UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA/ CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

Lúcia Iaciara da Silva

Dinâmica e contradições do avanço do monocultivo da cana-de- açúcar em pequenos municípios do do Paranapanema: uma análise sobre Caiabu/SP

Dinâmica e contradições do avanço do monocultivo da cana-de- açúcar em pequenos municípios do Pontal do Paranapanema: uma análise sobre Caiabu/SP

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Presidente Prudente, para obtenção do título de Mestre em Geografia sob o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Pires de Paula.

Presidente Prudente/SP 2019

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AGRADECIMENTOS A presente pesquisa está atrelada ao fato de eu residir desde que me conheço por gente no município de Caiabu, e por esta ser uma questão presente no dia-a-dia de seus munícipes. Os últimos tempos se constituíram um período desanimador, o recente contexto político e econômico do país sendo demasiado avassalador tanto para a democracia quanto para o desenvolvimento social brasileiro, demarcado por retrocessos e um neoliberalismo (ou ainda processo este posterior, carecido de outra denominação que lhe seja pertinente e que necessita ser estudado), cujos impactos já podemos sentir e ainda veremos. Por tantos motivos assim necessito deixar meus agradecimentos àqueles que me acompanharam e que de diversas formas me proporcionaram manter-me aqui. Primeira e inegavelmente agradeço a Deus. Acredito em algo maior que nós todos, que justifique o que nos foge ao entendimento e que nos proporciona esperanças em nossa caminhada, em meio às adversidades e alegrias. Também, de forma muito especial, agradeço meu orientador, Prof. Ricardo Pires de Paula, por sua imensa positividade e paciência para comigo, exercendo um papel que considero além da orientação deste trabalho. Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Pesquisa Tecnológica – CNPq –, pelo apoio, inclusive financeiro, através da Bolsa de Mestrado concedida. Igualmente, meus agradecimentos ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da UNESP por todo apoio durante todo tempo. Ao NERA (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária), pelo acolhimento. Lembro-me também da Banca de Qualificação, composta por Rosangela Aparecida de Medeiros Hespanhol e por Eduardo Paulon Girardi, cujas contribuições foram demasiado importantes, portanto muito obrigada. Aos meus pais, Maria Lúcia e Roberto, meu obrigada, por estarem me apoiando nessa trajetória, me fortalecendo. À minha família em geral, especialmente minha irmã, Roberta Lúcia, e meu irmão caçula, Gabriel Roberto (obrigada por me olhar com um olhar tão bonito). À minha cunhada Marta, obrigada por falar para mim como palavras de incentivo quando eu me perguntava se daria certo: “Tem que dar”.

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Agradeço às amizades e pessoas que fizeram (e fazem) parte no ambiente da FCT/UNESP, especialmente à Larissa Coutinho, com teu ombro amigo e tuas palavras, querida amiga; também à Cristina Oliveira, Roberta Fonseca, Jaque Vieira, e outros que aqui posso acabar esquecendo de mencionar sua importância, mas que quero deixar minha gratidão. Minha gratidão também se dá em memória de Vania Pedro, por seu carinho, seu jeito bonito de ver as coisas e sua imensa fé, me deixando um lindo exemplo. Por fim devo agradecer ao corpo docente da faculdade e a todos os seus servidores técnico-administrativos e de outras áreas. Meu muito obrigada a todos pela paciência e dedicação.

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“O tempo voa, transforma, ensina, revela, e a vida não deixa de ser reticências.”

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RESUMO

O trabalho resulta do interesse sobre o município de Caiabu/SP, e sua dependência acerca do setor sucroenergético. Desde o período em que se lançou o PROÁLCOOL no Brasil vê-se um crescimento da produção das usinas sucroalcooleiras, incitado pelos mecanismos do Estado que favoreceram investimentos na produção e garantindo demanda do etanol (também pela política de acréscimo deste à gasolina), de modo que Caiabu/SP, inserido no Pontal do Paranapanema, se encontra na área de expansão no Estado de . Assim, um contexto internacional de proposição de sustentabilidade energética, políticas públicas de cunho nacional, condições favoráveis no Estado de São Paulo, repercutem na escala local. Nesta seara o desenvolvimentismo foi muito importante no que concerne a estabelecer os meios de sustentação do setor e/ou cadeia produtiva, passando à desregulação da produção quando em inícios do período neoliberal (década de 1990), mas com a ainda presença do Estado via financiamentos. Caiabu se encontra, portanto, intimamente ligado à dinâmica da cana- de-açúcar, bem como vários municípios próximos, onde esta comparece com um duplo sentido, à medida que gera empregos à grande maioria de seus munícipes, dentre as poucas alternativas de emprego e renda que se apresentam na localidade, mas também desestimula a agricultura familiar, se constituindo elemento de dependência. Nosso objetivo respalda-se, portanto, nas relações e dinâmicas que se constroem no município em torno de um setor e/ou cadeia produtiva que tem avançado na região, trazendo homogeneização. Utilizamo-nos na pesquisa de dados de primários (entrevistas) e dados secundários disponibilizados em sítios eletrônicos. Através dos mesmos é possível caracterizar o município, dentro de indicadores como IDHM, como numa situação, no mínimo, regular, sobretudo quando se averigua o indicador individual “expectativa de vida”, entretanto, dados do CRAS demonstram outra faceta da população municipal, em face de ser uma pequena população (pouco mais de 4 mil habitantes), mas com valores até que importantes de repasses para execução de programas.

PALAVRAS-CHAVE: Caiabu, pequenos municípios, desenvolvimento, cana-de- açúcar, dependência econômica.

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Dynamics and contradictions of the advance of sugarcane monoculture in small municipalities in Pontal do Paranapanema: an analysis of Caiabu / SP

ABSTRACT

The work results from the interest on the municipality of Caiabu / SP, and its dependence on the sugar-energy sector. Since the period when PROÁLCOOL (National Alcohol Program) was launched in , there has been an increase in the production of sugar and alcohol plants, prompted by the State mechanisms that favored investments in production and guaranteeing demand for ethanol (also due to the policy of adding this to gasoline), that Caiabu / SP, inserted in Pontal do Paranapanema, is in the expansion area in the State of São Paulo. Thus, an international context of proposition of energy sustainability, public policies of national nature, favorable conditions in the State of São Paulo, have repercussions on the local scale. In this area, developmentalism was very important in terms of establishing the means of support for the sector and / or the productive chain, and it started to deregulate production when in the early neoliberal period (1990s), but with the State still present via financing. Caiabu is, therefore, closely linked to the dynamics of sugar cane, as well as several nearby municipalities, where it appears with a double meaning, as it generates jobs for the vast majority of its residents, among the few employment alternatives and income that present themselves in the locality, but also discourages family farming, becoming an element of dependency. Our objective is based, therefore, on the relationships and dynamics that are built in the municipality around a sector and / or productive chain that has advanced in the region, bringing homogenization. We use it to search primary data (interviews) and secondary data available on electronic sites. Through them it is possible to characterize the municipality, within indicators such as IDHM (Municipal Human Development Index), as in a situation, at least, regular, especially when the individual indicator “life expectancy” is ascertained, however, CRAS (Social Assistance Reference Center) data demonstrate another facet of the municipal population, in face of being a small population (a little more than 4 thousand inhabitants), but with values that are even important of transfers for the execution of programs.

KEYWORDS: Caiabu, small municipalities, development, sugar cane, economic dependence.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Raio de ação das agroindústrias canavieiras na região do Pontal do Paranapanema ------104

Figura 2: Mapa da cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema e indústrias ativas e desativadas ------106

Figura 3: Caiabu, Presidente Prudente e Martinópolis (SP) ------125

Figura 4: Processo mecanizado da colheita da cana-de-açúcar ------144

Figura 5: Fotografia panorâmica – Contraste entre pequena propriedade rural e canavial ------144

Figura 6: Fotografia do relevo e cultivo de cana-de-açúcar ------145

Figura 7: Áreas com cana-de-açúcar já cortada, destacando o relevo com curvas de nível ------146

Figura 8: Visão do terreno com canaviais e distrito de “Ouro Branco” ------146

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Despesas com saúde, educação e previdência social - Valor em cruzeiros (Cr$) e participação de cada área no gasto social total: 1932-1964 ------31

Tabela 2: Indicador macroeconômico: Crescimento do PIB ------34

Tabela 3: Despesas com saúde, educação e previdência social/Participação relativa dos três níveis de governo: 1932-1964 ------36

Tabela 4: Discriminação da produção de cana-de-açúcar, açúcar e etanol entre as safras 2000/01 e 2016/17 ------68

Tabela 5: Evolução da Produção de Álcool por Safra – 1975/76 a 2002/03 ------72

Tabela 6: Evolução da Venda de Veículos a Álcool – 1982-2005 ------73

Tabela 7: Número de agroindústrias e produção média de cana-de-açúcar, açúcar e álcool na região Centro-Sul. ------78

Tabela 8: Produção própria e de fornecedores de cana-de-açúcar – safra 1999/00 à safra 2006/07 ------80

Tabela 9: Proposição de redução gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar em áreas mecanizáveis ------84

Tabela 10: Proposição de redução gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar em áreas mecanizáveis (com declividade superior a 12% ou menos que 150 ha) ------84

Tabela 11: Cultivos importantes no Estado de São Paulo e área ocupada ------86

Tabela 12: Área disponível para colheita (ha) em Caiabu/SP ------109

Tabela 13: Características do produtor rural ------110

Tabela 14: Condições do proprietário e propriedade ------111

Tabela 15: Comparativo de características variáveis de Caiabu, Região Administrativa de Presidente Prudente, Região de Governo e Estado de São Paulo ------112

Tabela 16: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – Caiabu/SP ------115

Tabela 17: Evolução do tamanho populacional no país entre 1940 e 1980 ------117

Tabela 18: Tamanho populacional e municípios no Estado de São Paulo entre 1991 e 2010 ------118

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Evolução do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ------33

Gráfico 2: Evolução no número de municípios brasileiros (1940-2018) ------60

Gráfico 3: Evolução populacional de Caiabu-SP, entre 1970 e 2010 ------126

Gráfico 4: Participação dos Empregos Formais da Agricultura, Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Aquicultura no Total de Empregos Formais (em %) - 1991-2017 ------143

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Evolução do preço do barril do petróleo entre 1970 e 2005 ------69

Quadro 2: Número de operações do Banco do Povo Paulista de Caiabu/SP e valores totais anuais concedidos ------122

Quadro 3A: Produção de algodão e outros gêneros agrícolas em Caiabu/SP – 1988- 2016/ área plantada (hectares) ------138

Quadro 3B: Produção de gêneros agrícolas em Caiabu/SP – 1988-2016/ Área destinada à colheita ------139

Quadro 4: Cultivo de amendoim, milho e feijão no município de Caiabu/SP, entre 2003 e 2016 – Área plantada em hectares (1ª e 2ª safras) ------140

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LISTA DE SIGLAS

ALCOPAR – Associação dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado do Paraná

APP – Área de Preservação Permanente

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina

CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento

CONSEMA – Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado de São Paulo

CPA – Agência Ambiental Americana

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DAP – Declaração de Aptidão ao PRONAF

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos

EMUBRA – Enciclopédia dos Municípios Brasileiros

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FUNDESPAR – Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social do Pontal do Paranapanema ha – Hectares

IAA – Instituto do Açúcar e Álcool

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados

IPRS – Índice Paulista de Responsabilidade Social

IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores

ITESP – Instituto de Terras do Estado de São Paulo

JK – Juscelino Kubitschek

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LUPA – Levantamento das Unidades de Produção Agropecuária

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

ORPLANA – Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil

PAIF – Proteção e Atendimento Integral à Família

PDR – Programa de Desenvolvimento Regional

PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S. A.

PIB – Produto Interno Bruto

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PND – Programa Nacional de Desestatização

PROÁLCOOL – Programa Nacional do Álcool

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PT – Partido dos Trabalhadores

RA – Região Administrativa

RG – Região de Governo

SABESP – Saneamento Básico do Estado de São Paulo

SCFV – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática

SPDR – Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional

SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUDECO – Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

UNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar

UPA – Unidade de Produção Agrícola

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...... 17 CAPÍTULO 1 – A LONGA MARCHA DO DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS, CONDICIONANTES E INFLEXÕES ...... 20 1.1. Desenvolvimento: um processo ...... 20 1.2. Princípios e características do desenvolvimentismo no Brasil ...... 24 1.3. O Interregno Neoliberal no Brasil ...... 38 1.4. Entre o Estado Ausente e o Estado Indutor de Desenvolvimento: nuances do Neodesenvolvimentismo ...... 46 1.5. Pequenos municípios e desenvolvimento ...... 57 CAPÍTULO 2 – A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL SUCROENERGÉTICO E AS IMPLICAÇÕES POLÍTICAS, SOCIAIS E AMBIENTAIS ...... 66 2.1. Do Proálcool aos carros flex fuel: marchas e contramarchas do setor sucroenergético ...... 71 2.2. Integração vertical das agroindústrias sucroalcooleiras ...... 76 2.3. Questões concernentes ao trabalho ao longo do tempo na agroindústria sucroalcooleira ...... 81 2.4. Protocolo Agroambiental: discurso de sustentabilidade envolto na produção sucroalcooleira e do etanol no Estado de São Paulo ...... 95 CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS DO MONOCULTIVO CANAVIEIRO EM CAIABU/SP ...... 100 3.1. O Processo de expansão da cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema ...... 101 3.2. Perfil socioeconômico de Caiabu/SP ...... 107 3.3. Formação histórica e dinâmica econômica ...... 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 149 REFERÊNCIAS ...... 153 ANEXOS ...... 160

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INTRODUÇÃO

A pesquisa que se apresenta perpassa pelo contexto socioeconômico do município de Caiabu/SP, tendo como foco a questão da dependência pelo cultivo canavieiro e sua indústria, visto que o mesmo encontra-se inserido na região de Presidente Prudente, onde se verifica uma relação hierárquica, de modo que a geração de empregos e manutenção da vida dos seus munícipes gira em torno, sobretudo, do setor sucroenergético, pela existência da usina sucroalcooleira Alto Alegre, situada no distrito de Ameliópolis, município de Presidente Prudente, divisa do distrito de Iubatinga, pertencente a Caiabu. Assim, o problema de pesquisa encontra-se no desejo de compreender melhor a relação de dependência construída pela usina Alto Alegre, então setor sucroenergético, para Caiabu, e como as perspectivas de vida das pessoas se alteraram pela sedimentação deste modelo monocultor enquanto a agricultura familiar e outras atividades econômicas passam a perder relevância. Acreditamos ser de fundamental importância, a partir de análise das conjunturas políticas e econômicas no Brasil, perpassando o desenvolvimentismo, neoliberalismo e neodesenvolvimentismo, entender processos e como eles podem afetar na escala local, através de referências como Sader (2013), Massimo (2013), Boito Jr. (2012), Filgueiras (2006). Também o histórico social e econômico nos interessa, vindo a reconhecer como os ciclos econômicos importantes que ocorreram no Brasil implicaram em suas dinâmicas, como foram a produção de amendoim e algodão em Caiabu, e que foram reflexos de uma demanda internacional, de uma conjuntura, por assim dizer. Ao longo da pesquisa nos propomos a utilizar e sistematizar dados/informações que auxiliem a compreender essa realidade nas escalas local e nacional, como referentes ao Projeto LUPA (Levantamento Censitário de Unidades de Produção Agropecuárias do Estado de São Paulo), Censos Agropecuários (1995/96 e 2006), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também foram realizadas entrevistas com os últimos gestores políticos que estiveram à frente do município no período mais recente, sobretudo no cargo de prefeito, no objetivo de vislumbrar seu parecer com relação às conjunturas econômicas e políticas as quais encontraram o município, bem como com respeito a sua atuação. Participaram das entrevistas, com seus respectivos anos de mandato na prefeitura municipal: - Sebastião Marini, 1983 a 1988;

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- Jurandir Marques Pinheiro, 01/01/1993 a 31/12/1996; 01/01/2001 a 31/12/2004; 01/01/2005 a 08/05/2008; - João Antonio Alves, 09/05/20081 a 31/12/2008; 01/01/2009 a 31/12/2012; - Dario Marques Pinheiro, 01/01/2013 a 31/12/2016; 01/01/2017 a 31/12/2020.2 Deste modo, qualificamos nossa pesquisa no sentido de compreender a dialética dos processos, à medida que vislumbramos a dupla significação que a atuação de uma indústria de açúcar e álcool possui para os munícipes caiabuenses, no que tange às questões de geração de empregos e manutenção da população e também outras questões de pauta ambiental e de exploração do trabalho, por exemplo. Portanto, nossos objetivos respaldam entender o histórico econômico, político e social que envolve o município de Caiabu, e algumas de suas transformações vinculadas ao setor sucroenergético no país, bem como as perspectivas que se tem acerca da possibilidade de desenvolvimento. Mas o que nos levou a essa questão da cana-de-açúcar em Caiabu/SP? Quem lhes escreve é uma alagoana, que cresceu no município de Caiabu. Apenas nasci em um município do interior, chamado Santana do Ipanema, e logo em seguida, década de 1990, minha família e eu viemos para Caiabu, outro Estado, outra Macrorregião Geográfica. Pai, mãe e três filhos vinham para permanecer, motivo: busca de melhores condições de vida, emprego no corte da cana-de-açúcar numa usina de açúcar e álcool, localizada nas proximidades. E até onde sei isso foi um processo comum neste período. Meus pais resolveram vir porque já havia alguns parentes aqui. Assim se deu início do interesse pelo tema. Residir em um município cuja população total atual gira em torno de 4.072 pessoas distribuídas no campo e na cidade (cidade esta com características rurais), em que a imensa maioria da população enxerga como alternativa de vida e emprego apenas a agroindústria sucroalcooleira, que já esteve um dia em território caiabuense, e hoje não mais. Foi a dependência que os munícipes têm pela usina o motivo a despertar a proposta de pesquisa; buscar entender o quão pode sua presença se revelar positiva ou negativa para a manutenção do município, quais alternativas outras poderiam ser

1 Observamos que João Antonio Alves assumiu a prefeitura de Caiabu em maio de 2008 em decorrência do afastamento do então prefeito Jurandir M. Pinheiro, devido à sua cassação por motivo de improbidade administrativa, tendo sido condenado à perda da função. 2 Entre 1989-1992, salientamos, Jorge Itimura, já falecido, foi prefeito do município de Caiabu, tendo participado do ambiente político do mesmo por diversas vezes. 18 viáveis, se realmente sua centralidade na geração de empregos é algo tão forte como se propala, e como isto teria então se construído. Assim, o problema de pesquisa centra-se em apreender a importância que o setor sucroenergético possui para o município de Caiabu apesar de impactos não tão positivos que daí se originam. Quando apontamos o processo de transferência de uma indústria que até então era apenas uma destilaria para um município de porte médio, se evidencia aí a preocupação em torno dos pequenos municípios e alguns elementos norteadores de como eles seriam impactados em função destes processos centralizadores (em termos de serviços, indústrias, empregos). No decorrer da pesquisa houve levantamento de alguns dados, também algumas entrevistas, como aqui já foi posto, estes têm, em conjunto, demonstrado a importância da Usina Alto Alegre e traçado alguns aspectos do seu processo de implantação. Com o primeiro capítulo da dissertação pretende-se abordar o desenvolvimento no Brasil e suas acepções, como se constituindo ponto de partida para se chegar ao objeto de pesquisa (tentando trazer ao leitor a reflexão sobre a questão do desenvolvimento social e econômico para os países, isso perpassa a trajetória do desenvolvimentismo no Brasil, suas características, seus agentes mobilizadores, seus antagonistas [o projeto neoliberal], bem como as implicações sociais, políticas e econômicas). O capítulo 2 traz um breve panorama da cana-de-açúcar e sua agroindústria em escala nacional e estadual, assim como seus desdobramentos socioeconômicos na região do Pontal do Paranapanema (territorialização do setor sucroenergético no Brasil, bem como, de modo geral, a sua expansão no Pontal do Paranapanema, região a qual inclui Caiabu/SP, abordando, generalizadamente, as consequências sociais, econômicas e ambientais decorrentes desse modelo de desenvolvimento na região). Por fim, o terceiro capítulo trata do município de Caiabu e sua estreita relação de dependência pelo monocultivo de cana-de-açúcar, em que se levanta o questionamento do aspecto dúbio do mesmo, fator limitante para que outras alternativas econômicas se façam presentes no município, fator de propulsão da economia, que alicerça a estabilidade e sobrevivência dos moradores do município (apresentamos algumas características gerais do município de Caiabu/SP, a fim de verificar como processos mais amplos na economia e política se materializam e lhe afetam; buscando reunir dados socioeconômicos do mesmo [Censo Agropecuário, IBGE...]; compreender a

19 dinâmica do setor sucroenergético e seus reflexos em municípios de pequeno porte, como é o seu caso). Nisto vislumbramos uma relação de dependência socioeconômica pelo que podemos chamar de cadeia produtiva da cana-de-açúcar. Logo, sua existência é via de mão dupla, pelo fato de implicar em geração de emprego e renda para a população, apesar de impactos e exploração do trabalho, mas também porque afeta outras possibilidades de desenvolvimento endógeno.

CAPÍTULO 1 – A LONGA MARCHA DO DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS, CONDICIONANTES E INFLEXÕES

No presente capítulo pretendemos explorar a trajetória do desenvolvimentismo no Brasil, passando por suas características, suas possibilidades e marcos temporais. Ademais, buscamos nos referenciar em bibliografia que abordasse as continuidades e rupturas dos processos de desenvolvimento, seja sob o protagonismo do Estado, seja como crítica à sua atuação. Com isso, queremos alcançar o atual debate em torno do chamado neodesenvolvimentismo para compreender suas lógicas e dinâmicas na relação entre os processos globais e as particularidades históricas brasileiras.

1.1. Desenvolvimento: um processo A questão do desenvolvimento em um mundo capitalista como é o nosso é algo bastante irresoluto de se discutir. Quando se tem as questões econômicas encimadas às sociais, desenvolvimento parece uma panaceia, utopia. Ignacy Sachs (2004) pondera que o desenvolvimento tem que ser includente, justamente nesta perspectiva de que o social deve se sobrepor aos interesses financeiros, de modo que o Estado articule os espaços de desenvolvimento, do nível local ao transnacional, salientando-se que esta integração necessita ser seletiva e ligada sempre à estratégias de desenvolvimento endógeno, também, consequentemente, haja parceria objetivando desenvolvimento sustentável, o que implica no que ele denomina (citando José Serra) de metas sociais, ambientais e econômicas. Assim, são necessários planejamento e pautas que contemplem sociedade, cultura, meio ambiente, economia e política (SACHS, 2004, p. 11).

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Disto se ressalta a sustentabilidade social como necessitando para isso de trabalho decente, podendo ser entendido como emprego do tipo “proletariado (assalariado)” ou autoemprego, mas com o intuito de prover a subsistência. Rech e Brumes (2009) buscam em seu trabalho contextualizar o que poderia ser tomado enquanto conceito de desenvolvimento na geografia. O trabalho trata de trazer à tona como o entendimento sobre desenvolvimento pode ser deturpado pelos meios de comunicação de massa. O espaço para a discussão do desenvolvimento na Geografia passa a ser maior quando se tem a crítica do mesmo apenas pelo viés econômico, ou pela conjugação de indicadores econômicos e modernização tecnológica (RECH e BRUMES, 2009). A este respeito os autores ressalvam a característica de “receituários prontos” para o desenvolvimento e que público este desenvolvimento atingiria. Alguns podem incluir a esfera social, outros pautar apenas ou majoritariamente o bom funcionamento do mercado e seus ganhos. A instituição Banco Mundial é uma delas.

O Banco Mundial determina a concepção de desenvolvimento e as estratégias para alcançá-lo. Suas políticas macroeconômicas são ditadas pelos interesses do mercado. Este, objetiva concentração, desigualdade, injustiça, instabilidade e concorrência. Fica notório que os governos ao seguirem à risca suas determinações, beneficiam mais as corporações multinacionais do que as comunidades nacionais e os trabalhadores (RECH e BRUMES, 2009, p. 7).

Por isso, acreditamos ser importante frisar que a concepção de desenvolvimento, inevitavelmente, trará consigo uma parcialidade, uma ideologia. Pregar desenvolvimento sem ideologia é suprimir os próprios objetivos desse desenvolvimento. Pois, quando se pensa em ideologia, se pensa em desenvolvimento a favor de quem, investir mais de que lado? Bohle (2010) considera para o desenvolvimento a crescente importância de escalas locais e regionais para promoção do desenvolvimento, bem como redes e instituições daí derivadas, à medida que considera o modelo vigente de desenvolvimento a postos no mundo tende a ser fragmentador, implicando em desfronteirização e exclusão social, alguns nacionalismos etc. Acerca do desenvolvimento, Bohle (2010) ainda tece algumas considerações sobre teorias do desenvolvimento dentro do que ele denomina de Geografia do Desenvolvimento. Quando esta “roupagem” da geografia surge em 1970 ela se encontra dividida em duas perspectivas: desenvolvimento perpassado numa teoria de modernização e perpassado na condição de dependência. O subdesenvolvimento seria

21 entendido como resultado de os potenciais internos de cada país que acabam por não ser aproveitados, levando a uma leitura de atraso econômico, social e cultural, ou seja, padrões de comportamento tradicionais, a estrutura sociocultural, assim como a permanência de suas estruturas econômicas e espaciais impediriam o nível de desenvolvimento análogo a países ditos industriais (BOHLE, 2010). Na perspectiva de modernização:

Desenvolvimento, ou a superação de subdesenvolvimento, contém consequentemente, desde a perspectiva modernista, uma ampla modernização de valores, comportamentos e estruturas sociais demasiado tradicionais, a fim de possibilitar um desenvolvimento retardatário que segue o exemplo dos países desenvolvidos. O rápido crescimento dos países em desenvolvimento é, desde a perspectiva da teoria da modernização, duplamente facilitado: primeiro, as experiências históricas dos países industriais poderiam ser usados e seus erros evitados [...]; e segundo, haveria para os países em desenvolvimento ajuda técnica e financeira pelos países industrializados, sob a forma de cooperação econômica e técnica (BOHLE, 2010, p. 9 – Grifo nosso).

Na segunda vertente se busca explicações a partir do amplo histórico colonialista/imperialista que perdurou dividindo o mundo entre “escravos e escravizados”, com o respaldo de civilizações “superiores” com “missão civilizatória” a outros povos, o que justificaria a exploração. Assim, se tem como base explicar os acontecimentos a partir da lógica de sua construção espacial e histórica, numa relação de exploração perpetuada por longo período, subjugando nações. Como resultado deste processo haveria deformação das econômicas, espaciais e sociais dos países explorados, sendo denominados estes de países em desenvolvimento, já que este “processo de desenvolvimento” teria se dado enquanto “apêndice” de um Estado-Nação imperialista. Bohle (2010) assim descreve essa teoria3:

Não as estruturas endógenas, mas o bloqueio de desenvolvimento pelo “subdesenvolvimento estrutural” causaria o subdesenvolvimento. Tais deformações manifestam-se, por exemplo, sob a forma de uma saída sistemática de recursos dos países em desenvolvimento como resultado de mecanismos de extração e exploração coloniais, sob a forma de estruturas espaciais disparitárias [...] e sob a forma de estruturas sociais polarizadas com poucos vencedores prósperos e inúmeros perdedores empobrecidos. As estruturas deformadas se mantêm mesmo longe após o fim das relações formais de dependência; por isso, um desenvolvimento dinâmico – que é entendido, tanto para os teóricos da modernização como para os teóricos da dependência, como desenvolvimento retardatário [...] é bloqueado permanentemente (BOHLE, 2010, p. 10).

3 A teoria da dependência, segundo Bohle (2010), é atribuída a Dieter Senghaas (1974), introduzida no desenvolvimentismo alemão da época. 22

Interessante que, nesta perspectiva teórica, é colocado que o ocorrido na colonização/exploração do povo e de seus recursos permanece enquanto rugosidade no país, de modo que se perpetua sua condição submissa dentro do conjunto de intercâmbio, relações, mundiais. Logo, uma condição histórica se reproduziria na atualidade do povo/Estado. O autor considera, dentro da teoria da dependência que este “círculo vicioso” poderia ser quebrado a partir do momento que houvesse um desligamento do país nessa condição (isto é, afastamento do mercado mundial), priorizando o endógeno, a longo prazo. Deste modo haveria desenvolvimento nacional, superando as estruturas do subdesenvolvimento histórico (BOHLE, 2010). Fernando Henrique Cardoso e Henrique Faletto (1973), complementarmente, entendem também o subdesenvolvimento surgido dentro da relação entre sociedades periféricas e centrais, fazendo alusão a este aspecto histórico de exploração de determinados Estados-Nações por outros imperialistas. Assim, a forma com que países mantêm relações com outros ao findar este período colonialista/imperialista repercute na questão do desenvolvimento (nacional). Afirmam os autores que “a vinculação das economias periféricas ao mercado mundial verifica-se em termos „coloniais‟, enquanto que em outras economias periféricas estão enquadradas em „sociedades nacionais‟ (CARDOSO e FALETTO, 1973, p. 25)”. A esse respeito de uma resposta explicativa para o subdesenvolvimento dos países, Bohle (2010) qualifica como algo de maior complexidade, cujos fatores não são explicados apenas por questões endógenas ou exógenas. No entanto, clareia-se que o desenvolvimento está particularmente imbrincado com a gestão e interesses que priorizam o interno, de modo que a distribuição das riquezas geradas seja contemplada, o que implica em desenvolvimento social. No geral, observa-se que as economias da América Latina que foram integradas ao mercado mundial, sobretudo pela economia agroexportadora, e pelo impulso dinâmico da demanda externa passaram a se diversificar (CARDOSO e FALETTO, 1973, p. 52). Mas os aspectos políticos e a forma como os efeitos se distribuem, isto é, quais as prioridades, são decisivos para tentarmos fazer o exercício de pensar em crescimento econômico e em desenvolvimento socioeconômico, e isto envolve pensar no nacional e em estruturas que necessitam ser mudadas.

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1.2. Princípios e características do desenvolvimentismo no Brasil

Tendo em vista a discussão que pretendemos fazer nas próximas linhas, a respeito do neodesenvolvimentismo, devemos considerar o desenvolvimento como um movimento dialético, que permite mutações e entendimentos diversos ao longo do tempo, bem como por conta das conjunturas e estruturas político-sociais de cada época. Isto é, uma gama de fatores faz com que as leituras sobre desenvolvimento sejam bastante amplas e não únicas. Na visão de Bresser-Pereira, o nacionalismo mais forte e coerente em determinados períodos no Brasil teria a responsabilidade enquanto modelador do período desenvolvimentista no país. Entre 1930 e 1960, por exemplo, em um período que pode ser demarcado como nacionalista, com os governos de Getúlio Vargas (1930- 45; 1951-54), Juscelino Kubistchek (1956-61), também ainda num período de ditadura militar, entre 1964 e 1985 (apesar de cooptado por forças internacionais, norte- americanas) é que se pode dizer da existência forte de uma ideia nacionalista. “Efetivamente, a concepção de Nação parece estar no centro de sua proposta político- ideológica (MARIANA PFEIFER, 2013, p. 18)”. Nesse sentido, o nacionalismo se basearia, conforme Pfeifer (2013) explicita, na busca de um povo por autonomia perante outros países, reunido em torno da figura de determinada elite burocrática, em que o “espírito nacionalista” traria uma solidariedade em prol de objetivos comuns e maiores a todas as classes sociais. A visão de nacionalismo de Bresser-Pereira está bastante norteada por um desenvolvimento/nacionalismo econômico (que, supostamente, se estenderia, como consequência, a outras áreas). Portanto, o acordo nacional entre as classes sociais diversas resultaria na ideia de Nação. Consubstanciado a isso, na perspectiva de Nação/nacionalismo, alguns conceitos estariam atrelados, segundo Pfeifer (2013). Sociedade civil4, no sentido de articulação entre poder político, econômico e cultural, na qual o poder de cada um seria na proporção de sua capacidade organizativa, recursos financeiros, conhecimento. E dentro dessa conceituação estaria inclusa apenas parte da população brasileira, aquela organizada, com capacidade direta de comandar. Interessante frisar que no dicionário de política de Norberto Bobbio (p. 1206, 1998, 11ª edição), sociedade civil se define por

4Sociedade politicamente organizada formada por empresários, classes médias intelectuais, organizações corporativas e organizações de advocacia política. 24 relações de poder estabelecidas, se distinguindo das sociedades naturais; assim, podemos abrangentemente considerar como sociedade política5, em que esta organização e controle social existam. No mesmo dicionário também comparece a conotação hegeliana, em que sociedade civil não é mais a família, que é uma sociedade natural, mas também ainda não é o Estado, se dissolvendo em classes sociais mediante relações econômicas e o trabalho6. Também o conceito de povo, elucidado anteriormente, por sua vez, caberia a uma massa maior, com participação pelo sufrágio universal (participação indireta, nas decisões políticas, portanto mais limitada) (PFEIFER, 2013). Ainda, de acordo com a discussão realizada por Pfeifer (2013), a Nação, no sentido mais amplo, abrangeria estes, e seria entendido no sentido de um grande pacto no qual os conflitos internos, de classe, são passados a planos secundários de atenção, na busca de um desenvolvimento e sucesso na competição internacional. Assim, os interesses maiores, focados na burguesia industrial nacional, proporcionariam a coesão entre povo e sociedade civil. A década de 1980 e a grande abertura político-econômica dentro de um sistema globalizado/financeirizado, trazendo a perspectiva de fluidez de fronteiras e a concepção de um Estado Mínimo, demarcam, então, o estancamento, se não o solapamento, indiscutível do nacionalismo. A hegemonia global nos fins de 1980 encabeçada pelo poder estadunidense marca esta reviravolta, onde as elites que comandariam o pressuposto de Nação estariam sob alienação, com a ideia de sistema- mundo integrado envolvida nisso. A baliza do fim da prevalência das ideias nacionalistas, cujo período desenvolvimentista foi assim norteado, vigorando, aproximadamente, entre as décadas de 1930 e 1970, é a eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989, deixando de lado o destaque da burguesia (industrial) brasileira, podemos assim considerar. Este período neoliberal, o qual podemos denominar por Pacto (Neo)liberal7, passa a reconhecer e privilegiar classes rentistas, para as quais o Estado paga dívidas com altos juros, setor financeiro e empresas fornecedoras de serviços coletivos (com quase total monopólio).

5 Para Hobbes e para Locke, elucidados no dicionário de política de Bobbio, a sociedade civil é a sociedade política e ao mesmo tempo a sociedade civilizada (à medida que passa a ser política). 6 Seria, assim, o momento em que a unidade familiar, pelo surgimento das relações econômicas, se constrói enquanto classes sociais e se mediatiza pela instauração da lei a fim de regulamentar suas relações. 7 Bresser-Pereira denomina de Pacto Liberal-Dependente (vide PFEIFER, 2013). 25

Entregar o poder de decisão a agentes externos hegemônicos significa um retrocesso, uma espécie de novo colonialismo ou uma condição de semicolonialidade, “transferindo os centros de decisão para fora do país e submergindo a possibilidade de construção de um grande acordo entre as classes no interior do país (PFEIFER, 2013, p. 22)”. Isto é, a partir do momento em que se propala e se justifica uma divisão internacional-territorial do trabalho, cuja estrutura se demonstra em relações hierárquicas, na exploração de países produtores de bens primários, havendo em outra ponta os detentores de manufaturados e tecnologia, temos uma situação análoga ao que ocorreu durante o imperialismo, por assim dizer. É dentro dessa visão que teria se mostrado bastante fortalecido o “globalismo” (PFEIFER, 2013), se constituindo pela assertiva de que o papel dos Estados, Estados- Nações, no que tange a articular, coordenar, enfim, protagonizar a força motriz nas relações econômicas (o que repercute nas suas propostas de desenvolvimento) passaria a não ter a importância conferida em outros tempos. Prevaleceria nesta visão, segundo a autora, a “receita” do capitalismo norte-americano para o suposto desenvolvimento. Logo, essa ideia de Nação (integrada ao processo de globalização), a qual citamos, seria fundamental para o neodesenvolvimentismo8 existir. Com isso se considera um relativo equilíbrio de forças dentre os diferenciados segmentos sociais no que tange às decisões de condução de uma política nacionalista, estando os outros interesses de cada segmento social em posição inferior a este, no entanto a tomada de decisões, participação política, de forma mais direta, está vinculada às classes mais específicas da burguesia nacional. O Estado tem de ser entendido como mediador dos conflitos existentes, decorrentes de outros interesses, com alguma distribuição de renda através do ensino público superior, renda mínima etc. O que, em linhas gerais, parece é que quando o assunto é desenvolvimento este conceito apresenta-se muito atrelado à economia. E a indagação que fica é se o aspecto social do crescimento econômico é levado em consideração. Muito provavelmente seja por isso que Celso Furtado (1974) trate o desenvolvimento econômico como um mito; há uma série de apontamentos que podem ser feitos para corroborar esta ideia.

