PUC-SP

PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM LÍNGUA PORTUGUESA

Sueli Terezinha de Oliveira

UMA VISÃO CRÍTICA DISCURSIVA DA GUERRA DO CONTESTADO (1912-1916)

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO

2017

PUC-SP

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM LÍNGUA PORTUGUESA

Sueli Terezinha de Oliveira

UMA VISÃO CRÍTICA DISCURSIVA DA GUERRA DO CONTESTADO (1912-1916)

DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa, sob a orientação da Prof.ª Dra. Regina Célia Pagliuchi da Silveira.

SÃO PAULO

2017

Banca examinadora

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Dedico esta tese a meu pai Antonio (in memorian), pela sabedoria e honestidade com que guiou a mim e a meus irmãos durante sua vida.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas oportunidades em cada etapa da vida.

À minha mãe Eleonora, pelo estímulo, incentivo e compreensão que me ofereceu durante a elaboração deste estudo.

A todos, familiares, amigas e amigos, que sempre me incentivaram a enfrentar esta jornada.

A todos aqueles que, mesmo não estando aqui citados, contribuíram de alguma forma, em maior ou menor intensidade, para a realização desta obra.

Aos professores, que auxiliaram na construção do conhecimento e propiciaram profundas reflexões na área da Língua Portuguesa.

À Universidade do Contestado, pelo apoio.

Aos meus coordenadores, pela tolerância.

Aos meus alunos, pela paciência e tolerância, nas minhas ausências.

À banca examinadora, pela compreensão e pelas contribuições úteis e necessárias.

Em especial, à professora Regina Célia Pagliuchi da Silveira, pela dedicação, segurança, genialidade e seriedade com que me orientou, repassando valiosos ensinamentos acadêmicos que serviram de base para o desenvolvimento desta obra.

RESUMO

OLIVEIRA, Sueli Terezinha de. Uma visão crítica discursiva da Guerra do Contestado (1912 – 1916).

Esta tese compreende que os papéis sociais de João/José Maria, na Guerra do Contestado, necessitam serem revistos pela Análise Crítica do Discurso (ACD) e complementada pela Teoria da Dominação, de Max Weber. Tem-se por tema o conflito existente desses dois personagens, na representação de textos didáticos de história e a tradição oral do povo. Justifica-se a pesquisa, pois, os personagens João/José Maria são representados com valor negativo no discurso da História e no discurso Didático, enquanto, na tradição oral são representados com valor positivo e considerados santos. Tem-se por objetivo geral: contribuir com os estudos relativos

à Guerra do Contestado. E específicos: 1º resgatar o panorama histórico – político– econômico do contexto da Guerra do Contestado; 2º caracterizar os papéis sociais dos personagens atualizados em textos de livros didáticos de História do Brasil; 3º confrontar os valores atribuídos pelo discurso da História e pelo discurso Religioso Popular ao mesmo personagem; 4º analisar como as representações sociais dos personagens da Guerra do Contestado transformaram o monge Giovanni, em João Maria e, posteriormente, em José Maria. Esta tese defende que o discurso Didático da História é controlado pelo poder da época do Contestado e que João/José Maria, na memória social do povo, são representados pelo Messianismo e Sebastianismo, de forma a considerá-los como um único personagem que retornou para salvar o povo de seu abandono eclesiástico e político. A pesquisa é qualitativa e documental. Os resultados obtidos sustentam a tese defendida e põe em evidência de que há controversa para representações dos valores atribuídos a João/José Maria, dependendo do regime político vigente, há variação desses valores; indicam que, conforme a Tipologia da Dominação de Weber, há três tipos nas representações das ações praticadas por José/João Maria, a saber: o patriarca, o carismático e o carismático messiânico; indicam, também, que os monges João Maria e José Maria são colaboradores do povo, abandonado pelo Estado e pela Igreja. Conclui-se a necessidade de dar continuidade aos estudos de forma a resgatar esses personagens em outros discursos.

Palavras-chave: Discurso da História. Guerra do Contestado. Papéis Sociais e Messianismo.

ABSTRACT

OLIVEIRA, Sueli Terezinha de. A critical discursive view of the Contestant War (1912

– 1916).

This thesis understands that the social roles of João/José Maria in the Contestado War need to be revised by the Critical Analysis of Discourse and complemented by Max Weber Domination Theory. Its theme is the conflit that exists between these two characters, in the representation of history teaching texts and the oral tradition of the people. This research has its justifing due the characters João e Maria have been represented with a negative value in the History discourse and in the Teaching discourse, while in the oral tradition, they have been represented with a positive value and considered saints. This research has the general aim to contribute with the studies on the Contestado War. And the specific aims, first: to rescue the historical - political –economical view of the context of Contestado War; second: to characterize the social roles of the updated characters in the texts of Brazil History didatic books; third: to confront the values assigned by the History discourse and by the Popular Religious discourse to the same character; fourth: to analyze how the character social representations of the Contestado War, transformed the monk Giovanni, in João Maria and later in José Maria. This thesis defends that the Teaching Discourse of History is controlled by the power of the Contestado time and that João/José Maria in the people social memory have been represented by “Messianism and Sebastianism”, so that to consider them as the only character that returned to save the people of its church and political abandonment. The research is qualitative and documentary. The obtained results support this defended thesis and placing in evidence that there has been a controversial in the representations of values that have been attributed to João/José Maria, depending on the regent political regime there is a variation of these values; they indicate that according to the Typology of Domination of Weber, there are three types in the action representations practiced by José/João Maria, to know as the patriarch, the charismatic and the messianic charismatic; they also indicate that the monks João Maria e José Maria have been people contributors ,and abandoned by the church. To conclude, there is a necessity to give a continuation of these studies, so that to rescue these characters in other discourses.

Key words: History discourse. Contestado War. Social Roles and Messianism.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 10

CAPITULO I ...... 15

CONTEXTO HISTÓRICO DA GUERRA DO CONTESTADO ...... 15

1.1 FATOS HISTÓRICOS ...... 15

1.2 CONTESTADO – CONTEXTUALIZANDO A DESIGNAÇÃO ...... 22

1.3 A REGIÃO DO CONTESTADO E SEUS BEATOS – UM PANORAMA

HISTÓRICO ...... 23

1.3.1 O Primeiro Beato/Monge – João Maria d’Agostini ...... 23

1.3.2 O Segundo Beato/Monge – João Maria de Jesus ...... 28

1.3.3 O Terceiro Beato – José Maria de Santo Agostinho ...... 29

1.4 GUERRA DO CONTESTADO: UM CONFLITO DO PODER? ...... 33

CAPÍTULO II ...... 35

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: SOCIEDADE, DISCURSO E IDEOLOGIA ...... 35

2.1 UM BREVE HISTÓRICO ...... 35

2.2 O QUE É ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO ...... 37

2.3 A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E O TEXTO ...... 38

2.4 O PODER COMO MEIO DE DOMINAÇÃO ...... 39

2.5 A IDEOLOGIA E O PODER ...... 41

2.6 A VERTENTE SOCIAL ...... 43

2.7 A LINGUAGEM E O PODER ...... 44

2.8 VERTENTE SOCIOCOGNITIVA ...... 45

2.9 MEMÓRIAS ...... 49

2.10 PAPÉIS SOCIAIS – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ...... 50

2.11 MAX WEBER E A TEORIA DA DOMINAÇÃO ...... 52

2.11.1 Max Weber e a Teoria da Ação Social ...... 52

2.11.2 Tipologia Ideal de Dominação Burocrática ...... 54

2.11.3 Tipologia Ideal de Dominação Patriarcal – Tradicional ...... 55

2.11.4 Tipologia Ideal de Dominação Carismática ...... 56

2.12 DISCURSO DA HISTÓRIA ...... 58

2.13 O DISCURSO RELIGIOSO ...... 62

CAPÍTULO III ...... 65

GRUPOS SOCIAIS E SEUS PERSONAGENS RELEVANTES NA GUERRA DO

CONTESTADO, CONFORME LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DO

BRASIL ...... 65

3.1 RESULTADOS OBTIDOS DAS ANÁLISES DO TEXTO 01 ...... 66

3.2 RESULTADOS OBTIDOS DAS ANÁLISES DO TEXTO 02 ...... 72

3.3 RESULTADOS OBTIDOS DAS ANÁLISES DO TEXTO 03 ...... 83

3.4 RESULTADO OBTIDO DAS ANÁLISES DO TEXTO 04 ...... 92

CAPÍTULO IV ...... 101

O BEATO JOSÉ MARIA E A GUERRA DO CONTESTADO: HERÓI OU

VILÃO? ...... 101

4.1 TIPOS DE DOMINAÇÃO E JOSÉ MARIA ...... 101

4.1.1 A Ação Tradicional/Patriarcal – o Patriarca ...... 102

4.1.2 A Ação afetiva, o Carismático ...... 104

4.1.3 A Ação Burocrática, o Burocrata ...... 107

4.2 O MESSIANISMO E SEUS INTERTEXTOS COM OS TEXTOS BASE DA

GUERRA DO CONTESTADO ...... 108

4.3 O SEBASTIANISMO COM SEUS INTERTEXTOS COM OS TEXTOS BASE

DA GUERRA DO CONTESTADO ...... 110

4.4 OS SANTOS MESSIÂNICOS (PADRINHO CÍCERO E ANTONIO

CONSELHEIRO), INTERTEXTUALIZADOS COM A GUERRA DO

CONTESTADO ...... 116

4.4.1 O Padrinho Cícero ...... 116

4.4.2 Antônio Conselheiro ...... 119

4.5 O RESGATE COM VALOR POSITIVO DO PERSONAGEM JOÃO/JOSÉ

MARIA ...... 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 133

REFERÊNCIAS ...... 141

ANEXOS ...... 146

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A – Texto Didático do Discurso da História – Texto 2 ...... 147

ANEXO B – Texto Didático do Discurso da História – Texto 3 ...... 152

ANEXO C – Texto Didático do Discurso da História – Texto 4 ...... 154 10

INTRODUÇÃO

Esta tese está vinculada à linha de pesquisa Texto e Discurso nas modalidades oral e escrita do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. E fundamentada na Análise Crítica do Discurso, com a vertente social e com a sociocognitiva. Considera, também, Moscovici (2013), com relação às representações dos papéis sociais, e Weber (2004), com a sua Teoria da Dominação.

Tem-se por tema o conflito existente entre os dois personagens João/José Maria na representação de textos didáticos de história e na representação da tradição oral do povo, e em sua relação Messiânica na Guerra do Contestado.

Justifica-se a pesquisa realizada, pois durante todo o século XX, imperou a representação da Guerra do Contestado e os personagens João Maria e José Maria, pelo discurso da História. Entende-se que o discurso da História é um discurso público institucionalizado, guiado pela ideologia do poder. Nesse discurso, a representação de João Maria e José Maria é elaborada com avaliação negativa, de forma a considerá-los como marginais que instigaram uma guerra, denominada “Guerra do Contestado”.

Atualmente, com as mudanças ocorridas na sociedade, está havendo uma mudança no discurso da história pela historiografia, que busca essa valorização positiva para os referidos personagens.

Justifica-se, também, a pesquisa realizada, pois as representações dos personagens João Maria e José Maria pelo discurso da História, como bandidos e vilões, é conflitante com a representação social que o povo da região faz deles, pois enquanto o poder os representa como agitadores, vilões, bandidos e fanáticos, o povo, até hoje, os representa como santos, os Messias, que vieram para salvá-los, designando-os por São João Maria e São José Maria.São essas representações do 11

povo que construíram a figura dos monges como um personagem singular na região que compreende o sudeste do Paraná e o norte de .

Tem-se como objetivo geral:

- Contribuir com os estudos relativos à Guerra do Contestado.

E como objetivos específicos:

1º) Resgatar o panorama histórico - político – econômico do contexto da Guerra do Contestado, a partir dos textos de História que são ensinados nas escolas.

2º) Levantar os papéis sociais dos personagens atualizados em textos de livros didáticos de História do Brasil.

3º) Confrontar os valores atribuídos pelo discurso da História e pelo discurso Religioso Popular ao mesmo personagem José Maria.

4º) Analisar como as representações sociais dos personagens da Guerra do Contestado transformaram o monge Giovanni em João Maria e, posteriormente, em José Maria, ou seja, como três personagens distintos são transformados em um mesmo personagem.

A pesquisa buscou responder às seguintes questões:

 Quais valores atribuídos a João Maria e a José Maria são responsáveis por sua representação ideológica do poder e quais valores foram atribuídos a esses personagens pelo povo para representá-los como Herói ou Messias?

 Segundo a Teoria da Dominação de Weber, de que forma João Maria e José Maria foram hierarquicamente, como mitos, representados como Messias?

 De que forma a crença no Sebastianismo propiciou que o povo transformasse três personagens em um único personagem? 12

Tem por hipótese que, todas às vezes que, no Brasil, devido ao contexto- político-social, ocorreu a ausência da Igreja e a omissão dos deveres do Estado com o povo, surge um Messias para atender a situação de abandono do povo brasileiro, como um grupo minoritário para a dominação ideológica do poder. Este é visto como Salvador do povo que é atendido por ele em suas necessidades. Dessa forma, resgata-se a crença histórica trazida de Portugal para o Brasil, o Sebastianismo..

É interessante observar que a Guerra do Contestado, ocorrida entre o período de 1912 a 1916, não é relevante para a representação em língua nos textos oficiais do discurso da História, não situa a Guerra do Contestado como um conflito social armado que resultou, segundo alguns autores, na morte de aproximadamente 10.000 pessoas, além de condenações e prisões durante esse período. Essas mortes, condenações e prisões ficaram marcadas na memória dos habitantes da região, ou seja, na tradição oral do povo.

A pesquisa realizada seguiu o método documental qualitativo. O procedimento metodológico foi o teórico-analítico para os textos selecionados como corpus.

A realização desta pesquisa compreendeu os seguintes passos:

1º) Leitura do texto integral para situar as representações desses papéis para o resgate histórico; 13

2º) Fragmentação dos textos integrais tendo por critério, a unidade semântica relativa aos papéis sociais das representações;

3º) Análise dos fragmentos retirados dos textos, observando as expressões lexicais (nominalizações, adjetivações e processos verbais) selecionadas para representação, em língua, dos papéis sociais atribuídos aos participantes do conflito histórico do Contestado.

4º) Comparação entre os fragmentos de textos oficiais e oficiosos e as representações em língua dos papéis sociais atribuídos aos participantes da Guerra do Contestado.

5º) Verificação dos valores ideológicos e culturais contidos nas formas de representação social.

6º) Análise do material selecionado pela Teoria da Dominação de Weber.

O material analisado foi selecionado no discurso da História, publicado em livros didáticos, selecionados a partir de diferentes datas de publicação. Justifica-se a seleção do material de análise em livros didáticos por terem eles uma grande circulação social. Nesse sentido, são eles que produzem em seus leitores- estudantes as formas de conhecimentos que serão armazenadas na memória social de longo prazo.

Esta tese defende, a partir da Análise Crítica do Discurso, que os monges João Maria e José Maria foram colaboradores do povo que havia sido prejudicado pelos interesses socioeconômicos do poder, ou seja, tanto pelo Estado quanto pelo coronelismo da região; por essa razão, construíram os monges como um mito no discurso Religioso Popular guiado pelo Sebastianismo. 14

Esta tese é composta pelos seguintes capítulos:

Capítulo I - Contexto Histórico da Guerra do Contestado.

Neste capítulo, apresenta-se o panorama histórico-político-econômico do contexto da Guerra do Contestado, segundo o discurso oficial da História, em que são abordados os fatos históricos relacionados à Guerra do Contestado, o conflito, a designação, e a história dos três monges: João Maria d’ Agostini, João Maria de Jesus e José Maria de Santo Agostinho.

Capítulo II – Fundamentação Teórica: Sociedade, Discurso e Ideologia

Neste capítulo são apresentados os fundamentos teóricos relativos à análise Crítica do Discurso e suas vertentes, social e sociocognitiva. Em seguida, os papéis sociais e as representações avaliativas, após a Teoria da Dominação e no final o discurso da História e o discurso Religioso.

Capítulo III – Grupos Sociais e seus personagens relevantes na Guerra do Contestado, conforme livros didáticos de História do Brasil.

Este capítulo apresenta os resultados obtidos das análises realizadas com quatro textos, selecionados a título de exemplificação. Esses resultados foram organizados por: referência textual, focalização temática, grupos sociais e papéis sociais, o que foi acrescentado e o que foi cancelado, data de publicação e contexto histórico da época do texto analisado.

Capítulo IV – O beato José Maria e a Guerra do Contestado: Herói ou Vilão?

Este capítulo apresenta os resultados obtidos das análises relativas ao personagem José Maria, a partir da Teoria da Dominação de Weber, a similitude das ações de José Maria com Antônio Conselheiro, em Canudos, Padre Cícero, em Juazeiro, ao Messianismo, à crença portuguesa do Sebastianismo. Por último, será tratado o resgate com valor positivo do personagem José Maria, em Santa Catarina. 15

CAPITULO I

CONTEXTO HISTÓRICO DA GUERRA DO CONTESTADO

Este capítulo apresenta um contexto histórico da região da Guerra do Contestado, 1912 a 1916, tendo por base o discurso da História, complementado com o discurso da Historiografia.

Buscam-se semelhanças e diferenças no confronto entre esses dois discursos.

O primeiro discurso tem seus textos fundamentados em textos oficiais e é imposto como discurso institucionalizado nas escolas, tornando-se público. O segundo discurso é resultado de pesquisas com textos oficiais e não oficiais e tem acesso a um público específico, interessado nas descobertas recentes do campo da história.

1.1 FATOS HISTÓRICOS

O projeto de colonização pelos portugueses iniciou por um regime de capitanias na faixa litorânea. Como esse projeto fracassou, surgiu outro projeto, no qual o governo português realizou a centralização da administração colonial ao criar o governo-geral, em 1548. Em vias gerais, o governador-geral deveria viabilizar a criação de novos engenhos; propiciar a integração dos indígenas com os centros de colonização; combater o comércio ilegal; construir embarcações; defender os colonos e realizar a busca por metais preciosos.

Diante da extensão de terras existentes na região sul, surgiram dois grupos sociais: o primeiro, o dos portugueses que eram imigrantes voluntários, vindos ao Brasil em busca de novas perspectivas de vida, e o segundo, formado por brancos 16

degredados e negros fugitivos, na sua maioria, não tinham para onde ir e viviam nessa região como posseiros.

Na Europa, a Revolução Francesa e o avanço de Napoleão sobre o território europeu causaram a mudança da corte portuguesa para o Brasil, no início do século XIX, em 1808, o que ocasionou uma mudança social. Assim, o sistema político para a ocupação de terras mantém as doações, em forma de Sesmarias1.

Conforme Thomé (1992), com o advento do Império do Brasil, após a independência de Portugal, as antigas capitanias, com a outorga da 1ª Constituição do Brasil, passaram definitivamente, a serem denominadas províncias, no ano de 1824,

A região tratada, nesta tese, era caracterizada pela produção rural de erva mate que gerava renda financeira muito boa para os que viviam entre o sudeste do Paraná e norte de Santa Catarina.

Com o tempo, com o enriquecimento e com a queda do império, houve a posse de terras que, para ser regularizada, passou a ser controlada pela lei de usucapião.

Desde D. Pedro I, com a Independência do Brasil, houve a necessidade de um fundo monetário para pagar as dívidas externas e internas com os gastos públicos. Por esta razão, o governo optou por uma política cafeicultora rural que era complementada pelo cultivo do algodão, da erva-mate e do açúcar, conforme cada região. Coube à região, tratada, neste capítulo, a cultura da erva-mate.

Outro fato importante para se entender a Guerra do Contestado foi o aumento da população na região de Santa Catarina, pois conforme Luz (1952) no início do século XX, houve um aumento significativo com relação à população no Estado de

1Sesmaria era um lote de terras distribuído a um beneficiário, em nome do rei de Portugal, com o objetivo de cultivar terras virgens. Originada como medida administrativa nos períodos finais da Idade Média em Portugal, a concessão de sesmarias foi largamente utilizada no período colonial brasileiro. Iniciada com a constituição das capitanias hereditárias em 1534, a concessão de sesmarias foi abolida apenas quando houve o processo de independência, em 1822. Disponível em: . Acesso em: 03 ago. 2017. 17

Santa Catarina, principalmente no norte catarinense. Esse aumento deveu-se principalmente à chegada de colonos alemães e italianos. Segundo ele,

cresceu sempre numa progressão admirável: em 1865, durante a guerra do Paraguai, era computada em 133 mil habitantes; em 1879, em 150 mil; em 1890, em 266 mil; em 1908, em 500 mil. A população do planalto, si bem que muito menos densa que a do litoral, entretanto também cresceu constante e continuamente, de modo que, ao se iniciar o novo século, orçava nuns 80 mil habitantes: número já significativo para uma região até pouco completamente despovoada (LUZ, 1952, p. 36).

Outro fato, também, importante foi o êxito do litígio entre Brasil e Argentina, obtido pelo Barão do Rio Branco. Por essa razão, houve um maior interesse pelo Paraná e por Santa Catarina, em relação ao território das Missões, propiciando uma discussão a respeito da questão dos limites entre esses dois Estados. Cada um reclamava para si a posse do território. Isso, também, gerou mais conflito na região contestada.

O sistema rural de produção necessitava com urgência de transporte e para satisfazer essa necessidade o governo optou pelo transporte ferroviário. Para tanto, necessitava do serviço inglês e norte-americano, já que eles haviam se especializado na área e o Brasil mantinha, desde o início, na colonização, laços muito estreitos com a Inglaterra.

Por isso, a fim de atrair os construtores, ou seja, os especialistas para tal trabalho, foram oferecidas várias regalias, entre elas, a posse de terras.

Foram planejadas várias ferrovias para o transporte de produtos agrícolas das diferentes regiões. Uma delas foi a “Brazil Railway Company” e para a sua execução foi desapropriada uma extensão de 15 km para a direita e 15 km para a esquerda do traçado da ferrovia, a qual ligava São Paulo – Rio Grande. Porém, lá já havia proprietários e posseiros, os quais não foram indenizados e perderam as suas posses.

Concomitante à construção da estrada de ferro, na região, ocorreu o apoio da Igreja aos grandes proprietários de terras, recebidas por Sesmarias. Em relação ao povo brasileiro, a Igreja Católica mantém a sua atenção voltada apenas para a 18

catequese, “salvando almas”, pois, anteriormente, o fato de estar próxima do povo, causou a expulsão das ordens religiosas pelo Marquês de Pombal, no século XVIII.

Conforme Queiroz (1981), o fato de a Igreja Católica se afastar do povo deixou-o abandonado, mesmo por que a Igreja decidiu-se por apoiar a política do Estado. Sendo assim, ela foi responsável por manter a ordem e não aceitar o conflito causado pela decisão governamental pela desapropriação de terras. Com essa decisão, ocorreu o abandono do povo tanto pela Igreja quanto pelo Estado.

Com o Marquês de Pombal, as ordens religiosas só se mantiveram em algumas regiões de destaque, entre elas a região sul, com as Missões. Sendo assim, grande parte da população ficou desprotegida e afastada das relações com as demais regiões brasileiras.

Com a abstenção do Estado e da Igreja começou um conflito entre as instâncias de poder e o povo.

Essa mudança social produziu uma mudança no discurso. O povo insatisfeito por ter de abandonar suas terras e por não ter onde ficar, foi reunido pelo monge José Maria que passou a liderá-los.

Antes, a mesma região já havia sido visitada pelo monge Giovanni Agostini que especializado em ervas, ajudou a curar doenças do povo e por não haver igrejas, construiu pequenas capelas com cruzes representativas da morte de Jesus Cristo.

Com o desaparecimento do monge João Maria de Agostini que foi embora, apareceu na região outro João Maria. Este foi denominado pelo povo de João Maria de Jesus. Ele, também, grande conhecedor de ervas, passou a ocupar o papel do monge italiano na cura de doenças do povo e na prática da fé. Este também desapareceu. Surgiu então, José Maria de Santo Agostinho, que também, praticava curas e fazia milagres. Esse também percebeu a necessidade de se ocupar com a religiosidade do povo, deu continuidade às atividades dos monges anteriores, reunindo o povo em oração. José Maria teve por tema a liberdade e a autonomia do 19

povo, levando-o a perceber que precisava defender os seus próprios interesses, não ser omisso, obediente e submisso ao poder.

Era necessário calar esses discursos opositivos e evitar multidões em guerra.

O Estado começou a repressão popular.

Segundo os escritos da professora do Centro de Ciências Sociais da Educação, da Universidade de Santa Catarina, Marli Auras (1986, p. 7)

“É inegável que os caboclos do planalto catarinense foram protagonistas da história ao longo da Guerra do Contestado. O conflito armado ocorreu como resposta do poder republicano à ousadia dos sertanejos de procurar fazer frente ao avanço das relações capitalistas da região”.

Ou seja, uma questão de cunho eminentemente social foi considerada pelos governantes como um caso policial, no qual tantas pessoas morreram.

Em síntese, na Guerra do Contestado, o primeiro Beato é o italiano Giovanni d’Agostini, que o povo transformou no monge João Maria de Agostini, que saiu da região, desaparecendo e o povo esperava que ele retornasse para salvá-lo. Em seguida, vindo da Argentina, apareceu o beato Anastás Marcaf, que o povo chamava de João Maria de Jesus, também desapareceu e o povo ficou aguardando a sua volta. Mais tarde, resgatou a figura do Salvador, em Miguel Lucena de Boa Ventura, chamado pelo povo de José Maria de Santo Agostinho.

José Maria, embora não fosse monge, nem nunca tivesse sido, era um desertor do exército. Este percebeu as necessidades do povo e seu abandono pela Igreja e pelo Estado, que o deixou desabrigado e sem assistência. Como José Maria, entendia de ervas, passou a curar as doenças do povo e orar com ele em suas manifestações religiosas. Durante o conflito armado, foi morto com um tiro, pela polícia.

Segundo Queiroz (1981, p. 104)

A crença na ressurreição de José Maria eclodiu imediatamente após a sua morte. Enterraram-no de maneira especial ‘porque disseram que ele ia ressuscitar’ (depoimento Maria). Na carta que um sobrevivente escreveu do Irani à sua mulher que ficara no Taquaruçu, informava que o túmulo do José 20

Maria não tinha terra por cima, e sim tábuas ‘para ele facilmente ressuscitar’ (Jornal DT 18 nov. 1912).

José Maria morreu em 1912, porém, anteriormente, em 1910, estava pronta a estrada de ferro que ligava São Paulo – Rio Grande. Essa estrada atravessava de norte a sul, numa faixa territorial compreendida entre Rio Iguaçu, o Rio Uruguai e Vale do Rio do Peixe.

Conforme Luz (1952), o Paraná que tinha como limites a margem esquerda dos rios Negro e Iguaçu, procurou estender e intensificar seu domínio na região, instalando Coletorias2 até o vale do Rio do Peixe.

Santa Catarina tentava jurisdicionar o território que conseguia e, para isso, tomava providências. Por exemplo, criou em 1911, o município de Canoinhas, e foi estendendo seu domínio pelo vale do Alto do Rio Timbó.

Como se pode observar, dependendo do “poder político” ou “influência política”, assim iam ocorrendo as demarcações dos limites entre os dois Estados.

Ainda, segundo Luz (1952), os governos faziam concessões de grandes extensões de terra às grandes companhias, principalmente, às estrangeiras e às pessoas que tinham poder ou influência na política, os grandes coronéis.

Uma dessas concessões foi para a Brazil Railway, que construiu a estrada de ferro São Paulo – Rio Grande, sendo 15 quilômetros das terras marginais de cada lado de sua linha.

Segundo Luz (1952), os trilhos desta estrada de ferro, que, em 1906, haviam chegado, do norte, até Porto União; em 1910, já haviam atravessado o sul, 130 quilômetros da região contestada.

Ainda, conforme Luz (1952), como nessa época as relações diplomáticas entre o Brasil e a Argentina estavam tensas, e com a iminência de uma guerra, os

2 Repartição pública onde se pagam impostos. Disponível em: . Acesso em: 03 ago. 2017. 21

trabalhos foram intensificados, para que a obra fosse concluída o mais rápido possível, visto que, essa estrada tinha um valor estratégico para os brasileiros durante a guerra. Para isso, foram contratados operários de todo o Brasil, principalmente de São Paulo, e Santos, o que ocasionou um grande contingente de pessoas, uma média de dez mil operários, sem qualquer qualificação para o trabalho. Ainda, segundo o autor, devido à urgência do serviço, alistavam-se assim, antigos criminosos, “capoeiras”, moleques e facínoras de toda espécie. O importante era terminar a obra o quanto antes.

Entretanto, quando os trabalhos terminaram, a maioria dos trabalhadores da construção da estrada de ferro não pode retornar à sua terra natal, pois, segundo Queiroz (1981), apesar da promessa dos empregadores de que os trabalhadores seriam levados de volta ao terminar a obra, não foi o que ocorreu e os trabalhadores foram abandonados e não receberam o pagamento para retornarem às suas cidades, sendo obrigados a permanecerem na região, nos municípios catarinenses e paranaenses.

Conforme Luz (1952), as concessões de terras tanto para a estrada de ferro quanto para as outras companhias e indivíduos que se mudavam para a região, espoliando os antigos moradores, posseiros de muitos anos que, agora eram considerados intrusos, fizeram com que os caboclos se sentissem prejudicados nos seus direitos. Pois, com a construção da estrada de ferro, houve um aumento de recursos na região, o que ocasionou uma procura maior pelas terras pelos latifundiários. Para os sertanejos, que não viam vantagens, somente destruição e perda de terras, pois não tinham mais direito a nada, revolta, injustiça.

