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O arquiteto português Alfredo Viana de Lima e a construção do ideal moderno na cidade de São Luís do Maranhão

El arquitecto portugués Alfredo Viana de Lima y la construcción del ideal moderno de la ciudad de San Luís de Maranhão

The Portuguese architect Alfredo Viana de Lima and the construction of the modern ideal in the city of São Luís in the State of Maranhão

José Antonio Viana Lopes Mestre em Desenvolvimento Urbano e Regional pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Coordenador do Laboratório de Urbanismo, Paisagismo, Arquitetura e Artes do Centro Universitário UNDB (São Luís – MA). E-mail: [email protected] orcid.org/0000-0003-4758-6339

Paulo Henrique Correia Silva Sá Vale Arquiteto e Urbanista (2017) pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB/São Luís), pós- graduando em Geoprocessamento pela Pontifícia Universidade Católica de . E-mail: [email protected] orcid.org/0000-0001-5039-5520

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RESUMO

No início da década de 1970, o arquiteto português Alfredo Viana de Lima, trabalhando como consultor da UNESCO em missão no Brasil, elaborou um denso relatório sobre a si- tuação da cidade de São Luís intitulado Rapport et propositions pour la conservation, recuperation et expansion de São Luís/Maranhão. Neste Relatório, além de sua preocupação com o contexto histórico, o arquiteto apresentou diretrizes e proposições para a expansão orientada da ci- dade, possível graças à construção da ponte sobre o Rio Anil em 1970. Entre os instrumen- tos, consta uma proposta de zoneamento urbano para esta área de expansão, que leva em consideração proposições precedentes, como o Plano de Expansão Urbana do engenheiro Ruy Mesquita, de 1958, e o Plano Rodoviário de 1962. O relatório foi elaborado e documen- tado em 1973, dois anos antes da aprovação do Plano Diretor da Cidade, em 1975, e do zoneamento proposto junto com este plano pela equipe do arquiteto Wit-Olaf Prochnik. Dessa forma, a presente pesquisa investiga as influências e contribuições do Relatório de Via- na de Lima para os planos subsequentes, em especial o Plano Diretor de 1975. Para atingir este objetivo, foi realizada uma análise do Relatório em toda a amplitude de sua abordagem, investigando o contexto histórico e socioeconômico em que a capital maranhense estava in- serida na época, abordando os conceitos que o fundamentaram e, a partir de uma análise comparativa entre este Relatório e os documentos de planejamento anteriores e posteriores a ele, foram identificadas as suas contribuições para o planejamento urbano de São Luís no -fi nal do século XX.

Palavras-chave: Alfredo Viana de Lima; zoneamento; ideal moderno; São Luís (MA) – Plano Diretor.

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RESUMEN ABSTRACT

A principios de la década de 1970 el arquitecto portu- In the early 1970s the Portuguese architect Alfredo Via- gués Alfredo Viana Lima, trabajando como una misión na de Lima, working as a UNESCO consultant on a mis- consultor de la UNESCO en Brasil, produjo un grueso sion in , produced a dense report on the situation informe en el Estado de São Luís titulada Rapport et pro- in the city of São Luís entitled Rapport et propositions pour positions pour la conservation, recuperation et expansion de São la conservation, recuperation et expansion de São Luís/Maran- Luís/Maranhão. En este Informe, además de su preocu- hão. In this report, in addition to his concern with the pación con el contexto histórico, el arquitecto presentó historical context, the architect presented guidelines and directrices y proposiciones para la expansión de la ciu- propositions for the expansion of the city, made pos- dad, posible gracias a la construcción del puente sobre el sible by the construction of the bridge over the Rio Anil Río Anil en 1970. Entre los instrumentos, consta una in 1970. Among the instruments is a proposal of urban propuesta de zonificación urbana para esta área de ex- zoning for this area of ​​expansion, which takes into ac- pansión, que toma en consideración planes anteriores, count previous plans, such as Ruy Mesquita’s Plano de como el Plano de Expansão Urbana del ingeniero Ruy Expansão Urbana (1958) an d the Plano Rodoviário Mesquita de 1958 y el Plano Rodoviário de 1962. El in- (1962). The report was pr e pared and documented in forme fue elaborado y documentado en el año 1973, dos 1973, two years approval of the city Master Plan, 1975, años antes aprobación del Plan Director de la Ciudad de and the proposed zoning a l ong with this plan by the 1975 y de la zonificación propuesta junto con este plan team of the architect Wit-Olaf Prochnik. Thus, the pre- por el equipo del arquitecto Wit-Olaf Prochnik. De esta sent research aims to inv e stigate the influences and forma, la presente investigación pretende investigar las contributions of the Viana de Lima report for subse- influencias y contribuciones del Informe de Viana de quent plans, especially the 1975 Master Plan. In order to Lima para los planes subsiguientes, en especial el Plan achieve this objective, an analysis of the report was car- Director de 1975. Para alcanzar este objetivo, se realizó ried out to the full extent of its approach, investigating un análisis del Informe en toda la amplitud de su abor- the historical and socioeconomic context in which the daje, investigando el contexto histórico y socioeconómi- capital of Maranhão was inserted at the time, approa- co en que la capital maranhense estaba inserta en la épo- ching the concepts that underpinned it, and from a com- ca, abordando los conceptos que lo fundamentaron y, a parative analysis between this report and the planning partir de un análisis comparativo entre este Informe y documents before and afte r it, its contributions were los documentos de planificación anteriores y posteriores identified for the urban planning of São Luís at the end a él, se identificaron sus contribuciones para la planifica- of the 20th century. ción urbana de São Luís a finales del siglo XX.