8 Maria Luísa Rocha Ferreira de Mendonça (18 de abril de 2012, via Brasil de Fato), doutora em Geografia Humana, considera que o termo neodesenvolvimentismo, foi cunhado em analogia ao desenvolvimentismo, vivido nos anos 1950 no Brasil, com relação ao Projeto nacional- desenvolvimentista, no que ela denomina ter sido moldado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). Sugere isso com a implantação de um modelo econômico do Estado planejador na economia, apoiando o setor privado. 26

Tomemos, por exemplo, a potência norte-americana que, após, a Revolução Industrial e o despontar da Inglaterra como grande economia, alçou-se como de grande relevância no mando financeiro internacional, como também no papel difusor cultural. Sua economia e seu sistema produtivo dependem, em grande parte desse sistema- mundo, isto é, há uma dependência crescente com relação à importação de recursos naturais não renováveis. E este é um traço de qual é o papel, a importância do que denominamos atualmente de divisão internacional do trabalho, comércio global, globalização. Ora, é com isso, inclusive que se vislumbra a materialidade da teoria das trocas desiguais (teoria cepalina), que nos traz questionamento acerca do livre comércio/concorrência (BUSCIOLI e RIBEIRO, 2013). Essa questão é intrigante à medida que o desenvolvimento econômico visa, por um lado, priorizar uma variável quantitativa (crescimento econômico não necessariamente virá acompanhado de desenvolvimento social e distribuição de riquezas e oportunidades que possam ser geradas nesse processo – e nisto veremos que realmente há um mito acerca do desenvolvimento econômico9); por outro porque suscita aspectos da própria entropia gerada em uma intensidade bastante grande dentro desta dinâmica. Entendam-se aí os impactos causados ao meio ambiente, de forma geral, pelos processos produtivos. A desconsiderar inicialmente o aspecto da distribuição da riqueza gerada, nos estendamos com relação à entropia (sustentabilidade). Se o modelo consumista de vida norte-americana de fato fosse factível de se reproduzir a nível global os impactos aos recursos naturais seriam bastante intensos. Furtado assim colocava: “que acontecerá se o desenvolvimento econômico, para o qual estão sendo mobilizados todos os povos da terra, chega efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais formas de vida dos povos ricos chegam a efetivamente universalizar-se? (FURTADO, 1974, p. 21)”. A longo prazo os efeitos de um crescimento econômico, industrialização e massificação do consumo a níveis altíssimos, em hipótese, universalizados, traria grandes impactos. Além disso, é necessário reconhecer e aceitar que o crescimento e

9 Estas são nossas considerações, pois se analisarmos o período que ficou conhecido como do Milagre Econômico Brasileiro, que compreendeu fins da década de 1960 do século XX e inícios dos anos 1970, até cessar com o choque do petróleo, houve sim um crescimento intenso do Produto Interno Bruto (PIB) do país, no entanto, acompanhado de concentração de renda, o que pressupõe um desenvolvimento nestes termos e não necessariamente baseado no sentido de equidade social. Em complementaridade ao que afirmamos, Sader (2013, p. 141) afirma que “a desigualdade se intensificou, a concentração de renda e a exclusão social aumentaram. O Estado foi de um aparato blindado militarmente, fundado na Doutrina de Segurança Nacional, promotor de políticas a favor do grande capital nacional e internacional, a um Estado mínimo, fundado nas doutrinas liberais de mercado, com políticas favoráveis ao capital financeiro”. 27 desenvolvimento de um polo, inserido no sistema capitalista, implica na maior exploração, subjugação e subdesenvolvimento de outro. Acreditar numa linha linear e sucessiva de fases (sem seus altos e baixos) para o desenvolvimento a todos os Estados- Nações, indistintamente, é quase como ignorar o fenômeno do subdesenvolvimento, é ignorar, inclusive, o histórico existente de exploração num sistema-mundo escravista e colonizado por determinados Estados-Nações10. Então temos que a questão do desenvolvimento no Brasil sempre esteve marcada por uma lógica econômica, mas de forma em que as conduções políticas e coalizões trataram ou não de incluir de forma mais contundente as questões sociais, a depender também das orientações ideológicas dominantes, do contexto internacional etc. Plínio de Arruda Sampaio Jr. (2012) critica a pura e simples ligação do termo desenvolvimento ao sinônimo de crescimento econômico. Afirma que são:

[...] vagas formulações dos economistas que disputam a hegemonia do novo desenvolvimentismo [e que] partem do suposto de que o crescimento constitui a chave para o enfrentamento das desigualdades sociais. Nessa perspectiva, desenvolvimento e crescimento confundem-se como fenômenos indiferenciados (SAMPAIO JR., 2012, p. 679).

Esse afinco do Estado e sua perspectiva de desenvolvimento estreitada ao economicismo sobressaltam-se quando vemos a definição de Estado empregada por Roberson da Rocha Buscioli e Renata Maria Ribeiro (2013), que, amparados por Mészáros, entendem-no como a materialidade que proporciona a reprodução do capital, um sistema que gesta as relações de forças entre as classes sociais. Nesse sentido, ele não seria só uma instituição material, mas um conjunto de ideias (ideologia), gestão de forças sociais (e econômicas), bem como resultando em centro de poder decisório. É assim que os autores ainda consideram que, na relação Mercado e Estado, há quase sempre e majoritariamente a sobreposição do primeiro. Podemos, por exemplo, caracterizar os anos de 1930 a 1964, aproximadamente, como um período dito de desenvolvimentismo no país. Estes anos abarcaram os governos de Vargas, Juscelino Kubistchek, João Goulart, entre outros11.

10 Afirmamos isso no sentido de salientar que o desenvolvimento (especialmente se tomando as comparações entre países) historicamente tem mostrado direções de ganhos de uns às custas e exploração de outros (em que se incluíram, como base de sustentação, teorias afirmando superioridade racial. 11Neste período de 1930 a 1964 os governantes à frente da presidência do país foram: Getúlio Vargas, novembro de 1930 a 1945, tendo assumido o posto de presidente no contexto da crise da economia cafeeira e da política café-com-leite (em que um acordo entre oligarquias resultava que na República Velha ora o governo se intercalasse por mineiros e paulistas, que foi rompido por Vargas, com a instauração da chamada Era Vargas e o Estado Novo); José Linhares (1945-46); Gaspar Dutra (1946-51); Vargas novamente (1951-54), eleito desta vez com voto direto; Café Filho (1954-55); Nereu Ramos 28

Buscioli e Ribeiro (2013) encaram o desenvolvimentismo como o próprio planejamento: No Brasil, a ideia de planejamento governamental como fomentador do desenvolvimento emergiu no período pós-1930, com a consolidação do Estado Novo. Porém, é a partir de 1956, com o Plano de Metas (1956/61), que o conceito de desenvolvimento, agora compreendido em todos os sentidos como planejamento público, passou a atuar de forma mais intensa no cenário nacional (BUSCIOLI e RIBEIRO, 2013, p. 1440).

Para Júlio Manuel Pires (2010) os anos de 1930 e de 1964 representaram no cenário político, econômico e social do Brasil mudanças substanciais, com dominação de novos arranjos e forças políticas. A política social estaria envolta na ideologia de legitimação do capitalismo. O populismo, com o realce de ideias nacionalistas e desenvolvimentistas, se apoiaria na ideia de estarem secundarizadas as políticas sociais no que tange o processo de crescimento econômico do Estado-Nação. Isto é, as políticas sociais subjugadas ao mais amplo objetivo nacional de desenvolvimento, que aí as incluiria. É no período pós 1930, com o Estado Novo, é em 1956, através do Plano de Metas, que o sentido de planejamento-desenvolvimento passou a ter um significado mais bem desenhado no país. Após a década de 1960, essa perspectiva de desenvolvimento vai se construindo através de sua institucionalização por meio das Superintendências de Desenvolvimento Regional12. Nisto, demarcando a título de entendimento de mudanças temporais, pode-se afirmar que a questão social foi em certa medida abordada sob a vigência do autoritarismo nos anos 1930-1945, como também sob a relativa democracia política do período de 1946-64. Lembremos que o ano de 1929 fora marcado pela crise econômica, e a depressão que ela ocasionou impactou com o posicionamento mais intervencionista por parte do governo do Estado Federal, como por também determinadas características

(1955-56); Juscelino Kubistchek (1956-61); Jânio Quadros (1961); João Goulart (1961-64). FAUSTO, Boris. História do Brasil. SP, Edusp, 1994. 12 Como entre os anos de 1930 e 1960, aproximadamente, o Brasil viveu certo crescimento econômico, mas com isso sendo acompanhado, notoriamente, das discrepâncias regionais, na década de 1950, durante o governo de Juscelino Kubistchek especialmente, estudos e debates políticos colocaram a necessidade de políticas públicas que mitigassem essa realidade. É neste período que foi criado o GTDN (Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste), sob o comando de Celso Furtado. Dele resultou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 14 de Dezembro de 1956 (cuja ação se dava, principalmente, por incentivos fiscais especiais, isenção ou redução de Imposto de Renda para as empresas que instalassem na região, visando trazer dinamismo socioeconômico e geração de empregos). Após, foram criadas, ainda, a SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), em 27 de Outubro de 1966, onde se instalou a importante Zona de Manaus, como também a SUDECO (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste), em 1º de Dezembro de 1967. Em suma, o diagnóstico prevalecente era de que havia necessidade industrializar as regiões deprimidas, diminuindo a disparidade regional. Na década de 1990 essa política deu lugar à chamada “Guerra Fiscal”, onde cada Estado passou a competir por conquistar investimentos empresariais/industriais ao oferecer isenções e subsídios. 29 ideológicas, segundo Pires (2010). Buscioli e Ribeiro (2013) também discorrem a respeito da ideologia dentro do aparelho de Estado a justificar suas políticas e agir na manutenção do capitalismo. Pires (2010) assim coloca:

A crise, portanto, não se verificou apenas no plano econômico, mas se estendeu também para o plano ideológico, deixando em um plano secundário, pelo menos por algumas décadas, a teoria liberal, a qual pregava o livre funcionamento do mercado como a melhor forma de regular a economia. Esta crise ideológica refletiu, no âmbito burguês, na reação fascista e nas teorias corporativistas, e, de outro lado, no fortalecimento da ideologia socialista e da organização dos trabalhadores. O Estado, a partir de então, desenvolveu todo um conjunto novo de instituições e aparatos jurídicos para intervir na economia, dos quais se destacam aqueles destinados à área social (PIRES, 2010, p. 532).

Tendo dividido o período do populismo entre autoritarismo, demarcado de 1930 a 1945, e democrático, traçado de 1946 a 1964, os valores investidos do governo federal em áreas sociais (saúde, educação, previdência social), segundo dados considerados por Pires (2010), no decorrer dos anos de 1932 a 1964, têm mostrado um aumento no segundo período. Assim, “do nível de 14% a 16% na década de 30 para porcentagens circundantes a 18% a 20% no período 1939/46, alçou-se a mais de 26% a partir de 1948 e, numa tendência ascendente (exceção ao ano de 1960), chegou a alcançar 30,5% em 1962, para decair em 1964 (PIRES, 2010, p. 536)”. Junto à democratização, o crescimento econômico teria propiciado a ampliação dos recursos voltados à área social, podendo ser investida uma maior parte do Produto Interno Bruto (PIB) na mesma, variando de 3,7% do PIB no ano de 1946 para o percentual de 6,59 no ano de 1964, que fecha este período. A participação em cada segmento (previdência social, saúde e educação) social, em valores monetários, está discriminada na tabela 1 a seguir.

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Tabela 1: Despesas com saúde, educação e previdência social Valor em cruzeiros (Cr$) e participação de cada área no gasto social total: 1932-1964 Ano Educação Saúde Previdência Social Valor total Valor em % do Valor em % do Valor em % do Milhares de Total Milhares de Total Milhares de Total Cr$ de 1946 Cr$ de 1946 Cr$ de 1946 1932 379.670,87 44,09 238.032,71 27,64 243.418,68 28,27 861.122,26 1933 404.322,40 47,09 230.975,57 26,90 223.248,65 26,00 858.546,62 1934 434.323,47 44,67 270.467,08 27,82 267.515,93 27,51 972.306,48 1935 479.959,89 47,49 267.790,19 26,50 262.963,42 26,02 1.010.713,60 1936 502.196,38 45,22 303.957,79 27,37 304.520,12 27,42 1.110.674,29 1937 567.781,21 43,96 373.902,82 28,95 349.797,70 27,08 1.291.481,73 1938 570.371,67 40,63 389.910,97 27,78 443.501,84 31,59 1.403.784,49 1939 617.762,17 41,01 459.890,64 30,53 428.553,56 28,45 1.506.206,53 1940 659.301,47 39,13 488.299,02 28,98 537.194,12 31,88 1.684.794,78 1941 624.564,43 36,33 460.925,64 26,81 633.688,28 36,86 1.719.178,34 1942 532.494,65 33,85 422.440,66 26,86 617.963,30 39,29 1.572.898,76 1943 490.507,47 31,59 400.991,83 25,83 661.214,19 42,58 1.552.713,48 1944 537.714,46 31,89 488.826,74 29,00 659.358,18 39,11 1.685.899,55 1946 707.885,34 29,42 587.242,89 24,40 1.111.343,57 46,18 2.406.471,81 1948 1.045.262,45 32,34 761.781,45 23,57 1.425.523,63 44,10 3.232.567,86 1950 1.449.147,08 34,13 949.582,67 22,37 1.846.652,91 43,50 4.245.383,09 1952 1.589.673,43 32,83 1.172.514,97 24,21 2.080.197,44 42,96 4.842.385,84 1955 1.750.158,18 28,93 1.430.481,30 23,65 2.868.679,72 47,42 6.049.319,19 1957 2.302.347,05 28,78 1.633.248,26 20,42 4.064.629,33 50,81 8.000.224,63 1960 2.435.973,12 31,29 1.626.555,41 20,89 3.723.628,26 47,82 7.786.156,79 1962 3.505.352,14 31,85 2.086.635,60 18,96 5.415.465,62 49,20 11.007.453,36 1964 3.689.763,76 29,17 2.482.175,78 19,62 6.477.649,75 51,21 12.649.589,29 Fonte: Pires, 2010/Fontes dos dados primários: Brasil. MF. Balanço Geral da União (Vários anos); MEC (1957, 1958, 1959 e 1960); IBGE (1990, p. 102-103; 176-177 e 226- 231).

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Algumas informações bem gerais podem ser extraídas dos dados. A primeira delas é quanto ao segmento da educação. Até o ano de 1939 em educação eram investidos recursos de cerca de 40% ou um pouco mais do total da área social inferida na tabela. Depois desse período, os valores, em termos percentuais, diminuíram, ao mesmo tempo em que se observa um ligeiro aumento na previdência social (metade da década de 1940, aproximadamente). E isso pode nos levar a supor as prioridades existentes em cada período, bem como observar aumento do valor de recursos, em termos absolutos, presente no período que traçamos como democrático (subdivisão anteriormente apontada por nós). Vê-se, ao centro do gráfico 1 (também com auxílio da tabela 2), a concentração dos picos de incremento ao PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, abrangendo a década de 1940 (período Pós II Guerra Mundial) e apresentando uma queda quando do início da década de 1980, que coincide justamente com uma conjuntura “neoliberalizante” a se instaurar no Brasil, seguida de descentralização político-administrativa (pesando encargos administrativos, inclusive com relação à educação primária, passando à responsabilidade aos municípios), o que significou, na prática, após o fim da ditadura militar e mesmo com o processo de democratização no país, uma abertura econômica ao capital internacional muito grande, e reviravoltas nos anos seguintes em termos de deterioração dos serviços públicos em prol de iniciativas privatistas. A ideologia populista, e o que poderíamos denominar de Pacto Nacionalista, é bruscamente transformada.

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Gráfico 1: Evolução do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro

Fonte: http://www.paulogala.com.br/100-anos-de-pib-no-brasil/ (Dados extraídos do IBGE).

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Tabela 2: Indicador macroeconômico: Crescimento do PIB

Ano Crescimento Crescimento do Crescimento do PIB na do PIB (%) PIB Mundial (%)* América Latina (%) 1948 9,7 4,7 1949 7,7 2,7 1950 6,8 4,9 1951 4,9 5,9 1952 7,3 3,0 1953 4,7 4,5 1954 7,8 6,2 1955 8,8 6,3 1956 2,9 4,1 1957 7,7 6,1 1958 10,8 4,9 1959 9,8 2,6 1960 9,4 7,0 1961 8,6 3,1 6,6 1962 6,6 4,6 4,2 1963 0,6 5,0 3,4 1964 3,4 6,1 7,5 1965 2,4 5,2 5,4 1966 6,7 5,3 4,4 1967 4,2 4,1 4,3 1968 9,8 4,5 6,9 1969 9,5 6,0 7,1 1970 10,4 5,0 6,9 1971 11,3 4,6 6,7 1972 11,9 5,5 6,9 1973 14,0 6,9 8,4 1974 8,2 2,8 7,1 1975 5,2 1,7 3,2 1976 10,3 5,4 4,4 1977 4,9 4,3 4,8 1978 5,0 4,5 4,4 1979 6,8 3,8 6,6 1980 9,2 2,0 6,1 1981 -4,3 2,2 0,3 1982 0,8 0,9 -1,3 1983 -2,9 2,8 -2,9 1984 5,4 4,6 3,5 1985 7,8 3,6 3,6 1986 7,5 3,5 3,6 1987 3,5 3,6 2,9 1988 -0,1 4,5 0,6 1989 3,2 3,7 0,9 1990 -4,3 3,0 0,3 1991 1,0 1,5 3,8 1992 -0,5 2,0 3,2 1993 4,7 2,1 3,3 1994 5,3 3,4 5,2 1995 4,4 3,3 1,1 1996 2,2 3,7 3,8 1997 3,4 4,0 5,5 1998 0,0 2,6 2,6 1999 0,3 3,6 0,4 2000 4,3 4,8 3,9 2001 1,3 2,3 0,4 2002 2,7 2,9 -0,4 2003 1,1 3,6 2,1

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2004 5,7 4,9 6,0 2005 3,2 4,6 4,7 2006 4,0 5,2 5,6 2007 6,1 5,4 5,7 2008 5,2 2,9 4,3 2009 -0,6 -0,5 -1,7 2010 7,5 5,0 6,1 *Dados até 1989 extraídos do IFS Yearbook FMI, a partir de 1990 de World Economic Outlook. Fonte: IBGE. (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/7531a821326941965f1483c85caca 11f.xls).

O período populista, num quadro de ainda democracia, pode ser vislumbrado como o de maiores ampliações nos investimentos, mesmo que em desproporções dentre os segmentos. Quanto a isso verificamos gastos nos anos 30 focalizados em educação, enquanto na década seguinte se percebe um incremento no segmento previdenciário. “Promoveu-se ininterrupto e substancial aumento da participação do sistema previdenciário no gasto social total: de 7,4% em 1932 para 46,2% em 1964 (PIRES, 2010, p. 541)”. Isso tem a correspondência de quase metade dos dispêndios com o setor social. No período pós II Guerra Mundial (1946-64) é que este fator de intervenção política, digamos assim, passa a ser maior. Hobsbawm (2002) coloca, levando-se em consideração tempos enquadrados na “destruição criativa do capital”, como a era de ouro do século XX, e pondera a expansão do capitalismo, como também a sua reestruturação, dada em função da “ameaça soviética socialista”, com a consequente ampliação da presença do Estado, alocando investimentos nas áreas sociais.

Todos os problemas que perseguiam o capitalismo em sua era da catástrofe pareceram dissolver-se e desaparecer. O terrível e inevitável ciclo de prosperidade e depressão, tão fatal entre as guerras, tornou-se uma sucessão de brandas flutuações, graças a – era o que pensavam os economistas keynesianos que agora assessoravam os governos – sua inteligente administração macroeconômica (HOBSBAWM, 2002, p. 262).

Os gastos sociais, se excetuando o segmento previdenciário, entre 1932 e 1944 tiveram um crescimento de aproximadamente 4,1%, já no intervalo de 1946 a 1964 este crescimento médio foi de 8,3% (PIRES, 2010), com relativo equilíbrio de valores empreendidos por cada esfera de governo durante o período.

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Tabela 3: Despesas com saúde, educação e previdência social/ Participação relativa dos três níveis de governo: 1932-1964 Ano União Estados e Municípios DF 1932 41,4% 53,8% 4,8% 1933 38,6% 56,5% 4,9% 1934 37,2% 58,0% 4,8% 1935 36,6% 57,6% 5,8% 1936 34,8% 58,6% 6,6% 1937 38,3% 55,0% 6,7% 1938 39,1% 56,0% 4,9% 1939 38,6% 56,3% 5,1% 1940 41,0% 54,2% 4,8% 1941 42,0% 53,4% 4,6% 1942 42,5% 52,2% 5,3% 1943 41,5% 53,5% 5,0% 1944 43,1% 52,0% 4,9% 1946 40,6% 53,0% 6,4% 1948 41,5% 52,2% 6,3% 1950 42,6% 49,7% 7,6% 1952 38,2% 54,7% 7,1% 1955 40,9% 51,8% 7,3% 1957 44,6% 48,5% 6,9% 1960 49,9% 44,8% 5,3% 1962 40,1% 55,2% 4,7% 1964 43,4% 51,7% 4,9% Fonte: Dados primários: Brasil. MF. Balanço Geral da União (Vários anos); MEC (1957, 1958, 1959 e 1960); FIBGE. Anuário Estatístico do Brasil (Vários anos).

Uma das explicações para o ligeiro incremento dos investimentos na área social está no próprio contexto político, ressaltemos. Depois do período Vargas e do Estado Novo, com a maior abertura política, em torno de 1946, pode se ter oferecido maior espaço às demandas sociais, para que fossem atendidas diante do cenário “democrático” e competitivo entre partidos políticos, assim a política social seria vista de outra forma. Reivindicações populares teriam maior influência perante este panorama. Ianni (1975) pondera que neste intervalo entre 1945 e 1964 as massas assalariadas passam a ter maior representatividade dentro do processo político, com enfatizando, consequentemente, a esfera social. Para Pires (2010) esta conduta seria, então, instrumento de poder, de competição, por parte de pequenas frações sociais no sentido eleitoral. Logo, conforme a visão que se estabelece dentro destas considerações, esse período desenvolvimentista seria intrigante do ponto de vista em que, apesar de alguns

36 incrementos de recursos no setor social, a leitura de desenvolvimento dos grupos políticos estarem muito atreladas à questão econômica. O intervencionismo estatal, em parte, vai se justificar pela condição brasileira em comparação com outros países dito desenvolvidos, como situados na Europa (Alemanha, Espanha, Portugal etc.) e Estados Unidos da América. A condição técnica do país e o processo de industrialização brasileira demandou a participação do poder público. Pires (2010) salienta que, paradoxalmente, o crescimento de investimentos na área social, se fez, sobretudo, durante o Governo Dutra (1946-51), que se caracterizou por um período em que houve ênfase nas repressões sindicais, não sendo as relações capital-trabalho contempladas, portanto a redistribuição de renda também não. Poderíamos afirmar que o desenvolvimento social e políticas para tanto estariam subjugados a segundo plano ao se pensar um desenvolvimento econômico (e um verdadeiro crescimento da economia e do PIB, então). Um dos pontos a se discutir dentro do desenvolvimentismo é a industrialização que, como comentamos, contou no caso brasileiro com a intervenção do Estado. Dentro de uma ordem de divisão internacional e territorial do trabalho em que se teve como uma das bases a troca diferencial, a teoria das vantagens comparativas faz comparecer desvantagens em termos de valor agregado. Por isso o desenvolvimentismo foi encarado nesse sentido, dentro de uma política de industrialização. A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), criada em 1948, pela Organização das Nações Unidas traz um contraponto à teoria liberal em suas ideias. Assim é reconhecida a Teoria das Trocas Desiguais, no conjunto da divisão internacional do trabalho, apontando sua incoerência e agindo enquanto estímulo do Estado interventor, e então o seu papel em direção à industrialização no contexto da América Latina, racionalizando a economia e provendo infraestrutura (também através de políticas monetárias e fiscais) (VIAN, 2003; BACCARIN et. al., 2013). Reis, Ridenti e Mota (2014) nos ajudam a compreender, por fim, algumas repercussões, durante os governos ditatoriais, que também acometeram o cenário social e econômico do Brasil, antes do projeto neoliberal se instalar. Assim, entendamos que, no contexto geral, os militares continuaram com as preposições de construir um Estado moderno e industrial. Bem se sabe que isso se fez valorizando agentes econômicos, ficando renegadas questões que priorizassem equidade social. Foi um processo contraditório, porque ao mesmo tempo em que algumas transições no sentido de

37 urbanização, aumento da oferta educacional (ensino básico, técnico, como forma de melhorar a mão-de-obra) ocorriam, o arrocho salarial e as desigualdades regionais se faziam presentes, ocasionando concentração de renda. A contenção dos problemas econômicos ocasionou, então, perdas salariais da massa trabalhadora, e reformas tributárias, a fim de melhorar a eficiência fiscal. Entretanto, no decorrer do tempo, e com a atuação sua com relação ao capital, isso acabou por significar a oneração do aparelho de Estado, com déficit público, endividamento com agentes financiadores estrangeiros, alta inflacionária (Reis, Ridenti e Mota, 2014), inclusive com o episódio do choque de petróleo de 1973, que afetou questões concernentes à matriz energética em escala global. O desembocar do fim do período de ditadura militar no país com tal situação e as mobilizações sociais que impulsionaram o processo de redemocratização, suscitaram espaço para formulações teóricas. Dentre estas, ganharam projeção, em concomitância aos processos externos, aquelas que pregavam maior desregulação do sistema econômico por parte do Estado, caracterizando o neoliberalismo.

1.3. O Interregno Neoliberal no Brasil

“Quando disse que ia „virar a página do getulismo‟ na história do Brasil, FHC revelava a consciência clara de que o Estado regulador, protetor do mercado interno, indutor do crescimento econômico, que garantia os direitos sociais e promovia a soberania externa era um obstáculo frontal ao modelo neoliberal”.

(SADER, 2013, p. 137).

Eric Hobsbawm (1995) explicita o neoliberalismo13 como um momento cíclico que envolve o grande período do Pós Guerra e da Guerra Fria, as medidas políticas e

13 É importante, em âmbito geral situarmos aqui o significado de neoliberalismo e o contexto do seu uso conceitual. Luiz Filgueiras (2005) conceitua neoliberalismo enquanto uma doutrina político-econômica, oriunda após a Segunda Guerra Mundial, como uma crítica ao chamado Estado do Bem Estar Social, tendo entre seus formuladores Hayek e Friedman. Correlatos a isso temos a concepção de Projeto neoliberal e Modelo Econômico Neoliberal Periférico. O primeiro diz respeito à forma particular como esta doutrina se expressou, materializou no Brasil, a partir das disputas classistas, dentre as quais a burguesia e o proletariado. Assim, na concepção de Modelo Econômico Neoliberal Periférico, o autor considera que há uma especificidade conferida pela estrutura econômica anterior do país, que se diferencia, então, do restante da América Latina, mas mesmo assim com a semelhança de estarem todos inseridos como subordinados do imperialismo protagonizado pelos Estados Unidos da América e o dito Primeiro Mundo. Logo, é o resultado de como se configurou o projeto neoliberal. 38 econômicas deste período se desgastaram, levando ao retorno da força das ideias liberais, atreladas a um movimento de transnacionalização capitalista. Portanto, entenda-se o período neoliberal no Brasil, fortemente presente a partir do final da década de 1980 até início dos anos 2000, como resultado da superação das políticas orientadas segundo as concepções econômicas do Keynesianismo e do Estado de Bem- Estar Social, de onde se enquadram os chamados trinta anos gloriosos na conjuntura econômica (política) mundial, em que, sobretudo os países desenvolvidos alçaram percentuais de crescimento econômico altos, houve pequenas taxas de desemprego, avanços tecnológicos e incremento do consumo de massa, além de garantias com relação à seguridade social, vivenciando-se um período de lucros para as empresas capitalistas, mas também de aumentos salariais reais. Lucas Massimo (2013) pondera, consequentemente, que a década de 1990 foi representativa de mudanças na estrutura econômico-social, em que se transcendeu o nacional-desenvolvimentismo, modelo cuja proposta foi de crescimento econômico, pautado no planejamento estatal (Slogan do presidente JK, “50 anos em 5”) e no modelo de substituição de importações, da década de 1950, ao modelo que passou a defender abertura comercial (eliminação de alíquotas de importação), liberalização financeira, de regime de investimentos estrangeiros e desregulamentação do mercado de trabalho, isto é, a consolidação do chamado neoliberalismo. A fim de compreender o panorama geral do neoliberalismo (no Brasil), é necessário retomar algumas considerações do período Pós Segunda Guerra Mundial, durante o “clima” de Guerra Fria. A Segunda Guerra Mundial findou quando o mundo submergiu em uma espécie de Terceira Guerra Mundial, em que ela se caracterizava por disputas ideológicas de sistemas políticos e econômicos, buscando congregar e formatar a política de seus aliados, com o medo de uma guerra nuclear eclodir imbrincado a isso. Uma coisa é certa a esse respeito, diante do pairar de incertezas e toda a ideologia de gravidade sobre o comunismo e ameaça do capitalismo e etc., a Guerra Fria, por mais que possa ter tido seus impactos negativos, e muitos gastos dos blocos comunista e capitalista tenham se direcionado às pesquisas e investimentos armamentistas (inclusive mobilizando um comércio internacional de armas), isto colaborou, em alguns aspectos, para que tecnologias fossem desenvolvidas, o que num período ulterior, foi útil ao modelo de vida que fora incorporado durante o Estado de Bem Estar Social (HOBSBAWM, 1995).

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A chamada Era de Ouro (Trinta Anos Gloriosos) no decorrer desse meio tempo foi algo bastante vívido para os países capitalistas desenvolvidos. Hobsbawm destaca que durante décadas este conjunto de países (da Europa, Japão e os Estados Unidos) representou cerca de ¾ da produção do mundo e mais de 80% de suas exportações manufaturadas. Foi de fato um período de intenso crescimento populacional, e, apesar de fenômeno mundial, as mazelas do mundo – mesmo com o aumento da produtividade de alimentos e avanços tecnológicos – entre um extremo e outro não foram erradicadas (HOBSBAWM, 1995, p. 255). Considera-se que após a Segunda Grande Guerra o capitalismo, portanto, se mostra transformado. “Essencialmente, foi uma espécie de casamento entre liberalismo econômico e democracia social [...], com substanciais empréstimos da URSS, que fora pioneira na ideia de planejamento econômico (HOBSBAWM, 1995, p. 265)”. Neste sentido, os movimentos/partidos políticos de esquerda, no contexto já citado, puderam galgar mais espaço, consolidando o Estado do Bem Estar Social. Por isto se melhorava a condição de seu eleitorado composto por proletários, com algumas reformas sociais, entenda-se ampliação/universalização de políticas sociais. Ponderemos que:

Como não tinham soluções alternativas a não ser exigir a abolição do capitalismo, o que nenhum governo social democrata sabia como fazer, nem tentara fazer, tinham de depender de uma economia capitalista forte e criadora de riqueza para financiar seus objetivos. Na verdade, um capitalismo reformado, que reconhecesse a importância da classe trabalhadora e das aspirações social-democratas, lhes parecia bastante adequado (HOBSBAWM, 1995, p. 267 – Grifo nosso).

A presença mais forte de um governo no que tange à economia e planejamento durante este período pós Segunda Guerra Mundial se justificou justamente pelo clima que se estruturou e perdurou, com mais ou menos intensidade, na Guerra Fria. Então, a geração de empregos, a contenção da “ameaça” comunista, bem como a modernização das economias atrasadas dependeria desta posição de Estado interventor. Pois bem, com o fim formal da Guerra Fria, que pode ser considerado a partir das duas conferências de cúpula, de Reykjavik (1986) e Washington (1987), a partir deste momento também que as duas superpotências – URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e E.U.A. – reconheceram, nas próprias palavras de Hobsbawm (1995, p. 246), o absurdo sinistro que estava sendo a corrida nuclear e sua ameaça.

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Foram os grandes gastos nesta corrida armamentista que colaboraram para o solapamento da organização da URSS14. Assim, o findar deste longo período conhecido como Guerra Fria pôs-se como de necessária reestruturação dos sistemas políticos, territoriais e econômicos.

O fim da Guerra Fria retirou de repente os esteios que sustentavam a estrutura internacional e, em medida ainda não avaliada, a estrutura dos sistemas políticos internos mundiais. E o que restou foi um mundo em desordem e colapso parcial, porque nada havia para substituí-los (HOBSBAWM, 1995, p. 251).

Com o desgaste do modelo econômico, e então com a crise econômica vindoura, uma doutrinação liberalista (neoliberalista vem à voga) justifica-se no encerramento do ciclo de “Bem Estar Social” do capitalismo. Para Filgueiras (2006), aproximadamente na década de 1980 (com mais ênfase), o Brasil foi um dos últimos países da América Latina a aderir o projeto neoliberal e este se construiu durante sua implementação, não teria sido algo pronto e simplesmente implantado. Emir Sader (2013) explicita o momento como de mudanças regressivas, onde o neoliberalismo se instalara como via de luta contra a inflação, criticando o papel do Estado que havia sido desempenhado desde então (no período de desenvolvimentismo), em que sua postura de má gestão administrativa havia bloqueado o fluxo livre de capitais. Somado a isso, viveu-se também as restrições e coerções com relação às lutas e movimentos sociais durante a ditadura militar, que perdurou bastante tempo (1964- 1985) e proporcionou um contexto bastante conturbado. Sader (2013) argumenta que:

Depois de viver o período mais significativo de sua história até aquele momento, na reação à crise de 1929, com um período de industrialização, urbanização, construção de Estados nacionais, fortalecimento de partidos e organizações populares, construção de ideologias e culturas nacionais, encerrou-se esse ciclo longo de expansão com a crise da dívida, na virada dos anos 1970 para os anos 1980. Fechou-se o ciclo desenvolvimentista e com ele desapareceu da agenda até o próprio tema do desenvolvimento, substituído pelo da estabilidade monetária, típico de períodos conservadores (SADER, 2013, p. 136).

A década de 1980, no contexto brasileiro, foi bastante conturbada, um período de agitação social, mesmo que nossas palavras aqui pareçam ser em tom exagerado, devemos dizer. Hobsbawm (1995) define esse momento social, já delimitando entre os

14 Hobsbawm ressalta que a combinação dos próprios defeitos econômicos e a invasão, isto é, intercâmbio da economia socialista pela capitalista, que se apresentava mais dinâmica, avançada e claramente dominante no mundo, isto é, o cessar de seu isolamento, teria causado sua ruína. 41 anos de 1945 a 1990, devido a todos os aspectos que envolveram o país em mudanças desde o fim da Segunda Guerra Mundial até chegar ao neoliberalismo, com toda a inovação tecnológica que envolveu, rearranjos do capital – e financeirização – Revolução Verde, boom nas populações urbanas e esvaziamento dos campos, questões atinentes à educação etc. Filgueiras (2006, p. 181) explicita que no período houve intensa atividade política desenvolvida pela classe trabalhadora, que culminou, por exemplo, com a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 10 de fevereiro de 1980, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em janeiro de 1984, na criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 28 de agosto de 1983, além de greves gerais pela classe proletária no período circundante. Neste período ainda, apesar de toda mobilização que o país vivenciou acerca da politização e mobilização das massas, o projeto democrático e popular não alçou poder no governo. E a eleição de Fernando Collor em 1989 dá sentido de instauração do projeto neoliberal no Brasil, protegendo classes sociais que temiam perder seu espaço. A execução do projeto neoliberal para o país significou sua inserção passiva do aparelho de Estado enquanto subjugado à economia e ao processo de transnacionalização que vinha ocorrendo na economia, nas empresas. “Em particular, reconfigurou o bloco dominante e a sua fração de classe hegemônica, com destaque para a consolidação dos grandes grupos econômicos nacionais, produtivos e financeiros (FILGUEIRAS, 2006, p. 183)”. A conformação deste grupo ou classe à frente da projeção ou projeto neoliberal se deu por uma classe média alta, contrária aos pressupostos de Estado do Bem-Estar- Social, já que estes se dão por financiamento através de seus impostos, cujo objetivo é atingir outros segmentos sociais (trabalhadores). Filgueiras (2006) aponta nesta composição o que ele denomina de alta burocracia do governo, profissionais liberais, intelectuais especializados em atividades novas (“nova intelectualidade identificada com hábitos e valores forâneos e um pequeno grupo de consultores e trabalhadores autônomos altamente qualificados, ocupados em atividades econômicas recém-surgidas e típicas dos novos paradigmas tecnológicos” – p. 185). Massimo (2013) reflete a implementação do neoliberalismo através de algumas considerações que se pautam em três grupos de argumentos dos teóricos, de acordo com ele: explicações sociológicas, pragmáticas e institucionalistas.

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Nas explicações sociológicas se destacam as qualidades do empresariado, conflitos distributivos e cultura e valores dominantes, isto é, as reformas se dariam por conta da fragmentação e da heterogeneidade existente de representação política do empresariado, buscando-se a redução dos custos no Brasil, mas essa busca de liberdade de ação, ambiguamente, não deixou de se ligar à busca por restringir os direitos trabalhistas e subsidiar suas atividades pelo Estado. Na argumentação pragmática a crise do Estado e da governabilidade comparecem como elementos norteadores, explicativos. Entender-se-ia uma inexorabilidade com relação à implementação do neoliberalismo, já que o governo na conjuntura a qual se encontrava não tinha mais respaldo, alterando-se o quadro de coalizões políticas. Já com relação às explicações institucionais são salientadas as regras institucionais e as estratégias dos autores. De forma bem sucinta, a formatação institucional, seu ambiente, motivam as transformações, a implementação do projeto neoliberal. A aceitação do projeto neoliberal pelas classes trabalhadoras, ultrajadas durante a implementação deste, foi possível pelo discurso. A doutrinação de um enxugamento do Estado, que gastaria excessivamente, pondo à venda, isto é, privatizando empreendimentos seus, na visão de que o aparelho de Estado sendo um mau gestor a melhor alternativa seria entregar estas funções à iniciativa privada, de onde ocorreram diversas privatizações de empresas públicas importantes, demonstrando claramente o ápice do pensamento burguês (MASSIMO, 2013). Na prática isto não significou, factivelmente, uma perda total do poder do Estado Federal e seus agentes políticos, mas o seu alinhamento com as propostas do projeto neoliberal, ou seja, o processo foi conduzido pelo aparelho de Estado e suas coalizões postas naquele momento. Resultou este processo na reestruturação de empresas, e, com o amplo processo de privatização e entreguismo de bens e empresas públicos; o Estado foi deixando seu monopólio em diversos segmentos da economia15. Filgueiras salienta o papel de contenção de preços/inflação na venda de bens públicos, afirmando que as “privatizações [...] também funcionaram como uma âncora na estratégia de estabilização

15 O monopólio do Estado na prospecção, exploração e refino do Petróleo findou, também nas telecomunicações, na geração e distribuição de energia, além de que também a exploração do subsolo e da navegação na costa brasileira, foi desregulamentado, passando a ter participação de agentes privados. 43 de preços (p. 194)”, colaboraram para a desnacionalização da economia e centralização da capital, onde bancos nacionais, incluindo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), tiveram participação, sendo um episódio marcante do governo de FHC (1994-1998), mas de modo que desde o governo Collor já havia sido criado o Programa Nacional de Desestatização (PND) (FILGUEIRAS, 2006, p. 194-195). Crises entre 1990 e 2000 também evidenciaram que o desempenho das exportações passou a ser decisivo para a remuneração do capital financeiro (o que foi característico deste período, visto que os investimentos especulativos passam a ser mais atrativos do que os produtivos, havendo grande transferência de renda de um a outro – SADER, 2013). Esse processo traz à tona que o neoliberalismo, a abertura econômica, vulnerabiliza a economia do país, seus trabalhadores, o Estado em si, visto, inclusive, sua posição inferior na divisão internacional do trabalho. Assim se constata que, a partir do modelo de sustentação econômica pautada numa riqueza gerada por um financiamento interminável da dívida pública, com juros absurdos que concentram riquezas, e pela, então, fluidez e/ou volatilidade do capital, e o crescimento da desigualdade social, a estabilidade do mesmo sistema jamais poderia se dar. Em suma, desvalorizou-se o potencial do mercado e economia nacionais, em um país com condições e população grande o suficiente para isso, ficando à mercê dos naipes e demandas internacionais de exportação. Nas palavras de Filgueiras (2006):

[...] o impulso primário da acumulação e a dinâmica do crescimento passam a ser dados, principalmente, pelo comportamento da demanda internacional, recolocando-se, dessa forma, em novas bases (atualizando-se), um tipo de dependência que era próprio da fase primário-exportadora e que o Modelo de Substituição de Importações (MSI) havia superado. Desta maneira, a dinâmica do mercado interno fica condicionada à capacidade da economia exportar e obter superávits comerciais, de modo a reduzir a vulnerabilidade externa e, assim, abrir espaço para o seu crescimento sem ter ameaça imediata de nova crise cambial (FILGUEIRAS, 2006, p. 198).

