor de valores. No entanto, o teatro também é detentor de imagens que podem ser criadas e recriadas pelos sujeitos sobre diferentes sentidos. Por isso que o pensamento de Bourdieu é importante, pois essas imagens possibilitam entender a forma como se dá as relações entre sujeitos dentro de um espaço social. A teoria do campo de Bourdieu aponta que o espaço social somente pode ser compreendido quando se agregam outras propriedades que circundam as relações entre os agentes, pois são elas que conferem determinada estrutura nas interações. Os indivíduos detêm diferentes recursos que incidem nas suas ações como capital econômico, social, cultural e simbólico, além do habitus. Conforme a distribuição e volume desses capitais, os quadros sociais vão se moldando. Portanto, pensar o teatro é ultrapassar a fronteira do estético e adentrar no campo social do qual faz parte. É pensar que o teatro remete a acontecimentos políticos e econômicos ambientados em um espaço de concorrências, de conflitos, de disputas, de jogos de poder e de estratégias entre os agentes. E esses elementos são importantes para compreender a dinâmica de operacionalização do teatro. A teoria do campo vê a organização do espaço com agentes se posicionando de acordo com os poderes que os caracterizam e desempenhando papéis com a finalidade de atingir seus interesses. Por isso, a posse e o volume dos capitais que um agente possui tende a influenciar o direcionamento de suas estratégias e dominação. Ora, pensar o Theatro São Pedro é, portanto, focar nesses fragmentos como parte de sua história e de suas memórias. Memórias que se apoiam nas lutas travadas por seus agentes para preservá-lo como patrimônio, bem cultural e símbolo dentro de um espaço social. É nesse sentido que o estudo da memória social e do campo se fez necessário. O primeiro por proporcionar a compreensão do processo de construção das lembranças do teatro, e o segundo por propiciar o entendimento 171

que as lembranças do teatro se relacionam a espaços de divergências. Não há dúvida que esse bem simbólico mudou a cena cultural da cidade, e sua edificação compôs uma nova paisagem na Praça da Matriz. Quando foi inaugurado, o teatro foi comparado às principais casas de espetáculos do país, passando a ser referência cultural. No entanto, seu desgaste físico natural o obrigou a permanecer fechado durante dez anos, na década de 1970. Para reverter esse ciclo, o processo de sua reconstrução nos anos de 1980 exigiu uma nova etapa na condução de sua gestão. Sua trajetória histórica de mais de cento e cinquenta anos permanecia viva, em constante transformação, fazendo o Estado considerá-lo como um patrimônio cultural, ou seja, um espaço portador de referência à identidade, à ação e à memória dos grupos sociais. Ao longo do tempo, o local não apenas promoveu entretenimento para a população, mas também incentivou o desenvolvimento econômico, social e educacional da cidade, oportunizando uma nova perspectiva cultural. Além dessa memória, as lembranças dos gestores da AATSP tornaram possível reconstruir sua memória por meio de quadros sociais em que as experiências vividas, combinadas ao contexto sócio-histórico de cada época, permitiram apresentar diferentes pontos de vistas do local. Nem sempre essas recordações compreenderam quadros pacíficos, muito pelo contrário, na maioria das vezes, as lembranças envolveram lutas entre os agentes pertencentes ao campo. A partir de pontos de referências, os gestores entrevistados puderam reconstruir imagens do passado, quando Eva Sopher tomou a frente do processo de gestão do local, após sua reinauguração nos anos de 1980, idealizando transformar o teatro num complexo. As incertezas pela falta de recursos, para efetivar esse objetivo, ficaram marcadas em sua lembrança. Deve-se entender que o teatro está situado num mercado de bens simbólicos onde diferentes agentes agem para preservá-lo: o Estado, por meio da Fundação, e a iniciativa privada, por meio da AATSP, cada um agindo de formas distintas administração do local. A Fundação é o órgão do Estado, é a instância política, mas efetivamente, o teatro e seu complexo são geridos pela iniciativa privada via Associação Amigos do Theatro São Pedro. A Associação volta-se para um processo democrático de participação na tomada de decisões por seus associados, enquanto que a Fundação volta-se para 172

