O RETRATO RODRIGUEANO NA TV:

UMA TRAJETÓRIA ATRAVÉS DOS • Paula Carolina Petreca Atriz e radialista; pela gra- FORMATOS DE TELEFICÇÃO duada em Radialismo na RESUMO Universidade Metodista de São Paulo; mestranda Tomando a produção televisiva brasileira realizada após o advento do programa de Comu- do vídeoteipe (utilizado oficialmente no Brasil a partir de 1961) como nicação e Semiótica da objeto de estudo, este trabalho, recorta da teledramaturgia as trans- Pontifícia Universidade posições televisivas da obra de . Através de um le- vantamento histórico que localiza e contextualiza as produções feitas Católica de São Paulo a partir de textos de Nelson Rodrigues, o presente artigo objetiva cha- – PUC-SP. mar a atenção para a relevância do legado deste grande dramaturgo dentre a história da teleficção. Esse levantamento, de natureza quan- titativa, inclui tanto produções feitas exclusivamente para a televisão, quanto produções originalmente destinadas à exibição em cinemas, no entanto, exibidas mais tarde sob formatos abrigados pelo gênero teledramaturgia. A metodologia adotada ocupou-se de revisão de li- teratura e da organização dos dados recolhidos através de bibliografia acadêmica e periódicos de circulação nacional, em diálogo com o his- tórico da mídia televisiva no país. Ao final do levantamento, percebe- se que a presença de obras adaptadas de Nelson Rodrigues na tele- visão são tão numerosas quanto as adaptações de ou José de Alencar,1 porém, a dispersão das obras rodriguenas dentre diversos gêneros e formatos transmite a falsa impressão da presença diáfana do dramaturgo na história da teleficção. Palavras-chave: Nelson Rodrigues, televisão brasileira, adaptação literária.

ABSTRACT Taking the Brazilian television production put into effect after the breakthrough of the videotape (officially used in since 1961) as our object of study, this assignment outlines the teledrama as well as the television transpositions in Nelson Rodrigues’ work pieces. By means of historical research that places and contextualizes productions from Nelson Rodrigues’ texts, this article aims at drawing attention to the relevance of this great dramatist’s legacy within telefiction history. This quantitative research includes both televisionscope productions and cinemascope ones, although some of the latter eventually exibited in other formats taken as teledrama genre. The adopted methodology occupies with literature review as well as with organizing the collected data through academic bibliography and national circulation journals on dialogue with our country’s television media history. Towards the end of the research, it is noticeable that the presence of adapted pieces by Nelson Rodrigues on television is as big as the one of Jorge Amado’s or José de Alencar’s (respectively 11 and 10 teledrama transpositions each), although the diffusion of the rodriguean pieces among the range of genres may convey the false impression of a diaphanous presence of the dramatist’s in telefiction history. Keywords: Nelson Rodrigues, brazilian television, literary adaptation.

1 - Segundo os livros ‘Memória da Telenovela Brasileira’ de Ismael Fernandes e, o ‘Dicionário da TV Globo’, Jorge Amado recebeu 11 adaptações [1975. Gabriela (telenovela, Rede Globo); 1975. A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água (caso especial, unitário, Rede Globo); 1981/82. Terras do Sem Fim (telenovela, Rede Globo); 1985. Tenda dos Milagres (minissérie, Rede Globo); 1989. Capitães de Areia (minissérie, Rede Bandeirantes); 1989/90. Tieta (telenovela, Rede Globo); 1992. Tereza Batista (minissérie, Rede Globo); 1995. Tocaia Grande (telenovela, Rede Manchete); 1998. Dona Flor e Seus Dois Maridos (minissérie, Rede Globo); 2001. Porto dos Milagres (telenovela, Rede Globo); 2002. Pastores da Noite (minissérie, Rede Globo)]; e José de Alencar, considerando apenas as adaptações realizadas após o advento do videoteipe, contabiliza 10 produções [1962. Senhora (telenovela, TV Tupi); 1963. Sonho de Amor (telenovela adaptada de ‘O Tronco do Ipê’, TV Rio); 1966/67. As Minas de Prata (telenovela, TV Excelsior); 1972. O Preço de um Homem (telenovela adaptada de ‘Senhora’, TV Tupi); 1975. Senhora (telenovela, Rede Globo); 1977/78. Sinhazinha Flô (telenovela adaptada das obras ‘Til’, ‘A Viuvinha’ e ‘os sertanejos’, Rede Globo); 1982. O Tronco do Ipê (telenovela, TV Cultura); 1991. O Guarani (minissérie, Rede Manchete); 1993. Lucíola (caso especial, unitário, Rede Globo); 2005. Essas Mulheres (telenovela, Rede Record)]. Rodrigues on television is as big as the one of Jorge Amado’s or José de Alencar’s (respectively 11 and 10 teledrama transpositions each), although the diffusion of the rodriguean pieces among the range of genres may convey the false impression of a diaphanous presence of the dramatist’s in telefiction history.

