UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE BIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA

HISTÓRIA DE VIDA E COMPORTAMENTO DE DUAS ESPÉCIES NEOTROPICAIS DE DANAINI (: ) EM APOCINÁCEAS NATIVAS E EXÓTICAS

PEDRO PAULO DA SILVA FERREIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ecologia.

Orientadora: Profª. Drª. DANIELA RODRIGUES

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL MARÇO DE 2017 ii

Dedicado ao meu pai, Francisco, que foi um grande incentivador das minhas pesquisas; e à minha avó, Nicinha, que despertou em mim o amor pelas plantas. iii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a Universidade Federal do Rio de Janeiro pelo ensino de qualidade oferecido durante minha formação acadêmica. À CAPES pela concessão da bolsa de mestrado e ao Programa de Pós-graduação em Ecologia pelo custeio da pesquisa. Ao Instituto de Biologia da UFRJ e especialmente ao Prof. Carlos Eduardo de Viveiros Grelle por, respectivamente, ceder o espaço e permitir a construção da sala climatizada para a realização dos experimentos. Ao Horto da Prefeitura Universitária e toda sua equipe por conceder espaço e materiais necessários à criação das plantas utilizadas neste projeto. À minha orientadora Profª. Daniela Rodrigues pela amizade e companheirismo. Pela oportunidade de desenvolver este projeto de mestrado e pela excelente orientação acadêmica nos últimos cinco anos. Pelo grande incentivo e entusiasmo com o qual desenvolve suas pesquisas no dia-a-dia. Pelos ensinamentos, conselhos e vivências ao longo destes anos, os quais colaboraram enormemente para minha formação como pesquisador e cidadão. À Profª. Dulce Gilson Mantuano pela parceria e colaboração com o segundo capítulo desta dissertação, e pelas sugestões na criação da sala climatizada. Pelas conversas, discussões e por me ajudar a entender um pouco mais sobre a ecologia das plantas. A todos os amigos do Laboratório de Interações Inseto-Planta por tornar o ambiente de trabalho o mais harmonioso possível, em especial à Bruna Ramos por todas as discussões e conversas dos mais variados assuntos, pela ajuda com as coletas e campos, pela imensa atenção e cuidado com a criação das plantas e borboletas, e por dividir as angustias e alegrias cotidianas. Ao Prof. Vinicius Fortes Farjalla a quem sempre serei grato por me indicar, ainda na graduação, a orientação da Profª. Daniela Rodrigues. A todos os professores e pesquisadores que de alguma forma contribuíram com o desenvolvimento desta dissertação, em especial Ana Delciellos, André Dias, Camilla de Barros, Diogo Loretto, Eduardo Arcoverde, José Roberto Trigo, Leandro Freitas, Marcelo Nascimento, Maurício Gomes, Miguel Rodríguez- Girónes. Ricardo Monteiro. iv

Aos Profs. Fernando Pereira de Almeida (Centro Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem – CENABIO) e Sérgio Henrique Seabra (Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste – UEZO) pela pronta colaboração com as microscopias confocal e eletrônica de varredura, respectivamente. Aos Laboratórios de Ecologia Vegetal da UERJ e da UFRJ pelo empréstimo de equipamentos. Aos Profs. Ricardo Ferreira Monteiro e Rodrigo Cogni por aceitarem participar da banca de avaliação desta dissertação, e pela compreensão com a alteração de data da defesa. À Dona Ledir e seu neto pelas conversas agradáveis e bem humoradas na Restinga do Xexé, e por permitir o estacionamento do carro na porta de sua casa. Ao Fábio Torres pela grande amizade, pelas profundas conversas sobre teorias ecológicas ou sobre a vida, pela grande ajuda no experimento de campo e por leituras em partes do texto. Aos amigos Alan Braz, Alice Magaldi, Amanda Santos, Ana Souza, Ana Brant, Carlos Humberto, Daniel Borges, Daniel Carneiro, Daniel Oliveira, Diego Alves, Elisabeth Henshel, Evandro Bustamante, Felipe Lee, Gabriela Ushida, Isadora Guenka, Jayme Roberto, Julian Wilmer, Juliana Machado, Marcão Oliveira, Marcílio Alberto, Mateus de Paula, Mayara Assis, Raquel de Moura, Sara Petrocchi, Victor Israel, Vitor Cordeiro, por me proporcionarem ótimos momentos e boas conversas, e por contribuírem para meu bem estar e sanidade ao longo de todos esses anos. À Brenda Mel, uma pessoa de coração enorme, olhar doce e sorriso fácil, que se tornou uma companheira incondicional nestes últimos dois anos, dividindo comigo todos os momentos de alegrias ou dificuldades, deixando todas as coisas mais fáceis e leves, sempre com as palavras (ou canções) certas para as horas certas. À minha família, que sempre incentivou meus estudos e comemorou minhas vitórias. Aos meus pais Francisco Carlos Ferreira e Mabel da Silva Ferreira, que sempre compreenderam minhas ausências, nunca me deixaram faltar nada e permitiram que eu pudesse chegar até aqui. v

ÍNDICE

RESUMO...... 1 ABSTRACT ...... 3 INTRODUÇÃO GERAL ...... 5 Referências bibliográficas ...... 13 CAPÍTULO I: Uso e performance de spp. em hospedeiras nativas e exóticas ...... 16 Introdução ...... 17 Material e métodos ...... 19 Resultados ...... 27 Discussão ...... 33 Referências bibliográficas ...... 37 CAPÍTULO II: Sabotagem de Danaus spp. em duas espécies de Apocynaceae: anatomia foliar ou plasticidade fenotípica? ...... 42 Introdução ...... 42 Material e métodos ...... 46 Resultados ...... 49 Discussão ...... 56 Referências bibliográficas ...... 62 DISCUSSÃO GERAL ...... 66 Considerações finais ...... 68 Referências bibliográficas ...... 70

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RESUMO

A utilização de plantas exóticas por insetos herbívoros nativos pode surtir efeitos sobre componentes da sua história de vida e comportamento, afetando a aptidão dos mesmos como esperado em um cenário de coevolução escape- e-radiação. Desta forma, a introdução de plantas exóticas pode representar uma ameaça à estrutura de interações nativas. Neste contexto, Calotropis procera é uma apocinácea de origem asiática que foi introduzida nas restingas do nordeste brasileiro, e hoje alcança a região norte-fluminense do estado do Rio de Janeiro (RJ). Esta espécie é reportada como hospedeira de danaíneos neotropicais – Danaus erippus e Danaus gilippus – que compartilham o uso de algumas apocináceas nativas da região Neotropical, mais pronunciadamente curassavica. O objetivo deste trabalho foi verificar se atributos da história de vida e comportamento de sabotagem destes herbívoros diferem de acordo com a planta hospedeira utilizada durante a fase larval, em condições de laboratório. Em adição, foi investigado que tipo de pressões seletivas atuam sobre o primeiro instar destes danaíneos, quando observados em condições de campo em cada uma das hospedeiras, através de um experimento empregando tratamentos com e sem exclusão de inimigos naturais. Através de amostragens ao longo de um ano, foi confirmada a utilização de C. procera como planta hospedeira tanto por D. erippus quanto D. gilippus. Em campo, a mortalidade de larvas de primeiro instar de D. erippus em ambas as hospedeiras pode ser atribuída majoritariamente a fatores abióticos; não foram observados eventos de predação ou parasitismo. Quando acompanhadas em laboratório, a performance dos danaíneos não diferiu quando criadas em A. curassavica e C. procera, e ambas as espécies apresentaram maior tempo de desenvolvimento na hospedeira exótica. Adicionalmente, a frequência média do comportamento de sabotagem empregado por estes danaíneos diferiu entre as plantas hospedeiras. Características foliares e a anatomia dos laticíferos de ambas foram examinadas. Quando comparado com A. curassavica, C. procera apresentou valores superiores de área, espessura, dureza foliar e densidade de tricomas nas folhas, e seus laticíferos foram caracterizados como articulados anastomosados. Com os resultados obtidos, é possível evidenciar que D. erippus e D. gilippus sobrevivem ao utilizar a hospedeira exótica – C.

2 procera – com um comprometimento no tempo de desenvolvimento, sugerindo um trade off entre estes componentes de história de vida. Isto indica que estes danaíneos apresentam atributos que permitem utilizar a hospedeira exótica sem a necessidade de coevolução prévia, o que sugere a existência de um ajuste ecológico mediando estas interações. Além disto, as modificações na frequência de sabotagem apontam certa plasticidade deste comportamento frente a modificações das características físicas da planta hospedeira, independente da anatomia dos laticíferos. Apesar da elevada mortalidade das larvas em campo na hospedeira exótica, sua utilização por danaíneos nativos permite uma ampliação na área de distribuição destes herbívoros, evidenciando uma relação de custo e benefício na interação entre os organismos.

Palavras-chave: Performance; Danaus; Apocynaceae; Invasão biológica; Sabotagem; Látex; Laticíferos.

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ABSTRACT

Use of exotic by herbivorous can affect their life history and behavior, which can in turn negatively impact herbivore’s fitness as expected in a scape-and-radiation coevolution. As a consequence, introduction of alien plants can represent a threat to the structure of native interactions. In this context, Calotropis procera, an Asian milkweed that was introduced in northeast in the beginning of the 20th century, is currently very common in the restingas of northern Rio de Janeiro State. This has been reported as a host of Danaus erippus e Danaus gilippus, two species native to the Neotropics whose main host is the tropical milkweed . This study aims to examine whether life history and behavior of D. erippus and D. gilippus differ according to the host plant used in the larval stage. In addition, a field experiment was carried out to investigate what kind of selective pressures act on first instars when using either A. curassavica or C. procera. Through a year-long survey, both butterfly species consistently used C. procera as a host. In the field, larval mortality was higher on C. procera than A. curassavica; exposed larvae remained less on the hosts than protected ones. No parasitoidism or predation was observed. Under laboratory conditions, performance of both butterfly species did not differ when reared on either A. curassavica or C. procera, and both species delayed their development time when using the latter host. In addition, mean frequency of sabotaging behavior differed according to the host plant. Calotropis procera presented significant more leaf area, thickness, toughness and trichome density compared to A. curassavica, and their laticifers were anastomosing. Also, both butterfly species were able to use the exotic milkweed without previous coevolution with this host, suggesting that ecological fitting has been mediating these interactions. Besides, changes in the frequency of sabotaging indicate plasticity of this behavior according to physical features of the host as toughness and thickness, regardless of laticifers’ anatomy. Despite of the high larval mortality on C. procera under field conditions, use of this host by D. erippus and D. gilippus allows increasing their geographic distribution, suggesting that the interaction between these herbivores and this invasive host is counterbalanced by a cost- benefit relationship.

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Key-words: Performance; Danaus; Apocynaceae; Invasion biology; Sabotaging behavior; Latex; Laticifers.

