UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CAMPUS CATALÃO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

JANÃINE DANIELA PIMENTEL LINO CARNEIRO

UM OLHAR GEOGRÁFICO EM CORUMBAÍBA (GO): a territorialização do capital agroindustrial lácteo, as mudanças espaciais e os novos sujeitos da relação capital/trabalho

CATALÃO (GO) 2013

JANÃINE DANIELA PIMENTEL LINO CARNEIRO

UM OLHAR GEOGRÁFICO EM CORUMBAÍBA (GO): a territorialização do capital agroindustrial lácteo, as mudanças espaciais e os novos sujeitos da relação capital/trabalho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Geografia, da Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Geografia.

Área de concentração: Geografia e Ordenamento do Território.

Linha de Pesquisa: Trabalho e Movimentos Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça.

CATALÃO (GO) 2013

TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG

Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG), sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.

1. Identificação do material bibliográfico: [ X ] Dissertação [ ] Tese

2. Identificação da Tese ou Dissertação Autor (a): Janãine Daniela Pimentel Lino Carneiro E-mail: janaine_nana@h otmail.com Seu e-mail pode ser disponibilizado na página? [X]Sim [ ] Não Vínculo empregatício do autor Prefeitura Municipal de (GO)- SME Agência de fomento: Coordenação de Sigla: CAPES Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior País: Brasil UF: G CNPJ: O Título: Um olhar geográfico em Corumbaíba (GO): a territorialização do capital agroindustrial lácteo, as mudanças espaciais e os novos sujeitos da relação capital/trabalho Palavras-chave: Capital agroindustrial lácteo. Territorialização. Mudanças espaciais. Relação capital/trabalho. Título em outra língua: A look geographic Corumbaíba (GO): the territorial capital agro dairy, spatial changes and new subjects of capital / labor Palavras-chave em outra língua: Capital dairy agribusiness. Territorialisation. Spatial changes. Relationship capital/labor. Área de concentração: Geografia e Ordenamento do Território Data defesa: (dd/mm/aaaa) 16/05/2013 Programa de Pós-Graduação: em Geografia (PPGGC) UFG/CAC Orientador (a): Marcelo Rodrigues Mendonça E-mail: [email protected] Co-orientador (a):* E-mail: *Necessita do CPF quando não constar no SisPG

3. Informações de acesso ao documento:

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______Data:16 / 05 / 2013 Assinatura do (a) autor (a)

1 Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de embargo.

FOLHA DE APROVAÇÃO

JANÃINE DANIELA PIMENTEL LINO CARNEIRO

UM OLHAR GEOGRÁFICO EM CORUMBAÍBA (GO): a territorialização do capital agroindustrial lácteo, as mudanças espaciais e os novos sujeitos da relação capital/trabalho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia.

BANCA EXAMINADORA

______Profº. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça Orientador e Presidente da Banca Universidade Federal de Goiás

______Profº. Dr. Adriano Rodrigues de Oliveira Membro Externo Universidade Federal de Goiás – Instituto de Estudos Socioambientais

______Profª. Dra. Helena Angélica de Mesquita Membro Interno Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão

Aprovada em 16 de maio de 2013.

À família Pimentel, camponeses, operários, professores, trabalhadores, que com amor me ensinaram os sentidos da vida, do trabalho e da educação.

Aos meus pais, Nivaldo e Tereza, camponeses que trabalham e vivem com amor, dedicação e honestidade, pelo incentivo, pelos ensinamentos e pelo amor incondicional.

Ao Messias, companheiro de todas as horas, pelo apoio, parceria e paciência, sem as quais a conclusão desta pesquisa jamais se realizaria.

Ao João Daniel e à Stella, amores da minha vida.

Aos camponeses que cotidianamente se (re)constroem pelo trabalho, lutando pela terra e pela permanência na terra.

AGRADECIMENTOS

Toda pesquisa resulta de uma trajetória construída a partir de um esforço coletivo. Durante a sua realização, nas mais diversas fases, muitos são os sujeitos e instituições que contribuem de alguma forma para a sua realização. Nesse sentido, agradeço a todos os familiares, colegas, amigos, professores, instituições, trabalhadores, camponeses e demais sujeitos entrevistados. Em especial, agradeço: A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudos concedida por 18 meses. A Prefeitura Municipal de Corumbaíba (GO) pela licença para aprimoramento, concedida por 06 meses. A Prefeitura Municipal de Caldas Novas (GO) pela licença para aprimoramento concedida por 12 meses. A Universidade Federal de Goiás uma instituição pública de ensino gratuito que tem contribuído para nossa formação com seriedade, compromisso e qualidade. A AGB Seção Catalão atuante na construção de uma ciência geográfica reconhecida, consolidada acadêmica e socialmente. A coordenação, secretaria e professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão, que muito contribuíram para minha formação, em especial, a professora Carmem Lúcia Costa. Aos professores do Curso de Geografia da Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão, que me apresentaram os caminhos da Geografia, sobretudo, ao professor Laurindo Pedrosa, João Donizete, Estevane Mendes, Manoel Chaves, José Henrique, Paulo Henrique, Idelvone Mendes, Odelfa Rosa, Valdivino Borges e Ronaldo Silva. Aos professores Adriano Rodrigues de Oliveira e Helena Angélica de Mesquita pelas observações e contribuições feitas no exame de qualificação, com destaque, a professora Helena Angélica pelo contínuo incentivo. Aos colegas do CEGeT pelas reflexões e discussões realizadas, sobretudo, nas “Jornadas do Trabalho”. Aos companheiros do GETeM, parceiros de estudos, aprendizagens e luta, fundamentais para a construção da pesquisa, em especial Gisele Rodrigues, Marina Pires, Edson Santana, Willer Cândido, Gotardo Dezutte, Liliana Assunção, Sheila Cristino, Waldivino Gomes, Ricardo Assis, Helen Reinaldo, Aline Nascimento, Alexandre Marques e Gilmar Avelar.

Ao professor Marcelo Rodrigues Mendonça pela oportunidade, por ter acreditado neste projeto, por ter orientado e conduzido a pesquisa com seriedade e compromisso. Aos companheiros da turma de mestrado 2011, Carlos Pedretti, Narcisa Chumbinho, Siza Bete, Rafael Monteiro, Robson Alves, Ana Paula Novaes, Juliana Santos, Lívia Pires, Waldivino Gomes, Sheila Braz e Marília Christina que compartilharam diversos momentos de aprendizado e descontrações, assim como, pelo apoio nos momentos mais difíceis, tornando- se verdadeiros amigos. Aos colegas de trabalho da EJA e da Escola Municipal Edith Ala, em Caldas Novas, pelo companheirismo e incentivo. Aos alunos, trabalhadores migrantes e filhos de trabalhadores, por me mostrarem em suas trajetórias e lutas cotidianas que os estudos são partes da vida e, mesmo com dificuldades, valem à pena. Aos familiares e amigos que apesar das ausências ocasionadas pelo trabalho, estiveram presentes contribuindo cada um a sua maneira, em especial a Vó Divina, Laísse, Nice, Doni, Sheyla Cristina, Lísias, Lascínia, Moacir Júnior, Itas e Marlene. A amiga, companheira de sonhos, lutas e realizações, Dalva Araújo. Ao Messias pela ajuda fundamental nos trabalhos de campo e durante a escrita da dissertação. Ao Renato Martins pelo apoio com os mapas. Ao professor Jhonatas Machado pela revisão da Língua Portuguesa. A todos, muito obrigada.

Pequeno Gigante

Não tenho vergonha de dizer Que sou um pequeno agricultor Os grandes precisam saber Que o pequeno também tem valor E agente tem que aprender A encarar de frente o “doutor” Olhar firme em seus olhos e dizer Me orgulho em ser colono sim senhor

Pequeno em Movimento Gigante na produção Unidos na Agricultura Para alimentar esta nação

Com luta e organização Abrimos caminhos para seguir Ao doutor aprendemos dizer não E da terra não vamos sair Agora é essa a condição Lutar contra o sistema e resistir Vergonha é importar milho e feijão Se no Brasil nós podemos produzir Levante a cabeça meu parceiro Não deixe o granfino te pisar Exija o respeito companheiro Daqueles que vêm pra te enganar O agricultor é um brasileiro Que esta pátria sempre soube honrar Trabalha e produz o ano inteiro E o que lhe sobra é conta pra pagar

É hora de seguir adiante E pôr os nossos pés na estrada Unidos somos um gigante Sozinhos nós somos nada Trabalho não é o bastante Depois temos outra jornada A luta é quase incessante E é longa a nossa caminhada.

Antônio Gringo

RESUMO

O contexto atual é marcado pelos novos conteúdos da relação capital/trabalho, que resultam em diferentes territorialidades e constantemente (re)constroem o espaço geográfico. Nesse sentido, identifica-se uma nova fase de expansão e acumulação capitalista, marcada pela mobilidade geográfica do capital e do trabalho. O Cerrado brasileiro é ocupado pelo capital agroindustrial de maneira intensa, a partir dos anos 1970, principalmente, com a modernização conservadora da agricultura. A partir dos anos 1990, com a reestruturação produtiva do capital, a agroindústria leiteira também se desloca para o Centro-Oeste brasileiro. Nesse período, o setor lácteo passa por reformulações, no qual a chamada fase de regulação estatal é substituída pela autorregulação do setor, em que prevalecem os imperativos do capital transnacional. Com base nesta nova dinâmica, o capital agroindustrial lácteo se territorializa em Corumbaíba (GO), representado pelo laticínio Italac Alimentos, e promove uma série de mudanças espaciais, nas relações de trabalho e na relação cidade- campo. A pesquisa objetiva compreender a territorialização da agroindústria leiteira no Município e seus efeitos nas mudanças espaciais e na relação campo-cidade. Para isso, a metodologia utilizada compõe-se de três etapas: pesquisa teórica, pesquisa documental e pesquisa de campo, articuladas entre si pelo referencial teórico que as norteiam. Realizou-se a revisão teórica, associada à pesquisa documental em órgãos como a COOPAC, o IBGE e a SEGPLAN/SEPIN. Realizaram-se também trabalhos de campo no espaço urbano _ para reconhecer as mudanças espaciais na cidade _, e nas propriedades rurais onde foram entrevistados os produtores e os trabalhadores rurais que atuam na pecuária leiteira. Em suma, são apresentados: os aspectos que contribuíram para a instalação da empresa em Corumbaíba _ dinâmica socioespacial do Sudeste Goiano; mobilidade geográfica do capital e do trabalho; políticas estatais de desenvolvimento local; infraestrutura, mão de obra e matéria prima, disponíveis; e posição geográfica do Município _, os rearranjos espaciais a partir da Italac Alimentos _ crescimento populacional, efeitos espaciais na cidade, crescimento do espaço urbano, novos conteúdos da relação campo-cidade _ , e ainda, a reestruturação do setor lácteo e os efeitos na produção leiteira, sobretudo, em Corumbaíba, onde o capital agroindustrial promove a sujeição da renda da terra em diferentes níveis de subordinação, nas empresas rurais, na pecuária tradicional e nas unidades camponesas, gerando um contexto marcado por diferentes territorialidades em disputa. Palavras-chave: Capital agroindustrial lácteo. Territorialização. Mudanças espaciais. Relação capital/trabalho.

ABSTRACT

The current context is marked by the new contents of the capital/labour relation, resulting in different territorialities and constantly (re) build the geographical space. In this sense, identifies a new capitalist accumulation and expansion phase, marked by the geographical mobility of labour and capital. The Brazilian Cerrado is occupied by the industrial capital of intense way, from the years 1970, mainly, with the conservative modernization of agriculture. From 1990, with the productive capital, restructuring the lacteal industry also moves to the Midwest. During this period, the dairy sector also passes by reformulations, in which the call State control phase is replaced by industry self-regulation, in which transnational capital requirements prevail. Based on this new dynamic, the agribusiness lacteal territorial capital in Corumbaíba, represented by the Italac lacteal foods, and promotes a series of spatial changes in labor relations and in the city. Thus, the research aims to understand the territorialization of the lacteal industry in the municipality and its effects on spatial changes and field-city. To this end, the methodology consists of three steps: theoretical research, desk research and field research, linked to each other by the theoretical reference guide. The theoretical review, associated with documentary research in bodies such as COOPAC, IBGE and SEGPLAN/SEPIN. There were also works of urban space in the field _ to recognize spatial changes in the city _ and in farms where they were interviewed producers and rural workers engaged in lacteal farming. In short, are presented: the aspects that contributed to the company's facility in Southeastern sociospatial Dynamics _ Corumbaíba; geographical mobility of labour and capital; State policies of local development; infrastructure, labor and raw materials, available; and geographical position of the Municipality -,the spatial rearrangements from the Food Italac _ population growth, spatial effects in the city, urban space growth, new content field-city relationship _ and the restructuring of the lacteal sector and the effects on milk production, in particular, in the capital, where agribusiness Corumbaíba promotes the entry of income in different levels of subordination, in rural enterprises, in traditional livestock and rural units, generating a context marked by different territorialities in dispute. Keywords: Capital dairy agribusiness. Territorialisation. Spatial changes. Relationship capital/labor.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Produtos Italac Alimentos fabricados em Corumbaíba(GO)...... 94

Figura 2 – Destino do leite in natura produzido na bacia leiteira de Corumbaíba (GO)...... 160

Figura 3 – Tabelas de bonificação/penalização aos produtores/fornecedores de leite para a Italac Alimentos...... 221

LISTA DE FOTOS

Foto 1 _ Vista aérea de Corumbaíba (GO): a cidade, o campo e a Italac Alimentos...... 39

Foto 2 _ Moradia típica do Povoado do Areião em Corumbaíba (GO) com destaque para a rua asfaltada, rede de energia elétrica e pomar...... 51

Foto 3 _ Ponto de venda de peixes da Colônia de Pescadores no Povoado Quinca Mariano às margens da Rodovia GO 139...... 52

Foto 4 _ Área de pastagem destinada à pecuária extensiva com gado bovino de corte e de leite em Corumbaíba (GO)...... 55

Foto 5 _ Territorialização da monocultura da soja em Corumbaíba (GO): no primeiro plano o cultivo de soja, no segundo plano, as áreas destinadas às 56 pastagens......

Foto 6 _ Lavoura de sorgo em Corumbaíba (GO)...... 57 Foto 7 _ Lavoura de eucalipto em Corumbaíba (GO)...... 57 Foto 8 _ Plantação de mandioca, guariroba e milho numa unidade camponesa em Corumbaíba (GO)...... 58

Foto 9 _ Rua Dr. Pedro Ludovico, Setor Central de Corumbaíba (GO): localização da maior parte dos estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços 61 na cidade......

Foto 10 _ Trabalhadores no lixão em Corumbaíba (GO): o trabalho informal no Município...... 73

Foto 11 _ Trabalhadores da construção civil no Setor Serra da Galga II em Corumbaíba (GO)...... 74

Foto 12 _ Caminhões em frente à Italac Alimentos aguardando carregamento de mercadorias...... 75

Foto 13 _ Bar e restaurante nas imediações da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) ...... 76

Foto 14 _ Transportadora AGT-LOG: prestadora de serviços à Italac Alimentos em Corumbaíba (GO)...... 76

Foto 15 _ Setor Serra da Galga II em Corumbaíba (GO): casas construídas com recursos federais no ano de 2008 ainda sem pavimentação nas ruas..... 81

Foto 16 _ Rua na Vila da Prata em Corumbaíba (GO): casas construídas com recursos próprios...... 81

Foto 17 _ Rua Setor Simon Bolívar em Corumbaíba (GO): residencial onde vive a classe média do Município, com lotes e casas planejadas...... 82

Foto 18 _ Moradia de trabalhadores na Vila da Prata em Corumbaíba (GO)...... 87

Foto 19 _ Trabalhador rural em Corumbaíba (GO)...... 88 Foto 20 _ Vacas leiteiras em piquetes na Fazenda Bocaina I em Corumbaíba (GO). 89 Foto 21 _ Entrada principal da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO), na Rodovia GO 139...... 96

Foto 22 _ Fábrica de Queijos: propriedade rural camponesa em Corumbaíba (GO).. 163 Foto 23 _ Vacas sendo ordenhadas na Fazenda Bocaina I em Corumbaíba (GO)..... 165 Foto 24 _ Vaca leiteira sendo ordenhada na empresa rural Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO)...... 177

Foto 25 _ Ordenha manual realizada na propriedade camponesa Fazenda Arrependidos em Corumbaíba...... 178

Foto 26 _ Caminhão tanque da Italac Alimentos na Fazenda São Jerônimo em Corumbaíba (GO)...... 181

Foto 27 _ Pastagem rotacional com capim mombaça na Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO)...... 182

Foto 28 _ Lavoura de milho na Fazenda Bom Jardim em Corumbaíba (GO)...... 183 Foto 29 _ Silagem na Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO)...... 184 Foto 30 _ Misturadora de rações na Fazenda Santa Bárbara em Corumbaíba (GO).. 184 Foto 31 _ Trator na Fazenda São Jerônimo em Corumbaíba (GO)...... 185 Foto 32 _ Vagão utilizado para alimentação do gado na Fazenda Santa Bárbara em Corumbaíba(GO)...... 186

Foto 33 _ Curral na Fazenda São Lourenço em Corumbaíba (GO)...... 188 Foto 34 _ Ordenha manual na Fazenda Serra Negra em Corumbaíba (GO)...... 189 Foto 35 _ Sede de propriedade camponesa em Corumbaíba (GO): moradia, pomar e mandiocal...... 194 Foto 36 - Plantação de milho numa propriedade camponesa em Corumbaíba (GO) 194 Foto 37 _ Silagem produzida e armazenada na Fazenda Moeda em Corumbaíba (GO)...... 197

Foto 38 _ Camponês trabalhando na ordenha manual na Fazenda Moeda em Corumbaíba (GO)...... 198

Foto 39 - Tanque de resfriamento instalado na Fazenda Ouro Verde em Corumbaíba (GO) ......

198

Foto 40 _ Moradia de família trabalhadora na Fazenda Bom Jardim em Corumbaíba (GO)...... 207

Foto 41_ Moradia de trabalhadores rurais na Fazenda Salada em Corumbaíba (GO)...... 207

Foto 42 _ Trabalhadora rural na ordenha mecanizada na Fazenda São Jerônimo em Corumbaíba (GO)...... 211

Foto 43 _ Trabalhador rural na Fazenda São Jerônimo em Corumbaíba (GO)...... 217 Foto 44 _ Trabalhador rural realiza manutenção de cercas na Fazenda Bocaina em Corumbaíba (GO)...... 217

Foto 45 _ Tanque de expansão para armazenagem do leite in natura na Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO)...... 230

Foto 46 _ Caminhão tanque da Cooperativa dos Produtores Agropecuários (COOPAC) utilizado para transporte do leite in natura...... 230

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços em Corumbaíba (GO) (1990-2011) ...... 60

Gráfico 2 – Produto Interno Bruto (PIB) – Agropecuária, Indústria e Serviços (1999-2010) ...... 63

Gráfico 3 – Evolução do crescimento populacional de Corumbaíba (GO) (1980- 2011) ...... 70

Gráfico 4 – Finalidade dos financiamentos realizados pelos empresários, pecuaristas e camponeses produtores de leite em Corumbaíba (GO) ...... 172

Gráfico 5 – Faixa etária dos camponeses que atuam na produção leiteira em Corumbaíba (GO) ...... 201

Gráfico 6 – Local de moradia dos camponeses produtores/fornecedores de leite em Corumbaíba (GO) ...... 201

Gráfico 7 – Nível de escolaridade dos camponeses produtores/fornecedores de leite em Corumbaíba (GO) ...... 201

Gráfico 8 – Faixa etária dos trabalhadores rurais assalariados em Corumbaíba (GO) ...... 205

Gráfico 9 – Estado civil dos trabalhadores na pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) 205

Gráfico 10 – Local de residência dos trabalhadores na pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) ...... 206

Gráfico 11 – Nível de escolaridade dos trabalhadores na pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) ...... 209

Gráfico 12 – Renda média dos trabalhadores na pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) ...... 210

Gráfico 13 – Tempo de trabalho dos trabalhadores nas empresas rurais em Corumbaíba (GO) ...... 212

Gráfico 14 – Tempo de trabalho dos trabalhadores nas propriedades de pecuária leiteira tradicional em Corumbaíba (GO) ...... 212

Gráfico 15 – Tempo de permanência dos trabalhadores nas propriedades camponesas em Corumbaíba (GO)...... 212

Gráfico 16 – Jornada de trabalho dos trabalhadores rurais assalariados em Corumbaíba (GO) ...... 213

Gráfico 17 – Acesso aos direitos trabalhistas por parte dos trabalhadores das empresas rurais e pecuária tradicional em Corumbaíba (GO) ...... 214

Gráfico 18 - Principais problemas enfrentados pelos produtores de leite em Corumbaíba (GO) ...... 218 Gráfico 19 – Comercialização do leite produzido em Corumbaíba (GO) ...... 224

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – O Município de Corumbaíba (GO): localização geográfica e as principais rodovias de acesso ...... 50

Mapa 2 – Evolução da malha urbana de Corumbaíba (GO) ...... 79

Mapa 3 – Espacialização da Italac Alimentos no Brasil: fábricas, postos de captação e centros de distribuição...... 93

Mapa 4 – Origem do leite in natura processado pela Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) (2012) ...... 97

Mapa 5 – Estrada de ferro de Goiás (principais estações ferroviárias) – Sudeste Goiano ...... 101 Mapa 6 – Localização de Corumbaíba (GO) em relação aos principais mercados consumidores do País ...... 107

Mapa 7 – Localização das regiões consumidoras dos produtos Italac Alimentos e dos fornecedores de leite in natura para a empresa em Corumbaíba (GO) 108

Mapa 8 – Espacialização da produção de leite em Goiás...... 110

Mapa 9 – Localização das empresas rurais, pecuária tradicional e propriedades camponesas pesquisadas ...... 174

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 _ Efetivo da pecuária em Corumbaíba (GO) (1998-2010) ...... 53

Tabela 2 _ Número de estabelecimentos, área ocupada e atividades praticadas em Corumbaíba (GO) (2006) ...... 54

Tabela 3 _ Principais produtos agrícola de Corumbaíba (GO) (2000-2011) ...... 55

Tabela 4 _ População/homens-mulheres- Corumbaíba (GO) (1991-2010) ...... 68

Tabela 5 _ População/habitante da Microrregião de Catalão (GO) (1991-2010) ...... 70

Tabela 6 _ População/habitante de Corumbaíba (GO) e municípios goianos limítrofes (1991-2010) ...... 71 . Tabela 7 _ Evolução da arrecadação do ICMS em Corumbaíba (GO), segundo setores da economia (1998-2011) (R$ mil) ...... 85

Tabela 8 _ Taxa de urbanização - Corumbaíba (GO) (1991-2010) ...... 86

Tabela 9 _ Dados da produção de leite em Goiás, no Sul Goiano e no Sudeste Goiano de 1990-2010 (Mil litros) ...... 109

Tabela 10 Produção de leite no Brasil por região (1990-2011) ...... 132 _ Tabela 11 Estado de Goiás: rebanho bovino e produção de leite (1995-2010) ...... 152 _ Tabela 12 Produção e produtividade da bacia leiteira de Corumbaíba (GO) ...... 157 _

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 _ Expansão urbana em Corumbaíba (GO) ...... 77

Quadro 2 _ Ranking das maiores empresas de laticínios do Brasil (2011) ...... 95 Quadro 3 _ Os sistemas de produção de leite no Brasil ...... 131 Quadro 4 _ Aspectos gerais das propriedades rurais que produzem leite em Corumbaíba (GO) ...... 176

Quadro 5 _ Força de trabalho familiar nas propriedades camponesas para produção leiteira em Corumbaíba (GO) ...... 200

Quadro 6 _ Força de trabalho assalariada para a produção leiteira em Corumbaíba (GO) ...... 204

Quadro 7 _ Preço livre recebido pela COOPAC pelo leite in natura em 2012 ...... 225

LISTA DE ABREVIATUTURAS E SIGLAS

BB Banco do Brasil BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAC Campus Catalão/UFG CAI Complexo Agroindustrial CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBT Contagem Bacteriana Total CCS Contagem de Células Somáticas CEGeT Centro de estudos de Geografia e Trabalho CELG Centrais Elétricas de Goiás CNA Confederação da Pecuária e Agricultura do Brasil CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COACAL Cooperativa Agropecuária de Catalão COEP Comitê de Ética e Pesquisa COMPLEM Cooperativa Mista dos Produtores de Leite de Morrinhos COOPAC Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba DPA Dairy Partiners Americas EJA Educação de Jovens e Adultos EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FAEG Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás FCO Fundo Constitucional do Centro-Oeste FEICOM Fundo de Expansão da Indústria e Comércio do Estado de Goiás FOMENTAR Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás GETeM Núcleo de estudos Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais GO Goiás IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDH Índice de Desenvolvimento Humano IMB Instituto Mauro Borges IN 51 Instrução Normativa 51 IN 62 Instrução Normativa 62 MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MCP Movimento Camponês Popular MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MERCOSUL Mercado Comum do Sul MG Minas Gerais MPA Movimento dos Pequenos Agricultores NEPSA Núcleo de estudos Socioambientais PAC Pesquisa Anual de Comércio PE Pernambuco PGPL Projeto Gestão da Pecuária Leiteira PIB Produto Interno Bruto PLANAM Programa de Melhoramento da Alimentação e Manejo do Gado Leiteiro PNAT Programa Nacional de Transporte Escolar POLOCENTRO Programa de Desenvolvimento dos Cerrados PPGGC Programa de pós-graduação em Geografia PRODUZIR Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás PRÓ-LEITE Programa de Incentivo à Modernização da Pecuária Leiteira

PROTERRA Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agropecuária do Norte e do Nordeste RIISPOA Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal SEAGRO Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Goiás SEAP Secretaria Especial de Abastecimento e Preços SEGPLAN/GO Secretaria de Gestão e Planejamento do Estado de Goiás SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SEPIN/GO Superintendência de Estatísticas, Pesquisa e Informação do Estado de Goiás SR Sindicato dos Produtores Rurais STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais SUDAM Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia SUDENE Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFG Universidade Federal de Goiás UHT Ultra Alta Temperatura

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 22

OS CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA...... 29 1 A FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DE CORUMBAÍBA (GO): O LUGAR DA PESQUISA ...... 39

1.1 Corumbaíba (GO): um olhar geográfico...... 41 1.2 Corumbaíba (GO): o lugar da pesquisa ...... 48 1.3 Os rearranjos espaciais em Corumbaíba (GO) a partir da Italac Alimentos . 65 1.3.1 O crescimento populacional e a produção de espaço urbano...... 67 1.3.2 A relação cidade-campo: novos conteúdos...... 82

2 A TERRITORIALIZAÇÃO DA ITALAC ALIMENTOS EM CORUMBAÍBA (GO): AS POLÍTICAS DO ESTADO, MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E MUDANÇAS NO TRABALHO ...... 89

2.1 A Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) ...... 91 2.1.1 A dinâmica socioespacial do Sudeste Goiano e a territorialização da 98 agroindústria leiteira ......

2.1.2 A mobilidade geográfica do capital e do trabalho e as políticas de incentivo 111 à industrialização ...... 2.2 Do complexo agroindustrial (CAI) ao sistema agroindustrial lácteo 117 brasileiro: o papel do Estado...... 2.2.1 O Estado e a expansão do capital agroindustrial lácteo ...... 133 2.2.2 A reestruturação produtiva do capital e as mudanças no setor lácteo ...... 143 2.2.3 A pecuária leiteira em Goiás...... 149 2.2.4 A pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) ...... 156

3 O CAPITAL AGROINDUSTRIAL EM CORUMBAÍBA (GO): AS DISPUTAS TERRITORIAIS E OS NOVOS SUJEITOS DA RELAÇÃO CAPITAL/TRABALHO ...... 165

3.1 Apropriação da renda da terra pelo capital agroindustrial ...... 168 3.2 As diferentes categorias de produtores de leite em Corumbaíba (GO) ...... 173 3.2.1 As empresas rurais ...... 179 3.2.2 A pecuária leiteira tradicional...... 187

3.2.3 As unidades de produção camponesas...... 189 3.3 As relações sociais de trabalho na produção leiteira em Corumbaíba (GO) .. 202 3.4 O capital agroindustrial lácteo: os desafios para os produtores...... 218 3.5 O capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO): empresas rurais, 234 pecuaristas e camponeses disputam territórios......

CONSIDERAÇÕES...... 237

REFERÊNCIAS...... 242

ANEXOS...... 249

22

INTRODUÇÃO

Uma resposta se faz necessária para a seguinte pergunta: o que motiva uma pessoa a investigar determinado tema? Nossas escolhas não são aleatórias, elas fazem parte de um processo muito mais amplo, carregado de subjetividades, curiosidades e busca de novos desafios. A terra e o campo, a lavoura e a pecuária, a campanha e a cidade, o ficar e o partir, são elementos constituintes de uma geografia subjetiva e como pesquisador, não tenho como desvincular minha prática profissional de meu entendimento de mundo.

(CHELOTTI, 2009)

As reflexões ora apresentadas são resultados da pesquisa desenvolvida no Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão (PPGGC/UFG/CAC). O ponto de partida para este estudo foi a monografia desenvolvida em 2006, intitulada “O Laticínio Italac Alimentos e as Transformações Espaciais em Corumbaíba (GO)”. A pesquisa foi realizada durante o Curso de Bacharelado em Geografia/UFG/CAC e o objetivo foi compreender as mudanças espaciais (sociais, econômicas e territoriais) em Corumbaíba, no período de 1980-2005 com a instalação do Laticínio Italac Alimentos. A partir da pesquisa desenvolvida, das observações e do interesse pessoal pelo tema, bem como, das leituras no Núcleo de Estudos Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais – GETeM/UFG/CNPq e nas disciplinas cursadas no Curso de Mestrado, surgiram uma série de questionamentos que superam a leitura realizada anteriormente e, por conseguinte, sugeriam a necessidade de uma pesquisa mais aprofundada, que dê conta de desvelar as tramas que compõem a complexa realidade no Município, assim como, os sujeitos e as inter-relações que configuram o espaço, o trabalho e os territórios. É instigante reconhecer e compreender os mecanismos que representam os imperativos do capital, a reorganização do trabalho e os elementos que compõem as especificidades locais/regionais, sobretudo, desvendar os conteúdos da relação capital/ trabalho. Tais resultantes se territorializam compondo os diferentes elementos que configuram a realidade que constantemente (re)constroem o espaço geográfico. Isso, para a Geografia e para os geógrafos, constitui um importante desafio no sentido de compreender a realidade complexa e contraditória formada por tramas, teias e redes que constantemente (re)constroem os espaços, os territórios e os sujeitos que neles atuam. O conflito capital/trabalho gera um contexto de diferentes territorialidades em disputas que merecem ser investigadas. Essas diferentes territorialidades conferem ao espaço novas formas de organização que lhe são específicas e locais, ao mesmo tempo, em que são 23

gerais e universais. “A territorialização é, em última análise, resultado de lutas políticas e decisões políticas tomadas no contexto de condições tecnológicas e político-econômicas determinadas.” (HARVEY, 2000, p. 108). Reconhece-se que o processo de acumulação e expansão do capital iniciado na Inglaterra no final do século XVIII ainda apresenta sinais de vitalidade e uma capacidade de se reinventar impressionante. A lógica societal hegemônica é a da reprodução do capital. Isso porque as forças hegemônicas demandam lógicas de produção e consumo próprias que visam manter as condições de produção e reprodução do lucro, com base na exploração da força de trabalho e na apropriação de mais-valia e, consequentemente, ocasiona a expropriação de milhões de pessoas do acesso às condições mínimas de existência, sobretudo, da terra. Esse movimento de acumulação e expansão geográfica, reorganização espacial e desenvolvimento geográfico desigual podem ser entendidos como fundamentais para o capitalismo se manter, enquanto sistema econômico-político na contemporaneidade. Sob a lógica da necessidade extrema da produção de mercadorias e do lucro, o capital se territorializa nos mais diversos espaços, reinventando a organização política, social e econômica, as relações socioambientais e o trabalho (HARVEY, 2000). O caráter inconstante e expansionista do capital evidenciados por Marx; Engels (2007) faz-se presente no atual contexto de reestruturação produtiva, marcada pelas novas formas de acumulação flexível, consideradas por David Harvey (2009). Este autor afirma que as mudanças presentes na sociedade atual são oriundas da própria natureza do capital, ao se reinventar para garantir a sua acumulação e expansão. Nota-se que as necessidades da expansão capitalista nas últimas décadas promoveram um constante processo de reestruturação espacial em diferentes intensidades e por meio de diferentes estratégias. Entretanto, a expansão geográfica capitalista não deve ser entendida como homogênea, uma vez que, as diversas faces do espaço mundial não se apresentam dessa forma. Isso porque “[...] o mundo não se apresenta como um tabuleiro sobre o qual a acumulação do capital jogou o seu destino.” (HARVEY, 2000, p. 45). Mas, as suas faces são compostas por especificidades que expressam características particulares e diferenciadas. Estas diferenças exigem diversas estratégias do capital para garantir a sua lógica de reprodução do lucro, ao mesmo tempo em que exigem uma reestruturação do trabalho e dos sujeitos sociais para a sua reprodução social. As formas de expansão capitalista promovem um constante processo de reordenamento espacial. Esse processo se acelera a partir da década de 1970, com intensos desdobramentos espaciais. No Brasil, segundo Moreira (2005), evidencia-se um 24

reordenamento espacial pautado na modernização conservadora, ou melhor, na “[...] modernização da agricultura, a redistribuição territorial da indústria e a despatrimonialização- desestatização que privatiza a gestão do espaço [...]”. (MOREIRA, 2005, p. 20). Nesse contexto a formação espacial brasileira ganha uma nova dinâmica cujos imperativos são implantados em diferentes intensidades, por meio de distintas estratégias que, em contrapartida, encontram um terreno repleto de heterogeneidades, que também configuram persistências. Em Goiás, nota-se um constante reordenamento espacial incentivado pela presença marcante de ações privadas e estatais no sentido de promover o desenvolvimento econômico regional, ou seja, ampliar os índices de produção/produtividade, as projeções da balança comercial, as exportações, o Produto Interno Bruto (PIB), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e outros índices capazes de inserir o estado no mercado globalizado. Dentre as ações podem-se se citar: a política de integração de Vargas, em 1930; a construção de Goiânia, em 1937; o Plano de Metas de Juscelino Kubistchek, de 1956 a 1961, tais como, a construção de Brasília, em 1960; a modernização conservadora da agricultura; a industrialização; as migrações; e também, a chegada da agroindústria. No entanto, ao tentar compreender esse processo, a partir de uma leitura sobre o Cerrado e os Povos Cerradeiros2 é preciso considerar as suas práticas materiais, imateriais e socioculturais como fundantes no processo de apropriação do espaço e, portanto, na construção de territórios. É preciso considerar as (Re)Existências, ou seja, a permanência, modificada por uma ação política, firmada nos elementos socioculturais que se firmam ao mesmo tempo em que são modificadas, ou seja, criam “[...] novas raízes e mesclá-las com as já existentes, formando espacialidades como condição para continuar (Re)Existindo.” (PELÁ; MENDONÇA, 2010, p. 34). Para Pelá; Mendonça (2010) o Cerrado goiano se encontra numa encruzilhada de tempos, constituindo-se num mosaico de territórios em disputa, onde estão as estratégias hegemônicas do capital e as (Re)Existências. Diante disso, é preciso reconhecer que a territorialização da relação capital/trabalho e a espacialização dessa relação se apresenta de diversas formas, ao mesmo tempo em que as forças hegemônicas do capital encontram resistências. Além disso, é preciso considerar que o capitalismo para sua existência, desenvolvimento e expansão necessita estar cercado por formas não capitalistas de produção

2 Povos Cerradeiros se referem aos sujeitos sociais trabalhadores/produtores que historicamente viveram nas áreas de Cerrado e constituíram formas de uso da terra a partir das diferenciações naturais-sociais experienciando formas materiais e imateriais de trabalho, que denotam relações sociais de produção muito próprias e em acordo com as condições ambientais, resultando em múltiplas práticas socioculturais (MENDONÇA, 2004). 25

(LUXEMBURGO, 1983). Enquanto pesquisadores é preciso fazer com que estas experiências sejam trazidas à tona para o discurso científico e que não permaneçam ignoradas pelo discurso hegemônico da modernidade. Em Corumbaíba (GO) identifica-se a presença efetiva da lógica capitalista de produção ao mesmo tempo em que existem relações não capitalistas que são (re)significadas e incorporadas pelo processo de reprodução do lucro e acumulação do capital. As questões que nortearam a pesquisa partem de algumas evidências empíricas que merecem ser destacadas. As primeiras impressões sobre as transformações socioespaciais em Corumbaíba (GO) estão presentes nos discursos das lideranças políticas locais que concebem a instalação da Italac Alimentos como sinônimo de desenvolvimento e fonte de riquezas para o Município. Essas ideias, difundidas cotidianamente e fortalecidas pelos meios de comunicação locais, foram incorporadas pelos moradores. Com o tempo, a empresa assumiu, no senso comum, a “identidade” do Município, que passou a ser lembrado e reconhecido por meio desta agroindústria. É comum ouvir das pessoas, moradores do Município, ou não, que Corumbaíba é a cidade da Italac! Ou mesmo que se sentem orgulhosos de serem corumbaibenses, a cidade fortalecida pela Italac. A concepção do desenvolvimento econômico de Corumbaíba, oriunda da territorialização da Italac Alimentos pode ser identificada no pensamento dos escritores locais, tais como no seguinte parágrafo: Vi Corumbaíba amargar no esquecimento da década de 70 e 80, ficamos quase à mercê da sorte, crise econômica, crise do petróleo, depois hiperinflação, desemprego, crise de abastecimento, cobrou-se até ágio em bens duráveis. Corumbaíba e seu povo insistente sobreviveram a essas crises. Eu me lembro de tudo. Claro que tudo isso tem no máximo 30 anos... A realidade atual é outra, não há crise no meio rural e industrial e de prestadores de serviços (COSTA, 2011, p. 25)

Mesmo o olhar empírico, um pouco mais atento, consegue apreender a contradição e os conflitos inerentes ao processo de territorialização do capital. Com a instalação do Laticínio assistiu-se à chegada de pessoas na cidade. Algumas vieram contratadas pela empresa para os cargos que exigiam qualificações específicas, como engenheiro de alimentos, gerente de política leiteira, dentre outros cargos. A maioria das pessoas chegaram em busca de trabalho, com a esperança de serem contratadas e terem um emprego com carteira assinada. Com isso, os empresários locais investiram em loteamentos e construção de casas para venda ou aluguel. Os comerciantes investiram capital na ampliação, diversificação dos estabelecimentos comerciais e prestação de serviços. Chegaram as transportadoras. Os jovens buscavam qualificação profissional para serem contratados e “não precisarem mais sair” da 26

cidade para trabalhar. Os trabalhadores do campo, influenciados e iludidos pela possibilidade de uma vida melhor, mudaram-se para a cidade para ganhar melhor e terem um dia de folga. A empresa ampliou-se e se consolidou como a maior empregadora do Município. Exerceu e continua exercendo influência nas relações sociais de trabalho, na vida cotidiana e na organização política local, pois fez parte da administração pública, ao eleger prefeitos e vereadores. Os produtores de leite3 viram na chegada do Laticínio a esperança de preços melhores para o leite, pois não teriam mais que pagar frete para outras localidades como sempre fizeram. Contudo, esse movimento foi/é acompanhado por contradições. Para sua instalação e ampliação na cidade, a empresa recebeu a doação de terrenos com infraestrutura por parte da Prefeitura Municipal, além de concessões fiscais por parte do estado de Goiás. Nota-se o investimento público no setor privado, ou seja, na reprodução do capital. O acesso à moradia ficou restrito aqueles que tinham renda suficiente para pagar aluguel ou adquirir sua moradia, mesmo financiada. A maioria dos bairros foi formada por programas de moradia do governo, sendo carentes de infraestrutura e de áreas de lazer. As famílias são beneficiárias de programas governamentais assistencialistas como forma de complementar a baixa renda. Os trabalhadores contratados conseguem atuar no mercado formal de trabalho, com carteira assinada, no entanto, sofrem com a intensa e extensa jornada de trabalho na empresa, com as dificuldades de promoção, a falta de organização sindical e reivindicatória consolidada, e com as exigências cada vez maiores dos patrões, que comprometem, sobretudo, a saúde do trabalhador. Como maior empregadora do Município direciona o mercado de trabalho local, inclusive com a determinação do preço dos salários pagos aos trabalhadores. Quanto aos produtores, monopoliza o preço pago pelo leite, uma vez que é a compradora, mesmo indireta, de todo o leite comercializado na bacia leiteira. E ainda impõe, por meio da política de preços por quantidade e qualidade, a necessidade de modernização e especialização da atividade leiteira, responsabilizando os produtores pelas inovações necessárias. Muitos produtores deixaram de comercializar o leite produzido, outros endividaram para manterem-se no mercado. Os trabalhadores do campo foram desterritorializados, pois a modernização da produção leiteira elimina postos de trabalho. A pobreza continua presente no município, tanto na cidade, quanto no campo, pois a renda produzida pela empresa é apropriada pela família proprietária.

3 Na pesquisa, foram considerados produtores os proprietários de terras que se dedicam à atividade leiteira. São consideradas três categorias, sendo: os empresários rurais, os pecuaristas e os camponeses. Sobre a relação entre o tamanho da propriedade, a produção e a produtividade é preciso atentar-se ao fato de que, na pecuária leiteira, não se deve cair no equívoco de considerar que os pequenos produtores são, por consequência, proprietários de pequenas extensões de terra. Isso porque a pecuária leiteira pode ser desenvolvida de forma intensiva e extensiva, dependendo do tipo de manejo (CLEMENTE, 2006). 27

Esse olhar empírico permite o contato inicial com a realidade, contudo, é necessária uma investigação científica para desvelar as tramas que compõem o espaço geográfico em Corumbaíba (GO), a partir da relação capital x trabalho. Diante desse contexto contraditório e conflituoso, as questões que nortearam a pesquisa referem-se a compreensão da territorialização da dinâmica capital/trabalho em Corumbaíba, a partir do Laticínio Italac Alimentos, reconhecendo a participação do Estado e dos diferentes sujeitos nesse processo. Ou melhor, as questões referem-se à realidade de Corumbaíba em relação à mobilidade geográfica do capital e do trabalho que marcam o contexto atual da acumulação flexível do capital e do trabalho, evidenciadas por Harvey (2009) e Thomaz Júnior (2009), dentre outros autores. As principais questões são: Quais as estratégias utilizadas pelo capital para a sua territorialização em Corumbaíba (GO)?; Como essas estratégias se relacionam com os elementos pré-existentes?; Como os conteúdos dessa relação se espacializam?; O que isso significa para os produtores rurais?; E para os trabalhadores rurais?; Existe uma lógica de acumulação diferenciada para o campo e a cidade?; Como essas dimensões espaciais se articulam? Com o intuito de sanar estas questões, a pesquisa desenvolvida tem como objetivo geral compreender o processo de territorialização do Laticínio Italac Alimentos, o capital agroindustrial e financeiro, que culmina nas mudanças espaciais em Corumbaíba (GO), que se estende ao campo e se evidencia, sobretudo, na dinâmica das propriedades rurais e nas relações de trabalho. Em específico, pretende-se: apontar as estratégias de territorialização da agroindústria laticinista em Corumbaíba; compreender o papel do Estado no processo de territorialização da agroindústria neste Município; identificar as mudanças espaciais ocasionadas na cidade e no campo; reconhecer os efeitos na dinâmica territorial das empresas rurais e das unidades camponesas produtoras/fornecedoras de leite, ou seja, as disputas territoriais entre os novos sujeitos da relação capital/trabalho, em Corumbaíba: o capital agroindustrial, os camponeses e as empresas rurais. Assim, foram investigados os imperativos da lógica capitalista e suas diferentes estratégias utilizadas para a manutenção das condições de reprodução do capital, no referido Município, tais como: a instalação do Laticínio; a participação do Estado; e as mudanças socioespaciais em Corumbaíba (GO). Além disso, foram analisadas as diferentes territorialidades que configuram o campo, no qual se tem uma disputa territorial entre agroindústria, camponeses, pecuaristas tradicionais e empresas rurais. Isso porque, campo e cidade são espaços construídos por meio de múltiplas relações sociais, específicas de cada um, mas que se complementam, exatamente por suas diferenças. São coesionados pelo 28

processo de acumulação que se apropria das diferentes formas geográficas e dos conteúdos, aperfeiçoando-os ou recriando-os para garantir as condições de produção do lucro, seja nas fábricas com a extração da mais-valia, seja no campo, através da apropriação renda da terra e, até mesmo, da combinação de ambas, mediante as cadeias agroindustriais produtivas e a sujeição da renda da terra. A dissertação está estruturada em três capítulos, além da introdução e das considerações finais. No primeiro capítulo, intitulado A formação socioespacial de Corumbaíba (GO): o lugar da pesquisa são apresentadas, a abordagem teórico-metodológica, as características socioespaciais de Corumbaíba (GO) e as principais mudanças oriundas desse processo na cidade e no campo. O segundo capítulo, intitulado A territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO): as políticas do Estado, modernização da agricultura e mudanças no trabalho discute o processo de territorialização da empresa no Município, no que tange aos elementos que influenciaram nesse processo. Além disso, apresenta o histórico da constituição do setor agroindustrial lácteo brasileiro, na fase de regulação estatal do setor e na fase de autorregulação, com ênfase para a participação do Estado. Já o terceiro capítulo, intitulado O capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO): as disputas territoriais e os novos sujeitos da relação capital/trabalho aborda as diferentes formas de apropriação da renda da terra pelo capital agroindustrial, apresenta as diferentes categorias de produtores de leite no Município e os desafios lançados para esses produtores a partir da territorialização do capital agroindustrial lácteo.

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OS CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

[...] Temos que pensar numa “Geografia” que nos faça agir com maior liberdade, passar por um repensar de questões práticas de ordem metodológicas. Não se trata de uma discussão profunda deste caráter. Tampouco de um novo método de pesquisa. Mas diríamos que desarmamento destas ferramentas para que possamos “enxergar”, o objeto de pesquisa em sua pluridimensionalidade. O instrumental metodológico, assim concebido é um processo que construímos também durante a pesquisa, no confronto sujeito & objeto e não algo que já se trás preestabelecido. Desta forma, primamos por uma visão plurimetodológica, contra a visão individualista. Na prática, isto nos permite entender que quando se vai a campo, precisamos ter olhares aguçados para observar, apreender, interpretar o objeto estudado em sua integridade, em seu movimento, na sua contradição e confirmação. Nisto por exemplo, o olhar de um estudioso da geografia irá se diferenciar de outros olhares sobre uma paisagem.

(SILVA, 2004)

A ciência geográfica é marcada por uma trajetória de diferentes “fases”, em consonância com o contexto histórico-social vigente. O novo paradigma surge à partir das pesquisas de vanguarda, que por sua vez seguem uma demanda histórico-social. No entanto, o novo paradigma não substitui completamente o velho, mas sim, estão em constante diálogo na constituição das pesquisas geográficas por meio de pontos de afinidade e desacordo. Daí a necessidade de o geógrafo compreender a formação teórico-metodológica e filosófica de cada uma delas e fazer a opção, clara, de qual/s abordagem/s utilizar nas pesquisas. Estas devem estar atentas à complexidade, às contradições e ao constante movimento da realidade dos fatos e fenômenos pesquisados. A Geografia Agrária, no início do século XXI, influenciada pelas correntes filosóficas do pensamento que permitem diferentes interpretações, encontra-se envolvida com as questões complexas que formam o campo brasileiro, seja pela ótica do empirismo, da fenomenologia ou da dialética. Nesse sentido, a Geografia como um todo, bem como, a Geografia Agrária, passa por um momento fecundo, pois as pesquisas podem ser construídas a partir das concepções filosóficas de cada pesquisador, o que permite diversos olhares sobre o campo brasileiro, pautados em elementos econômicos, políticos, culturais e ambientais (CHELLOTI, 2009). Para Oliveira (2004), a proposta teórica da Geografia, para compreender a realidade do campo no Brasil, deve estar vinculada ao entendimento da territorialização do capital e a monopolização do território. Isso porque o campo encontra-se predominantemente marcado pela lógica capitalista, por meio da industrialização da agricultura, ao passo que está também, 30

contraditoriamente, marcado pela expansão da agricultura camponesa. Na primeira situação, o capital se territorializa e expulsa os trabalhadores para as cidades, e no segundo caso, monopoliza o território, recria e redefine as relações camponesas de produção familiar, por meio da sujeição da renda da terra. Daí as inúmeras transformações territoriais no campo, bem como, a contribuição da abordagem territorial para a Geografia Agrária. Segundo Thomaz Júnior (2010), os desafios estão postos para a Geografia do Trabalho, para a compreensão da realidade territorial do trabalho a partir do conflito das classes sociais, pois se identificam constantes mudanças nas formas de expressão do trabalho. Dentre elas têm-se a heterogeneização, a flexibilização e a fragmentação do trabalho, relacionadas à destrutividade, regressividade e irracionalidade sistêmica que promove novos sentidos, magnitudes, conteúdos e significados do trabalho. Daí a necessidade de repensar os pilares teóricos da Geografia do Trabalho, para que comtemplem as fissuras, as tramas, ou melhor, as contradições societais. Isso porque se encontra diante de limitações explicativas de um arcabouço teórico que precisa considerar todo esse complexo contexto. Cabe à Geografia do Trabalho repensar os conceitos de acordo com os novos sentidos do trabalho e do ser que trabalha, ao mesmo tempo em que deve abranger os conceitos para as diferentes formas e modalidades de trabalhadores, ou seja, que vendem a sua força de trabalho (THOMAZ JÚNIOR, 2010). Em suma, cabe à Geografia do Trabalho, contemplar os: [...] significados e registros da identidade do trabalho, [...] a eles devemos vincular nosso interesses em (re)pensar os aprendizados teóricos dessa realidade do trabalho no século XXI, que ao se apresentar de pernas para o ar, nesse ambiente de (des)realização, pode transparecer intransponível, incompreensível, etc. (THOMAZ JÚNIOR, 2010, p. 166).

Nessa perspectiva, a Geografia do Trabalho4 vem sendo (re)construída pelos geógrafos na tentativa de compreender as fissuras do mundo do trabalho, contemplando as diversas tramas societais e as múltiplas faces da classe trabalhadora. A esse respeito, Thomaz Júnior enfatiza que seus objetivos devem:

Reconhecer as marcas territoriais do trabalho e seus significados topológicos, na sociedade em que vivemos; apreender os significados e os sentidos do trabalho, no seio da classe trabalhadora. [...] fazendo um exercício constante para o redimensionamento teórico-conceitual-metodológico, com vistas a identificar, internamente à dinâmica geográfica do trabalho, sua constante (des)realização, [...] (THOMAZ JÚNIOR, 2011, p. 04).

4 O Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) tem apresentado avanços nessa reflexão teórica. O núcleo de pesquisa está vinculado ao departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Presidente Prudente (SP). Desde a sua fundação, em 1996, o CEGeT, coordenado pelo Professor Antônio Thomaz Júnior, construiu uma rede de estudos de Geografia do Trabalho formada pelo CEGeT Paraíba, pelo CEGeT Curitiba e outros núcleos de pesquisa, dentre eles o Núcleo de Estudos Geografia, Trabalho e Movimentos Socais (GETeM), do Curso de Geografia da UFG/Campus Catalão. 31

As pesquisas desenvolvidas na rede CEGeT tem como objetivo central compreender o mundo do trabalho e dos trabalhadores, na cidade e no campo, a partir das contradições e do conflito capital x trabalho. Nessa perspectiva, as abordagens teórico-metodológicas das pesquisas partem dos conflitos territoriais na sociedade, ocasionados pela luta de classes, com ênfase às formas concretas do trabalho no campo e na cidade. Com isso, segundo Thomaz Junior5, busca compreender o tecido social a partir do conflito. Ademais, de acordo com Thomaz Júnior, existe um compromisso político, nas pesquisas e pesquisadores, em revelar os conflitos sociais, identificando o conteúdo complexo do trabalho e as contradições do movimento territorial da classe trabalhadora no Brasil. Além disso, é objetivo dos pesquisadores, construir uma Geografia do Trabalho que auxilie na identificação e denúncia qualificada da invisibilidade das forças de exploração, dominação, controle do trabalho e da natureza pelo capital, dentre elas, as doenças ocupacionais, situações de risco, mutilações e contaminação, relacionadas à questão ambiental. Como integrante da rede CEGeT, o Grupo de Estudos Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais (GETeM/UFG/CNPq) está vinculado ao departamento de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Campus Catalão (CAC). Foi criado em 2006 como um desmembramento do Núcleo de Estudos Socioambientais (NEPSA). É formado por estudantes, professores e pesquisadores da Geografia e de diversas áreas do conhecimento e, ainda dialoga com a comunidade, sindicatos e movimentos sociais. Segundo Marcelo Rodrigues Mendonça6, coordenador, as leituras e discussões realizadas pelo grupo abordam as temáticas da relação capital x trabalho, relação campo-cidade, movimentos sociais, questões socioambientais e agrárias. Especificamente, as pesquisas realizadas objetivam compreender as transformações oriundas da territorialização do capital nas áreas de Cerrado, ou seja, esse processo, em constante (re)construção é contraditório, formado por camadas, tramas, teias e redes, com diferentes tempos históricos que se materializam no espaço. Nesse sentido, tem como centralidade apreender como ocorre a subordinação da renda da terra, os efeitos disso para a relação campo-cidade, para os empresários rurais, os pecuaristas, os camponeses, os trabalhadores rurais, nas suas diferentes modalidades, bem como, para os trabalhadores de um modo geral e para os movimentos sociais que culminam em territórios em disputa. O conceito de território em disputa envolve o território hegemonizado pela lógica capitalista e o território

5 Conferência com o Professor Antônio Thomaz Júnior na XII Jornada do Trabalho realizada em Presidente Prudente (SP) em 2012. A Jornada do Trabalho é um Simpósio anual realizado pela rede CEGeT para fortalecer o debate sobre as temáticas da Geografia do Trabalho, para os integrantes do grupo, estudantes, professores, pesquisadores e comunidade em geral que se interessem pela temática. 6 Fala durante a reunião do GETeM em outubro de 2012. 32

hegemonizado pela lógica camponesa, ambos hibridizados. Assim, analisam a sociedade a partir das transformações espaciais e temporais, produzidas pela relação capital x trabalho. Daí a necessidade de se pensar as mudanças espaciais e suas particularidades, como nesta pesquisa, dedicada ao entendimento da territorialização da agroindústria leiteira em Corumbaíba (GO). Reconhece-se que não existe apenas uma maneira de pensar o “[...] o complexo mundo das investigações científicas. O ideal seria empregar métodos de acordo com as possibilidades de análise e obtenção de respostas para o problema proposto na pesquisa.” (SILVA; MENEZES, 2001, p. 28). Para Minayo (2003) a metodologia deve ser entendida como uma articulação entre conteúdos, pensamentos e existência, já que as concepções teóricas de abordagens, a teoria e a metodologia caminham juntas. Ela deve dispor de um instrumental claro, coerente, elaborado, capaz de encaminhar os impasses teóricos para o desafio da prática. Com isso, a metodologia ou os procedimentos metodológicos assumem um papel de destaque, pois norteiam o trabalho do pesquisador rumo aos objetivos propostos nesta pesquisa. “A metodologia constitui todo um referencial ontológico, epistemológico do pesquisador.” (BARROS, 2008, p. 72). É válido ressaltar que a Geografia trabalha com fenômenos sociais em constante construção, por isso, a atenção em relação à escolha e restrição do método e a metodologia a serem utilizados nas pesquisas. As questões sociais são fluidas, dinâmicas e com consciência histórica, daí a necessidade de se apreender, ao menos, em partes, as complexidades da realidade e dos fenômenos investigados. Na tentativa de compreender a territorialização do capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO) e reconhecer as mudanças espaciais oriundas desse processo buscou-se um conjunto de procedimentos metodológicos que permitissem, mesmo parcialmente, desvelar as tramas da relação capital-trabalho no Município, que significaram novas relações sociais, novas intencionalidades, novos territórios. Entende-se que a escolha dos procedimentos metodológicos, concomitante à abordagem teórico-metodológica, conduz a pesquisa e interfere nos resultados alcançados. A própria seleção dos instrumentos e a forma como serão trabalhados, está intimamente relacionada à formação histórica, política e ideológica do pesquisador. O sucesso na utilização destes irá depender também da sua habilidade. Isso porque, a partir da empiria o pesquisador recorre a uma variedade de procedimentos metodológicos que sejam capazes de auxiliar na realização do estudo, a partir do seu compromisso e envolvimento com a pesquisa, e ainda, pelo respeito e valorização dos sujeitos e fenômenos pesquisados. Assim, não interessa aos 33

geógrafos somente os resultados da pesquisa, organizados numa dissertação, mas também, a trajetória e os processos de construção da pesquisa. Nesta pesquisa, o método e a metodologia estão articulados, fazendo parte de um instrumental teórico e metodológico que configuram a forma de abordagem. No que se refere ao método de abordagem foi utilizado como centralidade o referencial teórico pautado no materialismo histórico dialético. Isso porque as interpretações da realidade, à luz deste método são as que conseguem avançar na compreensão dos fenômenos e sujeitos que a compõem, a partir da contradição. O método dialético é pautado na ação recíproca, na mudança dialética e na interpretação dos contrários, ou seja, parte do princípio de que o mundo não é formado por coisas prontas e acabadas, mas por um constante processo em que as relações estão sendo construídas e reconstruídas, a partir da contradição e dos contrários que configuram uma unidade (MARCONI; LAKATOS, 2007). Os procedimentos metodológicos foram agrupados em três etapas principais: a pesquisa teórica; pesquisa documental; e pesquisa de campo, realizadas concomitantemente e de acordo com as ações inerentes a cada uma das etapas. A pesquisa teórica, ou revisão de literatura foi relevante para a construção desta pesquisa, pois constituiu o momento de conhecer o que já foi publicado sobre o tema. Luna (1996) esclarece que a revisão de literatura permite mostrar através de obras já publicadas, o que já se sabe sobre o tema e quais as lacunas e entraves teóricos e metodológicos existentes; permite também a inserção do tema do problema da pesquisa num quadro teórico, ou em vários, para explicá-lo; conhecer quais procedimentos metodológicos vem sendo aplicados nas investigações desta temática, tanto para a coleta de dados, quanto para a sua interpretação; recuperar a evolução de um conceito que explique as suas evoluções e implicações. Com isso, construiu-se um referencial teórico básico que auxiliou na compreensão do objeto de estudo e dos sujeitos pesquisados. Dentre as obras e textos consultados referentes à metodologia de pesquisa em Geografia e nas demais ciências humanas e sociais, estão: Thompson (1992), Bosi (1994), Luna (1996), Marconi; Lakatos (2007), Ramires; Pessôa (Org.) (2009), Alentejano; Rocha- Leão (2006) e Demo (2009). No que se refere às categorias espaço, território e ao processo de formação do espaço brasileiro, estão: Santos (1985; 1999; 2001; 2002), Haesbaert (2007), Raffestin (1993), Fernandes (2009), dentre outros. Sobre trabalho e reestruturação produtiva do capital, estão: Harvey (2000; 2005; 2009), Thomaz Júnior (2000; 2002; 2009) e Mendonça (2004; 2010). Sobre a relação campo-cidade, tem-se: Willians (1989) e Marques (2006). As 34

literaturas especificamente sobre Goiás, o Sudeste Goiano e Corumbaíba, são: Calaça; Chaveiro (2012), Gondim Júnior (2010), Carneiro (2006), Melo (2008), dentre outros. A pesquisa documental foi realizada em arquivos públicos, tais como projetos de lei e leis, publicados pela Câmara Municipal de Corumbaíba (GO), onde foi possível conhecer as leis municipais de incentivo e concessões para as indústrias que se instalaram, ou desejam se instalar no Município. E ainda, pesquisa em arquivos da Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC) para conhecer o histórico, a dinâmica da Cooperativa, e ainda, a relação entre os cooperados. Os dados censitários foram obtidos nas publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde constam dados gerais do País, dos estados e municípios brasileiros. Já os dados, especificamente sobre Goiás e Corumbaíba, foram obtidos nos sites da Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento do Estado de Goiás (SEGPLAN/GO), da Superintendência de Estatística, Pesquisa e Informações Socioeconômicas do Estado de Goiás (SEPIN/GO) e do Instituto Mauro Borges. As informações sobre o espaço urbano foram obtidas na Secretaria Municipal de Ação Urbana e na Secretaria Municipal de Finanças de Corumbaíba (GO). O trabalho de campo é um importante recurso metodológico para as pesquisas em Geografia. Nesta pesquisa, esteve aliado à observação, à observação participante, ao diário de campo e às fontes orais, ou seja, às entrevistas semiestruturadas. Além de possibilitar um avanço na compreensão da realidade complexa e contraditória que compõe estas tramas, teias e redes que (re)constroem os espaços, territórios e os sujeitos que neles atuam, tais instrumentos permitem que as pesquisas geográficas sejam construídas a partir da dinâmica da realidade, e não apenas como pesquisas de gabinete, as quais acabam priorizando as abordagens teóricas, que em si, não contemplam as suas heterogeneidades e especificidades dessa realidade. A complexidade inerente à realidade investigada enfatiza a necessidade de os geógrafos retornarem literalmente ao campo, para confrontarem a diversidade que não pode ser reduzida aos esquemas teóricos fechados e inflexíveis, pois é o próprio movimento da realidade que os alimenta. Nesse sentido, não se pode dispensar a reflexão articulada na investigação do campo que está em constante transformação (PAULINO, 2012). O trabalho de campo é entendido como um instrumento que possibilita a interação entre a teoria e a prática. Isso porque se constitui “[...] como uma ferramenta a serviço dos geógrafos, desde que articulada com a teoria, capaz de possibilitar a conexão da empiria com a teoria.” (ALENTEJANO; ROCHA-LEÃO, 2006, p. 54). Nesta pesquisa o trabalho de 35

campo foi realizado a partir de uma teoria que o fundamentou e ofereceu subsídios para que a coleta e a interpretação das informações e dados fossem elaboradas a partir das suas aparências, mas em busca da sua essência, articulando-os entre o local e o global. Nesse caso, buscou-se compreender “o mundo no lugar e o lugar no mundo”, conforme enfatiza Mendonça (2004). Com isso, a pesquisa visa trazer uma “Geografia do Município”, porém na sua relação com o mundo, ou seja, Corumbaíba (GO) no mundo. O caráter imprescindível do trabalho de campo para a ciência geográfica, como um todo, bem como, para as pesquisas em Geografia Agrária e na Geografia do Trabalho, se deve ao fato de que tanto o campo brasileiro quanto o mundo do trabalho e dos trabalhadores passa por reformulações, experimentando uma série de mudanças oriundas da chamada modernização conservadora da agricultura, desde os anos 1970 e da reestruturação produtiva do capital e do trabalho, desde os anos 1990. Nesse contexto surgem novas territorialidades e novas lógicas produtivas que não eliminam por completo as práticas preexistentes, como as práticas camponesas, por exemplo, mas ao contrário, são reelaboradas e inseridas na “nova lógica” de reprodução do capital. Nesse aspecto, o trabalho de campo oportuniza o contato entre a dinâmica inerente ao movimento do real e a teoria que fundamenta a pesquisa, e ainda, a formulação de um campo teórico-conceitual que seja capaz de explicar os fatos e fenômenos que o compõe. Tanto o trabalho de campo, quanto a observação, a observação participante, as entrevistas e o diário de campo são instrumentos utilizados, sobretudo, na pesquisa qualitativa, embora a pesquisa quantitativa também signifique um eficiente recurso metodológico. Nesta pesquisa, a pesquisa quantitativa foi aliada à pesquisa qualitativa, pois ambas se complementam. Para Matos; Pessôa (2009) a pesquisa qualitativa difere-se da pesquisa quantitativa por questões teórico-metodológicas: a pesquisa quantitativa estabelece e segue planos elaborados com rigidez, quantificando os resultados. Já a pesquisa qualitativa é direcionada ao longo do seu desenvolvimento, consiste na interpretação dos fatos e fenômenos estudados. Estas formas de pesquisas podem ser utilizadas de forma complementar, pois “[...] qualitativos e quantitativos são diferentes, porém não são excludentes. [...]”. (SOUZA JÚNIOR, 2009, p. 27). Os trabalhos de campo foram realizados na cidade e no campo em Corumbaíba (GO). Na cidade, foram visitados os bairros e ruas no intuito de conhecer a dinâmica de cada um, perceber as mudanças espaciais, identificar as relação sociais estabelecidas, assim como, as diferentes formas de territorialização do capital e do trabalho que (re)constrói o espaço e se 36

materializa na paisagem. Além disso, foram visitados os seguintes locais: sede do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Corumbaíba (STTR), Sindicato dos Produtores Rurais de Corumbaíba (SPR), da Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC) e na sede da Italac Alimentos.7 No campo foram visitadas as propriedades rurais do Município que se dedicam à atividade leiteira. Dentre elas, uma propriedade onde a família fabrica queijos; cinco propriedades especializadas na produção leiteira, denominadas empresas rurais; seis propriedades camponesas que vendem leite para a COOPAC; e outras seis propriedades de pecuaristas que fornecem leite in natura para a Italac Alimentos8. A observação constituiu o princípio para os trabalhos de campo, já que proporcionou o contato com o espaço, com a paisagem e com os sujeitos a serem investigados. A observação participante também foi desenvolvida nesta pesquisa. Souza Júnior (2009) afirma que a observação participante é a possibilidade de maior aproximação entre o pesquisador, os sujeitos da pesquisa e a realidade socioespacial da qual fazem parte. Esta estratégia metodológica permitiu uma maior percepção em relação ao mundo vivenciado pelos sujeitos da pesquisa, oportunizando uma análise além do discurso que se instaura. A observação participante foi realizada em uma empresa rural, em uma propriedade camponesa e em uma propriedade de pecuarista9, objetivando conhecer a organização interna da unidade produtiva, as relações de trabalho, tais quais, as diferentes formas de manejo do gado e os distintos sujeitos que nela atuam sendo: os pecuaristas, os empresários, os trabalhadores rurais e as famílias camponesas. “A utilização de entrevistas como fonte vem de muito longe e é perfeitamente compatível com os padrões acadêmicos.” (THOMPSON, 1992, p. 22). Esta fonte de dados adquire centralidade nas pesquisas em Geografia, pois oferece novas perspectivas e revela novos campos de pesquisa por valorizar os diferentes saberes e a memória do homem. Ademais, permite que os sujeitos forneçam dados e informações fundamentais para a compreensão da dinâmica da realidade investigada.

