UNIVERSIDADE ESTADUAL DE Faculdade de Educação Física

KAIO CESAR GRATÃO FONSECA

DA IDEIA À PRÁTICA: ANÁLISE DO MODELO DE JOGO IDEALIZADO, TREINADO E REALIZADO.

Campinas

2018 KAIO CESAR GRATÃO FONSECA

DA IDEIA À PRÁTICA: ANÁLISE DO MODELO DE JOGO IDEALIZADO, TREINADO E REALIZADO.

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação Física na área de concentração Biodinâmica do Movimento e Esporte.

Supervisor/Orientador: Prof. Dr Paulo Cesar Montagner

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO KAIO CESAR GRATÃO FONSECA E ORIENTADA PELO PROF. DR. PAULO CESAR MONTAGNER

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Campinas 2018

Comissão Examinadora

Prof. Dr. Paulo Cesar Montagner – Orientador

Prof. Dr. Alcides José Scaglia

Prof. Dr. Marcelo Vilhena Silva

A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço a Deus por ter me dado condições de realizar esse estudo. Aos meus pais, Donizete e Cristina, por me ensinarem a ser quem eu sou e por terem sempre me incentivado a fazer o que eu amo, se não fosse por vocês, eu não teria chegado até onde cheguei. E também à toda a família: Kassius, Júnior, tios e tias, sogro e sogra que sempre apoiaram e foram entusiastas do meu processo acadêmico e profissional. Agradeço imensamente à minha esposa Nayara por toda a paciência, amor, carinho, dicas e auxilio que me deu durante esse processo. Obrigado por me dar forças para seguir em frente. Aos amigos que contribuíram nas discussões e levantamento de dúvidas que fizeram o estudo evoluir e ganhar corpo: Rafael , Bruno Baquete, Bruno Pasquarelli, João Claudio Machado, Carlos Thiengo e Cristian Lizana. Aos meus orientadores pelo direcionamento e pelas reflexões que me proporcionaram. Cesinha e Alcides, muito obrigado. Aos treinadores com os quais trabalhei e que influenciaram no meu processo de crescimento profissional, por ordem cronológica: Danilo Benjamim, Erick Martins, Gustavo Silva, , , , e Vagner Mancini. Aos ex-jogadores com os quais trabalhei, obrigado pelos ensinamentos que a universidade não proporciona: , Fabiano , Kelly e Anderson Batatais. Aos analistas de desempenho que ensinaram, ensinam e ainda vão ensinar muito com as trocas de experiências e conversas: Bruno Baquete, Rui Sousa e Lucas Oliveira. Por fim, agradeço ao CAP e aos profissionais que por ali estiveram durante a minha coleta por me permitirem a realização dos estudos no ambiente mais científico que existe no futebol brasileiro. Obrigado Marcio Lara, Pedro Martins, William Thomas, Marcelo Vilhena e Gustavo Fragoso.

Resumo

Estudos sobre futebol têm crescido nos últimos tempos. Procurar entender os fenômenos que influenciam no rendimento de uma equipe de futebol é imprescindível para a evolução da modalidade. O futebol possui princípios que devem ser iguais para todos da equipe e que regem as ações nos momentos de ataque e de defesa. A organização destes princípios idealizados pelo treinador, somados à cultura do clube geram o modelo de jogo, que deve ser treinado para ser reproduzido na competição. É papel da analise de desempenho combinar informações visando melhorar os processos de treinamento e competição, tendo em vista o modelo de jogo da equipe. O presente estudo objetivou analisar se o modelo de jogo idealizado pelo treinador está presente no treino e na competição. Foi utilizado o delineamento de um estudo de caso, com três técnicas de coleta e triangulação de dados: questionário, cadernos de campo e análise de jogo, utilizando os princípios operacionais para comparação. Apenas na transição defensiva o modelo de jogo idealizado pelo treinador esteve presente nos treinos e jogo. Nos demais momentos do jogo ou o modelo idealizado ou o treinado não corresponderam com o jogado.

Palavras-chave: Futebol. Tática. Treinamento.

Abstract

Studies on football have grown in recent times. Seeking to understand the phenomena that influence the performance of a football team is essential for the modality evolution. Football has its own principles, which have to be the same for the whole team, and conduct their actions during game moments. The organization of the principles idealized by the coach, added to the club’s culture, bring forth to the game model, which has to be trained so it is reproduced in the match. It is the role of performance analysis to combine information, aiming the improvement of the training and match process, bearing in mind the team’s game model. The present study aimed to analyze if the coach’s ideal game model is present in the training session and match. The design of a case study was used, with three techniques of data collection and triangulation: questionnaire, field notebooks, and game analysis, using the operational principles to compare them. Only in the defense transition the game model idealized by the coach was present in the training sessions and match. In the other moments of the game either the idealized or the trained model did not match the played model.

Key-words: Football. Tactic. Training.

Lista de Figuras

Figura 1 Modelo de Jogo – Treinador – Jogo ...... 15

Figura 2 Fases do jogo, princípios gerais, operacionais, fundamentais, estruturais e específicos do jogo de futebol ...... 27

Figura 3 Evolução Anual das Publicações ...... 31

Figura 4 Processo de Treinamento ...... 34

Figura 5 Exemplo de uma questão pertencente ao questionário ...... 37

Figura 6 Caderno de campo coletado na pesquisa ...... 38

Figura 7 Campograma ...... 39

Figura 8 Protocolo desenvolvido no iCoda para recolha dos dados ...... 43

Figura 9 Code Window de recolha de dados ...... 43

Lista de Quadros

Quadro 1 Princípios Operacionais do Jogo ...... 21

Quadro 2 Princípios Operacionais de Transição ...... 23

Quadro 3 Princípios Operacionais de Cada Fase de Jogo ...... 53

Quadro 4 Processo de Análise de Desempenho ...... 55

Lista de Gráficos

Gráfico 1 Evolução Anual de Publicações ...... 32

Gráfico 2 Divisão dos Conteúdos pelos Percentis ...... 47

Gráfico 3 Conteúdos Agrupados por Fases Separados em Percentis ...... 48

Gráfico 4 Boxplot da Diferença entre os Grupos ...... 49

Gráfico 5 Total dos Princípios Estruturais de Defesa ...... 50

Gráfico 6 Total dos Princípios Estruturais de Ataque ...... 51

Lista de Tabelas

Tabela 1 Respostas do Questionário – Fase Ofensiva / Transição Ofensiva 44

Tabela 2 Respostas do Questionário – Fase Defensiva / Transição Defensiva ...... 45

Tabela 3 Conteúdos de Treino e Volume Treinado ...... 46

Tabela 4 Princípios Operacionais de Defesa ...... 49

Tabela 5 Princípios Estruturais de Defesa ...... 50

Tabela 6 Princípios Operacionais de Ataque ...... 51

Tabela 7 Princípios Estruturais de Ataque ...... 51

Tabela 8 Princípios Operacionais de Transição Ofensiva ...... 52

Tabela 9 Princípios Operacionais de Transição Defensiva ...... 52

Sumário

I. INTRODUÇÃO …...... ……………....…………....…….. 13

1.1 Objetivo Geral ...... 16

1.2 Objetivos Específicos ...... 16

II. MARCO TEÓRICO ...... 16

2.1 Futebol e Complexidade ...... 16

2.2 O Jogo de Futebol ...... 18

2.3 Os Princípios do Jogo ...... 19

2.4 Modelo de Jogo ...... 28

2.5 Análise de Desempenho e Análise de Jogo ...... 30

III. METODOLOGIA DE PESQUISA ...... 36

3.1 Amostra ...... 36

3.2 Questionário ...... 37

3.3 Cadernos de Campo ...... 38

3.4 Análise de Competição ...... 39

3.4.1 Instrumento de Coleta ...... 42

IV. RESULTADOS ...... 44

4.1 Questionário ...... 44

4.2 Cadernos de Campo ...... 45

4.3 Análise de Jogo ...... 49

V. DISCUSSÃO ...... 53

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 54

REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 57 APÊNDICES ...... 61

Glossário ...... 61

ANEXOS ...... 64

Anexo I – Carta de Anuência ...... 64

Anexo II – Questionário Respondido pelo Treinador ...... 65

Anexo III – Respostas Relacionando os Temas e os Princípios de Jogo .... 67

Anexo IV – Transcrição da Entrevista feita com o Treinador ...... 69

Anexo V – Cadernos de Campo ...... 74

Anexo VI – Parecer Consubstanciado do CEP ...... 109

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I. INTRODUÇÃO

O futebol está presente no cotidiano das pessoas. Em cada lugar que frequentamos encontramos “entendedores” e “treinadores” que analisam e debatem os resultados e jogos do final de semana com a certeza de quem “conhece” do assunto. Entretanto, conhecer e entender o jogo vai muito além do que pensamos. Segundo Baquete (2014, p. 1): Entender o jogo não é algo simples nem pode ser baseado em dados infundados e em “achismos populares”, que emergem de nossa cultura futebolística onde todos acreditam conhecer a fundo esse esporte. Esses “achismos” na verdade nos levam para muito longe dos reais problemas do jogo, que na sua essência obedecem às leis do caos e precisam ser analisados a fim de traçarmos hipóteses adequadas. Caso contrário, olharemos para o jogo e pela falta de entendimento levantaremos a hipótese que uma equipe ganhou ou perdeu pelo acaso ou por circunstâncias aleatórias. Assim como está escrito no site da Universidade do Futebol em sua busca na transformação pelo conhecimento: “Futebol: admirado por milhões, praticado por muitos e estudado por poucos”. Sendo assim, procurar entender os fenômenos que influenciam no rendimento de uma equipe de futebol é imprescindível para a evolução da modalidade, pois novas pesquisas e estudos nos abrem portas para novas dúvidas, que sugerem hipóteses, que sugerem possibilidades (LEITÃO, 2004) Para Castelo (1999) o rendimento no jogo de futebol se encontra a partir da inter-relação entre as dimensões física, técnica, tática e psicológica, fazendo do jogo um sistema aberto, dinâmico, complexo e não linear, no qual coexistem subsistemas hierarquizados que interagem por meio de possibilidades de conexões múltiplas. Com esse pensamento, as equipes de futebol podem ser caracterizadas segundo Garganta & Gréhaigne (1999), como sistemas hierarquizados, especializados e fortemente dominados pelas competências estratégicas e heurísticas. Barreira (2006) defende que o jogo de Futebol atual, pela complexidade, variabilidade e imprevisibilidade em que se circunscreve, encontra a sua dinâmica envolta num caráter de difícil convergência de entendimentos, perspectivas e análises. No entanto, é evidente a importância da dinâmica do jogo enquanto objeto de estudo, pois só sendo analisado a partir de investigações rigorosas e imparciais, o jogo poderá evoluir e atingir patamares de entendimento superiores.