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INTRODUÇÃO GERAL

Espécies invasoras têm se tornado objeto de estudos de muitos ecólogos e biólogos evolutivos ao redor do mundo. Grande parte desse interesse se dá pelo crescente número de espécies presentes em regiões fora de sua área de distribuição original, causando sérios impactos ambientais e econômicos (Pimentel et al., 2000). Invasão é o termo utilizado para situações onde a abundância e a distribuição das espécies são alteradas como resultado da atividade humana (Pysek et al., 2004). De fato, a espécie humana pode ser considerada grande contribuidora para o aumento no número de espécies não nativas em diferentes regiões. À medida que nós, humanos, adquirimos a capacidade de nos dispersar entre os continentes, atravessando barreiras geográficas de grande escala, o transporte de organismos de outras espécies (intencional ou não) tornou-se mais frequente. Ao colonizar uma nova região, uma espécie pode vir a interagir com organismos e condições ambientais com os quais não teve contato durante sua história evolutiva, o que será determinante para as etapas seguintes à sua chegada. O processo de invasão biológica pode ser dividido em quatro estágios, os quais determinarão o fracasso ou o sucesso de uma espécie exótica colonizar uma dada localidade, tornando-se ou não uma invasora. O primeiro, citado anteriormente, é o transporte da região nativa para uma nova área através de interferência antrópica. Após o transporte, temos dois cenários possíveis: a morte dos indivíduos transportados (ou extinção da população recém-introduzida) ou o estabelecimento de uma população viável. Esta população não nativa, caso tenha se estabelecido, tem a possibilidade de permanecer restrita a localidade onde foi introduzida, mantendo-se com baixos números populacionais, ou se espalhar, ampliando sua área de distribuição na região recém colonizada. Por fim, esse rápido crescimento e espalhamento podem causar impactos de baixa ou alta magnitude para o ambiente, bem como para as populações de espécies nativas. Um esquema com as etapas envolvendo a invasão de uma espécie pode ser visto na Figura 1. Existe grande variação entre os termos e definições frequentemente empregados no campo da Biologia da Invasão (Colautti & MacIsaac, 2004). Muitos trabalhos foram desenvolvidos com a intenção de padronizar esses

6 termos (Davis & Thompson, 2000; Richardson et al., 2000a; Daehler, 2001; Rejmánek et al., 2002; Colautti & MacIsaac, 2004; Pysek et al., 2004; Valéry, 2008), contudo, ainda é possível identificar inconsistências entre países e pesquisadores. Nesta dissertação, os termos utilizados seguem a terminologia recomendada por Richardson et al. (2000a) e Pysek et al. (2004) para invasão e naturalização de plantas não nativas. Planta nativa pode ser definida como um táxon originado em determinada área (onde a mesma é considerada nativa) sem interferência humana. Planta exótica é definida como um táxon de determinada área cuja presença se deve à sua introdução através de atividade humana, intencional ou não (como sinônimo, planta não nativa). Planta naturalizada é uma planta exótica capaz de se reproduzir e manter uma população viável. Planta invasora é uma planta naturalizada capaz de produzir descendentes em distâncias consideráveis da planta mãe, e normalmente em grandes quantidades, sendo assim capaz de se espalhar por uma grande área (ver Richarson et al. (2000a) para as escalas de distâncias utilizadas como referência). Planta daninha são plantas, não necessariamente exóticas, que crescem em áreas onde não são desejadas, e normalmente são causadoras de impactos ambientais e/ou econômicos negativos. Em geral, as nomenclaturas designadas são referentes aos estágios do processo de invasão alcançados pelo organismo, como observado na Figura 1. Embora as nomenclaturas apresentadas se refiram a plantas invasoras (como será abordado neste estudo), termos semelhantes são encontrados para invasão por animais e micro-organismos – ver Colautti & MacIsaac (2004) para mais referências. É importante ter uma breve ideia de como a Biologia da Invasão se desenvolveu ao longo dos anos, tornando-se um dos subtópicos atualmente mais abordados em Ecologia. Charles S. Elton, com a publicação do seu livro intitulado The Ecology of invasions by and Plants (Elton, 1958), é considerado por muitos o fundador desse campo de estudo. Contudo, séculos anteriores à publicação de Elton, alguns naturalistas já haviam publicado sobre o estabelecimento de novas espécies transportadas por viajantes, dentre eles Peter Kalm – um aluno de Linnaeus – e Alexander von Humboldt (Chew, 2006; Davis, 2009). Com o surgimento da Biogeografia em meados do século XIX, os esforços conjuntos de vários botânicos e zoólogos para determinar a distribuição da biota no globo, juntamente com a divisão das seis regiões

7 biogeográficas por Alfred R. Wallace, permitiram tratar as espécies como nativas e não nativas em determinadas regiões. Segundo Chew (2006), um dos primeiros registros do termo “invasão”, referindo-se à população de uma espécie de planta introduzida, foi feito por Charles R. Darwin em 1833 no seu diário de viagem a bordo do Beagle. Cerca de um século depois, o paradigma “Nativa vs. Exótica” passou a ser abordado em alguns manuscritos, como por exemplo Allan (1936) e Egler (1942), ambos publicados no periódico Ecology (ver Davis (2009) para mais referências). Posteriormente, em 1958, ocorreu a publicação do clássico livro de Elton, baseado em uma série transmitida via rádio pelo mesmo, nomeada “Balance and Barrier”. Por ser direcionada ao público geral, Elton utilizava uma abordagem cotidiana, muitas vezes metafórica, caracterizando a introdução e o espalhamento de espécies exóticas com muitos termos de conotação militar. Isto foi mantido em seu livro, e influenciou fortemente a terminologia adotada a posteriori. O livro de Elton contribuiu, em grande parte, para a integração de temas e tópicos que eram pouco conectados na época, como ecologia de populações, epidemiologia, biogeografia e biologia da conservação. Apesar de apresentar apenas um pequeno impacto em curto prazo (como é possível observar na Figura 2, retirada de Ricciardi & MacIsaac, 2008), a publicação do livro foi de importância significativa no desenvolvimento da Biologia da Invasão no final do Século XX. Outra grande contribuição para o desenvolvimento deste tópico em ecologia foi a realização do Scientific Committee on Problems of the Environment (SCOPE), em 1982. A síntese deste comitê resultou na publicação intitulada Biological Invasions: a global perspective (Drake et al., 1989). Após este período, o número de publicações e o interesse em Biologia da Invasão cresceu demasiadamente (Figura 2), o que acarretou na criação de dois periódicos na década de 90 – Diversity and Distributions (hoje Biodiversity Letters) e Biological Invasions – e a publicação de uma série de livros nos anos 2000 (e.g. Cox, 2004; Cadotte et al., 2006; Lockwood et al., 2007; Davis, 2009).

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Figura 1. Etapas do processo de invasão biológica (adaptado de Lockwood et al., 2007) e as nomenclaturas utilizadas para classificar plantas não nativas e seus estágios da invasão (sensu Richardson et al., 2000a; Pysek et al., 2004).

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Figura 2. Número de citações de Elton, 1958 (linha) e de publicações em Biologia da Invasão (barras) desde a publicação de seu livro intitulado The ecology of invasions by animals and plants. Adaptado de Ricciardi & MacIsaac (2008).

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Segundo Pysek et al. (2006), entre 1981 e 2003, cerca de 50,8% dos artigos publicados em Ecologia da Invasão referiam-se a invasões por plantas. Algumas dessas introduções se deram acidentalmente, pelo transporte de sementes em carregamentos, por exemplo. Mas muitas, se não a maioria, se deram de forma deliberada, com a finalidade de se extrair algum subproduto (principalmente de interesse humano) dos organismos introduzidos (Mack et al., 2000). Neste cenário se enquadram, por exemplo, muitos cereais, árvores frutíferas e de grande aporte madeireiro que se distribuem por todo o globo nos dias de hoje. Contudo, plantas introduzidas que atingem altas abundâncias podem representar uma grande ameaça para a biodiversidade nativa, sendo capazes de alterar o desempenho de indivíduos de outra espécie ou até mesmo a estrutura de um ecossistema (Simberloff, 2013). De acordo com a meta-análise feita por Vilà e colaboradores (Vilà et al., 2011), plantas exóticas reduzem, em geral, o desenvolvimento, a aptidão, a abundância e diversidade de plantas nativas. Além disso, podem ter efeito sobre níveis tróficos superiores, reduzindo a aptidão e a abundância de consumidores diversos, por exemplo. Embora os impactos causados por plantas exóticas em comunidades nativas sejam amplamente estudados, pouco se conhece sobre o que leva estas plantas a se estabelecerem e se tornarem dominantes (Maron & Vilà, 2001). A interação com inimigos naturais é um dos fatores mais abordados para explicar o sucesso ou fracasso no estabelecimento de plantas exóticas, e permitem entender como se dá a evolução de atributos em organismos com interação recente (Agrawal et al., 2015). Por exemplo, segundo o modelo de coevolução escape-e-radiação (sensu Thompson, 1989) entre insetos herbívoros e suas plantas hospedeiras, é esperado que as plantas desenvolvam características de defesa contra a herbivoria, enquanto herbívoros desenvolvam características morfológicas e/ou comportamentais para sobrepujar essas defesas (Becerra, 2009). No entanto, quando plantas não nativas são introduzidas em uma comunidade sem uma história evolutiva compartilhada, herbívoros locais podem ser incapazes de consumi-las, ou as plantas podem não apresentar defesas contra estes novos herbívoros (Cogni, 2009). Desta forma, o escape ou a suscetibilidade aos inimigos naturais

11 poderão ser determinantes para o estabelecimento de uma planta exótica na nova região (Cogni, 2009). A herbivoria em plantas não nativas depende da quantidade de herbívoros disponíveis que são capazes de reconhecer a planta em questão como um recurso alimentar, e ainda serem capazes de lidar com possíveis mecanismos de defesa existentes (Carpenter & Cappuccino, 2005). Segundo a hipótese de liberação do inimigo natural (enemy release hypothesis, sensu Keane & Crawley, 2002), plantas introduzidas em novas regiões experimentam menor controle por herbívoros e outros inimigos naturais, o que resultaria em um aumento na abundância e distribuição dessas plantas e, portanto, maior sucesso na invasão. Em contrapartida, de acordo com a hipótese de novas associações (new association hyphotesis, sensu Hokkanen & Pimentel, 1989), plantas não nativas seriam mais suscetíveis aos herbívoros locais pela ausência de uma história evolutiva entre esses dois grupos – e portanto ausência de defesas. Dessa forma, uma comunidade nativa constituiria uma resistência biótica à invasão de espécies exóticas (Parker & Hay, 2005). Enquanto o papel dos herbívoros (e de outros inimigos naturais) no estabelecimento e na aptidão de plantas invasoras vem sendo amplamente estudado, poucos trabalhos tem explorado adaptações e história de vida dos herbívoros locais ao utilizar hospedeiras não nativas, em especial na região Neotropical (e.g. Cogni & Futuyma, 2009). Como evidenciado por Rodríguez (2001), o impacto da introdução de espécies exóticas na região Neotropical é subestimado, e as consequências destas introduções para a biota nativa não foram devidamente exploradas. A possibilidade de comparar o desempenho e o comportamento de herbívoros ao utilizar plantas hospedeiras nativas ou exóticas de sua área de distribuição oferece uma excelente oportunidade para entender os mecanismos da interação entre estes organismos, responsáveis pelos efeitos da introdução de uma espécie para a biota nativa. Estas foram as motivações para o desenvolvimento da presente Dissertação de Mestrado. Neste contexto, Calotropis procera (Aiton) R. Br., uma apocinácea de origem asiática (Lorenzi, 2000), é conhecida por sua invasão nas restingas do nordeste brasileiro, datada do início do século XX (Rangel & Nascimento, 2011). Atualmente, esta espécie apresenta registros que vão desde a região costeira do estado de Pernambuco até a região norte-fluminense do Rio de

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Janeiro, ocupando preferencialmente áreas de restinga e semiárido. Esta espécie tem sido registrada como hospedeira de diferentes lepidópteros do gênero Danaus (Kluk, 1780) (Nymphalidae) na América Central e do Sul, dentre os quais se destacam a borboleta monarca do sul Danaus erippus (Cramer, 1775) e a borboleta rainha Danaus gilippus (Cramer, 1775) (ver Beccaloni, 2008). Ambos os danaíneos compartilham o uso de espécies de apocináceas nativas da região Neotropical, mais pronunciadamente Asclepias curassavica L. (Beccaloni, 2008). O presente estudo tem como objetivo geral examinar se atributos da história de vida, bem como comportamentais de D. erippus e D. gilippus, diferem de acordo com a planta hospedeira utilizada na fase larval, sendo esta nativa de sua área de distribuição (A. curassavica) ou exótica (C. procera). A dissertação está estruturada em dois capítulos. No Capítulo 1 será examinado o grau de utilização de C. procera por Danaus spp. como uma planta hospedeira, em condições de campo. Além disso, será investigada a performance das larvas de D. erippus e D. gilippus, em condições controladas (laboratório), quando criadas em A. curassavica e C. procera. Por fim, será investigada, em campo, a história de vida das larvas de primeiro instar nas duas plantas hospedeiras e em condições de exposição e proteção contra inimigos naturais. No Capítulo 2 será verificada a existência de diferenças no comportamento de sabotagem de laticíferos apresentado por estes danaíneos, em relação às duas plantas hospedeiras. A anatomia dos laticíferos das plantas hospedeiras será examinada, com a finalidade de se estabelecer uma relação com o comportamento de sabotagem empregado pelas larvas. Adicionalmente, atributos foliares que podem atuar como defesas contra a herbivoria serão comparados entre as duas hospedeiras, a fim de se estabelecer uma relação com os resultados encontrados para a performance e o comportamento dos danaíneos.

