Instagram: @minasfazciencia Twitter: @minasfazciencia Facebook: www.facebook.com/minasfazciencia Infantil: www.minasfazciencia.com.br/infantil Site: www.minasfazciencia.com.br E-mail: [email protected] Fax: +55(31)3227-3864 Telefone: +55(31)3280-2105 Belo Horizonte-MGBrasil Bairro Horto-CEP31.035-536 Redação -Av. JoséCândidodaSilveira,1500, Oliveira Capa: Fatine Tiragem: 25.000exemplares Montagem eimpressão: GlobalPrintEditoraGráficaltda. Editoração: FatineOliveira Vanessa Fagundes,Verônica Soares. Alencar, MaurícioGuilhermeSilvaJr.,Tuany Alves, Lorena Tárcia, LuanaCruz,LuizaLages,Mariana Redação: AlessandraRibeiro,Breno Editor-chefe: MaurícioGuilhermeSilvaJr. Diretora deredação: Vanessa Fagundes MINAS FAZ CIÊNCIA Belo Horizonte/MG- Brasil -CEP31.035-536 - Av. JoséCândidodaSilveira,1500,Bairro Horto- endereço: FAPEMIG /RevistaMINASFAZ CIÊNCIA e-mail) paraoe-mail:[email protected] ouparao instituição/empresa, endereçocompleto,telefone, e CIÊNCIA, envieseusdados(nome,profissão, Para recebergratuitamentearevistaMINAS FAZ Valentino Rizziioli,VictorLobatoGarizoBecho Alves BatistaJúnior, SandraReginaGoulartAlmeida, Abreu Arroyo,NildadeFátimaFerreiraSoares,Onofre Guilherme, Marcone JamilsonFreitasSouza,Michele Membros: EvaBurger, LuizRobertoGuimarães Presidente: JoãodosReisCanela Conselho Curador Thiago BernardoBorges Diretor dePlanejamento, GestãoeFinanças: Paulo SérgioLacerdaBeirão Diretor deCiência, Tecnologia eInovação: Presidente: EvaldoFerreiraVilela Secretário: ManoelVitordeMendonçaFilho GOVERNO DOESTADO DEMINASGERAIS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Fundação deAmparoàPesquisa REDES SOCIAIS do EstadodeMinasGerais RomeuZema Governador: SECRETARIA DEESTADO EXPEDIENTE A revista MINASFAZ CIÊNCIAcompleta20anos... Muito obrigadoavocês, leitores! registro, paraaeternidade.VidalongaàMINASFAZ CIÊNCIA! gráfica, asensaçãoéparecidacomdeterumfilhonasmãos.Eis o meu trás desuaqualidade,relevância.Cadavezquearevistachega da Talvez este sentimento de orgulho, que contagia toda a equipe, esteja por CIÊNCIA. Aindabem! científica emmeucaminho,e,nestamesmaestrada,estavaaMINASFAZ era algoqueestavanosmeusplanos.Masavidacolocoudivulgação Quando entreinafaculdadedejornalismo,escreversobreciêncianão de experimentação. exploração denovaslinguagenseplataformas,emexercíciopermanente NAS FAZ CIÊNCIAassumeestamissãodemaneiracompetente,coma Divulgar ciência é um exercício de cidadania e compromisso social. MI- estão fazendoparaajudarasociedade. mos conhecereentenderoqueoscientistas,detodasasoutrasáreas, Tão importantequantoaciênciaésuadivulgação.Graçasela,pode- gem enonossoolharsobreomundo.Falardeciênciaéfalarcultura. de aula,noslaboratóriosenasnovastecnologias,mastambémnalingua- Falamos deciênciaotempotodo.Asciênciasestãopresentesnassalas @minasfazciencia) CIÊNCIA emcelebração aoaniversáriodarevista.Veja ostextoscompletosemnossoInstagram: (Esta CartaaoLeitorfoiescritaapartir dosdepoimentosdaequiperesponsávelpelaMINASFAZ a genteadmira. o queagentegosta,escreversobre a gente amaeentrevistarquem de pesquisadoraemdivulgaçãocientífica.Éumprivilégiotrabalhar com de leitoraejornalistaemformação,professoracomunicação Desde então,diretaouindiretamente,aciênciafezpartedaminhavida dos parâmetros,dasinquiriçõesemultipotencialidadesdaciência. leidoscópica revista,elaborada,commuitocarinho,éampliarodebateacerca reflexões emtornodaconstruçãodesaberes.Outrograndedesafiodestaca- MINAS FAZ CIÊNCIAbuscapropor, aseuspúblicos,experiências,diálogose conhecimento épotencializada. elo seestabelececomafeto,acapacidadedecompreensãoeproduçãodo tistas, divulgadoresepúblicopelarecriaçãodediscursos.Quandoeste Divulgação científicaéoportunidadedeconexão.Umaformaunircien- novos cálculosquepermitemregistrarumburaconegronoespaço. de humana, desde uma pequena experiência escolar até a descoberta de Gosto de pensar na ciência como um caminho para conduzir a curiosida- Alessandra Ribeiro, Breno Ribeiro, FatineOliveira, Lorena Tárcia, Luana Cruz, LuizaLages, Silva MaurícioGuilherme Jr., Tuany Alves,Fagundes,Soares Vanessa Verônica

AO LEITOR ÍNDICE

06 ENTREVISTA 35 HISTÓRIA Professor da UFMG, Elcio Pesquisa analisa efeitos Loureiro Cornelsen analisa do tabagismo no Brasil 26 ESPECIAL fértil relação entre literatura e em três dimensões Histórias, princípios futebol temporais: passado, e desafios da revista presente e futuro MINAS FAZ CIÊNCIA, que, em 2019, completa duas décadas de MEDICINA 39 divulgação dos saberes 10 MEMÓRIA Dissertação de mestrado Estudo busca compreender investiga dilemas da tarefa laços de afetividade de de comunicar a morte em população migrante com o hospitais de emergência quintal das residências

42 FÍSICA 13 FARMÁCIA Há um século, astrônomos Nanotecnologia é empregada estrangeiros desembarcavam em tratamento alternativo e em Sobral (CE) para mais eficaz contra cravos e comprovar a Teoria Geral da espinhas Relatividade

47 DEMOGRAFIA 17 ENGENHARIA Relatório da ONU mostra Nanofibras são usadas em magnitude dos desafios embalagens inteligentes, para que, ainda hoje, capazes de ampliar durabilidade mulheres tenham autonomia 44 EDUCAÇÃO de produtos alimentícios sobre a própria fecundidade Programa Outlab reúne laboratórios da UFMG 51 SAÚDE MENTAL engajados em auxiliar métodos pedagógicos de MATEMÁTICA E Tese de doutorado 20 investiga consequências escolas mineiras COMPUTAÇÃO de desastres naturais Ferramenta auxilia investidores ao desenvolvimento de a prever movimentos financeiros crianças e jovens da bolsa de valores

55 HIPERLINK 23 ALIMENTAÇÃO Newsletter do projeto “Minas Biofortificação alimentar Faz Ciência”, curiosidades permite melhoria nutricional científicas dos leitores e das culturas com adição de recursos educacionais online elementos como iodo, selênio, ferro ou zinco CONTEMPORÂNEAS ECONOMIA 56 32 Plataforma Lattes completa Custo de exportação do 20 anos de existência Brasil a 178 países é tema e implementa plano de de pesquisa da Universidade modernização Federal de Viçosa

4 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 CIÊNCIA ABERTA

Que memórias do interior você e sua família incorporaram à vida na cidade? A pergunta acima baseou-se em reportagem da jornalista Tuany Alves, publicada nesta edição (páginas 10 a 13), sobre pesquisa que investiga a memória das pessoas em relação aos quintais de suas casas

