Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – - RJ – 4 a 7/9/2015

Enredo Patrocinado: Uma Intervenção da Mídia e do Mercado no Carnaval Carioca1

Danilo Alves CAMPOS2 Mário MESSAGI JÚNIOR3 Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR

RESUMO Este trabalho tem como objetivo mostrar que a intervenção da mídia e do mercado no carnaval carioca está ocasionando o surgimento de enredos patrocinados nos desfiles das escolas de samba, que compromete dessa forma a autonomia dos artistas no desenvolvimento de seus trabalhos. Para isso será analisado um enredo mercantilizado observando todo o seu processo desde sua escolha até o instante do seu julgamento. E a partir disso detectar até que ponto um tema mercantil compromete a autonomia estética e a avaliação de um desfile e como o campo reage quando esse patrocínio é explícito. O objeto de estudo será o carnaval de 2012 da agremiação Porto da Pedra, o qual teve como tema a história do iogurte patrocinado pela empresa Danone. Ao final, serão apontadas perspectivas da relação estabelecida entre a mídia, o mercado e as escolas de samba.

PALAVRAS-CHAVE: Midiatização do Carnaval; Mercantilização Cultural; Enredo Patrocinado.

Introdução

O carnaval carioca passou por um processo de midiatização e mercantilização que refletiu na mudança estética dos desfiles das escolas de samba. Devido a este processo é que está cada vez mais comum ver a preocupação das escolas em obter financiadores, pois com capital limitado fica difícil viabilizar um desfile que contemple o atual padrão do carnaval que exige espetáculo e luxo. Em contrapartida é na procura de se adequar a esse padrão que muitas agremiações acabam se rendendo a enredos patrocinados. O objetivo do trabalho é mostrar que o principal impacto da intervenção da mídia e do mercado na confecção do carnaval carioca, está no surgimento de enredos patrocinados e a partir disso detectar até que ponto um tema mercantil compromete a estética e a avaliação

1 Trabalho apresentado no Grupo de Pesquisa de Publicidade e Propaganda, da Intercom Júnior - XI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

2 Estudante de Graduação do 3º semestre do Curso de Comunicação Social – Relações Públicas da UFPR, email: [email protected]

3 Orientador do trabalho. Doutor em Ciências da Comunicação (UNISINOS). Professor do Curso de Comunicação Social da UFPR, email: [email protected]

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de um desfile e como o campo reage quando esse patrocínio é explícito. Essa discussão terá fundamento na Teoria Crítica, da Escola de Frankfurt4. A metodologia utilizada será a análise do carnaval de 2012 do Grêmio Recreativo Escola de Samba (G.R.E.S) Unidos do Porto da Pedra, que confeccionou um carnaval sobre o iogurte recebendo o patrocínio da empresa Danone5. A ideia é verificar as notas e as justificativas atribuídas pelos jurados a esse desfile, por meio dessa avaliação poder constatar se o campo impõe ou não limites a temas mercantis. Cássia Souza (2004) com seu trabalho sobre os desfiles das escolas de samba na televisão realizou uma significativa discussão crítica sobre a relação da transmissão com os telespectadores, alegando que a TV não torna os desfiles mais atrativos além de apontar que o telespectador encontra dificuldades em diferenciar o que é real da ficção em um desfile. O trabalho apresentou mais um impacto que a mídia realiza no carnaval, neste caso focando a qualidade da transmissão e o afastamento dela com o telespectador. No artigo de Viscardi et al.,(2013) é possível verificar a análise a respeito da dialética entre o carnaval enquanto cultura e o carnaval enquanto produto, apontando para a crítica da crescente exclusão das classes vulneráveis financeiramente dos desfiles oficiais e dos valores abusivos das fantasias, tudo devido ao objetivo do lucro. A discussão sobre a interferência da mídia e do mercado nos desfiles das escolas de samba já existe, o diferencial deste trabalho se dá em apresentar que essa intervenção vem modificando a estética dos desfiles por meio do surgimento dos enredos patrocinados, que limita dessa forma a autonomia dos profissionais da festa, que passam a trabalhar conforme os interesses do financiador. Devido à escassez de debate sobre a ligação entre mídia, mercado e enredo que a análise a seguir se faz pertinente.