Palabras clave: Alfredo Viana de Lima; zonificación; Keywords: Alfredo Viana de Lima; Zoning; Modern ideal moderno; São Luís (MA) – plan maestro. Ideal; São Luís - MA - Master Plan.

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Introdução Formado na Escola de Belas Artes do Porto, foi membro da Organização dos Este artigo objetiva analisar o documen- Arquitetos Modernos (ODAM) e par- to Relatório e propostas para a conservação, ticipou, desde 1951, nos Congressos recuperação e expansão de São Luís - Ma- Internacionais de Arquitetura Moderna ranhão, do arquiteto português Alfredo (CIAM). Colaborou com o arquiteto Viana de Lima (1913-1991), com foco Oscar Niemeyer (1907-2012), no pro- no zoneamento proposto, hoje pouco jeto do Empreendimento Turístico de conhecido no meio profissional e acadê- Pena Furada, no Algarve (1965) e no mico maranhense, fazendo uma análise Casino Park Hotel da Madeira (1966). A do Relatório e das suas proposições, partir dos anos 1960 dedicou-se ao le- identificando as referências ao Plano de vantamento e recuperação de edifícios Expansão da Cidade (1958), de Ruy Ri- históricos e ao planejamento de zonas beiro de Mesquita e as influências para o urbanas antigas. Plano Diretor elaborado por Wit-Olaf Prochnik, em 1975. Viana de Lima foi presidente da Co- missão Nacional do Patrimônio Ar- O urbanismo modernista exerceu quitetônico Europeu e da Comissão grande influência em São Luís, seja por Organizadora do Instituto de Salva- meio de instrumentos de gestão urbana, guarda do Patrimônio Cultural e Natu- seja por meio da construção da arquite- ral (1977-1980). Os projetos do arqui- tura e de sua infraestrutura, dando à ca- teto para a Faculdade de Economia da pital maranhense forma e identidade de Universidade do Porto, para a Casa de uma capital moderna. Entretanto, esta Aristides Ribeiro, a Casa das Marinhas, e influência de ideal moderno se -consti o Hospital Regional e Centro de Saúde tuiu a partir de múltiplas referências, ao Mental de Bragança são considerados longo de diversas décadas e diferentes fundamentais para a compreensão da administrações municipais. Uma dessas arquitetura moderna portuguesa. Viana referências é o Relatório de Viana de de Lima faleceu na cidade do Porto, em Lima. dezembro de 1991.

Alfredo Evangelista Viana de Lima nas- Em 1972, Viana de Lima visitou São ceu em Esposende, , em 1913. Luís a serviço da UNESCO, com a

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missão de elaborar um diagnóstico do to correspondente a este plano, a Lei centro antigo e seu patrimônio cultu- Delegada nº 07 de 10 de Julho de 1975. ral. Além de um diagnóstico, apontou diretrizes urbanas para a expansão da O Pensamento Moderno, plano cidade que, direcionada pelo otimismo a plano nacionalista do ‘milagre econômico’, aguardava grande desenvolvimento e Para entender a construção do ideário crescimento populacional, e para tal uti- moderno através do planejamento urba- lizou os instrumentos de planejamento no e, em particular, do plano proposto moderno, como o zoneamento urbano. pelo arquiteto português Alfredo Via- na de Lima, é necessário, antes de tudo, Dessa forma, o presente trabalho procu- relacioná-lo a outros planos modernis- ra entender, com foco no zoneamento tas propostos para a cidade na segunda e na relação com o patrimônio cultural, metade do século XX: o Plano de Ex- o papel do Relatório de Viana de Lima pansão da Cidade (1958) e o Plano Di- na formação e desenvolvimento da ci- retor de São Luís (1975). dade moderna, buscando respostas para questões como: que modelo de cidade Se o Plano de Expansão da Cidade re- o arquiteto Viana de Lima propôs? Suas flete mais diretamente os princípios propostas foram incorporadas no plane- dos CIAM e da Carta de Atenas, os jamento urbano do município? Quais outros dois instrumentos já absorvem foram suas influências para a cidade? as contribuições de estudos posteriores Há divergências entre as diretrizes de que em parte aprofundaram as diretrizes seu Relatório e o Plano Diretor de 1975? modernistas (como o Relatório Bucha- nan, de 1963, referência para o Plano Para responder a estas indagações, a Diretor de São Luís) e, por outro lado, pesquisa relaciona o Relatório de Viana as relativizaram e reexaminaram (como de Lima com os dois planos da época, o a Carta de Veneza, de 1964, que orien- Plano de Expansão da Cidade, elabora- tou o relatório de Viana de Lima). do em 1958 e aprovado pela Lei nº 1.332 de 27 de Dezembro de 1962, e o Plano Diretor de São Luís, Lei nº 2.155 de 28 de junho, com o Código de Zoneamen-

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A Cidade como Território

O Plano de Expansão da Cidade, do engenheiro Ruy Mesquita, não foi o primeiro plano moderno para a capital maranhense, mas foi o primeiro plano urbano com um claro viés modernista, diretamente vinculado às conclusões do IV CIAM e aos modelos de cidade ideal de Le Corbusier, remetendo ao urbanis- mo de Brasília e às intervenções urbanas realizadas em Salvador desde os anos 1940 (LOPES, 2016).

