EXPANSÃO METROPOLITANA, AGRICULTURA MODERNA E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NA REDE-DF* A R T I G O S A R

Sérgio Magno Carvalo de Souza

Resumo: considerando os processos responsáveis pela organização e reorganiza- ção dos espaços regionais recentemente, podem ser destacados, para o caso brasi- leiro, a expansão metropolitana e a expansão da agricultura moderna. Em alguns casos estes parecem ocorrer de forma simultânea, como no o caso da Região In- tegrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno, a Ride-DF. Ao mesmo tempo, estes processos possuem impactos sobre a questão das desigualdades so- cioespaciais, principalmente por possuírem tendências concentradoras. Este artigo busca analisar a relação existente entre as dinâmicas recentes de organização do espaço da Ride-DF, notadamente a expansão metropolitana e a expansão da agri- cultura moderna, e modificações no quadro das desigualdades socioespaciais desta região. Os resultados apontam para tendência de evolução comum, por grupos de municípios, do crescimento demográfico e da evolução dos indicadores de renda. Os municípios afetados pela expansão metropolitana e pela expansão da agricul- tura moderna tem apresentando melhoria nos indicadores de distribuição de renda abaixo da média da região, ao passo que o crescimento demográfico é mais acen- tuado nos afetados pela expansão metropolitana do que naqueles afetados pela expansão da agricultura moderna.

Palavras-chave: Expansão metropolitana. Agricultura moderna. Desigualdades socioespaciais. Ride-DF.

METROPOLITAN EXPANSION, MODERN AGRICULTURE AND SOCIOSPATIAL INEQUALITIES IN THE RIDE-DF

Abstract: considering the processes responsible for recently regional organization and reorganization, can be highlighted, in the Brazilian case, metropolitan expan- sion and modern agriculture expansion. In some cases, these processes seem to occur simultaneously, as in the case of the Integrated Development Region of the Federal District (Ride-DF). At the same time, they can cause impacts in region

, Goiânia, v.3, n.1, p.71-94, jan./jul, 2017. DOI 10.18224/baru.v3i1.5832 71 inequalities, especially because their concentrated tendencies. This article aims to analyse the relation between recent dynamics of spatial organization in the Ride-DF, notably the metropoli- tan expansion and the modern agriculture expansion, and the modifications in the sociospatial inequalities in this region. The results points to the tendency, by groups of counties, of common evolution in the demographic growth and in the evolution of the income indicators. The spaces affected by the metropolitan expansion and by the modern agriculture expansion has showed im- provement in the income indicators below the region average, while demographic growth is more accentuated in those affected by the metropolitan expansion than in those affected by the modern agriculture expansion.

Keywords: Metropolitan expansion. Modern agriculture. Sociospatial inequalities. Ride-DF.

EXPANSIÓN METROPOLITANA, AGRICULTURA MODERNA Y DESIGUALDADES SOCIO-ESPACIALES EN LA RIDE-DF

Resumen: teniendo en cuenta los procesos responsables por la organización y reorganización de los espacios regionales actualmente, pueden ser destacados, para el caso brasileño, la expansión metropolitana y la expansión de la agricultura moderna. En algunos casos éstos aparecen ocur- rir simultáneamente, como en el caso de la Región Integrada de Desarrollo del Distrito Federal (Ride-DF). Al mismo tiempo, estos procesos provocan impactos sobre la cuestión de las desi- gualdades socio-espaciales, principalmente por tener tendencias concentradoras. Este artículo busca analizar la relación existente entre las dinámicas recientes de organización del espacio de la Ride-DF, notablemente la expansión metropolitana y la expansión de la agricultura moderna, y modificaciones en el cuadro de desigualdades socio-espaciales en la región. Los resultados in- dican una tendencia de evolución común, por grupos de municipios, del crecimiento demográfico y de la evolución de los indicadores de renta. Los municipios afectados por la expansión metro- politana y por la expansión de la agricultura moderna han presentado mejoría en los indicadores de distribución de renta debajo del promedio de la región, al paso que el crecimiento demográfico es mayor en los afectados por la expansión metropolitana que en los afectados por la expansión de la agricultura moderna.

Palabras clave: Expansión metropolitana. Agricultura moderna. Desigualdades socio-espaciales. Ride-DF.

o período mais recente do capitalismo global, especialmente a partir da der- rocada do modelo fordista na década de 1970, tem ocorrido modificações nos Nprocessos produtivos e em sua localização. Tais modificações ocorrem em um ambiente de “acumulação flexível”, conforme definido por Harvey (1992), com maior -li berdade para circulação do capital e menor regulação por parte do Estado. Lipietz (1991) chama tal período de “liberal-produtivismo”, por conta da ascensão de um liberalismo próprio do tempo atual, no qual o Estado tem passado parte de suas funções aos agentes privados. Em termos de organização da produção, Dupas (2001) aponta para as tendên- cias gerais de fragmentação das fases produtivas, com a terceirização de segmentos e sua relocalização no espaço, especialmente em áreas de mão de obra mais barata. Este novo modelo de organização produtiva tem consequências na organização dos espaços regionais. Neste sentido, Allen et al. (1998) abordam a perspectiva das regiões organi- zadas a partir das relações sociais que nelas se estabelecem, o que, no período mais re- cente, ocorre a partir de múltiplas e desiguais relações, o que se desdobra em espaços regionais descontínuos, fragmentados. Veltz (1996) fala na “economia de arquipélago”, como metáfora de um momento em que as múltiplas relações econômicas ocorrem em

72 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, nós de redes globais de produção dentro das regiões, não obrigatoriamente mediados ou controlados por um centro regional único. Este novo quadro regional abarca, ainda, um novo papel para as metrópoles, no qual elas tendem a reter as funções de gestão do capi- tal. Associam-se a espaços agrícolas modernizados em sua proximidade, cuja produção é controlada, em diversos casos, por centros de gestão e controle de outras regiões. No Brasil, tal tendência parece em curso na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF). Neste sentido, o objetivo deste trabalho é analisar a relação existente entre as dinâmicas recentes de organização do espaço da Ride-DF, notadamente a expansão metropolitana e a expansão da agricultura moderna e modificações no quadro das desigualdades socioespaciais desta região. Neste contexto de regiões fragmentadas, descontínuas, alguns processos espaciais responsáveis por sua produção têm sido afetados. Entre eles estão a metropolização e a expansão metropolitana. No momento atual, as metrópoles tendem a reter para si, cada vez mais, as funções de gestão do capital e controle da produção. Isto se verifica em seus espaços centrais principais, ao passo que se mantem a expansão de seus espaços me- tropolitanos. No caso brasileiro, muitas destas periferias são marcadas pela segregação socioespacial, formando-se como espaços de mão de obra barata integrada ao circuito superior dos centros de gestão do capital (SANTOS, 2008a). Mesmo com a expansão do espaço metropolitano, novas relações tem se dado com o espaço regional imediato, espe- cialmente os espaços rurais, nos quais relações de controle tem sido estabelecidas com centros de gestão distantes. Este tem sido o quadro da agricultura modernizada. Há, assim, tendências claras de descontinuidade regional a partir da agricultura modernizada. Esta é resultado do processo de modernização da agricultura, conceituado por Graziano da Silva (1996) como sendo o processo de mudança na base técnica da produção no campo que visa aumentar a produtividade. Ele aponta ainda que tal processo abarca a maior integração da agricultura ao sistema capitalista industrial, além de levar ao rompimento de relações de produção arcaicas e ao domínio, sobre a atividade agrícola, do capital comercial. Elias (2003) aponta que este novo momento da agricultura é marcado pela impressão, nesta atividade, das características do meio técnico-científico-informacional, con- forme proposto por Santos (2008b). Em tal meio, Elias aponta haver uma reorganização da relação entre os fatores de produção no campo, terra, trabalho e capital, sob égide deste último. A técnica e a ciência tornam a produção menos vulnerável às dinâmicas próprias da natureza, e sua aplicação demanda uma reorganização espacial da produção. É as- sim que a agricultura incorpora elementos próprios da desconcentração e fragmentação produtiva própria deste período, buscando novos espaços para se realizar. Nestes, tem sido comum a criação das chamadas “cidades do agronegócio”, cidades de apoio às atividades técnicas do agronegócio, cujas funções, no espaço, acabam delimitadas por agentes exógenos, criando verdadeiros espaços “alienados” da região. Além disso, estes autores reforçam, ainda, o aumento da seletividade de atuação do capital nas regiões de avanço do agronegócio moderno, o que impacta no acirramento das desigualdades socioespaciais regionais. Por sua vez, estes dois processos, expansão metropolitana e expansão da agri- cultura moderna tem causado modificações no quadro regional, incidindo sobre as desi-