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Referências bibliográficas

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CAPÍTULO I

USO E PERFORMANCE DE Danaus spp. EM HOSPEDEIRAS NATIVAS E EXÓTICAS 17

Introdução

Através de estudos abordando biogeografia de insetos herbívoros e suas interações com plantas hospedeiras não nativas, Strong (1974, 1979) e Strong e colaboradores (1979), entre outros autores, documentaram como plantas exóticas acumulam inimigos naturais nativos rapidamente após sua introdução. Para entender este fenômeno, faz-se necessário compreender os mecanismos estruturadores destas interações. Insetos herbívoros e suas plantas hospedeiras são responsáveis por grande parte da riqueza de espécies em ambiente terrestre (Strong, 1984). Em geral, esta grande riqueza é atribuída ao processo de coevolução entre esses dois grupos (Vermeij, 1994; Becerra et al., 2009). De acordo com Thompson (1994), coevolução lato sensu é referida como modificações recíprocas herdáveis em espécies que interagem. É possível identificar algumas formas de coevolução (Futuyma, 2009), dentre as quais duas são frequentemente apontadas como principais na história evolutiva entre insetos e plantas: a coevolução difusa e a coevolução escape-e-radiação. A coevolução difusa se refere à pressão seletiva imposta por uma guilda de espécies sobre outra (Thompson, 1989). Por exemplo, a resposta evolutiva de uma planta não seria resultado da pressão seletiva de uma única espécie de herbívoro somente, mas sim de um conjunto de espécies que interagem com esta planta (e.g. Fox, 1988). Na coevolução escape-e-radiação, o escape da pressão seletiva imposta por uma espécie ou um grupo de espécies é seguido de um evento de radiação (Thompson, 1989). Por exemplo, herbívoros que se alimentam de plantas quimicamente similares impõem uma pressão seletiva que favorece a diversificação química como resposta (escape), que pode ser seguida por eventos de especiação nesta comunidade de plantas (Becerra, 2007). Os herbívoros, por sua vez, podem se adaptar em momentos subsequentes à diversificação das plantas, estabelecendo diferentes associações com as espécies em processo de radiação (e.g. Becerra 2003). No entanto, Janzen (1985) propôs um mecanismo alternativo à coevolução para explicar a formação e persistência de interações ecológicas. O ajuste ecológico – Ecological Fitting – é o processo no qual organismos, com as características que possuem em decorrência de sua história evolutiva,

18 colonizam novos ambientes, utilizando os recursos então disponíveis e estabelecendo novas associações interespecíficas (Janzen, 1985; Agosta, 2006; Agosta & Klements, 2008). De acordo com este mecanismo, processos evolutivos não seriam pré-requisitos para o estabelecimento de interações ecológicas, o que contrasta com uma visão tradicional de sistemas em coevolução (e.g. Ehrlich & Raven, 1964). Ainda, o ajuste ecológico tem grande poder de explicação para associação entre espécies e regras de montagem de comunidades (Agosta & Janzen, 2005; Brooks & Ferrao, 2005), contudo raramente é citado. As principais evidências deste fenômeno vêm de estudos que exploram interações entre insetos/plantas nativos e exóticos (Holway et al., 2002; Strauss et al., 2006). No entanto, como uma nova espécie de planta hospedeira pode ser incluída, por exemplo, na dieta de insetos herbívoros? Na maioria dos casos, é necessário que ocorra o reconhecimento da planta como uma hospedeira pela fêmea, seguido de aceitação para oviposição. O passo seguinte é o reconhecimento e aceitação pela larva desta hospedeira como um recurso alimentar, seguido de sua sobrevivência e desenvolvimento (Thomas et al., 1987; Thompson, 1988; Bowers et al., 1992; Bernays & Chapman, 1994). A utilização de uma nova planta como hospedeira pode provocar modificações em componentes da história de vida das larvas, como aumento / diminuição na suscetibilidade a inimigos naturais e custos metabólicos (Price et al., 1980). Como consequência, a aptidão destes herbívoros pode ser afetada (Vilà et al., 2011). Dessa forma, plantas exóticas, que constituem novos recursos em potencial, podem apresentar impactos em componentes da história de vida e comportamento de herbívoros nativos, e até mesmo alterações na estrutura de interações locais (Müller-Sharer et al., 2004). Diante deste cenário, os objetivos deste capítulo são: 1) investigar a utilização de uma planta nativa dos continentes africano e asiático, invasora no sudeste brasileiro – Calotropis procera (Aiton) R. Br. – como hospedeira por insetos herbívoros nativos da região Neotropical (Danaus erippus e Danaus gilippus), os quais utilizam mais pronunciadamente uma apocinácea nativa – Asclepias curassavica; 2) registrar, em campo, que tipo de pressões seletivas (bottom-up, top-down ou abiótica) atuam sobre larvas destas espécies em ínstares iniciais, ao utilizar cada uma das hospedeiras, e 3) verificar

19 componentes da performance dos herbívoros ao utilizar ambas as hospedeiras na fase larval. Componentes da história de vida destes herbívoros nunca foram investigados quando utilizada a hospedeira exótica. A hipótese central é que a performance de ambos os danaíneos será superior ao utilizar a hospedeira nativa. Em adição, espera-se que a permanência das larvas na hospedeira exótica em campo seja inferior, quando comparada à permanência na hospedeira nativa, como consequência da mortalidade das larvas decorrente de pressões seletivas impostas pela planta hospedeira (pressão bottom-up).

Material e métodos Sistema e área de estudo Asclepias curassavica L., conhecida como oficial-de-sala, é uma herbácea ereta, perene ou anual, com cerca de 1 metro de altura. Apresenta folhas opostas de formato oval, medindo entre 6-13 centímetros de comprimento (Matos et al., 2011). Considerada nativa da Índia Ocidental e América Tropical (Lorenzi, 2000; Matos et al. 2011), foi introduzida em outras regiões de clima tropical e subtropical, e atualmente apresenta distribuição mundial (Carneiro & Irgang, 2005). Asclepias curassavica é reportada como a apocinácea de maior abundância na América do Sul (Bollwinkel, 1969) e amplamente utilizada por danaíneos (Beccaloni, 2008). Em adição, A. curassavica se encontra entre as apocináceas que exsudam menor quantidade de látex quando danificadas (Agrawal & Fishbein, 2006; Zalucki et al., 2012). Calotropis procera (Aiton) R. Br., popularmente conhecida como algodão-de-seda e flor-de-seda, é uma planta arbustiva perene, ereta e pouco ramificada. Um indivíduo em fase reprodutiva desta espécie alcança de 1,5 a 3,0 metros de altura e folhas sésseis de aspecto coriáceo, cujo comprimento varia de 15 a 30 centímetros. Originária da África, Madagascar, Península Arábica e Sudoeste da Ásia (Rahman & Wilcock, 1991), é também encontrada ocorrendo naturalmente em todas as regiões tropicais do mundo, principalmente em regiões áridas e semiáridas (Brandes, 2005). Por conta de seu rápido estabelecimento e crescimento, essa planta forma grandes adensamentos e é considerada invasora no continente americano e Oceania (Instituto Hórus, 2016), ocupando áreas principalmente após a ocorrência de distúrbios (Brandes, 2005; Rangel & Nascimento, 2011). Sua introdução em

20 território brasileiro se deu pelo estado de Pernambuco em 1900, para fins ornamentais (Instituto Hórus, 2016). Com sua fácil dispersão pelo vento e capacidade de estabelecimento, esta espécie se espalhou pelo litoral, alcançando a região norte-fluminense do Rio de Janeiro (Rangel & Nascimento, 2011). Como as demais apocináceas, C. procera é produtora de látex, que é facilmente observado quando o seu caule e folhas são danificados. Calotropis procera é apontada como hospedeira de danaíneos neotropicais (Beccaloni, 2008), dentre os quais destacam-se Danaus erippus (Cramer, 1775) e Danaus gilippus (Cramer, 1775). Esta primeira, conhecida como monarca do sul, é espécie-irmã da mundialmente conhecida borboleta monarca – Danaus plexippus (Linnaeus, 1758) – e tem distribuição restrita à América do Sul. Danaus gilippus, a borboleta rainha, ocupa desde o sul da América do Norte, passando pela América central e Antilhas, até regiões tropicais da América do Sul (Ackery & Vane-Wright, 1984). A coleta das apocináceas e suas respectivas sementes se deu nas imediações da Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA), município de Cachoeiras de Macacu, RJ (22°25’S; 42°44’W) – para A. curassavica – e Restinga do Xexé, município de Campos dos Goytacazes, RJ (21º99’S, 40º98’W) – para C. procera. A Reserva Ecológica de Guapiaçu constitui um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro, formado em sua maioria por floresta ombrófila com diferentes níveis de conservação, e apresentando clima úmido e quente, com altos índices de precipitação (Azevedo, 2012). A Restinga do Xexé é caracterizada por um clima tropical úmido, apresentando duas estações, uma seca (maio a outubro) e outra chuvosa (novembro - abril) (Rangel & Nascimento, 2011). A coleta de ovos, larvas e adultos dos danaíneos utilizados nos experimentos se deu nas localidades acima descritas.

Utilização de plantas hospedeiras por Danaus spp. Foram realizadas amostragens em campo, a fim de verificar o grau de utilização da hospedeira exótica, C. procera, por D. erippus e D. gilippus. Foram realizados levantamentos do número de indivíduos (ovos, larvas e adultos), da fauna acompanhante presente nas plantas e do grau de herbivoria

21 apresentado pelas mesmas. As amostragens ocorreram nos meses de junho/15, setembro/15, dezembro/15 e março/16. Para a realização das amostragens, foi selecionada uma área de 5000 m² (50 metros de largura / 100 metros de comprimento) com ocorrência da espécie em questão, localizada na Restinga do Xexé, bairro do Farolzinho – Campos dos Goytacazes, RJ (21º59’58.03”S, 40º59’06.85”W). A fitofisionomia da restinga é dominada por arbustos de C. procera e árvores de Casuarina sp. (Figura 3). Com o auxílio de uma trena, foram estabelecidas cinco transecções de 100 metros de comprimento, distantes 10 metros entre si (Figura 4). Todas as plantas tocadas pelas transecções foram amostradas (N = 16). As larvas foram classificadas quanto sua espécie e instar, enquanto para os ovos não é possível fazer essa distinção. Além disso, foi estimado o Índice de Herbivoria, segundo o método estabelecido por Dirzo & Domínguez (1995). Para efeito de comparação com a planta hospedeira nativa de maior utilização por estes danaíneos (Beccaloni, 2008), foram compilados dados de coletas de ovos e larvas em Asclepias curassavica na REGUA pela equipe do Laboratório de Interações-Inseto Planta, realizadas nos meses de janeiro, abril, julho e outubro de 2014.

