Situação fundiária no município de Carlinda (MT)

A complexa situação fundiária do estado de e a falta de transparência na gestão de informações e nos procedimentos de regularização fundiária dificultam a implementação de ações e de políticas públicas que visem a sustentabilidade. A má governança da terra gera incertezas sobre o direito de propriedade, estimula o uso irracional dos recursos naturais e prejudica a regularização das cadeias produtivas

Assim, a promoção do desenvolvimento sustentável nos municípios de Mato Grosso, como preconiza o Programa Mato-grossense de Municípios Sustentáveis (PMS), passa pela resolução das questões fundiárias no estado. Diante disso, o Instituto Centro de Vida (ICV) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realizaram um estudo sobre a Governança Fundiária1 no Estado de Mato Grosso, com o objetivo de revelar os principais gargalos para a boa governança de terras no estado e propor soluções.

Para confecção do estudo, foram realizados painéis temáticos com a participação de diferentes instituições que trabalham com a questão de terras no estado2, além de pesquisas de campo em oito municípios da região Portal da Amazônia, incluindo Carlinda.

A presente análise sobre a “Situação fundiária no município de Carlinda (MT)” é parte integrante desse estudo e traz os principais resultados da oficina realizada com alguns atores chave do município3. Esse documento visa auxiliar o poder público local e a sociedade civil na compreensão das questões fundiárias em seu território, no planejamento e implementação de ações e políticas públicas para a promoção de uma boa governança.

O papel dos atores locais na governança de terras Cada vez mais o poder judiciário, o poder público local e a sociedade civil organizada estão envolvidos na discussão sobre a promoção da governança responsável da terra em seus municípios. Dentre os princípios que orientam a boa governança fundiária estão: reconhecimento e respeito aos titulares legítimos e seus direitos de posse; promoção de serviços públicos eficientes, bem como a garantia ao acesso à justiça; prevenção de disputas,

1 Como governança fundiária entende-se o conjunto de regras, processos e organizações pelas quais se determina o acesso e o uso da terra num país. 2 Os grupos focais foram em , Apiacás, Carlinda, , , Paranaíta, e . Após, aplicamos a metodologia Marco de Avaliação da Governança Fundiária (LGAF), que é uma ferramenta de diagnóstico desenvolvido pelo Banco Mundial para avaliar o estado da governabilidade da terra a nível estadual e nacional. Após a compilação dos resultados dos painéis e dos grupos focais, realizamos um evento de devolutiva, validando o estudo junto aos gestores e técnicos públicos e a sociedade civil organizada. 3 As informações e propostas trazidas neste documento são frutos das discussões do grupo focal, não houve verificação posterior de dados citados pelos participantes. 1 Cuiabá-MT, Agosto de 2015

Situação fundiária no município de Carlinda (MT) conflitos violentos e corrupção; equidade; transparência e; consulta e participação (MDA, 20154).

Os atores locais podem contribuir com a regularização fundiária em seu território, implementando políticas públicas que auxiliem na resolução das questões de terras de maneira participativa e transparente.

Em 2014, a Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso criou a figura das Comissões de Assuntos Fundiários em Âmbito Municipal5, vinculadas as Comarcas, e que tem por objetivo auxiliar na resolução das questões fundiárias existentes em cada município. Esse colegiado pode contribuir para a análise e enfrentamento dos problemas fundiários em Carlinda, incluindo no debate os diferentes órgãos e instituições relacionados à temática. Para tanto, é necessário que os representantes das entidades públicas e de organizações da sociedade civil estejam informados e envolvidos nesse debate.

Além da criação desse espaço participativo de discussão e decisão, os municípios podem assinar convênio com a Receita Federal para arrecadar o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). O ITR foi criado para controlar a especulação imobiliária nas áreas rurais e incentivar o uso racional dos recursos naturais. No entanto, a sonegação do ITR é muito alta em vários lugares do país, como aponta o estudo de caso no Pará (IMAZON, 20146). A municipalização da cobrança do ITR e as ações de fiscalização podem contribuir para controlar o uso improdutivo das áreas e promover uma melhor gestão do território, assim como significar uma nova fonte de arrecadação municipal.