Processo de midiatização e mercantilização nos desfiles das escolas de samba

4 A Escola de Frankfurt consistia em um grupo de intelectuais que na primeira metade do século passado produzia um pensamento conhecido como Teoria Crítica. Dentre eles temos Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamim. Um dos aspectos centrais dessa escola estava em evidenciar a dominação da técnica por meio da indústria cultural, que transformaria a arte e a cultura em objeto de consumo. Fonte: (http://www.brasilescola.com/sociologia/a-escola-frankfurt.htm) 5 O Grupo Danone é uma empresa multinacional de origem francesa, líder mundial em produtos lácteos frescos. Sua missão é levar saúde e nutrição para o maior número de pessoas. Ao longo dos anos, a Danone se transformou em sinônimo de nutrição, saúde, qualidade e inovação. Ela está presente em mais de 120 países, o grupo conta com aproximadamente 90 mil colaboradores em todo o mundo. É o sétimo maior fabricante de alimentos do globo. Fonte: (http://danone.com.br/a-danone/presenca-global/)

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Nascendo em meados da década de 20 na Cidade do Rio de Janeiro, as escolas de samba desceram para o asfalto e mostraram tudo àquilo que já era vivenciado nos morros, uma manifestação cultural que reforçava os valores da comunidade. Os desfiles apresentavam enredos desprendidos de qualquer objetivo comercial. O carnaval possuía enredos com mais originalidade como podemos ver em 1947 quando a foi campeã com o enredo “A vida no samba” 6 e também em 1954 o enredo “Rio de Janeiro, de ontem e de hoje” que consagrou a Mangueira campeã7. O Salgueiro nos anos 60 foi pioneiro em difundir a cultura brasileira, abrangendo outros temas artísticos em seu desfile, como em 1963 com o enredo “Xica da Silva” dando o título para a escola8. Nos anos 80 até o final dos anos 90 as agremiações nos proporcionaram temas que a partir deles nasceram sambas clássicos como o enredo de 1982 “É hoje” da União da Ilha do Governador: “A minha alegria atravessou o mar, e ancorou na passarela, fez um desembarque fascinante, no maior show da terra...” 9. A Imperatriz em 1989 levantou o caneco de campeã com o enredo: “Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós” o samba é cantado até hoje pelos sambistas, e com 23 anos de existência se tornou tema de abertura da novela global Lado a lado10. As escolas apresentavam enredos com um teor mais crítico a realidade social, como foi no carnaval da Unidos do Cabuçu que em 1990 levou para o sambódromo o enredo “Será que votei certo pra Presidente?11”, no samba tinha o seguinte trecho: “Senhor Presidente, pra essa miséria ter fim, faça um governo capaz, dê melhor vida amor e paz, o povão espera assim...” É possível imaginar um enredo desse tipo nos dias de hoje? Essa indagação é feita pela Maria Augusta12 quando ela diz: “Hoje em dia, são poucas as escolas em que o enredo é autoral, sendo que o enredo é à base de tudo: você faz fantasias, alegorias, samba e uma comissão de frente a partir do enredo. Hoje, você tem alguns enredos que são bombas.”.

6 Informação retirada do site oficial da escola disponível em: (http://www.gresportela.org.br/historia/) 7 Informação retirada do site oficial da escola disponível em: (http://www.mangueira.com.br/a- mangueira/historia/campeonatos/) 8 Informação retirada do site oficial da escola disponível em: (http://www.salgueiro.com.br/carnavais/) 9 Informação retirada do site oficial da escola disponível em: (http://www.gresuniaodailha.com.br/historia.htm) 10 Informação retirada do site disponível em: (http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2012/09/noticias/especiais/carnaval/1358500-um-classico-de-1989-samba- liberdade-liberdade-volta-como-abertura-de-novela.html) 11 Informação retirada do site oficial da agremiação disponível em: (http://www.unidosdocabucu.no.comunidades.net/carnavais) 12 Carnavalesca e jurada do Prêmio Estandarte de Ouro. É considerada uma das artistas mais importantes da história do carnaval. Oriunda do Grupo do Salgueiro, coordenado por Fernando Pamplona, de suas ideias surgiram inúmeras inovações para o desfile das escolas de samba. Fonte: (http://www.carnavalesco.com.br/noticia/maria-augusta-so-poucas- as-escolas-em-que-o-enredo--autoral-alguns-so-bombas/12668)