Também nessa época, iniciava-se a imigração estrangeira, ou seja, a chegada de alemães, italianos e polacos, vindos do Rio Grande ou diretamente da Europa.

Segundo Luz (1952, p. 37), “tudo isso e uma contemporânea explosão de fanatismo religioso no meio dos caboclos incultos gerou o “movimento dos fanáticos” originando-se em Curitibanos e assolando quasi toda a região”. 22

Ainda, conforme Luz (1952), para acabar com esse movimento, o governo federal mobilizou uma grande parte do exército e os governos estaduais, suas forças policiais.

Após o término desse conflito, foi assinado o Acordo, em 20 de outubro de 1916, pelo presidente da República Dr. Wenceslau Braz e pelos governadores do Paraná e de Santa Catarina e resolvida a questão dos limites. A região contestada foi dividida da seguinte maneira: Santa Catarina ampliou o seu território e começou a jurisdicionar uma área até então pertencente ao Paraná, criando sucessivamente os municípios de Mafra, Porto União, Joaçaba, Chapecó, Itaiópolis, Caçador, Concórdia e Videira.

1.2 CONTESTADO – CONTEXTUALIZANDO A DESIGNAÇÃO

De forma geral, a designação “Contestado” ocasiona estranheza para as pessoas. Por esta razão, este item trata da origem dessa designação.

Segundo o historiador Thomé (1992), as regiões do meio-Oeste, do Oeste, do Extremo – Oeste do Estado de Santa Catarina, e do Sudoeste do Paraná, constituíam um território litigioso, que durante o século XIX foi disputado por dois países: Argentina e Brasil, denominado de “Questões das Missões”, resolvido em 1895, por arbítrio internacional, durante o período do Presidente Cleveland, dos EUA.

Após essa disputa das terras consideradas contestadas pelos dois países, iniciou-se outra disputa, agora entre as províncias do Paraná e Santa Catarina, em que ambas disputavam determinada parte das terras. Ou seja, iniciava-se outra disputa semelhante à que ocorreu entre Argentina e Brasil, já que a área era a mesma. Como jornalistas, advogados, políticos e outros se referiam à região como terras contestadas em documentos oficiais e jornais, ela ficou sendo conhecida como a “região do contestado”.

A região contestada compreendia, quando a guerra iniciou, em 1912, as vilas de , Curitibanos, e Canoinhas, pertencentes à Província de 23

Santa Catarina e as de Rio Negro, União da Vitória e Palmas à província do Paraná. Também havia outros pequenos povoados pertencentes à Santa Catarina: Papanduva, Itaiópolis, Três Barras e Vila do Timbó.

1.3 A REGIÃO DO CONTESTADO E SEUS BEATOS – UM PANORAMA HISTÓRICO

O discurso da História é apresentado segundo a versão dos historiadores. Esses reproduzem, na representação textual, a ideologia do poder da época em que vivem.

A história do Contestado, segundo historiadores, iniciou em 1912, com a terra contestada pelas duas províncias: Paraná e Santa Catarina.

Para melhor entendimento dessa Guerra, é necessário retornar ao ano de 1851, pois é a partir dessa data que se situa a presença do monge João Maria d’Agostini (Giovanni Maria d’Agostini). Após a sua saída dessa região, apareceram outros dois: João Maria de Jesus (Anastás Marcaf) e José Maria de Santo Agostinho (Miguel Lucena de Boaventura).

1.3.1 O Primeiro Beato/Monge – João Maria d’Agostini

Conforme Karsburg (2012), em 1851 surgiu, na região sul, nos Estados do Paraná e de Santa Catarina, mais precisamente nos limites entre esses dois Estados, um homem vindo da Itália, chamado Giovanni Maria D’Agostini ou João Maria D’Agostini, que chegou ao Brasil por volta de 1840. Conforme foto (ver Figura 1), tinha barba longa, suas roupas eram rústicas (vestia hábito religioso, apesar de ser leigo), seu calçado era uma sandália rústica, andava com um cajado nas mãos e carregava objetos como Bíblia, medalhas de Nossa Senhora Aparecida. Era parecido fisicamente com seus compatriotas italianos capuchinhos, ou seja, tinha a aparência dos profetas bíblicos. 24

Figura 1 – João Maria D’Agostini

Como havia ausência da Igreja, nessa região, conforme Queiroz (1981), nessa época, foram erguidas cruzes de madeira na porta das Capelas, construídas pelos moradores, por solicitação do Beato. Uma dessas cruzes foi colocada na Praça Hercílio Luz, na cidade de Mafra, no dia 30 de junho de 1851, e, até hoje, é cultuada pelos moradores locais e visitantes, que, inclusive, acendem, nela, velas fazendo pedidos e agradecendo graças alcançadas. Também criavam vias-sacras para que os fiéis pudessem, em procissão, se penitenciarem, ao recordarem o martírio de Jesus.

Ele foi o primeiro, antes da Guerra do Contestado, a ser chamado de monge no Brasil, pois era considerado um profeta de muita fé, que se dedicava às rezas, batizava e curava as pessoas que sofriam com doenças e epidemias, tais como a varíola.

Segundo Alexandre Karsburg (2012), esse italiano peregrinou pelas Américas, de 1838 e 1869, ou seja, por mais de trinta anos, de barco, a cavalo e, na maioria das vezes, a pé. Geralmente, fixava residência em grutas ou cavernas, pois percorria montanhas, desertos, florestas e mares. É considerado o primeiro ou o pioneiro de uma linha de santos populares da região, pois segundo ele, sua missão era salvar almas por meio da pregação da Bíblia, o que o levou a ser venerado pelo 25

povo que aqui morava, sendo que este povo era muito religioso e não era amparado pelo clero, ausente da região.

Ainda, conforme Karsburg (2014), Agostini nasceu em 1801, na comuna de Sizzano, região do Piemonte italiano. Foi para Roma em 1819, em seguida, para a França, depois para a Espanha, onde pretendia ser monge, mas não conseguiu adaptar-se à vida no monastério. Devido a esse fato, e em crise espiritual, decidiu cruzar o oceano e ser um mensageiro da palavra de Cristo, ou seja, ser um religioso nas Américas. Iniciou sua caminhada em junho de 1838, ao desembarcar em Caracas, Venezuela.

Ao Brasil, ele chegou em 1843 e permaneceu até 1852. Ele tinha como costume de, ao entrar nas cidades, tais como Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Desterro (Florianópolis) e Porto Alegre, conversar com os bispos e presidentes das províncias, solicitando autorização para pregar o Evangelho. Após ser autorizado oficialmente, viajava para o interior, onde pregava o Evangelho como um missionário e vivia como eremita, recluso; inclusive, escrevia que sua profissão era eremita.

Em suas pregações profetizava sobre o fim do mundo, condenava o luxo e a avareza, falava sobre as penas do inferno e a salvação das almas.

Ele próprio fabricava os rosários e crucifixos de madeira, os quais trocava por alimentos e dinheiro para continuar a sua peregrinação. Também receitava chás e preparava unguentos para as pessoas que tinham problemas de pele, pois sabia combinar ervas, raízes e folhas com a água que vinha das fontes.

Em síntese, cuidava do povo tanto da alma quanto do corpo. Segundo os historiadores, ele era considerado pelo povo um santo que fazia milagres. Seus passos eram seguidos pelo povo do interior. Em todos os lugares onde esteve, atraía multidões de enfermos, crentes, inclusive de países vizinhos, principalmente do Uruguai, Argentina e Paraguai. 26

Conforme Karsburg (2014), os jornais da época escreviam que havia um monge estrangeiro na região o qual havia descoberto “águas bentas”, que podiam curar paralisias, doenças de pele, ossos quebrados e outras tantas doenças.

João Maria d’Agostini foi modelo para outros homens que, também se puseram a peregrinar pelas regiões interioranas do Brasil, ou seja, é considerado o primeiro monge peregrino, pois, a partir dele, surgiram outros, dos quais dois se destacaram na região sul do Brasil, desde meados do século XIX, e serão tratados mais adiante.

Como havia estudado no mosteiro, era formado em Teologia e falava latim e francês, destacava-se por seu conhecimento do Evangelho e por sua formação cultural. Segundo Karsburg (2012), o padre Gomes de Oliveira e Paiva, ao se encontrar com João Maria ficou encantado com ele, considerando-o um homem “digno de admiração”, devido à sua escolha por uma vida de peregrino, assim como o fizeram os santos dos primeiros tempos do cristianismo.

Ele foi, também, recebido em audiência pelo Imperador Dom Pedro II, que segundo escritos (suas memórias) do João Maria, chegou a lhe oferecer alguns privilégios, tal a sua admiração pelo monge, mas esse as recusou, já que ele buscava uma vida de sacrifícios e reclusão. Entretanto, vale ressaltar que, conforme Karsburg (2012), essa amizade o ajudou a se livrar de acusações de charlatanismo, exercício ilegal da medicina, falsas promessas de cura e impostura religiosa, apresentadas pelo governo do e por médicos da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro.

No ano de 1852, ele viajou para o Paraguai e permaneceu em Monte Palma por, aproximadamente, um ano. Este local é conhecido atualmente por “El Cerro del Monje”, situado na província argentina de Misiones. Já no ano seguinte, foi para Buenos Aires, e, depois, fez uma peregrinação pan-americana. Percorreu a Cordilheira dos Andes até o Chile e lá permaneceu, de 1854 a 1856; no ano de 1857 foi à Bolívia, em 1858, passou pelo Peru; em 1959, pelo México; em 1860, por Cuba e, em 1861, pelo Canadá. 27

São esses valores positivos atribuídos a João Maria que fundamentam seu mito, criado pelo povo, de Messias ou Salvador.

Segundo Karsburg (2012), devido aos muitos seguidores que se reuniam em torno a João Maria, sua presença causava certo temor e desconfiança nas autoridades, já que havia naquela época a consolidação das fronteiras políticas, bem como a construção dos Estados Nacionais, e não sabiam quais as pretensões do monge que exercia forte influência sobre os seus seguidores.

Em 1861, d’Agostini entrou nos Estados Unidos, no Novo México, fazendo um trajeto de quase mil km a pé, estabelecendo-se nas montanhas. Em 1867, estabeleceu-se em uma vila chamada “Las Cruces”. Como era um lugar deserto e perigoso devido à proximidade com os índios selvagens, combinou com os moradores da vila: “Toda sexta-feira acenderei uma fogueira para avisar que continuo vivo e orando por vocês”. E durante dois anos, descia ao povoado para catequizar, pregar e cuidar dos doentes. Mas no mês de abril de 1869, a fogueira não acendeu e quando os moradores foram à sua procura, eles o encontraram estendido, de bruços, com o seu rosário nas mãos. Fora assassinado e o crime nunca esclarecido, tornando-se um verdadeiro mártir, como Jesus.

Depois de sua morte foram encontrados vários papéis tais como passaportes, cartas de recomendação, nas quais apareciam os lugares e países por ele visitados. Também havia folhas nas quais estavam registradas suas memórias e uma fotografia, de 1867, tirada na cidade de Santa Fé, na qual ele aparece com um manto, o hábito com capuz, a Bíblia embaixo do braço esquerdo. Essa fotografia é parecida com a que está no Livro de Registros de Estrangeiros da cidade de Sorocaba, tirada em 24 de dezembro de 1844. Inclusive aparece um sinal que ele tinha, era aleijado de três dedos da mão esquerda.

Ele foi sepultado no cemitério da cidade de “Mesilla”, sul do Novo México, Estados Unidos. 28

1.3.2 O Segundo Beato/Monge – João Maria de Jesus

O segundo monge apareceu entre os anos de 1886 e 1908. Seu nome era Anastás Marcaf, de origem síria e ascendência grega. Ele chegou ao Brasil vindo da Argentina em 1886. Passou a ser chamado pelos moradores da região do Contestado de João Maria de Jesus.

Ele, assim como João Maria d’Agostini (ver Figura 2), por causa de suas curas e seu modo de vida dedicado ao povo, foi venerado por ele como santo. Ele conversava com as pessoas que vinham ao seu encontro, receitava remédios, batizava as crianças e também difundia suas ideias, por exemplo: “Quem descasca a cintura das árvores para secá-las também vai encurtando sua vida. A árvore é quase bicho, e bicho é quase gente”. Ou ainda: “Quem não sabe ler o livro da natureza é analfabeto de Deus”.

Figura 2 – João Maria de Jesus

Nessa época (1893-1895), estava ocorrendo a Revolução Federalista e ele visitava os acampamentos dos revoltosos, criticando a República, anunciando miséria e sofrimentos 29

Conforme Carvalho (2010, p. 51), Ângelo Dourado, médico e coronel federalista, registrou um encontro com o monge, ocorrido em 1894:

Quando proclamaram a república, ele anunciara por onde passara grandes calamidades e para preservarem-se dela plantassem cruzes nas portas. Que haviam de matar e roubar, porque todos estes teriam em si o diabo. Depois esses crimes trariam uma guerra cruel, sem quartel. Que animados pelo diabo teriam forças e dinheiro, mas que os outros venceriam ‘mesmo sem armas’. Ainda de acordo com João Maria, esta nova guerra seria precedida de muitos ‘castigos de Deus’, como praga de gafanhotos, cobras ou chagas: ‘Vai vir um tempo onde haverá muito pasto, mas pouco rastro’.

Segundo Carvalho (2010, p.51), “devido ao seu poder de cura, exerceu grande influência sobre o povo dessa região, que tinha certeza de que era o mesmo monge que desaparecera desde 1870”.

Entretanto, em 1908, ele também desapareceu, sem deixar vestígios. A população ficou aguardando seu retorno. Ela acreditava que ele ressuscitaria, assim como Cristo. Ou que retornaria, conforme o Sebastianismo.

1.3.3 O Terceiro Beato – José Maria de Santo Agostinho

O terceiro homem se apresentava como José Maria de Santo Agostinho. Segundo Queiroz (1981, p. 81) em geral, o comportamento e a maneira de ser de José Maria levava a que ele se parecesse com o monge João Maria d’Agostini. Inclusive quando lhe perguntavam se era irmão do antigo monge, respondia dubiamente, mas sem desmentir.

Ele tinha bons conhecimentos do poder curativo das ervas e, quando “ressuscitou” uma jovem – provavelmente vítima de catalepsia – e curou a mulher de um coronel, supostamente de uma doença incurável, sua fama se espalhou, especialmente, depois que recusou terras e ouro oferecidos pelo coronel e montou uma farmácia para o povo, onde atendia gratuita e diariamente, até tarde da noite, quem o procurasse. 30

Em comum, entre os três é o fato de serem peregrinos. Voltaram, estabelecendo uma relação com o Sebastianismo, segundo Carvalho (2010, p. 52),

Um terceiro peregrino chegou à região de Campos Novos, Santa Catarina, em 1912. Miguel Lucena de Boaventura, um curador de ervas, autodenominado José Maria de Santo Agostinho, atraiu centenas de pessoas, que permaneceram ao seu redor na localidade conhecida como Taquaruçu. Lá ele abriu uma espécie de consultório, chamado ‘Farmácia do Povo’, utilizando as diferentes ervas da região e elaborando receitas, como esta citada pelo jornal Diário da Tarde em 1912: ‘entravam sassafraz, raiz de xaxim e outras raízes, na proporção de 700 gramas em uma garrafa de cachaça, para os doentes ingerirem em grandes doses’.

José Maria de Santo Agostinho, diferente dos monges anteriores, não buscou o isolamento. Convidado pelos moradores de Taquaruçu, ali se estabeleceu com sua farmácia, em agosto de 1912, e passou a pregar abertamente contra o governo republicano que explorava a população pobre. Para o povo, o Salvador, o Messias havia retornado para salvá-lo, conforme o historiador Thomé (1992, p. 79)

Muitas coisas aconteciam ao mesmo tempo no decorrer de 1912. Os políticos estavam exaltados, os coronéis preocupados, os militares afoitos, os ferroviários e madeireiros inquietos, os religiosos apreensivos [...] e a ‘caboclada’ muito agitada! O sertão estava em processo de convulsão no lado catarinense. Para os sertanejos, o clima de instabilidade atingia níveis perigosos. Ainda assim, ninguém falava em guerras, nem prenunciava carnificinas. A novidade que corria de boca-em-boca era que São João Maria estava de volta, pregando e curando no outro lado do Rio do Peixe.

Conforme Queiroz (1981), pouco se sabe a respeito dele, além de ser natural de Pernambuco e de ter vindo para o Rio de Janeiro, depois para o Paraná, no final do século XVIII. Ao percorrer a região a pé, foi confundido com Miguel Fragoso, outro conhecido benzedor, o que ocasionou, segundo os caboclos, dificuldade em identificar o que um e o outro fizeram.

Entretanto, em 1911, segundo Thomé (1992), através do registro da prisão por ter seduzido a filha de um dos moradores do povoado de Campos Novos, ele se identificou à justiça local. E, na própria prisão, atendia aos que o procuravam para curas e dava conselhos. Diante disso e de uma grande pressão popular, ele foi solto. Após fazer muitos amigos, transferiu-se para o outro lado do Rio do Peixe. Percorreu as regiões de Lages, Curitiba e Campos Novos, apresentando-se como José Maria, sendo inclusive, considerado irmão de João Maria. 31

Segundo Queiroz (1981), no final de 1911 e início de 1912, ele residia em Espinilho, no Faxinal dos Padilha, onde já era bem conhecido. Por ser muito atencioso com as pessoas da região, que as aconselhava, receitava-lhes diversos medicamentos e, devido às suas curas e milagres, elas o relacionaram a João Maria. Em todos os lugares em que ia, em que acampava, sempre havia uma multidão ao seu redor e essas romarias (procissões) formavam os ajuntamentos, mais tarde denominados redutos.

Conforme Luz (1952), José Maria tinha cabelos corredios e compridos, barba espessa, vestia-se de brim ordinário, às vezes, andava descalço ou calçava tamancos e meias grossas que lhe prendiam a boca das calças. Seus dentes eram escuros, pois fumava muito cachimbo. Conforme foto (ver Figura 3), usava um boné de jaguatirica parecido ao de João Maria, mas enfeitado de penacho e fitas.

Figura 3 – José Maria de Santo Agostinho

Ele se tornou mais conhecido, quando na presença de testemunhas, fez voltar

à vida uma mulher considerada morta, que na verdade estava em estado cataléptico. Como não há indícios que confirmem a veracidade do fato, ou seja, da enfermidade, todos acreditaram que foi um milagre, o que o tornou, além de famoso, santo. Tendo em vista, também, que a mulher, esposa de um fazendeiro muito conhecido na região fora, desenganada pelos médicos. 32

José Maria era seguido pelos caboclos que viviam na região, o tempo todo, pois, consideravam-no um grande curador, com poderes divinos.

Nessa época, conforme Queiroz (1981), foi convidado pelos amigos Praxedes Gomes Damasceno, comerciante, e Francisco Ventura a participar dos festejos de São Bom Jesus, em Taquaruçu, juntamente com a festa de São Sebastião, em Perdiz Grande, e a do Divino Espírito Santo, grandes comemorações populares, nas quais havia a participação de grande número de sertanejos. Inclusive, na festa do Divino Espírito Santo, há a coroação de um Imperador, Imperador-festeiro, coroado pelo pároco da capela, escolhido pelos festeiros que ajudam na organização da festa, a qual é celebrada durante alguns dias. Nessa festa, o povo gritava: Viva São Sebastião! Viva a Monarquia! Viva São João Maria!

Ainda, segundo Queiroz, José Maria só aceitava o que era necessário para a sua sobrevivência, não aceitando dinheiro ou outros bens. Os moradores construíram uma farmácia para ele manipular os remédios – ervas medicinais – e distribuí-los à população. E para ajudá-lo, foram designadas duas virgens: Durvalina de 11 anos e Teodora, de 12 anos. Havia em frente ao casebre onde ele morava, uma bandeira branca com a cruz verde ao centro.

Como ele tinha grande influência na região, foi convidado a lutar pela causa de Santa Catarina, ou seja, defendê-la em relação aos seus limites. E permaneceu nesse lugar, o que não agradou a alguns coronéis, principalmente o Coronel Albuquerque, que tentaram retirá-lo de lá, sem o conseguirem.

José Maria, em suas pregações, lia trechos da História de Carlos Magno3 e dos Doze Pares de França, leitura que fazia parte de seu dia a dia. E quando houve

3O Império de Carlos Magno, também conhecido como o Império Carolíngio, foi o momento de maior esplendor do Reino Franco (ocupava a região central da Europa). Este período ocorreu de 768 a 814. Como rei, Carlos Magno destacou-se pelo valor guerreiro e pela habilidade política, realizando sucessivas campanhas militares que lhe valeram o renome de maior soberano da Europa medieval. No ano 800, em Roma, na noite de Natal, Carlos Magno foi coroado imperador pelo papa Leão III. Com a coroação de Carlos Magno, a Igreja católica pretendia fazer reviver o Império Romano do Ocidente e, ao mesmo tempo, unificar a Europa sob o comando de um monarca cristão. Para facilitar a administração do vasto território, Carlos Magno criou um sistema bem eficiente. As regiões foram divididas em condados (administradas pelos condes). Para fiscalizar a atuação dos condes, foi criado o cargo de missi dominici. Estes funcionários eram os enviados do imperador para fiscalizar os territórios. Ou seja, eles deveriam verificar e avisar ao imperador sobre a cobrança dos impostos, aplicação das leis e etc.O governo de Carlos Magno não tinha uma sede fixa. Com sua corte, que se constituía basicamente de familiares, amigos, membros do clero e funcionários administrativos, viajava de um lugar para outro. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017. 33

a guerra, José Maria instituiu algumas regras apresentadas nesse livro, tais como: os Doze Pares de França, que protegiam José Maria, ou seja, eram os seus guardas de honra, também organizou ministérios da guerra, dos alimentos e das finanças.

Depois de sua permanência em Taquaruçu, por aproximadamente um mês, ele retornou a Irani onde havia uma batalha entre os seus seguidores e as forças do governo, sob o comando do Cel. João Gualberto.

Nessa batalha, ocorrida no início do ano de 1912, José Maria morreu. Seu corpo foi colocado sob tábuas, pois seus adeptos esperavam sua ressurreição, mas com o passar do tempo tiveram que o sepultar devido ao mau cheiro.

1.4 GUERRA DO CONTESTADO: UM CONFLITO DO PODER?

A Guerra do Contestado, segundo Moreira (2017), foi um conflito social armado ocorrido nos Estados do Paraná e de Santa Catarina, onde já havia um conflito de terra contestadas, no período de 1912 a 1916. Envolveu aproximadamente 20 mil pessoas, entre elas caboclos, jagunços, ex-soldados, camponeses que lutaram contra as forças do governo, primeiramente estadual e depois federal.

Nessa época, estava sendo construída uma estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul, apoiada pelos grandes proprietários rurais, os quais exerciam grande influência política, ou seja, eram ligados ao governo. Entretanto, o término da construção gerou muito desemprego, pois, conforme Thomé (1992), a companhia passou a contratar mão-de-obra em todo o Brasil (principalmente no Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Paraná e Pernambuco) prometendo salários compensadores, tendo atraído, até dezembro de 1908, uma média de 4.000 trabalhadores, e, ao final, quando a ferrovia foi inaugurada, havia oito mil trabalhadores.

Ainda segundo Thomé (1992), depois de terminada a construção, muitos regressaram às suas cidades, outros continuaram a trabalhar na companhia em 34

outras localidades, mas muitos prefiram permanecer na região, onde construíram seus ranchos nas proximidades dos trilhos; entretanto, foram expulsos, pois a companhia ordenou a desocupação dos terrenos já demarcados, a fim de iniciar a fase de colonização. E, também, havia os caboclos que foram expulsos de suas terras que habitavam há anos. Ou seja, sertanejos e ex-trabalhadores da ferrovia tinham o mesmo problema, pois onde se instalassem, logo aparecia um proprietário para expulsá-los, já que as terras não estavam registradas em seus nomes. E, assim, além de não terem o emprego, não tinham mais terra para cultivar, pois, a construção da estrada de ferro os havia desapropriado sem pagá-los.

Vale ressaltar, segundo Thomé (1992), que um grupo de pessoas ligadas à empresa que construiu a estrada de ferro comprou do governo o restante das terras para construir uma madeireira, que venderia a madeira para o exterior. Sendo assim, muitas famílias foram expulsas de suas terras.

Logo, teve início um “Conflito Social Armado” que resultou, conforme Kaiser (2012), na morte de 800 a 1.000 soldados e entre 5.000 a 8.000 combatentes, já, segundo Thomé (1992), mais de vinte mil pessoas.

Em síntese, este capítulo apresentou o contexto histórico da Guerra do Contestado, a partir dos fatos históricos ocorridos na região que, antecedem e percorrem a referida guerra de 1912 a 1916. 35

CAPÍTULO II

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: SOCIEDADE, DISCURSO E IDEOLOGIA

Neste capítulo, apresenta-se a fundamentação teórica que orienta esta pesquisa e que está situada na Análise Crítica do Discurso, com vertente social, a partir dos pressupostos trabalhados por Fairclough (2001), para quem toda mudança social produz uma mudança no discurso; e toda a mudança no discurso produz uma mudança social. Segundo ele, na vertente social, há duas categorias analíticas: Sociedade e Discurso. Nessa vertente, situa-se, também, Thompson (1990), que se refere às maneiras como as formas simbólicas se entrecruzam com relações de poder. Com a vertente sociocognitiva da qual Van Djik (1997) é seu maior representante, para quem as categorias básicas analíticas são: sociedade, cognição e discurso. Tais categorias são inter-relacionadas de modo que uma se define pela outra. Em Moscovici (2000), a relação do estudo dos papéis sociais representados em língua nos textos relativos à Guerra do Contestado em que há a perda de terras, a perda da produção, o abandono da Igreja e a necessidade de definição das fronteiras estatais pela luta do sustento, também do papel social do Messianismo no Brasil, destacando a figura dos três monges que ali se estabeleceram. Em Max Weber (2004), seus estudos relacionados à Teoria da Dominação.

2.1 UM BREVE HISTÓRICO

Conforme Van Dijk (1999), o estudo do discurso tornou-se de certa forma relevante, logo após ter-se reconhecido o fato, por volta de 1970, de que os estudos linguísticos não deveriam estar restritos à análise gramatical de sistemas linguísticos abstratos ou ideais, mas, de preferência, que o uso efetivo da língua deveria ser objeto empírico das teorias linguísticas. 36

Na perspectiva de Kress e van Leeuwen (2006), a análise do discurso não é um método, é uma disciplina, uma transdisciplina que se estabelece em psicologia, sociologia, em linguística, ou seja, todas as ciências sociais têm relação com o discurso que representa todo o uso da língua em situações concretas e sociais. É uma construção multimodal (palavras, gestos, sons, imagens) e extremamente complexa.

Assim aparecem diferentes Análises do Discurso; entre elas, a Análise Crítica do Discurso que, conforme Ramalho e Resende (2014), o termo Análise Crítica do Discurso (ACD) foi apresentado por Fairclough, em um artigo publicado em 1985, no periódico Journal of Pragmatics, consolidando-se como disciplina, no início da década de 1990, a partir de um simpósio realizado em Amsterdã, no qual estiveram reunidos Teun van Dijk, Norman Fairclough, Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Ruth Wodak.

Segundo Magalhães (2005), as principais contribuições de Fairclough para os estudos críticos da linguagem foram: a criação de um método para a análise do discurso, seu esforço extraordinário para explicar por que cientistas sociais e estudiosos da mídia precisam dos linguistas e a relevância de seu trabalho na consolidação do papel do linguista crítico na critica social contemporânea.

A obra de Fairclough Language and Power desde que iniciou tinha como objetivo central contribuir tanto para a conscientização sobre os efeitos sociais de textos como para mudanças sociais que superassem relações assimétricas de poder, parcialmente sustentadas pelo discurso. Ou seja, sua base científica é a mudança social a partir da mudança discursiva, e se caracteriza principalmente por uma visão própria e distintiva da relação entre a própria análise e as práticas analisadas e a relação entre a linguagem e a sociedade.

Para a ACD, o uso da linguagem é voltado para o social, não para o individual. Para isso, em vez de focalizar problemas teóricos, ela toma como ponto de partida problemas sociais ocorridos no cotidiano, ressaltando o ponto de vista dos que sofrem mais, analisando de forma crítica os que fazem parte do poder, não somente aqueles considerados os responsáveis, mas também os que dispõem de 37

meios e oportunidades para resolver tais problemas. Trabalha com o abuso do poder e a resistência do poder.

A ACD apresenta-se em vertentes diferentes, tais como a vertente social, a sociocognitiva e a semiótica social, sendo que esta última, não será tratada por nós.

2.2 O QUE É ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO

Ruth Wodak (2004), uma das precursoras da ACD, define a ACD como um campo fundamentalmente interessado em analisar relações estruturais, transparentes ou veladas, de discriminação, poder e controle, manifestadas na linguagem. Isto é, analisa de maneira crítica como a desigualdade é expressa, sinalizada, constituída, legitimada, estabelecida, ressaltada, através do uso da linguagem. Interessa-se pela relação que há entre a linguagem e o poder. Portanto,

é possível defini-la como uma disciplina que se ocupa, principalmente, de análises que dão conta das relações de dominação na forma como se apresenta através da linguagem.

De forma geral, a ACD postula uma dialética entre o social e o individual: o social guia o individual e o individual modifica o social.

Nessa perspectiva, a linguagem é um meio de dominação e de força social, servindo para legitimar as relações de poder institucionalmente estabelecidas. Conforme Wodak (2004, p. 237), “o poder não surge da linguagem, mas a linguagem pode ser usada para desafiar o poder, subvertê-lo e alterar sua distribuição a curto e a longo prazo”.