“Fazer o sinal da cruz quando passamos por “Não era no interior, mas tinha quintal, e a qualquer igreja, do tamanho que for. Sen- horta do meu avô: couve, alface, cebolinha, tar no meio fio, na rua. Um dia, eu e meus jiló pros passarinhos, melancia, mamão (pena amigos jogamos badminton no meio de um que só dava mamão macho, incomível).” cruzamento, no bairro Floresta. Descalços. Leo Cunha Parávamos o jogo a todo o momento para Via Facebook os carros passarem. Foi como viajar ao meu passado, nas ruas de pedra da minha casa. “Fazer pão e sentar na varanda, apreciando Não dá para fazer isso todo dia, já somos a vista.” ‘adultos’ e ‘cheios das responsabilidades’, Lorraine Candido mas... foi uma tarde de domingo muito bo- Via Facebook nita. Três crianças atrapalhando o trânsito.” Rafael Soal “Nooooo! Fazer doce com as mangas ver- Via Facebook des recolhidas da área externa do Cedecom [Centro de Comunicação da UFMG], fazer li- “Sobre o quintal de casa, eu costumava en- cor e bolo de jabuticaba, fazer doce de goiaba terrar alguns brinquedos, para desenterrá- trazida de fazendas do interior, e considerar o -los no ‘futuro’. O que não aconteceu, pois Mercado Central o meu quintal.” não tenho mais acesso à casa onde morei. Rosaly Senra Então, permanecerão lá para sempre, ou até que uma escavação, ou obra, algo assim, Via Facebook tire-os de lá. Enterrei carrinhos, coleção de tazos etc.” “Fazemos a nossa comida usando ingre- Cassio J. Teles dientes modos de fazer tradicional, o que Via Facebook é uma forma de preservar nossa cultura do interior.” “Tomar a ‘bença’ à minha mãe, a meus tios patypibs e avós, sempre que acordo, antes de dormir, Via Instagram antes de sair e quando os vejo pela primeira vez no dia.” “Cafezinho com broa, à tarde.” Esdras Moreira dantas_renata_pires Via Facebook Via Instagram

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte.

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017 5 ENTREVISTA

Gol de letra!

Professor da UFMG, Elcio Loureiro Cornelsen analisa potencialidades e desafios dos estudos literários em torno de personagens e narrativas do futebol

Maurício Guilherme Silva Jr.

Paixão nacional, o futebol não se res- seu mais recente projeto de pesquisa – tempos, em que o futebol era considerado tringe às quatro linhas ou ao universo das “Memória e futebol no Brasil: escritas da “ópio do povo”, algo que não seria digno negociações milionárias. Também como vida de jogadores brasileiros” –, analisa de atenção e que seria usado para “aliena- narrativa, o esporte das multidões bate um percepções tradicionais sobre o esporte e ção das massas”. Embora não seja linha bolão! Para além das inúmeras obras de fala das muitas possibilidades de estudo de pesquisa formalmente reconhecida ficção dedicadas a retratar personagens e acerca do tema. pela academia, a relação entre literatura episódios ligados ao fascinante universo e futebol representa eixo temático com do “ludopédio”, há que se destacar a rele- grande potencial de estudo. Há certos O que faz um pesquisador da área de li- vância, para os estudos literários, de inú- lugares comuns que, todavia, têm fundo teratura comparada, com ênfase em língua meros escritos (biográficos e autobiográ- de verdade, como a célebre frase de José alemã, se enveredar pelo estudo das narra- ficos) em torno de jogadores brasileiros. Lins do Rego: “O conhecimento do Brasil tivas sobre o futebol? Que o diga o ofício do professor Elcio passa pelo futebol”. É inegável que, por O interesse pelo futebol remete a Loureiro Cornelsen, da Faculdade de Letras seu significado para a cultura brasileira, minha infância em São Paulo. Meu pai jo- da Universidade Federal de Minas Gerais o esporte figure como âmbito em que a gava futebol e sagrou-se campeão paulista (UFMG), que, há anos, dedica-se, dentre própria sociedade se manifesta. Isso se amador em 1966. Cresci num ambiente de outros tantos projetos e linhas de pesquisa, reflete, também, na literatura, no modo sedes de futebol amador. Porém, levaram à investigação das relações entre literatura e como, cada vez mais, o futebol tem sido décadas até que eu começasse a cogitar a futebol. Doutor em Estudos Germanísticos, representado em verso e prosa. possibilidade de adotar o esporte em geral pela Freie Universität Berlin, na Alemanha, – e o futebol, em especial, como objetos de com pós-doutorados em Estudos Organiza- estudo em nível acadêmico. Em que seara de estudos enquadram-se cionais (FGV, 2005), Teoria Literária (Uni- investigações como “Memória e futebol no camp, 2010) e História Comparada (UFRJ, Brasil: escritas da vida de jogadores brasi- 2018), ele coordena, na UFMG, o Núcleo Na pesquisa brasileira, como se dá a rela- leiros”, coordenada pelo senhor? de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Ar- ção entre tais áreas? Após a fundação do Núcleo de Es- tes. Integra, ainda, o Núcleo de Estudos de Na área de Letras, mesmo nos dias tudos sobre Futebol, Linguagem e Artes Guerra e Literatura (Negue). atuais, ainda há certa resistência ao tema (Fulia), na Faculdade de Letras da UFMG, Nesta entrevista a MINAS FAZ CI- como objeto de estudo. Provavelmente, tal em maio de 2010, passei a desenvolver ÊNCIA, Cornelsen aborda nuances de quadro ainda guarda resquícios de outros pesquisas regulares sobre o assunto. O

6 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 Acervo pessoal

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 7 primeiro deles versava sobre “Literatura, ufanismo (1963-1976), os tempos rumo à Elaborada em 2016 e aprovada em música e futebol: um estudo das letras de democracia (1977-1993) e de globalização 2017, a proposta contou com bolsa hinos de clubes de futebol brasileiros”. A (1994-2014). de produtividade do Conselho Nacio- partir de 2014, desenvolvi nova investi- nal de Pesquisa e Tecnologia (CNPq). gação: “A memória do trauma de 1950 – Qual a visão dos brasileiros acerca da “per- relatos, ficções, imagens”. Portanto, tem sona do jogador de futebol”? São muitos os sido contínua a produtividade de pesquisa estereótipos e preconceitos sobre o ofício? a contemplar o tema do futebol no âmbito A questão é de difícil resposta. A pes- da literatura e das artes. Além disso, desde quisa desenvolvida, em si, não me permite 2011, ministro, semestralmente, discipli- conclusões a esse respeito. Apenas como nas de graduação, na Faculdade de Letras impressão pessoal, parece-me que a visão da UFMG, sobre a temática, como “Futebol dos brasileiros acerca da “persona do jo- em verso e prosa”; “Cinema e futebol no gador de futebol” é igualmente cambiante Brasil”; “Futebol e linguagem”; e “Futebol e condicionada ao contexto. Nos primór- e Memória”. Esta última me motivou a dios, por exemplo, havia certo preconceito elaborar o projeto “Memória e futebol no quanto à prática do esporte. Tomemos a Brasil: escritas da vida de jogadores brasi- crônica “Hora de football”, de João do Rio, leiros”. Em termos gerais, busco debater a publicada em 1916: “[...] Fazer ‘sport’ há presença temática do futebol no âmbito da vinte anos ainda era para o Rio uma ex- literatura, e, especificamente, em obras de travagância. As mães punham as mãos na cunho memorialístico: biografias e auto- cabeça quando um dos meninos arranja- biografias. A partir daí, é possível analisar va um haltere. Estava perdido. Rapaz sem o discurso memorialista, formado a partir ‘pince-nez’, sem discutir literatura dos de obras biográficas ou autobiográficas outros, sem cursar as academias – era sobre ex-jogadores do futebol brasileiro, homem estragado”. E não só a prática de estudar as especificidades de possíveis esportes em geral, e do futebol, em espe- narrativas que alimentam o “mito” da “pá- cial, era criticada, como, também, o caráter tria em chuteiras”, e, respectivamente, do que a modalidade adquiria ao se populari- “estilo brasileiro de jogar”. Por fim, é pos- zar nas décadas de 1920 e 1930, além da sível contribuir para os estudos da relação aparente “impropriedade” frente a outras entre “história e memória” no campo da atividades. O jogador Mario de Castro, do Teoria Literária. Clube Atlético Mineiro, por exemplo, cos- tumava usar o pseudônimo de Orion para Como escolher narrativas biográficas em esconder da família que praticava futebol. País com tamanha tradição de craques? Para o então estudante de Medicina, um A partir do objeto de estudo – as dos grandes craques de seu clube, jogar escritas da vida de jogadores brasileiros bola seria quebrar as expectativas da famí- –, definimos, como corpus de análise, lia. Não foi por acaso que, aos 26 anos de uma série de obras de e sobre jogado- idade, Castro tenha abandonado a carreira, res brasileiros, segundo os critérios de para se dedicar à Medicina. Como apon- “cronologia”, “relevância” e “contexto ta o jornalista Eduardo Murta, “[n]aquele histórico”. Pretendeu-se, assim, abran- período, muitos consideravam o esporte ger momentos do futebol brasileiro, em uma opção marginal”. Se a prática pode- que determinado jogador revelou pro- ria constranger as famílias tradicionais à tagonismo, como Charles Miller, , época em que Mário de Castro atuou, na , Heleno de Freitas, segunda metade dos anos 1920, o mesmo Garrincha, Nilton Santos, Pepe, Pelé, parece não ter ocorrido com o craque re- Tostão, Roberto Rivellino, Falcão, , belde do Botafogo de Futebol e Regatas, Além de auxílio do CNPq, a pesqui- Sócrates, Ronaldo e Neymar. Contem- Heleno de Freitas, nos anos 1940, que se sa recebeu bolsa do Programa Pes- plamos, basicamente, cinco fases do fu- tornara bacharel em Direito, e, embora não quisador Mineiro (PPM), concedida tebol brasileiro: os primórdios e a con- tenha exercido a profissão, era chamado, pela FAPEMIG. solidação (1895-1945), os tempos de por cronistas e pelos próprios jogadores, tragédia e glória (1945-1962), de glória e de “Dr. Heleno”. Décadas mais tarde, seria