Formado na Escola Politécnica da Bahia, o engenheiro sergipano Ruy Ribeiro de

Mesquita foi convidado a trabalhar no ocupação de grandes extensões do ter- Figura 1 - Plano de Expansão Departamento de Estradas e Rodagem ritório de São Luís, transpondo as bar- da Cidade, por Ruy Mesquita (1958). do Maranhão (DER-MA) em 1946. Em reiras representadas pelos rios Anil e Ba- Fonte: LOPES, 2016. 1950, colaborou com a municipalidade canga e integrando áreas, antes isoladas no Plano Rodoviário da Ilha de São Luís no ambiente urbano, como as regiões de e apresentou o Plano de Expansão da Olho d’Água e do Itaqui (Figura 1). Cidade, em 1958. Em 1962, foi nomea- do prefeito de São Luís e permaneceu O plano não foi executado nos prazos no cargo até abril de 1963. previstos, mas foi institucionalizado em lei no ano de 1962 e orientou de forma O plano de Mesquita continha diversos significativa toda a expansão de São Luís pontos em comum com as recomen- para além do núcleo inicial da cidade, dações do IV CIAM: descentralização em direção às praias ao norte, à região da cidade, zoneamento da cidade por do Itaqui Bacanga ao sul e ao bairro do funções, criação de circulações voltadas Anil: para o automóvel, criação de parques. Portanto, o Plano de Expansão da Cidade (1958) reúne e sistematiza de- A partir destes princípios, organizou a

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mandas históricas – como a constru- central, com a substituição das edifica- ção do porto no Itaqui, do Anel ções, desnecessária e onerosa. Viário, a ponte do São Francisco, a urbanização de Ponta d’Areia e São Marcos – e novos projetos – a Rodo- A Cidade como Organismo viária no prédio da RFFSA, criação de um Parque da Cidade, a Lagoa da A vinda de consultores da UNESCO, Jansen e outros – que são incluídos Michel Parent, em 1967, e Alfredo Via- nos planos posteriores, orientando o planejamento físico-territorial da ci- na de Lima, em 1972, para elaborar dade em toda a segunda metade do relatórios sobre a situação dos sítios século XX (LOPES, 2016, p. 96). históricos de São Luís e Alcântara (Pa- trimônio Nacional desde 1948), não se Assim, o Plano de Expansão influenciou deve a esforços de políticos ou adminis- os planos urbanísticos subsequentes, em tradores locais, mas estão no contexto particular o Relatório de Viana de Lima de uma política nacional de aproxima- e o Plano Diretor de São Luís, que no ção do IPHAN com as instâncias inter- início dos anos 1970 já encontraram nacionais de gestão e proteção do patri- parte do sistema viário proposto por mônio cultural, buscando subsídios para Ruy Mesquita construído ou em execu- ampliar a abrangência de sua atuação no ção. território nacional: Recorde-se que nesta época já o Bra- sil estava inserido no período polí- Ademais, o plano de Ruy Mesquita não tico dos governos militares. Altura faz menção ao valor do patrimônio em que a defesa do patrimônio irá cultural edificado da cidade e tampouco apoiar-se na UNESCO para reforçar se preocupa com a gestão desse patri- a actuação do órgão de preservação patrimonial do país (RAMOS; MA- mônio, referindo-se ao centro apenas TOS, 2008, p. 05). para defender a expansão urbana como resposta positiva para a infraestrutura saturada da área central. Segundo o en- Assim, entre 1964 e 1979, pelo menos genheiro, era melhor expandir a cidade sete diferentes técnicos internacionais do que concentrar o desenvolvimento ligados à UNESCO realizaram missões no centro, pois a disponibilidade de ter- científicas no Brasil, entre eles o fran- ras para a expansão horizontal da malha cês Michel Parent e o português Alfredo viária tornava a verticalização da área

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Viana de Lima, que visitaram São Luís e Figura 2 - Azulejos contem- plam o engarrafamento do Alcântara (LEAL, 2009). asfalto (Legenda Original). Fonte: AZULEJOS, 1973, p.1.

O trânsito intenso no centro (Figura 2), o comércio informal, a precariedade ou inadequação da infraestrutura (Figura 3), o arruinamento e as descaracteriza- ções dos edifícios antigos (Figura 4), e, por outro lado, uma grande oferta de Figura 3 - Grandes trans- imóveis em construção em áreas de ex- portes coletivos teimam em pansão fora do centro, foram problemas subir pelo beco do quebra costa, obrigando o pedestre que Viana de Lima encontrou quando a se refugiar na primeira porta. (Legenda Original) chega à cidade em 1972 para elaborar Fonte: GRANDES, 1974, p. 1. seu plano de preservação para São Luís e Alcântara.