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 73 gualdades socioespaciais internas. Como pode ser observado na breve descrição acima, a forma como estes processos tem se dado tem levado a modificações no ritmo de cres- cimento demográfico e no tema da distribuição da renda, seja concentrando população mais pobre nas periferias metropolitanas, seja “expulsando” população das áreas em que a agricultura modernizada avança. Tais tendências têm sido observadas na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF), onde ambos os processos têm ocorrido. No caso específico desta região, houve, inicialmente, um processo de expansão urbana a partir da construção e consolidação de Brasília como Capital Federal. A agri- cultura moderna foi aí implantada a partir de ação específica do Estado, ainda na década de 1970, na qual havia um contexto de inclusão do Centro-Oeste no circuito produtivo nacional como grande produtora agrícola, a partir de instrumentos de ordenamento re- gional e de financiamento. Ao mesmo tempo em que isso ocorria, a tendência de ordena- mento do solo urbano, especialmente no Distrito Federal, com viés excludente social e espacialmente, produziu um processo de expansão urbana e metropolitana que avançou sobre a periferia goiana do Distrito Federal. Mais recentemente, o Estado reorientou sua forma de atuação com menor ênfase no ordenamento do território, tanto sobre a expansão urbana e metropolitana quanto na localização das atividades agrícolas. Esta mudança na forma de atuação do Estado, entre outros fatores, tem levado a expansão metropolitana de Brasília e a expansão da agricultura moderna na Ride-DF. Nos municípios envolvidos com estes dois processos, verificam-se alterações na questão do ritmo de crescimento demográfico e de distribuição de renda que aparentam estar bastante atreladasà dinâmica socioeconômica recente da região. A partir do objetivo geral anteriormente posto, o trabalho parte da hipótese de que nos municípios afetados mais diretamente por estes dois processos surgem tendências comuns de evolução do ritmo de crescimento demográfico e de distribuição de renda. A hipótese foi testada a partir do uso de um modelo de análise do desenvolvimento dos municípios da Ride-DF, que considerou como fatores principais o crescimento demográ- fico e a renda. A partir desta análise, os municípios foram classificados a partir de uma tipologia própria. Considerando o peso da questão das migrações, foram analisados ainda dados sobre imigrantes em alguns dos municípios da Ride-DF. Em seguida, foi feita a associação desta com os processos em análise (expansão metropolitana e expansão da agricultura moderna), a qual permitiu compreender o impacto destes processos no quadro de desigualdades socioespaciais na região em estudo1. A seguir, na próxima seção, é revisitado o processo de construção da Região de Brasília, inicialmente não institucionalizada, e mais recentemente assim feita por meio da Ride-DF, com enfoque nas formas de organização regional e do papel e localização aí tidos pela expansão metropolitana e a agricultura moderna.

A ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO DA RIDE-DF

Esta seção do trabalho visa apresentar, inicialmente, o resgate histórico da constru- ção da Região de Brasília, inicialmente não formalizada, até sua delimitação oficial, por

74 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, meio de Lei Complementar, em 1998, com a criação da Ride-DF. Neste processo, o inte- resse maior recai sobre os processos de expansão metropolitana e expansão da agricultura moderna na região. Para melhor organizar esta fase da discussão, foram propostos três períodos dife- rentes, baseados na implantação e desenvolvimento dos dois processos considerados: o da implantação das bases territoriais da Região de Brasília; o da formação metropolitana e implantação da agricultura moderna na Região de Brasília; o da expansão metropolitana e expansão da agricultura moderna na Ride-DF. A análise de cada um dos períodos consi- dera, inicialmente, o contexto socioeconômico. Este motiva ações, que foram analisadas a partir, principalmente, da atuação do Estado por meio de suas políticas públicas, em três setores: política regional, política urbana e metropolitana e política agrícola. Finalmente, são analisados os desdobramentos destas ações.

A IMPLANTAÇÃO DAS BASES TERRITORIAIS DA REGIÃO DE BRASÍLIA (1956-1969)

O processo de organização e estruturação regional do espaço de Brasília teve início com a construção da Nova Capital, ocorrido com a finalidade de atender ao contexto, no momento, de integração nacional. A partir deste contexto, as ações iniciais tiveram como principal objetivo a implantação da cidade, sem maiores preocupações com a organização efetiva do espaço regional a partir de ação do Estado. Como desdobramentos, tais ações levaram a construção da Nova Capital, com articulação regional ainda incipiente, e modi- ficações nos espaços mais próximos apenas residuais de sua construção. Assim, este período teve como contexto geral as ações de gestão do território o im- perativo da transferência da Capital Federal, dadas as necessidades de integração do mer- cado nacional, principalmente. A região escolhida como sede estava localizada na porção leste do Estado de Goiás, nos municípios de Formosa, Luziânia e Planaltina. Magalhães (2010) aponta que estes municípios possuíam a expectativa de que a construção da Nova Capital trouxesse o desenvolvimento a uma região pouco habitada e considerada “esque- cida” pelo desenvolvimento no período, cujo centro, no Estado de Goiás, estava mais próximo da capital Goiânia e de Anápolis. Muito por conta disto, houve importante mo- bilização destes municípios para apoiar a construção de Brasília, o que ocorreu também a partir de ações autoritárias do Governo Federal – Magalhães relata o uso da perspectiva do desenvolvimento para praticamente obrigar as prefeituras locais a colaborar. Miragaya (2010) aponta, sobre a produção econômica do período, para o predomínio da atividade agropecuária voltada à subsistência, pouco mecanizada e de baixa produtividade. A partir deste contexto, as ações em escala regional foram reduzidas, ao menos no nível mais imediato, já que o imperativo era a transferência da capital, e não o desenvolvi- mento da região em que viria a ser construída. Como esboço de uma política neste sentido foi criado o Fundo de Desenvolvimento do Distrito Federal (Fundefe), que tinha abran- gência nos municípios vizinhos. Entretanto, foi um instrumento de crédito que acabou concentrando-se no Distrito Federal e não possuía associação a qualquer instrumento de planejamento e ordenamento da região. Estevam (1997) aponta a importância do impacto

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 75 regional de obras relacionadas a construção da Nova Capital (como a construção de rodo- vias), porém sem a característica de integrar uma política regional específica formulada. No âmbito da política urbana, houve um planejamento inicial restrito ao Plano Piloto de Brasília, de concepção modernista. Ao mesmo tempo que construía a Nova Capital, o Estado agia de forma incrementalista, removendo as invasões que deram origem, muitas delas, às cidades-satélites – cujo caso mais notório foi a remoção da antiga Vila do IAPI, que originou a atual cidade-satélite de Ceilândia (IPEA, 2001). No âmbito dos municípios afetados pela construção da Nova Capital não se verificam políticas de planejamento e gestão urbanas de fôlego no período. A respeito de uma política agrícola, verifica-se a mesma ausência quanto à política regional: não havia algo específico para a região. A partir destas ações, como principais desdobramentos no processo de organização e estruturação de uma Região de Brasília, ocorre, inicialmente, a urbanização de Brasília e seu processo inicial de expansão. Como dito, houve impulso à urbanização de alguns dos municípios afetados pela construção da Nova Capital, mas em menor escala. Em termos de estruturação do espaço urbano, ia sendo produzido um espaço, dentro do Distrito Federal, permeado pela lógica de um centro de maior atuação do Estado e espaços de assentamento afastados. Paviani (1987) define tal lógica como sendo um espaço “polinucleado”. Espe- cificamente sobre a agricultura, Silva (2008) demonstra o início de alguma mecanização, porém longe ainda de uma efetiva modernização, conforme argumentado na seção anterior. Neste sentido, é possível considerar que o período lançou as bases do que mais tarde viria a ser um processo de modernização na agricultura, especialmente pelas melhorias e avanços na infraestrutura necessária (rodovias e redes de energia elétrica, por exemplo).