Fairclough (2008) postula, para visão crítica do discurso, as categorias sociedade e o discurso. Para o autor existe uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social: ele contribui para a constituição de todas as dimensões das estruturas sociais ao mesmo tempo em que é moldado e restringido por elas. Assim sendo, constitui e ajuda a construir identidades, relações sociais e os sistemas de conhecimento e de crenças. 38

O discurso reflete muito do contexto de uma população e a ACD tem por intuito ressaltar (destacar) o meio de produção discursiva, levando em conta os aspectos socioculturais.

Vale ressaltar que para Fairclough (2001), a análise é denominada de crítica por ter como objetivo mostrar maneiras, formas não-óbvias pelas quais a língua se envolve em relações sociais de poder e dominação e em ideologias e, também, no sentido de que está comprometida com mudanças sociais contínuas. Portanto, seu propósito é analisar não somente as características linguísticas dos textos, como também as relações sociais envolvidas em sua interação com os leitores e as relações econômicas que determinam sua produção e circulação.

Para o autor (2001), uma característica da ACD é identificar possibilidades de superação dos obstáculos. Não basta ter consciência de sua existência, é preciso lutar para vencê-los e atuar na transformação social, identificando potenciais de mudança na realidade que se apresenta e buscando suas lacunas e contradições (FAIRCLOUGH, 2001).

2.3 A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E O TEXTO

Segundo a vertente sociocognitiva, o texto é visto tanto como processo de natureza memorial para a construção do sentido, quanto um produto linguístico que representa em língua as formas de conhecimento que são memoriais e guiadas pela intenção do autor.

Segundo a vertente social, conforme Ormundo e Wetter (2013), a prática discursiva, na abordagem de Fairclough, realiza-se como forma linguística, ou seja, como texto, produto. A análise de um discurso particular, como exemplo de prática discursiva, envolve os processos de produção, de distribuição e de consumo textual, sendo que a natureza desses processos se modifica nas diversas modalidades do discurso, de acordo com fatores sociais. Os textos são produzidos de modos distintos em contextos sociais específicos, por exemplo, sala de aula, entrevistas, conversas entre amigos, familiares... 39

Por isso, na perspectiva de Ormundo e Wetter (2013), a análise textual permite verificar como as estruturas sociais se apresentam em uma relação dialética com atividades sociais e com textos. Ambos são formas significantes de atividade social.

Na relação entre texto e prática social, isto é, no nível da prática social discursiva têm-se os processos de produção, de distribuição e de consumo do texto. Esses processos são sociais e estão relacionados a contextos sociais específicos, tais como: escolas, empresas etc. que fazem parte da sociedade.

Ainda, segundo as autoras (2013), não se pode esquecer o crescente uso dos textos como fonte de informações de dados e como bons indicadores de mudança social, pois evidenciam processos de acordo com os fatores sociais envolvidos.

Portanto, é imprescindível para o presente estudo a análise dos textos relacionados à Guerra do Contestado que circularam e circulam nas Instituições Educacionais, como fontes de informação.

2.4 O PODER COMO MEIO DE DOMINAÇÃO

Na análise crítica do discurso são realizados estudos sobre valores sociais que são representados pelo poder e pela sociedade, principalmente sobre o abuso do poder, como já mencionado anteriormente. E poder é uma relação social entre grupos, não é pessoal, é uma relação entre os grupos sociais, dos quais as pessoas participam como membros desse grupo social.

Um grupo tem o poder sobre o outro grupo, eles têm o controle sobre o outro grupo, e este pode ser: controle sobre as atividades, sobre os atos de outras pessoas, limitando a liberdade dos demais. Depois vem o controle da mente, na qual 40

as pessoas devem atuar como queremos, que façam exatamente aquilo que queremos, sem precisar forçar nada.

Fairclough (2001) defende que as práticas sociais são compostas por momentos de poder, por relações sociais, por práticas materiais, por crenças, valores e desejos, por instituições sociais e pelo discurso. Ou seja, toda prática está vinculada à vida social e entende as práticas como sendo “as maneiras habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos – materiais ou simbólicos – para agirem.

Portanto, a ACD é uma análise profunda do discurso que leva em consideração o contexto de produção, o discurso como uma das práticas sociais, e para tal, as relações de poder, domínio, discriminação e controle. E, ainda, como estas relações são mantidas através da língua, que pode apresentar-se em suas relações sociais de poder e ideologia de maneira velada, implícita. Pois, segundo Fairclough (2008), a ACD busca discernir relações (conexões) entre a língua e outros elementos da vida social, que geralmente estão encobertos, e entre os quais a língua aparece em relações de poder e dominação.

Conforme Resende e Ramalho (2014), a ACD interessa-se pelos discursos que naturalizam as desigualdades promovendo a discriminação de grupos marginalizados, pois os analistas críticos entendem que é pelo discurso que as relações de poder e de dominação se legitimam socialmente.

O discurso é considerado, por Fairclough (2001), como o uso da linguagem como prática social, sendo um modo de ação e de representação. Reflete muito do contexto de uma população, do local de sua produção, portanto, através dele, é possível compreender o contexto social de determinada parcela de uma sociedade e todas as vertentes que possam acompanhá-lo, as ideologias utilizadas pelos grupos de domínio e quais são as estratégias discursivas utilizadas para a sua manutenção.

Portanto, como afirma Fairclough, a ACD tem por intuito exaltar o meio de produção discursiva, levando em conta os aspectos socioculturais. 41

O termo contexto é definido por Van Dijk (1999) como a estrutura mentalmente representada daquelas propriedades da situação social que são relevantes para a produção ou compreensão do discurso. Conforme Bazerman (2005), o contexto é visto como o conjunto de todos os fatores que dão forma a um momento, no qual um indivíduo sente-se compelido a manifestar-se simbolicamente.

2.5 A IDEOLOGIA E O PODER

A ideologia aparece nos grupos caracterizados pelas relações de dominação, ou seja, de poder. Portanto, essa relação é importante para a pesquisa, visto que, na Guerra do Contestado, havia um grupo que procurava, por meio de valores e crenças, impor seu poder pelas ideias e pela força.

Na perspectiva de Thompson (1995), alguns dos valores e crenças socialmente partilhados constituem os elementos da ideologia dominante que, por estar difundida na sociedade, garante a adesão das pessoas à ordem social para estabelecer e sustentar relações de dominação, pois, para ele, ideologia são os sentidos a serviço do poder.

O autor argumenta que o conceito de ideologia pode ser usado para referir-se às maneiras como o sentido serve, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de poder que são sistematicamente assimétricas – que ele chama de “relações de dominação”.

Vale ressaltar que, para Thompson (1990), o estudo da ideologia exige que se investiguem as maneiras como o sentido é construído e usado pelas formas simbólicas de vários tipos: as falas linguísticas do dia a dia, as imagens, os textos mais complexos.

É necessário, ainda, segundo o autor, investigar, também, os contextos sociais nos quais essas formas simbólicas são empregadas e articuladas. Questionar, se necessário, de como o sentido é mobilizado pelas formas simbólicas em contextos particulares para estabelecer e sustentar relações de dominação. 42

Portanto, questionar: o sentido construído e usado pelas formas simbólicas serve ou não para manter relações de poder sistematicamente assimétricas?

Segundo Thompson (1995), o poder está diretamente ligado ao poder que o agente possui dentro do campo ou de uma determinada instituição. O autor acrescenta ainda que a definição de poder pode ser caracterizada como um fenômeno social, característico dos diferentes modos de ação para alcançar determinados objetivos e intervir no rumo dos acontecimentos e em suas consequências. Para efetivar o poder, os agentes empregam os recursos que são colocados à disposição pelos meios que possibilitam aos agentes atingir os objetivos pretendidos. Ou seja, o indivíduo, ao mesmo tempo em que interage com os outros, pode intervir ou modificar o movimento dos acontecimentos, dependendo dos recursos que estejam disponíveis naquela situação.

Portanto, conforme Thompson (1995), “quanto mais recursos se têm, maior é o seu poder; e explica que há recursos individuais ou acumulados dentro das organizações institucionais”, ou seja, o poder tem uma base social, por exemplo, tem poder porque tem recursos sociais: dinheiro, fama, segurança, terra etc.

Segundo Silveira (2012), ideologia são representações mentais avaliativas que se constroem, a partir de uma escala de valores, sejam eles positivos ou negativos, objetivando a discriminação de pessoas de grupos sociais minoritários. Esses valores têm raízes históricas cognitivas, pois são referentes ao experienciado e ao vivido pelas pessoas.

Para Fairclough (2008), existe uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social: ele contribui para a constituição de todas as dimensões das estruturas sociais, ao mesmo tempo em que é moldado e restringido por elas. Assim sendo, constitui e ajuda a construir identidades, relações sociais e os sistemas de conhecimento e de crenças.

Fairclough prefere a concepção de que a ideologia está localizada tanto nas estruturas que constituem o resultado de eventos passados como nas condições 43

para os eventos atuais e nos próprios eventos, quando reproduzem e transformam as estruturas condicionadoras.

Portanto, Fairclough (2001), apresenta o discurso como prática política e ideológica. Como prática política, o discurso estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as entidades coletivas nas quais há essas relações. Como prática ideológica, o discurso constitui, naturaliza, mantém e também transforma os significados de mundo em suas mais diversas posições das relações de poder.

2.6 A VERTENTE SOCIAL

Para a Análise Crítica do Discurso, na vertente social, há duas categorias analíticas: Sociedade e Discurso. Toda a mudança na sociedade produz uma mudança no discurso e toda mudança no discurso produz, também dialeticamente, uma mudança na sociedade.

Fairclough (2008) propõe um quadro tridimensional de análise do discurso para facilitar a compreensão de como o discurso se apresenta ou se constitui. Para ele, o discurso deve ser analisado como: texto, prática discursiva e prática social. O texto pode ser oral ou escrito e compreende as seguintes categorias: o vocabulário, a gramática, a coesão (relação entre as palavras) e a estrutura textual, ou seja, detalhar o material linguístico de como ele se constitui.

Já a prática discursiva compreende: a produção, a distribuição, o contexto, a coerência e a intertextualidade, isto é, interpreta as relações entre os processos discursivos. A prática social refere-se à ideologia, aos sentidos, às pressuposições, às metáforas, à hegemonia, às políticas, à cultura e à economia, ou seja, às relações entre os processos discursivos e os processos sociais, nas quais os textos são produzidos.

Portanto, conforme Fairclough (2008), todo evento discursivo constitui-se de um texto escrito ou falado, de uma instância de prática discursiva que envolve a elaboração e a interpretação dos textos, o que constitui um discurso, que é um 44

fragmento da prática social. Ressalta, ainda, que os textos podem e devem estar abertos a diferentes interpretações, que dependem principalmente do contexto e do interlocutor. Isso significa que os sentidos sociais do discurso, assim como as ideologias, não devem somente ser extraídos de texto, mas devem ser considerados os padrões e as variações na sua distribuição, no seu consumo e na interpretação social.

Para a ACD, a interpretação é um processo ativo em que os sentidos aos quais se chegou, dependem principalmente dos recursos usados e da posição social do interlocutor.

Por isso, vale ressaltar que, para Fairclough (2001), os textos refletem representações de mundo, relações sociais, identidades sociais e valores culturais. A análise textual é a análise de como textos atuam no estabelecimento de representações, relações, identidades e valores – no julgamento de valores.

2.7 A LINGUAGEM E O PODER

Conforme Wodak (2004), a noção de ideologia ocupa lugar privilegiado nos estudos da linguagem em ACD, que se interessa principalmente pela relação entre linguagem e poder, já que a linguagem não é poderosa em si mesma – ela admite poder pelo uso que os agentes que detêm poder fazem dela.

Segundo Wodak (2004), o poder envolve relações de diferença, principalmente, os efeitos ou as consequências dessas diferenças nas estruturas sociais. A unidade permanente entre a linguagem e outras questões sociais garante que a linguagem esteja entrelaçada com o poder social de várias maneiras: a linguagem classifica o poder, expressa o poder e está presente onde há disputa e desafio ao poder.

O poder não surge da linguagem, mas a linguagem pode ser usada para desafiar o poder, subvertê-lo (corrompê-lo) e alterar sua distribuição a curto e em 45

longo prazo. A linguagem constitui um meio articulado com precisão para construir diferenças de poder nas estruturas sociais hierárquicas.

Na perspectiva da ACD, a linguagem adquire poder por meio da maneira e do uso que os indivíduos que a possuem utilizam. Por isso, a ACD, frequentemente, posiciona-se ao lado dos que não possuem o poder, ou seja, dos dominados, e analisa de maneira crítica a linguagem dos que possuem o poder, isto é, dos responsáveis pelo sofrimento dos menos favorecidos, e que, de alguma maneira, podem modificar essa condição de desigualdade social. Daí a importância de a ACD ressaltar a interdisciplinaridade para que, de alguma forma, consiga compreender os mecanismos pelos quais a linguagem funciona, buscando, assim, maior compreensão na constituição e transmissão do conhecimento, nas formas de exercício do poder, bem como na organização das instituições sociais. Pois, conforme Kress e van Leeuwen (2006), a ACD está, ou deveria estar, interessada nesses dois aspectos, no discurso como instrumento de poder e controle, assim como no discurso como o instrumento de construção social da realidade.

2.8 VERTENTE SOCIOCOGNITIVA

Esta pesquisa situa-se, também, na área da Análise de Discurso, com vertente sociocognitiva da qual van Djik (1997) é seu maior representante. Segundo ele, as categorias básicas analíticas são: sociedade, cognição e discurso. Tais categorias são inter-relacionadas de modo que uma se define pela outra.

Frequentemente, o poder e o controle são compartilhados e distribuídos entre muitos grupos poderosos, por exemplo, o político e o econômico. Dessa maneira, as relações de poder tornam-se complexas, ultrapassando a persuasão, pois há vários padrões de interação, negociação e tramas, que levam à divisão de poder entre os grupos poderosos. Assim, o controle mental dos indivíduos, que ocupam lugares na prática social do discurso, é realizado pelo texto e pelo contexto, controlando-se o que se diz e como se diz, criando-se, dessa forma, uma cumplicidade entre todos os participantes. Essa cumplicidade resulta do ocultamento do sujeito do poder que manipula o controle mental dos demais participantes e dos grupos sociais. 46

Na perspectiva de Nélo (2001), o poder legitima-se nas interações sociais, instância que forma as opiniões. Segundo van Dijk (1997), a maioria das construções que fazemos em nossa vida social é discursiva. As interações sociais articulam-se e constituem-se discursivamente, é no discurso onde se produzem, reproduzem- se, estabilizam-se os saberes sociais nos quais se expressam ideias, crenças, normas e valores, servindo, assim, ao processo de orientar as ações humanas.

É, por isso, que a relação discurso e sociedade se encontra mediada pelos processos de cognição, que se relacionam como uma tríade, ou seja, é necessário dar conta dos aspectos cognitivos compreendendo que os conhecimentos e crenças são adquiridos e repassados discursivamente em contextos sociais. Assim, os usuários da língua constroem uma representação não só do texto, mas também do contexto social.

Com relação à cognição, ela é definida pelas formas de conhecimentos construídas e validadas por cada grupo social. Estas formas de conhecimento é que possibilitam interpretar e pensar os acontecimentos do mundo. O conjunto desses conhecimentos é designado marco de cognição social do grupo. Como cada grupo tem seu próprio marco de cognição social, ocorrem conflitos entre os grupos, dado os interesses, objetivos e propósitos serem diversificados. Entretanto, haverá sempre uma unidade imaginária nessa diversidade de cognições, em razão dos discursos públicos institucionalizados que constroem conhecimentos sociais extragrupais.

Vale ressaltar que a única condição coerente do discurso é que se pode construir um modelo mental do evento sobre o que se fala no discurso, ou seja, a coerência do discurso decorre do modelo mental que se constrói a cada dia na mente.

O discurso relaciona-se fundamentalmente com o conhecimento por duas razões: todos os nossos conhecimentos sobre o mundo são produzidos no e pelo discurso: dos meios de comunicação, de textos, de conversas. 47

Por isso, como nos propõe Silveira (2012), conforme a ACD, há discursos institucionais e institucionalizados sociais e eventos discursivos particulares; mas há uma dialética entre o social e o individual, pois existe uma interação entre eles. Ou seja, os discursos institucionalizados guiam os eventos discursivos particulares e esses modificam, progressivamente, àqueles. Os discursos institucionalizados são típicos e seus textos são convencionados no e pelo grupo social que os utiliza, mas devido ao acesso e circulação universal ampliam seu auditório e, por isso, constroem conhecimentos extragrupais.

Os discursos institucionalizados, segundo van Dijk (1997, p. 11) têm seus contextos discursivos organizados hierarquicamente por três categorias: Poder, Controle e Acesso. Um contexto discursivo é definido por seus participantes, suas funções e suas ações.

Conforme Silveira (2012) a categoria Controle agrupa os participantes responsáveis pela execução do que o Poder decide. Esses participantes controlam a produção científica, avaliando-a em diversas instâncias. É a partir dessa avaliação, ou seja, desse “filtro”, que a população tem acesso ao discurso institucionalizado.

Segundo Sellan (2001), a ACD considera tanto dados do social – a sociedade e os grupos sociais – quanto do individual, já que os indivíduos falam/escrevem e se entendem, ou seja, comunicam-se individualmente ou em grupo.

Na perspectiva de van Dijk (1997), a sociedade é formada por um conjunto de grupos sociais que estão em constante conflito. Cada grupo social é definido pelas suas formas de conhecimento com as quais representam o mundo. Esses conhecimentos são resultados da projeção de um ponto de vista que seleciona no mundo determinados aspectos do referente focalizado. Um ponto de vista é guiado por interesses, objetivos e propósitos que são comuns a todas as pessoas que se reúnem com um grupo.

Dessa forma, cada grupo social diferencia-se entre os demais, pois os interesses, objetivos e propósitos não são os mesmos. Ou seja, são os objetivos, os interesses e os propósitos que guiam os pontos de vista que as pessoas têm para 48

focalizar as coisas do mundo e a partir delas construir uma representação mental que são as formas de conhecimento. Porém, os discursos institucionalizados (igreja, empresa, escola) constituem os diferentes grupos construídos denominados extragrupais.

A categoria cognição se define por um conjunto de conhecimentos grupais decorrentes do ponto de vista projetado pelo grupo e também pelo conhecimento grupal decorrente dos discursos públicos institucionais: a família, a escola, a igreja, a empresa e o estado.

O conjunto de conhecimentos grupais e os extragrupais compõem o marco das cognições sociais de cada grupo e são esses marcos de conhecimento que definem os papéis sociais a serem representados em cada grupo, também de forma extragrupal, porque existe a lei.

Conforme van Dijk (1997), na vertente sociocognitiva, opera-se com o processamento da informação. Como essa informação entra, como é processada para produzir sentidos; para isso, tem-se uma teoria da memória, teoria de inferências, armazenamento de longo prazo, médio prazo, curto prazo. Em seus estudos a partir da linguística textual, van Dijk (1983) apud Silveira (2012), propõe que não há regras, pois, se houvesse, todo o texto produziria o mesmo sentido, mas há estratégias, e, a partir dessas estratégias, ele compara, escolhe como vai fazer. Nas estratégias de compreensão, em primeiro lugar, há uma hipótese de leitura, o texto é lido, seguindo a sua hipótese de leitura, e, dependendo da informação, da relevância da informação, a hipótese é confirmada ou negada.

É importante destacar que, segundo a vertente social, todas as mudanças sociais produzem mudanças no discurso, e todas as mudanças do discurso produzem mudanças sociais. Dessa forma, tem-se por pressuposto que a memória social, a respeito da Guerra do Contestado, foi construída pelo discurso público institucional da história, nos dias de hoje. Essa memória é guiada pelo poder político da época, a fim de se produzirem textos de grande circulação social, através da escola brasileira. Tais textos representam, de forma negativa, a pessoa de José Maria, na Guerra do Contestado. 49

Portanto, todas as formas de conhecimento são construídas no e pelo discurso, a partir do processamento da informação com o recurso das memórias de longo, médio e curto prazo.

2.9 MEMÓRIAS

Este item aborda de maneira sucinta a noção de memória humana.

Conforme o modelo de memórias por armazém, adotado por van Dijk (1983) apud Silveira (2012), há três grandes armazéns de memória, a saber: memória de longo prazo, de médio prazo e de curto prazo.

A memória de longo prazo armazena as formas de conhecimento construídas de forma coerente em seus sentidos globais, durante o processamento da informação. A memória de longo é dividida em dois sub armazéns, a social e a individual.

A memória de longo prazo armazena todas as formas de conhecimento construídas a partir do vivido e do experienciado socialmente. De forma geral, pode- se dizer que a memória social compreende três grandes sistemas de armazenamento: o linguístico (conhecimentos relativos ao sistema e ao uso da língua ou de qualquer outra semiótica); o enciclopédico (conhecimentos de mundo) e o interacional (conhecimentos de interações comunicativas, tais como: atos de fala, gêneros textuais, práticas discursivas.

A memória de médio prazo armazena as formas de conhecimento por certo período, até serem armazenadas na memória de longo prazo.

A memória de curto prazo, também designada de trabalho, é onde ocorre o processamento da informação. Este pode ser visto por dois movimentos recursivos, mas não ordenados: expansão e redução das informações. O movimento de expansão é quando se transformam as palavras do texto produto em proposições, unidades de sentidos, através de inferências e de explicitação de implícitos. Dessa 50

forma, uma mesma palavra dependendo da maturidade do processador é transformada em um n-tuplo de proposições. O movimento de redução implica em transformar várias proposições em um sentido mais global.

O movimento de expansão e redução faz-se necessário para esvaziar o chunk (unidade de armazenamento).

A informação processada vai para a memória de médio prazo, para depois ser armazenada para a de longo prazo.

A memória de longo prazo social e individual é ativada para produzir as inferências e as explicitações das implícitas.

A memória de longo prazo social armazena esquemas mentais, tais como: scritps, cenários. A memória de longo prazo individual armazena modelos, tais quais: o modelo de situação, o modelo de linguagem.

Para van Dijk (1997), com relação aos modelos de memória, é importante ressaltar que as pessoas, ao lerem um texto, apresentam diferentes leituras dele, pois, as experiências individuais são diferentes. Nesse sentido, não apenas constroem uma representação desse texto, mas reconstroem o texto a partir dos conhecimentos armazenados na sua memória individual. Tal representação textual é importante para dar conta do fato de que nenhum texto tem a mesma leitura, nem por leitores diferentes, nem para um mesmo leitor em momentos diferentes.

2.10 PAPÉIS SOCIAIS – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Este item se refere aos papéis sociais representados em língua nos textos relativos à Guerra do Contestado que representam a perda de terras, a perda da produção, o abandono da Igreja e a necessidade de definição das fronteiras estatais pela luta do sustento e também (principalmente o) do papel social do Messianismo no Brasil. Esses textos, como já mencionado, mantêm intertextualidade e interdiscursividade. 51

Também analisa em que medida o poder representa os papéis sociais e de que maneira esses seriam representados para verificar os papéis sociais diferentes e o papel do poder no comando desse conflito, bem como o papel dos monges que participaram do acontecimento.

Para Moscovici (2013), representar significa, a uma vez e ao mesmo tempo, trazer presentes as coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que satisfaçam as condições de uma coerência argumentativa, de uma racionalidade e da integridade normativa do grupo. Por isso, é imprescindível que isso ocorra de maneira comunicativa.

Ainda, conforme o autor, nossas representações são também instituições que partilhamos e que existem antes de termos nascido; nós formamos novas representações, a partir das anteriores, por similitude, ou contra elas. As atitudes não expressam conhecimento como tal, mas uma relação com certeza ou incerteza, crença ou descrença em relação a esse conhecimento.

Com relação às representações sociais, conforme Moscovici (1996, p. 22), essas se referem às “formas de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, representantes de uma visão prática e concorrente na construção de uma realidade comum a um grupo social”. Para ele, as representações sociais encontram-se próximas de um saber de senso comum, seja por sua importância nas interações no dia a dia e na vida social, ou por seus vínculos com as relações de poder, o que pode ser identificado a partir das práticas sociais que abrangem processos de natureza linguístico-discursiva.

Dessa forma, cada prática social discursiva é convencionada pelos seus próprios participantes e os papéis que cada qual representa na interação sócio- comunicativa. Todo o discurso se define pelos seus participantes, por isso é importante dizer quem são os participantes do discurso, que papel social representam, e como são caracterizados (nominalizações, adjetivações, verbos). 52

2.11 MAX WEBER E A TEORIA DA DOMINAÇÃO

A Sociologia de Max Weber contribui com a Teoria da Ação Social e a Tipologia Ideal de Dominação.

2.11.1 Max Weber e a Teoria da Ação Social

Segundo Catunda (2016, p. 44), partindo-se do princípio de que cultura e ideologia fazem parte da dinâmica social, em que, de um lado, indivíduos agem conforme algumas características específicas, unindo-se com os mesmos propósitos e intenções e compartilhando de interesses em comum (para dominar) e, de outro lado, indivíduos se deixam levar em função das mesmas ações sociais (deixa-se dominar), é possível afirmar que “ideologia e cultura são manifestações naturais que surgem a partir do que Weber denomina de Teorias da Ação Social e Tipologia Ideal de Dominação”.

Conforme Weber (2008), como qualquer outra ação, a ação social pode ser determinada de qualquer dos 4 tipos: 1ª) pode ser classificada racional em relação a fins. Neste caso, a classificação se baseia na expectativa de que objetos em condição exterior ou outros indivíduos humanos comportar-se-ão de uma maneira, e, pelo uso de tais expectativas como condições ou meios para atingir com sucesso os fins racionalmente escolhidos pelo indivíduo. Nesse caso, a ação será denominada ação em relação a fins. 2ª) a ação social pode ser determinada pela crença consciente no valor absoluto da ação como tal, independente de quaisquer motivos posteriores e medida por algum padrão tal como a ética, estética ou religião. Em tal caso de orientação racional para um valor absoluto, será denominada ação em relação a valores. 3ª) a ação social pode ser determinada pela afetividade, especialmente de modo emocional, como resultado de uma configuração especial de sentimentos e emoções por parte do indivíduo. 4ª) a ação social pode ser determinada tradicionalmente, tornando-se costume devido a uma lógica prática. 53

Conforme Catunda (2016), para favorecer a compreensão da Tipologia Ideal de Dominação, é importante conhecer a orientação das ações humanas/sociais, de maneira distinta, a partir dos quatro tipos apresentados por Weber.

Ainda conforme Catunda, a primeira refere-se à racionalidade instrumental, funcional ou técnica e age de maneira técnica, calculada e deliberada; já a segunda, relaciona o valor a uma ação prescrita pelo mérito intrínseco que a inspira, visto que o significado do ato em si é maior que a reflexão sobre as suas consequências; por isso, o propósito dessa ação coincide com a própria conduta, considerando que dita conduta e constitui o valor racionalmente perseguido. Portanto, segundo Catunda, trata-se de tipos de ação racional, pois todo o direito, por pacto ou outorgado, pode ser determinado de modo racional – racional orientada a fins ou racional orientada a valores (ou ambas as coisas) -, com o propósito de ser respeitada, pelo menos, pelos membros da associação.

Já, no caso das ações afetivas, é importante ressaltar que envolvem o estado emotivo do agente, ou seja, é uma ação em que os sentimentos, juntamente com as emoções e afeições do indivíduo são primordiais em uma determinada situação. Por isso, conforme o autor, pode-se entender o que leva os indivíduos a reconhecerem a dominação carismática, pois esse tipo de dominação se legitima através de um líder carismático, justamente pelo fato de que afeto e confiança são depositados pelos indivíduos. Conclui-se que a legitimidade atribuída à dominação carismática ocorre por conta do envolvimento emocional do indivíduo para com o líder carismático, visto que o que determina esse tipo de dominação é a ação afetiva.

Já a ação tradicional, conforme o autor, é possível afirmar que é justamente através dos costumes arraigados com o tempo que eles ocorrem, aparentando estarem relacionadas diretamente com a legitimidade da dominação tradicional. Por isso, são definidas como ações que se apóiam à legitimidade da santidade de ordenações e poderes de mando, oriundos, por herança, de tempos passados.

Portanto, conforme Catunda, fica clara a existência de um vínculo entre a dominação e qualquer organização, já que existe uma necessidade, por parte de toda organização, de algum tipo de dominação para administrá-la internamente, e, 54

promover seus interesses, externamente. Por isso, para que seja administrada, alguns poderes de mando precisam estar nas mãos de alguém, mesmo que tais poderes sejam evidenciados de maneira modesta, na oportunidade em que o dominador pode ser considerado aquele que serve aos dominados, sentindo-se como um deles, como é o caso de João/José Maria, na Guerra do Contestado.

Weber (2004) aponta que, a partir das lutas, dos conflitos gerados pelas relações sociais, há a dominação legítima gerada por diversos motivos: econômicos, religiosos, políticos, entre outros. Essa dominação, Weber (2004, p. 139), chama de “a probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas”, ou seja, “alguém manda e alguém obedece”, dependendo do interesse.

Sendo assim, observa-se com mais clareza o entendimento das estruturas puras de dominação, a partir dos três tipos ideais de Weber (2004) que são: Dominação Burocrática (Legal), Dominação Patriarcal (Tradicional) e Carismática.

2.11.2 Tipologia Ideal de Dominação Burocrática

A Dominação Burocrática (Legal) tem caráter racional, é considerada estável, pois é baseada em normas, regras. É constituída, segundo Weber (2004), por uma distribuição fixa de atividades regularmente fundamentais, os poderes de mando estão fixados, distribuídos e os meios coativos estão delimitados por regras e são criadas providências planejadas para que tudo ocorra como foi estabelecido.