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Os desfiles começaram a ganhar visibilidade televisiva a partir de 1960 com a TV Continental13 por meio de flash, iniciando-se uma relação da cultura popular com a televisão brasileira. Com o advento da televisão em cores e do vídeo-tape, em meados da década de 70, o desfile se tornou mais atraente para ser visto. No entanto, é com a fixação dos desfiles em 1984 que a transmissão pela TV ganha força, pois à medida que se começa a pagar para assistir o espetáculo e o preço da festa aumenta a cada ano, é ampliado o interesse das pessoas em acompanhar através de suas televisões no conforto de suas casas. Para a pesquisadora CAVALCANTI (2008), o sambódromo em seu projeto já foi pensando em atender a necessidade da mídia:

“A organização do espaço no sambódromo é uma hierarquia de visibilidade, os melhores lugares, que permitem a visão da evolução de toda a escola na pista são os mais caros. O televisionamento (...) foi previsto em sua arquitetura: a imagem frontal que se tem do desfile é única”. SOTANI et.al. 2013 Apud. CAVALCANTI (2008, p.57)

Com a transmissão dos desfiles toda a beleza plástica e visual se converteu em um grande espetáculo de cores, som, luz, movimentos e efeitos, e a partir disso as emissoras de TV e outros meios de comunicação, tem vencido os limites levando essa festa inclusive para outros lugares do mundo. Paralelamente ao advento da transmissão houve uma mudança na estética dos desfiles das escolas de samba que tornaram seus desfiles grandiosos e atraíram interesses tanto de turistas nacionais quanto internacionais, além de aumentarem os telespectadores e consequentemente a audiência da emissora. Entretanto, é nessa época que os enredos patrocinados ganham força, à medida que o desfile se midiatiza e se moderniza ele encarece e com isso é necessário que alguém pague a conta, nem que para isso seja necessário se submeter aos interesses da emissora responsável ou até mesmo descaracterizar o estilo de carnaval das escolas, é daí que o desfile se mercantiliza tornando- o produto cultural. Um paradoxo em questão surge, pois nem sempre é possível manter os valores e a essência das escolas de samba quando elas se rendem aos financiadores, no entanto esse patrocínio a deixa mais forte e competitiva. O debate sobre a influência do mercado financeiro na cultura não é atual, essa discussão foi realizada por ADORNO; HORKHEIMER (1947) na obra “Dialética do Esclarecimento”. Dessa obra surgiu o termo Indústria Cultural. O termo significa

13 A TV Continental foi uma emissora de TV do Rio de Janeiro, transmitida no canal 9 entre os anos de1959 e 1972. Fonte: (http://www.museudatv.com.br/historiadasemissoras/tvcontinental.htm).