uma governança mais rígida, dado que seus representantes são nomeados pelos governos, e suas decisões sofrem influências ideológicas. Ou seja, tanto a Fundação quanto a Associação possuem uma dotação de capital desigual, e essa distribuição determina a estrutura do campo, fazendo com que as relações de forças sejam de confronto e competição, já que cada um ocupa uma posição diferenciada. Nesse espaço, o agente que conhece melhor o habitus do campo é aquele que tem melhor condição de jogar, adotando práticas e estratégias conforme sua posição. No caso do teatro, Eva Sopher se destacou por deter um capital simbólico, social e cultural ao introduzir um novo modus operandi nas negociações, pela apropriação ampliada que tinha das regras do jogo, permitindo-lhe adotar estratégias para fazer valer sua crença. A relação de Eva Sopher com o poder público estadual, desde a época da restauração do teatro até a construção do complexo, sempre foi uma relação conflituosa, principalmente pela falta de recursos. Entretanto, seu poder simbólico, principalmente o domínio de seu discurso, era reconhecido pelos agentes pertencentes do campo, tanto que sua estratégia sempre foi incitar a opinião pública para mostrar a importância do teatro como símbolo e patrimônio cultural. Eva foi a única pessoa que atuou por mais de 40 anos frente a sua gestão121, vivenciando diferentes governos, contextos políticos e políticas econômicas. Por isso, sua figura ser funde com o Theatro São Pedro. A memória da Associação, parcialmente revivida por seus gestores, encontra- se dispersa em diversos locais. A cultura da entidade, construída pelo aprendizado, pela percepção, pelo pensamento e pelos sentimentos transmitidos; a prática dos processos e das práticas de trabalho, o tipo de estrutura e a forma de organização adotada, bem como os arquivos externos, tudo serviu para a compreensão do percurso da gestão do teatro. Além desses aspectos, a reconstrução da trajetória histórica do Theatro e o panorama sociocultural da cidade, no período de 1970 a 1980, agregaram novos elementos para compreender o momento de reforma do local. Quando o teatro foi criado, no século XIX, não existia outro espaço que concorresse com ele. O São Pedro detendo o monopólio das atividades culturais. Mas com o passar do tempo, a cidade mudou em termos de infraestrutura, e novos equipamentos culturais foram surgindo, introduzindo hábitos até então inexistentes na população.

121 Sua atuação começa nos anos de 1970 e somente se encerra com seu falecimento em 2018. 173

O Rio Grande do Sul começou, nos anos 1980, a se destacar no cenário brasileiro, com bibliotecas, museus, emissoras de radio e televisão e cinemas, e Porto Alegre seguiu as tendências de crescimento econômico. Intensificaram-se outras formas de socialização cultural, como associações, assembleias e conferências; novos espaços de entretenimento surgiram como os shoppings centers; bairros fora do entorno do Bairro Centro formaram-se. Novos teatros foram inaugurados, com maior capacidade de público e com dotações técnicas mais modernas, fazendo com que o Theatro São Pedro se visse diante de uma realidade diferente, permeada pela concorrência de espaços culturais e por novos gostos e preferências da população. Ou seja, instituíram-se novas práticas sociais que alteraram as relações de forças dentro do campo. Mesmo diante desses condicionantes, o processo de ressurgimento do teatro, nesse período, foi viabilizado pela ação conjunta de atores que acreditavam no teatro como símbolo cultural. Com sua reinauguração, Porto Alegre pôde contar novamente com maior oferta e diversidade de atrações culturais, o que fez com que seus gestores começassem a idealizar a expansão de sua área como forma de potencializar a difusão da cultura por meio da criação de novos espaços. Foi inserido nessas reconfigurações territoriais que o teatro inovou sua oferta cultural com a construção de um complexo cultural, transformando um único palco em diversas salas, teatros, foyers, lojas e espaços administrativos. Simultaneamente a essas transformações urbanas, o teatro enfrentou dificuldades financeiras, provocadas pelos repasses cada vez menores impostos pelo Estado para sua manutenção. A partir desse processo de declínio, novos atores surgiram dentro do campo de disputas, nos anos de 1980. Todos concentrados na tentativa de revitalização do equipamento cultural. O Estado se transformou numa Fundação, mas foi Eva Sopher e, depois, a AATSP que induziram o teatro a se reinventar. A Associação teve como competência gerenciar os recursos vindos do Estado e suas próprias rendas, instituindo um modelo de gestão híbrido, em que a iniciativa pública e a privada atuariam, conjuntamente, na tomada de decisão, objetivando desenvolver e incentivar a cultura local, mas cada uma com estruturas e processos diferentes de administrar o complexo. É a Associação de Amigos do Theatro São Pedro que vai dar um salto na direção e no comando do espaço, começando um processo de acirramento de disputas entre o setor público e o privado pois, 174