Nessa dominação, com relação à administração dos empregados desenvolve- se conforme as normas gerais pré-estabelecidas, que podem ser aprendidas. Também, a ocupação de uma função requer dever de fidelidade à função/cargo, em contrapartida há uma existência assegurada.

Conforme Weber (1999), quando há uma burocracia plenamente realizada, dificilmente esse grupo social será desestabilizado / destruído. Para ele, a 55

burocratização é o meio específico por excelência para transformar uma “ação comunitária” em “ação associativa” racionalmente ordenada.

Como instrumento da transformação em ‘relações associativas’ das relações de dominação, ela era e continua sendo, por isso, um meio de poder de primeira categoria para aquele que dispõe do aparato burocrático, pois, com possibilidades de resto iguais, uma ação associativa ordenada e dirigida de forma planejada, é superior a toda ‘ação de massas’ ou ‘comunitária’ contrária (WEBER, 1999, p. 224).

Em síntese, a burocracia, se bem estabelecida e desenvolvida, é capaz de produzir um grande poder que dificilmente poderá ser destruído. Podemos, a partir das análises, observar que, João/José Maria representa essa dominação, pois, ao reunir os sertanejos em torno de si, impõe regras, normas a serem seguidas.

2.11.3 Tipologia Ideal de Dominação Patriarcal – Tradicional

Essa dominação está fundamentada na submissão pessoal ao senhor que garante a legitimidade das regras por ele estabelecidas. O poder patriarcal está radicado na satisfação pessoal das necessidades cotidianas normais e recorrentes. Conforme Weber (1999), baseia-se em relações de piedade rigorosamente pessoais. Seu germe se encontra na autoridade do chefe da comunidade doméstica. Para ele, o poder paterno e a piedade filial não se fundamentam primariamente em vínculos de sangue reais, por mais que sua existência seja seu pressuposto normal.

A Dominação Patriarcal (Tradicional), na qual o patriarca é o governo e os funcionários são súditos, baseia-se na crença cotidiana, na santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições, representam a autoridade (WEBER, 2004, p. 141).

Segundo Catunda (2016), essa dominação na essência, tem por base as relações de caráter pessoal norteadas por um conjunto de regras, princípios e valores geralmente assimilados desde criança e empregados em situações reais/factuais, transmitidas às gerações que estão por vir.

Para Weber (1995), a dominação tradicional é a que existe em virtude de crença na santidade das ordenações e dos poderes senhoriais há muito tempo 56

existentes. O tipo mais puro é o da dominação patriarcal. A associação de domínio é de caráter comunitário. Obedece-se ao indivíduo/senhor devido à sua dignidade própria, santificada pela tradição, por fidelidade.

Em síntese, nessa dominação, o senhor age conforme seu pensamento, seu gosto, seu ponto de vista, ou seja, tem livre arbítrio. Com relação à estrutura administrativa, ocorre da mesma maneira, ou seja, os dominados têm completa dependência pessoal do senhor, não há direito próprio, os meios materiais da administração são estabelecidos em nome do senhor e por sua conta. As relações sociais são reguladas pela tradição, pelo privilégio, pelas relações de fidelidade, pela honra e pela boa vontade do senhor.

Nesta tese, será retomada essa dominação, visto que, João/José Maria representava, para os sertanejos, o patriarca, pois ele era o pai que ajudava os filhos que estavam sendo agredidos, perdendo suas terras, a sua fonte de renda e sendo expulsos.

2.11.4 Tipologia Ideal de Dominação Carismática

A Dominação Carismática se refere a uma devoção afetiva, às crenças transmitidas pelos profetas e seus “milagres. Segundo Weber (1999), ela nasce da excitação e da entrega ao heroísmo, seja qual for o seu conteúdo.

Esta dominação, conforme Weber (1999), está baseada na veneração extracotidiana da santidade, do poder heroico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas. Obedece-se ao líder carismaticamente qualificado como tal, em virtude de confiança pessoal em revelação, heroísmo ou de exemplos. No âmbito da crença nesse seu carisma, como é o caso do monge José Maria. Ele é apresentado a partir dos relatos dos textos relacionados à Guerra do Contestado, ocorrida nos anos de 1912 a 1916, quando muitas pessoas foram mortas, inclusive um dos “monges”, já que os outros, segundo os autores dos textos relacionados ao Contestado, “desapareceram” misteriosamente. 57

Na liderança carismática, há o líder pessoal, que possui qualidades excepcionais durante campanhas bélicas, o líder guerreiro, que pertence à área mundana da liderança carismática e há a magia, os milagres, que pertencem ao âmbito espiritual. O líder carismático estabelece sua autoridade a partir de provas de seus poderes, ou seja, se deseja ser profeta, opera milagres; se deseja ser guerreiro, realiza atos de heroísmo. Conforme Weber (1999, p. 326), mas principalmente, deve “provar” sua missão divina no bem-estar daqueles que a ele se entregam.

Para Weber (1995), a validade efetiva da dominação carismática fundamenta- se no reconhecimento da pessoa real como carismaticamente qualificada, e, acreditada por parte de seus seguidores. Seu poder baseia-se na fé em revelações e heróis, na convicção emocional da importância e do valor de uma manifestação de natureza religiosa, política, do dom mágico ou de outro tipo. Essa fé revoluciona os seguidores “de dentro para fora”.

Para Weber (2000, p. 158), “carisma é uma qualidade pessoal considerada extracotidiana na origem, magicamente condicionada”, no caso tanto dos profetas quanto dos sábios curandeiros e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extracotidianos específicos, ou, então, se a toma como pessoa enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder.

Na perspectiva de Weber (2000), o carisma, além de voltar-se à área da política, da arte, da economia, volta-se, também, para a religião, na qual há o domínio fundamentado na obediência dos seguidores a um ser que se considera supremo com uma missão de salvar as pessoas. Elas creem nesse ser supremo, sem questionar, somente obedecer, ter fé e esperar um milagre.

Nessa tese, são esses os papéis de João/José Maria que serão analisados: como burocrata, quando João/José Maria impunha normas, regras e era obedecido pelos sertanejos que estavam ao seu redor; como patriarca, o pai que ajudava os filhos que estavam sendo agredidos, perdendo suas terras, a sua fonte de renda e 58

sendo expulsos, mas ele era também o carismático, porque levava as pessoas a reagirem, tomarem atitudes, enfrentarem os poderosos e acreditarem em sua força.

Em síntese, conforme Weber (1995), a dominação, ou seja, a possibilidade de encontrar obediência a uma determinada ordem pode ter o seu fundamento em diversos motivos de submissão, que podem ser muitos interesses, apenas de um ou por puro afeto.

2.12 DISCURSO DA HISTÓRIA

Este item apresenta a discussão teórica sobre o discurso da História, no sentido de situar a relação da sociedade com as instituições, mostrando que todas às vezes que as instituições não cumprem o seu papel com o povo, o povo cria um Messias para salvá-lo. Esse Messias, na região do Contestado, foi representado pela figura de José Maria.

Conforme Sellan (2001), se “o discurso da História transforma em monumento as ações dos personagens da História do Brasil”, necessariamente o fato histórico é construído por dois papéis centrais Herói x Vilão.

Entende-se que os textos oficiais do discurso da História são construídos para circularem transmitindo a ideologia do poder do Estado e da Empresa para circular na geração atual e futura.

Segundo Hobsbawn (1998), história é o registro da sociedade humana, das mudanças que ocorrem no seio dessa sociedade, marcando não apenas as revoluções e insurreições do conjunto de membros dessa sociedade, mas também as diferentes atividades e fazeres dos homens, seja na vida funcional para sua manutenção, seja nas várias ciências e artes, seja em todas as transformações vividas pela sociedade.

A partir desse conceito, pode-se observar que o objetivo central da história é documentar os fatos ocorridos em cada época da civilização humana, e, para que 59

isso ocorra, há a necessidade de pessoas que os registrem. Ou seja, os historiadores que contarão a partir de seu ponto de vista, ou o do poder, o fato ocorrido.

Por isso, como explicitam Ormundo e Wetter (2013), a História não trabalha com a reconstrução do fato acontecido, mas com as versões deste fato, registradas em documentos. Considerando-se tais versões, o historiador reconstrói o acontecido no passado, tornando-o um fato histórico. E esse fato histórico será apresentado como verdade nos contextos sociais, como um discurso.

Goldman (1989) apresenta o discurso da História pelo fazer do historiador, ou seja, como o fazer é apresentado para a transmissão de conhecimentos, a partir da leitura de documentos nos quais foram registrados os fatos dos personagens (participantes) envolvidos, ressaltando os mais influentes ou que deixaram suas marcas.

Conforme Sellan (2011), o discurso da História é um discurso institucionalizado e, como tal, é imposto pelas classes de poder como algo incontestável, que não se questiona, e, por essa razão, de alguma maneira, direciona comportamentos e ideologias. É também o que se pode observar nesta tese que procura analisar o modo como o discurso da História constrói e mantém ideologicamente representações sociais sobre um acontecimento, a Guerra do Contestado, focando principalmente na figura de João/José Maria, que teve uma participação ativa e destacada nesse acontecimento.

O fator que levou a esta pesquisa é a presença de João/José Maria em todos os acontecimentos. Segundo os relatos, primeiro curando, fazendo milagres, sem exigir nada, desaparecendo. Em seguida, convertendo o povo em seus discípulos e desaparecendo novamente e, a seguir, indo à luta, como líder de guerrilhas, com armas na mão e morrendo em um dos confrontos. Assim, para tal investigação, torna-se necessário analisar a história. 60

Como esclarece Faircough (2008, p. 122):

Há uma diversidade de sistemas válidos de transcrição capazes de representar diferentes características da fala, com diferentes graus de detalhes (entonação, ênfase, pausa, alterações na voz e assim por diante) em que nenhum sistema poderia mostrar tudo, e a escolha é sempre um problema de julgamento, considerando-se a natureza do projeto e as questões de pesquisa.

O discurso da História tem o discurso envolvido, que é o da ciência, que é a descoberta, e o discurso envolvente, que é o dissertativo, ou seja, um texto opinativo.

Há discursos públicos e discursos particulares. O discurso da História é um discurso público, pois tudo que tem acesso ao público é discurso público, isto é, o que não tem acesso ao público é um Evento Discursivo Particular – auditório particular relacionando: eu e tu. Já, o discurso público, todos podem ler – nem sabe para quem está direcionado, quem vai ler – eu e todos e, como tal é organizado por três grandes categorias: Poder, Controle e Acesso.

O Poder é representado pelo Estado que toma as decisões do que pode ou não ser publicado. O Controle é realizado por membros de conselhos editoriais que dizem o que pode ou não ser publicado. O Acesso é o que chega até o público, através de livrarias, bancas de jornal, salas de aula, palestras etc. Quanto maior a circulação, maior a dominação ideológica. O discurso da História tem grande divulgação porque está institucionalizado não só na academia, mas também na escola de forma geral.

Entende-se que, ao se fazer uma análise crítica do discurso da História, é fundamental localizar (situar) o ângulo (intra, inter e extragrupo) pelo qual perpassa o ponto de vista socioideológico que evidencia a Guerra do Contestado. Por esta razão, esta tese também aponta um conflito intergrupos pelo Discurso da História do Brasil. Esse confronto é denominado de Guerra dos Fanáticos, em relação aos moradores da região e seguidores de José Maria que desejavam retornar à Monarquia e que eram contrários à República, porque representava para 61

eles a perda das terras, a partir da construção da estrada de ferro pelo norte- americano Farquhar.

É importante retomar o que propõe van Dijk (1997), pois, para o autor, a sociedade é formada por um conjunto de grupos sociais que estão em constante conflito. Cada grupo social é definido pelas suas formas de conhecimento com as quais representam o mundo. Esses conhecimentos são resultado da projeção de um ponto de vista que seleciona no mundo determinados aspectos do referente focalizado. Um ponto de vista é guiado por interesses, objetos e propósitos que são comuns a todas as pessoas que se reúnem com um grupo. Dessa forma, cada grupo social diferencia-se entre os demais, pois os interesses, objetivos e propósitos não são os mesmos.

Todo o discurso é sempre caracterizado por um macroato de fala. No caso do discurso da história, o macroato dele é de transformar acontecimentos do mundo em monumentos; por isso, esse discurso transita na elaboração de dois grandes mitos: o Herói e o Vilão.

Em síntese, com relação ao discurso, os sentidos são sempre constituídos por meio ou a partir da fala do outro, que atravessa ou permeia o discurso que está sendo apresentado com o que já foi dito e que está na memória. Ou seja, os discursos da história sempre retomam e se cruzam com outros discursos, como se observa entre o discurso da História e o discurso Religioso, o discurso da História e o discurso Político.

Portanto, constata-se que há o Interdiscurso entre o discurso da História e os discursos: Religioso, Político, já que esses são inseridos a partir do discurso da História, isto é, dos já-ditos. E estes já – ditos estão na memória das pessoas e que foram retomados pelos historiadores a partir de seu entendimento. 62

2.13 O DISCURSO RELIGIOSO

O discurso religioso é caracterizado por uma intencional argumentatividade Seu propósito de convencer, de agir sobre o outro na tentativa de gerar certos efeitos no interlocutor possibilita um abrangente campo de estudo, já que em si se instalam todas as condições de dominação da palavra e força argumentativa em prol de uma determinada ideologia. Para alcançar seus objetivos, o locutor utiliza todas as estratégias discursivas disponíveis para conquistar a adesão de seu interlocutor.

O discurso religioso apresenta-se como aquele que prega em suas doutrinas a dicotomia entre o certo e o errado; o justo e o injusto; bom pastor e o mau pastor; o céu e o inferno. Por meio dele, como consequência, as atitudes dos indivíduos se instauram em boas ou más, em busca da salvação prometida aos que seguem a doutrina.

Conforme Orlandi (1996), o discurso é o lugar onde se constitui o ethos, por isso pretendemos analisar a religiosidade e a constituição do ethos, a partir de João/José Maria, verificando a idealização construída discursivamente.

Partindo da principal característica do discurso religioso, como aquele em que fala a voz de Deus, há, segundo Orlandi (2007), um desnivelamento fundamental na relação entre locutor e ouvinte: o locutor é do plano espiritual (o Sujeito, Deus) e o ouvinte é do plano temporal (os sujeitos, os homens). Ou seja, locutor e ouvinte pertencem a duas ordens de mundo totalmente diferentes e afetadas por um valor hierárquico. Por uma desigualdade em sua relação: o mundo espiritual domina o temporal. O locutor é Deus, portanto, de acordo com a crença, imortal, eterno, infalível, infinito e todo-poderoso.

Os ouvintes são humanos, portanto, mortais, efêmeros, falíveis, dotados de poder relativo. Na desigualdade, Deus domina os homens.

Como consequência dessa assimetria surgem outras, por exemplo, a relação vida/morte, perverso/justo, fraco/tirania e dessa relação surge a necessidade de salvação para a vida eterna, ou seja, a fé que é a possibilidade de mudança. 63

Essa fé é a graça recebida de Deus pelo homem. Neste sentido, segundo Orlandi (1996), com relação à fé, há um aspecto importante, que é o fato de que a fé distingue os fiéis dos não-fiéis, portanto, para os que creem, o discurso Religioso é uma promessa, um dom divino. É um ato de Deus, um milagre. Para os que não creem, uma ameaça.

A fé é um meio para definir o incluído do excluído, os que pertencem à comunidade dos que dela estão fora. A fé comprova a não-reversibilidade. Mas, para que o discurso se realize, é necessária a reversibilidade (troca de papéis na interação que constitui o discurso e que o discurso constitui) ou a sua ilusão, sem a qual o discurso não se realiza.

A ilusão da reversibilidade é a possibilidade de não fixarmos o locutor no lugar do locutor e o ouvinte no lugar do ouvinte. No discurso religioso seria a possibilidade de passarmos do plano espiritual para o temporal ou vice-versa. Dessa forma, como afirma Orlandi (1996), a ilusão pode ter duas formas: quando Deus divide com os homens suas propriedades (através da graça), ou quando o homem se alça até o mundo espiritual.

Ainda conforme Orlandi (2007), uma característica do discurso religioso que tem a ver com a relação entre o texto e suas condições de produção. Trata-se do fato de que uma característica forte que é atribuída ao discurso religioso é a intertextualidade que se define pela remissão de um texto a outros textos para que ele signifique. Ou seja, a intertextualidade é um processo de incorporação de um ou mais textos em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo. “A intertextualidade implica a interdiscursividade – ao fazer referência a um texto faz-se referência, igualmente, ao discurso que ele carrega – o contrário não é verdadeiro” (FIORIN, 1994, p. 35).

Portanto, conforme Orlandi (2007), o interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada. 64

Em síntese, este capítulo apresentou as bases teóricas que orientaram a pesquisa, com uma inter e multidisciplinaridade da Análise Crítica com as Ciências Sociais e as Ciências Cognitivas. 65

CAPÍTULO III

GRUPOS SOCIAIS E SEUS PERSONAGENS RELEVANTES NA GUERRA DO CONTESTADO, CONFORME LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DO BRASIL

Este capítulo apresenta os resultados obtidos das análises realizadas em textos de livros didáticos da História do Brasil, referentes à Guerra do Contestado. Esses resultados foram organizados em: focalização temática, dados explicitados, grupos sociais e papéis sociais de cada grupo, a fim de se verificar o que foi acrescentado e o que foi cancelado.

Os resultados obtidos são apresentados para cada livro didático e estes são sequenciados, dependendo da data de publicação.

A título de exemplificação foram selecionados quatro textos.

 Texto 1 – História do Brasil, escrito por A. Souto Maior, para o ensino de 2º grau e vestibulares em sua 16ª edição, em 1979, pela Companhia Editora Nacional.    Texto 2 – A História Crítica da Nação Brasileira, escrito por Renato Mocellin 1987, pela editora Do Brasil, São Paulo, para alunos do 2º grau.    Texto 3 – História sociedade & cidadania, escrito por Alfredo Boulos Júnior, para o 3º ano do Ensino Médio, em sua 1ª edição, em 2013, adotado pelos professores da rede pública do Brasil.    Texto 4 – Piatã: história: 9º ano, escrito por Vanise Maria Ribeiro e Carla Maria Junho Anastasia, em Curitiba (PR), pela Editora Positivo, em 2015, adotado pelos professores da rede pública. 66

O material foi selecionado, observando-se:

1º) O referente textual: Guerra do Contestado

2º) Focalização temática: em que está tematizado

3º) Os dois grupos e seus papéis sociais - caracterizações ( nominalização, adjetivação e verbos):

 Grupo 1: o Governo Federal, Estadual, a Empresa, o Exército, os coronéis, a polícia, os jagunços e os vaqueanos.    Grupo 2: Monges (João Maria de Agostini, João Maria de Jesus e José Maria de Santo Agostinho), o povo (sertanejos - não é indivíduo é coletivo).

4º) O que foi acrescentado e o que foi cancelado.

5º) As datas da publicação das obras: 1979, 1987, 2013 e 2015 – como foram construídas as representações sociais dos participantes da Guerra do Contestado, destacando como, através do discurso da História, a figura de João é representada: Vilão ou Herói.

3.1 RESULTADOS OBTIDOS DAS ANÁLISES DO TEXTO 01

O livro História do Brasil foi escrito pelo historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco A. Souto Maior, para o ensino de 2º grau e vestibulares. Esse livro está em sua 16ª edição que foi publicada em1979, pela Companhia Editora Nacional.

Nesse livro, não se encontra um capítulo intitulado Guerra do Contestado. Ocorre um texto curto situado num item relativo a fatos ocorridos durante uma determinada presidência da República. 67

Souto Maior, ao se referir à Presidência da República de Hermes da Fonseca, no período de 1910 a 1914, apresenta o seguinte trecho:

O governo de Hermes da Fonseca teve que enfrentar um problema semelhante ao de Canudos. Nos sertões limítrofes do Paraná e Santa Catarina, o fanático João Maria, apelidado o “Monge” instalara-se na região do Contestado, zona disputada pelos dois Estados. Em pouco tempo, milhares de sertanejos sulinos congregaram-se em torno do Monge, repetindo-se o drama dos sertões da Bahia. Diversas expedições militares foram enviadas sem resultado, para combater os fanáticos. Somente no quadriênio seguinte é que uma divisão composta de mais de 6.000 soldados, sob o comando do general Setembrino de Carvalho, conseguiria dispersar no Contestado os fiéis seguidores do fanático João Maria.

1º) O referente textual:

Neste fragmento textual, o autor refere-se à Guerra do Contestado como um problema e o drama semelhante ao de Canudos. O termo Guerra do Contestado é cancelado.

“um problema semelhante ao de Canudos” –

“ repetindo –se o drama”

2º) Focalização temática:

O texto está tematizado na presidência de Hermes da Fonseca e o autor nem designa o fato tratado “A Guerra do Contestado”.

“O governo de Hermes da Fonseca teve que enfrentar um problema semelhante ao de Canudos 68

3º) Grupos sociais e papéis sociais

->Grupo 1 – O poder

•Governo Federal de Hermes da Fonseca:

Com relação ao governo, aparece como sujeito do enfrentamento popular, não sendo, portanto, agente do conflito. Porém, é o sujeito que preside o país e que este precisa manter a ordem e a justiça e, para isso, recorre ao exército. É necessária a intervenção do exército, ou seja, é o Poder e para isso teve que enfrentar, isto é, não havia alternativa, a não ser resolver o problema pela segunda vez, já que, segundo o autor, já havia ocorrido na Bahia esse mesmo “drama”.

“O governo de Hermes da Fonseca teve que enfrentar um problema semelhante ao de Canudos”.

• Governo Estadual: ᴓ, não ocorreu.

• Empresa: ᴓ, não ocorreu.

• Exército:

O general Setembrino de Carvalho aparece como quem, depois de diversas tentativas consegue resolver o problema, dispersando os fanáticos, e restabelecendo a Ordem e a Justiça, isto é, ele aparece no papel de grande comandante, e que com mais de 6.000 mil soldados, dispersa o povo, os fiéis seguidores do fanático. Ele representa o Controle, é o Herói.

Somente no quadriênio seguinte é que uma divisão composta de mais de 6.000 soldados, sob o comando do general Setembrino de Carvalho, conseguiria dispersar no Contestado os fiéis seguidores do fanático João Maria.

• Os coronéis: ᴓ, não ocorreu. 69

• A polícia: ᴓ, não ocorreu.

•Os jagunços: ᴓ, não ocorreu.

• Os vaqueanos4: ᴓ, não ocorreu.

• A Igreja: ᴓ, não ocorreu.

Os papéis sociais relevantes para o grupo social do poder são: o da Presidência do Brasil e a do Exército Brasileiro.

->Grupo 2: O povo

Os grupos sociais relevantes para representação do povo são: o monge João Maria e os sertanejos sulinos.

•Monges:

José Maria é representado como fanático, e chamado de João Maria (1º monge a aparecer na região em 1887) com valor negativo. É o vilão, pois está transgredindo a Ordem e a Justiça, liderando um grupo de fanáticos, que o apelidou de Monge. Conforme o autor, João Maria não é monge, mas os seus seguidores, os também fanáticos, deram-lhe esse apelido.

Nos sertões limítrofes do Paraná e Santa Catarina, o fanático João Maria, apelidado o “Monge” instalara-se na região do Contestado, zona disputada pelos dois Estados.

4As sucessivas derrotas militares nos dois primeiros anos de combates levaram o Exército a terceirizar a guerra. Coronéis foram contatados para formar grupos de vaqueanos, como eram conhecidos os guias e mateiros, que além da função de identificar caminhos e pegadas de rebeldes, agiam como pistoleiros e degoladores. Muitos deles trabalhavam nas fazendas como capatazes e jagunços. Uma parte tinha atuado na Revolução Federalista de 1893. Foi naquele movimento que aprenderam a arte macabra da degola. O nome do coronel Fabrício Vieira, líder de um grupo de vaqueanos, aparece com destaque nos documentos do Exército. Disponível em: . Acesso em: jun./2017. 70

Em pouco tempo, milhares de sertanejos sulinos congregaram-se em torno do Monge, repetindo-se o drama dos sertões da Bahia.

“fanático João Maria”

É interessante observar que Souto Maior designa o personagem José Maria que viveu no momento do conflito armado do Contestado – 1912 – 1916- de João Maria. João Maria foi o primeiro monge a aparecer na região, em 1887.

•O povo:

O papel social do povo é representado como sertanejo sulino e fanático, ou seja, que vive no sul do Brasil e segue fielmente a um fanático e o apelida de Monge, e esse povo precisa ser dispersado pelo exército para a Ordem e a Justiça serem restabelecidas. O povo, segundo o autor, representa a desordem.

Em pouco tempo, milhares de sertanejos sulinos congregaram-se em torno do Monge.

“os fiéis seguidores do fanático João Maria.”

Diversas expedições militares foram enviadas sem resultado, para combater os fanáticos.

“conseguiria dispersar no Contestado os fiéis seguidores do fanático João Maria”.

4º) o que foi acrescentado e o que foi cancelado

No texto, não são atualizadas as estratégias utilizadas pelo povo para conseguir vencer as expedições militares enviadas pelo governo; essas estratégias são canceladas. Também são canceladas as razões pelas quais o povo “tem que ser dispersado”; só ocorrem que o povo é fanático e segue João Maria, que também 71

é fanático. Souto Maior não se refere também aos dois outros monges (Giovanni Agostini e José Maria).

Neste texto, João Maria é representado como fanático, vilão que precisa ser dispersado, assim como os fanáticos, seus seguidores, porém quem viveu nessa época, segundo os textos relacionados à Guerra do Contestado, foi José Maria de Santo Agostinho (Miguel Lucena de Boa Ventura) e não João Maria d’Agostini.

Neste sentido, poder-se-ia dizer que Souto Maior ou não dá importância a um conflito que causou a morte de 10.000 a 20.000 mil pessoas, ou ele desconhece o fato por não haver estudos a respeito dele. Poder-se-ia também dizer que Souto Maior argumentativamente cancela o fato que é resultado de desapropriação de terras, não pagamento dos operários que trabalharam na estrada de ferro e não assistência a estas pessoas miseráveis, para que os seus leitores não tomem conhecimento disso.

5º) A data da publicação da obra: 1979

Neste período em que o texto foi escrito, os militares comandavam o país, como se pode observar no trecho “uma divisão composta de mais de 6.000 soldados, sob o comando do general Setembrino de Carvalho, conseguiria dispersar no Contestado os fiéis seguidores do fanático João Maria”, ou seja, há um herói que é o general, um militar: Setembrino de Carvalho.

O texto inicia situando Hermes da Fonseca como sujeito do acontecimento relativo a ter de enfrentar um problema semelhante ao de Canudos. Na progressão semântica do texto, Hermes da Fonseca é representado como sujeito agente de convocar diversas expedições militares que combateram os rebeldes da região sem resultados. O texto progride e Hermes da Fonseca é representado como sujeito agente de selecionar e enviar o general Setembrino de Carvalho, por ter conseguido dispersar (não se refere à morte de 10.000 a 20.000 pessoas do povo) os fiéis seguidores do fanático João Maria. 72

Em síntese, João Maria (José Maria) é representado como um fanático que o povo segue por também ser fanático e o poder, através do exército que restaura a ordem, é o herói.

No entanto, houve uma guerra na qual morreram mais de dez mil pessoas, entre elas as que foram mortas por torturas, mortas em combate, de fome e de sede.

Em síntese, nesse texto constatamos que há um Herói que é o General Setembrino, e há um Vilão, que é João Maria.

3.2 RESULTADOS OBTIDOS DAS ANÁLISES DO TEXTO 02

A História Crítica da Nação Brasileira é escrita por Renato Mocellin e publicada pela editora Moderna, em 1987. Essa obra é um livro didático para o 2º grau e seu autor é tanto historiador, quanto professor de História, em uma escola particular.

“A Guerra do Contestado ocorrida Entre 1912 e 1916, ocorreu, na região contestada (havia litígios de limites) entre Paraná e Santa Catarina, uma violenta guerra camponesa[...]

Em 1916, Adeodato – o último de seus chefes – caiu prisioneiro” (Ver anexo

A).

1º) Referente textual:

Neste texto, o autor se refere à Guerra do Contestado como violenta guerra camponesa, bem sucedida guerra popular, insurreição camponesa e a finaliza como rebelião sertaneja.

“deram início a uma bem sucedida guerra popular”.

A principal causa dessa guerra camponesa 73

A luta pela terra foi a principal causa da insurreição camponesa.

“no início da Guerra do Contestado”.

Em fins de 1915, consumou-se a liquidação dessa rebelião sertaneja,

2º) Focalização temática:

Este texto está tematizado nas causas que originaram o conflito armado popular da Guerra do Contestado e, por extensão, aos monges, que cuidavam do povo.

A principal causa dessa guerra camponesa foi a expulsão dos sertanejos de suas terras. Isso ocorreu porque o Governo concedeu extensas áreas de terras ao grupo do norte-americano Percival Farqhuar, a Brazil Railway Company, que construía a estrada de ferro São Paulo – Rio Grande, a qual cortava a área contestada.

Com o apoio dos governos estaduais, a Companhia passou a expulsar os pobres caboclos das terras em que viviam há muitos anos, mas que não tinham o título de propriedade.

A luta pela terra foi a principal causa da insurreição camponesa.

O Governo da República toca os filhos brasileiros dos terrenos que pertencem

à Nação e vende para os estrangeiros, nós agora estemo diposto a fazer prevalecer nossos direitos. (Escrito por um sertanejo na parede da estação de São João).

Ali, radicalizaram suas posições, pois quando o deputado paranaense Correia de Freitas foi negociar com eles, exigiram como condição básica: a restauração da Monarquia. É importante salientar que, para eles, a Monarquia era um regime bom, pois nunca os expulsou de suas terras. Já os governos republicanos ficaram do lado dos coronéis e das companhias estrangeiras. “O ideal do exército do “seu” José 74

Maria é a restauração da Monarquia, que é a lei de Deus, pois a República é a lei do diabo”, dizia um sertanejo.