8 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 a vez de Sócrates, o “Doutor”. É inegável cha (1995), versa sobre a partida disputa- rização (com Heleno, Barbosa, Garrincha, que o preconceito socio-racial, que grassa da entre as seleções do Brasil e da União Nilton Santos, Pelé, Tostão e Rivellino). O no País, contribui para que a “persona do Soviética na Copa do Mundo de 1958, na mesmo podemos dizer a respeito do fute- jogador de futebol” seja vista de maneira Suécia. Garrincha estreara naquela partida, bol globalizado de nossos dias (com Ney- negativa. Por outro lado, como diria Roberto dera muito trabalho aos zagueiros russos e mar), mas que já dava seus sinais a partir DaMatta, como “drama de justiça social”, o teria destruído o “futebol científico”: “A an- da década de 1980, com Falcão, Zico, Só- futebol também oferece, aos que se desta- ticiência por excelência, o Anti-Sputnik, o crates, Romário e Ronaldo. cam na modalidade, uma mobilidade social, anticérebro eletrônico ou qualquer cérebro. que, pela secular falta de vontade política Kessarev, Krijevski, Voinov, Tsarev e, mais No universo da produção literária, que escri- de nossos governantes, lhes é sonegada, que os outros, Kuznetzov, todos os zaguei- tor nacional se destaca pela produção de nar- principalmente, pela falta de educação de ros russos foram driblados por Garrincha rativas sobre o (ou em torno do) “ludopédio”? qualidade a todos os cidadãos, e pelos me- em algum momento do jogo: um de cada Dentre os escritores estudados até canismos mantidos para garantir privilégios vez, dois, três ou, em fila, todos ao mesmo o momento, destacaria o saudoso Renato a determinados segmentos da sociedade tempo. Garrincha deixava um russo senta- Pompeu, campineiro e torcedor da Asso- brasileira. Para esses, que vislumbram a do e dizia como se ele pudesse entendê-lo: ciação Atlética Ponte Preta. Além de obras carreira de futebol como possibilidade de ‘Conheceu, papudo?’”, conta Ruy. Cada za- magistrais, como os romances Quatro ascensão social, a visão da “persona do gueiro russo era mais um “joão” driblado olhos (1976) e A greve da rosa (1980), jogador de futebol” se alterou. Basta tomar- pelo extraordinário ponta direita. Pompeu não deixou de tratar do tema do mos a obra O planeta Neymar, do jornalista Por fim, um episódio a envolver o futebol, uma de suas paixões. Além da Paulo Vinicius Coelho, de 2014, para ter- maior craque de todos os tempos. Em par- biografia de José Ribamar dos Santos, in- mos ideia de que, para muitos garotos, as tida realizada no dia 17 de julho de 1968, titulada Canhoteiro, o homem que driblou referências não são mais os jogadores que no estádio El Campin, na capital - a glória (2003), o escritor publicou o ro- atuam no Brasil. Seus ídolos se chamam na, Bogotá, entre o Santos Futebol Clube e mance A saída do primeiro tempo (1978), Messi, Cristiano Ronaldo, Salah etc. Trata- a Seleção Olímpica da Colômbia, o árbitro em que o “espectro da Ponte Preta” paira -se, pois, de quadro muito complexo. Guilhermo Velázquez expulsou Pelé, para sobre os céus de Campinas, e o conto Me- revolta dos torcedores, conforme narrado na mórias de uma bola de futebol (2002), em Que narrativas lhes chamaram a atenção, “autobiografia” do Rei do Futebol: “Come- que a própria bola – uma narradora inusi- durante as pesquisas, pelo inusitado? çaram a gritar: ‘Pelé! Pelé!’ Tinham desem- tada – expressa suas “vivências”. Certamente, há histórias muito curio- bolsado dinheiro para me ver e não deixa- sas sobre craques do futebol brasileiro. O riam que um juiz estragasse o programa. A Há certos lugares comuns jogador corintiano Neco, por exemplo, única solução foi uma medida sem prece- segundo relato de Antonio Roque Citadini, dentes: expulsar o próprio Chato. E, com o que, todavia, têm fundo de em Neco: o primeiro ídolo (2001), numa árbitro expulso, eu pude ser ‘desexpulso’. partida contra o Palestra Itália (futura So- Fui readmitido no jogo e todo mundo ficou verdade, como a célebre fra- ciedade Esportiva Palmeiras), teria se en- feliz. Todo mundo menos o Chato, claro”. volvido em briga com o goleiro alviverde se de José Lins do Rego: “O Primo, e lhe teria dado uma surra de cinta: É possível falar na presença de elementos – conhecimento do Brasil passa “Ao chocar-se com o goleiro palestrino profissionais, existenciais etc. – similares à Primo, desfere-lhe alguns pontapés re- trajetória dos atletas brasileiros do futebol? pelo futebol”. É inegável que, agindo à agressão do goleiro. Neco, em Há muito mais distinções do que seguida, teria tirado a cinta, que prendia propriamente elementos similares na tra- por seu significado para a cul- seu calção, dando a impressão aos es- jetória dos jogadores, devido a origem, tura brasileira, o esporte figure pectadores de que agredia o goleiro com classe social, acesso à carreira, contexto ela”. Independentemente de a agressão ter etc. Porém, algo os une: o elevado nível como âmbito em que a própria ocorrido, o curioso no episódio é o fato de técnico com que praticam ou praticaram que, àquela época, jogadores atuavam com o futebol, atestado pelo fato de que todos sociedade se manifesta. Isso cinta para prender o calção. envergaram a camisa da Seleção Brasileira. Sem dúvida, um dos jogadores bra- Trata-se, pois, de jogadores diferenciados, se reflete, também, na litera- sileiros que mais rende em termos de “cau- sem que percamos de vista a questão do tura, no modo como, cada vez sos” é Garrincha. Um dos episódios narra- contexto: os primórdios do futebol – com dos por Ruy Castro na célebre biografia do Charles Miller, Neco e Friedenreich – re- mais, o futebol tem sido repre- “anjo de pernas tortas”, intitulada Estrela presentavam outros desafios aos jogado- solitária: um brasileiro chamado Garrin- res, se comparados à fase de sua popula- sentado em verso e prosa.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 9 MEMÓRIA

Cantinho secreto

Estudo elaborado na UFV analisa relação da população mineira nascida no interior com o quintal das casas

