I Congresso Ibero-Americano Interdisciplinar de Economia Criativa 16 a 19 de novembro de 2020, ESPM-Rio, Rio de Janeiro, RJ Grupo de Trabalho: Design e Economia Criativa

Arte Concreta Paulista: diálogos com o Design Ana Lucia Gimenez Ribeiro Lupinacci | ESPM SP

Arte Concreta Paulista: diálogos com o Design Profa. Dra. Ana Lucia Gimenez Ribeiro Lupinacci | ESPM SP e RJ

RESUMO: Este artigo busca trazer alguns dos tantos pontos relevantes e inovadores da Arte Concreta Paulista, situada nos anos 1950, dentro de um arco estético/político maior, internacional, no que foi nomeado Projeto Construtivo Moderno e que orientou posições de artistas, autores – vários destes em diálogo com o design. Diálogo este visto, aqui, sob a perspectiva teórica de Vilém Flusser. A arte Concreta, nessa situação de diálogo com o design, mostrou pertinência e adequação de posicionamento em escolhas formais coesas ao pensamento, impactando projetos de identidade visual, publicações, embalagens, mobiliário. Tem ancoragem teórica em Mário Pedrosa e na influência da teoria da Gestalt sobre a obra de arte. Para a relação com o design brasileiro, nos coloca a pensar distintas situações comunicativas postas; a pensar a relação entre teoria e experiência que se estabelece no fazer e no educar design e numa necessária reelaboração do projeto moderno, hoje muitas vezes tratado por reducionismos e estilemas.

Um cenário e um contexto Este artigo inicia por situar a arte Concreta Paulista, anos 1950, dentro de um projeto estético maior num escopo brasileiro e internacional naquilo que a partir do início do século 20 foi conduzido pelas vanguardas artísticas modernas e adentrou como o projeto construtivo modernista. Entre outros movimentos destas vanguardas, como o Suprematismo e o Construtivismo Russos, a escola Bauhaus, temos o Neoplasticismo holandês de Piet Mondrian/ De Stijl e as marcações teóricas e experienciais de Theo van Doesburg que coloca a expressão ‘arte concreta’ para remeter a um tipo de abstração formal com base na geometria.

Mondrian, em seus sucessivos e metodológicos estudos sobre a “Macieira” vai colocando e demonstrando este desmonte naturalista figurativo, de onde emerge a força construtiva formal e a tendência ao abstrato se configura. E de um modo geral esta será a marca de sua contribuição à arte.

Nos anos 1930, Theo van Doesburg, artista também integrante do neoplasticismo holandês, lança as bases para que se pense no movimento, afirmando, entre outros, a universalidade da arte à medida que deve ser concebida com elementos puramente plásticos; isto é, planos e cores, já que elementos pictóricos não têm significação além deles mesmos. Estabelece ali, também, a dimensão comunicativa da arte, afirmando que esta deve levar clareza, ser concebida antes de executada, e ser “anti-impressionista”. Integrando os movimentos de vanguardas do início do século 20 e no alinhamento conceitual construtivista, é importante destacar a escola Bauhaus, que trabalhará questões pertinentes e alinhadas ao que van Doesburg afirma, porém desenvolvendo seu próprio projeto.

Algumas décadas à frente, o arquiteto, designer, pintor e primeiro diretor da HFG/Ulm, MAX BILL (Suíça 1908-1994), elabora a ideia de Concretismo, como a arte da estrutura. Isto impactará fortemente o design, capilarizando suas ideias e, nessa abrangência conceitual, inclui-se o Brasil e, particularmente, São Paulo. Para Bill, a arte concreta distingue-se por uma característica: a estrutura. A estrutura da construção na ideia, a estrutura visual na realidade. As premissas são o alinhamento, o ritmo, a progressão, a polaridade, a regularidade, a lógica interna que se dá no desenvolvimento da obra. Em1951, Max Bill recebe no Brasil o Prêmio Aquisição no MAM-SP por sua escultura “Unidade Tripartida”, considerada um marco no concretismo e no diálogo entre diversas linguagens visuais.