julho / dezembro - 2006 39 A importância de Nelson Sua obra fora apresenta- A estruturação deste Rodrigues é indiscutível para da sob os mais variados for- diagrama permitiu denotar a cultura nacional: um vasto matos teleficcionais. Porém, a de uma série de relevâncias, legado de obras monumen- variabilidade de formatos, e, a dentre elas: tais, referenciais para o tea- presença dispersa no decorrer • O fato de Nelson tro, a imprensa, a literatura das décadas contribuí para a Rodrigues, ao escrever A e até mesmo para o cinema impressão de que o retrato te- morta sem espelho, tor- brasileiro, através das inúme- levisivo desta obra se encon- nar-se o primeiro autor ras adaptações de textos do tra diluído, o que pode colabo- brasileiro de uma teleno- autor realizadas no país. Con- rar para o equivocado desper- vela nacional diária; tribuição considerável desta cebimento da relevância de • A influência estilísti- obra também fora destinada Nelson Rodrigues para a tele- ca do teatro na linguagem à teleficção; de textos origi- ficção nacional. O panorama adotada pelas primeiras nais à adaptações, uma va- destas produções mostra-se adaptações; riedade de programas deste um tanto quanto fragmenta- • O diálogo direto entre gênero foi levada ao ar, e um do devido à heterogeneidade a produção televisiva mais levantamento quantitativo es- de formatos: foram levadas recente com as adaptações pecífico acerca da presença ao ar telenovelas, minisséries, cinematográficas que a obra rodrigueana neste veículo é teleteatros, especiais, séries e do dramaturgo recebera; o que se apresenta nas linhas unitários, conforme descrição • O número quase que se seguem. no quadro abaixo. equivalente de produções O presente artigo objetiva chamar a atenção para a rele- Década Formato Produção Emissora vância do legado deste gran- Anos 1960 Telenovela 1963 – A morta sem espelho de dramaturgo dentre a histó- 1964 – Sonho de amor ria da teleficção por meio de 1964 – O desconhecido TV Rio uma metodologia baseada na Anos 1970 Teleteatro 1974 – Teatro 2 – Vestido de noiva TV Cultura revisão de literatura. 1979 – Aplauso – Vestido de noiva Rede Globo Um mapeamento prelimi- Anos 1980 Especial 1981 – Paixão segundo Nelson nar feito no panorama da fic- Rodrigues (unitários exibidos em ção televisiva no Brasil revela virtude do aniversário de que as estórias de Nelson Ro- um ano de morte do dramaturgo) drigues estiveram presentes Telenovela 1982 – O homem proibido Rede Globo desde os primórdios do funcio- Minissérie 1984 – Meu destino é pecar namento do veículo até os dias Teleteatro 1985 – Teatro 2 – Senhora dos de hoje. Sabe-se (FILHO, 2001) afogados (reestréia do programa que o dramaturgo escreveu ro- Teatro 2) TV Cultura teiros para o TV de Vanguarda Anos 1990 Minissérie 1995 – Engraçadinha: seus (um programa no formato te- amores e seus pecados leteatro que encenava ao vivo Série 1996 – A Vida como ela é... adaptações de clássicos do te- – unitários Rede Globo atro e da literatura estrangeira). Além de ter textos seus como A partir o célebre Vestido de Noiva, do ano adaptado pelo Grande Teatro 2000 Unitário 2002 – Brava gente Tupi (VACCHIANO, 2005). Mas (exibição, no formato de é a partir da década de 1960, unitários, dos três episódios do com a consolidação da ficção filme Traição. Em virtude do como gênero, através da tele- aniversário de 90 anos de novela como formato, que sua nascimento de Nelson Rodrigues) presença adquire maior rele- 3 0/7/2002 – O primeiro pecado vância para o estudo da tele- 6/8/2002 – Diabólica dramaturgia nacional. 13/8/2002 – Cachorro Rede Globo

40 julho / dezembro - 2006 seriadas e não-seriadas re- to Marinho, que o acolhe- Esta amizade foi um alizadas; ra após rápida passagem dos fatores, considerando • Além da já citada va- pelo Diário da Noite, de também o prestígio de Nel- riabilidade de formatos ao Assis Chateaubriand, para son como dramaturgo, que qual a obra se adequara. onde migrara depois de determinaram sua escolha Nas linhas seguintes sua turbulenta saída do jor- para a confecção do texto da descreveremos a trajetória nal Última Hora, de Samuel primeira telenovela nacio- da dramaturgia de Nelson Wainer, onde trabalhou por nal diária. Porém, foi justa- Rodrigues ao longo da histó- mais de uma década. Foi mente assinatura de Nelson ria da televisão. no Última Hora que escre- Rodrigues, uma das causas vera diariamente, durante determinantes para o fra- Anos 1960: pioneirismo na os anos 1950, a coluna A casso da atração. O juizado teledramaturgia vida como ela é... que fize- de menores logo “implicou” ra um estrondoso sucesso com a autoria da produção, Um dado interessante em todo o . e determinou que a tele- no panorama histórico das Esta coluna serviu de labo- novela (que em sua estréia telenovelas brasileiras é ratório criativo para a fase fora exibida às 19 horas) só o fato de ter sido A mor- de seu teatro mais bem-su- fosse ao ar às 23 horas, ho- ta sem espelho, de Nelson cedida junto ao público: as rário malogrado na grade Rodrigues, a primeira tele- tragédias cariocas. A últi- brasileira da época. novela diária de um autor ma peça que Nelson havia A trama focava a his- nacional. A idéia partiu do escrito até então, Otto Lara tória de uma mulher que diretor de programação Rezende ou Bonitinha, mas após trair o marido, rece- da TV Rio, o então jovem ordinária, em 1962, fora a be a punição inexplicável Walter Clark, que preten- quinta peça deste ciclo, que de não conseguir mais dia trazer à televisão uma estava longe de mostrar si- ver seu reflexo no espelho produção genuinamente nais de esgotamento. (ESQUENAZI, 1993). O fato brasileira, visto o crescen- Além do salário pago de o enredo trazer uma te sucesso do formato no pelo O Globo e da porcen- personagem adúltera entre país, apesar do uso do tex- tagem do lucro advinda da os protagonistas, foi o que to latino traduzido (como montagem de suas peças, incomodou de imediato a em O direito de nascer). Nelson Rodrigues neces- censura, sem mencionar o, Assim, uma telenovela sitava realizar trabalhos ainda que discreto, pano