CULTURAS NARRATIVAS DOMINANTES O Caso Do Cinema
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CULTURAS NARRATIVAS DOMINANTES O caso do Cinema João Maria Mendes CULTURAS NARRATIVAS DOMINANTES O caso do Cinema João Maria Mendes Ficha Técnica Título Edição Culturas Narrativas Dominantes 1.ª (2009) O caso do Cinema Local de Edição Autor Lisboa João Maria Mendes Editora Arranjo Gráfico EDIUAL Cristina Sampaio ISBN Paginação e infografia 978-989-8191-01-4 Bruno Filipe Depósito Legal Revisão 289753/09 Neograf Impressão Gráfica de Coimbra © Observatório de Relações Exteriores e EDIUAL. Índice APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 9 EN EXERGUE ................................................................................................................ 15 1 – Duplicações do real x 2 – Três idades do programa mimético x 3 – Narrativas e Cinema x PARTE I – DOS “EUA” E DA “EUROPA” ............................................................... 25 4 – Desconstrução versus reconstrução x 5 – Três distâncias x 6 – Permeabilidade entre modelos x 7 – Centralidade dos ritos de passagem x 8 – Valores narrativos e heteronomia x 9 – Para além do paradigma reconstrutivo x PARTE II – DA HERANÇA MENOSPREZADA ................................................ 43 10 – As sempre perdidas origens. x 11 – Horácio, Teofrasto, Donato. x 12 – Estrutura do plot, estrutura formal. x 13 – Shakespeare e os gregos. x PARTE III – DO BIG GAME CLOSED PLOT .................................................... 51 14 – “Cabeças mecânicas” e “génios”. x 15 – Guerrilha ideológica. x 16 – Constructs e suas mutações x 17 – Fabula e syhuzet x 18 – Meta-fabula e meta-syhuzet x 19 – Não há manual de instruções x 20 – I Acto e expositio x 21 – Fim de um Mundo x 22 – Primeira cena e cena obrigatória x 23 – Primeiro plot point x 24 – Conflito, antagonista x 25 – Resolução x 26 – Do final como obsessão x 27 – Enfim, o Meio da história x 28 – Segundo plot point x 29 – O prefixo re-: re-começar x 30 – Sem garantia x 31 – Alfaiates e dietistas x 32 – Perfil genérico do cinema “clássico” x PARTE IV – DOS “MODERNOS” E CONTEMPORÂNEOS .......................... 77 33 – Tradição do antigo, tradição do novo x 34 – A ansiedade das vanguardas x 35 – Eco, o cinema e a obra aberta x 36 – “Arquétipos” e indústrias culturais x 37 – Cinema “moderno”, “de arte” e “de autor” x 38 – Uma vasta revolução narrativa x 39 – Novo protagonista, nova “agonia” x 40 – Cinema “moderno”, “New Hollywood” e paradigma reconstrutivo x 41 – O impacte de Bonnie and Clyde x 42 – Auto-referencialidade americana x 43 – Modernismos e Modernidade x 44 – Vanguardas e cinema experimental x 45 – Figuras do multiplot x 46 – Cinema independente x 47 – Exposição sem desenlace x 48 – Cinema e interculturalidade x 49 – Cinema e modernidade literária x 50 – Cinema e hipertexto x 51 – Intermedialidade x PARTE V – DOIS ESTUDOS DE CASOS ........................................................... 125 52 – A curiosa recepção da distopia Matrix x 53 – Truffaut irmão de Xerazade x 54 – Entre os livros e os faits divers x PARTE VI – DO PURGATÓRIO DE PROJECTOS ....................................... 131 55 – Queda em si x 56 – Pitch, story line, tema, premissa x 57 – Sinopse x 58 – Público-alvo x 59 – Três pré-condições básicas x 60 – Step-Outline, treatment, break down x 61 – Caracterização de personagens x 62 – Personagens e seus plots x 63 – Começar in media res x 64 – Filmar sem projecto aprovado x PARTE VII – DE UM EPÍLOGO ENTRE OUTROS ..................................... 145 65 – Artes e jargões adolescentes x 66 – As histórias e o caos x 67 – Re- de repetir e de renovar x 68 – Capulettos e Montecchios x 69 – A máquina infernal x 70 – Novo mundo, novas narratives x PARTE VIII – SEGUNDO EPÍLOGO NO OUTRO LADO DO ESPELHO 155 71 – O narrador não-cartesiano x 72 – Alice intercultural x 73 – Familiares extraordinários x 74 – Suspender os nomes das coisas x 75 – Condillac e Humpty Dumpty x 76 – Síndrome da omnipotência x 77 – O império das convenções x 78 – As pequenas diferenças excessivas 79 – In illo tempore, a BD NOTAS ............................................................................................................. 