7 Vale destacar que a empresa não permitiu a realização de trabalho de campo na unidade fabril. Mesmo assim, o gerente de política leiteira concedeu uma entrevista sobre a relação estabelecida entre a empresa e os produtores/fornecedores de leite. 8 O ponto de partida para a pesquisa nas propriedades rurais foi a sondagem da diversidade de propriedades rurais que se dedicam à produção leiteira em Corumbaíba (GO). Com isso, identificou-se a existência de cinco empresas rurais, diversas propriedades camponesas e várias outras que se dedicam à pecuária tradicional. Para a seleção das propriedades rurais (pecuária tradicional e produção camponesa) a serem analisadas, compondo a amostragem da pesquisa, considerou-se a localização geográfica, a receptividade dos proprietários e a facilidade de acesso. 9 Os critérios para a seleção das propriedades foram: autorização dos proprietários para a realização da pesquisa; assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CoEP) da UFG, para divulgação das informações; e facilidade de acesso. 37

Nesta pesquisa, as entrevistas permitiram que o entrevistador tivesse melhor compreensão de como a realidade é percebida e vivenciada pelos sujeitos, ao mesmo tempo em que possibilitou uma série de descobertas capazes de superar as expectativas. “Com as entrevistas se aprende algo mais do que o simples conteúdo [...] demonstram como é rica a capacidade de expressão de pessoas de todas as condições sociais.” (THOMPSON, 1992, p. 41). Muitas vezes permitiram que sujeitos, jamais ouvidos ou considerados nos registros históricos oficiais, pudessem expressar-se e serem ouvidos. As entrevistas foram realizadas de forma semi dirigida, ou seja, com um roteiro prévio, mas dinamizado a partir das questões abordadas pelos entrevistados. Na Italac Alimentos, foi entrevistado o gerente de política leiteira para conhecer o relacionamento entre o Laticínio e os produtores/fornecedores. As questões referiram-se à caracterização da empresa e dos produtores/fornecedores, assim como, à relação estabelecida entre ambos. Entrevistou-se também os presidentes do Sindicato dos Produtores Rurais, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e da COOPAC. As questões referiam-se à organização interna dos sindicatos e da cooperativa, além da relação entre estes órgãos e os sindicalizados e cooperados. Nas entrevistas, foi possível conhecer também a concepção que tais lideranças têm da bacia leiteira de Corumbaíba (GO), dos produtores e dos trabalhadores que nela atuam. No campo, foram entrevistados cinco proprietários e cinco trabalhadores rurais que atuam nas empresas rurais, seis camponeses produtores de leite e seis pecuaristas que atuam no setor lácteo no intuito de conhecer a dinâmica territorial das propriedades e as relações de trabalho estabelecidas entre esses sujeitos. Com isso, identificou-se a heterogeneidade do setor, uma vez que o nível de especialização na atividade e de modernização da produção identificados nas empresas rurais apresentou especificidades. As diferenças também fazem parte das propriedades dos pecuaristas e até mesmo das propriedades camponesas, por apresentarem especificidades no processo produtivo, nas relações sociais de trabalho e na relação com os laticínios. As questões abordadas nas entrevistas dos empresários rurais, pecuaristas e unidades camponesas foram as seguintes: dados de identificação dos produtores; dados de identificação e organização das propriedades; detalhes do manejo do gado; detalhes da organização do processo produtivo; opinião quanto à especialização e modernização da produção; aspectos positivos e negativos na produção leiteira; principais dificuldades encontradas para se manterem no setor; força de trabalho utilizada na propriedade; e a relação entre elas e os laticínios. 38

Já as questões feitas aos trabalhadores rurais, abordaram os seguintes aspectos: identificação do trabalhador; jornada de trabalho; aspectos positivos e negativos de ser um trabalhador rural; e opinião sobre a modernização da produção leiteira. As impressões e informações coletadas no trabalho de campo por meio das observações e das entrevistas foram registradas no diário de campo. Este instrumento permite registrar o convívio com os entrevistados, facilita a reconstrução da história nos seus aspectos econômicos, políticos e culturais, além de possibilitar o exercício de memória do pesquisador nas anotações posteriores ao campo, ampliando a capacidade de percepção da paisagem. Ajuda ainda, a aprofundar o olhar do pesquisador sobre o espaço social, registrar as preocupações e inquietações que surgem no decorrer do trabalho de campo (VENÂNCIO; PESSÔA, 2009). Assim, no dizer de Silva (2004) cabe aos geógrafos compreender o espaço a partir das suas dimensões físicas e humanas, assim como, na sua micro e macro reprodução socioespacial. Ao “fazer Geografia” o geógrafo comprometido com a compreensão crítica da realidade, deve ter uma visão ainda que sintética desse conjunto relacional, a fim de oferecer uma visão completa e mais abrangente na sua interpretação do objeto estudado, isto é, dos processos e relações que aí se realizam. Certamente, estará presente o conhecimento captado das inter-relações socioambientais, socioeconômico ou sociopolítico, no processo de análise e decodificação da paisagem.

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1 A FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DE CORUMBAÍBA (GO): O LUGAR DA PESQUISA

Foto 1 - Vista aérea de Corumbaíba (GO): a cidade, o campo e a Italac Alimentos

Fonte - Acervo da Prefeitura Municipal de Corumbaíba. Pesquisa de campo, março de 2012. A vista aérea da cidade de Corumbaíba (GO): a cidade e parte do campo nas suas imediações. Na malha urbana, localiza-se a unidade fabril do Laticínio Italac Alimentos. No campo estão áreas de pastagens destinadas à pecuária extensiva, uma significativa atividade econômica no Município.

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1 A FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DE CORUMBAÍBA (GO): O LUGAR DA PESQUISA

A região e o lugar não têm existência própria. Nada mais são que uma abstração, se os considerarmos à parte da totalidade. Os recursos totais do mundo ou de um país, quer seja o capital, a população, a força de trabalho, o excedente, etc., dividem-se pelo movimento da totalidade, através da divisão do trabalho e na forma de eventos. A cada momento histórico, tais recursos são distribuídos de diferentes maneiras e localmente combinados, o que acarreta uma diferenciação no interior do espaço total e confere a cada região ou lugar sua especificidade e definição particular. Sua significação é dada pela totalidade de recursos e muda conforme o movimento histórico.

(SANTOS, 1999)

O processo de expansão geográfica do capital iniciou-se na chamada acumulação primitiva e se realiza até os dias atuais promovendo uma série de mudanças nas áreas incorporadas por sua dinâmica territorial, ou seja, promovendo uma série de mudanças no espaço geográfico, pautadas na relação capital x trabalho. O Cerrado brasileiro é ocupado pelo capital agroindustrial de maneira intensa, a partir dos anos 1970, sobretudo, com a modernização da agricultura. A partir dos anos 1990, com a reestruturação produtiva do capital, a agroindústria leiteira também se desloca para o Centro-Oeste brasileiro. Dentre as empresas, surge a Italac Alimentos, uma agroindústria laticinista, que se instala em Corumbaíba (GO), no final da década de 1990. Com a territorialização do Laticínio, a dinâmica socioespacial do Município sofre mudanças, uma vez que, a empresa dinamiza a economia local, atuando como principal empregadora formal e compradora do leite in natura produzido em Corumbaíba (GO) e região. Nota-se a presença marcante do capital agroindustrial e financeiro, promovendo alterações espaciais nas relações campo-cidade, pois a empresa atua também no campo, por meio das unidades produtoras/fornecedoras de leite. Ao mesmo tempo, a empresa promove a exploração da força de trabalho na cidade e a sujeição da renda da terra no campo. O presente capítulo tem como objetivo apresentar a formação socioespacial do Município, a partir de uma leitura geográfica. Ademais, aborda os rearranjos espaciais ocasionados pela territorialização da agroindústria laticinista, sobretudo, o crescimento populacional, a produção do espaço urbano e a relação cidade-campo.

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1.1 Corumbaíba (GO): um olhar geográfico

A geografia é uma forma particular de ciência que tira sua especificidade de relacionar imagem e fala por meio da categoria da paisagem. E essa especificidade vem do fato de que para produzir a sua forma de representação de mundo a geografia tem que conceber o mundo como espaço. Essas duas categorias necessitam para isso mobilizar a categoria intermediária do território. [...]

(MOREIRA, 2011)

A realidade é configurada pelas transformações espaciais e temporais, estando em constante (re)construção. Esse movimento do real é contraditório, desigual e combinado, colocando-se para a Geografia e para os geógrafos como um importante desafio a ser superado. Nesse prisma, a realidade socioespacial de Corumbaíba (GO) constitui o ponto de partida para esta pesquisa, uma vez que são as transformações socioespaciais que vem ocorrendo nos últimos vinte anos, os elementos que motivam/ram a sua realização. Portanto, espaço, território, lugar e paisagem são as categorias geográficas que permitem desvelar, ao menos em partes, as tramas espaciais da relação capital x trabalho no Município. A abordagem do lugar da pesquisa busca a compreensão dos seus elementos que se hibridizam e constituem o espaço geográfico. Esses elementos existentes, de ordem material e imaterial, se entrecruzam e compõem a realidade, num processo constante de (re)construção histórica. Esta deve ser entendida também a partir da relação entre o local e global, ou seja, levando-se em consideração os elementos internos e os externos que se “misturam” na constituição do lugar. Santos (1999) entende que: A partir da noção de espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações podemos reconhecer suas categorias analíticas internas. Entre elas, estão a paisagem, a configuração territorial, a divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo. [...], levanta- se a questão dos recortes espaciais, propondo debates de problemas como o da região e do lugar; o das redes e das escalas. [...] impõem-se a realidade do meio com seus diversos conteúdos em artifício e a complementaridade entre uma tecnoesfera e uma psicoesfera. [...] podemos propor a questão da racionalidade do espaço como conceito histórico atual e fruto, ao mesmo tempo, da emergência das redes e do processo de globalização. O conteúdo geográfico do cotidiano também se inclui entre conceitos constitutivos e operacionais, próprios à realidade do espaço geográfico, junto à questão de uma ordem mundial e de uma ordem local (SANTOS, 1999, p. 19).

Nesse sentido, propõe-se o estudo da territorialização do capital agroindustrial, em Corumbaíba (GO), a partir das mudanças espaciais nas relações de trabalho e no conteúdo das relações campo/cidade, pois na cidade se instala a agroindústria, e no campo, onde estão as unidades produtoras e fornecedoras do leite in natura, como matéria-prima para a empresa. Este estudo busca considerar o recorte espacial a ser estudado, como um híbrido, e não 42

somente a partir de fatores que existem no lugar, mas se inter-relacionam na produção do espaço. Para Santos (1999): [...] a ideia da forma-conteúdo une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa ideia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações (SANTOS, 1999, p. 83).

Ao analisar as abordagens do espaço na Geografia, Santos (1999) chama a atenção dos geógrafos para a totalidade do espaço geográfico, pois em tempos de globalização esta questão se fortalece, diante das constantes menções ao chamado espaço global. Para o autor: [...] um caminho seria partir da totalidade concreta como ela se apresenta neste período de globalização – uma totalidade empírica – para examinar as relações efetivas entre a Totalidade-Mundo e os Lugares. Isso equivale a revisar o movimento do universal para o particular e vice-versa, reexaminando, sob esse ângulo, o papel dos eventos e da divisão do trabalho como uma mediação indispensável (SANTOS, 1999, p. 92).

A realidade espacial em Corumbaíba (GO) pode ser compreendida a partir desta inter-relação entre os elementos particulares e os universais, formando a totalidade do espaço geográfico. Esta totalidade deve ser vista como a junção de várias partes e sujeitos, entendidos a partir do movimento do real e da totalidade que configuram a realidade. Posteriormente, Santos (1999) complementa: O todo somente pode ser conhecido através do conhecimento das partes e as partes somente podem ser conhecidas através do conhecimento do todo. Essas duas verdades são, porém parciais. Para alcançar a verdade total, é necessário reconhecer o movimento conjunto do todo e das partes, através do processo de totalização (SANTOS, 1999, p. 96).

Neste estudo busca-se compreender a realidade socioespacial de Corumbaíba, a partir da relação entre a chamada Totalidade-Mundo e o Lugar e entre o todo e as partes. Assim, deve ser analisada com base na constante relação entre os elementos ditos locais e os ditos globais, e ainda, os resultantes dessa interação. “Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente.” (SANTOS, 2012, p. 98). As múltiplas dimensões do espaço são construídas por meio das múltiplas relações sociais, econômicas, políticas, ambientais e culturais. Nesse sentido, Fernandes (2009) afirma que o território é um todo, mas deve ser entendido como parte da realidade, a partir de sua multidimensionalidade, isso porque, assim como o espaço, deve ser compreendido por meio das relações sociais, ou melhor, da relação classe-território, cujas relações produzem diferentes territórios, constantes conflitualidades e distintas territorialidades, a partir de intencionalidades divergentes. Haesbaert (2007) assegura que os territórios devem ser entendidos a partir da multiterritorialidade ou reterritorialização, cujas totalidades estão sobrepostas e descontínuas. 43

Portanto, a leitura que se faz dos territórios não deve estar vinculada ao entendimento do conceito de território restrito ao espaço e a espacialidade. Para Raffestin (1993) espaço e território não são sinônimos. O espaço é anterior ao território, uma vez que o território se forma a partir do espaço como resultante de: [...] uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo) pela representação, o ator “territorializa” o espaço. [...] É uma produção, a partir do espaço, mas não é espaço. É uma produção, a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder (RAFFESTIN, 1993, p. 143-144).

Os principais elementos constituintes do território, segundo Saquet (2010) são:

Identidade (entendida como referência, enraizamento, ligação, afetividade, materialização, efetivação, lugar); relações de poder dominação e subordinação; redes de circulação e comunicação, visíveis e invisíveis, materiais e imateriais, infraestruturais e abstratas, movimento. Esses três elementos estão interligados e em interação. Há no território, a referência, a identidade e diversidade na unidade [...] (SAQUET, 2010, p. 161).

Nessa perspectiva, pretende-se compreender a territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO), pois se refere a um espaço “[..] construído pelo ator, que comunica suas intenções e a realidade material por intermédio de um sistema sêmico. [...]. É, [...] o espaço que se tornou território de um ator, desde que tomado numa relação social de comunicação.” (RAFFESTIN, 1993, p. 147). A territorialidade é dinâmica e deve ser entendida como um conjunto de relações mantidas com o território, a partir da relação entre sociedade, tempo e espaço. Deve ser concebida sempre como uma relação, já que: A territorialidade se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais, ela é consubstancial a todas as relações e seria possível dizer que, de certa forma, é a “face vivida” da “face agida” do poder [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 161-162).

Ainda segundo Raffestin (1993) a territorialidade: [...] adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. [...], todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. Os atores, sem se darem conta disso, se auto modificam também. O poder é inevitável e, de modo algum, inocente. Enfim, é impossível manter uma relação que não seja marcada por ele (RAFFESTIN, 1993, p. 158-159).

Nesse sentido, a territorialização da agroindústria laticinista, Italac Alimentos, em Corumbaíba (GO) é conduzida pela lógica da (re)produção do capital, ou melhor, pelo interesse de produzir mercadorias e obter lucro por meio da apropriação do trabalho e da natureza, ora transformada em recursos, e pela sujeição da renda da terra, garantindo a acumulação capitalista e promovendo mudanças nas relações sociais. Este processo é 44

visualizado a partir da sua relação com o trabalho, uma vez que se constituem, no capitalismo, pares dialéticos. Por outro lado, têm-se os territórios pré-existentes, tais como no Cerrado goiano, que também influenciam e são influenciados pelas investidas do capital, alterando a relação capital x trabalho. O capital – aqui com ênfase no capital agroindustrial lácteo – se territorializa seguindo uma tendência inerente ao seu modo de produção, ou seja, “lançando suas garras” pelos mais diferentes espaços geográficos, transformando as relações pré-existentes, que (Re) Existem, pois são (re)significadas. Esta expansão faz parte da sua natureza intrínseca, incontrolável e expansionista, ocorrendo desde a sua constituição enquanto modo de produção. Tais aspectos constituem sua centralidade, consagrados desde a chamada acumulação primitiva, denominando assim, o processo histórico que promoveu a formação das: [...] condições básicas da produção capitalista [...], de um lado, o proprietário dos meios de produção, que compra a força de trabalho alheia; e, por outro, os trabalhadores livres, que vendem sua força de trabalho. Para que estas condições fossem atingidas, foi necessária a dissociação entre os trabalhadores e os meios pelos quais realizam o trabalho. A acumulação primitiva transformou em capital os meios de subsistência e de produção e os produtores diretos em assalariados [...] é a pré-história do capital e do modo de produção capitalista [...] (MARX, 2010, p. 825).

O capital é por essência incontrolável (MESZÁROS, 2002). A incontrolabilidade faz parte da sua razão de ser, pautada na expansão e na acumulação, nas quais todos os impedimentos são removidos e/ou adaptados/subordinados. No momento da sua consolidação, como modo de produção, o capital supera as barreiras representadas pelos modos de produção anteriores, remove as restrições sociais, políticas e materiais, numa autorregulação contínua, sempre em escala crescente. A partir de então, submete as potencialidades subjetivas e materiais em sua própria natureza, já que é um modo de controle que não restringe o seu imperativo expansionista, historicamente instável. No contexto atual, demonstra o aspecto total da incontrolabilidade, não tolerando regras que possam comprometer a sua dinâmica (PANIAGO, 2007). As mudanças promovidas pela territorialização do capital, segundo Harvey (2005), se dão porque “[...] a burguesia tanto cria como destrói os fundamentos geográficos – ecológicos, espaciais e culturais – de suas próprias atividades, construindo um mundo à sua própria imagem e semelhança [...]” (HARVEY, 2005, p. 40). Esse argumento é fortalecido, ao afirmar que toda formação social, ou território, “[...] que é inserida ou se insere na lógica do desenvolvimento capitalista, tem de passar por amplas mudanças legais, institucionais e 45

estruturais do tipo descrito por Marx sob a rubrica da acumulação capitalista.” (HARVEY, 2005, p. 127). A acumulação do capital sempre foi uma questão profundamente geográfica e “[...] sem as possibilidades inerentes à expansão geográfica, à reorganização espacial e ao desenvolvimento geográfico desigual, o capitalismo há muito teria cessado de funcionar.” (HARVEY, 2005, p. 40). Todavia, o mundo não é homogêneo, pelo contrário, possui múltiplas variações, justificando a expansão desigual e combinada do capital com suas especificidades, que tornam o processo complexo e contraditório. Essa desigualdade se deve ao fato de que: O mundo não se apresenta como um tabuleiro sobre o qual a acumulação do capital jogou o seu destino. É uma superfície muito variada, diferenciada ecológica, política, social e culturalmente. Os fluxos do capital encontram alguns terrenos mais fáceis de ocupar do que outros, em diferentes fases de desenvolvimento (HARVEY, 2005, p. 67).

Além desse aspecto, Smith (1988) salienta que o desenvolvimento desigual é a expressão geográfica das contradições do capital, já que: [...] A missão histórica do capital é o desenvolvimento das forças de produção por via da qual a igualização geográfica das condições e dos níveis de produção torna-se possível. A produção da natureza é a condição básica para esta igualização, mas a igualização é continuamente frustrada pela diferenciação do espaço geográfico. A diferenciação como o meio para um fixo espacial torna-se ela própria um problema a ser resolvido. [...] Assume muitas formas, mas fundamentalmente expressa a diferenciação social que é a verdadeira definição do capital: a relação capital e trabalho. Na medida em que o desenvolvimento desigual se torna crescente necessidade para se evitar as crises, a diferenciação geográfica se torna cada vez menos um subproduto e mais uma necessidade central para o capital (SMITH, 1988, p. 217).

Dessa forma, a expansão geográfica e o desenvolvimento desigual se tornam mais uma estratégia do capital para se manter enquanto modo de produção, diante da crise ocasionada pelo excedente de capital e de força de trabalho, espalhando-se pelo globo em alguns lugares como uma verdadeira “ praga de gafanhotos”, e em outros, como uma verdadeira forma de articulação entre os diferentes modos de produção, por conseguinte, como “[...] um produto do desenvolvimento e dos limites do capital. Mais concretamente, é a lógica do desenvolvimento desigual que estrutura o contexto para a articulação.” (SMITH, 1988, p. 222). No que se refere ao mundo do trabalho, diante das ações expansionistas do capital e das diferentes estratégias territoriais assumidas nesse período histórico da humanidade, Thomaz Júnior (2011) diz que: [...] a subversão das necessidades humanas aos imperativos da valorização do capital e à reprodução do valor de troca atingiu em profundidade as mediações de primeira ordem, que foram, de maneira nefasta, sendo substituídas pelos elementos 46

fetichizadores próprios do sistema de metabolismo social do capital. Por isso, o trabalho alienado passa a compor a forma dominante para a valorização de capital. Esses novos elementos de controle social e metabólico fazem com que os meios se tornem os fins últimos, sendo que, por sua vez, os fins ontológicos da humanidade (produção de valores de uso) são transformados em meios subsumidos aos tais fins reificados (THOMAZ JÚNIOR, 2011, s/p).

Posteriormente, Thomaz Júnior (2011) complementa que: Sob o capitalismo o trabalho como atividade vital se configura como trabalho estranhado, expressão designativa de uma relação social encimada na propriedade privada, no capital e no dinheiro. É exatamente nesse ambiente de apropriação de riquezas que a terra e a água ocupam lugar central, quando se põe em questão a sobrevivência do planeta, a produção de alimentos, a exploração e a comercialização de matérias-primas etc. [...] (THOMAZ JÚNIOR, 2011, s/p).

Nessa perspectiva, há de se atentar para a centralidade do trabalho enquanto construção histórica, e que, no capitalismo, assume “[...] uma simbiose sem a qual não é possível analisar a sustentação da sociedade e compreender as tramas espaciais decorrentes.” (MENDONÇA, 2004, p. 42). Nesse sentido, é preciso ter cautela, pois: [...] muitos pseudo-marxistas apressados, se dedicam a descrever/interpretar o mundo do trabalho, pulverizando as ações políticas dos trabalhadores e, assim, negam o trabalho como centralidade da reflexão, não reconhecendo a perspectiva histórica da emancipação social (MENDONÇA, 2004, p. 49).

Atentando-se para este aspecto, é possível reconhecer o trabalho em seu caráter ontológico, emancipatório, e a força de trabalho como fonte de valores de uso, ou melhor, “[...] apontar o projeto político da classe trabalhadora enquanto sujeito da sua própria história e, assim, também as condições potenciais para avançar rumo à emancipação social.” (MENDONÇA, 2004, p.43). Por isso, ao analisar a expansão do capital agroindustrial lácteo, em Corumbaíba - um município nas áreas de Cerrado - após os anos 1990, é preciso considerar as suas especificidades, lembrando-se que as diversas estratégias utilizadas para sua territorialização fazem parte de um contexto mais amplo e da própria natureza do capital e da relação capital x trabalho, entretanto, se interagem com os elementos pré-existentes, que são específicos do lugar. Estas territorialidades pré-existentes são (re)significadas, ou no dizer de Pelá; Mendonça (2010), (Re) Existem. O Cerrado goiano, para Pelá; Mendonça (2010) encontra-se numa encruzilhada de tempos, e é um mosaico de territórios em disputa, onde estão as estratégias diversas dos setores hegemônicos do capital, e as (Re)Existências. É por isso que: Apesar de a modernização dos territórios cerradeiros ter promovido uma avassaladora homogeneização espacial, persistem práticas socioculturais cheias de símbolos: rurais, tradicionais, modernos, que imbricados constituem teias e tramas 47

complexas (PELÁ; MENDONÇA, 2010, p.66).

Para Chaveiro; Calaça (2012), existe a necessidade e o esforço em desenvolver uma abordagem totalizante do Cerrado, que reconheça os diferentes conflitos de sua inserção na economia mundial, da reorganização das classes sociais, das regiões e dos lugares, que recorra às diversas perspectivas, no campo político, econômico, social e cultural, e ainda, trate as distintas formas de apropriação e territorialização do capital. Para estes autores, deve-se reconhecer como escalas de pode _ por meio de seus elementos estratégicos _ são territorializados no Cerrado. Assim, “[...] esses agentes, atores e sujeitos por não serem iguais, nem terem intencionalidades e estratégias semelhantes agem no espaço estabelecendo conflitos e pacto” (CHAVEIRO; CALAÇA, 2012, p. 04). A abordagem do Cerrado deve contemplar: A representação do Cerrado feito pelo diferentes atores sociais; a intervenção do Estado e o pacto de elite no processo de ocupação; a importância das políticas territoriais e governamentais; a diferenciação regional; o corredor produtivo que se formou nas últimas décadas; o intenso processo de urbanização e a estrutura fragmentada dos municípios; a ideologização e a transformação do Cerrado como marca; o sentido estratégico de sua localização; a cultura ecológica dos povos indígenas; a estrutura da relação capital e trabalho pela hegemonia do agronegócio etc (CHAVEIRO; CALAÇA, 2012, p. 10).

Os fatores elencados por Chaveiro; Calaça (2012) demonstram a complexidade das tramas territoriais que configuram as áreas de Cerrado. Tais elementos fazem parte da paisagem goiana, que conforme Barreira (2002), é a forma mais visível da prática social que cria territórios e altera substancialmente os arranjos espaciais e territoriais preexistentes. A categoria paisagem assume destacada importância, pois se apresenta, à primeira vista, como o momento atual, embora esteja carregada de histórias cristalizadas noutros momentos, evidenciando as rugosidades, assim como os usos redefinidos ou incorporados em novos contextos. Mendonça (2004) complementa que: A paisagem é cumulativo de tempos, mas, sobretudo, malha territorial visível e não- visível, sentida, construída historicamente pelos agentes produtivos, fundados na relação capital x trabalho. A paisagem é, portanto, composta de formas visíveis, duráveis, que lhe conferem certa estabilidade temporal e pela forma parcialmente invisível da estrutura social (MENDONÇA, 2004, p. 46).

Paisagem e espaço não são sinônimos, todavia, a paisagem, adentrando-se além da sua aparência, permite entender o espaço por meio de sua manifestação formal. Carlos (2008), afirma que sob a aparência estática da paisagem revela-se “[...] todo o dinamismo inerente ao próprio processo de existência da paisagem, uma relação fundamentada em contradições; em que o ritmo das mudanças é dado pelo desenvolvimento das relações 48

sociais.” (CARLOS, 2008, p. 48). A paisagem é formada por meio da reprodução espacial, por meio da relação entre o novo e o velho, e ainda, pelo processo de reprodução humana que se materializa no espaço geográfico, e é apreendido na paisagem. Portanto, “essa paisagem é humana, histórica e social e se justifica; existe pelo trabalho do homem, [...], da sociedade que a cada momento ultrapassa a anterior, [...] trabalho considerado como atividade transformadora do homem social [...].” (CARLOS, 2008, p. 48). Numa pesquisa geográfica com o objetivo de compreender as mudanças espaciais e o processo de territorialização do capital, a observação científica da paisagem permite de início, a apreensão dos elementos visíveis, e posteriormente, dos elementos invisíveis que demonstram a processualidade e os múltiplos efeitos dessa ação no espaço geográfico. Ademais: [...] é a partir da visualização da diversidade espacial da paisagem, que o estudioso compreenderá o espaço geográfico numa relação de decomposição e recomposição da totalidade. Possibilita-se, assim a compreensão do todo investigado, numa relação contraditória e completa (porém, não se acabada, pois são processuais. Isto já é a própria contradição em si) (SILVA, 2010, s/p).

Dessa forma, esses são alguns dos aspectos teórico-metodológicos da abordagem geográfica e as categorias de análise adotadas na pesquisa. Para tanto, no próximo item serão apresentados alguns aspectos da realidade socioespacial do lugar, (re)elaborados com a territorialização do capital agroindustrial e financeiro, resultando num espaço geográfico configurado pelos conflitos entre as dinâmicas do capital e do trabalho, ou seja, a partir da luta de classes e das diferentes territorialidades.

1.2 Corumbaíba (GO): o lugar da pesquisa

O espaço geográfico é formado por sistemas de objetos e sistemas de ações, um conjunto indissociável. Cada subespaço inclui uma fração desses sistemas, cuja totalidade é o mundo.

(SANTOS, 2012)

Conforme mostra o Mapa 1, Corumbaíba é um município do interior do estado de Goiás, situado na Microrregião de Catalão. O Município compreende uma área total de 1.881,712 km². A sede do Município localiza-se a 217 km da capital do estado, Goiânia. Limita-se, ao Norte, com (GO) e Caldas Novas (GO) – conhecida como o maior polo hidrotermal do País – ao Sul com Tupaciguara (MG) e Araguari (MG) – cidades da região denominada Triângulo Mineiro – a Leste com Nova Aurora (GO) e (GO), e à Oeste, com Buriti Alegre (GO), Água Limpa (GO) e Marzagão (GO). O Município é interligado aos 49

municípios vizinhos, exclusivamente por rodovias estaduais, tais como: a Rodovia GO 139 à Caldas Novas, Goiânia (Capital de Goiás) e Triângulo Mineiro; a Rodovia GO 210 à Nova Aurora, e Catalão; e a Rodovia GO 406 (ainda sem pavimentação asfáltica) à Ipameri (CARNEIRO, 2004). No Mapa 1 também estão a localização geográfica e as principais vias de acesso para os dois povoados do Município: Areião e Ponte Quinca Mariano. O Areião fica a 25 Km da cidade de Corumbaíba (GO), cujas principais vias de acesso são as GO 210 e GO 402, que liga também à Anhanguera (GO) e Cumari (GO). O Povoado do Areião é formado por 53 moradias, a população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de aproximadamente 159 habitantes, em 2010, computados como população rural. A maior fonte de trabalho são as propriedades rurais vizinhas, cujas principais atividades econômicas são a pecuária de corte e de leite, bem como, o cultivo de soja e sorgo. As propriedades camponesas também são fontes de trabalho no Povoado, pois contratam mão de obra complementar para a limpeza dos pastos, construção de cercas, dentre outras tarefas. O comércio no Areião é formado por 02 mercearias que comercializam produtos alimentícios. No Povoado tem-se a Colégio Municipal Santa Terezinha que atende às crianças e jovens da região, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Tem-se ainda, um posto municipal de atendimento médico que funciona 01 vez por semana (PESQUISA DE CAMPO, 2012). A Foto 2 mostra uma moradia do Povoado do Areião em Corumbaíba (GO). Nota-se a presença de infraestrutura, como asfaltamento e rede de energia elétrica, bem como, um pomar com plantação de árvores frutíferas e cultivo de milho, mandioca e hortaliças para o autoconsumo da família, uma prática comum nas demais moradias do Povoado.

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Mapa 1 - Município de Corumbaíba (GO): localização geográfica e rodovias de acesso 51

Foto 2 - Moradia do Povoado do Areião em Corumbaíba (GO) com destaque para a rua asfaltada, rede de energia elétrica e o pomar

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

O Povoado Ponte Quinca Mariano fica a 20 km da cidade de Corumbaíba (GO), na divisa dos estados de Goiás e Minas Gerais. Neste Povoado de 236 lotes10, com casas para veraneio e moradia para os caseiros, a população estimada é de 187 habitantes (IBGE, 2010). A população local também é computada como população rural. As pessoas que lá vivem trabalham como caseiros nas casas de veraneio, na pesca - uma atividade econômica significativa - no comércio local e para a Prefeitura Municipal de Corumbaíba (GO) na segurança dos prédios públicos. O comércio local é formado por 04 lanchonetes, 01 mercearia, 02 lojas de materiais para construção e 01 peixaria. No Povoado tem-se a Escola Municipal Professor Alberto Morais de Holanda que atende crianças e jovens do Povoado e região, da Educação Infantil à segunda fase do Ensino Fundamental. Destaca-se a importância econômica do turismo, da pesca profissional e esportiva, principalmente a presença da Colônia de Pescadores da Ponte Quinca Mariano, uma cooperativa de pescadores que tem auxiliado os cooperados na captação de recursos públicos para a profissionalização da atividade e na comercialização do produto (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

10 Fonte: Centrais Elétricas de Goiás (CELG), secretaria em Corumbaíba (GO). 52

Foto 3 - Ponto de venda de peixes da Colônia de Pescadores no Povoado Quinca Mariano às margens da Rodovia GO 139

Autora - CARNEIRO, Janãine, D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

A Foto 3 mostra uma moradia no Povoado Ponte Quinca Mariano, às margens da GO 139, onde são vendidos peixes da cooperativa de pescadores. A pesca e a comercialização é uma importante fonte de renda e trabalho para as pessoas que vivem no Povoado. A atividade comercial concentra-se às margens da rodovia, pois atende, em sua maioria, aos viajantes. Conforme evidenciado na Tabela 1, o efetivo da pecuária é formado pela criação de aves, bovinos, suínos, a produção de ovos e leite. Quanto à criação de galináceos houve um crescimento de 26,2% entre 1998 a 2006, mas o efetivo começou a diminuir fechando 2010 com 17.000 cabeças, ou seja, uma queda de 95% entre 2006 e 2010. Já os efetivos de galináceos, asininos, caprinos, muares e suínos diminuíram, no período entre 1998 e 2010. No que se refere ao gado bovino houve um aumento significativo entre 1998 e 2002, passando de 106.840 cabeças para 120.100 cabeças. De 2004 para 2010 o rebanho bovino continuou crescendo, passando de 132.779 para 154.500 cabeças.

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Tabela 1 - Efetivo da pecuária em Corumbaíba (GO) (1998-2010) 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 Galináceos (cab) 27.600 27.130 30.900 34.452 37.400 32.500 17.000 Asininos (cab) 20 20 20 24 30 10 4 Bovinos (cab) 106.840 108.603 120.100 132.779 137.600 139.500 154.500 Bubalinos (cab) 130 140 138 130 145 50 75 Caprinos (cab) 80 100 110 111 130 100 50 Equinos (cab) 2.590 2.610 2.690 2.908 3.100 2.500 2.700 Muares (cab) 240 240 263 267 300 150 30 Ovinos (cab) 280 320 330 380 450 400 380 Suínos (cab) 5.200 4.770 5.220 5.331 5.850 2.800 2.800 Vacas Ordenhadas (cab) 17.100 18.890 25.230 21.193 19.400 22.320 30.000 Fonte – SEPIN/GO (2012) Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

Segundo a Tabela 1, a quantidade de galináceos apresentou uma queda de 62,3% no período entre 1998 e 2010. Os rebanhos de asininos, bufalinos, caprinos e muares também diminuíram no mesmo período. Os asininos diminuíram 80%, os bufalinos 42,3%, os caprinos 37,5% e os muares 87,5%. O rebanho ovino também apresentou queda, passando de 5.200 para 2.800 cabeças. Quanto aos equinos, nota-se um crescimento de 4,24% entre 1998 e 2010. Com base nos dados é possível notar a representatividade econômica da pecuária bovina de corte e de leite para o Município. O maior rebanho é o bovino, saltando de 106.840 em 1998 para 154.500 cabeças em 2010, apresentando um crescimento de 30,8%. A quantidade de vacas ordenhadas também apresentou um índice de crescimento de 43%. Segundo o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Corumbaíba a criação de gado bovino e a produção de leite são atividades presentes na totalidade das propriedades rurais, tanto nas pequenas quanto nas grandes, mudando-se as escalas de produção e o destino dos produtos. Os demais rebanhos, mesmo com o evidente declínio se fazem presentes nas propriedades camponesas, para o autoconsumo e para a comercialização do excedente no comércio local, constituindo-se renda para as famílias do campo. Em Corumbaíba (GO) a pecuária bovina extensiva é uma atividade tradicional praticada na maior parte das áreas do Município. Segundo a Secretaria de Gestão e Planejamento de Goiás (SEGPLAN, 2006), Corumbaíba tinha um total de 648 propriedades rurais abrangendo 158.859 ha, dentre elas, 621 propriedades com área total de 104.436 hectares ocupados por pastagens destinadas a criação de gado, e 98 propriedades tem utilização de terras em pastagens naturais, totalizando 8.724 ha. Observe a Tabela 2:

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Tabela 2 – Número de estabelecimentos, área ocupada e atividades praticadas em Corumbaíba (GO) (2006) Número de estabelecimentos (un) Área ocupada (ha) Pastagens plantadas 621 104.436 Pastagens naturais 98 8.747 Total de propriedades 648 158.859 Fonte – SEGPLAN, 2006. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

A Foto 4 mostra uma área de pastagem, numa propriedade rural destinada à criação de gado de corte e de leite, uma paisagem frequente no Município, pois a pecuária bovina é uma atividade tradicional do Município, ocupando maior parte da sua extensão territorial. Nesse aspecto, Corumbaíba segue a mesma dinâmica do estado de Goiás, já que a pecuária, segundo Goiás (2011), exerce um importante papel na economia goiana. Neste setor estão as atividades tradicionais, tais como, a produção de leite e carne, responsáveis pelo destaque do estado no cenário nacional, além de outros setores inovadores, como o de aves, por exemplo. Em Goiás, houve também um aumento de 16% no rebanho bovino, 23,5% na criação de vacas leiteiras e 45,6% na produção de leite no período entre 2000 e 2010 (IBGE, 2012). Em Corumbaíba (GO), o setor agropecuário é uma importante fonte de renda e trabalho para a população, tanto do campo quanto da cidade, pois muitos moram nas cidades, mas exercem trabalho no campo, ou mesmo moram no campo e trabalham na cidade, além de o setor estar inserido na dinâmica do agronegócio e da agroindústria, envolvendo uma série de atividades comerciais, industriais e a prestação de serviços. No que se refere à produção agrícola, a Tabela 3 revela que o maior crescimento foi alcançado pela soja que se intensificou nos anos 2000 a 2011, passando de 816 toneladas para 11.010 em 2011, apresentando uma taxa de crescimento de 92% na produção. A área cultivada também aumentou de 340 ha em 2000 para 3.670 ha em 2011. A área destinada ao cultivo do milho em grão diminuiu no mesmo período passando de 2.250 ha cultivados em 2000, para apenas 900 ha em 2010. A produção também diminuiu de 6.975 toneladas para 6.300 toneladas. Embora a área cultivada e a produção tenham diminuído, nota-se um aumento da produtividade nas lavouras, pois o índice de decréscimo da produção total não foi proporcional ao da área cultivada.

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Foto 4 - Área de pastagem destinada à pecuária extensiva com gado bovino de corte e de leite em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

Tabela 3 - Principais produtos agrícola de Corumbaíba (GO) (2000-2011) Produtos 2000 2001 2003 2005 2010 2011 Área Prod. Área Prod. Área Prod. Área Prod. Área Prod. Área Prod (ha) (t) (ha) (t) (ha) (t) (ha) (t) (ha) (t) (ha) (t) Arroz sequeiro 140 210 150 225 14 13 300 360 - - - - Coco-da-baía (mil - - - - 10 360 10 360 - - - - frutos) Maracujá - - 20 200 25 150 25 150 - - - - Milho em grão-Total 2.250 6.975 2.450 7.350 730 3.285 800 3.600 900 5.850 900 6.300 Palmito - - - - 05 100 ------Soja 340 816 490 980 490 1.274 3.800 9.120 3.670 11.373 3.670 11.010 Quantidade total de grãos produzidos - 8.181 - 8.755 - 5.195 - 13.937 - 17.223 - 17.310 Fonte - SEPIN (2012). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

O aumento no índice de área cultivada de soja produzidos também faz parte da dinâmica econômica goiana. Para Goiás (2011) a soja se mantém como principal produto agrícola, representando 54,3% dos grãos produzidos no estado. A produção passou de 4.092.934 toneladas, em 2000, para 7.252.926 toneladas, em 2010, um crescimento de 77,2% e área colhida de 1,491 milhões de hectares para 2,445 hectares, no mesmo período. Em Corumbaíba, as lavouras de soja se territorializaram nas áreas mais planas, conforme mostra a Foto 5. Além disso, localizam-se nas propriedades com vias de acesso de qualidade que permitam o escoamento da produção. Já a pecuária, em sua maioria, está nas áreas com maior 56

declividade, nas regiões montanhosas e os fundos de vale, mesmo que ocupem a maior parte das terras (SEPIN, 2012).

Foto 5 - Territorialização da monocultura da soja em Corumbaíba (GO): no primeiro plano o cultivo de soja, no segundo plano, as áreas destinadas às pastagens

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013.

Além da monocultura da soja, em Corumbaíba (GO), têm-se as monoculturas de sorgo (safrinha) e eucalipto, que assim como a soja, ocupam as áreas mais planas e com vias de acesso que facilitem o escoamento da produção. A presença do sorgo no estado de Goiás é relevante, pois foi o maior produtor nacional, em 2010, com 611,665 toneladas. Na Foto 6, observa-se umas das lavouras de sorgo, localizada às margens da GO 210 a 11 km de Corumbaíba, cultivada pela Ciprovet, uma empresa que fabrica e comercializa rações, suplementos veterinários e insumos na cidade e região. Muitas propriedades rurais em Corumbaíba cultivam o sorgo para a fabricação de silagem, utilizada na alimentação do gado no período de seca. A Foto 7 mostra uma lavoura de eucalipto, também às margens da GO 210, há 05 Km de Corumbaíba.

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Foto 6 - Lavoura de sorgo em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

Foto 7 - Lavoura de eucalipto em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

Os dados revelam que as principais atividades agropecuárias do Município atualmente são o cultivo da soja e do milho, com presença significativa do sorgo e eucalipto, bem como, a criação de gado e a produção leiteira, para o mercado; tais atividades colocam o Município numa posição de destaque no ranking estadual (GOIÁS, 2012). Todavia, como a maior parte das propriedades rurais são unidades camponesas, deve-se destacar a presença da 58

pluriatividade agropecuária no Município. Nestas propriedades, predomina a criação de galinhas, criação de porcos e carneiros, o cultivo de hortaliças, frutas diversas, milho, arroz, cana-de-açúcar e a produção de mel. A paisagem da Foto 8 mostra uma unidade de produção camponesa em Corumbaíba (GO), onde estão plantados mandioca, guariroba e milho. A policultura é típica das unidades de produção camponesas.

Foto 8 - Plantação de mandioca, guariroba e milho numa unidade camponesa em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

Segundo o Movimento Camponês Popular (MCP), Goiás tem 88,4 mil estabelecimentos familiares, ocupando 3.329.630 ha, com média de 3,6 ha por estabelecimento (IBGE). Assim, as famílias camponesas são responsáveis pela produção de alimentos básicos, fornecendo a maioria dos alimentos que vão à mesa dos goianos. Em Corumbaíba (GO), estas famílias também constituem a maior parte dos estabelecimentos rurais, sendo responsáveis pela produção de alimentos e também pela maior parte do leite comercializado no Município. Corumbaíba (GO) é um Município com Economia de Médio Porte11, segundo o Instituto Mauro Borges (IMB) de estatística e estudos socioeconômicos. Estes municípios, em

11 Porte dos Municípios goianos segundo valor do Produto Interno Bruto (PIB) – Economia com Médio Porte – dinâmica: , , Uruaçu, Barro Alto, , Mozarlândia, , Posse, Flores de Goiás, São João d’Aliança, Água Fria de Goiás, , São Patrício, Itaberaí, Alexânia, Palmeiras de Goiás, Bela Vista de Goiás, Edeia, Porteirão, Caçu, , Gouverlândia, Buriti Alegre, Corumbaíba. 59

conjunto, tem grande influência no Produto Interno Bruto (PIB) de Goiás, além de serem grandes empregadores de mão de obra. Os mesmos desenvolvem atividades nos seguintes setores: sucroenergético, alimentos e bebidas, mineração, produção de grãos e frutas, pecuária bovina, produção leiteira, produção de aves, ovos, suínos e indústrias de confecções. Com exceção da pecuária de corte e de leite, que está presente na maioria dos municípios, as demais atividades encontram-se restritas a alguns (GOIÁS, 2012). Melo (2008) afirma que Corumbaíba vem apresentando um significativo crescimento econômico desde o final dos anos 1990. Esse crescimento, assim como os municípios de Ipameri (GO) e (GO), da Microrregião de Catalão (GO), ocorreu principalmente, pela inserção da modernização da agricultura e pelo desenvolvimento da industrialização de produtos agropecuários. No caso de Corumbaíba, os censos agropecuários, demonstram a inserção no processo de modernização da produção realizada no campo, principalmente, com o emprego de novas técnicas e inovações tecnológicas na atividade pecuarista. Os setores de comércio e prestação de serviços, atualmente, não podem ser compreendidos na sua totalidade considerando-os “descolados” das atividades de intercâmbio, pelo contrário, é necessário partir da estrutura mundial e da realidade própria de cada país, de cada lugar, tomando-as como um todo, porque: O terciário, hoje, permeia as outras instâncias (primário e secundário) cuja definição tradicional esmigalha e, sob formas particulares em cada caso, constitui o elemento explicativo da possibilidade de existência com êxito de inúmeras atividades, sobretudo daquelas mais importantes. [...] em particular, às atividades terciárias que precedem a produção material propriamente dita e sem as quais ela não pode realizar-se eficazmente. [...] (SANTOS, 2012, p. 80).

Em Corumbaíba (GO) os setores de comércio e de prestação de serviços estão relacionados à dinâmica mundial de circulação de mercadorias e ampliação do consumo que atingem o País e Goiás, além disso, encontram-se imbricados com o setor financeiro e produtivo da economia, tanto as atividades primárias, quanto a atividade industrial. No que se refere ao comércio e à prestação de serviços, segundo a Secretaria Municipal de Finanças da Prefeitura de Corumbaíba (2012), há 274 estabelecimentos empresariais registrados, dentre eles estão os estabelecimentos comerciais, as prestadoras de serviços e as indústrias. O número de estabelecimentos comerciais na cidade atingiu uma taxa de crescimento de 87,2% entre 1990 a 1999, oscilando de 2000 a 2008. Em 2010 o número de estabelecimentos voltou a subir apresentando um total de 199 unidades. Dessa forma, o crescimento do número de estabelecimentos entre 2000 e 2010 foi de 24,12%. A maior quantidade de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços registrado foi em 2011, conforme mostra o Gráfico 1. 60

Gráfico 1 - Estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços em Corumbaíba (GO) (1990-2011)

300 274

250 199 200 180 161 164 152 160 150 151 143 150 120 100 86

50

0 1990 1995 1997 1999 2000 2001 2004 2005 2006 2008 2010 2011

Estabelecimentos

Fonte - Prefeitura Municipal de Corumbaíba (GO), 2012. Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

Vale destacar que os dados disponíveis na Prefeitura Municipal não especificam os tipos de estabelecimentos comerciais, tampouco os de prestação de serviços. Entretanto, nota- se um acréscimo no número de farmácias, supermercados, mercearias, açougues, frutarias, autopeças e lojas em geral, tais como: materiais para construção, roupas, produtos agropecuários, postos de gasolina, lan houses, lanchonetes, bares, farmácias, oficinas mecânicas, padarias, dentre outros (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Na cidade, há uma casa lotérica, uma agência dos Correios, três agências bancárias, sendo o Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal e o Itaú, além de postos de atendimentos com caixas eletrônicos do Bradesco, da Cooperativa de Crédito Rural de Araguari (Sicoob Aracredi) e do Banco do Aposentado Empréstimos. Destacam-se também a presença de dormitórios, pousadas e um hotel, bem como, os restaurantes e lanchonetes, principalmente nas áreas próximas ao Distrito Industrial da cidade, para atender aos trabalhadores e caminhoneiros que permanecem no local, para carga e/ou descarga de produtos. Além da hospedagem e alimentação dinamizadas no setor industrial, outros estabelecimentos que se destacam são as lojas de produtos agropecuários, como a COMPLEM, a Agropec e, sobretudo, a Ciprovet12, cuja sede está em Corumbaíba e possui

12 Dentre as principais indústrias em Corumbaíba (GO) identifica-se a Ciprovet Nutrição Animal. Esta empresa nasceu em julho de 1986, na cidade de Corumbaíba. Atualmente produz sais e rações para a alimentação animal e é proprietária de unidades comerciais em Corumbaíba, Nova Aurora, Goiandira, Cumari, Catalão, Caldas Novas e Morrinhos, emprega, na cidade, cerca de 50 trabalhadores (PESQUISA DE CAMPO, 2012). 61

filiais em Catalão (GO), Nova Aurora (GO), Goiandira (GO), Morrinhos (GO), Caldas Novas (GO) e Cumari (GO)13, fomentadas pelas atividades agropecuárias desenvolvidas no Município. O aumento na quantidade de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, bem como, a sua diversificação, podem ser relacionados ao crescimento populacional do Município, ao aumento da renda dos trabalhadores, a melhor circulação dos produtos e à ampliação dos sistemas de crédito, uma característica do movimento atual da economia mundial, que mundializa a produção e a circulação das mercadorias. A maior parte dos estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços estão localizados na região central (Foto 9), entretanto, alguns se encontram em diferentes bairros da cidade.

Foto 9 - Rua Dr. Pedro Ludovico, Setor Central de Corumbaíba (GO): localização da maior parte dos estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços na cidade

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, junho de 2012.

A Foto 9 mostra uma das avenidas no Centro de Corumbaíba (GO) onde estão a maior parte dos estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, a Avenida Dr. Pedro Ludovico, onde está o Centro de Atendimento ao Cidadão, a Agência do Itaú, A Igreja Matriz,

13 A Cooperativa Mista dos Produtores de Leite de Morrinhos (COMPLEM) possui uma loja de produtos agropecuários em Corumbaíba (GO). A empresa tem convênio com os associados da Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC). Já a loja de produtos agropecuários Ciprovet faz parte da rede de lojas e ainda da indústria misturadora de rações e suplementos animais. 62

o Banco do Aposentado, supermercados, papelarias, cartórios, lojas de roupas, calçados e confecções, dentre outros. De acordo com Goiás (2011), os dados da Pesquisa Anual de Comércio (PAC), para 2009, revelaram que 61.315 estabelecimentos comerciais exerceram a atividade de revenda de mercadorias no Estado de Goiás, naquele ano. Estes estabelecimentos comerciais geraram R$ 57,081 bilhões em receita bruta, pagaram R$ 2,603 bilhões em salários e outras remunerações, e empregaram aproximadamente 301 mil pessoas. Os setores de serviços e comércio foram os que mais se destacaram entre 2001 e 2011, com um aumento de 45.051 e 26.228 postos de trabalho, respectivamente. Para Corumbaíba, tais setores também são fonte de renda e trabalho para o Município e para a população local, estando em expansão desde 1999, conforme mostra o Gráfico 2. O Gráfico 2 demonstra a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) de Corumbaíba (GO) de 1999 até 2010 e especifica o total para a agropecuária, para a indústria e para os serviços. No que se refere à agropecuária, nota-se uma evolução média de 83,5% neste período, passando de R$ 6.375 (mil) em 1999 para R$ 38.835 (mil) em 2010. Já o setor dos serviços apresentou crescimento de 78,4%. A indústria foi o setor que mais cresceu com taxa de 89,5%. Em 1999, a Indústria apresentou um PIB de R$ 13.037 (mil), e os serviços de R$ 24.802 (mil), passando para R$ 124.741 (mil) e R$ 115.079 (mil), respectivamente. Em 1999, o setor de serviços representava o maior índice com 24.802 (R$ mil). Em segundo lugar estava a indústria, e em terceiro a agropecuária. Essa posição permanece semelhante até 2003, pois em 2004 tem-se o aumento no índice correspondente à indústria, passando para 52.302 (R$ mil). Em 2009 e 2010 a maior parcela do PIB também foi representada pela indústria com 124.741 (R$ mil). Isso revela que, apesar das oscilações, estes setores são cada vez mais importantes para a economia do Município.

63

Gráfico 2 - Produto Interno Bruto (PIB) – Agropecuária, Indústria e Serviços em Corumbaíba (GO) (1999-2010)

Fonte - SEPIN, 2012. Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012. 64

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB de Corumbaíba (GO), em 2011, foi de R$ 38.835 (mil) para a agropecuária, R$ 124.741 (mil) para a indústria e R$ 115.079 (mil) para serviços, mantendo-se a indústria em primeiro lugar, seguida pelos serviços, e em último, pela agropecuária. O crescimento da participação da indústria no PIB também foi evidenciado em Goiás, conforme Goiás (2011), pois o resultado da indústria goiana em 2010 acompanhou o padrão de crescimento da indústria brasileira, além de corresponder às expectativas, sobretudo, para a indústria alimentícia, segmento de maior importância na cadeia produtiva da indústria de transformação no estado. No tocante à indústria, em Corumbaíba, notam-se significativas taxas médias de crescimento, tanto no PIB quanto no ICMS do Município, na última década. O setor industrial é representado por um total de 20 unidades produtivas, colocando o município no 3º lugar de municípios com maior presença do setor secundário na economia da Microrregião de Catalão, perdendo apenas para Catalão e Ipameri (MELO, 2008). Dentre as indústrias em Corumbaíba, há 02 cerâmicas, 04 fábricas de vasos e cerâmicas ornamentais, 05 serralherias, 05 marcenarias, 02 fábricas de foices, machados e enxadas, 01 misturadora de rações e suplementos animais e 01 agroindústria laticinista. Dentre as empresas, as que se destacam no setor são: a Ciprovet Nutrição Animal, a Cerâmica Corumbá, a Cerâmica Beija-flor, e a Italac Alimentos. Assim, constituem fonte de renda e trabalho para o Município (PESQUISA DE CAMPO, 2012). A Cerâmica Beija Flor foi fundada em 1997. Atualmente, emprega cerca de 200 trabalhadores e produzindo telha plan e americana, além de tijolos fabricados com a argila extraída no próprio Município. Os produtos são comercializados em Goiânia (GO), Catalão (GO), (GO), Pirenópolis (GO), Jataí (GO), (GO), (GO), (GO), Goianira (GO), Vicentinópolis (GO), São Miguel do Passo Quatro (GO) e Tupaciguara (MG). A Cerâmica Corumbá foi fundada em 1988. Atualmente, emprega cerca de 150 trabalhadores, produz tijolos e lajotas com a argila também do Município. Os principais destinos dos seus produtos são: Uberlândia (MG), Tupaciguara (MG), Catalão (GO), Caldas Novas (GO), Marzagão (GO), Goiandira (GO), Nova Aurora (GO) e Buriti Alegre (GO). A Italac Alimentos é uma agroindústria laticinista, privada e de capital nacional, produtora de derivados lácteos, cuja sede está em Corumbaíba (GO). O Laticínio emprega mais de 600 trabalhadores e, pelo fato dessa pesquisa tratar especificamente da territorialização da agroindústria leiteira no Município, é importante caracterizar 65

detalhadamente a empresa Italac Alimentos, para posteriormente apresentar os principais aspectos da sua territorialização.

1.3 Os rearranjos espaciais em Corumbaíba (GO) a partir da Italac Alimentos

Cada momento da história tende a produzir sua ordem espacial que se associa a uma ordem econômica e a uma ordem social. É necessário entender sua realidade a partir de forças que frequentemente não são visíveis a olho nu.

(SANTOS; SILVEIRA, 2003)

Ao pensar o espaço Harvey (2000) recusa a ideia de que “[...] tenhamos opção entre particularidade e universalidade em nosso modo de pensar e em nossa argumentação. No âmbito de uma dialética relacional, as duas se acham sempre internalizadas e implicadas uma na outra [...]” (HARVEY, 2000, p. 31). Diante disso, reforça-se a necessidade de compreender o local a partir do global, e vice-versa, numa relação constante entre si, ou seja, compreender a realidade espacial em Corumbaíba, não somente em suas especificidades, mas em relação às influências universais que resultam em particularidades. Segundo Harvey (2000) a dimensão espacial deve ser entendida a partir do processo de acumulação do capital, uma vez que, esta sempre teve dimensão geográfica, ou seja, “[...] sem as possibilidades inerentes à expansão geográfica, à reorganização espacial e ao desenvolvimento geográfico desigual, o capitalismo há muito teria cessado de funcionar como sistema econômico-político.” (HARVEY, 2000, p. 40). Isso revela um constante processo de reconstrução espacial que atinge os espaços mundiais, mas de formas específicas de organização. Para o autor é de suma importância compreender as maneiras pelas quais as reorganizações e reestruturações, as estratégias e os elementos geopolíticos são fundamentais no processo de acumulação do capital e da dinâmica da luta de classes, seja em tempos passados, seja na atualidade. Para Massey (2008), a forma como é abordada o espaço é fundamental para a compreensão do mundo, ou seja, para o entendimento da globalização, das cidades e dos lugares, a partir de questões referentes à forma de caracterização dos diferentes tempos espaciais implícitos, bem como, de novas espacialidades. Nesse caso, o espaço é pensado como produto das inter-relações, das interações e a partir da relação entre o global e o particular, como uma esfera múltipla e plural, em constante processo de reconstrução. Nessa perspectiva os rearranjos espaciais em Corumbaíba (GO) influenciados, dentre outros aspectos, pela territorialização da Italac Alimentos desde 1996, devem ser 66

compreendidos tendo em vista esta totalidade entre os aspectos e da universalidade e das particularidades, conforme evidencia Harvey (2000). E também, considerando o espaço em constante construção, produto das múltiplas relações, conforme enfatiza Massey (2008). Isso porque o contexto atual é marcado pela reestruturação produtiva do capital e por novas formas do conflito capital x trabalho, provocando uma série de mudanças espaciais e uma intensa mudança na classe trabalhadora, que se torna cada vez mais complexa e diversificada. Numa análise geográfica que busca compreender as transformações espaciais a partir do conflito, torna-se premente considerar as novas formas assumidas por essa relação e os seus efeitos na produção do espaço. Nos últimos anos, Corumbaíba (GO) passou por transformações espaciais. Atribuem-se essas transformações, dentre outros aspectos, à instalação da agroindústria laticinista, principal agente impulsionador dos rearranjos espaciais na cidade, que se estendeu ao campo, por meio das unidades fornecedoras de leite. Santos; Silveira (2003) afirmam que: Cada empresa, cada ramo da produção produz, tem paralelamente, uma lógica territorial. [...] visível por meio do que se pode considerar uma topologia, isto é, a distribuição no território dos pontos de interesse ultrapassa o âmbito da própria firma para se projetar sobre as empresas fornecedoras, ou compradoras, ou distribuidoras. Para cada uma delas, o território, do seu interesse imediato é formado pelo conjunto dos pontos essenciais do exercício de sua atividade, nos seus aspectos mais fortes (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p.292-293).

Além disso: A presença numa localidade de uma grande empresa global incide sobre a equação dos empregos a estrutura do consumo [...] o uso das infraestruturas materiais e sociais, a composição dos orçamentos públicos, a estrutura do gasto público e o comportamento das outras empresas, sem falar na própria imagem do lugar e no impacto os comportamentos individuais e coletivos, isto é, sobre a ética. Acrescenta- se a tudo isso as inflexões exigidas da política nos planos federal, estadual e municipal para atender às necessidades de instalação, permanência e desenvolvimento das empresas. Estas estão interessadas, sobretudo, na produção material, isto é, são empresas dedicadas à indústria e à agricultura, mas incluem também empresas ligadas ao comércio, aos serviços, aos transportes, às finanças, à informação, etc (SANTOS; SANTOS, 2003, p. 293).

Portanto, a vinda da agroindústria laticinista para Corumbaíba (GO) promoveu e promove mudanças espaciais no Município. Tais mudanças são evidenciadas no crescimento populacional, que por sua vez dinamiza o comércio, a prestação de serviços e a expansão da malha urbana, que é (re) significada. Esse processo se evidencia no campo por meio das propriedades rurais (camponesas e empresas rurais) fornecedoras de leite in natura ao Laticínio, modificando a relação campo-cidade. Contudo, não significa o fim das desigualdades e dos problemas sociais, pois a contradição, as desigualdades e os problemas sociais são próprios da sociedade do capital. A indústria promove desenvolvimento econômico e, em parte, social, entretanto, conforme ressalta Gomez (2003) não há 67

desenvolvimento capaz de promover o fim das contradições e da opressão inerente ao capital. O autor afirma que a concepção de que o desenvolvimento supera ou mesmo ameniza os conflitos sociais está relacionada a um construto ideológico. Sobre isso, argumenta que acerca do: desenvolvimento local, existe toda uma construção ideológica funcional à reprodução do capital. Por um lado, a partir da ideia de desenvolvimento como progresso aceitável universalmente e, por outro lado, a partir do redimensionamento da escala de implementação as estratégias de reprodução do capital, escolhendo o local na tentativa de superar os empecilhos que entravavam essa reprodução. O local, portanto, serviria a um duplo objetivo: reforçar o controle exercido pela dinâmica do capital num âmbito territorial menor e incorporar algumas demandas originadas pela desestruturação, os desequilíbrios e as desigualdades produzidas pela própria lógica destrutiva do capital. Em todo caso, se trata de uma proposta que visa manter a relação capital x trabalho nos tradicionais termos de exploração do primeiro sobre o segundo. Sem mudança alguma na parte essencial, ainda que com ligeiras modificações na forma de ser implementada, baseadas na falácia da possibilidade de consenso construído a partir do desequilíbrio e da desigualdade, não solucionáveis (GOMEZ, 2003, p. 10).

Nesse aspecto a territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba promove mudanças no espaço geográfico e constrói novas territorialidades a partir de relações sociais contraditórias e conflituosas, pois ocorrem a partir da relação capital x trabalho, ou seja, também consiste num espaço contraditório (CARLOS, 2008). Tais mudanças podem ser evidenciadas na análise da dinâmica populacional com implicações no comércio e na prestação de serviços, no crescimento da malha urbana e, por conseguinte, no setor imobiliário. Além disso, por meio da relação campo-cidade. Ambos constituem territórios do capital e do trabalho, mediados pela ação do Estado.