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Dentro desse ambiente sistêmico e complexo, Garganta (2002; 2008) sustenta que o primeiro problema que se coloca no jogo de futebol é de natureza tática, pelo que para responder com sucesso às inevitáveis situações de final aberto que o jogo proporciona, é fundamental que os jogadores desenvolvam competências de natureza perceptiva e informacional, construindo assim uma maneira de jogar, onde os treinos servem para modelar comportamentos e atitudes individuais e coletivas visando uma ideia de jogo, logo, o modelo de jogo deve ser o norteador de todo processo de treino. Para tanto, se torna necessário saber se os conteúdos de treino suprem esses problemas decorrentes do jogo e se as equipes de fato possuem uma organização coletiva que respondam com êxito a essas situações. Nesse sentido, Pivetti (2012) afirma que o futebol tem como característica a imprevisibilidade inerente aos esportes coletivos, gerada pelo alto grau de complexidade e pelas inúmeras possibilidades de interações entre os elementos do jogo, logo, ao pensar em treino para melhora de rendimento, deve-se contemplar essas características, para que haja uma apreensão do jogar através da operacionalização do modelo de jogo que o treinador pretende utilizar. Ao analisar uma equipe durante um jogo ou competição deve-se levar em conta que a organização coletiva dependerá do modo como essa equipe se estrutura no espaço de jogo, gerencia o tempo e realiza as tarefas inerentes ao jogo, em permanente relação com a equipe adversária (GARGANTA, 1997; PINO ORTEGA, 2001). Para Pereira (2006), existe uma relação de interdependência e reciprocidade entre a competição e a preparação, uma vez que se deve treinar da maneira como se quer competir, além disso, o princípio da especificidade do treinamento corrobora para essa afirmação. Ainda com relação ao treinamento de futebol, Castelo (1996) afirma que a eficácia da organização de uma equipe de Futebol passa indubitavelmente por um planejamento claro, consciente e coerente das finalidades e objetivos, que por si só estabelecem diferentes operações inerentes à construção e desenvolvimento de uma equipe. O treinador deve saber quais princípios de jogo ele quer adotar em cada fase do jogo, proporcionando uma organização à sua equipe.

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Pereira (2006) nos traz que treinar jogadores profissionais não é a mesma coisa que treinar jogadores em formação, logo devemos investigar como ocorre o processo de ensino-aprendizagem-treinamento também nas categorias menores. A observação realizada na análise de jogo vem sendo tratada como peça fundamental no desenvolvimento de equipes e consequentemente no desenvolvimento de jovens jogadores, pois permite identificar pontos fortes e fracos potencializando tudo o que foi feito de bom, construindo e reconstruindo o modelo de jogo, minimizando as vulnerabilidades (PEDREÑO, 2014). Para Casarin et al. (2011) as linhas gerais de um modelo de jogo têm influência do treinador e da cultura do clube podendo variar ao longo do processo de ensino-aprendizagem, já que os princípios de jogo a serem cumpridos poderão ser diferentes ao longo dos anos de formação. Sobre modelo de jogo, Garganta (1997) refere que caberá ao treinador caracterizar o jogo que pretende implementar para, posteriormente, desenvolver metodologias de treino adequadas. Para isso, acreditamos que a utilização de cadernos de campo para acompanhar o desenvolvimento do que se pretende treinar pode auxiliar o treinador na aplicação do seu modelo de jogo. Buscar entender como se relacionam o modelo de jogo apresentado pela equipe durante uma competição, o modelo de jogo idealizado pelo treinador e os conteúdos de treino que fizeram parte do processo de ensino-aprendizagem- treinamento pode auxiliar o entendimento sobre esses processos, além de contribuir com a construção de novos modelos de jogo e de treino.

Figura 1 – Modelo de Jogo – Treinador – Treino

Fonte: Elaborada pelo autor

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1.1 Objetivo Geral O presente estudo tem como objetivo analisar se o modelo de jogo idealizado pelo treinador está presente nas sessões de treino e no jogo, identificando suas características.

1.2 Objetivos Específicos

▪ Identificar e analisar os princípios operacionais que o treinador deseja que sua equipe desenvolva.

▪ Identificar e quantificar os princípios operacionais trabalhados durante as sessões de treino.

▪ Analisar os princípios estruturais e operacionais do modelo de jogo apresentado pela equipe durante a competição.

II. MARCO TEÓRICO

2.1 Futebol e Complexidade O futebol enquanto objeto de estudo vem sendo analisado por diferentes paradigmas, assim como outros fenômenos, de acordo com a época e pensamentos que norteiam os pesquisadores. Por anos a ciência buscou entender o todo fragmentando-o em pequenas partes e dando foco para o estudo dessas partes. Acreditava-se que entendendo a parte se entenderia o todo. Esse pensamento analítico fragmentador norteou os pensamentos científicos durante muitos anos, fazendo com que tivéssemos avanços significativos. Entretanto, novas formas de pensar e investigar os fenômenos surgiram, buscando trazer respostas complexas aos fenômenos científicos. (LEITÃO, 2009). Para Baquete (2014), é fundamental que consideremos as particularidades dos elementos e também as inter-relações entre esses elementos e a sua organização para compreendermos o todo, que pode, dessa maneira, ser superior ou inferior à soma das suas partes.

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De acordo com Scaglia et. al (2013), o pensamento complexo pode ser considerado um paradigma emergente e surge de revolucionárias ideias oriundas do entrelaçamento de várias áreas do conhecimento, que buscaram romper com o paradigma mecânico/cartesiano, procurando entender o mundo através de uma visão ecológica e sistêmica. Garganta e Gréhaigne (1999, p.8) nos mostram que “A sistêmica é uma abordagem ou método de compreensão e resolução de problemas que visa aumentar a eficácia da ação face aos problemas relacionados com o modo de observação, de representação, de modelação ou de simulação de totalidades complexas”. É uma disciplina que resultou da interação do estruturalismo, da cibernética e da teoria da informação nos anos 50. Segundo Teoldo et. al (2015) o entendimento do jogo de futebol passa por uma dicotomia, de um lado se verifica a separação do jogo em quatro dimensões: a tática, a técnica, a física e a psicológica. De outro lado, novas abordagens colocam o jogo como uma criação inteira e complexa, onde qualquer tentativa de divisão é considerada mutiladora de sua essência. Segundo os autores “Se na primeira abordagem se estudam essas diferentes dimensões até o mais ínfimo pormenor, já na segunda, o estudo da totalidade, da dimensão ou da particularidade são inseparáveis da complexidade que lhe é intrínseca.” (TEOLDO et. al, 2015, p. 26) Segundo Vallée (1990) apud Garganta (1997) a complexidade é uma propriedade do sujeito na apreensão dos fenômenos, que está condicionada a quatro aspectos:  À composição do sistema, ao número e às características dos seus elementos e sobretudo das suas interações;  À incerteza e aos acasos próprios do meio envolvente;  À imprevisibilidade de comportamentos;  Às relações ambíguas entre determinismo e acaso aparente, entre ordem e desordem. Segundo o autor, é necessário que o jogo de futebol seja entendido na sua complexidade, no antagonismo das equipes face ao concurso para o objetivo comum. Garganta (1997) afirma que por trás da aparência simples de um jogo de futebol existe um fenômeno que possui uma lógica complexa e que é responsável pela opacidade aparente no jogo quando observado como objeto de conhecimento

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científico. Dessa forma, o autor afirma que se deve elevar o futebol a objeto de estudo, pois conhecer sua lógica e seus princípios resulta em importantes implicações no plano de ensino, treinamento e controle do desempenho dos jogadores e das equipes.

2.2 O Jogo de Futebol O fenômeno jogo deve ser estudado dentro da perspectiva de ser um sistema complexo, onde seu ambiente (contexto) determina o que é ou não jogo, ficando claro a predominância da subjetividade em detrimento da objetividade (o estado de jogo). Em outras palavras, o jogo deve ser visto em sua totalidade e complexidade, inserido em um ambiente que lhe é próprio. (SCAGLIA, 2003) O futebol se encontra em um conjunto definido Jogos Desportivos Coletivos (JDC) (GARGANTA, 1997) e se configura como uma trama de relações de oposição e cooperação, tendo como questão principal um cenário de oposição dos adversários em que os jogadores devem coordenar ações visando recuperar, conservar e progredir o objeto de jogo, no caso a bola, tendo como objetivo criar situações para finalizar e marcar um gol (GARGANTA, J & GRÉHAIGNE, J.F, 1999; GRÉHAIGNE, J.F, 2001). Garganta (1997) afirma que o futebol é um JDC e acontece em um ambiente (contexto) de elevada variabilidade, imprevisibilidade e aleatoriedade, em que duas equipes se confrontam e disputam objetivos comuns, lutando para gerir em proveito próprio o tempo e o espaço. Essas equipes realizam, em cada momento, ações contrárias (ataque-defesa) baseadas em relações de cooperação-oposição. Sendo assim, as possíveis respostas encontradas aos problemas emergentes em um momento qualquer do jogo, podem ser construídas de diversas formas, mais parecidas ou não umas com as outras, visando contextualizar a ação para encontrar a resposta mais qualificada (LEITÃO, 2004). Gréhaigne (2001, p. 126) sugere que nesse contexto do jogo existem três grandes categorias de problemas:  No plano espacial temporal: No momento ofensivo: problemas de aproveitamento individual e coletivo da bola para superar, utilizar e/ou evitar os adversários.

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No momento defensivo: problemas de produção de obstáculos com o propósito de dificultar e impedir o movimento da bola e dos jogadores adversários, assim como recuperar a bola.  No plano da informação: Problemas relacionados com a criação de incertezas para o adversário e segurança para os companheiros. O aumento da incerteza para o rival depende das alternativas propostas pelos companheiros do jogador que leva a bola e da velocidade na transmissão da mesma. A criação de segurança para a equipe com posse está relacionada à qualidade da comunicação e às escolhas táticas, que permitem chegar a opções adaptadas que todos os companheiros compreendem em função das configurações momentâneas do jogo.  No plano da organização: Problemas na aceitação da transição de um projeto individual para um coletivo. O jogador deve integrar de verdade o projeto coletivo à sua ação pessoal, oferecendo o melhor de si em prol da equipe. Frente aos problemas apresentados, Garganta (1997) e Baquete (2010) afirmam que as equipes se comportam como coletivos, se organizando de acordo com sua lógica particular e em função de regras, princípios e prescrições. As ações de jogadores da mesma equipe tendem a se aproximarem, uma vez que as estratégias e ações individuais são direcionadas para finalidades e objetivos comuns.

2.3 Os Princípios do Jogo O futebol possui princípios que regem as ações dos atletas e das equipes nos momentos de ataque e de defesa. Os princípios devem ser iguais para todos os jogadores da mesma equipe, visando uma compreensão mútua dos mesmos em situações complexas e aleatórias do jogo (BAYER, 1994). Ainda segundo o autor, esses princípios seriam balizadores das ações e não devem ser compreendidos como fatores de mecanização e repressão dos atletas. Cada princípio da equipe deve ter um significado para o jogador que, partindo desse referencial, precisa compreender e antecipar as situações que aparecem, agindo de maneira vantajosa em situações que esteja envolvido. Costa (2010) afirma que os princípios táticos estão estritamente relacionados com a lógica do jogo e a sua operacionalização acontece nas ações

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técnico-táticas dos jogadores. Torna-se, portanto, necessário que os jogadores estejam conscientes a respeito desses princípios, visando facilitar a sua operacionalização e transmissão do conceito, ajudando na escolha e execução da ação frente à determinada situação. Ainda em relação aos princípios táticos, Castelo (1994) apud Teoldo et. al (2015) afirma que estes possuem um certo grau de generalização e estão estritamente relacionados às ações dos jogadores, os mecanismos motores e a consciência e o conhecimento tático. Segundo Garganta (1994) os princípios táticos devem ser entendidos como um conjunto de normas sobre o jogo que proporciona aos jogadores a possibilidade de encontrarem respostas táticas para os problemas advindos da situação que enfrentam. Teoldo et. al (2015) nos mostram que é possível encontrar na literatura vários termos referentes aos princípios táticos e percebe-se uma conformidade de ideias em torno de quatro pilares que relacionam a organização tática dos jogadores no campo de jogo: i) os princípios gerais; ii) os princípios operacionais; iii) os princípios fundamentais; iv) princípios específicos.  Princípios gerais: são assim chamados por serem comuns a todas as fases do jogo e também aos outros princípios (operacionais e fundamentais). Baseiam-se em três conceitos oriundos da relação espacial e numérica, entre os jogadores da equipe e os adversários, nas zonas de disputa pela bola (QUEIROZ, 1983; GARGANTA & PINTO, 1994): 1. Não permitir inferioridade numérica; 2. Evitar a igualdade numérica; 3. Procurar criar a superioridade numérica1.  Princípios operacionais: são conceitos atitudinais utilizados para as duas fases do jogo: defesa e ataque (BAYER, 1994). Os princípios operacionais de defesa são: (i) anular situações de finalização, (ii) recuperar a bola, (iii) impedir a progressão do adversário, (iv) proteger a baliza e (v) reduzir o espaço de jogo do adversário. Os princípios operacionais de ataque: (i) conservar a bola, (ii)

1 Alguns autores e treinadores já utilizam outros tipos de superioridade dentro do jogo, o artigo https://universidadedofutebol.com.br/a-interpretacao-do-jogo-a-partir-dos-tipos-de-superioridades/ trata sobre esse assunto.