3º) Grupos sociais e papéis sociais

-> Grupo 1 – O poder

•Governo Federal:

O governo é representado como quem está do lado das grandes empresas e contra o povo, que já vem sendo explorado por elas. O governo é visto como quem retira do povo o que ele tem. O governo não vende as terras às empresas, ou seja, não há pagamentos, o governo concede benefícios à empresa para explorar as terras brasileiras, sem precisar pagar, ou seja, concede privilégios às empresas. E também como chefe, que para manter a Ordem e a Justiça resolve agir e aniquilar o inimigo.

O Governo concedeu extensas áreas de terras ao grupo do norte-americano Percival Farqhuar.

Os camponeses, explorados pelos latifundiários, expulsos de suas terras pelo Governo, pelas companhias estrangeiras e pelos oligarcas locais, deram início a uma bem sucedida guerra popular.

O Governo da República toca os filhos brasileiros dos terrenos que pertencem à Nação e vende para os estrangeiros [...]

Diante das humilhantes derrotas, o Governo Federal resolveu agir, enviando, para assumir o comando da XI Região Militar, o General Fernando Setembrino de Carvalho.

•Governo Estadual:

Pode-se observar que o Governo do Paraná começa a se envolver no conflito quando os sertanejos mudam de Santa Catarina para o Paraná, e este passou 75

a apoiar a Companhia e a expulsá-los. Quando o deputado, segundo o autor, tenta intervir, negociar, o povo já não o aceita mais conversar e radicaliza, quer o retorno

à Monarquia. Ou seja, até então, não houvera negociação, diálogos ou até mesmo discussões, somente a Companhia em parceria com o Governo Federal e Estadual foram expulsando os sertanejos da terra, sem nenhum tipo de acerto, não ocorreu diálogo.

Assim que a notícia chegou a Curitiba, os jornais passaram a divulgar informações tendenciosas de que o monge estava a serviço do Governo de Santa Catarina, para ocupar terras paranaenses, o que não era verdade.

Com o apoio dos governos estaduais, a Companhia passou a expulsar os pobres caboclos das terras

Obedecendo a um plano do secretário de Santa Catarina, Lebon Régis, as tropas do governo atacaram Taquaruçu com três colunas.

Ali, radicalizaram suas posições, pois quando o deputado paranaense Correia de Freitas foi negociar com eles, exigiram como condição básica: a restauração da Monarquia.

• Empresa:

É representada como companhia estrangeira que, juntamente com as autoridades locais, expulsam os moradores, iniciando uma guerra popular.

Isso ocorreu porque o Governo concedeu extensas áreas de terras ao grupo do norte-americano Percival Farqhuar, a “Brazil Railway Company”, que construía a estrada de ferro São Paulo – Rio Grande, a qual cortava a área contestada.

Com o apoio dos governos estaduais, a Companhia passou a expulsar os pobres caboclos das terras em que viviam há muitos anos, mas que não tinham o título de propriedade. 76

•Exército:

O exército é representado pelos comandantes e pelas tropas que expulsam os invasores, ou seja, os sertanejos expulsos de suas terras passam a ser os invasores e não mais os moradores da região. É importante observar que em determinado momento, o exército passa a ser assaltante que vem e procura aniquilar toda a população, com modernos equipamentos, mas que os sertanejos morrem realmente é de fome e de sede.

Imediatamente, o Coronel João Gualberto, comandante das tropas do Regimento de Segurança do Paraná, marchou para Palmas para expulsar os “invasores”.

No combate dos Campos de Irani morreu o coronel João Gualberto e também o monge José Maria.

Obedecendo a um plano do secretário de Santa Catarina, Lebon Régis, as tropas do governo atacaram Taquaruçu com três colunas. Porém, os sertanejos, sob o comando de Joaquim, o Menino Deus, fizeram com que essas tropas batessem em retirada.

No segundo ataque a Taquaruçu, a tropa do governo era composta por 700 soldados, sob o comando do Tenente-Coronel Dinarte de Aleleuia Pires, que por motivo de doença foi substituído pelo Capitão Vieira Rosa.

A 8 de fevereiro de 1914, começou o ataque. Os canhões lançaram sobre o reduto cento e setenta e cinco tiros. O bombardeio era alarmante, o massacre total.

“Ao anoitecer verificaram os assaltantes que a cidade santa ia sendo abandonada. Mas só no dia seguinte é que as tropas se dispuseram a forçar o reduto. Através dos binóculos os oficiais não viam ninguém”. 77

Diante das humilhantes derrotas, o Governo Federal resolveu agir, enviando para assumir o comando da XI Região Militar o General Fernando Setembrino de Carvalho.

Contando com oito mil homens, Setembrino de Carvalho foi cercando a área Contestada, vencendo os sertanejos pela fome e pela sede.

Segundo Douglas Teixeira Monteiro, “o mais moderno equipamento foi utilizado pelos repressores”, experimentando inclusive o emprego de pequenos aviões para bombardeio e reconhecimento.

•Coronéis:

Os coronéis são representados pelos grandes proprietários de terras que comandam a região. Quando o autor se refere ao coronel, ele retoma a palavra “feudo”, ou seja, um termo utilizado na Idade Média para referir-se aos grandes proprietários de terras e aos coronéis dessa região. Conforme o autor, também eram proprietários de extensas porções de terras. Ele faz uma comparação entre os coronéis e os senhores feudais. Também os apresenta como parceiros das empresas estrangeiras e contra os sertanejos que eram contrários às suas ordens e favoráveis à Monarquia.

José Maria estabeleceu-se em Taquaruçu, no município de Curitiba, feudo do Coronel Francisco Albuquerque. Dia a dia, aumentava o número de seguidores que se aglomeravam em Taquaruçu, causando preocupações aos coronéis da região.

Após se desentenderem com o Coronel Francisco de Albuquerque, o monge e os seus seguidores instalaram-se nos Campos de Irani, em território paranaense.

Os camponeses, explorados pelos latifundiários, expulsos de suas terras pelo Governo, pelas companhias estrangeiras e pelos oligarcas locais deram início a uma bem sucedida guerra popular. 78

• A polícia: ᴓ, não ocorreu.

• Os jagunços: ᴓ, não ocorreu.

• Os vaqueanos: ᴓ, não ocorreu.

• A Igreja: ᴓ, não ocorreu.

->Grupo 2 – O povo

Os camponeses, explorados pelos latifundiários, expulsos de suas terras pelo Governo, pelas companhias estrangeiras e pelos oligarcas locais, deram início a uma bem sucedida guerra popular.

•Monges:

Neste texto, a presença dos monges para o povo sofrido representava a fé, um mundo melhor, e eles se aproveitavam dessa necessidade do povo para pregar e ser seguido. Sendo que esse povo era ingênuo, ignorante, pobre e havia perdido as suas terras. José Maria representava para o povo a Justiça, portanto era um herói que queria o retorno da República e lhe traria a Paz como no tempo da República.

O autor destaca um dos monges José Maria e acrescenta ao nome, o sobrenome d’Agostini (sobrenome do 1º monge). Esse acréscimo faz referência ao primeiro monge que era chamado de João Maria d’Agostini, como líder dos sertanejos, que o seguiam aonde fosse, e, com isso, os coronéis começaram a se preocupar.

Desde meados do século XIX, os habitantes da região viam nas pregações dos monges uma espécie de anestesia para os males desse mundo.

A religiosidade popular era muito grande. Isso, aliado à ignorância e ao desejo de um mundo melhor, propiciava um terreno fértil para as pregações, milagres e profecias. 79

Houve vários monges, porém foi José Maria d’Agostini, na verdade Miguel Lucena Boaventura, um ex-soldado paranaense, quem liderava os sertanejos no início da Guerra do Contestado.

José Maria estabeleceu-se em Taquaruçu, no município de Curitiba, feudo do Coronel Francisco Albuquerque. Dia a dia, aumentava o número de seguidores que se aglomeravam em Taquaruçu, causando preocupações aos coronéis da região.

Após se desentenderem com o Coronel Francisco de Albuquerque, o monge e os seus seguidores instalaram-se nos Campos de Irani, em território paranaense.

No combate dos Campos de Irani morreu o coronel João Gualberto e também o monge José Maria.

“O ideal do exército do “seu” José Maria é a restauração da Monarquia, que é a lei de Deus, pois a República é a lei do diabo”, dizia um sertanejo.

•O povo:

Este texto refere-se ao sertanejo e à expulsão dos sertanejos de suas terras pela Empresa, em parceria com o governo e com as autoridades locais. O povo é representado como pobre caboclo, que morava em terras que não eram suas, pois não haviam legalizado a posse. Eles acreditavam que a restauração da Monarquia, que era a lei de Deus, lhes traria novamente a paz e a posse de suas propriedades. Portanto, eram contrários à República que para eles era a lei do diabo, já que com ela haviam perdido as suas terras.

Pode-se observar que há uma mudança no comportamento do povo, primeiramente é religioso, busca através da fé melhores condições de vida, segue a José Maria, enfrenta as tropas do governo, depois da morte de José Maria, acredita em sua ressurreição e obedece a ordens de líderes que vão aparecendo. Torna-se invasor, dominador, rebelde, político, radicaliza e exige, depois é comparado a guerrilheiro e precisa ser combatido, é aniquilado por tropas enviadas pelo Governo 80

Federal por meio do exército, ou seja, o Poder e o Controle voltam a manter a Ordem e a Justiça.

Os camponeses, explorados pelos latifundiários, expulsos de suas terras pelo Governo, pelas companhias estrangeiras e pelos oligarcas locais.

A principal causa dessa guerra camponesa foi a expulsão dos sertanejos de suas terras. Isso ocorreu porque o Governo concedeu extensas áreas de terras ao grupo do norte-americano.

Com o apoio dos governos estaduais, a Companhia passou a expulsar os pobres caboclos das terras em que viviam há muitos anos, mas que não tinham o título de propriedade.

A luta pela terra foi a principal causa da insurreição camponesa.

Ali, radicalizaram suas posições, pois quando o deputado paranaense Correia de Freitas foi negociar com eles, exigiram como condição básica: a restauração da Monarquia. É importante salientar que, para eles, a Monarquia era um regime bom, pois nunca os expulsou de suas terras. Já os governos republicanos ficaram do lado dos coronéis e das companhias estrangeiras. “O ideal do exército do “seu” José Maria é a restauração da Monarquia, que é a lei de Deus, pois a República é a lei do diabo”, dizia um sertanejo.

Desde meados do século XIX, os habitantes da região viam nas pregações dos monges uma espécie de anestesia para os males desse mundo.

A religiosidade popular era muito grande. Isso, aliado à ignorância e ao desejo de um mundo melhor, propiciava um terreno fértil para as pregações, milagres e profecias.

Dia a dia, aumentava o número de seguidores que se aglomeravam em Taquaruçu, causando preocupações aos coronéis da região. 81

Após se desentenderem com o Coronel Francisco de Albuquerque, o monge e os seus seguidores instalaram-se nos Campos de Irani, em território paranaense.

Imediatamente, o Coronel João Gualberto, comandante das tropas do Regimento de Segurança do Paraná, marchou para Palmas para expulsar os “invasores”.

Mais tarde, os sertanejos voltaram a se reunir. Acreditavam que o monge e todos os que morreram, em defesa da “santa religião”, ressuscitariam.

Quando Manoel era o líder, os homens eram obrigados a raspar a barba e cortar o cabelo à escovinha, eis a razão dos adversários chamá-los de “pelados”.

Porém, os sertanejos, sob o comando de Joaquim, o Menino Deus, fizeram com que essas tropas batessem em retirada.

Adotando táticas de guerrilhas e, cada vez mais, guiados por um grande fervor místico, aquela multidão de explorados, da região Contestada chegou a dominar uma área de 28.000 km² e uma população de 20 a 30 mil habitantes, espalhados por vários redutos.

Nos redutos, predominava a divisão por igual dos alimentos e de outros meios de subsistência, conforme as pesquisas de Maurício Vinhas de Queirós:

Contando com oito mil homens, Setembrino de Carvalho foi cercando a área Contestada, vencendo os sertanejos pela fome e pela sede.

Em fins de 1915, consumou-se a liquidação dessa rebelião sertaneja, restando apenas pequenos grupos esparsos. Em 1916, Adeodato – o último de seus chefes – caiu prisioneiro”.

Mais tarde, os sertanejos voltaram a se reunir. Acreditavam que o monge e todos os que morreram, em defesa da “santa religião”, ressuscitariam. 82

4º) O que foi acrescentado e o que foi cancelado

No texto, escrito em 1987, Mocellin apresenta a principal razão pela qual se iniciou a Guerra do Contestado. Também, apresenta José Maria como líder do povo muito religioso, explorado e injustiçado pelo governo. Acrescenta o nome do coronel com quem José Maria se desentendeu. Trata a imprensa paranaense (jornais) como tendenciosa ao divulgar que José Maria estaria a serviço do governo catarinense. Mocellin, também, não se refere aos dois outros monges, somente menciona que houve vários e que um destacou-se, porém acrescenta ao nome d’ Agostini, sobrenome do primeiro monge a aparecer na região Giovanni Maria d’ Agostini e não de Santo Agostinho, como era conhecido José Maria,

Nesse texto, José Maria é representado como um ex-soldado paranaense e líder, que pregava ao povo sofrido e injustiçado, o qual morre no primeiro combate. O povo fica esperando a sua ressurreição.

O autor relata com mais detalhes a Guerra do Contestado, após a morte de José Maria, apontando quais foram os líderes que continuaram guiando o povo e especifica quais as localidades em que houve o conflito. Também, apresentou a exigência feita pelos sertanejos para acabar com a guerra, que seria a restauração da Monarquia. Ele cancela a presença da Igreja na região e destaca a religiosidade popular dos sertanejos, que acreditavam nos monges em suas pregações e milagres.

5º) A data da publicação da obra: 1987

O texto foi escrito no ano de 1987, período de transição no regime político brasileiro, cujo presidente era José Sarney, primeiro presidente pós-regime militar, sua eleição foi indireta. Ano em que foi apresentada a Constituição de 1987, promulgada em 1988, que vigora até hoje.

Como se pode observar, há uma transição no sistema político brasileiro, do regime militar para a democracia. Isso se observa no texto, de um lado o povo e de outro o governo, as empresas e os grandes proprietários, que no final vencem, pois 83

o povo torna-se guerrilheiro (bandido), precisa ser combatido e derrotado. Em outros termos, toda mudança social produz uma mudança no discurso. Também o autor apresenta uma leitura complementar a respeito do Contestado, em que o povo (sertanejo) é denominado de baderneiro, o Exército é chamado para manter a Ordem e a Justiça e José Maria um semibárbaro.

Em síntese, o Governo oferece privilégios à Companhia norte-americana, e com o apoio dos governos estaduais (Paraná e Santa Catarina) expulsa os moradores da região.

O autor apresenta como principal causa da guerra a luta pela terra.

José Maria aparece como líder de um povo religioso, ignorante que sonhava com um mundo melhor, anestesiado pelo sofrimento e que vai mudando de comportamento, conforme vão ocorrendo os fatos, até tornar-se um guerrilheiro. O Governo Federal precisa fazer algo e o faz, ao enviar o exército para combater os guerrilheiros e retomar o Poder e o Controle.

Em síntese, o autor explicita todas as causas históricas que originaram a Guerra do Contestado. José Maria, por ser o líder popular, é representado como Herói, o governo que oferece privilégios aos estrangeiros e que expulsa o povo de suas terras, matando-o, é representado como Vilão.

Frente ao exposto, poder-se-ia dizer que, com a queda do regime militar no Brasil e o início da sonhada abertura à oposição a esse regime, inicia-se, também, o direito de se dar voz ao povo brasileiro, de forma a representar a Guerra do Contestado como um conflito popular que busca justiça e liberdade.

3.3 RESULTADOS OBTIDOS DAS ANÁLISES DO TEXTO 03

O livro didático História: sociedade & cidadania foi escrito pelo professor de história Alfredo Boulos Júnior, para o 3º ano do Ensino Médio. Essa obra foi publicada pela editora FTD, em São Paulo, no ano de 2013. Após 84

avaliação da Secretaria de Educação Básica, foi distribuída para as escolas da rede pública de ensino por intermédio do Fundo Nacional de desenvolvimento da Educação (FNDE).

“No início do século XX, numa área contestada, isto é, disputada pelos estados do Paraná e Santa Catarina, sertanejos pobres e religiosos também resistiram à opressão republicana e foram acusados de monarquistas e fanáticos. [...]

Em 1915, com o fim da Guerra do Contestado, foi celebrado um acordo que fixou os limites oficiais dos estados do Paraná e de Santa Catarina.” (Ver anexo B)

1º) O referente textual:

A Guerra do Contestado é denominada também de constantes disputas por terra, conflitos violentos e movimento que ganhou milhares de adeptos.

Os limites entre o Paraná e Santa Catarina não foram delimitados com rigor, o que provocou constantes disputas por terras entre essas duas províncias. Outro fator de tensão no Contestado eram os conflitos violentos entre os grandes fazendeiros locais.

Os sertanejos voltaram então para Taquaruçu, onde o movimento ganhou milhares de adeptos.

2º) Focalização temática:

Este texto está tematizado na revolta popular.

Outro fator de tensão no Contestado eram os conflitos violentos entre os grandes fazendeiros locais. Além disso, para ampliar suas fazendas de gado e de erva-mate, os coronéis da região invadiam com seus capatazes as terras dos índios e dos posseiros e as tomavam à força.

85

Depois atacaram Curitibanos e incendiaram a fazenda do coronel Albuquerque, o maior inimigo dos sertanejos; invadiram ainda o cartório local e incendiaram títulos de propriedade, muitos dos quais forjados pelos coronéis que tutelavam a justiça local.

Depois de resistir a várias expedições enviadas pelas autoridades, os sertanejos partiram para o ataque: invadiram e conquistaram cidades, bloquearam a ferrovia São Paulo – Rio Grande e incendiaram a serraria da Lumber. Depois atacaram Curitibanos e incendiaram a fazenda do coronel Albuquerque, o maior inimigo dos sertanejos; invadiram ainda o cartório local e incendiaram títulos de propriedade, muitos dos quais forjados pelos coronéis que tutelavam a justiça local.

Inconformados, os sertanejos diziam que José Maria iria ressuscitar e voltaria liderando um exército encantado, com São Sebastião, para fazer valer “a lei da coroa do céu”. Os sertanejos voltaram então para Taquaruçu, onde o movimento ganhou milhares de adeptos, distribuídos por dezenas de “vilas santas”, nome que os sertanejos davam aos seus povoados.

A referência é a equiparação de José Maria a Dom Sebastião, é o que ele chama de “além da coroa do céu”. Inconformados os sertanejos diziam que José Maria iria ressuscitar e voltaria liderando um exército encantado como São Sebastião para fazer valer a lei da coroa do céu. Eles voltaram para Taquaruçu onde o movimento ganhou milhares de adeptos, agora a palavra é adeptos, não mais fanáticos. Isso ocorre quando José Maria é comparado a Dom Sebastião.

Distribuído por dezenas de vilas santas, nome que os sertanejos davam a seus povoados e depois para o povo resistir a várias expedições enviadas pelas autoridades, os sertanejos partiram para o ataque, invadiram e conquistaram cidades, bloquearam a ferrovia São Paulo, fizeram o que Dom Sebastião fez, foi lá para brigar com os mouros.

Neste texto, a palavra “também” faz uma retomada a Canudos, pois fala do povo pobre e religioso, assim como os que participaram da Guerra de Canudos. 86

Sertanejos pobres e religiosos também resistiram à opressão republicana e foram acusados de monarquistas e fanáticos.

3º) Grupos sociais e papéis sociais

-> Grupo 1 – Poder

•Governo Federal:

Como se pode observar no texto, o Governo inicia a Guerra e a finaliza. O papel social representado pelo governo federal é aquele que tem interesses próprios para serem defendidos; por essa razão dão privilégios à empresa norte-americana e convoca o exército para acabar com os revoltosos que se opõem a ele. Nesse sentido, o governo federal é representativo do poder, pois tanto negocia quanto privilegia estrangeiros e ordena o extermínio de quem se opõe a seus próprios interesse. Ou seja, ele tem o Poder quando negocia e privilegia a empresa norte- americana e tem o controle quando envia o exército para acabar com a Guerra. Pertencem à República, segundo o autor, ainda jovem, que está iniciando.

A tensão na área aumentou ainda mais em 1908, quando o presidente Afonso Pena (1906 – 1910) contratou a empresa norte-americana Brazil Railway Company para construir a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande e, como parte do pagamento, cedeu aos norte-americanos uma faixa de 15 quilômetros de terra de cada lado da ferrovia.

O governo federal, presidido por Hermes da Fonseca, decidiu, então, enviar para o Contestado 6 mil soldados, canhões, metralhadoras e aviação militar, enfim, o armamento mais moderno da época.

As autoridades da jovem República diziam agir em nome do progresso e da civilização!

• Governo estadual: 87

Somente o governo do Paraná é representado, o de Santa Catarina não é representado.

O governo do Paraná, por sua vez, enviou 100 soldados contra o reduto.

• Empresa:

Refere-se a uma empresa estrangeira que recebeu benéficos do Governo Federal para vir instalar-se no Brasil, entre os quais, a posse das terras onde os sertanejos viviam. E essa empresa, após expulsar os sertanejos, com a ajuda do Governo, instalou outra empresa para cortar e retirar a madeira da região e vender as terras aos imigrantes europeus.

A tensão na área aumentou ainda mais em 1908, quando o presidente Afonso Pena (1906 – 1910) contratou a empresa norte-americana Brazil Railway Company para construir a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande e, como parte do pagamento, cedeu aos norte-americanos uma faixa de 15 quilômetros de terra de cada lado da ferrovia. Essa empresa criou, em 1911, uma outra – a Lumber – e a encarregou de lotear os terrenos às margens da ferrovia e vendê-los a imigrantes europeus. Com o pretexto de difundir a colonização europeia na área, a Lumber pretendia explorar o pinho e a imbuia da rica floresta nativa que cobria a região. Os posseiros que viviam nas terras que margeiam a ferrovia foram expulsos à força por seguranças da Lumber, o que aumentou o número de desocupados na região.

• O Exército: ᴓ, não ocorreu.

•Os coronéis:

Considerados os proprietários de grandes extensões de terras são representados como aqueles que ampliam sua fortuna através da violência, não só contra os sertanejos, mas também contra os índios. É a primeira vez que aparece a palavra “índios”.

• A polícia: ᴓ, não ocorreu. 88

•Os jagunços: ᴓ, não ocorreu

•Os vaqueanos:

São contratados pelos coronéis para lutarem contra os sertanejos.

e 300 vaqueanos ( jagunços a serviço dos coronéis da região).

• A igreja: ᴓ, não ocorreu

Em outros termos, o grupo do poder é representado pelo Governo Federal e Coronéis. O exército e a polícia representam o papel do controle do poder e são eles que têm acesso ao povo.

->2º grupo social– O povo

O povo é representado tanto pelas pessoas que foram expulsas de suas terras, quanto pelo monge José Maria de Santo Agostinho.

• Os monges

O único monge representado é José Maria, um beato que só se sabe o nome Miguel Lucena Boaventura, o qual apareceu e conseguiu reunir ao seu redor muitos seguidores. Apesar de ele ter morrido no primeiro combate, sua imagem permanece, como alguém que ressuscitará e ajudará o povo a lutar contra a República e a instaurar a Monarquia com seu exército encantado.

Sem a terra onde viviam e trabalhavam, os sertanejos do Contestado tornaram-se sensíveis à pregação do “monge” José Maria, cujo nome era Miguel Lucena Boaventura, beato que logo atraiu grande número de seguidores.

Inicialmente, José Maria e sua gente se fixaram em Taquaruçu (SC), posteriormente, ao se verem perseguidos por um coronel da região, se mudaram para Irani, área de Santa Catarina pretendida pelo Paraná. 89

[...] os sertanejos resistiram, mas o monge José Maria e o comandante adversário morreram durante o conflito.

Inconformados, os sertanejos diziam que José Maria iria ressuscitar e voltaria liderando um exército encantado, com São Sebastião, para fazer valer “a lei da coroa do céu”.

Neste texto, José Maria não é caracterizado como desertor da polícia, mas como um monge de grande religiosidade e com muitos seguidores, ou seja, milhares de adeptos, além de ser comparado a São Sebastião.

•O povo (sertanejos, pequenos fazendeiros sem terra, ou seja, expulsos de suas terras).

O povo é representado pelos posseiros, que foram expulsos, desocupados, sensíveis à pregação do monge e seguidores do monge são perseguidos pelos coronéis, chamados de fanáticos pela imprensa, vão mudando seu comportamento. Segundo o autor, passam a invadir, a incendiar as fazendas e as cidades, ou seja, revidam os ataques e de adeptos do monge passam a ser marginais. Esperam a ressurreição do monge que virá acompanhado de um exército encantado que os ajudará a vencer o inimigo, ou seja, a República e instaurar a Monarquia.

Os posseiros que viviam nas terras que margeiam a ferrovia foram expulsos à força por seguranças da Lumber, o que aumentou o número de desocupados na região.

Sem a terra onde viviam e trabalhavam, os sertanejos do Contestado tornaram-se sensíveis à pregação do “monge” José Maria, cujo nome era Miguel Lucena Boaventura, beato que logo atraiu grande número de seguidores.

Inicialmente, José Maria e sua gente se fixaram em Taquaruçu (SC), posteriormente, ao se verem perseguidos por um coronel da região, se mudaram para Irani, área de Santa Catarina pretendida pelo Paraná. Conforme o reduto foi crescendo, a imprensa paranaense passou a chamar os sertanejos do Contestado 90

de “fanáticos de Santa Catarina”. O governo do Paraná, por sua vez, enviou 100 soldados contra o reduto; os sertanejos resistiram, mas o monge José Maria e o comandante adversário morreram durante o conflito.

Inconformados, os sertanejos diziam que José Maria iria ressuscitar e voltaria liderando um exército encantado, com São Sebastião, para fazer valer “a lei da coroa do céu”. Os sertanejos voltaram então para Taquaruçu, onde o movimento ganhou milhares de adeptos, distribuídos por dezenas de “vilas santas”, nome que os sertanejos davam aos seus povoados.

4º) O que foi acrescentado e o que foi cancelado

No texto, Boulos (2013) apresenta a Lumber, uma madeireira, filial da Brazil Railway Company, encarregada de lotear os terrenos às margens da ferrovia, explorar e vender o pinho e a imbuia existentes na região, deixando, assim, milhares de posseiros sem terra e sem trabalho. O autor cancela que milhares de trabalhadores da ferrovia, por não receberem seus pagamentos, não puderam retornar às suas cidades, permanecendo, na região, assim como os posseiros, sem trabalho. Também é cancelada a presença dos outros monges que percorreram a região, receitando chás, curando, benzendo e fazendo milagres. Ele só se refere à presença de José Maria, representado como monge e beato, que atraiu muitos seguidores e morreu durante o conflito, mas que os sertanejos, inconformados, esperavam a sua ressurreição, liderando um exército encantado.

O autor, também escreve sobre os jornais paranaenses que denominavam os sertanejos do Contestado de “fanáticos de Santa Catarina”, ou seja, para a imprensa, o conflito era causado pelos catarinenses que, eram considerados invasores e desocupados.

Nesse texto, também foi apresentada a figura do vaqueano que trabalhava com os coronéis para reprimir os sertanejos. 91

Em síntese, para o autor, os sertanejos reagiram, pois após perderem suas terras, seu trabalho, foram abandonados pelo Estado e não tinham a quem recorrer, a não ser a José Maria, que já no primeiro combate morreu.

5º) A data de publicação da obra: 2013

O texto foi publicado no ano de 2013, pela editora FTD, em São Paulo.

Como se pode observar, há uma nova transição no sistema político brasileiro no qual o governo elitista passa a governo popular, tendo por presidente da república, no período de 2002 a 2010, Lula da Silva e, em seguida, a presidente Dilma. Ambos os presidentes foram revolucionários e perseguidos durante a ditadura militar. Desde que Lula se tornou presidente da república, ocorreram várias mudanças políticas, pois esse queria representar o papel de salvador do povo, criando várias bolsas mensais, desde família, percorrendo as escolas até os presídios brasileiros. Tratou-se de um descontrole social, segundo o qual ocorreram várias invasões de terras pelo grupo chamado Sem Terras, no campo. Nas cidades, os Sem Teto, invadindo propriedades desabitadas.

O autor focaliza o texto na revolta popular por ter recebido uma série de injustiças o que os levou a uma série de reações violentas.

No texto analisado, a empresa e o governo são representados como Vilões, e o povo revoltoso como Herói.

O personagem principal do heroísmo é José Maria que representa o papel de assassinado injustamente por ser Salvador do Povo.

Neste período, ainda o cenário político apresentava modificação, pois há um aumento significativo de deputados e senadores evangélicos, que buscavam conservar certos valores, tais como: a lei do aborto, do ensino religioso nas escolas.

Pode-se observar, neste texto, que a palavra “fanático” e “fanáticos” já havia ocorrido muito na imprensa, e ela é escolhida pelo autor para se referir a opositores, 92

no caso o povo e ao monge, que estão inter-relacionados e designados por “beato e adeptos”. A designação “fanático,” devido à oposição violenta dos evangélicos, deixou de ser usada pela imprensa que a substituiu por adeptos.