1.3.1 O crescimento populacional e a produção do espaço urbano

A população, segundo Marx (2008), é uma abstração quando se deixa de lado as classes que a compõem. “[...] Por sua vez, torna-se sem sentido ao se ignorar os elementos sobre os quais repousam, por exemplo, o trabalho assalariado, o capital, etc. Nesse sentido, a população constitui uma rica totalidade de determinações e relações diversas [...]”. (MARX, 2008, p. 258). Com isso, a análise da população deve ser realizada a partir de um contexto geral da sociedade com o intuito de compreender a mudanças históricas. Segundo o Censo Demográfico (2010) realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Corumbaíba (GO) tem uma população total de 8.181 habitantes, sendo: a população urbana de 6.307 habitantes; a população rural de 1.874 habitantes; a população feminina de 3.897 habitantes; e a população masculina de 4.284 68

habitantes. A Tabela 4 mostra a evolução populacional de Corumbaíba (GO) de 1980 a 2010, especificando a quantidade de homens e mulheres dos seus respectivos períodos período.

Tabela 4- População/homens-mulheres- Corumbaíba (GO) (1991-2010) Ano População Homens (%) Mulheres (%) 1980 5.909 - - - - 1991 5.525 2.887 52,25 2.642 47,75 1996 5.970 3.146 52,69 2.824 47,31 2000 6.655 3.477 52,38 3.160 47,62 2005 7.360 - - - - 2010 8.181 4.284 52,32 3.897 47,68 Taxa de crescimento (%) 27,77 32,6 0,07 32,2 - 0,07 Fonte – SEPIN/GO (2012). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

Com base na Tabela 4 nota-se que população aumentou de 5.525 habitantes em 1991, para 8.181 em 2010. Nesse período, a quantidade de homens passou de 2.887 para 4.420, e a quantidade de mulheres passou de 2.642 para 3.897 também de 1991 para 2010. Nessa década a proporção de homens em relação às mulheres permaneceu praticamente a mesma, com 52,5% para os homens e 47,5% para as mulheres. De acordo com o IBGE (2010) 20% da população corumbaibense é composta por homens com idade entre 15 e 39 anos, enquanto 19,5% das mulheres têm entre 15 e 19 anos, constituindo mão de obra disponível para o mercado de trabalho. Além de constituir força de trabalho disponível, o crescimento populacional constitui um atrativo para a instalação de indústrias, para a dinamização da agropecuária, o comércio e a prestação de serviços, ao mesmo tempo em que estes fatores também constituem um atrativo populacional para a cidade de Corumbaíba (GO). A taxa de crescimento geométrico populacional é de 2,09% e a densidade demográfica, 4,34 hab/km². Vale destacar que esse crescimento tem sido atribuído ao aumento do número de migrantes que chegam, uma vez que o número de nascimentos vem decaindo nos últimos anos14. Esses migrantes são oriundos do campo, cidades vizinhas e de outras cidades brasileiras, tais como, Recife (PE), Uberlândia (MG) e (GO), conforme evidenciado pelos trabalhadores da Italac Alimentos, na pesquisa de campo. Esses trabalhadores foram atraídos pelas ofertas de emprego na agroindústria laticinista.

14 O número de nascimentos em Corumbaíba (GO), em 1996, 2002 e 2008 são respectivamente 93, 115 e 95. O que demonstra uma queda de 17,3% no período de 2004 a 2008. Fonte: Situação da base de dados nacional (SINASC) em 14/12/2009. Disponível em: . Acesso em: março de 2013. 69

Em Corumbaíba (GO), no período de 1991 a 2000 e de 2000 a 2010 a taxa de crescimento populacional foi respectivamente de 16,69% e 18,87%. Percebe-se no Município uma elevada taxa de crescimento populacional, se comparada às demais cidades da Microrregião de Catalão, apresentando a terceira maior taxa de 1991/2000 e a quarta maior taxa em 2000/2010, perdendo para Catalão, que foi a que mais cresceu com 34,6%, Campo Alegre de Goiás e , como índice de crescimento de 33,8% e 27,5%, respectivamente. Conforme demonstra a Tabela 5. Ao analisar o crescimento populacional de Catalão e dos municípios da Microrregião, Santana (2011) afirma que após da década de 1970 a população de Catalão teve um crescimento significativo e as demais cidades da Microrregião perdem população neste período, mas o total da população da Microrregião permanece estável, revelando a migração de pessoas destas cidades para Catalão, que já apresentava atrativos populacionais nesse período. Para o autor, entre 1980 e 1991 é possível perceber que o movimento migratório em direção à microrregião continua, mas ocorre o crescimento em Catalão e em outras cidades, mesmo que outras continuem a perder população (SANTANA, 2011). Especificamente no período entre 2000 e 2010, Santana (2011) afirma que ocorrem mudanças substanciais na Microrregião de Catalão que vão desde o crescimento populacional até uma alteração na relação cidade-campo, sobretudo, a partir de dois critérios: o primeiro, o crescimento populacional ocorre em termos absolutos em Catalão; o segundo, que ao contrário do que houve na década de 1970, grande parte das demais cidades da Microrregião não perde, mas ganha população. Isso pode ser relacionado ao incremento da atividade agroindustrial nestas cidades. Ao analisar a Tabela 5 nota-se também que no período de 1991 a 2000 as cidades que perderam população foram Campo Alegre de Goiás (GO), Davinópolis (GO) e Goiandira (GO). No período entre 2000 e 2010 quem perdeu população foram Três Ranchos (GO), Cumari (GO) e Davinópolis (GO), pois Goiandira (GO) e Campo Alegre de Goiás (GO) voltaram a crescer, respectivamente, 6,1% e 33,8%. Os Municípios de Anhanguera (GO), Ipameri (GO), Ouvidor (GO), Nova Aurora (GO), Corumbaíba (GO) e Catalão (GO) são os Municípios que não apresentaram queda na taxa de crescimento populacional nesses vinte anos.

70

Tabela 5- População/habitante da Microrregião de Catalão (GO) (1991-2010) Municípios População Residente (hab) Evolução da População Residente (%) 1991 2000 2010 1991 a 2000 2000 a 2010 Anhanguera 869 884 1.017 3,0 13,6 Campo Alegre de Goiás 4.534 4.528 6.057 -0,1 33,8 Catalão 54.486 64.347 86.597 18,1 34,6 Corumbaíba 5.529 6.637 8.181 16,69 18,87 Cumari 2.888 3.105 2.961 7,5 -4,6 Davinópolis 2.119 2.109 2.050 -0,5 -2,8 Goiandira 5.374 4.967 5.268 -7,6 6,1 Ipameri 20.764 22.628 24.745 9,0 9,4 Nova Aurora 1.842 1.927 2.069 4,6 7,4 Ouvidor 3.702 4.271 5.446 15,4 27,5 Três Ranchos 2.262 2.831 2.817 25,2 -0,5 Total 104.430 118.089 147.208 13,08 19,68 Fonte - IBGE (2011). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L. (2012).

O índice de crescimento populacional de Corumbaíba entre 1991 e 2010 é de 32,4%. Essa taxa pode ser atribuída à presença da agroindústria laticinista, que se instalou no Município em 1996. Isso porque de 1980 a 1991 verificou-se um decréscimo da população passando de 5.909 habitantes para 5.529, um decréscimo de 6,44%. A partir de 1991 a taxa de crescimento populacional foi de 1,55%, passando para 2,08% de 1996 até 2000, e de 7,99% deste ano até 2004. Esses dados evidenciam a retomada do crescimento populacional a partir dos anos 1990, período em que a Italac Alimentos chega à Corumbaíba (GO). O crescimento se mantém de 2004 a 2010, pois a população aumentou 11,5% passando de 7.233 em 2004 para 8.181 habitantes em 2010. O Gráfico 03 mostra a evolução do crescimento populacional do Município de 1980 a 2011.

Gráfico 3 - Evolução do crescimento populacional de Corumbaíba (GO) (1980-2011)

9.000 8181 8299 * 8.000 7233 7360 7487 6.780 6.892 7002 7.000 6.655 5.909 5.970 6.000 5.525 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000 0 1980 1991 1996 2000 2001Número2002 de habitantes2003 2004 2005 2006 2010 2011

*Estimativa. Fonte - IBGE (2012). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012. 71

A taxa geométrica de crescimento populacional de Corumbaíba, em 2010, foi de 2,9% estando acima da média nacional e da média estadual. Goiás no decênio 2000/2010 foi de 1,84% ao ano, estando acima da média nacional que foi de 1,17%. No decênio1990/2000 esta taxa em Goiás foi de 2,46% ao ano, contra 1,64% do Brasil (IBGE, 2010). Isso se deve ao desenvolvimento da atividade industrial no estado, sobretudo, a agroindústria e ao aumento da produção agrícola que se tornaram atrativos para os migrantes vindos do Nordeste em busca de melhores condições de vida e/ou da região metropolitana de São Paulo, fugindo dos altos índices de desemprego que atingem o local. Além disso, a posição geográfica do Município, por exemplo, a sua proximidade com Caldas Novas (GO) e Uberlândia (MG). No que se refere aos Municípios que fazem divisa territorial com Corumbaíba, com base nos dados da Tabela 6, nota-se que Água Limpa (GO) teve crescimento populacional de 1991 até 2000, no entanto teve perca populacional entre os anos 2000 e 2010, tendo taxa de crescimento geométrico populacional de -1,27% neste período. Já Buriti Alegre (GO), Cumari (GO), Ipameri (GO), Marzagão (GO) e Nova Aurora (GO) apresentaram crescimento no número de habitantes no período de 2000 a 2010 de 0,44%, 0,68%, 0,85%, 0,33% e 0,69%, respectivamente. O Município com maior taxa de crescimento populacional foi Caldas Novas (GO) que em 1991 tinha 24.159 habitantes, em 2000 49.660 habitantes, saltando para 73.616 habitantes em 2010. A dinâmica populacional de Caldas Novas (GO) difere dos demais municípios da região por se tratar de um polo turístico hidrotermal. Com exceção de Caldas Novas (GO), Corumbaíba (GO) apresenta o maior índice de crescimento geométrico populacional, ou seja, uma taxa de 3,5% entre 2000 e 2010.

Tabela 6 – População/habitante de Corumbaíba (GO) e municípios goianos limítrofes (1991-2010) População Residente (hab) Taxa de Crescimento Geométrico Populacional * (%) Municípios 1991 2000 2010 2000 – 2010 Água Limpa 1.937 2.200 2.111 -1,27 Buriti Alegre 8.742 8.718 8.454 0,44 Caldas Novas 24.159 49.660 73.616 3,6 Cumari 2.888 3.105 2.961 0,68 Ipameri 20.764 22.628 24.745 0,85 Marzagão 1.405 1.920 2.095 0,33 Nova Aurora 1.842 1.927 2.069 0,69 Corumbaíba 5.529 6.637 8.181 3,5 *A Taxa de Crescimento Geométrico Populacional é o crescimento da população de um local considerando duas datas sucessivas e o intervalo de tempo entre essas datas, medido em ano. Fonte - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Secretaria de Estado do Planejamento e Desenvolvimento/Superintendência de Estatística, Pesquisa e Informação (SEPLAN/SEPIN). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

O crescimento populacional evidenciado na Tabela 6, ao mesmo tempo em que foi impulsionado pela territorialização da empresa no Município, garante força de trabalho 72

disponível para o Laticínio, tanto de homens quanto de mulheres. Entretanto, o índice maior de homens, demonstrado pelos dados evidenciados está relacionado ao fluxo de pessoas que chegam à cidade em busca de trabalho na empresa. Isso porque a maior parte da população é formada por homens e a maior quantidade de trabalhadores na empresa e demais indústrias são homens (PESQUISA DE CAMPO, 2012). O crescimento populacional alcançado por Corumbaíba é incentivado pela presença da agroindústria. Tal crescimento promove, dentre outros aspectos, a dinamização do comércio e da prestação de serviços que por sua vez constitui importante fonte de emprego para a população local. Segundo a Secretaria de Gestão e Planejamento do Estado de Goiás (SEGPLAN) o número de empregos, ou seja, postos de trabalho ativos em Corumbaíba em 1999 foi de 586, enquanto em 2005 foi de 694,34 e em 2011 foi de 1.129,11, com crescimento de 48% entre 1999 e 2011. Do total de postos de trabalho em 2011, 622 eram diretamente da Italac Alimentos, daí a importância da agroindústria como fonte de trabalho e para os trabalhadores. No que se refere ao índice de rendimento médio em 1999 a renda média em Corumbaíba era de R$ 328,20, em 2005 era de R$ 694,34 e em 2011 foi de R$ 1.129,11, ou seja, teve um aumento de 48%.15 Essa é uma tendência em todas as regiões brasileiras, conforme publicou o IBGE, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) uma vez que o rendimento médio do trabalhador ocupado passou de R$ 1.242 em 2009 para R$ 1.345 em 2011, com aumentos registrados em todas as regiões. Esse crescimento na renda dos trabalhadores aumenta o índice de consumo e dinamiza o comércio e a prestação de serviços, demanda maior produção, e assim, promove desenvolvimento econômico, ou melhor, dinamiza a economia local. Ao analisar o índice de renda média é preciso se atentar para o fato de se tratar de uma média entre os maiores rendimentos e os menores, escondendo as desigualdades sociais. Além disso, não considera os inúmeros empregos informais que também são postos de trabalho para muitos de seus habitantes. Um exemplo dessa realidade está na Foto 10 que mostra trabalhadores em atividade no “lixão” da cidade.

15 A renda média de um município é calculada a partir do Produto Interno Bruto (PIB) dividido pela população. O resultado é a renda média naquele período. Por se tratar de uma média, o dado é apenas uma referência, pois camufla a acentuada desigualdade social, estrutural na sociedade capitalista. 73

Foto 10 - Trabalhadores no lixão em Corumbaíba (GO): o trabalho informal no Município

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte – Pesquisa de campo, novembro de 2012.

Os trabalhadores da Foto 10 atuam nesta atividade há cerca de 8 anos selecionando materiais recicláveis para comercialização. Segundo uma trabalhadora, ela veio do campo e já trabalhou em diferentes propriedades rurais do Município. Com 68 anos tentou uma vaga de emprego nas cerâmicas e na Italac Alimentos, mas não conseguiu devido à idade, considerada avançada pelos empregadores, e também devido a pouca escolaridade. Isso demonstra que o desemprego e a informalidade também fazem parte da realidade socioeconômica de Corumbaíba. (PESQUISA DE CAMPO). Outro setor que constitui significativa fonte de trabalho, quase sempre, sem vínculos formais de trabalho é a construção civil, que tem presença marcante na cidade, estando relacionada ao crescimento populacional, ao aumento da renda e aos programas de moradia desenvolvidos pelo Governo Federal, tais como o Minha Casa Minha Vida16. Na Foto 11 têm- se trabalhadores atuando na construção civil no conjunto habitacional do setor Serra da Galga II, formado por 72 casas construídas com recursos do Governo do Estado de Goiás e da Prefeitura Municipal de Corumbaíba.

16 O programa Minha Casa Minha Vida é um programa do governo federal que tem auxiliado muitas famílias brasileiras na aquisição da casa própria. Em geral, o Programa acontece em parceria com estados, municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos. Uma dos parceiros é a Caixa Econômica Federal que atua no fornecimento de crédito para o financiamento dos imóveis. (Fonte: http://www.caixa.gov.br/habitacao/mcmv/index.asp). 74

Foto 11 - Trabalhadores da construção civil no Setor Serra da Galga II em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, novembro de 2012.

Muitos empresários locais têm investido na construção de imóveis para venda e aluguel destinados ao comércio e, sobretudo, à moradia. Essa prática tem sido comum na cidade, conforme evidencia um empresário local: Mudei para Corumbaíba em 1997. Eu tinha umas terrinhas na Bocaína, vendi e comprei lotes no Setor Boa Vista e no Vila Nova. Construí algumas casas e cômodos para comércio. Sempre fica tudo alugado. O povo procura bastante. Tem sempre alguém precisando de uma casa para alugar e o comércio no vila cresceu bastante. Fica longe para o pessoal ir no Centro comprar (PESQUISA DE CAMPO, 2012).17

A construção civil é uma importante fonte de trabalho em Corumbaíba, mas a Italac Alimentos é a maior empregadora do Município, seguida da Prefeitura de Corumbaíba, do comércio e da prestação de serviços, das demais indústrias instaladas no Município, da Agropecuária e do Estado de Goiás. Dentre os trabalhadores entrevistados todos residem na cidade de Corumbaíba e são funcionários do Laticínio com carteira assinada18. Eles têm idade entre vinte e quarenta e sete anos, sendo que 55% trabalham na empresa há menos de três anos; 25% trabalham entre três e cinco anos; 15% trabalham entre cinco e oito anos; e 5% trabalham há mais de dez anos. A

17 O entrevistado é um camponês que vendeu sua propriedade no campo e mudou-se para a cidade, desde então vive com a renda do aluguel de imóveis em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em outubro de 2012. 18 Os trabalhadores afirmaram existir a forma de contratação como diaristas. Estes trabalhadores prestam serviços diários e recebem R$ 20,00/dia. Na maioria dos casos em pouco tempo os diaristas são contratados e passam a serem funcionários com carteira assinada. 75

média salarial paga pela empresa aos trabalhadores fica entre 1,0 e 3,0 salários mínimos vigentes no ano de 2011, ou seja, entre R$ 520,00 e R$ 1.580,00 (PESQUISA DE CAMPO, 2012). As atividades comerciais e de prestação de serviços que fazem parte do território da Italac Alimentos em Corumbaíba são os bares, restaurantes, lanchonetes, dormitórios, hotéis, transportadoras e oficinas mecânicas para caminhões que se localizam, sobretudo, nas proximidades da sede da empresa. Nesses locais há presença constante de caminhoneiros aguardando para carga e descarga de produtos, além de serem frequentados pelos trabalhadores durante as trocas de turno. A Foto 12 mostra caminhões estacionados em frente à Italac Alimentos aguardando para serem carregados. É uma paisagem comum nas proximidades. A Foto 13 ilustra um restaurante frequentado pelos caminhoneiros enquanto aguardam o carregamento, e a Foto 14, uma transportadora que presta serviços ao Laticínio tanto no transporte de produtos beneficiados, quanto de leite in natura.

Foto 12 – Caminhões em frente à Italac Alimentos aguardando carregamento de mercadorias

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, junho de 2012.

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Foto 13 - Bar e restaurante nas imediações da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, junho de 2012.

Foto 14 - Transportadora AGT-LOG: prestadora de serviços à Italac Alimentos em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, junho de 2012.

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Nas ruas próximas ao Laticínio estão também as transportadoras que atuam como terceirizadas da empresa, as oficinas mecânicas e borracharias que prestam assistência aos caminhões e os vendedores ambulantes de lanches e roupas, cujos consumidores são, em sua maioria, os trabalhadores da Italac durante as mudanças de turno e os caminhoneiros. Outro fator observado em Corumbaíba (GO), desde os anos 1990, foi o crescimento da malha urbana. A cidade é formada atualmente por 12 setores ou bairros com aproximadamente 2.500 lotes. A quantidade de lotes, bem como, o nome de cada bairro ou setor e a data de criação estão dispostos no Quadro 1.

Quadro 1 - Expansão urbana em Corumbaíba (GO) Loteamentos Ano de concessão de alvarás Total de lotes Setor Central * * Vila Amorim * 359 Vila Nova * 640 Vila da Prata * 21 Vila Morais 1991 35 Vila Manoel Felipe 1991 115 Setor Boa Vista 1994 264 Distrito Industrial 1994 * Setor Aeroporto I 1994 * Setor Aeroporto II 1997 * Setor Serra da Galga 2004 188 Setor Serra da Galga II 2005 101 Setor Simon Bolívar 2001 250 Setor Lago Bonito 2002 99 Residencial Flamboyant 2008 50 Setor Simon Bolívar II 2007 150 Fonte - Prefeitura Municipal de Corumbaíba (GO), 2012. *Fonte indisponível. Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

De acordo com o Quadro 1 os setores Centro, Vila Amorim e Vila da Prata formam a parte antiga da cidade, por isso, não se tem uma data precisa de seu licenciamento. Juntos os três setores formam a maior parte do sitio urbano de Corumbaíba, com 620 lotes. Em 1991 são licenciados mais dois loteamentos, a Vila Morais e a Vila Felipe, ambos os conjuntos habitacionais construídos pelo governo estadual e doados às famílias pobres do Município. Em 1994, foi construído um conjunto habitacional no setor Boa Vista, a chamada Vila Boa Vista, e ainda, licenciado o Setor Industrial, onde seriam instaladas as principais indústrias em Corumbaíba, tais como a Cerâmica Beija-Flor, a Ciprovet Nutrição Animal e a Italac Alimentos. Em 1997, um ano após a instalação do Laticínio Italac Alimentos, foram construídos mais dois conjuntos habitacionais populares, sendo o Setor Aeroporto I e II. Os conjuntos habitacionais Serra da Galga e Serra da Galga II foram licenciados, nos anos 2004 e 2005, respectivamente. Os setores Simon Bolívar, Lago Bonito, Flamboyant e Simon Bolívar 78

II são bairros com loteamentos particulares vendidos, sobretudo, por meio de financiamentos em bancos, tais como, a Caixa Econômica Federal. Vale ressaltar que a data de legalização dos loteamentos, citados no Quadro 1, não correspondem necessariamente às datas de urbanização, além de muitos deles terem passado por expansão ao longo dos anos. O Mapa 2 mostra a evolução da malha urbana de Corumbaíba (GO) até o ano de 2012, com ênfase para os bairros licenciados e urbanizados nos anos 1990 e nos anos 2000. A partir dos anos 1990 houve a expansão da malha urbana, pois até o período, permaneceu por muitos anos a chamada parte antiga da cidade. Nota-se que a maioria dos bairros foi criada a partir dos anos 1994, período de coincide com a territorialização da Italac Alimentos no Município. Esse aumento ocorreu, sobretudo, pela construção e doação de casas populares pelo governo federal, estadual e municipal. Nota-se que dentre os 16 loteamentos que formam a malha urbana de Corumbaíba, 07 são conjuntos habitacionais populares. Os mesmos, ao longo do tempo, vêm sofrendo ampliações, como o Setor Boa Vista e a Vila Manoel Felipe. O Setor Serra da Galga II, iniciado com 22 casas populares, está sendo ampliado com a construção de 72 novas casas. O Setor Industrial foi criado pela Prefeitura Municipal, em 1994, para acolher a indústrias que naquele período se instalavam na cidade, tais como a Ciprovet Nutrição Animal, a Italac Alimentos e a Cerâmica Beija-Flor. Já os loteamentos Simon Bolívar, Simon Bolívar II, Lago Bonito e Flamboyant foram criados pela iniciativa privada. Nota-se em todos os bairros da cidade, a presença ativa da construção civil, financiada, em muitos casos por programas habitacionais do governo, ou mesmo por recursos próprios (PESQUISA DE CAMPO, 2012). 79

Mapa 2 - Evolução da malha urbana de Corumbaíba (GO)

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Dentre os bairros que formam o sítio urbano de Corumbaíba notam-se diferenças em relação ao padrão arquitetônico das casas, bem como, ao tamanho e ao valor dos terrenos, além da própria dinâmica cotidiana dos moradores em cada um dos bairros que o compõem. Nos conjuntos habitacionais construídos pelo governo habitam as camadas mais pobres da cidade. Estes bairros apresentam uma paisagem diferenciada, marcada pela ausência de arborização, ou mesmo pela ausência de infraestrutura básica, como asfalto, espaço para lazer coletivo e praças, por exemplo. Nos loteamentos privados, nota-se que os terrenos e as casas são maiores, com um padrão arquitetônico moderno e a presença de paisagismo, habitados pela classe média. Mesmo assim, o Simon Bolívar II não possui asfalto, e o Lago Bonito foi asfaltado em outubro de 2012, ou seja, 10 anos depois de sua criação, revelando a falta de assistência do aparelho público municipal para a população local (PESQUISA DE CAMPO, 2012). A Foto 15 apresenta o Setor Serra da Galga II, um conjunto habitacional legalizado em 2008 com a doação de 22 moradias populares. Observa-se que não há pavimentação asfáltica nas ruas e o espaço destinado à construção de uma praça pública encontra-se abandonado. Esta é uma paisagem comum nos bairros pobres da cidade, mostrando que dinamização econômica, crescimento populacional e crescimento urbano não são sinônimos de qualidade de vida, uma vez que os moradores reclamam da poeira em excesso, bem como, da falta de espaço para lazer. Na Foto 16 identifica-se uma das ruas da Vila da Prata em Corumbaíba (GO) que assim como o Serra da Galga II, é carente de infraestrutura para os moradores (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Já na Foto 17 tem-se o Bairro Simon Bolívar, um bairro habitado pelas classes média e alta de Corumbaíba (GO). Neste os moradores contam com asfalto, espaço para lazer e paisagismo. O valor pago pelas casas e lotes no mercado são os maiores da cidade, uma vez que as casas são planejadas e os lotes medem em média 370 m², considerados grandes se comparados aos bairros como o Boa Vista, cujos lotes têm 280 m².

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Foto 15 - Setor Serra da Galga II em Corumbaíba (GO): casas construídas com recursos federais no ano 2008 ainda sem pavimentação nas ruas

Autora - CARNEIRO, Janãine, D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

Foto 16 - Rua na Vila da Prata em Corumbaíba (GO): casas construídas com recursos dos próprios trabalhadores

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L.. Fonte – Pesquisa de campo, novembro de 2012.

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Foto 17 - Rua do Setor Simon Bolívar em Corumbaíba (GO): residencial onde vive a classe média do Município, com lotes, casas planejadas

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, junho de 2012.

Além das mudanças espaciais identificadas no espaço urbano, com a territorialização da agroindústria leiteira, a relação cidade-campo também foi/é (re)significada, conforme apresentado no próximo item.

1.3.2 A relação cidade-campo: novos conteúdos

Marques (2006) assegura que existe “[...] a necessidade de considerar a relação campo-cidade para compreender como se constituem os espaços rural e urbano, concebendo- os como constitutivos de uma totalidade dialética que os engloba [...]” (MARQUES, 2006, p. 172), uma vez que se tem uma unidade formada na diversidade. O campo e a cidade são: [...] dois espaços que constituem meios criados a partir de uma multiplicidade de relações sociais de alcance diferenciado, estabelecidas entre indivíduos, grupos sociais e entre estes e a natureza, que dão origem a configurações sociais específicas conhecidas como ruralidade e urbanidade (MARQUES, 2006, p. 172).

Para Williams (2011) a relação cidade-campo é uma construção histórica, ou seja, deve ser analisada como uma realização da sociedade humana, avaliando criticamente as diversas formas assumidas pelas ideias, tanto as persistências quanto a historicidade dos conceitos, estando relacionadas a um contexto mais geral. Assim, ao analisar a relação cidade-campo: 83

[...] nem sempre percebemos que, em seu posicionamento geral, elas representam posicionamento em relação a um sistema social global. [...] as poderosas imagens que temos da cidade e do campo constituem maneiras de nos colocarmos diante de todo um desenvolvimento social. É por isso que, em última análise, não podemos nos limitar a contrastá-las; precisamos também examinar suas inter-relações e, através destas, a forma concreta da crise subjacente (WILLIAMS, 2011, p.483).

De forma estereotipada a concepção de cidade e campo é frequentemente reproduzida pelas ciências e pelas artes como se a cidade fosse sinônimo de realização, de saber, de comunicação, de progresso e de luz, ou mesmo como lugar de barulho, mundanidade e ambição, “[...] sua mobilidade social era a escola da civilização e da liberdade.” (WILLIAMS, 2011, p. 244). Já o campo é entendido como uma forma natural de vida, cercada de paz, inocência e virtudes simples, assim como a expressão do atraso, ignorância, limitação e da obscuridade. No entanto, A realidade histórica, [...], é surpreendentemente variada. A “forma de vida campestre” engloba as mais diversas práticas [...] e sua organização varia da tribo ao feudo, do camponês e pequeno arrendatário à comuna rural, dos latifúndios e plantations às grandes empresas agroindustriais capitalistas e fazendas estatais. Também a cidade aparece sob numerosas formas [...] mas não há em absoluto uma relação de identidade (WILLIAMS, 2011, p. 12).

Segundo Mendonça (2004), o processo de territorialização do capital no campo nas áreas de Cerrado, está relacionado aos estereótipos mencionados por Williams (2011), todavia, são reinventados e incorporados nas ações ideológicas que legitimaram o processo de modernização conversadora implantada nessas áreas. Com isso, o “[...] discurso modernizador torna-se o discurso legítimo, capaz de unir as vontades, mesmo diante da existência de outros códigos concorrentes.” (MARQUES, 2006, p. 175). Isso porque: No caso brasileiro, a concepção de atraso, de pobreza e de isolamento é apropriada e fortalecida pelo processo de acumulação do capital, pela ideologia do progresso e do desenvolvimento. O capital reinventa a discussão acerca do sertão, tido como o interior, em oposição ao litoral – a área onde a civilização está presente, ou seja, aquelas áreas já integradas aos interesses do capital. A dicotomia campo-cidade é transposta para a distinção entre o litoral (a civilização), as áreas já incorporadas ao circuito produtivo subsumido ao capital e o sertão (selvagem), abrangendo as áreas que ainda não estavam subsumidas ao processo de produção imposto pelo capital (MENDONÇA, 2004, p. 147). Nesse sentido, a ideologização do campo, tido pela sua natureza selvagem, precisava ser domesticada. Assim:

[...] tentou homogeneizar as diversas formas societais existentes, [...] desconsiderar qualquer vestígio das diferentes formas de produzir e de viver, características das sociedades pré-capitalistas que ocupavam essas áreas desde tempos imemoriais (MENDONÇA, 2004, p. 150). A modernização era considerada necessária e urgente para garantir o progresso, pois seria capaz de modificar a rusticidade do campo e assegurar comodidade e conforto ao 84

sertanejo. Assim, “[...] não havia dúvida quanto à necessidade de introduzir as novas técnicas e o modo de vida urbano e industrial no “sertão”.” (MENDONÇA, 2004, p. 151). No entanto, esse progresso técnico, refere-se a um progresso do capital e para o capital, já que se trata do progresso a partir da adoção das técnicas capitalistas de produção como uma forma de dominação do capital sobre o trabalho. Para Saquet (2010) existe um processo de expansão do capital no espaço rural brasileiro por meio das agroindústrias. As agroindústrias estão nas cidades e no espaço rural, por meio da integração contratual efetuada, que integra e subordina produtores familiares através do mecanismo de preços diferenciados praticado no mercado. “Há aí, mais um processo de ligação entre o rural e o urbano, inclusive, com agentes sociais de outros países, através da comercialização dos produtos, insumos, [...] prestando assistência técnica; comercializando os produtos [...].” (SAQUET, 2010, p. 174). Isso porque, por meio da agroindústria, ocorre a articulação entre os diferentes agentes sociais, espaços, lugares e territórios que integra e subordina trabalhadores familiares, proprietários e arrendatários. As indústrias, sobretudo, as agroindústrias, promovem a articulação dos produtores agropecuários com os agentes do capital, em nível nacional e internacional, tendo o Estado como mediador desse processo por meio das políticas de crédito agrícola. A territorialização da agroindústria laticinista, Italac Alimentos, em Corumbaíba (GO), promove mudanças no que se refere à relação cidade-campo no Município. Ao se instalar na cidade a empresa intensifica a dinâmica territorial capitalista, motivada pela lógica da produção e da circulação de mercadorias. No campo, manifesta-se pela modernização da produção leiteira e promove a sujeição da renda da terra nas unidades produtoras/fornecedoras de leite. Nota-se o aumento da participação da atividade industrial na arrecadação municipal, a elevação dos índices de urbanização e a mobilidade do trabalho. O Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é indicador da relevância da atividade industrial, do comércio e dos serviços para a economia de Corumbaíba (GO). De acordo com a Secretaria de Gestão e Planejamento do Goiás (SEGPLAN), em 2000 o ICMS era de R$ 4.949 (mil), em 2011 foi de R$ 21.859 (mil). A participação da atividade industrial foi R$ 7.642 (mil) ICMS Indústria e a agropecuária de R$ 4.573 (mil) ICMS Produção Agropecuária, conforme mostra a Tabela 7. No total, a taxa de ICMS apresentou um crescimento do 77,3%. De 2007 a 2011, o Comércio atacadista e distribuidor apresentou um aumento de 57%, já o Comércio varejista cresceu 69%. A Agropecuária, no mesmo período, cresceu 49%, já a Indústria aumentou 39% entre 2007 e 2010, mas decaiu 6,3% em 2011. A 85

Prestação de serviços apresentou declínio de 71%, passando de R$ 63 (mil) em 2007 para R$ 18 (mil) em 2011.

Tabela 7 - Evolução da arrecadação do ICMS em Corumbaíba (GO), segundo setores da economia (1998-2011) (R$ mil) Setor da Economia 1998 2000 2005 2007 2008 2009 2010 2011 Comércio atacadista e - - - 3.608 6.680 6.860 6.780 8.388 distribuidor Comércio varejista - - - 220 268 408 571 707 Indústria - - - 4.902 8.092 11.275 8.156 7.642 Prestação de serviços - - - 63 72 47 21 18 Produção agropecuária - - - 2.300 3.032 4.175 4.479 4.573 Outros - - - 32 16 06 436 526 Total 1.274 4.940 8.856 11.317 15.090 22.774 20.448 21.859 Fonte - SEPIN GO (2012). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

Identifica-se também o aumento da participação do setor industrial na arrecadação de ICMS do Município. Esse crescimento é atribuído ao Laticínio Italac Alimentos, uma vez que a empresa é a maior do setor no Município. Mesmo que o crescimento do ICMS Indústria tenha sido acompanhado pelo crescimento do ICMS Agropecuária, a maior parte na arrecadação do município, em quantidade, é representada pela indústria, mesmo com as oscilações, o que demonstra a importância cada vez maior desta atividade econômica. Ao analisar a relação cidade-campo em Corumbaíba, entre os anos 1991 e 2010, também é possível observar alterações no que refere à urbanização. Segundo os dados da Tabela 8, se, por um lado, ocorre crescimento da população urbana em Corumbaíba, por outro lado, ocorre o decréscimo da população rural. Vale destacar que no total de população rural do Município são contabilizadas as populações dos Povoados do Areião e da Ponte Quinca Mariano, com um total aproximado de 159 e 187 habitantes, respectivamente19. Isso justifica o índice elevado de habitantes no campo, se comparados á média de Goiás e do Brasil. Segundo o IBGE (2010) a taxa de urbanização em Goiás foi de 90,29 % e a do Brasil foi de 84,4% em 2010. A Tabela 8 mostra que a taxa de urbanização20 em 1991 foi de 59,23%, passando para 72,5% em 2000, registrando um aumento de 13,72%. Já em 2010, a taxa de urbanização foi 77,1%, registrando um crescimento de 4,15%, mostrando que o índice de migração

19 A quantidade de habitantes do Povoado do Areião e do Povoado Ponte Quinca Mariano é um dado aproximado. 20 O termo urbanização aqui utilizado refere-se ao aumento da população que vive em cidades em relação à população total, pressupondo a diminuição relativa da população rural. 86

campo-cidade diminuiu nesse período em relação à 1991/2000, mesmo que a maior parte da população do município esteja na cidade. ´

Tabela 8 - Taxa de urbanização - Corumbaíba (GO) (1991-2010) Ano População Total População Rural Taxa (%) População Urbana Taxa (%) 1991 5.529 2.254 40,77 3.275 59,23 1996 5.970 1.926 32,27 4.044 67,73 2000 6.655 1.800 27,05 4.855 72,95 2004 7.233 1.646* 22,75 5.356* 77,25 2010 8.181 1.874 22,90 6.307 77,1 Fonte - IBGE (2010); SEPIN (2012). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

Em Corumbaíba (GO) a situação não é diferente, da maior parte dos municípios brasileiros, onde cada vez mais as pessoas saem do campo para habitar a cidade e/ou cidades próximas. Assim, o crescimento populacional verificado na cidade de Corumbaíba (GO) não está relacionado ao número de nascimentos, mas ao aumento de migrantes recebidos. O principal atrativo para essa população é a intensificação da atividade agroindustrial presente no Município, destacando-se o Laticínio Italac Alimentos, que oferece mais de 600 vagas de emprego diretamente, constituindo-se na maior fonte particular de empregos na cidade, conforme já referido anteriormente. Mesmo diante das limitações dos dados oficiais nota-se em Corumbaíba (GO) a mobilidade de força de trabalho, outra manifestação da inter-relação entre campo e cidade, uma vez que há no Município, moradores oriundos do campo, proprietários rurais ou seus filhos. Isso, para Saquet (2010) contribui para a expansão do sítio urbano, além de reproduzirem na cidade, aspectos da sua vida rural, tais como, hortas, pomares e jardins, hábitos alimentares, dentre outros. Além disso, a mobilidade do trabalho faz com que a renda dos agricultores seja ampliada com os novos empregos na cidade, aumentando o poder de compra das famílias, o que promove maior circulação de mercadorias, entre o campo e a cidade e entre as cidades. Na Foto 17 observa-se uma moradia de trabalhadores na Vila da Prata em Corumbaíba (GO). Nesta moradia identifica-se a presença de um pomar formado por diversas árvores frutíferas, uma prática comum nas demais moradias do bairro. Esta é uma paisagem comum nesse bairro, assim como, no Setor Vila Nova, onde a maioria das casas tem jardim, pomar e o cultivo de hortaliças, mandioca e milho, bem como, em algumas, a criação de galinhas e porcos. Para estas famílias, o cultivo de alimentos é uma tradição e constitui-se fonte de complementar de renda. Tem-se também, nesses bairros, a criação de animais domésticos, tais como, cães e gatos (PESQUISA DE CAMPO, 2012). 87

Foto 18 - Moradia de trabalhadores na Vila da Prata em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

Para Marques (2006) as práticas identificadas na Foto 18 são estratégias de reprodução social, encontradas pelas famílias camponesas que migram do campo e vão para as cidades. Para a autora, “a reprodução social diz respeito a como nós vivemos no e fora do trabalho e é constituída pela confusa e, muitas vezes, indeterminada matéria da vida cotidiana.” (MARQUES, 2006, p. 182). Nesse sentido, destaca-se a importância da família como unidade social, pois:

[...] agrega membros com e sem renda, práticas solidárias de vizinhança e atividades de auto subsistência como o plantio de hortas e a criação de pequenos animais em fundos de quintal. Aliada a estas estratégias também se observa a articulação entre a reprodução de parte da família no campo e parte na cidade, com fluxo de renda e de pessoas nas duas direções (MARQUES, 2006, p. 182). Na Foto 19 nota-se um trabalhador rural que atua como vaqueiro numa Chácara próxima ao sítio urbano de Corumbaíba (GO). Na propriedade são produzidos diariamente 50 litros de leite, em média, que são vendidos para a Italac Alimentos. O trabalhador rural mora na cidade e trabalha diariamente na chácara. Essa é uma prática exercida por diversos trabalhadores que moram na cidade e trabalham no campo, no Município, sobretudo, na atividade leiteira (PESQUISA DE CAMPO, 2012). 88

Foto 19 - Trabalhador rural em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, J. D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

Nesse sentido, a mobilidade do trabalho está presente em Corumbaíba (GO), principalmente na atividade leiteira que constitui fonte de renda e trabalho para os trabalhadores que vivem na cidade. Esses trabalhadores, em sua maioria, são oriundos do campo e aprenderam, ao longo de suas vidas, a lida das atividades do campo, por isso, têm maior dificuldade em se inserirem no mercado de trabalho da cidade, que tem outras exigências referentes à qualificação.

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2 A TERRITORIALIZAÇÃO DA ITALAC ALIMENTOS EM CORUMBAÍBA (GO): AS POLÍTICAS DO ESTADO, MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E MUDANÇAS NO TRABALHO

Foto 20 – Vacas leiteiras em piquetes na Fazenda Bocaina I em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, J. D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013.

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2 A TERRITORIALIZAÇÃO DA ITALAC ALIMENTOS EM CORUMBAÍBA (GO): AS POLÍTICAS DO ESTADO, MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E MUDANÇAS NO TRABALHO

É preciso considerar que ao se utilizar o termo modernização deve-se perceber, concomitantemente, as diferencialidades espaciais, com o intuito de expressar o processo de transfiguração de valor. O termo utilizado largamente após os anos 1970 para expressar a adoção das inovações técnicas (desenvolvimento e difusão de tecnologias), não corresponde à totalidade da realidade social, pois com isso se omite o processo real em curso, qual seja, o conteúdo territorial e os desenhos societais, produto-produtor das contradições entre o capital e o trabalho. A atitude de modernizar a agricultura pressupôs que os sujeitos sociais que habitavam essas áreas eram tradicionais, conservadores e retrógrados, e deviam ser removidos e/ou extirpados para dar lugar ao progresso.

(MENDONÇA, 2004)

A Italac Alimentos surge no final dos anos 1990, num contexto em que o setor agroindustrial lácteo brasileiro é marcado por características heterogêneas e composto por diversos segmentos. A empresa de capital nacional se territorializa em Corumbaíba (GO) no final dos anos 1990 e consiste atualmente, numa das maiores empresas do ramo de beneficiamento de derivados lácteos no País. Tanto a sua territorialização, quanto a constituição e composição do setor agroindustrial lácteo estão (in)diretamente envolvidos com as políticas e ações do Estado, em nível federal, estadual e municipal, mesmo que ocorram no período da chamada auto regulação. Tais ações são ratificadas porque as políticas estatais de modernização agrícola, financiamento e de desenvolvimento regional tem forte influência no setor agroindustrial. O presente capítulo objetiva compreender a territorialização da Italac no contexto da modernização do setor agroindustrial lácteo. Para isso, caracteriza a empresa com base em seu histórico e atuação no mercado nacional, apresenta os fatores que contribuíram para a sua territorialização em Corumbaíba (GO), tais como: a dinâmica socioespacial do Sudeste Goiano, a mobilidade geográfica do capital e do trabalho e as políticas estatais de incentivo à industrialização. Para tanto, são considerados também o papel do Estado e da reestruturação produtiva do capital nas mudanças no setor lácteo, na pecuária leiteira em Goiás e em Corumbaíba.

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2.1 A Italac Alimentos em Corumbaíba (GO)

[...] não existe uma só forma de entender e propor o desenvolvimento, nem da forma que hoje está colocado serve aos interesses de todas as classes sociais por igual.

(GÓMEZ, 2002)

A Italac Alimentos (Goiasminas Indústria de Laticínios Ltda.) é uma agroindústria laticinista, privada e de capital nacional. A empresa, cuja sede se localiza em Corumbaíba (GO), é dirigida pela 3ª geração de uma família tradicional no setor de laticínios, tendo iniciado suas atividades em 1994 em Itapaci (GO). A origem do seu nome se deve à junção das iniciais “Ita” de Itapaci e “lac” de lácteos. Instalou-se em Corumbaíba em 1996, e em 1998 começou a produzir o leite Longa Vida Italac. Em 2006 passou a produzir leite em pó e leite condensado. No ano de 2007 instalou- se em Rondinha (RS), marcando a chegada do Laticínio a uma das bacias leiteiras que mais crescem no Brasil atualmente, o Rio Grande do Sul. No início de 2008, dando continuidade à ampliação de seu parque industrial, a Italac iniciou a construção da fábrica em Jaru (RO). Em 2009 inaugurou a unidade produtiva de Passo Fundo (RS). No ano de 2010 iniciou as operações da unidade de Santa Helena (GO). A empresa foi reconhecida em 2011 como uma das cem maiores contribuintes de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Estado de Goiás, conquistando o prêmio de Fornecedor mais Lembrado na categoria Leite e Derivados, promovido pela revista Indústria da Alimentação. Atualmente, a Italac possui uma rede de filiais em Minas Gerais, Goiás, Pará, Rondônia e Rio Grande do Sul. Está posicionada entre as maiores empresas do setor de laticínios do Brasil com presença nas gôndolas de quase todo o território nacional (ITALAC ALIMENTOS, 2012).21 O Mapa 3 mostra a localização geográfica das fábricas, dos postos de captação de leite e das centrais de distribuição dos produtos beneficiados da Italac Alimentos, nos estados brasileiros. Além disso, aponta os estados onde são comercializados seus produtos, em cada região do País. Nota-se que as fábricas estão nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul, mais precisamente nos estados de Rondônia, Pará, Goiás e Rio Grande do Sul. Os postos de captação estão em Goiás, Minas Gerais e Rondônia. Já os centros de distribuição dos produtos estão no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Amazonas.

21 Fonte: Italac Alimentos, 2012. Site da empresa< http://www.italac.com.br/empresa.html>. Acesso em: 19 de junho de 2012. 92

Atualmente, a empresa possui fábricas instaladas em Corumbaíba (GO) (matriz), Jaru (RO), Nova Mamoré (RO), Ouro Preto (RO), Santa Helena (GO), Passo Fundo (RS), Rondinha (RS) e Xinguara (PA). Os postos de captação de leite estão em Itapaci (GO), Araguari (MG) e Alvorada do Oeste (RO). Os centros de distribuição estão localizados em São Paulo (SP) (central), Rio de Janeiro (RJ) e Manaus (AM). Os produtos são comercializados em todos os estados da região do Nordeste do Brasil, em Goiás, no Distrito Federal, nos estados da região Sul, e principalmente, em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde está o maior mercado consumidor dos seus produtos (ITALAC ALIMENTOS, 2012). Conforme evidencia o Mapa 3. Na unidade produtiva de Jaru (RO) a capacidade de produção instalada é de 1,5 milhões de litros/dia, onde são produzidos: manteiga, leite UHT, leite em pó e soro em pó. A unidade de Passo Fundo (RS) tem capacidade de produção para 900 mil litros/dia, dos quais são produzidos leite UHT, creme de leite e achocolatado. Em Santa Helena (GO) são produzidos leite UHT especiais, creme de leite, achocolatados, molhos prontos, soro em pó, manteiga, chantilly e sucos, com capacidade de processamento para 1,4 milhões de litros/dia (ITALAC ALIMENTOS, 2012). No total, os produtos da Italac Alimentos existentes no mercado são: achocolatado em pó (200g e 400g); bebida láctea sabor chocolate (200 ml e 1l); leites UHT convencionais e especiais (enriquecidos com vitaminas A e D) nas versões integral, desnatado e semi desnatado; leite em pó integral e desnatado (200 g e 400 g); manteiga comum com sal; queijos tipo mozzarella, prato, provolone e ralado; creme de leite e creme para chantilly; leite condensado (395 g e 270 g); doce de leite (400 g); molhos especiais, tipo 4 queijos, strogonoff, madeira, funghi e branco; além dos produtos institucionais, que são o leite em pó, o soro em pó e a manteiga; e dos produtos bonville, que são achocolatado, leite condensado, creme de leite e leite em pó (ITALAC ALIMENTOS, 2012).

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Mapa 3 - Espacialização da Italac Alimentos no Brasil: fábricas, postos de captação e centros de distribuição

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A Italac Alimentos é uma das principais indústrias do setor lácteo do País. Seus produtos chegam a mais de 20 mil postos de vendas, entre varejistas, atacadistas e distribuidoras. Além disso, de acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Leite, Leite Brasil, no ranking das maiores empresas de laticínios do Brasil, o Laticínio ocupou o 4º lugar entre os maiores receptores de leite diretamente do produtor e o 3º lugar na recepção de leite de terceiros. Em 2011, ocupou o 4º lugar tanto na receptação do leite direto dos produtores, quanto de terceiros, conforme evidencia o Quadro 2. O Quadro 2 mostra que no Ranking das maiores empresas de Laticínios do País, em 2011, o primeiro lugar é ocupado pelo grupo Dairy Partiners Americas (DPA) - formada pela parceria entre duas grandes empresas do mercado lácteo, a Nestlé e a Fonterra. Em segundo lugar, aparece o grupo Lácteos Brasil S. A., criada em 2010, com a união das empresas Bom Gosto e LeitBom, atuante no mercado com marcas nacionais e regionais, tais como, Parmalat, Poços de Caldas, Boa Nata, Bom Gosto, Líder e LeitBom. Em terceiro lugar está a Itambé, uma empresa de capital nacional atuando há mais de 60 anos no mercado. Já a Italac, empresa de capital nacional, atua no mercado há 17 anos, aparece em quarto lugar. A sede da Italac Alimentos está em Corumbaíba (GO), instalada no Município desde 1996, às margens da GO 139, Km 01, no Setor Industrial. Sua capacidade diária de processamento é de 1,6 milhão de leite/dia, onde são produzidos leite UHT, creme de leite UHT, achocolatado e leite condensado, conforme mostra a Figura 1. Tais produtos, segundo a empresa, são comercializados em Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, escoados via transporte rodoviário (ITALAC ALIMENTOS, 2012). A Foto 21 mostra o portão de entrada da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO).

Figura 1 - Produtos Italac Alimentos fabricados em Corumbaíba (GO)

Fonte - Italac Alimentos, 2012. Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012. 95

Quadro 2 - Ranking das maiores empresas de laticínios do Brasil – 2011

Fonte - www.leitebrasil.org.br, 2012. Organização - Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Leite Brasil), 2011. 96

Foto 21 - Entrada principal da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO), na Rodovia GO 139

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, outubro de 2012.

Segundo a Prefeitura Municipal de Corumbaíba (GO)22, a Italac Alimentos é a maior fonte de trabalho formal direto para a população local, pois emprega 610 trabalhadores, diretamente, sendo 433 homens e 177 mulheres, perdendo apenas para a Prefeitura Municipal, que emprega 623 trabalhadores diretos. A maioria dos trabalhadores reside em Corumbaíba, outros vêm de cidades vizinhas, tais como, Marzagão (GO), Nova Aurora (GO) e Água Limpa (GO). O Laticínio Italac Alimentos é o principal comprador do leite in natura produzido em Corumbaíba e um dos principais da região. O Mapa 4 mostra a origem do leite processado na empresa. No que se refere aos fornecedores de leite in natura para a Italac Alimentos, em Corumbaíba, identificam-se os fornecedores diretos e os terceiros, oriundos da bacia leiteira do Município e região. O total de fornecedores, segundo o Gerente de Política Leiteira da Empresa, é de 90 produtores de Corumbaíba e 1.500 oriundos das demais localidades. Conforme se observa no Mapa 4, os municípios em que se encontram os fornecedores são: (GO), Catalão (GO), Ipameri (GO), Morrinhos (GO), Araguari (MG), (GO), (GO), Silvânia (GO), Bela Vista de Goiás (GO), Itaberaí (GO), Caldas Novas (GO), São Miguel do Passo Quatro (GO), Itumbiara (GO), (GO), Itapaci (GO), Jaraguá (GO), (GO) e Paraúna (GO).

22 Fonte: trabalho de campo, março de 2012. 97

Mapa 4 - Origem do leite in natura processado pela Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) (2012)

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Com base no Mapa 4 nota-se que, o leite adquirido em Itapuranga, Jaraguá, Itaberaí, Paraúna e Ipameri é fornecido por laticínios locais. E em Silvânia, São Miguel do Passo Quatro, Orizona, Piracanjuba, Morrinhos, Catalão e Goiatuba, é fornecido por cooperativas de produtores. Já em Itapaci, Pontalina, Bela Vista de Goiás, Caldas Novas, Itumbiara e Araguari o leite é fornecido diretamente pelos produtores. Em Corumbaíba e em Ipameri, têm-se produtores/fornecedores diretos e cooperativas de produtores. O transporte do leite in natura dos municípios de origem até o Laticínio, em Corumbaíba (GO), é feito por transporte rodoviário, em caminhões especializados para o transporte desse tipo de produto.

2.1.1 A dinâmica socioespacial do Sudeste Goiano e a territorialização da agroindústria leiteira

A territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO), em 1996, está relacionada à dinâmica territorial do capital e do trabalho no Brasil, e em Goiás, cuja participação do Estado é fundamental. Mais precisamente, a instalação da agroindústria laticinista no Município pode ser atribuída aos seguintes fatores: a formação socioespacial das cidades do Sudeste Goiano, onde a territorialização do capital promoveu/ve uma série de mudanças espaciais e nas relações de trabalho; ao processo de expansão da fronteira, fundamentado na desconcentração industrial e na modernização da agricultura no País, a partir dos anos 1970; a questão mais relevante são as especificidades apresentadas por Corumbaíba (GO), que configuram o lugar como um espaço produtivo, sob o ponto de vista da empresa, tais como: a sua posição geográfica, a existência de mão de obra disponível e sem organização sindical ou reivindicatória consolidada, a existência de matéria prima (leite in natura) no Município e região, e principalmente, a infraestrutura e os incentivos fiscais oferecidos pelo Estado no âmbito estadual e municipal. Ao analisar a formação socioespacial dos Municípios do Sudeste Goiano é preciso considerar a forma como se deu a ocupação, bem como, a territorialização do capital e as mudanças no trabalho nas áreas de Cerrado, atentando-se para a historicidade do espaço, pois, segundo Mendonça (2004), para compreender as tramas espaciais e os desenhos societais, a pesquisa deve recorrer à processualidade histórica que constitui a realidade a ser investigada. Outra ressalva feita pelo autor refere-se às interpretações de Goiás, que reproduzem as ideias de decadência, atraso e isolamento. Tais ideias foram/são (re)produzidas por acadêmicos que internalizaram a abordagem europeia de análise do espaço geográfico e que priorizam as leituras territoriais apontadas pelo capital. “[...] é como se não existissem classes sociais, 99

produção, vidas nesses lugares antes da chegada do grande capital.” (MENDONÇA, 2004, p. 156). Essas leituras geográficas priorizam as grandes obras, os grandes feitos e investimentos, os grandes equipamentos técnicos, não considerando os impactos e os desdobramentos dessas ações para o meio social e, tampouco, para os trabalhadores. Em suma, essas abordagens constituem-se construções que “[...] apenas instrumentalizaram a “ocupação racional” e indiscriminada, desencadeada pelo capital através da modernização da agricultura que se materializou nas áreas de Cerrado a partir da década de 70 do século XX.” (MENDONÇA, 2004, p. 161). Nessa perspectiva, a interpretação de Goiás e a análise da sua formação socioespacial devem ir além das abordagens que priorizam os grandes eventos em si mesmos, como agentes únicos no processo de formação territorial dessas áreas. Mas, devem ser entendidos como parte de um processo mais amplo de expansão geográfica do capital que busca novos espaços para incorporar, impondo a lógica do capital agroindustrial e financeiro. Todavia, representam marcos temporais de (re)ordenamento espacial, significando novas territorialidades, novas perspectivas para o capital e para o trabalho, por isso, promoveram/em condições favoráveis para instalação de agroindústrias, tais como, a Italac Alimentos em Corumbaíba. O Sudeste Goiano apresenta especificidades no processo de “ocupação” em relação ao restante do estado de Goiás, já que esteve incorporado aos mecanismos de controle do capital desde o século XIX, sendo acelerado pela instalação da ferrovia, no início do século XX (Mapa 5). A chegada dos trilhos promoveu mudanças espaciais, nas formas de produzir e nas relações sociais de trabalho, que seriam (re)arrumadas a partir dos anos 1980. Houve ainda a integração desta região aos centros econômicos do País, tornando-se área de interesse para os migrantes, principalmente proprietários rurais, profissionais liberais, comerciantes dentre outros. Para a agropecuária comercial, a ferrovia possibilitou a sua expansão, pois ao mesmo tempo em que facilitava o transporte e escoamento dos produtos, trouxe crescimento para as cidades formando um mercado consumidor local para os seus produtos (MENDONÇA, 2004). Para Mendonça (2004): A ferrovia acelerou o processo de alteração das relações de poder com a chegada maciça de migrantes (comerciantes) e do capital industrial que passou a investir em atividades agroindustriais (charqueadas, curtumes, laticínios, cerealistas, sapatarias, etc.). O incremento da atividade agrícola, principalmente com o cultivo do arroz no Sudeste Goiano foi algo extraordinário. [...]. A presença do capital industrial se efetivou a partir da instalação de agroindústrias. [...] possibilitou um novo ordenamento territorial na região que se convencionou denominar como Região da Estrada de Ferro (MENDONÇA, 2004, p. 158).

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A expansão das atividades agropecuárias no Sudeste Goiano foi acompanhada pela intensificação da migração e pela renovação das aglomerações urbanas, com o objetivo de promover o desenvolvimento de uma agricultura comercial capaz de fornecer alimentos mais baratos e absorver os excedentes populacionais liberados pela crise da cafeicultura, bem como, ampliar o mercado consumidor. O crescimento urbano, o aumento da demanda pelo setor de serviços e a agroindustrialização transformaram as relações sociais de produção, com a implementação do trabalho assalariado. Assim, a construção dos trilhos proporcionou ao Sudeste Goiano uma posição privilegiada para os investimentos do capital agroindustrial, dentre eles, os laticínios (MENDONÇA, 2004). O Mapa 5 apresenta o percurso da estrada de ferro em Goiás e os municípios do Sudeste Goiano que fazem parte da chamada região dos trilhos. Nesse sentido, o Sudeste Goiano é dinamizado com a chegada da ferrovia no início do século XX, tem um processo de recomposição de classes em decorrência da Revolução de 1930, e ainda, é integrado pela construção de rodovias, que paulatinamente o incorpora ao cenário econômico nacional, com a construção de Brasília e da BR 050. Esse movimento é retomado nos anos 1970, com o processo de desconcentração industrial, a chegada das indústrias mineradoras e a modernização conservadora da agricultura, intensificada na região nos anos 1980. Destacam-se também a atuação de políticas estatais de industrialização e desenvolvimento regional, promovidas pelo governo estatal (MENDONÇA, 2004). Para Chaveiro (2001) a intervenção estatal direcionada para o Centro-Oeste e para o Norte desenvolveu três grandes programas: Poloamazônia, Polocentro e Região Geoeconômica de Brasília. Todos esses planos colocaram Goiás e o Centro-Oeste no dinamismo da economia mundial; além disso, costurou uma mudança profunda nos hábitos, na base técnica produtiva, no regime do consumo, [...] na gestão burocrática, na organização do trabalho e das classes sociais, na estruturação das propriedades, nas atividades culturais etc. [...] (CHAVEIRO, 2001, p. 166).

Chaveiro (2001) destaca a importância do Centro-Oeste, a partir de três aspectos: a denominada abertura da fronteira agrícola com a utilização do Cerrado, desembocando no processo de modernização da agricultura; um elevado índice de migração do tipo rural-urbana e a intensificação do nível migratório inter-regional; a conquista do lugar de entreposto comercial e de serviços importantes da região com a economia nacional (CHAVEIRO, 2001).

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Mapa 5 – Estrada de ferro de Goiás (principais estações ferroviárias) – Sudeste Goiano Fonte – Mendonça (2004).

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Para Moreira (2011) a fronteira em expansão foi o sustentáculo para a modernização agrícola e o surgimento do complexo agroindustrial durante a década de 1970. Esta foi marcada pelo início do processo de desconcentração geral das indústrias, que até então estavam concentradas na região Sudeste. Paralelamente, ocorre a modernização e a disseminação da agricultura no centro do País. Nesse contexto, a indústria se aproxima da agricultura. Nos anos 1980 a modernização chega às áreas de Cerrado, constituindo-se o eixo norteador desse reordenamento geral do espaço brasileiro, pois é acompanhado pelas indústrias, sobretudo, a agroindústria, que também se territorializa nos estados da região. Nesse período, Müller (1989) entende que o Brasil já dispunha de um conjunto de setores agrícolas e industriais interdependentes entre si, constituindo os chamados complexo agroindustriais. Moreira (2011) afirma que: [...] a partir dos anos 1970 é a fronteira o eixo pelo qual a indústria e a agricultura se convergem para a agroindústria. Esta [...] é convertida no centro de gravidade econômica do país, sendo organizada à base de grandes fluxos de capitais e força de trabalho, vindos e indo para todas as áreas. [...] Três componentes espaciais formam então a lógica dessa mudança: a fronteira em movimento, o crescimento demográfico contínuo e o surgimento do ramo da indústria para a agricultura (MOREIRA, 2011, p. 128).

Nessa perspectiva, o autor assegura que o arranjo da sociedade e do espaço geográfico no país se modeliza e intervém a partir do imbricamento entre terra, território e Estado. Ou melhor, “[...] é essa relação de vinculação à lei espacial geral que está na base de todas as regras regentes da relação sociedade-espaço. A lei que vem do modo do arranjo e que age por intermédio dele.” (MOREIRA, 2011, p. 137). Moreira (2005) evidencia que entre os anos 1980 e 1990, o território brasileiro se redesenha, se descomprime, sob a lógica dos grandes investimentos, da agroindústria, do capital agroindustrial e financeiro. Assim, a territorialização da Italac Alimentos estaria relacionada também a desconcentração industrial no Brasil, desde 1990, quando as indústrias saem do estado de São Paulo em direção ao interior do País. Segundo Mendonça (2004): A primeira região do Estado de Goiás a incorporar a modernização da agricultura (a da década de 1970) foi o Sudoeste Goiano, que apresentava condições locacionais favoráveis, tais como: proximidade geográfica com os mercados do Centro-Sul; tradição na atividade agropecuária com a presença de latifúndios; uma elite agrária voltada para a absorção às inovações; pouco adensamento populacional no campo; que facilitava a incorporação das terras, quase sem resistência por parte dos camponeses e trabalhadores da terra. Esses fatores associados às políticas creditícias e fiscais para a “ocupação racional” das áreas de Cerrado e a construção da infraestrutura necessária, fizeram dessa região, o “portal” de entrada da modernização da agropecuária em Goiás e para grande parte do centro-norte brasileiro (MENDONÇA, 2004, p. 161). 103

A partir da territorialização da modernização da agricultura e das agroindústrias nas áreas de Cerrado, tem-se uma série de mudanças econômicas, sociais, culturais e espaciais com a chegada do capital agroindustrial e financeiro, ao passo que são incorporadas à dinâmica de produção e circulação de mercadorias a nível nacional. Mesmo assim: Não seria possível pensar na modernização do território goiano por inteiro, pois isso implicaria em aceitar a tese da homogeneização espacial e/ou da padronização a uma única forma de uso e de exploração da terra. [...] é incorrer em grave equívoco e não compreender devidamente a essência desigual e combinada, que move a reprodução do capital, sendo esta a condição para a acumulação, seja no espaço agrário brasileiro, seja nas áreas de Cerrado. [...] A modernização do campo foi parcial e não poderia ser diferente, mas atingiu os objetivos propostos, assegurando novas formas de produção, incrementando a produção/produtividade e a reprodução ampliada do capital. [...] está de acordo com a “opção brasileira” de crescimento econômico. É a face mais visível da modernização capitalista e é condição para a territorialização das empresas rurais e das agroindústrias que conformam o espaço geográfico (MENDONÇA, 2004, p. 166).

Para Santos; Silveira (2003) a partir dos anos 1970, como um desdobramento da divisão territorial do trabalho no Brasil, ocorre um movimento de desconcentração da produção industrial no país, em que o Centro-Oeste passa abrigar, sobretudo, a agroindústria. Esse reordenamento faz parte de um movimento mais em que “[...] a ocupação de áreas até então periféricas e na remodelação de regiões já ocupadas.” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 105). Assim: [...] a produção industrial torna-se mais complexa, estendendo-se, sobretudo para novas áreas do Sul e para alguns pontos do Centro-Oeste, do Nordeste e do Norte (Manaus). [...] as áreas já consolidadas ganham dinamismos diferentes dos que definiram a industrialização em períodos anteriores (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 106).

Segundo Silva (2002) a participação do Estado no processo de territorialização do capital está relacionada ao movimento de expansão agrícola, nos anos 1970, seguida da agroindústria nos 1990. Além disso, revela-se numa série de concessões ao capital em detrimento de investimentos em melhorias nas condições de vida da população. A esse respeito argumento que: Hoje, no neoliberalismo, os gastos sociais são retirados e/ou diminuídos, ao passo que as concessões ao capital se ampliam, inclusive em benefício maior do capital especulativo que no produtivo. O fato é que, atualmente, o capital avança sobre o fundo público com mais ímpeto, sobrando cada vez menos recurso para políticas sociais. A repercussão espacial dessa lógica se manifesta no seguinte princípio: a cidade, região ou país, que abrir mais o fundo público em benefício do capital, receberá tal ou qual nova fábrica. A isto se acrescenta a dotação do território, que põe umas e outras áreas mais competitivas que as outras (SILVA, 2002, p. 59).