Tuany Alves

10 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 Já dizia Manoel de Barros: “Meu Rural da Universidade de Viçosa (UFV), quintal é maior que o mundo”. Em tal “pe- com bolsa da Coordenação de Aperfeiço- dacinho”, a poesia faz morada; as pessoas amento de Pessoal de Nível Superior (Ca- se reúnem para conversas de fim de tarde; pes). Segundo Marcelo Lelles Romarco de regam-se plantas e saberes ancestrais; Oliveira, professor da UFV e orientador do germinam sentimentos, laços e memórias. estudo, apesar de o programa estar dentro Mais do que punhados de terra, quintais das Ciências Agrárias, há preocupação, são oásis numa casa, principalmente, no em seus estudos, com o entendimento das ver daqueles que nasceram e viveram em transformações do mundo rural, a partir tais áreas, mas, depois, migraram para de relações socioeconômicas, culturais e ambientes urbanos, em busca de oportuni- históricas. dades. Afinal, é neste emaranho de ervas, flores e versos que elas criam e recriam o Em comunhão passado, o presente e, claro, o futuro. Para responder a tais questões, no Relação que transcende a espacialidade entanto, Yan Silva optou pela imersão e a temporalidade, a ligação entre as pessoas no objeto de pesquisa. Ele se mudou, de do campo e o quintal é tão importante que se “mala e cuia” para a comunidade analisa- tornou tema de estudo do pesquisador Yan da. Durante todo o ano de 2018, morou Victor Leal da Silva. A investigação, que uniu em Nova Viçosa. “Eu desejava ser afetado poesia, vivência e história, abordou o vínculo pelo estudo. Ou seja, precisava trabalhar de sete moradores do bairro Nova Viçosa, na em conjunto com os moradores. Queria, mineira Viçosa (MG), com os seus quintais. enfim, fazer pesquisa solidária, e não so- Às margens do município, a comunidade litária”, destaca. analisada está em transição do rural ao ur- Após a mudança, por meio de sua bano, o que permite que, por ali, ainda se vivência, o pesquisador selecionou sete encontrem áreas externas nas casas – o que moradores para entrevistar e conviver. não se verifica na região urbana, formada, em grande maioria, por prédios residenciais. Fotos: Yan Silva De acordo com Silva, o tema surgiu ainda na graduação, quando, em estudo sobre sobre a agrobiodiversidade urbana na periferia de Ibirité (MG), ele percebeu que as pessoas vindas do interior falavam do quin- tal com muita saudade. “Alguns romantiza- vam a roça, como algo idealizado. Outros diziam que, agora, tinham uma vida na cida- de. O impasse ‘rural/urbano’ me aproximou dos quintais e da memória”, conta. A aproximação também o levou a questionar aspectos para muito além da agricultura verificada nos quintais da co- munidade. “Queria entender, por exemplo, de onde veio a configuração do quintal, as posições das plantas ou suas escolhas. Em que momento isso apareceu na vida des- sas pessoas?”, explica. As indagações deram origem à dis- sertação “Plantando com a memória: os quintais como espaço de vida na poética de gente, tempo e lugar”, defendida junto ao programa de pós-graduação em Extensão Há pessoas que, na cidade, romantizam "a roça", presente, de algum modo, nos quintais

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 11 Segundo Marcelo Oliveira, neste sentido, relação entre os moradores e seus quin- a pesquisa revela-se bem antropológica: tais remete à infância. “Perguntei o que “Não estávamos preocupados em entrevis- eles fazia, no quintal da roça, e muitos me tar um número grande de pessoas”, conta. respondiam: ‘Eu brincava, mexia nas coisi- Yan Silva explica que buscou compreen- nhas da horta, ajudava meus pais’. Ou seja, der muito mais as trajetórias de vida, e a tratava-se de espaço de deleite”, esclarece. relação dos sujeitos com os quintais ou Uma das chaves metodológicas para a própria comunidade, do que comprovar a descoberta de tais particularidades foi o teorias ou produzir estatísticas. alinhamento do relato etnográfico – a ex- “Um dos principais fundamentos da periência – com a historicidade. Segundo Etnografia é realizar densa descrição. Em o pesquisador, este desafio agregou um meu caso, quanto mais profunda ela fosse, diferencial à investigação. “Todos os traba- melhor. Tentei acompanhar, ao máximo, o lhos sobre a comunidade – e eu cito vários cotidiano das pessoas, para descobrir coi- – não tiveram a sensibilidade de ir até lá. sas. Como exemplo, lembro-me de que eu Munido dessa experiência, passei a ques- chamava de ‘centro da cidade’ o que, para os tionar a visão de outros autores sobre o moradores, era, simplesmente, ‘rua’”, conta. bairro. Alguns chegaram a descrever a área Outra descoberta do pesquisador diz como degradada, feia, poluída”, destaca. respeito à memória: em grande medida, a No ver do professor Marcelo Oliveira,

Antes dos quintais

Viçosa foi construída à beira do ribeirão São Bartolomeu, na Zona da Mata. Cidade mineira com características interiora- nas, desenvolveu-se a partir da federalização da então Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (Uremg) – e, portanto, da criação da Universidade Federal de Viçosa (UFV) –, em 1969. À época, o município tornou-se região promissora, e as pessoas interessadas em conhecimento e emprego migraram para lá. Nem tudo, porém, eram rosas na cidade. De acordo com Marcelo Oliveira, professor da UFV, tal processo migratório “empurrou” as pessoas de baixa renda ao entorno da cidade. Isso se deu, segundo o pesquisador Yan Silva, porque os terrenos próximos à Universidade se valorizaram muito. “Há, até mesmo, relatos históricos de pessoas que foram expulsas do centro de Viçosa, por meio de lei, que não permitia, ali, a construção de casebres. Isso caracteriza o processo que chamamos de gentrificação”, explica. Nova Viçosa surge em tal contexto, junto à promessa de ser o bairro com a infraestrutura ideal àqueles que chegavam à cidade, em busca de vida nova. O projeto apresentava preços acessíveis a quem pretendia se instalar, e a recomeçar do zero. Atualmente, a área passa por vasto processo de expansão e urbanização. “Tanto é que os quintais estão ficam cada vez menores, ou deixam de existir”, frisa Marcelo Oliveira. Na acepção de Yan Silva, contudo, muito ainda há de ser feito. “Umas das questões fundamentais na região é a assistência técnica dos quintais, as áreas produtivas e coletivas. Além disso, é preciso fortalecer a identidade coletiva do bairro”, conclui.

12 MINAS FAZ CIÊNCIA •SET/OUT/NOV 2019 passar um ano na comunidade permitiu, ao orientando, adentrar o cotidiano das pes- soas. Para Yan Silva, conduzir o estudo, por meio da vivência, foi algo difícil, e, por isso entende os motivos pelos quais outros pesquisadores preferiram ir à comunidade e dormir fora, sem se envolver. “Isso não é melhor ou pior. Trata-se, apenas, de esco- lha metodológica. Afinal, nossa influência também diz muito. E pode, inclusive, ser violenta, já que o simples fato de você usar óculos de marca, naquela comunidade, já diz alguma coisa”, completa.

Memória e futuro Segundo Marcelo Oliveira, algo forte Relação de muitos moradores com seus quintais remete a memórias de infância no estudo se refere à questão da lembran- ça, e à forma como ela possibilita a ligação entre dois mundos: o urbano e o rural. “Os quintais ajudam a preservar e a acionar a memória dessas pessoas, que vieram de No entanto, mais do que falar sobre tal um espaço rural e estão em momento de relação, no âmbito da memória e do fazer transição”, afirma. diário, a pesquisa desvendou elementos Em relatos, os moradores contam que produzidos naquele ambiente. “O trabalho o trabalho industrial não fez com que dei- revelou o que é cultivado nos quintais: er- xassem de trabalhar na terra, de ter afeto e vas, plantas e aspectos culturais”, conta cuidado por ela. “Do ponto de vista socio- Marcelo Oliveira. lógico, isso é muito interessante, já que a O levantamento foi realizado em qua- literatura clássica diz que o processo de de- tro dos setes quintais visitados. “Nessa senvolvimento acabaria com o camponês. O hora, surgiu ‘meu lado biólogo’, mas, cla- que se vê hoje, principalmente, na América ro, sem perda das preocupações culturais. Latina, é o seu aumento”, informa Yan Silva. Descrevi quais eram plantas medicinais O estudo deu voz às pessoas, tor- (arnica, fumo, cana de macaco, dipirona); nando-as protagonistas de suas histórias. com caráter espiritual (comigo ninguém Segundo Oliveira, ao trabalhar com a me- pode, lágrima de Nossa Senhora, arruda); mória individual do sujeito, foi possível e usadas para a alimentação, como couve, acionar aspectos de suas relações e raízes carambola, taioba, ora-pro-nóbis. Ou seja, com o espaço. “Isso gerou dois ganhos. fui além da Biologia”, esclarece Yan Silva, Em primeiro lugar, permite-se que as ge- ao lembrar, ainda, que certas espécies ti- rações futuras entendam como se deu o nham mais de uma função. processo de transformação do espaço ur- E de onde essas plantas vêm? Diferen- bano da cidade de Viçosa. Além disso, é temente do que se possa imaginar, os quin- possível ver como a transformação ocorre tais são formados, principalmente, por meio em um microcosmo, o que nos ajuda a de trocas. Segundo o pesquisador, existe, perceber mudanças reproduzidas em siste- na comunidade, um circuito social de per- mas macro”, ressalta o professor. mutas de mudas e sementes. “Foram pou- cas as plantas que eles trouxeram da roça. Colhendo fé Algumas vêm, inclusive, de outros estados, Para as pessoas, os quintais são es- trazidas por parentes. Curioso é perceber paços que lhes permitem a aproximação que tal estratégia é muito comum ao ‘mundo com a terra, mesmo em áreas urbanas. urbano’”, conclui o pesquisador.