3.4 RESULTADO OBTIDO DAS ANÁLISES DO TEXTO 04

O livro didático Piatã: história - 9º ano, do Ensino Fundamental. Foi escrito por Vanise Maria Ribeiro e Carla Maria Junho Anastasia e publicado em Curitiba (PR), pela Editora Positivo, em 2015. Essa obra foi avaliada pelo Ministério da Educação e adquirida pelo Fundo Nacional de desenvolvimento da Educação (FNDE), para ser distribuída para as escolas da rede pública.

No Sul: Guerra do Contestado

A Guerra do Contestado foi um conflito armado entre a população local e o governo, na região de divisa do Estado do Paraná com Santa Catarina, entre 1912 e 1916. A causa principal do conflito foi a construção da estrada de ferro entre Itararé, São Paulo, e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A execução da obra cabia à Brazil Railway Company, que recebeu do governo uma faixa de terra de 30 quilômetros de largura pela qual passaria a ferrovia cortando os estados do sul do país. O acordo com o governo também dava à empresa o direito de explorar a madeira nesses terrenos, por meio de outra empresa coligada, depois revender as terras.[...]

Em 1914, o governo enviou um veterano que lutou na guerra de Canudos, o general Carlos Frederico de Mesquita, para acabar com o conflito. Ele não obteve sucesso. Os revoltosos tomaram as localidades de Curitibanos, Santa Maria e Porto União da Vitória. Diante disso, o governo federal enviou o general Fernando Setembrino de Carvalho com 7000 homens, que, com violência extrema, finalizaram o combate na região (Ver anexo C). 93

1º) Referente textual:

O texto se refere à Guerra do Contestado como um conflito armado, violento confronto.

A Guerra do Contestado foi um conflito armado entre a população local e o governo na região de divisa do Estado do Paraná com Santa Catarina, entre 1912 e 1916.

Após um violento confronto, o monge José Maria foi morto.

2º) Focalização temática:

O texto 4 está tematizado na Brazil Railway Company com seus prestígios recebidos e suas ações ao tomar posse da terra, que resultou nas ações de José Maria como Salvador do povo abandonado.

3º) Grupos sociais e papéis sociais

->Grupo 1 – Poder

O grupo 1 está composto por: governo federal, governo estadual e empresa, tendo por controle o exército.

•Governo Federal:

Representa o poder e o seu papel é de autoridade para o envio de tropas federais, em defesa da Ordem Nacional, assim como é sujeito agente para doar e ceder benefícios a estrangeiros.

Em 1914, o governo enviou um veterano, o qual lutou na Guerra do Canudos, o general Carlos Frederico de Mesquita, para acabar com o conflito. Ele não obteve sucesso. Os revoltosos tomaram as localidades de Curitibanos, Santa Maria e Porto União da Vitória. Diante disso, o governo federal enviou o general Fernando 94

Setembrino de Carvalho com 7000 homens, que, com violência extrema, finalizaram o combate na região.

A Brazil Railway Company recebeu do governo uma faixa de terra de 30 quilômetros de largura pela qual passaria a ferrovia cortando os Estados do sul do país. O acordo com o governo também dava à empresa o direito de explorar a madeira nesses terrenos, por meio de outra empresa coligada e depois revender as terras.

• Governo Estadual:

Em outubro de 1912, começou a Guerra do Contestado.

Em defesa das terras, várias tropas do Regimento de Segurança do Paraná foram mandadas ao local para obrigar os invasores a voltar para Santa Catarina. Após um violento confronto, o monge José Maria foi morto.

•Empresa:

A empresa tinha autonomia para desapropriar as áreas que haviam recebido do governo, tais terras eram ocupadas por posseiros, ou seja, segundo o autor, não tinham proprietários.

A causa principal do conflito foi a construção da estrada de ferro entre Itararé, São Paulo, e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A execução da obra cabia à Brazil Railway Company, que recebeu do governo uma faixa de terra de 30 quilômetros de largura pela qual passaria a ferrovia cortando os estados do sul do país. O acordo com o governo também dava à empresa o direito de explorar a madeira nesses terrenos, por meio de outra empresa coligada e depois revender as terras.

No início das obras, a Brazil Railway Company realizou a desapropriação de 6700 quilômetros quadrados de terras ocupadas por posseiros, que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina. 95

•Exército:

Pode-se observar que, segundo a autora, foi necessária a presença do exército para acabar com a revolta. E que a finalizaram com muita violência.

Em 1914, o governo enviou um veterano que lutou na guerra de Canudos, o general Carlos Frederico de Mesquita, para acabar com o conflito. Ele não obteve sucesso. Os revoltosos tomaram as localidades de Curitibanos, Santa Maria e Porto União da Vitória. Diante disso, o governo federal enviou o general Fernando Setembrino de Carvalho com 7000 homens, que, com violência extrema, finalizaram o combate na região.

•Os coronéis: ᴓ, não ocorreu.

• Os jagunços:ᴓ, não ocorreu.

•Os vaqueanos: ᴓ, não ocorreu.

• A Igreja: ᴓ, não ocorreu.

->Grupo 2 – O povo

O grupo 2 é representado pelos povoamentos “operários”, “desempregados”, “os posseiros que perderam os direitos às terras”, “operários demitidos pela companhia”, “os revoltosos”, “os invasores” e o “monge José Maria”.

“No início das obras, a Brazil Railway Company realizou a desapropriação de 6.700 km² de terras ocupadas por posseiros que viviam na região entre o Paraná e santa Catarina. Os povoamentos remontavam ao século XVII, surgidos das antigas rotas de tropeiros entre São Paulo e o Rio Grande do Sul. Vivendo da criação de gado, da coleta de erva-mate e da extração de madeira, milhares de habitantes dessa região foram ignorados pelo governo e pela empresa, que consideram as terras como devolutas”. 96

“Milhares de habitantes dessa região foram ignorados pelo governo e pela empresa, que consideraram as terras como devolutas”.

“De forma repentina, mais de 4000 trabalhadores ficaram desempregados”.

“Ao término das obras, a companhia não cumpriu seu de compromisso de pagar aos operários a volta às suas terras. Sem meios para retornarem a seus lares, eles ficaram na região”.

“Os posseiros que perderam os direitos às terras que ocupavam, somados aos operários demitidos pela companhia juntaram a José Maria”.

“O povo, mesmo depois da morte de José Maria no primeiro combate em Taquaruçu, no ano de 1912, não foi embora, porque tinha certeza que ele ia voltar, tanto que foi enterrado com tábuas para facilitar sua ressurreição”.

• Monge: José Maria

O único monge representado é José Maria que, segundo o autor, aumenta a tensão entre o povo e o governo. Ele é representado com ideias políticas contrárias ao governo, um líder político e também religioso.

No texto 4, assim como nos demais textos anteriores, a Igreja está cancelada, visto que ela não dá assistência ao povo da região. Como José Maria é dedicado ao povo curando-o, acolhendo-o e lutando por ele, passa a ser designado monge e representado como se fosse a Igreja. É a religiosidade do povo que o conduz a seguir José Maria e considerá-lo um líder.

Havia mais um elemento nesse momento conturbado e de tensão social: o fanatismo religioso, com a liderança do monge José Maria.

Os posseiros que perderam o direito às terras que ocupavam, somados aos operários demitidos pela companhia, juntaram-se a José Maria. O monge criticava o governo republicano brasileiro e proclamou sua comunidade autônoma. 97

José Maria representa o papel social de quem se dedica ao povo e que, por isso, é considerado por ele como monge, já que aparece como a única voz a favor do povo.

O monge José Maria representa, também, o papel daquele que cura e que cuida, ajudando o povo.

O monge José Maria é representado, ainda, como um monarquista contrário à República.

Os ex-pequenos proprietários de terra são representados como “sertanejos” que perderam as suas terras para os invasores. Estes, representam o papel dos coronéis e da Brazil Railway Company, a Lumber, para a derrubada e venda da madeira regional.

4º) O que foi acrescentado e o que foi cancelado

No texto, escrito em 2015, Ribeiro e Anatasia apresentam a causa principal do conflito: assim, destacam a empresa contratada para fazer a ferrovia como a principal beneficiária das desapropriações das terras. Também, é a empresa que não cumpre o acordo com os trabalhadores e não lhes paga o salário, para que eles possam retornar às suas cidades.

Para as autoras, José Maria representa uma crítica ao governo republicano, que proclama sua comunidade autônoma e lidera um grupo de fanáticos religiosos que perderam suas terras.

Elas cancelaram a presença dos outros monges na região e a da Igreja. Também cancelaram a crença do sertanejo na ressurreição de José Maria. Para elas, o conflito continua e só termina quando são enviadas forças federais sob o comando do General Setembrino de Carvalho. 98

5º) A data de publicação da obra: 2015

O texto 4, Piatã: História do Brasil, foi publicado no ano de 2015.

Na data da publicação desta obra, como se pode observar, houve uma nova transição no sistema político brasileiro. O governo Dilma passou a ser questionado, devido às “pedaladas fiscais” realizadas por ela. Estas implicaram em um grande conjunto de empréstimos para ocultar as dívidas governamentais realizadas no primeiro governo da presidente Dilma, nas vésperas da eleição para o seu 2º governo. São estes questionamentos políticos conflitantes que envolvem tanto o Senado quanto a Câmara de deputados que caracterizam o momento da publicação, às vésperas do impeachment da presidente Dilma e a oficialização de Michel Temer como presidente. Durante esse período, ficou caracterizado que o governo proposto pelo presidente Lula não era a favor do povo e, sim, dos empresários, pois são eles que sustentavam tanto o presidente Lula quanto a presidente Dilma em seus mandatos, através das propinas oferecidas pelas grandes empresas brasileiras.

Nessa ocasião, o texto publicado relativo à Guerra do Contestado está tematizado na empresa Brazil Railway Company, construtora da ferrovia e na empresa Lumber, desmatadora e madeireira.

Dessa forma, a empresa é representada como Vilão e o povo sofrido que se revolta como Herói.

Em síntese, os resultados apresentados indicam a dialética entre sociedade e discurso que envolve também a cognição social. Toda a mudança social ocasiona uma transformação; e todas as formas de conhecimento são construídas no e pelo discurso.

- A inter -relação entre o discurso e o contexto histórico-político-social.

Essa inter-relação é comprovada pelas datas de publicação dos textos analisados e o momento político que envolve a sociedade brasileira. 99

No texto 1:

• Durante a ditadura militar a focalização para a Guerra do Contestado em livros didáticos é dada no conflito popular que ocasionou uma desordem política. Nesse período em que o texto foi escrito, os militares comandavam o país e havia censura para a publicação, ou seja, os textos que teriam acesso ao público. Qualquer movimento contrário às decisões do governo militar eram punidas com violência.

Dessa forma, o papel do Herói é representado pelos militares e o do Vilão pelos revoltosos.

No texto 2:

• Durante a abertura com a queda do regime militar, a focalização é dada às causas que originaram o conflito armado popular da Guerra do Contestado e por extensão aos monges, que cuidavam do povo.

Dessa forma, José Maria por ser o líder popular é representado como Herói, o governo que oferece privilégios aos estrangeiros e expulsa o povo de suas terras, matando-o, é representado como Vilão.

No texto 3:

• Durante o primeiro governo de Lula e o segundo mandato, as propagandas políticas vindas no ar privilegiavam o presidente Lula da Silva como presidente dedicado ao povo, preocupado em fazer desaparecer as desigualdades sociais. Dessa maneira, é dada autoridade de voz ao povo brasileiro, pelo menos aparentemente.

Dessa forma, o povo é representado com Herói, a empresa e o governo autoritário são representados como Vilões. 100

No texto 4:

• Durante o momento grave inflacionário, que causa o grande desemprego no Brasil, cai a crença no governo Lula e Dilma como governo voltado para o povo e aparece que esse governo é voltado para os empresários, os quais sustentam com propina os atuais políticos brasileiros.

Dessa forma, a empresa é representada como Vilão e o povo sofrido que se revolta como Herói.

Em outros termos, poder-se-ia dizer que o discurso da História apresentado em textos de livros didáticos é guiado pelo poder, que tem como controle o Ministério da Educação e as Secretárias Estaduais, pois são eles que orientam os Conselhos Editoriais para aprovarem a publicação de livros por uma editora.

Por essa razão, a Guerra do Contestado representada pelo discurso da História em livros didáticos apresenta variação de valores atribuídos aos papéis sociais dos personagens da narrativa histórica, apresentam variação também do que podem ou não publicar devido ao controle do poder.

Nesse sentido, verifica-se que os governos brasileiros federais desde a época da revolução não privilegiam a Igreja com instituição nacional. Esta está apagada dos textos, deixando como implícito que a Igreja não tem papel social nesses governos, o que propicia por explicitação que a Igreja não cumpriu o seu papel de cuidar do povo e orientá-lo na Guerra do Contestado. O personagem José Maria, que não é religioso, ocupa o papel de monge e de beato por ter executado a tarefa da Igreja omissa. 101

CAPÍTULO IV

O BEATO JOSÉ MARIA E A GUERRA DO CONTESTADO: HERÓI OU VILÃO?

Este capítulo apresenta os resultados obtidos das análises relativas ao personagem José Maria. Buscou-se responder à pergunta “José Maria, Herói ou Vilão na Guerra do Contestado”?

Para tanto, são apresentados os resultados relativos à Teoria da Dominação de Weber, conforme a Tipologia Ideal de Dominação; a similitude das ações de José Maria com Antônio Conselheiro, em Canudos, Padre Cícero, em Juazeiro, no Sertão do Ceará, recorrendo à crença portuguesa do Sebastianismo. Por fim, será tratado o resgate com valor positivo do personagem José Maria que vem ocorrendo, atualmente, em Santa Catarina, para se entender melhor como João = José Maria, sendo dois personagens distintos foram identificados como um único para a construção de um único personagem.

4.1 TIPOS DE DOMINAÇÃO E JOSÉ MARIA

Este item apresenta os resultados de análise relativos aos tipos de Dominação a partir das ações sociais praticadas por José Maria.

Com relação ao primeiro tipo, que trata da ação racional, verificou-se a existência de uma racionalidade instrumental, funcional ou técnica, pois o personagem José Maria agia de forma consciente, calculada e deliberada.

Com relação ao segundo tipo, por sua vez, José Maria relaciona a uma ação prescrita que envolve o estado emocional afetivo das pessoas envolvidas nessa ação social. O valor dessa ação legitima-se através de José Maria, que se tornou um líder carismático em razão do afeto e da confiança depositados pelas pessoas que ele socorreu. 102

Com relação ao terceiro tipo, que trata da ação tradicional, José Maria pratica uma ação habitual e não intencional, estabelecida através dos costumes arraigados com o tempo, ou seja, José Maria agia de forma tradicional ao fazer o papel da Igreja e do Estado que estavam ausentes para prestar serviço e socorrer o povo.

Segundo Weber (2004), a Tipologia Ideal de Dominação é construída a partir dos tipos: Tradição/Patriarcado, Carisma e Burocracia.

4.1.1 A Ação Tradicional/Patriarcal – o Patriarca

Baseada na tradição, este tipo variante de domínio weberiano pode ser considerado a forma mais universal e primitiva de dominação legítima, já que, por essência e por fundamento, as relações de caráter pessoal são guiadas por um grupo de regras, princípios e valores, normalmente, objetivados em organizações, aprendidos desde criança e aplicados em situações concretas, transmitidas às gerações que estão por vir.

Segundo Catunda (2016), o Patriarcado representa a autoridade e o controle do pai, ou também do homem mais velho sobre a família, membros da casa e servos domésticos, legitimando-se na crença de uma autoridade que sempre existiu.

Por essa razão, a lealdade pessoal, bem como o respeito aos costumes e aos antepassados alicerçam a estrutura patriarcal.

Nota-se, ainda, que a própria organização familiar patriarcal se solidariza com o seu líder, usufruindo normalmente da mesma habitação, compartilhando alimentos, de forma mútua e dependente, reforçando a proximidade pessoal.

Dessa forma, Catunda (2016) afirma que a fidelidade ao senhor patriarcal por parte dos seus membros subordinados, deve-se à sua dignidade intrínseca, obedecendo-se às ordens emanadas por ele, sem que lhes peça ou obrigue a praticar ações, já que fazem parte de um costume há muito arraigado. 103

Os textos analisados, como indicado no capítulo três, apresentavam diferenças, pois, José Maria era representado como “fanático”, “agitador”. Todavia, eles têm em comum a manifestação da ação patriarcal.

José Maria era o patriarca, pois, suas ações eram praticadas como parte de um costume já arraigado no povo.

José Maria era o protetor, o curador de doenças, aquele que reunia as pessoas em povoado e sem impor obediência conseguia deliberadamente que o povo o obedecesse. Ele transformava o povo em uma grande família, da qual ele era o patriarca.

A título de exemplificação

Texto 1

“O fanático João Maria, apelidado o ‘monge’ instalara-se na região do Contestado, zona disputada pelos dois estados. Em pouco tempo, milhares de sertanejos sulinos congregaram-se em torno do monge”.

“Somente no quadriênio seguinte é que uma divisão composta por mais de 600 soldados, sob o comando do General Setembrino de Carvalho, conseguiria dispersar no Contestado os fiéis seguidores do fanático João Maria.”

Texto 2

“Houve vários monges, porém foi José Maria de Agostini, na verdade Miguel Lucena Boaventura, um ex-soldado paranaense, quem liderava os sertanejos no início da Guerra do Contestado.”

“Dia a dia aumentava o número de seguidores que se aglomeravam em Taquaruçu.” 104

Texto 3

“Inicialmente, José Maria e sua gente se fixaram em Taquaruçu (SC), posteriormente, ao se verem perseguidos por um coronel da região se mudaram para Irani, área de Santa Catarina pretendida pelo Paraná.”

“Sem a terra onde viviam e trabalhavam, os sertanejos do Contestado tornaram-se sensíveis à pregação do ‘monge José Maria’, cujo nome era Miguel Lucena Boaventura, beato que logo atraiu grande número de seguidores.”

Texto 4

“Havia mais um elemento conturbado e de tensão social, o fanatismo religioso com a liderança do monge José Maria. Os posseiros que perderam o direito às terras, somados aos operários demitidos pela companhia, juntaram-se a José Maria”.

“O monge criticava o governo republicano brasileiro e proclamou sua comunidade autônoma”.

“José Maria dizia que podia realizar curas e organizou a comunidade da região em acampamentos autônomos e com guardas próprios”.

4.1.2 A Ação afetiva, o Carismático

As ações afetivas envolvem o estado emotivo do agente, parecendo-se com uma ação em que os sentimentos, juntamente com as emoções e afeições do indivíduo têm primazia em uma determinada situação. Neste caso, pode-se entender o que leva os indivíduos a reconhecerem a dominação carismática, pois esse tipo de dominação se legitima através de um líder carismático, justamente pelo fato de que afeto e confiança são depositados nele pelas pessoas que o seguem. 105

No caso da ação afetiva, ocorre a dominação tipicamente afetiva e fundamentada nos líderes naturais. A figura do dominador é personificada em um indivíduo portador de carisma, defendendo uma missão estabelecida por ele próprio para quem o segue, a partir de suas próprias convicções. Nesse sentido, a sua ação vem de dentro para fora, fazendo com que seus seguidores sejam influenciados pela sedução praticada por seu líder. Um líder carismático utiliza-se de uma forte capacidade argumentativo-persuasiva, associada às características da sedução para convencer seus seguidores a acreditar que segui-lo é a melhor opção.

Segundo Catunda (2016), o termo líder explica melhor o indivíduo dominador dotado de carisma, pois o termo chefe se refere às relações de subordinação por conta do autoritarismo. Sendo assim, um dominador exerce influência sobre outro, sem subordinação.

Segundo o autor, o herói, o profeta, o guerreiro e o grande demagogo são os representantes do tipo mais legitimo de líder carismático.

A título de exemplificação apresentam-

se: Texto 1

“O governo de Hermes da Fonseca teve de enfrentar um problema semelhante ao de Canudos. Nos sertões limítrofes do Paraná e Santa Catarina, o fanático João Maria instalara-se na região do Contestado em pouco tempo, milhares de sertanejos congregaram-se em torno do monge”.

“Conseguiria dispersar no Contestado os fiéis seguidores do fanático João Maria”.

Texto 2

“Desde meados do século XIX, os habitantes da região viam nas pregações dos monges uma espécie de anestesia para os males desse mundo”. 106

“A religiosidade popular era muito grande. Isso aliado à ignorância e ao desejo de um mundo melhor propiciava um terreno fértil para as pregações milagres e profecias.”

“Houve vários monges, porém foi José Maria de Agostini, quem liderava os sertanejos no início da Guerra do Contestado.”

“Dia a dia, aumentava o número de seguidores que se aglomeravam em Taquaruçu, causando preocupações aos coronéis da região.”

“O ideal do exército de José Maria é a restauração da Monarquia, que é a lei de Deus, pois a República é a lei do Diabo, dizia um sertanejo.”

“Nos redutos predominava a divisão por igual dos alimentos e de outros meios de subsistência, conforme as pesquisas de Mauricio Vinhas e Queiroz.

Do que um comia, tudo tinha que comer, do que um bebia, tudo tinha que beber, todos eram irmãos. (Depoimento de Maria). Uma outra testemunha acrescenta: Ninguém tinha direito de vender nada para outro. Se eu precisava de um vestido, era dado. Tudo era dado. Se alguém vendia, era morto.

Texto 3

“Inconformados, os sertanejos diziam que José Maria iria ressuscitar e voltaria liderando um exército encantado com São Sebastião para fazer valer ‘a ei da coroa do céu’”.

“Os sertanejos voltaram então para Taquaruçu, onde o movimento ganhou milhares de adeptos, distribuídos por dezenas de ‘vilas santas’, nome que os sertanejos davam aos seus povoados. “

“(Com o seu líder beato), sertanejos pobres e religiosos também resistiram à opressão republicana e foram acusados de monarquistas e fanáticos”. 107

“Os povoamentos remontavam ao século XVIII, surgidas das antigas rotas de tropeiros entre São Paulo e o Rio Grande do Sul. Vivendo da criação, da coleta de erva-mate e da extração de madeira, milhares de habitantes dessa região foram ignorados pelo governo e pela empresa, que consideravam as terras como devolutas. Para agravar ainda mais a situação, mais de 4000 trabalhadores da ferrovia ficaram desempregados. Ao término das obras, a companhia não cumpriu seu compromisso de pagar a viagem de volta às suas cidades. Sem meios para retornarem aos seus lugares, eles ficaram na região. Havia mais um elemento nesse momento conturbado de tensão social: o fanatismo religioso, com a liderança do monge José Maria. Os posseiros que perderam direitos às terras, somados aos operários demitidos pela companhia juntaram-se a José Maria. O monge criticava o governo republicano brasileiro”.

4.1.3 A Ação Burocrática, o Burocrata

A Dominação Burocrática tem um caráter racional e é considerada instável, pois é baseada em normas e regras.

Segundo Weber (1999), essa ação é constituída por uma distribuição fixa de atividades regularmente fundamentais, de forma que os poderes de mando (o chefe) estão fixados, distribuídos, os meios coativos estão delimitados por regras e são criadas providências planejadas para que tudo ocorra como foi estabelecido. Nessa dominação, a relação se estabelece entre patrão/empregado e chefe/subordinado. A administração dos empregados ou subordinados desenvolve-se conforme as normas gerais pré-estabelecidas, que podem ser aprendidas. A ocupação de uma função requer dever de fidelidade à função ou cargo e, em contrapartida, há uma existência assegurada.

Segundo Weber (2004), quando há uma burocracia plenamente realizada, dificilmente esse grupo social será desestabilizado ou destruído.

Em síntese, a burocracia, se bem estabelecida e desenvolvida é capaz de produzir um grande poder que dificilmente poderá ser exterminado. 108

Nos quatro textos analisados, não ocorreu a representação de João/José Maria como Burocrata, mas como Carismático.

Os burocratas no texto são representados pelo Governo Federal, Governo Estadual e Empresa.

4.2 O MESSIANISMO E SEUS INTERTEXTOS COM OS TEXTOS BASE DA GUERRA DO CONTESTADO

Os resultados indicam que as ações sociais de José Maria são messiânicas, ao ser carismático. O Messias é aquele que representa o papel social de Salvador. Ele salva seus fiéis do mal que os atormenta e luta por eles, a fim de se alcançar o bem. Cristo, o Messias, foi quem morreu e por ser santo, filho de Deus, ressuscitou. Para os fiéis do beato José Maria, a sua morte não era definitiva, pois ele ressuscitaria como o líder carismático, Jesus.

A título de exemplificação, são apresentados os textos:

Texto 1: A representação de José Maria como Messias é o do Salvador do povo. Pois ele luta para que o povo, com a sua assistência, retome a posse de suas terras. Porém, a ressurreição não ocorre, nesse texto.

“Em pouco tempo, milhares de sertanejos congregaram-se em torno do monge, repetindo-se o drama dos sertões da Bahia”.

Texto 2: Neste texto, José Maria é representado tanto como Salvador dos sertanejos, quanto aquele que ressuscitará como o Messias.

“Com o apoio dos governos estaduais a expulsar os pobres que viviam muitos há muitos anos, mas que não tinham o título de propriedade”. 109

“José Maria estabeleceu-se em Taquaruçu, município de Curitiba, feudo do Coronel Francisco de Albuquerque. Dia a dia aumentava o número de seguidores que se aglomeravam em Taquaruçu, causando preocupação aos coronéis da região.

“Após se desentenderem com o coronel Francisco de Albuquerque, o monge e os seus seguidores instalaram-se nos campos do Irani, em território paranaense”.

“Mais tarde, os sertanejos voltaram a se reunir. Acreditavam que o monge e todos os que morreram, em defesa ‘da santa religião’ ressuscitariam”.

Texto 3: Neste texto, José Maria é representado tanto como Salvador, quanto aquele que ressuscitará.

“Sem a terra onde viviam e trabalhavam, os sertanejos do Contestado tornaram-se sensíveis à pregação do Monge José Maria, cujo nome era Manuel Lucena Boaventura, beato que logo atraiu grande número de seguidores”.

“José Maria e sua gente se fixaram em Taquaruçu (SC). Posteriormente ao se verem perseguidos por um coronel da região se mudaram para Irani, área de Santa Catarina, pretendida pelo Paraná”.

“O monge José Maria e o comandante adversário morreram durante o conflito”.

“Inconformados os sertanejos diziam que José Maria iria ressuscitar e voltaria liderando um exército encantado, com São Sebastião para fazer valer ‘a lei da coroa do céu’”.

Texto 4: Neste texto, José Maria não é representado como o que ressuscitará, mas como o Salvador daqueles que haviam sido prejudicados tanto pela perda das terras, quanto pelo desemprego e o não recebimento da companhia europeia, o que havia sido prometido. 110

“Havia mais um elemento nesse momento conturbado e de tensão social. O fanatismo religioso, com a liderança do monge José Maria”.

“Os posseiros que perderam os direitos as terras que ocupavam, somados aos operários demitidos pela companhia juntaram-se a José Maria. O monge criticava o governo republicano brasileiro e proclamou a sua comunidade autônoma.”

Em síntese, o Messianismo representado em textos da Guerra do Contestado está intertextualizado com o Messias Jesus Cristo, que, após três dias de sua morte, ressuscitou, segundo a crença religiosa do Cristianismo.

Nesse sentido, verificou-se, também, que a religiosidade do povo da região era muito grande, embora a instituição Igreja estivesse totalmente omissa de seu dever com o povo, assim como a instituição, Estado.

Por essa razão, poder-se-ia dizer que João/José Maria foram representados pelo povo como beatos e monges. O mesmo povo constrói a crença de beatos, pois eles curavam o povo de doenças, o que era representado como um milagre. João Maria e José Maria vestiam-se como Jesus, tinham barbas longas, cabelos compridos, roupas rústicas e se apoiavam num tipo de cajado, tal qual os profetas bíblicos.

Por esta razão, João/José Maria estão intertextualizados com os profetas bíblicos, fazendo profecias na época em que viveram e com o Messias, Salvador dos homens, representado pelo Cristianismo. Esse que ressuscitou, constrói a crença de que José Maria ressuscitaria.

4.3 O SEBASTIANISMO COM SEUS INTERTEXTOS COM OS TEXTOS BASE DA GUERRA DO CONTESTADO

Constata-se, nos resultados obtidos das análises, que há o intertexto com relação à invocação de São Sebastião, como o Salvador. “O povo aguardava a 111

ressurreição do Monge José Maria, que desceria dos céus para salvá-los, à frente do ‘Exército Encantado de São Sebastião’” (KAISER, 2012, p. 37).

As representações populares de José Maria como beato têm relação com o Sebastianismo, crença lusitana trazida para o Brasil e relativa ao retorno de Dom Sebastião5, que desapareceu na África, lutando contra os mouros, em meio a uma guerra.

Sua imagem é relacionada a Cristo. Ele, para muitos, era o Messias que retornaria, pois em tempos de conflito era muito recordado pelos portugueses e como afirma Derengoski (2014), “o sebastianismo, expresso por tantos, é traço marcante da alma lusitana e, por extensão, brasileira”, já que, ao desaparecer, o seu império também desapareceu e o povo o espera como o Salvador, para salvá-los de todos os problemas.

A crença no retorno de Dom Sebastião é construída pelos lusitanos no momento em que Portugal passou a ser governado pela Espanha, pois Dom Sebastião não tinha herdeiros. Com a autonomia perdida de Portugal, como nação, ocorreram vários prejuízos para os portugueses que invadidos e dominados pela Espanha, tornaram-se infelizes e descrentes de uma solução. Se Dom Sebastião voltasse, essa situação estaria anulada. Ele, portanto, representa o salvador de Portugal, apresentando similitudes com o Messias que veio ao mundo para salvar os homens de seus pecados, através de sua morte.