Além de se estar retomando o modus operandi da economia de priorizar as exportações e tentar com isso equilibrar a balança comercial em um sentido favorável (exportar com maiores valores do que importar), a composição das exportações se dá principalmente por via de exploração de recursos naturais, sem agregar muito valor, então em escala, e as commodities. É a dependência e retorno da fase primário- exportadora que havia sido rompida com a fase em que se instaurou o modelo de

44 substituição de importações no Brasil, que foi mais visível no pós Segunda Guerra Mundial. Podemos afirmar que o projeto neoliberal e toda a postura assumida pelos governos à frente no seu período implicaram em, por um lado, ter a necessidade de investir em exportações, já que se tem abertura comercial internacional, na situação já mencionada, e por outro, graças à instabilidade pela dependência dos mercados internacionais, posturas do tipo subsídios à empresas, isenções de impostos ou reduções (vide aí também o período conhecido como de “Guerra Fiscal”), concessão de financiamentos, aumento de tributações etc. Esta reestruturação solapou a classe trabalhadora, reduzindo seus direitos e assalariamento, crescendo a informalidade. O ano de 2003 vai se constituir um marco da transição do neoliberalismo para o neodesenvolvimentismo, justamente quando a conjuntura nacional se altera, e com uma nova roupagem que o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva toma. Segundo Sader (2013) a vitória de Lula, em sua quarta tentativa de chegada à presidência, deu início à construção do “pós-neoliberalismo” no Brasil, em que, ao fim do mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) este não encontrava apoio nem respaldo popular, ao mesmo tempo em que Lula possuía apenas 30% das intenções de voto, o que não daria muito respaldo para concorrer no segundo turno. Entretanto, uma crise na candidatura de Ciro Gomes (que despontava nas pesquisas), também de Roseana Sarney, além de que Serra, enquanto candidato a vice, representasse a continuidade do governo FHC, resultaram em maior disponibilidade de votos a Lula, o que permitiu sua vitória em fins de 2002 (SADER, 2013). Assim, junto ao inconformismo social, se deu o esgotamento do neoliberalismo, além de que a campanha que permitiu que Lula ascendesse à presidência foi reestruturada (a “nova roupagem” a que nos referimos), dando espaço em seu debate à estabilidade monetária, compromisso com o capital financeiro, não renegociando suas dívidas externas, passando uma imagem mais ponderada para ambos os setores da sociedade (SADER, 2013). É com isso, conjuntamente à sua predisposição de pouco a pouco ir inserindo políticas de cunho social que Lula obteve aprovação para se eleger em 2002 e se reeleger em 2006, obtendo apoio de setores menos favorecidos da sociedade.

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1.4. Entre o Estado Ausente e o Estado Indutor de Desenvolvimento: nuances do Neodesenvolvimentismo

O neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo da época do capitalismo neoliberal (BOITO JR., 2012).

Armando Boito Jr. e Tatiana Berringer (2013) veem o neodesenvolvimentismo inserido numa ótica da questão social, isto é, um amálgama de classes sociais envoltos num modelo de governo, pactuando no sentido de seus interesses. Boito Jr. (2012), deste modo, compreende ainda que em se pensando as relações entre processo político e desenvolvimento capitalista é plausível de se afirmar que no Brasil o desenvolvimento capitalista sempre esteve muito estreitamente relacionado tanto à participação política de classes populares e/ou representativas de interesses específicos (setores industriais, bancários, latifundiário). Tanto é como anteriormente afirmamos sobre a importância do nacionalismo para implantação de um projeto desenvolvimentista. Quando lembramos dos ciclos econômico-produtivos bastante especializados pelos quais o país passou, como o do algodão e café, principalmente, verificamos o papel do apoio do Estado para seu aporte, portanto seu sucesso capitalista, por assim dizer. Também é neste sentido que, com outras demarcações (sociais) o Estado se apresenta numa frente neodesenvolvimentista. Consideremos neodesenvolvimentismo como o programa político referente a um desenvolvimento que seria possível inserido no capitalismo liberal. Após todas as mudanças estruturais e a perda de poder do Estado frente às decisões econômicas (ou ainda se considere seu alinhamento ao projeto neoliberal) com toda a reviravolta e desestruturação do aparelho de Estado que foi o período neoliberal (entre 1990 e 2002, aproximadamente). Ao seguir as prescrições internacionais de abertura da economia e privatizações, as possiblidades do que podemos denominar protagonismo do Estado se dão em meio a essas condições. Dão-se nestas condições, pois no processo de transição democrática houve sua inconclusão, ou seja, não se democratizou o poder econômico no Brasil, isso significa que não democratizou sistema bancário, nem propriedade de terras, meios de comunicação, ou sistemas empresariais e industriais (SADER, 2013, p. 137).

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Márcio Rogério Olivato Pozzer (2014), com maior otimismo que Boito Jr. (2012), compreende que a intervenção do Estado, posta como período neodesenvolvimentista (abrangendo os governos Lula e Dilma) é uma nova concepção de atuação, quando se esbarra na crise do Estado desenvolvimentista, como também do modelo neoliberal devastador, presente ainda na década de 1980. No contexto da América Latina, essa guinada de concepção política e de gestão que se coloca à frente (emergência e ganho de força dos movimentos de esquerda) passa a representar-se pela conduta proativa de seus Estados/governantes no que se refere ao crescimento econômico/ sua retomada, somando-se a isso a redução de pobreza e desigualdades sociais, no período em questão, pela valorização de políticas sociais (POZZER, 2014). É a própria imersão em uma contradição, no sentido do governo, ao se posicionar ante a favorecer o capital e ao mesmo tempo a classe trabalhadora, que se poderia compor por um misto de interesses conflitantes a encenar alguns direcionamentos no intuito, sobretudo, da recuperação econômica do país. Seria composta pela elite burguesa brasileira, na posição de comando, pelo operariado urbano e rural (campesinato), por setores da baixa classe média, além de subempregados, desempregados, etc., com o plano partidário do Partido dos Trabalhadores (PT). “Foi um partido criado pelo movimento sindical e popular, o PT, que retomou a proposta da intervenção do Estado em prol do desenvolvimento do capitalismo brasileiro (BOITO JR., 2012, s/p.).” Interessante salientar que, a partir do momento em que o Partido dos Trabalhadores alcança a presidência da república, há uma ressignificação, a nosso ver, das propostas de desenvolvimento para o país, mesmo que, em via de mão dupla e perpetrada por interesses capitalistas, obviamente, num panorama de propostas de recuperação econômica, com foco nos agentes capitalistas nacionais. Foi um período onde estas propostas se fizeram (com movimento de esquerda) inserindo maior alcance popular, expandindo o potencial de consumo de classes sociais menos favorecidas, seja pela expansão do crédito, seja por políticas compensatórias de transferência de renda direta como o “Bolsa Família”. Pozzer (2014, p. 2-3) esclarece, frisemos, que “com a eleição de governos de centro-esquerda com fortes preocupações sociais, foi possível a adoção de um novo modelo de desenvolvimento com a intervenção ativa do Estado, mas com respeito ao mercado”. Vemos nisto o espaço para maior diálogo, na gestão dos conflitos e interesses

47 sociais diversos e divergentes, entre capital e trabalho, burguesia e proletariado, na priorização a nível nacional. E o PT faria oposição ao capital internacional, com o enfrentamento do partidarismo ortodoxo, conservador e neoliberal, reconhecido pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Boito Jr. e Berringer (2013) explanam que, a despeito da denominação (“PSDB”), a caracterização dessa frente se dá pelo mando do grande capital financeiro internacional, “a fração da burguesia brasileira plenamente integrada a esse capital, a maior parte dos grandes proprietários de terra e a alta classe média do setor público e do setor privado (p.31)”. Assim, temos o neodesenvolvimentismo (prefixo “neo”) porque haveria uma diferença daquele desenvolvimentismo vivenciado a partir dos anos 1930 e solapado nos anos 80, se caracterizando por ser o desenvolvimentismo inserido em um contexto de globalização econômica, com predomínio do capital financeiro. Também é preciso se ater à significação de desenvolvimentismo no cenário político e econômico de um país dito em desenvolvimento, como o Brasil. Essa escolha de governar, por assim dizer, se faz por opção ao crescimento econômico do capitalismo nacional, mesmo que ainda inserido em políticas e contextos neoliberais. Podemos elencar alguns pontos explicativos do neodesenvolvimentismo, no século XXI: - Frente política formada pela burguesia nacional (ou com coalizões importantes no rumo de seus interesses); - Respaldo da classe trabalhadora (classe média-baixa, o dito campesinato ou componentes da agricultura familiar, proletariado urbano etc.) para o exercício deste poder; - Processo de enfrentamento com o campo neoliberal ortodoxo (Boito Jr., 2012), o que corresponderia ao grande capital financeiro, a parte capitalista/burguesa nacional cooptada/controlada ou integrada, por assim dizer, a esse capital, como também alta classe média e grandes detentores de terra, sejam eles ligados ao setor público ou não. A partir dos anos 2000 (2003, mais precisamente), nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, as políticas econômicas e sociais se direcionaram da seguinte forma, portanto: - Recuperação do poder de compra do salário mínimo e de transferência de renda, fazendo com que a massa da sociedade pudesse consumir mais, estimulando o comércio interno, e aumentando a oferta de crédito.

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- Incremento nos investimentos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) às empresas nacionais, com taxas subsidiadas. - Apoio às empresas instaladas no Brasil para exportação de mercadorias e capitais. - Redução da taxa básica de juros, com a desvalorização do real, tornando mais barato investimento produtivo nacional e mais caro importar. Sader (2013), seguindo em outra direção, vai denominar esse período que abrange os governos petistas como pós-neoliberais, afirmando se tratar uma reação antineoliberal, traços estes de que foram priorizadas políticas sociais ao invés de ajustes fiscais, também os progressos de integração regional, recompondo o Estado enquanto indutor do crescimento econômico e de distribuição de renda. É por isso que, apesar de não haver, de modo algum, rompimento com o liberalismo econômico proveniente do capitalismo global, seus atenuantes apontam uma variação no que diz respeito à conjuntura. Beneficiando enormemente a burguesia nacional, no entanto, algumas escolhas foram ao encontro a um distributivismo que, de pouca monta, ainda foi ponto diferencial se comparado a governos anteriores. Decorrente desse processo, a denominação de neodesenvolvimentismo. E esse modelo denominado neodesenvolvimentismo estaria, assim, relacionado pela dupla pressão existente, de um lado a de Estados imperialistas sobre economias dependentes, subdesenvolvidas, de outro a pressão da classe capitalista/burguesa sobre os trabalhadores (BOITO JR., 2012). Reforçando o que já foi enunciado, “o neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo da época do capitalismo neoliberal (Boito Jr. e Berringer, 2013, p. 32)”, assim a ênfase no mercado nacional fica comprometida pelo fato de estruturalmente, em virtude do período neoliberal, especialmente, haver abertura comercial, o crescimento do PIB esbarrar na dívida pública, o parque industrial brasileiro concorrer com imposições e mercadorias produzidas dentro da ordem de divisão internacional do trabalho, a função primário-exportadora16 também se enquadrar neste contexto para gerar divisas. Obviamente há uma inserção muito desigual, onde um Estado de Bem-Estar Social não se realizaria plenamente, já que a capacidade distributiva de renda na sociedade de classes, possuindo em suas coalizões políticas

16Isto faz com que na busca por superávit na balança comercial sejam priorizados setores de exportação/exploração de recursos naturais, tais como minérios, agronegócio, em que o ganho, dentro da divisão internacional do trabalho, se dá pela escala de produção, já que há um baixo valor agregado. 49 diversas disputas de segmentos sociais que incluem a burguesia, elites políticas e mandos globais, não se dá, portanto, da maneira mais justa. É um jogo de poderes, disputas. E o que unifica é o corpo nacional. É a pressão premente frente ao Estado para que este regule até onde pode com relação ao capital estrangeiro, em tempos de globalização, em tempos que o território físico é atravessado por capitais fluidos, voláteis, onde a financeirização parece dissolver as fronteiras. É a busca pelo protecionismo, este é um ponto de união do grande capital interno. Os anos 2000 (até 2015, aproximadamente) representaram uma reinserção ou reaparecimento do Estado em termos de atuação na economia e políticas, inclusive políticas sociais. Boschi e Gaitán (2008) colocam essa formatação como uma agenda neodesenvolvimentista, onde o Estado deve assumir a frente para retomar o crescimento econômico e um desenvolvimento sustentável. Seria a figura de um Estado forte, ainda que compactuado com o capitalismo. Pondere-se que “só o Estado, ancorado em um projeto desenvolvimentista em função dos interesses particulares nacionais e regionais, pode se constituir como regulador das assimetrias de mercado e como garantia das condições de inclusão social (BOSCHI e GAITÁN, 2008, p. 3005-3006)”. A mudança de plano de ação no interior do Estado é o indicativo, se não o instrumento, de ruptura com o modelo anterior de trajetória e liberdades mais centradas no (livre) mercado, presente até o final do século XX. As instituições de Estado passam a se fazer mais presentes no regime produtivo e na intermediação capital x trabalho. Logo:

O neodesenvolvimentismo é definido aqui como um modelo ainda em formação, que postula a construção17 de um espaço de coordenação entre as esferas públicas e privadas, com o objetivo de aumentar a renda nacional e os parâmetros de bem estar social (BOSCHI e GAITÁN, 2008, p. 306).

O Estado, portanto, toma posição com relação à mitigação dos problemas endógenos de desigualdades econômico-sociais, apesar de se encontrar atualmente imerso em um sistema aberto, onde forças exógenas do capitalismo atuam e, em alguns

17Atualmente podemos dizer que enquanto modelo em construção, como citaram os autores em 2008, o neodesenvolvimentismo, tendo apresentado resultados interessantes de intermediação entre capitalistas e classes trabalhadoras, com minimização da exploração do trabalho, ampliação do poder de consumo, dinamizando o mercado nacional, e com a diminuição da pobreza, passa infelizmente a ser interrompido em 2016, configurando um novo regime político de coalizões que desvirtuaram os interesses e ganhos da classe trabalhadora em tão pouco tempo, favorecendo grandes segmentos capitalistas (internacionais, inclusive), com novas ondas de privatizações e desmonte de direitos, se configurando um golpe contra a democracia brasileira (sob o governo de Dilma Rousseff), momento histórico que merece ser estudado e ainda está em processo, calcado em discursos que buscam, lamentavelmente, propagar suas “reformas” no intuito da aceitação das camadas populares severamente atingidas. 50 aspectos, tem comandado dinâmicas ou incidido influências. Diante da globalização, a atuação do Estado é importante no aspecto dessa regulamentação, de impor determinados limites, fortalecendo interesses nacionais. Trata-se de coordenar e visar equilíbrio entre a atuação pública e privada. Após um período de grande crescimento econômico (conjugado a uma concentração de renda e inexistência de um real projeto de reforma agrária), o Estado passou por uma reestruturação, “escancarando” as portas ao mercado internacional, e diminuindo mais e mais sua presença (reguladora) na economia, e em políticas sociais, isto é, a ideia de livre mercado foi mais incisiva neste período referente à década de 1980, e a Constituição de 1988 é um divisor de águas. Inclusive a esse respeito, Boito Jr. (2012) pondera que o resultado do sistema político implantado “foi a alternância entre estagnação e crescimento econômico fraco nas décadas de 1980 e de 1990”, conjugada a uma perda de destaque da burguesia brasileira dentro da economia nacional. Nos anos 2000, com a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, é que o neodesenvolvimentismo ganha contornos, de certo modo. Políticas intervencionistas dentro da possibilidade de um mercado nacional aberto aos investimentos estrangeiros, num jogo voraz de competitividade. É com a crise do Estado liberal que podemos vir a mencionar a proposta de um neodesenvolvimentismo, que estaria a se desenhar (até ser interrompida pelo Golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016). É uma resposta na tentativa de manter o crescimento econômico e promover o desenvolvimento, mesmo que, como salientamos anteriormente, as estruturas estejam cooptadas pelo capitalismo globalizado e haja limites para interposição do Estado, que se devam propor negociações de interesses dos diversos setores que compõem essa frente política. Reconhece-se a importância e o saldo positivo da intervenção do Estado na economia a fim de propiciar o desenvolvimento, ao contrário dos postulados neoclássicos de um livre mercado levado a ferro e fogo. O neodesenvolvimentismo era considerado positivamente após os reveses ocorridos durante o neoliberalismo e a postura aquém do Estado no que tange às camadas sociais mais necessitadas. Como um modelo que ainda estava em formação, o neodesenvolvimentismo surge como a construção de espaço de coordenação entre esferas pública e privada no intuito de aumentar a renda nacional e propiciar o bem estar social nacional, para tanto, equilibrando isto com os efeitos da globalização; há a

51 necessidade de poder participar e criar tecnologias e conhecimentos capazes de serem utilizados na atividade econômica e relações sociais. A ideia de desenvolvimento (neo) remete à perspectiva de projeto nacional, a partir de coalizões de governo e tendo em vista a dimensão regional (Boschi e Gaitán, 2008). Passar-se-ia de atitudes referentes à privatização de empresas e do livre mercado para uma participação ativa do Estado no desenvolvimento (Estado Desenvolvimentista), em que propiciaria ações e políticas mais adequadas para o desenvolvimento como saúde, educação, infraestrutura e tecnologia. Portanto, gastos sociais entrariam nesta pauta, em um recorte temporal de longo prazo. Quando falamos em estabelecer na perspectiva neodesenvolvimentista um projeto nacional, isto se dá por meio não de um nacionalismo exacerbado, como a princípio seria de imaginar, mas um projeto amplamente aceito por setores representativos que tomem a frente para sua execução. Isto implica em olhar internamente e abdicar de modelos prontos de desenvolvimento, indicados por organismos multilaterais, internacionais. Para tanto, ainda, salienta-se a necessidade de componentes políticos e técnicos, também a “centralidade dos mecanismos de coordenação e interesse (BOSCHI e GAITÁN, 2008, p. 310)”. A participação de diversos setores da sociedade (organizações governamentais, empresariais, populares), e seu intercâmbio, deve ocorrer, com a finalidade de um objetivo em comum, como é a perspectiva de crescimento/desenvolvimento econômico. A partir desses pressupostos que se espera o entendimento de um projeto nacional. Como se observou no período nominado populista no Brasil (de 1945 a 1964, aproximadamente), a similaridade no neodesenvolvimentismo vem a se configurar pela caracterização de frente política diversa, isto é, formada por esses diversos segmentos sociais, o que resulta em um jogo de poderes bastante delicado. E, traçando essa comparação e/ou analogia entre os dois períodos, é que se percebe o nacionalismo como um elemento mais ou menos estruturante. Reconhece-se, por exemplo, quando se vislumbram alguns traços da proposta de um neodesenvolvimentismo durante a gestão de Lula no governo federal, justamente a dificuldade de uma coalizão para que a ideia de desenvolvimento em longo prazo se tornasse possível. A heterogeneidade partidária – e o incessante conflito de interesses, bem como a busca por equilíbrio – se constituem, concomitantemente, barreiras e elemento propulsor na arena política rumo ao ideário neodesenvolvimentista. Com relação aos efeitos do governo Lula, os autores Boschi e Gaitán (2008) assim evocam:

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[...] a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores (PT), longe de significar uma quebra, mostrou uma continuidade com a saudável agregação de uma ampliação das políticas sociais dirigidas às pessoas que se encontram na base da pirâmide distributiva. A estabilidade macroeconômica e a participação de atores políticos e empresariais seria a base de um jogo de resultado positivo propiciado pelo presidente Lula, no qual todos ganhariam (BOSCHI e GAITÁN, 2008, p. 315).

Pozzer (2014) explicita que estes ganhos com o Partido dos Trabalhadores à frente da presidência do Brasil se deram, dentro da proposta neodesenvolvimentista, por meio de estratégias tais como os investimentos sendo direcionados à construção civil, gerando empregos, também (ainda nessa concepção tão sabida por nós de “vocação primário-exportadora/agroexportadora”) com estímulo à exportação de commodities valorizadas no mercado internacional, investimentos em qualificação profissional, ciência, tecnologia e ensino técnico, além do mais com o estabelecimento e fortalecimento de novos laços comerciais internacionais, não tradicionais, engendrando novos parceiros econômicos. O foco, antes voltado a países dito de Primeiro Mundo, como Estados Unidos da América e demais da Europa, passou a ser dentro da própria América Latina, incluindo também África e China (que se encontrava em posição de expansão de demandas comerciais), por exemplo. Orientou-se uma parceria de países do Sul, destaque-se, mitigando problemas advindos de crises originadas nestes primeiros que citamos. Uma forma de manter estabilidade, expandindo suas possibilidades de intercâmbio. Dentro destas considerações Pozzer reflete que:

O mandato do Partido dos Trabalhadores tem sido marcado por políticas agressivas de diminuição da pobreza e de distribuição de renda, alcançando resultados promissores nos planos social e econômico. Assim, as políticas públicas, mais conhecidas como de transferência de renda, ganharam papel central, pois foram responsáveis pelo aumento substancial do mercado interno com a ampliação do consumo, favorecendo o crescimento econômico, incluindo comunidades historicamente excluídas e combatendo os efeitos das crises internacionais (POZZER, 2014, p. 3).

Com relação à educação e geração de empregos, podemos salientar, nos dizeres de Pozzer (2014) alguns aspectos que exemplifiquem. Dados do Ministério da Fazenda (2012) indicam que no período de 2003 a 2012 cerca de 18 milhões de postos de trabalho foram criados. No segmento da educação houve ampliação do acesso ao ensino técnico e superior. No ensino técnico, de 565 mil matrículas, em 2002, passou a 924 mil, tendo surgido duas centenas de escolas técnicas, em 2012. Foram também implantadas 15

53 novas universidades públicas, bem como aumento de ingresso no ensino superior através da ampliação de vagas via “Programa Universidade para Todos (PROUNI)”, que concede bolsas integrais ou parciais para indivíduos de classe social baixa em universidades privadas credenciadas (isso significou mais de um milhão de bolsas de estudo). Ainda, “bolsas de mestrado e doutorado oferecidas pelas agências de fomento nacional subiram de 35 mil em 2002 para 74 mil em 2010, ampliando a quantidade de doutores de 6.894 em 2002 para 13.304 em 2012 (POZZER, 2014, p. 5 e 6)”. O sentido prático disto é se constituir como política cuja proposta era aumentar a capacidade intelectual, técnica e tecnológica nacional, reduzindo dependências externas, gerando corpo qualificado para o mercado de trabalho e para as demandas em pesquisas. Portanto, compreenda-se que a agenda neodesenvolvimentista (como se convencionou chamar), ou que pretenda sê-la, terá respaldo num intervencionismo (o Estado deve ser agente motriz do desenvolvimento, e há de se projetar na economia capitalista, visando relativo equilíbrio). A atuação em um modelo de pareceria público- privada, no que tange ao fortalecimento de setores e criação de estratégias para o desenvolvimento nacional sob a égide capitalista também comparecem nisto. E é neste sentido, ademais, que políticas setoriais, territoriais e a perspectiva de integração regional deverão ser traçadas na intencionalidade do desenvolvimento, tendo o Estado como coordenador. Assim, o neodesenvolvimentismo deverá focar primeiramente em fatores macroeconômicos, uma economia e balança comercial estáveis, incluindo capacidade técnica/tecnológica, inovação, associados a um potencial de financiar a produção, gerar empregos, bem como dirigir a setores específicos da sociedade políticas sociais de inclusão. Almeja-se estender o crescimento econômico à esfera social, por isso as políticas sociais devem estar imbricadas ao eixo de crescimento econômico, estabelecendo um mínimo de distribuição de renda (incluindo a medidas de inserção ao mercado de trabalho, que geram independência para os cidadãos). Deste modo, o superávit fiscal (cujo montante apresenta desequilíbrio na década de 1980) é importante para realizar investimentos no crescimento interno e estender os benefícios à esfera social. Entende-se que “somente o Estado pode atuar como protetor dos setores mais desprotegidos das durezas do mercado (BOSCHI e GAITÁN, 2008, p. 318)”.

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O elemento de densidade demográfica, tamanho/crescimento populacional é importante dentro dessas condições de busca por desenvolvimento, pois conduz ao aumento ou manutenção do consumo interno, no sentido de propiciar direitos econômicos à sociedade, inseridos em bases endógenas desta construção. Entretanto, o que ainda se segue é uma diferença bastante grande entre pobres e ricos, demonstrando extremos/ extremidades sociais bastante agudos. Para a consolidação, de fato, do chamado neodesenvolvimentismo não há um modelo de desenvolvimento ou de projeto nacional/intervencionista pronto, até mesmo porque isso corresponde a fatores históricos anteriores de cada país, por exemplo. As bases sobre as quais estão assentadas as formas de governo, economia e sociedade prévias interferem nisto e deverá implicar em caminhos diferenciados, desde que tome para si a obrigação de possuir autonomia na decisão político-econômica e social, tendo em vista um mínimo de bem-estar social em meio ao sistema capitalista. É o que nós poderíamos chamar de necessidade de uma abordagem institucional, à medida que o Estado deve cumprir papel protagonista e não total entreguista. Em um dos pontos também acerca desta questão de desenvolvimento na época que enquadrou os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Bresser- Pereira tem alguns apontamentos um pouco diferenciados do que até então aqui foi apresentado. Pfeifer (2013), inclusive, faz a ressalva de que a abordagem do economista trata o neodesenvolvimentismo com a nomenclatura de “novo desenvolvimento”, em que se determina e se tece sua significação aproximadamente com as mesmas considerações que autores mais críticos da ideia do neodesenvolvimentismo. Assim, o Novo Desenvolvimentismo se caracterizaria por se constituir em receituário básico de medidas tanto macro quanto microeconômicas, em que essa coalização de forças entre diversos segmentos sociais é ressaltada, e a dirigência se faria em prol do segmento industrial, isto é, um posicionamento da burguesia nacional perante todo desgaste vivido pelo neoliberalismo ferrenho e pela globalização. Bresser-Pereira entende que a nova roupagem/abordagem que ele denominou de Novo Desenvolvimentismo (inserido na Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento enquanto teoria) foi explicitamente a estratégia de recompor o capital/capitalista nacional, vislumbrando-o enquanto a saída para a estagnação econômica do nosso país, bem como de outros países circunscritos à subjugação da

55 exploração do trabalho dentro da divisão internacional do trabalho, digamos, então, outros países subdesenvolvidos da América Latina, por exemplo. Destarte, Pfeifer (2013) reconhece nas teorizações de Bresser-Pereira a aceitação do capitalismo e a representa nas formas possíveis. Ou seja, na inevitabilidade de se esquivar do sistema político-econômico vigente, há que se considerar que este pode se travestir de maneiras diferentes (a depender da figura do Estado como regulador), como foi o desenvolvimentismo, o liberalismo, Estado do Bem-Estar Social, sem nunca mudar o sistema em si. Da mesma maneira, haveria as gradações em que este se imporia nos diversos Estados-Nações, do mesmo modo que haveria entre os diversos agentes capitalistas destes uma espécie de competição e/ou hierarquia, em que o Estado teria papel relevante. Sampaio Jr. (2012) compreende o neodesenvolvimentismo através da ideia de continuidade do desenvolvimentismo, mas ainda sim existindo aspectos ideológicos distintos dados pelos dois momentos históricos, havendo diferenças, portanto, dentro do pensamento econômico paras as expressões. Pondera-se que, destarte, o desafio do neodesenvolvimentismo (ou novo desenvolvimentismo) é combinar, conciliar aspectos do desenvolvimentismo com o do período mais recente de forma positiva, seja encarando a busca por competitividade internacional, austeridade fiscal, estabilidade da moeda e câmbio, equilíbrio com as relações de internacionalização do capital, atrelado à busca por crescimento econômico, distributivismo e políticas sociais, mantendo seu papel regulador na economia. O crescimento econômico, dentro dessa perspectiva entendida seja como neodesenvolvimentismo ou novo desenvolvimentismo, além de não conseguir se desvincular da matriz agroexportadora, ampliou sua dependência. Ainda no desenvolvimentismo de Vargas e mesmo com os projetos de industrialização nacional (modelo de substituição de importações), bastante enfáticos durante os anos 1950, as commodities sempre fizeram parte da dinâmica econômica do país (BOSCHI e GAITÁN, 2008). Aspectos atinentes ao setor sucroenergético e à cana-de-açúcar, enquanto considerada importante para a economia brasileira, serão abordados no capítulo seguinte. No entanto, antes disso buscamos apresentar uma visão rápida sobre os pequenos municípios, pela sua importância e por ser grande o número destes no Brasil, a fim de estimular o pensamento sobre suas possibilidades e/ou limitações para o desenvolvimento (social e econômico), podendo oferecer algum subsídio à proposta de discorrer sobre Caiabu/SP ao finalizar esta dissertação.

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1.5. Pequenos municípios e desenvolvimento “Cidadezinha cheia de graça… Tão pequenina que até causa dó! Com seus burricos a pastar na praça… Sua igrejinha de uma torre só.

Nuvens que venham, nuvens e asas, Não param nunca, nem um segundo… E fica a torre sobre as velhas casas, Fica cismando como é vasto o mundo!…

[...]

Lá toda a vida poder morar! Cidadezinha… Tão pequenina Que toda cabe num só olhar…”

(A rua dos cataventos, Mário Quintana, 1958)

Bem sabemos que nos períodos mais democráticos vividos no Brasil se obteve níveis de gestão mais descentralizados administrativa e politicamente. Klering, Kruel e Stranz (2012) afirmam que houve maior viabilização de emancipação de localidades, o oposto do vivido em períodos mais autoritários e centralizados. Com isso, diversos pequenos aglomerados (urbanos) passaram a se emancipar, dando origem a grande número de municípios pequenos em porte populacional. Os 5.564 municípios brasileiros, onde se distribuem os cerca de 208,4 milhões de habitantes (Projeção de População – Revisão 2018) podem ser considerados, segundo os autores citados, como unidades autônomas, em que haveria de se destacar a conformidade com os objetivos presentes na Constituição Federal (constantes no artigo 3º, Título 1), em que se cita a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem comum, sem preconceitos de origem, raça, gênero, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Incluem-se na Carta Magna, no texto direcionado aos municípios (artigo 30), as seguintes prerrogativas: legislar questões de interesse local; criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; prestar e/ou tratar da concessão/permissão do transporte coletivo local; manter com a cooperação tanto do Estado quanto União o ensino pré-escolar e fundamental (I); atuar no uso e planejamento do solo urbano, etc.

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Assim sendo, devemos entender o pequeno município, a princípio, enquadrado como uma unidade menor da federação onde se pressupunha condições ideais de exercício da cidadania, com possibilidades de acesso à educação, saúde e renda, subentendendo-se o desenvolvimento de seus munícipes. Pelas considerações acima trazidas por Luís Roque Klering, Alexandra Jochims Kruel e Eduardo Stranz (2012) há a possibilidade de se ter um breve vislumbre do patamar descentralizado na gestão do município. Entretanto, ao considerar como emancipar um município, é possível verificar que historicamente talvez se careceu de critérios melhores estabelecidos em termos de sua viabilidade tanto em termos populacionais quanto em questões econômicas e de infraestrutura e aparelhos básicos a serem ofertados à população. Nota-se que regras para se constituir um município não são bem claras, tanto é que no Censo 2010 os três menores municípios brasileiros em termos de população tinham 786 habitantes (Serra da Saudade/MG), 836 habitantes (Borá/SP) e 956 (Araguainha/MT), segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Em 1965 Borá foi emancipado como município, Serra da Saudade em 1963 e Araguainha em 1964. Enquanto isso, a capital paulista, por exemplo, aglomera uma multidão (cerca de 12.106.920 habitantes)18, junto com ela diversos serviços e infraestrutura. Logo, é passível de se verificar que o Brasil é muito diverso municipalmente, por tantos aspectos, mas também pelo aspecto populacional e área municipal. A diversidade pede meios de gestão diferenciados, supomos aqui, visto que o fator populacional é ao mesmo tempo elemento de atração de investimentos capitalistas e geração de emprego e condição dessa população estar previamente assentada. O objetivo principal do estudo destes autores foi verificar se haveria capacidade de os municípios pequenos realizarem boa gestão, tanto quanto aqueles maiores cuja

18 Segundo publicado em 30/08/2017 no Diário Oficial da União, e veiculado pelo portal R7, São Paulo/Capital é amais populosa cidade, com mais de 12 milhões de residentes, e a lista segue com mais 16 municípios, onde apenas 3 (que possuem mais de um milhão de habitantes) não são capitais, dois localizados no Estado de São Paulo (Guarulhos, ) e um localizado no Estado do Rio de Janeiro (São Gonçalo). A ordem dos municípios brasileiros cuja população supera a marca de um milhão de habitantes, agregando cerca de 21,9% da população brasileira, é a seguinte: São Paulo, Rio de Janeiro (6.520.266), Brasília/DF (3.039.444), Salvador/BA (2.953.986), Fortaleza/CE (2.627.482), Belo Horizonte/MG (2.523.794), Manaus/AM (2.130.264), Curitiba/PR (1.908.359), Recife/PE (1.633.697), Porto Alegre/RS (1.484.941), Goiânia/GO (1.466.105), Belém/PA (1.452.275), Guarulhos/SP (1.349.113), Campinas (1.182.429), São Luís/MA (1.091.868), São Gonçalo/RJ (1.049.826) e Maceió/AL (1.029.129). (Fonte: https://noticias.r7.com/brasil/veja-a-lista-das-cidades-mais-populosas-do-brasil- 30082017) 58 posição na rede urbana lhes confira maiores condições de se fazerem atratividade para empreendimentos econômicos, industriais etc. Com dados da Confederação Nacional dos Municípios do Brasil (CNM), os autores consideram fazer uma avaliação de gestão dos municípios, em que se considera a responsabilidade fiscal, social e de gestão. Ao considerar os pequenos municípios, entende-se a Constituição Federal aprovada em 1988 como um marco no processo de redemocratização, e ao se constituir enquanto instrumento de descentralização sua proposta é entendê-la como forma de aproximação do governo e população, e não pura e simplesmente a implementação de determinações “de cima para baixo”, assim seria, então a suposta garantia de maior participação da sociedade civil na tomada de decisões para si, incluindo os pequenos municípios, ou seja, a independer de seu porte. Ou seja, tratou-se de aprovar na Constituição de 1988 os anseios de valorização da escala local que marcaram os processos decorrentes da redemocratização que teve como um de seus momentos de grande destaque o movimento "Diretas Já" em 1984. Márcio Tavares (2006, p. 5) pondera que “esse cenário de autonomia e descentralização administrativa estabeleceu novas responsabilidades aos municípios, bem como a necessidade de uma nova atitude dos governantes diante das demandas locais, sendo elas políticas ou sociais”. A descentralização político-institucional como desagregação de poder teve como consequência a emancipação político-administrativa de muitos municípios pequenos, cujos objetivos vão desde a busca por melhor gestão e participação social até a prevalência de interesses de agentes hegemônicos e personagens políticos com interesses setoriais e/ou corporativos. Um problema da viabilidade da criação desses municípios e, então, da proposta de fragmentação e/ou particularização para gestão dos municípios e maior entendimento de suas necessidades locais é o fato de muito deles depender, em grande parte, dos repasses diretos de recursos financeiros do governo federal. Assim, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) tem sido grande responsável pela manutenção dos inúmeros pequenos municípios que foram sendo criados, sobretudo após 1988. Na área referente ao dinamismo econômico pode-se apontar as deficiências, onde os setores são pouco variáveis, e geralmente a inserção na rede urbana, consequentemente, se dá enquanto os chamados centros locais dentro da proposta teórica de Christaller, assumindo papéis secundários e dependentes a centros/cidades maiores. Em educação e saúde, a aproximação (geográfica e em termos de tratamento

59 mais direto para a população) pode ser considerada uma melhoria, em princípio, segundo Klering, Kruel e Stranz (2012). Para se entender como houve um “surto emancipatório” podemos recorrer aos dados referentes ao número de municípios brasileiros numa faixa temporal, a título de comparação, o que na prática evidencia as consequências do processo de descentralização político-administrativa. Vejamos, aproximadamente, o número de municípios existentes entre 1940 aos dias atuais, de acordo com o IBGE.

Gráfico 2: Evolução no número de municípios brasileiros (1940-2018)

6000 5507 5564 5570

5000 4491 3952 3974 4000

2766 3000 1889 2000 1574

1000

0 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2007 2018

Fonte: IBGE.

Como observamos, entre os anos de 1990 a 2018, foram criados 1079 novos municípios (por processos de emancipação de distritos e desmembramentos). No entanto é possível de se observar também que este processo de criação de municípios vem de antes, onde podemos considerar a composição anterior em área, que era muitíssimo maior, se fragmentando ao longo do tempo, de modo que supomos que essa fragmentação tenha auxiliado os fins administrativos/de gestão. Em se pensando de um modo geral, no entanto, as desvantagens dessa eclosão de municípios se estabelece à medida que os recursos financeiros do novo munícipio (com baixo dinamismo econômico) passam a não ser suficientes, assim como, então, no processo gestor a falta destes recursos e/ou de proximidade e vias de acesso dificulta a contratação de profissionais especialistas em algumas áreas.