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construir ações ofensivas (iii) progredir pelo campo de jogo adversário, (iv) criar situações de finalização e (v) finalizar à baliza adversária. Estes princípios se contrapõem e estão resumidos no Quadro 1:

Quadro 1 – Princípios Operacionais do Jogo

Ataque Defesa

Conservação da bola Recuperação da bola

Progressão dos jogadores e da bola Impedir a progressão dos jogadores e para a baliza adversária da bola para a minha própria baliza

Atacar a baliza adversária Proteção da minha baliza e do meu campo

Fonte: Bayer (1994)

Ainda segundo Bayer (1994), cada princípio operacional irá balizar de uma maneira específica às regras de ação dos jogadores.  Princípio operacional: Conservação da bola Regras de ação individual (Portador da bola): Manter o controle da bola e transmissão (passe) da bola. Regras de ação coletiva (não portadores da bola): Desmarcação, chamada da bola e troca com os parceiros.  Princípio operacional: progressão para a baliza adversária Regras de ação individual: Levar a bola para a baliza adversária realizando corrida para o espaço livre para a baliza e manobras contra adversários diretos. Regras de ação coletiva: Trocas de posições curtas e longas a fim de criação de linhas de passes e desmarcações em progressão.  Princípio operacional: Atacar a baliza adversária Regras de ação individual: Lançar com precisão e muitas vezes com potência a bola num ou sobre um alvo, após estar ou ter sido desmarcado: criação duma situação de superioridade numérica ou um contra o goleiro.

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Regras de ação coletiva: Pressionar o adversário do seu parceiro para manter mais tempo o espaço livre aberto e facilitar a sua desmarcação; colocar-se em apoio em caso de sucesso do remate ou na impossibilidade deste.  Princípio operacional: Recuperar a bola Regras de ação individual: Agir ativamente sobre o portador da bola; sobre os não portadores da bola; sobre a trajetória da mesma. Pressionar em contato; muito próximo ao portador da bola. Regras de ação coletiva: Agir sobre toda a equipe adversária a fim de recuperar a posse de bola pressionando tanto o portador da bola (recuperação a partir de um combate direto) como o restante da equipe (recuperar a bola através de interceptações).  Princípio operacional: Impedir a progressão do adversário Regras de ação individual: Agir sobre o portador da bola para impedir a progressão do adversário nos espaços livres do portador da bola. Regras de ação coletiva: Marcação dos adversários não portadores da bola para impedir os passes.  Princípio operacional: Proteção da minha baliza Regras de ação individual: Agir sobre a trajetória do remate, pressionar, interceptar e dissuadir o portador da bola. Regras de ação coletiva: Criar superioridade numérica no lado da bola; ajudar o companheiro defensor responsável pelo portador da bola. Sobre os Princípios Operacionais de Bayer (1994), Baquete (2014) nos atenta para o fato de não contemplarem os momentos que acontecem imediatamente após a perda da bola (transição defensiva) ou após a recuperação da bola (transição ofensiva) e afirma ser importante também nesses momentos que a equipe possua regras de ação que oriente os atletas. Para esses momentos, Leitão (2009) apresenta três princípios para cada transição, conforme mostrado no Quadro 2.

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Quadro 2 – Princípios Operacionais de Transição

Transição Ofensiva Transição Defensiva

Tirar a bola da zona de recuperação Pressão na bola Jogo vertical Recomposição Manter a bola na zona de recuperação Manter a posição Fonte: Leitão (2009)

Assim como os princípios operacionais de ataque e de defesa, cada um dos princípios de transição orientam a ação dos jogadores de maneira específica.  Princípio Operacional: Tirar a bola da zona de recuperação Regras de ação individual: Retirar a bola da zona onde foi recuperada através de passes para zonas seguras (sem marcação adversária) do campo. Regras de ação coletiva: Criar linhas de passe em zonas seguras do campo.  Princípio Operacional: Jogo Vertical Regras de ação individual: Buscar passes para frente assim que a bola é recuperada. Regras de ação coletiva: Criar linhas de passe para frente e movimentar- se a fim de criar espaços em locais avançados no campo.  Princípio Operacional: Manter a bola na zona de recuperação Regras de ação individual: Manter a bola na região onde a mesma é recuperada. Regras de ação coletiva: Manter a posição no campo de jogo.  Princípio Operacional: Pressão na bola Regras de ação individual: Pressionar o Portador da bola assim que a mesma é perdida. Regras de ação coletiva: Fechar linhas de passe do portador da bola e pressionar.  Princípio Operacional: Recomposição Regras de ação individual: Recompor-se atrás da linha da bola ou outra referência construída dentro do modelo de jogo. Regras de ação coletiva: Recompor-se fechando linhas de passe para frente da equipe adversária.

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 Princípio Operacional: Manter a Posição Regras de ação individual: Manter a posição no campo de jogo. Regras de ação coletiva: Manter a posição no campo de jogo.

 Princípios Fundamentais: Representam um conjunto de regras de base que orientam as ações dos jogadores e da equipe nas duas fases do jogo. Na literatura encontra-se propostas com cinco princípios fundamentais para cada fase. Os de defesa são: (i) contenção; (ii) cobertura defensiva; (iii) equilíbrio; (iv) concentração e (v) unidade defensiva. Os de ataque são: (i) penetração; (ii) mobilidade; (iii) cobertura ofensiva; (iv) espaço e (v) unidade ofensiva. Estes princípios têm como objetivo facilitar a gestão de espaço de jogo pelos jogadores e quando realizados permitem à equipe criar desequilíbrios no adversário, estabilizar a organização da própria equipe e propiciar aos jogadores intervenções dentro e fora do centro de jogo (Teoldo et al., 2015). Castelo (1999, p. 299) nos traz os principais aspectos que cada uma dessas ações possui: i. Criar desequilíbrios na organização da equipe adversária: Atingir esse princípio significa “arrastar” ou a atrair o adversário fazendo com que fiquem livres de atenção determinados pontos de apoio que podem ser utilizados para concretizar o processo ofensivo. Nesse sentido, o aumento da permeabilidade da organização adversária é resultado da sua desarticulação, consequentemente, aumentam-se as distâncias entre os jogadores e, principalmente, se “rompem” as linhas de jogadores. ii. Estabilizar a organização da própria equipe: Busca contínua por manter a organização da equipe, através de ações que estabeleçam uma ocupação racional do terreno de jogo em função das situações momentâneas do jogo, evitando o distanciamento e permitindo que a equipe jogue de maneira compacta. Isso obrigará o adversário a analisar e agir sobre uma forte pressão técnico-tática (diminuindo as opções táticas possíveis para a resolução de uma situação) e psicológica (atrapalhando seu julgamento sobre as situações de jogo). iii. Propiciar aos jogadores uma intervenção ajustada no centro de jogo: Devido à elevada variabilidade de situações de jogo, todos os jogadores devem estar preparados para intervir diretamente no centro de jogo, em

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qualquer momento e circunstância, seja se movimentando em direção ao centro de jogo ou pela movimentação do centro de jogo em sua direção (através de passes e condução da bola)  Princípios Específicos: Recebem este nome, pois se referem a um modo específico de jogar, logo, são responsáveis pela orientação e sincronização das ações de todos os jogadores de uma equipe em campo. O surgimento dos princípios específicos acontece da inter-relação entre os princípios gerais, operacionais e fundamentais. Apesar de existirem poucos princípios táticos gerais, operacionais e fundamentais, a combinação deles permite o surgimento dos princípios específicos e do modelo de jogo da equipe, operacionalizando as ações dos jogadores e o desempenho da equipe em jogo (Teoldo et al., 2015). Já Leitão (2009) nos traz ainda os Princípios Estruturais, responsáveis por orientarem a ação dos jogadores em relação à ocupação do espaço de jogo. Ele propõe os princípios estruturais de ataque e defesa da seguinte maneira, baseado em Hughes (1974); Vásquez Folgueira (2002); Bangsbo, Peitersen (2002) e Parreira (2005): Ataque:  Amplitude, ou abertura: distância entre os jogadores mais “abertos” na largura do campo de jogo (de uma linha lateral à outra).  Penetração: movimentação com o objetivo de ocupar os espaços nas costas das linhas de defesa adversária.  Profundidade: tentativa de levar a linha de defesa da equipe adversária em direção ao seu próprio gol, fazendo com que ela recue.  Mobilidade: movimentação inteligente, coordenada, ritmada e sincronizada dos jogadores da equipe que ataca.  Apoio: distribuição dos jogadores durante todo o jogo, a fim de dar o maior número possível de opções de passe para o jogador que estiver em posse da bola.  Ultrapassagem: conceito coletivo no qual os jogadores da equipe se deslocam para frente passando a linha da bola e criando opções de passe à frente do jogador que tem a posse de bola.  Compactação ofensiva: proximidade dos jogadores quando a equipe ataca.

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Defesa:  Retardamento, desaceleração ou temporização: posicionamento dos jogadores para diminuir a velocidade de jogo do jogador que está com a posse da bola.  Cobertura: Em linhas gerais, cobertura é a ocupação do espaço defensivo entre o jogador da equipe adversária que está com bola e o gol.  Equilíbrio: distribuição dos jogadores em campo de forma homogênea, em largura.  Basculação ou flutuação: orientação em largura para a equipe movimentar-se quando a bola, estando com o adversário, é passada de um lado ao outro do campo de jogo.  Recuperação: ocupação inteligente do espaço de jogo, de maneira a orientar os jogadores no retorno ou recomposição na defesa.  Compactação: orientação espacial que visa manter as linhas de ataque, meio-campo e defesa próximas umas às outras quando a equipe se defende.  Bloco: movimentação vertical de todos os jogadores da equipe em conjunto (da direção da linha de fundo da defesa à outra).  Direcionamento: ocupação do espaço de jogo buscando conduzir o adversário com bola para regiões menos favoráveis para que ele progrida no campo de jogo e ao mesmo tempo, mais favorável para a retomada da posse da bola pela equipe que defende. Na figura a seguir estão apresentados os princípios e as fases de jogo em que cada um está presente.