Os relatórios entregues por Viana de Lima, cujas cópias encontram-se no IPHAN e na sede do Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Pai- sagístico do Maranhão (DPHAP-MA), bem como todos os documentos pro- duzidos pelos consultores da UNESCO no período, atendem à recomendação do Artigo 16 da Carta de Veneza: Os trabalhos de conservação, de restauração e de escavação serão dos pesquisadores; recomenda-se a sempre acompanhados pela elabora- sua publicação (BRASIL, 2004, p. ção de uma documentação precisa, 95). sob a forma de relatórios analíticos e críticos, ilustrados com desenhos Para São Luís, o Rapport et propositions e fotografias [...] essa documentação pour la conservation, recuperation et expansion será depositada nos arquivos de um de São Luís/Maranhão, apresentado em órgão público e posta à disposição

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Figura 4 - Sobrado em plexas de cada parte, indissociável com o Ruínas. todo, relacionando o centro antigo com Fonte: MAIS, 1974, p.1. a dinâmica urbana contemporânea. Via- na de Lima também respeitou e apro- veitou as orientações de Michel Parent, em seu relatório de 1968, assim como “as tendências actuais de expansão da cidade e os programas sectoriais desen- volvidos pela Prefeitura” (VIANA DE LIMA, 1973, p. 48), propondo uma visão moderna sobre a cidade.

O arquiteto destacou, de início, o caráter do centro histórico como conjunto ur- bano de valor extraordinário, alertando para a necessidade de integrá-lo de for- ma adequada ao processo de expansão da cidade: 1973, representa um primeiro estudo São Luís não possui monumentos técnico aprofundado, realizado por um com a riqueza dos da Bahia, Recife profissional arquiteto sobre o acervo ou Ouro Preto, mas o seu tecido urbano confere-lhe hoje, lugar des- arquitetônico e urbanístico da cidade, tacado na história e na cultura do aliando um amplo diagnóstico com um Brasil. Se Brasília é um marco no plano de intervenções proposto para urbanismo contemporâneo, a cidade mudar a realidade local: de São Luís do Maranhão represen- As cidades são organismos vivos ta papel importante no estudo da dotadas cada uma da sua personali- formação de cidades do Brasil Co- dade própria. Elas representam um lonial. Deve ser preservada, amada património no qual o pensamento e e integrada correctamente no plano por vezes o amor são diversificados previsto de expansão (VIANA DE no decorrer do tempo (VIANA DE LIMA, 1973, p. 39). LIMA, 1973, p. 41). O arquiteto argumentava que suas pro- Portanto, em seu estudo, o arquiteto postas consideraram as tendências de português considerou as relações com- expansão da cidade já adotadas pela Pre-

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feitura de São Luís. Neste sentido, elo- Mesmo crescendo apenas 4,3% ao giou a malha rodoviária de São Luís es- ano por efeito da migração pro- veniente de áreas rurais também tabelecida no Plano Rodoviário de 1962, decadentes, São Luís é incapaz de o que demonstrava que em uma década, incorporar à vida econômica esse parte do plano havia sido executada de acréscimo populacional, resultando forma satisfatória: daí uma enorme expansão da área A ilha de São Luís é servida por uma de palafitas que em 1969 atingiram o rede viária relativamente bem desen- número de 7.000 abrigando uma po- volvida, que permite a ligação da ca- pulação de aproximadamente, cerca pital aos principais núcleos urbanos de 1/6 do total de habitantes da Ca- da ilha, ao porto do Itaqui e as di- pital (VIANA DE LIMA, 1973, p. versas praias da orla atlântica, asse- 20). gurando por outro lado, acesso ao continente. O sistema viário implan- O arquiteto colocava a pobreza em que ta-se basicamente nas directrizes estava inserida a cidade, a impotência impostas pelo Plano Rodoviário da da prefeitura quanto a investimentos e Ilha de São Luís (Lei nº 1.332, de 27 de dezembro de 1962) (VIANA DE a inexistência de um planejamento ade- LIMA, 1973, p. 24). quado como causas das mazelas do cres- cimento urbano, como as palafitas: Da mesma forma, a construção do Anel A baixa renda da população – es- Viário, uma via circundando o núcleo timável em US$140 dólares per capita em 1969 – a limitada capaci- histórico, era estimada pelo arquiteto: dade de investimento da Prefeitura, Por outro lado a nova implantação a inexistência de um planejamento da via de contorno permite a valo- adequado, dão ao crescimento da ci- rização da perspectiva sobre a zona dade, características profundamente antiga da cidade e, principalmente, negativas em termos de urbanismo sobre os baluartes, além de criar e distribuições de serviços urbanos amplos espaços verdes que serão (VIANA DE LIMA, 1973, p. 21). magnífico complemento do enqua- dramento paisagístico (VIANA DE LIMA, 1973, p. 51). A proposta de zoneamento, incluída no Relatório, caracterizava-se como Também demonstrou estar ciente tanto um instrumento de distribuição da po- da problemática da falta de habitação na pulação com o objetivo de controlar as cidade quanto da questão das moradias densidades na estrutura da cidade, com de má qualidade – as palafitas: quinze zonas diferenciadas por suas funções (Figura 5).