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transformar a cultura em mercadoria com a finalidade do lucro, mesmo que para isso seja necessário formar a consciência de seus consumidores, impondo necessidades. Com isso o caráter mercantil elimina a natureza da arte, além de limitar a autonomia dos artistas e trabalhar de uma maneira homogênea reforçando padrão de comportamento. Quando falamos que a indústria cultural forma a consciência dos consumidores fazemos uma conexão com o que ocorre no carnaval onde o desfile se tornou um produto, e quanto mais luxuoso for esse produto mais público e audiência televisiva se tem, e a essência das escolas, dos desfiles nem são perceptíveis, é nesse momento que a lógica do patrocínio ganha força e a criticidade vai desaparecendo. Adorno (1947, p.293) diz que “as elucubrações da indústria cultural não são nem regras para uma vida feliz, nem uma nova arte de responsabilidade moral, mas exortações a conformar-se naquilo atrás do qual estão os interesses poderosos”, ou seja as empresas que se dispõe a financiar um desfile não estão interessadas em trabalhar respeitando a essência da agremiação, elas querem se promover por meio dos espaços midiáticos e como tem o poder do capital os seus interesses prevalecem principalmente em escolas fragilizadas financeiramente. Vale ressaltar que o carnaval não é uma vítima exclusiva da mercantilização da cultura, isso é perceptível quando vemos, por exemplo, no que o sertanejo se tornou, deixando suas raízes rurais para se adaptar aos moldes da vida urbana, com o objetivo da venda mesmo que se deixe a essência de lado. Herbert Marcuse (1982) realizou uma discussão interessante entre cultura como esfera do mundo espiritual e civilização como esfera do mundo do trabalho e da necessidade, no qual defendia a distinção de ambos. No entanto, com o avanço do poder do capitalismo, a autonomia da cultura se enfraqueceu sendo incorporada pela civilização por meio da alienação. Os valores culturais deixaram de ser subversivos tornando-os elementos de coesão e controle social, tudo escondido numa falsa consciência de felicidade ou satisfação. Isso é exemplificado com a realidade das escolas de samba que se renderam aos patrocínios em prol da realização de luxuosos desfiles, atendendo aos interesses da mídia que anseia por audiência. O mundo do samba vive uma equivocada satisfação no qual tudo parece perfeito, porém quando vemos o que está por trás dessa falsa perfeição preferimos fechar os olhos, enquanto isso o carnaval vai se transformando numa cultura alienada. E com isso vemos transmissora dos desfiles mandando e desmandando nas escolas, atualmente, por

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exemplo, a Rede Globo, detentora dos direitos da transmissão dos desfiles do Grupo Especial simplesmente não transmite ao vivo a primeira escola para não comprometer sua programação14, além das influências de bicheiros, empresários ou políticos e o carnaval se elitiza e se afasta cada vez mais daquele que o fez está vivo, dos morros.

Mesmo mercantilizado, o campo reage e impõe limites a lógica empresarial

A análise feita a partir de agora será do carnaval de 2012 da escola de samba Unidos do Porto da Pedra, que levou para o sambódromo o enredo: “Da seiva materna ao equilíbrio da vida”, abordando questões de saúde, qualidade de vida e elementos históricos dos produtos lácteos mais antigos da nossa sociedade. O G.R.E.S Unidos do Porto da Pedra é de origem de São Gonçalo/RJ município da baixada fluminense e desfila no carnaval carioca há vinte anos. Em 2012 a agremiação optou por falar do iogurte, um tema que de primeiro momento não conseguimos imaginar sendo carnavalizado. Durante todo o pré-carnaval a Porto da Pedra sofreu preconceito pelo enredo, não pelo fato do tema em si, mas pelo que estava por trás dele: A empresa Danone. A empresa durante a divulgação do patrocínio se pronunciou avaliando a parceria com a escola como positiva. “Nunca fizemos nada assim, na verdade, não fazíamos eventos. Para a Danone é uma mudança grande: saímos da zona de conforto e testamos um novo modelo em um evento que tem uma funcionalidade, um conceito”, (Mariana Santos RODRIGUES) 15. Ainda informou a imprensa na época que toda verba de publicidade da Danone ia para ações nas televisões e com o patrocínio eles iam liberar 15% do montante. O carnavalesco e o diretor de carnaval foram convidados a conhecerem a história da Danone em Barcelona. A polêmica se acentuou na disputa de samba enredo, pois em alguns sambas eles apresentavam na letra palavras que deixavam subentendido à necessidade de falar o nome da empresa na canção. Por exemplo, usaram “Dá nome” referindo-se indiretamente a empresa financiadora Danone. O samba vencedor continha essa mensagem e foi alterado16. Quando Adorno diz que o caráter mercantil elimina a natureza da arte se trata da dependência que os artistas sofrem diante do mercado, onde os suas vontades são engolidas pelo objetivo comercial. E ao falarmos de autonomia dos artistas vemos a dificuldade que

14 Fato noticiado em: (http://www.carnavalesco.com.br/noticia/grupo-especial-tv-globo-no-vai-transmitir-primeira-escola- de-domingo-e-segunda-ao-vivo/11085) 15 Gerente de marketing da Danone na época. Notícia disponível em: (http://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/noticias/2012/02/01/Carnaval-Danone-ativa-patrocinio-a- desfile.html) 16 Fato noticiado em: (http://www.galeriadosamba.com.br/noticia/porto-da-pedra-divulga-alteracoes-na-letra/8370/1/)