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Assim, o que supostamente poderia ser vantajoso pela escala mais localizada, se torna complicado, além de que pode ser algo que implique em aumento nos custos de operação do público e às vezes o pensamento do gestor público destes pequenos municípios esteja sim focado no local, mas possa não estar compassado com uma visão mais ampla, como regional, territorial, que contemple a noção de conjunto em suas políticas e medidas. Conforme considerações gerais da Confederação Nacional dos Municípios (2011), o Índice denominado de Responsabilidade Social, Fiscal e de Gestão (IFRS) poderia avaliar os aspectos que lhe dão a denominação. E surpreendentemente, de início, este índice, na média, no ano de 2009, em que Klering, Kruel e Stranz (2012) apresentaram análise em seu artigo, mostrou que municípios com porte populacional até 3000 habitantes comparativamente aos outros portes delineados apresentaram a melhor média, 0,510, num índice que varia entre 0 a 1000. (a média, no entanto, fica próxima de municípios contemplados na amostragem do estudo com porte populacional superior a cem mil habitantes, de modo que as diferenças do indicador não são tão grandes)19. Um posicionamento comum no pensamento geográfico e sociológico ao pensar os municípios menores na rede urbana tem sido como as que Fresca (2010) considera, alguns sistematizam esta classificação em que a população urbana não ultrapasse 20.000 habitantes, como Maria de Nazareth Baudel Wanderley. Aspectos que envolvem a discussão de cidade local, pequenas cidades/municípios, municípios rurais, entre outras acepções comparecem como questões que merecem ser consideradas. Paula e Silva e Ferreira (2012), complementarmente a isto, trazem à tona a discussão da importância do rural para os pequenos municípios, como se entende imbrincado o campo e a cidade e as ruralidades existentes. É importante frisar que as prerrogativas e definições do que seria cidade e do que seria campo remetem à Lei 311, do ano de 1938, cujas determinações giram em torno da definição do perímetro urbano, das legislações municipais e interesses de agentes locais.

19 Algumas observações em torno disso devem ser feitas: em 2009 foram analisados 5.231 municípios, ou 94% do total dos municípios brasileiros, dentre os 30 primeiros posicionados no ranking desta análise, dez foram municípios pequenos (com até dez mil habitantes), de modo que se constatou também que entre eles não se listava nenhuma capital nem município com população superior a 1 milhão de habitantes. Logo, para os autores que apresentaram tais conclusões, fica anotado o fato de que grandes aglomerados humanos/urbanos não são sinônimos de desenvolvimento social e qualidade de vida, em sentido mais amplo, sendo então possível isso em pequenos municípios desde que tenham certas condições, ao que inferimos a disponibilidade de empregos para a população economicamente ativa (PEA), vista como uma necessidade premente da manutenção social e familiar. 61

De maneira geral, urbanidades e ruralidades coexistem e mostram as resistências de um espaço no processo de transformação em outro. As linhas de separação não são pura e simplesmente delimitadas com precisão cirúrgica. Assim, temos que urbanização pode ser tomada como frágil em alguns contextos, estados, ou recortes espaciais, a partir do momento que se concentra a população e as funções majoritariamente urbanas, conferindo dinamismo e onde os setores terciário e secundário são mais amplos, como se pode verificar, em pequeno número de núcleos, nas capitais, mais expressivamente. Em alguns destes espaços se carece, no conjunto, de aglomerados urbanos de certo porte, de modo que funcionem como polos dinamizadores regionais (WANDERLEY, 2004), bem como é a proposição de algumas sedes regionais/administrativas, em que se tente suprir necessidades da sociedade contemporânea de maneira mais satisfatória e mais próxima destes núcleos menores. Em adendo, podemos afirmar o que Faria toma como parte do processo de urbanização brasileira, acelerado em poucas décadas, a de que estes setores terciário e secundário, por não terem a ampla capacidade de absorver esta nova população urbana, faz desembocar no agravamento da pobreza e exclusão social urbanas no Brasil contemporâneo, com insuficiência dinâmica dos setores urbanos modernos (FARIA, 2008, p. 216).

[...] a ocorrência desta insuficiência dinâmica em condições de pressão demográfica nas áreas urbanas acarretaria um crescimento hipertrofiado do setor de serviços e, mais particularmente, do subsetor de serviços e do pequeno comércio que, assim, crescem de modo anômalo, em bases precárias, com baixa densidade de capital, baixa rentabilidade, níveis inadequados de desenvolvimento legal e institucional, instabilidade ocupacional e baixos salários (FARIA, 2008, p. 216-217).

Ademais, Wanderley (2004) destaca que se pode observar, dentro do processo de urbanização, portanto, concentração de habitantes em municípios considerados principais, como nas capitais brasileiras e, então da população urbana nestes. Porém, o número de pequenos municípios é bastante grande.20 Permitindo-nos voltar a pensar as ponderações apresentadas mais de início, cuja média do Índice de Responsabilidade Social, Fiscal e de Gestão (IFRS), apresentados por Klering, Kruel e Stranz (2012),

20 A esse respeito a autora utiliza como exemplo o Estado de Pernambuco, afirmando que apenas 1.155.113 habitantes, o que significa 14,6% da população total de do Estado, vivem nas pequenas aglomerações, correspondendo a cerca de 19,1% da população urbana do Estado, e esse conjunto de pessoas está distribuído em 139 municípios ou 75,1% dos municípios pernambucanos (onde 94 possuem menos de 20 mil habitantes e o restante entre 20 mil e 50 mil habitantes). 62 indaga-se a respeito das funções urbanas dos municípios, referindo-se à existência das atividades econômicas nas cidades e na composição e qualidade de seu aparelho administrativo (gestão administrativa e financeira, se provém exitosamente acesso à saúde, educação, saneamento básico [esgoto e água tratada], entre outros serviços, para seus munícipes). Fato a considerar é que devemos pensar na urbanização como um processo amplo e gradual, cujas características diferem. A pergunta é: esse processo de urbanização é completo, ele significa a seus moradores mais a localização de sua moradia dentro das formalidades de definição do perímetro urbano ou isto significa um acesso amplo à infraestrutura, mobilidade, serviços diversos de saúde, educação e lazer, além de empregos para a população economicamente ativa? Talvez seja esta a questão mais premente e que preocupa os gestores e população dos pequenos municípios e com características marcadamente rurais. Maria N. B. Wanderley (2001) ressalta os pequenos municípios brasileiros como o lugar dos rurais. Isto é, configurações espaciais como o relativo aparelhamento de infraestrutura, serviços e empregos urbanos denotariam sobremaneira um mundo rural, apesar das convenções de se determinar suas sedes como cidades. O modo de vida e a dependência com atividades com o rural corroborariam suas considerações. Isto equivale dizer que sua experiência urbana é frágil, segundo a mesma autora. Outra consideração é justamente o panorama de distribuição desigual da população no país. Com relação a este assunto da distribuição da população no território brasileiro, bem sabemos que o processo histórico de ocupação a partir da chegada das caravanas portuguesas, colonização e escravização, por si só, explica muita coisa, mas não é só isso. Além da franja litorânea e das capitais concentrarem os habitantes de nosso país, temos outras cidades que sobressaem na rede urbana, constituindo-se como cidades médias, graças a sua importância em termos de oferta de serviços urbanos, educacionais, de saúde, de atratividade de investimentos que geram empregos etc. A própria condição de gestão de uma circunscrição cria condições e concentra recursos em determinadas áreas a fim de atender seu entorno. Pois bem, assim temos que poucas cidades/municípios concentram enorme contingente no Brasil, inclusive em se pensando nas macrorregiões sudeste e sul, principalmente, população cujos percentuais urbanos tendem a ser maiores. Na contramão desse processo os pequenos municípios/cidades resistem – e em grande quantidade – com seu modo de viver distinto ao ritmo das demais, poderia se pensar em

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“cidades rurais” em muitos casos, e não “cidades urbanas” exatamente. Entretanto, é no que se conceitua processo de globalização que esta configuração altamente diferenciada de municípios e suas funções se pressupõe como um sistema urbano dinâmico e tendendo a uma maior integração, sobretudo a partir das metrópoles paulista e carioca (WANDERLEY, 2001). Já comentamos, de forma geral, a respeito de características do que corresponderia uma cidade, que, a princípio, se entenderia como urbano, logo isto está bastante ligado à disponibilidade e oferta de serviços diversos e infraestrutura. Complementarmente a isso, Wanderley (2001) e Vilmar Faria (2008) apresentam a proposta de Faria de critérios que definiram, em seu modo de ver, uma população como (realmente) urbana. E, logo, se considerarmos, ao modo como está posto, poderíamos definir grande parte da população de municípios, incluindo suas sedes administrativas e distritais, isto é correspondente ao perímetro urbano, como uma população não exatamente urbana, mas com as características de uma cultura e modo de vida próximo ao rural. Faria (2008) então, a respeito justamente do processo de urbanização afirma a característica de que “do ponto de vista ecológico-demográfico o país ainda era „essencialmente agrícola‟ (FARIA, 2008, p. 191)”. Neste período 4/5 da população brasileira vivia em aglomerações menores, sejam elas áreas rurais, vilas ou pequenas cidades, cuja população era inferior a 20.000 habitantes. O autor ressalta que “mesmo na região industrialmente mais desenvolvida do país, apenas 30,4% da população vivia em cidades de mais de 20.000 habitantes (FARIA, 2008, p.192). O processo de urbanização, conforme aqui já se enveredou, se deu mais pela transferência/migração de massas populacionais do campo para a cidade, no sentido, então, do campo, perímetro rural, para a cidade, perímetro urbano, por isso Faria (2008) indica como “urbanização numa denominação bastante restritiva21”. Entre 1950 e 1980 este processo se acelerou de tal forma que 50,6% da população do Brasil no ano de 1980 residia em cidades com mais de 20 mil habitantes (com crescimento anual da população total no período compreendido de 2,86%, e da urbana de 5,64%). É esta questão que Wanderley lembra ser de difícil resolução em termos de conceituação, até mesmo porque devemos considerar que a realidade urbana e rural

21 Nas palavras de Faria (2008) a definição restrita de população urbana compreende as pessoas vivendo na sede urbana dos municípios, em que se considera como cidades sedes municipais com mais de 20 mil habitantes. 64 brasileira é diversa, não obedecendo a padrões lineares, o povoamento e densidades demográficas díspares, as dimensões continentais, as culturas e condições ambientais também altamente múltiplas. Assim, é que paira a reflexão acerca do que Faria definira de pequeno município, considerando alguns elementos usuais para isto, como o critério censitário, o de população superior a 20 mil pessoas situadas na sede urbana do município e o de 20 mil em área urbanas do município. Se considerássemos à risca estes dois últimos critérios ignoraríamos organizações sociais, cuja população total, distribuída entre campo e cidade, em alguns casos, não ultrapassa 10 mil pessoas, ou ainda está próxima à estimativa de Caiabu/SP (que é de 4.072 habitantes). Portanto, os pequenos municípios são assim considerados dentro de critérios que remetem à Lei de 1938, de modo também que o IBGE contabiliza a população urbana e rural de acordo com seu perímetro delimitado, independentemente de áreas estarem efetivamente urbanizadas ou não, de possuírem equipamentos urbanos ou não. Falar sobre os pequenos municípios nos leva a levantar a problemática de seu desenvolvimento e da geração de empregos, bem como quanto à dependência de repasses financeiros do Governo Federal (e Estadual), como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Consequentemente há a necessidade de se pensar em políticas públicas, cujos limites do presente trabalho não dariam conta.

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CAPÍTULO 2 – A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL SUCROENERGÉTICO E AS IMPLICAÇÕES POLÍTICAS, SOCIAIS E AMBIENTAIS

Quando passamos a discutir a respeito de agroenergia e etanol, além de aspectos históricos ainda referentes ao período colonial no Brasil, com os engenhos e configuração do país subjugado à metrópole portuguesa, temos um período bastante importante que se trata do início do século XXI, onde há uma retomada no cultivo de cana-de-açúcar e implantação de agroindústrias, concentradas no Centro-Sul, com destaque para o Estado de São Paulo. As explicações para tanto são encontradas por um contexto nacional, também podem ser atribuídas a elementos internacionais que ciclicamente remontam meados dos anos 1970. O auge do PROÁLCOOL no país, quando da sua criação em 1975, se desenhou por aspectos de uma situação de alto preço dos barris de petróleo, combustível fóssil largamente empregado e que, com o controle de sua exploração e de preços através da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que em seus territórios continham e controlavam a maior parte de suas reservas, fez na economia mundial assolar os conhecidos choques do petróleo em 1973 e 1979. Citam Michellon, Santos e Rodrigues (2008) que:

Em meio ao primeiro choque do petróleo em 1973, o governo brasileiro passa a buscar formas alternativas para reduzir a dependência do país ao combustível fóssil e amenizar os efeitos do choque na economia brasileira. Com a deterioração do balanço de pagamentos e aumento da inflação, causados pelo preço elevado do petróleo, o Brasil, que importava 80% da sua necessidade, se viu obrigado a buscar formas alternativas renováveis de combustível (MICHELLON, SANTOS e RODRIGUES, 2008, s/p).

Numa situação de dependência, e de tamanha estruturação do petróleo enquanto matriz energética, isso suscitou muita discussão a respeito de outros possíveis parâmetros, alternativas de organização do capital, também mergulhado em um discurso de sustentabilidade, pelo fato do petróleo não ser renovável. O etanol brasileiro, fabricado a partir da cana-de-açúcar, com maior rendimento se comparado a outros processos e países, devido à sua origem, também às condições edáfico-climáticas cá existentes, pareceu uma boa opção. Foi vigoroso o efeito do álcool na economia nacional, com incentivos federais, e a produção compensava pela alta do petróleo, isto até que a produção e preço do barril de petróleo se normalizassem, alterando tudo. Com a diminuição de subvenções, o

66 preço do petróleo novamente estável, o final do século XX foi marcado por grave crise do setor canavieiro. Entretanto, no início do século XXI novas configurações permitiram pujança mais uma vez à agroindústria sucroalcooleira. Isto ocorreu acompanhado novamente do apoio do governo federal, como também de pesquisas e investimento em tecnologia, com a criação, em 2003, dos veículos flex fuel, por exemplo, tudo embasado em um discurso ambientalista/ de sustentabilidade (o que trouxe o questionamento acerca da queima da palha da cana para o corte, sobre o que iremos falar mais tarde), com a assinatura também do Protocolo de Kyoto no final do século XX. Assim sendo, o contexto mostrou-se favorável para a ampliação da atividade, de sua área plantada e da produção de açúcar e álcool. Importante lembrar que dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento mostram esse incremento da produção da cana-de-açúcar entre 2001 e 2007. Foi um acréscimo de 66,3%; com relação ao açúcar produzido nacionalmente foi de 91,9%; e a de álcool 70,5%. E em se pensando atualmente, as projeções para a safra 2017/2018 no que diz respeito à produção propriamente de cana-de-açúcar são de 647,6 milhões de toneladas22, segundo a CONAB. Isso indica redução de área plantada de 1,5% em comparação à safra 2015-2016, cujo volume foi de 657,18 milhões de toneladas. Mas vista a questão da produtividade23 inerente à modernização comportada e cada vez mais incorporada no complexo canavieiro, isso não significa propriamente uma redução grande na produção. Conforme Alvany Cordeiro dos Santos Cruz, Raquel Aparecida Carvalho Inácio e Rafael Moraes ponderam (2013), desde a crise internacional de 2008, a economia brasileira, incluindo o setor sucroenergético, vem apresentando constante oscilação. E as incertezas do mercado geram quedas nos investimentos, levando à falta de manutenção dos canaviais. A diminuição atual do volume colhido de cana-de-açúcar se dá em virtude da redução de área plantada (de 9,05 milhões de hectares entre 2015/16 para 8,84 milhões de hectares entre 2016/17). O esperado da produção era que o etanol tenha decréscimo de 4,9% (de 27,81 para 26,45 milhões de toneladas nestas duas últimas safras – 2015/16 e 2016/17),

22 Projeção referente a Abril de 2017. 23 Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Pecuária e Abastecimento e Companhia Nacional de Abastecimento, esta produtividade teve um acréscimo de 0,9% (entenda-se capacidade de extrair 73,27 ton./ha., quando antes era 72,62 ton./ha. (http://www.agricultura.gov.br/noticias/safra-de-cana-de-acucar- 2017-2018-e-estimava-em-647-6-milhoes-de-toneladas). 67 enquanto o açúcar se mantivesse quase estável (de 38,69 milhões de toneladas para 38,70). De modo geral podemos assim visualizar a produção de cana-de-açúcar, etanol e açúcar nos últimos anos (tabela 4), de acordo com informações do Ministério do Desenvolvimento, Pecuária e Abastecimento:

Tabela 4: Discriminação da produção de cana-de-açúcar, açúcar e etanol entre as safras 2000/01 e 2016/17 Ano/Safra Etanol Etanol Etanol total Açúcar Cana-de- Anidro hidratado (m³) (ton) açúcar (m³) (m³) (ton) 2000/01 5.584.730 4.932.805 10.517.535 16.020.340 254.921.721 2001/02 6.479.187 4.988.608 11.467.795 18.994.363 292.329.141 2002/03 7.009.063 5.476.363 12.485.426 22.381.336 316.121.750 2003/04 8.767.898 5.872.025 14.639.923 24.944.434 357.110.883 2004/05 8.172.488 7.035.421 15.207.909 26.632.074 381.447.102 2005/06 7.663.245 8.144.939 15.808.184 26.214.391 382.482.002 2006/07 8.078.306 9.861.122 17.939.428 30.735.077 428.816.921 2007/08 8.464.520 13.981.459 22.445.979 31.297.619 495.843.192 2008/09 9.630.481 18.050.758 27.681.239 31.506.859 572.738.489 2009/10 6.937.770 18.800.905 25.738.675 33.033.479 603.056.367 2010/11 8.027.283 19.576.837 27.604.120 38.069.510 624.501.165 2011/12 8.623.614 14.112.926 22.736.540 35.970.397 560.993.790 2012/13 9.695.126 13.778.228 23.473.354 38.357.134 589.237.141 2013/14 11.825.592 16.186.692 28.012.284 37.697.512 658.697.545 2014/15 11.732.804 17.183.477 28.916.281 35.603.958 637.714.365 2015/16 11.218.030 19.274.698 30.492.728 33.508.980 666.304.044 2016/17 10.753.515 15.931.559 26.685.074 37.594.829 632.879.440

Fonte: DCAA/SPAE/MAPA (Valores atualizados em janeiro de 2017).

Baccarin et. al. (2013) citam fatores fundamentais para esse fenômeno, como a aprovação da Lei 10.453/2002 (Lei do Álcool), onde se estipulava uma maior tributação à gasolina (com uma alíquota de R$ 860,00/m³, ao final do ano de 2002, sendo a do

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álcool de 37,20/m³; também parte da arrecadação poderia ser revertida em subsídios de preços, estoque e transporte do combustível álcool, ou ainda se igualariam os custos de produção nas diversas regiões). Houve também o aumento do percentual permitido de álcool anidro à gasolina (entre 20 a 24%, passando a 25%24 atualmente) – Lei 10.203/2001. Foram também os novos aumentos nos preços dos barris de petróleo que passaram a conferir competitividade ao álcool frente à gasolina (o preço do barril de petróleo em 2006 era de US$ 62,88, quando em 1999 era de US$ 17,86, sendo que no início do Proálcool ainda estava a quase alcançar US$ 11,00). O quadro 1 mostra os valores aproximados da década de 1970 até 200525.

Quadro 1: Evolução do preço do barril do petróleo entre 1970 e 200526 Ano US$/barril Ano US$/barril Ano US$/barril Ano US$/barril

1970 1,67 1979 17,25 1988 14,24 1997 18,68

1971 2,03 1980 28,64 1989 17,31 1998 12,28

1972 2,29 1981 32,51 1990 22,26 1999 17,47

1973 3,05 1982 32,38 1991 18,62 2000 27,60

1974 10,73 1983 29,04 1992 18,44 2001 23,12

1975 10,73 1984 28,20 1993 16,33 2002 24,36

1976 11,51 1985 27,10 1994 15,53 2003 28,10

24 Em 2015 este percentual subiu para 27%, se mantendo os 25% para a gasolina premium. 25 Note-se que os dados apresentados por Baccarin et. al. (2013) e pela OPEC (Organization of Petroleum Exporting Countries) possuem algumas discrepâncias, mas isso não prejudica verificar a mudança no preço do barril de petróleo, justificada por diversos fatores, incluindo o controle sobre sua exploração por países árabes (OPEP), aumento da demanda, novas fontes de exploração (aumento da oferta), etc. 26 Estes dados são apresentados por Baccarin et. al. Em complemento, podemos afirmar que em 2008, o preço do petróleo (barril) chegou a ultrapassar o valor de U$ 100,00 (em julho de 2008, cerca de 132,83 dólares, segundo o indexador mundial de preços, sendo que em 2006 estava a U$ 72,45, 2007 por U$ 73,6, em 2009 a U$ 64,67, 2010 a U$ 74,58, 2011 a U$ 107,92, 2012 a U$ 96,75, 2013 a U$ 105,26, 2014 a U$ 105,23, 2015 a U$ 54,34, 2016 a U$ 44,13 e 2017 a U$ 47,66, fazendo referência ao mesmo mês – https://www.indexmundi.com/pt/pre%C3%A7os-de-mercado/?mercadoria=petr%C3%B3leo- bruto&meses=300) . Ainda, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP) se verificou um aumento da volatilidade nos preços do recurso no mercado, gerada pelo excesso de disponibilidade do óleo no mercado, causando ambiente de incerteza no mercado internacional (Boletim Anual de Preços – preços do petróleo, gás natural e combustíveis nos mercados nacional e internacional, 2015/ disponível em: http://www.anp.gov.br/wwwanp/images/Boletim-Anual/Boletim-2015.pdf.) 69

1977 12,39 1986 13,53 1995 16,86 2004 36,05

1978 12,70 1987 17,73 1996 20,29 2005 50,64

Fonte: Baccarin et. al., 2013.

Segundo Baccarin et. al. (2013) quando o preço do petróleo supera US$ 35,00 a produção do álcool a partir da cana-de-açúcar passa a ser compensatória. Em suma, expõem os autores:

Assim, o aumento de 252,1% do preço do barril de petróleo [entre 1999 e 2006] fez com que o álcool se mostrasse, pela primeira vez, competitivo com a gasolina. Em 2003 foram lançados os veículos biocombustíveis, fazendo com que a venda destes carros mais os exclusivamente a álcool passassem de 4,3% do total de veículos leves vendidos no Brasil, em 2002, para um valor entre 80% e 90% em 2007 (BACCARIN et. al., 2013, p. 2).

Acrescente-se a isso números tais como o consumo interno de 16,5 bilhões de litros de álcool em 2007 e 3,5 bilhões de litros exportados no mesmo ano. O mesmo ocorreu com relação à produção e exportação de açúcar (pelo contexto de câmbio favorável entre 2001 a 2004). A União dos Produtores de Cana-de-açúcar (UNICA) mostra que em 2005 e 2006 o Brasil exportou, em média, mais de 18 milhões de toneladas de açúcar ao ano, o que representou 70% da produção total (BACCARIN et. al., 2013)27. A fim de acompanharmos melhor essa trajetória da territorialização do capital sucroenergético, apresentamos nos itens subsequentes um aprofundamento dos períodos até aqui apresentados, partindo da conjuntura da criação do Proálcool até chegarmos ao contexto da primeira década do século XX. Em seguida problematizaremos as consequências sociais e ambientais decorrentes desse processo de ampliação do chamado agrohidronegócio28.

27 Mais recentemente, com relação à safra de 2013/2014 a exportação de açúcar no Brasil foi de 26.629.993 toneladas, na safra/ano de 2014/2015 de 24.244.247 ton., 2015/2016 de 24.681.463 ton., 2016/2017 de 28.286.333 ton. Vide dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) - http://www.unicadata.com.br/listagem.php?idMn=43. 28 O conceito de agrohidronegócio foi cunhado por Antonio Thomaz Jr. como forma de explicar o fenômeno que vem ocorrendo no Centro-Sul do Brasil, uma alusão que permite se referir à área que ele delimita como Polígono do Agrohidronegócio (abrangendo partes dos Estados de MG, SP, MS, MT, GO e PR), onde a expansão da cana-de-açúcar e atividades sucroenergéticas vêm ocorrendo com intensidade nos últimos anos, se aproveitando de suas condições naturais, dentre elas a disponibilidade de água, com o aquífero Guarani, água esta utilizada no processo produtivo do açúcar e álcool, em grande parte exportados, e que não é contabilizada. 70

2.1. Do Proálcool aos carros flex fuel: marchas e contramarchas do setor sucroenergético

O PROÁLCOOL surgiu em um contexto de necessidade, quando o conflito entre Israel, Egito e Síria em setembro de 1973 repercutiu internacionalmente de forma negativa no acesso e preço do petróleo, visto a produção aí concentrada (HOBSBAWM, 1995). O Brasil com grande dependência energética por importação do produto acabou por ter uma pressão inflacionária, prejudicando suas divisas, isto é, o equilíbrio da balança comercial passou a se comprometer, pois ficou demasiado caro importar o produto. Até então se vivia o período do milagre econômico, com altas taxas de crescimento da economia nacional, mesmo que sob um manto de desigualdades sociais. Isto acaba e a partir de então, fundamentalmente em fins da década de 1980, como vimos anteriormente, o sistema capitalista passa a se reestruturar no projeto neoliberal, de modo que o capital busca sua acumulação vorazmente através de mercados financeiros e especulação. Foram cogitadas algumas saídas para a economia brasileira, buscando autonomia, através de programas tais como Proóleo, Procarvão e o próprio Proálcool, que foi escolhido para ser desenvolvido. Ednaldo Michellon, Ana Aracelly Lima Santos e Juliano Ricardo Alves Rodrigues (2008) ponderam os objetivos atrelados à implementação do programa. Economizar divisas, promover a interiorização do desenvolvimento, gerar emprego e renda, evoluir a tecnologia nacional, propiciar o crescimento na produção de bens de capital, também gerando emprego e renda e, sobretudo, diminuir a dependência por combustíveis fósseis importados seriam os pontos norteadores para sua aplicação. O Proálcool teve, assim, segundo os mesmos teóricos, quatro fases enquanto mobilizador da produção de etanol, em destilarias anexas às usinas de açúcar, obtendo respaldo das benfeitorias nas mesmas realizadas pelos programas do Instituto de Açúcar e Álcool – IAA – que modernizaram e ampliaram sua estrutura. De início, entre os anos de 1975 e 1979, sua produção se deu enquanto aditivo à gasolina (álcool anidro), que foi possível através de legislação favorável. À Petrobras cabia a competência de gerir o processo, com a compra, transporte, armazenamento, distribuição e também mistura do álcool anidro à gasolina. Nisto também incluía-se o controle dos preços. O resultado neste período foi de um aumento significativo na produção de álcool, conforme a tabela 5 (Michelon, Santos e Rodrigues, 2008).

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Tabela 5: Evolução da Produção de Álcool por Safra – 1975/76 a 2002/03 Safra Volume Produzido de Álcool (mil m3)

75/76 555,6 76/77 664,0 77/78 1.470,4 78/79 2.490,6 79/80 3.396,4 80/81 3.706,3 81/82 4.240,1 82/83 5.823,3 83/84 7.864,2 84/85 9.252,3 85/86 1.830,5 86/87 10.539,3 87/88 11.458,3 88/89 11.645,5 89/90 11.922,3 90/91 11.517,9 91/92 12.723,5 92/93 11.697,0 93/94 11.285,5 94/95 12.696,7 95/96 12.593,4 96/97 14.392,9 97/98 15.437,1 98/99 13.928,2 99/00 13.011,6 00/01 10.595,1 01/02 11.520,5 02/03 12.471,4

Fonte: ALCOPAR, 2007 apud Michellon, Santos e Rodrigues (2008).

72

Não foram de maior magnitude os resultados deste momento do PROÁLCOOL graças às incertezas inerentes à sua aceitação no mercado, confiança dos usineiros, inclusive, no que diz respeito à possível recuperação do preço internacional do açúcar. No entanto, ainda em 1978, passa-se a ter o carro movido exclusivamente a álcool hidratado junto ao incentivo desse aumento de produção (MICHELON, SANTOS, RODRIGUES, 2008). Num segundo momento, delineado até 1986, aproximadamente, coincidente com o segundo choque do petróleo, em 1979, se tem, portanto, motivações para continuar em vigor o PROÁLCOOL. Tem-se a produção de álcool hidratado, isto é, destinado a carros movidos unicamente a álcool/etanol (o que faz com que o setor automobilístico tenha uma guinada neste sentido).

Tabela 6: Evolução da Venda de Veículos a Álcool – 1982-2005 Ano Número de veículos vendidos 1982 232.575 1983 579,28 1984 565.536 1985 645.551 1986 697.049 1987 458.683 1988 566.482 1989 399.529 1990 81.996 1991 150.982 1992 195.503 1993 264.235 1994 142.015 1995 40.710 1996 7.647 1997 1.136 1998 1.224 1999 10.942 2000 10.289

73

2001 18.335 2002 55.961 2003 84.558 2004 379.328 2005 894.906

Fonte: ALCOPAR, 2007 apud Michellon, Santos e Rodrigues (2008).

Como podemos observar, na tabela 6, em itálico, sobressaem números mais expressivos da venda de veículos movidos a álcool. Enquanto isso, sublinhados nos três últimos anos finais descritos, percebe-se a importância que também teve a circulação de veículos flex fuel a partir de 2003. Neste contexto, a intervenção do governo federal foi no sentido de diminuir alíquotas do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), este de arrecadação estadual, tornando atrativo o uso de carro abastecido com etanol (EDUARDO LUIZ CORREIA, 2007; MICHELON, SANTOS e RODRIGUES, 2008). Além disso, o álcool tinha um teto de preço que não ultrapassaria 65% do valor da gasolina, e os custos de produção de açúcar com relação ao etanol obtivem ponto favorável ao segundo. Correia (2007) afirma que em 1980, por exemplo, o preço da gasolina foi aumentado em cerca de 42%, em termos reais, para conferir vantagem à utilização do álcool, “que é vendido a 59% do preço da gasolina (CORREIA, 2007, p. 4)”. Ao final desse período, há o retorno do equilíbrio do preço do barril de petróleo, o que faz com que o programa decline, em que podemos percebê-lo como peça acessória, de suporte, da matriz energética (MICHELON, SANTOS e RODRIGUES, 2008). Em 1990, com o fim do Instituto do Açúcar e Álcool29, por exemplo, que fora criado em 1933, durante o governo de Getúlio Vargas, e término do PROÁLCOOL em

29 O Instituto do Açúcar e Álcool (IAA), criado como autarquia do governo federal em 1º de junho de 1933 (Decreto nº 22.789), objetivou orientar a produção do açúcar e álcool, controlando a quantidade, preços e matéria-prima no território nacional. Seu surgimento foi um marco do intervencionismo estatal no Brasil, demarcando o período desenvolvimentista, com a forte presença do governo federal sobre a agroindústria e produção combustível, controlando a superprodução de açúcar vivenciada àquele período, sobretudo na região Nordeste. Antes disso, em 4 de agosto de 1931, o Ministério da Agricultura havia instituindo a Comissão de Estudos sobre o Álcool-Motor (CEAM), que pode ser considerada uma das entidades precursoras do IAA. No final da década de 1980 muitas das competências reguladoras da produção sucroalcooleira foram deixando de existir. Em 1990, durante o governo Collor o IAA foi ultimado (extinto pelo Decreto nº 99.240, publicado no Diário Oficial em 08/05/1990), como forma de reformulação do aparelho de Estado, desta vez demarcando o período neoliberal, com desregulamentação 74

1991, obviamente que toda a estabilidade até então oferecida para o setor foi abalada, já que preços sustentados de modo artificial, paulatinamente, deixariam de sê-lo. Grande parte do que era encargo do Estado passa de forma direta à iniciativa privada. Assim, uma desregulamentação, característica do livre-mercado, pôs-se a processo (livre concorrência de preços). Baccarin et. al. (2013) explicam que:

A exportação de açúcar, antes monopólio estatal, passou para a iniciativa privada; o sistema de cotas de produção de cana-de-açúcar, açúcar e álcool por unidades produtivas e por estados deixou de existir; o tratamento diferenciado à produção do Norte-Nordeste tornou-se pouco efetivo e, em 1995, iniciou-se o processo de liberação de preços, que se estenderia até 1999 (BACCARIN et. al., 2013, p.11).

Com isso, aqueles custos de produção, quando não mais em extrema alta o preço do barril de petróleo, se fizeram sentir pesarosos. E toda aquela estrutura que havia sido criada em torno do etanol passa a encontrar problemas. A criação e dinamismo que houve na indústria automobilística de veículos movidos a álcool ficaram bastante comprometidos. O preço do petróleo na segunda metade da década de 1980 ficou em aproximadamente US$ 20/barril, sua produção ascendeu. Por sua vez, em contraponto, permitindo maior equilíbrio nas agroindústrias canavieiras, o preço do açúcar também obteve melhora30, fazendo com que elas direcionassem sua produção com finalidade nesta mercadoria. O resultado dessa conjuntura é que o número de agroindústrias teve redução em unidades, ao mesmo tempo em que a ampliação de sua capacidade produtiva se tornava fato. Finalmente em 2003, toda essa questão da dependência por um combustível fóssil, como o petróleo passa a ter destaque enquanto debate ambiental e político internacional, e a criação dos veículos biocombustíveis (flex fuel) dá respaldo à produção do álcool hidratado e se constitui um meio de se adaptar às oscilações de preço no mercado. Jorge Luiz Gomes Monteiro (2013, p. 90-92) aponta isso como se constituindo por “novas e grandes perspectivas para o setor [da cana-de-açúcar], o que ampliava de forma acentuada a necessidade pelo etanol, acarretando um verdadeiro „boom‟ na implantação de novas usinas no país”.

do mercado e da produção de açúcar e álcool, consequentemente. Isto significou o livre-mercado, apesar de que o financiamento dos usineiros, incluindo dívidas, continuou por outros mecanismos públicos quando se deu o fim desta política setorial, seja pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), seja pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Para mais detalhamentos consultar Fundação Getúlio Vargas (FGV): http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/instituto- do-acucar-e-do-alcool-iaa. 30 A cotação do açúcar na Bolsa de Valores passou de US$ 89,03/tonelada em 1985 para US$ 276,64/tonelada. 75

2.2. Integração vertical das agroindústrias sucroalcooleiras

Para entender a questão da cana-de-açúcar, sua regionalização, é necessário também pensar a sua estruturação enquanto agroindústria. Após o período do PROÁLCOOL, com todo o incentivo federal para o cultivo da cana-de-açúcar e produção de açúcar e álcool, não somente um produto, podemos afirmar que a configuração do setor se tornou ainda mais dinâmica. Embora mais recentemente a participação no mercado financeiro global seja maior, o capital sucroalcooleiro ainda possui concentração baixa e uma integração vertical sobressaltada (produção de matéria-prima e seu processamento em consonância), devido às suas características próprias, quais sejam importantes de se apontar aqui. Segundo Baccarin et. al. (2013), até 2000 a produção dos canaviais estava ligada em mais de 60% às suas usinas e destilarias. Isto é explicado porque o processo produtivo exige certo controle e disponibilidade da matéria-prima de imediato. O processamento da cana-de-açúcar deve ser feito em até 48 horas após o corte (para manter seu rendimento e qualidade na produção de açúcar e álcool), o que implica em pensar numa logística para suas plantas industriais, num limite de tamanho, como também na proximidade com relação às plantações de cana-de-açúcar. Logo, não é comum uma concentração técnica, isto é, a unidade de produção normalmente não contará com capacidade de processamento extremamente grande, em que devam ser percorridas distâncias muito longas, situadas entre ela e os canaviais. O que pode ocorrer é a concentração em termos de empresas que possuam diversas unidades de produção dispersas em áreas onde existam territórios disponíveis e suficientes para o plantio da cana-de-açúcar, ou ainda, com participação acionária, onde vários grupos econômicos podem ter parte no setor. Com relação a esse conjunto de fatores que implicam na integração vertical sucroalcooleira, os mesmos autores acima citados citam o seguinte:  Existe uma baixa relação valor-peso para a cana-de-açúcar, fazendo com que a distância entre ela e as usinas/destilarias não possa ser relevante, para que seja economicamente viável. Com as três carrocerias dos caminhões, e consequentemente o barateamento do quilômetro rodado, ainda há uma distância média entre matéria-prima e produção que tem se mantido.

76

 Supõe-se que a concentração técnica não acompanhe a dinâmica do setor sucroenergético. Ou seja, deverá continuar a ocorrer a busca por diminuição de custos de transporte e aumento da produtividade (através da maior exploração do trabalho, investimento em tecnologia), no entanto não se espera, com isso, que haja diminuição no número de unidades produtivas.  Essa característica que ocorre no setor, ou ainda poderíamos denominar cadeia produtiva, é algo atrelado à história do país, onde no Brasil colonial houve grande importância econômica da cana-de-açúcar (engenhos de açúcar), e onde, em posse de vastas terras, os proprietários dos engenhos também possuíam as terras em que era cultivada sua matéria-prima. Isso “não alterou o fato de o capital agrário e o agroindustrial canavieiro, em grande parte, pertencerem ao mesmo agente social, comumente chamado de usineiro” (BACCARIN et. al., 2013, p.8). Disso, conclui-se que tanto pela própria estrutura social, legislação, pelo passado e condições técnicas é que se vislumbra a integração vertical neste setor para o Brasil. A capacidade produtiva destas agroindústrias cresceu nos últimos anos, seja pelas melhorias técnicas (incluindo mecanização na colheita e plantio, lembrando que cada colhedora mecânica substitui cerca de 100 trabalhadores), seja pelo aumento de exploração do trabalho, inclusive no que tange ao cortador de cana, que para se manter no emprego, historicamente teve de aumentar a quantidade de cana-de-açúcar cortada diariamente, para manter uma média exigida aproximada de dez toneladas ao dia (BACCARIN et. al., 2013, p. 90 e 93). Sabe-se que o setor sucroenergético e suas mudanças tiveram como de fundamental importância o apoio governamental. Como já enfatizamos anteriormente, a consolidação do setor foi graças a um apanhado de circunstâncias, desde a crise do petróleo, legislação, até a emergência de um discurso ambientalista, que perpassou, logicamente, as questões relacionadas à implementação do Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL). Atualmente, no setor, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES – é responsável pelo apoio fornecido. Sustentando a baixas taxas de juros, é ele que é acessado para investimentos no setor (no ano de 2004 foram 604,9 milhões de reais investidos nas agroindústrias sucroalcooleiras, em 2007 já foram 3.592,4 milhões) (BACCARIN et. al., 2013).