Permanência larval em campo Com a finalidade de entender que tipo de pressões seletivas – bottom- up, top-down ou abiótica– atuam sobre populações de Danaus spp. em campo, larvas de D. erippus foram acompanhadas durante o primeiro instar em ambas as plantas hospedeiras. Este experimento foi realizado apenas com D. erippus, por esta espécie ser consideravelmente mais abundante em comparação a D. gilippus (JR Trigo & D Rodrigues, observações pessoais). Estas hospedeiras encontram-se em diferentes localidades do estado do Rio de Janeiro, e aparentemente ambas as hospedeiras não coocorrem neste estado (PPS Ferreira & D Rodrigues, observações pessoais) (Figura 5). Entre os dias 21 e 25/03/2016, foram selecionados 14 indivíduos de C. procera na Restinga do Xexé, em um sítio a cerca de 20 metros de distância daquele onde foram realizados os levantamentos. Em cada indivíduo, foi disposto um par de larvas recém-eclodidas de D. erippus. Estas larvas foram gentilmente colocadas em folhas opostas posicionadas no terço apical da

22 planta, e com o auxílio de um pincel. Em cada par, uma das larvas foi individualizada juntamente com sua folha por um saco de voil, impedindo o acesso de predadores e parasitoides (tratamento protegido; N = 14). A outra larva do par não recebeu nenhum tipo de proteção, permanecendo livre na folha onde foi colocada (tratamento exposto; N = 14). A posição das folhas que correspondem um dado tratamento foi alternada com as do outro tratamento, a fim de minimizar possíveis variações microambientais presentes na Restinga, visto que a área em questão apresenta o Oceano Atlântico em um dos lados (cerca de 100 metros de distância da borda da área) e uma estrada de terra no outro lado (cerca de 50 metros de distância da borda da área). Além disso, foram avaliadas e comparadas a temperatura e umidade relativa (médias, máximas e mínimas) sobre a folha nos dois tratamentos (N=10). Não foram encontradas diferenças significativas desses parâmetros entre os tratamentos (Testes t pareado, p > 0,05 para ambas as condições). As réplicas deste experimento tiveram início em diferentes momentos, determinado pela eclosão das larvas. Ambos os tratamentos foram acompanhados por, pelo menos, 48 horas ou até que as larvas completassem a muda para o segundo instar. Apenas o primeiro instar foi observado, uma vez que 70% da mortalidade em Lepidoptera se dá nesta etapa do desenvolvimento larval (Zalucki & Kitching, 1982; Zalucki et al. 2001; 2002). Foram registrados a permanência, ausência ou morte da larva durante a observação, eventos de alimentação, predação / parasitismo (se existentes) e exsudação de látex. Como a ausência da larva pode se dar por dispersão ou morte no tratamento exposto, a variável dependente tratada foi a permanência da mesma em uma dada planta hospedeira e tratamento. Entre os dias 08 e 10/04/2016, um experimento similar foi feito na planta hospedeira nativa, A. curassavica, em um pasto com grande abundância desta espécie. A área está situada junto ao Km 12 da RJ 163 (Estrada Penedo – Visconde do Mauá), município de Itatiaia, RJ (22º22’11.58”S, 44º30’10.41”W). Foram estabelecidas 13 réplicas de cada um dos tratamentos, conforme descrito acima para C. procera. No entanto, devido a problemas com o pastejo por gado no local, foram perdidas três réplicas do tratamento protegido (N final = 10) e uma do tratamento exposto (N final = 12).

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Figura 3. Área da Restinga do Xexé onde foram realizados os levantamentos de utilização de C. procera por Danaus spp. A seta preta indica um indivíduo de C. procera.

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Figura 4. Esquema ilustrativo da distribuição dos indivíduos de C. procera amostrados nos levantamentos da utilização desta apocinácea pelos danaíneos. As formas circulares / elipsoides pretas e preenchidas por cinza representam os indivíduos de C. procera tocados pelas transecções. A dimensão e formato das formas refletem as diferenças de forma e tamanho encontradas entre os indivíduos de C. procera amostrados.

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Figura 5. Mapa do estado do Rio de Janeiro, com destaque aos municípios onde os experimentos de permanência larval foram realizados. O traço pontilhado indica a distância entre estas localidades. Elaboração própria, com elementos fornecidos pela base de dados do IBGE.

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Foram criados modelos lineares generalizados (GLMs) para entender que fatores determinam a permanência larval nas plantas hospedeiras. Foram consideradas como variáveis preditoras a espécie de planta hospedeira (A. curassavica ou C. procera) e o tratamento utilizado (protegido ou exposto), e a permanência da larva no experimento como variável resposta de distribuição binomial. Foram testados modelos considerando cada uma das variáveis preditoras isoladamente, bem como as duas juntas e sua interação. Por fim, foi feita uma seleção de modelos pelo Critério de Informação de Akaike, a fim de determinar qual ou quais modelos têm o maior poder de explicação da variável resposta. Estas análises foram feitas em ambiente R, no programa R Studio versão 0.99.441.

Performance larval em laboratório Sementes de A. curassavica e C. procera foram coletadas em diversas localidades do Sudeste Brasileiro, e plantadas em vasos plásticos contendo uma mistura de substrato orgânico e areia, cultivadas em casa de vegetação existente nas dependências do Horto da Prefeitura Universitária/UFRJ. Para o experimento de performance larval, foram utilizados somente os ovos obtidos em campo. Entre 0 – 12 hs após a eclosão, as larvas foram gentilmente colocadas, com o auxílio de um pincel, em uma das plantas hospedeiras: A. curassavica ou C. procera. Os indivíduos de A. curassavica e C. procera apresentavam pelo menos seis meses de vida e um número mínimo de seis folhas intactas e totalmente expandidas. Cada tratamento (combinação danaíneo / planta hospedeira) foi individualizado por uma tela de voil branco e barbante, e levado a uma sala climatizada (25 ±1 ºC, 250 μmol.m-2.s-1, 14 h Luz: 10 h Escuro e UR entre 60 e 80%) onde permaneceu até o final do experimento. Desta forma, obteve-se as seguintes combinações: D. erippus em A. curassavica; D. erippus em C. procera; D. gilippus em A. curassavica; D. gilippus em C. procera (N = 10 / espécie de Danaini / planta hospedeira). As larvas expostas a cada tratamento foram vistoriadas diariamente pela manhã, onde foi registrada a sobrevivência correspondente e o respectivo instar, em caso de sobrevivência. As larvas de quinto instar, quando próximas do empupamento, foram transferidas para potes plásticos contendo ramos de sua respectiva planta hospedeira. Os ramos foram acondicionados em

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Eppendorfs® com água. A pupa foi mantida no pote plástico até a emergência. Foram registradas as datas de eclosão das larvas, bem como das mudanças de instar, empupamento e a data da emergência, totalizando o tempo de desenvolvimento de cada indivíduo. Após a emergência, as asas anteriores foram medidas com a utilização de paquímetro digital (Mitutoyo®). A sobrevivência de ambos os danaíneos em cada hospedeira foi obtida através da porcentagem de indivíduos que sobreviveram da fase larval até a fase adulta. A razão sexual foi obtida para cada espécie de Danaini / planta hospedeira. Os atributos mensurados foram selecionados a fim de conjuntamente representar a performance de cada espécie em cada uma das hospedeiras, sensu Thompson (1988). A sobrevivência das larvas foi comparada através de Testes Exatos de Fisher entre plantas hospedeiras (sendo fixada a espécie do danaíneo) e espécies de danaíneos (sendo fixada a planta hospedeira). O tempo de desenvolvimento larval e o comprimento da asa anterior foram analisados quanto a sua normalidade (Testes de Shapiro-Wilk e Komolgorov-Smirnov) e homocedasticidade (Teste de Bartlett). Para cada espécie de Danaini, o comprimento da asa anterior apresentou distribuição normal, e foi comparado entre plantas hospedeiras através de Testes t não pareados. O tempo de desenvolvimento larval não apresentou distribuição normal (para D. erippus criada em A. curassavica e D. gilippus em ambas as hospedeiras) e foi comparado entre plantas hospedeiras através do Teste de Mann-Whitney. As análises foram feitas no programa GraphPad Prism 5.

Resultados Utilização de plantas hospedeiras por Danaus spp. Foi evidenciada a utilização de C. procera ao longo de todo ano por larvas de D. erippus. Nas diferentes amostragens, foram encontrados ovos (espécie indiscriminada) e larvas de ambos os danaíneos em diferentes ínstares se alimentando desta planta hospedeira (Tabela 1). Além disso, em todas as ocasiões de amostragem foram avistados indivíduos adultos forrageando e ovipositando nas plantas. O índice de herbivoria variou entre 1-6 e 6-12%. É possível observar que a abundância de imaturos em C. procera é consideravelmente menor quando comparada com A. curassavica (Tabela 1).

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Tabela 1. Utilização de Calotropis procera e Asclepias curassavica por Danaus spp. DE: Danaus erippus; DG: Danaus gilippus. Amostragens realizadas na Restinga do Xexé (município de Campos dos Goytacazes / RJ) e REGUA (município de Cachoeiras de Macacu / RJ), respectivamente.

Organismos Amostragens Planta hospedeira Média ± EP amostrados 1ª 2ª 3ª 4ª

Plantas 30 30 30 30 30,00 ± 0,00

Asclepias curassavica Ovos 20 2 3 31 14,00 ± 7,01 15 DE 1 DE Larvas (total) 19 DE 12 DE 12,75 ± 3,90 3 DG 1 DG

Plantas 16 23 21 20 20,00 ± 1,47

Ovos 5 0 0 5 2,50 ± 1,44

1 DE Calotropis procera Larvas (total) 17 DE 0 2 DE 5,25 ± 3,95 1 DG

Adultos (avistamentos) 3 DE 0 0 2 DE 1,25 ± 0,75

Herbivoria (%) 6 – 12 1 – 6 1 – 6 6 – 12

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Além disso, foram registrados com grande frequência utilizando C. procera: os sugadores Aphis nerii (Boyer de Fonscolombe, 1841) (Hemiptera: Aphididae) Oncopeltus fasciatus (Dallas, 1852) (Hemiptera: Lygaeidae) se alimentando; formigas e aranhas da família Thomisidae patrulhando folhas e inflorescências; alguns vespídeos não identificados forrageando ao redor das plantas. Também foram encontradas quatro larvas de Danaus spp. mortas em folhas, com aspecto ressecado.

Permanência larval em campo Quando acompanhadas em campo, larvas de D. erippus apresentaram maior permanência quando submetidas ao tratamento protegido, e na hospedeira nativa – A. curassavica (Figura 6). Dentre os modelos lineares generalizados criados, o que melhor explicou a permanência é aquele que considerou os fatores “planta hospedeira” e “tratamento”, sem interação (Tabela 2). O tratamento exposto reduziu significativamente a permanência das larvas (P = 0,0011), enquanto C. procera também afetou a permanência de forma negativa e marginalmente significativa (P = 0,0603). Não foram observados eventos de predação, embora vespas predadoras tenham sido avistadas forrageando ao redor de ambas as plantas hospedeiras. A mortalidade das larvas pôde ser atribuída à exsudação de látex em alguns casos – 21% das larvas observadas em C. procera e 5% em A. curassavica.