Afirma Peter COHN, curador da exposição MAVIGNIER, MAX BILL, WOLLNER, na DAN Galeria, 2010, em São Paulo: “Um dos aspectos mais sedutores da arte construtiva está na explicitação do belo através da harmonia das relações matemáticas, subjacente a toda realidade visível. O Construtivismo substitui a mímese naturalista, indo ao âmago das estruturas.”

Arte e cosmopolitismo em São Paulo Em São Paulo, a partir do início dos anos 1950, temos um cenário ativo e cosmopolita com marcos do porte da Bienal Internacional e de espaços artísticos como o MAM-SP. Importante destacar também como parte desse cenário que em 1951 o MASP, Museu de Arte de São Paulo, por seu diretor-fundador, Pietro Maria Bardi, dentro de sua ampla e ousada proposta, funda o IAC – Instituto de Arte Contemporânea, uma escola pioneira de formação em Desenho Industrial, visto por ele como uma expressão atual de arte. E ali também funda a EPSP – Escola de Propaganda de São Paulo, embrião da ESPM, hoje Escola Superior de Propaganda e Marketing. O programa educativo do MASP, que apresentou na época a proposta de criação tanto do IAC quanto da EPSP, Instituto de Arte Contemporânea e Escola de Propaganda de São Paulo, respectivamente, teve o propósito primeiro de amplificar e vitalizar a ideia corrente de arte. O IAC se propondo a ensinar o desenho industrial e a EPSP, a propaganda – ambos tidos por Bardi como novas expressões da arte contemporânea. Sem dúvida, uma proposta disruptiva, pois retirava a hierarquia entre modalidades das belas artes e ainda das artes ditas aplicadas, pensando- as dentro de um espectro maior e mais potente. É famosa sua Vitrina das Formas no MASP, instalação-resposta sobre o porquê colocar uma máquina de datilografar Olivetti ao lado de uma bailarina de Degas. Ali, ao não categorizar ou hierarquizar uma escultura histórica em relação a um produto industrial de projeto autoral, não só pensa o espectro das formas de modo mais abrangente, como também e, principalmente, responde inclusiva e interativamente a convenções postas.

Também do MASP vem o programa de suas exposições internacionais – onde destaca-se a retrospectiva, em 1953, de Max Bill (Suíça, 1908-1994), que “inspirou” o, então, jovem artista em formação e futuro designer, Alexandre Wollner. Conta Wollner (2003) que os trabalhos e postura de Bill o levaram à escolha pela carreira no design.

Max Bill elabora a ideia de Concretismo, como a arte da estrutura e poliniza também a ideia de arte concreta nessa sua vinda ao Brasil para aquela exposição no MASP. Assim, em 1953, o MASP na grande retrospectiva da obra de Bill, abre ali o diálogo com o design, que se adensará pelo aspecto inovador das proposições e não somente pela exposição das obras em si. “A produção artística, as várias exposições e os movimentos ocorridos em São Paulo e no Rio de Janeiro nos anos 50 foram muito fecundos, deixando heranças em várias gerações que os sucederam. Das fundações dos museus de arte moderna nas duas cidades, ocorridas no final da década de 40, à construção de Brasília, em fins dos anos 50, a vida artística e cultural do pais transformou-se definitivamente”. (Cintrão, 2002, p08)

A Arte Concreta Paulista está assim situada nos anos 1950, dentro de um arco estético/político maior, internacional, no que foi nomeado Projeto Construtivo Moderno e que orientou posições de artistas, autores – vários destes em diálogo com o design, como colocado. Nesse período, acontece a emergência em São Paulo de dois grandes grupos, RUPTURA e NOIGANDRES, coletivos artísticos e pensantes, ambos de 1952. E foi com o grupo RUPTURA, 1952, que o movimento Concreto se afirmou e se efetivou como vanguarda. O grupo teve seu Manifesto onde preceitos estéticos foram afirmados, expressos no e para o coletivo, junto a postura e posicionamento compartilhados, mostrando a necessidade de romper, de buscar o novo – esteticamente –, o que por consequência de atitude implicaria também posturas éticas e políticas renovadas.