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Figura 2 – Fases do Jogo, Princípios Gerais, Operacionais, Fundamentais, Estruturais e Específicos do Jogo de Futebol

Fonte: Elaborado pelo autor (baseado em GARGANTA & PINTO 1994; QUEIROZ, 1983; TEOLDO, GUILHERME & GARGANTA 2015; LEITÃO, 2009)

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2.4 Modelo de Jogo Na área científica, um modelo é uma representação simplificada sob a forma mais ou menos abstrata de uma ou várias relações que reúne os elementos de um sistema, criando uma rede de inter-relações entre as unidades de um conjunto, simulando a realidade ou parte dos aspectos dessa realidade que corresponde ao ponto de vista escolhido (CASTELO, 1999). Ainda no domínio científico, Durand (1992) apud Garganta (1997) afirma que um modelo (i) se assemelha à realidade que procura representar, muito embora não deva ser confundido com a realidade; (ii) é adequado desde que incorpore a dinâmica do fenômeno sobre o qual se pretende agir; (iii) tem um estatuto intermediário entre o objeto real e uma teoria científica e geralmente é uma etapa intermediária na busca pelo saber. Modelar um sistema dinâmico, no caso o futebol, é bem mais do que mapear seus comportamentos (princípios de jogo), mas também estar atento a todas as variáveis que surgem da interação e inter-relação dos seus participantes (treinadores-jogadores, companheiros-companheiros, companheiros-adversário), entendendo o jogo como uma unidade inquebrantável mesmo dividindo-o didaticamente em momentos para uma melhor compreensão (GARGANTA, 2001; GARGANTA, 2008; CASARIN et al. 2011). Dessa forma, o modelo de jogo visa dar sentido ao desenvolvimento do processo ante um conjunto de regularidades que se busca observar, ou seja, traçar um norte e orientar os passos a serem dados. Assim sendo, devem estar presentes no modelo de jogo os comportamentos dos jogadores em diversas escalas e interconectados com a dimensão técnica-física-psicológica-estratégica (CASARIN et al., 2011). Por ser um modelo, é uma ideia que está em constante construção e evolução podendo sofrer alterações e adendos individuais e coletivos, de acordo com as interações que ocorrem durante o jogo, fazendo com que o modelo final seja sempre inatingível (GARGANTA, 1997; OLIVEIRA, 2004). Castelo (1996) nos traz que o modelo de jogo no futebol, por um lado funciona como ponto de partida essencial e referencial na orientação das ações de uma equipe, permitindo uma rigorosa definição e reprodução de todo o sistema de relações e inter-relações estabelecidas entre os elementos que consolidam uma equipe. Por outro lado, reproduzir e aplicar o modelo de jogo possibilita, a partir de

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experiências recolhidas, tirar novas conclusões, racionalizando e melhorando as ideias e conceitos, através da projeção intelectual da essência de um fato, possibilitando resolver eficientemente diversas situações do jogo, não sendo dessa forma um estado contemplativo e fechado. Para Gomes (2008), a cultura de jogo de cada clube, juntamente com seu treinador, com suas ideias e adaptações à essa cultura, são os responsáveis por gerar o modelo de jogo, determinando assim os objetivos comportamentais da equipe e não possibilitando dessa forma a existência de um modelo único (universal). Sobre modelação no jogo de futebol, Garganta (1997, p.125) escreve: “Uma equipa de Futebol comporta-se como um sistema susceptível de manifestar comportamentos que, embora não pré-determináveis, são potencialmente antecipáveis (possíveis). Assim, embora conscientes de que o conteúdo do jogo é incerto e imprevisível, entendemos que se impõe a necessidade de identificar e registar características ou indicadores de qualidade, a partir da análise qualitativa e quantitativa dos comportamentos expressos pelos jogadores no jogo. Este tipo de informação, uma vez sistematizada, permite racionalizar os designados padrões de jogo e por extensão os modelos de jogo, que no contexto do Futebol constituem importantes utensílios, na medida em que funcionam como referenciais para a concretização dos objectivos e para a elaboração e avaliação das situações de ensino e treino do jogo. Assim, permitem não só articular e organizar o conhecimento, mas também verificar e corrigir a acção. Nesta medida, a apreensão de um modelo de jogo toma-se profícua a partir das sínteses e do compromisso entre este e o modelo de treino.” Ao relacionar o modelo de jogo com o treino, Pivetti (2012) nos alerta que o modelo não se restringe apenas ao plano conceitual/ideológico do jogo, este possui também um lado prático, justificando assim a vivência constante do modelo de jogo por parte dos jogadores, através da aquisição dos princípios subjacentes em uma sessão de treino. Sobre o processo de assimilação, Castelo (1999) nos atenta que a construção do modelo de jogo não é um caminho contínuo, pois devemos submetê-lo a uma interrogação sistemática a medida que vai se desenvolvendo e evoluindo, possibilitando dessa forma a sua construção, desconstrução e reconstrução. Sobre o processo de construção e reconstrução, Leitão (2009) afirma que uma equipe deve ter o seu modelo de jogo alterado e corrigido quando se achar necessário, além de ser capaz de jogar a partir de modelos de jogos distintos. Levando em conta essas questões, a ideia de modelo de jogo é de alinhamento de condutas servindo como um norteador, buscando desenvolver

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processos específicos e coerentes de treino, visando criar uma forma específica de jogar, balizada por padrões comportamentais (princípios de jogo) em seus quatro momentos: organização ofensiva e defensiva, transição defensiva e ofensiva, visando criar uma identidade (GARGANTA, 1997; GOMES, 2008; OLIVEIRA, 2004). Teoldo et al. (2015) nos mostram o quão importante é a modelação para o desempenho desportivo afirmando que desde 1975 Teodorescu referia sobre o prisma da modelação, que quando utilizado para analisar e interpretar o conteúdo do jogo desportivo e a funcionalidade de uma equipe gerava a possiblidade de utilizar novas metodologias mais eficazes no planejamento de treinos, na escolha de jogadores, no estudo de adversários, na escolha tática do jogo entre outras atividades dos treinadores e das equipes.

2.5 Análise de Desempenho e Análise de Jogo Para os autores O’Donoghue (2010; 2015) e Gómez-Ruano (2017) a análise de desempenho é o uso combinado de informações técnico-táticas e físicas, visando uma melhora nos processos de treinamento, sendo definida como a investigação do rendimento em competição e treinamento nos esportes em diferentes contextos. Dessa forma, busca a investigação aplicada, por se basear em modelos de análise diferentes de situações isoladas de laboratório. Destacam ainda que na análise de desempenho (análise notacional) os aspectos biológicos (e.g. FC, VO2Max) são complementos para conhecer a análise notacional e não as fontes principais dos estudos e das investigações. A análise de desempenho vem ganhando espaço nas comissões técnicas uma vez que a observação e as anotações/registros dos acontecimentos mais relevantes em uma partida, além do tratamento dos dados que são encontrados, são de fundamental importância para o rendimento (Teoldo et. al 2015). Mas a observação dentro do esporte não é algo recente, segundo Garganta (2001) a partir da década de 30 estudos que contemplam a observação no meio esportivo começaram a aparecer, provenientes da especialização que se fez presente no âmbito do desporto. Segundo o autor, é possível separar essa evolução em três momentos para facilitar o entendimento: 1º Momento – Estudos com viés físico, principalmente sobre distância percorrida. Nesse período buscava-se entender as características da atividade desenvolvida pelos jogadores durante uma partida.

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2º Momento - Após caracterizar as modalidades pelo viés físico, a preocupação dos especialistas se voltou para uma análise do tempo-movimento, procurando identificar o número, o tipo e a frequência de tarefas motoras realizadas ao longo do jogo. 3º Momento - Devido às poucas conclusões resultantes do estudo quantitativo das ações técnicas individuais, surgiu a necessidade de considerar a ação técnica condicionada a uma vertente tática. Os especialistas passaram a tipificar as ações que se associam à eficácia no jogo. Aqui encontramos três tipos de análises: i) reúne e caracteriza blocos quantitativos de dados; ii) leva em consideração os aspectos qualitativos dos comportamentos, sendo os quantitativos apenas um suporte à caracterização; iii) busca o modelo de jogo, analisando as ações técnicas e táticas e suas covariações. Segundo o estudo de Gómez-Ruano (2017), houve um aumento significativo no número de publicações sobre análise de desempenho nos últimos anos. Ao utilizar as palavras chaves “notacional analysis”, “performance analysis” e “sport”, no período entre 1991 até 2015 foram encontrados 5.163 artigos, que representam 8.08% do total de publicações. Com destaque para o maior período de aumento entre 2002 e 2015, passando de 104 para 615 artigos publicados. A Figura 3 mostra essa evolução.

Figura 3 – Evolução Anual das Publicações

Fonte: Gomez-Ruano (2017)

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Buscando um recorte mais detalhado a respeito do tema proposto por Gomez-Ruano (2017), a pesquisa foi refeita utilizando a mesma base de dados Web of Science (WOS) de ISI Thompson (Science Citation Index e Social Science Citation Index) com as palavras chaves “sport” e “performance analysis”. Foram encontrados 5.148 artigos, entre os anos de 1991 e 2015. Ao refinar a busca e colocar as palavras chaves “soccer” ou “football” foram encontradas 1.145 publicações entre o período citado, distribuídos conforme o gráfico abaixo:

Gráfico 1 – Evolução Anual de Publicações

225

200

175

150

125

100

75

50

25

0

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 1991 Fonte: Elaborado pelo autor

A evolução da análise de desempenho acontece uma vez que se tem buscado respostas referentes à lógica interna do jogo e às relações comportamentais dos jogadores e das equipes com as diferentes situações e ambientes de jogo, além disso, os avanços tecnológicos possibilitaram uma melhora no trabalho de observações, tanto quantitativa, quanto qualitativamente (PEDREÑO, 2014). Para os autores Hughes & Franks (1997) algumas estratégias privilegiam esse desenvolvimento como (i) o progresso ao nível da computação e de ferramentas de vídeo, (ii) ao aumento das bases de dados para aumentar o conhecimento acerca das modalidades estudadas e (iii) o aperfeiçoamento de métodos matemáticos para tratamento de dados. Dentro da análise de desempenho é possível encontrar três vertentes para basearmos as análises segundo Pedreño (2014), são elas:

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1. Fisiologia: Distância percorrida, frequência cardíaca, tipos de esforços, etc. 2. Tática: Análise do jogo, comportamentos nos 4 momentos do jogo, etc. 3. Biomecânica: Análise das cadeias cinéticas, articulações e músculos utilizados nas ações, etc. Segundo o autor, no futebol, por ser um esporte de equipes, busca-se utilizar, sobretudo, as duas primeiras, ficando a biomecânica mais ligada à detecção de problemas e prevenção de lesões. Na prática, o que observamos no cenário brasileiro é a associação da Análise de Desempenho exclusivamente à vertente tática, uma vez que as vertentes fisiológicas e biomecânicas ficam a cargo do departamento de fisiologia. Um dos processos utilizados na vertente tática da análise de desempenho é a análise de jogo, que segundo Garganta (2001) é o termo mais utilizado para se referir ao estudo do jogo a partir da observação do comportamento dos jogadores, por englobar diferentes fases dos processos. De acordo com Carling, Williams e Reilly (2005) o processo de observação e análise do jogo deve possibilitar uma descrição do desempenho realizado em contexto de jogo, codificando ações individuais, grupais ou coletivas, de forma que sintetize informações relevantes e transforme, de maneira positiva, o processo de aprendizagem/treino. Geralmente, a informação é transmitida sob forma de feedback e utilizada para preparar para novas competições. A utilização de vídeos tem aparecido como uma ferramenta importante para fornecer feedback e modificar o comportamento dos atletas (GROOM & CUSHION, 2004). A análise de desempenho ganha uma grande importância uma vez que norteia a comissão técnica sobre os caminhos a serem seguidos após uma partida, ou seja, trazendo informações importantes para o planejamento dos treinos subsequentes ao jogo analisado. Segundo Pedreño (2014) esta análise permite não só a avaliação do rendimento do jogador e da equipe, mas também a análise do treinamento e seus efeitos, como forma de avaliar a melhora ou não do rendimento através dele mesmo. Sendo assim, a análise de desempenho faz parte de um conjunto que retroalimenta o processo de treinamento e da preparação para a competição, conforme mostra a figura 4:

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Figura 4 – Processo de Treinamento

Fonte: Pedreño, 2014

Percebe-se, então, que a análise de desempenho não é apenas a interpretação de dados que foram coletados em uma partida (análise de jogo), mas sim um acompanhamento mais global, identificando forças e fraquezas no rendimento da equipe e sugerindo melhorias em áreas específicas, além de avaliar a efetividade do processo de treino, sugerindo melhorias no desempenho competitivo e gerando registros permanentes e precisos do rendimento ao longo do tempo (CARLING et al., 2005; REEVES & ROBERTS, 2013). Por estes fatores apresentados, a análise de desempenho deve ser encarada como uma área estratégica no processo de formação de atletas. Reeves & Roberts (2013) e Groom et al. (2011) nos trazem estudos em que a análise de desempenho baseada em vídeos se mostrou uma ferramenta essencial para treinadores e atletas de elite em categorias de formação por contribuir com áreas chaves no desenvolvimento: i) Pelo desempenho individual e coletivo: pois é primordial que os futuros atletas sejam preparados de maneira adequada e o desenvolvimento de estratégias para que os jovens tenham as mesmas possibilidades que os atletas profissionais se torna essencial. Além disso, por se tratar de uma fase de desenvolvimento e aprendizagem dos jovens atletas, quanto mais sofisticados e personalizados forem os sistemas, melhor será.