Performance larval em laboratório Em cada espécie de Danaini, a sobrevivência não diferiu quando comparada entre hospedeiras (Testes Exatos de Fisher; D. erippus: P = 0,5820; D. gilippus: P = 1,000); similar padrão se manteve quando os danaíneos foram comparados na mesma hospedeira) (Testes Exatos de Fisher; A. curassavica: P = 1,000; C. procera: P = 0,5820). O tempo de desenvolvimento foi significativamente maior para ambos os danaíneos quando criados na apocinácea não nativa (Testes de Mann-Whitney; D. erippus: P = 0,0007; D. gilippus: P = 0,0010). Apenas D. gilippus apresentou diferença no tamanho da asa: as larvas desta espécie criadas em C. procera foram significativamente maiores em comparação com A. curassavica (Teste T; P = 0,0439) (Tabela 3). A razão sexual se manteve próxima a 1:1 para D. erippus

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Figura 6. Permanência do primeiro instar de D. erippus em campo, nas plantas hospedeiras A. curassavica (barras brancas, folha alongada) e C. procera (barras pretas, folha arredondada). Outros fatores que provocaram mortalidade foram o ressecamento e/ou queda da planta hospedeira, pela ocorrência de fortes ventos – 11% das larvas observadas em C. procera e 14% em A. curassavica.

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Tabela 2. Seleção de modelos que explicam a permanência de larvas de D. erippus nas plantas hospedeiras em dois tratamentos. ∆i: diferença no valor de AIC comparado ao melhor modelo; k: número de parâmetros.

Modelo AIC ∆i K Hospedeira 28,04 11,88 2 Tratamento 18,12 1,96 2 Hospedeira + tratamento 16,16 0 3 Hospedeira * Tratamento 18,16 2,00 4

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Tabela 3. Atributos que refletem a performance de D. erippus e D. gilippus (N = 10 / espécie de Danaini / planta hospedeira) (média ± erro padrão). Para cada danaíneo, letras indicam diferença entre as plantas hospedeiras (P < 0,05).

Espécie de danaíneo Danaus erippus Danaus gilippus Análises estatísticas Planta hospedeira A. curassavica C. procera A. curassavica C. procera

Sobrevivência até o estágio adulto (%) 90 70 100 90 Testes Exatos de Fisher

Tempo de desenvolvimento larval (dias) 13,00 ± 0,16a 17,43 ± 0,99b 14,20 ± 0,20a 16,33 ± 0,44b Testes de Mann-Whitney

Comprimento da asa anterior (mm) 47,06 ± 0,49 46,06 ± 0,65 41,53 ± 0,45a 42,67 ± 0,22b Testes t não pareados

33 em ambas as plantas hospedeiras e para D. gilippus criadas em A. curassavica. No entanto, a proporção de machos foi maior (aproximadamente 2:1) em D. gilippus criadas em C. procera.

Discussão

Os experimentos tanto de campo quanto de laboratório confirmam a utilização e a adequabilidade da apocinácea não nativa (C. procera) como planta hospedeira por Danaus spp. Em campo, apenas uma larva de D. gilippus foi encontrada se alimentando em folhas desta hospedeira (amostragem de Setembro/2015). Quando comparado a D. erippus, este danaíneo ocorre em abundância consideravelmente menor, inclusive na hospedeira nativa (A. curassavica), o que pode justificar esta única ocorrência. No geral, a fauna acompanhante encontrada em Calotropis foi muito similar ao encontrado em Asclepias, no que diz respeito à riqueza de espécies. Embora indivíduos de A. curassavica e C. procera comumente portem imaturos de, ao menos, D. erippus, as larvas nunca são encontradas em grandes abundâncias. Esta observação é corroborada pelos baixos índices de herbivoria angariados para C. procera (presente estudo) e A. curassavica (P.P.S. Ferreira & D. Rodrigues, observação pessoal). As observações de campo indicam a existência de fatores que atuam no controle das populações dos danaíneos estudados (ver Zalucki & Kitching, 1982; Rodrigues et al., 2010). Dentre estes fatores, podemos apontar as pressões da planta hospedeira (bottom-up), de predadores (top-down) e da severidade das condições abióticas (Zalucki et al., 2002). Estes controles podem atuar de forma diferente de acordo com a planta hospedeira utilizada na fase larval, uma vez que a pressão exercida pelas plantas pode variar entre espécies, afetando de diferentes formas os componentes da história de vida das larvas. A hipótese inicial de que pressões bottom-up seriam predominantes quando D. erippus utiliza a planta hospedeira exótica não foi corroborada. O fator “planta hospedeira” não alterou de forma significativa a permanência das larvas. Em adição, as larvas submetidas ao tratamento protegido apresentaram significativo aumento da permanência em ambas as hospedeiras. Não foram observados eventos de predação, nem ocorrência de possíveis

34 predadores/parasitoides forrageando nos locais de observação. Dentre os principais inimigos naturais de Danaus spp., são apontados coccinelídeos – larvas e adultos do gênero Harmonia (Koch et al., 2003) – e vespídeos do gênero Polistes (Zalucki & Kitching, 1982; D. Rodrigues e JR Trigo, observação pessoal) entre os predadores, e dípteros da família Tachinidae entre os parasitóides (Dias, 1978; Oberhauser et al., 2007). Alguns trabalhos evidenciam que a predação tem grande impacto sobre a sobrevivência de insetos imaturos (Montlor & Bernays, 1993; Cornell & Hawkins, 1995). No entanto, é possível que este fator seja superestimado, em especial para larvas no início da ontogenia, cujo desaparecimento é amplamente atribuído a predação (Zalucki et al., 2002). Larvas nos primeiros ínstares apresentam tamanho muito reduzido, dificultando sua observação, e podem desaparecer em poucas horas após a morte. Nestes casos, a predação precisa ser investigada em experimentos adicionais (e.g. Montlor & Bernays, 1993; Bernays, 1997). Uma vez que as larvas apresentam tamanho reduzido e movimento limitado, os aspectos físicos do ambiente, que incluem características físicas das plantas hospedeiras e condições microclimáticas, podem ser críticos para a sobrevivência de larvas iniciais (Zalucki et al., 2002). No que diz respeito às condições microclimáticas, não foram encontradas diferenças significativas quando comparadas a temperatura e umidade entre tratamentos (dados não apresentados). No entanto, essas medições não incluem a ocorrência de vento e chuva, que são fenômenos frequentes nas localidades onde os experimentos foram conduzidos. Alguns estudos apontam a chuva entre os principais fatores que causam mortalidade em larvas recém-eclodidas (e.g. Harcourt, 1966; Caldas, 1992). De fato, houve desaparecimento de 18% das larvas observadas em C. procera após uma forte chuva, todas do tratamento exposto. Neste contexto, a proteção das larvas contra inimigos naturais também previne a queda da planta hospedeira, contribuindo para sua permanência. Portanto, o efeito significativo do tratamento exposto / protegido sobre a permanência das larvas de D. erippus em ambas as plantas hospedeiras pode ser atribuído a pressões abióticas como ventos e precipitação. Houve uma redução marginalmente significativa na permanência das larvas observadas em C. procera, que sugere a existência de uma pressão

35 bottom-up exercida por esta hospedeira sobre as larvas de D. erippus em campo. No entanto, quando avaliada a performance de larvas de D. erippus e D. gilippus criadas sob condições controladas em cada uma das plantas hospedeiras, não foram encontradas diferenças na sobrevivência. Sobreviver na planta hospedeira exótica, contudo, acarreta em um aumento no tempo de desenvolvimento de ambos os danaíneos, indicando a existência de trade-off fisiológico nas larvas (sensu Stearns, 1992). É importante ressaltar que um aumento no tempo de desenvolvimento implica em maior exposição a predadores e condições ambientais, representando um risco para as larvas (Bernays, 1997, Schoonhoven et al., 1998) e um atraso no início do período reprodutivo. Ainda, o comprimento da asa anterior de D. gilippus que utilizaram C. procera foi significativamente maior. É possível que esta diferença seja devido a uma maior proporção de machos que foram criados nesta hospedeira (aproximadamente 2:1), comparado a A. curassavica (1:1). A razão sexual se manteve próxima a 1:1 para D. erippus em ambas as plantas hospedeiras. No geral, o tamanho dos machos é positivamente relacionado ao sucesso reprodutivo, especialmente em espécies poligâmicas (Wiklund & Forsberg, 1991), o que reforça uma seleção por machos maiores que fêmeas. Ainda, observações pessoais e alguns trabalhos (e.g. Malcolm & Slager, 2015) sugerem que, dentro do gênero Danaus, machos apresentam asa ligeiramente maior que fêmeas. As razões para este ligeiro dimorfismo sexual permanecem desconhecidas. Outro fator que pode ter contribuído para esta diferença foi o pequeno tamanho amostral, reduzido ainda mais pela mortalidade das larvas. De acordo com Pearse & Altermatt (2013), as interações entre herbívoros nativos e plantas introduzidas podem ser previstas através das relações taxonômicas destas plantas com aquelas nativas. O sistema aqui estudado se enquadra na previsão de que plantas não nativas que pertencem à mesma família de uma planta hospedeira nativa tem maior probabilidade de ser colonizada pelos insetos hóspedes da contraparte nativa. Uma possível explicação para esta relação é o processo de ajuste ecológico, uma vez que a interação surge a partir do conjunto de atributos que cada espécie possui no momento, de acordo com sua história evolutiva prévia (Janzen, 1985; Agosta, 2006). Desta forma, quanto mais próxima a relação de parentesco entre a espécie exótica e a nativa, maior seriam as semelhanças taxonômicas

36 compartilhadas. Neste sentido, o ajuste ecológico é um mecanismo adicional para o surgimento e persistência de novas interações, podendo desencadear processos de coevolução e coespeciação a posteriori (Agosta, 2006; Strauss et al., 2006; Agosta & Klemens, 2008). Estudos prévios verificaram relações de preferência de oviposição entre D. plexippus e apocináceas nativas e exóticas, mostrando que fêmeas desta espécie exibem alta preferência pela hospedeira nativa em testes de dupla escolha (DiTommaso & Losey, 2003; Mattila & Otis, 2003). É preciso investigar este tipo de relação entre D. erippus e D. gilippus e as apocináceas nativas e exóticas abordadas neste estudo, para inferir possíveis impactos da introdução de C. procera e sua utilização sobre A. curassavica e sua interação com os danaíneos nativos. Aparentemente, a ocorrência de D. erippus e D. gilippus na Restinga do Xexé se dá pela presença de C. procera e sua utilização como hospedeira. No que diz respeito à performance destes danaíneos, embora apresentem um tempo de desenvolvimento mais longo e, portanto, menos vantajoso quando criados em C. procera, não existem diferenças na sobrevivência quando comparada entre hospedeiras.

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CAPÍTULO II

SABOTAGEM DE Danaus spp. EM DUAS ESPÉCIES DE APOCYNACEAE: ANATOMIA FOLIAR OU PLASTICIDADE FENOTÍPICA?