Segundo Queiroz (1981, p. 104),

A crença na ressurreição de José Maria eclodiu imediatamente após a sua morte. Enterraram-no de maneira especial ‘porque disseram que ele ia

5D. Sebastião (1554-1578) transformou-se num mito após o seu desaparecimento na batalha de Alcácer Quibir, no norte de África. A sua morte abriu as portas à crise dinástica que vai colocar os reis de Espanha no trono português. Era neto de D. João III e o seu nascimento foi muito festejado por se temer um problema de sucessão na coroa portuguesa. Religioso e militar zeloso, empenhou- se na preparação de um exército para combater os Mouros e em ganhar prestígio militar. Morreu no Norte de África, na batalha de Alcácer Quibir, sem deixar descendência, abrindo caminho para a entrega da coroa portuguesa aos Filipes de Espanha. Á sua volta nasceu o mito do “Sebastianismo”, a esperança de que regressaria um dia, numa manhã de nevoeiro, para salvar o país de todos os seus problemas. Disponível em:. D. Sebastião, o rei mito. Acesso em: 08 ago. 2016. 112

ressuscitar’ (depoimento Maria). Na carta que um sobrevivente escreveu do Irani à sua mulher que ficara no Taquaruçu, informava que o túmulo do José Maria não tinha terra por cima, e sim tábuas ‘para ele facilmente ressuscitar’ (Jornal DT 18-11-1912).

Também, pode-se observar que Thomé (1992), refere-se a uma fala de José Maria em que, ele grita aos seus seguidores para não terem medo e ao mesmo tempo retoma a figura de São Sebastião, incentivando o povo a continuar lutando.

“- Ninguém tenha medo! – gritou José Maria – São Sebastião está com a gente. Vamos continuar rezando”.

Esse fato ocorreu, segundo Thomé (1992), em um dos episódios da Guerra do Contestado, na região sul, com o beato São João Maria.

É importante se refletir acerca da repetição dessas marcas nos textos com relação ao Sebastianismo e às suas representações, pois é algo tratado nos vários textos porque ele é histórico. É o ser histórico que proporciona a intertextualidade. Intertextualidade entendida aqui sob a perspectiva de Orlandi (1996), como um tipo de citação que uma formação discursiva define como legítima por ser sua própria prática. E pode haver intertextualidade interna (citação de um corpus do seu próprio campo) ou externa (citação de um corpus que pertence a outros corpus).

Pode-se observar esse fato no texto escrito pelo caderno de memórias dos 100 anos do Contestado: “A imagem do santo permaneceu no reduto de Santa Maria até o último grande confronto entre as forças do Exército e os caboclos. Era costume de os revoltosos cultuarem os santos considerados guerreiros. São Sebastião era um dos preferidos.

O Sebastianismo pode ser também visto como a crença do retorno de Dom Sebastião projetada nos três beatos, sendo que os dois primeiros antecedem à Guerra do Contestado. 113

O primeiro beato que viveu na região foi João Maria d’ Agostini, em 1851, na região sul, nos limites dos Estados do Paraná de Santa Catarina. Era chamado Giovanni Maria d’ Agostini, ou João Maria Agostini que chegou ao Brasil por volta de 1840.

Devido à sua aparência, ou seja, barba longa, roupas rústicas, vestia hábito religioso, apesar de ser leigo, sandália rústica, um cajado nas mãos e carregava objetos religiosos, tais como medalhas e Bíblia, tinha a aparência com os padres italianos capuchinhos, que tinham a aparência dos profetas bíblicos. Por essa razão, os habitantes da referida região geográfica passaram a chamá-lo de monge.

Este monge foi representado pelo povo como um profeta de muita fé, que se dedicava a rezar, batizar e curar as pessoas que sofriam com doenças e epidemia, tais como a varíola.

Em verdade, João Maria pretendia ser monge, mas não conseguiu adaptar-se

à vida reclusa do monastério. Por essa razão, decidiu vir para as Américas, trazer, às pessoas que aqui viviam, a palavra de Cristo.

Foi representado popularmente como um salvador dos males que afligiam o povo das regiões por onde passava.

João Maria permaneceu no Brasil de 1843 a 1852 e, em suas pregações, além de trazer a palavra de Cristo, pregando o Evangelho como um missionário, fazia profecias a respeito do fim do mundo, condenando o luxo e a avareza, referindo-se às penas do inferno e à salvação das almas.

João Maria atendia o povo devido à omissão da Igreja em fazê-lo e, por isso, ele fabricava rosários e crucifixos de madeira que eram trocados por alimentos e dinheiro, a fim de que pudesse continuar a sua peregrinação pelos países americanos. 114

Por curar as pessoas, o povo passou a representá-lo como quem faz milagres e é santo. E diziam que as ‘águas bentas” que curavam todas as doenças eram abençoadas pelo monge.

Devido à sua escolha por uma vida peregrina, assim como fizeram os santos dos primeiros tempos do cristianismo, para divulgar a palavra de Jesus, foi considerado Santo.

Daí sua representação pelo povo como monge, beato e santo. Ainda hoje é designado São João Maria.

As suas ações com as pessoas da região onde viveu nos limites entre Santa Catarina e Paraná são representadas como guiadas por Deus, sendo, portanto um beato. Quando João Maria partiu, o povo que ali vivia, através da sua religiosidade, passou a crer que ele voltaria, conforme a crença do Sebastianismo, pois com a sua saída, eles continuaram abandonados pelo Estado e pela Igreja.

Apareceu em seguida o segundo “monge”, com o nome de Anastás Marcaf que chegou ao Brasil, vindo da Argentina, em 1886, vivendo no Brasil até 1888.

Devido a traços de similitude com Giovanni d’Agostini passou a ser representado, segundo a crença do Sebastianismo, como João Maria de Jesus, ou seja, seria o primeiro João Maria que voltou para salvar o povo que estava sendo expulso de suas terras, desempregado pela Brazil Railway Company.

O segundo João Maria de Jesus, por causa de suas curas e de seu atendimento ao povo, também foi representado pelo povo como santo. Ele fazia remédios, receitava remédios, batizava as crianças e também difundia suas ideias a respeito de proteger a natureza.

Durante a Revolução Federalista (1893 a 1895), ele visitava os acampamentos dos revoltosos, criticava a República e profetizava a miséria e o sofrimento do povo. Plantava cruzes nas portas das habitações, porque todos os 115

que faziam o mal eram o diabo e seriam exterminados. Por influência de suas ações, exerceu a função de Giovanni que desaparecera em 1870.

João Maria também desapareceu sem deixar vestígios. A população abandonada pelo Estado e pela Igreja ficou aguardando o seu retorno.

O terceiro monge, ao aparecer na região, com o nome de Miguel Lucena de Boaventura, passou a ser chamado José Maria de Santo Agostinho, pois foi assim que ele se apresentava na região. Sabia curar com ervas e quando “ressuscitou” uma vítima de catalepsia e curou a mulher de um coronel, supostamente com uma doença incurável, sua fama de santo se espalhou. Como era despojado, recusou terras e ouro oferecido por coronéis e montou uma farmácia para atender o povo, gratuita e diariamente até tarde da noite, atendia quem o procurasse.

José Maria diferenciava-se dos dois monges anteriores, pois não era eremita que vivia em isolamento. Convidado pelos moradores de Taquaruçu, ali foi morar, estabelecendo sua farmácia popular em agosto de 1912.

José Maria passou a se opor abertamente ao governo republicano que explorava a população pobre, de forma a valorizar a Monarquia.

Devido às suas curas e milagres, além do seu carinhoso atendimento ao povo, esse o identificou com João Maria e com a crença do Sebastianismo popular, como sendo o 2º João Maria que voltou.

Vivia de doações, mas só aceitava o que era necessário para a sua sobrevivência, não aceitando dinheiro ou outros bens. Morava em um casebre que tinha uma bandeira branca com uma cruz verde no centro. Por atender às necessidades do povo da região, lutou contra os coronéis, a empresa que construiu a ferrovia e o governo federal, por vezes, o estadual.

Foi morto em 1912, durante a Guerra do Contestado, na primeira batalha. 116

Da mesma forma que os anteriores, foi representado como monge, beato e santo - São José Maria.

Com sua morte, devido à crença popular do Sebastianismo, os habitantes esperam até hoje a sua volta.

Em síntese, o Sebastianismo está intertextualizado com os textos base analisados, sendo explicitado em uns e mantido implícito em outros.

4.4 OS SANTOS MESSIÂNICOS (PADRINHO CÍCERO E ANTONIO CONSELHEIRO), INTERTEXTUALIZADOS COM A GUERRA DO CONTESTADO

De forma geral, o movimento messiânico no Brasil é representado por Padinho Cícero, Antônio Conselheiro e João/José Maria.

Esses três personagens são representados como Messias a partir de traços de similitude: dedicarem-se ao povo em busca de suprir suas necessidades, quando o Estado e a Igreja se omitiram de fazê-lo.

4.4.1 O Padrinho Cícero

O Padre Cícero viveu sob o signo da controvérsia e morreu proscrito, condenado pelo Santo Ofício, após ter sido declarado Santo pelo povo.

A polêmica de sua vida decorre de duas representações opostas feitas desse personagem.

A primeira pela Igreja. O sacerdote brasileiro Cícero Romão Batista foi acusado, no fim do século XIX, de proclamar falsos milagres, de incentivar o fanatismo popular e de se beneficiar financeiramente da devoção extremada de seus milhões de seguidores. 117

Atualmente, há um movimento de reabilitação do padre Cícero, proposto pela Igreja Católica. Reabilitar o padre Cícero, significa anistiá-lo, post mortem, das penas que lhe foram impostas em vida, pelo Santo Ofício.

Em decorrência das acusações de que era um rebelde à hierarquia católica e um semeador de fanatismo, ele foi alvo de um inquérito eclesiástico que terminou por proibi-lo de rezar missas, de confessar fiéis e de ministrar sacramentos, como o batismo e o matrimônio

A segunda representação do Padre Cícero é feita pelos seus extremados fiéis, dos quais cerca de 2.500 peregrinos ocorrem todos os anos à cidade cearense de Juazeiro do Norte para reverenciar a sua memória.

Essa sua representação decorre de milhares de graças que os romeiros dizem ter alcançado por intersecção do Padre Cícero, por exemplo, cegos que teriam voltado a ver, aleijados que andaram novamente, loucos que teriam recuperado o juízo.

Acredita-se que o movimento de reabilitação, atualmente proposto pela Igreja Católica do papel social do Padre Cícero, decorre de duas causas:

 a primeira é que a Igreja Católica com os seus representantes do Vaticano já esteve pessoalmente em Juazeiro e testemunhou as gigantescas romarias que fazem daquela cidade o maior centro de peregrinação cristã no Brasil, depois das peregrinações a São Paulo, onde se reverencia a Santa Padroeira do país;

 a segunda causa e que tem feito como processo de reabilitação caminhar com maior celeridade é que a Igreja Católica não pretende mais assistir, de braços cruzados, à verdadeira debandada de fiéis que vem sofrendo nos últimos anos. A ofensiva e o crescimento vertiginoso das correntes evangélicas, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus têm sido motivo de imensa preocupação para o clero, que anteriormente tinha o Brasil como a maior nação católica do planeta. 118

Hoje, o Brasil é o país em que o catolicismo mais perde fiéis para os pastores neopentecostais.

Para a Igreja absolver Cícero seria uma forma de não deixar os milhões de devotos e romeiros nordestinos às margens da liturgia.

A Igreja já proclamou: “o Padre Cícero é antivírus contra os evangélicos”.

Toda a história de Cícero Romão Batista está permeada de mistérios, ambiguidades e contradições, tais como as de João/ José Maria da Guerra do Contestado.

Nascido na cidade cearense do Crato, em 1844, foi ordenado padre em 1870. Cícero viveu e cresceu na confluência de dois mundos. De um lado, o universo mágico do misticismo sertanejo com a crença em lobisomens, almas penadas e mulas-sem-cabeça, convivia com a festiva devoção popular aos santos padroeiros e com advertências apocalípticas dos profetas populares que pregavam os fins dos tempos. Do outro lado, o mundo da fé ritualizada, da disciplina clerical e da submissão cristã com a qual foi educado e doutrinado no seminário.

Até 45 anos de idade, sua vida nada teve de extraordinária. Em 1889, Cícero era um simples padre de aldeia, rezando missa numa minúscula capelinha do povoado de Juazeiro, a 600 km de Fortaleza, quando um fenômeno misterioso chamou a atenção dos sertanejos, da Igreja e da imprensa. Ao ministrar a comunhão a uma beata, a humilde costureira e doceira, Maria de Araújo -, a hóstia consagrada pelo Padre Cícero teria se transformado em sangue. O Padre Cícero escreveu a Dom Joaquim José Vieira, bispo do Ceará: “Não posso duvidar porque vi isso muitas vezes”.

Os jornais abriram manchetes para noticiar o fenômeno e os sertanejos caíram de joelhos diante do proclamado milagre.

Esses fatos estão intertextualizados com os milagres realizados por João/José Maria de forma a tratar o ministrante como santo. 119

A Igreja, porém, acusou Cícero e a beata de fraude “se Maria de Araújo recebe realmente provas do céu, que as vá gozando só, sem perturbar a boa ordem da diocese”, desdenhou o bispo Vieira.

Fato real ou falso, o caso é que o Padre Cícero e seus adeptos evocaram em sua defesa e até hoje evocam, após a morte do Padre Cícero – uma série de fenômenos mais ou menos semelhantes que foram devidamente chancelados pelo vaticano que os classificou de “milagres eucarísticos”.

O episódio da hóstia, motivo da condenação do Padre Cícero pela Igreja Católica, transformou-se em admiração dos milhares de peregrinos que não pararam de chegar a Juazeiro para testemunhar a suposta maravilha.

Banido pelo clero, Cícero passou a ocupar a posição de mártir no imaginário coletivo, ao mesmo tempo começou a desfrutar de uma enorme notoriedade e de um imenso poder junto ao povo mais simples do sertão.

Ainda que as rejeições tenham sido diferentes, pois Padre Cícero foi rejeitado pela Igreja e João/José Maria rejeitado pelo Estado, ambos ocuparam a posição de mártir e por isso beatos, como os mártires dos primeiros tempos do cristianismo. Ambos curaram e cuidaram de seus fiéis, sendo, portanto, considerados Messias como o Salvador dos males da humanidade.

Por ter sido renegado pela Igreja e afastado de seus votos de sacerdote não pôde mais ser tratado por Padre Cícero e passou a ser designado pelo povo, Padrinho Cícero, ou seja, Padim Çiço.

4.4.2 Antônio Conselheiro

Segundo Otto Maria Carpeux (2011), o fenômeno de Canudos é um fenômeno tipicamente brasileiro. Mas não um fenômeno brasileiro das cidades, não um fenômeno urbano. Um fenômeno do campo, regado de miséria, desencanto e fanatismo religioso. 120

A revolta de Canudos é uma rebelião dos sertanejos baianos, sob a chefia do sectário místico que se chamava Antônio Conselheiro e que sacudiu profundamente os primeiros anos da vida republicano do país.

Trata-se de um episódio fascinante da história brasileira. Foi sua escrita uma das obras primas da literatura nacional, “Os sertões” de Euclides da Cunha.

Canudos é, do ponto de vista histórico, uma sucessão de equívocos lamentável. Em primeiro lugar, sem dúvida, a demonstração de que em seus primórdios, a República Brasileira – ou, o poder central instalado no Rio de Janeiro – pouco administrava para além das fronteiras de Minas Gerais. E, em segundo lugar, de que o fanatismo religioso é péssimo conselheiro. A revolta liderada por Antônio Conselheiro, líder revoltoso da Fazenda Canudos, reflete uma triste realidade: a do país esquecido à beira – mar. Uma nação de geografia inclemente, povo pessimamente instruído e ausência de Estado tornam-se o terreno fértil para o aparecimento de um conselheiro.

Embora o líder Antônio Conselheiro, o Padre Cícero e João/José Maria tenham vivido em épocas e lugares diferentes, a similitude entre eles está intertextualizada pela ignorância e pelo analfabetismo do povo, a situação geográfica de abandono das ações do Estado e a omissão do Estado para cumprir seus deveres com o povo cidadão. Assim, entre eles ocorre a representação de uma liderança gratificante que torna esses líderes beatos e santos.

Na época de Antônio Conselheiro, governava o Brasil Prudente de Moraes, um republicano e abolicionista de bons princípios, mas pouco tino administrativo e, ainda por cima tolhido em suas ações por problemas de saúde. Também, as vias de comunicação do nordeste com a capital eram de difícil funcionamento.

Nessa época, ainda em 1893, o sertanejo Antônio Conselheiro, de 65 anos, foi formando uma comunidade em Canudos em torno de sua pregação.

O Brasil interiorano da época da Velha República, do ponto de vista das leis, da ação do Estado e da criatividade local para o seu desenvolvimento econômico 121

era uma terra arrasada pelo abandono. Especialmente na região Centro-Norte que abarca o sertão nordestino, distante do mar, dos entrepostos de comércio, das escolas, dos principais jornais.

Os descendentes dos indígenas viviam à míngua, misturados a antigos escravos, à miséria social controlada pelos latifundiários, pois padeciam da falta de qualificação de mão de obra para a produção. Os brancos e miscigenados das camadas mais pobres da sociedade interiorana formavam uma massa de deserdados da sorte, à procura de uma voz ou de um poder que lhes servisse de guia. Além dessas circunstâncias sociais desfavoráveis, havia a inclemência do clima, o que ocasionava a fome para a população. As culturas do milho e da mandioca mal vingavam em solo árido. Mesmo para a comunidade de Canudos, instalada perto do rio, Vaza – Barris, a vida era difícil e de pouca esperança.

No sertão baiano, a alternativa era contar com a generosidade de uma elite de “coronéis” e com o socorro, que nunca vinha, da Igreja Católica, com suas obras caritativas.

Foi para essa população sem terra, forçada a se submeter aos coronéis no norte da Bahia, apareceu Antônio Conselheiro com suas pregações. Ele se apresentava como um emissário de Deus vindo para abolir as desigualdades sociais, a omissão da Igreja, o descaso da República e os impostos indevidos.

No arraial de Canudos começou a correr a notícia de que Antônio Conselheiro era representado como um divino mestre; alguém por sua sabedoria, capaz até de praticar milagres; afinal ele era um enviado de Deus.

Antônio Conselheiro formou o seu reduto sem esperar a ajuda da República. As suas ações propiciaram ser representado como um líder místico protetor do povo e aparentemente poderoso. Essa representação de Antônio Conselheiro está intertextualizada com as representações de líder poderoso para o Padrinho Cícero e para João/José Maria. 122

Por ser representado como líder místico, a comunidade de Canudos, de Antônio Conselheiro, transformou-se em polo de atração para os migrantes que não conseguiam sobreviver no sertão baiano.

Com essa situação, Antônio Conselheiro e seus devotos proclamavam a salvação da alma e o povo tinha fé que seu Messias o ajudaria a resistir aos fatores que o castigavam. A Igreja não atuou, preferiu omitir-se, como sempre. O governo de Salvador e algumas autoridades do Rio de Janeiro insistiram em rotular o líder de Canudos com “falso religioso”.

Em 1896, o arraial do Conselheiro, habitado por um ajuntamento de 3.000 a 4.000 mil famílias, tinha a sua própria rotina econômica. Nessa comunidade, viviam cerca de 20.000 sertanejos que compartilhavam a produção entre todos os habitantes (brancos, negros, indígenas e mestiços) do lugar e ainda trocavam o excedente dessa modesta produção, gerando riqueza com as cidades vizinhas. Essa era uma forma rudimentar de adquirir bens e alimentos não disponíveis em Canudos.

As compras de artigos vindas de fora da comunidade, logo passaram a incluir armas, como mosquetões, pequenos revólveres. Esse parco arsenal iria equiparar as milícias encarregadas de defender o arraial das investidas organizadas tanto pelo governo baiano quanto pelos latifundiários.

Conforme Carpeux (2011), “Os coronéis organizaram uma aliança com a Igreja e com as autoridades do Rio de janeiro, pois perdiam com a vitalidade da comunidade de Canudos”. Os latifundiários perdiam mão de obra, a Igreja perdia fiéis e as autoridades perdiam credibilidade.

Nesse cenário, os padres e as famílias dos latifundiários procuraram os jornalistas e intelectuais, logo começou a circular a versão de que Canudos era semente de uma rebelião que pregava a volta da Monarquia.

Esse fato também está intertextualizado com o fato relativo a Padrinho Cícero e ao fato relativo a João/José Maria. 123

O governo baiano viu-se forçado a reagir. Um pedido de ajuda ao Rio de Janeiro encontrou o poder central nas mãos do presidente em exercício, Manuel Vitorino Pereira, que assumira o poder no lugar de Prudente de Moraes, afastado do cargo, por motivo de doença.

Segundo Carpeux (2011), no plano militar, sucessivas vitórias dos amotinados do Antônio Conselheiro, sobre três colunas expedicionárias – organizadas e apoiadas por Salvador fizeram Prudente interromper a convalescência de uma cirurgia. Ele nomeou o ministro da guerra General Carlos Machado Bittencourt como comandante de uma ampla operação que deveria liquidar a resistência de Canudos. O general Artur Costa foi designado para comandar um corpo expedicionário de aproximadamente 10.000 mil homens.

A comunidade de Canudos foi arrasada em 5 de outubro de 1897. Com a entrada das tropas, dezenas de famílias aproveitaram a confusão para fugir, mas centenas de outras não tiveram a mesma iniciativa. Elas ficaram ali, massacradas, entrando para a história como o extermínio mais intenso já ocorrido no interior do Brasil.

Em síntese, os intertextos comprovam que os movimentos messiânicos (Canudos, Padrinho Cícero, João/José Maria) são fenômenos tipicamente ocorridos no sertão povoado por analfabetos, miseráveis sem recurso e sem atendimento pelo Estado e pela Igreja.

4.5 O RESGATE COM VALOR POSITIVO DO PERSONAGEM JOÃO/JOSÉ MARIA

Até há muito pouco tempo, o personagem da Guerra do Contestado João/José Maria foi representados de forma controversa pelo discurso da História em livros didáticos e pelo povo que vive na região. 124

Segundo os livros de História, João Maria identificado em José Maria é representado frequentemente como vilão e representado em língua pelas palavras: “fanático, desertor, estuprador, revoltoso, revolucionário, guerrilheiro”.

Por outro lado, nas crenças populares, José Maria é representado com valores positivos como um herói, salvador do povo que morreu por sua causa, cuidando dele e protegendo-o.

A crença popular representa João Maria e José Maria como santos, fazedores de milagres e intermediários entre o povo e Deus, equiparado a Jesus Cristo, o Messias.

Na boca do Povo, eles são invocados como São João Maria e São José Maria. O povo homenageia-os em festas populares e fazem peregrinações nos lugares onde eles viveram e em igrejas tendo seus nomes como padroeiros.

Devido à alta crença em São João Maria e em São José Maria, assim como Padre Cícero, está havendo um movimento para reabilitá-los.

Esses dois santos são cultuados por multidões de fiéis e essa reabilitação interessa à Igreja Católica, que tem assistido à dissidência de fiéis para se tornarem adeptos de igrejas neopentecostais. Para os fiéis de São João Maria e São José Maria, eles continuam fazendo milagres e continuam sendo cultuados como os que cuidam de salvar o povo de seus males e abandonos.

O resgate dos personagens João/José Maria vem sendo proposto pelas instituições Estado e Igreja que se opuseram a eles na época em que viveram.

Na Igreja Católica

A título de exemplificação apresenta-se:

Placa Bispo Diocesano de Caçador junto ao Capitel Monge João Maria, Lebon Regis (ver Figura 4). 125

Figura 4 – Placa Bispo Diocesano de Caçador junto ao Capitel Monge João Maria, Lebon Regis

A outra, um quadro com uma pintura a óleo sobre tela medindo 1,0 x 0,90 cm, feita por Agnelo Antunes, reproduz João Maria sentado num banco (cenário) e foi encomendada com objetivo de doar à Igreja Santa Cruz (Lages). O idealizador desta obra quer, com isto, reparar um erro histórico cometido pela Igreja. O espaço sagrado onde hoje está construída a Igreja Santa Cruz foi fundada por João Maria quando este aí plantou uma cruz. A Igreja tomou para si este espaço, manteve a cruz em seu interior, mas não colocou uma imagem de João Maria. Erro, que o idealizador da obra de arte pretende corrigir. A primeira é uma reprodução em pedra (arenito botucatu) dessa imagem de José Maria e do cenário, com cerca de um metro de altura, construída por Nelson Neves Matias no local do Santuário, localizado nas margens da BR 116, município de Correia Pinto. Estátua em pedra do Monge São José Maria, em Correia Pinto (LUDKA, 2012, p. 140) (Ver figura 5 e 6).

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Figura 5 – Estátua em pedra “Monge São João Maria”, Correia Pinto.

Foto: Tânia Welter.

Figura 6 - São João Maria 127

Próximo a uma das cruzes deixadas por João Maria, o padre rezou a missa num altar improvisado em cima de um caminhão e cerca de 500 pessoas acompanhavam a missa em pé em volta do caminhão. A missa foi realizada numa Sexta-feira Santa. O que é curioso, dado a prática usual da Igreja de realizar uma missa com via-sacra no espaço da Igreja (WETER, 2007, p. 102).

Conhecendo a história da cruz e da Igreja, descobriu-se sua importância para os joaninos: desejosos da proteção de João Maria, as pessoas tiravam lascas desta cruz que utilizavam em procedimentos de cura ou como forma de proteção. A intensidade desta prática levou a organização da igreja a construir uma proteção de vidro em volta desta cruz. Embora se perceba uma importância menor na afirmativa da imprensa, eu diria que esta cruz tem grande importância para os joaninos e foi isso que motivou as autoridades da Igreja Católica a escolher o lugar da Igreja e manter a cruz em seu interior. (WETER, 2007, p. 103).

Cruzes de cedro são plantadas também em eventos coletivos e anuais como a Romaria da Terra, realizada em Santa Catarina desde 1986, coordenada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT)187 e, neste caso, possui forte conotação política. A plantação da cruz de cedro é realizada durante o ritual ecumênico. Ocorre desde a primeira Romaria da Terra e é justificada da seguinte maneira pelas lideranças do movimento: plantando a cruz, o povo lembra João Maria e recorda os mártires na luta pela terra (WETER, 2007, p. 103).

É frequente encontrar a imagem de João Maria à venda em papelarias, supermercados, lojas de artigos diversos, artigos religiosos e artigos fotográficos, mas também em secretarias de Santuários ou da própria Igreja Católica (WETER, 2007, p. 151)

Esta identificação fez com que João Maria fosse entronizado como padroeiro da capela do Assentamento Contestado, no município de Fraiburgo, em 2004. O processo iniciou com a escolha de João Maria como padroeiro com apoio do padre, que acompanhava o movimento naquele momento (WETER, 2007, p. 217). 128

O Estado

A título de exemplificação apresenta-se:

Placa junto ao Capitel Monge João Maria, Lebon Régis (ver Figura 7)

Figura 7 – Placa junto ao Capitel Monge João Maria, Lebon Régis

Conforme afirmação anterior, João Maria teria “fundado religiosamente diversos espaços ao plantar uma cruz de cedro ou feito brotar uma fonte de água. Ouvi diversas vezes a afirmação de que a fonte de água de João Maria nunca seca, simbolizando fonte inesgotável de vida, purificação, salvação e cura. Em alguns destes locais, foram construídos monumentos, capelas, capelinhas, oratórios, ermidas e até grutas. Algumas destas construções foram realizadas e são mantidas pelo poder público municipal ou estadual e servem também como ponto turístico (WETER, 2007, p. 154) (ver Figuras 8,9, 10 e 11). 129

Figura 8 – Capitel Monge João Maria - Lebon Regis

Foto: Tânia Weter

Figura 9 – Gruta João Maria o Monge do Contestado, Fraiburgo

Foto: Tânia Weter 130

Figura 10– Capela do Monge João Maria em Major Vieira, SC

Figura 11 – Parte interna da igreja

Fonte: Acervo dos autores (2012)

Entronização de São João Maria como padroeiro da Comunidade Católica do Assentamento Contestado (ver Figura 12). 131

Figura 12 – Entronização de São João Maria como padroeiro da Comunidade Católica do Assentamento Contestado

Foto: Tânia Weter.

Numa perspectiva bastante diferenciada das anteriores, João Maria foi incorporado num projeto de resgate da memória do Contestado.

Em síntese, uma análise das ações praticadas por João Maria e José Maria estão identificadas, e segundo a Tipologia da Dominação de Weber (2004), esses dois personagens têm a representação hierárquica pelo tipo Messias. Em seguida, pelo tipo carismático, condutor de multidões, e depois como patriarca.

Por essa razão, são designados como São João Maria e São José Maria pelo povo e cultuados por ele.

O tipo carismático messiânico está intertextualizado com outros personagens, Antônio Conselheiro e Padre Cícero. Essa intertextualização com o fenômeno do Messianismo tornou-o um fenômeno tipicamente brasileiro, resultado da omissão do Estado e da Igreja com o povo brasileiro sertanejo que sofre, com a escassez de moradia, alimentação e trabalho. 132

O tipo carismático messiânico é envolvido pelo sertanejo brasileiro em sua crença no Sebastianismo. Foi essa crença que propiciou a identificação do monge italiano Giovanni d’Agostini com o argentino João Maria e o brasileiro José Maria. Esses personagens embora diferentes são representados como um único personagem, pois o primeiro e o segundo monge voltaram após a morte e o terceiro

é esperado, assim como é esperado Dom Sebastião, em Portugal.