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Figura 5 - Reconstituição do Zoneamento de Viana de Lima. Fonte: MARANHÃO, 1988.

O próprio autor chamava a atenção para ligação rápida ao centro urbano fica a grande zona de reserva que assegurada através da barragem do Bacanga. Por outro lado liberta-se propôs como “elemento protector e o centro da travessia dos trens e da preservador colocado entre a parte in- estação terminal, aproveitando-se a dustrial e o centro urbano de S. Luís” plataforma da via férrea para, sobre (VIANA DE LIMA, 1973, p. 49) em ela, lançar uma via rodoviária urba- na. uma abordagem que remetia às dire- Propõe-se também a localização trizes da Carta de Atenas e, mesmo, às nesta área da Universidade Técnica, proposições de Le Corbusier em esque- constituindo o elemento de transi- mas como o da Ville Radieuse. ção entre a Cidade histórica, resi- dencial e comercial, para a nova ci- dade industrial (VIANA DE LIMA, Para a região do Itaqui Bacanga, fez re- 1973, p. 48-49). comendações no sentido de dar suporte para a nova região industrial prevista Sobre a localização da universidade, para o local, e a destinação de área na acompanhava as preocupações de Mi- região para a construção da Universi- chel Parent (1968), quanto a dotar o dade Técnica: centro de uma função na cidade contem- Propõe-se também a deslocação porânea, mantendo na área central uma da estrada de ferro para a zona do Itaqui, servindo deste modo o porto parte do campus: comercial de S. Luís, a zona indus- [...] Reciprocamente, a Universidade trial e a central de abastecimento. A Humanística encontrará o seu am-

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biente próprio no interior do Centro gumentando que os custos das constru- Histórico, actuando como uma po- ções destes conjuntos habitacionais derosa força impulsionadora de seriam muito onerosos, “arrastando a restauro e dinamização desta zona (VIANA DE LIMA, 1973, p. 49). prestação de serviços como água, luz, telefones, limpeza pública, arruamentos A expansão no sentido da região das e equipamento urbano, a distâncias mui- praias seria controlada com uma zona to grandes” (VIANA DE LIMA, 1973, residencial de média densidade para a p. 48). Ponta d’Areia e Olho d’Água, justifi- A partir desta visão da cidade e de seu cando o investimento feito para estas desenvolvimento futuro, estudou as regiões e dando potencial a estes bairros características do tecido urbano e do de se tornarem núcleos com autonomia acervo edificado no centro e -demar própria, e uma zona residencial de baixa ca o perímetro da área a ser tombada densidade no acesso às praias, tornan- pelo governo federal, incluindo outro do possível a manutenção do meio-am- perímetro de proteção e amortecimento biente e do potencial turístico destas desta área tombada: áreas. A demarcação dos limites para área de tombamento federal foi feita pelo Considerou, por fim, que o centro arquiteto português, consultor técni- histórico teria papel importante de aden- co da UNESCO, Viana de Lima, em 1973, e no ano seguinte, o IPHAN sar a cidade, abrigando a população a tombou o conjunto histórico de ser remanejada das áreas de palafitas das São Luís, que incluía alguns itens do margens dos rios Anil e Bacanga, e os tombamento individual, realizado novos moradores atraídos pelo desen- anteriormente, como as Praças Be- nedito Leite e João Lisboa (IPHAN, volvimento da cidade, e indicou o bairro 2007, p. 61 apud SILVA, 2009, p.8). já consolidado do João Paulo como área

de expansão para o comércio local. De fato, o IPHAN utilizou o traça- do proposto por Viana de Lima como Quanto à dinâmica urbana, Viana de perímetro do tombamento federal do Lima (1973) optou por decisões que pri- Conjunto Urbano do Centro Histórico vilegiavam o adensamento já existente, de São Luís, logo em 1974, mas não de- em detrimento da expansão da cidade marcou nem institucionalizou a área de para regiões distantes da área central, ar-