MINAS FAZ CIÊNCIA •SET/OUT/NOV 2019 13 FARMÁCIA

Nanotecnologia contra as espinhas

Veiculação de ácido retinoico em nanopartícula é alternativa mais eficaz e segura para tratamento da acne

Luiza Lages

14 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 Para se livrar de cravos e espinhas, permanece livre, molecularmente dispersa Principal bactéria envolvida na pato- muitas pessoas recorrem à farmácia. no produto, o que faz com que entre em gênese da acne, promove a inflama- Diversos tratamentos estão disponíveis contato direto com a pele. ção dos folículos pilosos (estruturas como solução ao problema: há opções “Nesse sistema, associamos o ácido que dão origem aos pelos), causando de cremes, géis, sabonetes e antibióticos retinoico a uma amina, com grande cadeia as espinhas. orais no mercado. O ácido retinoico é um lipofílica. Desse modo, também produzimos dos principais e mais eficientes ativos certa imobilização do grupo ácido: ele se usados no combate à acne. A substância liga à amina formando um par iônico, dentro regula o processo de renovação celular e da partícula lipídica”, explica a professora. O controla a colonização da Propionibacte- grupo ácido do ativo é uma das causas da rium acnes (P. acnes). irritação à pele, e a ligação química com a O ativo tem outras ações, sendo amina reduz tais efeitos adversos. muito usado para rejuvenescimento fa- cial. “O ácido retinoico reestrutura todo o Adesividade processo de descamação, induz à forma- Os pesquisadores avaliaram a libe- ção de mais colágeno, e a pele fica cada ração do ácido retinoico em estudos de vez mais lisinha”, explica Gisele Goulart, permeação cutânea, que se mostrou mais professora da Faculdade de Farmácia da controlada em relação à formulação conven- Universidade Federal de Minas Gerais cional. Realizaram, ainda, estudos de segu- (UFMG). A pesquisadora trabalhou no rança e eficácia, ao usar modelos animais, desenvolvimento de nova composição de epiderme humana reconstruída, e, mais farmacêutica para o tratamento da acne, a recentemente, de segurança em humanos. partir do ácido. “Quando colocamos o fármaco numa Produtos que contêm ácido retinoico nanopartícula, a formulação adquire a pro- podem provocar vermelhidão, descama- priedade chamada ‘adesividade’. A nano- ção, sensação de ardência e ressecamento partícula se encaixa melhor à estrutura da da pele. Trata-se de reações adversas, que pele e fica ali retida, inclusive, no folículo levam muitos pacientes a desistir do tra- pilossebáceo, foco de ação da acne”, ex- tamento. O objetivo do estudo coordenado plica Goulart. O fármaco é liberado lenta- por Goulart é, justamente, reduzir a irrita- mente e não entra em contato direto com ção causada pelo ativo. a pele. “Assim, diminuo a irritação e não Para tal, os pesquisadores encap- sularam o ácido retinoico dentro de uma partícula lipídica. A tecnologia transforma Classe de compostos químicos or- a maneira como o ativo é veiculado. Nas gânicos, contém nitrogênio em sua formulações convencionais, a substância estrutura.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 15 comprometo os resultados, pois o ativo fi- aquoso, menos agressivo para a pele do cará retido e será liberado continuamente. que o álcool, uma substância desidratante. Ganho muito em segurança e não perco “A formulação pode ser aplicada em nada em eficácia”, completa a professora. creme, gel, pomada. A ideia, contudo, é O ácido retinoico não se solubiliza que ela seja veiculada em bases mais su- em água. Normalmente, ele é solubilizado aves, para ir ao encontro de um mercado em álcool, e, depois, incorporado à formu- que não existe, em função dessa limitação lação. Por isso, produtos à base de ácido com a solubilização”, diz Goulart. A tecno- retinoico têm, também, álcool em sua logia foi patenteada em abril de 2019 e já composição. A nova tecnologia permite está disponível para empresas que tenham que o ativo seja administrado em veículo interesse em usá-la.

O processo da acne

Na renovação celular da pele, os queratinócitos (células que formam as camadas da epiderme) passam por descamação e são substituídas por novas estruturas celulares. Com a acne, o processo é alterado. Ocorre o acúmulo de queratinócitos, e as glândulas sebáceas e os folículos pilossebáceos são obstruídos por óleo e células mortas. Isso cria um ambiente mais anaeróbico, que fa- vorece o aumento da colonização por P. acnes. “Todos esses agentes produzem um quadro de in- flamação muito característico. Pode ser que a parede do folículo piloso se rompa, com liberação de secreção, ou que fique aquele nódulo inflamado e fechado”, afirma Gise- le Goulart, professora da Faculdade de Farmácia da UFMG. A acne é um processo inflamatório multifatorial, que pode ter causas genéticas, infecciosas e hormonais. O ácido retinoico regula o processo de renovação celular e promove a aeração do sistema, o que controla a coloni- zação da P. acnes, até que a pele volte ao estado normal.

16 MINAS FAZ CIÊNCIA •SET/OUT/NOV 2019 ENGENHARIA Longa vida, in natura

Embalagens alimentícias produzidas com nanofibras prolongam durabilidade dos produtos e podem reduzir riscos para a saúde dos consumidores

Alessandra Ribeiro

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 17 Na indústria de alimentos, especial- tecnológico é muito melhor, inclusive, em mente na de produtos cítricos, o óleo de relação ao meio ambiente”, defende. laranja, extraído da casca da fruta, costuma “As nanofibras que obtivemos têm ser descartado como lixo orgânico, para como característica a biofuncionalidade biocompostagem, ou destinado à produ- contra fungos e bactérias, principalmente, ção de cosméticos. Uma das substâncias de origem alimentar”, destaca Wilson. Elas presentes em sua composição é o limone- poderiam ser usadas na produção de emba- no, um solvente orgânico, com potencial lagens aptas a conservar carnes e alimentos para substituir materiais sintéticos com a vegetais minimamente processados. mesma propriedade. Depois de fazer testes com uma série Subprodutos de óleos e outros materiais, para produção A produção da nanofibra, a partir de nanofibras (fibras produzidas em escala do óleo de laranja, foi uma das três eta- microscópica), o engenheiro de alimentos pas da pesquisa desenvolvida ao longo do Kelvi Wilson Evaristo Miranda constatou doutorado de Kelvi Wilson, realizado junto que o óleo de laranja poderia substituir o ao programa de pós-graduação em Enge- tolueno, solvente sintético empregado na nharia de Biomateriais da Universidade preparação do poliestireno – polímero que Federal de Lavras (Ufla), com orientação serve de matéria-prima à fabricação de em- do professor Juliano Elvis de Oliveira, do balagens resistentes a altas temperaturas, departamento de Engenharia. como isopor e copos descartáveis. Os testes foram realizados no Labo- O tolueno, popularmente conhecido ratório Nacional de Nanotecnologia aplica- como tíner, também é largamente usado para da ao Agronegócio, localizado na unidade diluir tintas. “Na indústria alimentícia, tem-se da Empresa Brasileira de Agropecuária todo o cuidado para que não haja resíduo do (Embrapa) em São Carlos, no interior de solvente na embalagem, nem migração para São Paulo, sob coorientação do pesquisa- o alimento. Por isso, se conseguirmos subs- dor Luiz Henrique Capparelli Mattoso. tituir uma linha sintética de potencial risco à A segunda etapa da pesquisa consis- saúde, acredito que viveremos melhor, se- tiu na produção de sachês para a conser- gundo as possibilidades de uma ciência mais vação de vegetais. Neste caso, em razão de orgânica”, prevê o pesquisador. sua porosidade, as nanofibras foram utili- Mais do que reduzir a exposição a zadas para envolver absorvedores de umi- substâncias passíveis de provocar doenças dade e de etileno (hormônio de maturação e reações alérgicas, em caso de contamina- dos vegetais), distribuídos em dois com- ção acidental dos alimentos, o solvente or- partimentos. “Em um dos compartimentos gânico tem outras vantagens. “Sabemos que do sachê, a substância chamada perman- o sintético demanda mais investimentos e ganato de potássio, fundida, em baixa con- matérias-primas. Usar resíduo agrícola para centração, encapsulada em parafina – que gerar novo produto com grande potencial também é um subproduto petrolífero –,