77

Recentemente o capital internacional tem penetrado mais no setor, predominantemente nacional, através de instalação de unidades de moagem ou incrementando as já existentes, bem como também por meio de fusões e aquisições31. Júnior Ruiz Garcia, Divina Aparecida Leonel Lunas Lima e Adriana Carvalho Pinto Vieira (2015) afirmam que, em função de perspectivas de consolidação de um mercado internacional, com a expansão da demanda interna e externa e pelo aumento do combustível fóssil, além de que a matéria-prima do etanol brasileiro traz competitividade no cenário internacional, desde 2003 se tem observado a atração de capital externo. Os investimentos diretos estrangeiros ocorreriam à medida que se observasse “aumento da mobilidade do capital, diminuição do custo da informação e a maior dispersão do risco (GARCIA, LIMA, VIEIRA, 2015, p. 166)”. A tabela 7 mostra entre a década de 1990 e 2000 o crescimento no número de unidades de agroindústrias no Centro-Sul do país, principal região de projeção da atividade e a produção aproximada correspondente.

Tabela 7: Número de agroindústrias e produção média de cana-de-açúcar, açúcar e álcool na região Centro-Sul. Safra Agroindústria Produção Média Cana-de- Açúcar Álcool Açúcar Nº Índice 1000 Índice t Índice 1000 l Índice ton. 1999/00 226 100 1197 100 73.973 100 49.727 100 2006/07 260 115 1431 120 99.170 134 64.966 131 2007/08 284 126 1483 124 92.152 125 90.500 182

Fonte: Dados do MAPA (2008).

Verifica-se, assim, que, além de haver uma produtividade maior ao longo do tempo, a própria expansão do setor, com novas unidades (mesmo que às vezes uma empresa controle mais de uma dessas) tem feito parte da evolução do setor.

31 Baccarin et. al. (2013, p. 15) ponderam que uma das características do setor é seu capital ter origem preponderantemente nacional, mas que no século XXI, em função da abertura econômica vivida em fins do século XX e intenso movimento de capitais, ter sucedido a atrair investimentos estrangeiros, que passam a gestar suas atividades empresariais/ industriais, como Cargil, Louis Dreyfus, Adeco Agropecuária, Tereos, Nouble e Infinity Bioenergy. Afirmam também acerca das fusões e aquisições, como forma de expansão, sendo que “enquanto de 1996 a 1999 verificaram-se apenas sete [...], entre 2000 e 2007 saltou para 80 [...]”, em que destaca o Grupo Cosan. 78

Carlos Eduardo de Freitas Vian (2003) ao denominar a atividade e a economia canavieira de “complexo agroindustrial”, com muita propriedade, devido à sua complexidade e integração das atividades que envolvem a produção do açúcar e álcool, reconhece que no período conturbado que envolve o fim de algumas instituições e programas totalmente voltados ao setor, como o IAA e o PROÁLCOOL, ações tais como a auto-organização dos produtores para retirar um bilhão de litros de álcool, aproximadamente, do mercado, reduzindo sua oferta, foram essenciais para que se estabilizassem os preços em alta, conferindo status promissor à safra 2000/2001 (sendo que na safra seguinte houve aumento de 13% da cana-de-açúcar processada, segundo o autor). Assim, há que se conceber um papel importante, quando se passa a constituir uma organização de interesses dos produtores, como a UNICA32, por exemplo. Também o maior tempo para renovação de canaviais, adiar a colheita, diminuir algumas medidas de cuidados da cana-de-açúcar, foi um modo encontrado para minimizar os impactos do momento de crise, por assim dizer (VIAN, 2003). Ainda sobre a integração vertical é necessário dizer que com a nova expansão observada no setor no início dos anos 2000, lembrando a importância dos fatores aqui já mencionados, conjuntamente ao advento de veículos flex fuel em 2003, a integração vertical, apesar de ainda muito preponderante, passa a ser diminuída. Pensamos que, a partir do momento em que se vivencia um período de estagnação no setor pelo restabelecimento do preço do petróleo e de sua produção, se tem também um determinado nível de produtividade mantido e isto implica em alterações da área plantada e mantida pela agroindústria que, como vemos, teria bastante autonomia ao não delegar a terceiros o plantio e colheita, mas através do arrendamento de médio e longo prazos, sobretudo, o fazê-lo, sendo responsável direta por grande

32 A UNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar), criada em 1997, se trata de uma das maiores organizações que representa os interesses do setor de açúcar e etanol no Brasil. O contexto de seu surgimento abarca o processo de desregulamentação do setor no país quando da extinção do IAA, por exemplo, e envolve a aglutinação de diversas organizações setoriais do Estado de São Paulo. Dados de seu sítio eletrônico apontam haver mais de 120 companhias associadas que são responsáveis, por sua vez, pela produção de mais de 50% de etanol e 60% de açúcar no Brasil. É composta por conselho deliberativo, formado por representantes dentre os associados e equipe técnica. Sua atuação se propaga nas áreas de “meio ambiente, energia, tecnologia, comércio exterior, responsabilidade social corporativa, sustentabilidade, legislação, economia e comunicação”, segundo a mesma. Possui escritórios nos Estados Unidos e Europa, abertos respectivamente em 2007 e 2008. Em suma, sua função tem sido fortalecer o setor, através de negociações e pressão junto ao poder público, defendendo, assim, os interesses em comum de seus associados e articulando os mercados. Estas e mais informações encontram-se em: http://www.unica.com.br/historico-e-missao/. 79 percentual da produção de matéria-prima33. Quando esta condição é interrompida pelo aquecimento do mercado, por assim dizer, há um aumento da participação na compra da matéria-prima, a fim de sanar suas novas demandas, mesmo que se busque, ainda sim, manter sob seu controle a maior parte da produção. De tal modo, a denominação “agro-indústria” sucroalcooleira/sucroenergética (como também o pensamento dela emoldurada numa cadeia produtiva) lhe cabe de modo conciso ao conjugar atividades agrícolas e industriais para suas finalidades, resultando, também, na geração de energia pelo aproveitamento dos resíduos dos processos produtivos (bagaço, vinhoto). Na tabela 8 podemos observar em determinado recorte temporal (safra 1999/00 à safra 2006/07) como foi se alterando a produção de cana-de-açúcar pela própria agroindústria, em termos percentuais.

Tabela 8: Produção própria e de fornecedores de cana-de-açúcar – safra 1999/00 à safra 2006/07 Safra Própria Fornecedores Total T % T % t 1999/00 182.939.682 68,5 84.064.283 31,5 267.003.965 2000/01 141.851.450 69,1 63.351.803 30,9 205.203.253 2001/02 160.769.905 66,0 87.737.323 34,0 243.505.228 2002/03 168.719.174 63,5 97.159.193 36,5 265.878.367 2003/04 193.370.576 65,1 103.750.282 34,9 297.120.858 2004/05 198.198.393 61,2 125.855.954 38,8 324.054.347 2005/06 202.618.794 60,6 131.517.849 39,4 334.136.643 2006/07 226.082.163 60,5 147.830.736 39,5 373.912.899

Fonte: Dados do MAPA (2008).

Sucintamente verifica-se que, historicamente, apesar das oscilações dos percentuais da matéria-prima para o etanol e açúcar, a produção direta das lavouras canavieiras sempre superou os 50%, conferindo maior precisão na gestão empresarial e

33 O Estatuto da Lavoura Canavieira fixava teto máximo de 60% da área plantada de cana-de-açúcar poder ser feita diretamente pela indústria, devendo o restante ser adquirido de terceiros (BACCARIN et al, 2013; BERNARDES, SILVA, ARUZZO, 2013). Isso de fato nunca foi seguido. 80 possiblidades de organização logística de sua localização. Há uma integração vertical, com a formatação de um verdadeiro complexo sucroenergético.

2.3. Questões concernentes ao trabalho ao longo do tempo na agroindústria sucroalcooleira

O final dos anos 1990 e a passagem para os anos 2000 tem uma demarcação bem própria para a agroindústria/complexo sucroalcooleira, de onde haverá suas repercussões nas questões do trabalho. Uma superprodução no setor, os preços não remuneradores da atividade, a partir do momento em que se diminuem as instâncias e subsídios públicos federais, e as compensações dos custos de produção por regiões, como também certo controle pelas exportações34, produção e afins, obrigaram se não a uma reestruturação ao menos uma reorganização das atividades em torno da cana-de- açúcar. Em verdade, devemos salientar, o complexo agroindustrial da cana-de-açúcar sempre contou com a colaboração do Estado. Em todos os momentos, historicamente, teve e tem alguma forma de intervenção ou suporte para sua manutenção (e, então, constitui uma representação de interesses, a qual a UNICA faz frente e pressiona em favor de seus interesses). A implementação do projeto neoliberal, em verdade, demarca uma desestruturação com relação à parte trabalhista, podemos assim observar, já que com ela a chamada flexibilização do trabalho, passa a se estabelecida, e “flexibilização” para imensa parte da classe trabalhadora significa “precarização” do trabalho, onde suas relações com empregadores, com os capitalistas, passa a ser desvantajosa, com a retirada dos direitos. Logo, como está presente no primeiro capítulo, esta transição entre períodos de um Brasil mais nacionalista e períodos de abertura econômica/estrangeirização e precarização das relações trabalho x capital, denominado neoliberalismo, não significa, apesar das substanciais mudanças, um abandono por parte do Estado do setor e/ou cadeia sucroenergética. Os financiamentos e subsídios, de alguma forma, comparecem. O Estado nunca foi mínimo para determinados setores capitalistas, e o neoliberalismo passa a ser defendido como forma de desoneração de obrigações trabalhistas.

34 Com a extinção do Instituto do Açúcar e Álcool que controlava a atividade/produção. 81

Baccarin et. al. (2013) e Vian (2003) trazem algumas considerações, tanto a respeito da formatação da empresa e agroindústria quanto das relações de trabalho (daí resultantes em muitos aspectos). Para Vian (2003) houve mudanças institucionais no chamado Complexo Canavieiro, repercutindo nas decisões empresariais e oportunizando novas formas de acessar recursos, o que convergiu em modernização agrícola e industrial. Concomitante a isso, as reflexões de Baccarin et. al. (2013), a partir deste novo contexto, mostram que mudanças organizacionais no que diz respeito à própria tecnificação na indústria são nítidas. A mecanização no corte, na colheita, o que acaba por gerar grandes impactos sociais. Isto vem somado aos discursos e pressupostos ambientais, de modo que acordos para diminuição na emissão de gases do efeito estufa corroborem para o status do etanol como combustível alternativamente mais limpo, passando uma imagem no cenário internacional mais positiva e bem aceita, com a redução (e busca por total supressão) das queimadas na cana-de-açúcar pré-colheita. Quanto às alterações na parte agrícola, Baccarin et. al. (2013) ressaltam que se esperava efeito de composição no emprego agrícola a partir da retomada da produção sucroalcooleira no início do século XXI, o que, em teoria, deveria significar mais empregos, mas isto contrabalanceado pelo que se denominou também de efeito tecnológico. Ponderam os autores que se, por exemplo, áreas de pastagens forem substituídas por canaviais haverá um efeito positivo sobre o trabalho (número de pessoas empregadas), já que a segunda atividade demanda mais mão-de-obra que a primeira. No entanto, se os cortes anuais numa mesma lavoura (com implementação tecnológica e com a finalidade de flexibilizar o trabalho) de cana se ampliam, isto reduziria o emprego (ao suprimir boa parte das atividades de plantio que antes eram realizadas na mesma área). Ou seja, a questão do trabalho vem passando por muitas mudanças e a produtividade passa a ser alcançada junto à redução da mão-de-obra. As mudanças consistiram e vem consistindo, fundamentalmente, pela substituição de muitos trabalhadores pela máquina, para maior extração de mais-valia. Em fins de 1960 o carregamento manual da cana-de-açúcar passou a se realizar por meio de guinchos e tratores. Também neste contexto, com o aumento das carretas nos caminhões de transporte e busca pelo aumento da produtividade, passou-se a ter a queima da palha dos canaviais, o que agilizou o processo produtivo e facilitou o corte

82

(manual), por um lado, e trouxe agravantes, de outro, como na saúde respiratória, e incômodo das cinzas nas cidades e demais áreas próximas (BACCARIN et. al., 2013). No intuito de mitigar os problemas advindos do modo de operar, leis federal e estadual (Estado de São Paulo)35 foram instituídas para que se extinguisse, pouco a pouco, esta técnica. São as seguintes:  Decreto Federal nº 2661, 08/07/1998: com relação à busca por cessar gradativamente o fogo nas plantações de cana-de-açúcar dos complexos agroindustriais, encontramos no Capítulo IV, artigo 16 do decreto, alguns pressupostos. Neste enfatiza-se que enquanto utilizado o fogo como método despalhador e facilitador do corte da cana-de-açúcar terá sua eliminação gradual onde haja possibilidade de mecanização, ao passo de que são consideradas no ato do decreto áreas mecanizáveis aquelas com declividade inferior a 12%. Assim, orienta-se que a redução da queimada seja de pelo menos um quarto da área total mecanizável (da agroindústria), a cada cinco anos. Apesar de não especificar os meios, também comparece o fator da evolução tecnológica, que deve ser revista, para se certificar o que se pode considerar por áreas mecanizáveis ao longo do tempo, e o fator dos impactos sociais (sobre efeitos no emprego), a cada cinco anos.  Lei nº 11.241, 19/09/2002: A lei estadual de São Paulo vai no mesmo sentido, como também deixa transparecer como esta questão ambiental vem a comparecer no recorte temporal proposto, que se estende até o ano de 2031 para 100% da eliminação das queimadas de palhas pré-corte da cana-de-açúcar em áreas consideradas até então não mecanizáveis, em situação de mais de 12% de declividade, enquanto um período menor é estipulado para áreas passíveis de mecanização, ano de 2021. As tabelas 9 e 10 discriminam os prazos e percentuais.

35 Como já deve ter se sobressaído no decorrer do texto, o Estado de São Paulo é um dos mais importantes, na atualidade, na participação do complexo sucroenergético, seguido pelos Estados de Minas Gerais e Paraná. Informações da UNICA. 83

Tabela 9: Proposição de redução gradativa da queima da palha da cana-de- açúcar em áreas mecanizáveis Ano Eliminação da queima (%)

1º Ano (2002) 20% da área cortada

5º Ano (2006) 30% da área cortada

10º Ano (2011) 50% da área cortada

15º Ano (2016) 80% da área cortada

20º Ano (2021) 100% da área cortada

Fonte: LEI Nº 11.241, DE 19 DE SETEMBRO DE 2002.

Tabela 10: Proposição de redução gradativa da queima da palha da cana-de- açúcar em áreas mecanizáveis (com declividade superior a 12% ou menos que 150 ha) Ano Eliminação da queima (%)

10º Ano (2011) 10% da área cortada

15º Ano (2016) 20% da área cortada

20º Ano (2021) 30% da área cortada

25º Ano (2026) 50% da área cortada

30º Ano (2031) 100% da área cortada

Fonte: LEI Nº 11.241, DE 19 DE SETEMBRO DE 2002.

No entanto, há outras variáveis a serem consideradas. O slogan de “combustível limpo, verde, renovável” (e com outros aproveitamentos), ou outras designações, sejam elas quais forem, amplia ainda mais o debate acerca da produção e certificação do etanol. O Protocolo Agroambiental36 tem efeito neste sentido, firmado entre agroindústrias e a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, conferiu uma identidade

36 O Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético (que deverá ser retomado em tópico específico), o qual traz a certificação “Etanol Verde”, cuja proposta é certificar a preocupação ambiental e conferir competitividade, consequentemente no mercado aos produtos/empresas que o possuem, surgiu como parceria entre governo do Estado de São Paulo, Secretarias do Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e setor sucroenergético (representado pela UNICA, a partir de 2007, e pela ORPLANA 84 polida e ambientalmente correta, sobretudo para o comércio exterior, garantido mais competitividade e aceitação no comércio exterior. Essa questão ambiental que busca corroborar o discurso e slogan que se cunham sobre a mercadoria fim etanol (etanol verde) da atividade tem embate direto no mundo do trabalho dentro do complexo agroindustrial canavieiro37. Se uma colhedora mecânica tem a capacidade de substituir cerca de 100 trabalhadores, estes mesmos 100 trabalhadores compõem uma massa social que merece atenção. O que fazer com relação às suas ocupações, como requalificar e garantir emprego? Como fazer com que a pauta ambiental possa estar em consonância com a social? O Decreto Federal que citamos anteriormente traz em seu corpo textual breve apontamento sobre tal problemática. Mas nada aprofundado, em que se possa ter plena convicção e certeza de aplicabilidade. Isto porque ao abordar o assunto deixa a entender que projetos/programas de requalificação e realocação de cortadores de cana que perderam seus postos de trabalho deveriam partir do poder público municipal e da agroindústria que modernize sua atuação. O entrave existe quando os meios ou instrumentos para isso não são bem explicitados, parecendo ficar mais no campo da teoria. Assim, no parágrafo 2, do artigo 16, capítulo 4, se declara:

§ 2º O conceito de que trata o parágrafo anterior deverá ser revisto periodicamente para adequar-se à evolução tecnológica na colheita de cana- de-açúcar, oportunidade em que serão ponderados os efeitos socioeconômicos decorrentes da incorporação de novas áreas ao processo de colheita mecanizada (DECRETO FEDERAL Nº 2661, 08/07/1998, Grifo nosso).

Baccarin et. al. (2013) demonstram muito bem outra característica em termos de emprego quando se trata da agroindústria canavieira, a questão da sazonalidade. Sabendo-se que praticamente todo o trabalho, nas diversas áreas ou setores que a agroindústria comporta, varia muito nos dois períodos existentes de produção, bem demarcados, a safra e entressafra, este segundo quando a produção de açúcar e álcool se

– Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil – a partir de 2008). Seu objetivo, por conseguinte, é a criação de mecanismos que incentivem a sustentabilidade dentro dos processos produtivos, consubstanciados em diretrizes técnicas a produtores e fornecedores de matéria-prima. (http://www.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/). Informações adicionais vide o livro Agroenergia e etanol: questões administrativas e sociais, de organização de José Giácomo Baccarin e Alexandra Filipak, p. 35, 60-61, 2013. 37 A esse respeito retomaremos em outro subitem. 85 restringe/decai muito, o que é muito importante de se considerar, já que a lavoura canavieira é uma das mais importantes atividades agropecuárias do Estado de São Paulo. O Levantamento de Unidades de Produção Agropecuária do Estado de São Paulo (LUPA), referente ao período 2007/0838 aponta que 99.799 unidades de produção agropecuária (UPAs) possuíam cultivo de cana-de-açúcar, equivalente a 30,75% das UPAs recenseadas, e em área 5.497.139,08 ha. Cultivos importantes, como a laranja teriam seus valores correspondentes a 20.720 UPAs (6,38%), com 741.316,00 hectares, sendo considerada cultura permanente, enquanto a cana-de-açúcar temporária. Ainda, a título de comparação, no período do levantamento constatou-se que o feijão estava presente em 10.290 UPAs (3,17%), com área ocupada de 104.153,90 hectares, e o milho em 51.694 UPAs (15,93%) e área de 667.684,57 hectares. O Algodão, por sua vez, com área de 17.889,70, com 315 UPAs (0,10%), e o café com 214.790,00 hectares distribuídos em 23.737 UPAs (7,31%). Em termos generalizados percebemos, com isso, a importância dos canaviais no estado paulista. A título de comparação podemos trazer os dados levantados no projeto referente ao período 1995-96, entretanto, por algumas diferenças metodológicas, sem acompanhar o percentual.

Tabela 11 – Cultivos importantes no Estado de São Paulo e área ocupada Cultivo UPAs (nº) Área (ha) 1995/96 2007/08 1995/96 2007/08 Cana-de-açúcar 70.111 99.799 2.886.312,60 5.497.139,08 Milho 84.910 51.694 1.235.906,20 667.684,57 Laranja 35.883 20.720 865.801,80 741.316,00 Algodão 8.134 315 160.161,00 17.889,70 Feijão 18.056 10.290 162.208,30 104.153,90 Café 28.399 23.737 229.089,70 214.790,00 Fonte: Projeto LUPA – Censo Agropecuário do Estado de São Paulo.

38 O levantamento censitário correspondente ao período alcançou 324.720 unidades produtivas. Demais informações consultar: http://www.agricultura.sp.gov.br/programas-e-projetos/censo-agropecuario-lupa/ ou ainda http://www.cati.sp.gov.br/projetolupa/dadosestado.php. 86

Conforme se apresenta na tabela 11, vemos variações na presença dos cultivos listados dentro do Estado de São Paulo neste lapso temporal de pouco mais de dez anos. A cana-de-açúcar, em ambos os períodos, mostra-se demasiado importante no contexto de São Paulo, isto se revela com o crescimento em área e em número de unidades com o cultivo. É perceptível, ainda, o decréscimo de todos os outros, de acordo com os dados do LUPA 1995/96 para o LUPA 2007/08, especialmente se observarmos o milho e o algodão. Voltando especificamente ao setor sucroenergético, há algumas considerações a se fazer: sazonalidade da produção significa sazonalidade também dos empregos (isso tem impactos também na própria questão da migração de trabalhadores, especialmente do corte de cana-de-açúcar, de outras regiões brasileiras no período de safra). A safra dura, aproximadamente de abril/maio a novembro, e durante esse período (de colheita) o número de trabalhadores tem um crescimento bastante significativo em toda a cadeia produtiva que envolve o açúcar e álcool. Informações do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), de 2007, sinalizaram que o denominado agronegócio sucroalcooleiro possui um faturamento médio anual de aproximadamente R$ 40 bilhões por ano (correspondente a cerca de 2,35% do PIB nacional), sendo um importante empregador, com mais de 3,6 milhões de empregos diretos e indiretos, e abarcando mais de 72.000 agricultores39. Vislumbramos impactos importantes com relação aos empregos gerados na agroindústria canavieira ao longo dos anos com a modernização/tecnificação, sobretudo quanto aos trabalhos agrícolas que envolvem corte e plantio, impulsionados pelas legislações federal e paulista, de modo a especificar e estipular prazos para eliminação de queimadas pré-corte dos canaviais (somado também ao Protocolo Agroambiental), que tendem a se reduzir. O relatório de 2007 do DIEESE (p. 7) traz a reflexão de que o “corte mecânico40 de cana reduziu o número de trabalhadores empregados e diminuiu, também, o poder de barganha dos sindicatos que mobilizavam os trabalhadores através de greves41.

39 Relatório de Estudos e Pesquisas: “Desempenho do setor sucroalcooleiro brasileiro e os trabalhadores” – Ano 3, nº 30/ Fevereiro de 2007. Disponível em: https://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2007/estpesq30_setorSucroalcooleiro.pdf. 40 A título de exemplificação, o relatório (DIEESE, p. 7) explicita a heterogeneidade da situação de mecanização no país, à época dos dados que são apresentados (ano de 2003), da seguinte forma: Estado de São Paulo com índice de mecanização do corte em torno de 40% da área com cana; 39% em Goiás, 87

Algumas considerações mostram que os impactos da mecanização (no corte) da cana tem atingido majoritariamente o Estado de São Paulo. Estima-se que entre os anos de 1992 e 2002, com a redução de empregados no setor, a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) revelou que, de um período a outro, se passou de 770 mil trabalhadores a 510 mil, onde subtende-se maiores efeitos no estado paulista, que responderia a pelo menos 75% da mecanização do país (DIEESE, 2007, p. 19-20). Junto a isso a formalização do trabalho aumentou (mesmo que perpetrado ao desgaste dos direitos trabalhistas do projeto neoliberal). A sazonalidade da produção sucroalcooleira (período de safra e entressafra) implica em conceber certa precarização no conjunto de trabalhadores que ocupam postos no corte da cana-de-açúcar. O PNAD/DIEESE (dados do ano de 2005) traz a estimativa de que havia cerca de 4.907.998 de trabalhadores rurais assalariados, em que apenas 1.573.023 com carteira de trabalho assinada, onde 2 milhões com postos fixos de emprego e contrato por tempo indeterminado, e 1,5 milhão trabalhando ao menos uma vez/ano num período de quatro a oito meses (safra), o que implica nas migrações de grande parte (DIEESE, 2007, p. 17). Um ponto que deve estar presente na discussão é que, ao longo dos anos, a partir dessa premissa de cada vez mais produtividade, consolidada com a mecanização, a intensificação do ritmo de trabalho vem ocorrendo no sentido de manter-se nos empregos ainda “manuais”, o que gera muito desgaste físico, com sua série de problemas. Com a reestruturação produtiva, quando no processo de plantio, antes desse o preparo do solo passa a ser mecanizado, com uso de grades, arados e tratores. Há também o uso de herbicidas (mistura de diversos componentes químicos para exterminar outras espécies vegetais e ervas daninhas), esta atividade é realizada por

18% em Minas Gerais, 31% em Mato Grosso do Sul, 80% em Mato Grosso, 11% no Paraná, 3% no Rio de Janeiro e Espírito Santo e insignificante na região Nordeste. 41 Os rendimentos/remuneração dos trabalhadores tendeu a sofrer uma compressão tanto pelo contexto político-econômico dos anos 1980-1990, com a implementação do projeto neoliberal, aumentando a exploração, quanto por variáveis como a utilizada na reestruturação produtiva das empresas para pagamento da cana-de-açúcar e projeção de seus custos, através da chamada metodologia do ATR (Açúcar Total Recuperável), isto é, um indicador, empregado a partir da década de 1990, que regula os preços da cana e que aponta o rendimento industrial da matéria-prima, sendo os salários reajustados pelo INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor, segundo o DIEESE (2007, p.7). Vian (2003, p. 113) coloca que a visão da UNICA, para o emprego desta metodologia, é “disciplinar as relações das usinas com seus acionistas, evitando que se transfiram recursos da indústria para a agricultura, descapitalizando a primeira [...]”. Portanto, o ATR analisa o teor de açúcares totais recuperáveis que estejam presentes na cana no percurso entre o campo e a usina, obtendo a quantidade aproximada de açúcar e etanol que se poderá produzir a partir desta matéria-prima, atestando sua qualidade, por isso a logística (proximidade entre matéria-prima e indústria processadora) é importante, tendo em vista não perder estes açúcares. 88 máquinas, mas acompanhada por pessoas (e exige muitas roupas e equipamentos de proteção, por conta do grande risco de contaminação, intoxicação aguda e crônica, tornando a atividade muito pesarosa) (BACCARIN et. al., 2013). Ainda sobre o plantio, a abertura dos sulcos, seu fechamento e a adubação já podem ser feitos através da máquina. A colocação da cana nestes sulcos é manual. No entanto, com ritmo orientado pela máquina que realiza estas outras tarefas. E quando falamos de uma premissa de produtividade na colheita, em situações de emprego do corte manual da cana-de-açúcar é que isto fica evidente. Obviamente que a mecanização do corte se torna o ápice do preceito de produtivismo, mas, quando se trata das relações humanas expressas de forma mais direta, o ritmo e a caracterização do corte com o facão nos canaviais é uma expressão contundente. A forma de aumentar o ritmo de trabalhos dos cortadores/canavieiros se dá por meio do pagamento por produtividade, além de serem empregados para isso aqueles que possuem mais aptidão física, sendo a grande maioria constituída por homens (BACCARIN et. al., 2013). Logo se pensa o seguinte: se não se atinge uma meta de corte diário (em toneladas) se está fora do trabalho na próxima safra, por exemplo. Também se torna uma maneira de conseguir “engrossar” a renda salarial ao fim do mês, à custa de grandes esforços físicos que podem levar à exaustão e impactar de maneira grave e recorrente quanto às lesões por esforços repetitivos para o corte de cana, somado isto às condições climáticas das áreas de canaviais, com insolação, desidratação, etc., há também a segurança e o desconforto dos equipamentos de proteção individual (EPIs) obrigatórios (BACCARIN et. al., 2013; THOMAZ JR., 2010, p. 96). Em trabalho anterior (Silva, 2016), recorremos à história oral com dois trabalhadores da usina Alto Alegre (que em realidade produz tanto açúcar quanto álcool, para o mercado nacional e internacional), moradores de Caiabu/SP buscando retratar as mudanças na organização e estruturação da agroindústria de açúcar e álcool. Cada um destes trabalhadores foi contratado pela mesma em períodos diferentes, um logo no início de sua implantação, em 1984, quando a legislação trabalhista tinha outra configuração, menos regulatória; e o segundo nos anos 2000 (2005), com outras especificidades (sacaria de açúcar e tratorista, posteriormente), inclusive com relação à questão da segurança no trabalho. Apesar de ambos não ocuparem os mesmos cargos à época da pesquisa, consegue-se vislumbrar as nuanças de um tempo a outro e a incorporação da tecnologia e mecanização no processo produtivo. Agregue-se a isso um dos propósitos da pesquisa

89 citada, que foi explicitar a migração nordestina na conformação da mão-de-obra no setor sucroalcooleiro, recorrendo especificamente às suas histórias de vida, que representam, de maneira generalizada, a de uma sociedade. Optamos por denominar de entrevistado “A” o primeiro entrevistado, que trabalhou por longos anos no corte da cana-de-açúcar, a fim de caracterizarmos sua história. O sr. “A”. conta que veio do interior do nordeste para trabalhar em São Paulo logo no início de funcionamento da usina de açúcar e álcool Alto Alegre, em 1984, aproximadamente, de onde não se exigia equipamentos quaisquer de proteção, e a empresa não fornecia. Portanto, até que, por atuação do Ministério do Trabalho, os EPIs passaram a ser obrigatórios e de obrigação da empresa seu fornecimento. O mesmo conta que o pagamento por produtividade sempre existiu, se constituindo, no final das contas, numa peneira de seleção de quem permanecia no posto de trabalho, alcançando a cota e sem saber no dia de trabalho qual seria o valor de acréscimo desse pagamento por produção. Isso mostra que paulatinamente houve algumas melhoras nas condições de trabalho, apesar do produtivismo “esmerado”. Assim, podemos considerar com relação ao sr. “A”. que este começou a trabalhar na segunda safra da usina (em 1984), tendo ela surgido em 1983 no município de Caiabu/SP (Fazenda Alta Floresta). O trabalho do corte da cana, inicialmente, para ele se constituiu em contrato de trabalho temporário/safrista, ou seja, trabalhava durante a safra e era dispensado na entressafra, nesse tempo trabalhando em roças de batata no município, como boia-fria (a média de tempo desempregado era de 30-45 dias, mas já chegou a ultrapassar isso para quase o dobro em anos secos). Seus relatos mostram como o transporte de trabalhadores rurais na década de 1980 era, realizado por caminhões, como ainda ocorre muito com boias-frias. Trabalhavam 5 dias integrais na semana mais meio período no sábado. Com relação à proteção, a usina não fornecia equipamentos de segurança, como botas com bico de aço (estas eram oferecidas apenas para os funcionários internos da usina), caneleiras ou luvas. Isto, juntamente com a responsabilidade de levar água, ficava a encargo e custo do empregado, caso ela oferecesse, o empregado pagava pelo equipamento. “Quem não tinha condições financeiras para comprar um par de botas trabalhava de chinelas” (Entrevistado A).

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Os equipamentos de segurança foram “implementados” realmente a partir de 1997, quando a Usina Alto Alegre foi transferida para o município de Presidente Prudente, por conta de exigência e pressão do Ministério do Trabalho. O sistema de trabalho pautava-se no produtivismo. Havia uma cota de corte da cana queimada pré-estabelecido para que os funcionários conseguissem manter-se no emprego (o que era desconsiderado em caso de doença), era em torno de 200m de cana em pé por dia, o que equivalia a 8 ton. aproximadamente. O salário equivalia em 1984 à diária de 3.500 C$, no limite estabelecido dentro da cota; em casos de superá-la, como a maioria dos cortadores conseguia fazer havia um acréscimo variável, em torno de 5 centavos por cada 10m; um fato interessante é que se caso houvesse grande produtividade dos cortadores esse valor no dia seguinte poderia cair, pressionando os salários para baixo, sem nenhum aviso. O registro em carteira chegou dois anos depois (1986), conta-nos o entrevistado A. E desde 1980 havia expressivamente o trabalho feminino no corte da cana-de-açúcar. O maquinário não era presente. E sempre houve uso de veneno, mas observando um aumento vertiginoso no período mais recente, uma das frases registradas foi: “Tem muita árvore seca por aí. Desconfio que seja o veneno”. Atualmente42 a tecnificação no cultivo canavieiro é grande. O entrevistado citou haver na fazenda da usina 20 colhedeiras e 4 máquinas de corte para plantio. No município, houve um decréscimo de trabalhadores rurais do corte da cana, difícil de precisar. Cita-se que num período de dois anos, aproximadamente, restaram 3 ônibus dos 4 utilizados para o transporte de “rurais”, assim, o entrevistado estima que tenha havido uma redução de 1500 pessoas para cerca de 300 nesse setor, referente à região (Caiabu, Irapuru, Santo Expedito – o qual ele destaca como sendo área de grande expansão da cana-de-açúcar –, Adamantina, Presidente Prudente, Regente Feijó, Taciba, Indiana, Lucélia, etc.). É preciso frisar também, segundo seus relatos, que era comum pessoas passarem mal neste tipo de trabalho, seja pela intensa insolação, com queda de pressão, seja pelo grande esforço físico. O senhor entrevistado trabalhou no corte da cana-de-açúcar até 2010, sendo realocado pela empresa para o trabalho no viveiro de mudas nativas (aroeira, angico etc.) para reflorestamento, no qual permaneceu até 14 de janeiro de 2013, período em

42 Consideremos o ano da pesquisa citada, 2013. 91 que encontrava-se de férias, e logo mais permaneceu afastado por motivos de saúde (cirurgia realizada dia 27 de janeiro de 2013), com atestado por tempo indeterminado, vindo a falecer tempo depois em decorrência de câncer. O interessante é que nesse trabalho seguia-se, em relação a cursos d‟água principais, como o rio do Peixe, pelo menos, as determinações do Código Florestal, com a demarcação de Áreas de Preservação Permanente (APPs), de acordo com seus relatos. Finalmente, quanto às expectativas de progressão ou mudança de vida no que condiz ao trabalho, nunca pensou em mudar de função, mas cita: “Uma vez quiseram me pôr de faxineiro, mas eu não quis não”. Quando recontou sua história nos proporcionou uma visão geral das exigências de produtividade no trabalho do corte da cana e dos agravos à saúde que, em muitos casos, isso pode gerar. Questões como a própria segurança do trabalho compareceram também como elemento importante a se alterar no decorrer dos anos. O segundo trabalhador, denominamos senhor “B”, que à época das entrevistas, poderia oferecer diferenças e semelhanças no que diz respeito ao primeiro entrevistado. Sua origem também nordestina, mas a função exercida e a idade distintas, por exemplo. Com 38 anos de idade trabalhava como tratorista na usina Alto Alegre, empregado na unidade fabril desde 2005, residindo no município de Caiabu, veio a trabalho também na certeza de colocação na indústria, pois um de seus irmãos já trabalhava na mesma. Natural do Estado da Paraíba, residia no Estado da Bahia desde seus 9 anos , no município de Juazeiro. Relatou-nos que começou a trabalhar com seis anos de idade na roça para ajudar seus pais. Entretanto, antes de migrar para Caiabu-SP, também passou por outras localidades, como nos contou. Ainda quando criança, migrava intermitentemente com a família entre os estados da Paraíba e Bahia (por conta de laços afetivos) até se estabelecerem na BA. Em 2001 veio para a capital de São Paulo com um irmão e esposa, em busca de oportunidades de vida e reconhecimento, formando uma dupla sertaneja, período em que se apresentou-se no programa de TV Raul Gil. Neste período trabalhou durante um ano e meio de servente de pedreiro, depois de marceneiro. Na entrevista disse-nos que trabalhava em barzinhos noite afora, até mesmo de graça, enquanto durante o dia realizava essas atividades. A questão familiar, se percebe, é muito importante, pois para que ele se estabelecesse em Caiabu teve apoio tanto de um irmão que já trabalhava na indústria sucroalcooleira, como de uma tia, residente no município há mais de 20 anos.

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Inicialmente, trabalhou na sacaria, carregando e descarregando sacos de 50 kg. de açúcar, sempre ajudando financeiramente os familiares no NE. Seus pais vieram para o município no ano de 2006, e assim ocorreu também com muitos irmãos (dois ajudados por ele, que retornaram ao NE) e parentes. O entrevistado contou-nos as condições e repercussões atuais do tempo em que trabalhou como saqueiro (até início desse ano), ocupando a função de tratorista em março de 2013, uma ótima condição de trabalho de acordo com ele, mas com perspectivas futuras ainda melhores dentro da indústria. O trabalho na sacaria é ditado pelo ritmo tecnológico, através de uma esteira. Estima-se, segundo suas informações, que diariamente eram carregados cerca de 2000 sacos ao longo de sete horas. E sempre havia gente sofrendo neste tipo de trabalho. As consequências das condições de trabalho lhe renderam, inclusive, 3 meses de afastamento pelo INSS, em 2007. Atualmente, repercutem tendinite, dores em joelhos, cotovelos e ombros. Como ele próprio falou, “o trabalho foi embora, mas as dores ficaram”. Quanto ao trabalho no corte da cana-de-açúcar, citou, ainda, à época da pesquisa, que duas irmãs atualmente se encontravam afastadas por conta de problemas de escoliose, causado pelos esforços repetitivos. Do mesmo modo que o 1º entrevistado falou-nos, ele corrobora quanto à questão do problema da dispersão de agrotóxicos, aos danos causados. Também interessante saber da diminuição dos postos de trabalho no corte da cana em 2014, com a proibição da queima e com o aumento da mecanização. Conta ele que a indústria está adquirindo mais maquinários. Abaixo optamos por transcrever a narrativa dos fatos, em ordem sequencial, a fim de melhor elucidar sua perspectiva e vivência dentro do processo de migração do nordeste para São Paulo e inserção na agroindústria da cana-de-açúcar, à época referenciada. “Aí entrou um irmão meu lá de saqueiro, no barracão, na usina de açúcar, falando que ganhava bem, fazendo minha cabeça, até que chamei o patrão lá num acordo [de SP/Capital, na marcenaria], vim embora e fiquei trabalhando de 2005 até 2012 no barracão de açúcar. Agora eu „tô‟ como tratorista [2013].”