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proteção a este tombamento, conforme trumento “não foi utilizado em outros indicação do arquiteto português. Só planos e projetos urbanos do autor em em 1986 o Governo do Estado viria Portugal” (RIBEIRO, 2013, p. 63). a aprovar o tombamento estadual do Centro Histórico, no entorno da área de Interessante observar que entre os ele- tombamento federal. mentos que poderiam ser eliminados, segundo as indicações do arquiteto, há Foi Viana de Lima relacionou a arquite- platibandas e frontões da arquitetura tura remanescente do período colonial eclética maranhense que, em períodos e do Império em São Luís, aos “mode- anteriores, haviam transformado os ca- los arquitetônicos Barrocos-Pombalinos sarões da arquitetura colonial. utilizados no processo de reconstrução de Lisboa pós-terremoto de 1755” (ES- Também como uma reação às condi- PÍRITO SANTO, 2006, p. 72), indican- ções encontradas na cidade, Viana de do as temporalidades, datando os edifí- Lima recomendava a pedestrianização cios por século e identificando as áreas de ruas no centro, com restrições ou mais antigas no acervo construído do mesmo o impedimento ao tráfego de Centro. automóveis em áreas definidas, em par- ticular, nos conjuntos para os quais o ar- Em uma espécie de resposta às desca- quiteto propõe intervenções específicas. racterizações e perdas identificadas no Segundo Silva Telles, os relatórios para acervo do centro, o arquiteto identificou as cidades de São Luís e Alcântara “ser- as visadas e perspectivas proporciona- viram para medidas que foram tomadas das pelo acervo edificado e utilizou o pelo IPHAN, assim como pelo gover- recurso de fotografias em preto e bran- no estadual, e pelas prefeituras” (SILVA co nas quais ele pintava os elementos TELLES, 1996, p. 05). “perturbadores e destruidores” (VIA- NA DE LIMA, 1973, p. 47), que reco- A Cidade como Circulação mendava eliminar ou substituir (Figura 6). Esta ferramenta foi utilizada, muito Em 1975, a administração municipal possivelmente, por conta da ausência de aprovou o primeiro Plano Diretor atra- levantamentos físicos e estudos técni- vés da Lei nº 2.155 de 28 de junho, e cos sobre o acervo, tanto que este ins- o zoneamento correspondente a este

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Figura 6 – Fonte do Ribeirão, foto incluída no Relatório. Fonte: VIANA DE LIMA, 1973.

plano, através da Lei Delegada nº 07 do Maranhão (atual Universidade Fede- de 10 de julho. Para a elaboração deste ral do Maranhão). plano foi contratado o escritório cario- ca Wit-Olaf Prochnik – Arquitetura e Em linhas gerais, a ideia de desenvol- Planejamento CSL, com financiamento vimento colocada pelo Plano Diretor do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) remetia às relações da circulação (de através da Financiadora de Estudos e veículos, pessoas, bens e mercadorias) Projetos (FINEP). com o número de empregos em núcleos urbanos interligados, aplicando, para a O plano proposto por Prochnik foi ela- cidade, análises da engenharia de tráfe- borado a partir de um amplo estudo té- go. Neste sentido, evocava proposições cnico que identificou e sistematizou as e abordagens presentes em estudos de informações existentes, mas também referência nesta área, como o relatório produziu dados a partir de pesquisas Traffic in towns (BUCHANAN, 1963). de campo realizadas com o apoio da re- Assim como no Relatório de Buchanan, cém-instalada Fundação Universidade o Plano Diretor associava o desenvolvi-

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mento urbano às condições dos trans- proteção do meio-ambiente natural portes e com o meio ambiente local, em (MARANHÃO, 1977, Art. 2). uma abordagem sistêmica. O Zoneamento aprovado com o Plano Além disso, o estudo realizado para fun- Diretor (Figura 07) contava com vinte e damentar o Plano levava em conside- uma zonas de usos distintos, seis a mais ração as relações da cidade de São Luís que o do arquiteto português, para as com os outros municípios e núcleos quais definia os usos, índices de apro- urbanos da ilha, no que denominou de veitamento e delimitações. As zonas Aglomeração Urbana da Ilha de São de proteção ambiental, de interesse Luís. O Plano Diretor buscava, por- paisagístico e de turismo, industriais e tanto, a expansão ordenada da cidade, zona universitária se assemelhavam nos para organizar a mobilidade urbana e zoneamentos propostos por Viana de orientar a implantação dos conjuntos Lima e Prochnik. habitacionais financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação, através do Viana de Lima, no entanto, não consi- Banco Nacional da Habitação (BNH) e derou na sua proposta o vetor de cresci- da atuação local das cooperativas habita- mento pela Ponte Bandeira Tribuzi, cuja cionais (COHABs). Esta abordagem es- construção foi iniciada em 1973. Apesar tava colocada desde as diretrizes básicas do Plano Diretor ir de encontro à mais do Plano: importante recomendação de Viana de a) Hierarquização das vias Lima, de compactar a cidade e adensar segundo suas finalidades específicas, o centro, é possível perceber certas in- promovendo medidas para disciplinar o fluências ou similaridades de conceito tráfego de veículos e pessoas; entre os planos: b) Organização do espaço Além disso, incluía indicação de projetos para a valorização de áreas urbano em zonas de uso diferenciado importantes, seguindo de perto a objetivando o desenvolvimento har- avaliação de Viana de Lima que mônico da cidade e o bem-estar social abrangia os conjuntos tombados em de seus habitantes; nível federal: o Largo do Ribeirão, a Praça do Carmo, a Praia Grande, c) Preservação da paisa- o Largo do Desterro, incluindo o gem, fixando uma escala urbana de Convento das Mercês, a Praça Bene- determinada época e assegurando a dito Leite e a Avenida Pedro II com

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o Palácio dos Leões e a Igreja da Sé Histórico com Uso Comercial Predomi- (VENANCIO, 2011, p. 111). nante (ZE-4).