De acordo com Silva (2002) a concentração industrial em São Paulo e demais metrópoles do Sudeste, trouxeram a saturação das possibilidades de geração de empregos e consequentemente, a diminuição da qualidade de vida da maioria da população, bem como, a 104

deterioração da infraestrutura, tornando inviável a industrialização de remédios e alimentos. A esses motivos somam-se o aumento da violência e a queda da produtividade em função da excessiva aglomeração industrial, além do encarecimento do terreno urbano e arredor, e a dificuldade na chegada de matérias primas e no escoamento de mercadorias, devido aos congestionamentos de trânsito. E principalmente, o papel da força de trabalho cara, com organização sindical da região do ABC paulista.23 A política territorial das empresas faz que com saiam das grandes metrópoles e se instalem em novas partes do território. O território passa a ser organizado e usado com a lógica exclusiva dessa produção, os lugares (estados ou municípios) passam a disputar as sedes dessas indústrias, vistas como progresso, dinamismo e fonte de renda, assim como destaque para os mesmos. Ocorre um verdadeiro “[...] combate por oferecer os melhores dados técnicos e políticos às firmas.” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 113). Assim, “as mudanças de localização de atividades industriais, às vezes, são precedidas de uma acirrada competição entre Estados e Municípios pela instalação de novas fábricas e, [...] pela transferência das já existentes [...].” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 106). Com isso, as empresas obtêm dos diferentes níveis do governo, terreno, infraestrutura, isenção de impostos e outras taxas e créditos para a sua instalação e ampliação. Predomina a busca constante por rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, geração de energia, terrenos preparados, mão de obra disponível e sem organização sindical, tratando-se de uma busca, por parte das empresas dos chamados “lugares produtivos”, já que: [...] cada lugar, como cada região deve ser considerado um verdadeiro tecido no qual as condições locais de infraestrutura, recursos humanos, fiscalidade, organização sindical, força reivindicatória afastam ou atraem atividades em dado momento (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 297).

No lugar selecionado pelas empresas, os objetos, ações, o restante do espaço, ou seja, o território é organizado a partir da lógica dessa produção. Tudo isso, segundo Santos; Silveira (2003) é norteado pelo discurso eficaz do desenvolvimento, do progresso, da criação de empregos e da modernização. Sob a ameaça constante por parte da empresa, em encontrar um novo estado ou município, este lugar deve, a cada dia, “[...] conceder mais privilégios,

23 O ABC Paulista é uma área formada pela sigla de três cidades industriais da Região Metropolitana de São Paulo. São elas: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul. Apesar de não fazerem parte da sigla, pertencem também à região do Grande ABC os municípios de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. (Disponível em: http://wikitravel.org/pt/ABC_Paulista).

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criar permanentemente vantagens para reter as atividades das empresas [...]” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 116). Nesse sentido, entende-se que a escolha da Italac Alimentos em se instalar em Corumbaíba (GO) está relacionada a um conjunto de fatores que garantiram à empresa a obtenção do lucro, ou melhor, produção e a circulação das mercadorias. Tais fatores estão relacionados à sua posição geográfica, que permite o acesso à matéria prima, o escoamento dos produtos e à proximidade com os maiores mercados consumidores do País. A pecuária leiteira é uma importante atividade econômica do Município e região, o que significa matéria prima disponível para o Laticínio. Além disso, a empresa encontrou no Município e região, a mão de obra disponível, com baixo custo se comparado aos grandes centros, e ainda, sem uma organização sindical e reivindicatória consolidada. Ao mesmo tempo, a empresa contou/a com o apoio das políticas públicas de incentivo às indústrias desempenhadas pelo estado de Goiás e município de Corumbaíba, as quais viabilizaram a sua instalação e ampliação. Harvey (2005) afirma que: [...] o capitalista procura as vantagens que dispõe de capital financeiro deseja aplica- lo onde quer que possa haver lucro, e tipicamente busca resultados que acumulam mais capital. [...] O capitalista opera no espaço e no tempo contínuo, [...] as empresas capitalistas vem e vão, mudam de localização, se fundem entre si ou encerram as operações. [...] O fundamental é ver que as lógicas territorial e capitalista do poder diferem entre si. Porém é igualmente inegável que essas duas lógicas se entrelaçam de formas complexas e por vezes contraditórias (HARVEY, 2005, p. 32). A posição geográfica de Corumbaíba (GO) é um de seus atrativos para a instalação da Italac Alimentos. Silva (2002) salienta que a opção por cidades do Sudeste Goiano, tais como, Catalão (GO) e Corumbaíba (GO), se deve, principalmente, à posição geográfica destas cidades. Nesse sentido Mendonça (2004) complementa que: A geografia do Sudeste Goiano apresenta uma importante localização geográfica, sendo fundamental para a logística, a existência dos meios de transportes e infraestrutura, possibilitando amplas perspectivas para o processo de “ocupação” do território [...] (MENDONÇA, 2004, p. 164).

Corumbaíba (GO) fica na região Sudeste Goiano e encontra-se na divisa dos estados de Goiás e Minas Gerais. O estado de Goiás, especificamente o Sudeste Goiano, tem uma posição geográfica importante no território nacional, além de ter recursos naturais em abundância, possibilitando o intercâmbio comercial, a utilização variável da terra e, por conseguinte, a sua incorporação ao capital industrial nacional e internacional. Conforme mostra o Mapa 6, as rodovias GO 139 e GO 210 integram o Município aos municípios vizinhos e região, também, às cidades mais populosas que constituem mercados consumidores potenciais para os produtos beneficiados pela Italac Alimentos. Dentre as 106

cidades, estão: Caldas Novas (GO), Catalão (GO), região metropolitana de Goiânia (GO), Brasília (DF), Anápolis (GO), Araguari (MG), Uberlândia (MG), Uberaba (MG), grande São Paulo e demais cidades do estado. As rodovias também permitem a chegada do leite in natura, além de outros produtos utilizados pela indústria no processo produtivo. O Mapa 7 apresenta a localização das principais regiões consumidoras dos produtos lácteos da Italac Alimentos, assim como, a localização dos municípios fornecedores de leite in natura para a empresa.

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Mapa 6 – Localização de Corumbaíba (GO) em relação aos principais mercados consumidores do País 108

Mapa 7 – Localização das regiões consumidoras dos produtos Italac Alimentos e dos fornecedores de leite in natura para a empresa em Corumbaíba (GO)

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A pecuária leiteira é uma atividade econômica desenvolvida em quase todas as propriedades rurais de Goiás (GOIÁS, 2011), portanto, no Sudeste Goiano e em Corumbaíba. Por isso, a Italac Alimentos encontra o leite in natura disponível no mercado para ser beneficiado na fábrica. A Tabela 9 mostra a quantidade total de leite produzida no estado de Goiás, na região Sul Goiano (região próxima à Corumbaíba) e na região do Sudeste Goiano (onde está Corumbaíba e a maior parte dos Municípios vizinhos).

Tabela 9 - Dados da produção de leite em Goiás, no Sul Goiano e no Sudeste Goiano de 1990-2010 (Mil litros) 1990 1995 2000 2005 2010 Sudeste Goiano* - - - 328.089 542.454 Sul Goiano** - - - 420.575 518.408 Corumbaíba - 16.529 18.701 19.356 51.330 Goiás 1.072.000 1.450.000 2.194.000 2.648.5999 3.193.731 Fonte - SEGPLAN-GO/Gerência de Estatística Socioeconômicas; IBGE – Pesquisa Pecuária Nacional. Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L.; 2012. *Os municípios que fazem parte do Sudeste Goiano são: Anhanguera, Campo alegra de Goiás, Catalão, Corumbaíba, Cristianópolis, Cumari, Davinópolis, Gameleira de Goiás, Goiandira, Ipameri, Leopoldo de Bulhões, Nova Aurora, Orizona, Ouvidor, , Pires do Rio, Santa Cruz de Goiás, São Miguel do Passo Quatro, Silvânia, Três Ranchos, Urutaí e Vianópolis. **Os municípios que fazem parte do Sul Goiano são: Água Limpa, Aloândia, Bom Jesus de Goiás, Buriti Alegra, , Caldas Novas, Edéia, Goiatuba, Inaciolândia, Indiara, Itumbiara, Joviânia, , Marzagão, Morrinhos, Panamá, Piracanjuba, Pontalina, Porteirão, Professor Jamil, , Varzão e Vicentinópolis.

No Mapa 8 identifica-se a classificação dos municípios goianos de acordo com a produção leiteira e os municípios que se destacam pela presença da indústria de laticínios. Corumbaíba (GO) está entre os municípios com produção de 22.045 (mil l) a 58.964 (mil l). Observa-se que os maiores produtores são municípios das regiões Sul e Sudeste Goiano. Assim, a oferta de leite in natura é abundante nesses municípios o que representa um atrativo para as empresas. No que se refere à presença de laticínios, Goiânia (GO) ocupa do 1º lugar, Bela Vista de Goiás (GO), o 2º lugar, e Corumbaíba ocupa o 3º lugar. Essa posição é alcançada pela presença do Laticínio Italac Alimentos.

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Mapa 8 – Espacialização da produção de leite em Goiás Fonte – Goiás (2012)

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Nesse sentido, compreende-se que o Sudeste Goiano abriga a maior parte dos Laticínios em Goiás, assim como, os municípios que mais produzem leite no estado. Nesta região, os laticínios têm facilidade de acesso à matéria-prima, ao mesmo tempo em que encontram as cidades mais populosas, facilitando também o consumo local dos produtos beneficiados. Dessa forma, os aspectos socioespaciais do Sudeste Goiano contribuíram/em para a territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO). No próximo item, será abordada a influência da mobilidade geográfica do capital e do trabalho, além das políticas goianas de incentivo à industrialização nesse processo.

2.1.2 A mobilidade geográfica do capital e do trabalho e as políticas de incentivo à industrialização

Os conceitos de mobilidade geográfica do capital e do trabalho evidenciadas por Harvey (2005) e Thomaz Junior (2009), auxiliam na compreensão da escolha da Italac Alimentos em instalar-se em Corumbaíba (GO). Segundo Harvey (2009) no que se refere ao espaço, tem-se um contexto peculiar, pois a queda das barreiras espaciais não significou o fim da importância atribuída ao espaço pelo capital, tampouco o fim das diferenças espaciais. Pelo contrário, “[...] o aumento da competição em condições de crise coagiu os capitalistas a darem [...] mais atenção às vantagens locacionais relativas, [...] porque a diminuição de barreiras espaciais dá aos capitalistas o poder de explorar, [...] pequenas diferenciações espaciais.” (HARVEY, 2009, p. 265). Tais diferenciações estariam relacionadas ao que o espaço oferece em termos de trabalho, infraestrutura, recursos, e outros aspectos que favoreçam a manutenção das condições de acumulação e reprodução do capital. Harvey (2009) acrescenta ainda que a mobilidade geográfica do capital e, a consequente mobilidade do trabalho, bem como, a descentralização são características imprescindíveis no contexto da acumulação flexível do capital24. Assim como, a manutenção da sua tendência para o crescimento em valores reais pautados na exploração do trabalho vivo no universo da produção, a partir de uma dinâmica tecnológica e organizacional. Essa tendência do modo capitalista de produção revela que:

24 A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracterizam-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 2000, p. 260). 112

As práticas imperialistas, do ponto de vista da lógica capitalista, referem-se tipicamente à exploração das condições geográficas desiguais sob as quais ocorre a acumulação do capital, aproveitando-se igualmente do que chamamos de “assimetrias” inevitavelmente advindas das relações espaciais de troca. [...] A riqueza e o bem-estar de territórios particulares aumentam à custa de outros territórios. As condições geográficas desiguais não advêm apenas dos padrões desiguais da dotação de recursos naturais e vantagens de localização, elas também, o que é mais relevante, produzidas pelas maneiras desiguais em que a própria riqueza e o próprio poder se tornam altamente concentrados em certos lugares como decorrência de relações assimétricas de troca. [...] (HARVEY, 2005, p. 35). Para Thomaz Junior (2009) a mobilidade espacial do trabalho é um dos fatores estratégicos do capital para a acumulação do capital. Isso é evidenciado no Brasil, principalmente após a década de 1990, pela incorporação de territórios com pouca tradição industrial e baixa organização sindical, por empresas oriundas dos grandes centros industriais tradicionais, em busca de menor resistência por parte dos trabalhadores e demais benefícios fiscais e logísticos. Esse processo, “[...] a mobilidade, a migração do capital e do trabalho está reconfigurando as espacialidades da economia global, os perfis, os conteúdos e subjetividades dos homens e mulheres que trabalham [...].” (THOMAZ JUNIOR, 2009, p. 197). A atuação do Estado por meio das políticas de incentivo ao desenvolvimento industrial contribui para a instalação da Italac Alimentos, uma vez que oferecem crédito e incentivos fiscais, além de uma série de concessões, por exemplo, a infraestrutura necessária para a instalação da fábrica. Tais políticas são exercidas por meio de programas como, o FCO25, o Fomentar26 e o Produzir. As políticas estatais de modernização e desenvolvimento econômico regional em Goiás foram implantadas por meio de programas como o FCO, o Fomentar e Produzir. Tais programas fazem parte do conjunto de ações do Estado em favor da territorialização do capital nas áreas de Cerrado e são advindas, também, do processo de modernização agrícola desde os anos de 1970 e 1980. Assim: [...] o desenvolvimento industrial de Goiás, a partir dos anos 1990, é em grande medida, um desdobramento do processo de modernização agrícola dos anos 70 e 80. O caráter conservador daquela modernização, fortemente concentradora de renda e propriedade, reflete-se no movimento da industrialização oferecendo limitadas oportunidades de inclusão da pequena e média produção rural e urbana na dinâmica

25 O Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) foi instituído com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento econômico e social dessa região, através da instituição financeira federal – Banco do Brasil - de caráter regional, mediante a execução de programas de financiamento aos setores produtivos. (Fonte: http://www.seplan.go.gov.br/sepin/pub/conj/conj6/05.htm). 26 O primeiro programa de incentivo fiscal em Goiás foi o Fundo de Fomento a Industrialização do Estado de Goiás (FOMENTAR), substituído pelo Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás (PRODUZIR) que preconizava de forma direta a geração de emprego e renda. (Fonte: http://www.seplan.go.gov.br/sepin/pub/conj/conj22/artigo02.pdf). 113

econômica liderada pelos grandes complexos agroindustriais (CHAVES, 2009, p. 94).

Segundo Chaves (2009) o Fomentar nasceu do Fundo de Expansão da Indústria e Comércio do Estado de Goiás (FEICOM), criado em 1970, com o objetivo de conceder incentivos fiscais, financeiros, bem como, infraestruturas e contribuir para a desconcentração industrial do sudeste do País. O programa durou 10 anos e concluiu mais de 90 projetos. Já o novo Programa Fomentar, ligado oficialmente ao FCO, durou de 1984 a 2000, com mais de 1.565 projetos. As desvantagens do programa referem-se à falta de direcionamento para micro e pequenas empresas. Acerca do novo Programa de Incentivo Fiscal denominado Produzir, Chaves (2009) diz que este tem o objetivo de contemplar o micro, pequeno, médio e grande empreendimento, atuando em forma de financiamento, reduzindo o valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) mensal para as empresas beneficiadas, sendo utilizado como um empréstimo financeiro e não apenas fiscal. A legislação do Produzir foi alterada de forma a adequar o Programa às novas diretrizes da política industrial assegurando mais agilidade nos processos de concessão e contratação de benefícios com uma maior seletividade. Para Rosa Paschoal (2011) o Produzir: [...] limitou o prazo de fruição em 15 anos, enquadrou todos os segmentos sociais organizados e foi mais além, criando alguns braços tais como: Logproduzir, Centroproduzir, Comexproduzir, visando incentivar várias atividades econômicas, no intuito de promover o desenvolvimento local e regional. [...] Aliado a estes benefícios, outros foram criados no cerne da Fazenda Pública Estadual com destaque: a redução na base de cálculo, crédito outorgado e o crédito especial para investimentos, limitados a 40% dos investimentos fixos (ROSA PASCHOAL, 2011, p. 01).

Programas tais como o Produzir e as políticas referentes ao ICMS estão presentes em todos os municípios goianos e foram/são utilizados por diversas empresas no estado, dentre elas o Laticínio Italac Alimentos. De acordo com Chaves (2009) tais programas têm como principais objetivos: [...] transformar Goiás em um polo agroindustrial de crescente importância no cenário nacional e internacional, fazendo da expansão e modernização da indústria, um motor para o desenvolvimento sustentável (do ponto de vista econômico, social, regional e ambiental) do Estado, estimulando a realização de investimentos, a renovação das estruturas produtivas, o aumento da competitividade estadual, com ênfase na geração de emprego e renda e na redução das desigualdades sociais e regionais, a diversificação da capacidade produtiva, a revitalização de unidades industriais paralisadas, e a relocalização de unidades industriais motivadas por fatores estratégicos (CHAVES, 2009, p. 92).

O Produzir vem incentivando nos últimos anos a instalação de uma série de empresas no território goiano, como por exemplo, a Mitsubishi Motors em Catalão (GO). No que se 114

refere à territorialização da agroindústria laticinista Italac Alimentos em Corumbaíba, as políticas de incentivo ao desenvolvimento industrial, criadas pelo governo estadual e municipal foram fundamentais para a sua instalação e ampliação. O município de Corumbaíba ingressou no Fomentar em 04 de julho de 1994, pela Lei Municipal nº 210/94. Já em 21 de julho do mesmo ano foi adquirida pela Prefeitura Municipal, uma gleba de terras com 48.400 m², às margens da Rodovia GO 139, destinada à implantação do Distrito Industrial no Município, conforme a Lei nº 211/1994. Desde então são oferecidos por parte do governo municipal uma série de concessões fiscais e de infraestrutura às indústrias que ali pretendam se instalarem. Isso demonstra o interesse por parte do governo municipal em atrair novas indústrias, ou mesmo beneficiar as que ali já existiam, como forma de garantir renda, empregos e desenvolvimento econômico para o Município. As infraestruturas, para Harvey (2005), são importantes e assumem papel de destaque ao possibilitar o movimento fluido sobre o espaço, pois amplia a capacidade de mover no espaço, mercadorias, capacidade produtiva, pessoas e dinheiro. “[...] O movimento fluido sobre o espaço só pode ser estabelecido mediante a instalação de certas infraestruturas físicas no espaço [...]” (HARVEY, 2005, p. 87). A Lei Municipal nº 566/06, de 10 de maio de 2006, instituiu o Programa Municipal de Apoio a Empresas, que dispõe sobre a concessão de incentivos à instalação e ampliação de empresas comerciais, indústrias e de serviços, e ainda, concede terrenos, serviços de terraplanagem, construção de infraestrutura básica, abertura e pavimentação de vias de acesso, construção de galerias pluviais e redes de esgoto, bem como, aterros sanitários e demais infraestruturas necessárias, às empresas interessadas (ANEXO C). No caso da Italac Alimentos foi feita a doação do terreno para a instalação, e posteriormente, uma série de ampliações que a empresa vem fazendo em seu parque industrial. Uma das doações para a Italac Alimentos foi feita no primeiro semestre de 2005, conforme consta no Anteprojeto de Lei nº 003/2005 que autorizou o Executivo Municipal a adquirir e doar um novo terreno para a empresa, cuja área de 37.639,60 m², foi destinada à implantação da fábrica de leite condensado, creme de leite e leite em pó (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Assim, o Estado em âmbito municipal, seguindo a mesma lógica desenvolvimentista nos âmbitos federal e estadual, contribui para a territorialização do capital, em Corumbaíba, por meio de uma série de concessões às empresas que desejam se instalarem, ou mesmo, ampliarem suas instalações. Os programas de incentivo implantados são justificados pela 115

possibilidade de promover o progresso socioeconômico e da infraestrutura, e ainda, na geração de empregos e renda dos cidadãos. Nesse sentido, as empresas se beneficiam das ofertas e garantem a acumulação e reprodução do capital, enquanto o governo municipal desenvolve estratégias de aumento de postos de trabalho na cidade e afirma contribuir para o aumento da renda e do desenvolvimento do Município. Dessa forma, a territorialização da agroindústria laticinista, em Corumbaíba (GO), está relacionada à modernização agrícola e conta com o apoio do Estado. Este apoio, dentre outros aspectos, é fortalecido pela difusão de concepções ideológicas que reforçam a necessidade urgente de progresso e desenvolvimento regionais e locais, mediante a instalação de indústrias e a modernização agropecuária. Esse discurso é reproduzido pelas instituições estatais em todos os âmbitos. Em Corumbaíba, a Italac Alimentos é vista pelas lideranças políticas municipais, assim como, pela maioria da população, como uma grande propulsora do desenvolvimento do Município, uma vez que o representa a nível nacional, além de oferecer emprego e renda para os moradores, dinamizando a economia municipal. O reconhecimento social da empresa, assim como, seu papel de sujeito no desenvolvimento local e a participação do governo municipal, na sua territorialização, também se evidenciam nos seguintes depoimentos dos moradores de Corumbaíba (GO): Tanto acredito como sou testemunha dessa influência [...] É a Prefeitura a responsável direta pela presença desta grande empresa em nossa cidade, além de outras, como a Martins, Ciprovet, a Cerâmica Beija-Flor e a Cerâmica Corumbá. [...] (PESQUISA DE CAMPO, 2012).27

A Italac é vista na cidade como uma grande empregadora, importante para o Município. É um orgulho para nós corumbaibenses saber que aqui tem a Italac, [...] fora daqui o pessoal questiona: nossa! É uma cidade tão pequena e tem uma empresa tão grande. Então a Italac é uma referência para nós. [...] (PESQUISA DE CAMPO, 2012).28

Nessa perspectiva, o propósito de desenvolver o Município por meio do fomento aos investimentos de empresas se evidencia pelas concessões feitas por parte do governo municipal às empresas, tais como, a Italac Alimentos, tanto por incentivos ficais, quanto pela doação de terrenos e infraestruturas para sua instalação e ampliação. Além disso, os moradores locais e o poder público municipal enfatizam a contribuição da agroindústria laticinista por meio do reconhecimento social atribuído à empresa. Como exemplo, tem-se o

27 O entrevistado foi vereador durante dois mandatos consecutivos em Corumbaíba (GO), sendo de 1997-2000 e 2001-2004. A entrevista foi realizada em junho de 2012. 28 O entrevistado é um empresário de Corumbaíba (GO) que atua no cultivo da soja, milho e sorgo, bem como, na fabricação de rações e suplementos alimentares para gado bovino. A entrevista foi realizada em junho de 2012. 116

prêmio Os construtores de Corumbaíba29, concedido à equipe gestora da empresa no mês de maio de 2012. A premiação foi realizada pela Câmara Municipal dos Vereadores e pela Prefeitura Municipal de Corumbaíba, em comemoração ao centenário de emancipação política do Município. Outro exemplo da importância política atribuída à Italac Alimentos, em Corumbaíba, foi a utilização do nome da empresa como apoiadora durante a campanha eleitoral para prefeitos e vereadores em 2012, onde os candidatos que alegavam receberem seu apoio faziam questão de citá-la como uma importante parceira no desenvolvimento da cidade. Durante o processo eleitoral também foi anunciada a proposta de mais uma obra executada pelo governo municipal para beneficiar a empresa, que é a construção do estacionamento para os caminhões que aguardam para carga e descarga no Laticínio. Atualmente, tais caminhões ocupam as ruas nas adjacências da empresa, atrapalhando o tráfego de carros e pessoas, além de prejudicarem a qualidade da pavimentação asfáltica das ruas que não estão adaptadas ao fluxo contínuo de veículos de grande porte (PESQUISA DE CAMPO). É evidente que uma empresa do porte da Italac Alimentos, em Corumbaíba, exerce influências socioeconômicas no Município, promovendo o desenvolvimento local. No entanto, esse desenvolvimento é contraditório e desigual, pois corresponde à própria natureza da sociedade capitalista. Para Santana (2011) o “grande impulso, dinamismo e desenvolvimento” a que são atribuídos às indústrias, correspondem ao aumento da atividade econômica, industrial e da urbanização. A indústria cresce, os demais setores se dinamizam e toda a cidade vive um momento de transformação e otimismo. Ideologicamente, isso é tratado como desenvolvimento e progresso. Contudo, apesar de ainda existir um sentido civilizatório no desenvolvimento capitalista, principalmente pela agroindústria leiteira oferecer salários melhores do que os antigos postos de trabalho exercidos pela classe trabalhadora em Corumbaíba (GO), isso não quer dizer que os problemas sociais são extintos, ou mesmo, diminuam. O autor identifica situação semelhante em Catalão (GO), ao estudar a territorialização da indústria automobilística na cidade.

29 O prêmio Os construtores de Corumbaíba foi criado pela Câmara Municipal de Vereadores, com o intuito de homenagear instituições e personalidades que contribuíram para o desenvolvimento econômico e social do Município, ao longo dos 100 anos de sua emancipação política. O Prêmio foi entregue à diretoria da Italac Alimentos em maio de 2012, numa solenidade formal durante as festividades do centenário (PESQUISA DE CAMPO, 2012). 117

2.2 Do complexo agroindustrial (CAI) ao sistema agroindustrial lácteo brasileiro: o papel do Estado

[...] conjunto formado pela sucessão de atividades vinculadas à produção e transformação de produtos agropecuários e florestais. Atividades tais como: a geração destes produtos, seu beneficiamento/transformação e a produção de bens de capital e de insumos industriais para as atividades agrícolas; ainda: a coleta, a armazenagem, o transporte, a distribuição dos produtos industriais e agrícolas; e ainda mais: o financiamento, a pesquisa e a tecnologia, e a assistência técnica. [...] As atividades são interdependentes, mas assimétricas, pois há aquelas cujas funções possuem um maior grau de importância na reprodução do complexo. Tais atividades constituem o núcleo do CAI e dizem respeito à capacidade de controle que os interesses socioeconômicos aí localizados exercem sobre a reprodução do mesmo. Assim, a agricultura, em que pese ser uma atividade principal, pode estar subordinada a setores comerciais, como por exemplo, os supermercados.

(MÜLLER, 1989)

O cenário dos anos 1990 é marcado pela perda do poder explicativo da categoria complexo agroindustrial, tão utilizado nas décadas de 1970 e 1980. O conceito de Complexo Agroindustrial se torna insuficiente para apreender as novas articulações entre os agentes, que a partir deste momento passam a utilizar um conjunto de estratégias que redefinem dinamicamente as relações no setor empresarial. Surge um novo modelo explicativo para a dinâmica do setor agroindustrial – a organização em rede. Nesse tipo de organização, a função de uma unidade empresarial é definida a partir das relações com outras empresas (CRISTINA DOS SANTOS, 2004). Clemente (2006) argumenta que as análises do modo de produzir na agropecuária estavam pautadas no conceito de complexo agroindustrial, até por volta dos anos 1980. A partir dos anos 1990, com a reestruturação do setor agroindustrial, o conceito de “complexo em rede” cunhado por Mazzali (2000) parece explicar melhor as mudanças que configuram a realidade do setor atualmente. Isso porque as apreciações do chamado complexo agroindustrial pautavam-se no domínio cada vez maior do capital industrial, financeiro e comercial sobre a agricultura a partir da sua integração cada vez maior com a indústria à montante e à jusante. Sendo respectivamente a indústria fornecedora de bens de capital, fertilizantes, defensivos e implementos agrícolas e a indústria processadora de matéria-prima agrícola. Com a “[...] crise fiscal do Estado brasileiro, as inovações tecnológicas e o advento do neoliberalismo [...]”. (CLEMENTE, 2006, p. 84), a partir dos anos 1990, têm-se mudanças estruturais na forma de produzir da agricultura, que passou a buscar cada vez mais a flexibilidade. 118

De acordo com Paulillo; Herrera; Costa (2005), o setor agroindustrial lácteo brasileiro é marcado por duas fases principais: a primeira entre 1945 e 1990, caracterizada pela regulação estatal agropecuária; e a segunda, a partir de 1991, conhecida como a fase da autorregulação láctea, que significou o início da reestruturação das bacias leiteiras do país. Na primeira fase, o desenvolvimento da atividade leiteira esteve vinculado à questão da regionalização produtiva e à segurança alimentar nacional, sendo que uma série de políticas voltadas para o complexo agroindustrial lácteo e suas bacias produtivas eram regidas por decretos federais e pela realização de convenções regionais. Na segunda fase, a produção láctea foi marcada pela desregulamentação, pela abertura do mercado lácteo brasileiro e pelo distanciamento da questão social de atenuação da insegurança alimentar. Durante o período da regulação estatal as bacias leiteiras tornaram-se exemplo da complexidade desse setor econômico, pois o nível tecnológico, a especificidade da agropecuária, o aparato gerencial, a forma de comercialização e o predomínio de um modo de integração tornaram-se os principais fatores de diferenciação tecnológica e organizacional entre as diferentes bacias leiteiras nacionais. Já durante o período da autorregulação láctea motivada pela crise política e fiscal do Estado, tem-se a abertura e a desregulamentação do mercado nacional (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2005). Entende-se que para compreender o complexo lácteo brasileiro é preciso analisar a sua trajetória ao longo desses períodos, com o intuito de perceber as políticas estatais, as mudanças técnicas e tecnológicas e seus desdobramentos na organização da pecuária leiteira no país, observando que “[...] a maior parte das atividades agroindustriais, como a extração, o beneficiamento e a distribuição leiteira, sempre estiveram envolvidas com a intervenção do Estado” (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002, p. 154). Esta reflexão permite o entendimento do processo de territorialização da agroindústria leiteira, Italac Alimentos em Corumbaíba, influenciada pelo processo de reestruturação do complexo lácteo no Brasil. Para tanto, serão apresentados os principais aspectos da constituição do Complexo Agroindustrial (CAI) lácteo brasileiro, a partir da retomada histórica e caracterização atual, realizadas por pesquisadores que se dedicam ao estudo desta temática, dentre eles Binzstok (2000), Paulillo; Herrera; Costa (2002), Figueiredo; Paulillo (2005), Alfredo (2008), Milinski; Guedine; Ventura (2008), Cristina dos Santos (2004) e Clemente (2006). De início, será apresentada a caracterização do processo de formação do complexo lácteo brasileiro e, posteriormente, serão apresentados os principais aspectos que configuram o setor atualmente. 119

Segundo Paulillo; Herrera; Costa (2002), a regulação estatal láctea no Brasil, até 1990, por meio da imposição de regras e normas aos atores produtivos e distribuidores lácteos, foi marcada pela modernização parcial da pecuária e pela busca da chamada segurança alimentar.30 As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas pelo incentivo ao cooperativismo leiteiro, como uma nova forma de interação entre pecuária leiteira e beneficiamento, pois entre os produtores e as empresas havia muitos conflitos. O cooperativismo foi estimulado pelos incentivos fiscais do governo federal, significando o início do movimento de constituição das bacias leiteiras regionais, destacando-se as cooperativas centrais de São Paulo e Minas Gerais, as principais envasadoras de leite natural do país naquele período, assim como as empresas nacionais, Vigor e Leco (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). Ocorreu ainda nesse período a inovação tecnológica no beneficiamento lácteo, incentivada pelas normas sanitárias mais rígidas. Estas normas foram expedidas e controladas pelo Estado, dentre as quais, destacou-se a proibição do comércio direto entre pecuaristas e consumidores. Além disso, o aumento da produtividade e a diversificação produtiva também contribuíram para a inovação tecnológica das bacias leiteiras, cujo contexto já era caracterizado pela heterogeneidade estrutural, embora o Estado nunca tenha considerado esse fator um entrave para a modernização da pecuária leiteira no país. Como consequência, essa modernização acabou acontecendo de forma parcial. Isso se deve às ações estatais, pois o Estado “[...] aceitou o perfil regionalizado da produção leiteira e objetivou a organização láctea nacional em bacias produtivas, estabelecendo as primeiras normas sanitárias e de comercialização de um produto alimentar básico.” (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002, p. 156). A partir de 1945 houve o início da política de tabelamento dos preços que posteriormente foi disseminada para todo o país. O governo federal estipulou um preço mínimo de base denominado preço-cota, e durante a sazonalidade31 na produção eram estipulados descontos chamados preço extra cota. Também havia variações de preço

30 O conceito de segurança alimentar elaborado pela Cúpula Mundial de Alimentação refere-se à garantia a todos de condições de acesso a alimentos básicos de qualidade em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo, assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana”. Este conceito difere do conceito de soberania alimentar postulado pela Via Campesina, que pode ser enunciado como “o direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, acessíveis, produzidos de forma sustentável e ecológica, e o direito de decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo.” (BURITY et. al., 2010) 31 O período de sazonalidade é o período da entressafra do leite. No período chuvoso as pastagens se tornam mais densas e a produção do leite cresce; já no período das estiagens (seca) ocorre forte redução, principalmente entre os pequenos produtores em função da diminuição das pastagens (Disponível em: www.milkpoint.com.br). 120

conforme o destino do produto, nos chamados leite/consumo e leite/indústria, a fim de proteger o produtor do poder de negociações das grandes empresas. Ocorreu ainda, o tabelamento do preço do produto final a ser consumido, garantindo que o consumidor ficasse livre do monopólio dos laticínios e, principalmente, reduzindo os impostos sobre os índices de inflação. Desde então, a interferência estatal nos preços do leite tornaram-se frequentes, e muito influenciaram na produção e na produtividade desta atividade econômica. No início da década de 1970, há um exemplo dos efeitos da interferência do Estado nos preços do leite. Nesse período, o Estado passou a reprimir os preços pagos aos produtores para evitar a super oferta do leite in natura, o que prejudicou as bacias leiteiras de São Paulo e Minas Gerais. Houve uma estagnação da produção, e esta passou a ser insuficiente para atender a demanda nacional. Então, o governo federal passou a importar vários produtos, entre eles o leite, que mesmo com a ampliação de bacias leiteiras, como a do Vale do Paraíba e a de Ribeirão Preto, a importação era necessária. Com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e a internalização da indústria de bens de capital no país, houve a intensificação de investimentos no setor de beneficiamento lácteo. As bacias produtivas foram inseridas num complexo agroindustrial lácteo pautado nas relações de compra e venda, o que acirrou a concorrência entre as empresas nacionais, multinacionais e cooperativas. Nesse período, houve a instalação de filiais das multinacionais HPV, inglesa, e Alfa Laval, suíça, no Brasil, as quais forneceram vários equipamentos para a pasteurização do leite, tais como tanques mecânicos, ordenhadeiras, bombas centrífugas, dentre outros instrumentos. (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). De acordo com os autores, o aparelho estatal parecia se empenhar em elevar a produtividade e, possivelmente, a margem de lucro do produtor. Para isso, procurou aumentar a produção e a produtividade do rebanho leiteiro através da melhoria de pastagens, conservação de forragens, adoção de melhores práticas de manejo do rebanho, pela introdução do tanque isotérmico para o transporte e de embalagem para envase, ou seja, através da modernização da pecuária leiteira. Tais incentivos às inovações ocorreram através de projetos, tais como, o Programa de Melhoramento da Alimentação e Manejo do Gado Leiteiro (Planam) e o Programa de Incentivo à Modernização da Pecuária Leiteira (Pró-Leite). Para Cristina dos Santos (2004), dos anos 1940 aos anos 1970, houve importantes mudanças no setor lácteo brasileiro. Segundo a autora, a partir dos anos 1950, as rodovias - mesmo sem pavimentação - surgiram como uma alternativa para o transporte do leite e, em 1960, passaram a se constituir na principal via de escoamento da produção, havendo uma expansão geográfica da pecuária leiteira no País. Nos anos 1950, inicia-se a ampliação da 121

fronteira agrícola, associada ao aumento das escalas de produção e modernização tecnológica. Como consequência: [...] as pequenas empresas tendem a desaparecer e várias empresas regionais não conseguem competir com as grandes empresas, principalmente as multinacionais que realizam altos investimentos em propaganda e diferenciação de produtos (CRISTINA DOS SANTOS, 2004, p. 59).

Nesse contexto a urbanização contribuiu para o aumento da demanda de alimentos, ao passo que as pessoas mais ricas buscavam por produtos diversificados no mercado, trazendo mudanças para o setor produtivo. Tais mudanças são influenciadas, sobretudo, pelo processo de modernização da agricultura brasileira que teve início na década de 1960, embora essa influência tenha sido de forma menos pronunciada do que em outros setores (CRISTINA DOS SANTOS, 2004). Segundo Paulillo; Herrera; Costa (2002), a partir de meados dos anos 1960, o Estado já havia reunido condições necessárias para a constituição de um complexo agroindustrial lácteo num plano tecnológico e de regulação. Além disso, sua constituição foi estimulada pela dinâmica da urbanização, pela integração dos mercados nacionais através da expansão da malha rodoviária e também pela existência de novos padrões de consumo que exigiam, sobretudo, derivados lácteos diversos, tais como, iogurte, sobremesas e queijos diferenciados, além da crescente demanda, pelo leite fluido. Durante o período de intervenção do Estado na economia, em termos regionais, a maior produtividade concentrava-se principalmente no Sudeste, porém houve um maior crescimento nas regiões Norte e Centro-Oeste. Esse crescimento foi influenciado por programas governamentais iniciados nos anos 1970, entre eles: o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agropecuária do Norte e do Nordeste (PROTERRA), o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO), além de incentivos fiscais da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).32 O período que compreende os anos 1970 e 1990, segundo Figueiredo; Paulillo (2005) trouxe uma série de consequências para a configuração do CAI lácteo brasileiro atual. Dentre os principais elementos desse contexto, destacam-se a heterogeneidade tecnológica e a

32 De acordo com Chaves (2009), no Brasil os governos federal, estaduais e municipais formulam e implementam políticas regionais para interferir no processo de desenvolvimento de um determinado espaço regional. Tais interferências ocorrem por meio de incentivos fiscais, financeiros e por meio de outros mecanismos de estímulo e atração de investimentos, constituindo políticas de industrialização, motivadas pelos ideais de desenvolvimento fundados na indústria. Assim, constituem intervenções públicas para garantir mercado e fatores escassos, como infraestrutura, crédito e insumos básicos, ou melhor, pode ser chamada de política industrial. 122

divergência de interesses entre os principais sujeitos atuantes no setor. Esse quadro é decorrente da modernização conservadora da agricultura que atingiu o país desde a década de 1970, cujas ações políticas se davam de forma horizontal e centralizada. Tal modelo de política, direcionada aos complexos agroindustriais brasileiros, não estava em conformidade com as diferenças predominantes no campo brasileiro. Estas diferenças são regionais e geográficas, e referem-se aos diferentes graus de industrialização, representações políticas e aos interesses socioeconômicos, o que originou a desigualdade de acesso às linhas de crédito e o favorecimento dos grandes produtores em detrimento do empobrecimento dos pequenos. Ressalta-se ainda que, as políticas estatais para os complexos agroindustriais não consideravam as especificidades do setor, por exemplo, a produção de soja destina-se a exportação, já o leite é um alimento componente da cesta básica dos brasileiros, o que pressupõe uma série de especificidades para cada produto. A década de 1980 foi marcada pelas altas importações de leite em pó e outros produtos lácteos, pelas promessas não cumpridas do governo em recuperar os preços do leite, filas de consumidores para a compra de leite pasteurizado ou reidratado de baixa qualidade e queijarias, pagando mais pela matéria-prima, retirando os produtores das cooperativas. Nesse período, foi criada a Secretaria Especial de Abastecimento e Preços (SEAP), responsável pela determinação dos preços do leite. Mas, os impasses entre governo, os produtores e as empresas de beneficiamento tornaram-se constantes. Os produtores e a indústria requeriam um reajuste pela defasagem dos preços, faltavam estoques para suportar o período de entressafra e, principalmente, era preciso controlar o impacto do reajuste dos preços sobre as taxas de inflação (FIGUEIREDO; PAULILLO, 2005). Ao final dos anos 1980, com a crise a qual passava o Brasil, marcada pelos altos índices inflacionários, decaíram as demandas por produtos lácteos, bem como, os incentivos estatais para o aumento da produção. Diante da inconstante atuação do governo federal as cooperativas tinham menor diversidade de produtos, se comparadas às grandes empresas voltadas à produção de leite em pó e derivados, passando a atuar com maior flexibilidade e margem de lucro. Nesse contexto, Paulillo; Herrera; Costa (2002) avaliam que: As indefinições da regulação do Estado e de suas agências públicas muitas vezes prejudicaram os produtores de leite. Assim, a regulação estatal láctea encabeçada pelo regime de tabelamento que durou 45 anos, apresentou seus efeitos negativos. Os principais foram a subordinação da renda do produtor rural ao combate à inflação, a inviabilização da tecnificação do setor, a dependência de importações, a predominância de uma oferta leiteira não especializada e a manutenção da informalidade na produção leiteira (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002, p. 163). 123

A partir de 1990, o complexo agroindustrial lácteo conheceu uma nova fase, denominada autorregulação, responsável pela manutenção da heterogeneidade estrutural e tecnológica e, pela insegurança alimentar nas regiões produtivas. As mudanças que culminaram na constituição dessa nova fase são advindas da crise fiscal do Estado, da diminuição do seu poder político, da integração dos capitais financeiro, industrial, comercial e agrário, do avanço das grandes corporações transnacionais e do surgimento de novas formas de financiamento (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). Esse contexto foi marcado também por mudanças no papel do Estado, mediante a sua refuncionalização, conforme as novas diretrizes do processo de acumulação do capital mundializado. O primeiro sinal da “retirada” do Estado no processo de desenvolvimento agroindustrial lácteo brasileiro foi a passagem do controle das importações de leite e derivados para a iniciativa privada e para os chamados “sem-fábrica”33, ou seja, aqueles que negociam lácteos e “jogam” com as diferenças de preços, taxas de juros, de câmbio ou ainda com os prazos de pagamento para obter vantagens no mercado. O segundo sinal foi o fim do tabelamento de preços dos leites tipo B e C, em 1991. Dessa forma, o preço do leite passou a ser definido em âmbitos setoriais e regionais. A negociação de preços entre os agentes produtores tornou-se intensa e cada vez mais complexa. Modificou-se a forma de concorrência entre as multinacionais, contribuindo para o crescimento da concentração industrial. E houve considerável aumento da participação de empresas varejistas na determinação do preço, ora por marca própria, ora por aquisição de grande quantidade de produtos (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). “A abertura comercial e a liberação dos preços do leite e de seus derivados foram os dois fatores mais importantes para a mudança do modo de regulação lácteo no Brasil e, consequentemente, para a reestruturação agroindustrial. [...]”. (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002, p. 164). Estas ações provocaram uma série de consequências para os diversos segmentos do complexo lácteo brasileiro. Dentre as mais significativas, os autores citam: a desestruturação das bacias leiteiras tradicionais nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, já que muitos pecuaristas, inclusive os grandes produtores, não conseguiram quitar suas dívidas financeiras; a quase integração da indústria multinacional láctea enfraqueceu o poder de negociação de grande parte dos produtores, especialmente os pequenos, pois na negociação

33 Os “sem fábrica” são os agentes que passaram a se aproveitar das assimetrias e distorções das políticas públicas no mercado de lácteos para obterem lucros a partir de práticas comerciais espúrias. Tais agentes passaram a “jogar” com as taxas de juros diferenciadas internamente e no exterior, para importar leite em pó a baixo custo e comercializá-lo no mercado interno a preços que desestabilizaram toda a cadeia, sendo prejudicial, sobretudo, aos produtores de leite, que passaram a enfrentar uma concorrência externa desleal (JANK; GALAN, 1998, apud CLEMENTE, 2006, p. 62). 124

com a indústria quem apresentava maior poder de barganha eram estas, confirmando seu caráter excludente; a liberação das importações lácteas para os agentes privados, reduzindo a compra do leite in natura dos produtores brasileiros. No que se refere às importações, nesse contexto, Paulillo; Herrera; Costa (2002, p. 170) consideram que: Nos canais de importação de leite e derivados, há uma triangulação de produtos de origem externa ao Mercosul, pois com a constituição desse bloco econômico a imposição de barreiras tarifárias para produtos lácteos entre os Países componentes (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) diminui [...] Os grupos empresariais para importar tais produtos, de nações produtoras que apresentam subsídios em suas políticas agrícolas, como a Nova Zelândia e a União Europeia. O leite europeu entra na Argentina devido à alíquota mais baixa na Tarifa Externa Comum (TEC), sendo transportados para o mercado brasileiro (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002, p. 170).

Para agravar a situação dos produtores ocorreu também a queda de importantes programas sociais de distribuição de leite, como o Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes e o Ticket Leite, colocados em prática entre 1988 e 1990, representando o consumo de 30% do leite tipo C distribuído no país. Outro fator foi a granelização da coleta de leite refrigerado, responsável pelo aumento dos custos de produção e distribuição, enquanto os preços recebidos diminuíram. Sobre esse tipo de coleta Paulillo; Herrera; Costa (2002) afirmam que, Dentre as vantagens da forma de coleta a granel ressalta-se a periodicidade da coleta, que pode ser realizada a cada dois ou três dias, dependendo da escala de produção e da capacidade de armazenagem do tanque refrigerador. Isso reduz os custos de transporte, principalmente para as empresas de beneficiamento, além de eliminar postos de recepção em grande parte da pecuária a granelização é motivo de exclusão, pois a maior parte dos produtores de leite do país não possui capacidade de investimento que privilegie a escala de produção (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002, p. 166).

Uma forma de contornar a situação advinda do alto custo neste tipo de manejo, bem como, atender às exigências fitossanitárias feitas pela empresa, foi pagar pela qualidade do leite, embora essa compensação não tenha sido suficiente para cobrir o custo da produção. Além disso, surgiram algumas linhas de crédito para os produtores, as quais acabaram se revelando inviáveis pelas dificuldades em obtê-las, pelas altas taxas de juros, ou até mesmo pela sua natureza diferenciada que priorizava os médios e grandes produtores, principalmente, aqueles que adotavam as inovações técnicas. Como resultado, muitos produtores se lançaram no mercado informal de leite, ou seja, a venda diretamente para os consumidores, tentando com isso, cobrir os custos de produção. Essa prática informal já ocorria no Brasil, mas durante a década de 1990 cresceu cerca de 40%, passando de 4,875 milhões. O leite informal alcançou a população de baixa 125

renda, embora representasse problemas de segurança alimentar. Tudo leva a crer que a expansão no uso do leite, neste período, está ligada à diversificação na produção de derivados, à melhoria na qualidade da produção primária de leite e ao aumento na produção interna, responsável por 97% do mercado local. Por outro lado, os grandes produtores em tecnificados foram beneficiados pelas negociações com as grandes empresas de laticínios, sobretudo, as transnacionais, por apresentarem maior fôlego financeiro (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). A prática informal do leite no País não deixou de existir. Segundo o IBGE (2012), o volume de leite industrializado pelos estabelecimentos sob a inspeção federal, em 2011, cresceu 3,9%, passando para 21,692 bilhões de litros contra os 20,873 bilhões de 2010. Mesmo positivo, o crescimento ficou abaixo da média dos cinco anos, quando registrou 5,2%, e muito aquém do registrado em 2008, 8%. 34 O símbolo do período de autorregulação láctea no Brasil é o leite longa vida35, nesse sentido, Paulillo; Herrera; Costa (2002) afirmam que durante a década de 1980, o produto já era consumido pela população de classe média, e que nos anos 1990 o consumo se intensificou, significando o domínio das empresas transnacionais perante os pecuaristas e o fortalecimento do poder dos super e hipermercados na distribuição dos produtos lácteos, uma vez que o leite longa vida tornou-se o regulador dos preços do leite, desempenhando o papel que anteriormente era realizado pelo leite em pó na entressafra. Outro aspecto relevante no modelo de regulação láctea nesse período, foi a redução do número de cooperativas de laticínios, sobretudo, nas bacias leiteiras tradicionais. Nesse processo de desestruturação, destacam-se a marginalização e a exclusão dos pequenos, médios e grandes pecuaristas, cooperativas de laticínios e pequenas empresas processadoras, e ainda, a escassez de programas de política pública leiteira. Dessa forma, o complexo lácteo brasileiro tem uma trajetória marcada pelo imbricamento do público e do privado, que no início dos anos 1990, quando o governo assumiu uma postura liberal, surgem novas arenas setoriais e regionais lutando contra graves problemas oriundos desse processo. Dentre eles podem-se citar: a subordinação da renda da terra ao combate da inflação; a permanência da dependência das importações para o

34 Fonte: IBGE. Dados disponíveis em: . Acesso em: 17 de maio de 2011, às 09h. 35 Segundo Paulillo; Herrera; Costa (2002), o leite longa vida (UHT- Ultra Alta Temperatura) é um leite homogeneizado submetido a um processo de rápida elevação de temperatura (entre 130° C e 150° C). O tempo aproximado dessa elevação varia de 2 a 4 segundos; um processo térmico de fluxo contínuo imediatamente resfriado a uma temperatura inferior de 32° C e embalado em condições assépticas em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas. 126

abastecimento do mercado interno; a inviabilidade da modernização devido à abrangência e heterogeneidade do setor decorrentes da falta de assistência técnica; predomínio da oferta de leite não especializada; o sistema de produção predominante do leite in natura favorece a informalidade da produção leiteira (FIGUEIREDO; PAULILLO, 2005). Este resgate das principais políticas, ações estatais e seus efeitos para a constituição do setor agroindustrial lácteo brasileiro, permitem a compreensão da origem das heterogeneidades e das divergências entre os interesses dos grupos sociais que compõem o setor atualmente, após a desregulamentação no início dos anos 1990 e a compreensão das grandes mudanças pelas quais passou a pecuária leiteira nos últimos anos. Figueiredo; Paulillo (2005) estabeleceram os seguintes marcos para caracterizar o período da regulação láctea estatal: em 1932, o Decreto-Lei nº 22.239/32 que concedia benefício fiscal para cooperativas de laticínios; em 1939, o governo de São Paulo decretou que todo leite distribuído a população deveria ser pasteurizado e enquadrado em tipo A, B ou C; em 1952 o governo federal publicou o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), estendendo as medidas paulistas para o País; em 1945, o governo do Rio de Janeiro iniciou o tabelamento dos preços do leite, medida que foi adotada pelo governo federal para todo o País; em 1964, fim da fixação do preço do leite destinado à indústria; em 1969, o governo instituiu o regime de pagamento leite-cota e leite excesso; na década de 1970, o governo federal passou a importar, grandes quantidades de leite em pó e manteiga, para empresas empacotadoras de leite pasteurizado, diante da insuficiência da produção diante da crescente demanda interna; em 1970, seria o período da modernização parcial; final da década de 1980, a criação da Comissão Permanente do Setor Leiteiro, para apuração do custo de produção do leite; em 1991, o governo anuncia o fim do tabelamento do leite pasteurizado tipo B e C; em 1992, abre a economia a concorrência externa, por meio da redução de barreiras tarifárias e da liberação das importações de leite em pó e demais produtos lácteos para a iniciativa privada. Para Clemente (2006): [...] o período que vai de meados dos anos 1940 até o final dos anos 1980, foi um período bastante particular para a pecuária leiteira. Houve assim uma estagnação da atividade, sob o ponto de vista de incorporação tecnológica e aumento de produtividade no setor [...] Este cenário de atraso apresentado pelo setor no início dos anos 1990 foi responsável pela grande magnitude e profundidade dos impactos ocorridos a partir da desregulamentação do mercado, da abertura extrema e da estabilização econômica [...] (CLEMENTE, 2006, p. 66-67).

De acordo com Figueiredo; Paulillo (2005), após a desregulamentação, as empresas multinacionais avançaram no processo de concentração na indústria e no varejo, trazendo um 127

novo perfil de produção, comercialização e consumo do leite e derivados lácteos. O consumo foi intensificado devido ao aumento da renda per capita da população e da variedade na disponibilidade dos produtos e embalagens no mercado, tanto nacionais, quanto importados. O aumento do consumo de leite longa vida trouxe a desorganização das bacias leiteiras tradicionais e a abertura de novas fronteiras produtivas, ou seja, o avanço do rebanho no interior do país, nas regiões Sul, Norte e Centro-oeste. As empresas, para estimular a ampliação da escala e da qualidade do leite produzido, decidiram pagar pela qualidade do leite, como forma de incentivo à modernização. A qualidade do leite produzido está relacionada ao tipo do rebanho, manejo do gado, utilização de insumos, mão de obra empregada, assistência técnica, tipo de refrigeração e coleta do leite para comercialização. Essa ação acabou sendo prejudicial para os pequenos produtores descapitalizados e com dificuldades de acesso às linhas de crédito. Para contornar o problema, as grandes empresas, atuam na concessão de crédito para aquisição de instrumentos, para os fornecedores constantes, na tentativa de garantir a quantidade e qualidade do leite no volume necessário para o beneficiamento, tornando-se atuantes no ramo de linhas de crédito e influenciando nas políticas de crédito estatais. Dessa forma, no contexto atual, os interesses industriais passaram a reger esses novos modelos de transação de financiamento, produção e comercialização do leite. Com o intuito de compreender a constituição do complexo agroindustrial (CAI) lácteo brasileiro, Figueiredo; Paulillo (2005) ressaltam a importância da retomada da trajetória histórica de sua constituição, mas estabelecem uma periodização pautada em marcos referente à relação entre o público e o privado, dividindo o processo em três momentos principais, sendo: de 1932-1970 a sua gênese; de 1970-1991 a modernização parcial e; de 1991-2002 a autorregulação. Mesmo assim, destacam que o período compreendido entre 1932-1991 é atribuído ao controle estatal. Segundo os autores, essa abordagem é fundamental diante da heterogeneidade do setor, uma vez que: [...] o complexo agroindustrial (CAI) lácteo é formado por pecuaristas que utilizam sistemas de produção com baixa tecnologia, praticando pecuária extensiva, com animais não especializados. Mas, também, apresenta produtores altamente tecnificados, aptos a exportar sua produção para os mais exigentes mercados consumidores. Além da atual heterogeneidade tecnológica no setor lácteo e dos interesses conflitantes entre produção primária, transformação e distribuição, decorrentes da economia aberta, após décadas de regulação estatal [...]. (FIGUEIREDO; PAULILLO, 2005, p. 173).

Milinski; Guedine; Ventura (2008) compreendem o setor agroindustrial lácteo brasileiro atual a partir de uma análise sistêmica, e afirmam que a produção de leite no Brasil 128

é formada por dois grandes grupos, sendo os produtores empresariais especializados, em menor número e grande produtividade, e os pequenos produtores, pouco ou nada especializados, com interesse apenas na venda sazonal do leite, de baixo custo e qualidade, que respondem por uma parte significativa do mercado. Os autores destacam ainda, a produção do leite como uma importante atividade capaz de promover o desenvolvimento regional e nacional, além de permitir a permanência do homem no campo. Para os autores o sistema agroindustrial do leite no Brasil se estrutura em subsistemas e suas inter-relações, podendo ser descrito da seguinte forma: [...] no segmento insumos, máquinas e equipamentos têm-se os fabricantes de embalagens, ordenhadeiras, refrigeradores, rações, produtos e serviços veterinários utilizados no melhoramento genético e manejo do gado. No enclave central encontram-se os produtores primários, sejam eles especializados ou não. A jusante operam unidades processadoras de leite, que compreendem grandes empresas transnacionais e nacionais processadoras de leite, que compreendem grandes empresas transnacionais e nacionais, cooperativas, médios e pequenos laticínios (MILINSKI; GUEDINE; VENTURA, 2008, p. 05).

Cada um desses segmentos interage com outros setores e entre si. Os outros setores com os quais o sistema vai interagir diretamente são, por exemplo, o setor de matérias-primas (fornecedores de insumos, máquinas equipamentos e serviços), o setor industrial (laticínios), o setor de tecnologia (instituições de pesquisas agropecuárias), o setor de recursos humanos (sindicatos e cooperativas de produtores de leite), o setor governamental (políticas públicas e órgãos oficiais de inspeção sanitária), o setor de mercado (transporte e distribuição) e as próprias propriedades leiteiras. Indiretamente, podem ser citadas as influências internacionais (MERCOSUL36, globalização), econômicas (movimento cambial), financeiras, governamentais, socioculturais, de recursos humanos e de mercado. Nesse sentido, as complexas inter-relações entre os setores que compõem o ambiente podem interferir no equilíbrio do sistema e vice-versa, como característica de um sistema aberto. “[...] É necessário, portanto, enfatizar que o sistema agroindustrial do leite é um sistema aberto, complexo, em transformação e formado por múltiplos setores que são interdependentes e que interagem entre si [...]” (MILINSKI; GUEDINE; VENTURA, 2008, p. 10). A abertura da economia nacional teve repercussões no setor agroindustrial do leite. Dentre os motivadores das mudanças na cadeia produtiva do leite, Cristina dos Santos (2004) cita as seguintes: as importações de produtos lácteos e o Plano Real; as redefinições na

36 O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é formado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e foi instituído por meio do Tratado de Assunção em 1991. Desde então, ampliou-se a sua área de abrangência, com a entrada de vários membros-associados, como o Chile (1996), Bolívia (1997), Peru (2003) e Venezuela (2004), culminando em 2005 com o acordo entre Mercosul e o Pacto Andino que deflagra a proposta de criação da Comunidade Sul-Americana de Nações. (Disponível em: http://www.geomundo.com.br/geografia-30146.htm. Acesso em: 17 de dezembro de 2012). 129

produção do leite no contexto da incorporação de novas tecnologias; novas formas de atuação dos laticínios que promovem novos comportamentos dos produtores. Nesse sentido: A cadeia produtiva do leite passou por várias reformulações a partir dos anos 1980, em decorrência da abertura comercial, da desregulamentação do setor pelo governo federal e da consolidação do Mercosul que, apoiado na liberação de tarifas entre os países membros provocou a importação sistemática de leite e derivados dos países membros. As importações de leite e derivados tem prejudicado o setor leiteiro nacional, principalmente no que diz respeito aos produtores, pois na medida em que se aumentam as importações, os produtores nacionais sofrem com a redução do preço pago pelos laticínios (CRISTINA DOS SANTOS, 2004, p. 67).

Carvalho (2001) afirma que as situações do setor lácteo brasileiro variam conforme os interesses e estratégias dos grupos sociais e das suas inter-relações com o objetivo de obter melhores resultados, mas essa compreensão sistêmica não é suficiente, pois embora estejam intimamente relacionados, e em certo equilíbrio, os agentes possuem pouca margem de manobra para superar as falhas de mercado. Este acaba se tornando um argumento utilizado pelo governo para intervir no processo produtivo, ofertando determinado bem ou direcionando a iniciativa privada, por meio de estímulos ou penalidades. Figueira; Belik (1999) identificam três tipos de organizações atuando na cadeia produtiva do leite desde os anos 1990, sendo: as cooperativas de produtores de leite, as empresas privadas nacionais e as empresas privadas transnacionais. As cooperativas de produtores de leite atuam na venda comum de leite in natura a outros laticínios, na compra de insumos, e em alguns casos na industrialização do leite, atendendo basicamente mercados regionais. Além disso, prestam diversos serviços de assistência a seus cooperados e seus objetivos estão relacionados à valorização da produção do cooperado. Já as empresas privadas visam à valorização do capital nelas investido, atuam na compra formal de matéria prima, e na produção de derivados lácteos, voltadas para o mercado. No decorrer dos anos 1990, muitas dessas empresas de capital nacional foram adquiridas por empresas privadas transnacionais.37 Estas últimas apresentam um maior fôlego financeiro e maior poder de atuação no mercado nacional e internacional, com diferentes produtos lácteos. Em Corumbaíba (GO), atuam diretamente na cadeia produtiva do leite, desde o final dos anos 1990, as cooperativas de produtores, as empresas de capital nacional e outras de capital transnacional. As cooperativas são: Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC) e Cooperativa dos Produtores de Morrinhos (COMPLEM), na

37 A concentração e a centralização de capitais vêm ocorrendo de maneira expressiva no setor lácteo brasileiro. Destacam-se alguns grandes grupos empresariais de capital externo, como a: Nestlé, a Parmalat, a Fleischimann Royal, a Danone e a Círio-Bombril. A partir dos anos 1990, com a desregulamentação do mercado do leite houve uma corrida por parte das empresas para a aquisição de plantas industriais de laticínios de capital nacional. A italiana Parmalat foi a empresa que mais se destacou neste processo de aquisição, acentuando a concentração de capitais (CLEMENTE, 2004, p.97). 130

comercialização do leite. As empresas de capital nacional são: o laticínio Italac Alimentos, que atua no beneficiamento e comercialização dos produtos no mercado nacional; e a Ciprovet nutrição animal, que comercializa rações e suplementos alimentares no mercado regional. As empresas transnacionais atuam na comercialização de produtos veterinários, sementes selecionadas, inseminação artificial, produtos de ordenhadeiras mecânicas e resfriadores de leite. Dentre elas estão: Sementes Agroceres, DEKALB, SEARS, BOC International, ALFA-LAVAL, WESTPHALIA, BYER e a PFIZER. Entende-se que as ações presentes em cada fase do processo de constituição do setor lácteo brasileiro e as relações entre os diferentes agentes do sistema produtivo, tiveram uma série de efeitos que se territorializaram de diferentes formas nas bacias leiteiras regionais, uma vez que a realidade desse setor econômico se mostra bastante heterogênea e complexa. PAULILLO; HERRERA; COSTA (2002) demonstram a heterogeneidade nas bacias produtivas do setor lácteo brasileiro a partir de uma classificação específica, pautada no sistema de produção predominante em cada uma delas. Isso porque: As diferenças básicas começam na caracterização dos rebanhos, no tipo de produção rural, no ritmo de incorporação tecnológica pelas propriedades, no tipo e manejo do gado, na predominância de adequações sanitárias, na proximidade com a indústria, na forma de gerenciamento das propriedades agropecuárias e nas formas de interação predominantes entre pecuaristas e segmento processador (empresas ou cooperativas) (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002, p. 179).

Os sistemas de produção de leite no Brasil, a partir dos diferentes níveis tecnológicos empregados e das distintas formas de gestão da produção leiteira, podem ser classificados em: sistema de produção com alto nível tecnológico; sistema de produção com médio nível tecnológico; e sistema de produção de baixo nível tecnológico (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). Observe o Quadro 3:

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Quadro 3 - Os sistemas de produção de leite no Brasil Sistema de produção de alto nível Sistema de produção de médio nível Sistema de produção de baixo nível tecnológico tecnológico tecnológico  Pecuarista com grande  Propriedades rurais com  Menor número de pecuaristas tradição na atividade leiteira. menos de 50 ha.  A raça predominante do rebanho é a Zebu, portanto,  Condução de atividade  Predominam propriedade apresenta baixa leiteira de forma empresarial com 50 a 500 ha. produtividade.

 A pastagem utilizada é  Instalações das fazendas de  Rebanho mestiço, ou seja, natural e não há rotação da acordo com as normas Holandês X Zebu. mesma. sanitárias

 Deficiências no manejo do  Localização próxima a  Predomínio da reprodução rebanho. centros consumidores natural do rebanho.

 A reprodução do rebanho é  Elevado preço da terra em  Não há planejamento para natural, não havendo que estão localizados. partos. controle algum.

 Ordenha realizada  Ordenha realizada uma vez  Geralmente o leite produzido normalmente, uma vez ao dia ao dia e manualmente. é do tipo B. e manualmente.  Desmama do bezerro entre  Controle sanitário do  Há deficiências no manejo seis e oito meses após o rebanho conta doenças. do rebanho. parto.

 Na época da seca a  Rebanho especializado, suplementação alimentar é  Há deficiências na constituído por holandês inadequada tanto em alimentação do rebanho. puro ou quase puro. quantidade quanto em qualidade.  A alimentação utilizada na  Predomina a utilização de época da entressafra pastagens na alimentação do geralmente é volumosa. rebanho.  No período da entressafra  Ordenha realizada duas vezes utiliza-se o capim, com ao dia e geralmente é deficiência de qualidade e mecânica. quantidade.  Utiliza-se a inseminação artificial rotineiramente e há  Há deficiências de práticas planejamento para o parto sanitárias. das vacas.