185 Apresentação "Sendo este um escrito sobre narrativas, haverá que lê-lo de trás para diante ou como calhe, sem o que se ofenderá a contemporaneidade da leitura" Novo Syllabus das convenções (Anónimo do séc. XXI) Nascido da prática pedagógica para dela ser um possível utensílio, um artefacto oficinal, o texto que agora se dá a ler em forma de livro parte de um pressuposto a cujo estudo nos dedicámos noutro lugar1: o de que o Mundo em que vivemos é um story shaped world, um Mundo formatado por narrativas. Compreender e explicar um tal Mundo implica, assim, que entendamos de que são feitas as narrativas que no-lo contam e o que nos tem levado a dar-lhes determinadas formas e estruturas. Mas o nosso objecto de reflexão é, aqui, circunscrito ao cinema narrativo, matriz de formas que circulam no universo mais vasto do audiovisual contemporâneo, hoje dominado pela televisão, pela World Wide Web e pela articulação entre uma e outra. Tentamos entender esse cinema narrativo na sua auto-reflexividade, e também na rede de relações que foi desenvolvendo com outras technê artísticas, designadamen- te a literatura e o teatro. Trata-se de tentar compreender e explicar como se instalaram, no cinema (com o seu duplo rosto, sempre problemático, de produtor massivo de conteúdos para as indústrias culturais e de actividade de arte e ensaio), matrizes narrativas que nele se tornaram dominantes. O vocabulário crítico permite exprimir de diversos modos o confronto entre essas matrizes narrativas: um deles consiste em descre- 9 vê-lo sumariamente como um confronto entre cinema “clássico” e “moderno”, sob condição de definir com precisão o que se entende por tais designações. Outro, em descrevê-lo como o embate entre o que aqui designamos por para- digma desconstrutivo “europeu” e por paradigma reconstrutivo “californiano”, como veremos. Outro ainda, de forma mais estereotipada e menos rigorosa, como litígio entre a canonic story de Hollywood e o conjunto de formas narrativas que a ignoram ou que dela se afastam. Teremos oportunidade de avaliar tais descrições ao longo deste pequeno ensaio, e tentaremos entender qual a situação do cinema e das suas narrativas depois desses confrontos, ou seja, tentaremos perceber de que é feita a “paisagem depois da batalha”, quais os traços que sobressaem nas cinema- tografias tardo-modernas ou pós-modernas. Também avaliaremos, de passagem, o lugar das vanguardas e dos experimentalismos cinematográficos no contexto desse confronto maior. No mundo multicultural e policêntrico em que vivemos, certas situações de hegemonia, verificáveis no confronto entre culturas narrativas dominantes e dominadas, não excluem, antes fomentam, o surgimento de experiências miscigenadas e híbridas, resultantes do contacto entre umas e outras e do contágio e contaminação que ele provoca. É um fenómeno que nos obriga a reconhecer o relativo esbatimento, o relativo esboroar das próprias ideias de fronteira e de horizonte. Ressurgem, no mundo contemporâneo, objectos narrativos e/ou manifestos artísticos que se tornam signos da conflitualidade que o contacto entre culturas também suscita. São micro-fenómenos que revelam gritantemente o poder do simbólico sobre o real. Como sucedeu, no início de 2008, com um filme holandês (Fitna, do deputado Geert Wilders, lançado na Internet) pelo qual organizações do mundo islâmico exigiram pedidos de desculpa aos países ocidentais, duplicando a anterior “crise dos cartoons” publicados pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten (2005/06) e recordando o assas- sínio do realizador Théo Van Gogh, também holandês, em 2004, em retaliação contra o seu filme Submission, sobre a condição feminina no Islão, do mesmo ano, e as fatwas lançadas contra escritores como Salmon Rushdie. Serão, também, sintomas de uma crise maior, descrita por Huntington como choque de civilizações? Ou afloramentos extremos de militâncias religiosas que exprimem uma crise mais difusa e polimorfa? Esperamos que a reflexão aqui esboçada possa contribuir para o entendimento das rela- ções que as culturas narrativas mantêm entre si, em constante movimento sobre um pano de fundo tão marcado por traços de volatilidade e de instabilidade como o que nos é oferecido pelo mundo contemporâneo. É o seguinte o plano a que esta reflexão obedece: após uma curta introdução à duplicação do mundo pelo cinema e à sua pertença à primeira idade do programa mimético das technê artísticas, a Parte I analisa o modo como o paradigma reconstrutivo califor- niano e a herança desconstrutiva do cinema “moderno” europeu se relacionam no 10 mundo actual. Ainda nesta Parte I, comparamos os modelos de organização interna do script cinematográfico segundo os autores do paradigma reconstrutivo, e identifi- camos a linhagem deste paradigma, resultante da redução dos ritos de passagem de Van Gennep a matriz das “jornadas do herói” arquetipais. A estabilidade das sagas arquetipais, na sua relação com o mito, é lida à luz do conceito de heteronomia, tal como o entende Cornelius Castoriadis. Na Parte II, tentamos identificar os principais traços que emergem da longa história da organização interna das dramaturgias à luz do que conhecemos de Aristóteles, Teofrasto, Horácio e Donato, expandindo essa apreciação até Shakespeare e aos Isabelinos, ao teatro clássico francês e aos alvores da “modernidade” dramatúrgica. Na Parte III, praticamos um exercício lúdico de aplicação