Entre as medidas de valorização e pre- Sobre as medidas de preservação do servação do Centro Histórico, o Código patrimônio cultural, o Plano Diretor re- de Zoneamento, elaborado junto com o metia aos estudos realizados para fun- Plano Diretor, define Zonas Especiais damentar e definir as diretrizes aprova- (ZE-3 e ZE-4) no centro, que também das na lei, como um anexo da lei que, são delimitadas em função dos usos contudo, foi publicado em separado, identificados, como Zona de Interesse em duas edições, em 1975 e 1977 (MA- Histórico com Uso Residencial Predo- RANHÃO, 1977). No estudo técnico é minante (ZE-3) e Zona de Interesse

Figura 07 - Zoneamento de 1975. Fonte: MARANHÃO, 1977.

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clara a influência do Relatório de Viana Patrimônio Artístico da Secretaria de de Lima. Urbanismo e Planejamento. O estudo defendia também a necessidade de um Em suas proposições, o anexo detalhava “plano global de recuperação do Centro as normas de intervenções em fachadas Histórico” (MARANHÃO, 1977). dos imóveis no Centro (incluindo pin- tura, gradis, esquadrias, ornamentos, O Pensamento Moderno: plano azulejos, vãos de portas e janelas, facha- versus plano das posteriores com rótulas e aparelhos de ar condicionado); propunha a insta- Em uma análise comparativa entre os lação de uma Delegacia do IPHAN no planos propostos no período entre 1958 Estado do Maranhão; defendia a regu- e 1975, percebem-se relações de com- lamentação do Departamento do Patri- plementariedade, mas também se iden- mônio Histórico, Artístico e Paisagísti- tificam divergências e rupturas (Quadro co, criado pelo Decreto nº 5.069, de 11 1). de julho de 1973, na Fundação Cultural do Maranhão; e defende a instituição de O Relatório de Viana de Lima (1973) re- uma área de tombamento estadual a ser cuperava e reforçava ações já colocadas definida por um Conselho Consultivo pelo consultor que o precedeu, Michel do Estado. Parent (1968), ou que estavam em pauta no âmbito dos órgãos de preservação, O zoneamento aprovado em 1975 in- como a necessidade de criação de um corporava o perímetro de tombamen- órgão local de gestão do patrimônio to federal como Zona Tombada (ZT), cultural (vide Compromisso de Brasília, para a qual não propunha normas de de 1971) e a preocupação em dar ou conservação do patrimônio urbano ou manter uma função importante para o edilício, remetendo, implicitamente, esta centro na cidade (LEAL, 2008). competência ao IPHAN. Para a área de tombamento estadual sugerida, o do- Viana de Lima confirmou o valor do cumento não indicava um perímetro acervo maranhense enquanto conjunto nem parâmetros específicos, remeten- urbano, ressaltando a necessidade de do à necessidade de estudos, fiscaliza- valorização e preservação da “paisagem ção e planos específicos da Divisão de urbana” e indicando as suas relações

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Quadro 1 - Plano de Expansão da Cidade, por Ruy Mesquita (1958). Fonte: LOPES, 2016.

com a dinâmica da cidade contempo- aos tombamentos dos conjuntos urba- rânea. Portanto, o Relatório de Viana nos de São Luís e Alcântara, em 1974. de Lima estava diretamente relacionado

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plexidade das relações do centro com a dinâmica urbana da época.

Relacionando as proposições de Viana de Lima com o Plano Diretor de 1975, percebem-se posturas divergentes quan- to ao adensamento do centro. Enquan- to Viana de Lima aconselhava adensar o centro e suas áreas periféricas (até o bairro do João Paulo, primeiro vetor de expansão da cidade), Prochnik enume-

Figura 8 – Mapa compa- A Lei nº 2.155 de 28 de junho de 1975, rava as desvantagens desse adensamen- rativo das propostas de que instituiu o Plano Diretor de São to, inclusive para a preservação do acer- zoneamento. Fonte: elaboração dos Luís, respeitava as recomendações de vo edilício de interesse histórico. autores (2018). Viana de Lima, considerando o valor do Mas é na definição das áreas de prote- conjunto urbano e a existência de ou- ção que a relação dos planos suscita tras áreas de interesse, mas indicando questões significativas (Figura 08). Afir- um perímetro diferente para a área de ma-se, com razão, que o tombamento proteção ao tombamento federal (ZE- federal está baseado na proposta de Via- 3 e ZE-4), e adotando uma visão mu- na de Lima, mas o mesmo não pode ser seológica do patrimônio. dito sobre o perímetro tombado pelo governo estadual em 1986, que apresen- Assim, a lei estabelecia a “política de tava diferenças em relação à proposta preservação e revitalização de áreas da Área de Proteção de Tombamento, históricas” com o objetivo de “resguar- apresentada no Relatório, e às Zonas dar os valores históricos urbanos de Especiais do Plano Diretor. determinadas áreas” (MARANHÃO, 1977, Cap. V). No entanto, pretendeu Em março de 1974, um mês depois do “fixar uma escala urbana de determinada comunicado formal do tombamento época”, recomendando a “imutabilidade federal às autoridades locais, a Assem- das edificações e dos logradouros”, em bleia Estadual promoveu o debate de uma abordagem que não considerava, um projeto de lei proposto pelo depu- ao contrário de Viana de Lima, a com- tado Joaquim Itapary para instituir uma