FORMAÇÃO METROPOLITANA E IMPLANTAÇÃO DA AGRICULTURA MODERNA NA REGIÃO DE BRASÍLIA (1970-1985)

Somente neste período é que houve maior interesse na proposição de uma política de desenvolvimento regional específica para a Região sob influência de Brasília. Uma caracte- rística importante neste contexto será a consolidação de Brasília como capital federal, refor- çando a transferência de órgãos públicos. Isto ocorreu em um contexto de avanço das políti- cas desenvolvimentistas, baseadas nos imperativos de integração produtiva do Centro-Oeste brasileiro como “celeiro” nacional. Dadas as premissas de algumas políticas nacionais, em especial o I e II Plano Nacional de Desenvolvimento (PNDs), programas específicos e im- portantes somas de capital estatal passaram a ser utilizadas no desenvolvimento da região em estudo. É importante considerar ainda o contexto político autoritário de então (que se re- flete nas políticas públicas, pensadas a partir do Governo Federal e aplicada nas regiões sem maiores discussões). Economicamente houve crescimento, no início do período, sustentado pelo investimento público (este, por sua vez, subsidiado por crédito internacional). Ao tér- mino, este momento de crescimento econômico dá lugar a uma ampla crise, que reorientará a forma de atuação do Estado, reduzindo muitos os investimentos. Sobre as ações de gestão do território, destaca-se, inicialmente, no âmbito da polí- tica regional, o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro). Previsto na es- trutura do II PND, incorporou a visão do Centro-Oeste como grande área produtiva e teve

76 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, suas ações pautadas no ordenamento do território regional, no financiamento à produção e na evolução tecnológica desta. Na região sob influência de Brasília, sua atuação de des- taca em duas regiões-programa: Vale do Paranã e Área de Paracatu (MINTER; SUDECO, 1975). Além deste programa, ainda dentro do II PND, foi pensado o Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília (Pergeb), cujo norte de atuação visava diminuir a pressão demográfica sobre Brasília. Inicialmente, atuou a partir de regiões-programa, passando, em seguida, a atuar em três regiões específicas: zona de contenção, abarcan- do apenas o Distrito Federal; zona de amortecimento, na chamada escala de transição, que abarcava a maior parte dos municípios que hoje compõem a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF); e zona de dinamização, na escala regional, nas quais as ações deviam se voltar para a fixação da população no cam- po (MINTER; SUDECO, 1975; FRANÇA, 2009). A efetividade destes programas foi controversa: o Polocentro concentrou recursos no sul de Goiás, principalmente, e na mão dos grandes proprietários; o Pergeb, que previa a fixação de população no campo acabou “sabotado” pelo maior interesse do governo no Polocentro e pelos desdobramentos se contraporem ao esperado pelo Pergeb – o Polocentro acabou levando a concentração de terras e migrações para os grandes centros (ESTEVAM, 1997). Em relação à questão urbana, a atuação no Distrito Federal passa a ter uma política abrangente para todo o território, a partir do Plano Estrutural de Organização Territorial do Distrito Federal (Peot). Este previa a manutenção da ocupação do território do Distrito Federal seguindo para o sul e sudeste do território, com preservação do espaço central a partir do argumento ambiental. Nos municípios da região que passou a ser chamada de “Entorno” de Brasília, passaram a haver ações mais específicas de planejamento e gestão urbanas, a partir das necessidades criadas pela expansão urbana. É notável o caso de Lu- ziânia, que divide seu extenso território em Regiões Administrativas (OLIVEIRA, 1983). Sobre a política agrícola do período, pode-se considerar que o Polocentro preen- cheu esta lacuna. Deve-se ressaltar ainda os esforços de evolução tecnológica no campo, das quais a Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola (Embrapa) teve papel fundamental. Como desdobramento, no âmbito da expansão urbana, pode-se falar, ao término do período, que se inicia a formação de um espaço metropolizado a partir da expansão do espaço urbano de Brasília. Este processo se deu, de forma mais clara, ao sul do Distrito Federal, atingido o grande espaço do município de Luziânia. O processo de expansão do espaço polinucleado, baseado em segregação socioespacial se mantem, e, de certa forma, se reproduz nos municípios em que atingiu. Já em relação à agricultura moderna, houve sua implantação, dados os estímulos do Estado. Isto ocorreu, principalmente, nos municípios de Unaí-MG e Formosa-GO, à leste de Brasília e mais ligados às duas regiões-programa do Polocentro com atuação na Região de Brasília.

EXPANSÃO METROPOLITANA E AGRICULTURA MODERNA NA RIDE-DF (1986-2016)

No período mais recente, o contexto aponta para a um período em que o Esta- do, a partir da crise econômica da década de 1980 e por sua adesão à ideologia neo-

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 77 liberal reorienta suas formas de atuação, retirando muitos dos investimentos diretos antes comuns. Seu papel passa a ser de regular e fomentar o mercado, agente respon- sável pela realização até de serviços públicos. Mais recentemente, houve a retomada das políticas de desenvolvimento regional no contexto da agenda pública, especial- mente a partir da década de 1990. Na Ride-DF, em termos econômicos, o contexto aponta para o aumento da diversificação das atividades e da integração da economia de Brasília com a de Goiânia. Conforme já mencionado, uma das ações do período foi a formalização de uma re- gião específica de influência de Brasília, na qual espera-se a articulação tanto para assun- tos regionais quanto metropolitanos, a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF). Sua criação deu-se a partir da Lei Complementar nº 94, de 19 de fevereiro de 1998, que descreve sua composição como sendo a seguinte: o Distrito Federal, Municípios de Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas, Alexânia, Cabe- ceiras, , Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás, , Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, , Padre Bernardo, Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso e Vila Boa, no Estado de Goiás, e de Unaí e Buritis, no Estado de Minas Gerais2. O mapa da Figura 1, retrata a espacialização desta região e seus municípios. A partir da formalização da Ride-DF, as ações específicas de desenvolvimento re- gional ou de integração deste espaço tem sido muito limitadas, passando, na maioria das vezes, por instrumentos de descentralização de recursos federais para os municípios ou pelo uso dos recursos dos fundos geridos pela Sudeco (Superintendência do Desenvol- vimento do Centro-Oeste). Mesmo com a recriação desta autarquia, em 2011, pouco se tem avançado no sentido de uma atuação mais coordenada e conjunta. Diversos agentes têm atuado na região, mas ausentes de programas de norteamento, conforme ocorreu nos períodos anteriores. Considerando as ações em âmbito urbano e metropolitano, houveram ações mais importantes de planejamento, não apenas no Distrito Federal, mas nos municípios da Ride-DF, com a aprovação de Planos Diretores. Por outro lado, estes ainda demonstram descolamento da realidade urbana, sendo frequentemente descumpridos, especialmente a partir dos interesses dos grandes agentes do capital, como o setor imobiliário. Em âmbito metropolitano, por conta da não formalização de uma Região Metropolitana de Brasília, as ações têm sido muito parcializadas e realizadas a partir de consorciamento público, destacando-se o Corsap DF/GO (Consórcio Público de Manejo dos Resíduos Sólidos e de Águas Pluviais Região Integrada do Distrito Federal e Goiás). Por outro lado, a atuação mencionada em torno dos fundos tem sido fundamental para a agricultura moderna na região. No âmbito da Sudeco, tem participado desta lógica o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO). Junto a outras fontes, elas têm mantido elevada a participação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) no fomento à produção na região. Reside aí, provavelmente, a principal forma de atuação do Estado sobre o setor, no momento.