18 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 consegue absorver o etileno liberado pelos etapas da pesquisa. Ainda assim, afirma mento muito barato, e o nível de produção frutos e hortaliças”, detalha. que ainda não houve procura de empresas em larga escala é altíssimo”, garante. Em experimentos com tomates ver- interessadas. “Uma coisa é a pesquisa la- Para o pesquisador, o processo é des, ao longo de sete dias, com uso dos boratorial, em pequena estrutura. Outra diz bem mais complexo do que apenas desen- sachês, 70% dos frutos não amadurece- respeito à grande escala, em planta indus- volver o produto e lançá-lo no mercado: “A ram. Para efeito comparativo, 95% dos trial, que demanda muitos fatores”, pondera. ciência já deu grandes passos na área da tomates acondicionados sem o sachê Nanotecnologia, mas a sociedade absorve A tecnologia usada para obtenção atingiram a maturação completa no mesmo tudo muito lentamente. Até porque, ainda é dos nanomateriais é a fiação por sopro (ar período. “Em toda a pesquisa, visamos ao preciso de muito mais informações. Temos comprimido), ou SBS [sigla em inglês para aproveitamento máximo do alimento, as- que realizar estudos, trabalhar com proces- sim como à extensão de sua qualidade, nas Solution Blow Spinning], ainda indisponí- sos de conscientização e de aceitabilidade características in natura”, resume Wilson. vel em escala industrial. “Ela é totalmente do consumidor. Assim, aos poucos, incor- Na terceira fase do trabalho, desen- possível, contudo, pois exige um equipa- poram-se novos produtos”. volveu-se a “nanofibra inteligente”, instru- mento para verificar a qualidade dos pro- dutos próprios ao consumo. Inicialmente, os testes foram feitos com vinhos, para identificar possíveis processos de fermen- tação e deterioração. A ideia seria usar o material em um círculo com o diâmetro da boca da garrafa. Depois de um período de cinco a 15 minutos (variável de acordo com o tipo de vinho), em contato com o vapor da bebida, a nanofibra muda de cor, caso a acidez esteja acima da recomendada. “Se o vinho estiver acidificado, ela sai de sua coloração azul-roxeada e pas- sa ao amarelo-laranja. A modificação de cor ocorre, normalmente, com pH em torno de 4,3, considerado ácido, o que não é uma caracte- rística do vinho, mas do vinagre”, descreve.

Escala industrial Kelvi Wilson conta que ele e o orientador resolveram não patentear as tecnologias desenvolvidas, mas torná-las amplamente acessíveis, com a publicação de artigos científicos sobre cada uma das

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 19 MATEMÁTICA E COMPUTAÇÃO

Previsão correta, decisão acertada

Pesquisador do Cefet-MG desenvolve arcabouço que auxilia as pessoas a investir no mercado financeiro

Mariana Alencar

20 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 Todo mundo conhece alguma histó- soluções para ‘prever o futuro’ e, assim, ria de alguém que guardava dinheiro sob ajudar a tomada de decisão do investidor”, o colchão, como forma de juntar quantia explica Assis. suficiente à realização de sonhos materiais. Na infância, as crianças ganham porqui- Algoritmos nhos e pequenos cofres para guardar cada Há alguns anos, pesquisadores da moedinha que ganham. Há, ainda, aqueles área tentam desenvolver técnicas que aju- que preferem deixar as economias na pou- dem a previsão do comportamento de ativos pança, para que o dinheiro renda com o financeiros. Entretanto, mesmo com os inú- passar do tempo. meros estudos, antecipar preços e tendên- O comportamento do brasileiro assa- cias não é algo fácil. Realizar predições é li- lariado em relação às finanças, entretanto, dar com as incertezas do mercado financeiro alterou-se nos últimos anos. Hoje, já não e outros imprevistos. “Além disso, o ser hu- é tão vantajoso conservar dinheiro na ca- mano é feito de emoções. Quando vê seu di- derneta de poupança, nem mesmo debaixo nheiro rendendo, e percebe que o ativo tem do colchão. Com as mudanças ocorridas subido, ele investe maior quantia, mas não é na economia brasileira, ao longo da última capaz de calcular o risco de queda. Por falta década, os juros da Selic – a taxa básica de conhecimento, a pessoa perde dinheiro”, de juros da economia, por meio da qual o detalha o pesquisador. Banco Central controla a inflação – dimi- Em sua pesquisa, Assis desenvol- nuíram consideravelmente, tornando muito veu um meta-classificador, baseado em pequenos os rendimentos poupados. métodos de inteligência computacional, A saída, para muitos, está no in- para descobrir tendências de preços para vestimento em mercado de ações, que, ativos de bolsa de valores. “Trata-se de um por ser importante a qualquer economia, arcabouço composto de algoritmos inter- apresenta-se, hoje, como objeto de estu- nos. Em meu estudo, desenvolvi um meta- dos diversos. Daí a busca por modelos e -classificador composto por sete algorit- a ânsia por informações capazes de ajudar mos, que foram aplicados em ambientes a previsão do comportamento do mercado. simulados”, conta. Em tal contexto, destaca-se a pesquisa de Os meta-classificadores funcionam Carlos Alberto Silva de Assis: “Predição de da seguinte forma: se o médico informa tendências em séries financeiras utilizando que alguém está com uma doença grave, o meta-classificadores”. paciente pode optar por ouvir outras opini- Defendido junto ao Programa de ões. Ele, então, busca novos profissionais, Pós-Graduação em Modelagem Matemá- para mais informações sobre seu estado tica e Computacional, do Centro Federal de saúde. “Cada médico procurado é um de Educação Tecnológica de Minas Gerais algoritmo dentro do meta-classificador. (Cefet-MG), sob a orientação dos pro- No caso de minha analogia, o paciente es- fessores Adriano César Machado Pereira cutaria a avaliação de sete médicos, para, (DCC/UFMG) e Eduardo Gontijo Carra- então, tomar decisões”, esclarece. no (DEE/UFMG), o trabalho consiste na Conforme o exemplo “medicinal”, na apresentação de método para previsão de economia, há sete técnicas de inteligência séries temporais financeiras, por meio do computacional aptas a descobrir tendên- uso de técnicas de inteligência computa- cias em séries financeiras: Programação cional combinadas. “O investimento na Genética (PG); Máquinas de Vetor de Su- bolsa de valores exige trabalho de acom- porte (SVM); Florestas Aleatórias (RF); panhamento. Você põe o dinheiro na bolsa, Redes Neurais (MLP); Árvore de Decisão mas ele pode sumir, da noite para o dia. (J48); Otimização Mínima Sequencial Isso aconteceu com as ações da Vale, que (SMO); e Redes Bayesianas (BN). despencaram após o desastre de Brumadi- Os meta-classificadores apresentam nho. O objetivo da pesquisa foi encontrar um importante diferencial dos classifica-