Trabalho desenvolvido com a colaboração da Profª. Drª. Dulce Gilson Mantuano (Departamento de Botânica, IB, UFRJ 43

Introdução

A folivoria pode ser considerada o hábito alimentar predominante entre os insetos (Coley & Barone, 1996; Price et al., 2011). Tendo em vista que as folhas são órgãos fotossintéticos essenciais para as plantas, este tipo de herbivoria pode afetar amplamente o crescimento e reprodução nas plantas (Strauss et al., 1996; Lehtilä & Strauss, 1999). À custa de uma redução na aptidão, muitas plantas conseguem tolerar esta perda de biomassa causada pela herbivoria (Agrawal et al., 1999; Strauss & Agrawal, 1999). Diante desta intensa pressão dos herbívoros, as plantas desenvolveram uma variedade de barreiras físicas e químicas para reduzir sua suscetibilidade aos inimigos naturais (Coley et al., 1985; Stamp, 2003). Dentre as defesas anti-herbivoria apresentadas pelas plantas, destaca-se o látex. Presente em cerca de 10% das angiospermas, totalizando mais de vinte mil espécies distribuídas em mais de quarenta famílias (Farrel et al., 1991; Lewinsohn, 1991), o látex consiste de uma suspensão aquosa de composição química diversificada (Agrawal & Konno, 2009). Muitas espécies vegetais apresentam compostos bioativos considerados tóxicos para uma variedade de organismos, como alcalóides, glicosídeos cardioativos e terpenos, na composição de seu látex (Hagel et al., 2008). Esta toxicicidade, juntamente com suas propriedades adesivas, fazem do látex uma poderosa defesa contra herbívoros mandibulados (Agrawal & Fishbein, 2008; Agrawal & Konno, 2009). A exsudação de látex sobre tecidos danificados surgiu de forma independente em diferentes linhagens de plantas, sendo considerada uma característica convergente (Metcalf, 1967; Lewinsohn, 1991). No entanto, a forma de produzir e armazenar o látex é bem conservada entre as espécies e se dá através de células vivas – os laticíferos (Hagel et al., 2008; Agrawal & Konno, 2009). Os laticíferos podem ser classificados em dois tipos, baseados em sua ontogenia e morfologia geral: os laticíferos não-articulados são formados a partir de uma única célula, que se alonga durante o crescimento da planta e pode ou não apresentar ramificações; os laticíferos articulados se originam a partir de múltiplas células, que podem se conectar através de anastomoses laterais nas paredes celulares, formando uma espécie de rede (Agrawal & Konno, 2009).

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Como esperado em um cenário de coevolução escape-e-radiação (sensu Thompson, 1989), muitas espécies de insetos herbívoros apresentam formas de lidar com as defesas de látex, como tolerância ao contato com este composto (Compton, 1987; 1989; Braswell & Ott, 2000). Em adição, algumas espécies apresentam o comportamento de sabotagem de laticíferos. Este comportamento consiste em desativar os laticíferos utilizando a mandíbula, com a finalidade de reduzir o contato com látex ao se alimentar (Compton, 1987; 1989; Dussourd, 1999; 2017). Como apontado por Zalucki & Malcolm (1999) e Zalucki et al. (2001), ao despressurizar o látex de Asclepias curassavica L., larvas de Danaus plexippus (Linnaeus, 1758) apresentaram um aumento na sobrevivência e redução no tempo de desenvolvimento. Ainda, são reportadas na literatura diferentes formas de sabotagem empregadas por insetos herbívoros mandibulados, dentre as quais destacam-se o corte único de nervura (vein-cutting) e a trincheira (trenching) (Dussourd & Denno, 1991; Dussourd, 2009; 2017). O primeiro tipo se refere a um corte único de nervura – central ou secundária – que reduz a exsudação de látex na porção distal ao corte; já a trincheira é caracterizada por linhas contínuas (retas ou circulares) de cortes, que isolam uma porção da folha (Dussourd & Denno, 1991; Dussourd, 1999; Dussourd, 2009; Ferreira & Rodrigues, 2015; Dussourd, 2017). De acordo com a literatura vigente (Dussourd & Denno, 1991, Dussourd, 2009; Dussourd, 2017), existe uma correspondência entre a anatomia dos laticíferos da planta hospedeira e o tipo de sabotagem empregada. O corte único de nervura seria empregado predominantemente em plantas com laticíferos não-articulados, enquanto a trincheira seria uma estratégia mais eficiente para desativar laticíferos articulados. No entanto, alguns estudos com danaíneos neotropicais contrariam esta hipótese. Rodrigues et al. (2010) observaram que larvas de Danaus erippus (Cramer, 1775) realizam corte único de nervura, quando capazes, em folhas de A. curassavica, uma apocinácea de laticíferos articulados (Demarco & Castro, 2008). Em adição, foi verificado que ínstares iniciais de Danaus gilippus (Cramer, 1775) apresentam comportamento de sabotagem em trincheira quando se alimentam de Asclepias syriaca L. (Dussourd & Eisner, 1987), cujos laticíferos são do tipo não- articulado (Wilson et al., 1976). Ainda, quando observadas em A. curassavica,

45 larvas desta espécie apresentam variações na frequência dos diferentes tipos de sabotagem ao longo da ontogenia (Ferreira & Rodrigues, 2015). No primeiro capítulo desta dissertação foi investigada a interação entre danaíneos – D. erippus e D. gilippus – e uma apocinácea não nativa – Calotropis procera (Aiton) R. Br., bem como sua performance ao utilizar esta planta como hospedeira durante a fase larval. Contudo, o entendimento de como o comportamento de herbívoros nativos pode ser influenciado por uma planta hospedeira exótica, que aparentemente difere em relação às hospedeiras nativas, permanece pouco explorado (Hurley & Dussourd, 2015). O curto período de interação entre estes danaíneos e a planta hospedeira exótica (ca. de 100 anos, de acordo com a data da introdução) pode ocasionar, por exemplo, uma falta de correspondência entre o arranjo dos laticíferos e sua sabotagem, através de mudanças no tipo ou até mesmo na frequência deste comportamento. É conhecido que D. erippus e D. gilippus empregam o comportamento de sabotagem para desativar laticíferos de sua planta hospedeira nativa, A. curassavica, e que a frequência e o tipo de sabotagem empregada variam entre as espécies (Rodrigues et al., 2010; Ferreira & Rodrigues, 2015). Em adição, C. procera é uma apocinácea exótica que apresenta exsudação de látex quando danificada. Contudo, a anatomia de seus laticíferos, bem como o comportamento de sabotagem empregado por estes danaíneos, ainda não foi investigado. A interação entre danaíneos nativos e uma apocinácea exótica oferece a oportunidade de entender a relação entre a exsudação de látex como defesa e as adaptações para sobrepujá-la (Hurley & Dussourd, 2015), em um sistema onde a interação entre os organismos é recente, quando comparado à interação com a planta hospedeira nativa (em escala de centenas ou milhares de anos, respectivamente). Diante deste cenário, os objetivos deste capítulo são: 1) examinar e comparar a frequência do comportamento de sabotagem de laticíferos empregado por Danaus erippus e Danaus gilippus nas apocináceas nativa e exótica; 2) caracterizar a anatomia dos laticíferos de Calotropis procera e comparar ao que é estabelecido na literatura para hospedeira nativa, Asclepias curassavica e 3) comparar atributos físicos das folhas de A. curassavica e C. procera, que podem atuar como defesas anti-herbivoria. A hipótese central é que o comportamento de sabotagem será mais frequente na hospedeira

46 exótica, visto que o tempo de interação entre os danaíneos e esta hospedeira é consideravelmente menor, e portanto estes herbívoros demandariam mais tempo para desativar as defesas de látex da planta hospedeira exótica. Adicionalmente, C. procera aparenta ter maior dureza e exsudação de látex quando danificada que A. curassavica, o que demandaria uma sabotagem mais intensa para driblar estas barreiras à herbivoria nesta espécie.

Material e métodos Sabotagem de Danaus spp. Durante as observações instantâneas realizadas no experimento de desempenho (capítulo 1), as larvas de D. erippus e D. gilippus em C. procera foram diariamente inspecionadas no que diz respeito aos registros de sabotagens feita pelas larvas (N = 10 / espécie de danaíneo), através de danos provocados em nervuras e limbo das folhas. Desta forma, foi registrado o primeiro tipo de sabotagem observado (quando existente) em cada instar. Com estas informações, foram calculadas as frequências relativas de cada tipo de sabotagem em C. procera para cada instar em ambos os danaíneos. Para fins de comparação, foram calculadas as frequências relativas de sabotagem em A. curassavica, através dos dados publicados por Rodrigues et al. (2010) para D. erippus, e por Ferreira & Rodrigues (2015) para D. gilippus. Através de Testes Exatos de Fisher, foram feitas comparações entre as frequências de sabotagem em cada apocinácea, e entre danaíneos criados em uma mesma planta hospedeira. Em adição, foi feita uma medida qualitativa da exsudação de látex nas folhas de C. procera, quando danificadas pelas larvas durante o processo de alimentação e/ou sabotagem. Durante as inspeções da sabotagem larval, foi registrado o diâmetro da exsudação de látex ou seu vestígio (uma observação / instar / larva / espécie de Danaini), e comparado com o observado em A. curassavica por Rodrigues et al. (2010) e Ferreira & Rodrigues (2015).

Laticíferos de Calotropis procera Primórdios foliares e folhas completamente expandidas de Calotropis procera foram obtidos a partir de indivíduos provenientes do campo (Restinga do Xexé) ou cultivados em condições seminaturais (casa de vegetação)

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(capítulo 1). Amostras do terço médio das folhas completamente expandidas foram fixadas em FAA 70%, posteriormente reidratados e seccionados em seção transversal. As seções foram coradas com solução de Vermelho Safranina e Azul de Astra na proporção 9:1 e montadas em água glicerinada. Deste modo, foi possível determinar a distribuição dos dutos laticíferos no mesofilo. Para examinar a ontogenia da formação dos dutos laticíferos em C. procera, amostras dos ápices de desenvolvimento e primórdios foliares foram fixados em FAA 70% ou coletados frescos, para posteriormente receberem o mesmo tratamento descrito para as folhas expandidas. A distribuição dos dutos laticíferos no mesofilo em disposição longitudinal foi observada a partir de amostras diafanizadas do limbo. Para isto, áreas da lâmina foliar foram tratadas com hidróxidos de sódio 5% por 24hs e posteriormente foram clarificadas com hipoclorito de sódio 2,5% por cinco minutos. Estas etapas foram intercaladas com lavagens em água destilada. Para a coloração, as amostras foram desidratadas em série alcoólica até 70% com intervalos de uma hora entre as etapas, coradas em safranina em solução hidro-alcoólica de 50% durante 3 minutos e reidratadas em serie alcoólica com intervalos de 20 minutos. As lâminas foram montadas em água glicerinada e lutadas com esmalte incolor para posterior observação em microscópio óptico (Olympus Bx51) e confocal de alta resolução (Leica TCS SPE). A densidade de dutos laticíferos e venação por unidade de área foliar foi mensurada através de câmera clara. Imagens foram obtidas em microscópio ótico acoplado à câmera digital e analisadas no software Image J.

Atributos foliares das plantas hospedeiras Um total de dez folhas por espécie de hospedeira foi coletado em indivíduos diferentes, nas localidades da REGUA (A. curassavica) e Restinga do Xexé (C. procera). Imediatamente após a coleta, as folhas foram armazenadas em ziplock contendo papel toalha umedecido e postas na geladeira. Foram selecionadas folhas não danificadas, não senescentes, completamente expandidas e posicionadas entre o terceiro e o sexto nó. As medidas foram feitas em laboratório cerca de 24 horas após a coleta. Os atributos selecionados foram área, espessura e dureza do limbo foliar, e densidade de tricomas nas epidermes.