78 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, Figura 1: Municípios pertencentes à Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride-DF) Fonte: Sudeco (2016).

Como desdobramento das ações de gestão do território, há aquelas específicas sobre a expansão metropolitana. A figura 2 demonstra duas possíveis “demarcações” dos muni- cípios afetados pela expansão metropolitana. A primeira diz respeito aos espaços delimi- tados pela Codeplan como sendo da Área Metropolitana de Brasília (AMB), por meio de estudo próprio (CODEPLAN, 2014), no qual, a partir de indicadores de pendularidade e integração, definiu como sendo metropolizados os municípios de Águas Lindas de Goiás, Alexânia, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Novo Gama, Padre Bernardo, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso de Goiás. O outro recorte é o previsto no estudo do IBGE sobre os Arranjos Populacionais Brasi- leiros (IBGE, 2015), nos quais os critérios de pendularidade e contiguidade espacial dos espaços urbanos é considerado. Em qualquer dos dois recortes, o que se percebe é uma extensão do processo de metropolização de forma mais contundente a sul, e nos municí- pios vizinhos ao Distrito Federal a oeste e a norte. Formosa e Cristalina, apesar de inte- grarem a AMB, tem maior ligação com o processo de expansão da agricultura moderna. Relativos aos desdobramentos no âmbito da agricultura moderna, tem-se a con- formação de uma bacia de municípios da Ride-DF identificados com estas atividades, notadamente a leste do Distrito Federal. A maior parte destes tem ligação com os investi- mentos feitos anteriormente, especialmente a partir de Unaí-MG e Formosa-GO, que tem mantido sua posição como apoio à atividade da agricultura modernizada. A observação do indicador abaixo, na Tabela 1, sobre o método de irrigação utilizado, permite ter me- lhor ideia de onde tem efetivamente ocorrido tal dinâmica. Os dados apontam para uma alta utilização de irrigação por pivô central, claro indí- cio de modernização da produção, nos municípios de Água Fria de Goiás, Alexânia, Cris-

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 79 talina, Formosa, Luziânia, Padre Bernardo, Buritis, Cabeceira Grande, Unaí e Brasília. Destes, os valores ultrapassam mais de 90% nos municípios de Cristalina, Buritis e Unaí, apontando para o estabelecimento de um “arco da agricultura moderna” ao sul e à leste do Distrito Federal. Esta sub-região é identificada pelos investimentos anteriores, realizados ainda no âmbito do Polocentro, como com atuais, especialmente em Cristalina e Luziânia, que apontam mesmo para uma integração deste vetor de expansão da agricultura moderna com o que avançou a partir do sul e sudeste do Estado de Goiás.

Figura 2: Área Metropolitana de Brasília (AMB) e Arranjo Populacional de Brasília Fontes: CODEPLAN (2014); IBGE (2015). Nota: Elaborado pelo autor.

Tabela 1: Área dos estabelecimentos por método utilizado para irrigação dos municípios da Ride-DF em 2006 – em percentual3

Outros Aspersão Aspersão Localizado (gote- métodos de Município Inundação Sulcos (pivô (outros jamento, micro- irrigação e/ central) métodos) aspersão, etc.) ou molha- ção Abadiânia - GO - 16,67 - 49,24 - 34,09 Água Fria de Goiás - GO X 0,17 76,88 8,58 0,45 13,90 Águas Lindas de Goiás - GO - - - 55,63 10,08 34,29 Alexânia - GO X 2,03 86,95 1,11 1,61 1,33 - GO X X - 38,60 57,89 X Cidade Ocidental - GO - X X 18,06 0,68 2,76 Cocalzinho de Goiás - GO - X - X X 43,86 Corumbá de Goiás - GO - 21,42 X 7,29 X 10,61 Cristalina - GO X 0,05 99,37 0,23 0,32 0,03 continua...

80 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, conclusão Formosa - GO 31,41 3,81 47,98 11,07 4,37 1,36 Luziânia - GO X 0,27 69,81 16,38 0,87 9,05 Mimoso de Goiás - GO X - X 11,96 X 11,8 Novo Gama - GO - - - 86,69 X 6,68 Padre Bernardo - GO - - 59,70 35,04 3,70 1,56 Pirenópolis - GO 5,28 44,87 - 34,17 X 9,35 Planaltina - GO - 6,19 X 18,04 18,14 6,80 Santo Antônio do Descoberto/GO X X - 39,97 - 5,36 Valparaíso de Goiás - GO - - - X X - Vila Boa - GO - - - 96,46 X 2,75 Buritis - MG - X 72,46 25,10 1,75 0,68 Cabeceira Grande - MG - - 99,52 X X X Unaí - MG - 0,22 92,88 5,53 1,05 0,32 Brasília - DF 0,18 1,41 52,44 33,1 10,26 2,61 Fonte: IBGE – Censo agropecuário (2006).

Desta forma, é possível identificar os municípios mais próximos do Distrito Fede- ral como aqueles afetados pela dinâmica da expansão metropolitana, ao sul – Valparaíso, Cidade Ocidental, Novo Gama, Luziânia, Santo Antônio do Descoberto – a oeste – Águas Lindas de Goiás – e ao norte – Planaltina, principalmente. Já atingidos pela expansão da agricultura moderna, tem sido, principalmente, afetados os municípios a sul e leste do Distrito Federal: Cristalina, Unaí, Cabeceira Grande, Buritis, Formosa, Cabeceiras e Vila Boa. Outros processos têm sido importantes na organização do espaço da Ride-DF, como a integração entre Brasília e Goiânia, que tem afetado os municípios à oeste do Distrito Federal e mais polarizados por Anápolis-GO. A próxima seção do trabalho dedica-se a analisar a relação entre a expansão me- tropolitana recente, a expansão da agricultura moderna e as desigualdades socioespaciais na Ride-DF.

EXPANSÃO METROPOLITANA, AGRICULTURA MODERNA E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS NA RIDE-DF

A partir da caracterização dos processos e da identificação dos municípios da Ride-DF principalmente envolvidos em seu desenrolar, a presente seção visa analisar sua dinâmica recente e a interface com a questão das desigualdades socioespaciais. Para tanto, foi pro- posto um modelo específico para analisar estas desigualdades, descrito abaixo.