em que, do autor à trilha so- extras para complementar de fundo incestuoso que nora (assinada por Vinicius seu orçamento (que in- conduzia a trama. Cabe de Moraes), tudo fosse de cluía a pensão da ex-mu- aqui observar a retoma- procedência local mostra- lher, Dona Elza, e também da, por parte do autor, da va-se um projeto extrema- as despesas do lar atual temática fantástica; uma mente audacioso (CASTRO, que partilhava com a mu- vez que, na época em que 1992). Naqueles meados da lher Lúcia, e a filha defi- A morta sem espelho fora década de 1960, vinte anos ciente Daniela). Para “dar escrita, Nelson já se en- após a estréia de Vestido de conta” de tantos gastos, o contrava em uma fase mais noiva nos palcos, Nelson Ro- jornalista participava como realista de sua dramaturgia drigues já era considerado o comentarista de uma das (as Tragédias cariocas). No maior dramaturgo do país. primeiras mesas-redondas entanto, este enredo cen- Sua carreira como jornalista sobre futebol no país: o tralizado em uma prota- ainda era, porém, sua princi- programa Grande resenha gonista que não consegue pal fonte de sustento. Facit, da TV Rio. fora nesta mais ver sua imagem re- Aos 51 anos, assinava emissora que conhecera o fletida no espelho, parece a famosa coluna de crô- executivo Walter Clark, di- muito mais afinado às es- nica esportiva À sombra retor de programação do truturas recorrentes nas fa- das chuteiras imortais, no canal, de quem se tornara ses Psicológicas e Míticas jornal O Globo, de Rober- amigo íntimo. de seu teatro.2

julho / dezembro - 2006 41 A telenovela A morta te elenco, como irmão da aberto o livro apenas para sem espelho era inovado- personagem da Fernanda conhecer os nomes das ra em muitos aspectos. Um Montenegro.3 personagens e escrever deles foi revolucionar o pa- Tanta ousadia e investi- sua própria trama. Sonho drão de cenografia vigente mento justificaram o fato de de amor também foi leva- até então, ao construir um Walter Clark ter implorado da ao ar pela TV Rio, às 17 apartamento de verdade até a intercessão do Bispo horas e 30 minutos durante nos estúdios da TV Rio. Dom Helder Câmara, para os meses de abril e maio de Além disso, a trama levou que fosse liberado um ho- 1964. A direção da teleno- ao ar cenas antológicas para rário mais digno para a exi- vela ficou mais uma vez a a história da teledramatur- bição do folhetim. Tudo que cargo de Sérgio Britto, que gia nacional, mostrando conseguiram, no entanto, também atuou na produ- momentos cotidianos e não foi que o juizado adiantasse ção ao lado de atores como apenas encenações roman- em meia hora sua restrição. , Ítalo tizadas, como na cena que Deste modo, a TV Rio levou Rossi e Zilka Salaberry, que a personagem do ator Ítalo A morta sem espelho ao ar já haviam participado da te- Rossi acorda a atriz Isabel às 22 horas e 30 minutos, lenovela anterior de Nelson Tereza, intérprete de sua horário não promissor ao Rodrigues. esposa, empunhando um alavanque da audiência. Sua última intervenção revólver para ela e dizen- O fracasso junto ao pú- como dramaturgo em tele- do “acorda para morrer”. blico fez com que à emis- visão, deu-se com O desco- Outro momento marcante sora antecipasse o final da nhecido. Nesta telenovela, eram as cenas da persona- produção, encomendando a trama enfocava um louco gem de Zilka Salaberry que de Nelson Rodrigues as de guerra que, fugindo de segundo a atriz, “era uma laudas finais da telenove- um manicômio, chegava a mulher suburbana, do tipo la apenas dois meses após uma cidade desconhecida que senta no banheiro en- sua estréia. O folhetim le- e alterava a vida de todos quanto o marido faz a barba vado ao ar no ano de 1963, os moradores. Produzida e desata a falar sem parar” com direção de Sergio novamente pela TV Rio, O (ESQUENAZI, 1993. p 99). Britto, trazia um elenco de desconhecido foi ao ar en- A música tema da nove- peso, encabeçado pelo pró- tre os meses de agosto e la era também algo inova- prio Sergio Britto, junto aos setembro de 1964, com di- dor. Composta por Vinicius atores Ítalo Rossi, Fernanda reção de Fernando Torres, de Moraes em parceria com Montenegro, Zilka Salaber- trazia Jece Valadão, Natha- Baden Powell e cantada pela ry, Fernando Torres, Joffre lia Thimberg Carlos Alberto atriz Fernanda Montenegro, Rodrigues, Isabel Teresa, e Joana Fomm, entre ou- intérprete da personagem Antonio Pitanga, Aldo de tros, no elenco (FERNAN- Vera, que gravou toda no- Maio, Rosita Tomás Lopes, DES, 1997). vela em planos médios e Maria Esmeralda, Jaime Foi esta toda a contribui- closes já que estava grávida Barcelos e os estreantes em ção que Nelson Rodrigues de seu primogênito: Cláu- televisão: Paulo Gracindo e dispensou, de forma direta, dio Torres (RITO, 1991). Não Francisco Cuoco. à teledramaturgia brasileira, bastante, a novela contava A segunda investida de na qual a mais marcante é o com uma voice over condu- Nelson Rodrigues como te- fato de ter sido o primeiro zindo os fatos, e quem fazia ledramaturgo deu-se com a autor nacional de uma tele- esta narração era o próprio telenovela Sonho de amor, novela diária, que a experi- Nelson Rodrigues, mesmo uma adaptação do roman- ência de Nelson como tele- com sua dicção frouxa e ce O tronco do ipê, de José dramaturgo em si. arrastada. Para completar, de Alencar, o qual segundo o filho mais velho do autor, conta Ruy Castro (1992), Joffre Rodrigues, fazia par- Nelson nunca lera, tendo 2 - Segundo o crítico Magaldi (1987), as peças teatrais de Nelson Rodrigues podem ser agrupadas em três ciclos: o psicológico (A mulher sem pecado, Vestido de noiva, Valsa no 6 , Viúva porém honesta e Anti-Nelson Rodrigues), o mítico (Álbum de família, Anjo negro, Senhora dos afogados e Dorotéia), e as tragédias cariocas (A falecida, Perdoa-me por me traíres, Os sete gatinhos, Boca de ouro, Beijo no asfalto, Bonitinha, mas ordinária, Toda nudez será castigada e A serpente). 3 - Informação concedida por Mario Vitor Odenbreit Rodrigues, filho do primogênito de Nelson, Joffre Rodrigues, em depoimento concedido a esta autora em 28 de maio de 2005.