 O aleitamento dos bezerros é realizado de forma artificial, portanto há desmame precoce.

Fonte - Embrapa (1981). Organização - PAULILLO; HERRERA; COSTA (2002).

Em Corumbaíba (GO) identificam-se propriedades que se dedicam à produção leiteira que apresentam diferentes níveis tecnológicos incorporados à produção. De acordo com os níveis tecnológicos, elas podem ser compreendidas com base na classificação realizada por Paulillo; Herrera; Costa (2002), ou melhor: propriedades com elevado nível tecnológico (empresas rurais), propriedades com médio nível tecnológico (pecuaristas tradicionais) e as propriedades com baixo nível tecnológico (camponesas). Ambas são 132

incorporadas à chamada fase de autorregulação do setor agroindustrial lácteo, por meio da territorialização do capital agroindustrial no campo, o que significou a reelaboração da dinâmica territorial da bacia leiteira local, seguindo uma trajetória de mudanças em todas as bacias leiteiras do País. Desde os anos 1990, com a autorregulação do setor lácteo houve mudanças na configuração das bacias leiteiras tradicionais do Brasil até então. As bacias leiteiras de São Paulo e Minas Gerais são reestruturadas e sofrem com as novas diretrizes do setor. Dentre as principais consequências tem-se a falência de cooperativas tradicionais, o abandono da atividade leiteira especializadas por muitos pecuaristas, que passaram a se dedicar a produção informal do leite. De acordo com Paulillo; Herrera; Costa (2002), o principal aspecto da bacia leiteira de Minas Gerais é que sua produção foi sendo transferida para o Cerrado, motivada pela produção goiana a custos baixos. Já a bacia leiteira paulista caracteriza-se pela heterogeneidade estrutural, onde de um lado têm-se os produtores altamente especializados, e de outro, produtores informais. Nesse contexto muitas regiões produtivas que anteriormente não possuíam grande destaque da produção leiteira a nível nacional, passam a fazer parte da fronteira produtiva da agroindústria leiteira no país. Dentre elas, podem-se citar as regiões de Cerrado, sobretudo, o Triângulo Mineiro e Goiás. Mesmo assim, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), a região brasileira que mais produz leite desde anos 1990 é a região Sudeste, com estimativa de 11,3 bilhões de litros/ano em 2011. Em segundo lugar, a região Sul, com 10,4 bilhões de litros/ano em 2011, apresentando a maior taxa de crescimento em relação às demais regiões no período de 1990 a 2011. A região Centro-Oeste aparece em terceiro lugar na produção leiteira no País, conforme mostra a Tabela 10. No entanto, a região Sudeste ainda é a mais especializada na produção leiteira do Brasil, conforme evidencia Paulillo; Herrera; Costa (2002).

Tabela 10 - Produção de leite no Brasil por região (1990-2011)* 1990 1995 2000 2005 2010 2011** Norte 0,6 0,7 1,1 1,7 1,7 1,8 Nordeste 2,0 1,9 2,2 3,0 4,0 4,2 Sudeste 6,9 7,5 8,6 9,5 10,9 11,3 Centro-Oeste 1,7 2,2 3,1 3,8 4,4 4,7 Sul 3,3 4,1 4,9 6,6 9,6 10,4 Total do Brasil 14,5 16,5 19,8 24,6 30,7 32,4 *Valor em bilhões de litros **2011 - Estimativa Fonte - IBGE/Pesquisa da Pecuária Municipal. Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L. (2012).

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O crescimento evidenciado pela bacia leiteira goiana desde os anos 199038 está relacionado às políticas agrícolas do final dos anos 1980, que proporcionaram linhas de financiamento específicas para a agropecuária, dentre elas, o Fundo Constitucional para o Centro-Oeste (FCO) que deslocou muitos pecuaristas para a bacia leiteira goiana, uma nova potência regional produtora de leite nesse contexto. A realidade vivenciada por esses produtores está relacionada à história do setor agroindustrial brasileiro, sobretudo, aos efeitos da reestruturação produtiva, desde os anos 1990, estando relacionada também à atuação do Estado no setor, mesmo no período conhecido como autorregulação. A relação entre o Estado e a expansão do capital agroindustrial lácteo será abordada no próximo item.

2.2.1 O Estado e a expansão do capital agroindustrial lácteo

O Estado, diante do processo de expansão do capital, está presente com sua ação mediadora e conciliadora. Com efeito, também atua no processo de reestruturação do setor lácteo brasileiro, sobretudo, como agente financiador e normatizador que incentiva, ao menos em partes, a modernização da produção. Portanto, atua como mediador da “invasão” do capital industrial, principalmente multinacional, no setor lácteo (OLIVEIRA, 2010). O processo de modernização do setor lácteo, no contexto da reestruturação do setor, recebeu a influência do Estado e está relacionada à sua posição na sociedade capitalista frente às contradições sociais e ao fornecimento de condições favoráveis ao movimento de expansão do capital. Como exemplo, a modernização da agricultura ocorrida nas áreas de Cerrado a partir dos anos 1970 e as políticas estatais de desenvolvimento econômico regional, por meio de programas como o Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO), o FOMENTAR e o Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás (PRODUZIR) em Goiás39. Paiva Silva (2011) faz um estudo acerca da ação do Estado, o planejamento e as transformações no espaço agrário brasileiro, onde ressalta a necessidade de compreensão do espaço como resultado e condição para a ação da sociedade em sua relação com a natureza,

38 Em 1995, a produção de em Goiás foi de 1.450.158 (mil litros), já em 2010, foi de 3.193.731 (mil litros) (IBGE, 2010). 39 Os estados na tentativa de atrair novos investimentos para seus espaços econômicos e ainda aproveitar aspectos positivos da ascensão do processo de globalização, passam a criar programas de desenvolvimento eminentemente regionais. Goiás começou com o Fundo de Expansão da Indústria e Comércio (FEICOM), cria o Fundo de Participação e Fomento à Industrialização (FOMENTAR), finalizado em 1999. Em seu lugar criou o Programa de Desenvolvimento Industrial - PRODUZIR (ROSA PASCHOAL, 2012). 134

sendo um espaço social. Este espaço, sob o capitalismo baseado na sociedade de classes, é desigual e produzido com a ação mediadora do Estado. Essa ação do Estado se expressa: [...] de formas diversas, seja a partir de seus organismos de ação direta, ou entidades que desenvolvem ações mais indiretas, todas essas ações surgem a partir de projetos planejados, ou de um conjunto de políticas públicas, a exemplo dos Planos de Desenvolvimento Nacional ou dos Plurianuais, que estabelecem as diretrizes e interesses da ação do Estado para um determinado período de tempo (PAIVA SILVA, 2011, p. 44).

De acordo com Ianni (1996): [...] O Estado não é senão o poder total organizado das classes possuidoras, dos proprietários de terras e dos capitalistas em face das classes exploradas, dos camponeses e dos operários. [...] O Estado moderno, por outro lado, não passa de uma organização criada pela sociedade burguesa para defender as condições gerais do modo capitalista de produção contra os ataques, tanto dos operários, como de capitalistas isolados. O Estado moderno, qualquer que seja sua forma, é uma máquina essencialmente capitalista, é o Estado dos capitalistas, o capitalista coletivo ideal. E quanto mais forças produtivas passarem para sua propriedade, tanto mais se converterá em capitalismo coletivo, e tanto maior quantidade de cidadãos explorará. Os operários continuarão sendo operários assalariados [...]. A relação capitalista, longe de se extinguir com estas medidas, tornar-se-á mais intensa [...] (IANNI, 1996, p. 219-220).

A existência de um Estado estável e consolidado significa garantias de reprodução para a acumulação do capital. O Estado constituiu papel fundamental na acumulação primitiva, usando seus poderes para privatizar e formar arranjos institucionais capitalistas. Entretanto, o Estado, ou conjunto de Estados, atualmente ainda exerce/m influências sobre o processo de acumulação do capital, em alguns casos, como agente ativo, ou mesmo, por meio de suas ações. É preciso reconhecer que “[...] quando se trata de batalhas em torno da hegemonia, do colonialismo e da política imperial [...] de aspectos mais mundanos das relações externas, o Estado [...] é o agente fundamental da dinâmica do capitalismo global.” (HARVEY, 2005, p. 81). Assim, a acumulação do capital não necessita do Estado para funcionar, mas a sua existência faz com que esse processo aconteça com menores riscos para os capitalistas. Isso acontece porque: [...] a condição preferida para a atividade capitalista é um Estado burguês em que instituições de mercado e regras contratuais (incluindo as do contrato de trabalho) sejam legalmente garantidas e em que se criem estruturas de regulação para conter conflitos de classes e arbitrar entre as reivindicações de diferentes facções do capital (por exemplo, entre interesses mercantis, financeiros, manufatureiros, agrários e rentistas). Políticas relativas à segurança da oferta de dinheiro e aos negócios e relações comerciais externos também têm de ser estruturadas para beneficiar a atividade de negócios (HARVEY, 2005, p. 80).

Sobre o Estado é importante compreender que: [...] a contradição é uma característica fundamental do Estado sob o modo de produção capitalista [...] é produto dos antagonismos e contradições sociais [...] 135

assume um papel de representar e garantir a manutenção da ordem social, e desta maneira estar a serviço da burguesia e das elites locais, [...] promovendo as condições necessárias para a acumulação do capital (PAIVA SILVA, 2011, p. 47).

Especificamente sobre a relação entre o Estado e a territorialização do capital no campo, Paiva Silva (2011) acrescenta ainda que: No processo histórico da produção do espaço agrário, o Estado tem uma presença constante e contraditória, que deve ser concebido não apenas como um elemento de conciliação ou de regulação da sociedade e dos conflitos característicos das classes sociais no capitalismo, mas eminentemente como representante e instrumento das classes sociais dominantes, tendo em vista que seus interesses foram sempre preservados e atendidos em detrimento das demandas sociais (PAIVA SILVA, 2011, p. 45).

A atuação do Estado na sociedade capitalista, contraditória e marcada pela luta de classes, não é imparcial. Pelo contrário, nota-se, em todos os âmbitos, a intencionalidade por parte das ações estatais em favor do capital garantindo a acumulação capitalista e a hegemonia da classe burguesa. O apoio do Estado na territorialização do capital agroindustrial lácteo segue essa mesma lógica, uma vez que preconiza a reprodução do capital nos diferentes setores que compõem a cadeia produtiva do leite, ou melhor, os laticínios nacionais e transnacionais, cooperativas, empresas de insumos, instituições creditícias, e ainda, as unidades produtoras de leite. Esse processo se evidencia nas políticas públicas de desenvolvimento da agricultura brasileira de um modo geral, a partir da década de 1970. Nesse período, a implantação da chamada Revolução Verde40, composta por medidas de inovações tecnológicas subsidiadas pelo Estado, significou a consolidação dos grandes latifúndios e a legitimação da ocupação de terras públicas por grupos privados de empresários do agronegócio, significando mudanças profundas nas áreas de Cerrado brasileiro, tais como, o Sudeste Goiano. Paiva Silva (2011), afirma que o modelo de desenvolvimento pautado na modernização é “[...] um desenvolvimento desigualmente combinado, ou seja, permite o crescimento econômico para a burguesia em detrimento do aumento da miséria e da exploração do trabalho” (PAIVA SILVA, 2011, p. 48). Tal concepção também é defendida por Mendonça (2004) ao analisar as transformações espaciais no Sudeste Goiano, oriundas da urdidura espacial do capital e do trabalho na região. Nesse contexto a modernização do

40 Em meados do século 20, sobretudo, após o conceito de Revolução Verde começou a ser difundido pelo mundo como um amplo programa para aumentar a produção agrícola Inicialmente buscava soluções para capacidade de suporte populacional, porém esta sustentação não alcançou plena eficácia. Visando uma alta produtividade, a Revolução Verde ocorre principalmente por meio de monoculturas e safras geneticamente modificadas, intensiva utilização de insumos como combustíveis fósseis necessários para mecanização no plantio e na colheita, água, fertilizantes e agrotóxicos. Quando amplamente utilizados, os agrotóxicos contaminam recursos hídricos e outros seres vivos, desencadeando problemas de saúde aos seres humanos, seja em curto ou longo prazo. No Brasil esse processo foi difundido, sobretudo, a partir dos anos 1970 (MOREIRA, 2000). 136

campo se dá a partir da difusão de ideias que concebiam as áreas de Cerrado como “vazios demográficos”, áreas improdutivas e subutilizadas. Esta modernização deve ser: [...] compreendida na perspectiva da modernização do capital, portanto como modernização conservadora. A modernização patrocinada pelo capital será sempre conservadora, pois reproduzirá de forma mais sofisticada a dominação, a exploração e a precarização do trabalho no processo de criação do valor e da apropriação sujeição da renda da terra (MENDONÇA, 2004, p. 27).

No setor agroindustrial lácteo, tem sido papel do Estado, estimular o “desenvolvimento”41 por meio de políticas públicas e projetos de desenvolvimento regional que na prática se consolidam na transformação de formas de organização e trabalho tradicional por modelos de produção e organização inseridos na lógica da acumulação e reprodução capitalista e, portanto, também tem sido uma modernização conservadora, conforme evidencia Mendonça (2004). A modernização da produção leiteira em Goiás tem sido conservadora e excludente, pautada na concentração de renda e precarização do trabalho, conforme afirma Costa e Silva (2005). Na sua pesquisa, o autor, enfatiza que a pecuária leiteira é pautada em processos modernizantes, mas reacionários, mantendo relações de trabalho atrasadas, por isso, conservadora. Mais à frente, argumenta que na pecuária leiteira: [...] não há como responsabilizar apenas um ou outro grupo social por essa situação. [...] produtores rurais abraçam entusiasticamente novos modelos de produção porque percebem a possibilidade de compensar os custos adicionais das novas tecnologias com a intensificação da exploração sobre o trabalhador. [...] Todos os segmentos envolvidos na assistência técnica e creditícia do leite contribuem com essa postura: técnicos a serviço dos laticínios estimulam a super exploração do trabalhador; os órgãos de extensão do Estado se omitem diante da questão; os organismos de crédito também se omitem. [...] (COSTA e SILVA, 2005, p. 52).

A inovação técnica e tecnológica da produção leiteira no País é fomentada pela propagação da concepção modernizante do campo no País. As políticas agrícolas visam à profissionalização e a especialização da atividade leiteira e para isso exigem dos produtores a modernização da produção para se inserirem no mercado. Para atender a tais exigências torna- se necessário o uso de tecnologias para o aumento da produção, da produtividade e, sobretudo, da qualidade do leite produzido. Nesse processo é preciso considerar as inúmeras

41 No Brasil, essas mudanças espaciais no enfoque surgem sob a noção de desenvolvimento local, na primeira metade dos anos 1990, ainda que só sejam incorporadas na formulação de políticas públicas, na segunda metade dos anos 1990, e se prolongam, nos primeiros anos da década de 2000, através da ideia de desenvolvimento territorial. A preocupação com a dimensão territorial, que se observa nos discursos e nas práticas do desenvolvimento do país, nestes últimos 10 anos, inscreve-se num processo de mudanças aparentes, as quais apenas disfarçam o que na verdade são: meras continuidades. Mudanças, por exemplo, na escala prioritária de atuação (do nacional para o local), no enfoque das propostas (já não mais setorial e sim territorial) ou na incorporação de mecanismos de participação. Mudanças que, no fundo, apenas tentam maquiar as continuidades de um desenvolvimento que se mantém economicista e mercantil, apesar das novas nomenclaturas (local o u territorial) e da mudança na orientação político-partidária do governo [...] (GOMÉZ, 2006, p. 60). 137

ações políticas, econômicas, sociais e culturais que acompanharam o processo de modernização agropecuária de um modo geral e que, da mesma forma, fazem parte da modernização da produção leiteira e da territorialização do capital agroindustrial lácteo nas áreas de Cerrado. Mendonça (2004), afirma que durante a modernização agrícola em Goiás: [...] foram construídas ações políticas (planejamento econômico), ações econômicas (capital privado nacional e transnacional), ações sociais (melhoria da infraestrutura e da qualidade de vida da população local e regional) e ações culturais (ideologia do atraso, do isolamento) entre tantas outras argumentações, com o intuito de criar consensos sociais, em torno da implementação das atividades modernizantes na agropecuária do Planalto Central (MENDONÇA, 2004, p. 28).

A modernização da pecuária leiteira amplamente difundida está pautada na utilização de tecnologias. Estas tecnologias envolvem a adoção de pacotes tecnológicos (rebanho selecionado e insumos), manejo e gestão profissionalizados, assistência técnica, qualificação profissional, granelização do transporte do leite, ordenha mecanizada, dentre outros aspectos. Partindo desse princípio, para atender às novas exigências do mercado lácteo, os produtores necessitam de capital para investir na modernização da produção e, por conseguinte, se inserirem na lógica da acumulação capitalista. Essa necessidade de capital se deve a pouca atuação ou mesmo ausência de políticas públicas que viabilizem ou estabeleçam esses itens, e principalmente, ao monopólio do capital transnacional nesses setores. Para Oliveira (2010), o capital multinacional e financeiro atua diretamente no setor por meio das indústrias de rações, de sementes, de inseminação artificial de insumos, de vacinas e produtos veterinários, de tanques de resfriamento e ordenhadeiras mecânicas. Aliado à subordinação ao capital industrial por meio do consumo produtivo dos produtos industriais, tem-se a subordinação na comercialização do leite, uma vez que muitos dos laticínios que beneficiam e comercializam os produtos lácteos são multinacionais. A granelização do leite tem sido positiva no que se refere à qualidade do produto a ser comercializado, pois a coleta nos modelos tradicionais era realizada em tambores ou latões, sendo transportado em caminhões, o que muitas vezes comprometia a qualidade do produto. No entanto, promove a exclusão de muitos produtores devido aos altos investimentos de capital, assim: [...] Somente a longo prazo, poderá haver a adequação dos produtores às novas normas sanitárias para serem reinseridos no mercado formal. Enquanto isso, frente a este período de intensas dificuldades enfrentadas pelos produtores, é necessário que haja uma ação mais pronunciada e efetiva do poder público, de modo a oferecer linhas de créditos especiais aos produtores de leite que encontram-se em dificuldades (GALAN; JANK (1998) apud CLEMENTE, 2006, p. 93).

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Tendo em vista que atividade leiteira é praticada, em sua maioria, por pequenos produtores e em pequenas propriedades, conseguir o capital necessário para investir na inovação tecnológica torna-se um problema para os produtores. Esse capital quase sempre é conseguido por meio de empréstimos pessoais, junto às instituições públicas e privadas. No entanto, uma grande parcela dos produtores, principalmente os pequenos, não tem acesso às linhas de crédito, e descapitalizados, ficam à margem das normas de produção e qualidade consideradas ideais pelos órgãos de fiscalização, e pelos agentes de comercialização dos produtos lácteos. Dessa forma, muitos deixam de se dedicar à atividade, outros, continuam atuando no ramo, mas se constituem nos chamados produtores informais, por atuarem no mercado informal do leite.42 Os produtores não especializados não abandonam a atividade, mas comercializam seu produto no mercado informal. Para Cristina dos Santos (2004) o mercado informal é uma alternativa viável aos pequenos produtores, diante dos baixos preços do leite pagos pelos laticínios e das exigências de incorporação de novas tecnologias. Além disso, constitui: [...] uma alternativa aos produtores e consumidores de menor renda, uma vez que os primeiros vendem o produto por aproximadamente o dobro do preço pago pelos laticínios, enquanto aos consumidores, cabe destacar que o leite comercializado informalmente custa cerca de 30% menos que o pasteurizado, com a vantagem de se pagar o entregador somente no final do mês, ou no dia estabelecido. [...] o leite comercializado no mercado informal constitui em uma alternativa a produtores e consumidores de baixa renda, e a influência se dá apenas nos mercados locais, e não regionais, que é o raio de atuação dos laticínios (CRISTINA DOS SANTOS, 2004, p. 88).

As exigências quanto à qualidade do leite produzido para o mercado são garantidas pelas normas de fiscalização, tais como, a Instrução Normativa 51 e a Instrução Normativa 6243, e ainda, pelas políticas de preços aplicadas pelos laticínios, nas quais o preço pago pelo leite ao produtor irá corresponder à quantidade e à qualidade do produto lançado no mercado. Além disso, está os novos padrões ideológicos que incentivam o consumo do leite longa vida44, em detrimento do consumo do leite in natura.

42 Sobre a inserção dos produtores no mercado informal do leite, Clemente (2006), afirma que o modelo atual da pecuária leiteira é desanimador para os produtores não especializados, pois as exigências sanitárias e tecnológicas do capital agroindustrial e do Estado, somadas à falta de condições e de financiamentos adequados, aumentam os índices de marginalização no campo. Assim, “[...] a marginalização dos produtores de leite está relacionada às estratégias adotadas pelos grandes laticínios após os anos 1990 e à falta de especialização dos produtores” (CLEMENTE, 2006, p. 161).

43 A Instrução Normativa nº 62 foi publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que define os rumos da qualidade do leite nacional, em substituição a Instrução Normativa nº 51. 44 De acordo com Cristina dos Santos (2006): “Por ter superado problemas referentes à perecibilidade, o leite longa vida propicia redução de custos de transporte, distribuição, logística e armazenamento. [...] Todavia, é importante ressaltar que no processo de esterilização, é destruída grande parte dos microrganismos e elementos 139

O leite longa vida é um marco da reestruturação do setor lácteo brasileiro, uma vez que redefiniu o mercado de leite fresco. A comercialização deste tipo de leite trouxe consequências para os pequenos laticínios e produtores, sobretudo, os pequenos. Isso porque as empresas passam a exigir que o leite seja resfriado na propriedade, sendo que os produtores que entregam o leite resfriado recebem um melhor preço pelo produto. Mesmo que o preço pago ao produtor de leite brasileiro é um dos menores do mundo e ironicamente equivale ao custo da embalagem do leite longa-vida (CRISTINA DOS SANTOS, 2004). “Quando analisamos os produtos de origem animal, vemos que o Estado, através do seu serviço sanitário, se incumbiu de viabilizar o monopólio do capital industrial sobre esse setor [...]” (OLIVEIRA, 2010, p. 29). A Instrução Normativa 51(IN 51) foi publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) no dia 18 de setembro de 2002. Esta normativa foi elaborada diante da necessidade de aperfeiçoamento e modernização da legislação sanitária federal sobre a produção, armazenamento e transporte do leite de vaca. Aprova ainda, regulamentos técnicos de produção, identidade e qualidade do leite tipo A, B e C, pasteurizado e refrigerado cru e, sobretudo, estabelece prazos para adequação às normas estabelecidas. Dentre as condições higiênico-sanitárias gerais para a produção do leite estão especificados procedimentos desde a ordenha, refrigeração e transporte até os padrões de qualidade físico-químicos a serem atingidos pelo leite nos diferentes tipos. No que se refere aos critérios estabelecidos pela IN 51, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA, 2005) destaca que as exigências estabelecidas evidenciam a marginalização dos pequenos produtores de leite, uma vez que, para estes tem sido mais difícil promover a modernização de suas propriedades, se adequarem às normas e manterem- se no mercado formal do produto. Além disso, as determinações desta normativa atendem aos anseios do capital e favorecem as empresas, em sua maioria, transnacionais que atuam na venda de equipamentos e insumos necessários para que os produtores atuem em conformidade com as normas exigidas. A IN 51 é vista como um problema pelos movimentos sociais, como uma imposição que dificulta a permanência dos produtores na atividade leiteira, pois caso fosse efetivamente aplicada em 2005, conforme suas diretrizes, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), cerca de 90% dos produtores seriam considerados inaptos para o setor. É evidente que a busca por qualidade do leite a ser comercializado e consumido deve ser uma meta para os produtores, mas isso deve ser uma melhoria gradativa, e não uma nutritivos do leite, além de serem adicionados conservantes ao produto.” (CRISTINA DOS SANTOS, 2006, p. 85-86). 140

imposição, conforme dispunha a IN 51. Esta normativa continua em vigor, entretanto, diante das necessidades do setor surge uma proposta de adaptação gradativa às suas exigências, garantidas pela IN 62. A Instrução Normativa 62 foi publicada no dia 29 de dezembro de 2011, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em resposta às dificuldades oriundas da implantação da IN 51. A IN 62 define um novo cronograma para a adaptação gradativa dos produtores às normas estabelecidas pela IN 51, uma vez que, ficou evidente a dificuldade encontrada pelo produtor brasileiro, devido aos problemas apontados pelos técnicos do setor. Além disso, esta Normativa muda os limites de Contagem Bacteriana Total (CTB) e Contagem de Células Somáticas (CCS), além de instituir uma Comissão Técnica Consultiva pelo MAPA para avaliar as ações voltadas para a melhoria da qualidade do leite no Brasil, o que possibilita a implantação de programas de assistência técnica, extensão rural, crédito e melhoria de infraestrutura e logística (energia elétrica, estradas). Outro aspecto importante é o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Cru Refrigerado, pois fixa a identidade e os requisitos mínimos de qualidade que o leite deve apresentar nas propriedades rurais, matéria prima para o leite o UHT, mais consumido no Brasil, com mais de 70%, que não é classificado como A, B ou C (PITHAN E SILVA, 2012). Dessa forma, fica evidente o papel do Estado enquanto agente normatizador no setor agroindustrial lácteo brasileiro, e como tais normas, relacionadas às políticas estatais, garantem a territorialização desse capital no campo. Isso porque as políticas de incentivo para a melhoria da qualidade do produto estão relacionadas à modernização da produção, o que favorece aos interesses do capital. Paiva Silva (2011) assegura que: Esse modelo de “desenvolvimento” da agricultura, orquestrado com a tutela do Estado, tem se consolidado tendo a função de garantir a apropriação da terra pelo capital, seja através do controle de produção a partir da monopolização indireta, ou na aquisição de grandes áreas o que promove a territorialização do capital no campo. Desse modo, o Estado tem desempenhado um papel essencial para garantir a ampla investida da inserção do capital na agricultura (PAIVA SILVA, 2011, p. 49).

Alguns projetos que objetivam incentivar a retomada do crescimento da produção e da produtividade do leite em Goiás, e principalmente, melhorar a qualidade do produto, foram criados pelo sistema de parceria entre a FAEG e o SENAR. Dentre eles, é possível citar: Mercado Leite, Programa Balde Cheio e Gestão da Pecuária Leiteira, e ainda a realização de eventos, tais como, o 3º Goiás Leite e o XI Congresso Internacional do Leite. O Programa Mercado Leite tem como objetivo orientar os produtores acerca de fatores que influenciam no preço e na comercialização do leite, permitindo que os produtores 141

e trabalhadores rurais, técnicos e demais agentes que atuam na atividade leiteira tenham conhecimento sobre custos de produção, rentabilidade e avaliação de mercado do leite. O principal objetivo do Programa Balde Cheio é promover o desenvolvimento da pecuária leiteira, por meio da implantação de tecnologias e formação de assistência técnica que servirão de multiplicadores desse conhecimento para os produtores e demais agentes do setor. O Projeto Gestão da Pecuária Leiteira (PGPL) tem como objetivo melhorar a qualidade de vida da família rural, estimulando a utilização de técnicas simples, para melhorar a produção e aumentar a rentabilidade das famílias. O produtor passa a entender a situação de sua propriedade e aprende a gerenciar o seu negócio, produzindo leite de qualidade e com baixo custo (FAEG, 2012). Quanto aos eventos promovidos para debater a realidade da produção do leite no Brasil e em Goiás, cita-se, como exemplo o 3º Goiás Leite realizado em março de 2012, em seis municípios goianos com a presença de produtores de leite, sindicatos, laticínios e comunidade em geral. No decorrer dos seminários foram apresentados aos participantes informações sobre a melhoria da qualidade do leite para o aumento da renda do produtor e estratégias de gestão da propriedade leiteira (FAEG, 2012). Tanto os projetos e programas de capacitação quanto os seminários realizados são promovidos pela FAEG e pelo SENAR, em parceria com agências estatais, por meio de suas instituições, seja em âmbito federal, estadual ou municipal. Além disso, têm como principal objetivo capacitar o produtor, para a sua permanência na atividade leiteira, garantindo produção, produtividade e qualidade do produto, além da sua inserção no mercado. Isso ficou evidente durante a realização do 3º Goiás Leite, no seminário realizado em Corumbaíba (GO), no discurso de um dos palestrantes, “[...] produzir leite de qualidade é uma demanda nacional [...] o leite é um alimento [...] o ramo de produção não permite “amadores”, é preciso ter profissionalismo, por menor que seja o produtor, ele deve ver sua propriedade como uma empresa”.45 Especificamente sobre ações do Estado na promoção da modernização da pecuária leiteira em Goiás pode-se citar o Goiás, Fomento Rural, um programa da Agência de Fomento de Goiás (S/A). O programa visa o desenvolvimento da bacia leiteira e da indústria láctea em Goiás, a manutenção e fixação do homem no campo e desenvolvimento regional com foco no campo. Para tanto, oferece crédito rotativo ao produtor rural, por intermédio do laticínio; crédito para: a construção de benfeitorias, aquisição de máquinas, implementos, equipamentos

45 (PESQUISA DE CAMPO, 2012). 142

e peças, aquisição de gado especializado, embriões e sêmen, insumos agropecuários e contratação de serviços. Nesse caso, o produtor solicita o empréstimo junto ao laticínio que, por sua vez prepara e envia a documentação ao Goiás Fomento. Na sequência, ele libera o crédito ao produtor rural, que terá o valor das parcelas descontadas no pagamento mensal do leite, restando à agroindústria repassar o pagamento à Goiás Fomento. A implantação do Goiás Fomento Rural garante à Agência uma forma de investimento financeiro no setor de modernização rural, incentivando o aumento da produção, da produtividade e da qualidade do leite in natura no Estado. Ao mesmo tempo, garante o fornecimento de matéria prima à agroindústria, que terá condições de atender as demandas do mercado de produtos lácteos, e ainda, garantir a fidelidade do fornecimento por parte do produtor beneficiado. O produtor, por um lado, terá acesso ao crédito rápido e estará inserido na lógica de mercado, modernizando sua produção, por outro lado, estará se endividando e perdendo poder de negociação de preços junto aos laticínios. Nesse ciclo, o capital garante sua reprodução e a sujeição da renda da terra. Assim, a expansão do capital agroindustrial lácteo contou/a com o apoio de ações políticas estatais e, nas áreas de Cerrado, sobretudo, no Sudeste Goiano, está relacionado à modernização agrícola, a partir dos anos 1970, e ainda, à expansão da agroindústria nos anos 1990. Em ambos os momentos, as ações do Estado foram/são norteados no sentido de garantir a reprodução do capital, mostrando-se subordinado ao modo capitalista de produção, reproduzindo as contradições presentes na sociedade e influenciando a relação capital x trabalho, perpetuando as desigualdades sociais no campo e na cidade, assim como as intensas explorações ambientais e do trabalho. As ações estatais contam ainda com o ideário de desenvolvimento difundidos amplamente pelos aparelhos ideológicos, onde a modernização e o desenvolvimento encontram-se intimamente relacionados. Especificamente, na cadeia produtiva do leite, observa-se a participação massiva do Estado, nos diferentes âmbitos, no sentido de promover a modernização conservadora e a territorialização do capital no campo, bem como, o desenvolvimento da agroindústria. As ações estatais se evidenciam em diversos aspectos, dentre os quais estão: a regulamentação, por meio das IN 51 e IN 62, em vigor; as agências e programas de fomento e incentivo à modernização da produção leiteira; os programas de fomento e incentivo a modernização da produção leiteira; e os programas de incentivos e concessões para o desenvolvimento das agroindústrias. Nota-se que as políticas estatais têm a intensão de dinamizar o setor com base nas exigências do mercado e das normas instituídas para a produção e comercialização do leite. 143

No entanto, tais programas ainda não atendem a maioria dos produtores goianos, conforme evidencia o MCP (2012), permanecendo carentes de assistência técnica e crédito, fundamentais para sua permanência formal na atividade leiteira. É válido destacar que a atividade leiteira é uma importante fonte de renda, garante a reprodução da família camponesa e a sua permanência na terra. Dessa forma, mesmo na chamada fase da autorregulação do complexo lácteo o Estado se faz presente, “[...] já que o processo de integração indústria e agricultura não se deu à margem das relações entre as grandes empresas, os grupos econômicos e o Estado” (FIGUEIREDO; PAULILLO, 2005, p. 173). Essa fase, também é marcada pela reestruturação produtiva do capital e pelas políticas neoliberais. No item a seguir, serão apresentados alguns aspectos da reestruturação produtiva do capital e seus efeitos sobre o setor agroindustrial lácteo.

2.2.2 A reestruturação produtiva do capital e as mudanças no setor lácteo

A partir dos anos 1990 é revelada uma nova dinâmica para a cadeia produtiva do leite, estando relacionada à reestruturação produtiva do capital. Isso comprova a necessidade de compreender os principais aspectos dessa forma de organização produtiva, geradora de uma série de mudanças na sociedade como um todo, e também no setor agroindustrial lácteo. Isso porque as necessidades de expansão capitalista nas últimas décadas promoveram um constante processo de reestruturação espacial em diferentes intensidades e por meio de distintas estratégias nos diversos territórios mundializados. Nesse sentido, têm-se conflitos nas formas de uso da terra, a aceleração da degradação ambiental e mudanças na relação capital-trabalho que se territorializam de forma específica, a depender da formação socioespacial de cada área. Santana (2011) afirma que: A compreensão das transformações espaciais a partir da relação entre capital e trabalho na contemporaneidade requer a análise das mudanças provocadas pela reestruturação produtiva, bem como dos desdobramentos e as perspectivas dessa processualidade para os trabalhadores (SANTANA, 2011, p. 29).

Segundo Harvey (2009), as transformações que atingem a sociedade atualmente advém da transição da rigidez do fordismo para a acumulação flexível, ocorrida a partir dos anos 1970, por meio da rápida implantação de novas formas organizacionais e de tecnologias produtivas pioneiras, às quais significaram uma nova forma de organização espaço-tempo e uma nova perspectiva para o trabalho e, para os trabalhadores. Assim, enfatiza que a acumulação flexível promove mudanças relacionadas ao processo de produção, ao mundo do 144

trabalho, ao espaço, ao Estado e à própria ideologia. E isso acontece, sobretudo, porque o capital não deve ser concebido como uma coisa, pronta e acabada, mas como um processo em constante reprodução, capaz de dinamizar a própria reprodução da vida social, bem como, os diferentes tempos e espaços. A acumulação flexível, para Harvey (2009), apoia-se na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Significou para os trabalhadores uma maior intensificação nos processos de trabalho, acompanhados de uma aceleração na desqualificação e requalificação necessárias ao atendimento das novas necessidades do trabalho. Proporcionou uma aceleração do tempo de giro na produção, troca e consumo, assim como uma maior volatilidade e efemeridade das mercadorias, dos valores, dos processos de trabalho e das práticas. Marx e Engels, já no século XIX, desde a publicação do Manifesto do Partido Comunista, revelavam a centralidade do capital ao mesmo tempo em que ressaltavam seu caráter (in)constante e expansionista no sentido de garantir a produção de mercadorias, o lucro e as condições para sua acumulação. Esse movimento estaria pautado na transformação espacial da sociedade capitalista e, principalmente, na luta de classes. Isso é evidenciado na seguinte observação: A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção e, com isso, todas as relações sociais. [...] Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem ilusões a sua posição social e as suas relações com outros homens (MARX; ENGELS, 2007, p. 43).

Diante disso, Harvey (2009), assegura que as mudanças que vem ocorrendo na sociedade estão relacionadas à própria natureza do capital e por isso “[...] mostram-se mais como transformações da aparência superficial do que como sinais de surgimento de alguma sociedade pós-capitalista, ou mesmo pós-industrial inteiramente nova.” (HARVEY, 2009, p. 09). As ponderações do autor a esse respeito estão subsidiadas pelo pensamento de Marx ao descrever o capitalismo a partir de três elementos fundantes: 1.O capitalismo é orientado para o crescimento. [...] é essencial para a saúde de um sistema econômico capitalista, visto que só através do crescimento os lucros podem ser garantidos e a acumulação do capital, sustentada. [...] a crise é definida, em consequência, como falta de crescimento; 2. O crescimento em valores reais se apoia na exploração do trabalho vivo na produção. Por isso, o controle do trabalho, na produção e no mercado, é vital para a perpetuação do capitalismo. O capitalismo está fundado, em suma, numa relação de classe entre capital e trabalho; 3. O 145

capitalismo é, por necessidade, tecnológica e organizacionalmente dinâmico. [...] Mas a mudança organizacional e tecnológica também tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de classes, movida por ambos os dados, no domínio dos mercados de trabalho e do controle do trabalho (HARVEY, 2009, p. 166-169).

Nota-se que a sociedade capitalista contemporânea vem passando por uma série de mudanças nas últimas décadas. As transformações estão presentes na esfera econômica, mas têm implicações nas demais esferas sociais. Essas mudanças, segundo Chesnais (1996), resultam da globalização e da mundialização do capital impondo à sociedade a “necessidade” de “adaptar-se” aos seus imperativos. Para o autor, essa adaptação “[...] pressupõe que a liberalização e a desregulamentação sejam levadas a cabo, que as empresas tenham absoluta liberdade de movimentos e que todos os campos da vida social, sem exceção, sejam submetidos à valorização do capital privado [...]”. (CHESNAIS, 1996, p. 25). Mais à frente, o autor argumenta que “[...] a mundialização deve ser pensada como uma fase específica do processo de internacionalização do capital e de sua valorização, à escala do conjunto das regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas” (CHESNAIS, 1996, p. 32, grifo do autor). Tais adaptações são imprescindíveis uma vez que: [...] sem a implementação de políticas de desregulamentação, de privatização e de liberalização do comércio, o capital financeiro internacional e os grandes grupos multinacionais não teriam podido destruir tão depressa e tão radicalmente os entraves e freios à liberdade deles se expandirem à vontade e de explorarem os recursos econômicos, humanos e naturais, onde lhes for conveniente (CHESNAIS, 1996, p. 34).

Para Chesnais (1996): A mundialização é o resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980 [...] (CHESNAIS, 1996, p. 34).

As mudanças na esfera produtiva são oriundas da reestruturação produtiva, da acumulação flexível e da mundialização do capital. Promoveram uma série de mudanças nos diferentes âmbitos sociais, podendo ser percebidas no complexo agroindustrial lácteo brasileiro, que também sofreu os efeitos da desestatização, das privatizações e das políticas de liberação. Segundo Figueiredo; Paulillo (2005), essas mudanças fazem parte da chamada “fase da autorregulação do setor”, e se manifestam nos seguintes aspectos: a reestruturação produtiva no mercado interno do leite; o comércio internacional e as mudanças nas normas formais do complexo agroindustrial lácteo. 146

A reestruturação produtiva no mercado interno do leite significou a redução do poder de negociação da pecuária leiteira nacional nos anos 1990. Isso porque advém da liberalização econômica e da estratégia de quase integração, colocada em prática pelo segmento industrial, cujos interesses: São os responsáveis pela criação destes novos modelos de transação. Os atores industriais ocupariam este espaço de financiamento agropecuário, anteriormente ocupado pelo Estado e imporiam seus interesses em troca de facilidades para os produtores adquirirem os equipamentos necessários à atividade produtiva. Este mecanismo, no qual os preços atuais e futuros do leite são definidos, resulta em efetiva agilidade na comercialização e financiamento do investimento, o que inegavelmente traz consequências positivas para a pecuária leiteira. Ademais, não restaram alternativas para o produtor, haja vista que, para a agricultura brasileira, tornou-se extremamente complicado manter altos níveis de competitividade, pela incapacidade de efetuar investimentos devido à política de juros elevados e ao barateamento do produto importado, provocando a artificialidade cambial (FIGUEIREDO; PAULILLO, 2005, p. 179).

Nos anos 1990 houve um crescente aumento das taxas de importação do leite e derivados lácteos, ganhando expressão os instrumentos de política agrícola relacionados ao comércio internacional, aos impostos de importação e às tarifas compensatórias. Nesse contexto: [...] emergiram novos atores, como os empresários “sem-fábricas”, que lançam mão das importações para obter lucro, proveniente das rendas geradas com diferenciais de preço, movimento das taxas de juros e câmbio e, ainda, distintos prazos de pagamento. Assim, a reestruturação agroindustrial láctea avança de acordo com interesses de setores não agrários (FIGUEIREDO; PAULILLO, 2005, p. 180).

Além disso, com a autorregulação ocorreu uma tendência de maior seletividade dos empresários rurais envolvidos com a atividade produtiva, pois as exigências referentes à quantidade e à qualidade do leite destinado ao mercado são cada vez maiores. Esta seletividade é assegurada pelas normativas que regem o setor, já que seguem padrões de qualidade internacionais. Nesse sentido, exigem dos produtores o profissionalismo e a especialização da atividade leiteira. Isso, no Brasil, revela-se um problema, pois a maioria dos produtores de leite tem produção menor que 50 litros/dia, com renda insuficiente para a aquisição do aparato tecnológico necessário ao atendimento da demanda do mercado por qualidade e atendimento de padrões internacionais de produção. Assim, a maioria dos pecuaristas não terá capital que permita o acesso à tecnologia necessária ao atendimento das normas exigidas pelo mercado, que diante da política neoliberal, terá que buscar soluções cooperadas e reconversão produtiva (FIGUEIREDO; PAULILLO, p. 181). Para Paulino (2012), as consequências para os produtores camponeses no processo de liberação dos preços por parte do Estado foram avassaladoras, pois durante os 45 anos de 147

controle sobre os preços, garantia, de certo modo, uma margem de ganho para os produtores, mesmo o leite sendo um produto da cesta básica. Para a autora: [...] As próprias demandas dos grupos tornados hegemônicos pelas políticas anteriores que culminaram em sua consolidação, pressionaram no sentido da liberalização, ocorrida em 1991. Na prática, isso representou a plena transferência do poder de deliberação dos preços para o setor privado, afetando tanto o começo quanto o fim da cadeia produtiva, medida essa comparável ao galinheiro entregue aos cuidados da raposa (PAULINO, 2012, p. 210).

De acordo com Figueiredo; Belik (1999) pode-se considerar três mudanças principais que culminaram em mudanças na cadeia produtiva do leite, sendo: a liberalização dos preços do leite; a abertura comercial dos produtos lácteos; a criação do MERCOSUL, responsável pela grande maioria das importações do leite no País. Para Binsztok (2000), as importações ainda estão nas mãos do Estado, ou só acontecem porque as políticas estatais oferecem meios para isso. Portanto, caberia a esses órgãos apontar os motivos pelos quais estariam insistindo em manter os níveis de importações de produtos lácteos, vindos principalmente da Argentina. O autor busca compreender essa realidade como uma estratégia mais ampla para manter o leite nas esferas de influência econômico-regional, marcada pelas trocas comerciais, em especial, entre os países do MERCOSUL. Mas, argumenta que a ideia de que o MERCOSUL seja o pior inimigo da agropecuária brasileira, parece não se confirmar, pois as importações argentinas atuam como um complemento no mercado brasileiro não inibindo o desenvolvimento da produção leiteira do País. A relação entre as importações de leite in natura e do leite em pó, sobretudo, pelos países do MERCOSUL, e o preço pago pelo produto no mercado nacional é objeto de um intenso debate, pois seria um dos motivos pelos quais o preço pago aos produtores nacionais não seria mais alto. Isso porque não haveria motivos para incentivar o aumento da produção nacional. Sabe-se que a balança comercial deste produto encontra-se deficitária. Segundo o IBGE as importações de leite in natura cresceram 165%, e o leite em pó 56,0%, em 2011, se comparado ao ano de 2010. Já as exportações, no ano de 2011 foram de 5,510 mil toneladas de leite in natura, demonstrando uma queda de 36,3% no volume comercializado, e 24,6% no faturamento. O preço médio da tonelada passou de US$ 2.113, em 2010, para US$ 2.500 em 2011. As importações de leite têm superado as exportações do produto. Dessa forma, observa-se a presença do capital financeiro no setor agroindustrial lácteo brasileiro, operando com a concentração econômica e tecnológica. Essa atuação pode ser evidenciada, dentre outros aspectos, pela predominância do consumo do leite longa vida e pelo constante investimento em tecnologias para a modernização do setor, o que reduz a 148

participação das cooperativas e causa prejuízos aos produtores de leite. Assim, o setor agroindustrial lácteo brasileiro é marcado pelas contradições capitalistas, representadas pela “convivência” entre o grande número de produtores informais, pelos interesses dos produtores modernizados, pelas necessidades das cooperativas e das grandes empresas, e acima de tudo, pelo domínio do capital financeiro. O capital financeiro, para Harvey (2005), consiste no principal ator das mudanças no contexto da reestruturação produtiva. O autor esclarece que: [...] a financialização e a orquestração, em larga medida sob a direção dos Estados Unidos, de um sistema financeiro internacional capaz de desencadear de vez em quando, surtos brandos e violentos de desvalorização e acumulação por espoliação em certos setores ou mesmo em territórios inteiros. Mas a abertura de novos territórios ao desenvolvimento capitalista e a formas capitalistas de comportamento de mercado também teve sua função, o mesmo ocorrendo com as acumulações primitivas de países [...] que procuram inserir-se no capitalismo global como participantes ativos. Para que tudo isso ocorresse, era necessário, além da financialização e do comércio mais livre, uma abordagem radicalmente distinta da maneira como o poder do Estado, sempre um grande agente da acumulação por espoliação, devia se desenvolver. O surgimento da teoria neoliberal e a política de privatização a ela associada simbolizaram grande parcela do tom geral dessa transição (HARVEY, 2005, p. 129).

Sobre a acumulação por espoliação Harvey (2005) afirma que: [...] pode ser aqui interpretada como o custo necessário de uma ruptura bem- sucedida rumo ao desenvolvimento capitalista com forte apoio dos poderes do Estado. As motivações podem ser internas [...] ou impostas a partir de fora [...] na maioria dos casos, está na base dessas transformações alguma combinação de motivação interna e pressão externa (HARVEY, 2005, p. 127).

Alfredo (2008) analisa a incorporação da renda da terra ao capital urbano e industrial por meio da agroindústria leiteira como uma determinação do capital financeiro e capital fictício, diante da necessidade constante de expansão do capital, já que “[...] a expansão intensiva e extensiva é uma necessidade precária de resolver contradições da acumulação posta no e pelo desenvolvimento das forças produtivas no campo [...]” (ALFREDO, 2008, p. 63). Para o autor a modernização, como universalização da sociabilidade da forma de valor, embora se constitua como um processo mundial e universal, não ocorre linearmente, uma vez que as contradições estão presentes e fazem parte do processo, muitas vezes sendo incorporadas pela lógica de produção de mercadorias, mesmo que não estejam diretamente incorporadas pelo mercado. Assim, a modernização pode ser entendida como imposição do capital para sua reprodução, mas: [...] entre a forma valor, cuja determinação é da expansão ampliada da riqueza, e o seu processo de formação, há descontinuidades temporais e espaciais que constituem uma sociabilidade contraditória, expressa na reprodução de relações não especificamente capitalistas, como necessidade de contornar as contradições próprias da forma valor. [...] trata-se das descontinuidades na continuidade que irão 149

constituir elementos lógicos no processo de modernização [...] (ALFREDO, 2008, p. 69).

O autor salienta ainda que: As diversificações na forma de produzir e de adequar a produção, segundo as necessidades datadas de acumulação do capital, refletem implicações da Renda Capitalista da Terra [...] na redefinição das formas de sociabilidade. Implica dizer que, sob as mais distintas formas, que a mesma se estabelece como mediação da incorporação da divisão social do trabalho como generalização possível – ao menos enquanto sentido, porque não estamos desconsiderando aqui a produção de relações não capitalistas de produção – das relações de produção no campo, introjetadas, sob a moldura da agroindústria, como necessidade do capital urbano-industrial. [...] Trata-se de formas de incorporação de desigualdades à racionalidade capitalista, ainda que sob relações de produção distintas [...] (ALFREDO, 2008, p. 103).

As constantes necessidades de modernização, mediante a realização de empréstimos para atender às imposições do mercado, dentre outros aspectos, ilustram alguns dos efeitos da reestruturação produtiva e da mundialização do capital na dinâmica do setor lácteo brasileiro como um todo, e por consequência, nas diferentes bacias leiteiras, dentre elas, a de Corumbaíba (GO). Nota-se que a reestruturação produtiva do capital e do trabalho traz mudanças na dinâmica dos laticínios e na organização da produção nas propriedades rurais, bem como, na relação entre esses dois agentes do setor lácteo.

2.2.3 A pecuária leiteira em Goiás

Para Clemente (2006), os fatores que têm direcionado espacialmente a produção de leite para o Cerrado estão relacionados à: [...] fluidez espacial que permitiu a integração entre os diferentes mercados e espaços de produção, no qual a concorrência entre eles passou a se dar de forma acirrada. A menor perecibilidade do leite e derivados, fez com que produtos de procedências e níveis de qualidade diversos passassem a disputar o mesmo setor geográfico de consumo. Neste cenário, o leite do cerrado vem se destacando por ser mais competitivo que o leite produzido nas chamadas bacias tradicionais de Minas Gerais e de São Paulo (CLEMENTE, 2006, p. 94-95).

Na emergente bacia leiteira goiana predominou o sistema de alto nível tecnológico, com modernização crescente, incentivos fiscais e aquisição de equipamentos e animais especializados, muitos oriundos das bacias leiteiras paulistas, principalmente a forte introdução da granelização do leite desde 1997 e a produção de forragens durante todo o ano. Isso porque o processo de modernização parcial da agropecuária nacional expandiu a fronteira produtiva para o Centro-Oeste. Esse movimento foi motivado pelos seguintes fatores: aumento no consumo do leite longa vida, podendo ser transportando por longas distâncias; crise da pecuária de corte tradicional, fazendo com que os produtores se dedicassem ao leite; crise na agricultura nos primeiros anos do Plano Real; reduzido custo da terra; linhas de 150

financiamento do FCO46 e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dentre outros; e o avanço da indústria de laticínios para essa região (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002). Mesmo que a expansão da modernização da produção leiteira tenha se instalado em Goiás, conferindo características de especialização da produção, bem como, a presença de um alto nível tecnológico, é preciso ressaltar que de um modo geral, “[...] o atual contexto do sistema agroindustrial do leite no Brasil é dominado por uma produção não especializada, em que grande parte dos produtores se dedicam, além da produção de leite, a outras atividades [...].” (CRISTINA DOS SANTOS, 2004, p.51). Clemente (2006) ressalta que: [...] no Brasil a produção de leite sempre esteve baseada em pequenas e médias propriedades, gerenciadas por proprietários descapitalizados e com baixa utilização de tecnologias, caracterizando sistemas de produção rudimentares que se aproximavam muito do extrativismo, ou quando não praticada por pecuaristas de corte que se dedicam ao leite apenas nos períodos que a carne não apresentava bons preços, sendo portanto, um subproduto da pecuária de corte. Tais condições têm colocado os produtores de leite não especializados numa situação bastante vulnerável frente às novas exigências do mercado, sobretudo aqueles que dependem da renda obtida com a venda do leite para sobreviverem (CLEMENTE, 2006, p. 86- 87).

A migração da produção leiteira para os Estados produtores emergentes, como Goiás, por exemplo, está relacionada à mobilidade geográfica do capital e às mudanças do trabalho (HARVEY, 2005). Ao mesmo tempo, acentua o efeito social da política da redução de custos de transação da grande indústria láctea, mas marginaliza o campo, conduzindo pecuaristas descapitalizados à clandestinidade ou à retirada do setor. Isso porque:

O processo de migração da produção leiteira para os Estados produtores emergentes como Goiás potencializa esse efeito social. As grandes empresas avançam na captação do leite dessas regiões, já que os produtores apresentam melhor sustentação para o endividamento e a modernização produtiva, pois os preços da terra são mais baixos, há incentivos fiscais dos governos estaduais, a produção de grãos é elevada e, consequentemente, os custos de produção são mais baixos (PAULILLO; HERRERA; COSTA, 2002, p. 198).

Além da compra do leite in natura, as unidades de beneficiamento de muitas empresas também migraram para as novas bacias leiteiras. Figueira; Belik (1999), afirmam que vem ocorrendo um deslocamento de empresas de laticínios para a região do Cerrado,

46 O FCO tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Região Centro-Oeste, mediante a execução de programas de financiamento aos setores produtivos, em consonância com o Plano Regional de Desenvolvimento. Na qualidade de administrador do Fundo, o Banco do Brasil oferece apoio financeiro aos investimentos de produtores rurais, pessoas físicas ou jurídicas e pessoas jurídicas de direito privado que se dediquem à atividade produtiva nos segmentos agropecuário, mineral, industrial, comercial e de serviços, agroindustrial e turístico da Região Centro-Oeste. (Disponível em: . Acesso em: 17 de maio de 2012, às 11h). 151

favorecido principalmente pelo aumento do consumo do leite longa vida, tanto no que se refere às cooperativas centrais e algumas singulares, quanto às empresas privadas. Essa tendência se deve à aquisição de matéria prima na região por preços menores. Já que a diferença de preço da matéria prima gera desvantagens competitivas para algumas empresas onde o custo da matéria prima é mais elevado. Segundo Costa e Silva (2005) a modernização da pecuária leiteira em Goiás, ocorrida a partir dos anos 1990, foi marcada pelo aumento da produção, pelo crescimento econômico e pela concentração de renda. Em Piracanjuba (GO), a produção de leite é uma atividade do pequeno e médio proprietário de terras, com média de 124,6 ha e a maior parte da mão de obra utilizada é familiar. Nesse período, um grupo de pequenos e médios proprietários modernizaram fortemente sua produção com a introdução de raças leiteiras europeias, mais produtivas, que promoveram a adoção de diversos insumos e a mecanização da produção com o uso de ordenhadeiras, o que significou o aumento da produção e da produtividade. Mas, esse crescimento não foi acompanhado pela melhoria das condições de trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores que atuam no setor. O aumento da renda foi apropriado pelas empresas que passaram a atuar no mercado de leite, tais como: “[...] a indústria veterinária; a indústria de máquinas agrícolas; as centrais de sêmen; as indústrias de rações; as indústrias de sementes e adubos; os laticínios [...]” (COSTA E SILVA, 2005, p. 52). Então: [...] teria havido na década de 1990 um processo de transferência do setor rural para o industrial e um processo de concentração de renda dentro da cadeia produtiva do leite. A pecuária leiteira repete o mesmo padrão de todo o desenvolvimento da história brasileira: processos modernizantes se sobrepõem a estruturas reacionárias (relações de trabalho atrasadas) já existentes sem eliminá-las. A modernização brasileira sempre foi do tipo reacionária, produtivista, chamada também de conservadora (COSTA E SILVA, 2005, p. 52).

Segundo a Secretaria de Gestão e Planejamento do Estado de Goiás (SEGPLAN) Goiás ocupou o 2º lugar em vacas ordenhadas no Brasil nos anos de 2000, 2005-2010. Em 2010 apresentou um total de 2.479.869 vacas ordenhadas. Ocupou também em 2000 e 2005 o 2º lugar na produção de leite no País, o 4º lugar nos anos 2006 e 2007, o 3º lugar em 2008 e 4º lugar em 2009 e 2010. A produção total de leite no ano de 2010 foi de 3.193.731 (mil) litros. Além da produção, a produtividade também aumentou, passando de 0,54 em 1995, 1,09 em 2000, 1,13 em 2005, e 1,28 em 2010. A Tabela 11 mostra a quantidade de rebanho bovino, de vacas leiteiras e a produção de leite no período de 1995 a 2010.

152

Tabela 11 - Estado de Goiás: rebanho bovino e produção de leite (1995-2010) Ano Rebanho bovino* Vacas leiteiras* Produção de leite** 1995 18.492.318 2.680.338 1.450.158 2000 18.399.222 2.006.038 2.193.799 2005 20.726.586 2.334.558 2.648.599 2010 21.347.881 2.479.869 3.193.731 *Cabeças. ** Valor em mil litros. Fonte - IBGE/ SEPLAN-GO/SEPIN/Gerência de Estatística Socioeconômica – 2010. Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

Carvalho (2011) apresenta um estudo acerca da produção atual da bacia leiteira goiana, suas principais características e especificidades. Para o autor, Goiás teve um grande aumento da produção na década de 1990, já no período entre 2000 e 2009, houve uma desaceleração. Esta estagnação no crescimento, em comparação aos da região Sul, estaria relacionada ao baixo preço pago pelo produto no mercado, em relação ao alto custo do processo produtivo, o que acaba por desestimular o investimento nesse setor por parte dos produtores em geral. O estado havia sido o grande destaque da década de 90, com crescimento anual que chegou, em dado momento, a atingir mais de 35%, segundo o IBGE. [...] O estado foi o berço da Centroleite, que de forma inovadora passou a reunir grande quantidade de leite para comercialização conjunta, obtendo como resultado uma equalização dos preços com Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, os redutos mais tradicionais. [...] Apesar de tudo isso, o leite em Goiás não manteve o ritmo. Pelo contrário, vem sendo ultrapassado em crescimento por outros estados que, embora tenham largado atrás, vem obtendo taxas de crescimento superiores. Nesta década, o crescimento relativo de Goiás foi ultrapassado pelo de SC e do PR (CARVALHO, 2011, p. 01).

Segundo a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG)47, de 2000 a 2007, a taxa de crescimento da produção de leite de Goiás foi de apenas 2,48% ao ano, e a de Santa Catarina, de 9,01% ao ano. Se continuar nesse ritmo, Goiás passará, em breve, ao quinto lugar na produção leiteira. A queda no ritmo de crescimento foi atribuída à falta de assistência técnica, inexistência de políticas eficazes de renda, dificuldades em gerenciamentos de custos e riscos da atividade, bem como, o desestímulo ao produtor. Em 2009 foi realizado pela FAEG e pelo SENAR48, um estudo acerca do sistema lácteo goiano. O Diagnóstico da Cadeia Produtiva do Leite em Goiás foi elaborado a partir das declarações de 500 produtores selecionados por critérios de faixa de produção e

47 A Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG), uma entidade de grau superior, sem fins lucrativos, que tem como fim exclusivo, a defesa do produtor rural. Faz parte do sistema da Confederação da Pecuária e Agricultura do Brasil (CNA) entidade máxima de representação dos agricultores e pecuaristas brasileiros, junto com outras 26 federações. Lidera o sistema FAEG/SENAR-Goiás/Sindicatos Rurais. A Faeg é uma instituição privada composta por sindicatos rurais de 126 municípios goianos que são base dos demais que formam o conjunto das 246 cidades goianas. A FAEG-GO é mantida por 60 mil produtores rurais goianos que são empresários ou empregadores rurais. (Disponível em: www.sistemafaeg.com.br). 48 Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). 153

distribuição geográfica. Os temas abordados referiam-se à produção, produtividade, renda, preços dos insumos e serviços, com enfoque para os três segmentos: produção, indústria e varejo. Os dados foram coletados no período entre julho de 2008 e julho de 2009. No segmento indústria, segundo o Diagnóstico da Cadeia Produtiva do Leite em Goiás (2009), nota-se um parque industrial moderno, todavia, com capacidade ociosa; elevado poder de competição da cadeia produtiva do leite goiano, nos mercados interno e externo, em razão do baixo custo da produção; maior concentração no segmento da produção do que na indústria; distância de Goiás dos principais centros de consumo, indicando a necessidade de enfatizar a produção leiteira com mais sólidos; continuidade na compra, pela indústria láctea estadual, de parte do leite diretamente dos produtores e de parte, no mercado spot49; facilidade de rastreabilidade, devido à compra direta. Já no segmento varejo, o leite UHT é o mais vendido nos supermercados, funcionando como um chamariz, com pequena margem de lucro para o supermercado; já a margem de ganho de queijos é elevada; o preço pago pelo consumidor do leite longa vida é influenciado pelo elevado preço da embalagem e, o varejo trabalha com grande diversificação de produtos lácteos. No que se referem aos produtores, os principais pontos evidenciados no Relatório foram os seguintes: a produção de leite em Goiás é típica de pequenas propriedades com a braquiária brizanta como principal pastagem; o elevado capital investido apareceu em todos os estratos, sobretudo, para os de até 50 litros de leite por dia; na composição capital investido, a “terra” ficou em primeiro lugar, o que indica a predominância de sistemas extensivos de produção de leite, e o menor, na aplicação de tecnologias; a adoção de tanque de resfriamento é de 41%, sendo 4,10% nos produtores de até 50 litros e de 100% para os de acima de 1.000 litros; diante das dificuldades com mão de obra para o manejo do rebanho, o uso de ordenha mecânica foi feito por 24,20% dos entrevistados e o botijão de sêmen, por apenas 12,80%; a irrigação foi utilizada por apenas 2,80%, o que revela um baixo nível tecnológico, já que os produtores evitaram tecnologias intensivas objetivando garantir a sobrevivência do sistema de produção. Nesse sentido, o produtor seleciona um pacote tecnológico equilibrado; os produtores de leite em Goiás se dedicam a atividade leiteira por muitos anos, são experientes, o que, por um lado, facilitou a estabilidade do negócio, por outro lado, representou resistência às mudanças tecnológicas; a maior permanência do produtor junto à atividade leiteira facilita a

49 O mercado spot abrange basicamente operações na bolsa de mercadorias. É muito usado por produtores agrícolas quando precisam urgentemente de recursos financeiros ou quando o preço de seus produtos está em um patamar elevado (Disponível em: www.milkpoint.com.br). 154

administração dos negócios; a falta de controle leiteiro na maioria das propriedades, sobretudo nas de menor produção, contribui para as deficiências na administração da atividade; quanto à mão de obra empregada os pequenos produtores, onde predominam a mão de obra familiar, avaliaram como boa qualificação, já os maiores produtores, onde predominam os contratos, avaliaram de forma ruim ou regular. Sobre a assistência técnica, 51,80% dos entrevistados não receberam nenhuma assistência técnica, e apenas 23,30% receberam entre uma e duas visitas por ano; a assistência técnica recebida pelos produtores foi prestada pelas empresas de laticínios, cooperativas e empresas de insumos; a adoção de tecnologias sobre rotação de pastagens, concentrado para vacas leiteiras e silagem foi adotado com mais frequência nos maiores produtores; quanto ao número de ordenhas por dia, 56% realizavam apenas uma, e no estrato de até 50 litros de leite por dia, 91,80%; a inseminação e o aleitamento artificial foram pouco adotados pela maioria dos produtores entrevistados, com destaque apenas para os produtores acima de 1.000 litros; quanto ao sistema de produção predominou a natural não controlada; a maior frequência de produtores com vacas sem padrão definido foi no estrato de até 50 litros de leite por dia, já os maiores produtores possuíam vacas com maior grau de sangue holandês; a maioria dos entrevistados não concordou com o sistema de pagamento por leite-cota e leite-excesso, nem com a bonificação por volume, mas concordou com a bonificação por qualidade; a isenção do pagamento de frete foi uma prática generalizada entre os entrevistados; o resfriamento do leite foi adotado pela maioria dos produtores, mas os entrevistados com até 50 litros de leite por dia adotaram-no com baixa frequência; a queda do preço do leite e margem bruta por litro levam o produtor a buscar mais volume de produção; embora permaneçam na atividade, em razão da margem bruta ser positiva, verificou-se um contínuo empobrecimento do produtor, que não consegue remunerar a mão de obra familiar ao custo de oportunidade e também não conseguia manter o capital investido, onerando a mão de obra familiar ao custo de oportunidade e também não conseguia manter o capital investido, o que onerava os custos pela depreciação deste capital; quando perguntado por que se dedicar à produção de leite, a _ resposta mais comum foi “[...] porque tem renda mensal” o que revela a busca pela estabilidade de seus negócios. Dessa forma, na cadeia produtiva de leite em Goiás, muitos produtores produzem pouco e, uma minoria deles produz muito. A principal mão de obra empregada é a familiar, e o nível tecnológico ainda é baixo para a maioria dos produtores. Além disso, do ponto de vista mercadológico, a atividade no estado não é especializada, observa-se uma grande quantidade 155

de produtores que se dedicam à produção leiteira na garantia de renda mensal, e por conciliá- la a outras atividades produtivas da terra, tais como, a pecuária de corte e outras atividades agropecuárias. Os maiores problemas enfrentados pelos pequenos produtores são a “falta de crédito rural” e a “deficiência de informações técnicas”; já os problemas enfrentados pelos grandes produtores são a “deficiência na qualidade da mão de obra” e “deficiência de informações de mercado”. Isso revela a heterogeneidade do setor de produção láctea no estado, onde de um lado têm-se os produtores tecnificados e especializados na atividade leiteira, e de outro lado, as unidades produtoras camponesas, com o trabalho familiar e pouca, ou nenhuma tecnologia empregada. Cada um desses perfis de produtores tem dinâmicas de funcionamento distintos, apresentando desafios para se manterem no setor e ampliar a quantidade e a qualidade do leite produzido (FAEG/SENAR, 2011). Com base no Diagnóstico da Cadeia Produtiva do Leite em Goiás realizado em 2009, pode-se dizer que a atividade leiteira está presente na maioria das propriedades rurais, cuja produção é destinada ao mercado. Todavia, dentre as mesmas tem-se uma minoria especializada, com alta produção e produtividade, e ainda, a maioria de propriedades em que a pecuária leiteira é realizada de maneira extensiva, não especializada que utiliza mão de obra familiar. Estas enfrentam problemas com a falta de assistência técnica, queda do preço do leite no mercado, sobretudo, a partir da política de preços do leite por quantidade e qualidade implantadas pelos laticínios que atingem principalmente os pequenos produtores. Os produtores, especializados ou não, diante da reestruturação do setor agroindustrial lácteo nos anos 1990, estão inseridos na dinâmica do capital agroindustrial e financeiro, representado pelos Laticínios e pelas indústrias de insumos e equipamentos. Nesse contexto veem-se diante da problemática, entre se especializar na produção leiteira para atender as exigências do mercado, garantindo maior lucratividade, ou manter-se no mercado, mas mantendo a pluriatividade e garantido a sua reprodução enquanto unidade camponesa de produção. Para o Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Goiás tem o pior serviço de extensão rural do País, junto com o Piauí.50 Além disso, no estado, a assistência técnica é restrita e há grande dificuldade em fazer com que as tecnologias cheguem às famílias camponesas, já que apenas 10% delas tem acesso ao serviço. Essa realidade está relacionada às políticas governamentais, como as

50 Esta afirmativa é do diretor do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Argileu Martins da Silva, proferida durante o 11º Congresso Internacional do Leite, realizado em Goiânia (GO), em novembro de 2012. Para o diretor é preciso reorganizar a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater - GO), que foi desintegrada durante os últimos governos (MCP, 2012). 156

desempenhadas pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Goiás (SEAGRO), com ações voltadas, exclusivamente ao agronegócio e aos latifundiários ligados à Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG). A falta de política pública voltada para os produtores camponeses é ressaltada pelo MCP (2012), ao afirmar que “[...] as poucas ações são, apenas, de caráter assistencialista, e diante disso não se pode esperar outra coisa a não ser o abandono às famílias camponesas por parte do estado” (MCP, 2012). De acordo com o presidente da FAEG, José Mário Schreiner51, o desestímulo enfrentado pelos produtores de leite decorre de um conjunto de fatores que precisam ser combatidos para que a atividade retome a pujança de anos anteriores, sobretudo, com políticas voltadas para o setor. O problema enfrentado pelos produtores, como mão de obra escassa e não qualificada para lidas com inovações tecnológicas, insegurança no mercado e falta de assistência técnica, se associa às grandes importações, surge então, a necessidade de estabelecer cotas às importações de leite em pó e queijos provenientes da Argentina, Uruguai e Chile. A existência de políticas para o setor é fundamental para garantir a qualidade de vida dos 60 mil produtores de leite e dos mais de 220 mil trabalhadores diretos e indiretos da atividade leiteira em Goiás, presentes em todos os municípios goianos.