O Modelo de Análise Sugerido

O tema das desigualdades socioespaciais foi explorado levando-se em consideração dois fatores: a evolução do crescimento da população e da distribuição de tenda. De certa forma, o indicador e a tipologia produzidos tem ligação com a aquelas da primeira Políti- ca Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), que considera, principalmente renda e crescimento econômico. No caso do indicador aqui proposto, a renda é considerada dentro de indicadores sintéticos, como o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 81 (IDHM). Os dados utilizados foram provenientes dos Censos 2000 e 2010, compilados pelo Atlas do Desenvolvimento Humano (PNUD et al., 2013). Inicialmente, foi analisada a tendência de crescimento da população no período mencionado. A partir da variação da população, os municípios foram divididos em dois grupos: se a variação fosse acima da média da região, o município foi considerado de “crescimento demográfico elevado”; se a variação foi abaixo da média da região, o muni- cípio foi considerado de “crescimento demográfico reduzido”. Num segundo momento, foi comparada a evolução de três indicadores referentes à renda, no período entre 2000 e 2010: variação percentual da renda per capita; variação percentual do percentual de pobres na população; variação percentual do IDHM. Nova- mente, os resultados foram divididos, para cada indicador, em acima ou abaixo da média da região. Considerando o resultado dos três indicadores, os municípios foram divididos em dois grupos: • “melhora acentuada dos indicadores”: dois ou mais indicadores acima da média, para as variáveis variação da renda per capita, variação do percentual de pobres (no caso deste, abaixo da média, dado que quanto mais negativa a variação, maior a redução de pobres) e variação do IDHM; • “melhora reduzida dos indicadores”: dois ou mais indicadores abaixo da média, para as variáveis variação da renda per capita, variação do percentual de pobres (no caso deste, acima da média, dado que quanto menos negativa a variação, menor a redução de pobres) e variação do IDHM;

Do cruzamento destes dois grupos obteve-se a tipologia final do estudo, assim dis- criminada: • Crescimento demográfico elevado com melhora acentuada nos indicadores; • Crescimento demográfico reduzido com melhora acentuada nos indicadores; • Crescimento demográfico elevado com melhora reduzida nos indicadores; • Crescimento demográfico reduzido com melhora reduzida nos indicadores.

A associação de indicadores de crescimento demográfico e renda e os processos em estudo permite compreender se tais processos tem induzido a uma melhora ou piora na distribuição de renda, além dos efeitos sobre o crescimento demográfico nos municí- pios, sinalizando atração ou expulsão de população (na realidade uma análise dos indi- cadores de renda sem os do crescimento demográfico poderia gerar efeitos de melhoria na distribuição de renda ocasionada, na realidade pela emigração de população de mais baixa renda). Considerando a influência das migrações, foram ainda explorados, de forma adicional, dados da Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílios (PMAD) acerca do tema das migrações, já que a associação do crescimento demográfico com a análise da renda sugere interferência das migrações. Após a classificação dos municípios pela tipologia proposta, foram analisados os dados sobre migração e houve, por fim, sua as- sociação com as áreas de ocorrência dos processos em análise (expansão metropolitana e expansão da agricultura moderna).

82 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os primeiros dados obtidos encontram-se na tabela 2 abaixo e estão relacionados à evolução da população nos municípios da Ride-DF entre 2000 e 2010. Na coluna “varia- ção”, estão marcados os municípios para os quais o valor é acima da média; na coluna “per- centual da população em 2010”, estão marcados os municípios com maiores percentuais:

Tabela 2: População total em 2000 e 2010, percentual da população em 2010 e variação do crescimento demográfico, por município da Ride-DF.

População total População total Percentual da Popula- Variação Município (2000) (2010) ção em 2010 (em %)

Abadiânia (GO) 11.452 15.757 0,42 37,59

Água Fria de Goiás (GO) 4.469 5.090 0,00 13,90

Águas Lindas de Goiás (GO) 105.746 159.378 4,28 50,72

Alexânia (GO) 20.047 23.814 0,64 18,79

Cabeceiras (GO) 6.758 7.354 0,20 8,82

Cidade Ocidental (GO) 40.377 55.915 1,50 38,48

Cocalzinho de Goiás (GO) 14.626 17.407 0,47 19,01

Corumbá de Goiás (GO) 9.679 10.361 0,28 7,05

Cristalina (GO) 34.116 46.580 1,25 36,53

Formosa (GO) 78.651 100.085 2,69 27,25

Luziânia (GO) 141.082 174.531 4,69 23,71

Mimoso de Goiás (GO) 2.801 2.685 0,07 - 4,14

Novo Gama (GO) 74.380 95.018 2,55 27,75

Padre Bernardo (GO) 21.514 27.671 0,74 28,62

Pirenópolis (GO) 21.245 23.006 0,62 8,29

Planaltina (GO) 73.718 81.649 2,19 10,76

Santo Antônio do Descoberto (GO) 51.897 63.248 1,70 21,87

Valparaíso de Goiás (GO) 94.856 132.982 3,57 40,19

Vila Boa (GO) 3.287 4.735 0,13 44,05

Buritis (MG) 20.396 22.737 0,61 11,48

Cabeceira Grande (MG) 5.920 6.453 0,17 9,00

Unaí (MG) 70.033 77.565 2,08 10,75

Brasília (DF) 2.051.146 2.570.160 69,01 25,30

Fonte: IBGE (apud Atlas do Desenvolvimento Humano) Nota: dados tratados pelo autor.

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 83 Neste sentido, a coluna “variação” aponta, como sendo tendo percentual de variação acima da média os municípios de Abadiânia, Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Cristalina, Formosa, Luziânia, Novo Gama, Padre Bernardo, Valparaíso de Goiás, Vila Boa e Brasília. Observando a coluna do percentual de população em 2010, vê-se que há a tendência de maior variação nos municípios que já concentram maior população (dentre os maiores percentuais, só não houve variação acima da média em Planaltina, Santo An- tônio do Descoberto e Unaí). Desta forma, os municípios mais populosos, em geral próxi- mos dos espaços metropolizados, apresentam crescimento demográfico mais acentuado. A tabela 3 apresenta os resultados em relação a variação da Renda per capita no período, estando marcados, na coluna “variação, em %, entre 2000-2010”, os municípios em que o valor registrado esteve acima da média dos valores da região:

Tabela 3: Renda per capita em 2000 e 2010 e variação, em percentual, no período, por município da Ride-DF

Renda per capita Renda per capita Variação, em %, entre Município (2000) (2010) 2000-2010

Abadiânia (GO) 330,07 519,87 36,51 Água Fria de Goiás (GO) 332,03 525,20 36,78 Águas Lindas de Goiás (GO) 300,59 449,38 33,11 Alexânia (GO) 335,05 498,09 32,73 Cabeceiras (GO) 293,23 420,47 30,26 Cidade Ocidental (GO) 516,37 647,64 20,27 Cocalzinho de Goiás (GO) 272,38 450,47 39,53 Corumbá de Goiás (GO) 370,44 503,01 26,36 Cristalina (GO) 444,33 686,90 35,31 Formosa (GO) 466,29 732,24 36,32 Luziânia (GO) 425,48 580,88 26,75 Mimoso de Goiás (GO) 210,50 474,44 55,63 Novo Gama (GO) 377,16 498,44 24,33 Padre Bernardo (GO) 331,05 518,12 36,11 Pirenópolis (GO) 356,28 544,78 34,60 Planaltina (GO) 338,63 466,69 27,44 Santo Antônio do Descoberto (GO) 287,76 449,39 35,97 Valparaíso de Goiás (GO) 573,09 764,73 25,06 Vila Boa (GO) 251,06 376,72 33,36 Buritis (MG) 488,75 505,59 3,33 Cabeceira Grande (MG) 283,91 424,47 33,11 Unaí (MG) 681,53 720,51 5,41 Brasília (DF) 1.199,44 1.715,11 30,07

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Nota: dados tratados pelo autor.

84 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, Considerando os dados da Tabela 3, vê-se que os valores acima da média na variação da renda per capita foram registrados nos municípios de Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas de Goiás, Alexânia, Cocalzinho de Goiás, Cristalina, Formosa, Mimoso de Goiás, Padre Bernardo, Pirenópolis, Santo Antônio do Descoberto, Vila Boa e Cabeceira Grande. Estes municípios, de forma geral, são os de menor população, com exceção de For- mosa, e, em geral estão localizados fora do espaço metropolizado por Brasília (são exceções a esta tendência os municípios de Águas Lindas de Goiás e Santo Antônio do Descoberto). Sobre o indicador referente ao percentual de pobres na população dos municípios, os dados estão postos na tabela 4. Na coluna “variação, em %, entre 2000-2010” estão marcados os valores abaixo da média.