42 julho / dezembro - 2006 Anos 1970 e 1980: tes cirúrgicos no original de íde, Pedro, Lucia e Madame aposta nos sucessos Nelson Rodrigues, preser- Clessi), trazendo ainda as vando, no entanto, todas as atuações de Denise Stoklos, Um hiato de dez anos se idéias, todas as metáforas e Walkiria Lobo, Mirtes Mes- fez entre a exibição da última o ritmo peculiar dos diálo- quita, Hilda Sohn, Eleonor telenovela escrita por Nelson gos do dramaturgo. Bruno, Sebastião Campos e Rodrigues, e a transmissão Antunes incorporou o João Candido,4 e com dire- de outra obra do autor pela fazer artesanal emprega- ção mestra de Antunes Fi- televisão brasileira. Após os do na produção teatral em lho, a exibição do programa insucessos da investida te- sua “montagem televisiva”, teve grande impacto dentre levisiva o autor não voltou combinando cenários rea- a classe artística, de forma a produzir ficções para este listas (locações externas) a reafirmar a genialidade de veículo. Sendo assim, so- com expressionistas (ce- Nelson Rodrigues diante a mente adaptações de sua nografia de estúdio), uso televisão (FARIA, 2004). obra teatral e literária foram diferenciado de câmera op- Cinco anos mais tarde, levadas ao ar posteriormen- tando por desfoques pro- a Rede Globo de Televisão, te. Ou seja, ao invés de ar- positais e poucas incursões já consolidada como maior riscarem novos insucessos, de profundidade, valorizan- emissora do país, lançava as emissoras e produtores do assim a ocupação hori- também sua série de te- preferiram apostar em obras zontal do espaço. Neste, o leteatros, era o programa consagradas de Nelson Ro- encenador dispôs o elenco Aplauso, criado no intui- drigues para transposições em cena por quase toda to de revigorar o formato televisivas. Fora desta for- duração do programa, co- destinando-o a um publico ma que a obra rodrigueana locando-os muitas vezes mais restrito. Vestido de conheceu o sucesso diante estáticos, formando table- noiva foi à adaptação de es- dos telespectadores. aus (presentes até hoje nas tréia deste novo programa, Em 1974, o encena- encenações teatrais de An- que ocorreu em 21 de maio dor paulista Antunes Filho, tunes, como marca estéti- de 1979, às 22 horas. A es- adaptou a peça homônima ca do diretor). A gravação colha da peça era garantia de Nelson Rodrigues, Ves- em preto e branco somada certa de sucesso, e por isso tido de noiva, para o pro- à iluminação de altos con- a produção fora bastante grama Teatro 2, série de trastes (ora marcada, ora elaborada, com direção a teleteatros produzida pela difusa) contribuiu para a cargo de Paulo José e texto TV Cultura de São Paulo. O acentuação das nuances adaptado por Domingos de programa, que foi ao ar no entre as atmosferas: rea- Oliveira. Nos papéis princi- dia 28 de dezembro às 23 lista, alucinatória e onírica. pais tinha-se Suzana Vieira horas, tornou-se um marco A interpretação do elenco como Alaíde, Joana Fomm do formato teleteatro na te- também estava repleta de como Lúcia e Dina Sfat, levisão brasileira, e também traços de teatralidade: ato- impecável, como Madame um clássico no gênero tele- res dirigindo-se diretamen- Clessy. O teleteatro contou ficção, sendo assim, ree- te para a câmera, os já cita- ainda com atuações de Tô- xibido diversas vezes, em dos tableaus formados pelo nia Carreiro, Othon Bastos, ocasiões comemorativas de elenco constituindo um es- Dionísio Azevedo, Milton aniversários do dramaturgo paço anexo para a ação dos Gonçalves, Domingos Oli- ou da própria TV Cultura. protagonistas, as inflexões veira, Heloisa Helena, Edu- Alguns dos fatores respon- vocais extremadas que fo- ardo Machado, Elias Mar- sáveis por fazer deste pro- ram mantidas nos diálogos tins, Ary Coslov, Fabio Mas- grama um clássico foram os conservando seu caráter simo, Rejane Schurmann, recursos encontrados por expressionista. Fabíola Francarolli, Ivan Antunes Filho na concep- Protagonizado por Lílian Candido, Lourdes Mayer, ção de sua adaptação. No Lemmertz, Edwin Luisi, Cé- Jose Heitor Cony, Oswal- que diz respeito ao texto, o lia Olga e Nathalia Thimberg do Macedo, Rogério Fróes, diretor afirma ter feito cor- (respectivamente como Ala- Lafayette Galvão, Pascho- 4 - Boletim Especial de Programação: 30 Anos. Website da TV Cultura – , acesso em 1o.5.2005.