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As áreas foliares de C. procera e A. curassavica foram obtidas através das medidas de comprimento (base do pecíolo até o ápice foliar, sobre a nervura central) e largura (região de maior largura, perpendicular à nervura central). Estas, por sua vez, foram obtidas com régua milimetrada. Após, utilizou-se a fórmula para calcular a área de uma elipse (A = 퐶표푚푝푟푖푚푒푛푡표 x 2 퐿푎푟푔푢푟푎 x π). A espessura do limbo foi medida com a utilização de um 2 paquímetro digital (Mitutoyo®) na porção mediana da folha, evitando-se as nervuras secundárias. A dureza foi caracterizada através da força necessária para perfurar a folha (protocolo de punch tests segundo Pérez-Harguindeguy et al. 2013). Para isso, foi utilizado um penetrômetro acoplado a uma Pesola®. A folha utilizada para medida foi posicionada entre duas placas de acrílico com perfurações de 5 mm de diâmetro perpendicularmente alinhadas, por onde o penetrômetro foi inserido para fazer a medida. Foram feitas três medidas em cada uma das folhas (regiões basal, mediana e apical da folha), das quais foi extraída uma média. A medida de grama-força (gF) obtida na perfuração foi transformada em Newton (N) e dividida pelo diâmetro do penetrômetro (1,70 mm), obtendo-se assim a força necessária por unidade de área para romper o limbo foliar. Em adição, foi quantificada a densidade de tricomas nas duas plantas hospedeiras, com observação das lâminas diafanizadas em microscópio óptico (Olympus Bx51) (N=10 / hospedeira). As lâminas de A. curassavica foram montadas seguindo o mesmo procedimento utilizado para C. procera. Em cada amostra foram selecionados três campos não sobrepostos para a contagem de tricomas nas duas epidermes da folha. Para as lâminas de A. curassavica a visualização do campo foi feita com a objetiva de 10x, o que permitiu a visualização de um campo de 3,14 mm². Para C. procera a objetiva utilizada foi de 20x devido à alta densidade de tricomas, o que permitiu a visualização de um campo de 0,79 mm². Desta forma, a visualização dos três campos totalizou uma área amostrada por indivíduo de 9,42 mm² para A. curassavica e 2,36 mm² para C. procera. Foi considerado o número médio de tricomas/mm² por hospedeira, para a comparação entre as mesmas. Os valores de cada atributo mensurado foram testados quanto a sua normalidade (Testes de Shapiro-Wilk e Komolgorov-Smirnov) e

49 homocedasticidade (Teste de Bartlett), e posteriormente comparados entre as plantas hospedeiras através de Testes t não pareado. Quando violado o princípio da normalidade, os dados foram log transformados. As análises foram feitas no programa GraphPad Prism 5. Por fim, foram feitas imagens em microscopia eletrônica de varredura de baixo vácuo (JEOL JSM-6490LV) a fim de caracterizar a superfície foliar de ambas as espécies de plantas hospedeiras. Foram coletadas folhas frescas (N=5) de cada espécie, de onde foram removidas partes do limbo e acondicionadas em suportes metálicos (stubs) para observação no microscópio. Ambas as faces da folha foram analisadas.

Resultados Sabotagem de Danaus spp. Larvas de D. erippus e D. gilippus apresentaram o comportamento de sabotagem quando criadas na hospedeira exótica, C. procera. Contudo, este diferiu em frequência e tipo do que foi observado para ambos os danaíneos na hospedeira nativa, A. curassavica (Figura 7). Houve um aumento significativo na frequência de sabotagem de D. erippus (P = 0,0208) e uma diminuição para D. gilippus (P = 0,0008) em C. procera, quando comparadas às respectivas frequências em A. curassavica. A frequência média de sabotagem de D. gilippus foi significativamente maior a de D. erippus quando ambas foram observadas em A. curassavica (P = 0,0001). Contudo, quando observadas em C. procera, a frequência de sabotagem não diferiu entre os danaíneos (P = 0,0626). Embora existam apenas registros de sabotagem do tipo vein-cutting (corte único de nervura – central, secundária ou pecíolo) para D. erippus quando observada em A. curassavica (Rodrigues et al., 2010), em C. procera esta espécie realizou também sabotagem do tipo trenching (trincheira – corte múltiplos de nervuras). Por outro lado, o comportamento de sabotagem de D. gilippus, que em A. curassavica é sempre observado anteriormente a alimentação, se tornou menos frequente na hospedeira exótica. É possível notar que alguns padrões foram mantidos entre os tratamentos: a maior frequência de sabotagem em trincheira é observada nos ínstares iniciais, e diminui com a ontogenia da larva. Em contrapartida, a frequência de corte

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único aumenta nos ínstares mais tardios (Figura 7). Em todas as observações onde ocorreu sabotagem de laticíferos em C. procera (N ≈ 8 / instar / espécie de Danaini – com exceção do primeiro instar de ambas, onde a sabotagem raramente foi observada) foram encontrados vestígios de látex, contrariamente a A. curassavica. No geral, as gotas de látex mensuradas em C. procera atingiram cerca de 3 mm de diâmetro, independente do instar larval.

Laticíferos de Calotropis procera Foi observado que os dutos secretores de látex em C. procera apresentam lúmen mais amplo que as demais células do parênquima circundante, paredes celulósicas levemente espessadas, e ramificações frequentes (Figura 8). A ocorrência dos laticíferos na folha foi, em grande frequência, próxima aos feixes vasculares, porém foi possível encontrá-los em toda a espessura do mesofilo. A distribuição dos dutos laticíferos permeou os tecidos vascular e fundamental, tanto da folha quanto do caule. A ontogênese dos laticíferos de C. procera ocorreu precocemente no desenvolvimento do ápice caulinar, quando as demais células ainda se encontravam em estágio meristemático. O sistema de dutos laticíferos apresentou ramificações no início do seu desenvolvimento, em especial nas regiões nodais entre os dois primórdios foliares. A formação dos dutos foi do tipo articulado anastomosado, em que algumas células iniciais se fundiram (Figura 9), através da dissolução das paredes celulares ainda na região do ápice. Não foi possível observar fusões de células iniciais dos dutos secretores durante o desenvolvimento tardio. Apesar da característica articulada da formação dos dutos, não foram observadas anastomoses laterais. Desta forma, o crescimento intrusivo das células parece ter sido responsável pela expansão da rede de dutos durante o desenvolvimento do caule e folhas e, concomitantemente, responsável por suas ramificações. Através da microscopia confocal, foi possível observar que a rede de laticíferos de C. procera permeia todo o mesófilo da folha, com ramificações que vão de uma epiderme à outra (Figura 10). A densidade média de dutos laticíferos no limbo das folhas (visão paradérmica) corresponde a 13,53 ± 0,99 mm/mm-2 (média ± erro padrão), e é mais alta que a densidade de venação (tecidos vasculares), correspondente a 10,12 ± 1,27 mm/mm-2 (média ± erro

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Figura 7. Frequência de sabotagem empregada ao longo da ontogenia de D. erippus (larva com dois pares escolos) e D. gilippus (larva com três pares de escolos) em A. curassavica (folha alongada) e C. procera (folha arredondada), e seus respectivos tipos: barras brancas indicam sabotagem em “trincheira” (circular e reta); barras pretas indicam sabotagem do tipo “corte único” (de nervura central, secundária ou pecíolo) (ver Ferreira & Rodrigues, 2015). A frequência de sabotagem em A. curassavica foi retirada de Rodrigues et al. (2010) – para D. erippus – e de Ferreira & Rodrigues (2015) – para D. gilippus.

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Figura 8. Duto laticífero em Calotropis procera (seta) em microscopia óptica. Barra = 100 μm.

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Figura 9. Dutos laticíferos em primórdios foliares de Calotropis procera, em microscopia óptica. É possível distinguir duas células em fase anterior a dissolução da parede celular (seta preta) e fusão, para formar laticíferos do tipo articulados anastomosados. Barra = 25 μm. 54

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Figura 10. Folha de Calotropis procera em microscopia confocal. Os laticíferos são observados em todas as imagens com emissão de fluorescência. As imagens A – B correspondem à porção mais próxima da epiderme adaxial, C – D uma porção intermediária em torno do feixe vascular, enquanto as imagens E – F se aproximam da epiderme abaxial. Todas as imagens pertencem a um mesmo campo visual.

56 padrão). Contudo, houve diferença marginalmente significativa entre ambas as densidades acima (Teste t pareado, P = 0,0564).

Atributos foliares das plantas hospedeiras Em comparação a A. curassavica, C. procera teve de valores significativamente maiores de área e espessura foliar, necessitou de maior força para ter seu limbo perfurado e apresentou maior densidade de tricomas em sua epiderme (Testes t não pareados, P > 0,05 para todas as comparações) (Figura 11a, b, c, d). No tocante à epiderme de A. curassavica, tricomas simples filiformes foram esparsamente encontrados. A epiderme apresentou aspecto rugoso, com algumas reentrâncias, bem como uma fina camada de cera revestindo-a (Figura 12a e 12b). Em contrapartida, foi possível evidenciar uma grande quantidade de tricomas do mesmo tipo em C. procera, principalmente na epiderme abaxial (Figura 12c). A epiderme adaxial, por sua vez, apresentou um revestimento amplo e espesso de cera epicuticular (Figura 12d), tornando a superfície da folha lisa e homogênea. Foi possível observar os estômatos em certa profundidade devido à presença de uma camada de cera revestindo a epiderme.

Discussão

Ambos os danaíneos alteram o comportamento de sabotagem ao utilizar a planta hospedeira exótica – C. procera, tendo como referencial a sabotagem empregada na hospedeira nativa e de ampla utilização – A. curassavica (Rodrigues et al., 2010; Ferreira & Rodrigues, 2015). Contudo, essa mudança se dá em sentidos diferentes: D. erippus passa a sabotar em maior frequência, confirmando a hipótese de que a sabotagem seria mais frequente na hospedeira não nativa. Por outro lado, houve diminuição na frequência de sabotagem de D. gilippus em primeiro instar, contrariando esta mesma hipótese. Esta diminuição possivelmente é causada por limitações morfológicas de ínstares iniciais destas larvas frente às características de C. procera – as larvas de D. gilippus são ligeiramente menores quando comparadas

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Figura 11. Atributos foliares de A. curassavica e C. procera (N = 10 folhas / hospedeira; média ± DP). Para cada gráfico, letras diferentes acima das barras denotam diferença significativa entre as plantas hospedeiras. (Testes t não pareados, P > 0,05 em todas as comparações).

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Figura 12. Microscopia eletrônica de varredura de baixo vácuo da superfície abaxial e adaxial, em folhas frescas de Asclepias curassavica (A e B) e Calotropis procera (C e D). Tricomas são indicados pelas setas. Barras: A = 20 μm; B = 50 μm; C = 200 μm; D = 100 μm.