Tabela 4: Percentual de pobres em 2000 e 2010 e variação, em percentual, por municípios da Ride-DF

Variação, em %, entre 2000- Municípios % de pobres (2000) % de pobres (2010) 2010

Abadiânia (GO) 32,47 8,45 -73,98 Água Fria de Goiás (GO) 44,19 23,68 -46,41 Águas Lindas de Goiás (GO) 27,71 11,6 -58,14 Alexânia (GO) 31,18 13,88 -55,48 Cabeceiras (GO) 41,39 20,1 -51,44 Cidade Ocidental (GO) 16,53 9,34 -43,50 Cocalzinho de Goiás (GO) 38,14 16,83 -55,87 Corumbá de Goiás (GO) 36,64 16,94 -53,77 Cristalina (GO) 29,53 12,85 -56,48 Formosa (GO) 31,39 12,16 -61,26 Luziânia (GO) 24,62 11,85 -51,87 Mimoso de Goiás (GO) 58,81 23,16 -60,62 Novo Gama (GO) 26,04 13,41 -48,50 Padre Bernardo (GO) 40,55 18,43 -54,55 Pirenópolis (GO) 31,34 13,35 -57,40 Planaltina (GO) 32,09 12,31 -61,64 Santo Antônio do Descoberto (GO) 32,34 14,8 -54,24 Valparaíso de Goiás (GO) 18,22 7,75 -57,46 Vila Boa (GO) 42,15 23,61 -43,99 Buritis (MG) 37,41 22,98 -38,57 Cabeceira Grande (MG) 38,82 17,77 -54,22 Unaí (MG) 22,54 10,33 -54,17 Brasília (DF) 12,28 4,93 -59,85

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Nota: dados tratados pelo autor.

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 85 Os dados sobre a redução da pobreza apontam para valores abaixo da média nos municípios de Abadiânia, Águas Lindas de Goiás, Alexânia, Cocalzinho de Goiás, Cris- talina, Formosa, Mimoso de Goiás, Padre Bernardo, Pirenópolis, Planaltina, Valparaíso de Goiás e Brasília. Os dados apontam a redução mais intensa tanto em espaços metropo- lizados (como Águas Lindas de Goiás, Planaltina e Valparaíso) e municípios pequenos. Por outro lado, o ritmo foi mais reduzido em municípios metropolizados da porção sul da Ride-DF, bem como dos do leste mineiro. Isto aponta que houve menor ritmo de redução da pobreza em muitos dos municípios mais populosos, sendo que diversos deles, como visto, tiveram maior crescimento da população (caso dos municípios metropolizados ao sul do Distrito Federal). Há, desta forma, a sugestão de que a pobreza foi reduzida mais fortemente em municípios menos populosos, havendo menor ritmo em muitos dos asso- ciados ao processo de expansão metropolitana e expansão da agricultura moderna, reve- lando padrão de menor capacidade de melhoria da renda destes. A tabela 5 contém os dados com a variação do IDHM entre os anos de 2000 e 2010. Na coluna “variação, em %, 2000-2010” aparecem marcados os valores acima da média.

Tabela 5: IDHM em 2000 e 2010 e variação, em percentual, por municípios da Ride-DF

Município IDHM (2000) IDHM (2010) Variação, em %, 2000-2010

Abadiânia (GO) 0,503 0,689 36,98 Água Fria de Goiás (GO) 0,481 0,671 39,50 Águas Lindas de Goiás (GO) 0,497 0,686 38,03 Alexânia (GO) 0,520 0,682 31,15 Cabeceiras (GO) 0,546 0,668 22,34 Cidade Ocidental (GO) 0,638 0,717 12,38 Cocalzinho de Goiás (GO) 0,506 0,657 29,84 Corumbá de Goiás (GO) 0,500 0,680 36,00 Cristalina (GO) 0,578 0,699 20,93 Formosa (GO) 0,598 0,744 24,41 Luziânia (GO) 0,550 0,701 27,45 Mimoso de Goiás (GO) 0,445 0,665 49,44 Novo Gama (GO) 0,546 0,684 25,27 Padre Bernardo (GO) 0,484 0,651 34,50 Pirenópolis (GO) 0,565 0,693 22,65 Planaltina (GO) 0,508 0,669 31,69 Santo Antônio do Descoberto (GO) 0,526 0,665 26,43 Valparaíso de Goiás (GO) 0,632 0,746 18,04 Vila Boa (GO) 0,499 0,647 29,66 Buritis (MG) 0,566 0,672 18,73 Cabeceira Grande (MG) 0,523 0,648 23,90 Unaí (MG) 0,651 0,736 13,06 Brasília (DF) 0,725 0,824 13,66 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano dados tratados pelo autor.

86 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, Os dados sobre a variação do IDHM apontam para uma variação acima da média nos municípios de Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas de Goiás, Alexânia, Cocalzi- nho de Goiás, Corumbá de Goiás, Mimoso de Goiás, Padre Bernardo, Planaltina e Vila Boa. Este grupo de municípios novamente possui uma grande quantidade de municípios com menor quantidade de população, sendo a principal exceção à regra o município de Luziâ- nia. Muitos dos municípios do espaço metropolizado e da área de incidência da agricultura moderna não aparecem entre os valores acima da média. Por conta dos fatores demográfi- cos acima apontados, e provavelmente por conterem maiores contingentes populacionais, há maior dificuldade em haver melhorias neste indicador. Além disso, considerando sua variação mais elevada no crescimento demográfico, os dados sugerem que a melhoria nos municípios menores pode estar associada à emigração de parte de sua população. A partir da análise destes dados, os municípios foram separados em dois grupos, pelo critério demográfico proposto. A partir dele, foi considerado o resultado para os indicadores de renda. Aparecem marcadas as informações sobre variação que se adequariam ao requisi- to “melhora acentuada nos indicadores”. Os resultados estão postos nos quadros 1 e 2:

Quadro 1: Resultado da comparação da evolução da população e indicadores de renda, municípios de va- riação da população acima da média

Variação Variação do Variação da Variação Município Renda per Percentual Resultado população do IDHM capita de pobres

Crescimento demográfico Acima da Acima da Abaixo da Acima da Abadiânia (GO) elevado com melhora acen- média média Média Média tuada nos indicadores

Crescimento demográfico Águas Lindas de Goiás Acima da Acima da Abaixo da Acima da elevado com melhora acen- (GO) média média Média Média tuada nos indicadores

Crescimento demográfico Acima da Abaixo da Acima da Abaixo da Cidade Ocidental (GO) elevado com melhora redu- média média Média Média zida nos indicadores

Crescimento demográfico Acima da Acima da Abaixo da Abaixo da Cristalina (GO) elevado com melhora acen- média média Média Média tuada nos indicadores

Crescimento demográfico Acima da Acima da Abaixo da Abaixo da Formosa (GO) elevado com melhora acen- média média Média Média tuada nos indicadores

Crescimento demográfico Acima da Abaixo da Acima da Acima da Luziânia (GO) elevado com melhora redu- média média Média Média zida nos indicadores

Crescimento demográfico Acima da Abaixo da Acima da Abaixo da Novo Gama (GO) elevado com melhora redu- média média Média Média zida nos indicadores

Crescimento demográfico Acima da Acima da Abaixo da Acima da Padre Bernardo (GO) elevado com melhora acen- média média Média Média tuada nos indicadores

continua...