Além das Comissões Fundiárias e da utilização do ITR enquanto ferramenta de gestão, o município pode promover outras ações que auxiliem na resolução das questões de terras e ampliem seu papel no ordenamento territorial. Para isso, é necessário que ele conheça sua estrutura fundiária, bem como a natureza e localização dos principais problemas à serem enfrentados.

Estrutura Fundiária de Carlinda

O município de Carlinda possuí 2.393 km², sendo que 100% da sua área foi mapeada7, apresentando 2.296 imóveis rurais. A maior parte dos imóveis tem menos de 50 hectares (Tabela 1), no entanto, os que ocupam maior área são aqueles maiores de 1.000 hectares (38%).

Em seus limites estão presentes três assentamentos rurais: Projeto de Assentamento Conjunto (PAC) Carlinda; Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) São Paulo e; Projeto de Assentamento Pinheiro Velho. Somados, ocupam uma área de aproximadamente 950 km² (40% do território municipal) e atendem a 1.419 famílias (Tabela 2)8.

4 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Terra, dos Recursos Pesqueiros e Florestais no Contexto da Segurança Alimentar Nacional. Brasília: MDA, 2015 (tradução). 5 Provimento n° 15/2014 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso. 6 SILVA, D. BARRETO, P. O potencial do Imposto Territorial Rural contra o desmatamento especulativo na Amazônia. Bélem, PA: IMAZON, 2014. 7 Nesse mapeamento fundiário incluem-se os imóveis cadastrados no Simlam, sendo a base de Licença Ambiental Única (LAU) de março de 2014 e a base do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de agosto de 2014. 8 Dados disponíveis no sítio eletrônico do Incra. Acesso em: 10 de agosto de 2015. Cuiabá-MT, Agosto de 2015 2

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Analisando a condição legal dos produtores, segundo dados do Censo Agropecuário, em sua grande maioria, os produtores estavam produzindo em terras próprias (Tabela 2). Também salienta-se a existência de beneficiários da reforma agrária sem titulação definitiva e produtores com terras arrendadas.

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Tabela 1.Número e área de imóveis rurais segundo classes de tamanho, em Carlinda.

De 0 a 5 hectares Número de Área dos Porcentagem Porcentagem imóveis rurais imóveis rurais (%) (%) (Unidades) (Hectares)

De 0 a 5 hectares 241 10 695 0 De 5 a 10 hectares 118 5 827 0 De 10 a 20 hectares 112 5 1.627 1 De 20 a50 hectares 1.001 44 32.681 14 De 50 a 100 hectares 474 21 29.501 13 De 100 a 200 hectares 146 6 18.721 8 De 200 a 500 hectares 128 6 37.516 16 De 500 a 1000 hectares 34 1 23.910 10 De 1000 a 2500 hectares 35 2 56.040 24 Maior de 2.500 hectares 7 0 31.465 14 Total 2.296 100 232.984 100 Fonte: Censo Agropecuário/IBGE.

Tabela 2. Assentamentos rurais em Carlinda.

Nome do Data de Capacidade (número Número de Famílias Área Assentamento Criação de famílias) Assentadas (hectares) PAC Carlinda 1981 1.386 1304 89.986 PA Pinheiro Velho 2006 68 68 3.004 PDS São Paulo 2012 48 47 2.356 Total 1.502 1.419 95.345 Fonte: Incra, 2015

De acordo com as informações de imóveis rurais cadastrados pelo Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) divulgadas pelo INCRA, o município apresenta 104 mil hectares em imóveis privados, o que significa 45% da área mapeada.

Tabela 3. Número e área de estabelecimentos agropecuários por condição legal do produtor em Carlinda.