“[As condições de trabalho] são boas, os horários são bons, a usina é bem rígida, trabalha nas normas...”

“[Equipamentos de segurança] a gente não tem necessidade de usar, porque os tratores que a gente usa são dos mais novos, todo fechados, não tem muito barulho, mas a gente usa óculos, luvas.”

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“[Na sacaria] era bem corrido, trabalhei oito anos lá, oito anos de sacaria. Agora imagina você pegar 2 mil sacos na cabeça, num período de sete horas, porque são oito horas, mas uma hora é de janta. Às vezes não era todo dia isso, mas às vezes você estava em seis saqueiros, aí você tem que dividir, três carregando, fica três emblocando, então... o que a produção mandar, o que a esteira mandar você tem que pegar, trabalhar correndo, bom que você fica em forma, você pega resistência, mas estraga; eu já vi peão chorar igual criança lá. [...] Mas também deu tendinite, coluna, deu problema no joelho... já afastei também, 2007 eu fiquei três meses afastado. [...] Às vezes dói cotovelo, ombro...”

“Eu gosto de trabalhar aí, não tenho do que reclamar não, o pouco que consegui até hoje foi nessa usina aí.”

“O que eu faço hoje, comparando com o que eu fazia, eu não faço nada, e é um trator...”

“Eu tenho muito parente cortando cana, eu tenho três irmãs minhas afastadas de cortar cana, tem irmã que deu problema de tendinite, escoliose, um monte de coisa.”

Com trator eu fico do lado da máquina, a máquina jogando no transbordo. Eu falo pros parentes meus: procura tirar carta, porque vai ter muita oportunidade pra tratorista, aí conforme... você vai mudando de função, porque oportunidades a usina dá.

“[...] Trabalhar no trator é bom, não é um serviço cansativo...”

“Está previsto para em 2014 acabar com a queima da cana, porque prejudica muito o meio ambiente, os animais, aquela fumaça pras pessoas também. [...] Olha... são duas frentes que cortam cana, mas dizem que vai acabar uma, acho que vai ficar uma frente só pra cortar onde a máquina não tem acesso, acho que vai ficar muita gente desempregada mesmo, sem contar que eles estão comprando maquinários... trator... pra fazer outra frente mecanizada, então a pessoa tem que se preparar pra... porque se o cara é um bom funcionário, trabalha direitinho, a usina não vai dispensar assim à toa [...] porque eles quando abrem um recrutamento „dá‟ preferência pro pessoal que já trabalha nela, e depois fazem um recrutamento externo.”

“O avião sempre joga [veneno/herbicida], o vento, por onde ele passar, ele leva, nem que seja pouco, mas leva.”

Tentando não se estender mais sobre o assunto, queremos apenas enfatizar a importância de entender de dentro da dinâmica do trabalhador o quadro de expansão da cana-de-açúcar em Caiabu, e na região de maneira geral, e quais as consequências disso numa série de aspectos, dentre eles o social. Ambos os entrevistados nos apontaram,

94 através de sua história de vida, aspectos parecidos, como o complexo processo de migração, o uso de agrotóxicos e o meio ambiente, a saúde e exploração do trabalhador dentro disso, e a mecanização da cadeia produtiva etc. Isto apenas confirma nossas hipóteses iniciais. Para além das questões atinentes ao trabalho assalariado, Thomaz Jr. (2010) destaca também os impactos negativos, sobre o pequeno produtor rural. Segundo o autor, as estratégias reprodutivas do capital e de controle do trabalho trazem comprometimentos tais como possíveis contaminações, incluindo de aquíferos, onde estrategicamente os canaviais e suas agroindústrias se expandem, para ter acesso à água, e antepõem trabalhadores versus capital, comprometendo produções agrícolas familiares, seja pela aspersão de herbicidas e outros elementos, de modo que, ambiguamente, se torna a alternativa de sobrevivência e reprodução familiar, num círculo de dependência. Os efeitos ambientais do avanço do “agrohidronegócio” serão explorados mais adiante.

2.4. Protocolo Agroambiental: discurso de sustentabilidade envolto na produção sucroalcooleira e do etanol no Estado de São Paulo

Um dos pilares fundamentais da implementação do etanol enquanto combustível, desde o lançamento do Proálcool, em 1975, indubitavelmente, foi o discurso de sustentabilidade que ele trouxe, que, em conjunto ao contexto de crise do petróleo à época, conferiu maior credibilidade a ele utilizado enquanto combustível automotivo. Atualmente, se vislumbramos o contexto do estado de São Paulo, distintamente da escala nacional, dentro dessa perspectiva de ambientalismo está vigorando o Protocolo Agroambiental, assinado em 04 de junho de 2007 (e renovado em 06 de agosto de 2013). Trata-se de uma proposta conjunta do Governo do Estado, da UNICA, Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (ORPLANA) e Secretarias de Estado do Meio Ambiente e de Agricultura e Abastecimento (Governo do Estado de São Paulo, 201743). Este protocolo está inserido no projeto Etanol Verde (Certificado Etanol Verde), sendo um projeto estratégico da Secretaria do Meio Ambiente, no que diz respeito a meios de atingir sustentabilidade na cadeia produtiva da cana, envolvendo a produção

43Vide http://www.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/ e http://www.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/. 95 de etanol, açúcar e energia através da biomassa, visto a importância da mesma na economia do Estado. É uma forma de reconhecer e valorizar a busca por práticas menos agressivas ao meio ambiente. Então, no que se reconhece como boas práticas ambientais do setor sucroenergético, estas são premiadas com selo de conformidade. Assim:

Por meio da publicidade do certificado concedido às unidades agroindustriais e às associações de fornecedores de cana, o Protocolo influencia na imagem das usinas e associações frente ao mercado interno e externo, determinando um padrão positivo de planos e metas de adequação ambiental a ser seguido (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017).

Com isso visa-se reduzir o prazo para cessar a queima da palha de cana para corte se comparado ao Decreto Federal e Lei Estadual que citamos anteriormente, melhores práticas ambientais com respeito ao controle da erosão (curvas de níveis, por exemplo), manutenção de resquícios florestais, matas ciliares, nascentes, etc. No documento oficial do Protocolo fica explicitado o porquê de se conferir destaque à produção de cana-de-açúcar, considera que “[...] assumiu como premissa a relevância do setor sucroenergético para o desenvolvimento econômico e a geração de empregos, renda, divisas e tributos do Estado por meio de toda sua cadeia produtiva (Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético Paulista – ETANOL VERDE, 08 de setembro de 2015)”. Entre 2007 e 2014 aproximadamente 85% das usinas do Estado de São Paulo se inseriram no protocolo, responsáveis por 94% da cana-de-açúcar produzida. Esta consideração dentro do corpo do Protocolo Agroambiental (2015) é importante porque justifica o incentivo ao cultivo no Estado (que se agrega a outras medidas tomadas nacionalmente) (Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético Paulista – ETANOL VERDE, 08 de setembro de 2015). Vemos com clareza o discurso de sustentabilidade quando no teor do documento citações que se referem a contextos globais estão presentes, levando em conta os aspectos econômicos e ambientais numa tentativa de visão conjunta, como quando na cláusula primeira, parágrafo terceiro: “O etanol é energia de fonte renovável, sendo opção economicamente viável para a mitigação do efeito estufa e importante instrumento para prevenção e controle da poluição atmosférica (Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético Paulista – ETANOL VERDE, 8 de setembro de 2015, s/p.).”

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Destarte, faz-se a consideração do setor como “agricultura energética da cana- de-açúcar”, incluindo em seu rol outros biocombustíveis, de forma que, na visão apresentada, seja significativo para a redução de emissão de gases do efeito estufa, a validação se dá através do reconhecimento por parte do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA –, e órgãos internacionais, tais como a Agência Ambiental Americana (EPA) e o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). Dentre as políticas públicas podemos mencionar também a influência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do etanol na economia brasileira. Para manter a cadeia produtiva da cana-de-açúcar funcionando, com manutenção de empregos, exportando mercadorias e se constituindo atividade lucrativa, obviamente, para os usineiros, a diferenciação tributária passa a ter sua relevância. Podemos apontar alguns instrumentos políticos e organizados também pela própria agroindústria, através de suas organizações:  Proálcool, com projeção nacional, diferenciação tributária com relação à gasolina sendo exequível em unidades federativas;  Selo de Etanol Verde no Estado de São Paulo (buscando respaldo/aprovação da alternativa produtiva, comercializada nacional e internacionalmente, por organismos internacionais);  Importância do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento/subsídios. Tudo demonstra como há relações de poder entre diversas partes, onde se buscou, historicamente, beneficiar, ao criar condições de expansão, as usinas sucroalcooleiras/agroindústrias, seus canaviais e etc. Dar destaque à cana-de-açúcar e seus produtos, inclusive como commodities, foi a opção do nosso país. Entende-se, assim, a escala (de sua produção/espacialização), inevitavelmente presente no assunto tratado, como uma mediadora entre intenção e ação, salientando o aspecto dela também enquanto componente de poder no domínio de (relações a se processar no) território. Tendo em vista isso, arriscamo-nos a falar que as políticas de governo lidam com a escala geográfica de forma multifacetada. Há imbrincada uma perspectiva interescalar, que cria elos entre suas unidades federativas, o que se expressa no local, possibilitando sua ligação com o mercado internacional (tendo o fato de ser o etanol, por exemplo, um combustível renovável, como uma estratégia futura também).

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Quando recorremos a usar o termo tão usual e recorrente para explicar um contexto competitivo entre Estado e municípios, decorrente do neoliberalismo dos anos 1980-90, dito “Guerra dos Lugares44”, relacionamos esta questão também com uma das escalas em que se processa e se “sente” mais contundentemente o desenrolar da cadeia produtiva da cana-de-açúcar, com a localização de suas plantas fabris e da escolha de áreas o mais propícias e contíguas possíveis para o plantio e avanço do cultivo, a escala local. Ao nos atentarmos para essa questão, vemos que há também uma perspectiva multiescalar nas políticas públicas, e é isso que torna a cadeia produtiva da cana-de- açúcar interessante e complexa. Com as possibilidades que se abriram ao longo do tempo, pode-se dizer que, ao mesmo tempo que medidas vão se fazer homogeneamente e envolvendo um jogo entre várias amplitudes do espaço geográfico, outras se farão sem estarem necessariamente vinculadas diretamente a outras escalas. Retomando um dos pontos aqui elucidados, voltemos à questão do ICMS. Este imposto tem caráter estadual, portanto cada Estado opta por uma tributação que lhe convenha mais. A diferença do ICMS cobrado na gasolina e no álcool é o que vai ter papel importante na forma como se dará a demanda pelo etanol (visto os carros bicombustíveis). O Estado de São Paulo é um dos maiores produtores de etanol hidratado, isso justifica em parte sua preocupação apresentado com o Selo Etanol Verde, com o Protocolo Agroambiental. É também um dos maiores consumidores. Segundo Costa e Guilhoto (2010), mais da metade do etanol hidratado no Brasil tem seu consumo no Estado paulista. Nisto, consistiu que “Até 2003 o valor era de 25%, igual ao da gasolina e, a partir de 2004, o ICMS cobrado para o etanol hidratado passou a ser de 12% (COSTA e GUILHOTO, 2010)”. A tributação doméstica estimula a demanda e impulsiona o setor. Quando da municipalização, descentralização administrativa dos entes federados e toda essa abertura ao mercado internacional, seguiu-se a uma disputa para que indústrias territorializassem suas unidades fabris em suas áreas, gerando renda e

44 A denominação Guerra dos Lugares denota um período dentro do neoliberalismo no Brasil cujos Estados federados, municípios etc. disputavam entre si a implantação de projetos capitalistas, tais como indústrias, que gerassem emprego à população local. Para tanto, a “guerra” consistia em oferecer elementos atrativos para os empreendimentos, isenções fiscais por longos anos, terrenos e obras de infraestrutura para eles, como ligação elétrica, terraplanagem, auxílio na logística, entre outros pelos custos públicos. Isso foi o que ocorreu pelo governo de Agripino Lima, em Presidente Prudente, no processo de transferência da unidade fabril da Alto Alegre de Caiabu para ele, em seu distrito, Ameliópolis. 98 ocupação para a população local economicamente ativa. E essa é mais uma forma de entender esse jogo de forças existente. O município de Caiabu/SP vivenciou isso com relação a Presidente Prudente – SP. Oferecer área para construção, isenção de impostos por muitos anos, logística adequada, infraestrutura, entre outros elementos, é o que caracteriza essa “guerra dos lugares”. Entender como essa dinâmica econômica se processa e interfere na realidade de municípios de pequeno porte como Caiabu/SP será alvo de análise no capítulo seguinte.

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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS DO MONOCULTIVO CANAVIEIRO EM CAIABU/SP

Neste capítulo apresentaremos dados (populacionais, econômicos, políticos) consolidados do município de Caiabu/SP, objeto de pesquisa, trazendo seu recorte espacial e desenvolvendo análise de seus processos locais inseridos em meio às tendências e política de maior escala de abrangência. Reconhecer seu processo histórico também é fundamental para que a análise proposta se torne possível. Assim, contextualizamos a expansão processada no recorte espacial do Pontal do Paranapanema, que agrega Caiabu. Deverão, também, ser apresentadas algumas informações obtidas com entrevistas de agentes políticos. Realizamos entrevistas com três ex-prefeitos e com o atual prefeito, sendo eles Sebastião Marini (mandato de 1983 a 1988), Jurandir Marques Pinheiro (mandatos de 01/01/1993 a 31/12/1996, 01/01/2001 a 31/12/2004 e 01/01/2005 a 08/05/2008), João Antônio Alves (mandatos de 09/05/2008 a 31/12/2008 e 01/01/2009 a 31/12/2012) e Dario Marques Pinheiro (01/01/2013 a 31/12/2016 e 01/01/2017 a 31/12/2020), respectivamente. Atentemo-nos para o fato de que há certa tradição política com relação a eles. Isto é, uma história política dentro de sua composição familiar. A maior parte participou politicamente no município também através de cargos legislativos, sendo vereadores algumas vezes, entre outras funções. Jurandir Marques Pinheiro e Dario Marques Pinheiro também são irmãos. Acreditamos ser possível buscar a compreensão de dinâmicas gerais do município de Caiabu que colaborem com a pesquisa e revelem a importância da usina sucroalcooleira Alto Alegre, corroborando com nossa hipótese inicial, que é da grande dependência de empregos ofertados pela usina sucroalcoleira instalada próxima ao município, ou não, através do contato com os principais gestores do município, em que compreenda o período mais recente (últimos vinte anos, aproximadamente). Com isso, visamos analisar o período em que se deu o processo de implantação, na década de 1980, da destilaria na Fazenda Nova Floresta, situada próxima ao distrito de Iubatinga, cuja distância, levando-se em conta as vias de transporte, é de cerca de 8 km até o mesmo. A configuração das entrevistas se deu de maneira semiestruturada, permitindo abertura a relatos em que o conteúdo não se apresentasse explícito no conjunto de

100 questões formuladas. As questões apresentadas se encontram expressas nos anexos (Roteiro de Entrevista Semiestruturada). Basicamente elas abordam, inicialmente, aspectos que envolvam a vida pessoal dos entrevistados, sua trajetória, em busca de evidenciar se havia ou não vínculos com o município, a história da família, a estreiteza com a agricultura (familiar), cujas informações ao longo das entrevistas se mostraram como fundamental alicerce de surgimento de Caiabu e seu povoamento inicial, bem como a expressividade que teve a cotonicultura. Também abordam, em um segundo momento, aspectos concernentes às dificuldades (inclusive financeiras) da gestão, na tentativa de recordar qual era a configuração socioeconômica do município em cada período delineado (e as marcas e prioridades de cada gestão). Um assunto também abordado no roteiro, de suma importância, envolve especificamente a indústria de açúcar e álcool, sediada em Presidente Prudente, distrito de Ameliópolis, anteriormente destilaria enquanto localizava-se em Caiabu, vale lembrar, na tentativa basilar de reunir informações sobre esse processo, as negociações, os porquês e os impactos pautados, sobretudo, vislumbrados sob a ótica destes gestores. E, conforme verificamos dificuldades atinentes à fluidez no município, devido a problemas de transporte coletivo, este sendo retirado pouco a pouco e dificultando o que poderíamos denominar como a própria migração pendular, que muitos habitantes realizavam em busca de trabalho, o apanhado de questões se fecha neste assunto, seus empecilhos e possibilidades que possam se apresentar para minimizar esta realidade.

3.1. O Processo de expansão da cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema

Para se falar da cana-de-açúcar no município de Caiabu e seu entorno, com a instalação de agroindústrias canavieiras, e sua extrema importância para a economia e sobrevivência (financeira) de seus munícipes, é necessário compreender, de maneira geral, o processo de territorialização do cultivo e de suas empresas e indústrias, cada vez mais diversificadas, na escala geográfica do Pontal do Paranapanema. O Pontal do Paranapanema se circunscreve à área da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos 22 (UGRH 22), e mais outros municípios, cuja delimitação se dá pelos municípios de Caiabu, Assis, Alfredo Marcondes, Álvares Machado, Anhumas, Caiuá, Emilianópolis, Estrela do Norte, Euclides da Cunha Paulista, Iepê, Indiana, João Ramalho, Marabá Paulista, Martinópolis, , Nantes,

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Narandiba, Piquerobi, Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Rancharia, Regente Feijó, Ribeirão dos Índios, Rosana, Sandovalina, Santo Anastácio, Santo Expedito, Taciba, Tarabai e Teodoro Sampaio. A princípio, antes de discorrer sobre a incorporação da atividade sucroenergética no Pontal do Paranapanema, pretendemos traçar alguns elementos importantes com relação a essa circunscrição, quais sejam aspectos econômicos, sociais e de predominância de atividades dinamizadoras na mesma. Firetti et. al. (2007) refletem acerca destes aspectos, trazendo à tona a caracterização desta região em comparação com outras no Brasil e Estado de São Paulo, de um modo geral. A princípio pode se considerar como uma das últimas fronteiras de desenvolvimento do Estado de São Paulo, já que literalmente, em termos da configuração geográfica e do desenho do Estado é a “ponta” do território paulista, que vai sendo incorporado por atividades econômicas e pelo capital, paulatinamente, subsequente às outras áreas. Na atividade agropecuária é onde o Pontal encontra maior respaldo para sua economia, e onde, se verifica, nos últimos anos, principalmente, sua modernização, com incorporação de maquinários e tecnologias (que “secam” a geração de empregos). Estudos destes autores (Firetti et. al., 2007) apontam o perfil dos municípios apoiados em atividades agropecuárias, em que se chegou a uma correspondência de o setor ser responsável por 30%, do Produto Interno Bruto municipal, e 20% do Vínculo Empregatício Total. Quando consideramos isso para o município de Caiabu, independentemente de a assertiva destes se aplicar ou não, observamos a realidade calcada no “complexo cana”, onde a ocupação predominante da população, consequentemente se dividirá entre indústria e trabalho agrícola, estabelecendo migração pendular, em grande parte, para os trabalhadores que necessitam se deslocar quotidianamente para a fábrica em município vizinho. Joseli Barreto e Thomaz Jr. (2012) explicitam que a partir de seus estudos no Pontal do Paranapanema se constatou o que as indústrias chamam de raio de ação45, isto é, sua operacionalização tanto industrial quanto agrícola considera uma logística na perspectiva regional, processamento, áreas de plantio, proximidade, escoamento, o que

45 “[...] o raio de ação, é um artifício, uma estratégia utilizada pelo capital canavieiro para demarcar seu território de implantação das unidades canavieiras e expansão dos canaviais, e assim estabelecer suas relações de poder, além disso, determinar quais serão municípios impactados pela respectiva agroindústria (BARRETO, THOMAZ JR., 2012)”. 102 nos leva a afirmar que suas dinâmicas afetam múltiplas escalas. E no Pontal do Paranapanema isso tem se especializado aproximadamente desde a década de 1970, concernente à implementação do PROÁLCOOL, mas se acentuando consideravelmente pelos anos 2005, quando novas unidades de agroprocessamento com capital nacional e internacional foram implantadas (JOSELI BARRETO E THOMAZ JR., 2012). O Pontal do Paranapanema se inscreve em algumas condições que foram buscadas no processo de expansão da atividade canavieira no Brasil, a procura por terras férteis, recursos hídricos disponíveis (em parte pelos aquíferos), relevos mais ou menos planos e proximidade, facilitando a logística. Barreto e Thomaz Jr. (2012) apresentam no Pontal do Paranapanema a conformação/formatação da atividade sucroalcooleira, por meio da figura que se segue. Em torno do núcleo de processamento (agroindústria) as atividades que somam a ela matéria-prima e trabalhadores se apresentam. Concernente à usina Alto Alegre, vemos o munícipio de Caiabu (divisa à direita de Presidente Prudente, onde está pontuada a unidade fabril) como fonte de mão-de-obra e terras para suas atividades.

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Figura 1: Raio de ação das agroindústrias canavieiras na região do Pontal do Paranapanema

Fonte: BARRETO, THOMAZ JR., 2012.

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Os autores ainda indagam se os municípios que abarcam as atividades, mas não sitiam unidades agroindustriais da cana-de-açúcar ficariam apenas com o ônus ou em que medida teriam ganhos. Quando particularmente observamos os munícipes de Caiabu, os fluxos de pessoas na cidade, próximo dos horários dos turnos de trabalho em que funciona a unidade agroprocessadora do município vizinho, Presidente Prudente, turnos A, B e C (Manhã até tarde, de tarde até a noite, e da noite ao amanhecer, respectivamente), visualizamos vidas totalmente ligadas a essa indústria, dia após dia pessoas se deslocam, em movimento pendular, em busca de sua subsistência, inseridas no sistema capitalista, os impactos estão onde há canaviais, onde há mão-de-obra contratada. Essa configuração do raio de ação destas agroindústrias evidencia entre as mesmas uma disputa pela atuação e controle/uso das terras representadas no conjunto de mapas. Segundo Barreto e Thomaz Jr. (2012) ainda, ao demarcar os municípios que constituem raio de ação destas usinas, denominados por eles também como municípios de impacto, percebe-se a disputa por expansão nas áreas, como entre Alto Alegre, Cocal e Umoe Bioenergy. Também no mapa a seguir (figura 2) verificamos algumas características em torno do cultivo da cana-de-açúcar na região do Pontal. Em hachura verde clara se apresenta a distribuição dos canaviais, enquanto as formas geométricas triangulares roxas são as agroindústrias que permanecem ativadas na região. Outros dados interessantes dizem respeito ao número de afastamentos nos municípios componentes, devido às atividades, em que envolvem uso intensivo de herbicidas e demais agrotóxicos, com atividades que ofereçam danos à saúde do trabalhador. O município de Caiabu nesta seara é destacado pelo número alto de afastamentos, em termos percentuais, levando-se em conta todos os setores.

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Figura 2: Mapa da cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema e indústrias ativas e desativadas

Fonte: Diógenes Rabello, Fernando M. Heck (2017).

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É vislumbrando este dado (na gradação de cor que se destaca mais escura), que um elemento vem à tona: há sim atualmente estruturada na economia do Pontal, bem como, se incluindo o caso do município de Caiabu, uma dependência econômica, social, se pode assim dizer, pela cadeia produtiva sucroalcooleira. Na última década, pode-se dizer, as usinas de cana-de-açúcar para o processamento do açúcar e etanol, principalmente, tem-se constituído como alternativa majoritária, com grande alcance, de emprego (formal, com registros, mesmo com relações precarizadas pelos contratos temporários/safristas) de ocupação da população economicamente ativa (PEA) desta área, já que se caracteriza ela pelo predomínio da agropecuária.

3.2. Perfil socioeconômico de Caiabu/SP

O território municipal possui atualmente uma área de 253,352 km², 4.072 habitantes46, segundo recenseamento de 2010, e incorpora os Distritos de Boa Esperança d‟Oeste e de Iubatinga. Apresenta, ainda, densidade demográfica de 16,11 habitantes por Km². O IBGE Cidades (2017) fornece também outras informações gerais sobre o município. Levantamentos do ano de 2010 indicam haver um esgotamento sanitário adequado em 75,3% dos imóveis, 92,7% de arborização das vias públicas e 7,8% de urbanização. Com relação à saúde, as estimativas de óbito (2014) eram de 20,83 a cada mil nascidos (para a mortalidade infantil). E em termos mais econômicos o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) alcançado em 2010 foi de 0,729, enquanto o PIB per capita (2015) de R$ 11.902,67, as receitas do município advindas de fontes externas de 92,1%. Em 2015 o salário médio mensal dos empregados formais era de 2 salários mínimos, com cerca de 433 pessoas ocupadas. As taxas de escolarização (6 a 14 anos de idade) são altas, 98,9%. Um dado a salientarmos é o que se refere ao percentual das receitas externas do município, bastante alto, 92,1%, o que é indicativo da necessidade de reflexões serem construídas acerca do desenvolvimento (social), inclusive em pequenos municípios, pois o panorama geral mostra a dificuldade de manutenção da população, de algo que realmente represente desenvolvimento para as pessoas e não implique em grande

46 População estimada em 4.211 pessoas em 2017.

107 dependência em um único setor, como é o sucroalcooleiro. Talvez seja o caso de pensar em alternativas de desenvolvimento local que possam trazer algum dinamismo. A realidade de Caiabu figura numa reprodução da vida social extremamente dependente de seus arredores, inclusive do município de Presidente Prudente, que é o polo regional, atrativo de trabalhadores não só de Caiabu, mas de vários outros pequenos municípios que integram a região, em que processa a migração pendular47. A hierarquia se apresenta com relação à dependência pela prestação de serviços de lazer, especialidades médicas, educacionais, de emprego etc., convergindo fluxos para lá. Essa dependência com relação à Presidente Prudente/SP também se expressa pelo grande número de habitantes do município que possui vínculo empregatício com a empresa sucroalcooleira Alto Alegre, que se estabelece no Distrito de Ameliópolis, pertencente a Presidente Prudente. Destaquemos, complementarmente, que no passado a unidade fabril da empresa Alto Alegre já pertenceu a Caiabu, por poucos anos na década de 1980, enquanto funcionava apenas como destilaria, antes de ser transferida ao Distrito de Ameliópolis, em 1995 e inaugurada em 1996. Na tabela 12 apresentamos a área destinada aos canaviais na lógica da indústria sucroenergética, em Caiabu, dos anos de 2003 a 2013. Através de sua última coluna podemos perceber que, no recorte temporal apresentado, são bastante importantes os canaviais na composição da área do município, ocupando pelo menos 20% do total territorial do mesmo, e apresentando uma ascendência até o ano de 2010. O período que demarcou a “Guerra dos lugares” (concentrado na década de 1990) explicita as condições em que se deu esta transferência de um município a outro, mantendo uma logística apropriada para a produção e transporte de cana-de-açúcar. A oferta de infraestrutura, terreno, terraplanagem, isenções por parte do governo municipal de Presidente Prudente foram alguns aspectos que explicaram a transferência da unidade industrial Alto Alegre para este, possibilitando se expandir e manter seus empregados de Caiabu e demais municípios do entorno, com maiores possibilidades de expansão dos negócios.

47 Entende-se por migração pendular todo movimento de saída e retorno de um indivíduo com o objetivo de trabalhar fora do seu município de residência, geralmente em cidades médias ou inseridas em áreas metropolitanas, trajeto este que se realiza, então, quotidianamente, ou com frequência. Disto resulta também entendermos estar atrelado o conceito de cidade dormitório, cuja finalidade é descrever cidade ou município em que as expectativas de emprego são ínfimas, havendo a migração pendular, de modo que se retorne para casa só ao fim do dia, ocorrendo isto com grande parte da população.

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Tabela 12: Área disponível para colheita (ha) em Caiabu/SP Ano Soca (a) Reformada (b) Expansão (c) Total Em reforma Total cultivado % com relação à (a+b+c) (ha) (ha) área total do 2003 4122 0 0 4122 1188 5310 município 20,95 2004 3717 1179 160 5056 575 5631 22,22 2005 4388 543 47 4978 756 5734 22,63 2006 4868 756 820 6444 69 6513 25,70 2007 6109 66 70 6245 386 6631 26,17 2008 5618 336 547 6501 610 7111 28,06 2009 5221 506 461 6188 1526 7714 30,44 2010 4380 1486 120 5986 1786 7772 30,67 2011 4891 1484 0 6375 1081 7456 29,42 2012 5231 960 0 6191 1068 7259 28,65 2013 5611 990 78 6679 548 7227 28,52

Fonte: CANASAT/INPE (http://www.dsr.inpe.br/laf/canasat/cultivo.html). Org. Lúcia Iaciara da Silva.

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A partir do último Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicado em 30 de setembro de 2017, com informações sobre ocupação nas atividades concernentes à agropecuária, estoques, pecuária, lavoura permanente, é possível caracterizar as permanências e mudanças ocorridas na estruturação econômica de Caiabu ao longo de sua história ao abordar este último período. Neste Censo, de acordo com dados preliminares, havia 189 estabelecimentos rurais, com área de 12.904 hectares, com 50,93% da área em relação à área total, onde se constatou 27 estabelecimentos agropecuários com áreas de terras arrendadas de terceiros em poder do produtor. Algumas informações no SIDRA também intencionam caracterizar o perfil do agricultor, levando em conta o número de estabelecimentos agropecuários por idade, sexo, alfabetização e cor de pele/etnia, como também o número destes estabelecimentos/propriedades atrelado às variáveis de residência, DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF) e finalidade de produção (vide tabela 13).

Tabela 13: Características do produtor rural Homem 170 Mulher 17 Sabe ler e escrever 169 Não sabe ler e escrever 18 Menos que 30 anos 2 Entre 30 a 60 anos 83 60 anos ou mais 102 Cor de pele branca 120 Cor preta 6 Cor amarela 8 Cor parda 53 Cor indígena - Fonte: SIDRA/IBGE.

Quando vislumbramos os dados de DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF), verificamos que estes são apresentados também dentro da categorização DAP Mulher e DAP Jovem, não só a DAP Principal (da unidade familiar), as quais são denominadas DAPs acessórias. No entanto, o que prevalece são as DAPs principais, e mesmo assim, com um número pequeno de produtores/agricultores. Podemos, ainda, verificar a situação de domicílio dos produtores rurais, do mesmo modo os objetivos da produção na área, se destinada a consumo familiar, se majoritariamente à comercialização etc. (tabela 14).

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Tabela 14: Condições do proprietário e propriedade Dirigentes que residem na propriedade 107 Dirigentes que não residem na propriedade 82 Finalidade principal de consumo familiar e 29 de parentes da produção Finalidade principal de comercialização 160 Possuem as atividades da propriedade 51 como principal fonte de renda Propriedades que não possuem suas 136 atividades como principal fonte de renda Produtores que possuem DAP 27 Produtores que não possuem DAP 139 Famílias que possuem DAP Acessória - - Mulher Famílias que não possuem DAP Acessória – 27 Mulher Famílias que possuem DAP Acessória - 1 Jovem Famílias que não possuem DAP Acessória – 26 Jovem Fonte: IBGE (https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6649#resultado).

A população no Estado de São Paulo se caracteriza com uma densidade de 177,23 habitantes por quilômetro quadrado, segundo dados mais recentes da Fundação Seade (ano de 2018), possuindo o Estado uma área de 248.219,63 km², com grau de urbanização considerado alto em seu conjunto, 96,42%, bem como também o índice de envelhecimento populacional, de 75,25% (em que a população considerada terceira idade, com 60 anos ou mais, compõe 14,43% da população, enquanto a população com menos de 15 anos de idade corresponde a 19,18% do Estado). Por conseguinte, podemos trazer os indicadores para o município de Caiabu, também para a Região Administrativa de Presidente Prudente (10ª Região), e também para a Região de Governo, em que ele se insere, a título de comparação (Fundação SEADE, 2018). Na tabela 15 algumas destas informações se encontram dispostas, a fim de comparações, tais como um menor grau de urbanização no município de Caiabu (o que se constata, mais efetivamente, pela dinâmica de vida de seus habitantes), a questão do envelhecimento populacional, os rendimentos e sua ligação maior ou menor com atividades agrícolas, etc.

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Tabela 15: Comparativo de características variáveis de Caiabu, Região Administrativa de Presidente Prudente, Região de Governo e Estado de São Paulo Estado de São Região de Região Caiabu Paulo Governo Administrativa

Área territorial 248.219,63 17.980,97 23.780,14 253,35 População total 44.314.930 601.121 860.634 4.102** Índice de 78,13 97,04 103,61 103,00 Envelhecimento (%) População com menos 19,02 17,55 17,02 17,87 de 15 anos (%) População com 60 anos 14,86 17,03 17,64 18,41 ou mais (%) Densidade demográfica 178,53 33,43 36,19 16,19 Grau de urbanização 96,47 91,49 90,48 85,08 (%) Taxa Geométrica de 0,83 0,41 0,36 0,08 cresc. anual Taxa de natalidade (por 14,00 12,86 12,25 10,25 mil habitantes) Taxa de mortalidade 10,74 12,25 11,74 _ infantil (por mil nascidos vivos) Esperança de vida ao 72,54 nascer – masculina (anos) Esperança de vida ao 79,04 nascer – feminina (anos) Participação em 2,51 5,75 5,81 7,4 empregos formais na agricultura, pecuária, produção florestal e correlatos (%) - 2017 Participação em 55,52 49,10 48,98 75,71 empregos formais nos serviços (%) - 2017 Participação em 17,72 19,03 19,09 1,98 empregos formais na indústria (%) Rendimento médio dos 2.006,99 1.914,10 1.911,92 1.498,15 empregos formais na agricultura, pecuária e

112 correlatos (R$) – 2017 Rendimento médio dos 3.507,50 2.557,22 2.394,19 2.058,00 empregos formais nos serviços (R$) – 2017 Rendimento médio dos 3.796,28 2.606,74 2.499,37 2.491,50 empregos formais na indústria (R$) – 2017 Rendimento médio do 3.287,67 2.366,85 2.262,08 1.908,89 Total dos empregos formais (R$) – 2017***

*Dados referentes ao período entre 2016 e 2019. **Estimativa de população do ano de 2019, no último recenseamento esta ficou na marca de 4.072 habitantes. *** Inclui outras subdivisões do trabalho formal aqui não elucidadas. - Dado considerado inexistente. Fonte: Fundação SEADE.

Caiabu tem a densidade demográfica de 16,19 habitantes/Km² (numa área de 253,35 km²), a Região Administrativa 36,19 hab/Km² (área de 23.780,14 km²), e a Região de Governo 33,43 hab/Km² (área de 17.980,17 km²). Os graus de urbanização são, respectivamente, 85,08%; 90,48% e 91,49%. Os índices de envelhecimento populacional são 103,00% para o município de Caiabu, 103,61% para a Região Administrativa e 97,04% para a Região de Governo. Assim, a população com 60 anos ou mais em Caiabu corresponde a uma fatia de 18,41%, na Região Administrativa de 17,64% e na Região de Governo de 17,03%. Enquanto isso a faixa de população com 15 anos ou menos se mantém muito próxima nestas três instâncias, 17,87%; 17,02 e 17,55, respectivamente48. As taxas geométricas de crescimento anual da população, também estimadas entre 2010 de 2018, são de 0,08% para o município de Caiabu, 0,41 para a Região de Governo, 0,36 para a Região Administrativa e 0,82 para o Estado de São Paulo em seu conjunto. Com relação às estatísticas referentes à saúde da população, podemos comparar as variáveis de fecundidade, natalidade e taxa de mortalidade do município de Caiabu, Região de Governo (RG), Região Administrativa (RA) e o Estado de São Paulo em geral, referente ao ano de 2016.

48 Dados de densidade demográfica, graus de urbanização, população com 60 anos ou mais, população com 15 anos ou menos, índices de envelhecimento populacional são referentes ao ano de 2019.

113

A taxa de natalidade (por mil habitantes) em Caiabu se mostra mais baixa em comparação com o restante, sendo de 10,25, na RG 12,86, na RA de 12,25 e no Estado de São Paulo 14, e suas respectivas taxas de fecundidade49 são 41,71; 47,32; 46,63 e 49,73 (referência ao ano de 2017). O perfil municipal traçado pela Fundação Seade ainda traz informações referentes às taxas de mortalidade da população adulta. Na faixa etária entre 15 e 34 anos de idade (por cem mil habitantes) as taxas se apresentam de 159,11 para o município, 98,82 para a RG, 99,08 para a RA e 102,19 para o Estado. Já na faixa de idade de 60 anos ou mais estes valores são de 4.689,66; 3.597,57; 3.578,58 e 3.425,47 (dados do ano de 2017). Os percentuais de partos cesáreos (em 2016) em Caiabu se apresentam maiores que nas outras instâncias, sendo de 82,14%, na RG eram de 77,14%, na RA de 79,20% e no Estado de 58,34% (dados do ano de 2016). Dados que remetem ao dinamismo econômico e social podem ser visualizados pelo Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), onde remete a algo parecido com o que ocorre com o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano –, pelo qual se estabelece um patamar de 0 a 1 a partir de varáveis de educação, renda e longevidade, presente nos recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IPRS possui indicadores que se referenciam em dados que podem ser mensurados em um período mais curto de tempo, como os que mostramos anteriormente, em relação à saúde (taxas de natalidade, fecundidade, mortalidade etc.), educação (oferta, rendimento e atraso escolar da educação básica, distorção idade-série no ensino médio etc.) e riqueza municipal (remuneração média dos empregados com carteira assinada e do setor público, consumo residencial de energia elétrica por ligação etc.). Mas no que isto nos interessa especificamente? A partir dos valores, maiores ou menores no índice, os municípios passam a ser agrupados em cinco grupos, estipulando se encontra cada um em situação de baixa, média ou alta riqueza, longevidade e escolaridade. Ocorre que os valores dos indicadores passam a ter algumas mudanças em cada ano de indicação do IPRS, o que o torna bastante relativo a título de comparação temporal, já que num determinado ano para se considerar alta escolaridade, por exemplo, teria de ter um valor x na variável, no outro ano esse valor podendo ser substituído por um mais alto, valor y. O grupo 1 no IPRS indica alta riqueza, longevidade e escolaridade, já o grupo 5 possui todos os indicadores em valores baixos,

49 Taxa de fecundidade por mil mulheres entre 15 e 49 anos de idade.

114 enquanto os outros grupos possuem valores intermediários nas variáveis. A maioria dos municípios na região de Presidente Prudente se encontra no grupo 3 ou 4, onde a variável de riqueza é baixa e os indicadores sociais bons ou intermediários. Assim, vem à tona a questão que nos instiga a essa pesquisa, há uma dependência bastante grande com relação ao setor sucroenergético (à usina sucroalcooleira Alto Alegre para Caiabu), evidenciando seu baixo dinamismo econômico e a necessidade de que se pensem políticas públicas no sentido do desenvolvimento endógeno, local. Em se pensando o IDHM (Índice de Desenvolvimento Municipal) de Caiabu nas suas três dimensões tomadas em conjunto (renda, longevidade e educação) este obteve um crescimento entre 1991 e 2010, passando de 0,480 a 0,729 (0,480 em 1991; 0,626 em 2000 e 0,729 em 2010). Assim, é considerado na faixa de desenvolvimento alto (faixa entre 0,700 e 0,799), em que a variável longevidade tem maior parte na contribuição (0,823), sendo seguida por educação (0,691) e renda (0,682). Abaixo segue a variação dos índices das variáveis individualmente nos três últimos recenseamentos do IBGE (tabela 16).