Hoje, com a dissidência dos fiéis da Igreja Católica, tornando-se fiéis de Igrejas evangélicas neopentecostais, o que a Igreja representou com valor negativo para os personagens do fenômeno do messianismo sertanejo brasileiro tem sido revisto de forma a resgatar esses personagens com valor positivo, a fim de terminar a controversa estabelecida pelo poder das instituições: Estado e Igreja com as crenças religiosas populares.

Em síntese, poder-se-ia dizer que o Messianismo é um fenômeno brasileiro que está intertextualizado com a crença que os portugueses trouxeram para o Brasil, ou seja, o Sebastianismo. Esse fenômeno ocorre quando as instituições deixam de cumprir o seu papel com o povo brasileiro, deixando-o no abandono. Essa situação

é semelhante ao desaparecimento de Dom Sebastião, na África, lutando contra os mouros, que deixou no abandono o povo português, sobre o domínio da Espanha. Os portugueses para sobreviverem na época imbuíram-se da crença de que seriam salvos pelo retorno de Dom Sebastião. Essa intersecção propiciou que se representassem três pessoas diferentes como uma única pessoa, devido ao retorno da anterior, que aqui havia vivido e desaparecido. 133

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No término dessa tese, os objetivos que a orientaram são revistos.

Acredita-se que o objetivo geral, contribuir com os estudos relativos à Guerra do Contestado, foi cumprido, pois os resultados apresentados indicam uma representação positiva para o personagem João/José Maria. Essa contribuição é controversa com os textos didáticos do discurso da História. Estes textos apresentam variação em suas representações e atribuições de valores aos personagens da Guerra do Contestado, no que se refere às causas do conflito. O confronto entre as publicações analisadas indica que há variação dos valores atribuídos, assim como mudança sobre fatos ora cancelados em uns, ora retomados e expandidos em outros.

Em síntese, os resultados apresentados indicam a dialética entre sociedade e discurso que envolve também a cognição social. Toda a mudança social ocasiona mudança no discurso e este modifica o social. Todas as formas de conhecimento são construídas no e pelo discurso, havendo mudanças nele, ocorre conflito nas formas de conhecimento social.

Em relação aos objetivos específicos, acredita-se, também, que foram cumpridos.

Resgatar o panorama histórico-político-econômico do contexto da Guerra do Contestado, a partir dos textos de História que são ensinados nas escolas.

O panorama histórico foi resgatado em diferentes textos de História e livros didáticos de História, permitindo que, no II capítulo desta tese fosse apresentada uma síntese desses textos, que são relativos: a contextualização histórica da designação “Contestado”, sendo relativa às terras limítrofes entre Santa Catarina e Paraná e que foram contestadas por ambos os Estados, pois cada qual se achava com direito a elas. A região do Contestado foi apresentada geográfica, política e historicamente, de forma a situar os beatos: o 1º monge beato, monge Giovanni 134

d’Agostini, também designado João Maria de Agostini; o 2º beato/monge João Maria de Jesus, recebeu esse nome devido ao primeiro monge, pois o povo acreditava no Sebastianismo e atribuiu ao segundo monge o retorno do primeiro. O terceiro monge beato, José Maria de Santo Agostinho recebeu esse nome pela crença popular do Sebastianismo de forma a representá-lo como João Maria que retornou.

Os dois primeiros monges desapareceram e o terceiro monge foi morto. Devido à crença popular nesse terceiro monge beato como santo e messias, esse passou a ser representado messianicamente como aquele que seria ressuscitado, tal como ocorreu com Jesus Cristo.

2º) Levantar os papéis sociais dos personagens atualizados em textos de livros didáticos de História do Brasil.

Verificou-se que o discurso da História refere-se muito pouco à Guerra do Contestado, mas que, em Santa Catarina, os livros didáticos dão espaço à Guerra do Contestado.

Constatou-se, também, que há variação desses textos didáticos, dependendo da época de suas publicações, comprovando que toda a mudança social produz mudança no discurso e todas as formas de conhecimento são construídas no e pelo discurso. Assim, essa inter-relação é comprovada pelas datas de publicação dos textos analisados e o momento político que envolve a sociedade brasileira.

No texto escrito por Souto Maior, publicado no ano 1979, durante a ditadura militar, a focalização para a Guerra do Contestado em livros didáticos é dada no conflito popular que ocasiona uma desordem política. Neste período em que o texto foi escrito, os militares comandavam o país e havia censura para a publicação, ou seja, para os textos que teriam acesso ao público. Qualquer movimento contrário às decisões do governo militar eram punidas com violência.

No texto escrito por Mocellin, publicado no ano de 1987, durante a abertura política com a queda do regime militar, a focalização é dada às causas que originaram o conflito armado popular da Guerra do Contestado e com extensão aos 135

monges que cuidavam do povo. Em vista disso, José Maria, como líder popular, é representado como Herói, o governo que oferece privilégios aos estrangeiros e expulsa o povo de suas terras, maltratando-o, é representado como Vilão.

No texto escrito por Boulos Júnior, publicado em 2013, durante o 1º governo de Lula em seu segundo mandato, as propagandas políticas vindas ao ar privilegiam o presidente Lula da Silva preocupado em fazer desaparecer as desigualdades sociais. Dessa maneira, o povo é representado com Herói, a empresa e o governo autoritário são representados como Vilões.

No texto escrito por Ribeiro e Anastasia, publicado em 2015, durante o momento grave inflacionário que causa o grande desemprego no Brasil, cai a crença no governo Lula e Dilma, como um governo voltado para o povo e verifica-se, a partir das denúncias apresentadas, que esse governo é voltado para os empresários que sustentam com propina os atuais políticos brasileiros. Por isso, a empresa é representada como Vilão e o povo sofrido que se revolta, como Herói.

Portanto, pode-se afirmar que o discurso da História apresentado em textos de livros didáticos é guiado pelo poder, que tem como controle o Ministério da Educação e as Secretárias Estaduais, já que são eles que orientam os Conselhos Editoriais para aprovarem ou desaprovarem a publicação de livros por uma editora.

Dessa forma, a Guerra do Contestado representada pelo discurso da História em livros didáticos apresenta variação de valores atribuídos aos papéis sociais dos personagens da narrativa histórica, apresentam variação, também, do que podem ou não publicar devido ao controle do poder.

Por essa razão, verificou-se que os governos brasileiros federais, desde a época da revolução, não privilegiam a Igreja como instituição nacional. Esta está cancelada nos textos, deixando implícito que a Igreja não teve papel social nesses governos, o que indica implicitamente que a Igreja não cumpriu o seu papel de cuidar do povo e orientá-lo durante a Guerra do Contestado. O personagem José Maria, que não era religioso, ocupou o papel de monge e de beato por ter executado a tarefa da Igreja omissa. 136

3º) Confrontar os valores atribuídos pelo discurso da História e pelo discurso Religioso Popular ao mesmo personagem José Maria.

O confronto realizado com as representações dos personagens da Guerra do Contestado pelos livros didáticos de história do Brasil indica que há variação dependendo do poder (ditadura militar, fase de abertura e retomada à democracia). Dessa forma, ocorre mudança no enfoque temático dos textos.

O texto 01 está tematizado na presidência de Hermes da Fonseca e o autor nem designa o fato tratado “A Guerra do Contestado”, já o texto 02 está tematizado nas causas que originaram o conflito armado popular da Guerra do Contestado e, por extensão, aos monges, que cuidavam do povo. O texto 03 está tematizado na revolta popular e o texto 04 está tematizado na Brazil Railway Company com seus favores recebidos do governo e suas ações ao tomar posse da terra, que resultaram nas ações de José Maria como Salvador do povo abandonado.

Com relação aos valores, pode-se observar que no texto escrito durante a ditadura, ou seja, em 1979, o autor refere-se a João/José Maria com valores negativos, representado como fanático, é o vilão, pois está transgredindo a Ordem e a Justiça, liderando um grupo de fanáticos que o apelidou de Monge.

No texto 02, escrito em 1987, período de transição no regime político brasileiro, a presença dos monges para o povo sofrido representava a fé em um mundo melhor e que eles se aproveitavam dessa necessidade do povo, para pregarem e serem seguidos, pois esse povo era ingênuo, ignorante, pobre e havia perdido as suas terras. José Maria representava para o povo a Justiça, portanto, era um herói que queria o retorno da Monarquia, pois, nesse tempo, havia paz; para o Estado, é Vilão, pois as suas ideias sobre a Monarquia começavam a preocupar os coronéis.

No texto 03, escrito em 2013, há uma nova transição no sistema político brasileiro em que o governo elitista passa a governo popular, tendo por Presidente da República, no período de 2002 a 2010, Lula da Silva e, em seguida, a Presidente Dilma. Neste texto, o único monge representado é José Maria, um beato de quem só 137

se sabe o nome “ Miguel Lucena Boaventura” que apareceu e conseguiu reunir ao seu redor muitos seguidores. Apesar de ter morrido no primeiro combate, sua imagem permanece como alguém que ressuscitará e ajudará o povo a lutar contra a República e a instaurar a Monarquia com seu exército encantado. Ele não é caracterizado como desertor da polícia, mas como um monge de grande religiosidade e com muitos seguidores, ou seja, milhares de adeptos.

No texto 04, José Maria é representado com ideias políticas contrárias ao governo, um líder político e também religioso. José Maria representa o papel social de quem retorna e dedica-se ao povo e que, por isso, é considerado, pelo povo, monge, já que aparece como a única voz a favor do povo e contra as injustiças. O monge José Maria é representado, ainda, como um monarquista contrário à República, por ter sido ela a causar tanto prejuízo ao povo.

4º) Analisar como as representações sociais dos personagens da Guerra do Contestado transformaram o monge Giovanni em João Maria e posteriormente em José Maria, ou seja, como três personagens distintos são transformados em um mesmo personagem.

O confronto realizado permite dizer que o fenômeno do messianismo é tipicamente brasileiro e ocorre no sertão interiorano e não nas cidades. Esse fenômeno ocorre todas às vezes que as instituições Estado e Igreja, responsáveis pelo povo de forma a diminuir as desigualdades sociais, não cumprem o seu papel e omitem-se. Nesse sentido, o povo é abandonado, mas a sua tradição cultural caracteriza o povo brasileiro pela sua grande religiosidade; isso lhe permite sobreviver, apesar de todas as suas carências.

Dessa forma, os intertextos comprovam que os movimentos messiânicos (Canudos, Padrinho Cícero, João/Jose Maria) são fenômenos tipicamente ocorridos no sertão povoado por analfabetos, miseráveis sem recurso e sem atendimento pelo Estado e pela Igreja.

Os resultados obtidos, nesta pesquisa permitem responder às questões iniciais propostas para o seu desenvolvimento. 138

- Quais valores atribuídos a João Maria e a José Maria são responsáveis por sua representação ideológica do poder e quais valores foram atribuídos a esses personagens pelo povo para representá-los como Herói ou Messias?

Há controversa para representação dos valores ideológicos atribuídos a João/José Maria.

Os textos publicados nos livros didáticos de história do Brasil apresentam variações desses valores:

Durante o regime militar, João/José Maria são representados com valores negativos, sendo atualizados como vilões; após, com a abertura política e com a retomada à democracia esses valores são modificados: João/José Maria em sua resistência contra a milícia do estado e da federação são apresentados como heróis, ao passo que o poder da época do Contestado (os coronéis, o Estado e a Company Brazil Railway) são responsáveis pela expulsão do povo de suas terras, o desemprego e o não recebimento de quantias prometidas pela companhia que construiu a ferrovia. Sendo assim, o Estado e a empresa, assim como os grandes proprietários são representados como Vilão.

Nesse sentido, verificou-se que toda mudança na sociedade, ou seja, no caso desta tese, com a mudança política do Estado, produz mudança no discurso e, esse, por sua vez produz mudanças na sociedade que sai da ditadura militar brasileira para a democracia atual.

- Segundo a Teoria da Dominação de Weber, de que forma João Maria e José Maria foram hierarquicamente representados como Messias?

Os resultados obtidos das análises, relativas à Teoria da Dominação de Weber, indicam que há três tipos de dominação nas representações das ações praticadas por João/José Maria, a saber: o patriarca, o carismático e o carismático messiânico. As ações de João/José Maria são relativas ao pai que cuida de seus filhos, o povo. João/ José Maria curavam as doenças que afligiam o povo e produziam remédios que eram distribuídos por eles. João/José Maria cuidavam do 139

povo como pai, quando possibilita que se reúna e possa viver em comunidade, situando geograficamente. João/José Maria cuidava do povo como pai quando o ensinava a plantar, colher alimentos para matar a fome e vendê-los para obter dinheiro, a fim de adquirir o que fosse necessário e que a comunidade não produzia.

João/José Maria em suas ações são representados como o Carismático. As suas ações levam o povo a segui-lo e a obedecer às suas orientações de forma a ser aclamado pelo povo que passa a reagir e a defender-se contra os vilões: Estado, Empresa e os coronéis que lhes roubavam o que lhes era necessário e de que já tinham se apropriado.

João/José Maria em suas ações é representado como o carismático Messias que venho para salvar o povo, infligido pelos males que lhe são impostos. Como Messias, José Maria, foi o único a morrer, é esperado ressuscitar, até hoje.

Hierarquicamente, João/José Maria são representados na dimensão mais alta como Carismático Messias, numa dimensão intermediária, seguido pelo povo como líder e, num nível mais baixo, como Patriarca, que cuida de seus filhos.

- De que forma a crença no Sebastianismo propiciou que o povo transformasse três personagens em um único?

A crença religiosa do povo da região do Contestado é o Sebastianismo. Essa crença nasceu em Portugal com o desaparecimento de Dom Sebastião na África, onde foi lutar contra os mouros. Como Dom Sebastião não tinha descendentes, Portugal passou para o domínio da Espanha, onde o descendente mais próximo era o rei espanhol. Com a perda da autonomia de Portugal, apareceu a crença no Sebastianismo, a crença de que Dom Sebastião voltaria da África para retomar Portugal como a nação dos portugueses.

Por haver similitude com o desaparecimento dos dois monges Giovanni d’ Agostini e João de Jesus, este segundo é renomeado pelo povo como se fosse o primeiro que já teria voltado. Com o desaparecimento do segundo monge, o povo representa José Maria como sendo o segundo monge que voltou para ajudar e 140

salvar o povo brasileiro da zona limítrofe entre Santa Catarina e Paraná, região do Contestado. Com a morte de José Maria, ocorreu a crença de que ele voltaria ressuscitado, como Jesus Cristo o fez para salvar seu povo.

A tese defendida, a partir da Análise Crítica do Discurso, mostrou-se adequada aos resultados obtidos de que os monges João Maria e José Maria são salvadores e colaboradores do povo, que havia sido prejudicado pelos interesses socioeconômicos do poder, ou seja, tanto pelo Estado quanto pelo coronelismo da região, e, também, pelo abandono da Igreja.

Essa tese pode ser comprovada, ainda, pela adequação da hipótese que a orientou; pois todas às vezes, no Brasil, onde ocorreu, no contexto político-social, a ausência da Igreja e dos deveres do Estado com o povo, surge um Messias para atender à situação de abandono do povo brasileiro, como um grupo minoritário para a dominação ideológica do poder, resgatando a crença histórica trazida para o Brasil, o Sebastianismo.

Essa pesquisa não se quer conclusa. Faz-se necessário avançá-la com a análise de textos do discurso da História, da Historiografia, da Enciclopédia e do Jornalismo, relativos à Guerra do Contestado.

No momento atual, com a tendência de se resgatar os personagens e os valores atribuídos a eles por suas ações, faz-se necessário, também, preencher as lacunas existentes nos textos de história pela pesquisa historiográfica, pois a Guerra do Contestado, de acordo com os resultados obtidos, não foi ainda tratada com a atenção que merece. 141

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ANEXOS 147

ANEXO A – Texto Didático do Discurso da História – Texto 2

A GUERRA CAMPONESA DO CONTESTADO

Entre 1912 e 1916, ocorreu, na região contestada (havia litígios de limites) entre Paraná e Santa Catarina, uma violenta guerra camponesa.

Os camponeses, explorados pelos latifundiários, expulsos de suas terras pelo Governo, pelas companhias estrangeiras e pelos oligarcas locais, deram início a uma bem sucedida guerra popular.

A principal causa dessa guerra camponesa foi a expulsão dos sertanejos de suas terras. Isso ocorreu porque o Governo concedeu extensas áreas de terras ao grupo do norte-americano Percival Farqhuar, a “Brazil Railway Company”, que construía a estrada de ferro São Paulo – Rio Grande, a qual cortava a área contestada.

Com o apoio dos governos estaduais, a Companhia passou a expulsar os pobres caboclos das terras em que viviam há muitos anos, mas que não tinham o título de propriedade.

A luta pela terra foi a principal causa da insurreição camponesa.

“O Governo da República toca os filhos brasileiros dos terrenos que pertencem à Nação e vende para os estrangeiros, nós agora “estemo” diposto a fazer prevalecer nossos direitos” (Escrito por um sertanejo, na parede da estação de São João).

“Nóis não tem direito de terras, tudo é para as gentes da Oropa” (Carta manchada de sangue, encontrada no bolso de um guerrilheiro morto). 148

OS MONGES

Desde meados do século XIX, os habitantes da região viam nas pregações dos monges uma espécie de anestesia para os males desse mundo.

A religiosidade popular era muito grande. Isso, aliado à ignorância e ao desejo de um mundo melhor, propiciava um terreno fértil para as pregações, milagres e profecias.

Houve vários monges, porém foi José Maria D’Agostini, na verdade Miguel Lucena Boaventura, um ex-soldado paranaense, quem liderava os sertanejos no início da Guerra do Contestado.

O CONFLITO

José Maria estabeleceu-se em Taquaruçu, no município de Curitiba, feudo do Coronel Francisco Albuquerque. Dia a dia, aumentava o número de seguidores que se aglomeravam em Taquaruçu, causando preocupações aos coronéis da região.

Após se desentenderem com o Coronel Francisco de Albuquerque, o monge e os seus seguidores instalaram-se nos Campos de Irani, em território paranaense.

Assim que a notícia chegou a Curitiba, os jornais passaram a divulgar informações tendenciosas de que o monge estava a serviço do Governo de Santa Catarina, para ocupar terras paranaenses, o que não era verdade.

Imediatamente, o Coronel João Gualberto, comandante das tropas do Regimento de Segurança do Paraná, marchou para Palmas para expulsar os “invasores”.

No combate dos Campos de Irani, morreu o coronel João Gualberto e também o monge José Maria.

Mais tarde, os sertanejos voltaram a se reunir. Acreditavam que o monge e todos os que morreram, em defesa da “santa religião”, ressuscitariam. 149

Quando Manoel era o líder, os homens eram obrigados a raspar a barba e cortar o cabelo à escovinha, eis a razão dos adversários chamá-los de “pelados”. Estes, por sua vez, chamavam de “peludos” aos inimigos da “santa religião”.

Obedecendo a um plano do secretário de Santa Catarina, Lebon Régis, as tropas do governo atacaram Taquaruçu com três colunas. Porém, os sertanejos, sob o comando de Joaquim, o Menino Deus, fizeram com que essas tropas batessem em retirada.

No segundo ataque a Taquaruçu, a tropa do governo era composta por 700 soldados, sob o comando do Tenente-Coronel Dinarte de Aleleuia Pires, que por motivo de doença, foi substituído pelo Capitão Vieira Rosa.

A 8 de fevereiro de 1914, começou o ataque. Os canhões lançaram sobre o reduto cento e setenta e cinco tiros. O bombardeio era alarmante, o massacre,total.

“Ao anoitecer verificaram os assaltantes que a cidade santa ia sendo abandonada. Mas só dia seguinte é que as tropas se dispuseram a forçar o reduto. Através dos binóculos, os oficiais não viam ninguém no meio das casas destroçadas; apenas cães percorriam o recinto de um lado para outro, e porcos no gramado fumaçavam cadáveres. Na frente das trincheiras havia uma linha de atiradores firmes e imóveis, breve se percebeu que eram também cadáveres, assim postados pelos retirantes para retardar o assalto final”. (Mauricio Vinhas de Queiroz, Messianismo e Conflito Social. Editora Ática. 3.ed., 1981, p. 131).

Após o massacre de Taquaruçu, os sertanejos se estabeleceram em Caraguatá. Ali, radicalizaram suas posições, pois quando o deputado paranaense Correia de Freitas foi negociar com eles, exigiram como condição básica: a restauração da Monarquia. É importante salientar que, para eles, a Monarquia era um regime bom, pois nunca os expulsou de suas terras. Já os governos republicanos ficaram do lado dos coronéis e das companhias estrangeiras. “O ideal do exército do “seu” José Maria é a restauração da Monarquia, que é a lei de Deus, pois a República é a lei do diabo”, dizia um sertanejo.

150

Adotando táticas de guerrilhas e, cada vez mais, guiados por um grande fervor místico, aquela multidão de explorados, da região Contestada chegou a dominar uma área de 28.000 km² e uma população de 20 a 30 mil habitantes, espalhados por vários redutos.

Nos redutos, predominava a divisão por igual dos alimentos e de outros meios de subsistência, conforme as pesquisas de Maurício Vinhas de Queiroz:

‘Do que um comia, tudo tinha que comer, do que um bebia,tudo tinha que beber, todos eram irmãos’. (Depoimento de Maria). Uma outra testemunha acrescenta: ‘Ninguém tinha direito de vender nada para outro. Se eu precisava de um vestido, era dado. Tudo era dado. Se alguém vendia, era morto’.

O CERCO FINAL

Diante das humilhantes derrotas, o Governo Federal resolveu agir, enviando, para assumir o comando da XI Região Militar, o General Fernando Setembrino de Carvalho.

Contando com oito mil homens, Setembrino de Carvalho foi cercando a área Contestada, vencendo os sertanejos pela fome e pela sede.

Segundo Douglas Teixeira Monteiro, “o mais moderno equipamento foi utilizado pelos repressores, experimentando-se inclusive o emprego de pequenos aviões para bombardeio e reconhecimento. Em fins de 1915, consumou-se a liquidação dessa rebelião sertaneja, restando apenas pequenos grupos esparsos. Em 1916, Adeodato – o último de seus chefes – caiu prisioneiro”.

Leitura complementar: 151

SOBRE O CONTESTADO

“Outras dificuldades de ordem pública atormentavam o governo de Hermes da Fonseca. Um terceiro Canudos surgia nos sertões limítrofes do Paraná e Santa Catarina. Um iluminado primário, João Maria, o Monge, da velha família de Antônio Conselheiro, refluindo de certo trecho de Santa Catarina, instalara-se na região do Contestado, território que os dois Estados disputavam [...] os fanáticos do Monge João Maria (na verdade José Maria) encontravam, pois, no território em aceso litígio, um campo propicio a seu pleno florescimento. Como o Conselheiro e como o Padre Cícero, João Maria substituía-se às autoridades do Governo e da própria Igreja: à sua vez de místico semibárbaro acorriam, prestes a tudo, os sertanejos do Sul [...] Pequenas expedições militares sucediam-se, sem conseguir vencer os fanáticos. Afinal, uma divisão de 6 mil soldados (na verdade 8 mil), sob o comando do Coronel Setembrino de Carvalho, limpava o Contestado dos bandoleiros, que por três anos o tinham assolado [...]” (José Maria Bello in História da República. Companhia Editora nacional, páginas 226 e 227. Os grifos são nossos). 152

ANEXO B – Texto Didático do Discurso da História – Texto 3

A Guerra do Contestado

No início do século XX, numa área contestada, isto é, disputada pelos estados do Paraná e de Santa Catarina, sertanejos pobres e religiosos também resistiram à opressão republicana e foram acusados de monarquistas e fanáticos.

Os limites entre o Paraná e Santa Catarina não foram delimitados com rigor, o que provocou constantes disputas por terras entre essas duas províncias. Outro fator de tensão no Contestado eram os conflitos violentos entre os grandes fazendeiros locais. Além disso, para ampliar suas fazendas de gado e de erva-mate, os coronéis da região invadiam com seus capatazes as terras dos índios e dos posseiros e as tomavam à força.

A tensão na área aumentou ainda mais em 1908, quando o presidente Afonso Pena (1906 – 1910) contratou a empresa norte-americana Brazil Railway Company para construir a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande e, como parte do pagamento, cedeu aos norte-americanos uma faixa de 15 quilômetros de terra de cada lado da ferrovia. Essa empresa criou, em 1911, uma outra – a Lumber – e a encarregou de lotear os terrenos às margens da ferrovia e vendê-los a imigrantes europeus. Com o pretexto de difundir a colonização europeia na área, a Lumber pretendia explorar o pinho e a imbuia da rica floresta nativa que cobria a região. Os posseiros que viviam nas terras que margeiam a ferrovia foram expulsos à força por seguranças da Lumber, o que aumentou o número de desocupados na região.

Sem a terra onde viviam e trabalhavam, os sertanejos do Contestado tornaram-se sensíveis à pregação do “monge” José Maria, cujo nome era Miguel Lucena Boaventura, beato que logo atraiu grande número de seguidores.

Inicialmente, José Maria e sua gente se fixaram em Taquaruçu(SC), posteriormente, ao se verem perseguidos por um coronel da região, se mudaram para Irani, área de Santa Catarina pretendida pelo Paraná. Conforme o reduto foi 153

crescendo, a imprensa paranaense passou a chamar os sertanejos do Contestado de “fanáticos de Santa Catarina”. O governo do Paraná, por sua vez, enviou 100 soldados contra o reduto; os sertanejos resistiram, mas o monge José Maria e o comandante adversário morreram durante o conflito.

Inconformados, os sertanejos diziam que José Maria iria ressuscitar e voltaria liderando um exército encantado, com São Sebastião, para fazer valer “a lei da coroa do céu”. Os sertanejos voltaram então para Taquaruçu, onde o movimento ganhou milhares de adeptos, distribuídos por dezenas de “vilas santas”, nome que os sertanejos davam aos seus povoados.

Depois de resistir a várias expedições enviadas pelas autoridades, os sertanejos partiram para o ataque: invadiram e conquistaram cidades, bloquearam a ferrovia São Paulo – Rio Grande e incendiaram a serraria da Lumber. Depois atacaram Curitibanos e incendiaram a fazenda do coronel Albuquerque, o maior inimigo dos sertanejos; invadiram ainda o cartório local e incendiaram títulos de propriedade, muitos dos quais forjados pelos coronéis que tutelavam a justiça local.

O governo federal, presidido por Hermes da Fonseca, decidiu, então, enviar para o Contestado 6 mil soldados, canhões, metralhadoras e aviação militar, enfim, o armamento mais moderno da época. As forças de repressão contavam também com 960 policiais das forças do Paraná e de Santa Catarina e 300 vaqueanos (jagunços a serviço dos coronéis da região). Os redutos dos “irmãos do Contestado” foram, então, arrasados e incendiados; os que se entregavam eram executados e queimados no mato. As autoridades da jovem República diziam agir em nome do progresso e da civilização!

Em 1915, com o fim da Guerra do Contestado, foi celebrado um acordo que fixou os limites oficiais dos estados do Paraná e de Santa Catarina. 154

ANEXO C – Texto Didático do Discurso da História – Texto 4

No Sul: Guerra do Contestado

A Guerra do Contestado foi um conflito armado entre a população local e o governo na região de divisa do estado do Paraná com Santa Catarina, entre 1912 e 1916. A causa principal do conflito foi a construção da estrada de ferro entre Itararé, São Paulo, e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A execução da obra cabia à Brazil Railway Company, que recebeu do governo uma faixa de terra de 30 quilômetros de largura pela qual passaria a ferrovia cortando os estados do Sul do país. O acordo com o governo também dava à empresa o direito de explorar a madeira nesses terrenos, por meio de outra empresa coligada, e depois revender as terras.

No início das obras, a Brazil Railway Company realizou a desapropriação de 6700 quilômetros quadrados de terras ocupadas por posseiros que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina. Os povoamentos remontavam ao século XVIII, surgidos das antigas rotas de tropeiros entre São Paulo e o Rio Grande do Sul. Vivendo da criação de gado, da coleta de erva-mate e da extração de madeira, milhares de habitantes dessa região foram ignorados pelo governo e pela empresa, que consideraram as terras como devolutas.

Para agravar ainda mais a situação, de forma repentina, mais de 4000 trabalhadores da ferrovia ficaram desempregados. Ao término das obras, a companhia não cumpriu seu compromisso de pagar aos operários a viagem de volta às suas cidades. Sem meios para retornar a seus lares, eles ficaram na região.

Havia mais um elemento nesse momento conturbado e de tensão social: o fanatismo religioso, com a liderança do monge José Maria.

Os posseiros que perderam o direito às terras que ocupavam, somados aos operários demitidos pela companhia, juntaram-se a José Maria. O monge criticava o governo republicano brasileiro e proclamou sua comunidade autônoma. 155

Em outubro de 1912, começou a Guerra do Contestado. Em defesa das terras, várias tropas do Regimento de Segurança do Paraná foram mandadas ao local para obrigar os invasores a voltar para Santa Catarina. Após um violento confronto, o monge José Maria foi morto.

Em 1914, o governo enviou um veterano que lutou na guerra de Canudos, o general Carlos Frederico de Mesquita, para acabar com o conflito. Ele não obteve sucesso. Os revoltosos tomaram as localidades de Curitibanos, Santa Maria e Porto União da Vitória. Diante disso, o governo federal enviou o general Fernando Setembrino de Carvalho com 7000 homens, que, com violência extrema, finalizaram o combate na região.

Foto de José - > José Maria, líder religioso da Guerra do Contestado. Historiadores afirmam que era um ex-militar, Miguel Lucena de Boaventura, soldado fugitivo. José Maria dizia que podia realizar curas e organizou a comunidade da região em acampamentos autônomos e com guarda própria.

Reduto de Taquaruçu do Bom Jesus do Bom Sucesso, em 5 de agosto de 1914. (Ver Figura 3)

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