teoricamente, o Theatro São Pedro é um equipamento público, mas quem transforma o espaço é Associação, ou seja, é a gestão privada. Nesse etapa, o Assessor Jurídico da Associação se destacou como braço direito de Eva Sopher, pois foi por meio dele que se analisaram as viabilidades jurídicas para transformar o teatro. Foi seu conhecimento técnico que vislumbrou alternativas de financiamento fora do âmbito estadual, sinalizando o momento propício para a aproximação de novos parceiros dentro do campo cultural. A partir desse momento, verificou-se o ponto de inflexão na gestão do teatro, quando foram introduzidos processos nunca antes instituídos para acompanhar as novas rotinas administrativas e operacionais. Foi com a gestão profissional e eficiente, instituída pela Gerente Geral, que a Associação alterou suas práticas e introduziu novas metodologias de gestão, como a elaboração de planejamentos estratégicos para previsão das ações, e com ela a definição de metas e resultados, bem como análises sobre os orçamentos anuais estimados e executados. O quadro de colaboradores da Associação passou de dois funcionários para mais de cinquenta, e o fluxo das receitas e despesas foi sendo acompanhado frequentemente, visando identificar possíveis problemas em seu comportamento. Reconhecendo que o ingresso de receitas não era suficiente para atender às despesas de manutenção e de expansão do teatro, buscaram-se alternativas que pudessem financiar a construção do complexo. A partir desse momento, a Associação começou sua aproximação com fontes de recursos do Governo Federal, transformando-se em proponente de projetos. Por meio da lei de incentivo à cultura, a Associação conseguiu concretizar a execução do complexo, mas isso não significou que o Estado tenha se ausentado totalmente do processo. Ao contrário, o setor público estadual e municipal uniu-se para viabilizar a permuta e a desapropriação da área anexa ao teatro. O Estado permitiu a realização de um concurso público para a elaboração do projeto Multipalco e a articulação com uma instituição bancária para apoiar, via lei Rouanet, o projeto de construção da obra; já o poder municipal concedeu a exploração de uso de uma área para que a Associação administrasse o espaço e auferisse recursos. Ou seja, ações do setor público não envolveram recursos diretamente, mas foram o início para efetivar o processo de construção do complexo. Nesse contexto, pode-se verificar que a aproximação da gestão do teatro com o Governo Federal foi estratégico em dois momentos: o primeiro, no período de sua 175

reconstrução, na década de 1970, quando os recursos federais chegaram via orçamento do Ministério da Educação, o segundo, de sua expansão nos anos 1980, quando os recursos chegaram por meio de isenção fiscal. No primeiro, Eva Sopher teve que usar a articulação política; no segundo, a Associação aderiu à política cultural via leis de incentivos fiscais. A partir desse segundo momento, um novo arranjo na gestão do teatro começou a se delinear. A Associação passou a se aproximar das empresas, o que gerou mais disputas dentro do campo, já que elas começaram a definir o apoio conforme os ganhos que teriam por meio do marketing cultural. A iniciativa privada passou a executar ações determinadas pela política cultural conforme seus interesses econômicos, fazendo com que o direcionamento sobre o que devia ser apoiado, ou não, passasse a ser definido pelo mercado e não pelo Estado, mas mesmo com esse novo processo, a Associação se beneficiou implementando a expansão do local. O aporte de recursos sob as leis de incentivo fiscal mostra que foi crescente o uso desse instrumento em benefício da expansão do teatro. Aproveitando-se do fluxo contínuo de submissão, a entidade estendeu a captação também para atividades artísticas, mas em menor quantidade. Nesse ambiente, a Associação lutou para convencer as empresas a se tornarem parceiras, permitindo identificar uma relação frágil de negociação que dependia dos retornos sobre a imagem ou marca da empresa. Esse foi o grande problema que a gestão da Associação enfrentou, pois o apoio aos projetos foi definido em função dos lucros futuros que a exposição da imagem ou da marca da empresa geraria, e não do reconhecimento de que a cultura é uma área importante a ser desenvolvida. Isso pode ser observado quando da aprovação de projetos da Associação para os quais não houve captadores. Da mesma forma que a Associação valeu-se do incentivo federal em montante significativo, a nível estadual o comportamento das empresas parceiras se mostrou mais tímido, já que o Estado apoia a isenção fiscal para financiar a manutenção e atividades artísticas, mas não para obras. Mesmo com esse limitador, os recursos provenientes via isenção fiscal foram importantes para promover a oferta e a diversidade cultural. Ao longo de todo o período, entre 1997 a 2017, pôde-se atestar que as práticas de captação adotadas pela Associação, bem como o controle e o 176