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ii) Por gerar reflexão: pois a reflexão e auto avaliação foram princípios associados ao desempenho individual e coletivo dos jovens atletas. iii) Pelo fator psicológico associado ao desempenho: atletas e treinadores mostraram ter uma importância motivacional e viam os feedbacks como algo positivo quando bem elaborado e passado pelo treinador. É notável o aumento do interesse por conhecer como rendem os jogadores, a explicação que se pode dar ao seu rendimento, tanto na competição como no treinamento por parte dos clubes, esportistas, meios de comunicação, treinadores e admiradores (O’DONOGHUE, 2015; GOMEZ-RUANO 2017), tornando a análise de desempenho uma área em constante crescimento, com o objetivo principal de auxiliar em muitos processos dentro de uma equipe.

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III. METODOLOGIA DE PESQUISA

O presente estudo foi realizado na equipe sub 17 de um clube de futebol da série A do campeonato brasileiro, localizado na cidade de Curitiba/PR. Ele possui o delineamento de um estudo de caso em que foram utilizados diversos métodos e técnicas de coleta. A classificação de um estudo de caso se faz pertinente pelo fato de se buscar nesse estudo ter uma visão clara a respeito de um fenômeno pouco conhecido, a construção de um modelo de jogo. Além disso, o estudo de caso é o delineamento adequado em trabalhos que buscam fornecer explicações sobre fatos e fenômenos que possuem um enfoque sistêmico, uma vez que garantem a unidade do caso, considerando o inter-relacionamento entre as partes que o compõem (GIL, 2009). Gil (2009) afirma ainda que para garantir a qualidade das informações se faz necessário a utilização de múltiplos procedimentos de coleta e de múltiplas fontes de evidências. Dessa forma, foram utilizados no nosso estudo três métodos de coleta de dados: i) aplicação de um questionário adaptado de Pereira (2006) visando identificar quais características do modelo de jogo o treinador idealizava; ii) análise dos cadernos de campo do treinador, visando identificar os conteúdos dos treinos; iii) análise de jogo, visando analisar o comportamento da equipe na competição.

3.1 Amostra Para o presente foram utilizados três tipos de coletas, de acordo com o método de triangulação conceituado por Flick (2009), com a combinação de diferentes métodos, teorias, dados e/ou pesquisadores no estudo de um tema. A Triangulação permite que o pesquisador possa utilizar três técnicas ou mais visando ampliar o universo informacional em torno de seu objeto de pesquisa (MARCONDES E BRISOLA, 2014). Nesse sentido, foram utilizados um questionário, os cadernos de campo do treinador e a análise de jogo. O questionário foi aplicado ao treinador para que ele respondesse sobre o modelo de jogo que tinha como ideal. Foram utilizados os cadernos de campo, onde o treinador anotava os conteúdos de treino, durante o período de 15/03/2015 até 08/07/2015. Foram um total 53 dias de treinos e 60 sessões.

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Para a análise da competição foram utilizados os jogos da Taça BH sub 17, realizada no período de 10/07/2015 à 20/07/2015, por ser a principal competição da categoria. O clube cedeu as gravações dos 06 jogos da competição. Além das três formas de coleta, foi realizada uma entrevista com o treinador após a coleta (anexo IV), para contextualizar a equipe, o clube e o momento em que foi realizado o estudo.

3.2 Questionário O treinador respondeu a um questionário desenvolvido por Pereira (2006) e validado por especialistas para a identificação do Modelo de Jogo Ideal, o qual foi adaptado do original para se adequar ao objetivo do estudo. O questionário é composto por ações/sequências de jogo que, pela sua importância ou frequência de ocorrência, permitam identificar padrões de jogo e, por extensão, modelos de jogo. As questões são fechadas e em cada questão o treinador é convidado a assinalar a sua posição, considerando uma escala de Likert de graduação de caráter ordinal de 1 a 5 (ver Figura 5).

Figura 5 – Exemplo de uma questão pertencente ao questionário

Fonte: adaptado de Pereira (2006)

As perguntas relacionadas à bola parada não foram consideras para esse trabalho por se tratar de um momento do jogo que não era o foco da pesquisa. Sendo assim, o número de perguntas, que originalmente era 64, passou a ser 61, sendo 31 referentes à fase defensiva/transição defensiva e 30 referentes à fase ofensiva/transição ofensiva. Não houve separação entre fase defensiva e transição defensiva, assim como entre fase ofensiva e transição ofensiva, pois as

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ações/sequências de jogo se referiam a situações que se encaixavam nas duas fases de cada grupo.

3.3 Cadernos de campo Os cadernos de campo (vide figura 6) utilizados pelo treinador para registro dos treinos foram analisados e deles extraídos o conteúdo tático principal de cada sessão de treino, assim como o volume de cada conteúdo. Segundo Sá-Silva et al. (2009), esse tipo de análise é apropriado por se tratar de um método de coleta de dados que impede uma eventual influência do pesquisador no conjunto das interações, acontecimentos ou comportamentos pesquisados, anulando a possibilidade de reação do sujeito à operação de medida.

Figura 6 – Caderno de campo coletado na pesquisa

Dos dados registrados nos cadernos de campo, foram eliminados os de treinos de jogadores não relacionados para jogos. Eles foram excluídos por se tratarem de sessões onde muitas vezes, devido ao número baixo de jogadores disponíveis, o enfoque era exclusivamente físico, não sendo possível inserir conceitos táticos pretendidos pela comissão. Além disso, os treinos de bolas paradas também não foram considerados nesse trabalho. Por se tratar de um

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momento específico do jogo, optou-se por analisar apenas os momentos de bola rolando. Para que fosse possível realizar uma comparação entre as fases de maneira mais detalhada, os conteúdos de treino foram separados em cinco percentis. Após isso, foi realizado um teste Anova one-way e montado um gráfico boxplot (gráfico 4) com a diferença entre os grupos, localizado na página 48.

3.4 Análise de Competição Para análise da competição foi utilizado um protocolo de autoria do próprio autor, baseado em Baquete (2014), visando identificar os principais pontos do modelo de jogo em cada fase (Ofensiva, Defensiva e Transições). Os jogos foram disponibilizados pelo clube através de um link para download pelo site wetransfer.com. Para identificar as zonas do campo, foi utilizado um campograma adaptado de Baquete (2014), que corresponde à visão topográfica do terreno de jogo dividido em 4 corredores longitudinais e 6 setores transversais. As intersecções dos corredores com os setores formam as zonas do campo, que foram enumeradas e 1 a 22, conforme figura 7.

Figura 7 - Campograma

Fonte: Adaptado de Baquete, 2014

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A análise foi feita em cima do modelo de jogo da equipe da seguinte maneira: a) Princípios Operacionais (Ataque, Defesa, Transição Ofensiva e Defensiva). b) Princípios Estruturais (Ataque, Defesa). Todos os itens acima foram apresentados no embasamento teórico. Para coleta dos dados do modelo de jogo foi observado cada um dos Princípios Operacionais e Estruturais predominantes nas sequências ofensivas e defensivas. O critério para classificar a sequência ofensiva foi quando a equipe analisada possuía a posse de bola e trocava ao menos um passe no campo ofensivo, um jogador conduzia a bola de uma zona para outra ou finalizava ao gol. Para transição ofensiva foi considerado os comportamentos da equipe nos instante s subsequentes à recuperação da posse. Para classificar as sequências defensivas, foi considerado quando o adversário possuía a posse de bola e trocava ao menos um passe, um jogador conduzia a bola de uma zona para outra ou finalizava ao gol. Para transição defensiva foi considerado os comportamentos da equipe nos instantes subsequentes à perda da posse. Foram escolhidos apenas os princípios operacionais e estruturais, pois para o objetivo do presente estudo, as informações obtidas através do comportamento em cada fase e da utilização do terreno de jogo já seriam suficientes para identificar as ideias de jogo que a equipe possui. Além disso, a identificação desses princípios no jogo é mais rápida e mais acessível, não necessitando de nenhum software específico para isso. Para definição dos Princípios Operacionais (Ataque, Defesa, Transição Ofensiva e Transição Defensiva) foram observadas as regras de ação individuais e coletivas da equipe em cada um dos momentos do jogo conforme apresentado no referencial teórico. Para o princípio operacional da fase ofensiva “Progressão ao Alvo”, além das regras de ação individuais e coletivas, foram considerados também os passes em direção ao campo ofensivo, ou seja, que saíam de um setor de menor número para um setor de maior número (ver figura 7 – campograma) ou que tinham como origem a região da área ofensiva (zona 21). Para o princípio operacional da transição ofensiva “Jogo Vertical” foram considerados passes ou condução para uma zona à frente da que a bola foi recuperada ou em direção da área ofensiva (zona 21).

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A análise dos Princípios Estruturais (Ataque e Defesa) foi realizada tendo como referência as zonas do campo de jogo. Para análise de cada um dos Princípios Estruturais foram utilizados procedimentos próprios conforme apresentados a seguir (LEITÂO, 2009) Os princípios de ataque: Amplitude – Foi considerado que a equipe tinha amplitude quando os dois corredores laterais (Direito e Esquerdo) eram ocupados por jogadores da equipe com posse de bola simultaneamente no campo de ataque (Zonas 12, 13, 14 e 15). Penetração – Foi considerado quando um jogador do ataque progrediu sem bola em direção ao espaço nas costas da última linha de defesa adversária com possibilidade de recebimento de um passe. Profundidade – Foi considerado quando um jogador do ataque sem bola obrigou a defesa adversária a ocupar uma zona mais próxima ao seu gol (defendido pela equipe adversária). Mobilidade – Foi considerado quando três ou mais jogadores trocaram de zona simultaneamente criando novas linhas de passe. Apoio – Foi considerado quando o portador da bola possuía linhas de passe em seu quadrante ou nos quadrantes subjacentes. Ultrapassagem – Foi considerado quando o portador da bola fez um passe para frente e logo após progrediu sem bola criando uma linha de passe para frente para o novo portador da bola. Compactação Ofensiva – Foi considerado quando a equipe ocupava três setores consecutivos do campo. Os princípios de defesa: Retardamento – Foi considerado quando o marcador direto do portador da bola e os jogadores de defesa próximos tiveram ação sobre o mesmo sem a intenção do desarme afim de evitar a progressão do adversário. Cobertura – Foi considerado que havia cobertura quando havia mais do que um jogador da equipe de defesa entre o portador da bola e o gol. Equilíbrio – Foi considerado quando havia jogadores da equipe de defesa em três ou quatro corredores atrás da linha da bola. Basculação – Foi considerado quando jogadores se movimentavam de corredor lateral (direito para esquerdo ou esquerdo para direito) acompanhando a

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movimentação da bola sem perder o princípio do equilíbrio. Recuperação – Foi considerado quando a equipe sem bola passou a ocupar uma zona mais próxima ao seu gol defendido assim que adversário progredia no campo de jogo. Compactação – Foi considerado quando a equipe sem bola ocupava de três a dois setores consecutivos atrás da linha da bola. Bloco – Foi considerado quando a equipe se movimentava entre os setores do campo (de 1 em direção à 6, ou de 6 em direção à 1) sem perder o princípio da compactação. Direcionamento – Foi considerado quando a equipe sem bola obrigava o adversário a ir para quadrantes onde havia menos opções de passe sem progredir no campo de jogo. Para determinar a confiabilidade dos dados foi realizada uma correlação intra-observador, onde o mesmo observador analisou o primeiro tempo de um dos jogos num intervalo de 30 dias. Os valores encontrados, através do recurso do SPSS 20.0, para o coeficiente de correlação Intra-classe foram 0,92 para a Fase Ofensiva; 0,79 para Fase Defensiva; 1,0 para Transição Ofensiva; e 1,0 para Transição Defensiva.