julho / dezembro - 2006 43 al Villaboim e Tônia Scher um rapaz criado pelas tias, nha e sua irmã Flávia que (DICIONÁRIO DA TV GLO- segundo uma educação se- no passado disputaram o BO, 2003). Porém, a investi- vera, e que acaba se suici- amor de Dário. O triângulo da global não teve a mesma dando com o vestido de sua amoroso ganha um novo inventividade, logo também noiva. Ambas as estórias elemento com a chegada não teve o mesmo impacto tratavam de amor e morte, de Carlos () da versão de Antunes Filho temas recorrentes na obra rapaz, cuja origem humilde para a TV Cultura. de Nelson Rodrigues. Entre é escondida em virtude de Após estes dois tele- os atores que participaram sua paixão por Joyce. Esta, teatros adentra a década do especial estão Andréa por sua vez, o despreza em de 1980, quando a obra de Beltrão, Camila Amado, razão de sua paixão doentia Nelson Rodrigues ganhou Cláudio Correa e Castro, por Paulo, que a leva até a maior número de adapta- Duse Nocaratti, Jardes Ma- simular uma cegueira para ções na televisão, sob qua- calé, Lupe Gigliotti, Mauro se aproximar do médico. se todos os formatos de Mendonça, Nelson Dantas Dirigida por Gonzaga teleficção. Poder-se-ia su- e Thelma Reston. Além de Blota, a produção causou por este aumento da pro- celebrar a data, o especial polemica por levar uma his- dução rodrigueana na tevê Paixão segundo Nelson Ro- tória de Nelson Rodrigues em decorrência de seu fa- drigues serviria como piloto ao ar às 18 horas, com o lecimento, dado em 21 de para a série Avant premie- agravante de trazer no elen- dezembro de 1980. Porém, re, que a emissora acabou co David Cardoso e Alba Va- a hipótese oferece poucos por não dar continuidade léria, dois atores cuja fama elementos a sua sustenta- (DICIONÁRIO DA TV GLO- provinha do cinema eróti- ção. Primeiramente porque BO, 2003). co. Tais fatores levaram a as adaptações não foram Nesta década, a Globo implicação da censura, que exibidas com sazonalidade, ainda levou ao ar adapta- atrasou em um dia a estréia o que poderia dar-se, por ções de dois romances de da telenovela, contratempo exemplo, nos aniversários Suzana Flag, pseudônimo que por fim servira como de seu falecimento, com que o dramaturgo utiliza- chamariz para expectado- exibição de especiais que va para escrever folhetins, res, cujo interesse pela tele- reavivassem sua memória. cujo sucesso, enquanto novela ainda não havia sido No entanto, como ilustra- publicação em jornal, fora despertado. O fato é que ção deste exemplo, tem-se absoluto. A primeira adap- a adaptação do texto feita apenas o caso do especial tação foi O homem proibi- por Teixeira Filho intensifi- Paixão segundo Nelson Ro- do, folhetim de 1951, leva- cou os elementos melodra- drigues, que a Rede Globo do ao ar como telenovela máticos do original, e criou levou ao ar em 21 de de- entre março e agosto de tramas paralelas a partir da zembro de 1981, na faixa 1982. A trama girava em inclusão de novos persona- das 22 horas. torno da órfã Joyce (Lídia gens na história, inseridos O programa produzido Brondi), que é criada pelos nos núcleos familiares dos por Daniel Filho trazia duas tios: o amoroso Dário (Leo- protagonistas, dispersando crônicas de A vida como nardo Villar) e a hostil Flá- assim a tensão dramática ela é... na forma de episó- via (Lilian Lemmertz); e tem (DICIONÁRIO DA TV GLO- dios, adaptados e dirigidos na prima Sonia (Elizabeth BO, 2003). por Antonio Carlos da Fon- Savalla) a melhor amiga. Um elemento peculiar toura. O primeiro episódio No entanto, esta amizade de Nelson Rodrigues, que intitulado Um grande amor converte-se em desavença foi bem aproveitado tan- contava a história de uma quando Joyce se apaixona to pelo texto quanto pela moça reprimida que passa- pelo médico Paulo (David produção da adaptação foi va a viver uma paixão des- Cardoso), namorado de sua a estética kitsch, já explo- controlada. O segundo epi- prima Sonia, repetindo a ri- rada pelo cineasta Arnaldo sódio, chamado Último de- validade que existira entre Jabor em suas adaptações sejo, tratava do universo de a mãe de Joyce, Senhori- cinematográficas (Toda nu-

44 julho / dezembro - 2006 dez será castigada e O ca- ambiente estranho e a in- o mais malogrado da car- samento). O recurso kitsch fluência da família do mari- reira de Nelson Rodrigues. conferiu realce especial a do, distancia cada vez mais Além disso, o diretor Antô- cafonices suburbanas e re- o casal, levando Leninha a nio Abujamra, ao invés de forçou na tônica adequada se apaixonar por Maurício um teatro, optou por fazer o melodramático de cenas, (Marcos Paulo), o cunhado de uma praia no Guarujá como a que Carlos (Edson galanteador. o palco de sua encenação. Celulari) está rezando na A Rede Globo preo- Sem falar no figurino todo Igreja da Penha, pedindo cupou-se em não definir a branco e as maquiagens a Nossa Senhora para es- época em que se passa a fantasmagóricas, entre ou- quecer Joyce (Lídia Bron- estória, por considerar que tros elementos plásticos di), quando seu lamento é muitos preconceitos e con- que ressaltaram os signos interrompido por uma voz flitos abordados no folhe- indicados no texto, enqua- que vem do fundo da ca- tim (adultério, por exemplo) drando a versão televisiva pela. Ao virar-se, o rapaz eram temas ainda válidos de Senhora dos afogados à encontra Joyce que veio na época em que se deu a estética expressionista, um implorar sua companhia e exibição da minissérie (SIL- estilo até então, raramen- seu