2.2.4 A pecuária leiteira em Corumbaíba (GO)

A atividade leiteira é uma das mais importantes do setor agropecuário corumbaibense. Constitui fonte de trabalho e renda para as famílias que vivem no campo e até mesmo para os trabalhadores que vivem na cidade, mas trabalham no campo. A pecuária tem um papel importante na economia da região de Corumbaíba, com predominância do gado de corte e misto, pois as raças mistas são utilizadas na produção de carne e de leite. A Tabela 12 demonstra a evolução da atividade leiteira em Corumbaíba (GO), a produção, a produtividade e a quantidade de vacas ordenhadas de 1998 a 2010.

51 As declarações do presidente da FAEG foram proferidas na palestra de abertura do 3º Goiás Leite realizado em Corumbaíba (GO) no dia 30 de março de 2012. 157

Tabela 12 - Produção e produtividade da bacia leiteira de Corumbaíba (GO) Ano Quantidade de Variação (%) Quantidade de Variação (%) Produtividade vacas leite produzido por vaca ordenhadas (mil l) (l/cbçs) (cbçs) 1998 17.100 - 17.476 - - 1999 - - 16.529 - 5,7 - 2000 18.890 - 18.701 13,14 0,98 2001 23.148 22,8 23.417 25 1,01 2002 25.230 8,9 25.533 9 1,01 2003 20.184 -2 20.426 -20 1,01 2004 21.193 4,9 21.039 3 0,99 2005 19.498 -7,9 19.356 -7,9 0,99 2006 19.400 -0,5 19.354 -0,01 0,99 2007 18.715 -3,5 22.458 16 1,2 2008 22.320 19,2 31.248 39 1,4 2009 25.500 14,2 39.525 26 1,55 2010 30.000 17,6 51.330 29,8 1,7 2000-2010 - 37 - 63,5 - Fonte - Secretaria Gestão e Planejamento do Estado de Goiás (SEGPLAN). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

No total, a produção leiteira de Corumbaíba (GO) apresentou crescimento de 63,5% no período entre 1998 até 2010, passando de 17.476 (mil l) produzidos em 1998, para 51.330 (mil l) produzidos em 2010. Entretanto, esse crescimento sofreu variações ao longo dos anos. Nota-se um declínio de 5,7% entre 1998 e 1999, voltando a subir de 2000 a 2002, atingindo a produção de 25.533 (mil l) de leite. Já em 2003, sofre uma queda de 20% para 2004, continuando em declínio até 2006, quando produz apenas 19.354 (mil l). Em 2007, volta a aumentar a produção partindo de 22.458 (mil l) para 51.330 (mil l) em 2010. Conforme mostra a Tabela 12. A quantidade de vacas ordenhadas em Corumbaíba (GO) aumentou 37% entre 2000 e 2010, com 18.890 cabeças e 30.000 cabeças respectivamente. Porém, esse crescimento foi inconstante, já que de 2003 a 2007 houve sucessivas quedas na quantidade de vacas ordenhadas. Em 2008, com 22.320 cabeças, o Município retoma o crescimento, passando para 25.500 cabeças em 2009 e 30.000 cabeças em 2010. No que se refere à produtividade, nota-se um crescimento entre 2000 e 2010 de 0,98 l/cbç para 1,7 l/cbç. A menor produtividade do período foi em 2000 com 0,98 l/cbç, seguido por 2004, 2005 e 2006 com 0,99 l/cbç. Os maiores índices foram alcançados em 2008, 2009 e 2010, com respectivamente, 1,4 l/cbç, 1,55 l/cbç e 1,7 l/cbç. Os índices de produtividade evidenciados na Tabela 12 são baixos, mas isso reflete uma realidade característica do Brasil, conforme afirma Clemente (2006): O Brasil possui um dos maiores rebanhos bovinos do mundo, contudo, apresenta índices de produtividade, tanto de leite como de carne, muito aquém da pecuária bovina de outros países produtores. O motivo da baixa produtividade está 158

intimamente ligado à falta de inversões em tecnologias de manejo do rebanho, que por sua vez, estão relacionadas à maneira pela qual os criadores de bovinos encaravam esta atividade, como reserva de valor nos momentos de inflação alta e como função “maquiadora” da estrutura fundiária em muitos casos. [...] Nesse contexto, a produção de leite, muitas vezes é um subproduto da pecuária de corte produzida em moldes extensivos, o que compromete a produtividade e a qualidade do leite (CLEMENTE, 2006, p. 60-61).

Em Corumbaíba (GO), o aumento da produção está relacionado ao aumento da quantidade de vacas ordenhadas e o aumento da produtividade pode ser atribuído à modernização da produção, em algumas propriedades, com o uso de insumos, produção de silagem e plantio da cana de-açúcar para a alimentação do gado, utilização de gado selecionado e ordenha manual ou mecanizada duas vezes ao dia, ou seja, à profissionalização da atividade nessas propriedades. Entretanto, essa modernização da produção, está presente em poucas unidades produtoras, conforme evidencia o Presidente do Sindicato Rural (SR) de Corumbaíba (GO): [...] o Município é grande, com área de mais ou menos 36 mil alqueires de terra, em torno de 700 propriedades rurais, alguns produtores tem até 02 ou 03 propriedades [...] quase todas tiram leite, só que não são profissionais do ramo [...] Hoje a maior parte é pequena produção, mas têm umas 05 propriedades, grandes, com grande produção no município que estão tirando leite, que tem dado certo (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

Nesse sentido no Município, a maior parte das propriedades produz leite, mas não são propriedades tecnificadas e com produção em grande escala. Na bacia leiteira predomina a produção tradicional do leite, pois apenas algumas propriedades são modernizadas. Tais propriedades são, respectivamente, as propriedades camponesas e empresas rurais do ramo lácteo. Nota-se dentre as propriedades camponesas e até mesmo dentre as empresas rurais, a presença de elementos diferenciados da modernização e tecnificação da produção, demonstrando a heterogeneidade do setor. A pecuária leiteira é desenvolvida em Corumbaíba (GO), na maioria das propriedades, de forma extensiva, com produção média de 60 litros por dia, conforme esclarece o presidente da Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC), ao ser questionado sobre o perfil dos produtores da bacia leiteira local. O entrevistado afirmou que: “[...] a nossa média aqui é em torno de 60, 80 litros por dia [...] tem aquelas que produzem 300 litros em média, mas são apenas os médios produtores, já os grandes, poucos na região, produzem mais de 1.000 litros [...].”52 Um exemplo de propriedade com alta produção e produtividade, com pequena extensão de terra é a Fazenda Toca do Leite, pois atinge uma produção diária de 1.100 litros de leite, em média, com 8 alqueires de terra.

52 Camponês produtor de leite em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em junho de 2012. 159

Já na Fazenda Santa Rosa, tem-se uma extensão de 48 alqueires de terra e uma produção diária de 150 litros em média (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Na bacia leiteira de Corumbaíba (GO) predominam as propriedades de baixo nível tecnológico, e com baixa tradição no ramo de produção leiteira especializada. Para as propriedades camponesas _ a maioria na bacia leiteira _ a atividade ainda não é especializada, a propriedade, gestão da terra e o trabalho são familiares, com uma pequena produção de leite destinada ao mercado, como uma das fontes de renda para a família, ajudando a manter as despesas da família e da propriedade. Já nas empresas rurais, a minoria na bacia leiteira, predominam o uso de tecnologias, insumos, gado especializado, mão de obra assalariada, gestão e assistência técnica profissionalizada, ordenha duas vezes ao dia, manual ou tecnificada, mesmo que o grau de tecnificação seja diferenciado entre as propriedades. Ao analisar os produtores da bacia leiteira, nota-se um forte discurso reforçando o ideário da necessidade de modernização e de qualificação da mão de obra como a solução para os problemas, em relação à quantidade e à qualidade do leite in natura a ser comercializado (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Isso está evidente nas declarações do presidente da COOPAC e do Sindicato dos Produtores Rurais (SR) ao descreverem a bacia leiteira de Corumbaíba (GO). Os entrevistados afirmaram que: A bacia leiteira de Corumbaíba está bem atrasada ainda, é de pequenos produtores que ainda estão tentando crescer e são poucos produtores que se destacam aumentando a produção [...] o problema é o atraso, o produtor ainda tá muito atrasado, quando você vai nos municípios de Piracanjuba, Morrinhos, lá tá mais adiantado, mais estruturado [...] falta tradição no ramo da atividade leiteira [...]53 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

[...] eu digo que a bacia leiteira daqui tem que ser repensada, e não é só preço, é conscientização. [...] Num futuro próximo, o produtor vai perceber que se não tiver profissionalismo, não vai justificar ficar na fazenda [...] se for área plana vai arrendar para a soja, e vai para as áreas mais acidentadas, ou aluga para os que querem ser profissionais54 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

De acordo com o Gerente de Política Leiteira da Italac Alimentos na bacia leiteira de Corumbaíba (GO), predomina a produção não especializada de leite, com menos de 200 litros de leite/dia e com qualidade inferior, se comparada às regiões onde predominam a especialização da produção. Isso porque: [...] falta assistência técnica na pecuária, infraestrutura, tem muita queda de energia, as estradas são ruins [...] não é uma atividade profissionalizada ainda, não é encarada como atividade profissional [...] a mão-de-obra é pouco qualificada e quando o dono fica fora da propriedade ainda é pior [...]55 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

53 Entrevista realizada em junho de 2012. 54 Entrevista realizada em junho de 2012. 55 Entrevista realizada em junho de 2012. 160

No entanto, acredita-se que os produtores camponeses que optaram por não especializarem da produção, diante das imposições do setor, não podem ser considerados como um empecilho ao desenvolvimento do setor agroindustrial lácteo no Brasil, assim como da bacia leiteira de Corumbaíba, já que se: [...] a maioria destes não dispõem de equipamentos de ordenha e refrigeração, bem como, de raças puras. O baixo preço pago pelas indústrias e a falta de apoio dos aparelhos estatais se constituem como empecilho à especialização, levando muitos produtores a abandonar a atividade ou se dedicarem ao mercado informal (CRISTINA DOS SANTOS, 2004, p. 87).

O leite produzido na bacia leiteira de Corumbaíba (GO) tem destinos diversos, pois uma parte é vendida para a Cooperativa de Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC), outra, para a Cooperativa dos Produtores de Morrinhos (COMPLEM), para o Laticínio Marajoara e outra parte para o Laticínio Italac Alimentos. Além disso, existem propriedades em que o leite produzido é beneficiado e comercializado pelos próprios produtores. Nestas, são produzidos doce de leite, queijos tipo minas e mozzarella, ou ainda, são vendidos in natura, na cidade, direto para o consumidor. Estes últimos são os chamados produtores informais (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Observe a Figura 2:

Figura 2 - Destino do leite in natura produzido na bacia leiteira de Corumbaíba (GO)

Italac Alimentos

Complem Marajoara Leite in natura produzido em Corumbaíba (GO)

Mercado COOPAC informal

Fonte - Pesquisa de Campo, 2012. Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

A Figura 2 mostra os principais compradores do leite produzido na bacia leiteira de Corumbaíba (GO). A maior parte do leite é adquirida pela Italac Alimentos, principalmente porque o leite adquirido pela COOPAC e pela COMPLEM, posteriormente é vendido para a 161

Italac. Assim a COOPAC é uma cooperativa de pequenos produtores que se uniram para conseguir um melhor preço do produto no mercado, vendendo o leite para a COMPLEM e então negocia diretamente com a Italac Alimentos. Uma parcela de 14 produtores vende o leite para a Marajoara, enquanto grande parte da produção é destinada ao mercado, tanto por meio da comercialização do leite in natura, quanto pela fabricação de queijos e doces nas propriedades. A Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC) foi criada no ano de 2001 por um grupo de produtores de leite de Corumbaíba (GO) com o intuito de negociar um melhor preço do leite in natura no mercado. Atualmente, conta com um total de 149 associados e atua na compra e venda do leite. Dentre os associados, a maioria é de pequenos produtores, com uma produção média de 70 litros de leite por dia. O leite da COOPAC é vendido para a COMPLEM, que posteriormente vende para a Italac Alimentos em Corumbaíba. A COOPAC oferece aos seus cooperados um convênio com a Loja Agropecuária da COMPLEM e com supermercados de Corumbaíba (GO). Esse convênio oferece aos cooperados formas de parcelamento diferenciadas para os produtos adquiridos, além de pagamento realizado com desconto nas folhas de pagamento do leite. A Cooperativa Mista dos Produtores de Leite de Morrinhos (COMPLEM) é a fabricante dos produtos lácteos Compleite. Foi fundada em 1978 por um grupo de 200 produtores de leite. Com sede em Morrinhos (GO), atualmente possui 10 Filiais, além de duas filiais de vendas, localizadas em Aparecida de Goiânia (GO) e em Brasília (DF). É constituída de mais de 4.000 associados, entre ativos e inativos, além de mais de 600 trabalhadores, incluindo matriz, filiais e indústrias de laticínios e de leite longa vida e fábrica de rações. Os estabelecimentos comerciais da Cooperativa são: supermercados, boutiques, loja agropecuárias, depósitos de suprimentos e de ração e postos de combustíveis. Em Corumbaíba a COMPLEM possui uma loja de produtos agropecuários conveniada com os associados da COOPAC. O convênio com a COOPAC, também inclui a coleta do leite in natura dos seus fornecedores e a compra do leite da Cooperativa.56 O Laticínio Marajoara, cuja sede fica em Hidrolândia (GO), tem em Corumbaíba (GO) 14 fornecedores com um total de 13.000l. A coleta é realizada por um caminhão tanque a cada dois dias. O leite é destinado para a produção de leite longa vida (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

56 Fonte: . Acesso em: 12 de junho de 2012. 162

A Italac Alimentos é a maior compradora do leite produzido na bacia leiteira de Corumbaíba (GO). Atualmente tem 90 fornecedores no município, somando um total de 35.000 litros de leite por dia. Estes fornecedores produzem em média 300 l/dia, existindo fornecedores que produzem de 200 a 1.000 l/dia, em média. A coleta do leite nas propriedades é feita a granel, ou seja, por caminhões tanques, a cada dois dias. O pagamento aos fornecedores é feito quinzenalmente. O preço do leite pago aos produtores é estabelecido pelo mercado, mas sofre variações por quantidade e por qualidade (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Além do leite comercializado pelas cooperativas de produtores e laticínios, outra parcela do leite produzido na bacia leiteira é comercializada no chamado mercado informal. Neste tipo de comercialização estão: a fabricação de queijos e doces nas propriedades para o abastecimento do mercado local e a venda de leite in natura direto ao consumidor. A Foto 22 evidencia uma fábrica de queijos tipo mozzarella numa propriedade camponesa em Corumbaíba (GO). Segundo o proprietário, ele fabrica os queijos há 18 anos, com a ajuda de dois trabalhadores assalariados. Apesar de exigir muito trabalho por parte da família, a decisão de beneficiar o produto surgiu da intenção de conseguir um preço melhor pelo litro de leite produzido, o que lhe garantiria maior renda para formar os filhos. Atualmente a produção diária é de 247 litros, dos quais são produzidos de 20 kg de queijo. O produto é comercializado na cidade ou em cidades vizinhas e o soro é utilizado na alimentação dos suínos consumidos pela família, cujo excedente também é comercializado na cidade. Esta realidade também é evidenciada nos seguintes depoimentos dos camponeses: Tiro leite porque é garantia de renda fixa para pagar meu funcionário da chácara [...] e faço queijo mozzarella porque o preço pago pelo leite in natura é muito baixo [...] quando a gente faz o queijo, o preço que sai o litro é muito maior.57 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

Sempre tirei leite, é renda garantida [...] faço mozzarella e vendo parte do leite na cidade, assim consigo um preço bem melhor e tenho dinheiro todos os dias para manter os estudos dos meus filhos, e ainda uso o soro para a criação de porcos na fazenda.58 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

57 Fonte: entrevista realizada em abril de 2012. 58 Fonte: entrevista realizada em abril de 2012. 163

Foto 22 – Fábrica de queijos: propriedade rural camponesa em Corumbaíba (GO)

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013.

Para Cristina dos Santos (2004) a comercialização do leite in natura direto para o consumidor, uma prática do mercado informal do leite, consiste num dos caminhos encontrados pelos produtores camponeses para não abandonarem a atividade leiteira. Pelo contrário, a informalidade é uma estratégia encontrada como forma de resistência às normas que dificultam a permanência de uma grande parcela de produtores na produção de leite. A esse respeito Paulino (2012) complementa que: Não sem razão, a cadeia formal do leite tem ojeriza da informalidade, recurso comum entre os camponeses [...] é por meio da eliminação dos intermediários que todos os trabalhadores parecem sair ganhando: os camponeses porque conseguem vender o leite até ao triplo do preço que obteriam com a entrega nos laticínios; os consumidores, trabalhadores de baixa renda, que conseguem compra-lo a um preço inferior ao daquele industrializado (PAULINO, 2012, p. 223).

Em Corumbaíba (GO) existem diversos produtores que vendem o leite direto para os consumidores. O preço do litro do leite varia entre R$ 1,50/l à R$ 1,80/l, enquanto o litro do leite longa vida é vendido por R$ 2,50/l, em média, nas mercearias e supermercados. Já o preço pago pelos laticínios os produtores é em média R$ 0,80/l, daí o consegue comercializar seu produto com preço melhor ao passo que os consumidores também adquirem o produto por menor preço. Além da atuação no mercado informal, outros produtores deixaram de se dedicar a atividade leiteira. Dentre eles estão o Sr. Divino João Alves, que atualmente se dedica a pecuária de corte e a agricultura. Ele afirma que deixou de tirar leite porque o preço é baixo e 164

argumenta que “[...] não dá pra atuar [...] as exigências são muitas e não tem como fazer com o preço muito baixo” (PESQUISA DE CAMPO, 2012)59. Um dos fatores que contribuem para o baixo preço pago pelo leite na bacia leiteira de Corumbaíba, apresentados pelos produtores e pelos demais entrevistados que atuam no setor é a política de preços praticada pelos laticínios. No caso de Corumbaíba, o maior laticínio atuante é a Italac Alimentos, que seguindo a lógica de produção do lucro e reprodução do capital agroindustrial se territorializa no Município trazendo uma nova dinâmica territorial para os diferentes produtores de leite. Esse processo incorpora de modo distinto as propriedades da região, pois atua de maneira diferenciada entre as propriedades camponesas, os pecuaristas tradicionais e as empresas rurais, incorporando a renda da terra ao processo de reprodução do capital. A relação entre a territorialização da agroindústria laticinista Italac Alimentos, as empresas rurais, os pecuaristas e a propriedades camponesas será apresentada na próxima sessão.

59 Camponês, entrevistado em abril de 2012. 165

3 O CAPITAL AGROINDUSTRIAL EM CORUMBAÍBA (GO): AS DISPUTAS TERRITORIAIS E OS NOVOS SUJEITOS DA RELAÇÃO CAPITAL/TRABALHO

Foto 23- Vacas sendo ordenhadas na Fazenda Bocaina I em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de Campo, janeiro de 2013.

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3 O CAPITAL AGROINDUSTRIAL EM CORUMBAÍBA (GO): AS DISPUTAS TERRITORIAIS E OS NOVOS SUJEITOS DA RELAÇÃO CAPITAL/TRABALHO

[...] a territorialização do monopólio e a monopolização do território estão se constituindo em instrumento de explicação geográfica para as transformações territoriais do campo. (OLIVEIRA, 2004)

Ao analisar a questão agrária no Brasil a partir dos anos 1990, observa-se a permanência e a intensificação dos problemas que atingem o País nos últimos séculos tais como: a concentração da propriedade fundiária e por consequência a impossibilidade de acesso à terra pelos camponeses; as trajetórias de milhões de migrantes em busca de um lugar no território brasileiro, ou fora dele; a predominância de políticas de desenvolvimento agropecuário que privilegiam os latifundiários e empresários do agronegócio, e que se apropriam da maior parte dos financiamentos agrícolas; a expansão do assalariamento e da exploração dos trabalhadores no campo; as relações desiguais que subordinam o trabalho familiar camponês às grandes empresas agroindustriais; as diferentes formas de violência contra os movimentos sociais; a falta de políticas agrícolas para pequenos produtores; e a inexistência de uma política eficaz de reforma agrária (FERNANDES, 2012). Nesse contexto, a dinâmica espacial do campo brasileiro é marcada pelas disputas territoriais entre as diferentes classes sociais e, sobretudo, pelas recentes transformações decorrentes da territorialização do capital nas áreas de Cerrado. Isso ocorre por meio da expansão da agroindústria em que se desenvolvem relações desiguais entre capitalistas e camponeses, entre outros sujeitos que estão envolvidos com o labor na terra. Com isso, o campo brasileiro deve ser analisado territorialmente, identificando-se lugares onde o capital encontra meios para se territorializar e lugares onde não o faz diretamente, e mesmo assim são incorporados ao modo de produção capitalista. Nesse caso, o capitalismo reproduz as relações não capitalistas de produção no seu processo de reprodução. No campo, estão os elementos que se transformam e os que se mantém, ou seja, um cenário de territórios em disputas, com conflitualidades e relações de poder, o que configura a questão agrária atual, marcada por conflitos entre o território do capital e o território do não capital (FERNANDES, 2012). Na realidade, os diferentes territórios encontram-se hibridizados, com distintas relações hegemonizadas, construídas a partir da urdidura do capital e do trabalho, o que gera um mosaico de territórios em permanente disputa (MENDONÇA, 2004). Para o autor, É necessário partir da compreensão de que os territórios são urdidos, tecidos, desenhados e redesenhados, a partir das ações políticas forjadas no cotidiano, mas, também a partir do entendimento de que esses territórios são tramados nas relações 167

entre as personas do capital e os trabalhadores. Não são apenas territórios luminosos e/ou opacos, são territórios que denotam relações de poder, conforme a correlação de forças existentes. Caso não percebamos as diferenças que teimam em persistir diante da tão propalada homogeneização espacial, não conseguiremos enxergar as tramas urdidas no processo de produção dos territórios (MENDONÇA, 2010, p. 191).

Em Corumbaíba (GO), a territorialização da agroindústria leiteira, Italac Alimentos, ao se instalar, reproduz a lógica territorial do capital agroindustrial. A partir das exigências feitas para a compra do leite produzido nas propriedades rurais, a agroindústria impõe a especialização na atividade por meio da inserção de novas tecnologias. Em algumas propriedades, se territorializa e impõe a lógica capitalista no processo produtivo, em outras, encontra resistência. Para Santos; Silveira (2003) esse mosaico de territórios compõe a nova Geografia do Brasil, formada pela nova tecnosfera, por uma Região Concentrada e por manchas e pontos. Há uma tendência à generalização, caracterizada pelo presente período histórico, em contrapartida existem modos de resistência a essa homogeneização, “[...] fundados em formas regionais de viver e de fazer convivendo com os novos padrões de comportamento e de gosto, típicos da globalização.” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 103). Por um lado, tem-se o território hegemonizado pelas relações capitalistas de produção, nas empresas rurais, pois a produção é especializada, voltada para o mercado e com relações de trabalho assalariado. Por outro lado, tem-se o território camponês, cuja produção de leite, mesmo comercializada, não é especializada, pois está associada a outras atividades. Além disso, nestas propriedades predominam as relações de trabalho familiar e não assalariado. Em ambas as propriedades, o capital agroindustrial se reproduz por meio da apropriação da renda da terra. Nesse sentido, a territorialização da Italac Alimentos no campo em Corumbaíba (GO) ocorre de formas específicas para os pecuaristas tradicionais, nas empresas rurais e nas propriedades camponesas, pois se dá a partir da lógica de reprodução desigual e contraditória do capital. Neste capítulo, serão apresentados os aspectos da dinâmica territorial das empresas rurais leiteiras, da pecuária leiteira tradicional e das propriedades camponesas – com ênfase nas relações de trabalho, na renda da terra e sua sujeição ao capital – que se dedicam a pecuária leiteira, incorporadas ao processo de reprodução do capital, a partir da territorialização da agroindústria laticinista. Com isso, há um contexto contraditório, marcado pelas disputas territoriais.

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3.1 A apropriação da renda da terra pelo capital agroindustrial

E a essa tendência corresponde noutro plano, o fato de a propriedade fundiária, como entidade autônoma, se dissociar do capital e do trabalho, isto é, a conversão de toda propriedade fundiária à forma adequada ao modo capitalista de produção. [...] À primeira vista, a identidade das rendas e das fontes de renda. São três grandes grupos sociais, e seus componentes, os indivíduos que os constituem, vivem respectivamente de salário, de lucro e de renda fundiária, utilizando a força de trabalho, o capital e a propriedade fundiária.

(MARX, 2008)

No contexto contraditório de apropriação da renda da terra pelo capital, Oliveira (2010) esclarece que, por um lado, tem-se a unificação do proprietário e do capitalista numa mesma pessoa, por outro lado tem-se a sujeição da renda da terra ao capital que ocorre nos setores de produção não capitalistas, como é o caso das propriedades camponesas. No primeiro caso, Oliveira (1985), explica que: A renda da terra sob o modo de produção capitalista, é sempre sobra acima do valor das mercadorias, ou seja, lucro extraordinário permanente (acima do lucro médio) que todo capitalista, que explora a terra através de relações de trabalho assalariado, embolsa. [...] A renda capitalista da terra [...] tem sua origem na distribuição da mais-valia, onde a condição de proprietário da terra lhe garante o direito de receber a renda, assim, como o capitalista recebe o lucro médio (OLIVEIRA, 1985, p. 77).

Para Clemente (2006), o advento da agroindústria e dos processos de tecnificação na agricultura fez com que a territorialização do capital no campo ocorresse por meio da subordinação formal e também da subordinação real do trabalhador rural, sujeitando a renda da terra produzida na agricultura. No que se refere renda da terra nas propriedades camponesas, Oliveira (2010) explica que: [...] Quando na agricultura o capitalista e o proprietário da terra são personagens distintas, objetivamente separadas e contrapostas, só depois de completado o processo todo é que o capitalista entrega (transferindo) ao proprietário a renda da terra. [...] Essa situação não elimina a contradição entre terra e capital, apenas a mascara (OLIVEIRA, 2010, p. 06).

O processo de apropriação da renda da terra pelo capitalista ocorre por meio da sujeição da renda ao capital, portanto, nos setores não capitalistas de produção. Isso acontece sem que haja a expropriação dos instrumentos de trabalho, isto é, a perda da terra (LEAL; ALMEIDA, 2005). Os autores esclarecem que: [...] o campesinato representa uma relação não capitalista porque as relações sociais no interior da unidade de produção são incompletas do ponto de vista do capitalismo, ou seja, há ausência do elemento salário, por outro lado, a figura do proprietário de terra e do trabalhador, encontram-se fundidas numa mesma pessoa: o camponês (LEAL; ALMEIDA, 2005, p. 01). 169

Nesse sentido, Martins (1983), afirma que ao preservar a propriedade da terra, o produtor que nela trabalha utilizando apenas o seu trabalho e de sua família, aumenta a sua dependência em relação ao capital, pois ocorre a sujeição da renda da terra ao capital. Para o autor, a subordinação da propriedade fundiária ao capital ocorre: [...] para que ela produza sob o domínio e conforme os pressupostos do capital. A apropriação capitalista da terra permite justamente que o trabalho que nela se dá, o trabalho agrícola, se torne subordinado ao capital. A terra assim apropriada opera como se fosse capital, ela se torna equivalente de capital e, para o capitalista, obedece a critérios que ele basicamente leva em conta em relação aos outros instrumentos possuídos pelo capital. Ainda assim, o fato de que a terra pareça, socialmente, capital não faz dela, efetivamente, capital. De fato, o que ela produz, do ponto de vista capitalista, é diferente do que produz o capital. Assim como este produz lucro (isto é, a parcela da mais-valia, de riqueza a mais, que o capitalista retém), e o trabalho produz salário, a terra produz renda (MARTINS, 1983, p. 162).

No Brasil, o movimento do capital opera, de modo geral, ora no sentido da separação entre a propriedade e a exploração dessa propriedade, ora no sentido da separação entre o burguês e o proprietário, pois tanto na grande propriedade quanto na pequena o capital tende a se apropriar da renda da terra. O capital não pode tornar-se proprietário real da terra para extrair o lucro e a renda, ele assegura o direto de extrair a renda, por exemplo, ao estabelecer a dependência com crédito bancários e outros intermediários (MARTINS, 1981). Oliveira (2010) reforça esse argumento ao afirmar que a sujeição da renda da terra ao capital nas propriedades camponesas está vinculada às relações comerciais, visto que: [...] o processo de relações não capitalistas de produção como recurso para garantir a sua própria expansão, tem-se dado, no caso brasileiro, inicialmente pela intensificação das relações comerciais, que têm através da circulação da mercadoria de origem agrícola, drenado toda a renda diferencial para esse setor, onde graçam toda sorte de representantes do capital comercial, também conhecidos como intermediários, atravessadores, atacadistas, etc. (OLIVEIRA, 2010, p. 09).

Nessa perspectiva, as ações do capital comercial e do Estado contribuem para a sujeição da renda da terra pelo capital, pois: [...] o Estado se incumbe de mediar esse processo e acelerá-lo. Agindo, pois através do crédito bancário (oficial), cria os liames da dependência do produtor (do pequeno, principalmente), mantendo-o permanentemente endividado. No final do processo, drena, através dos juros cobrados pelos empresários, parte da renda da terra, mesmo no caso de não ser o proprietário dela. A outra parte da renda da terra é extraída pelos componentes do capital comercial, que tem atuado no sentido de impor preços abaixo do valor dos produtos, ficando assim com parcela cada vez maior da renda e da parte que seria creditada como lucro médio, que nesse caso não regula a produção, pois a terra do pequeno produtor é terra de trabalho, e não empregada como instrumento da exploração da força de trabalho de outrem (assalariado) (OLIVEIRA, 2010, p. 10).

A renda da terra é um dos elementos que explicam o sentido da recriação do campesinato no capitalismo, pois, existem diversas formas encontradas pelos capitalistas, para subtraírem-na dos camponeses, inclusive pelos interstícios da sujeição da renda camponesa ao 170

capital na esfera do consumo produtivo, ou seja, no tributo pago por essa classe especificamente para produzir. A sujeição da renda da terra pelas indústrias acontece no plano da produção – pois as cadeias industriais se sustentam por meio da matéria-prima fornecida por esta classe –, e também pela ação do capital comercial (PAULINO, 2012). No caso da produção de alimentos para consumo interno generalizado, como nas unidades camponesas, o capital cria as condições para extrair o excedente econômico no processo de circulação dos produtos agrícolas. Nas grandes propriedades, com possibilidade de produzir as commodities agrícolas em sistemas de monocultivo e a pecuária de corte, o capital tende a se apropriar da terra, obtendo o lucro e a renda (capitalizada), em um movimento monopolizador que lhe torna absoluto na exploração e na obtenção dos rendimentos, dando as condições imperiosas para expansão e acumulação do capital no campo (OLIVEIRA, 2010). Especificamente sobre a pecuária do leite, Oliveira (2010) afirma que está quase totalmente monopolizada pelo capital agroindustrial, já que o setor encontra-se subordinado às transnacionais que atuam direta e indiretamente, tais como, as indústrias de ração, instrumentos e demais insumos agropecuários. Além disso, tem-se a presença do Estado, que atua como mediador do capital industrial. A mediação ocorre pelas seguintes formas: implementação de programas de fomento e financiamentos nos bancos estatais – o que viabiliza a territorialização o capital financeiro no campo –; pela difusão ideológica da necessidade de modernização, como imprescindível ao desenvolvimento local e regional; pela regulamentação da produção e da comercialização do produto, por meio das normativas, como a IN 51 e a IN 62, cujos critérios estão intimamente vinculados à utilização de inovações tecnológicas, que exigem investimento de capital. Em Corumbaíba (GO), a apropriação e sujeição da renda da terra ao capital, nas empresas rurais e nas unidades camponesas, ocorrem por meio da venda do leite à agroindústria laticinista. Nesse caso, as exigências do mercado, representadas pela agroindústria laticinista, estimulam a especialização na atividade por meio da política de diferenciação de preços equivalente à quantidade e à qualidade do leite. Ao pagar mais pelo leite produzido em maior quantidade e de melhor qualidade, a empresa impõe a lógica capitalista e reforça, para o produtor, a necessidade de produzir mais e melhor, caso deseje aumentar a sua renda. Os produtores que decidem se especializar na produção buscam a melhoria constante da produção, investindo cada vez mais capital no processo produtivo, para atender as exigências do mercado. Já os pequenos produtores – em sua maioria, destituídos de 171

capital – veem-se a margem do setor, pois são penalizados por não atingirem os níveis de qualidade e de qualidade estabelecidos. Nas empresas rurais, para aumentar a produção e a produtividade os produtores devem comprar gado especializado60, meios de produção (tratores, ordenhas e tanque de resfriamento), insumos (rações, sementes, adubos e medicamentos), além de assistência técnica especializada. Uma vez aumentada a produção, utilizam o trabalho assalariado nas diferentes etapas da produção leiteira, ou seja, desde a ordenha e manejo do gado até a realização de atividades de manutenção dos pastos e cercas, além do plantio das lavouras e das produções de silagens e rações para o gado. Nas propriedades camponesas o leite é visto como uma fonte de renda que garante a reprodução da família e a sua permanência na terra. Com efeito, mesmo diante do baixo preço pago pelo produto, os camponeses que permanecem na atividade também adquirem no mercado os insumos necessários para atender as exigências do setor. No entanto, faz isso apenas quando considera imprescindível para assegurar a pequena produção e se manter no mercado formal, o que diferem da lógica propriamente capitalista. Esse processo é estimulado pelo capital produtivo, pelo capital comercial e pelo Estado, conforme evidencia Oliveira (2010) e Paulino (2012). O Estado atua no setor como agente normatizador, por meio das instruções normativas – tais como, a Instrução Normativa (IN 51) e a Instrução Normativa (IN 62)61 – estabelecendo critérios para a produção, vinculados à utilização e técnicas e instrumentos modernos nas propriedades. As normas sanitárias estabelecidas para o setor são parâmetros para a diferenciação de preços por qualidade pagos aos produtores tanto para os produtores especializados quanto para os produtores camponeses. Os programas de financiamento estão disponíveis, sobretudo, para os grandes proprietários, mas são utilizados também para os pequenos na aquisição, principalmente, do tanque de resfriamento. Em Corumbaíba (GO), observa-se que, todos os seguimentos de produtores – empresários, pecuaristas e camponeses – já fizeram financiamentos para investir na atividade leiteira, ora para a compra de ordenhadeiras, tanques, silagem, tratores e vacas leiteiras, ora

60 As raças de gado com maior produtividade leiteira são: Holandesa, Jersey, Guernsey, Pardo Suíço, Gir Leiteiro e Girolando. Tais raças são originárias dos países europeus e no Brasil, são utilizadas em propriedades especializadas na produção leiteira. Além disso, exigem manejo especializado para manter a produção e a saúde dos animais (Disponível em: http://www.manera.feis.unesp.br/fazenda%20escola/bov_leite.htm. Acesso em: 14 de março de 2013). 61 Conforme evidenciado no capítulo 2, a IN 51 e a IN 62 são normativas estabelecidas pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, considerando a necessidade de aperfeiçoamento e modernização da legislação sanitária federal sobre a produção de leite. 172

para plantio de lavouras e reforma de pastagens. O Gráfico 4 apresenta os principais investimentos do capital financeiro na atividade leiteira, nas propriedades.

Gráfico 4 – Finalidade dos financiamentos realizados pelos empresários, pecuaristas e camponeses produtores de leite em Corumbaíba (GO) 120 100% 100 80% 80 60% 60% 60% 60% 60 50% 50% 40% 40 33% 33% Empresas rurais Pecuaristas 20 0% 0% 0% 0% 0 Camponeses 0

Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte – Pesquisa de campo, novembro de 2012.

No Gráfico 4 observa-se que todos os proprietários já recorreram a financiamentos para investirem na produção de leite. No que se refere às empresas rurais nota-se que: 60% financiaram a ordenhadeira mecânica; 40% o tanque de expansão; 80% as vacas leiteiras; 60% as pastagens; 60% as lavouras destinadas à fabricação de rações; e 100% os tratores e maquinários. Os pecuaristas – 50% – financiaram apenas a reforma das pastagens. Nas propriedades camponesas identifica-se que: 66% financiaram o tanque de expansão; 50% as vacas leiteiras; 33% a reforma de pastagens, sobretudo a aplicação de calcário no solo; e 33% os tratores. Dessa forma, notam-se diferentes estratégias desempenhadas pelo capital agroindustrial em Corumbaíba (GO) para apropriação e sujeição da renda da terra. Estas estratégias são diferentes para os diferentes produtores – empresas rurais, pecuaristas tradicionais e propriedades camponesas –, conforme evidenciam as suas dinâmicas territoriais. Com isso, os efeitos para estas propriedades também são distintos, com diferentes níveis de subordinação, embora coesionados pela lógica da reprodução do capital agroindustrial e financeiro.

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3.2 As diferentes categorias de produtores de leitem em Corumbaíba (GO)

Na pesquisa de campo foram visitadas as unidades produtoras/fornecedoras de leite in natura para o mercado em Corumbaíba (GO). Em específico, foram 05 empresas rurais, 06 propriedades de pecuaristas tradicionais e 06 propriedades camponesas. O Mapa 9 apresenta as localizações das propriedades pesquisadas. Existem cinco propriedades especializadas na produção leiteira em Corumbaíba (GO), denominadas empresas rurais. A Fazenda São Jerônimo tem 12062 alqueires e fica a 22 km da cidade de Corumbaíba (GO), na região do Areião. Na propriedade são ordenhadas diariamente 180 vacas e produzidos em média 1.350 litros de leite por dia. A Fazenda Toca do Leite tem 08 alqueires e fica a 6 km de Corumbaíba (GO), na região da Fazendinha, onde são ordenhadas 60 vacas e produzidos 800 litros de leite por dia. A Fazenda Bocaina tem 45 alqueires e está a 13 km de Corumbaíba (GO), na região Bocaina. Nesta, são ordenhadas 90 vacas e produzidos 1.200 litros de leite diariamente. Já na Fazenda Bom Jardim, com 136 alqueires, localizada na região do Areião, a 18 km de Corumbaíba (GO), produzidos 1.500 litros de leite e são ordenhadas 120 vacas diariamente. Na Fazenda Santa Bárbara, de 140 alqueires, na região do Areião, a 42 km de Corumbaíba (GO) tem-se a produção diária de 1.000 litros de leite, em que são ordenhadas 70 vacas por dia (PESQUISA DE CAMPO, 2013). As propriedades dos pecuaristas tradicionais são: Fazenda Serra Negra, a 22 quilômetros de Corumbaíba, com 72 alqueires, 70 vacas ordenhadas e produção diária de 400 litros; Fazenda Fazendinha a 08 quilômetros de Corumbaíba, com 110 alqueires, 64 vacas ordenhadas, produção diária de 300 litros de leite; Fazenda Formosa, a 05 quilômetros de Corumbaíba, com 50 alqueires, produção diária de 100 litros, sendo ordenhadas 45 vacas leiteiras; Fazenda São Lourenço com 30 alqueires a 04 quilômetros de Corumbaíba, 50 vacas ordenhadas e produção diária de 120 litros de leite; Fazenda Água Doce, a 12 quilômetros de Corumbaíba (GO), tem 80 alqueires, produz 120 litros de leite por dia, sendo ordenhadas 34 vacas leiteiras; e Fazenda Salada a 15 quilômetros de Corumbaíba (GO) com 29 alqueires, produção diária de 250 litros de leite, com 60 vacas ordenhadas. Em todas as propriedades a pecuária é extensiva, a ordenha é manual, realizada uma vez por dia e por 02 trabalhadores assalariados, em cada uma delas. (Mapa 9).

62 Alqueire – unidade de medida da superfície agrária equivalente em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás a 10.000 braças quadradas (4,84 hectares) e em São Paulo a 5.000 braças quadradas (2,42 hectares). 1 alqueire Goiano = 48.400 m² = 4,84 há. (Disponível em: . Acesso em: 21 de janeiro de 2013). 174

Mapa 9 – Localização das empresas rurais, pecuária tradicional e propriedades camponesas pesquisadas 175

A pesquisa de campo foi realizada em seis propriedades camponesas que comercializam leite in natura. As localizações destas propriedades são apresentadas no Mapa 9. Dentre elas, tem-se: a Fazenda Moeda, a 15 quilômetros de Corumbaíba (GO), com 40 alqueires, produção diária de 300 litros de leite e 66 vacas ordenhadas, na região Arrependidos; a Fazenda Arrependidos I, a 17 quilômetros de Corumbaíba (GO) com 20 alqueires, 42 vacas ordenhadas e produção diária de 200 litros de leite; Fazenda Arrependidos II, a 13 quilômetros de Corumbaíba (GO), com 35 alqueires, 46 vacas ordenhadas e produção diária de 180 litros de leite; Fazenda Gabiroba a 13 quilômetros de Corumbaíba (GO), com 40 alqueires, 35 vacas ordenhadas e produção diária de 200 litros de leite; Fazenda Ouro Verde, a 12 quilômetros de Corumbaíba, 25 alqueires, 65 vacas ordenhadas e produção diária de 250 litros de leite; e Fazenda Nossa Senhora Aparecida, a 11 quilômetros de Corumbaíba (GO), com 30 alqueires, 28 vacas ordenhadas e produção de 150 litros de leite (PESQUISA DE CAMPO, 2013). É possível estabelecer um paralelo entre as propriedades visitadas na bacia leiteira, com base no tipo de ordenha, de manejo do gado, de assistência técnica, bem como, nas relações de trabalho estabelecidas e no tipo de produção e produtividade presentes em cada uma delas. Lembrando que na maioria das propriedades têm-se características que se assemelham mais à dinâmica territorial da unidade de produção camponesa, a pecuária leiteira tradicional e em algumas propriedades, à dinâmica territorial de empresa rural, contudo, em muitos aspectos se assemelham. O Quadro 4 apresenta as descrição geral das propriedades. Vê-se que as diferentes propriedades possuem particularidades entre si. No que se refere ao tamanho médio das propriedades, as maiores são as empresas rurais, com 434,6320 ha, seguidas pelas de pecuária tradicional e camponesas, com 299,1120 ha e 152,9440, respectivamente. Sobre a principal atividade econômica desenvolvida, tem-se a pecuária leiteira nas empresas rurais e nas propriedades camponesas, já na pecuária tradicional, tem-se a pecuária de corte. Já as atividades econômicas complementares são a pecuária de corte e a pecuária leiteira nas empresas rurais e na pecuária tradicional, e a pluriatividades nas propriedades camponesas.

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Quadro 4 – Aspectos gerais das propriedades rurais que produzem leite em Corumbaíba (GO)

Empresas Rurais Pecuaristas Camponesas

Tamanho (ha em média) 434,6320 299,1120 152,9440 Atividade econômica Pecuária leiteira Pecuária de corte Pecuária leiteira principal Atividade econômica Pecuária de corte Pecuária leiteira Pluriatividade complementar Vacas ordenadas (un em 84 53,3 46,5 média) Produção (l/dia em 1.170 215 213,3 média) Comercialização COMPLEM; Italac Italac COOPAC Transporte e Granel Granel Granel armazenagem Mecanizada; 2 vezes ao Ordenha Manual; 1 vez ao dia Manual; 1 vez ao dia dia Assistência Técnica Particular e constante Particular e temporária Particular e temporária Força de trabalho Assalariada Assalariada Familiar Pastagem; Rações; Pastagem; Cana de Alimentação do gado Pastagem; Silagem Silagem açúcar; Silagem Pastagens Rotacional e Extensiva Extensiva Extensiva Artificial e reprodução Inseminação Reprodução natural Reprodução natural planejada Organização – CARNEIRO, Janãine, D. P. L., 2013. Fonte – Pesquisa de campo, 2013.

Sobre a quantidade de vacas ordenhadas, as empresas rurais apresentam maior quantidade, em média, com 84 rezes, já nas de pecuária tradicional são 53,3 e nas camponesas, 46,5. Quanto à produção diária as empresas rurais produzem, em média, 1.170 l/dia, a pecuária tradicional, 215 l/dia e as camponesas, 213,3 l/dia. Nas empresas rurais, o leite é vendido para a COMPLEM e para a Italac Alimentos. O transporte é a granel e a ordenha mecanizada, realizada duas vezes ao dia. A assistência técnica é constante e particular. Para a alimentação do gado são utilizadas pastagens extensiva e rotacional, rações e silagem. Nestas propriedades, a reprodução é planejada e efetuada, também por inseminação artificial. Nas propriedades de pecuária tradicional, o leite é vendido para a Italac Alimentos, o transporte também é a granel, e a ordenha manual, realizada uma vez por dia. A assistência técnica é particular e temporária. A alimentação do gado é por pastagens extensivas e silagem. A reprodução é natural, ou seja, não há planejamento para o nascimento de bezerros. Já nas propriedades camponesas, conforme mostra o Quadro 4, o leite é vendido para a COOPAC. A ordenha é manual e realizada uma vez ao dia. A assistência técnica é particular e temporária. A alimentação do gado é feita com pastagens extensivas, cana de açúcar e 177

silagem. A reprodução do gado é natural, ou seja, sem planejamento. A força de trabalho predominante nestas unidades é a familiar63. No que se refere ao tipo de ordenha, as Fotos 24 e 25 ilustram a atividade realizada em duas propriedades rurais em Corumbaíba (GO). A primeira mostra vacas sendo ordenhadas por ordenhadeira mecânica enquanto a segunda mostra a ordenha manual realizada numa propriedade camponesa.

Foto 24 - Vaca leiteira sendo ordenhada na empresa rural Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine, D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, maio de 2012.

63 Nas propriedades em que há o envelhecimento dos proprietários ou que a produção é maior, é comum na bacia leiteira a contratação de um vaqueiro. Para Paulino (2012) a contratação de mão de obra assalariada (sendo a menor parte da força de trabalho empregada na propriedade) não significa que as mesmas deixem de ser camponesas, pelo contrário, é necessária para a reprodução da família camponesa e para a sua permanência na terra. 178

Foto 25 - Ordenha manual realizada na propriedade camponesa Fazenda Arrependidos em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine, D. P. L. Fonte – Pesquisa de campo, maio de 2012.

As propriedades camponesas que se dedicam à produção do leite em Corumbaíba (GO) têm algumas das suas características apresentadas nas declarações do Presidente da COOPAC ao afirmar que: [...] a maior parte dos nossos “produtores” são proprietários de suas terras, ou peão de uma grande fazenda que o dono não quer o leite e dá o leite para o peão [...] o leite não é a única renda da terra, tem a venda de gado, outras coisas, o leite é só para manter a despesa, se tiver que fazer algum investimento, tem que vender gado [...] a maioria da mão de obra vem da família mesmo, mas depende do tamanho da fazenda, do tanto de leite que tira, quando tira mais leite aí tem um funcionário. [...] as famílias, mesmo com as dificuldades de alimentação (para o gado) e preço continuam produzindo leite porque pode produzir junto com outras coisas [...] você faz as contas, o leite paga as despesas e sobra o bezerro, sobra a vaca de descarte [...] Quando chega na seca o leite acaba, nas águas derrama de leite, é sazonal64 [...] (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

Observa-se que mesmo diante das dificuldades para permanecer no setor, diante das exigências no mercado, a produção camponesa se mantém pela garantia de renda mensal e pela possibilidade de se dedicarem às outras atividades. Nesse caso, ocorre a sujeição da renda da terra, contudo a autonomia camponesa é mantida, incorporando as inovações tecnológicas na medida em que julgar importante para a melhoria da produção e aumento da sua renda.

64 G. A. é presidente da COOPAC desde 2009. Entrevista realizada em junho de 2009. 179

Nos próximos itens serão apresentadas as dinâmicas territoriais dos diferentes tipos de propriedades rurais em Corumbaíba (GO): as empresas rurais, as de pecuária tradicional e as camponesas.

3.2.1 As empresas rurais

A lógica do desenvolvimento capitalista de produção é, pois, gerada pelo processo de produção propriamente dito (reprodução- ampliada/extração da mais-valia/produção do capital/extração da renda da terra), circulação, valorização do capital e a reprodução da força de trabalho. É essa lógica contraditória que constrói/destrói formações territoriais em diferentes partes do mundo ou faz com que frações de uma mesma formação territorial conheçam dinâmicas desiguais de valorização, produção e reprodução do capital, conformando as regiões.

(OLIVEIRA, 2004)

Nos anos 1990, com a reestruturação produtiva do capital, o setor agroindustrial lácteo experimentou uma nova fase representada pela autorregulação do setor, uma vez que houve a liberalização dos preços, controlados pelo Estado há mais de 40 anos. A liberalização se deu num contexto de grandes concentrações de capitais no setor agroindustrial do leite, o que representou o fortalecimento dos oligopólios com efeitos diretos no rebaixamento da renda dos produtores, principalmente os pequenos, devido ao aumento dos custos de produção, associados às políticas de modernização do setor empenhadas pelas indústrias, que transferiram o ônus da especialização e modernização da produção somente aos produtores (PAULINO, 2012). A maioria dos produtores, descapitalizados, se manteve no mercado, mas enfrentando uma série de problemas para continuarem produzindo, diante das fortes pressões dos laticínios para se especializarem, por meio das políticas de preços. Outra parcela de produtores abandonou o mercado formal. Ao mesmo tempo, houve o crescimento da especialização da produção leiteira no País, pois os grandes produtores, com o intuito de se manterem na atividade, modernizaram a produção e se especializaram. Vale lembrar que, todo esse movimento foi/é acompanho pelo Estado como agente financiador e incentivador da modernização, além de atuar como normatizador da produção leiteira. Nesse contexto, a modernização da produção leiteira se intensificou e se expandiu para as diferentes regiões brasileiras, dentre elas, as áreas de Cerrado, por meio das empresas rurais. Estas - fundamentadas pela presença de políticas técnico-científicas, de insumos, de fertilizantes e de créditos, dentre outros - representam a modernização conservadora da 180

agricultura, pois compreendem o processo de reformulação das técnicas sem alteração das relações de propriedade, que permanecem centradas no latifúndio moderno (MENDONÇA, 2004). Para o autor, a empresa rural ou tecnificação do latifúndio significou: [...] um novo fôlego para os grandes proprietários de terras, dissimulado sob o discurso produtivista do agronegócio tentando encobrir a necessidade da reforma agrária e descaracterizando os movimentos sociais que lutam pela terra. Dessa forma, não é possível compreender o processo de modernização da agricultura [...] sem considerarmos o movimento mais geral do capital, pois não compreenderíamos, com acuidade necessária, a existência das contradições. [...] (MENDONÇA, 2004, p. 228).

Com as empresas rurais houve aumento significativo da produção e da produtividade dos produtos agropecuários nas áreas de Cerrado. Esse crescimento pode ser atribuído às facilidades de mecanização e ao cultivo em escala (vantagens comparativas), presença de programas especiais de financiamento e construção de infraestrutura necessária (MENDONÇA, 2004). No entanto, é preciso considerar que esse crescimento acontece mediante uma série de problemas sociais e ambientais. Isso porque: [...] insiste-se na tese de que a modernização da agricultura foi extremamente exitosa e em que o processo de ocupação das áreas de Cerrado – “ocupação racional” e indiscriminada – visava exatamente obter elevada produtividade da terra e do trabalho. A viabilização da modernização da agricultura – projeto integrado e impulsionado pelas necessidades do capital em assegurar as condições de auto expansão – provocou graves problemas sociais e ambientais. A preocupação fundamental era produzir com custos baixos e isso implica em não desenvolver técnicas e tecnologias que pudessem minorar os impactos sociais e ambientais decorrentes das atividades (MENDONÇA, 2004, p. 230).

Nessa perspectiva, a territorialização do capital nas áreas de Cerrado, como Corumbaíba (GO), não deve ser analisada apenas do ponto de vista economicista, pois os índices revelam o crescimento econômico, a partir da modernização da agricultura. Todavia, esse desenvolvimento econômico deve ser considerado como contraditório, pois está vinculado à exploração do trabalho e à desigualdade na distribuição da renda, ou seja, na manutenção da desigualdade estrutural da sociedade capitalista. No que refere às empresas rurais do setor lácteo em Corumbaíba (GO) nota-se a hegemonia das relações capitalistas de produção, pautadas na crescente especialização e modernização da produção, bem como, nas relações de trabalho assalariado. Contudo, a pesquisa de campo, revela uma realidade contraditória e heterogênea, já que as propriedades especializadas na produção leiteira no Município apresentam aspectos diferenciados entre si, além de apresentarem distintos níveis de modernização e enfrentarem problemas para se manter no setor. Nas cinco propriedades especializadas na produção de leite em Corumbaíba (GO) a ordenha é mecanizada e realizada duas vezes por dia, no período matutino e vespertino. O 181

leite é armazenado no tanque de resfriamento e transportado pelo caminhão tanque a cada dois dias. Apenas na Fazenda São Jerônimo a coleta é feita diariamente, pois de acordo com o proprietário, o tanque da propriedade é insuficiente para armazenar o leite produzido por dois dias. Na Foto 26 identifica-se o caminhão tanque da Italac Alimentos que realiza o transporte do leite até a fábrica, em Corumbaíba (GO).

Foto 26 – Caminhão tanque da Italac Alimentos na Fazenda São Jerônimo em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013.

As sedes das empresas rurais são formadas pela casa do proprietário, por uma ou mais casas dos trabalhadores rurais, pelo armazém de rações, medicamentos e insumos, pelo antigo curral e pelas instalações da ordenhadeira e do tanque de resfriamento. Os antigos currais são utilizados para o embarque e desembarque de animais, vacinação, inseminação e outras atividades de manejo do gado. A ordenha é realizada em instalações apropriadas para ordenhadeira. Em todas as propriedades o leite é a principal atividade econômica, contudo na Fazenda Santa Bárbara, na Fazenda São Jerônimo e na Fazenda Bom Jardim é desenvolvida também a pecuária de corte extensiva e intensiva. Isso porque na primeira cria-se gado tipo carne em confinamentos. 182

Nas empresas rurais predominam a pecuária extensiva, com pastagens do capim braquiária65, entretanto na Fazenda Toca do Leite e na Fazenda Bocaina tem-se piquetes (pastagem rotacional) formados com o capim mombaça, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) para as vacas leiteiras. O gado é dividido em “ternos”, ou melhor, em grupos de acordo com a raça, idade dos bezerros e a produtividade, sendo alimentados de acordo com as necessidades de cada grupo, conforme as orientações da assistência técnica (PESQUISA DE CAMPO, 2012). A Foto 27 mostra os piquetes na Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO). Segundo os proprietários entrevistados, os piquetes aumentam a qualidade da alimentação das vacas leiteiras numa parcela menor de terra, aumentando a produtividade, já que conseguem alimentar um número maior de rezes numa parcela menor do terreno, além disso, com diminui a quantidade de concentrado (ração) necessária para cada animal. Essa técnica já foi utilizada na Fazenda São Jerônimo, contudo o proprietário diz ter tido prejuízos com a constante necessidade de manutenção das cercas. O proprietário da Fazenda Toca do Leite disse que irá implantar a técnica de irrigação dos piquetes, para aprimorar a qualidade das pastagens.

Foto 27 – Pastagem rotacional com capim mombaça na Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013.

65 A introdução do capim braquiária nas áreas de Cerrado foi um incentivo para a alimentação do gado. A braquiária foi desenvolvida por técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que buscavam uma espécie de gramínea para responder à situação com uma alta produção em massa para sustentar animais e os alimentar tanto no período das águas quanto no da seca” (GOBBI, 2012, p. 200). 183

O uso do solo nas propriedades é voltado para a pecuária leiteira, pois a maior parte dos terrenos é destinada as pastagens. Em outras parcelas são cultivados milho e sorgo utilizados na fabricação de silagem e de rações para a alimentação do gado. A Foto 29 mostra a lavoura de milho na Fazenda Bom Jardim, na região do Areião. De acordo com o proprietário é mais rentável plantar o milho na propriedade do que comprar no mercado, já que ele dispõe de tratores e colhedeira na propriedade. Além do milho, o proprietário também cultiva o sorgo para silagem.

Foto 28 – Lavoura de milho na Fazenda Bom Jardim em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013.

As vacas leiteiras na Fazenda Bocaina e na Fazenda São Jerônimo são da raça girolando. Na Fazenda Bom Jardim e na Fazenda Santa Bárbara são da raça holandês ¾66. Já na Fazenda Toca do Leite são da raça jérsei, holandês ¾ e girolando. Segundo os

66 Pode-se utilizar qualquer raça européia pura, mas na prática o mais usado é a Holandesa, transformando o esquema em cruzamento alternado simples Holandês x Zebú (H x Z). Neste esquema se alternam as raças paternas (touros) a cada geração, obtendo-se animais com aproximadamente 3/4 Holandês + 1/4 Zebú e na próxima geração 3/4 Zebú + 1/4 Holandês (HZ). As raças de Zebú mais usadas são a Gir e a Guzerá. É um esquema bom para pequenos produtores, que desejam produzir leite a pasto e recriar os machos para corte. Porém, pode ser mais caro para os pequenos produtores, pela necessidade de se manter dois touros na propriedade, um Holandês e um Zebú. Isto é facilitado onde a inseminação artificial é uma prática usual (Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2013).

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proprietários, essas raças de gado são boas produtoras de leite e se adaptaram ao clima da região. No entanto, para garantir a produtividade alta é preciso alimentação e manejo adequados. Na alimentação destas vacas, os suplementos são imprescindíveis, o ano todo, com reforços na estação seca. Tais suplementos são adquiridos no mercado e complementados com as rações e silagens. As silagens são produzidas na propriedade e as rações são adquiridas no mercado. Na Foto 29 tem-se a silagem armazenada na Fazenda Toca do Leite.

Foto 29 – Silagem na Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de Campo, junho de 2012.

Foto 30 – Misturadora de rações na Fazenda Santa Bárbara em Corumbaíba (GO

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013. 185

As rações são adquiridas nas lojas de produtos agropecuários, tais como a Ciprovet Nutrição Animal, a Agropec e a COMPLEM. No caso da Fazenda Santa Bárbara as rações são produzidas na propriedade. A opção por produzi-la, segundo o proprietário, é que o custo final do produto é menor do que a compra no mercado. Além das rações para vacas leiteiras, bezerros e engorda de bois, utilizadas nesta propriedade, são produzidas também as utilizadas na outra Fazenda localizada em Morrinhos (GO). Na Foto 30 tem-se a misturadora de rações e ainda, parte do estoque na propriedade. As rações são armazenadas num galpão construído para esse fim na sede da fazenda. Todas as propriedades têm tratores para auxiliar na preparação da terra, plantio e colheita de lavouras, na limpeza dos pastos, além do preparo das silagens. Na Foto 31 tem-se um dos tratores da Fazenda São Jerônimo na região do Areião. No caso da Fazenda Santa Bárbara tem-se ainda um vagão utilizado para a alimentação mais eficiente do gado, conforme mostra a Foto 32. Segundo o proprietário da Fazenda, o vagão possibilita a distribuição das rações e silagens de maneira rápida e eficiente, com pouco desperdício e menor quantidade de trabalhadores.

Foto 31 – Trator na Fazenda São Jerônimo em Corumbaíba GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, 2013.

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Foto 32 – Vagão utilizado para a alimentação do gado na Fazenda Santa Bárbara em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, 2013.