Na nascente do Grupo Ruptura estavam os artistas , , Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Leopoldo Haar, Luiz Sacilotto, Anatol Wladyslaw. Geraldo de Barros foi também um dos fundadores do FORMINFORM, escritório pioneiro de Design no Brasil, fundado em São Paulo em 1958, tendo também como associados: Alexandre Wollner, Ruben Martins, Valter Macedo. A confluência arte concreta/design vai sendo construída ativamente pelas posturas e atitudes desses pensadores visuais.

As experimentações plásticas do grupo Ruptura envolveram as ideias de Max Bill sobre estrutura, a pesquisa de novos materiais e a ênfase em composições bidimensionais, onde planos e cores organizavam o campo visual abstrato e evocavam perspectivas, com o recurso ótico. E, assim, muitas pinturas foram propostas e emblematizadas. Sobre o Ruptura, Décio Pignatari afirma ter sido ali iniciada a grande aventura do Concretismo Brasileiro (apud Wollner, 2003, introd.). Certamente, um cenário de efervescência e inovação cultural em São Paulo.

Como expressão do movimento concreto paulista, dentro da busca pelo novo nas diferentes linguagens, tivemos também o Grupo NOIGANDRES, de Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grünewald, Ronaldo Azeredo – os grandes poetas concretos que exploraram, tensionaram e investigaram a palavra como forma, legando-nos poemas visuais de extrema potência e, claro, provocando inúmeros questionamentos.

Compondo essa cena de vanguarda, embora com outros desdobramentos conceituais, temos, no mesmo ano de 1952, o grupo FRENTE, dos Neoconcretistas do Rio de Janeiro, onde Ferreira Gullar, Franz Weissman, Helio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim participaram e o protagonizaram.

No que diz respeito ao grupo paulista Ruptura, pouco tempo depois de sua fundação/instalação adentraram os artistas , Mauricio Nogueira Lima e Alexandre Wollner e observa-se pelos documentos e entrevistas que o interesse teórico era substantivo para respaldar as novas posições; assim, a influência de Mario Pedrosa (1900- 1981) foi central. Como ancoragem conceitual, o Movimento tem, então, em Pedrosa um configurador de ideias, que tratou da influência da teoria da Gestalt sobre a obra de arte em sua tese de doutoramento e, de modo mais amplo, nas pesquisas na área da abstração artística/ estética. Waldemar Cordeiro, como líder, foi um grande estudioso dos conceitos teóricos da pura visualidade e da Gestalt. (Cintrão, 2002).

Sobre esse ponto e a forte e ampla influência de Pedrosa, Almir Mavignier também se posiciona: “A informação que tive da teoria da Gestalt sobre a obra de arte me informou que o conteúdo de uma forma não se encontra na sua associação direta com formas da natureza. Esse conhecimento me permitiu abandonar uma pintura naturalista e iniciar uma pintura de pesquisas concretas, de formas livres de associações figurativas.” (DAN Galeria, 2010)

A busca pela forma para os concretistas não se deu na representação direta da natureza. Vemos, assim, que o abstracionismo concreto – longe de ser predominantemente um recurso estilístico –, aproximou essa resposta formal e trouxe uma nova elaboração de significados. E isto se deu também no design, emblematizado nas marcas e projetos de identidade visual, nas publicações, mobiliário, embalagens, na comunicação de modo geral.

O grupo Ruptura se expandiu, se capilarizou e, quatro anos após sua fundação, aconteceu em São Paulo no MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo –, a I Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, contando com vinte artistas visuais e seis poetas, e não somente os ligados ao Grupo inicial. A saber: Alexandre Wollner; ; Aluísio Carvão; Amilcar de Castro; César Oiticica; Décio Vieira; Franz Weissmann; Geraldo de Barros; Hélio Oiticica; ; Judith Lauand; Kazmer Féjer; Lothar Charoux; Lygia Clark; Lygia Pape; Luiz Sacilotto; Mauricio Nogueira Lima; Rubem Ludolf; Waldemar Cordeiro. E os poetas: Augusto de Campos; Ferreira Gullar; Haroldo de Campos; Decio Pignatari; Ronaldo Azeredo; Wlademir Dias-Pino. Destes artistas, um bom número deles transitou, flertou ou migrou definitivamente para o design. Essa I Exposição de Arte Concreta foi reeditada sob criteriosa pesquisa histórica, iconográfica e curadoria em 2006, na liderança do designer André Stolarski e chamada de concreta’56: a raiz da forma. O que afirma o necessário presentificar.