acompanhamento dos recursos orçamentários proporcionaram administrar quantias muito superiores aos recursos que o Estado repassava. A Associação, caracterizada como “órgão de apoio” à Fundação, inverteu sua responsabilidade, apresentando-se como o principal meio de efetivamente zelar pelo Theatro São Pedro e priorizar a cultura como área importante para o desenvolvimento humano, econômico e social. Portanto, o compromisso de fazer do São Pedro uma referência cultural manifestou-se nos valores fundados, não apenas por seus idealizadores, mas também pelas ações de seus gestores, permitindo que o local se transformasse numa herança carregada de identidade. A criação da Associação Amigos do Theatro São Pedro possibilitou maior dinamismo nas relações entre os agentes pertencentes ao campo e uma renovação da oferta do teatro no mercado de bens culturais. Durante a realização da pesquisa, algumas limitações foram encontradas. Por mais que os dados procedentes dos órgãos públicos estaduais fossem de acesso rápido, pôde-se perceber que o preenchimento de determinados itens não eram devidamente realizados de um ano para outro e que a falta de explicação sobre os significados de alguns critérios de apresentação não apareciam. Diferentemente, os dados originários dos órgãos públicos federais exibiam um formato mais padronizado e contínuo na exposição das informações, permitindo identificar a adoção de metodologia, o que garantiu agrupar e analisar os dados com melhor propriedade. Já os dados provenientes da Associação mostraram um método de apresentação padronizado somente a partir de 2010 contribuindo para agilizar o processo de agrupamento e construção das tabelas e quadros. Além disso, o viés econômico da área de conhecimento da pesquisadora foi uma barreira a ser vencida no curso de doutorado interdisciplinar, onde o entendimento sobre o campo da memória social exigiu um esforço maior nas leituras dirigidas que discorriam sobre o tema da pesquisa, comprometendo, em alguns momentos, o cronograma inicialmente previsto. A partir dessas considerações, o estudo apresentado não esgota a realização de futuras pesquisas no campo da memória social uma vez que é possível delinear outros aspectos interessantes sobre o teatro a serem investigados, como a compreensão do comportamento da demanda que frequenta o local; a influência das outras culturas nos espetáculos regionais e a forma de intervenção sobre os hábitos da população; a interferência das políticas públicas na dinâmica de funcionamento do local e seus reflexos no mercado cultural; o grau de envolvimento 177

dos associados da AATSP e os impactos sobre a gestão; a forma com que as atividades inclusivas interferem no aporte financeiro das empresas; e a influência com que a diversificação cultural incide no capital simbólico e cultural que é o teatro, entre outros.

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APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADA AOS GESTORES DA ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO

ROTEIRO DE ENTREVISTA

O presente instrumento é parte integrante do estudo da tese que tem como problema de pesquisa identificar as ações que foram adotadas pela Associação Amigos do Theatro São Pedro, a partir dos anos 1980, para fazer frente às dificuldades financeiras, dado a sua representação como patrimônio e identidade da sociedade gaúcha.