Os proprietários rurais já fizeram financiamentos para a aquisição de vacas leiteiras, plantação das lavouras, para adquirirem tratores, melhorarem as pastagens, adquirirem tanques de resfriamento e ordenhadeiras, fundamentais no processo de especialização na produção leiteira. Os recursos vieram das linhas de crédito do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) no Banco do Brasil (BB) e do Sicoob Aracredi Araguari (PESQUISA DE CAMPO). Os proprietários das empresas rurais sempre tiraram leite em suas propriedades, mas a especialização e introdução de novas tecnologias da produção foram implantadas no final dos anos 1990 para atender as demandas do mercado por produtos em maior quantidade e qualidade, além de atender às normas sanitárias de comercialização do produto, estabelecidas pelo Estado. A primeira aquisição em todas as propriedades foi o tanque de expansão, seguido da ordenhadeira e do maquinário para garantir o aumento da quantidade e da qualidade do produto para atender as exigências do mercado. A modernização vem acontecendo ao longo desse período, paulatinamente com a aquisição de instrumentos com inovações tecnológicas e também no manejo do gado, pois segundo os empresários, os investimentos necessários são elevados (PESQUISA DE CAMPO). Segundo os proprietários, a adoção de técnicas modernas demanda elevado investimento de capital, mas é fundamental para quem quer continuar no mercado formal do 187

leite. Ela mantém a qualidade do produto e também demanda pouca mão de obra. Isso a torna viável para suprir umas das principais dificuldades enfrentadas por eles, que é a escassez de trabalhadores no campo. A inovação técnica minimiza a demanda por trabalhadores, ao mesmo tempo exige menor esforço físico na ordenha, o que, em alguns casos, atrai os trabalhadores. Essa concepção é evidenciada nos seguintes depoimentos dos empresários: A modernização permite um descanso no dia-a-dia, exigem menos esforço físico, facilita o nosso trabalho [...]67 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A tecnologia [...] resolve o nosso problema da mão de obra [...] e também tem que entrar na dança, ou sair da dança [...] é especializar, não tem jeito. Tem que usar tecnologia, tem que irrigar pasto, tem que fazer pastejo rotacional, inseminar, tem que especializar!68 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Olha, eu gosto muito de tirar leite, nem sei o que é isso, mas sem ordenha não tem mais jeito não. Esse negócio de acordar duas horas da madrugada pra tirar leite, não tem peão nenhum que quer mais, e também quando você fala que vai tirar leite cedo e de tarde, ele vai embora mesmo [...] é muito cansativo. Vou ser sincero, sem ordenha eu não tirava leite mais não!69 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Segundo os empresários rurais, a especialização é imprescindível para quem deseja permanecer no mercado formal do leite e há uma tendência cada vez mais forte nesse sentido Mesmo assim, esses proprietários reconhecem que a especialização e a modernização não eliminam os problemas enfrentados por eles para permanecerem na atividade. Tais dificuldades são: problemas com infraestrutura (estradas e energia elétrica); falta de incentivos por parte dos laticínios (baixo preço pago leite); falta de programas de assistência técnica; falta de programas de qualificação; alto custo dos insumos; e falta de mão de obra no campo.

3.2.2 A pecuária leiteira tradicional

Os produtores rurais fornecedores de leite em Corumbaíba (GO), denominados pecuaristas tradicionais, são os grandes proprietários rurais que não modernizaram a produção leiteira, mas também não a abandonaram. A principal atividade econômica desenvolvida nas propriedades é a criação de gado de corte, mas o leite é mantido para o pagamento dos trabalhadores rurais, que trabalham e vivem nelas com sua família, e ainda, para manter outras

67 J. B. R., 52 anos, proprietário da empresa rural, Fazenda Bocaina, em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em janeiro de 2013. 68 M. C. C., 48 anos, proprietário da empresa rural, Fazenda Santa Bárbara, em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em janeiro de 2013. 69 D. C., 55 anos, proprietário da empresa rural, Fazenda São Jerônimo, em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em janeiro de 2013. 188

despesas da propriedade. Os proprietários residem na cidade e se ocupam com outras atividades, por exemplo, o comércio e a prestação de serviços. Nesse caso, o leite é uma das fontes de renda na propriedade, contudo, não é a principal (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Um dos pecuaristas afirma: Eu já tô com 74 anos, não dou mais conta de trabalhar, tô mais devagar mesmo [...] vou produzindo só um pouco (de leite) [...] do tanto que dois funcionário dá conta de tirar [...] a maior renda é o gado de corte, dá menos trabalho [...] modernizar (risos) não. Nunca pensei nisso, não compensa70 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Nessas propriedades, as atividades que envolvem a produção leiteira são realizadas por trabalhadores assalariados e de forma tradicional, conforme mostram as Fotos 33 e 34. Observa-se que a ordenha é manual e realizada uma vez ao dia, em currais tradicionais.

Foto 33 – Curral na Fazenda São Lourenço em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de Campo, janeiro de 2013.

70 O entrevistado O. S. C., 74 anos, possui duas propriedades rurais em Corumbaíba (GO). Atualmente dedica-se a pecuária de corte, passa temporadas em Uberlândia (MG) com a família e temporadas na propriedade (PESQUISA DE CAMPO, 2012). 189

Foto 34 – Ordenha manual na Fazenda Serra Negra em Corumbaíba (GO)

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013.

Observa-se que a atividade leiteira está presente nas propriedades, como renda complementar, uma vez que a renda principal advém da pecuária de corte. Nas entrevistas, todos os pecuaristas tradicionais revelaram que não pretendem abandonar a produção leiteira, todavia, afirmaram também que não tem interesse em modernizar, ou ampliar a produção, por visualizar a possibilidade de lucro diante do elevado nível de investimento exigido (PESQUISA DE CAMPO, 2013). As sedes das propriedades, onde são desenvolvidas a pecuária leiteira tradicional, são formadas por uma casa do proprietário, utilizada apenas quando este visita a propriedade, e outra dos trabalhadores que residem com suas famílias, além de currais tradicionais para o manejo do gado. A pecuária leiteira ocupa área menor na propriedade. Com isso, fica evidente a responsabilidade dos trabalhadores rurais com a ordenha e manejo do gado de leite e de corte, com os pequenos reparos na propriedade e com o zelo pela propriedade.

3.2.3 As unidades de produção camponesas

[...] o campo está, também, contraditoriamente, marcado pela expansão da agricultura camponesa, onde o capital monopolista desenvolveu liames para subordinar/apropriar-se da renda da terra camponesa, transformando-a em capital. Aqui o capital não se territorializa, mas monopoliza o território marcado pela produção camponesa.

190

(OLIVEIRA, 2004)

Para Paulino (2012), diante das profundas e recentes mudanças na base técnica da agricultura, predominam as concepções de que o campo é marcado pela modernização e pelas relações tipicamente capitalistas de produção, o que não corresponde à realidade. Desse modo, é iminente a necessidade de repensar estas concepções homogeneizantes a partir dos fundamentos teórico-metodológicos pautados na contradição. Os mecanismos de territorialização e reprodução do capital no campo são heterogêneos e contraditórios envolvendo relações efetivamente capitalistas e relações não capitalistas de produção. As relações de produção não capitalistas são incorporadas no processo de reprodução do capital porque o capitalismo no seu contínuo processo de expansão redefine relações antigas, subordinando-as à reprodução do capital, ao mesmo tempo em que engendra relações não capitalistas, contraditoriamente, necessárias a essa reprodução (MARTINS, 1981). Além disso, “O capitalismo necessita, para sua própria existência e desenvolvimento, estar cercado por formas de produção não capitalistas” (LUXEMBURGO, 1983). Dentre essas relações estão as unidades camponesas de produção. Segundo Chayanov (1974), a economia camponesa não é tipicamente capitalista, por isso não se pode determinar objetivamente os custos de produção pela ausência dos “salários”. O retorno que obtém um camponês após o fim do ano econômico não pode ser conceituado como lucro, conforme ocorre com os capitalistas. O camponês, ao utilizar a sua força de trabalho e da sua família, tem o excedente como retribuição ao próprio trabalho e não como lucro, destinado ao consumo familiar de bens e serviços. Conforme Santos (1978) na sociedade capitalista, o camponês é um personagem não especificamente capitalista, já que a relação social capitalista pressupõe a separação entre o trabalhador e as condições objetivas da produção (objeto e meios de trabalho). Isso ocorre por quatro aspectos centrais, enumerados por Santos (1978): primeiro, o camponês inserido no modo de produção capitalista não se relaciona com a terra como uma condição natural de produção, mas sua relação é determinada pelo fato de a terra ser um equivalente de mercadoria; segundo, o camponês detém a propriedade sobre os meios de produção; terceiro, o camponês possui os modos de vida necessários a sua manutenção como produtor; e quarto, o camponês não se inclui como parte direta das condições objetivas de produção, mas enquanto proprietário das condições de seu trabalho. Ainda segundo Santos (1978), os elementos que constituem a unidade produtiva camponesa são: a força de trabalho familiar; as práticas de ajuda mútua – representadas por 191

mutirões e trocas de dias de serviço –; o trabalho acessório camponês – que acontece quando um camponês passa a ser um assalariado temporário de outro camponês, diante da demanda por mão de obra em algum período -, a força de trabalho assalariada – quando o camponês utiliza trabalho assalariado em momentos críticos de demanda na propriedade -; a socialização do camponês, a propriedade da terra, a propriedade dos meios de produção, jornada de trabalho combinada com as necessidades da propriedade, bem como, a reprodução simples da família camponesa. Em Corumbaíba (GO) a maior parte dos proprietários rurais, sobretudo, os que se dedicam à produção leiteira, são os camponeses. Estes detêm a propriedade da terra e dos demais meios de produção, possuem modos de vida que lhe garantem a sua reprodução enquanto camponês e enquanto proprietários das condições de seu trabalho. Com efeito, são proprietários da terra onde vivem com sua família e produzem o leite, assim como do gado e dos demais equipamentos necessários para a produção. Como força de trabalho, utilizam a própria mão de obra e de sua família para garantir a sua reprodução e a permanência na terra. Para Shanin (2005), os camponeses devem ser compreendidos a partir de um contexto histórico social mais amplo, ou seja, como parte de uma formação social, e ainda, com base nas suas especificidades, encontradas na realidade. Nesse sentido os camponeses: [...] não são um modo de produção porque lhes falta a estrutura político-econômica relativamente autossuficiente, isto é, os sistemas mais significativos de exploração e apropriação do excedente têm sido, de modo geral, externos a eles. Desnecessário dizer que os camponeses não são todos “iguais” e que toda comunidade camponesa dispõe de estruturas complexas de exploração interna “de vizinhança” frequentemente encadeada em redes de “apadrinhamento”. Entretanto, para a maioria dos camponeses, a desigualdade (e a exploração) intracamponesa é secundária, diante da extra camponesa, tanto em termos da quota extraída quanto da maneira como agem sobre eles a dinâmica estrutural e a estrutura de classes (SHANIN, 2005, p. 11).

Os camponeses devem ser analisados a partir da sua camponesidade e com referências ao contexto histórico a que está vinculado. No dizer de Paulino (2012): [...] como elemento de dentro do capitalismo, esses sujeitos seguem, incorporando técnicas, produzindo mercadorias sem, contudo tornarem-se capitalistas face ao controle dos meios de produção; sem tornarem-se proletários, ainda que o trabalho familiar seja fundamento de sua reprodução (PAULINO, 2012, p. 74).

Nessa perspectiva, os camponeses devem ser compreendidos a partir das suas diferenciações e particularidades, sobretudo, como parte do capitalismo, uma vez que, não é possível isolar o campesinato das condições produtivas deste modo de produção. Para Paulino (2012) a condição de ser camponês tem sido estabelecida de forma equivocada por grande parte das pesquisas de Geografia Agrária no Brasil. O campesinato faz parte do capitalismo, ademais, 192

Conforme foi demonstrado, a atividade camponesa não inverte as bases da acumulação ampliada; nota-se exatamente o contrário, pois o fato de estar assentada em relações não tipicamente capitalistas, visto que o excedente de renda gerado é passível de ser apropriado pelo capital sob duas formas: direta ao ocorrer a intermediação entre os produtores e os consumidores finais, num circuito que passa pelo rebaixamento do preço inicial do produto à sua supervalorização nas etapas subsequentes; indireta, ao serem despendidos menos recursos com o pagamento de salários, visto que a reprodução da força de trabalho tem o custo reduzido quando parte dos alimentos é produzida sem que a remuneração dos produtores seja mediada pela extração do lucro médio (PAULINO, 2012, p. 45).

De acordo com Paulino (2012), a inserção do camponês no mercado não estabelece a sua extinção no modo de produção capitalista. O camponês não deixa de ser camponês quando vende seus produtos, ou recorre ao mercado para adquirir outros produtos inviáveis de serem produzidos nas unidades camponesas. Essa concepção está relacionada à abordagem desses sujeitos como seres sociais isolados e ausentes nas relações de mercado. Contudo, o mercado também pode ser uma estratégia de fortalecimento, por também constituir fonte de renda e “[...] por permitir aos camponeses dedicarem-se com mais afinco aos cultivos mais rentáveis, adquirindo no mercado aquilo cuja produção própria lhe roubaria tempo e recursos preciosos, principalmente a terra” (PAULINO, 2012, p. 56). Com isso, “Não se pode afirmar [...] que os camponeses rejeitem o progresso material, mas que eles o condicionam à garantia de autonomia [...]” (PAULINO, 2012, p. 49). Nas unidades camponesas produtoras de leite em Corumbaíba (GO) nota-se a inserção desses produtores no mercado, pois comercializam a produção e, com a renda que obtém, adquirem os produtos que não dispõem e também os produtos necessários para a produção leiteira. Todavia, permanecem autônomos para decidir em que medida devem se inserir na lógica do mercado e investirem nesta produção, adotando a inovação técnica. Quando questionados sobre o porquê de não modernizarem a produção em suas propriedades, os camponeses entrevistados revelam que não pensam nisso, pois acham o preço do leite muito baixo para garantir o retorno do investimento que é alto. Diante disso, esses produtores da bacia leiteira de Corumbaíba (GO) mostram-se desmotivados para investirem na modernização da atividade e mantém uma pequena produção, como garantia de renda fixa, mantendo-os no setor, todavia no patamar de pequenos produtores não especializados. Constantemente, os camponeses são induzidos pela agroindústria laticinista por meio da política de preços _ com o amparo do Estado _ a aumentar a produção e melhorar a qualidade do leite. Como não o fazem, são penalizados com pagamento do produto por preços menores, se comparados aos grandes produtores especializados. Com a comercialização do produto, os camponeses são inseridos no processo de reprodução do capital por meio da 193

sujeição da renda da terra. Em contrapartida, também adquirem renda, o que garante a sua reprodução social e a permanência na terra. Com a produção camponesa, a agroindústria laticinista garante o fornecimento de matéria prima a preços baixos para atender ao mercado, o que significa maior lucratividade. Essa é uma das razões para a manutenção das unidades camponesas no modo de produção capitalista. Isso porque a política de diferenciação de preços por qualidade e quantidade do leite implantada pelo Laticínio é mais uma estratégia do capital para aumentar as taxas de lucro, já que a compra do produto de qualidade inferior, por preços menores é mais vantajosa. Na realidade, o leite considerado de qualidade inferior é misturado ao considerado de qualidade superior. A mistura acontece já no caminhão-tanque utilizado para a coleta a granel nas propriedades rurais e é ampliada ao chegar à plataforma de descarga na fábrica, onde todo o produto é armazenado em tanques e submetido ao mesmo processo de beneficiamento. Então, a qualidade do leite coletado nas propriedades não influencia na qualidade do produto final, pois ao fabricar o leite UHT longa vida ou os demais produtos lácteos, a tecnologia e o processo físico-químico de fabricação eliminam as diferenças de qualidade do produto in natura, o que não justifica a diferença de preços pagos aos produtores, pelo contrário, mascara a perversidade da relação camponês-indústria, semelhante ao que ocorrera com os camponeses produtores de uva no sul do país, analisados por Santos (1978). Portanto, quanto menor o preço pago aos produtores pela matéria prima, maior será o lucro dos capitalistas. Para Santos (1978), essa é uma estratégia da indústria para efetivar mais um elo de exploração do camponês. Por sua vez, a comercialização do leite produzido nas unidades camponesas é necessária para a reprodução da família e a sua permanência na terra. Com isso, têm-se as contradições, pois ao mesmo tempo em que a venda do leite promove a sujeição da renda da terra e a subordinação formal do trabalho ao capital, também contribui para a reprodução da família camponesa e a sua permanência na terra. Para Cristina dos Santos (2004): [...] no processo de trabalho do pequeno produtor de leite ocorre a subordinação formal do trabalho ao capital, à medida que o produtor sendo proprietário dos meios de produção, tais como a terra, animais e equipamentos, tem seu produto subjugado no momento de sua transformação em mercadoria. [...] A subordinação da pecuária leiteira ao capital não é recente, mas se aprofundou ainda mais após as transformações ocorridas nos anos 1990 [...] (CRISTINA DOS SANTOS, 2004, p. 82).

Nas propriedades camponesas são desenvolvidas diversas atividades agropecuárias, além da pecuária leiteira. Dentre as atividades destinadas ao mercado, em três das 194

propriedades, observou-se a criação de bezerros para corte. Em todas elas, as produções de frango caipira e suínos são para o consumo da família, mas o excedente é vendido no comércio local. As plantações de mandioca e árvores frutíferas nas sedes das propriedades são identificadas em todas as propriedades. As hortaliças e o milho também são cultivados em todas elas nos respectivos períodos de safra. Mesmo assim, a pecuária leiteira é a única fonte de renda mensal dos camponeses. Daí a sua relevância para a reprodução das famílias na terra.

Foto 35 – Sede de propriedade camponesa em Corumbaíba (GO): moradia, pomar e mandiocal

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, fevereiro de 2013.

Foto 36 – Plantação de milho numa propriedade camponesa em Corumbaíba (GO)

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, 2013. 195

De acordo com Paulino (2012), a pluriatividade é comum na maior parte das propriedades camponesas, que articulam as atividades destinadas ao mercado e outras, destinadas ao sustento da família e da propriedade, como o cultivo de milho, mandioca, hortaliças, frutas, aves e suínos. Segundo os presidentes do Sindicato dos Produtores Rurais (SR) e do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), a pecuária leiteira está presente em quase todas as propriedades rurais em Corumbaíba (GO). Dentre elas, a maioria é de pequenas propriedades cuja produção tem destinos diversos, conforme já evidenciado. Nesse sentido, a produção de leite é considerada viável pelos camponeses, embora reconheçam os problemas enfrentados para permanecerem no mercado e também a exploração capitalista, representada pela agroindústria, que vem sofrendo a partir da comercialização do produto. De acordo com Paulino (2012), a opção dos camponeses por produzirem culturas alimentares de baixo rendimento, tais como o leite, está vinculada à ocupação da mão de obra familiar, o que lhes assegura rendimentos brutos maiores. Os camponeses não têm recursos suficientes para investirem em culturas mais rentáveis, além disso, os meios de produção são limitados e não possuem capital para suportar os riscos inerentes às atividades de maior rendimento. Em Corumbaíba (GO), a opção pela prática da pecuária leiteira nas pequenas propriedades pode ser explicada conforme a lógica territorial camponesa, já que: [...] o que determina a pecuária [...] é a busca de estratégias produtivas que permitem a ocupação da mão-de-obra familiar, sem a realização de grandes inversões de dinheiro com retorno incerto, que a tornou a substituta mais adequada aos cultivos tradicionais. [...] o cuidadoso cálculo que fazem é no sentido de definir um limite para o jogo travado com o mercado, limite esse que consiste na manutenção dos meios de produção (PAULINO, 2012, p. 209).

Nessa perspectiva, a escolha dos camponeses pela produção leite está vinculada aos recursos disponíveis na propriedade, tais como a terra, o rebanho bovino e a força de trabalho familiar. Esses recursos possibilitam a prática da atividade sem grandes investimentos de capital e constitui importante fonte de renda para as famílias, contribuindo sobremaneira para a reprodução social das mesmas. Na avaliação dos camponeses a pecuária leiteira, mesmo diante de tantos problemas enfrentados para se manterem no mercado, é viável por não representar grandes riscos de prejuízos. Essa concepção é evidenciada no depoimento de um dos camponeses: Olha, a gente num fica rico com leite não [...] eu fico aqui na minha terrinha, tirei leite a vida inteira [...] o dinheiro do leite dá pra pagar as conta de todo mês, é como se fosse um salário [...] quando tem alguma despesa a mais vendo uns bezerros [...] mas também se não tem muito investimento, não dá prejuízo, sabe [...] dá pra manter 196

as coisas [...] agora, num dá pra enfiar a cara não [...] tem que ter outras coisas (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Com isso, a pecuária leiteira se faz presente na maior parte das propriedades camponesas em Corumbaíba (GO). A opção pela atividade não é aleatória, tampouco está relacionada apenas à situação de mercado, pelo contrário, perpassa pela estrutura interna da propriedade e pela análise de conjuntura que os envolve. Na realidade, é “[...] uma combinação de fatores em que a equação custos-renda-riscos comparece como preponderante na referida escolha” (PAULINO, 2012, p. 208). Uma das características do território camponês é a combinação de diferentes formas de emprego da força de trabalho familiar. A pecuária leiteira se ajusta às condições internas da propriedade, ou seja, é uma atividade que possibilita a reprodução da família, sendo considerada viável do ponto de vista das condições objetivas internas e, também do mercado (PAULINO, 2012). No que se refere à mão de obra, um dos camponeses acrescenta: “[...] levanto cedo, tiro o leite mais meu filho, antes dele ir para a escola. Depois é só apartar as vacas. Sobra tempo para mexer com outras coisas na roça [...] nóis mesmo tira sozinho (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Sobre a infraestrutura na propriedade um dos entrevistados assegura: “Pra produzir leite eu preciso de umas vacas, do balde e do curral. Eu produzo pouco, é uns 120 litros, mas não quero aplicar um rio de dinheiro para produzir muito, então eu não tenho prejuízo [...]” (PESQUISA DE CAMPO, 2013). A importância da pecuária leiteira é crescente e passou a ser relevante na reprodução social dos pequenos e médios proprietários rurais, na medida em que proporciona um fluxo regular de renda, que não é oferecida por nenhum outro produto agrícola, tendo em vista a falta de capitais para investimentos em infraestrutura, correção dos solos, fertilizantes, sementes, máquinas, dentre outros procedimentos indispensáveis às outras atividades agrícolas. Tais procedimentos também são necessários para a produção de leite, contudo, a sua ausência não impede a produção (CRISTINA DOS SANTOS, 2004). A produção de leite também significa “fartura” para os camponeses, pois é utilizado na alimentação da família, tanto in natura, quanto no preparo de outros alimentos, como requeijão, doces, queijos, quitandas, dentre outros. O soro produzido na fabricação dos queijos também serve de alimento para os suínos destinados ao consumo da família, cujo excedente também é comercializado no mercado local (PESQUISA DE CAMPO, 2013). 197

As propriedades camponesas têm entre 96,8 ha e 193,6 ha de extensão. A pecuária leiteira é extensiva. A principal alimentação do gado é o capim Braquiária, com complemento de cana-de-açúcar moída, silagem, volumoso e rações durante a estação seca. A produção diária varia entre 120 e 300 litros de leite, com produtividade média de 4,6 l/vaca/dia. A raça predominante das vacas leiteiras é o chamado gado cruzado71. A Foto 37 mostra a silagem produzida e armazenada na Fazenda Moeda, uma das propriedades camponesas visitadas em Corumbaíba (GO). A ordenha é manual e realizada uma vez ao dia, pela manhã, no curral próximo a sede da propriedade. O leite é armazenado no tanque de resfriamento e coletado pelo caminhão tanque da COOPAC a cada dois dias, transportando-o até a fábrica da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO). Na Foto 38, observa-se um camponês realizando a ordenha, pela manhã, no curral da propriedade.

Foto 37 – Silagem produzida e armazenada na Fazenda Moeda em Corumbaíba (GO)

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, fevereiro de 2013.

71 O gado cruzado predominante nas pequenas propriedades produtoras de leite em Goiás resulta do cruzamento Holandês-Zebu, que possuem ótima resistência e adaptação às condições climáticas da região, embora apresente baixa produtividade (Disponível em: < www.revista.inf.br/adm04/pages/artigos/artigo01.htm>. Acesso em: 23 de dezembro de 2012). 198

Foto 38 – Camponês trabalhando na ordenha manual na Fazenda Moeda em Corumbaíba (GO)

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, fevereiro de 2013.

Em todas as propriedades camponesas pesquisadas há tanques de resfriamento para o armazenamento do leite. Em duas delas, o instrumento foi adquirido com financiamento obtido no Banco do Brasil (BB). Nas demais com recursos próprios. Na foto 39 identifica-se o tanque de resfriamento instalado na propriedade camponesa.

Foto 39 – Tanque de resfriamento instalado na Fazenda Ouro Verde em Corumbaíba (GO)

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, fevereiro de 2013. 199

A cana de açúcar utilizada na alimentação do gado é cultivada na propriedade. Na estação seca é triturada e oferecida ao gado como complementação alimentar. Para os entrevistados, a cana-de-açúcar é uma opção de custo menor do que se adquirissem rações nas lojas agropecuárias. Entretanto, os camponeses alegam que esse é o período que o trabalho no manejo do gado e os custos de produção são ampliados. Além disso, é quando a produção decai, o que compromete a renda dos produtores. A silagem também é fabricada na propriedade, com mão de obra contratada para esse fim. Dessa forma, entende-se que a dinâmica territorial camponesa possui especificidades que a mantêm como unidade autônoma de produção, mas é incorporada ao processo de reprodução do capital agroindustrial lácteo, por meio da sujeição da renda da terra. Uma das especificidades destas propriedades é força de trabalho utilizada na produção leiteira, o trabalho familiar. Nas propriedades camponesas, há submissão formal do trabalho, pois ocorre a produção de mais valia absoluta no processo produtivo. Para Santos (1978), a subordinação formal do trabalho ao capital, “[...] além de ser uma fase anterior, pode se dar como uma forma particular coexistente e no interior do modo de produção especificamente capitalista.” (SANTOS, 1978, p. 128). Esta especificidade camponesa está vinculada a dois fatores principais, sendo o primeiro: [...] o capital subordina o processo de trabalho tal como ele existe. O processo de trabalho camponês sendo exercido do mesmo modo: isto é, a propriedade da terra e dos outros meios de produção continua pertencendo ao camponês, a força de trabalho utilizada é a família, o nível de mecanização é baixo, enquanto que os insumos industriais utilizados só tendem a reafirmar a visibilidade da força de trabalho familiar (SANTOS, 1978, p. 129).

O segundo aspecto corresponde ao fato de que: [...] o produtor direto mantém a autonomia do trabalho e, ao mesmo tempo, fornece sobretrabalho a outrem. Efetivamente, a condição de proprietário da terra e dos outros meios de produção assegura ao camponês o domínio sobre o processo de trabalho e assim, lhe dá a condição de trabalhador independente. Ainda que subordinado ao capital (SANTOS, 1978, p. 130).

De acordo com Paulino (2012) o camponês não deixa de ser camponês quando vende a sua força de trabalho, esporadicamente, como trabalho acessório, ou seja, diante da necessidade de manter a sua condição camponesa, desde que seja menos representativa do que o trabalho familiar. Nas propriedades camponesas em Corumbaíba (GO), a força de trabalho empregada na produção leiteira é familiar. O Quadro 5 demonstra a quantidade de trabalhadores 200

constantes e temporários envolvidos na produção leiteira e demais atividades a ela relacionadas, nas propriedades camponesas.

Quadro 5 - Força de trabalho familiar nas propriedades camponesas para produção leiteira em Corumbaíba (GO)* Modalidade de Trabalhadores Atividades desempenhadas propriedade familiares (un)

- Manejo do gado leiteiro;

- Manutenção de cercas;

- Manutenção de pastagens; Unidades 08 camponesas - Fabricação de silagem (sorgo);

- Plantio, colheita e moagem da cana-de-açúcar para alimentação do gado;

- Atividades para manutenção da propriedade.

*Foram considerados os trabalhadores que atuam diretamente na atividade leiteira, sendo os camponeses (homens) e dois filhos (homens) maiores de 15 anos. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013. Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013.

O trabalho familiar é a principal força de trabalho que atua na produção leiteira nas propriedades camponesas. Isso porque em 66,6% das propriedades empregam apenas o trabalhado familiar. Já em 33,3% das unidades ocorre a combinação entre o trabalho familiar e o trabalho assalariado. No caso do trabalho exclusivamente familiar ocorre a divisão social do trabalho por idade, uma vez que os dois filhos auxiliam na ordenha pela manhã, vão para a escola e, à tarde, ajudam no manejo do gado e em pequenos reparos na propriedade. Nesse caso, o pai é responsável pela maior parte do trabalho relacionado à produção leiteira (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Sobre a faixa etária dos camponeses tem-se a seguinte distribuição: 25% têm entre 15 e 18 anos; 37,5% têm entre 38 e 48 anos; e 37,5% entre 60 e 63 anos (Gráfico 5). Os jovens, com até 18 anos, são solteiros, representando um percentual de 25% dos trabalhadores. Os viúvos representam 12,5% e os casados 62,5%, a maioria dos camponeses entrevistados. No que tange ao local de moradia a maior parte vive no campo, sendo 87,5% do total. Dentre estes, a maioria são acompanhados por suas famílias, com exceção de 1 dos camponeses que mora sozinho no campo e sua família na cidade. Os demais camponeses, 12,5% moram na cidade e vão diariamente à propriedade para trabalhar. Observe o Gráfico 6.

201

Gráfico 5 – Faixa etária dos camponeses que atuam na produção leiteira em Corumbaíba (GO)

37,50% 25% Entre 15 e 18 anos 37,50% Entre 38 e 48 anos Entre 50 e 63 anos

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

Gráfico 6– Local de moradia dos camponeses produtores/fornecedores de leite em Corumbaíba (GO) 12,50%

Moram no campo 87,50% Moram na cidade

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

No que se refere ao nível de escolaridade dos camponeses, conforme demonstra o Gráfico 7, 12,5% tem o Ensino Médio, 12,5% cursam o Ensino Médio e 75% tem o Ensino Fundamental incompleto, o que revela o baixo nível de escolaridade dos camponeses.

Gráfico 7 – Nível de escolaridade dos camponeses produtores/fornecedores de leite em Corumbaíba (GO) 12,50% Ensino Fundamental 12,50% Incompleto Ensino Médio 75% Cursanso Ensino Médio

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

Em relação à renda mensal advinda da comercialização do leite, os camponeses receberam em média R$ 0,79/l72 no ano de 2012. Isso significa que neste ano receberam, em

72 Preço médio pago pela COOPAC em 2012. 202

média, R$ 5.056,00 por mês com a produção leiteira. Para 50% dos camponeses, essa é a única fonte de renda constante mensal, enquanto 16,6% tem um imóvel alugado na cidade e em 33,3% dos casos a mulher é assalariada na cidade (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Nas propriedades camponesas também são empregados trabalhadores assalariados, contudo esta modalidade será descrita juntamente as empresas rurais e na pecuária tradicional, no próximo item.

3.3 As relações sociais de trabalho na produção leiteira em Corumbaíba (GO)

Nas empresas rurais do setor lácteo e nas propriedades dos pecuaristas em Corumbaíba (GO) os trabalhadores são assalariados. De acordo com Santos (1978), nesse caso evidencia-se o modo de produção especificamente capitalista, que corresponde à fase da submissão real do trabalho ao capital, pois se desenvolvem relações sociais de produção entre os proprietários do capital e os donos da força de trabalho, ou melhor, acontece a produção de mais valia relativa. Nesse aspecto, essas propriedades se diferem das unidades de produção camponesas, uma vez que a força de trabalho predominante é a familiar. Todas as empresas rurais utilizam mão de obra assalariada. Nas fazendas Toca do Leite, Santa Bárbara e Bocaina são dois trabalhadores efetivos em cada uma delas, enquanto na Fazenda São Jerônimo tem-se quatro trabalhadores e na Fazenda Bom Jardim são três trabalhadores. A função desses trabalhadores envolve o trabalho com a ordenha e o manejo do gado leiteiro, e também de corte nas propriedades que praticam este tipo de pecuária. No período de fabricação de silagem todas as propriedades contratam trabalhadores temporários, a depender da demanda. Na Fazenda Santa Bárbara tem-se também um trabalhador contratado para a fabricação das rações. Vale destacar que nas fazendas Bocaina, São Jerônimo e Bom Jardim os proprietários também trabalham diariamente na ordenha e no manejo do gado. Portanto, são dezessete trabalhadores assalariados constantes e cerca de vinte contratados apenas para a fabricação de silagem. A limpeza dos pastos, a construção de instalações, a construção de cercas e a manutenção dos equipamentos são realizadas por outros trabalhadores contratados exclusivamente para realizar estas atividades. Nas propriedades dos pecuaristas também são contratados trabalhadores assalariados, predominantemente. Nas fazendas Serra Negra e Água Doce são dois trabalhadores contratados, sendo pai e filho. Já nas fazendas Fazendinha, Formosa, São Lourenço e Salada é apenas um trabalhador em cada. Tais trabalhadores são responsáveis pela ordenha e pelo manejo do gado leiteiro, contudo sua principal função nas propriedades é o manejo do gado 203

de corte, uma vez que esta é a principal atividade econômica desenvolvida nas propriedades. Assim, são oito trabalhadores contratados constantemente nestas propriedades. Além do manejo do gado, os trabalhadores também são incumbidos de reparos em cercas. Para a manutenção das pastagens e instalações são contratados trabalhadores temporários especificamente para isso. Nas propriedades camponesas a força de trabalho utilizada na produção leiteira é familiar. O manejo do gado leiteiro é de responsabilidade do camponês, que contrata mão de obra temporária para ajudá-lo na confecção de silagem, na construção de cercas e na manutenção de pastagens, quando necessário. O trabalho fundante na manutenção da propriedade é familiar. Na Fazenda Moeda estão o camponês e dois filhos, já a mulher trabalha como professora na cidade. Nas fazendas Arrependidos I e II e Nossa Senhora Aparecida trabalham o camponês e o filho, enquanto nas fazendas Gabiroba e Ouro Verde, o camponês vive e trabalha sozinho na propriedade. O Quadro 6 apresenta a distribuição do trabalho assalariado nas empresas rurais, na pecuária tradicional e nas unidades camponesas em Corumbaíba (GO). Ao analisá-lo, entende-se que as empresas rurais têm o maior número de trabalhadores assalariados diretos envolvidos na produção leiteira, sendo 13 no total. A pecuária tradicional emprega 08 trabalhadores e as unidades camponesas também 02. Nestas últimas predominam o trabalho familiar, mas em 33,3% (02 propriedades) são empregados trabalhadores assalariados constantes. Nas empresas rurais, os trabalhadores assalariados são responsáveis pelo manejo do gado leiteiro e de corte, bem como, pelas demais atividades relacionadas à produção leiteira – plantio de lavouras e fabricação de silagem. Na pecuária tradicional, os trabalhadores assalariados são responsáveis pelo manejo do gado leiteiro, contudo, o trabalho com o gado de corte é maior, pois esta é a principal atividade econômica desenvolvida nas propriedades. Nas propriedades camponesas, os trabalhadores assalariados realizam o manejo do gado e demais atividades em parceria com os camponeses.

204

Quadro 6 - Força de trabalho assalariada para a produção leiteira em Corumbaíba (GO) Modalidade de Trabalhadores Atividades Trabalhadores Atividades propriedade constantes (un) desempenhadas temporários (un) desempenhadas - Manejo do gado - Roçagem e reforma leiteiro (medicação, das pastagens; alimentação, ordenha e apartação) e de - Vacinação do gado; corte; - Fabricação de

- Manutenção de silagem;

cercas; Empresas rurais 13 ≤ 30 - Colheita da lavoura; (diaristas ou - Plantio de lavouras; empreiteiros) - Manutenção dos - Fabricação de equipamentos; rações; - Construção e - Fabricação de reforma de silagem. instalações; - Manejo do gado - Roçagem e reforma leiteiro; de pastagens;

- Manejo do gado de ≤ 10 - Fabricação de corte; (diaristas ou cercas; empreiteiros) Pecuaristas 08 - Manutenção de - Vacinação do gado; tradicionais cercas; - Manutenção de - Fabricação de equipamentos; silagem. - Fabricação de silagem.

- Manejo do gado - Roçagem ou reforma leiteiro; de pastagens;

- Fabricação de - Colheita e moagem cercas; 02 ≤ 10 Unidades camponesas da cana-de-açúcar para alimentação do - Vacinação do gado; gado no período da estiagem; - Fabricação de silagem.

Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013. Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013.

No que se refere à faixa etária dos trabalhadores que atuam na pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) observa-se os seguintes aspectos: nas empresas rurais 77% têm entre 42 e 55 anos, 13% têm entre 18 e 21 anos, e 10% tem entre 21 e 27 anos. Já na pecuária tradicional há 25% dos trabalhadores com idade entre 18 e 21 anos, enquanto 75% dos trabalhadores têm idade entre 42 e 55 anos (Gráfico 8). Entende-se que as empresas rurais empregam trabalhadores de diferentes idades, ou seja, entre 18 e 55 anos. Já a pecuária tradicional, emprega trabalhadores mais velhos, ou seja, entre 42 e 55 anos, enquanto os mais jovens, com idade entre 18 e 21 anos, são filhos dos trabalhadores mais velhos e que também vivem na propriedade. Nas propriedades camponesas, os trabalhadores têm entre 30 e 40 anos de idade. 205

Gráfico 8 – Faixa etária dos trabalhadores rurais assalariados em Corumbaíba (GO)

120% 100% 100%

77% 80% 75% Empresas rurais

60% Pecuária tradicional Propriedades 40% camponesas 25%

20% 13% 10% 0% 0%0% 0%0% 0% Entre 18 e 21 Entre 21 e 27 Entre 30 e 40 Entre 42 e 55 anos anos anos anos

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013

A respeito do estado civil e do local de moradia dos trabalhadores rurais que atuam na produção leiteira em Corumbaíba (GO) nota-se que na maioria são casados e vivem no campo com suas famílias. Os gráficos 10 e 11 mostram, respectivamente, o estado civil e o local de moradia destes trabalhadores, nas empresas rurais, na pecuária tradicional e nas propriedades camponesas.

Gráfico 9 – Estado civil dos trabalhadores na pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) 120,00% 100% 100,00% 84,60% 87,50% 80,00% Empresas Rurais 60,00% Pecuária Tradicional Unidades camponesas 40,00%

20,00% 15,31% 12,50%

0,00% Casados Solteiros

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

206

Gráfico 10 – Local de residência dos trabalhadores na pecuária leiteira em Corumbaíba(GO) 80,00% 69,20% 70,00% 62,50% 60,00% 50% 50% 50,00% Empresas rurais 40,00% 37,50% Pecuária tradicional 30,70% 30,00% Camponeses

20,00%

10,00%

0,00% Residem na cidade Residem no campo

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

Conforme mostra o Gráficos 9, dentre os trabalhadores das empresas rurais 84,61% são casados, 15,31% são solteiros, 30,70% moram na cidade e 69,0% moram no campo. Já entre os trabalhadores das propriedades camponesas observa-se que todos são casados, no entanto, um deles (50%) mora no campo com a família e o outro, também casado, reside na cidade, permanecendo no campo apenas durante o dia, para sua jornada de trabalho (Gráfico 10). Nas propriedades onde é desenvolvida a pecuária leiteira tradicional, a maioria dos trabalhadores são casados e residem com suas famílias na propriedade, isso porque, na maior parte dos casos, a contratação está vinculada ao zelo pela propriedade, já que os proprietários não residem no local. Segundo o Gráfico 10, do total de trabalhadores, 37,70% residem na cidade e 69,20% no campo, enquanto 12,50% são solteiros e 87,50% são casados. Durante os trabalhos de campo, observou-se que: dentre as empresas rurais, na Fazenda Bocaina os trabalhadores são solteiros e moram em Corumbaíba (GO). Esses saem da cidade às cinco horas e retornam às dezessete horas, ao final da jornada de trabalho no campo. Já os trabalhadores das demais, residem com a família nas propriedades. Na Fazenda Santa Bárbara e na Fazenda São Jerônimo, o marido e a mulher são contratados para a ordenha das vacas. Na Fazenda Toca do Leite, o pai e o filho são contratados e vivem com suas respectivas famílias no local. Nas outras propriedades, apenas os homens são trabalhadores contratados, mas vivem nas propriedades com suas famílias. 207

As casas destinadas à moradia dos trabalhadores, tanto nas empresas rurais quanto nas propriedades de pecuária leiteira tradicional, são próximas à casa dos proprietários e dos currais. Todas são de alvenaria e têm energia elétrica. Na Foto 40 tem-se uma das moradias dos trabalhadores da empresa rural, Fazenda Bom Jardim. Já a Foto 41 mostra a moradia dos trabalhadores rurais de uma das propriedades de pecuária tradicional, Fazenda Salada.

Foto 40 – Moradia de família trabalhadora na Fazenda Bom Jardim em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, 2013.

Foto 41 – Moradia de trabalhadores rurais na Fazenda Salada em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, 2013. 208

Os trabalhadores casados e com filhos, em ambas as propriedades, dizem que preferem viver no campo com suas famílias, conforme a declaração de um deles: [...] Eu gosto da roça. É mais fácil criar os filhos, hoje tem muito problema com as drogas e bebidas [...] Na roça tem mais jeito de trabalhar [...] Na cidade, as coisas é mais difícil, ainda mais pra quem não tem estudo como eu [...] Na roça é bom um pouco por causa do custo de vida. Agente não paga aluguel, água e energia e ainda tem o leite para as crianças. Ah! E ainda pode fazer quintal, plantar horta, criar galinha. Aqui só não pode criar porco que o patrão não gosta73 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Uma das trabalhadoras também afirma: “Eu gosto de morar na roça. Toda vida morei na roça. Só fui pra cidade uns três anos dos meus quarenta e cinco de vida. Eu sô filha de trabalhadores rurais”74 [...] (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Ao argumentarem sobre a opção de viver no campo, os trabalhadores evidenciam a sua condição de pobreza, uma vez que, na cidade não teriam condições de sustentar a família, com as despesas com aluguel, alimentação, fornecimento de energia elétrica e saneamento básico (rede de esgoto e água tratada). Demonstram também, a dificuldade de encontrar um emprego formal na cidade, diante da baixa escolaridade e da pouca qualificação profissional que receberam para atuar nas atividades especificamente urbanas. Todos os trabalhadores entrevistados afirmaram ser de famílias de trabalhadores rurais e com a família aprenderam a lida da roça, por isso sempre trabalharam e viveram no campo. Sobre o nível de escolaridade dos trabalhadores rurais que atuam na atividade leiteira em Corumbaíba (GO) a maior parte tem o Ensino Fundamental incompleto, conforme mostra o Gráfico 11. Nas empresas rurais são: 76% com Ensino Fundamental incompleto, 7,6% com Ensino Médio incompleto e 15,3% com Ensino Médio. Na pecuária tradicional são: 75% com Ensino Fundamental incompleto e 25% com Ensino Médio. Já nas propriedades camponesas predominam os trabalhadores com Ensino Médio incompleto, com 100% dos entrevistados.

73 V. M. tem 46 anos e é trabalhador rural desde a adolescência. Casou-se e sempre viveu com sua família no campo. Atualmente trabalha na empresa rural, Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em janeiro de 2013. 74 M. de L. tem 46 anos, mora na empresa rural São Jerônimo há 4 anos. Há 1 ano foi contratada como trabalhadora para a ordenha do vacas e limpeza do curral. Entrevista realizada em janeiro de 2013. 209

Gráfico 11 – Nível de escolaridade dos trabalhadores na pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) 120% 100% 100% 76% 80% 75%

60% Empresas Rurais Pecuária tradicional 40% 25% Camponeses 20% 15,30% 7,60% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% Ensino Ensino Ensino Médio Ensino Médio Fundamental Fundamental incompleto incompleto

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

Os trabalhadores aprenderam o ofício de vaqueiros, lidando como o gado e demais tarefas da fazenda, tanto com técnicas tradicionais quanto modernas – no caso dos trabalhadores das empresas rurais – com sua família e com os próprios patrões. Segundo eles, nunca participaram de cursos de qualificação em Corumbaíba (GO). Como exceção, têm-se os dois trabalhadores da empresa rural, Fazenda Toca do Leite, que fizeram cursos de qualificação para lidar com as inovações tecnológicas, sobretudo, manuseio da ordenha mecânica, manejo especializado do gado e inseminação artificial. Os cursos foram realizados em Piracanjuba (GO), onde moravam anteriormente. Os trabalhadores aprenderam a ser vaqueiros com os pais e com eles aprenderam as demais funções na lida na roça, conforme disse o trabalhador: “Hoje eu tô com vinte e nove anos, mas aprendi tirar leite com meu tio na Fazenda quando eu tinha 15 anos, daí não parei mais, como se diz, [...] é o que eu sei fazer de verdade”75 (PESQUISA D E CAMPO, 2013). Outro trabalhador afirmou: “Eu tô com vinte e oito anos e trabalho há dezessete anos tirando leite [...] eu ajudava meu pai desde criança e já aprendi com ele [...] a gente morava na roça e meu pai já trabalhava na roça a vida inteira”76 (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Os filhos dos trabalhadores em idade escolar estudam no Colégio Municipal Santa Terezinha, no Povoado do Areião, na Escola Municipal Professor Alberto de Morais Holanda, no Povoado Ponte Quinca Mariano e em Corumbaíba. Nas escolas rurais são ofertadas a

75 V. P. é trabalhador rural e atua na empresa rural Fazenda Bom Jardim, em Corumbaíba (GO), há 14 anos. Entrevista realizada em janeiro de 2013. 76 J. M. é trabalhador rural e atua na empresa rural Fazenda Santa Bárbara, em Corumbaíba (GO), há 8 meses. Entrevista realizada em janeiro de 2013. 210

Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. O transporte para os estudantes é oferecido pela Prefeitura de Corumbaíba, em parceria com o Programa Nacional de Transporte Escolar (PNATE). A presença das escolas e o transporte escolar público e gratuito contribui para a permanência das crianças e jovens no campo, pois diminui a migração campo-cidade, como condição para cursar a educação básica. De acordo com as informações explicitadas no Gráfico 12, entende-se que renda dos trabalhadores entrevistados, na pecuária tradicional e nas empresas rurais varia entre 1,5 e 3,0 salários mínimos.77 Nas empresas rurais, 23% recebem 1,5 salário mínimo, 23%, 2,5 salários mínimos e 53,80%, a maioria, recebem 2 salários. Na pecuária tradicional, 37,5% dos trabalhadores recebem 1,5 salários mínimos, enquanto, 62,50% recebem 2 salários. Já nas propriedades camponesas a renda média mensal de 50% dos trabalhadores é de 1 salário mínimo, enquanto de 50% é de 1,5 salário mínimo.

Gráfico 12 – Renda média dos trabalhadores na pecuária leiteira em Corumbaíba (GO) 70% 62,50% 60% 54% 50% 50% 50%

40% 38% Empresas rurais 30% 23% 23% Pecuária tradicional 23% 20% Propriedades camponesas

10% 0%0% 0% 0% 0% 1 salário 1,5 salário 2 salários 2,5 salários mínimo mínimo mínimos mínimos Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

Em 40% das empresas rurais ocorre a contratação de mulheres para a ordenha. A renda dessas trabalhadoras é de 1 salário mínimo. Essa diferenciação, segundo as trabalhadoras, ocorre porque elas trabalham apenas na ordenha de manhã e à tarde, enquanto os homens trabalham também no manejo do gado e em outras atividades na propriedade, por isso têm salários maiores. Entende-se que a contratação das mulheres é uma das estratégias dos empregadores para manter a família no campo, pois estas também desejam ter renda própria e, caso não tivessem emprego no campo, migrariam para a cidade para trabalhar e ter renda. Dessa forma, o empregador garante mão de obra mais barata, pois o salário da mulher,

77Este valor refere-se ao salário mínimo de R$ 622,00, vigente no ano de 2012. 211

para a família trabalhadora, contraditoriamente, é visto apenas como renda complementar. Na Foto 42 tem-se uma das trabalhadoras rurais que atua na ordenha mecanizada. Após a ordenha, ela é responsável pela limpeza do estabelecimento.

Foto 42 – Trabalhadora rural na ordenha mecanizada na Fazenda São Jerônimo em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, janeiro de 2013.

O tempo de permanência dos trabalhadores nas empresas rurais e nas propriedades de pecuária tradicional em Corumbaíba (GO) varia entre 04 meses e 15 anos, conforme mostram o Gráfico 13 e o Gráfico 14. Nas propriedades camponesas, varia entre 1 ano e quatro meses e 3 anos, conforme apresenta o Gráfico 15. Nas empresas rurais 23% dos trabalhadores tem apenas 4 meses de trabalho na propriedade, 30,7% tem 8 meses, 23% tem 1 ano, 15,3% tem 4 anos e 7,6% tem 15 anos de contrato. Já nas propriedades com pecuária leiteira tradicional tem-se: 12,5% com 3 meses de trabalho, 12,5% com 5 meses, 25% com 7 meses, 12,5% com 1 ano, 25% com 18 meses e 12,5% com 2 anos de contrato.

212

Gráfico 13 – Tempo de trabalho dos trabalhadores nas empresas rurais em Corumbaíba (GO)

7,60% 15,30% 4 meses 23% 8 meses 23% 30,70% 12 meses ou 1 ano 4 anos 15 anos

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

Gráfico 14 – Tempo de trabalho dos trabalhadores nas propriedades de pecuária leiteira tradicional em Corumbaíba (GO)

12,50% 12,50% 3 meses 12,50% 5 meses 25% 7 meses 12,50% 25% 12 meses ou 1 ano 18 meses 2 anos

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

Gráfico 15 – Tempo de permanência dos trabalhadores nas propriedades camponesas em Corumbaíba (GO)

50% 50% 1 ano e 4 meses 3 anos

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

No que se refere aos trabalhadores que atuam nas propriedades camponesas observa- se que o tempo de permanência nos empregos é maior do que nas demais propriedades – 1 ano e 4 meses, e 3 anos, conforme mostra o Gráfico 15. Com base nos gráficos 13 e 14 identifica-se que a maior parte dos trabalhadores que atuam nas empresas rurais e na pecuária tradicional, estão a menos de 1 ano nas propriedades, ou melhor, 53% dos trabalhadores das empresas rurais e 50% na pecuária tradicional. Por um 213

lado, isso revela a busca constante dos trabalhadores por empregos melhores – casas melhores para residirem com suas famílias, facilidade de acesso às cidades, jornada menor e menos intensa de trabalho, folgas semanais e demais vantagens que possam melhorar a suas condições de trabalho e de vida – por outro lado, isso dificulta a formalização dos trabalhadores, pois com menos de 1 ano de trabalho não possuem registro na Carteira de Trabalho, portanto deixam de receber benefícios que são seus por direito, tais como, férias, décimo terceiro salário e seguro desemprego. Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Corumbaíba (GO) o trabalho informal predomina na bacia leiteira de Corumbaíba, sendo poucos trabalhadores que possuem registro na Carteira de Trabalho (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Os trabalhadores atribuem a constante rotatividade de empregos à jornada de trabalho intensa e extensa que promove a sua exaustão. Sobre a jornada de trabalho identificou-se na pesquisa de campo que os trabalhadores, nas empresas rurais e na pecuária tradicional, cumprem diariamente, de 09 a 10 horas por dia, sendo: 30,70% dos trabalhadores, 9 h/dia e 69,20%, 10 h/dia (Gráfico 16).

Gráfico 16 – Jornada de trabalho dos trabalhadores rurais assalariados em Corumbaíba (GO)

30,70%

69,20% 9h/dia 10h/dia

Fonte – Pesquisa de campo, 2012/2013. Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013.

Para os trabalhadores entrevistados, em ambas as propriedades, a sua jornada de trabalho é extensa se comparada aos trabalhadores da cidade com carteira assinada, pois estes trabalham por 8 horas diárias. Outro quesito ressaltado pelos trabalhadores são os direitos trabalhistas, uma vez que a maior parte deles não tem folga semanal, carteira assinada, férias e décimo terceiro salário garantidos. O Gráfico 17 mostra a acesso dos trabalhadores das empresas rurais e dos trabalhadores da pecuária tradicional. a esses benefícios.

214

Gráfico 17 – Acesso aos direitos trabalhistas por parte dos trabalhadores das empresas rurais e pecuária tradicional em Corumbaíba (GO) 90% 80% 80% 80% 70% 66,60% 66,60% 60% 50,00% 50,00% 50% 50% 40% Empresas rurais 40% Pecuária tradicional 30% 20% Propriedades camponesas 20% 16,60% 10% 0,00% 0% 0% Carteira 13º salário Férias Folga assinada semanal

Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2013. Fonte – Pesquisa de campo, 2013.

Observa-se que nas empresas rurais e nas de pecuária tradicional, 80% dos trabalhadores têm carteira assinada e 50% dos camponeses possuem o registro. No entanto, apenas 60% dos trabalhadores que atuam nas empresas rurais têm férias, enquanto 16,6% na pecuária tradicional têm esse benefício e 50% dos trabalhadores nas unidades camponesas. Quanto ao 13º salário, 80% dos trabalhadores das empresas rurais, recebem, 66,6% na pecuária tradicional, e nenhum trabalhador das propriedades camponesas tem acesso a esse benefício. Sobre a folga semanal, 80% dos trabalhadores que atuam nas empresas rurais tem 1 folga semanal, 100% dos trabalhadores que atuam na pecuária tradicional disseram nunca ter tirado folga e, 50% dos trabalhadores das unidades camponesas possuem folga aos domingos. Os dados reforçam os argumentos citados pelos trabalhadores que se sentem penalizados com a falta de acesso aos benefícios conquistados pelos trabalhadores, uma vez que, para eles, nas cidades esses direitos estão mais assegurados. Com isso, surge o desejo frequente de migrarem em busca de melhores condições de trabalho, sobretudo, para as cidades (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Ademais, os entrevistados revelam que o trabalho no campo exige muito esforço físico, o que lhes causa cansaço. Como isso, muitos trabalhadores, sobretudo, os mais jovens migram para a cidade, em períodos curtos, em que ficam desempregados ou tentam outros empregos, conforme mostra o depoimento de um dos trabalhadores da empresa rural, Fazenda Santa Bárbara: Eu tô aqui mais minha mulher tem quatro meses [...] nós dois tira o leite, só nós dois. Tá dando certo [...] Eu antes de vim pra cá tava em Corumbaíba, trabalhei uns dias fiquei à toa, depois trabalhei no moto táxi, trabalhei uns mês na Italac, mas lá 215

não dei conta não [..] a gente volto pra roça, aqui ela também trabalha, lá era só eu, tava mais difícil [...]78 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Diante das dificuldades encontradas pelos trabalhadores para cumprir a jornada de trabalho a eles imposta é possível compreender porque muitos trabalhadores têm deixado o campo em busca de melhores condições de trabalho e de vida. Um dos trabalhadores disse: Eu tô mudando pra cidade mais minha mulher. Meu filho com a família dele também vai. Eu tô cansado mesmo. Já faz uns trinta anos que só trabalho como tirador de leite [...] é mexendo com essas vacas a vida inteira. É um trabalho muito cansativo. Eu quero ir pra cidade, quero ter os mesmos direitos que os trabalhadores de lá. Quero me aposentar [...] (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

No entanto, diante da baixa escolaridade, das dificuldades encontradas na cidade, das condições de moradia no campo e do vínculo que esses trabalhadores têm com o trabalho no campo, os trabalhadores retornam para a função de vaqueiro. Eles têm clareza da jornada extensa e intensa e da condição de exploração da sua força de trabalho, como nos depoimentos abaixo: Tirar leite é bom, mas é muito cansativo [...] É um cativeiro. É contínuo demais. Quase não tem folga. Aqui a gente tira só um fim de semana por mês. [...] cinco horas da manhã já chego no curral para buscar as vacas, tira o leite até as nove. Daí, “mexe” com trator, olha o gado. À tarde a gente tira leite de novo até as seis horas. Só depois de terminado todo o serviço é que agente vai pra dentro, lá pelas sete horas. Só tem uma hora de almoço [...]79 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Não é só tirar leite e olhar gado não [...] aqui agente desatola vaca, dirige trator, arruma cerca, cura vaca [...] eu faço de tudo aqui [...] não tem sábado, domingo e feriado não, nem hora, é enquanto tem serviço a gente tá trabalhando [..] serviço de roça não acaba não80 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A fala dos trabalhadores evidencia as condições de trabalho nas empresas rurais, na pecuária leiteira tradicional e nas propriedades camponesas. Observa-se que a introdução de inovações tecnológicas reestrutura o processo produtivo, inclusive as relações sociais de trabalho, contudo, não significou, para estes trabalhadores, a melhoria efetiva das condições de trabalho. Pelo contrário, reforçam a exploração dos trabalhadores e a produção de mais valia, pois a exploração do trabalho é indispensável para a produção do lucro e a reprodução do capital. Nas propriedades camponesas, embora a lógica produtiva seja diferenciada das demais categorias de propriedades, o trabalho assalariado constante tornou-se necessário, devido às especificidades das unidades camponesas, pois numa propriedade, a camponesa ficou viúva e precisa de ajuda com o manejo do gado e na realização de tarefas que exigem

78A. S. S., tem 22 anos de idade e trabalha desde os 13 como vaqueiro. Entrevista realizada em janeiro de 2013. 79 J. A. dos S. tem 49 anos e trabalha na empresa rural Fazenda São Jerônimo há 08 meses. Entrevista realizada em janeiro de 2013. 80 E. A. S. tem 37 anos e trabalha na pecuária leiteira tradicional, Fazenda Sala, há 2 anos. Entrevista realizada em janeiro de 2013. 216

maior esforço físico, na outra o camponês, com 53 anos, tem problemas de saúde com o impedem de realizar a ordenha manual e as atividades que demandam maior esforço físico, na propriedade (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Para os trabalhadores das empresas rurais, a modernização da produção modificou o trabalho e a sua vida no campo, conforme diz uma das entrevistadas: “[...] a vida no campo ficou mais fácil [...] já trabalhei muito capinando na enxada, agora não preciso mais disso (risos)”81 (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Se, a utilização da tecnologia, como a ordenha mecanizada, diminuiu o tempo de trabalho e o esforço físico despendido na ordenha manual, também trouxe novas atividades laborais, tais como, a higienização dos animais antes da ordenha, a aplicação constante de medicamentos nas vacas para evitar doenças e contaminação do leite, a limpeza diária das instalações, alimentação adequada para o gado, dentre outros aspectos. Essas novas demandas laborais são reconhecidas pelos trabalhadores, conforme demonstra a seguinte declaração: Tem gente que pensa que a ordenha não dá trabalho. É bobeira! [...] dá trabalho sim e muito. Só que é diferente. Mesmo com todo trabalho eu ainda prefiro a ordenha, por que já tirei muito leite agachado no barro e na chuva. Isso é triste! Mas a gente trabalha o dia inteiro do mesmo jeito. [...] Na verdade a ordenha é melhor porque exige menos esforço físico na “tiração” do leite, mas tem outros trabalhos, em que lavar curral, passar remédio nas vacas, separar ração, separar bezerro de vaca [...] Dá muito trabalho [...]82 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Quando questionados se gostariam de voltar à forma tradicional de ordenha a resposta de um dos trabalhadores demonstra a recusa da ordenha manual: Vô nada, “chape”! [...] é ruim demais né [...] tirava leite na mão [...] rapaz do céu, vai sofrê pra lá [...] era um tanto de leite [...] A ordenha é melhor. Na mão é mais sofrido. O tempo é o mesmo, a diferença é que a ordenha não desgasta muito a gente, cansa menos83 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A mecanização da produção leiteira também contribuiu para a diminuição da oferta de trabalho no campo, pois de acordo com um dos trabalhadores sem a mecanização eram necessários cinco trabalhadores para a ordenha e agora é preciso apenas dois trabalhadores para o serviço. O mesmo ocorreu com as demais atividades no campo, tais como a limpeza dos pastos, o plantio e cuidado com as lavouras e a construção de cercas, por exemplo, uma vez que a limpeza das pastagens, nestas propriedades é feita com o trator-roçadeira, as lavouras são cultivadas plantadas e colhidas com tratores e colheitadeiras, e as cercas são construídas com as furadeiras mecanizadas (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

81 M. J. S. tem 39 anos e trabalha na empresa rural Fazenda São Jerônimo há 08 meses. Entrevista realizada em janeiro de 2013. 82 Trabalhador na Fazenda Bocaina em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em junho de 2012. 83 Trabalhador na Fazenda Água Doce em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em janeiro de 2013. 217

Nota-se que a presença dos trabalhadores, mesmo com a mecanização, é fundamental na produção leiteira, tanto no manejo do gado e na ordenha, quanto na manutenção das propriedades de um modo geral, conforme mostram as Fotos 43 e 44.

Foto 43 – Trabalhador rural na Fazenda São Jerônimo em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de Campo, janeiro de 2013.

Foto 44 – Trabalhador rural realiza manutenção de cercas na Fazenda Bocaina em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de Campo, janeiro de 2013

218

Dessa forma, o capital agroindustrial lácteo se territorializa no campo em Corumbaíba (GO), promove mudanças nas relações sociais de trabalho nas propriedades especializadas na produção leiteira, na pecuária leiteira tradicional e nas propriedades camponesas, contudo não significa melhoria nas condições de trabalho. Ao mesmo tempo, promove mudanças para os produtores, que permanecem na atividade e enfrentam diversos desafios para atender as exigências do mercado. Esses desafios apresentam especificidades para os diferentes tipos de propriedades, conforme será abordado no próximo item.

3.4 O capital agroindustrial lácteo: os desafios para os produtores

A territorialização do capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO) trouxe novos desafios para os produtores/fornecedores de leite do Município. Houve a acentuação de problemas já enfrentados por eles – como o baixo preço pago pelo produto – e surgimento de novos desafios – como a diferenciação de preços por quantidade e qualidade. Os problemas enfrentados pelos produtores têm características e intensidades específicas entre os pecuaristas, os empresários rurais e os camponeses. Nas entrevistas, os problemas evidenciados são: falta de infraestrutura (estradas e energia elétrica); falta de incentivos por parte dos laticínios (baixo preço pago leite); falta de programas de assistência técnica; falta de programas de qualificação; alto custo dos insumos; falta de mão de obra no campo; falta de recursos para os pequenos produtores; alto investimento para mecanização da produção. No Gráfico 18 estão os aspectos salientados pelos produtores entrevistados.

Gráfico 18 – Principais problemas enfrentados pelos produtores de leite em Corumbaíba (GO) 120 100 % 100 90 %

80 70 % 64 % 58 % 60 52 % 41 % 47 % 35 % 40 20 0

Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte – Pesquisa de campo, 2012. 219

A má qualidade das estradas foi evidenciada por 41% dos entrevistados (sendo 20% dos camponeses e 21% dos empresários rurais) como um dos problemas enfrentados, já que a coleta do leite nas propriedades é realizada por caminhões tanques. Os problemas se intensificam na estação chuvosa. Em Corumbaíba, a manutenção das estradas é feita pela Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura, mas estando quase todas em situação crítica, dificulta o tráfego. Diante da ausência do Estado, os proprietários, são obrigados a consertarem os locais das estradas que não permitem o fluxo de veículos. No caso dos empresários rurais, 100% dos entrevistados têm tratores, mas apenas 60% dos pecuaristas e 33% dos camponeses, dispõem deste maquinário. Entende-se que os camponeses são os mais prejudicados nesse caso, já que a maior parte deles, sem trator, não tem como consertar as estradas. No Gráfico 18, observa-se que 47% dos entrevistados destacaram as quedas de energia elétrica como problema para a produção de leite. De acordo com os produtores, ocorrem quedas constantes do fornecimento na região, que se estendem, em muitos casos, por vários dias consecutivos, ocasionando a perda do leite armazenado no tanque de resfriamento, além de impossibilitar a ordenha e moagem da ração. Como a empresa responsável pelo fornecimento de energia elétrica na região - Centrais Elétricas de Goiás (CELG) - não se responsabiliza pelo prejuízo, a solução encontrada pelos empresários rurais, foi a aquisição de geradores de energia. O gerador está presente em 100% das empresas rurais. Nesse caso, tem- se mais uma demanda por capital nas propriedades para garantir a produção e a comercialização do leite. Nas propriedades camponesas e nas dos pecuaristas, não têm geradores. Com isso, estas últimas são as que mais sofrem com as quedas de energia, conforme afirma um dos camponeses entrevistados: No tempo de chuva, energia é um problema. Acaba, a gente liga e fica esperando. Já teve dia de perde o leite, porque a gente liga e não tem jeito do caminhão vim busca, e se a energia não chega, perde [...] Ah! Eles fala pra gente entrá na justiça contra a CELG, mas o tempo que vou ter que corre atrás [...] ir na cidade, perde um tanto de dia serviço, nunca entrei, nem recebi nada não84 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A má qualidade das estradas e do fornecimento de energia elétrica indica que o Estado não oferece a infraestrutura básica para a produção e o escoamento do leite, ficando sob a responsabilidade dos produtores a aquisição de geradores e a manutenção das estradas. Dessa forma, para os produtores capitalistas, o problema é minimizado com maiores investimentos, contudo, para os pecuaristas e camponeses os prejuízos são constantes.