3.4.1 Instrumento de Coleta Para a coleta dos dados foram utilizados os softwares iCoda versão 2.7 e SportsCode Elite versão 10.3.36 desenvolvidos pela empresa Hudl© (Agile Sports Technologies, Inc.) que visam otimizar e facilitar o trabalho de recolha e tratamento de dados. Diversos autores como O’Donoghue (2010), Carling et al. (2005) e Hughes (2004) nos trazem alguns exemplos de softwares comerciais que são utilizados na análise de jogo que facilitam a recolha em esportes de múltiplos eventos, dentre eles o Sportscode, sistema que é utilizado por muitas equipes profissionais e laboratórios de análise de jogo ao redor do mundo. Uma das vantagens do Sportscode é a possibilidade de adaptar ou personalizar de acordo com as necessidades individuais de cada treinador, por possuir interfaces customizadas e permitir botões específicos nas áreas desejadas. Foram montados dois protocolos, sendo o primeiro para separar as sequências ofensivas e defensivas que se encaixariam nos critérios propostos, assim como as transições defensivas e ofensivas (figura 8). Após essa coleta inicial,

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foi criado uma Code Window com os princípios Operacionais e Estruturais e utilizada em modo Label Mode para classificar cada uma das imagens previamente selecionadas (figura 9). Foram utilizados também um iPad 3 e um Macbook Pro de 15” com sistema operacional OS X El Capitan Versão 10.11.6.

Figura 8 – Protocolo desenvolvido no iCoda para recolha dos dados

Figura 9 – Code Window de recolha de dados

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IV. RESULTADOS Para cada instrumento de coleta foi realizada uma apresentação dos resultados, buscando alinhar as nomenclaturas utilizadas visando facilitar a comunicação entre os dados. O questionário respondido e os cadernos de campo utilizados pelo treinador encontram-se nos apêndices.

4.1 Questionário Tabela 1 – Respostas do Questionário – Fase Ofensiva / Transição Ofensiva

N = Numero de respostas; JV = Jogo vertical; PA = Progressão ao alvo; MP = Manutenção da posse; RZ = Retirar da zona de recuperação; NPO = não tinha princípio operacional específico

Analisando as respostas do questionário, vemos que nas perguntas referentes à fase ofensiva e transição ofensiva (Tabela 1), apenas em cinco ocasiões (16,12%) obtiveram respostas com score igual a 5, ou seja, apenas 5 ações contidas no questionário eram prioritárias para o modelo de jogo do treinador. Em 13 oportunidades (41,93%), obtiveram respostas com score igual a 4, ou seja, situações consideradas como sendo secundárias. Ao relacionar as perguntas com os Princípios Operacionais, vemos que nas perguntas com score igual a 5, em três delas (60%) o Princípio Operacional à que ela se referia era “Jogo Vertical”, em uma (20%) era “Progressão ao Alvo” e uma (20%) não tinha Princípio Operacional específico para a pergunta. Nas perguntas com score igual a 4, em 8 oportunidades (61,5%) o Princípio Operacional à que se referia era “Manutenção da Posse”, em 4 oportunidades (30,76%) o Princípio Operacional era “Progressão ao alvo” e em 1 oportunidade (7,69%) era “Retirar da Zona de Recuperação”.

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Tabela 2 – Respostas do Questionário – Fase Defensiva / Transição Defensiva

N = Numero de respostas; RB = Recuperação da Bola; IP = impedir progressão; NPO = não tinha princípio operacional específico; RE = Recomposição; PRA = Proteção do alvo; PP = Pressão pós perda

Já nas perguntas referentes à fase defensiva e transição defensiva (Tabela 2), 12 perguntas (40%) obtiveram score igual a 5, enquanto 7 (23,3%) obtiveram score igual a 4. Relacionando com Princípios Operacionais vemos que nas perguntas com score igual a 5, em 4 ocasiões (33,3%) a pergunta se referia ao Princípio Operacional de “Recuperação da Bola”, em 3 ocasiões (25%) se referia ao Princípio Operacional de “Impedir Progressão”, em 1 ocasião (8,3%) o Princípio Operacional foi o de “Recomposição” e em 4 não tinha Princípio Operacional específico. Nas perguntas que obtiveram score igual à 4, em 3 oportunidades (42,8%) a pergunta não tinha um Princípio Operacional específico, em 2 oportunidades (28,5%) o Princípio Operacional ao qual se referia a pergunta era o de “Recuperação da Bola” e em 1 ocasião (14,2%) o Princípio Operacional era o “Impedir Progressão” e “Proteção ao Alvo”. Dessa forma, há um indício de que os Princípios Operacionais que pautam o modelo de jogo ideal do treinador é o Jogo Vertical (Fase Ofensiva e Transição Ofensiva) e Recuperação da Bola (Fase Defensiva e Transição Defensiva).

4.2 Cadernos de Campo Os conteúdos dos cadernos de campo estão apresentados na tabela 3. Foram separados pelas fases do jogo (ofensiva, defensiva e transições) e também pelos conteúdos de cada fase.

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Tabela 3 – Conteúdos de Treino e Volume Treinado

Volume Fase Conteúdo de treino Percentual (min) Posse de bola 735 24,30% Finalização 555 18,35% Gerais* 495 16,36% Homem Livre 435 14,38% Saída de Bola 295 9,75% Fase 3025 Cruzamentos 185 6,12% Ofensiva minutos Manobras Ofensivas 115 3,80% Penetração/Infiltração 75 2,48% Progressão 45 1,49% Tabelas 40 1,32% Ultrapassagens 30 0,99% Drible 20 0,66% Gerais* 320 36,99% Transição 865 Progressão Apoiada 255 29,48% Ofensiva minutos Retirada da Pressão 180 20,81% Retirada Vertical 110 12,72% Bola Coberta/Descoberta 330 21,43% Gerais* 310 20,13% Pressing 250 16,23% Balanço 170 11,04% Fase 1540 Compactação 125 8,12% Defensiva minutos Pressão na bola 115 7,47% Encaixe de área 90 5,84% Cobertura 80 5,19% Impedir progressão 40 2,60% Temporização 30 1,95% Gerais* 405 46,02% Transição 880 Pressão Pós Perda 330 37,50% Defensiva minutos Recomposição 100 11,36% Temporização 45 5,11%

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No que se refere aos valores absolutos dos conteúdos de treino, a fase que apresentou maior volume de treino foi a fase ofensiva, correspondendo à 47,94% do volume total treinado, seguido pela fase defensiva com 24,41%, transição defensiva com 13,95% e transição ofensiva com 13,71%. Dessa forma, vemos que a fase ofensiva teve um volume de treino quase 50% maior do que a segunda fase mais treinada. Nos conteúdos por fase, o conteúdo “Posse de Bola” foi o que apresentou maior volume, correspondendo a 24,3% dos treinos de fase ofensiva, seguido por “Finalização” com 18,35%. Na transição ofensiva o principal conteúdo treinado foi o “Gerais2” com 36,99% do volume treinado seguido de “Progressão Apoiada” com 29,48%. Já na fase defensiva o principal conteúdo foi “Bola Coberta/Descoberta” com 21,34% do volume treinado, seguido do conteúdo “Gerais” com 20,13%. Na transição defensiva o principal conteúdo treinado foi o “Gerais” com 46,02%, seguido de “Pressão Pós Perda” com 37,5% do volume treinado.

Gráfico 2 – Divisão dos Conteúdos pelos Percentis

No gráfico 2 podemos perceber a minutagem de cada conteúdo dentro de cada percentil. Relacionando os conteúdos de treino com os princípios operacionais, vemos que para Fase Ofensiva o maior volume foi para “Manutenção da posse” (Posse de bola), seguido de “Ataque ao Alvo” (Finalização), conteúdos gerais e “Progressão ao alvo” (Homem livre), todos no percentil 100. Na transição defensiva,

2 Conteúdo “Gerais” foi quando o conteúdo principal não estava especificado no caderno de campo, constando apenas a fase do jogo que seria trabalhada na sessão.

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o maior volume ficou para conteúdos gerais e o princípio operacional mais treinado foi o “Pressão pós perda”. Para transição ofensiva, o maior volume de treino foi de conteúdos gerais e o princípio operacional foi a “Retirada de pressão” (Progressão apoiada). Já na fase defensiva, o princípio operacional mais treinado foi o “Impedir progressão” (Bola coberta/descoberta), seguido de “Recuperação da Posse” (Pressing). Além disso, os conteúdos agrupados por fases foram separados em percentis. O gráfico abaixo apresenta essa divisão.

Gráfico 3 – Conteúdos Agrupados por Fases Separados em Percentis

2500

2000

1500

1000

500

0

F.Defensiva Tr. Defensiva F.Ofensiva F.Defensiva Tr. Ofensiva Tr. Defensiva F.Ofensiva F.Defensiva Tr. Ofensiva Tr. Defensiva F.Ofensiva Tr. Ofensiva Tr. Defensiva F.Ofensiva F.Defensiva Tr. Ofensiva F.Ofensiva F.Defensiva Tr. Ofensiva Tr. Defensiva

Percentil 100 Percentil 80 Percentil 60 Percentil 40 Percentil 20

Minutos de Conteúdo

A fase de jogo que recebeu maior volume de treino realmente foi a fase ofensiva, com maior volume no percentil 100. Nos percentis 80 e 60 a fase defensiva foi a que recebeu maior volume, seguido de transição ofensiva e fase ofensiva respectivamente. Ao aplicar o teste de anova one-way, vemos que os percentis 100 e 80 foram os que apresentaram valores diferentes em relação aos demais grupos. Já os demais percentis apresentaram valor igual a pelo menos um outro percentil.

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Gráfico 4 – Boxplot da Diferença entre os Grupos

* diferente de todos os outros; # diferente de todos os outros; $ diferente de 1, 2 e 5; § diferente de 1 e 2; £ diferente de 1, 2 e 3

Observando os dados, vemos que as prioridades das sessões de treino na Fase Ofensiva eram conteúdos voltados para um jogo apoiado e de manutenção da posse de bola. Na Transição Ofensiva, conteúdos de retirada de pressão e progressão apoiada. Já na Fase Defensiva vemos que os conteúdos mais trabalhados eram de manter a compactação da equipe para impedir a progressão do adversário e recuperar a posse de bola, enquanto que na Transição Defensiva, o principal objetivo dos treinos era de recuperar a posse imediatamente.

4.3 Análise de jogo Os valores encontrados para os princípios operacionais de defesa em cada sequência defensiva estão apresentados na tabela 4.