amor. Extasiado Carlos VEIRA, 1982). A presença te utilizado em produções volta-se ao altar para agra- de Lucélia Santos como para a tevê. Toda essa ou- decer à santa, mas em seu protagonista da estória era sadia culminou em um pro- lugar o que vê é a amada um dos grandes trunfos grama singular, constituin- vestida de Nossa Senhora da produção, uma vez que te de em uma verdadeira da Penha (SILVEIRA, 1982). a atriz havia acabado de obra de arte realizada em A segunda adaptação protagonizar uma seqüên- vídeo. Estrelado por Fran- de uma história de Suzana cia de adaptações da obra çoise Fourton, João José Flag foi de seu mais famo- de Nelson para o cinema Pompeu, Fernando Peixo- so folhetim, Meu destino é (Bonitinha, mas ordinária – to, Tânia Bondezan, Paulo pecar, de 1944. A obra, na 1980; Engraçadinha – 1981; Gorgulho e Rosinha Petrin época de sua publicação Álbum de família – 1981), (RAZUK, 2003). seriada, foi capaz de impul- estando então sua imagem Considerando todos os sionar as vendagens de O evidentemente atrelada ao teleteatros produzidos pela Jornal, de Chateaubriand, universo do autor. tevê brasileira, pode pare- de três mil para trinta mil A última produção ro- cer inexpressiva a aparição exemplares. Sua adaptação drigueana para a tevê nes- de somente duas das 17 pe- para a tevê ocorreu no for- ta década se deu em 1985, ças de Nelson Rodrigues, mato minissérie. Com dire- quando a TV Cultura reto- dentre todos textos teatrais ção de Denise Sarraceni e mou a produção de telete- que ganharam versões para roteiro de 20 capítulos as- atros, e levou ao ar, em seu o formato televisivo. Porém, sinados por Euclydes Ma- aclamado programa Teatro a qualidade das adaptações rinho, Meu Destino É Pecar 2, a exibição da encenação de Vestido de noiva e Se- manteve fidelidade à trama televisiva de Senhora dos nhora dos afogados se faz original, contando inclusive afogados, cuja adaptação diferencial quando compa- com o recurso de narração ficou sob responsabilidade radas a todas as peças que em 3a pessoa, incorporado de Carlos Queiroz Telles e a se produziram neste forma- a trama na voz over de Ar- direção a cargo de Antônio to, não apenas pelo rigor da mando Bogus conduzindo Abujamra. De todas as pro- encenação, mas pela trans- os fatos. O enredo em si duções concebidas desde posição tão sensível e ao desenrola-se em torno da os anos 1970, esta adap- mesmo tempo verborrágica protagonista Leninha (Lucé- tação foi a mais ousada. destas encenações, que ex- lia Santos), que é obrigada Primeiramente, pela esco- plicitam todo potencial ar- a se casar com Paulo (Tar- lha da peça em si: Senho- tístico da cultura nacional. císio Meira) e viver com ele ra dos afogados pertence Estabelecendo-se como pa- em uma fazenda isolada. O ao ciclo das peças míticas, radigmas eruditos da obra

julho / dezembro - 2006 45 rodrigueana retratada pela por duas fases: a primeira, e também o desempenho tevê, os teleteatros de Antu- trazendo a atriz Alessan- dos atores Cláudio Cor- nes Filho e Antônio Abuja- dra Negrini encarnando a rea e Castro e Maria Luisa mra constituem duas obras- jovem e fogosa Engraçadi- Mendonça, irrepreensíveis primas da TV brasileira, que nha, que na segunda fase na pele do pai moralista, o chegaram até a serem exi- é vivida por Cláudia Raia, deputado Dr. Arnaldo e da bidas em outros países. a Engraçadinha depois dos prima obsessiva, a lésbica 30: mulher amarga e recal- Letícia, respectivamente. Anos 1990 até o presente: cada, que esconde seu pas- A minissérie foi reprisada narrativo impõe-se sobre o sado leviano sob a imagem por duas vezes, a primeira dramático nas adaptações de mulher religiosa, que, em setembro de 1998, e a no entanto, ao perceber em segunda entre agosto e se- Passaram-se novamen- sua filha caçula um tem- tembro de 2002, em virtude te dez anos para que outra peramento similar ao seu das comemorações de 90 adaptação televisiva da obra quando jovem, acaba por anos do nascimento de Nel- de Nelson Rodrigues fosse reavivar sua sexualidade son Rodrigues. produzida, o que aconteceu latente, que mantivera, por Em março de 1996, a em 1995, na Rede Globo. anos, reprimida. Rede Globo apresentou aos À época, a emissora já ha- O enredo principal foca- telespectadores mais uma via consolidado um eleva- va temas recorrentes à obra adaptação inédita do dra- do padrão na confecção de de Nelson Rodrigues, tais maturgo com o início da suas minisséries, tornando como incestos, suicídios, exibição da série... unitários as produções deste formato obsessões, adultérios e ho- com cerca de nove minutos um dos produtos de maior mossexualismo, contudo, de duração, exibidos como rigor da empresa e conferin- a produção foi assertiva no quadro do programa Fan- do prestígio à faixa horária tratamento dado à minissé- tástico. A atração manteve das 22 horas e 30 minutos. E rie, conferindo uma poética o nome da coluna, já cita- foi exatamente no late time às perversões, tornando-a, da, que Nelson Rodrigues de sua grade horária que assim, um sucesso estron- escrevia diariamente para o fora exibida a adaptação do doso de público e crítica. jornal Última Hora entre os folhetim Asfalto selvagem, A qualidade técnica da anos de 1951 e 1961. transformado na minissérie atração também foi res- Naquela época, a co- Engraçadinha, seus amores ponsável por sua consagra- luna fez estrondoso suces- e seus pecados, cujos 18 ção. Destaca-se o primoro- so, sendo comum em todo capítulos foram levados