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os carnavalescos vêm enfrentando para desenvolverem seus trabalhos nas escolas de samba. A cada carnaval que passa se nota menos enredos autorais, ou seja, do próprio carnavalesco e cresce o número de enredos patrocinados em que o profissional artístico tem que fazer um trabalho seguindo orientações do financiador. Essa dificuldade também é presenciada no mundo dos compositores como vimos no caso da escola Porto da Pedra, em que o compositor não possui liberdade plena para fazer seu samba, fazendo um trabalho conforme os interesses do patrocinador. Com isso entendemos o porquê da carência de sambas antológicos nos dias de hoje. A Porto da Pedra desfilou no dia 19 de Fevereiro de 2012 e foi a 5º escola a passar pela Marquês de Sapucaí. O desfile não apresentou erros graves como quebra de carros ou estouro no tempo, entretanto na apuração a escola de São Gonçalo terminou em 12º lugar com 291,7 pontos, ficando a frente somente da Renascer de Jacarepaguá ambas foram rebaixadas para o Grupo de Acesso como previa no regulamento Liga Independente das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro (LIESA). Verificaremos a seguir o desempenho da Porto da Pedra nos quesitos julgados, lembrando que para cada quesito foram quatro julgadores e a nota mínima era descartada com isso a escola poderia obter a nota máxima de 30 pontos.

Quesito Nota Bateria 30 Mestre Sala e Porta Bandeira 29,8 Comissão de Frente 29,4 Conjunto 29,2 Evolução 29,2 Harmonia 29,1 Samba Enredo 29,0 Fantasia 28,8 Alegorias e Adereços 28,6 Enredo 28,6 Tabela 1. Notas dos quesitos julgados. Disponível em: (www..com.br)

Com base nas notas dos jurados (as) verificamos que a Porto da Pedra só teve êxito no quesito Bateria, sendo penalizada nos demais. A escola foi julgada com mais rigor justamente no quesito enredo, que foi polêmico desde sua escolha. Um ponto a ser observado é que os quesitos visuais como fantasia e alegoria também sofreram uma pesada avaliação negativa devido à dificuldade de se carnavalizar um enredo como esse. O samba enredo apesar de ter ficado um pouco a frente dos quesitos visuais, teve um péssimo

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desempenho quando comparado com as demais escolas de samba, sendo assim eleito o segundo pior samba do carnaval de 2012. Vamos focar nos quesitos enredo e samba enredo que os são responsáveis por conduzirem à plástica e a trilha sonora num desfile e baseado nas justificativas dos jurados buscar entender as penalidades atribuídas. No quesito enredo a escola tirou as seguintes notas: 9,5/ 9,6/ 9,5/ 9,4. Nas justificativas disponibilizadas pela LIESA vimos que os jurados alegaram que a apresentação foi monótona devido à falta de coerência e coesão com o tema proposto, um deles disse em sua justificativa que o enredo era de tutela empresarial dificultando a carnavalização, acharam o enredo de pouca densidade, complexidade e relevância cultural comprometendo a narração. Perceberam também uma confusão entre o tema se era referência ao leite ou ao derivado iogurte. Nas figuras a seguir vemos que o tema foi explicitamente tratado no desfile:

Figura 1. Alegoria do carnaval de 2012 da Porto da Pedra. Fonte: http://www.94fm.com.br/ritmodamanha/2013/02/08/tema-do-dia-carnaval-patrocinado/

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Figura 2. Desfile de 2012 da Porto da Pedra Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/a-dificil-tarefa-de-ser-jurado-de-escola-de-samba-7537180