Tabela 4 – Princípios Operacionais de Defesa

*Os valores representam o número de sequências em que o princípio em questão foi predominante. Houve uma predominância no princípio “Impedir Progressão” em todos os jogos analisados, seguido do princípio “Recuperação da Posse”. Desta forma, pode- se afirmar que o comportamento norteador para a fase defensiva da equipe era o de

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ocupar espaços, impedindo a progressão do adversário e induzindo ao erro ou aguardando o momento oportuno para recuperar a posse. Na tabela a seguir apresentamos os valores encontrados para os princípios estruturais de defesa em cada sequência defensiva analisada, enquanto o gráfico 5 mostra o total dos princípios estruturais..

Tabela 5 – Princípios Estruturais de Defesa

*Os valores representam o número de sequências em que o princípio em questão foi predominante.

Gráfico 5 – Total dos Princípios Estruturais de Defesa

400

300

200

100

0 Basculação Cobertura Direcionamento Recuperação

O princípio que apareceu com mais frequência nas sequências analisadas foi o da “Cobertura”, seguido de “Equilíbrio”, “Recuperação”, “Retardamento” e “Compactação". Percebe-se uma preocupação da equipe em ter jogadores entre a bola e o gol a ser defendido (Cobertura e Recuperação) e também uma distribuição espacial que facilite a organização defensiva (Equilíbrio e Compactação). Além disso, existe a preocupação em ter sempre um jogador próximo ao portador da bola (Retardamento) para dificultar ou atrasar a progressão do adversário.

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A tabela 6 apresenta os valores para os princípios operacionais de ataque encontrados nas sequências ofensivas analisadas.

Tabela 6 – Princípios Operacionais de Ataque

*Os valores representam o número de sequências em que o princípio em questão foi predominante.

Vemos que o princípio predominante foi de “Progressão ao alvo”, seguido de “Manutenção da posse”. Podemos afirmar que o comportamento ofensivo que balizava as ações da equipe era o de buscar avançar no terreno de jogo sempre que a situação de jogo assim permitisse.

Tabela 7 – Princípios Estruturais de Ataque

*Os valores representam o número de sequências em que o princípio em questão foi predominante.

Gráfico 6 – Total dos Princípios Estruturais de Ataque

300

225

150

75

0 Amplitude Comp. Ofe Penetração Ultrapassagem

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Para os princípios estruturais de ataque – apresentados na tabela 7 e no gráfico 6 – vemos que os maiores valores estão em “Apoio”, “Profundidade”, “Compactação Ofensiva” e “Penetração”. Mostra-se uma equipe que busca ter jogadores e agredir a linha de defesa adversária (Profundidade e Penetração), além de ter sempre jogadores próximos para um jogo apoiado (Apoio e Compactação Ofensiva). A tabela 8 mostra os valores encontrados nas transições ofensivas analisadas.

Tabela 8 – Princípios Operacionais de Transição Ofensiva

*Os valores representam o número de sequências em que o princípio em questão foi predominante.

Vemos que o princípio operacional que norteia as ações da equipe é o “Jogo Vertical”, ou seja, sempre que possível, a equipe tinha como comportamento a progressão no campo de jogo, buscando se aproximar rapidamente do gol adversário. Já nos princípios operacionais de transição defensiva, estão apresentados na tabela a seguir.

Tabela 9 – Princípios Operacionais de Transição Defensiva

*Os valores representam o número de sequências em que o princípio em questão foi predominante.

Vemos que o que apresentou maior valor foi o de “Pressão na Bola”, seguido de “Recomposição”. Vemos que o comportamento da equipe ao perder a posse da bola era de ser agressivo e pressionar o adversário, subindo as linhas de marcação para recuperar a posse o mais rápido possível.

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V. DISCUSSÃO Para realizar a conclusão desse estudo, foram relacionadas as três frentes de coleta e utilizada a entrevista concedida pelo treinador para que fosse possível chegar a conclusões e levantar hipóteses. Com base nas frentes de coleta, foi montado o quadro a seguir com os Princípios Operacionais prioritários de cada uma das fases de jogo.

Quadro 3 – Princípios Operacionais de Cada Fase de Jogo

O único resultado que se repetiu nas três frentes de coleta foi o Princípio Operacional de transição defensiva. Para os demais princípios houve pelo menos uma divergência entre o idealizado, o treinado e o jogado. Os resultados diferentes entre modelo de jogo idealizado e jogado corroboram com o estudo de Pereira (2006), onde também houve uma discrepância entre o que os treinadores idealizaram e a respectiva operacionalização. Na fase ofensiva, ao analisarmos a entrevista do treinador, vemos que a ênfase dada por ele nessa fase, visando um controle maior do jogo através da posse (Manutenção da Posse), ainda não foi atingida, uma vez que o que foi observado em competição foi um jogo de progressão ao alvo. Entretanto, nota-se pelos princípios estruturais que além das referências de progressão, já foram encontrados alguns princípios que facilitam e possibilitam o jogo apoiado (Apoio e Compactação Ofensiva). Além disso, o volume de treino dedicado à fase ofensiva foi consideravelmente maior em relação às demais fases, mostrando que o norte do treinador realmente era mudar o comportamento nessa fase do jogo. Na fase defensiva, vemos que existe uma relação entre o que foi treinado e o que foi apresentado em competição, entretanto não foram encontrados dados que comprovem que a equipe está buscando o jogo idealizado pelo treinador. Ao analisar os princípios estruturais, vemos que a equipe se preocupa em ter jogadores

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entre a bola e o gol, além de distribuir de forma que facilite a organização. Pode-se levantar a hipótese de que, pensando em uma progressão de conteúdo, o treinador buscou primeiro organizar a equipe, para depois poder pressionar e recuperar a bola da maneira como idealiza. Dessa forma, a equipe estaria ainda em estágio de evolução do princípio operacional idealizado pelo treinador. Na transição ofensiva, a equipe apresentou o comportamento idealizado pelo treinador, porém diferente do que foi treinado, resultado semelhante ao encontrado no estudo de Tanganeli (2017). Ao relacionarmos com a entrevista, onde o treinador afirma que a equipe já possuía um comportamento de se defender e contra-atacar, possivelmente esse comportamento tenha se apresentado na competição mesmo sem os treinos serem direcionados para tal, por já ter sido trabalho em anos anteriores. Além disso, o princípio de retirada da pressão encontrado nos treinos possibilita um jogo de manutenção de posse (ênfase do treinador na fase ofensiva), portanto é possível que o treino de transição ofensiva esteja com esse princípio para proporcionar uma otimização do treino de fase ofensiva.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sarmento et. al (2014) nos atentava para que estudos futuros sobre análise de desempenho levassem em consideração questões situacionais e os contextos interacionais em que o desempenho acontece, deste forma, este estudo nos trouxe um panorama sobre a análise de desempenho que poucos estudos levam em consideração, o contexto do treino. Ficou evidente no estudo que apenas na fase de transição defensiva o jogo idealizado pelo treinador esteve presente no treino e também na competição. Entretanto, existem indícios de que os comportamentos apresentados nas demais fases possivelmente atingiriam esse mesmo resultado caso o estudo fosse realizado em outro momento, após mais sessões de treinos. Algumas hipóteses que podemos levantar para a diferença entre o idealizado, o treinado e o jogado são: a) Devido ao fato de se buscar treinar pontos que não estejam interiorizados na equipe (pontos fracos). b) O fato do modelo de jogo ser algo em constante mudança e evolução, além de ser influenciado pelos constrangimentos surgidos ao

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longo das competições. Sendo algo que se adaptada constantemente, pode ter influenciado nas diferenças entre idealizado e treinado. c) Em razão do treinador ainda não ter encontrado a melhor maneira de organizar seus treinos para proporcionar aquele comportamento desejado. Como todo processo de construção e planejamento, após a execução existe uma avaliação do que foi feito para possíveis ajustes. Isso pode ter feito com que a maneira de treinar fosse diferente do modelo idealizado. Ao término deste estudo, ressalta-se ainda mais a importância da análise de desempenho no processo de jogo e treino. Sendo assim, baseado em Pedreño (2014), montamos o quadro a seguir, adicionando o processo de recolha, análise e interpretação também das sessões de treino.

Quadro 4 – Processo de Análise de Desempenho

Fonte: elaborado pelo autor (baseado em PEDREÑO, 2014)

Ao aplicar o processo de análise de desempenho no treino é possível: saber quais comportamentos estão presentes na sua equipe, quantificar os conteúdos táticos presentes no treino e distribuir o volume de treino de acordo com a ênfase pretendida pelo treinador. Além disso, vemos ainda a importância do planejamento de ideias e de treinos, definindo-se princípios que serão desenvolvidos e de que forma eles podem ser treinados, especificando-se a prioridade das sessões de treino. Por fim, fica claro que comportamentos demoram tempo para serem adquiridos e executados. Não foi o enfoque deste trabalho quantificar o tempo de aquisição dos conteúdos, porém, fica como sugestão para novos estudos acerca do tema proposto.

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Em suma, acreditamos que a pesquisa gera novas ideias para futuras pesquisas nesse tema, traz valiosas contribuições para a área do futebol e abre novos caminhos para a atuação do analista de desempenho.

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APÊNDICES

Glossário Os seguintes termos são utilizados na nomenclatura de jogo do clube e não estão presentes no referencial teórico: Homem Livre – Situação em que um jogador possui a posse de bola e o adversário não o pressiona. Ele avança no campo de jogo na intenção de atrair um adversário (que estava marcando um outro jogador), dessa forma um jogador ficará livre para receber o passe.

Manobras Ofensivas – Movimentações combinadas no campo ofensivo visando gerar desequilíbrio no sistema adversário. Progressão – Avançar com posse de bola no campo de jogo, ir em direção ao gol adversário, através de passes ou condução. Tabela – Passes realizados entre dois jogadores, quando o jogador A passa para o jogador B e o jogador B devolve para o jogador A. Drible – Ação de um jogador com posse de bola de se desvencilhar de um adversário. Progressão apoiada – Ao recuperar a posse de bola, progredir no campo de jogo, em direção ao gol adversário através de passes curtos. Retirada da pressão – Ao recuperar a posse de bola, buscar realizar passes para zonas que estejam menos congestionada, diferente de onde foi recuperado, geralmente passes para as laterais do campo ou em direção ao próprio gol.

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Retirada vertical – Ao recupera a posse de bola, progredir no campo de jogo, em direção ao gol adversário da maneira mais rápida possível, com passes em direção ao gol adversário ou condução. Bola coberta/descoberta – Quando o adversário possui a bola algum jogador está pressionando, a bola está coberta. Neste caso o adversário tem que agir sob forte limitação espaço temporal, a linha defesa deve se posicionar com as “costas para o gol” e encurtar o espaço entre linhas, pois é uma grande oportunidade de fazer campo pequeno para defender e afastar a equipe da própria meta. A bola coberta é uma referência que indica que a linha defesa deve avançar em direção ao gol adversário (BARROS, 2015). Foto abaixo:

Quando o adversário não possui ninguém pressionando a bola, ela está descoberta, logo, pode agir sob menor limitação espaço temporal e, dessa forma, pode realizar passes nas costas da última linha de defesa (que aumentam as possibilidades de gol). Neste caso, o posicionamento da última linha deve ser em diagonal para a própria meta. A bola descoberta é uma referência que indica que a linha de defesa deva recuar em direção ao próprio gol (BARROS, 2015). Foto abaixo:

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Pressing – Ação coletiva que visa tornar o campo pequeno para o adversário, pressionando-o tanto em espaço como em tempo. Prioritariamente, todos os espaços próximos à bola devem ser racionalmente ocupados e as linhas de passe do adversário são suprimidas (ZAGO, 2014). Balanço – Sinônimo de basculação/flutuação, apresentado no corpo teórico desse estudo. Pressão na bola – Ter um jogador próximo ao adversário com bola, realizando ações na tentativa de recuperar a posse ou impedir que o adversário progrida no campo, forçando-o a jogar em direção ao próprio gol. Encaixe de área – Tipo de marcação a ser realizada dentro da sua área de defesa em situações de cruzamento. Refere-se ao posicionamento dos jogadores dentro da área e ao tipo de marcação que pode ser realizada nesse espaço. Pressão pós perda – Ao perder a bola, pressionar imediatamente a equipe adversária, subindo as linhas de marcação e diminuindo o tempo e espaço.