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 87 conclusão

Crescimento demográfico Acima da Abaixo da Abaixo da Abaixo da Valparaíso de Goiás (GO) elevado com melhora redu- média média Média Média zida nos indicadores

Crescimento demográfico Acima da Acima da Acima da Acima da Vila Boa (GO) elevado com melhora acen- média média Média Média tuada nos indicadores

Crescimento demográfico Acima da Abaixo da Abaixo da Abaixo da Brasília (DF) elevado com melhora redu- média média Média Média zida nos indicadores

Nota: elaboração própria.

Quadro 2: Resultado da comparação da evolução da população e indicadores de renda, municípios de va- riação da população abaixo da média

Variação Variação do Variação da Variação do Município Renda per Percentual Resultado população IDHM capita de pobres

Crescimento demográfico re- Água Fria de Goiás Abaixo da Acima da Acima da Acima da duzido com melhora acentuada (GO) média média Média Média nos indicadores Crescimento demográfico re- Abaixo da Acima da Abaixo da Acima da Alexânia (GO) duzido com melhora acentuada média média Média Média nos indicadores Crescimento demográfico redu- Abaixo da Abaixo da Acima da Abaixo da Cabeceiras (GO) zido com melhora reduzida nos média média Média Média indicadores Crescimento demográfico re- Cocalzinho de Goiás Abaixo da Acima da Abaixo da Acima da duzido com melhora acentuada (GO) média média Média Média nos indicadores Crescimento demográfico redu- Corumbá de Goiás Abaixo da Abaixo da Acima da Acima da zido com melhora reduzida nos (GO) média média Média Média indicadores Crescimento demográfico re- Abaixo da Acima da Abaixo da Acima da Mimoso de Goiás (GO) duzido com melhora acentuada média média Média Média nos indicadores Crescimento demográfico re- Abaixo da Acima da Abaixo da Abaixo da Pirenópolis (GO) duzido com melhora acentuada média média Média Média nos indicadores Crescimento demográfico re- Abaixo da Abaixo da Abaixo da Acima da Planaltina (GO) duzido com melhora acentuada média média Média Média nos indicadores Crescimento demográfico redu- Santo Antônio do Des- Abaixo da Acima da Acima da Abaixo da zido com melhora reduzida nos coberto (GO) média média Média Média indicadores Crescimento demográfico redu- Abaixo da Abaixo da Acima da Abaixo da Buritis (MG) zido com melhora reduzida nos média média Média Média indicadores Crescimento demográfico redu- Cabeceira Grande Abaixo da Acima da Acima da Abaixo da zido com melhora reduzida nos (MG) média média Média Média indicadores Crescimento demográfico redu- Abaixo da Abaixo da Acima da Abaixo da Unaí (MG) zido com melhora reduzida nos média média Média Média indicadores Nota: elaboração própria.

88 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, A partir dos resultados dos dois quadros, foi elaborado o mapa da figura 3. Con- forme anteriormente posto na descrição dos resultados, os movimentos migratórios apa- rentam exercer importante papel no tema das desigualdades socioespaciais na Ride-DF. Neste sentido os dados da Tabela 6 descrevem resultados recentes acerca da imigração nos municípios que compõem a Área Metropolitana de Brasília (AMB)4, a partir de dados da PMAD. Tais dados apontam que a maior parte dos imigrantes dos municípios da AMB tem origem no Distrito Federal, emigrando por conta dos fatores associados, principal- mente, ao valor da moradia e a novos empreendimentos imobiliários recentemente impul- sionados nos municípios da Ride-DF, especialmente em sua porção sul. Dos imigrantes com origem no Distrito Federal, eles são majoritários nos municípios de Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso. Com origem em municípios da Ride-DF, os valores são majoritários para o município de Pla- naltina. Isto aponta que a evolução menos acentuada dos indicadores de renda pode estar ligada a um movimento de “exportação” dos mais pobres para tais municípios, o que é tendência histórica no processo de expansão metropolitana de Brasília.

Figura 3: Resultado da comparação entre crescimento demográfico e indicadores de renda Nota: Elaborado pelo autor.

Por outro lado, municípios da AMB ligados às dinâmicas da agricultura moderna recebem, conforme apontado pelos dados, imigrantes com origem mais diversa, podendo ser destacada os percentuais de imigrantes de outros estados para Cristalina e Luziânia (55,8% e 48,72%, respectivamente), bem como o volume de imigrantes com origem em Minas Gerais para Formosa (33,33%). Considerando a melhora mais acentuada verificada nestes municípios (com exceção de Luziânia, que ainda possui amplos espaços integrados à expansão metropolitana), há uma tendência deles em atrair população em um raio maior de distância que busca se beneficiar da recente expansão do setor agrícola na região.

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 89 Tabela 6: Imigrantes dos municípios da AMB, por local de origem, em 2013.

Minas Gerais Goiás (exceto Municípios (exceto mu- Outros Esta- DF municípios da RIDE nicípios da dos Municípios da AMB da RIDE) Total RIDE)

Total % Total % Total % Total % Total %

Águas Lindas de Goiás 441 5,26 4.949 59,06 196 2,34 98 1,17 2.695 32,16 8.379

Alexânia 56 25,00 84 37,50 28 12,50 14 6,25 42 18,75 224

Cidade Ocidental 196 8,24 1.638 68,82 - - 21 0,88 525 22,06 2.380

Cocalzinho de Goiás 78 17,33 192 42,67 60 13,33 12 2,67 108 24,00 450

Cristalina 217 14,71 226 15,32 161 10,92 48 3,25 823 55,80 1.475

Formosa 144 20,00 192 26,67 96 13,33 240 33,33 48 6,67 720

Luziânia 252 15,38 462 28,21 - - 126 7,69 798 48,72 1.638

Novo Gama 360 12,50 1.760 61,11 200 6,94 120 4,17 440 15,28 2.880

Padre Bernardo 56 11,94 167 35,61 135 28,78 - - 111 23,67 469

Planaltina 288 53,33 180 33,33 - - - - 72 13,33 540

Sto. Ant. do Descoberto 140 11,11 728 57,78 28 2,22 56 4,44 308 24,44 1.260

Valparaíso 559 7,60 4.128 56,14 344 4,68 43 0,58 2.279 30,99 7.353

Fonte: Codeplan (2013).