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a ínstares equivalentes de D. erippus (PPS Ferreira, observação pessoal). Estas variações na frequência de sabotagem sugerem a existência de uma plasticidade comportamental destes danaíneos, com ajustes na frequência e tipos de sabotagens empregados ao longo da ontogenia larval e de acordo com a planta hospedeira utilizada. O comportamento de sabotagem de D. erippus e D. gilippus, ao utilizar A. curassavica como planta hospedeira, é marcado por uma grande variação em frequência e tipo. No entanto, quando comparadas as frequências de sabotagem entre as duas espécies danaíneos ao utilizar C. procera, não foram encontradas diferenças significativas. Desta forma, é possível que outras características físicas de C. procera imponham limitações à tomada de decisões por larvas de ambas as espécies. Como evidenciado nas comparações feitas neste capítulo, a planta hospedeira exótica apresenta maiores valores de área, espessura, dureza e densidade de tricomas. Essas características podem representar maiores barreiras não só a herbivoria desta espécie, mas também a sabotagem de seus laticíferos. A espessura e a dureza estão relacionadas com a dificuldade de romper e perfurar a superfície foliar, e são tradicionalmente vistas como barreiras físicas contra herbívoros (Feeny, 1976; Matsuki et al., 2004). Em adição, tricomas e ceras epicuticulares, que atuam na regulação da temperatura e perda de água, também auxiliam na proteção da superfície foliar contra herbívoros (Agrawal, 1999; Traw & Dawson, 2002). Uma superfície foliar de maior área pode também oferecer maior dificuldade a sabotagem de seus laticíferos. Possivelmente, folhas de maior área apresentam uma rede de laticíferos mais extensa e, consequentemente, de maior complexidade na sua desativação. Como foi visto, houve grande redução na sabotagem por larvas em ínstares iniciais de D. gilippus – que possuem tamanho reduzido e pouca mobilidade, mesmo quando comparadas com as larvas de mesmo instar de D. erippus. Estas larvas realizam predominantemente sabotagem em trincheira (Ferreira & Rodrigues, 2015), que pode apresentar maior custo em folhas de maior área. Ainda, a exsudação de látex durante a sabotagem, que dificilmente é observada em A. curassavica (Rodrigues et al., 2010; Ferreira & Rodrigues, 2015; presente estudo), ocorre 60 sempre e em maior quantidade para C. procera (PPS Ferreira & D Rodrigues, observações pessoais). Tendo em vista a relação entre os atributos mensurados e a proteção mecânica e química (no caso do látex) que estes podem oferecer, C. procera seria uma hospedeira que apresenta maiores dificuldade à sua utilização por herbívoros mastigadores. Desta forma, a existência destas barreiras pode acarretar em um aumento no tempo de sabotagem (quando existente) e alimentação e, consequentemente, no tempo de desenvolvimento larval (e.g. Bowers, 2003; Clissold et al., 2009), como foi evidenciado no primeiro capítulo. Ainda, estes atributos teriam maior eficiência contra larvas em ínstares iniciais de desenvolvimento, que apresentam limitações de tamanho e mobilidade de forma que possam escapar ou sobrepujar essas defesas (ver revisão de Zalucki et al., 2002). De fato, a ontogenia larval pode representar uma limitação à realização da sabotagem por estes danaíneos, como é visto nas variações da frequência deste comportamento ao longo do desenvolvimento da larva (Clarke & Zalucki, 2000; Dussourd, 2009; Rodrigues et al., 2010). No que diz respeito ao tipo de sabotagem empregada, a anatomia dos laticíferos da planta hospedeira é tida o como principal fator que determina qual o comportamento será mais eficiente para reduzir a exsudação de látex na folha (ver Dussourd & Denno, 1991; Dussourd, 2009; 2017). No entanto, são encontradas incongruências na correspondência entre o comportamento de sabotagem de danaíneos neotropicais – D. erippus e D. gilippus – e a anatomia dos laticíferos da planta hospedeira utilizada – A. curassavica (Rodrigues et al., 2010; Ferreira & Rodrigues, 2015). Essas incongruências são reforçadas quando estes mesmos danaíneos são observados em C. procera, cujos laticíferos são classificados como do mesmo tipo encontrado para A. curassavica – articulados anastomosados (Demarco & Castro, 2008). Desta forma, a anatomia dos laticíferos da planta hospedeira não pode ser considerada como fator predominante para determinar o tipo de sabotagem empregado por estes danaíneos, contrariando a hipótese de Dussourd & Denno (1991). Como alternativa, a mediação do comportamento de sabotagem de laticíferos poderia se dar por outras características físico-químicas que não a anatomia dos laticíferos. Dussourd (1997) identificou moléculas presentes na

61 seiva de cucurbitáceas que estimulam a sabotagem em trincheira por Trichoplusia ni (Hübner, 1803). Tentativamente, Helmus & Dussourd (2005) não identificaram nenhuma molécula presente no látex de A. curassavica que estimulasse o comportamento de corte de nervuras por D. plexippus, o que permanece em aberto. Em adição, Hurley & Dussourd (2015) observaram que tricomas glandulares de uma hospedeira não nativa e com ausência de canais secretores, são capazes de estimular o comportamento de corte de nervuras em larvas de Chrysodeixis includens (Walker, 1858). Portanto, o atributo que estimula este comportamento poderia estar presente em outras estruturas além do próprio látex. Por fim, o comportamento de sabotagem de laticíferos é fruto da história evolutiva entre danaíneos e suas plantas hospedeiras, e pode estar em processo de se tornar um comportamento relictual (Ferreira & Rodrigues, 2015), em um cenário onde as plantas hospedeiras nativas estão reduzindo suas defesas de látex (Agrawal & Fishbein, 2008). Diante desta situação, a presença de uma planta hospedeira exótica poderia promover forças de seleção contrárias às plantas hospedeiras nativas, influenciando o rumo de interações herbívoro-planta locais.

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DISCUSSÃO GERAL

Os resultados obtidos no presente estudo indicam que Calotropis procera, uma apocinácea invasora que se espalhou por Restingas do litoral brasileiro (Rangel & Nascimento, 2011; Instituto Hórus, 2016), pode ser utilizada como planta hospedeira por danaíneos nativos – Danaus erippus e Danaus gilippus – durante a fase larval. Em laboratório, a performance de ambos os danaíneos nesta hospedeira foi pior quando comparada a performance na apocinácea nativa e de ampla utilização – Asclepias curassavica. Contudo, não foram encontradas diferenças na sobrevivência. Além destes herbívoros, alguns sugadores comumente encontrados em A. curassavica também foram observados se alimentando na planta hospedeira não nativa, como Aphis nerii e Oncopeltus fasciatus. A utilização da hospedeira exótica por espécies nativas contradiz as predições da hipótese de liberação do inimigo natural (enemy release hyphotesis, sensu Keane & Crawley, 2002). Estudos que incluem uma variedade de espécies de plantas e inimigos naturais, utilizando uma abordagem filogenética, vêm contestando a ampla utilização da hipótese de liberação do inimigo natural para explicar o sucesso da invasão por plantas (e.g. Agrawal & Kotanen, 2003; Agrawal et al., 2005; Colautti et al., 2004). Analisando múltiplas interações interespecíficas, Agrawal et al. (2005) demonstraram que o escape de uma guilda de inimigos naturais não implica no escape de outras. Desta forma, a liberação de inimigos naturais não deve ser vista como interações pontuais, e sim como uma rede de interações no espaço e tempo. Como alternativa, a hipótese das novas associações prediz que plantas invasoras são mais suscetíveis a herbívoros locais pela ausência de história evolutiva com estes inimigos e, portanto, ausência de defesas contra os mesmos. Esta hipótese foi confirmada para herbívoros polífagos (Parker & Hay, 2005; Parker et al., 2006) e oligófagos (Cogni, 2009), quando feitas comparações entre a suscetibilidade de hospedeiras nativas e exóticas. No entanto, para que esta hipótese seja corroborada em nosso sistema, é preciso entender as relações de preferência alimentar e de oviposição entre os danaíneos e as apocináceas aqui 67 estudadas, bem como o impacto que os herbívoros estudados têm sobre essas plantas hospedeiras. Em campo, foi verificado que, em ambas as hospedeiras, as larvas de D. erippus em ínstares iniciais estão sob forte pressão de seleção. Ainda, a mortalidade foi acentuadamente superior em C. procera. Este fato é corroborado pelo índice de herbivoria reduzido observado nesta hospedeira. Dentre as forças que podem ter contribuído para a mortalidade em campo, as condições abióticas como vento e chuva merecem destaque. Em adição, condições como vento e luz solar podem potencializar os efeitos do látex (que é superior em C. procera), ocasionando uma interação entre forças abióticas e bottom-up sobre as larvas. Estes fatores ambientais constituem uma importante fonte de mortalidade de larvas, especialmente naquelas em início de desenvolvimento (Zalucki et al., 2002). Quando realizado o experimento de performance larval em condições controladas, as larvas foram observadas até completarem seu desenvolvimento, e os índices de mortalidade foram consideravelmente menores. Desta forma, o controle exercido pelas condições abióticas sobre os herbívoros podem favorecer a invasão pela espécie não nativa (Mack et al., 2000; Colautti et al., 2004). O controle dos herbívoros por inimigo naturais, embora não tenha sido observado, também pode favorecer a invasão das espécies exóticas (enemy of my enemy hyphotesis; ver Colautti et al., 2004). Os eventos de predação são raros, e sua observação torna-se difícil pela velocidade em que ocorrem e tamanho diminuto dos organismos envolvidos. Além disso, a presença dos pesquisadores nas observações pode afastar possíveis predadores. A utilização de uma planta hospedeira exótica por herbívoros nativos pode ser explicada através da relação taxonômica da espécie invasora com as hospedeiras nativas utilizadas por estes herbívoros. De acordo com Pearse & Altermatt (2013), invasoras que pertençam à mesma família (ou menor grau taxonômico) de plantas nativas (como no sistema aqui abordado) têm maior probabilidade de serem colonizadas e utilizadas por herbívoros nativos. Desta forma, a história evolutiva entre herbívoros e plantas nativos pode ser o fator determinante para o estabelecimento de novas interações entre estes herbívoros e plantas não nativas. A interação “herbívoro nativo – planta exótica”, em um primeiro momento, ocorre através de atributos que foram

68 moldados na história evolutiva da interação “herbívoro – planta nativos”. Isto pode ser explicado pelo processo de ajuste ecológico (ecological fitting, sensu Janzen, 1985). Por exemplo, populações de Euphydryas editha (Boisduval, 1852) não apresentam diferenças na sobrevivência e desenvolvimento ao utilizar Collinsia parviflora Lindl. (hospedeira nativa) ou Plantago lanceolata L. (hospedeira exótica) durante a fase larval. No entanto, populações que tiveram contato prévio com a hospedeira exótica apresentam indivíduos que preferem esta hospedeira para oviposição (Thomas, 1987). Ainda sobre o ajuste ecológico, é possível observar que larvas de D. erippus e D. gilippus sabotam intensamente os laticíferos de C. procera. Este comportamento provavelmente surgiu ao longo da história evolutiva Danaus – Apocynaceae como forma de driblar a exsudação de látex na planta hospedeira (Dussourd & Denno, 1991; Zalucki & Brower, 1992; Dussourd, 1999;), e é observado com frequência (ou sempre, no caso de D. gilippus) durante o desenvolvimento larval destes danaíneos em A. curassavica (Rodrigues et al., 2010; Ferreira & Rodrigues, 2015). Diferenças observadas nas frequências médias de sabotagem entre as hospedeiras refletem a plasticidade deste comportamento frente aos atributos de cada espécie de planta. No entanto, não são encontradas diferenças nas frequências de sabotagem entre danaíneos quando criados em C. procera, indicando que a acentuada resistência à herbivoria por esta apocinácea restringe o tipo e a frequência de sabotagem em ambos os herbívoros. A plasticidade no comportamento de sabotagem de D. erippus e D. gilippus também foi evidenciada em estudos anteriores, quando estas espécies são expostas a folhas artificialmente danificadas, modificando seu padrão de sabotagem (Rodrigues et al., 2010; Ferreira & Rodrigues, 2015). Desta forma, a tomada de decisões pela larva é determinante para a ocorrência (ou não) da sabotagem, bem como do tipo empregado, frente às características e condições da planta hospedeira.

Considerações finais

De acordo com os resultados encontrados nesta dissertação, as histórias de vida de D. erippus e D. gilippus em uma apocinácea nativa (A. curassavica) ou não nativa (C. procera) de sua área de distribuição diferem na

69 sobrevivência larval em campo, no tempo de desenvolvimento e na frequência do comportamento de sabotagem de laticíferos. A utilização da planta hospedeira exótica oferece riscos à sobrevivência de ínstares iniciais destes herbívoros. No entanto, mesmo conferindo grande mortalidade, a utilização de C. procera mantém populações de Danaus spp. em áreas onde a hospedeira nativa não ocorre, atuando positivamente ao expandir a distribuição destes danaíneos. As variações nas frequências de sabotagem das larvas mostram uma plasticidade deste comportamento, contrariando a hipótese de sua mediação pela anatomia dos laticíferos da planta hospedeira. Para inferir sobre o impacto dos danaíneos sobre a dinâmica populacional de cada apocinácea, é preciso examinar as relações de preferência alimentar das larvas e de oviposição entre as hospedeiras nativas e exóticas, bem como os impactos dos herbívoros sobre a biomassa e reprodução das plantas. Em adição, é importante investigar a existência de adaptações locais para utilização de C. procera por parte dos folívoros e sugadores amostrados nesta espécie, bem como sua influência na dinâmica de interações herbívoro – Apocynaceae locais.

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