“Red” Haifa: Impressões Visuais E Mensagens Sociais Através De Charges E Ilustrações Do Artista Palestino Abed Abdi (1972-1982)
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TRAÇOS DE UMA “RED” HAIFA: IMPRESSÕES VISUAIS E MENSAGENS SOCIAIS ATRAVÉS DE CHARGES E ILUSTRAÇÕES DO ARTISTA PALESTINO ABED ABDI (1972-1982). CAROLINA FERREIRA DE FIGUEIREDO Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) [email protected] Este estudo tem por objetivo abordar, a partir de um pequeno fragmento, a singular interação entre o universo das imagens e a luta política na Palestina. Esta questão foi suscitada a partir de um primeiro estudo da obra de três artistas, de gerações diferentes, a partir de suas relações com o Al-Nakba, o que tornou possível compreender como a linguagem visual serviu ao processo de expressão do trauma (FIGUEIREDO, 2013, 2014). Visando aprofundar a compreensão das reverberações visuais na experiência política de artistas (e) palestinos, serão exploradas imagens de apelo cotidiano e de grande alcance, em especial charges e ilustrações, produzidas pelo 1 artista palestino Abed Abdi entre os anos de 1972 e 1982. O termo Al-Nakba significa “catástrofe” em árabe, e foi cunhado para designar os eventos de 1948, precisamente a criação do Estado de Israel. Abed Abdi é perpassado pelo Al-Nakba, visto que, com 6 anos, foi obrigado a sair de Haifa, sua cidade natal. Vivendo em um Campo de Refugiados no Líbano durante três anos, Abed e sua família obtiveram a permissão para voltar a Haifa, que tornara-se território israelense, onde o pai permanecera desde 1948. Abed filiou-se ao Partido Comunista ainda muito jovem, fato determinante para sua formação política e artística. Em 1962, tornou-se o primeiro árabe a fazer parte da Israeli Artists Association, o que dois anos depois rendeu-lhe uma bolsa para estudar arte na Europa Oriental patrocinada pelo Partido Comunista de Israel (ANKORI, 2006, p. 19). Abdi morou e estudou arte por oito anos em Dresden, na Alemanha Oriental, e teve como professores Lea Grundig, G. Bondzin e G. Kettner1. Sobre suas produções, o artista ressalta a importância da arte com uma práxis. 1 Informações obtidas através do site oficial do artista. Disponível em: <http://abedabdi.com/index.php/en/bio>. Acesso: nov./2013. ...Quando os canhões trovejaram em Golã [Colinas] e nos bancos do Canal [de Suez], e quando o futuro da região estava em risco, eu relembrei das palavras de Pablo Picasso e no meu trabalho eu disse “não à guerra” de acordo com as minhas crenças artísticas; arte deve ser comprometida e ter um papel.2 Em busca de compreender estes e outros processos de criação do artista, as implicações de suas filiações ideológicas, delimitei a pesquisa para dois tipos de produções do artista: (1) charges publicadas no Jornal Al-Itthad (1972-1981), (2) ilustrações produzidas para a Revista Literária Al-Jadid (1980-1982). O jornal Al-Itthad foi criado em Haifa em 1944, ainda antes da criação do Estado de Israel. Após 1948, o jornal passou a ser o primeiro periódico em língua árabe produzido em Israel, sendo considerado até hoje um dos jornais mais importantes da região. Pertence à Maki, o Partido Comunista de Israel. A revista literária Al-Jadid publicou as crônicas do famoso escritor Salman Natour, que estavam aglutinadas em um livro chamado Wa ma nasina (Nós não esquecemos), sendo relatos de pessoas sobre o Al-Nakba de 1948. No período de 1980-1982, cada história na revista começava com uma ilustração de Abdi. Ainda que com objetivos diferentes, visto que a charge apresenta cunho mais 2 imediatista, enquanto as ilustrações apresentam diferentes formas de conexão com o texto, bem como uma distinta carga dramática, procuro identificar possíveis relações entre tais modos de expressão, partindo das intenções do artista na produção de suas narrativas visuais. Procurarei analisá-las enquanto produções destinadas a diferentes suportes e com finalidades singulares. O universo visual, nesse cenário, mostra-se um canal eficiente e fundamental na construção do problema. Os vínculos singulares estabelecidos entre arte e política na trajetória de Abed Abdi dão mostra dos papéis delegados às imagens, verdadeiros instrumentos de luta, resistência e identificação. É através de narrativas visuais que são compartilhados estímulos sensoriais e sentimentais que funcionam como símbolos culturais no interior de um olhar formado no seio da conflituosa história política da região. Assim, é possível enviesar a análise desses documentos sob duas perspectivas: a 2 Tradução livre do original: “...When the cannons thundered on the Golan [Heights] and the banks of the [Suez] Canal, and when the future of the region was at risk, I recalled the words of Pablo Picasso and in my work I said “no to war” in accordance with my artistic beliefs; art must be committed and play a role”. Disponível em: <http://abedabdi.com/index.php/en/reviews/142-abed-abdi-wa-ma-nasina-we-have-not- forgotten>. Acesso: nov./2013. primeira se refere aos procedimentos e tecnologias específicas mobilizadas pela linguagem pictórica; a segunda se refere à característica da (re)apresentação dos artistas, isto é, ao “conteúdo” narrativo propriamente dito. Justo nesta articulação encontra-se a perspectiva de análise aqui adotada, buscando relacionar a sensibilidade aos elementos visuais e ao ímpeto de estabelecer relações temporais tão caros ao historiador. As charges produzidas por Abdi estão inseridas dentro do contexto do jornal, portanto, apresentam afinidade com o periódico. Entretanto, é necessário investigar a inserção dessas charges uma vez que este processo pode ter ocorrido de forma não necessariamente pacífica e harmônica. Nesse sentido, uma análise das charges enquanto meras promotoras do sentido ideológico do periódico seria extremamente redutora. Segundo Gombrich, as charges adquirem a característica de “fornecer algum tipo de foco momentâneo” (GOMBRICH, 1999, p. 131), como podemos observar nas Imagens 1, 2 e 3, produzidas por Abed Abdi e fontes de análise para a pesquisa3. A linguagem utilizada, enfatizando um cenário ou um personagem, mostra algum assunto que foi 3 gerado naquele momento, onde as expressões, rápidas e curtas frases em árabe, ambientam (satirizam, criticam, entre outros) o caráter cotidiano dos eventos. Na Imagem 1 o sujeito é caracterizado com um tapa olho, no caso Moshe Dayan, um elemento estereotipado que serve como identificação rápida. Na Imagem 2, é possível perceber elementos ‘típicos’ das nações Egito e Rússia. Com o complemento da frase em árabe com a palavra “forte” (no sentido de cumprimento), se tem uma ideia (percepções ou mesmo aspirações) das relações políticas mantidas na época. A Imagem 3 também mostra uma temática que estava sendo discutida no momento, como a disputa e negociação pelo petróleo. 3 Para a pesquisa, foram selecionadas 25 charges, todas disponíveis no site do artista: <www.abedabdi.com>. Charges: Imagem 1 (esquerda acima); Imagem 2 (direita acima); Imagem 3 (abaixo). Produzidas por Abed Abdi para o Jornal Al- Itthad entre os anos de 1972 a 1981. Sem data precisa de cada charge. 4 Estes conteúdos das charges reúnem, portanto, elementos capazes de “romper com a internalização dos sentimentos, desejos e pulsões nos indivíduos frente ao controle e à regulação impostos pela sociedade, provocando, então, momentos em que valores e atitudes estariam confrontados” (PETRY, 2008, p. 49). Nesse sentido, apesar do posicionamento claro – pró-palestina e de esquerda – do jornal para qual trabalhava Abdi, suas charges prometem evidenciar significados em certo sentido autônomos, únicos, evocando outros níveis de sentido no interior da complexa relação instituída nas práticas políticas do povo Palestino depois de 1948, e em especial nas décadas de 1970 e 80, auge da atuação de Abdi. As ilustrações, por outro lado, denotam a construção de narrativas do passado, rememorações do Al-Nakba de 1948, onde os desenhos complementam e surgem como elementos visuais para o que é contado literariamente, como podemos observar nas Imagens 5 e 6, também produzidos por Abed e fontes de pesquisa4. Estas ilustrações dão auxílio à história que segue, começando por elas o retrato do vivido, do contado. É importante notar uma diferença estética percebida em duas edições somente, fator que deve ser analisado e problematizado durante a pesquisa. Outro elemento que é fundamental de ser estudado é a plasticidade da própria escrita árabe, que de diferentes formas complementam o desenho e trazem significação linguística. 5 4 Para a pesquisa, foram selecionadas 13 ilustrações; estas se encontram numa página específica dedicada Ilustrações: aoImagem Wa ma 5 nasina(esquerda); (Nós Imagem não esquecemos), 6 (direita). <www.wa Produzidas-ma por-nasima.com>, Abed Abdi para disponibilizada a Revista Literária pela Hagar Al-Ja Artdid , publicadas, Galley (Israel), com a curadoria deres Talpectivamente, Ben Zvi. em 1981 e 1980. Em se tratando de uma revista literária, também é possível levantar hipóteses acerca de uma produção intelectual desse período na Palestina/Israel, em meio a qual Abdi encontra-se mergulhado. Nesse sentido, “...os conceitos de lugares e redes de sociabilidade, geração e cultura política constituem-se importante grelha de leitura para compreender as formas de organização e ação dos intelectuais” (LUCA, 2006, p. 125). Inclusive, o círculo de consumo da revista é um dado relevante de pesquisa, visto que pode revelar quem eram seus leitores, talvez com perfis diferentes em relação aos que liam os jornais e as charges do Al-Itthad. Aliando propostas estéticas e produções “acadêmicas”, Abdi não dissocia questões sociopolíticas ao ilustrar cenas do Al-Nakba. Visto que esta temática tornou-se recorrente