Como linguagem e como poética inovadora, a arte Concreta nos coloca a pensar a construção do conhecimento, suas elaborações para contribuição a uma epistemologia da imagem. Vemos em Vilém Flusser (2007) que imagens e artefatos se situam no centro nervoso da existência contemporânea. As formas de enunciação na comunicação e na arte não podem mais ser tomadas em oposição – natureza versus cultura. A linguagem, como nos alerta o filósofo, é, hoje, nossa segunda natureza; operamos em códigos, sistemas simbólicos abertos que possibilitam a comunicação humana e fazem de nós seres políticos. O designer, como artífice, opera em “produção intencional de códigos”, o que nos leva ao entendimento das informações, do conhecimento pelos “véus da arte, ciência, filosofia, cultura, religião.” (2007, P97).

E nesse entendimento e também na produção de informação, há para Flusser dois modos de codificar/decodificar: (1) pela comunicação discursiva e (2) pela comunicação dialógica. A primeira diz respeito ao compartilhamento de informações com o intuito de preservá-las e/ou mantê-las. A segunda diz respeito a trocas de diferentes informações com o intuito de sintetizar uma nova. Discurso e Diálogo. Um implica o outro nas situações distintas da vida em sociedade, na vida política dos seres de linguagem. E aqui o que nos parece predominante no que diz respeito à atualidade da arte concreta é justamente o modo dialógico, a abertura para a troca, numa situação comunicativa distinta, que traz aprendizagem por interações, tensionamentos.

A arte Concreta, nessa situação de diálogo com seus próprios questionamentos, seus atores, pressupostos teóricos, mentores artísticos, com os discursos a que quis romper e com o próprio design, mostrou pertinência e adequação de posicionamento em escolhas formais coesas ao pensamento e proposição ali colocados.

Algumas considerações para finalizar Este artigo buscou trazer alguns dos tantos pontos relevantes e inovadores da Arte Concreta Paulista, considerando, para além do movimento, uma ideia de projeto construtivo que avançou nas décadas seguintes ao início do movimento em 1950, marcadamente até os anos de 1970, e ainda hoje mostra-se uma potente construção e legado, possibilitando desdobramentos, reflexões renovadas, contraposições que nos apontam para poéticas visuais como obras de pensamento. Que nos apontam para a centralidade da ideia de diálogo, como colocada em Flusser – um discurso orientado para a troca. E justamente por ser o Concretismo um movimento, entendê-lo como conceitualmente inconclusivo, à medida que pensou Estruturas e Espacialidade dentro de um jogo de percepções e metalinguagem, que nos insere em ambientes estéticos como sendo também sociopolíticos.

Waldemar Cordeiro colocou que o Concretismo reivindicou a linguagem real das artes plásticas, expressa em linhas, planos e cores que são tão somente linhas, planos e cores; não desejam ser “peras nem homens”.

Para a relação com o design brasileiro, paulista, e sua emergência como profissão e área do conhecimento, nos coloca a pensar questões contemporâneas em relação a intersecção de campos, a interfaces confrontadas, a desdobramentos, onde distintas situações comunicativas estão postas. Conduz um pensar a relação entre teoria e experiência que se estabelece no fazer e também no educar design; a pensar e atuar nas fronteiras aguadas entre linguagens e culturas. A pensar que o design é sempre político, ao afirmar seu propósito em sociedade.

O Concretismo – Arte Concreta ou Movimento Concreto – nos lega uma imbricação estética/ ética e que foi uma “marca de ser” para muitos de seus artistas. Isto dirige nossas perspectivas ao campo interdisciplinar da economia criativa e acreditamos que possa contribuir tanto no movimento de aproximações e convergências quanto no de disseminar e polinizar ideias recolocadas e não simplesmente repetidas, como vemos em algumas colocações reducionistas sobre o projeto construtivo, moderno. Ao estabelecermos a interface arte-design, na compreensão de campos semelhantes e ao mesmo tempo distintos, mas sem hierarquização de territórios, podemos trabalhar novos emblematizadores de percepções e, talvez, novas matrizes de pensamento.

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