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 21 dores tradicionais, ao prever qual avaliação bém, que o meta-classificador apresentou tem maior peso. No mercado financeiro, índices muito superiores em relação a ou- dirão se as ações sofreram alta ou queda, tros mecanismos de machine learning. e, ao fim, informarão as melhores atitudes “Algumas simulações mostraram a serem tomadas. Ou seja, a abordagem retorno de 100%, diferentemente de ou- proposta é capaz de indicar, ao investidor, tros métodos já desenvolvidos. Ou seja, se ele deve comprar novos ativos, retirar o se a pessoa aplica R$ 10 mil, ao tomar as dinheiro ou continuar a investir. decisões corretas, com a ajuda do meta- Uma das formas de calcular os riscos -classificador, pode ter retorno acumulado se dá por meio da análise de dados histó- de até R$ 20 mil em um ano”, comemora. ricos da bolsa de valores. A partir dos pa- Ramo da inteligência artificial que drões comportamentais do mercado finan- parte da ideia de que sistemas podem Horizontes ceiro, os meta-classificadores conseguem aprender com dados, identificar pa- Carlos Assis integra o grupo de es- traçar estimativas de futuro. A ferramenta drões e tomar decisões, sem neces- tudos Finanças Computacionais (Fico) da sidade de intervenção humana. leva possíveis anomalias em consideração. UFMG, formado por alunos, pesquisadores, Há cada quatro anos, por exemplo, ocorre professores, profissionais de várias áreas uma alteração no mercado devido às elei- e empresas do setor econômico. O cará- ções presidenciais. Essa sazonalidade é ter interdisciplinar da equipe influenciou a calculada e considerada pelos algoritmos. formulação do problema central do pesqui- Para o desenvolvimento do meta- sador, uma vez que o trabalho não envolve -classificador, Assis testou ativos de nove apenas a Matemática Computacional e as empresas: Petrobras; Cielo; Itaú Uniban- Finanças, mas, também, áreas do conhe- co; Índice Bovespa; Usiminas; Compa- cimento como Ciência da Computação, nhia Energética de Minas Gerais (Cemig); Ciência de Dados, Economia e Estatística. Gerdau; Kroton Educacional e Gol Linhas Os resultados positivos do estudo Aéreas Inteligentes. Os resultados foram são indicativos de potencial aplicabilidade satisfatórios, ao mostrar acurácia, na clas- do modelo em ambientes reais. Por isso, sificação, de até 57%, além de ganhos fi- Assis está focado, agora, em desenvolver nanceiros de até 100% do valor de capital um projeto de pós-doutorado que busque a inicialmente investido. Constatou-se, tam- aplicação do que desenvolveu em sua tese.

22 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 ALIMENTOS “Superalimentos” contra a fome oculta

Pesquisadores aumentam valor nutricional de uma série de produtos por meio de técnicas de biofortificação alimentar

Luiza Lages

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 23 Na década de 1980, países europeus uma rede internacional conhecida como passaram a restringir a importação de trigo HarvestZinc. Nela, cientistas de 13 países proveniente dos Estados Unidos e do Cana- desenvolvem estudos sobre a biofortifica- dá, para incentivar a produção agrícola in- ção de alimentos. terna. Medições feitas na Finlândia, porém, Segundo o pesquisador, o momento é mostraram que o teor de selênio era quatro da chamada “agricultura funcional”. Cresce vezes menor no trigo produzido na região. mundialmente, afinal, o interesse pela pro- O solo europeu é naturalmente mais pobre, dução de alimentos funcionais, que ajudam no que se refere ao elemento, se comparado a combater a má nutrição e oferecem benefí- ao norte-americano. No período, também cios à saúde. Melhores técnicas de cultivo e foi aferida a redução do nutriente no plasma fatores como o aumento da presença de gás sanguíneo da população: notou-se aumento carbônico na atmosfera levam ao aumento na incidência de câncer. A resposta ao pro- da produção em uma mesma área de plan- blema veio como política pública. Desde en- tio. “Se, antes, eu produzia cinco toneladas tão, naquele país, é obrigatório que a com- de um alimento em uma área, e aumentei a posição de fertilizantes usados nas lavouras dez, o teor de nutrientes é diluído entre as inclua taxa mínima de selênio. plantas. Por isso, preciso ampliar a quan- A prática adotada na Finlândia é tidade de nutrientes disponíveis na lavoura, um exemplo de biofortificação alimentar. para não gerar produtos com baixo valor nu- A produção de “superalimentos”, que te- tritivo”, explica Guimarães Guilherme. nham maior valor nutricional, é um dos grandes desafios atuais da agricultura. Di- versas pesquisas, em todo o mundo, têm Combate à fome oculta testado a adição de elementos como iodo, Produtos alimentares “vazios”, com selênio, ferro e zinco às culturas. poucos nutrientes, são parte de um proble- Há cerca de dez anos, na Universidade ma que afeta milhões de pessoas: a fome Federal de Lavras (Ufla), são feitos testes de oculta. O conceito difere da abordagem enriquecimento de nutrientes em arroz, soja, original para a fome, pois leva em consi- feijão, milho e hortaliças diversas, inclusive deração a falta de nutrientes, e não apenas o ora-pro-nóbis. Os testes são realizados a falta de comida. Pessoas que aparentam em áreas agrícolas nas cidades de Lavras, se alimentar podem desenvolver graves ca- Lambari, Uberaba e Patos de Minas. A di- rências de micronutrientes, como vitamina versidade das regiões permite análises em A, zinco e ferro. diferentes tipos de solo e clima. Os pesquisa- Segundo dados da Organização dores testam os compostos isoladamente ou Mundial de Saúde (OMS), 44% dos paí- em conjunto, para determinar a quantidade a ses vivem, ao mesmo tempo, sérios níveis ser absorvida e o teor ideal para cada cultura. de subnutrição e sobrepeso, incluindo obesidade. São fatores associados ao de- senvolvimento de doenças crônicas, como Agricultura funcional diabetes e câncer. Nesse contexto, a biofor- “Tivemos grandes ganhos na agri- tificação contribuiria com a ingestão diária cultura. Incorporamos tecnologias e con- de cada nutriente, a partir de culturas com seguimos, com melhoramento genético, grande alcance populacional, como arroz, aumentar a produção de uma cultura por feijão, soja e trigo. área. Além disso, passamos a produzir “Nos países onde esses nutrientes não materiais tolerantes à seca e ao ataque de são deficientes no solo, é possível, simples- pragas. O interessante, agora, é produzir mente, cultivar plantas com maior capacida- plantações que consigam extrair mais nu- de de absorvê-los”, diz Luiz Roberto Gui- trientes do solo”, diz Luiz Roberto Guima- marães Guilherme. Tal seria uma das ações rães Guilherme, do Departamento de Ciên- plausíveis da “biofortificação genética”, que cia do Solo da Ufla. O professor coordena, inclui a seleção de espécies vegetais com os em parceria com a Empresa de Pesquisa melhores genes ou genótipos para absorção Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), de nutrientes específicos. Outra possibilidade