ao so trabalho de direção de Rio de Janeiro encontrar ar entre abril e maio do ano arte, que desenvolveu uma uma pessoa em um bonde, de 1995. aprofundada pesquisa para ou em um boteco, lendo Publicado originalmen- ressaltar as diferenças esté- a última página do jornal, te entre os anos de 1959 e ticas entre a primeira (am- onde A vida como ela é... 1960, no jornal Última Hora, bientada no final dos anos era impressa. As pequenas Asfalto selvagem fora edita- 1930) e a segunda fase da crônicas, adaptadas para a do posteriormente em dois minissérie (ambientada na televisão por Euclydes Ma- volumes: Asfalto selvagem década de 1950), demons- rinho, tratavam quase que - Engraçadinha, seus amores trando uma riqueza de de- invariavelmente de adulté- e seus pecados - dos 12 aos talhes de cenografia e figu- rio, acrescidos de elemen- 18 e Asfalto selvagem - En- rino (DICIONÁRIO DA TV tos policiais ou farsescos graçadinha depois dos 30. GLOBO, 2003). Também se em algumas ocasiões. Estes subtítulos são facilmen- destaca a qualidade das O quadro ficou no ar te denotáveis na adaptação atuações no todo, com des- até o término do ano de feita por Leopoldo Serran taque para a coesão dra- 1996, alcançando grande para a televisão, já que a mática nas interpretações sucesso, principalmente minissérie dirigida por De- das protagonistas Alessan- por apresentar o universo nise Sarraceni, é composta dra Negrini e Cláudia Raia; rodrigueano ao grande pú-

46 julho / dezembro - 2006 blico, já que os 40 unitários episódios do filme ao ar, em telefiçcão levados ao ar: fo- produzidos foram exibidos virtude das comemorações ram produzidas seis obras em horário nobre. Alguns dos 90 anos de nascimen- seriadas (A morta sem es- destes episódios foram re- to de Nelson Rodrigues. pelho, Sonho de amor, O prisados em janeiro de 1997 Vários elementos tornaram desconhecido, O homem e em julho de 2001, após o possível a incorporação dos proibido, Meu destino é pe- Programa do Jô. Além dis- fragmentos do filme dentro car, Engraçadinha) e cinco so, a série fora exibida na do programa, entre eles: a obras não-seriadas (Vestido França, Lituânia, Paraguai, proposta da atração de exi- de noiva (de Antunes Filho); Republica Tcheca, Suécia e bir semanalmente episódios Vestido de noiva (de Pau- Suíça (FILHO, 2001). unitários, cujo enredo fosse lo José); Paixão segundo A vida como ela é... foi baseado em uma adaptação Nelson Rodrigues; Senhora filmada totalmente em pelí- literária; o elenco de Trai- dos afogados; A vida como cula 35mm, valendo-se de ção ser composto majorita- ela é...). elementos da linguagem ci- riamente por atores contra- Também se percebe nematográfica, com inspira- tados da emissora; alguns que, a partir dos anos 1980, ção estética advinda do film episódios de Brava gente ocorre o privilegio da adap- noir. O recurso de registro eram filmados em película; tação de textos do gênero em filme, fora uma propos- e, finalmente a linguagem narrativo (ou seja, folhetins, ta do diretor Daniel Filho, derivada de videoclipes e romances e crônicas) em que, apoiado pelo diretor- filmes publicitários adotada detrimento de textos do gê- geral de programação José em Traição, que tornava o nero dramático (isto é, pe- Bonifácio de Oliveira Sobri- filme promissor a exibição ças de teatro). nho, o Boni, convenceram televisiva (PUPPO e XA- O predomínio do legado os executivos da Rede Glo- VIER, 2004). narrativo de Nelson Rodri- bo a viabilizar pela primei- Romances e folhetins gues na televisão é mantido ra vez uma produção, des- transformados em teleno- até a atualidade, quando as te tipo na emissora. Diante velas e minisséries. Peças adaptações mais recentes do bom resultado, a Globo teatrais registradas com são justamente de folhetins passou a utilizar película linguagem singular, cons- (Engraçadinha) e contos (A para gravações de outros tituindo primorosos tele- vida como ela é...), revelan- programas como especiais teatros. Crônicas de jornal do que a obra dramática de e minisséries. transformadas em crônicas Nelson tem seu êxito maior Após A vida como ela eletrônicas. conferido mesmo ao teatro é..., nenhum outro texto do E ainda textos, escritos e ao cinema, apesar da já dramaturgo fora adaptado especialmente para a tele- comentada qualidade dos para tevê. Ainda assim, em visão, materializados em teleteatros adaptados de 2002, a Rede Globo exibiu telenovelas. Observando peças suas. três episódios do programa o mapeamento das produ- Outro fator relevante Brava gente, também adap- ções realizadas a partir de diz respeito à representati- tados de crônicas d’A vida textos de Nelson Rodrigues vidade das adaptações en- como ela é... Foram eles O para a teleficção, é possível quanto referência do uni- primeiro pecado (exibido perceber que a variabilida- verso rodrigueano para o em 30 de julho), Diabólica de de formatos sob qual sua grande público. O que se (exibido em 6 de agosto) e obra apresentou-se na tevê percebe é que os dois tele- Cachorro (exibido em 13 de é análoga à versatilidade do teatros realizados pela TV agosto), episódios do filme autor enquanto jornalista e Cultura (Vestido de noiva Traição (lançado pela Cons- escritor. de Antunes Filho e Senho- piração Filmes em 1998), No panorama das adap- ra dos afogados de Antônio concebidos originalmente tações televisivas, a flexibi- Abujamra) são obras onde para a exibição cinemato- lidade do autor se expressa a autoria de Nelson é parti- gráfica. através da variabilidade si- lhada com os encenadores, A emissora levou os milar entre os formatos de responsáveis por adapta-