Tabela 16: Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – Caiabu/SP 1991 2000 2010 Educação 0,299 0,517 0,691 Longevidade 0,716 0,793 0,823 Renda 0,517 0,598 0,682 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2010.

Em se comparando estes índices aos do Brasil como um todo, temos que ponderar que em ambos estes índices se aproximam, no Brasil em 1991 era de 0,493, passando a 0,727 em 2010. Isto significa um crescimento de 52,12% para Caiabu, dentro deste período de tempo, e de 53,85% para o contexto geral do país, estando o Estado de São Paulo numa situação um pouco melhor. Caiabu está em 1052ª posição em se tratando do IDHM dos 556550 municípios brasileiros, onde o maior IDHM é de um município localizado no Estado de São Paulo, Caetano do Sul.

50 Dados atualizados mostram que há 5.570 municípios (Dados de 09/012013 - https://oglobo.globo.com/brasil/com-5-novos-municipios-brasil-agora-tem-5570-cidades-7235803).

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Em se tratando da população de Caiabu, podemos verificar que em meio à decadência da cotonicultura houve um esvaziamento demográfico no geral, ao qual se incluiu, respectivamente, o êxodo rural (inclusive dado pela concentração de terras antes vendidas em pequenos lotes quando da época da colonização, conforme as entrevistas nos permitiram conhecer). A década de 1970 , quando a cotonicultura e a agricultura de cunho familiar se encontravam em condições mais favoráveis, foi o período no qual a população era em torno de 7 mil habitantes, passando a decair quando as características de agricultura familiar passam a se dissolver no município. Assim, a dinâmica observada, por exemplo, na Região Administrativa (RA) de Presidente Prudente é de perda demográfica; dos 53 municípios que a compõem, onze (11) apresentaram diminuição da população entre 2000 e 2010: Caiabu, Euclides da Cunha Paulista, Flora Rica, Indiana, Monte Castelo, Presidente Bernardes, Ribeirão dos Índios, Sagres, Rosana, Santo Anastácio e São João do Pau d‟Alho. Já a grande maioria (31 municípios) apresentou taxas de crescimento entre 0% e 1%, em média, ao ano (Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional, 2013). Cremos que isso se dê também em razão do aumento da polarização e do crescimento econômico das cidades médias. E este crescimento – populacional – das cidades médias se dá porque, como Milton Santos teoriza ainda na década de 1990, há um “congestionamento” de fluxos e viabilidade econômica e tempo-espacial das metrópoles, de modo que se processe uma desconcentração da indústria, ainda que nos principais eixos rodoviários, como, por exemplo, próximo às rodovias Anhanguera e Bandeirantes em São Paulo, e, quando para mais distante, ocorrendo em cidades médias importantes dotadas de infraestrutura, tais como mão-de-obra, vias de escoamento, mercado consumidor, condições fiscais de isenção etc. (SILVA, 2011). Em razão deste processo que Milton Santos chamou de desmetropolização, muitos pequenos municípios tenderam a apresentar estagnação, evidenciada num relativo decréscimo populacional, e reflexo de pouco dinamismo de sua economia local. Caiabu, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2000, apresentou população de 4.077 habitantes, decaindo em 2010 para 4.072, o que representou em termos percentuais aproximadamente -0,12%51, ou seja, enquanto a tendência de municípios de

51 Interessante frisar que, conforme novas estimativas populacionais são feitas, a população de Caiabu no ano de 2019 estaria em torno de 4.102 habitantes, significando, assim, crescimento populacional. Portanto, o crescimento das cidades consideradas médias, por suas funções na rede urbana, seria maior, havendo um fluxo e/ou crescimento no número de pessoas menor em pequenas cidades interligadas a estas.

116 porte médio52 tem sido de incremento populacional, como se verifica no polo regional de Presidente Prudente, o contrário para os pequenos municípios pode ser vislumbrado também como verdadeiro. Em decorrência deste fenômeno, ainda em processo em nosso país, muito intensamente presente no sudeste e, em especial, no Estado de São Paulo, a realidade do trabalho e de vida das pessoas têm elementos muito peculiares de dependência em relação a esses polos regionais e “cidades-nó”, em termos de serviços variados, com o estabelecimento dessas relações das migrações pendulares a que nos referimos anteriormente. Quando Milton Santos discorre sobre uma desmetropolização, é importante lembrar, este refere-se a certo “estacionamento” da atração populacional por parte das metrópoles, por conta das razões apontadas. Assim, observamos que o crescimento populacional relativo, no quadro geral do Brasil, para as cidades com mais de cem mil habitantes passa a ter mais força. Pode se observar também que desde a década de 1940, com o acentuado êxodo rural, e urbanização marcando este período, passa a haver este processo a que devemos chamar de concentração populacional. Vide a tabela 17.

Tabela 17: Evolução do tamanho populacional no país entre 1940 e 1980

Número de localidades no 1940 1950 1960 1970 1980

Brasil segundo tamanho Quant. Quant. Quant. Quant. Quant. populacional de de de de munic. munic. munic. de munic. munic. Entre 100 mil e 200 mil hab. 11 15 28 60 95 Entre 200 mil e 500 mil hab. 5 9 11 19 33 Mais de 500 mil hab. 2 3 6 9 14

Fonte: Dados de Milton Santos (“A urbanização brasileira, 1993)”.

52 Consideram-se municípios ou cidades de porte médio, como geralmente se é de uso corrente, aquelas com população entre 50 mil e 500 mil habitantes (IBGE). Quanto às chamadas cidades médias, referimo- nos a elas por conter funções de centralidade nas redes urbanas, concentrando bens, serviços, fluxos e tecnologia, exercendo forte polarização em relação ao entorno. São geralmente as sedes das regiões administrativas. Porquanto, cidades de porte médio estão ligadas ao tamanho populacional, o que não é fator preponderante para que possamos conceituá-las como cidades médias.

117

Complementarmente, na tabela 18 observamos que, em termos de classificação municipal, no Estado de São Paulo os municípios nas faixas a partir de 100.000 habitantes vêm apresentando nas últimas três décadas (1960, 1970 e 1980) um ligeiro aumento, mas ainda os pequenos municípios, de maneira geral, são muito numerosos. Por isso levantamos a questão da necessidade de que se formulem especificamente para eles políticas públicas que propiciem seu desenvolvimento, pois o planejamento (municipal) se faz necessário independentemente do contingente populacional.

Tabela 18: Tamanho populacional e municípios no Estado de São Paulo entre 1991 e 2010 Popul. no Est. de SP em 1991 2000 2010 Popul. total dos munic. Quant. Quant. Quant. de de de munic. munic. munic. 0-19.999 444 411 401 20.000-99-999 152 172 169 100.000-199.999 25 35 36 200.000-499.999 18 19 30 500.000 ou mais 6 8 9

Fonte: Dados populacionais disponíveis nos Censos Demográficos do IBGE. Org.: Lúcia Iaciara da Silva.

O poder público necessita pensar numa gestão que busque diminuir a deficiência municipal no que diz respeito à manutenção de condições e oportunidades de trabalho à população, dirimindo, assim, seu esvaziamento populacional, e dando maiores condições de qualidade de vida (em todos os aspectos) aos seus habitantes. Se observarmos, no entanto, indicadores (como o IDHM) veremos que a qualidade de vida se apresenta em condições a se considerar boas. Então a reflexão necessária deve estar pautada em como dinamizar, porque grande parte da população economicamente ativa não vê alternativas para permanência no município, nem condições de fluidez para trabalhar no entorno e retornar, o que desemboca também em poucos investimentos no município (em lazer, educação especializada etc.). Portanto, não se espera também crescimento populacional e atratividade para investimentos/empreendimentos no mesmo, alimentando o cenário e a estruturação da rede urbana tal qual se encontra.

118

Junto ao CRAS (Centro de Referência em Assistência Social) do município de Caiabu, no segundo semestre de 2017, foi possível obter algumas informações que dizem respeito à questão de amparo social ofertado pelo município, em que se inserem repasses do governo federal e programas estabelecidos. De acordo com a gestão do CRAS, centro de atendimento às questões sociais para as populações de baixa renda como gestão de nível básico, onde o município assume a gestão da proteção social básica na assistência social, devendo, ao assumir a responsabilidade de organizar a proteção básica em seu município, prevenir situação de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, se responsabilizando pela oferta de programas, projetos e serviços. Os programas e/ou projetos que foram listados pelo serviço de assistência social foram: Programa Viva Leite, Bolsa Família, Renda Cidadã, Renda Cidadã – Benefício para idosos e Ação Cidadã. Os serviços se apresentam como de proteção social básica, incluem-se o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e o Serviço de Atendimento para Idosos. O programa “Viva Leite” é estadual e se caracteriza como distribuição gratuita de leite pasteurizado, com gordura em teor mínimo de 3%, sendo enriquecido com ferro e vitaminas A e D, tem o objetivo de oferecer um complemento alimentar seguro, nutritivo, à baixa renda. É organizado a partir da distribuição de 15 litros de leite por mês, destinados às crianças entre 6 meses e 5 anos e 11 meses de idade, cujas famílias tenham renda per capita de ¼ a ½ salário mínimo. No período de coletas de dados foi constatado que 96 crianças no município eram beneficiadas. O conhecido Programa Bolsa Família, de transferência (direta) de renda, de origem federal, objetiva o combate à pobreza e desigualdade social através do consumo, beneficiando famílias que se encontram em situação de pobreza e pobreza extrema. Com três eixos o Bolsa Família visa, portanto, o complemento da renda, acesso a direitos e articulação com outras ações. Dados da Secretaria de Governo53 explanam o Bolsa Família como parte integrante do Plano Brasil Sem Miséria, em que se pressupõe garantia de renda, inclusão produtiva e acesso aos serviços públicos. O programa seleciona as famílias beneficiadas por meio do Cadastro Único destinado a Programas Sociais do Governo Federal. Segundo as informações oficiais os

53 http://www.secretariadegoverno.gov.br/iniciativas/internacional/fsm/eixos/inclusao-social/bolsa- familia.

119 três eixos principais do programa são assim definidos: transferência de renda, minimizando de imediato a pobreza; condicionalidades do programa, cuja frequência escolar, por exemplo, é obrigatória, o que estabelece o acesso à educação, saúde e assistência social; e ações complementares, buscando mitigar a situação de vulnerabilidade social. Assim sendo, são atendidas todas as famílias com renda per capita de até R$85,00 mensais, bem como famílias cujas rendas per capita varia entre R$85,01 e R$170,00 por mês, com a condição de que possuam filhos em idade escolar (crianças ou adolescentes de 0 a 17 anos de idade). Sua vigência se dá desde 2004. Geralmente o recebimento do benefício é realizado pela mulher, por meio de cartão magnético, variando o valor conforme a composição familiar. No mês de julho de 2017, em Caiabu, foram atendidas 152 famílias, possuindo cadastro 676, cujo valor médio do recurso federal para distribuição informado é de R$ 248.292,00 (o que significa hipoteticamente, considerando que todos os beneficiários recebam valores iguais, R$136,12 por família). O Programa Renda Cidadã, também enquanto programa de transferência de renda, é de caráter estadual, em vigor desde 2005. São cerca de 140.160,00 reais destinados anualmente para aplicação do programa em Caiabu, onde até o momento da coleta de dados encontravam-se 59 famílias atendidas (com valor recebido de R$80,00). São atendidas com prioridade famílias que se enquadrem em renda mensal por pessoa até ¼ do salário mínimo. Já o Programa Ação Cidadã, estadual, tem seu público alvo composto por jovens, se constitui como transferência de renda com intuito de estimular a conclusão da educação básica, preparando os jovens para o mercado de trabalho. A faixa etária atendida é de 15 a 24 anos de idade, com prioridade daqueles que possuam renda familiar per capita de até ¼ do salário mínimo, também se constituindo o benefício por R$80 mensais. O valor que pode ser aportado para aplicação do programa é de R$40.320,00, sua vigência se dá desde 2011, e havia em julho de 2017 apenas 2 beneficiários. Uma variação do Programa Renda Cidadã é a destinação sua para a terceira idade (Benefício Idoso), vigente desde 2013, com objetivo de promover ações complementares para a qualidade de vida, concedendo apoio financeiro ao idoso a partir de 80 anos de idade, cuja renda individual seja de até ½ salário mínimo, constituindo-

120 se o repasse por R$100,00 mensais. São 3 beneficiados (os valores de repasse atingindo R$8.400,00). Com relação aos serviços de proteção social básica, o município desempenha o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que é o trabalho que visa atender famílias vulnerabilizadas socioeconomicamente, de forma continuada54, assim sendo é uma ajuda que envolve capital humano e material. Em Caiabu este serviço passou a vigorar em 2011. Com o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, o atendimento é realizado em grupos, como forma complementar ao PAIF. Com atividades artísticas, culturais e de lazer se visa intervir socialmente, tendo como foco a constituição de espaços de convivência, para integrar e propiciar a troca de experiências entre os participantes. No município o serviço atende crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos de idade, também a faixa entre 15 a 17 anos de idade. São 60 e 18 pessoas inseridas na medida, respectivamente, no núcleo de atendimento “Espaço Amigo”. Para os idosos (faixa etária a partir de 60 anos de idade), o CRAS também desenvolve desde 2011 atividades que visam contribuir para o envelhecimento saudável, com autonomia e sociabilidade, com 60 pessoas atendidas. Abaixo seguem os valores de repasses anuais, fornecidos pela entidade socioassistencial de Caiabu. - Fundo Estadual de Assistência Social: R$38.396,00. - Fundo Nacional de Assistência Social: R$194.700,00. - Benefícios de Prestação Continuada (repasses federais):  Idoso: R$147.840,00;  Deficiente: R$194.700,00. Outro elemento que tem sua importância em ser mencionado neste texto está diretamente atrelado aos meios de o pequeno produtor rural ou empreendedor local acessar, de maneira mais facilitada, crédito para suas atividades econômicas. No caso, no intuito de verificar se há busca pelo Banco do Povo Paulista, existente no município, trazemos no quadro 2 o número de operações que foram realizadas desde sua inauguração, lembrando que esta ocorreu em 10 de dezembro de 2013.

54 Tendo que possuir o município, a partir do CRAS, Conselho de Assistência Social, plano de assistência social aprovado, fundo de assistência social criado por meio de lei e implantado, bem como alocação de recursos próprios neste fundo.

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Quadro 2: Número de operações do Banco do Povo Paulista de Caiabu/SP e valores totais anuais concedidos Operações Valor (R$) 2014 39 229.300,21 2015 43 226.169,28 2016 33 191.099,65 2017 40 254.255,09 201855 23 152.570,00 Fonte: CRAS de Caiabu, 2018.

A fim de entender a dinâmica local e regional que envolve o pequeno município de Caiabu, apresentar alguns elementos e dados gerais de sua história, a partir de fontes secundárias e de entrevistas com ex-prefeitos, parece relevante. Pensamos que com isso a compreensão da dependência – e consequente relevância que a agroindústria sucroalcooleira desempenha – no município de Caiabu possa se fazer de melhor forma.

3.3. Formação histórica e dinâmica econômica

A formação do município de Caiabu se deu através de desmembramento do município de Regente Feijó. Pela lei estadual nº 2456, de 30-11-1953, houve a emancipação de distritos, entre eles o de Caiabu, elevando-o à categoria de município, com instalação em 30 de dezembro daquele ano (IBGE, 2018). A composição do Oeste Paulista, englobando, portanto, Caiabu, está associada ao movimento de expansão territorial, isto é, de movimento da chamada franja pioneira do Estado de São Paulo, ocupação esta com fins econômicos/agropecuários, bastante intensa nos séculos XIX e XX. Conforme Monbeig (1984) explana, constata-se historicamente esse movimento de expansão e incorporação de terras, com a derrubada das matas nativas, no sentido ao Oeste de São Paulo, com inícios no Vale do Paraíba, o que naquele momento foi propício, pois as terras virgens, incorporadas paulatinamente, proporcionavam alta produtividade. A predominância do cultivo se fez pelos cafezais, em grande parte para exportação. Em um momento posterior, a cotonicultura também teve importância, e foi nesta dinâmica que as terras do atual município de Caiabu foram ocupadas.

55 Neste caso o número de operações e os valores concedidos correspondentes se referem ao período até dia 31 de agosto de 2018.

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Registros do Memorial dos Municípios e do IBGE mostram que um dos pioneiros na ocupação das áreas que atualmente correspondem a Caiabu foi Henrique Pedro Ferreira (homenageado em uma das ruas principais da cidade), possibilitando, a partir da cotonicultura, sua inserção à economia nacional. Ainda segundo os registros, Henrique P. Ferreira residia no então distrito de Indiana, com a abertura das matas se instalou também no distrito de Iubatinga, cuja denominação popular é “Ouro Branco”, fazendo alusão aos períodos prósperos atribuídos ao cultivo do algodão. Esse processo se iniciou, aproximadamente, em 1935. O povoamento se deu, primeiramente, pelo povoado de Santo Antônio. A colonização avançava, em novembro de 1944 se tornou distrito de Paz, com nomenclatura Caiabu, oriunda da língua Tupi, cujo significado não se sabe ao certo, mas entre as definições se encontram “terra queimada”, “olhos d‟água da mata” ou ainda “fonte dos marimbondos”. Enquanto houve dinamismo e demanda pelo algodão, houve atração populacional (Memorial dos Municípios; IBGE, 2018). A cultura do algodão, que marca o começo de tudo em Caiabu, como ressaltamos, ao contrário da cafeicultura, já não esteve tão fortemente vinculada à rede ferroviária que se formava para possibilitar o escoamento da produção de café até o porto de Santos, como ocorria, por exemplo, entre os anos de 1870 e 1880, período em que se observara um grande fluxo migratório, sobretudo proveniente da Europa, o que permitiu a continuação do incremento da cultura do café, se estendendo com vigor até meados de 1930, aproximadamente (MONBEIG, 1984). Portanto, é preciso afirmar que é com o café e a marcha pioneira propiciada pela cultura para o oeste de São Paulo que este Estado se firma como ponto central do país. Isto se deu primeiramente seguindo os caminhos do rio Tietê, depois do rio Paranapanema, se “encaixando” o povoamento posteriormente no que se denomina Planalto Ocidental, transpassando a linha de cuestas e as áreas mais serranas a leste (São Paulo, Botucatu, etc.), também se direcionando ao norte do Paraná e sul e centro de Minas Gerais. Assim, como afirma Santos (1994):

[...] a partir da segunda metade do século XIX, quando, a partir da produção de café, o Estado de São Paulo se torna o polo dinâmico de vasta área que abrange os estados mais ao sul e vai incluir, ainda que de modo incompleto, o Rio de Janeiro e Minas Gerais. [...] a explicação pode ser buscada nas mudanças ocorridas tanto nos sistemas de engenharia (materialidade), quanto no sistema social. De um lado a implantação de estradas de ferro, a melhoria dos portos, a criação dos meios de comunicação atribuem uma nova fluidez potencial a essa parte do território brasileiro. De outro lado, é aí também onde se instalam sob os influxos do comércio internacional, formas

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capitalistas de produção, trabalho, intercâmbio, consumo, que vão tornar efetiva aquela fluidez (SANTOS, 1994, p.26-27).

Caiabu conheceu o “segundo” momento de desenvolvimento e crescimento econômico do Estado de São Paulo, quando o café já não permitia grandes lucros, e estava o algodão em ascensão, ainda na década de 1940, quando era ele um povoado (EMUBRA, 2013; IBGE, 2015). A inserção do município, tendo uma atividade econômica dentro de uma perspectiva de divisão do trabalho numa rede hierárquica de cidades em nível regional (ou seja, como função mantenedora da cidade que se forma a partir do povoamento realizado com objetivos econômicos) constitui-se uma forma de continuidade da marcha de expansão para oeste e, então, desse intenso pioneirismo econômico que se deu no Estado de São Paulo no século XIX com a introdução do café. Atualmente, segundo a própria dinâmica que vem se fazendo da concentração e centralização de recursos, pessoas, serviços e indústria, por consequência concentra-se a geração de empregos, nos polos regionais e/ou cidades médias, a centralidade de Presidente Prudente é notória. Pode acabar por haver uma inviabilidade de manutenção per si56 dos pequenos municípios que estão subjugados a esta rede. Na figura 3 é indicada a localização dos municípios de Caiabu (principal objeto da pesquisa), Presidente Prudente e Martinópolis, que possuem maiores fluxos entre si, em que, pela proximidade do polo regional, observa-se grande centralidade e dependência por parte de Caiabu.

56 Adotamos a expressão per si no sentido de desenvolvimento endógeno, que privilegie agentes locais e a produção e circulação de serviços e mercadorias do município e para o município, sem estar ele estritamente aprisionado a condições outras no que diz respeito à geração de emprego e dinâmica social.

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Figura 3: Caiabu, Presidente Prudente e Martinópolis (SP)

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Ocorre, pois, que o município caiabuense no seu processo de formação tomou corpo e sustentação com base na atividade econômica ditada na época por interesses externos, sobretudo, o que vai na contramão de pressupostos de desenvolvimento endógeno. As condições do solo se apresentavam bastante propícias para o cultivo de algodão e amendoim, com fertilidade. Entretanto, com o tempo, o manuseio agrícola, sem técnicas e nem cuidados, e a própria característica geral deste pesaram sobre as atividades, levando à estagnação e migração da população, que não conseguira se fixar após a passagem das condições anteriores. Do declínio das condições antes interessantes para a cotonicultura e plantio de amendoim, praticados em Caiabu, é que se pode fazer alusão à perda do dinamismo verificado para aquela época. Diminuindo-se os postos de trabalho ou as condições de empregabilidade, diminuem-se também as pessoas residentes. Em 1956, período em que o algodão se constituía em notória atividade econômica do município, a população total girava em torno de 12.725 habitantes, 96% (12.216) residentes nas áreas rurais, devido as já enunciadas características produtivas e econômicas do município. Já em meados da década de 1970 a população tem decréscimo vertiginoso, passa desse número a 7.041 habitantes, dentre os quais ainda a maioria constituída por população rural (cerca de 86% ou aproximadamente 6.055 pessoas) (EMUBRA, 2013).

Gráfico 3: Evolução populacional de Caiabu-SP, entre 1970 e 2010

Fonte: IBGE. Acesso em 2011.

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Percebe-se, como Santos (1994) estuda, que este processo da urbanização brasileira (perceptível ainda na década de 1970) justamente tem uma convergência com o crescimento do número de cidades maiores e localizadas em eixos “estratégicos”, ou espécies de nós de ligação mais intensos na rede urbana, segundo nos demonstra Jurado da Silva (2011). Trata-se, a nosso ver, de uma imposição maior das cidades médias, de sua importância, com certo “estacionamento” (mais ainda de muito grande importância) das metrópoles, dado pelo seu próprio congestionamento de funções e fluxos, o que não diminui, de modo algum, a importância dos pequenos municípios, mas que nos leva a indagar sobre quais melhores meios para promover seu desenvolvimento. A região de Presidente Prudente, em geral, teve vários “períodos” econômicos que colaboraram para a constituição da rede urbana e das atividades agropecuárias, se destacando, portanto, inicialmente, a extração de madeira, também a criação de gado de corte e leiteiro, o café (décadas de 1920-30, principalmente), algodão (décadas de 1930- 40, sobretudo), menta (no período da Segunda Guerra Mundial) e atualmente a cana-de- açúcar (IBGE, 2018; ABREU, 1972). Contextualizando essa perda no dinamismo econômico do município, Sebastião Marini afirma, convictamente, de que o problema do desenvolvimento do município está atrelado à decadência da agricultura.

A partir de 1989 começou a diminuir as lavouras, de onde entrou a atuação da empresa da família Junqueira, na época produzia só álcool. Atualmente o desenvolvimento do munícipio se deve à expansão da cana, tendo em média 10 mil alqueires, uns 5 devem ser ocupados por cana. Com isso diminuiu a produção de boi, de agricultura. A maior parte da lavoura hoje se restringe à batata doce (SEBASTIÃO MARINI, julho de 2017).

É interessante obter respaldo na visão dos gestores porque em grande parte suas origens estão ligadas à estreiteza com a terra, com a agricultura. Marini, por exemplo, trabalhava com seu irmão na lavoura. Seu pai era lavrador, mas quando começou a ter prejuízos com algodão, em que se diminuiu a lavoura, passou a trabalhar como funcionário da SABESP (empresa de saneamento de água e esgoto do Estado de São Paulo). Ainda segundo Marini, boa parte da população que foi embora do município o fez em razão da decadência agrícola; Caiabu já teria sido um dos maiores produtores de amendoim da região, mais da metade da área era amendoim (década de 1975 aproximadamente).

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Com a quebra da agricultura muitas famílias foram embora para SP. Eram na época mais de 7 mil hab. Lotes de no máximo 10 alq. A terra era boa. Em 1950-52, até 1960... Depois decaiu. Quando teve o Proálcool,[com a instalação da destilaria] só conseguiu arrendar as terras de uma tia, só conseguiu se desenvolver e expandir a área quando transferiu a sede para Presidente Prudente, próximo ao rio Mandaguari, divisa com Caiabu. Aí formou a usina de açúcar. Os fazendeiros antigos, tradicionais, não queriam arrendar terra em Caiabu (Mahara, Bergamaschi, Thomas...) e a prefeitura não conseguiu convencer SEBASTIÃO MARINI, julho de 2017).

Com relação a essa questão de desenvolvimento pautado na agricultura local, que foi o motor de propulsão para a emancipação do município (inclusive pela predominância de algodão), o ex-prefeito João Antonio Alves, popularmente chamado de João da Égua, elucida a história do município perpassando a história de sua vida e familiares.

Assim... quando a gente chegou em Caiabu, o Caiabu ainda existia muito mato, existia aquelas toras, derrubadas, daqueles tempos antigos existia. Então desenvolvimento é isso aí, o pessoal trabalhou e o município também agregou, assim... também contribuiu pra que as coisas dessem certo pro povo, no caso conservação de estradas, abrir estradas, porque no caso toda propriedade rural ela tem por lei ter uma estrada que vai até lá... então isso o município... hoje já existem muitas propriedades rurais abandonadas no município, abandonadas que eu digo... não é mais como era antigamente que o povo... vou citar um exemplo, nós tínhamos lá na beira do rio do Peixe um sítio, esse sítio quando meu pai comprou estava meio largadão... mas antes tinha tido casa lá nessa propriedade, aí nós compramos, na época inclusive foram três famílias morar lá, meu irmão, casado de novo, ficou morando na beira do Rio do Peixe (JOÃO ANTONIO ALVES, julho de 2017).

Passados o tempo e com a falta de incentivo para a agricultura familiar, além da concorrência da produção de outras áreas, detalhe pontuado por todos os entrevistados, de maneira ou outra, o contexto modifica a paisagem e permite a ampliação dos canaviais no município e atividades que se relacionam à produção do açúcar e álcool.

Hoje, com a entrada do canavial, acabou-se isso tudo, onde tinha residência... a gente sempre fala... você anda assim pelos pastos, pelos canaviais, onde você vê um pé de manga, um pé de fruta, você pode ter certeza que ali antigamente morava uma família. A produção rural que atraia essas famílias... algodão... e muito amendoim também. Quando nós chegamos aqui, nós chegamos em 58, mas nos anos 60 nós produzimos muita mamona, meu pai gostava de produzir mamona, tinha assim, compramos sitinho pequeno de 7 alqueires, depois compramos outro em frente, era 14 alqueires, praticamente era tudo mamona e algodão, uns pedacinhos de milho, as lavouras básicas... algodão, milho, amendoim... e muito arroz na época, porque na época não existia as preservações que existiam hoje, chegava lá naquelas partes úmidas, onde hoje chama preservação de APP, é... você fazia aquilo lá nos lugares úmidos, APP é preservação permanente, tombava aqueles lugares úmidos, aqueles brejos e a gente plantava sessenta sacos de arroz por ano, a gente até ganhou dinheiro na época porque não precisava comprar. Você mora, até o pessoal

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que mora no sítio, vai “na” cidade e compra um pacote de arroz, antigamente a gente produzia (JOÃO ANTÔNIO ALVES, julho de 2017).

De uma produção local de alguns gêneros alimentares se passou a depender mais de vias externas para se obtê-lo; poderíamos até dizer que, além do esvaziamento do campo, contudo sendo o município de Caiabu bastante pequeno e oferecendo apenas serviços e infraestruturas básicas e fundamentais, este com a cidade passa a incorporar mais o modelo de vida urbano. Jurandir Pinheiro (2017), sobretudo pensando nos anos 70 e 80, quando a cotonicultura tinha ainda grande importância para o município, dada a demanda internacional, afirma que nessa época a produção alimentar era presente, sendo que atualmente:

O pessoal usa mais como moradia, cria lá meia dúzia de cabecinha de gado, tem pessoas que não plantam nem uma horta, ele vem à feira na cidade comprar uma alface, não planta na propriedade dele, a maioria é assim. Eu acho que faltou não foi o município, foi o governo [federal] continuar incentivando a pessoa a ficar na terra, mas o governo mesmo não fez por onde, aí é o que eu falei... Os filhos, a pessoa que trabalhou na economia familiar, foi pra usina, o pai ficou sozinho, “ao invés de eu plantar feijão, milho, eu crio um gadinho ali pra não dizer... que dá pra conciliar o trabalho na usina...” (JURANDIR MARQUES PINHEIRO, julho de 2017)

Um dos pontos em comum apresentados pelos gestores que concederam as entrevistas é que com o passar do tempo o desenvolvimento deixou de ser algo mais local, endógeno, baseado na agricultura e pequena propriedade familiar, se cristalizando numa relação de dependência com o setor sucroenergético. Algumas das razões apontadas por eles para o declínio destas atividades foram tanto a falta de apoio governamental, alguns episódios de “seca” e endividamentos, que decorreram no desânimo dos produtores rurais. Marini assim refletiu acerca destes aspectos, quando mencionou o papel do poder público local: “Na realidade a prefeitura estava numa situação bem ruim, mas aí na época tentamos incentivar muito a lavoura. Teve uns dois anos ruins no meio, 85 deu uma seca violenta, lavoura, agricultura, mas o pessoal não tinha mais aquela coragem de plantar porque estava numa situação difícil”. Outro ex-prefeito, Jurandir Marques Pinheiro, no mesmo sentido de reflexão, traduz o contexto que desembocou nas transformações produtivas/econômicas do município, com o enfraquecimento da agricultura familiar ao longo dos anos.

Na época da cana “tava” forte ainda o algodão, o milho; o problema é que o pequeno produtor, devido à dificuldade que ele “tava” tendo pra ter acesso dinheiro do governo pra investir na cultura dele, ele mesmo acabou tendo a

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opção de entrar de empregado na usina e ele mesmo se desestimulou a continuar tentando plantar, até mesmo porque o pequeno produtor, agricultura familiar, era ele, a mulher e dois filhos que tocavam a rocinha dele, os dois filhos já foram pra usina, talvez ele resistiu por mais um ano, mas ele mesmo viu que a opção era trabalhar na usina e parar, porque o governo não fez por onde (JURANDIR MARQUES PINHEIRO, julho de 2017).

Assim, perante as intempéries, oscilações de preço e questões atinentes ao mercado para seus produtos, enfim, as incertezas que a agricultura passou a trazer consigo, ao mesmo tempo em que questões geracionais (filhos que param de participar das atividades da lavoura) foram dificultando a continuidade das atividades e desestimulando a população a continuar suas atividades antes tradicionais, por assim, dizer. Ao mesmo tempo, a garantia de emprego registrado, com remuneração fixa, parecia trazer mais estabilidade. É neste sentido que as visões dos gestores entrevistados avaliam a relação do município com a usina Alto Alegre como positiva. Mesmo atividades de monocultura, que envolvam aspersão de herbicidas, inclusive via aérea, tragam impactos na saúde e ambientais, apontam que há benefícios sociais inegáveis, que mantêm o município, seu dinamismo, já que a maior parte da população dela depende para seu sustento. Jurandir (2017) afirmou essa relevância inegável e o compromisso assumido por parte do dono da indústria sucroenergética priorizar a população de Caiabu para os empregos quando houve sua transferência para Presidente Prudente nos fins da década de 1980. Seu irmão, Dario, atual prefeito explicita que a divisão de terras, o fator intergeracional e todo um contexto de competitividade de outras regiões, bem como contextos mais amplos, internacionais conformaram uma nova organização para Caiabu. Afirma que: A fase do algodão foi a fase boa pro município, e a fase da monocultura da cana foi o emprego, né?! Porque na fase do algodão era economia familiar, o pessoal tinha bastante filho, 5-6-8, todos trabalhavam, só que a família vai aumentando e não tem como a sobrevivência, então aí a opção foi o quê?! Foi trabalhar na usina (DARIO MARQUES PINHEIRO, julho de 2017).

No que tange especificamente ao processo de implantação da unidade fabril da Alto Alegre em Caiabu/SP, bem como sua transferência para Presidente Prudente, polo regional, as entrevistas fornecem também aspectos interessantes à análise de seus porquês e impactos. A implantação de instalações mais amplas e início de produção do açúcar, visto que enquanto se encontrava em Caiabu a unidade funcionava apenas como

130 destilaria, aumentaram a demanda por área circundante, e se deram durante a gestão de Jurandir M. Pinheiro. As declarações, sobretudo desse prefeito que esteve à frente durante o processo de negociação da transferência – e tentativa de permanência – da usina sucroalcooleira Alto Alegre, mostram com veemência como a questão do desenvolvimento está atrelada a ela e tudo que envolva a perspectiva econômica, portanto a polarização que existe de Caiabu com relação à cidade de Presidente Prudente é algo bem notado, assim como as próprias características intrínsecas de a região de Presidente Prudente não ser, por exemplo, de tradição industrial, mas sim agrícola. A pecuária e agricultura tem declinado e seus espaços substituídos por canaviais que contam com alto índice de mecanização (especialmente no corte e plantio da cana- de-açúcar) e com flexibilização nas formas de gestão das demais funções industriais, acarretando um enxugamento nas vagas em diversas outras funções. Pensar no desenvolvimento do município, de sua população, portanto, envolve pensar na geração de empregos, isto é, há uma via financeira que proporciona isso, o bem-estar social, inevitavelmente, numa sociedade regida por leis capitalistas. De acordo com essa linha de raciocínio Jurandir Pinheiro afirma que:

“O ideal pra Caiabu era se conseguisse o prefeito trazer empresas pra gerar emprego pro povo, porque o povo ganhando bem ele por si só melhora a qualidade de vida dele, ele não depende do poder público, município, prefeito em si, pra ele melhorar a qualidade de vida dele, se ele tiver a condição de um bom trabalho, um bom emprego, ele mesmo vai investir na sua família, mas hoje você trazer empresa pra cidade pequena, igual Caiabu, é muito difícil, porque as empresas preferem se fixar em cidades grandes, onde tem toda uma estrutura, tem a matéria prima que ele vai usar na empresa, às vezes vem via trem de ferro, que é mais barato, porque é um grande centro, e você num lugar pequeno, porque praticamente o que você produz numa cidade grande igual Prudente, o mercado consumidor você consegue diluir ali dentro de Prudente.” (JURANDIR MARQUES PINHEIRO, julho de 2017)

Assim, se entende que a questão das cidades estarem organizadas em redes e interdependentes interfere sobremaneira no desenvolvimento e atividades existentes nos municípios, sejam suas áreas urbanas ou no campo. Jurandir Pinheiro conclui que, dentro da composição de Caiabu enquanto cidade pequena, sua infraestrutura e potencial de mercado consumidor desejados para empreendimentos do capital são mínimos, desembocando no que vemos: um município marcadamente rural, onde predominam as atividades agropecuárias, que, com alguns

131 processos, no decorrer dos anos tem decaído, também devido à falta de organização de produtores rurais e incentivo suficiente das escalas de governo. Porquanto:

[...] Caiabu é um lugar tão pequeno que se você montar uma empresa aqui, aqui mesmo você não vai conseguir soltar no mercado o que você tá produzindo, você vai ter que alugar caminhões pra levar tudo pra fora, então 100% do que você vai produzir aqui, vai ser consumido fora, não é atrativo pros empresários montar empresa num lugar pequeno, ele quer montar num lugar que onde parte do que ele vai produzir já seja consumido ali, aí a outra parte ele acaba distribuindo a nível regional, mas uma grande parte já é consumida ali mesmo. Então, ninguém quer vir pra Caiabu (JURANDIR MARQUES PINHEIRO, julho de 2017).

Devemos, complementarmente, considerar, enfocando na ênfase da fala do entrevistado, respaldar o quanto se associa o problema do desenvolvimento de municípios como Caiabu com o seu tamanho, revelando a falta de dinamismo e sua conformação característica de município rural a este contexto e à polarização dentro do quadro de sua região e, então, do polo que deve assegurar serviços mais especializados a seu entorno, de modo que a si confluam fluxos diversos. Deste modo Wanderley (2004):

A pequena dimensão dos municípios e sua estreita dependência do mundo rural é um fato reconhecido no processo de urbanização nacional em seu conjunto e os estudiosos da cidade a ele se referem com termos extremamente expressivos, entre os quais: “vida urbana morta” (Florestan Fernandes); “municípios semirurais” (Juarez R. Brandão Lopes); “cidades não urbanas” (Vilmar Faria). A fronteira entre estes espaços e o espaço propriamente urbano também é vista de forma diversa. George Martine, por exemplo, estabelece como limite, o patamar da população total não inferior a 20 mil habitantes, enquanto Vilmar Faria propõe uma definição ainda mais restrita da população urbana, correspondendo às “pessoas vivendo nas sedes urbanas dos municípios”, ao mesmo tempo que considera cidades, apenas “as sedes municipais com mais de 20 mil habitantes (Wanderley, 2004).