Número de Área dos Condição do estabelecimentos Porcentagem estabelecimentos Porcentagem produtor agropecuários (%) agropecuários (%) (Unidades) (Hectares)

Proprietário 1.681 96 206.572 98 Assentado sem titulação 47 3 1.854 1 definitiva Arrendatário 25 1 2.278 1 Parceiro 2 0 X - Ocupante 5 0 97 0 Produtor sem - - - - área Total 1.760 100 210.820 100 Fonte: Censo Agropecuário/IBGE. Nota: X: menos de 3 observações não apresentam área representativa para a pesquisa.

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Os estabelecimentos são obtidos, predominantemente, com base na compra particular (Tabela 3). Mas também se destaca a obtenção de títulos (ou aguardando titulação) via reforma agrária e programas de reassentamento, que representa mais de 20% das formas de obtenção de terras em Carlinda.

Tabela 4. Número de estabelecimentos agropecuários segundo a forma de obtenção das terras em Carlinda.

Nº de estabelecimentos Porcentagem Forma de obtenção das terras agropecuários (%) (Unidades)

Compra de particular 1.332 77

Compra via crédito fundiário (cédula da terra, Banco da 6 0 Terra, etc.)

Titulação via reforma agrária, programa de 358 21 reassentamento ou aguardando titulação

Herança 16 1 Doação particular 9 1 Usucapião 4 0 Outra forma 7 0 Não sabe 6 0 Total 1.729 100 Fonte: Censo Agropecuário/IBGE. Considerando apenas os que responderam à pergunta.

Análise dos problemas relatados na pesquisa de campo A pesquisa de campo envolveu uma oficina com atores chaves, chamada de grupo focal, sobre a situação fundiária de Carlinda. Foram reunidos aproximadamente 15 representantes da sociedade civil e do poder público cuja atuação está relacionada às questões de terras no município. Os principais problemas relatados localizam-se nos assentamentos rurais e na área da antiga Colonizadora Cotia (Figura 1).

1. Regularização das terras da Colonizadora Cotia

Anos atrás, a Colonizadora Cotia repassou terras para que a prefeitura realizasse a venda dos lotes em regime de subcomodato (apenas concessão de uso). Entretanto, este processo não foi claro e muitos dos receptores dos imóveis tiveram a percepção de que estavam adquirindo a propriedade dos lotes. Mais recentemente, a empresa GVA comprou a massa falida da Cotia e muitos dos lotes atualmente pertencem juridicamente à GVA. Entretanto, parte dos atuais moradores dos lotes estão resistentes a regularização das terras, pois sentem-se ludibriados pela prefeitura. A solução para este problema passa pelo esclarecimento de todas as partes envolvidas, com realização de campanhas e audiências públicas nos bairros afetados para o nivelamento de informações.

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Figura 1. Mapa Fundiário de Carlinda e localização dos problemas identificados no grupo focal.

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2. Falta de documentação dos assentamentos

Assim como em outros assentamentos rurais do Portal da Amazônia, os beneficiários da política de reforma agrária em Carlinda não obtiveram a titulação definitiva de seus imóveis devido à ausência de georreferenciamento. Isso gera dificuldades de acesso às políticas de créditos, impossibilidade de comercialização dos imóveis, desvalorização do valor das terras pela falta de documentos e insegurança jurídica.

Como caminhos para solucionar essa questão, os próprios agricultores podem se organizar para a realização do georreferenciamento dos imóveis, buscando parcerias com a prefeitura municipal e organizações da sociedade civil para redução dos custos. Outra opção que pode ser complementar, seria o estabelecimento de um termo de cooperação entre o Incra e a prefeitura e/ou os assentados para realização das ações para o georreferenciamento, compartilhando responsabilidades.

3. Deslocamento dos limites

Os assentamentos em Carlinda também apresentam divergência dos limites descritos nas matrículas e a realidade física. Esses deslocamentos implicam em problemas para o georreferenciamento. A solução proposta refere-se a realização de uma atualização da base fundiária em esforço conjunto entre prefeitura, Incra e cartório de registro de imóveis. Assim, seriam retificadas as áreas que não estivessem em conformidade.

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