julho / dezembro - 2006 47 ções paradigmáticas da re- lespectadores foi capaz de e/ou filha), crimes passio- presentação audiovisual da superar o impacto de pro- nais, e principalmente adul- obra do dramaturgo. Estas duções anteriores (Engra- tério – assunto amplamente duas produções televisivas çadinha); ou por levar ao ar explorado nestas crônicas. podem ser consideradas uma produção de qualidade Dessa forma, a trans- como referenciais eruditos diferenciada em horário no- posição da coluna de jornal da obra rodrigueana. bre (A vida como ela é...), o para a série de tevê pode Diferentemente destes fato é que estes dois produ- retratar metonimicamente programas, cuja releitura tos da emissora tornaram-se o universo ficcional do au- dos diretores fora determi- a grande referência popular tor, para o grande público. nante para seu resultado da obra de Nelson Rodri- E mesmo para os já fami- final, encontram-se as pro- gues entre o grande públi- liarizados com as obras de duções realizadas pela Rede co, principalmente entre as Nelson Rodrigues, foram Globo, principalmente nos gerações mais jovens. surpreendidos pelo frescor anos 1990. Estes paradigmas Glo- que o suporte de uma es- Em uma adaptação, é bais da obra de Nelson Ro- tética cinematográfica (film indiscutível o caráter hí- drigues denotam um inten- noir) conferiu à produção. brido da autoria, no entan- so diálogo entre a lingua- Esta escolha da dire- to, a Rede Globo sempre gem cinematográfica e a ção suprimiu o ‘carioquis- privilegiou a fidelidade ao televisiva, mais nitidamente mo’ tão característico da texto original em detrimen- na série A vida como ela é... escrita do autor, colocando to de propostas de novas que além de ser gravada em em seu lugar uma ambien- leituras para obra. Mesmo película 16mm, valeu-se da tação remetente aos filmes na minissérie Meu destino estética do film noir para policiais. é pecar, em que um trata- sua concepção visual. No entanto, a supres- mento atemporal fora dado A opção da estética noir são da ambientação carioca à adaptação, o texto de Nel- feita pelo diretor Daniel Filho não chegou a descaracteri- son Rodrigues ainda se so- conciliou-se perfeitamen- zar a obra, pelo contrário, bressaía. te com o texto original das conferiu-lhe universalida- Essa lealdade texto-cên- crônicas, nas quais Nelson de, corroborando para com trica, priorizada nas adapta- Rodrigues deixava transpa- premissas de intelectuais e ções feitas pela Rede Globo recer sua experiência como estudiosos da obra rodri- concebeu outros paradig- repórter policial para a nar- gueana, que acreditam em mas da obra rodrigueana ração dos fatos, que ganha- sua possibilidade de proje- representada na tevê: de- vam densidade a partir de ção internacional,5 o que já vido ao seu maior alcance recursos melodramáticos se pode apontar a partir da de público, as adaptações inseridos com propriedade identificação das temáticas Globais popularizam o tex- pelo autor. recorrentes, de forma ne- to de Nelson Rodrigues en- A matéria dos contos nhuma regionalistas. tre as mais diversas faixas originais, era embebida de Quanto à internacionali- etárias e classes sociais, temáticas recorrentes na zação do legado de Nelson principalmente através das obra do autor, tais como Rodrigues, pode-se dizer produções mais recentes da incesto, rivalidade entre ir- que esta já ocorre em pe- emissora a partir de textos mãs, decadência da figura quena escala6 dada à im- do dramaturgo. Seja porque masculina (pai), perversida- portância que o dramaturgo sua repercussão entre os te- de da figura feminina (mãe tem para a cultura nacional.

5 - Dentre os intelectuais que acreditam na viabilidade da obra rodrigueana no Exterior estão Sábato Magaldi (MAGALDI, 1982) e o encenador Antunes Filho, cujas montagens teatrais Nelson Rodrigues: Eterno retorno, Nelson Rodrigues e Paraíso Zona Norte foram encenadas na Europa. O filho do dramaturgo, Joffre Rodrigues, traduziu 12 peças do pai para o inglês em parceria com Toby Coe e recentemente lançou a versão cinematográfica de Vestido de noiva em festivais na França, Estados Unidos e América Latina. O próprio Daniel Filho, diretor da série A vida como ela é... também partilha desta opinião. 6 - Nos Estados Unidos, Vestido de noiva foi encenada em 1997, no Theatre Forty em Los Angeles com direção de Paul Warner. Na Inglaterra, houve em 1993 uma montagem do BAC Studio de Londres chamada Urucubaca, baseada na peça A Falecida, no ano seguinte, 1994 e a peça O Beijo No Asfalto foi levada aos palcos pela mesma companhia; e mais recentemente em 2005, os palcos londrinos voltaram a receber uma obra de Nelson Rodrigues com a montagem do monólogo Valsa no 6 pelo grupo Stone Crabs, no teatro Greenwich. As versões cinematográficas dos textos de Nelson Rodrigues chegaram a ser distribuídas internacionalmente, no entanto, poucos filmes alcançaram representatividade, sendo exibidos em festivais internacionais, entre eles: A falecida, de Leon Hirszman, Boca de ouro, de Nelson Pereira dos Santos, Toda nudez será castigada de Arnaldo Jabor e Vestido de noiva, de Joffre Rodrigues. Das adaptações televisivas, a minissérie Engraçadinha fora exibida em Portugal, Espanha e Estados Unidos. Assim como a série A vida como ela é... que fora vendida a seis países.

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