84 Camponês, com 49 anos. Entrevista realizada em janeiro de 2013. 220

Segundo os produtores de leite em Corumbaíba (GO) – os empresários rurais, pecuaristas e camponeses – o maior problema enfrentado por eles na produção de leite é o baixo preço pago pelo produto. Este é um problema enfrentado por 100% dos entrevistados, todavia com particularidades, já que os empresários rurais alegam não ter retorno imediato do capital investido na mecanização e nas inovações tecnológicas, mesmo que acreditem que esse investimento seja fundamental para se manterem no setor com margem de lucro significativas. Os pecuaristas dizem não se sentirem incentivados a investir na atividade por não visualizarem possibilidade de lucro a partir do capital investido. Já os camponeses reconhecem a penalização a que são submetidos – por não modernizarem a produção – ao receberem os menores preços do mercado. Para Gobbi (2012), o baixo preço do leite no mercado é uma reclamação constante dos produtores, grandes, médios e, sobretudo, os pequenos. Esse é um problema que permeia todas as categorias de produtores (GOBBI, 2012, p. 207). Obviamente a forma como atinge os empresários rurais é distinta, dos pecuaristas e dos produtores camponeses. Assim, a atual política de preços aplicada pelos laticínios estabelece o preço pago aos produtores/fornecedores de acordo com a quantidade (quanto mais leite, maior é preço pago), a qualidade (com referência nas taxas de CBT, CCS, gordura e proteína)85, distância da propriedade (quanto mais próxima do Laticínio, maior o preço pago) e a fidelidade do fornecedor (quanto mais tempo de fornecimento para o mesmo Laticínio maior o preço). Com essa prática, os laticínios impõem aos produtores/fornecedores, a necessidade de ampliar a quantidade e melhorar a qualidade do leite, ao mesmo tempo se apropria da renda diferencial da terra e cativa os fornecedores, pois o quesito fidelidade minimiza o seu poder de negociação na busca por melhores preços pagos por outros laticínios. Dessa forma, garantem a matéria prima, com baixos custos, para atender as demandas do mercado e garantir o lucro. Tais ações também reforçam o que 30% do total de entrevistados salientaram como a “falta de incentivos por parte dos laticínios”. A Figura 3 mostra as tabelas do sistema de cálculo do preço pago pelo leite ao produtor/fornecedor da Italac Alimentos. Observa-se que a qualidade do produto, com base nos critérios estabelecidos, interfere diretamente no preço pago aos fornecedores, e reforça a

85As análises de CCS (contagem de células somáticas) e CBT (contagem bacteriana total) são coletadas duas amostras, que são levadas para análise em laboratórios especializados. Em Goiás, os testes são feitos pela Universidade Federal de Goiás. Esses testes são muito importantes para que o produtor conheça e mantenha a qualidade de seu leite, o que aumentará a sua produção e também o valorizará no mercado. As análises feitas pelo próprio laboratório mostram a composição do leite, indicando, consequentemente, a adequação do manejo nutricional do rebanho (Disponível em: Acesso em: fevereiro de 2013). 221

intenção do capital agroindustrial de hegemonizar a tecnificação da produção, bem como, a modernização da produção com a inserção de maquinários, gado especializado e insumos que demandam cada vez mais investimentos, promovendo a territorialização do capital no campo.

Figura 3 – Tabelas de bonificação/penalização aos produtores/fornecedores de leite para a Italac Alimentos

Fonte – Italac Alimentos crescendo com você, 2012.

Ao observar a Figura 3 identificam-se os critérios estabelecidos para calcular o preço pago pelo leite ao produtor. Com base nesses critérios, a responsabilidade pela qualidade do produto é repassada totalmente para os produtores. Isso porque, no programa, denominado, “Italac crescendo com você” é apresentado aos produtores o Sistema de Valorização da Qualidade do Leite, mas não são estabelecidas propostas de integração e de apoio aos 222

produtores para que alcancem a qualidade exigida, ou seja, para que apliquem as diretrizes do sistema86. A cópia do folder com as informações consta em anexo (ANEXO G). Nota-se que as estratégias implantadas pela agroindústria laticinista, Italac Alimentos, em Corumbaíba (GO) pressionam os pequenos produtores para ampliar a quantidade e a melhorar a qualidade da produção leiteira para o mercado, apenas no sentido de penalizar os pequenos produtores pela baixa qualidade e produção. Não há uma política eficaz de apoio e de subsídios para que se especializem, melhorem a qualidade do leite e possam ampliar a sua renda. Essa ausência é identificada por parte do Laticínio e também no que tange às politicas públicas. Nota-se que o baixo preço pago pelo produto, na realidade, contribui para que as taxas de lucro da empresa sejam ainda maiores. No dizer de Paulino (2012), com as políticas implantadas pelo capital agroindustrial, por exemplo, a bonificação, os camponeses são os que mais sofrem na cadeia produtiva do leite, pois vivenciam a extração máxima da renda da terra pelo capital (PAULINO, 2012). Isso se deve ao fato de o leite ser matéria-prima para a indústria. O preço pago pelo produto no mercado relacionar-se ao contexto de rebaixamento do preço das matérias primas, “[...] para que a equação taxa de lucros seja preservada em favor da indústria” (PAULINO, 2012, p. 215). Os depoimentos dos camponeses também revelam “[...] a rapina da renda camponesa, que em muitos casos, atinge níveis insuportáveis, obrigando-os a substituir a atividade que não mais assegura retorno monetário e/ou encontrar alternativas de renda” (PAULINO, 2012, p. 215). Com o preço do leite in natura auferido pelo mercado nota-se que apenas uma parcela do valor gerado pelo trabalho camponês retorna a este sob a forma de dinheiro. Segundo Santos (1978) isso acontece porque: [...] o valor extraordinário cristalizado no produto do camponês como consequência da maior utilização de força de trabalho [...] converte-se em um sobretrabalho que será apropriado pelo capital industrial. Nesse processo de apropriação do trabalho excedente do camponês, as relações entre a burguesia industrial e o campesinato vão-se determinar como relações contraditórias e antagônicas (SANTOS, 1978, p. 110).

86 O programa “Italac crescendo com você” foi criado pela empresa, em 2011, para apresentar e aplicar ao produtor, a partir de 2012, o Sistema de Valorização da Qualidade do Leite – Italac (SVQL). Este sistema contempla os aspectos fundamentais para se obter leite com boa qualidade física, química e microbiológica, sendo a oportunidade de o produtor agregar valor à sua matéria-prima através da melhoria constante de qualidade, do aumento da produção e da produtividade. Dentre as diretrizes apresentadas, estão raças, infraestrutura e manejo considerados adequados para a produção leiteira (ITALAC, 2012).

223

Os camponeses demonstraram o descrédito e a hostilidade em relação à Italac Alimentos, conforme pode ser identificado na seguinte declaração: A Italac não valoriza o produtor. Eles são maus [...] em Piracanjuba pagam o leite a R$ 0,99. Nós (da COOPAC) recebemos R$ 0,90. A Italac quer pagar R$ 0,84. É difícil de entender, sabe. [...] Ah e ainda tem que negociar o preço todo mês, porque cada mês é um preço diferente. Na COOPAC o preço é mais ou menos tabelado, muda muito pouco, eles negocia com a COMPLEM87 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Um dos empresários rurais declarou que:

Com a Italac tem que negociar todo mês [...] cada mês a empresa paga um preço [...] a empresa pisa nos produtores, pisa nos motoristas de caminhão tanque e dos trabalhadores também [...] arranca o olho e lambe o buraco88 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

A política de preços por quantidade e por qualidade revela-se excludente, tendo em vista a diversidade de produtores (de camponeses a empresas rurais) que atuam na comercialização do leite in natura e que compõem a bacia leiteira de Corumbaíba (GO), onde predomina a pequena produção camponesa, em detrimento às empresas rurais do leite. Todavia, entende-se que essa política de diferenciação de preços aplicada pelos laticínios, tais como a Italac Alimentos, é mais uma estratégia do capital para garantir o lucro e a sua reprodução, pois a empresa não despreza o produto considerado de pior qualidade, pelo contrário, também o compra, mas por um preço menor. Essa é a lógica perversa do capital agroindustrial que subjuga a produção camponesa e lança seus imperativos modernizantes. Isso porque o produtor de maior quantidade e qualidade recebe preço maior, e estes quase sempre são os grandes produtores mecanizados. O leite de melhor qualidade para o mercado é obtido a partir do uso de tecnologias desde o manejo do rebanho bovino, com o uso de insumos, medicamentos e ordenha, até a armazenagem e transporte do leite. Os produtores que se modernizaram recebem vantagens nesse aspecto. A COOPAC conforme evidencia o Presidente pode ser concebida como uma alternativa encontrada pelos produtores camponeses para permanecerem no mercado formal, resistindo aos imperativos do capital que exigem a modernização total da produção de leite. Os produtores, de certo modo, têm conseguido resistir a esses imperativos mantendo-se na atividade, pois vendendo em conjunto para uma empresa atravessadora não negociam diretamente com a Italac Alimentos e conseguem melhor preço, se comparado à venda individual, ou mesmo direto para o Laticínio. Com a política de diferenciação de preços o ônus da qualidade do leite é transferido aos produtores. Para permanecerem na atividade necessitam encontrar alternativas que os

87 L. S. C., de 24 anos, é camponês produtor de leite. A entrevista foi realizada em janeiro de 2013. 88 O. C., de 57 anos, é empresário rural produtor de leite. A entrevista foi realizada em janeiro de 2013. 224

mantenham no mercado, seja por meio da modernização da produção, ou melhor, a especialização na atividade, seja a permanência no mercado formal mesmo sem a modernização, ou mesmo, a atuação no mercado informal. A responsabilização dos produtores ocorre pelo fato de que: [...] O Estado, ao legislar nesses termos, não apenas se desobriga de interferir nos problemas que a própria desregulamentação criou, mas também beneficia diretamente as indústrias, as grandes interessadas na portaria, pois terão a seu dispor matéria-prima com qualidade monitorada, com o intocável direito de arbítrio sobre os preços aos produtores (PAULINO, 2012, p. 212).

Já os pecuaristas vendem o produto para o Laticínio Italac Alimentos, pois 90% deles alegaram sempre vender leite para a empresa, enquanto 10% disseram que preço que recebem pelo produto é suficiente. Assim, um deles afirma: “Eu sempre entreguei leite para os teixeira, desde que era Parmalat [...] muito tempo já”89 (PESQUISA DE CAMPO, 2012). (Gráfico 19). Dentre os camponeses entrevistados, 100% comercializam o leite com a Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC). Já entre os empresários rurais, 30% negociam diretamente com a Italac Alimentos, enquanto 70% com a Cooperativa Mista dos Produtores de Leite de Morrinhos (COMPLEM), conforme mostra o Gráfico 20.

Gráfico 19 – Comercialização do leite produzido em Corumbaíba (GO) 120% 100% 100% 100%

80% 70% Empresas rurais 60% Pecuaristas tradicionais

40% 30% Propriedades camponesas

20% 0% 0% 0% 0% 0% 0% COOPAC COMPLEM Italac Alimentos

Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte – Pesquisa de campo, 2012.

Observa-se que as empresas rurais negociam com o laticínio Italac Alimentos e com a COMPLEM, enquanto os pecuaristas negociam apenas com a Italac Alimentos. Ambas praticam a política de preços por quantidade e qualidade, o que justifica a procura dos maiores produtores por essas empresas. Já os camponeses vendem seu produto para a cooperativa

89 T. S., com 66 anos, é pecuarista, proprietário da Fazenda Água Doce. A entrevista foi realizada em fevereiro de 2013. 225

COOPAC, já que esta não aplica a diferenciação de preços entre os fornecedores, aspecto favorável aos pequenos produtores. Nessa perspectiva, a COOPAC é uma alternativa encontrada pelos camponeses para obter preço melhor pelo leite. A COOPAC negocia com a COMPLEM, que negocia com a Italac Alimentos. Com isso, a COMPLEM atua como uma atravessadora e a Italac Alimentos ganha em receber o produto da COMPLEM na plataforma da fábrica e por não ter despesas com o transporte da matéria-prima, e como compradora final do leite in natura, controla o preço pago pelo leite às diferentes modalidades de produtores/fornecedores de Corumbaíba (GO). O preço pago pelo leite aos produtores/fornecedores da COOPAC não é calculado por cota, por quantidade e qualidade, pois todos os produtores recebem o mesmo preço pelo leite. No ano de 2011, o preço médio pago R$ 0,76, conforme mostra o Quadro 7. Nota-se que o preço é o mesmo para todos os cooperados, independente da quantidade. Segundo a COOPAC esta é uma das vantagens conquistadas pela cooperativa, uma vez que os pequenos produtores não ficam prejudicados pela política de preços aplicada pela maioria dos laticínios, na qual os grandes produtores recebem mais pelo produto e os pequenos recebem valor menor por litro.

Quadro 7 - Preço livre recebido pela COOPAC pelo leite in natura em 2012 Mês Valor pago (R$) Janeiro 0,66 Fevereiro 0,69 Março 0,69 Abril 0,76 Maio 0,80 Junho 0,80 Julho 0,80 Agosto 0,82 Setembro 0,82 Outubro 0,80 Novembro 0,78 Dezembro 0,78 Média anual 0,79 Fonte - Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC). Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L. C., 2013.

Sobre a comercialização do leite dos produtores da COOPAC, o presidente da Cooperativa assegura: A gente não vende o leite direto para a Italac, mas ela absorve o leite de toda a região. É bom porque não precisa do leite sair do munícipio, se não tivesse a Italac aumentaria o gasto com transporte, com a logística. No início, nós tivemos problemas, com a comercialização do leite com a Italac. De primeiro tinha a Parmalat, que quebrou e começou a comercializar com a Italac, que é uma grande 226

empresa, né, visa o lucro. [...] e a comercialização com eles era bem difícil. Aí fizemos a parceria com a COMPLEM que é uma grande indústria também, e teve mais força pra tá negociando e vendendo esse leite nosso pra própria Italac, [...] a gente vende pra COMPLEM que repassa para a Italac. Então facilitou bastante porque agora não precisamos ter a briga mensal por preço [...] às vezes eles pagavam menos e tinha que repor no outro mês e o produtor saía perdendo [...] agora trabalhando com a COMPLEM tem o preço estável, dificilmente a gente perde para a Italac, porque aqui a gente não trabalha por escala, o que um pequeno nosso ganha, o grande também ganha. Na Italac já tem escala. Quando dá diferença de preço, só o grande tá recebendo, por exemplo, quando o grande tá recebendo R$ 0,80, tem pequeno recebendo R$ 0,64, que eu já fiquei sabendo [...]90 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

Sobre a existência das associações e cooperativas como estratégia de fortalecimentos dos produtores camponeses, Cristina dos Santos (2004) entende que nesse contexto as mesmas adquirem importância, pois: [...] tanto no que diz respeito à pasteurização na propriedade e a venda direta ao varejo, demonstrando a viabilidade da pequena produção, como simplesmente através da aquisição do tanque de expansão, que torna possível que vários produtores continuem a entregar o leite aos laticínios, o que muitas vezes seria inviável se estes agissem individualmente, além do que as associações de produtores expressam uma forma de fortalecimento da organização rural. As associações, ainda que possibilitem a reprodução social dos produtores, estão longe de representarem um poder político, tal como ocorre na Europa e nos Estados Unidos, onde os produtores dispõem de organizações eficientes para defender seus interesses (CRISTINA DOS SANTOS, 2004, p.75).

Os produtores/fornecedores da COOPAC dizem que foi a única forma de negociar um preço melhor pelo produto, pois acreditam que a Italac Alimentos, por ser uma grande empresa que compra leite em vários municípios goianos e não valoriza os fornecedores de Corumbaíba (GO) (PESQUISA DE CAMPO, 2012). Com isso, os produtores se livraram na negociação mensal que faziam com esta empresa. Na sua avaliação essa foi/é uma importante conquista, conforme transparece no relato: [...] Nossa Senhora! Tem que entregar pra COOPAC pra ter o preço melhor um pouquim! Caiu na mão dos “Teixeira” você tá morto! Aqueles lá só querem ver os produtores é pobres [...] onde é produtor de leite e motorista de caminhão tanque eles não tão nem aí. Parece até que tem raiva da gente91 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

As associações de pequenos produtores adquirem importância nas negociações do leite no mercado, o que viabiliza a permanência de muitos produtores na atividade. Um dos camponeses cooperados afirma: “ela ajudou muito a gente nos preços, porque agora não precisa mais ficar negociando preço todo mês e eu fiquei sabendo que os produtores que

90 G. S. A. é presidente da COOPAC desde 2009. 91 R. D. é camponês e produtor de leite em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em janeiro de 2013. 227

entregam para a Italac tão recebendo menos que agente [...]”92 (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Dentre os entrevistados, 52% destacaram a ausência de programas estatais de apoio e assistência técnica, como um problema para os produtores. Do total, 50% são empresários rurais, 30% pecuaristas e 20% camponeses. A assistência técnica constante está presente apenas nas empresas rurais, enquanto entre os pecuaristas e camponeses, a presença de um técnico ou especialista ocorre apenas para a vacinação do gado. A falta de ações do Estado nesse sentido, em Corumbaíba (GO), é destacada pelo empresário rural: O Estado não ajuda o produtor como a gente precisa. Se a gente quiser assistência técnica tem que contratar por fora, nem o laticínio tem. E é um serviço caro. O governo quer ajudar é produtor de soja, o tirador de leite fica esquecido. Tem uns programas de crédito, mas pra pagar com o dinheiro do leite não dá, com o preço baixo assim é impossível. [...] O dinheiro do leite é como se fosse um salário fixo para manter a fazenda93 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A assistência técnica, para os empresários rurais, é um serviço imprescindível na propriedade para auxiliá-los no manejo do gado, no tipo de alimentação e medicamentos adequados, dentre outros aspectos que garantem a produção de leite. No caso da Fazenda Toca do Leite e da Fazenda São Jerônimo a assistência técnica é contratada pelos proprietários sempre que precisam. Já nas fazendas Bom Jardim, Bocaina e Santa Bárbara os filhos dos proprietários são veterinários e zootécnicos e, como sócios da produção, realizam o trabalho de assistência técnica. Segundo o proprietário da Fazenda Bocaina, a assistência técnica melhorou a produtividade e barateia os custos da produção. A esse respeito um dos proprietários afirma: “[...] Depois que meu filho se formou veterinário ele me ajuda muito aqui. Tem muita coisa que ele ensina que diminuiu as doenças [...] gasto menos com remédios [...]” (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Para os camponeses, programas públicos e gratuitos de assistência técnica ajudariam no manejo do gado e na gestão da produção leiteira na propriedade, aumentando a produção e a produtividade. Eles afirmam ter dificuldades em contratar este serviço pelo alto custo, ao mesmo tempo demonstram receio, pois as inovações técnicas implantadas também aumentam o custo da produção. É uma contradição, pois a inserção de novas técnicas beneficiam os produtores, ao mesmo tempo, podem exigir maior investimento de capital, que nem sempre significa maior renda, dado o alto custo da produção e o baixo preço do leite no mercado. Essa contradição é destacada por um camponês entrevistado: “Olha, os técnicos ajudam,

92 M. S. C. é camponesa e produtora de leite em Corumbaíba (GO). Entrevista realizada em janeiro de 2013. 93 J. B. R., com 55 anos, é empresário rural produtor de leite, proprietário da Fazenda Bocaina em Corumbaíba (GO). A entrevista foi realizada em janeiro de 2013. 228

indicam o melhor remédio, falam até um jeito melhor de fazer, assim a gente economiza, mas [...] tem que tá preparado, tudo custa muito dinheiro nem sempre compensa”94 (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Cristina dos Santos (2004) assegura que no caso de produtores que recebem assistência técnica efetiva, o manejo do rebanho ocorre de forma diferenciada. A assistência técnica deveria ser prestada pelo segmento público, para todos os produtores, pois é imprescindível para a continuidade do produtor na atividade. Contudo, não é a única forma de garantir rebanho de qualidade, produção, produtividade e renda aos produtores, mesmo sugerindo aos produtores, alternativas para a redução dos custos de produção. A ausência de assistência técnica é uma dificuldade enfrentada pela maior parte dos produtores de leite no Brasil. Em Corumbaíba (GO), os produtores – empresários rurais, pecuaristas e camponeses - se veem abandonados sem qualquer assistência técnica, pois a EMBRAPA e a EMATER não atuam na região, assim como, a Italac Alimentos e a COOPAC também não lhes oferecem assistência técnica. Os camponeses reconhecem a ausência do Estado no desempenho de políticas de assistência técnica, assim como, a falta de incentivo por parte dos laticínios, que transferem toda a responsabilidade da produção aos produtores. De acordo com um dos entrevistados: “A gente não conta com ajuda nenhuma, o governo não investe em pequeno produtor de leite [...] a Italac só sabe exigir, paga pouco pelo leite da gente [...]”95 (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Segundo Clemente (2006), na Região de Jales (SP), diante da ausência de uma política efetiva para estimular a modernização tecnológica no setor, as grandes empresas (laticínios) vem ocupando a lacuna deixada pelo poder público, oferecendo linhas de financiamentos aos seus fornecedores para melhoria genética do rebanho e aquisição de equipamentos de ordenha e refrigeração. No entanto, em Corumbaíba (GO) observa-se a ausência do poder público, e também dos laticínios, sobretudo da Italac Alimentos. Assim como o Estado e o Laticínio não têm programas de assistência técnica, os programas de qualificação desempenhados por ambos, também são limitados e pouco atuantes, conforme e destacam os produtores. Do total de entrevistados 58% mencionaram a falta de qualificação como prejudicial à produção leiteira, sendo: 45% empresários rurais, 40% camponeses e 15% pecuaristas. Do total de empresários rurais apenas 45% disseram ter

94 E. S. C., entrevista realizada em janeiro de 2013. 95 M. A. S., camponesa, entrevistada em janeiro de 2013. 229

participado de um curso ofertado pelo SENAR Goiás, enquanto 20% dos camponeses e somente 10% dos pecuaristas. O alto custo dos insumos foi citado por 70% dos produtores entrevistados - ou seja, 30% camponeses, 25% empresários rurais e 15% pecuaristas - como um fator de dificulta a produção leiteira em Corumbaíba (GO). Para os empresários rurais as vacas leiteiras demandam alimentação balanceada para manter a elevada produtividade. Essa alimentação é alcançada com o uso de rações e suplementos, cujo preço é calculado em dólar, já que está vinculado ao mercado externo, ou melhor, ao capital comercial e financeiro. Além das rações, os medicamentos e vacinas também seguem a mesma lógica. Contudo, o preço do leite é calculado como matéria-prima e produto da cesta básica no Brasil. O pensamento dos empresários pode ser compreendido pela seguinte declaração: As vacas boas de leite pra continuar produzindo tem que ser na base da ração, não tem jeito. Não tem jeito de produzir muito leite e ter gado bom de leite sem as rações, suplementos, as sementes, mas o preço tá judiando da gente, sobe muito mais do que o preço do leite. No fim do mês a conta na loja fica alta. Mas não tem como escapar não96 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Para os camponeses o preço elevado dos insumos, sobretudo se comparados ao preço do leite no mercado, são desestimulantes, conforme declara um dos entrevistados: Você já viu o preço de um saco de ração, é caro, a gente só usa como complemento, porque se for usar só isso pra tratar de vaca fica muito caro, não compensa. Eu compro sim, ração, sal mineral e remédios na loja veterinária. No final do mês fica caro, mas pra produzir tem que tratar bem do gado, pois sem nada também dá prejuízo né97 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

A falta de linhas de crédito e financiamento para os produtores também foi destacada por 35% dos produtores, sendo 25% camponeses e 10% empresários rurais, como uma dificuldade encontrada pelos produtores de leite. Isso porque, para alcançar a quantidade e a qualidade do produto, valorizados pelo mercado é necessário o investimento de capital para as inovações técnicas e tecnológicas. Segundo os empresários rurais, boa parte do capital investido advém de financiamentos, daí a necessidade de linhas de créditos que levem em consideração as especificidades do setor. Para os camponeses, os pequenos produtores são os que mais precisam dos financiamentos para investir na atividade – caso optem por modernização -, mas são os que mais sofrem com os juros elevados, as exigências e as restrições para conseguirem empréstimos. A granelização no transporte e armazenamento do leite exemplifica essa situação. A armazenagem do leite nas propriedades é feita em tanques de expansão ou tanques de imersão

96 L. M. C., empresário rural, entrevistado em junho de 2012. 97 E. S. R., camponês entrevistado em novembro de 2012. 230

particulares. Os tanques comunitários são comuns quando proprietários que ainda não adquiriram o seu tanque, tanto por falta de capital, quanto por ainda não terem energia elétrica em suas propriedades, armazenam seu leite em propriedades vizinhas. (PESQUISA DE CAMPO, 2012). As Fotos 45 e 46 ilustram, respectivamente, um tanque de expansão utilizado para armazenar o leite in natura na Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO) e um caminhão tanque da COOPAC utilizado para a captação do leite nas propriedades dos produtores associados.

Foto 45 - Tanque de expansão para armazenagem do leite in natura na Fazenda Toca do Leite em Corumbaíba (GO)

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de Campo, janeiro de 2013.

Foto 46 - Caminhão tanque da Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC) utilizado para o transporte do leite in natura

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de Campo, janeiro de 2013 231

Tanto o tanque de resfriamento quanto o caminhão tanque ilustram mudanças no setor lácteo no contexto da reestruturação produtiva. O tanque de expansão está instalado em uma empresa rural em Corumbaíba (GO) e é utilizado para o armazenamento e resfriamento do leite produzido até a coleta realizada pelo caminhão tanque. O tanque é produzido por uma multinacional que produz tanques e ordenhadeiras em diversos países do mundo, a Alfa Laval. O caminhão tanque realiza o transporte do leite das unidades produtivas até os laticínios, fazendo a coleta nas propriedades a cada dois dias. Antes disso, o transporte era realizado diariamente por caminhões e caminhonetas em latões plásticos sem resfriamento até os laticínios onde o leite seria beneficiado, o que ocasionava perda da qualidade do produto. Ao mesmo tempo em que esse tipo de armazenamento e transporte do leite contribui para a conservação do produto mantendo a sua qualidade, promove a exclusão dos produtores camponeses da atividade, pois a coleta a granel depende do tanque de expansão98 para o armazenamento e a sua aquisição exige capital, constituindo-se como um problema a ser enfrentando pelos mesmos. O custo do resfriamento diário do leite aos camponeses é maior do que para os grandes produtores. Carvalho (2002), afirma que quanto menor o resfriador - o mais procurado pelos camponeses - maior é o preço do produto no mercado. Com a coleta realizada a cada dois dias, diminuem os gastos com transporte para as indústrias e aumentam os gastos com o resfriamento para os produtores, que arcam com as despesas de aquisição e manutenção do equipamento. Como exemplo das despesas, os produtores citam o aumento na tarifa de energia elétrica e também com técnicos quando o aparelho apresenta defeitos. A assistência técnica, a qualificação e o preço dos insumos contribuem para que o custo da modernização da produção leiteira seja alto. Esse fator foi elencado por 70% dos entrevistados. Dentre eles, 45% camponeses, 15% pecuaristas e 10% empresários rurais. Nesse caso, a falta de linhas de crédito intensifica o problema, já que a demanda por capital existe, mas os produtores, descapitalizados, não têm acesso ao crédito. Somado a tudo isso, o baixo preço do leite, surge como um dos principais problemas, uma vez que torna os investimentos na atividade inviáveis para os produtores. Todavia, esse é um processo contraditório, pois a modernização em si, não elimina os problemas enfrentados por eles, não se constitui como a única saída e nem pode ser considerada desnecessária ou mesmo, ruim para os produtores.

98 O preço médio do tanque de expansão utilizado no resfriamento do leite nas propriedades rurais com capacidade de 2050 litros custa em média R$ 8.500, 00. (Disponível em: www.milkpoint.com.br. Acesso em: 02 de janeiro de 2013). 232

Os empresários rurais se especializaram e permanecem na atividade, pois produzir leite traz renda mensal na propriedade. Com a renda, pagam os salários dos trabalhadores, as despesas da propriedade e ainda conseguem um “salário” para eles. Um dos empresários rurais assegura que: Produzir leite é difícil, sabe. A gente tem que produzir muito e leite bom, mas aumenta a produção aumenta a mão-de-obra, aumenta os gastos com ração, remédio e tudo. Se a gente for fazer muita conta, agente para [...] Mas, é o leite que sustenta a fazenda, é como se fosse o nosso salário, dá pra ter lucro sim, senão já tinha parado né [...] é dinheiro todo mês99 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

O outro empresário afirma:

Eu sempre gostei de tirar leite. Para mim fazenda sem leite não é fazenda, mas a gente não pode é só tirar o leite. Tem que mexer com outras coisas na terra e o gado de corte é uma alternativa boa. Dá para conciliar as duas muito bem e garantir um lucro maior. Agora, tem que produzir muito, pouco leite só dá trabalho e lucro mesmo é nada. É só prejuízo [...] 100 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

As declarações mostram que os empresários rurais do setor lácteo em Corumbaíba (GO) sempre foram proprietários rurais e produtores de leite para o mercado, entretanto, no final dos anos 1990 se especializaram na produção por meio das inovações tecnológicas. As exigências do mercado passaram a reger a dinâmica interna das propriedades. Isso porque a territorialização do capital agroindustrial no campo e promove o (re)ordenamento espacial, além da (re)elaboração das relações sociais de trabalho na propriedade. A especialização e a modernização apresentam níveis distintos entre as propriedades, uma vez que, variam as inovações tecnológicas incorporadas no processo produtivo, tais como a inseminação artificial, a utilização de vacas leiteiras de alta produtividade e a mecanização. Além disso, a pecuária leiteira, na maioria das propriedades, está associada à pecuária de corte. As dificuldades com mão de obra também foram mencionadas por 100% dos empresários. Para eles, são poucas as pessoas que ainda querem morar e trabalhar no campo, ou querem trabalhar no campo, residindo na cidade. No entanto, entende-se que a falta de trabalhadores rurais está relacionada ao processo mais amplo de urbanização e, sobretudo, a forma como se deu a industrialização nas cidades e a modernização do campo, no Brasil como um todo e em Corumbaíba (GO). Para os pecuaristas, a modernização da produção leiteira é inviável. Os entrevistados afirmam que os custos das inovações tecnológicas são elevados, além de ampliar a demanda

99 L. S. C., entrevista realizada em janeiro de 2013. 100 W. G. D., entrevista realizada em junho de 2012. 233

por mão-de-obra, o que para eles não vale a pena, diante da desvalorização do produto no mercado. Assim, os pecuaristas em Corumbaíba (GO) optaram por fortalecer a pecuária de corte, e se mantiveram na atividade leiteira reproduzindo práticas tradicionais de produção. No que se refere aos camponeses, 70% dos entrevistados destacaram os altos custos da modernização como um problema que enfrentam para permanecerem na atividade. Isso porque os padrões de qualidade impostos pelo mercado advêm da implantação da tecnificação e da inovação tecnológica, que por sua vez demandam investimentos de grandes capitais. Além disso, não reconhecem a especialização na atividade leiteira como promissora ou compensatória, diante do baixo preço do produto no mercado, bem como, pela falta de capital disponível para o investimento. Nesses casos, a única forma vislumbrada seria o endividamento junto às instituições financeiras. Esse foi um receio demonstrado por 100% dos camponeses entrevistados, conforme evidenciam as seguintes declarações dos camponeses: Especializar [...] não penso não. Eu até dou conta, a gente vende umas vacas, dá um jeito. Mas, eu não acho que compensa. Preço de leite nunca vai ser bom não. Eu não pretendo comprar ordenha, por enquanto. Acho muito caro. Eu produzo pouco leite, do tanto que eu e mais outro dá conta de tirar. Eu vou criando bezerros, vendo é melhor101 (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Para outro camponês a especialização na atividade não compensa pelos seguintes fatores:

Olha a gente só vê propriedade, que investe muito dinheiro no leite, que não dá certo. São poucos exemplos, agora nem me lembro [...] de um que deu certo. O cara enfia a cara no banco, pra paga juros com centavos de leite! Não, é melhor continuar com calma, com tranquilidade. Eu tô produzindo [...] eu mesmo faço o meu gado, que depois da pra vende os bezerros [...] o dinheiro do leite, também não dá pra ficar sem ele. A gente sobrevive desse jeito mesmo102 (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

As falas dos camponeses demonstram as restrições que estes produtores têm em relação à especialização na atividade leiteira, e que esta, quando condicionada ao capital financeiro não se constitui numa alternativa favorável à reprodução da família camponesa. No entanto, outros entrevistados demonstram que as inovações tecnológicas são necessárias e contribuem para a permanência da família na terra, quando acontece de forma a garantir a autonomia das famílias, em alguns casos, com o apoio de financiamentos e mantendo-se no mercado, como uma importante fonte de renda na propriedade, conforme ressalta o seguinte camponês:

101 S. M, 49 anos, tira 300 litros de leite e vende para a COOPAC. A entrevista foi realizada em janeiro de 2013. 102 L. V. S., 56 anos, tira 270 litros de leite e vende para a COOPAC. A entrevista foi realizada em dezembro de 2012. 234

Eu até acho que agente tem que modernizar [...] reformar os pastos, plantar o sorgo pro tempo da seca, melhorar o gado [...] mas não tem que ser tudo não, pois se a gente for levar tudo no pé da letra mesmo a gente não dá conta não [...] o tanque não tem jeito de ficar sem hoje em dia, nem leiteiro tem mais, a ordenha (mecânica) ajuda muito, mas é muito cara, ainda não animei não [...] é só não tirá muito leite que a gente sozinho vai dando conta né![...] Mas, a gente tem que ter uma boa alimentação para o gado, o técnico ajuda agente não jogar dinheiro fora103 [...] (PESQUISA DE CAMPO, 2012).

Dessa forma, o capital agroindustrial se territorializa no campo em Corumbaíba (GO) promovendo uma série de mudanças nas propriedades camponesas, nas empresas rurais e até mesmo para os pecuaristas, gerando um mosaico de territórios em disputa, que serão abordados no próximo item.

3.5 O capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO): empresas rurais, pecuaristas e camponeses disputam territórios

[...] o território deve ser apreendido como síntese contraditória, como totalidade concreta do processo/modo de produção/distribuição/circulação/consumo e suas articulações e mediações supraestruturais (políticas, ideológicas, simbólicas etc.) onde o Estado desempenha a função de regulação. E onde o território é produto concreto da luta de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua existência. (OLIVEIRA, 2012)

A heterogeneidade é a principal característica do campo, pois existem dois tipos de propriedade, sendo a capitalista e a camponesa. Na primeira, a terra é objeto de negócio, instrumento de exploração do trabalho alheio, de extração de mais valia e de especulação. Na segunda, constitui-se como terra de trabalho e de sobrevivência familiar. Essa dualidade se explica a partir do caráter contraditório do desenvolvimento capitalista que se reproduz com base na propriedade capitalista da terra e da propriedade camponesa. Essa realidade também explica a razão pela qual as culturas que compõem a alimentação básica da população são formas de acumulação capitalista produzida fora das relações tipicamente capitalistas (PAULINO, 2012). Nessa perspectiva, os camponeses, com sua resistência e seu projeto de utilização da terra, conflitam diretamente com interesses do grande capital, como os seus setores mais avançados e mais modernos. Ao capitalismo não interessa a expulsão dos camponeses da terra, pois é melhor apropriar-se deste território para a expansão de seus interesses. Aos movimentos sociais, tais como, os Movimentos Camponeses do Brasil, de modo especial os

103 N. J. C., é camponês e produtor de leite em Corumbaíba (GO). A entrevista foi realizada em janeiro de 2013. 235

integrados na Via Campesina104, cabem olhar com atenção para este novo momento de luta de classes no campo. O campo, de modo especial o espaço rural brasileiro, desperta enorme cobiça aos donos do capital. As disputas no campo não são mais simples disputas entre o fazendeiro latifundiário e os camponeses sem terra. Disputa-se muito mais. O campo brasileiro é o espaço, o território em que o capital pode investir e garantir seu processo continuado de reprodução, ampliação, concentração e centralização (GÖRGEN OFM, 2004). Para Fabrini (2008) a resistência camponesa é mais ampla que as lutas organizadas em movimentos sociais, uma vez que se verifica um conjunto de relações assentadas no território que se erguem como resistência à dominação do modo de produção capitalista. Dentre elas, identifica-se a produção para autoconsumo, a autonomia e o controle do processo produtivo, a solidariedade, as relações de vizinhança e os vínculos locais. “Por isso há que se atentar para essas práticas, pois poderão ser somadas a outras lutas na construção dos enfrentamentos à ordem dominante, expropriatória e desumana” (FABRINI, 2008, p. 239- 240). Na realidade, “destaca-se no processo de construção de resistência, a partir de forças locais, um conjunto de ações de conteúdo político, econômico, cultural, ambiental, costumeiro, etc.” (FABRINI, 2008, p. 260). Os camponeses mesmo estando fora dos movimentos sociais desenvolvem um conjunto de manifestações e práticas que garantem a sua existência e incomoda a parcela dominante da sociedade que não lhe reconhece como sujeito e classe social. Nessa perspectiva, visualiza-se a perspectiva do território e do local como resistência em que os camponeses procuram negar a mercadoria e a mais-valia. A dimensão territorial tem importante sentido, não para potencializar o mundo da mercadoria como defendem os adeptos da agricultura familiar, mas reconhecer o território camponês como trincheira de resistência aos esquemas de dominação do modo de produção capitalista. O território vai além de um local que se constitui como palco e condição/possibilidade para inserção no mundo da mercadoria no processo de mundialização das relações sociais de produção (FABRINI, 2008, p. 269).

Mesmo que a maioria dos técnicos, administradores e empresários sentencie o desaparecimento dos camponeses produtores de leite, estes ainda são a maior parte no País. Essa realidade também pode ser identificada em Corumbaíba (GO). Para Paulino (2012), do ponto de vista da indústria, o desaparecimento dos camponeses é inviável, já que a concentração dos fornecedores, igualmente capitalistas significaria maior pressão por preços

104 A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações camponesas de pequenos e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas e negras da Ásia, África, América e Europa. Disponível em: < http://www.social.org.br/cartilhas/cartilha003/cartilha012.htm>. Acesso em: 21 de março de 2013. 236

melhores. Assim, “[...] o que está em jogo é a sobrevivência da indústria, pois uma insatisfação maior ou mesmo a emergência de uma atividade mais lucrativa pode representar sérios problemas para a obtenção da matéria-prima” (PAULINO, 2012, p. 221). São essas contradições da lógica capitalista que possibilitam a recriação do campesinato, pois há uma complementaridade contraditória entre camponeses e capitalistas (PAULINO, 2012). Nesse sentido, o campo em Corumbaíba (GO) é formado por diversos territórios. Por um lado, existem os territórios que expressam a lógica produtiva do capital, por outro lado, territórios que expressam a lógica produtiva camponesa. Tais territórios se hibridizam por meio de múltiplas relações entre si e encontram-se coesionados por uma lógica mais ampla, ou seja, pela lógica da produção e reprodução do capital, pautada na relação capital/trabalho. Dessa forma, a territorialização do capital agroindustrial lácteo promove mudanças socioespaciais no campo, incorporando as diferentes categorias de produtores, a partir de distintos níveis e formas de subordinação, e gerando um contexto de territórios em disputa.

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CONSIDERAÇÕES E para os camponeses brasileiros, para os pobres do campo, necessário é crescer na consciência de que o chão que pisam tem hoje um valor extraordinário e são um espaço de futuro e de grandes possibilidades de desenvolvimento. E deve ser território camponês e não território do capital. Resistir na terra. Cuidar da terra. Preservar a terra. Conquistar a terra concentrada. Construir novas alternativas para a existência camponesa no Brasil. Eis alguns desafios para o campesinato brasileiro e seus Movimentos Sociais.

(GÖRGEN OFM, 2004)

O capital agroindustrial lácteo se territorializa em Corumbaíba (GO) no final dos anos 1990, com a chegada do laticínio Italac Alimentos. Desde então, a sua lógica contraditória e excludente se territorializa no Município, promovendo mudanças espaciais e na relação cidade-campo. Nesse contexto, o discurso vigente é de que a presença da empresa trouxe para a cidade a prosperidade e o desenvolvimento, já para o campo, a necessidade latente de modernização e especialização na produção leiteira, com o intuito de acompanhar o momento ímpar de inovações. Um olhar mais atento identifica, na realidade, contradições nesse processo, que merecem ser analisadas, além das aparências e primeiras impressões. Diante disso, buscou-se estabelecer um olhar geográfico sobre esta realidade e desvendar, ao menos em partes, as tramas, os conflitos e as contradições da relação capital/trabalho que, de fato, compõe a instalação da agroindústria laticinista em Corumbaíba (GO) e configuram o espaço geográfico, a partir de diferentes territórios. A centralidade das questões que nortearam a pesquisa, em suas diferentes fases foram: Quais os efeitos da territorialização da Italac Alimentos na formação socioespacial de Corumbaíba (GO)? Quais as estratégias utilizadas pelo capital agroindustrial para se territorializar no Município? Como esse processo é evidenciado no campo e nas diferentes categorias de produtores e trabalhadores rurais da pecuária leiteira? Dessa forma, buscou-se compreender a territorialização da Italac Alimentos, ou melhor, do capital agroindustrial e financeiro, que resultou em mudanças espaciais em Corumbaíba (GO), e se estendeu ao campo, sobretudo, na dinâmica das propriedades rurais e nas relações de trabalho. Para tanto, foram evidenciadas, a participação do Estado, da reestruturação produtiva do capital, e ainda, da mobilidade geográfica do capital e do trabalho, como elementos preponderantes no entendimento desta conjuntura. A dinâmica socioespacial de Corumbaíba (GO) - o lugar da pesquisa – foi compreendida a partir dos elementos de ordem material e imaterial, que se hibridizam e constituem o espaço geográfico, inseridos na relação entre o local e o global. Nesse sentido, a 238

territorialização da agroindústria laticinista promoveu rearranjos espaciais, evidenciados no crescimento populacional, na dinamização da economia, no crescimento da malha urbana e ainda, na relação campo-cidade, constituindo territórios do capital e do trabalho, mediados pela ação do Estado. A partir de um olhar geográfico, entende-se que a dinâmica socioespacial de Corumbaíba (GO) possui elementos que são próprios do local, no entanto, existem os elementos vinculados à dinâmica global, que se territorializam no lugar. Como exemplo, tem- se a territorialização das monoculturas – da soja, do eucalipto e do sorgo – do capital agroindustrial e financeiro – a agroindústria e a modernização da agricultura – que trazem novos sentidos para a relação capital/trabalho no Município. Dessa forma, a sua dinâmica socioespacial, influenciou, ao passo que sofreu influências do capital agroindustrial lácteo. A população cresceu, constituindo-se força de trabalho para a fábrica e mercado consumidor para os produtos, com isso, a economia foi dinamizada, cresceram e diversificaram o mercado imobiliário, o comércio, a indústria e a prestação de serviços. A produção agropecuária foi ampliada. O urbano reconfigurado, pois a malha urbana foi aumentada, os bairros apresentaram características diferenciadas. O campo e cidade, embora constituam espaços distintos, foram coesionados pela lógica da reprodução capitalista, por meio do capital agroindustrial. Esse processo é desigual e contraditório, pois não eliminou a pobreza e a desigualdade social, inerentes ao conflito capital/trabalho, ou seja, à sociedade estruturada na luta de classes. Assim, a territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) contribuiu para o aumento da renda dos trabalhadores e do Estado, e para a dinamização da economia, mas, é contraditória e não eliminou os problemas sociais, gerando, a exploração do trabalhador na fábrica - na cidade - a sujeição da renda da terra e, a subordinação real e formal do trabalhado, no campo. Além disso, não eliminou o trabalho informal, o desemprego e o déficit por moradia. A territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) está vinculada ao processo mais amplo de expansão do capital. De um modo geral, faz parte da reestruturação do setor agroindustrial lácteo nos anos 1990 – influenciado pela reestruturação produtiva do capital, pelas políticas do Estado e pela modernização da agricultura. Nesse período, o Estado assumiu postura diferenciada em relação ao setor, deixando, por exemplo, a função de regulador, para se tornar normatizador da produção leiteira. Com efeito, o capital agroindustrial e financeiro passou a reger o setor, por meio da modernização, ou seja, pela inserção de inovações tecnológicas na produção. Como exemplo, pode-se citar a granelização e a produção do leite longa vida. Nesse contexto, ocorre a expansão geográfica da produção 239

leiteira, sobretudo para as áreas de Cerrado, como o Município de Corumbaíba (GO), promovendo mudanças na pecuária leiteira em Goiás, na dinâmica territorial das propriedades rurais e, sobretudo, para os produtores. Observou-se que a territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) está relacionada à expansão do capital agroindustrial lácteo no Brasil e teve apoio massivo do Estado, embora tenha ocorrido na chamada fase de autorregulação do setor lácteo brasileiro. Nota-se que as políticas estatais de desenvolvimento econômico regional foram importantes para a instalação e ampliação da empresa no Município. Assim, o capital agroindustrial lácteo se expandiu em áreas cerradeiras, associou-se a outros fatores e se territorializou, impondo sua lógica produtiva em busca do lucro. Em Corumbaíba (GO), representado pela Italac Alimentos, encontrou uma série de fatores que contribuem para sua instalação, tais como: a dinâmica socioespacial do Sudeste Goiano; as políticas estatais de desenvolvimento local e industrialização (no âmbito estadual e municipal); a presença de mão de obra e matéria prima; a posição geográfica do Município e de Goiás (favorável à circulação de mercadorias e ao acesso aos mercados consumidores). Em suma, o capital agroindustrial e financeiro alcançou em Corumbaíba (GO), as condições necessárias à produção do lucro e à sua reprodução. A empresa contou com o apoio das políticas estatais de desenvolvimento local com a oferta de infraestrutura, além mão de obra e matéria prima disponíveis, e se beneficiar da posição geográfica que favorece a logística da produção e circulação das mercadorias. Em Corumbaíba (GO), a produção de leite constituiu um dos aspectos que atraíram o capital agroindustrial lácteo. Em contrapartida, também foi reordenada, incorporando a lógica capitalista de produção, em diferentes níveis, pelas distintas categorias de produtores. Além disso, demonstra que a territorialização da empresa não se limitou à cidade, mas se estendeu ao campo, promovendo mudanças espaciais e alterações nas relações de trabalho, ou melhor, surgiram novos sujeitos da relação capital/trabalho, tanto nas empresas rurais quanto nas unidades camponesas, seja pela modernização da produção, seja pela sujeição da renda da terra. Até o final dos anos 1980, a produção leiteira em Corumbaíba (GO) era configurada pelos pecuaristas (latifundiários) e pelos camponeses, estando presente em quase todas as propriedades rurais. Durante os anos 1990, a reestruturação do setor lácteo no País também significou mudanças para a pecuária leiteira no Município, sendo incorporadas de modo distinto pelos produtores. Estas mudanças foram intensificadas com a instalação da Italac Alimentos em 1996 e com as normativas do Estado para a produção leiteira, uma vez que 240

foram impostas a granelização, a política de diferenciação de preços e a especialização na produção (por meio de inovações tecnológicas). Com as imposições do capital agroindustrial lácteo – fundamentadas pelo Estado – alguns produtores, oriundos dos pecuaristas, optaram por se especializar na produção leiteira, transformando suas propriedades em empresas rurais. Outros latifundiários, diante da demanda por de elevado investimento de capitais, decidiram investir na pecuária de corte e mantiveram a baixa produção leiteira, de forma tradicional. Para esses produtores a lógica produtiva é a do lucro, do latifúndio, ou seja, do capital. Já os camponeses, diante das novas exigências, ou desistiram do mercado formal, inserindo-se na informalidade, ou se mantiveram, incorporando alguns aspectos da modernização, mesmo sofrendo com as exigências do mercado e políticas excludentes do setor e, muitas vezes, se endividando. Para eles, o sentido da produção e da terra são outros, uma vez que lutam para a sua reprodução e para a permanência na terra. Nesse aspecto, o leite assume posição de destaque, pois a sua comercialização possibilita renda constante para o camponês e sua família. Diante da politica de diferenciação de preços, uma estratégia encontrada pelos camponeses para conseguirem melhor preço para o leite no mercado foi a criação da Cooperativa dos Produtores Agropecuários de Corumbaíba (COOPAC). Dessa forma, o campo em Corumbaíba (GO) apresenta diferentes categorias de produtores de leite – empresas rurais, pecuária tradicional e unidades de produção camponesas – que se dedicam à pecuária leiteira. A dinâmica territorial dessas propriedades, e os sujeitos que nelas atuam - os produtores e os trabalhadores rurais - foram coesionados pela lógica do capital agroindustrial, representado pela Italac Alimentos, por meio de diferentes níveis de subordinação e enfrentando diversos problemas, intensificados pela organização do sistema que coloca sobre os produtores a responsabilidade pela qualidade e quantidade de leite para o mercado. Com a territorialização do capital agroindustrial lácteo foi latente a imposição da modernização da produção, portanto, aumentou a demanda por capitais para investir na produção leiteira, como o intuito de atender as exigências do mercado. Contudo, os produtores descapitalizados, sobretudo, os camponeses, encontram-se abandonados pelo Estado, no que se refere à assistência técnica e políticas financiamentos. Dentre os problemas evidenciados pelos produtores estão: o desestímulo diante da atividade leiteira; o alto investimento necessário para a modernização do setor; o baixo preço do produto pago pelos laticínios; a falta de assistência técnica; falta de capacitação; falta de informações referentes às inovações técnicas e ao mercado; e falta de linhas de crédito, especificamente, para os produtores camponeses. 241

No que se refere aos trabalhadores rurais observou-se que na pecuária tradicional e nas empresas rurais o capital agroindustrial lácteo promoveu a subordinação real do trabalho e nas propriedades camponesas, a subordinação formal do trabalho. Com isso, altera as relações sociais de trabalho, intensificando os níveis de exploração do trabalho assalariado, por meio de intensas jornadas de trabalhos e pelo limitado acesso aos direitos trabalhistas. Em suma, buscou-se estabelecer uma análise do processo de territorialização do capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO) e seus efeitos espaciais, a partir de um olhar geográfico, fundado na compreensão da relação capital/trabalho. Reconhece-se que os elementos evidenciados na pesquisa não esgotam a temática, mas contribuem para o entendimento da realidade, complexa e contraditória, desvelando, em partes, as tramas, teias e redes que compõem as diferentes territorialidades. As reflexões apresentadas contribuem para a formulação de novos questionamentos e para pesquisas futuras.

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249

ANEXOS

ANEXO A

ROTEIROS DE ENTREVISTAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CAMPUS CATALÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA

Título da pesquisa: A territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) Mestranda: Janãine Daniela Pimentel Lino Carneiro Orientador: Profº Drº Marcelo Rodrigues Mendonça

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS TRABALHADORES RURAIS NA PRODUÇÃO DE LEITE EM CORUMBAÍBA (GO)

Nº : ______Data: ______/______/______LOCAL:______

1. Idade; 2. Profissão; 3. Sexo; 4. Estado civil; 5. Tem filhos/as ou dependentes? Quantos? 6. Qual o nome da propriedade em que você trabalha? E da região onde se localiza? 7. Você mora onde trabalha? Por quê? 8. Há quanto tempo você trabalha com atividades relacionadas ao leite? 9. Como e quando você aprendeu a realizar este trabalho? 10. Você trabalha ou já trabalhou em outras atividades? Quais? 11. Fale sobre a sua jornada de trabalho diária. 12. Fale sobre as atividades laborais que você realiza diariamente. 13. Você trabalha em regime efetivo, temporário ou diarista? 14. Você participa, ou já participou de algum curso de qualificação profissional? Qual? 15. Você participa, ou já participou de algum curso de qualificação profissional? Qual? 16. Você possui folgas ou horários de descanso? 17. Você possui outras formas de renda? Quais? 18. Você gosta do trabalho que realiza? Por quê? 19. Você acha que a modernização da produção leiteira melhora ou piora as condições de trabalho? Por quê? 20. Fale sobre as vantagens em ser um trabalhador/a rural na produção do leite em Corumbaíba. 21. Fale sobre as desvantagens em ser um trabalhador/a rural na produção do leite em Corumbaíba. 22. Se tivesse oportunidade, mudaria de emprego? Por quê? 23. Renda média mensal; 24. Nível de escolaridade; 25. Nome;

OBRIGADA PELA SUA PARTICIPAÇÃO! SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE PARA O SUCESSO DE NOSSA PESQUISA!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CAMPUS CATALÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA

Título da pesquisa: A territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) Mestranda: Janãine Daniela Pimentel Lino Carneiro Orientador: Profº Drº Marcelo Rodrigues Mendonça

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS/AS PRODUTORES/AS DE LEITE EM CORUMBAÍBA (GO)

Nº : ______Data: ______/______/_____ LOCAL:______1. De quem é a propriedade da terra? 2. Qual o nome da propriedade? E da região onde se localiza? 3. Qual o tamanho da propriedade? 4. Qual a distância das cidades vizinhas? 5. Qual(s) a(s) principal(is) atividade(s) produtiva(s) desenvolvida(s) nesta propriedade? 6. Todas as atividades produtivas são para o mercado? Quais são? Quais não são? 7. Qual a importância da produção leiteira nesta propriedade? 8. Há quanto tempo você se dedica à produção leiteira? 9. Em média, qual a produtividade diária em litros de leite? 10. Em média, quantas vacas são ordenhadas por dia? 11. Qual a raça predominante do rebanho bovino para ordenha? 12. Quem realiza o trabalho de manejo do gado leiteiro? E a ordenha? 13. Como é feita a ordenha (regularidade e técnicas utilizadas)? 14. Você utiliza trabalho assalariado para as atividades de manejo do gado leiteiro e para ordenha? Em qual frequência? 15. Qual o destino do leite produzido? 16. Em termos de qualidade, qual o tipo do leite produzido? 17. Qual o valor recebido pelo leite no mercado? 18. Você já recorreu há alguma linha crédito ou financiamento para aplicar na atividade leiteira? Qual? Qual o valor do empréstimo? 19. Você avalia que este investimento foi satisfatório? Por quê? 20. Você é filiado/a em alguma Associação, Sindicato ou Cooperativa? 21. Você recebe algum tipo de assistência técnica ou treinamento para as atividades no campo? Quais? 22. Como é feito o transporte e armazenamento do leite na propriedade? 23. Quais as principais vantagens que você identifica em se dedicar à produção leiteira? 24. Quais as principais dificuldades que você identifica em se dedicar à produção leiteira? 25. Você identifica dificuldades em se manter no mercado a partir da produção leiteira? 26. Você acredita que continuará se dedicando a produção de leite? Por quê? 27. Você acredita ser necessário modernizar a produção de leite como melhoria da renda individual/familiar? 28. Renda média mensal; 29. Nível de escolaridade; 30. Nome;

OBRIGADA PELA SUA PARTICIPAÇÃO! SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE PARA O SUCESSO DE NOSSA PESQUISA!

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Título da pesquisa: A territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO) Mestranda: Janãine Daniela Pimentel Lino Carneiro Orientador: Profº Drº Marcelo Rodrigues Mendonça

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O GERENTE DE POLÍTICA LEITEIRA DA ITALAC ALIMENTOS Nº : ______Data: ______/______/______LOCAL:______ Dados gerais 1) Idade; Nível de escolaridade; 2) Profissão; Há quanto tempo você trabalha na Italac Alimentos? 3) Qual cargo você exerce na empresa?

 Caracterização da empresa 1) Quem são os proprietários da Italac Alimentos? Qual o capital empregado aproximadamente na empresa? 2) Qual a produçãodiária da unidade de Corumbaíba? Em média, qual o rendimento anual? 3) Quais fatores incentivaram a instalação e ampliação da empresa em Corumbaíba? 4) Qual a principal forma de escoamento dos produtos da filial de Corumbaíba? 5) Qual(s) o(s) principal(s) mercado(s) consumidor(s) para seus produtos? 6) Existem terceirizações das atividades? Quais? Por quê? 7) A Italac já participou, ou participa, de atividades terceirizadas? Quais? 8) Qual a posição da Italac no ranking das empresas nacionais? 9) A Italac Alimentos desenvolve projetos de ação social? Qual? 10) A Italac Alimentos possui políticas e ações de preocupação ambiental?

 Caracterização dos fornecedores/produtores de leite 1) Quantos litros/dia são recebidos para o processamento na unidade fabril de Corumbaíba? 2) Qual o total de fornecedores de leite? 3) De onde vem o leite beneficiado? 4) Quantas e quais cooperativas de produtores fornecem leite para a Italac Alimentos em Corumbaíba? 5) Qual o perfil dos fornecedores/produtores de leite (pequenos, médios, grandes, artesanais e tecnificados)? 6) Existem diferenciações no valor pago pelo leite aos fornecedores/produtores? Como e realizada? 7) Como é feito o controle de qualidade do leite recebido na plataforma? 8) Como é a relação entre a empresa e os fornecedores/produtores de leite? Existe algum convênio para treinamento, qualificação e financiamentos para a tecnificação e melhoria na qualidade do leite produzido? 9) Quais as principais dificuldades em relação aos fornecedores? 10) Comente o fato de a maioria dos fornecedores serem pequenos produtores. 11) Quais as ações desenvolvidas pela Italac Alimentos para o cumprimento da Normativa 51?  Em sua opinião, qual a importância da Italac Alimentos para o município de Corumbaíba?

OBRIGADA! SUA COLABORAÇÃO É MUITO IMPORTANTE PARA A REALIZAÇÃO DESTA PESQUISA.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CAMPUS CATALÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA

Título da pesquisa: A territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO)

Mestranda: Janãine Daniela Pimentel Lino Carneiro Orientador: Profº Drº Marcelo Rodrigues Mendonça

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DO SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE CORUMBAIBA (STTR)

Nº : ______Data: ______/______/______LOCAL:______

1. Idade; 2. Profissão; 3. Qual cargo você ocupa no Sindicato? 4. Há quanto tempo você faz parte do Sindicato? 5. Como foi o processo de formação do Sindicato? 6. Quantos filiados o Sindicato possui atualmente? 7. Qual o papel e atuação fundamentais do Sindicato atualmente? 8. O Sindicato organiza movimentos reivindicatórios ou mesmo assembléias entre os/as associados/as? Como elas acontecem/ram? 9. O Sindicato possui parcerias? Quais? Como atuam? 10. O Sindicato promove cursos de capacitação para os produtores rurais? Como? 11. Como você avalia as condições dos produtores e produtoras da bacia leiteira de Corumbaíba? 12. Fale sobre as condições de trabalho dos trabalhadores que atuam na pecuária leiteira em Corumbaíba. 13. Fale sobre a bacia leiteira de Corumbaíba (produtividade, qualidade, tecnificação, quantidade de produtores, inserção no mercado, dentre outros aspectos).

OBRIGADA PELA SUA PARTICIPAÇÃO! SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE PARA O SUCESSO DE NOSSA PESQUISA!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CAMPUS CATALÃO PROGRAMA DE MESTRADO EM GEOGRAFIA

Título da pesquisa: A territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO

Mestranda: Janãine Daniela Pimentel Lino Carneiro Orientador: Profº Drº Marcelo Rodrigues Mendonça

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DA COOPERATIVA AGROPECUÁRIA DOS PRODUTORES DE CORUMBAIBA (COOPAC)

Nº : ______Data: ______/______/______LOCAL:______

1. Idade; 2. Profissão; 3. Qual cargo você ocupa na Cooperativa? 4. Há quanto tempo você faz parte da Cooperativa? 5. Como foi o processo de formação da Cooperativa? 6. Quantos associados/fornecedores a Cooperativa possui atualmente? 7. Qual o papel fundamental da Cooperativa atualmente? 8. Qual o valor pago aos fornecedores/associados pelo leite? 9. Como é feita a diferenciação do valor pago pelo leite aos fornecedores/produtores? 10. Qual o destino do leite recebido pela Cooperativa? 11. Como é realizado o transporte do leite das unidades produtivas até a sede da Cooperativa? 12. Como se dá a relação entre os associados/produtores e a Cooperativa? 13. Descreva a bacia leiteira de Corumbaíba (produtividade, qualidade do leite produzido, nível tecnológico, perfil dos produtores)

OBRIGADA PELA SUA PARTICIPAÇÃO! SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE PARA O SUCESSO DE NOSSA PESQUISA!

ANEXO B TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS- GRADUAÇÃO

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário (a), de uma pesquisa. Meu nome é Janãine Daniela Pimentel Lino Carneiro, sou a pesquisadora responsável e minha área de atuação é Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável. Em caso de recusa, você não será penalizado(a) de forma alguma. Em caso de dúvida sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com a pesquisadora responsável Janãine, nos telefones: (64) 3447 1817/ (64) 9961 2645, inclusive realizando chamadas a cobrar. E em casos de dúvidas sobre os seus direitos como participante nesta pesquisa, você poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, nos telefones: 3521- 1075 ou 3521-1076.

INFORMAÇÕES IMPORTANTES SOBRE A PESQUISA - Título: A territorialização do capital agroindustrial em Corumbaíba (GO) - Justificativa: Interesse pessoal e enquanto pesquisadora em compreender a dinâmica da relação capital X trabalho em Corumbaíba com base no processo de territorialização do Laticínio Italac Alimentos e suas influências nas mudanças espaciais e nas relações de trabalho no município contribuindo com uma análise científica, mesmo parcial, da realidade que compõe o mesmo. - Objetivos: Compreender a territorialização da relação capital/trabalho a partir do capital agroindustrial, em Corumbaíba (GO) e seus efeitos nas transformações espaciais, bem como, os novos significados da relação campo-cidade. - Procedimentos utilizados da pesquisa: levantamento bibliográfico, trabalho de campo, entrevistas, questionários e análise quanti-qualitativa dos resultados.

- Esclarecimentos:

- Esclarecemos que não se pretende causar desconfortos e prejuízos a quem participar desta pesquisa. Os resultados serão publicados em âmbito acadêmico e científico, com as identidades dos participantes totalmente preservadas, atribuindo nomes fictícios aos sujeitos. Dessa forma, não haverá riscos para os/as participantes, que estarão contribuindo com este trabalho. Este será mais um estudo científico sobre a realidade do município, constituindo fonte de pesquisas para estudos futuros, bem como, fontes de informações para a sociedade de um modo geral. - A sua participação é muito importante para a realização deste estudo, pois irá fornecer dados e informações fundamentais para a realização dos objetivos propostos. - Salientamos ainda que não haverá nenhum tipo de pagamento ou gratificação financeira pela sua participação. - Você poderá interromper e/ou encerrar a entrevista e/ou a aplicação dos questionários, no momento em que julgar necessário, e ainda, deixar de responder qualquer uma das questões, se assim o desejar, sem nenhum constrangimento e penalidade.

- Você poderá aceitar ou não a participação na pesquisa, uma vez que não terá qualquer tipo de prejuízos por isso. _ A assinatura deste documento (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE) é fundamental para a sua participação nesta pesquisa como sujeito.

Nome e Assinatura do pesquisador ______Janãine Daniela Pimentel Lino Carneiro

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA PESQUISA

Eu, ______, RG/ CPF/ n.º de prontuário/ n.º de matrícula ______, abaixo assinado, concordo em participar do estudo ______, como sujeito. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pelo pesquisador(a) ______sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade (ou interrupção de meu acompanhamento/ assistência/tratamento, se for o caso).

Local e data:______

Nome e Assinatura do sujeito: ______

ANEXO C

LEI MUNICIPAL Nº 566/06

ANEXO D

LEI Nº 211/94

ANEXO E

LEI MUNICIPAL Nº 395/00

ANEXO F

PROJETO – ITALAC CRESCENDO COM VOCÊ

ANEXO G

BPA - BOAS PRÁTICAS AGROPECUÁRIAS