Considerando os resultados da tipologia proposta e aqueles dos movimentos migratórios, faz-se a associação destes com os processos espaciais da expansão metro- politana e da agricultura moderna. Assim, no caso dos municípios atingidos pelo pro- cesso de expansão metropolitana identifica-se uma significativa porção de municípios ao sul do Distrito Federal na tipologia “crescimento demográfico elevado com melhora reduzida nos indicadores”, sendo que estes, pelos dados dos fluxos migratórios, rece- bem importantes somas de população vinda do Distrito Federal. Parece claro aí o papel dos imigrantes mais pobres vindos do centro metropolitano, além de uma consideração geral de que o processo de expansão metropolitana não consegue, em seu eixo princi- pal, induzir a melhoras nas desigualdades socioespaciais. Ainda nesta situação aparece o caso Santo Antônio do Descoberto, classificado como de “crescimento demográfico reduzido e melhora reduzida nos indicadores”, o que aponta um quadro ainda mais grave, marcado pelo crescimento inferior da população. No caso ainda da expansão metropo- litana, aparecem dois resultados dissonantes: Águas Lindas de Goiás, classificada como “crescimento demográfico elevado e melhora acentuada nos indicadores” e Planaltina como “crescimento demográfico reduzido e melhora acentuada nos indicadores”. No caso do primeiro município, analisando os dados das migrações, verifica-se a imigração de importantes somas do Distrito Federal, em processo parecido com o que vem ocorrendo ao sul, porém, ao que aparenta, atraindo imigrantes de melhor poder aquisitivo ou em processo de elevação de renda (a recente instalação de um shopping center e a dinâmica imobiliária apontam para a segunda tendência). No caso de Planaltina, há uma menor 90 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, quantidade de imigrantes vindos do Distrito Federal (e um crescimento demográfico me- nor), apontando as migrações terem menor papel na questão da renda. Quanto ao processo de expansão da agricultura moderna, há uma caracterização re- lativamente ampla de diversos municípios de um “arco” do agronegócio à leste do Distrito Federal ligada a tal dinâmica, associados à tipologia “crescimento demográfico reduzido com melhora reduzida nos indicadores”: Buritis, Cabeceiras, Cabeceira Grande e Unaí. O resultado aponta para a tendência de crescimento demográfico reduzido, acompanhado de uma melhora na renda reduzida, aparentando ligação com as atividades da agricultura modernizada, com tendências mais claras de concentração da renda. É provável que estas atividades estejam influenciando no acesso à terra e liberando mão de obra mais pobre que, ao não ser totalmente incluída nestes municípios, acaba por procurar os principais centros. Há indícios (que precisariam ser confirmados com dados mais apurados, como para os municípios da AMB), assim, de alguma transferência desta população para os espaços metropolizados por Brasília. Associado ao processo de expansão da agricultura moderna, há ainda municípios associados à tipologia “crescimento demográfico elevado e melhora acentuada nos indicadores”: Cristalina, Formosa e Vila Boa. Para os dois pri- meiros, os dados sobre imigração revelam um padrão de menor recepção de imigrantes vindos do Distrito Federal ou de municípios da Ride-DF, revelando um perfil ligado ao desenvolvimento agrícola típico em alguns municípios do Centro-Oeste brasileiro, cujo caso dos “gaúchos” em Cristalina parece constituir exemplo claro. Sobre os outros municípios, há um perfil comum entre alguns deles ligados a ativida- des agrícolas mais tradicionais, associados à tipologia “crescimento demográfico reduzido e melhora reduzida nos indicadores”: Água Fria de Goiás, Cocalzinho de Goiás e Mi- moso de Goiás. Considerando estarem “fora” dos principais processos de estruturação da Ride-DF, é clara a tendência de crescimento menos acentuado da população, que opta por tais espaços abarcados pelos “eixos” de desenvolvimento. À oeste a tipologia não apon- tou para tendências uniformes, revelando associações diferentes a outros processos, como o caso de Alexânia e Abadiânia, ligadas à integração econômica entre Brasília e Goiânia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista as questões recentes de organização espacial das regiões a partir do processo de reestruturação produtiva, tem sido percebidas mudanças causadas por estas em relação à desigualdade socioespacial. Dentre estas, destacam-se, em algumas regiões brasileiras, os processos de expansão metropolitana e da agricultura moderna. Este trabalho buscou analisar a interface destes dois processos com as desigualdades so- cioespaciais na Ride-DF. A partir deste objetivo, inicialmente, foi analisado o processo histórico de constituição desta região. Inicialmente, sua constituição deu-se a partir do impulso do governo federal pela construção da Nova Capital, a partir de um projeto maior de integração dos mercados na- cionais. As ações se deram em torno da construção da cidade, sem maior preocupação com uma política regional. Estas levaram a desdobramentos como a construção de Brasília e sua expansão inicial (marcada pela segregação socioespacial), modificações nos espaços urba-

, Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017. 91 nos dos municípios próximos com a permanência das atividades da agropecuária de subsis- tência. Num segundo momento, o contexto foi o da inclusão do Centro-Oeste como celeiro da produção nacional, com produção voltada à exportação. As ações deram-se no sentido de implantar uma política agrícola e de desenvolvimento regional que possibilitasse isso. Ao mesmo tempo, e de forma contraditória, buscou-se a redução da pressão demográfica sobre Brasília, a partir da fixação da população dos municípios próximos em suas cidades. Como desdobramentos, houve, por um lado, o sucesso na implantação de uma agricultura modernizada e fracasso na redução das pressões demográficas sobre Brasília. Estas pressões levaram ao aumento no ritmo da expansão urbana, que se torna, com o tempo, expansão metropolitana. Mais recentemente, em um contexto de reorientação da ação do Estado, as ações têm sido pautadas na subvenção do Estado ao setor privado, sem ações de ordena- mento regional. Como desdobramentos, ocorre avanço e surgem nos eixos de expansão dos dois processos de interesse: a expansão metropolitana avança ainda mais ao sul do Distrito Federal, mas passa a ocorrer também a oeste e a norte; a agricultura moderna, antes locali- zada apenas a leste, se expande para o sul do Distrito Federal e a nordeste dele. A partir da caracterização destes processos, dos resultados da análise das desigualda- des socioespaciais na região e dos dados sobre as migrações, percebeu-se uma associação entre os espaços no qual ocorre o avanço do processo de metropolização, especialmente ao sul do Distrito Federal (e no próprio Distrito Federal) de uma tendência de maior crescimento demográfico que a média da região e melhora menos acentuada nos indicadores de renda. Especialmente os municípios ao sul do Distrito Federal tem recebido imigrantes mais po- bres do quadrilátero, mas é notável que mesmo aí não ocorre tendência de melhora da renda de forma mais acentuada, apontando o processo de metropolização como pouco redutor das desigualdades socioespaciais. No caso dos municípios ligados à agricultura moderna, o crescimento demográfico e a melhora nas condições de renda ocorrem, em ambos, abaixo da média da região. Assim, tem ocorrido melhora na distribuição da renda de forma mais lenta em espaços que crescem menos demograficamente. É visível, assim, a associação entre a tendência de um desenvolvimento socialmente mais concentrado nestes municípios que nos outros, traço próprio das áreas que recebem as atividades modernizadas na agricul- tura, combinado com expulsão de população do campo. Em alguns municípios associados a tal processo, há a recepção de imigrantes de outros estados, com melhora acentuada nos in- dicadores de renda, o que revela aponta a recepção de populações consideradas “pioneiras” no campo, além de pessoal especializado na produção agrícola modernizada. Como horizonte de pesquisa, é apontada a questão dos migrantes, especialmente com pesquisa mais apurada sobre as migrações nos municípios atingidos pela agricultura moderna. Os imigrantes destes espaços têm se dirigido efetivamente dos espaços em que ocorre cres- cimento demográfico em menor ritmo para os espaços metropolizados? Além deste tema, a questão das desigualdades socioespaciais deverá ser analisada também em torno da integração do eixo Brasília-Anápolis-Goiânia, dado o papel deste processo na estruturação da Ride-DF.

Notas

1 Na subseção O modelo de análise sugerido o modelo será mais descrito, com a enumeração dos indicadores utilizados e a tipologia proposta para os municípios.

92 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017, 2 Considera-se, atualmente, que o município de Cabeceira Grande não faz parte da Ride-DF, por não ter seu nome expressamente mencionado no corpo da Lei e por sua divisão de Unaí ter ocorrido antes da edição desta. Porém, para a aplicação da metodologia específica sobre as desigualdades socioeconômicas (e considerando a descontinuidade espacial que sua não consideração gera), o município foi considerado como sendo pertencente à Ride-DF. 3 Os dados das Unidades Territoriais com menos de 3 (três) informantes estão identificados com o caractere X. 4 A PMAD foi escolhida por possuir maior grau de detalhamento quanto à origem da população imigrante, além de possuir dados mais atualizados. Tais dados, por outro lado, não abrangem todos os municípios da Ride-DF. Não foram encontrados dados com este nível de detalhamento para o conjunto da Ride-DF – especialmente quanto à origem municipal/ sub-regional.

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* Recebido em: 04.11.2016. Aprovado em: 03.03.2017

SÉRGIO MAGNO CARVALHO DE SOUZA Universidade de Brasília e Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste – SUDECO. E-mail: [email protected]

94 Goiânia, v. 3, n. 1, p. 71-94, jan./jul, 2017,