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ANEXOS

Anexo I – Carta de Anuência

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Anexo II – Questionário Respondido pelo Treinador

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Anexo III – Respostas Relacionando os Temas e os Princípios de Jogo

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Anexo IV – Transcrição da Entrevista feita com o Treinador

1) Há quanto tempo está no clube? Conte um pouco sobre a sua relação com a equipe (jogadores) e com o clube. Eu tenho total de 10 anos servindo o Atlético Paranaense e com essa equipe né que foi feito o questionário e análise eu trabalhei junto com ela desde 2013, estou terceiro ano trabalhando com a mesma equipe e a relação com eles sempre foi boa conheço eles desde o infantil, ajudei no processo de formação de boa parte deles, temos uma forte ligação. Naturalmente um ou outro um pouco mais desconectado, mas a grande maioria tivemos uma caminhada juntos né dentro do clube. E a minha relação com Clube nesse momento muito tranquila né, sai das escolas passei por todas as categorias, sempre entendi a filosofia do clube a maneira que o clube entende né futebol e tem um modelo de jogo. Então nesse período eu estava desenvolvendo institucionalmente o modelo de jogo dentro das ideias do clube e contribuindo de alguma forma para a formação dos atletas o ambiente com os atletas era bom, era um grupo bem competitivo, já havíamos ganhado mais de 6, 7 títulos juntos desde o infantil, era um grupo bem vencedor, bem competitivo.

2) Há quanto tempo trabalha sua ideia de modelo de jogo nessa equipe? Bom essa pergunta 2 eu respondi um pouquinho na 1 também. esse grupo tá comigo desde infantil e até o período dessa coleta, desse questionário, 2013 inteiro 2014 inteiro de 2015 inteiro então aí há 3 anos com eles desenvolvendo um trabalho, dentro de um modelo de jogo institucionalmente falando seguindo o modelo de jogo instrucional, claro que a cada ano a gente vai crescendo evoluindo aprendendo novas coisas e recebendo novas informações e vai também aumentando a complexidade dos trabalhos dos estímulos as incidências e consequentemente evoluindo também. Então dentro de uma complexidade que o infantil solicitava a gente implantou o modelo de jogo que era institucional né e já no Juvenil que foi a data da coleta a gente cresceu em complexidade, avançou em termo de informações, novos conceitos, fomos agregando conhecimento e repassando esse conhecimento na formação dos meninos.

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3) Conte um pouco sobre o contexto que a equipe vivia nos meses em que foram realizadas as coletas, quais os objetivos, quais as ideias de trabalho de uma maneira geral. Bom, na pergunta três, nesse período de março até julho de 2015, foi o período que nós, é... Nós é... Nós perdemos uma, uma classificação, fomos desclassificados pelo Botafogo na em março e iniciamos o período é... Do né, a primeira fase do Campeonato Paranaense, e já desenvolvendo né, uma preparação para a Copa BH, que foi na metade do ano. Então, foi mais ou menos esse período aí. Tomamos o jogo da Copa do Brasil por base e, como foi muito no início do ano, e a gente tinha muitos jogadores servindo à seleção brasileira, desfalques, né, foi, foi bem difícil né, é... Jogar a Copa do Brasil assim, então conseguimos pós Copa do Brasil corrigir alguns erros, é... Em termos das fases do jogo, ajustar aquilo que, que julgamos necessário e passamos a mudar né, de um, de um, de um jogo de mais organização defensiva e transição defensiva, é... Um jogo mais de processo defensivo, vamos dizer assim, e passamos a trabalhar um jogo mais de processo ofensivo né... Controlar o jogo por meio da posse da bola, é... Investir um pouco mais em primeira e segunda de construção, trabalhar triangulações, trabalhar processo do homem livre, posse da bola, então foi uma transição, né, de ideia de jogo, dentro né, do modelo institucional, mas a nossa ideia era tentar ficar um pouco mais com a bola, e se expor um pouco mais controlando o jogo por meio da possa da bola. E fizemos essa preparação utilizando o estadual e os jogos do estadual da primeira fase, que são, teoricamente, mais fáceis e aí entrando numa Copa BH, onde fizemos uma boa competição, passamos da primeira fase, é... Muito bem, e... E chegamos até às quartas de finais sendo eliminados pelo Flamengo na cobrança de penalidades. E penso que a gente conseguiu, sim, dentro de uma evolução gradual, de nível de complexidade, avançar nos processos de formação, trazer novas informações mais voltadas pra processos ofensivos, né. Mudamos também a plataforma de jogo do 4-2-3-1, pro 4-1-4-1, 4-3-3, essa era nossa variação, os ajustes, as coberturas, as compensações, né, a mecânica do jogo a gente procurou mudar pra poder trazer um vocabulário tático maior pros atletas, agregar conhecimento, fazer com que eles pensassem algo diferente, né, daquilo que vinham fazendo desde o infantil, mas fizemos tudo isso sem corrom... Sem corromper o modelo da instituição. Claro que por vezes, né, a gente precisou ajustar, mudar um pouco a plataforma pra buscar o resultado, pra

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poder se fechar um pouco mais, mas entendemos que isso é... Faz parte, né, do processo e tentamos nos adaptar bem dessa forma.

4) Quais campeonatos a equipe disputou antes, durante e após as coletas. Bom, antes da coleta, é... Esse grupo já vinha junto desde o infantil, então no infantil em 2013, nós disputamos campeonatos estaduais, campeonatos regionais e campeonatos internacionais e foi um ano muito produtivo. Nós fomos campeões estaduais, ganhamos todos os torneios internacionais, é... Disputamos três torneios é... E ganhamos eles, é... Melhor dizendo, três torneios e fomos campeões em dois e vice campeão em um, né. Disputamos um campeonato brasileiro e fomos campeões, então foi um ano muito produtivo em termos de evolução de equipe, processo de formação e conquistas de títulos também. Em 2014, essa equipe, ela subiu pro juvenil e, da mesma forma, disputamos muitos campeonatos, fomos campeões estaduais, é... E é uma equipe que subiu, encontrou um outro treinador né, então eu fui “encontrar eles” só no final do ano de 2014 né, onde nós fomos campeões estaduais. E aí veio a Copa do Brasil né, onde já citei anteriormente, fomos eliminados no primeiro duelo com o Botafogo, empatamos em 1 x 1 no primeiro jogo, e o segundo jogo perdemos por 2 x 0, sendo eliminados na primeira fase. E aí começou então o processo de transformação né, ajustes na plataforma, ajustes dos processos é, ajustes na ênfase né, da fase do jogo, não mais na organização defensiva, e sim organização ofensiva e, mudança de conceitos sobre princípios do jogo mais voltados pra parte ofensiva também e depois dessa coleta, acabando a Copa BH, nós continuamos o trabalho do Paranaense, fomos campeões também é, no Paranaense desse ano e a equipe, então, ela avança em direção ao sub-20.

5) Pensando nos conteúdos das sessões de treino, existia uma ênfase específica nas sessões de treino visando preparar a equipe exclusivamente para determinada competição? Se sim, quantas semanas de treino aproximadamente eram separadas para essa preparação específica. Então, pensando, pensando nas sessões de treino, a gente sempre tentou ter uma visão sistêmica do jogo é, trabalhando né, cada sessão de treino voltada pro modelo de jogo. Isso já na primeira parte, com o preparador físico,

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sempre voltado pro modelo de jogo, cada detalhe né, da primeira, da segunda e da terceira parte, é... Nem sempre conseguíamos, mas a nossa ideia era ter essa visão mais sistêmica e, como nós falamos anteriormente, é... Nós, no infantil, desenvolvemos um trabalho muito voltado pra organização defensiva e transição defensiva né, então nós jogávamos é, em bloco baixo, jogávamos voltados pra transição é... Tentando utilizar os espaços do adversário né, na transição ofensiva, mas era um jogo que não se controlava por meio da posse da bola, ou, quando se controlava é... Não se tinha é, uma valorização da posse da bola, manutenção dela, e sim, era um jogo mais vertical, de transição ofensiva, de jogar no erro do adversário, de se... de marcar muito bem, de se preocupar mais com os processos defensivos mesmo. Nessa época da coleta, a gente mudou né, a gente “tava” tentando trabalhar mais né, a fase ofensiva do jogo, os processos ofensivos, mais voltado né, pra organização do jogo, controle do jogo por meio da posse da bola é, mudança de plataforma do 4-2-3-1, pro 4-1-4-1, 4-3-3 é, dando uma ênfase em primeira e segunda de construção, crescendo depois da coleta no segundo semestre aí “prum” terço final né, uma fase de conclusão do jogo, então foi um processo de mudança né, é... Um processo também que o clube “tava” se firmando né, institucionalmente falando, dentro da sua ideia de jogo, né, e nós tínhamos algumas variações táticas de plataforma pra buscar resultado, pra se fechar um pouco mais e tentamos trabalhar, então, as sessões de treino dessa forma, se preparando sim pra competição e pras variações que a competição é, poderia surgir as demandas né, que poderiam surgir na competição e, paralelamente a isso cumprindo o modelo de jogo do clube né, por vezes, é claro que a gente não conseguiu né, na totalidade por conta de um ajuste de processo mesmo, mas a nossa ideia, o nosso norte né, a nossa intenção era seguir nessa direção aí.

6) Existia algum tipo de direcionamento do clube para que fosse desenvolvido algum comportamento de jogo, diferente do que você tinha como modelo de jogo ideal, no período da coleta? Então, no momento da coleta é, institucionalmente falando, não havia nenhuma imposição né, de se mudar o modelo de jogo que já havia sido colocado ali né, nos dois últimos anos e... Mas o que se havia era uma proposta né, uma sugestão para que a gente pudesse aumentar o nível de complexidade da equipe né, em termos de conceitos, de princípios do jogo e uma proposta de se mudar os

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processos né, saindo de processos mais defensivos, de fases mais defensivas, porque já “tava” bem consolidado tudo isso e o desafio de propor o jogo por meio da posse da bola né, de, de, trabalhar princípios sobre princípios é... Os conceitos voltados pra organização defensiva. Então não houve nenhuma imposição, mas houve indicativos e sugestões pra que se seguisse nessa direção e eu entendi no momento que era produtivo, não só pra instituição, mas como pros atletas e pra mim também como profissional agregar valores, e estive aberto a isso. E, como todo processo de mudança, procurei me adaptar também, e é natural que, que tudo fosse feito paulatinamente, passo a passo, conquistando devagar né, se solidificando devagar né, esses princípios sobre princípios, então foi o momento que eu tentei me mudar institucionalmente diante de alguns conselhos e convicções né, tinha minhas particularidades como treinador né, pra poder atender as demandas da competição também, e entrar na parte estratégica, que a competição, ela pedia em determinado momento e nessa ocasião da coleta a instituição, ela não me cobrava nada se eu tivesse que realizar alguma mudança na equipe, desde que não se corrompesse o modelo de jogo, então procurei trabalhar nessa direção é, penso eu que sempre pensando institucionalmente e, em prol da equipe também, os atletas assimilaram os conteúdos, eles gostaram dessa mudança né, entenderam como novas informações “tavam” agregando também no seu repertório tático, no seu repertório conceitual, então, acredito que foi um momento importante né, pros atletas, pra poder agregar valores pra cada um deles.

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Anexo V – Cadernos de Campo

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Anexo VI – Parecer Consubstanciado do CEP

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