Local da Entrevista: Associação Amigos do Theatro São Pedro Endereço: Praça Marechal Deodoro s/no. Dia: 14 de setembro de 2018 e 26 de outubro de 2018 Horário: 10hs30min Entrevistados: Ivonete Souza e José Roberto Diniz de Moraes Duração: 2hs30min cada entrevistado Tipo de entrevista: pessoal

Aspectos da entrevista: 1. Aborde a trajetória profissional na AATSP e a forma de atuação como gestor. 2. Relate o processo de criação da AATSP e sua inserção no meio cultural. 3. Como se comporta a relação da entidade com o poder público: FTSP, Conselho Estadual da Cultura, Secretaria da Cultura, Tribunal de Contas, Ministério da Cultura? 4. Como se dá a relação da entidade com os governantes? 5. Como é a relação da entidade com os associados? 6. De que forma se dá a relação da entidade com as empresas? 7. Explicite o processo de construção de parcerias da entidade. 8. Como se apresenta a rotina da gestão financeira da entidade? 9. Como se apresenta a rotina da gestão da comunicação/marketing da entidade? 10. Como acontece a formulação das estratégias da entidade?

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APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO122

Eu, ____ (nome do entrevistado), BRASILEIRO (A), ___ (profissão), RG ____ (número), estou sendo convidado (a) a participar de um estudo denominado ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO: MEMÓRIA E GESTÃO DE UM BEM SIMBÓLICO DE PORTO ALEGRE, cujo objetivo geral é analisar a gestão financeira da Associação Amigos do Theatro São Pedro e as ações adotadas para capacitá-lo como símbolo da cultura e do patrimônio da cidade de Porto Alegre. Como objetivos específicos o estudo propõe apresentar referencial teórico sobre memória social; reconstruir a trajetória histórica do Theatro e o panorama sociocultural da cidade no período de 1970 a 1980; identificar os atores relevantes no processo de restabelecimento do mesmo no cenário cultural de Porto Alegre nos anos de 1980; e analisar qualitativa e quantitativamente a situação da gestão financeira do Theatro a partir da década de 1990 até 2017. O estudo se justifica por ser um teatro que há mais de cem anos vive entre apresentações que tanto fascinam o público, e um limite de recursos que, muitas vezes, compromete sua programação cultural... (entre outras justificativas). A minha participação no referido estudo será no sentido de investigar que ações foram adotadas pela Associação Amigos do Theatro São Pedro, a partir dos anos 1980, para fazer frente às dificuldades financeiras, dado a sua representação como patrimônio e identidade da sociedade gaúcha. Fui alertado de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios como entender mais detalhadamente a forma de atuação da Associação Amigos do Theatro São Pedro, que muito se dedica a não deixar que o local figure no esquecimento da população... (entre outros apontamentos). Recebi, por outro lado, os esclarecimentos necessários sobre os possíveis desconfortos e riscos decorrentes do estudo, levando-se em conta que é uma pesquisa, e os resultados positivos ou negativos somente serão obtidos após a sua realização. Estou ciente de que minha privacidade será respeitada e também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e se desejar sair da

122 O documento oficial contendo a assinatura dos entrevistados encontra-se com a pesquisadora. 194

pesquisa, não sofrerei qualquer prejuízo. Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são: doutoranda RENATA BASTOS DELLAMEA FERRAZ da Universidade UNILASALLE, Professora Drª. JUDITE SANSON DE BEM da Universidade UNILASALLE, Prof. Dr. ARTUR CESAR ISAIA da Universidade UNILASALLE, e com eles poderei manter contato pelos telefones (51) ___(número); (51) ___(número), e (51)___(número), respectivamente.

É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas consequências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha participação.

Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor econômico, a receber ou a pagar, por minha participação. No entanto, caso eu tenha qualquer despesa decorrente da participação na pesquisa, haverá ressarcimento. De igual maneira, caso ocorra algum dano decorrente da minha participação no estudo, serei devidamente indenizado, conforme determina a lei.

Em caso de reclamação ou qualquer tipo de denúncia sobre este estudo devo ligar para o Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais – PPG, (51) 3476.8707, (51) 3476.8717 e (51) 3476.8490 ou mandar email para o Coordenador do Curso Prof. Dr. Lucas Graeff, [email protected], e Coordenadora Adjunta Profª. Drª. Cleusa Maria Gomes Graebin, [email protected].

Porto Alegre, ____ de ______de 20__.

______ENTREVISTADO (A)

______

RENATA BASTOS DELLAMEA FERRAZ