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área de tombamento estadual no centro recomendar procedimentos técnicos, o (DEPUTADOS, 1974, p. 1). Pouco de- Relatório Viana de Lima contribui com pois, em dezembro de 1978, o Estado a instrumentalização dos atores locais aprovou a Lei Estadual nº 3.999, que para a leitura e a intervenção no acervo instituiu a preservação do Patrimônio edilício e urbano de São Luís. Histórico, Artístico e Paisagístico, mas O arquiteto propôs o agenciamento de não definia nenhum perímetro de tom- conjuntos urbanos de interesse, apre- bamento. sentando plantas técnicas e mapas; pro- pôs restrições ao tráfego de automóveis Apenas em meados da década de 1980 em uma área considerável do centro, o governo do Estado adotou a propos- com pedestrianização de ruas; a elimi- ta de proteger uma área no entorno do nação de elementos perturbadores da tombamento federal e o tombamento “paisagem envolvente” (VIANA DE estadual foi aprovado através do Decre- LIMA, 1973, p. 41), como fiações elé- to nº 10.089, de 6 de março de 1986, en- tricas aéreas, postes, transformadores e globando área com 160 hectares e cerca placas comerciais, além da organização de 2.500 imóveis (LOPES, 2013, p. 30), da iluminação e sinalização na área tom- mas com um perímetro diferente daque- bada. É só depois do Relatório de Viana le proposto por Viana de Lima e pelo de Lima que estes temas aparecem nos Plano Diretor de 1975 (Figura 08). documentos de planejamento e gestão Esta constatação levanta questões sobre formulados nos anos 1970, como o o contexto em que se deu a discussão Projeto Mirante (SÃO LUÍS, 1974), o e definição deste perímetro de tomba- próprio Plano Diretor de 1975 em seu mento estadual e sobre os atores, va- anexo e, no final da década, no Projeto lores e ideias que o embasaram, o que, de Renovação Urbana da Praia Grande no entanto, ultrapassam os limites deste (1978) e no Programa de Revitalização trabalho. do Centro Histórico de São Luís (1979) que será responsável por, finalmente, As contribuições do arquiteto português executar uma parte destas ações. vão além da definição do tombamento federal e de subsídios para o Plano Di- retor de 1975. Ao indicar os valores e

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Considerações Finais Em paralelo ao trabalho de Viana de Lima, a equipe de Wit-Olaf Prochinik É possível afirmar os efeitos do Plano estava elaborando o primeiro Plano Di- de Expansão da Cidade de São Luís, retor para a cidade de São Luís e há re- legitimado pelo Plano Rodoviário de ferências claras da influência de Viana 1962, para os planos subsequentes, pois de Lima para a definição dos conjuntos orientou a expansão da cidade induzin- urbanos de interesse e das formas de do ao progressivo esvaziamento da área intervir neste patrimônio. No entan- central. to, Prochnik inverteu a abordagem de Viana de Lima, privilegiando o modelo O Relatório de Viana de Lima foi es- de desenvolvimento definido no -Pla sencial para estabelecer normas (tomba- no de Expansão da Cidade e buscando mento federal) e diretrizes (Plano Dire- minimizar seus impactos para o centro tor de São Luís) para a conservação do histórico. O debate naquele momento patrimônio histórico da cidade enquan- não tratava de demolir ou preservar o to conjunto urbano, além de oferecer centro, mas de adensá-lo ou não. instrumentos técnicos para a leitura da Também há pontos em comum que paisagem e a intervenção no acervo ur- podem ser vistos como tendências do bano e edificado. planejamento urbano da época, mas é evidente que os dois planos, comple- Um dos principais méritos do trabalho mentando-se, contribuíram para conso- de Viana de Lima foi entender a cidade lidar a importância da preservação do como um todo, apesar de estar focado acervo patrimonial local. inicialmente no Centro Histórico, com sua história, seus planos precedentes e A análise comparativa realizada indica previstos, e a partir daí determinar dire- também a necessidade de ampliar o al- trizes e propostas para conciliar a prote- cance do estudo e relacionar os planos e ção do patrimônio cultural com um mo- projetos do final dos anos 1970 ao pen- delo de desenvolvimento urbano mais samento moderno do arquiteto Viana adequado, baseado no adensamento da de Lima. área central.

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Referências LEAL, Claudia Feierabend Baeta. RIBEIRO, Cecilia. Viana de Lima Recortes de história social das missões em Missão da Unesco no Brasil. Dossiê: ANDRÉS, Luiz Phelipe (2006). da UNESCO no Brasil, 1964- Urbanistas e Urbanismo. Urbana, Reabilitação do Centro Histórico de São 1979. Nos Arquivos do IPHAN: Campinas, SP, V=v.5. n. 6, mar. 2013. Luís: revisão crítica do Programa de Revista Eletrônica de Pesquisa e Disponível em:

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