No quesito samba enredo a agremiação levou as seguintes notas: 9,6/ 9,7/ 9,7/ 9,6. Os jurados alegaram que o samba continha uma letra simples, sem tratamento poético que comprometia a estética do samba, outros justificaram que o samba era superficial contendo ausência de criatividade e que a letra possuía difícil compreensão. A Porto da Pedra estava numa sequência interessante de enredos17, em 2006 realizou uma homenagem para as mulheres com o enredo: “Bendita és tu entre as mulheres do Brasil”, no ano seguinte falou da África do Sul homenageando Nelson Mandela com o enredo: “Preto e branco a cores”, em 2008 falou dos 100 anos da imigração japonesa como o enredo: “100 anos de imigração japonesa no Brasil - Tem pagode no maru”. Antes do carnaval trágico do iogurte a escola em 2011 fez uma homenagem a , com o enredo “O sonho sempre vem pra quem sonhar”, com um samba muito elogiado pela crítica por sinal e no ano seguinte se rendeu a um tema mercantilizado que trouxe sérias consequências para a agremiação, pois desde esse rebaixamento ela não sabe mais o que é desfilar na elite do carnaval carioca permanecendo no acesso até hoje. O carnaval de 2012 da Porto da Pedra nos mostrou que o campo reage quando há um enredo explicitamente mercantil, ou seja, percebemos a existência de limites mesmo numa festa popular onde a estética vem se submetendo aos interesses da mídia e do mercado.

Conclusão

17 Todos os enredos citados foram retirados do site oficial da agremiação disponível em: (http://gresunidosdoportodapedra.com.br/)

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Apesar de toda crítica sobre a intervenção da mídia e do mercado nas escolas de samba é necessário evidenciar que há controvérsias nessas relações, pois não devemos generalizar os fatores maléficos. É fundamental destacar o papel decisivo da transmissão do carnaval que ao colocar a plasticidade dos desfiles na televisão, possibilita dar o acesso a quem não pôde adquirir um ingresso seja por questão financeira ou territorial, além de divulgar o trabalho dos artistas e da comunidade. Walter Benjamim (1985) já apresentou essa perspectiva com a fotografia e o cinema apontando que por mais que a arte venha deixando de ser única, ou seja, que ela vá perdendo sua aura é com a reprodutibilidade técnica que podemos aumentar o acesso das pessoas a tal produto cultural, daí surge o termo de valor de exposição em que o autor acredita que a era da produtibilidade possibilitou a emancipação da arte, logo, o a democratizou. Sobre os enredos patrocinados é imprescindível nos desprendermos da visão pessimista do Adorno e do Horkheimer em relação à cultura e o sistema, fugirmos dos radicalismos e procurar um caminho conciliador e respeitoso, pois é possível vermos empresas que, por mais que invistam com o intuito de promover sua imagem, proporcionam autonomia estética para o desenvolvimento do carnaval das escolas, além do fato que algumas buscam um relacionamento com a comunidade em que a agremiação está inserida, ou seja, é razoável que haja um investimento na cultura sem querer impor interesses exclusivos de suas empresas. O carnaval compõe uma das identidades do Brasil, sobretudo das camadas populares desse país. O povo não pode ficar como figurante dessa manifestação cultural, a midiatização até democratizou a festa, a mercantilização até a deixou mais luxuosa, porém é preciso lidar com mais respeito com a comunidade das escolas de samba e também com os profissionais do evento, o jogo do vale tudo só reforça ainda mais os desfiles como produto cultural, além de limitar o trabalho dos artistas justamente esses que são os responsáveis por apresentarem para o público tudo àquilo que é sonhado durante todo o ano. Precisamos de mais crítica e consciência, fugindo assim de qualquer tipo de alienação e com isso não deixar o samba morrer e nem acabar.

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Referências

ADORNO, Theodor. Indústria Cultural in Público, Massa e Cultura. 1947 cap.16, pag. 287-295.

PEIXOTO, Luiz Antonio da Silva. Marcuse: cultura, ideologia e emancipação no capitalismo tardio. Juiz de Fora: UFJF, 2011.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. 1955.

SOUZA, Cássia. Os desfiles das escolas de samba na televisão: Vinte anos de sambodromo. Rio de Janeiro: Estácio de Sá, 2004.

VISCARDI et al. Carnaval: entre a contradição de classes e o produto midiático espetacular. Juiz de Fora: Estação Científica, 2013.

LEVIN, T. Carnaval: Danone ativa patrocinio a desfile. Meio & Mensagem, 2012. Disponivel em:

RAINHO, H. Enredo vendido e bem pago. SRZD Carnaval RJ, 2015. Disponivel em: . Acesso em: 2015 Maio 2015.

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