Acentuando algo que aqui já pincelamos, sabe-se, através das entrevistas, que com o início do povoamento no município de Caiabu, além da cotonicultura, que foi o estímulo precursor e principal razão de sua existência, pode-se dizer, havia uma pluralidade nas culturas, e isso mantinha as famílias no campo, no município, permitindo sua manutenção, enquanto o fracionamento de terras não chegasse a ser um obstáculo para isso. Um traço, portanto, ao qual devemos nos atentar é de que enquanto houve muito boa fertilidade natural dos solos e quantidade de terra para as novas famílias que se constituíam em Caiabu, a agricultura possuía certo dinamismo. Pequenas indústrias

132 processadoras da região se ligavam ao município, onde era possível escoar e beneficiar a produção. Quando, por exemplo, o ex-prefeito João Alves descreveu o período acima de que havia um pequeno conjunto de empresas/indústrias que absorviam a produção da região, nas proximidades, de onde a economia local podia se sustentar, não havendo tão grande estreitamento da dependência por uma empresa ou canal de escoamento. O entrevistado mencionou nomes de algumas indústrias e municípios para onde a produção agrícola era direcionada e podia então ser beneficiada e distribuída, Braswell, LOTO; o arroz, cultivado nas áreas de preservação permanente, que muitas vezes se compunha por nascentes, era direcionado ao município de Mariápolis, que faz divisa com Caiabu, que possuía duas máquinas de beneficiar arroz, sendo que o próprio município de Caiabu também possuía. Assim, o produtor rural levava seu arroz até lá e recebia-o limpo, deixando um percentual do mesmo como pagamento.

Então a gente tipo assim pegava sessenta sacos de arroz, beneficiava, jogava tudo aquele arroz, a máquina limpava, deixava tudo limpinho, aí eles ficavam, pegavam um percentual pra eles, aquele, a quirera, o farelo de arroz, eles ficavam tudo pra eles, tipo assim... você entregava 60 kg, beneficiava e devolvia 40 kg limpos pra você, o resto que sobrava tudo é lucro da máquina. E eles também compravam, beneficiavam e vendiam pra cidade, pra cerealistas, tudo (JOÃO ANTONIO ALVES, julho de 2017).

Alguns aspectos do modelo Christalleriano – em termos de relações entre cidades em redes, com hierarquias de centros regionais, locais, etc. – ainda podem ser considerados muito válidos para explicar as relações econômicas, de empregos, de serviços e de fluxos populacionais no conjunto de cidades, na rede urbana (ou como, gosto de considerar, rede de municípios), vislumbramos a inserção de Caiabu em suas relações com o polo regional Presidente Prudente, do qual é parte integrante em sua região administrativa (10ª Região Administrativa). Cunha, Simões e Paula (2008) reconhecem a importância da região numa perspectiva que deve valorizar a história, o tempo e o espaço. Pensam na região como uma produção cultural, onde se:

[...] introduz a um só tempo a questão da diversidade, da dinâmica histórica e mutabilidade das experiências concretas, e da necessidade de se ultrapassar o puro dado material, a paisagem natural, na direção do espaço vivido. Tudo isto responde a questões iniciais da ligação profunda entre história e região, entre história e espaço, entre tempo e espaço (CUNHA, SIMÕES, PAULA, 2008, p. 495).

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Reconhece-se aqui a importância dos agentes, de sua cultura e, então, do papel do devir histórico na configuração dos espaços e de suas dinâmicas, como com relação ao emprego, que, no caso de Caiabu evidencia-se (no conjunto da região) pela monocultura da cana-de-açúcar, a agroindústria de açúcar e álcool gerando empregos e fixando a população, de modo que se percebe que, por determinados contextos e conjunturas, que aqui serão esboçados, a agricultura de cunho familiar, com uma maior diversificação da produção foi se solapando e deixando sua importância renegada a outro plano. É relevante que se delineie, aproximadamente, a teoria do Lugar Central de Christaller, ou ao menos o que consideramos por válida dela no sentido de buscarmos a compreensão do município de Caiabu pela agroindústria sucroenergética, esta estabelecida em Presidente Prudente/SP. Assim, a Teoria do Lugar Central se fundamenta pelo princípio da centralidade. Considera-se que o espaço é organizado a partir de gradações das localidades, municípios, em termos de sua importância e capacidade de oferecer serviços e/ou equipamentos para outros, enfim, considerando como ponto de magnetismo para o entorno. Cunha, Simões e Paula (2008) elucidam a teoria em que a partir de um núcleo urbano principal, denominado lugar central, há uma região complementar, o seu entorno, nisto, nesta área, há uma relação de interdependência com o núcleo principal, de onde a maior parte de bens e serviços, urbanos, seja ofertada e a partir daí supridos, a partir de determinados deslocamentos anseios das populações de municípios menores e com menos recursos e capacidades de prover diversidade destes. Por meio de sua teoria, Christaller, ainda complementam os autores, traz contribuição para entendermos a economia regional, ou seja, como funcionam em complementaridade os municípios circunscritos a uma dada área. A teoria traz os limites crítico e de alcance, na tentativa de vislumbrar a existência de interdependências, limites e a formatação enquanto uma centralidade em si. A oferta de serviços nas redes urbanas a partir de um núcleo principal (polo), conjuntamente à sua capacidade de abarcar, isto é, atrair fluxos para si, em razão do tipo e complexidade de serviços (o que se liga a seus limites críticos), como também pelas distâncias a serem percorridas para tanto, a depender do caráter e/ou monopólio destes mesmos serviços (limite crítico). A depender da capacidade de suprir as necessidades de

134 seu entorno e, então exercer essa centralidade, o crescimento do centro/núcleo urbano, e essa centralidade, bem como oferta de serviços especializados passa a se expandir. Quanto a esses limites os autores ponderam que: 1) “limite crítico”, definido em termos do nível mínimo de demanda necessário para estimular a oferta do bem ou serviço, refletindo as economias de escala na prestação do serviço e as economias urbanas de aglomeração; e 2) “alcance”, caracterizado como a distância máxima que se está disposto a percorrer para o usufruto do bem ou serviço, variando de acordo com a complexidade do mesmo. Assim, o limite crítico pode ser representado como o menor círculo concêntrico que justifique a oferta do bem ou serviço e o alcance como o maior círculo concêntrico que forma a região complementar do lugar central e define sua área de influência. Esta encontra seu limite na existência de outra área de influência de um centro de igual ou superior hierarquia (CUNHA, SIMÕES, PAULA, 2008, p. 503-504).

Nesse sentido, quanto maior for a centralidade e gama de serviços complexos/específicos oferecidos pelo denominado lugar central, maior também será seu poder de atração dos municípios em torno. De acordo com os serviços ofertados e aqueles que também não são ofertados por certo centro local, encontramos as relações de interdependência e complementaridade, ao serem outras demandas atendidas por outras localidades dotadas, em algum nível, de centralidade. A perspectiva adotada por Milton Santos ao tratar da referida “inseparabilidade das realidades e das noções de sociedade e de espaço” na formação econômico-social, ou ainda quando insiste que, “assim, o espaço, espaço-tempo, é o testemunho de um modo de produção nestas suas manifestações concretas, o testemunho de um momento do mundo”, reforça de alguma maneira esta perspectiva “geológica” da categoria de formação econômico-social. A formação econômico-social, na interpretação de Godelier, não é uma representação única à confluência de tempos distintos, mas a um múltiplo de formações e a um quadro que encerra essas temporalidades em termos de permanências. A realidade se faz assim imbricada, incrustada de formações que são ao mesmo tempo a forma de uma determinada relação e o processo que a conformou, permanências em relação dialógica com o presente. Vislumbramos Caiabu como um centro local, que oferece apenas o básico para sua população, mantendo-se ligado ao polo regional de Presidente Prudente, para suprir os desejos e necessidades de serviços mais complexos da mesma, em termos de saúde, lazer, entretenimento e ensino técnico e superior. Esse poder de atração, isto é, a centralidade de Presidente Prudente pode assim, ser apercebido pelo decréscimo populacional que Caiabu teve, desde os anos 1970, conjugado à perda de dinamismo da agricultura familiar aproximadamente no mesmo período, onde a usina sucroalcooleira

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Alto Alegre expande sua área de plantio e se torna alternativa cada vez mais relevante de emprego e fixação da população no município. A este respeito as entrevistas com os gestores demonstram o percurso, com indicativos da expansão da área de cana-de- açúcar no município, atrelado à expansão da agroindústria, também da decadência agrícola local de caráter marcadamente familiar. Tânia Frescas (1990), com relação a isso reflete na importância de se pensar a rede urbana para compreender a dinâmica de um município, em seus mais variados aspectos. Entende a rede urbana como o arcabouço da economia, de modo que ela se mostre resultado das transformações sociais e econômicas e, assim sendo, também acabe por condicionar simultaneamente estas transformações, numa via de mão dupla. Portanto a apreensão histórica no estudo se torna primordial, a própria questão do espaço e do tempo. Complementa seu raciocínio sobre as redes urbanas considerando-as como formas que operam no espaço a mobilização, concentração e extração geográfica dos produtos excedentes na sociedade, ou seja, algo deve ser produzido em cada localidade, nisso Frescas (1990) considera que cada cidade tem que cumprir um papel no conjunto urbano, e aí está sua razão de existir, considerando-a enquanto forma criada com algum significado, tendo seu valor atribuído em determinado contexto histórico, onde as formas guardam funções, funções estas que ao longo do tempo podem se alterar. Com relação à industrialização da região a qual Caiabu é componente, constatamos que a 10ª Região Administrativa é predominantemente agrícola, com essa própria expansão da cana-de-açúcar da agroindústria que envolve atividades de produção de cana-de-açúcar, álcoois anidro e hidratado e bioenergia. Estudo sobre o perfil da indústria na 10ª Região Administrativa do Estado de São Paulo, do ano de 2011, demonstra isso e traz preposições, do deputado estadual Ed Thomas (PSB), para investimentos na área, através de um projeto de Lei 447/201, cuja finalidade era a criação, pelo Poder Executivo, de um Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social do Oeste Paulista (10ª Região Administrativa), inserindo a região no Programa de Desenvolvimento do Estado de São Paulo. A criação deste Fundo tem direcionamento no que tange a municípios com baixo dinamismo econômico e, então, com problemas sociais, e é proveniente da Lei 1054/2000, a 10º Região Administrativa possui estas características, e o Índice de Responsabilidade Social (IPRS), na dimensão Riqueza, evidencia isso.

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O relatório do estudo assim cita suas premissas enquanto um Programa de Desenvolvimento Regional (PDR): O objetivo do PDR é promover o equilíbrio econômico e social incrementando a produção agrícola e agroindustrial; o incremento do turismo e ecoturismo; a implantação de novos empreendimentos agrícolas, industriais, agroindustriais e de serviços; a expansão, modernização ou diversificação de empreendimentos agrícolas, industriais, agroindustriais e de serviços; a disponibilização de infraestrutura adequada, compreendendo o sistema viário e energético, saneamento básico, assim como, habitação, saúde e educação, especialmente, qualificação profissional (ESTUDO SOBRE O PERFIL DA INDÚSTRIA NA 10ª REGIÃO ADMINISTRATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011).

A esse respeito temos que o DECRETO nº 63.314, de 26 de Março de 2018 propõe isso, onde se apreciam investimentos que incluem a 10ª Região Administrativa, através do Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social do Pontal do Paranapanema (FUNDESPAR), de modo que a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania passe a ter o convênio com o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), bem como pelos municípios da 10ª Região Administrativa do Estado de São Paulo, para que projetos recebam recursos, com intermédio da DESENVOLVE SP – Agência de Desenvolvimento Paulista. Conforme as entrevistas com os últimos gestores da prefeitura municipal de Caiabu/SP mostraram, juntamente aos dados do IBGE (Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA) houve uma perda de dinamismo da agricultura (familiar) no município ao longo dos anos, sendo incorporada a cultura canavieira, e se expandindo, de onde se tornou a principal fonte de emprego para as famílias residentes. É também ao longo dos anos, com essa nova configuração em Caiabu, que a Usina de Açúcar e Álcool Alto Alegre assume fundamental importância na dinâmica tanto social quanto econômica do município, assim como em outros que também incorporam a Região Administrativa de Presidente Prudente. Os quadros57 seguintes mostram os cultivos mais tradicionais, os quais podemos considerar, então, presentes no município de Caiabu, em conjunto com a cotonicultura e o amendoim, de 1988 a 2016, em termos de áreas plantadas ou áreas de colheitas, conforme o SIDRA disponibiliza.

57 As linhas sem preenchimento de valores indicam a ausência de dados ou, conforme se verifica a diminuição da área de plantio ou de colheita, ao longo dos anos, a ausência do cultivo.

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Quadro 3A: Produção de algodão e outros gêneros agrícolas em Caiabu/SP – 1988- 2016/ área plantada (hectares) Ano Algodão Batata Cana- Mandioca Melancia Tomate herbáceo doce de- (ha) (ha) (ha) em caroço (ha) açúcar (ha) (ha)

1988 2.050 1.300 30 1989 1.750 2.259 30 30 1990 1.980 2.200 40 20 20 1991 1.800 2.200 40 25 20 1992 2.000 1.700 20 25 20 1993 1.800 2.200 35 50 10 1994 1.800 2.000 35 30 36 1995 400 120 2.362 40 50 30 1996 480 30 2.362 50 20 1997 250 86 5.764 48 1998 407 86 5.800 48 1999 240 1.300 2000 240 4.612 2001 250 4.612 2002 250 4.612 2003 250 4.105 17 2004 200 4.612 17 2005 250 4.842 22 2006 250 4.612 22 10 2007 250 4612 22 2008 200 5.182 2009 7.916 2010 2 9.895 2011 2 8.000 2012 2 6.089

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2013 2 6.089 2014 2 6.089 2015 2 6.089 2016 2 6.089

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal. (https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1612#resultado).

Quadro 3B: Produção de gêneros agrícolas em Caiabu/SP – 1988-2016/ Área destinada à colheita Ano Café em Laranja Limão Manga Maracujá grão (total/ha)

1988 150 1989 102 1990 100 17 4 1991 85 18 4 1992 85 18 4 1993 70 13 4 1 1994 54 20 4 1 1995 54 20 4 1 1996 54 21 4 1 1997 54 20 4 8 1 1998 54 21 5 8 1999 5 8 2000 8 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 7

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2008 7 2009 7 2010 21 2011 21 2012 5 2013 5 2014 5 2015 5 2016 5

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal (https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1613#resultado).

Os quadros 3 A e 3 B58 trazem outros cultivos, cuja forma de medida são, respectivamente, a área plantada e a área colhida. São eles: batata doce, cana-de-açúcar, tomate, algodão herbáceo em caroço, mandioca e melancia (Quadro 3 A); café, limão, manga, laranja e maracujá (quadro 3 B). Os dados existentes abarcam um período de 28 anos, entre os anos de 1988 e 2016. Outro quadro (4) ainda pode ser apresentado, no recorte temporal de 2003 a 2016, o que se mostra importante para avaliar as transformações na agricultura do município de Caiabu/SP. São dados relativos ao amendoim, milho e feijão.

Quadro 4: Cultivo de amendoim, milho e feijão no município de Caiabu/SP, entre 2003 e 2016 – Área plantada em hectares (1ª e 2ª safras) Ano Amendoim Milho Feijão

2003 100 450 100 2004 100 450 100 2005 100 450 100 2006 100 450 100 2007 200 450 100 2008 100 450 100 2009 ......

58 Conforme se apresenta no SIDRA, os dados dos quadros 3 A e 3 B especificam suas áreas em área plantada e área destinada à colheita, respectivamente.

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2010 ...... 2011 3 528 ... 2012 3 528 100 2013 3 580 - 2014 3 580 ... 2015 3 580 ... 2016 3 580 ...

Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal.59

Em termos gerais, depois de uma rápida análise dos cultivos que comparecem no banco de dados do SIDRA e que caracterizam, portanto, quais cultivos estavam e estão presentes na agricultura do município de Caiabu, no recorte temporal disponível, percebemos que esta se fez em linhas e através de cultivares tradicionais, incluindo feijão, milho e amendoim como presentes nos registros (também houve, anos atrás cultivos de arroz que era, inclusive comercializado, feito sobre áreas de “brejos”, nascentes, quando não havia tão grande cuidado com leis ambientais e as áreas de mata sem desmatamento, disponíveis eram, também, maiores, segundo entrevista com João Alves). Em se considerando estes três cultivos basilares, entre 2003 e 2016 (infelizmente o recorte temporal não abrange períodos importantes para caracterizar a agricultura de Caiabu, tomando-a desde seu processo de formação), sobretudo entendendo-se que o amendoim fez parte do histórico econômico de Caiabu e região, de modo que havia um mercado que estimulou a produção, nota-se que o seu cultivo decai consideravelmente, perdendo sua importância enquanto atividade econômica para o município, enquanto o plantio de milho mantém-se estável. A contragosto de algumas lacunas de informações existentes para os dados no decorrer dos anos, percebe-se o movimento geral de declínio da agricultura (familiar) do município, inclusive quando pensamos especificamente no algodão, nas memórias remetidas a ele com relação a períodos prósperos, ao “ouro branco”. Tendo se estruturado a economia local com base em condições favoráveis nacionais e

59 Fonte: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1000#resultado ;https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1002#resultado; https://sidra.ibge.gov.br/tabela/839#resultado;

... Dados das safras de 2009 e 2010 no Estado de São Paulo não estão disponíveis. 141 internacionais, em que a atividade relacionada à cotonicultura trouxe empresas estrangeiras para alguns municípios do oeste paulistas, em que houve financiamento e compra da produção dos agricultores familiares, também a valorização da fibra e do seu consumo no mundo todo, o romper de todas essas condições demonstra o quão frágeis eram os alicerces desta mesma economia (MONBEIG, 1984; URBAN et. al., 1995). No ano de 1988 a quantia de 2.050 hectares de solos era ocupada pela cotonicultura, ao longo das quase três décadas isto vai se solapando, até praticamente se extinguir, em 2006, em que se registrou apenas 2 hectares ocupados pelo cultivo. A realidade, quando se percorre os espaços rurais de Caiabu, de maneira geral, apresenta isto. Não existe mais visivelmente, há anos, aquelas áreas esbranquiçadas ornando os campos, como outrora, como nos meus tempos de infância, eu via. Não há mais aquelas fileiras de pessoas nas ruas dos pés de algodão, devidamente preparadas com seus sacos presos à cintura, onde podia se observar o andar conforme o dia avançava e os capuchos de algodão sendo removidos, parte à parte, manualmente, delas. Tendo o ano de 2003 como um referencial interessante no que tange à produção da cana-de-açúcar em agroindústrias (principalmente paulistas), com o novo impulso dado à produção de etanol pela implementação de veículos flex fuel no mercado brasileiro, o gráfico 4 mostra um período diferenciado com relação à importância dos empregos formais na agricultura e pecuária em Caiabu/SP, por exemplo, de modo que entre 1997 e 2003 se passa de 80,76% neste segmento para 78,52% em 2001, apenas 15,02% em 2002 , 13,45% em 2003, 11,66% em 2004, até que estes percentuais passam nos anos seguintes a ficar abaixo de 10%, por diversos fatores, dentre eles a expansão dos canaviais para processamento industrial (de etanol e açúcar), vendo-se nitidamente a homogeneização e monotonia da paisagem.

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Gráfico 4: Participação dos Empregos Formais da Agricultura, Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Aquicultura no Total de Empregos Formais (em %) - 1991-2017

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. Relação Anual de Informações Sociais – RAIS./Fundação SEADE.

A paisagem (fisicamente) apresenta imagens mais ou menos homogêneas da cana-de-açúcar, naquele tom esverdeado claro, bem como de um tom de capim seco, expressas nas grandes plantações em vastas áreas contínuas, sobretudo ocupando áreas às margens das rodovias e vicinais, onde a logística de acesso das grandes máquinas colhedeiras é facilitado, bem como o transporte da matéria-prima até a indústria, para seu processamento e distribuição, também por vias que perpassam Caiabu para a distribuição de seus produtos finais.

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Figura 4: Processo mecanizado da colheita da cana-de-açúcar

Vemos o processo mecanizado do corte e colheita da cana-de-açúcar, onde se apresenta em primeiro plano um caminhão-pipa, ao fundo observamos o trator e o transbordo para a coleta da cana cortada, sendo que, apesar de o relevo de Caiabu, nas proximidades de Iubatinga inclusive, se constituírem por colinas em parte, se observa a localização em áreas mais aplainadas. Assim, é fácil visualizar o “enxugamento” no número de trabalhadores que houve e ainda vem ocorrendo no setor sucroenergético dentro de seu processo de modernização e da chamada flexibilização do trabalho. Fonte: Lúcia Iaciara da Silva, junho de 2018.

Figura 5: Fotografia panorâmica – Contraste entre pequena propriedade rural e canavial

Na fotografia panorâmica observamos o contraste de uma pequena propriedade rural, à esquerda, com áreas de cana-de-açúcar plantada, à direita, com a finalidade da produção de açúcar e álcool, sobretudo. No primeiro plano está uma área onde o corte já foi efetuado, enquanto aparecem áreas de colinas ao fundo, em que grande parte está tomada pelo cultivo. Fonte: Lúcia Iaciara da Silva, julho de 2018.

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Figura 6: Fotografia do relevo e cultivo de cana-de-açúcar

Relevo onde é cultivada a cana-de-açúcar para uso agroindustrial. Observe-se na paisagem as diversas etapas do cultivo e corte da cana de açúcar, bem como o uso de curvas de nível nas colinas. Assim como as fotografias anteriores, a área se situa nas proximidades do distrito de Iubatinga, uma localização muito interessante do ponto de vista da logística, já que dista pouco da usina sucroalcooleira Alto Alegre. Fonte: Lúcia Iaciara da Silva, julho de 2018.

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Figura 7: Áreas com cana-de-açúcar já cortada, destacando o relevo com curvas de nível

Áreas com cana-de-açúcar plantada, já cortada, com relevo recortado em curvas de nível. Fonte: Lúcia Iaciara da Silva, julho de 2018.

Figura 8: Visão do terreno com canaviais e distrito de “Ouro Banco”

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Visão do terreno onde é cultivada a cana-de-açúcar, onde, ao fim das colinas, na linha do horizonte se pode observar o distrito de Iubatinga (parte urbanizada). Fonte: Lúcia Iaciara da Silva, julho de 2018.

O que se constatou, enfim? Os municípios pequenos são inúmeros, mas a receita própria ínfima, o que faz com que sejam altamente dependentes de repasse de recursos de outras escalas de governo, acentuando possíveis favorecimentos, ou desfavorecimentos, para uns e outros, já que se podem desenhar relações que busquem coligações e combinados, trocas de favores, tornando investimentos na escala municipal, em alguns casos, um jogo e difícil. Entendendo-se e considerando que o pilar de sustentação de Caiabu é sim o monocultivo da cana-de-açúcar e a atividade da indústria sucroenergética a ele ligado, é impossível não enxergar que o bônus vem acompanhado de seu ônus. As fotografias apresentadas, em parte, nos permitem ter uma ideia, de como se dá a dinâmica de trabalho nas áreas rurais, com os canaviais, nos períodos de safra, entretanto questões como contaminação do solo pelo uso intensivo de agrotóxicos, incluindo a pulverização aérea, desgaste e intoxicação destes trabalhadores que manipulam e aplicam os herbicidas, não são nestas retratadas, bem como a situação de péssima conservação da pavimentação asfáltica, que é alvo de reclamação da população. Mesmo assim, como se verificou por meio das entrevistas, a manutenção das famílias e das gerações que vêm se somar após a perda de dinamismo e fracionamento de terras, dificultando a sobrevivência a partir delas, então, é atribuída à geração de empregos no setor sucroenergético, pela usina Alto Alegre, que confere estabilidade (contraditoriamente apesar de entender-se o processo de desvinculação de empresa e trabalhador, por meio dos contratos temporários, “safristas”, e redução de direitos, acarretando perdas salariais, que foram permitidas nacionalmente pelo governo federal recentemente), o que permite que o esvaziamento populacional seja menor e os jovens que permanecem em Caiabu possam adquirir bens materiais e ter um planejamento mais seguro de suas vidas. A partir do modelo Christalleriano, faz sentido, então, entender a organização das atividades humanas em torno de preceitos de hierarquia, porque em uma sociedade capitalista o que prevalece é a busca do lucro, pura e simplesmente, sendo contornados os conflitos sociais no que diz respeito ao que se determina de mais-valia e a remuneração do trabalhador, ou seja, há uma remuneração tal que permita a reprodução

147 do trabalhador. O Estado tem papel primordial neste aspecto, na gestão de conflitos entre proletariado/sociedade e capital, em que é responsável por prover determinadas necessidades à sociedade, conferindo oportunidades de sua reprodução e minimização de conflitos. De modo que se apontou no presente texto a intervenção (histórica) do Estado na economia canavieira (em decorrência da divisão internacional do trabalho e via investimentos público) – às vezes maior, às vezes menor – o que se pode teorizar é a figura do Estado enquanto elemento sustentador do setor/complexo, através de seus cuidados fiscais e regulatórios concedidos ao mesmo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devemos admitir que as problemáticas de pesquisas cá levantadas não se encerram. Incitada a pesquisa por algumas questões que nos pairavam, suscita novas indagações, pois nossos limites não dão conta de alcançar suas respostas, bem como o processo continua. Portanto, consideramos a pesquisa dentro do propósito de analisar os impactos de escalas macro em localidades classificadas como pequenos municípios e como isto impacta e direciona não só a dinâmica econômica do município, mas no nível social e de vivências cotidianas (além do que a monocultura e a escassez de outras oportunidades, que se verificou, mostram-se como algo que impele a fluxos de saída do município para o polo regional, principalmente, isto é, para Presidente Prudente). A história do Brasil e suas escolhas respaldadas dentro do sistema político e econômico levam a entender a configuração espacial nacional e as regionalizações como forma de sua organização e concentração/distribuição dos recursos do Estado. Por sua vez, verificamos que as ideologias no campo político direcionaram e direcionam o que se entende por desenvolvimento – o que ainda não é tão claro, devido a suas várias acepções – ora em um discurso mais economicista, ora abrangendo os estratos sociais, numa perspectiva mais reparadora das desigualdades, sem deixar de lado empresas capitalistas, como a sucroenergética, de seu planejamento. Observamos o que na geografia tem se nomeado, então, como territorialização da cana-de-açúcar, movida por incentivos/políticas públicas, como também por condições ambientais, climáticas e hídricas no Estado de São Paulo e, mais especificamente, no Pontal do Paranapanema, que lhe são propícias. Portanto, a apropriação do espaço não é isenta de histórico e condicionalidades, tanto é que, sendo uma região com questões envolvendo disponibilidade de terras cuja propriedade se dá, em imensa parte, por grilagem das terras devolutas, houve, especialmente após a implementação dos veículos biocombustíveis, em 2003, expansão da cadeia produtiva da cana-de-açúcar. É plausível afirmar que passados tantos anos desde a situação de colônia do Brasil, com sua declaração de independência, depois sua proclamação da República, algumas coisas não mudaram tanto. Há estruturas que continuam. E em certa medida podemos considerar a economia brasileira pautada ainda, no esquema agroexportador,

149 em que commodities são vendidas, e a grande escala se sobrepõe, em alguns casos, à modernização e ao processamento, para este tipo de comércio internacional. Mas não só isso, as cadeias produtivas sucroenergética correspondem a um plano de dinamização econômica interna (mercado interno), bem como às demandas de um mercado internacional, revestidas da sorte do apoio público e do discurso ambiental. Regiões que vem sendo caracterizadas com monoculturas de cana-de-açúcar (como o Pontal do Paranapanema, no Estado de São Paulo, e parte do Mato Grosso do Sul, que mostra a continuidade desse processo de expansão) mostram essa dinâmica. Assim, temos que ponderar o peso da globalização e do comércio internacional na organização dos espaços nacionais e dinâmicas de suas populações. O local é influenciado e moldado por outras escalas. Não há isolamento, mas uma complexidade a se pensar. Refletimos sobre o município de Caiabu/SP neste sentido. Em suma, o município de Caiabu se apresenta enquadrado em relações cujas escalas abrangem desde o nível regional e nacional, bem como o internacional. Depois da fase da cotonicultura, que deu fôlego à criação, desenvolvimento e povoamento do pequeno município, a cana-de-açúcar e sua agroindústria comparecem como motriz do município. Nisto, quando falamos da relação interescalar de dinâmicas que repercutem a nível local, situamos a importância que o PROÁLCOOL teve para a atual estruturação do município, que se encontra como área de mão-de-obra e de expansão do cultivo. O Programa Nacional do Álcool estimulou esta realidade e a instalação da destilaria, na década de 1980. A breve permanência desta mesma destilaria no perímetro de Caiabu se deu em face das disputas entre governos por empreendimentos (que prometessem desenvolvimento a sua população local), no período neoliberal, configurando uma perda para Caiabu ao se transferir para a área de Presidente Prudente, se beneficiando de infraestrutura, logística e benefícios fiscais, concedidos pelo governo prudentino. As negociações resultaram no comprometimento de se garantir a oferta de empregos para a população de Caiabu como uma das prioridades (e assim se observa atualmente). Já o neodesenvolvimentismo pode ser situado pelo novo impulso que se buscou dar para a qual podemos chamar de cadeia produtiva sucroalcooleira, pelo desenvolvimento da tecnologia combustível, incentivando o uso do etanol como combustível veicular, no qual se demarca a expansão dos cultivos e homogeneização territorial e econômica, de certo modo.

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Caiabu comparece, portanto, como um município emancipado em 1953, ainda numa fase desenvolvimentista e com suas dinâmicas econômicas interligadas à escalas mais amplas; o início do cultivo da cana-de-açúcar se dá também em meio ao contexto nacional da instauração do Programa Nacional do Álcool, naquele momento enquanto destilaria, pelo modelo de substituição parcial da gasolina pelo etanol, enquanto sua transferência para Presidente Prudente/SP permite vislumbrar características inerentes ao crescimento da importância das cidades médias, bem como o episódio de disputa por investimentos em localidades, através de concessões, nos anos 90-2000, dentro do que se aventou como neodesenvolvimentismo. A própria questão de seguir ciclos econômicos, amparados por contextos e aspectos de escalas que superam a localidade, transformou a paisagem (física) do município de Caiabu e municípios circundantes numa homogênea perspectiva de vida de seus moradores, diante dos olhos e de suas ocupações, em maioria, havendo concentração de agroindústrias sucroalcooleiras no Pontal do Paranapanema. Revela-se uma dinâmica de bem e mal para o mesmo, em que vislumbramos a dependência de Caiabu por este, trazendo empregos e mantendo a população, mas também tendo esta que arcar com os impactos que resultam na situação de exploração do trabalho na sociedade capitalista quanto acabando por desmotivar outros meios endógenos de subsistência, como se pretende a agricultura familiar. Caiabu, como tantos outros pequenos municípios, vive imerso na situação de expansão de monoculturas e subjugado à polarização de Presidente Prudente, por exemplo, para atender outras demandas não possíveis de serem supridas por si. Os indicadores sociais e econômicos, de modo geral, apontam uma situação regular, entretanto, é claro para os habitantes de Caiabu que não há uma diversidade de funções que possam ser ocupadas/exercidas enquanto residentes neste, uma questão de que especialização funcional não é suportada por municípios de pequeno porte. E com a atual configuração e política de “enxugamento” da empresa o espaço para que a população se mantenha empregada nesta tem se reduzido bastante. As informações repassadas pelo CRAS do município de Caiabu, de modo geral, também nos permitem algumas indagações e pensamentos: os valores de repasses, via programas e projetos, em relação com o quantitativo da população parecem significantes, isto é, podem ser considerados um traço da perda de dinamismo e das opções locais de geração de renda. Em virtude disso vislumbramos a necessidade deque haja um agente público impulsor para engajar-se na retomada da agricultura familiar

151 como forma de minimizar os efeitos (socioeconômicos) negativos do monocultivo canavieiro. Vivemos, poderia arriscar, um novo surto neoliberal no país (sobretudo com o presidente Bolsonaro na presidência a partir de 2019), ao pensarmos e verificarmos as propostas do atual governo, que prima pela redução dos diretos trabalhistas, bem como da responsabilidade social do Estado em políticas públicas e de manter estatais estratégicas como patrimônio e motriz de desenvolvimento da sociedade brasileira. E os reflexos são sentidos em todas as escalas, incluindo as relações trabalhistas nas indústrias sucroenergética, isto é, na escala local. Assim, os poucos indicadores sociais trazidos nesta dissertação demonstram, que no geral, se tomados os valores médios, a qualidade de vida da população caiabuense tende a ser positiva, entretanto a manutenção ou crescimento do número populacional não se dá, visto que as expectativas de reprodução social e familiar, bem como de ascensão, são escassas, o que mantém a situação estagnada de um desenvolvimento socioeconômico bastante interligado a outras escalas e deixando a desejar quanto às alternativas fundamentalmente locais de manutenção.

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ANEXOS Roteiro de Entrevista Semiestruturada (Data:__/__/__)

 Nome:  Cargo/profissão:  Naturalidade. Desde quando reside, então, no município de Caiabu?  Qual sua visão de desenvolvimento, como explicaria essa palavra? Conseguiria trazer exemplos disso para Caiabu?  Desde quando iniciou sua gestão enquanto prefeito de Caiabu, quais suas recordações da situação socioeconômica em que se encontrava o município no início e no decorrer da mesma?  E, tomando o período entre 1970 a 1980 (no contexto do Proálcool), do que se lembra (as condições de Caiabu, questões relacionadas ao contexto e políticas do Estado de São Paulo, como também na escala federal)?  Neste período de transição da década de 1970 para 1980, e com a Constituição de 1988 (período em que houve a municipalização/descentralização administrativa), quais foram, na sua opinião, as principais mudanças ocorridas (com relação aos programas federais/políticas públicas, assistência [financeira] aos municípios, repasse de recursos/orçamento, recursos humanos na instância municipal)?  Como o sr. (a sra.) descreveria as mudanças da economia algodoeira para a canavieira (quais fatores levaram a isso, houve alguém importante para estimular esse processo)?  E com relação a isso, quais foram os impactos positivos e negativos para o município?  A usina Alto Alegre, de açúcar e álcool, já se localizou em Caiabu. Saberia dizer quando e sob quais circunstâncias ela foi implantada? E por que ela se transferiu para Presidente Prudente (no distrito de Ameliópolis)?  Quanto a sua gestão, quais foram as prioridades, em que situação econômica/administrativa encontrou a prefeitura, quais principais ações/políticas foram implementadas?  Com relação à captação de recursos junto ao governo federal, o que o sr. (a sra.) tem a dizer (há dificuldade com relação a isso, elaboração dos projetos para acessar políticas públicas...)?  Sendo Presidente Prudente polo regional, concentrando serviços terciários, de saúde, lazer, etc., como o sr. (sra.) enxerga a dependência que Caiabu possui com relação a essa cidade? Em que medida isso tem sido mais positivo ou negativo para o município?  Em que setores/áreas Caiabu necessita melhorar, segundo seu ponto de vista (saúde, educação, obras públicas, lazer, moradia, geração de emprego, transporte, políticas públicas com público específico)?  Como você vê a questão da mobilidade e acessibilidade em Caiabu, inclusive com relação ao transporte coletivo para Presidente Prudente?

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da Pesquisa: Desenvolvimento social e polarização no território do agrohidronegócio: uma análise sobre Caiabu/SP

1. Natureza da pesquisa: O sr. (sra.) está sendo convidada(o) a participar desta pesquisa que tem como finalidade principal entender o processo histórico de formação do município de Caiabu (tendo em vista o ápice da cotonicultura), como também o atual cenário da região do Pontal do Paranapanema em relação ao avanço da indústria canavieira e as transformações socioeconômicas, buscando pesquisar como isso tem afetado as relações de trabalho, inclusive considerando a situação de polarização de Presidente Prudente/SP sobre Caiabu/SP. 2. Participantes da pesquisa: O intuito é que sejam entrevistados os últimos gestores (prefeitos) do munícipio, abarcando o período de 2001 a 2020. Também se pretende estender as entrevistas a outros agentes/sujeitos que se mostrarem importantes para o entendimento das relações socioeconômicas existentes no município, sobretudo com respeito à expansão da cana-de-açúcar. Assim, moradores e/ou trabalhadores do setor, representantes do serviço social também estão em pauta. 3. Envolvimento na pesquisa: Ao participar deste estudo o sr. (sra.) permitirá que o (a) pesquisador (a) lhe faça perguntas sobre informações pessoais e do seu cotidiano de trabalho. 4. Sobre as entrevistas: As entrevistas serão realizadas por duplas de pesquisadores, onde um terá a função de realizar a entrevista e o outro gravar e registrar falas e ações que considerar importante durante a entrevista. As gravações só serão realizadas com autorização do entrevistado. 5. Riscos e desconforto: A participação nesta pesquisa não infringe as normas legais e éticas, não gerando nenhum risco ou desconforto para o entrevistado. Os procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade. 6. Benefícios: ao participar desta pesquisa o sr. (sra.) não terá nenhum benefício direto. Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre os impactos da agroindústria canavieira no município de Caiabu/SP, também com relação à

161 outras atividades agrícolas (com foi a cotonicultura), atrelando isso às mudanças ocorridas na vida das pessoas e à relação existente com Presidente Prudente/SP. Espera- se que o conhecimento que será construído a partir desta pesquisa possa contribuir com a população local, com a universidade e com as instituições que visam políticas públicas de cunho social, onde pesquisador se compromete a divulgar os resultados obtidos. 7. Pagamento: O sr. (a sra.) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação. O sr. ( a sra.) tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para si. Sempre que quiser poderá pedir mais informações sobre a pesquisa através do telefone do (a) pesquisador (a) do projeto e, se necessário, através do telefone do Comitê de Ética em Pesquisa. Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem: confiro que recebi cópia deste termo de consentimento e autorizo a execução do trabalho de pesquisa e a divulgação dos dados obtidos neste estudo.

Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.

Consentimento Livre e Esclarecido

Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu consentimento em participar da pesquisa

______Nome do Participante da Pesquisa

______Assinatura do Participante da Pesquisa

______Assinatura do Pesquisador

Pesquisador: Fone: Telefone do Grupo de Pesquisa: E-mail:

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