24 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 passa pelo desenvolvimento de organismos solo. A pulverização foliar requer quantidade de pragas, doenças e outras situações típi- geneticamente modificados. menor de nutrientes e pode ser feita junto à cas das lavouras. O zinco é outro exemplo. Para solos pobres, entretanto, a es- aplicação de pesticidas, realizada, frequen- Já usado por produtores, o composto é es- tratégia genética torna-se frustrada. Nesses temente, por muitos agricultores. Entretan- sencial ao desenvolvimento e ao aumento casos, é interessante que ela seja pensada to, a técnica não apresenta efeito residual: da produtividade da planta. Entretanto, o em conjunto com a “biofortificação agro- os nutrientes serão absorvidos por apenas elemento ainda não é aplicado em quan- nômica”, técnica de adubação das plan- uma safra. “Como, no Brasil, temos capa- tidades suficientes para trazer benefícios à tas, com uso de fertilizantes enriquecidos cidade de produzir mais de uma lavoura por com nutrientes estratégicos. O objetivo é ano, é interessante fazer a aplicação no solo. alimentação humana. que eles sejam absorvidos e acumulados Há a possibilidade de várias plantas, de di- “Alguém precisa estar disposto a pa- nas culturas. “Particularmente nas regiões ferentes safras, absorverem os nutrientes”, gar esse ‘extra’, em termos de ganho nutri- mais pobres do planeta, que tendem a estar explica Guimarães Guilherme. cional. Para quem quiser operar no mercado localizadas em faixas de terra onde os so- O pesquisador explica que, para o de produtos diferenciados, gourmet, isso é los são mais carentes, não se pode traba- grande produtor, que já faz a pulverização fácil. Nosso objetivo, porém, é que esse tipo lhar com um método isolado. Não dá para das culturas, a biofortificação não represen- de produto chegue às populações de baixa pensar, apenas, no material genético que ta grande diferença nos custos produtivos. renda. O ideal seria que o governo criasse absorverá mais nutrientes em uma área Para o pequeno produtor, salienta os ganhos políticas públicas de saúde para motivar os onde o teor natural dos mesmos é baixo”, possíveis. Além de gerar produtos com maior produtores”, afirma o professor da Ufla. No afirma o pesquisador. valor agregado, com crescente demanda em mercados externos, a adição de nutrientes Brasil, um exemplo – embora não se trate de Custos traz uma série de benefícios às lavouras. biofortificação – é a obrigatoriedade da adi- Enquanto a biofortificação genética O selênio está associado a processos ção de iodo ao sal, decretada, em 1956, pelo não apresenta custos adicionais, a estra- antioxidantes, antienvelhecimento. Embora presidente Juscelino Kubitschek. A legisla- tégia agronômica inclui gastos com ferti- não seja essencial para o crescimento da ção brasileira de fertilizantes já recomenda a lizantes. O método apresenta duas técnicas planta, suas propriedades produzem maior aplicação de zinco nos solos, e, desde 2016, possíveis de aplicação: nas folhas ou no resistência contra falta de água, presença sugere a adição de selênio.

No organismo Enxofre (S) Confira os efeitos de cada elemento em seu corpo Facilita o transporte de ou- tros minerais dentro do orga- nismo humano. Sua deficiên- Iodo (I) cia pode causar distúrbios no sistema nervoso. Importante ao funciona- mento normal da glândula tireoide. Sua carência está relacionada ao desenvolvi- Ferro (Fe) mento de bócio endêmico e Atua na síntese das células hipotireoidismo. vermelhas do sangue e no transporte de oxigênio em todo o corpo.

Selênio (Se) Tem propriedades antioxidantes Zinco (Zn) e contribui para o funcionamento É fundamental à estrutura e do sistema imunológico. A ca- à função de enzimas vitais à rência do elemento está relacio- homeostase, condição que nada a certos tipos de cânceres equilibra as composições e a problemas cardiovasculares. químicas do organismo.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 25 ESPECIAL

Conhecimento em revista

Duas décadas depois de sua primeira edição, MINAS FAZ CIÊNCIA celebra expansão de possibilidades narrativas e discute o presente e o futuro dos saberes

Verônica Soares da Costa

26 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 Beatriz Sarlo afirma, no artigo “Inte- mostrar, à população, os resultados das Em 1998, o primeiro produto de lectuales y revistas: razones de una prácti- pesquisas desenvolvidas com recursos do divulgação científica da FAPEMIG ca”, que a iniciativa de elaborar uma revista Estado. Assim está no texto do primeiro foi uma série de minidocumentá- ilustra a decisão de fazer política cultural. editorial: “São assuntos ricos, infelizmente rios em parceria com a Rede Minas Se considerarmos a pesquisa e a divul- pouco divulgados. Por isso estamos pro- de Televisão. Segundo Vanessa gação do conhecimento como práticas duzindo esta revista voltada para o público Fagundes, foi um início importan- constituintes da cultura de uma sociedade, leigo, mostrando a produção de C&T em te, pois a TV possibilitou que a é possível lançar mão do pensamento da formato de jornalismo científico”. Fundação atingisse, rapidamente, escritora e crítica literária para Os pontos fundamentais desta his- grande número de pessoas. “Isso afirmar: investir em uma publicação de ci- tória já foram discutidos em artigo acadê- contribuiu para o nascimento da ências é, também, fazer “política científica”. mico, publicado em 2017. Contudo, com revista, pois o retorno do público No caso de MINAS FAZ CIÊNCIA, a a proximidade das celebrações dos 20 chamou a atenção: as pessoas co- decisão foi tomada há 20 anos, em dezem- anos de publicação da revista, o editor- meçaram a falar sobre as pesquisas bro de 1999, com a publicação da edição -chefe, Maurício Guilherme Silva Jr., e a e a escrever para a Fundação, como n° 1, cujas chamadas de capa destacavam diretora de redação, Vanessa Fagundes, forma de elogiar e pedir mais ações temas como bioterrorismo, câncer e polui- encontraram-se para um bate-papo, com de divulgação científica”. ção sonora – desafios ainda atuais às ciên- o intuito de relembrar o passado e, ao cias do século XXI. Criada pela FAPEMIG, mesmo tempo, projetar futuros possíveis a revista é parte de um movimento que se para a publicação. intensificou no Brasil, na virada da década Com anos dedicados ao projeto de 1990 aos anos 2000, rumo à ampliação “Minas Faz Ciência” – que hoje também de ações de divulgação e popularização da contempla produtos desenvolvidos para ciência. Assim, ao mesmo tempo em que nascia a publicação, outras iniciativas de popularização do conhecimento surgiam em Trata-se de artigo apresentado no todo o País. Nem todas, porém, revelaram- IV Encontro Regional Sudeste de -se tão longevas quanto a iniciativa mineira. História da Mídia, em 2016, e, pos- A revista não foi o primeiro projeto teriormente, publicado, sob o título de divulgação científica da FAPEMIG. Ou- “Reflexões e experiências jorna- tras ações já estavam em andamento na lístico-acadêmicas desenvolvidas Instituição, como a produção de boletins no projeto Minas faz Ciência”. no de notícias e de minidocumentários. Após livro Divulgação Científica: novos o diagnóstico da necessidade de maior horizontes (Belo Horizonte: Mazza integração da comunidade científico-tec- Edições, 2017. [ePub]), que você nológica com outros setores da sociedade, pode acessar, gratuitamente, neste a revista foi idealizada como estratégia de link: http://bit.ly/livrodivulgacao- aproximação entre públicos diversos, para cientifica. Leia, também, o artigo de Beatriz Sarlo, citado na abertura da reportagem, disponível em http:// bit.ly/beatrizsarlo.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 27 o ambiente digital –, Maurício e Vanessa têm suas histórias e escolhas profissionais Dados do Boletim Epidemiológi- e acadêmicas entrelaçadas ao projeto. São co de Monitoramento dos casos também defensores das políticas de divul- de dengue, chikungunya e zika, gação científica e de sua importância para publicados pela Secretaria de o desenvolvimento científico, social e eco- Estado de Saúde de Minas Ge- nômico de uma nação. rais, indicavam o registro de Nos trechos a seguir, eles falam da 466.796 casos prováveis (con- relação afetiva que desenvolveram com firmados + suspeitos) da doença MINAS FAZ CIÊNCIA, da expansão do pro- no Estado e 125 óbitos, até o dia jeto, por meio do Programa de Comunica- 12 de agosto de 2019. ção Científica, Tecnológica e de Inovação (PCCT), das motivações para continuarem o trabalho com a comunicação pública da da linha editorial e de abordagens temá- ciência e seus desafios, além do entendi- ticas, de maneira mais ampla do que no mento de que a revista é parte da história cotidiano do trabalho como jornalista”. O da própria FAPEMIG e do desenvolvimento ofício se revelou solitário por alguns anos, científico em Minas Gerais. “Duas décadas até a criação do PCCT, em 2010, edital que não são dois dias. Efemérides são uma selecionou profissionais para atuarem na oportunidade para olhar para o passado e produção de conteúdo do projeto “Minas vislumbrar um futuro”, sintetiza Maurício. Faz Ciência”. “A entrada de outros jorna- listas, com novos olhares e experiências, Histórias entrelaçadas acrescentou muito à iniciativa. A revista “A minha história com a Minas Faz cresceu em qualidade, em proposta, em Ciência começa muito antes de eu traba- objetivos”, avalia. lhar na FAPEMIG”, conta Vanessa Fagun- Maurício Guilherme Silva Jr. come- des, atual coordenadora da Assessoria çou a participar da produção da revista a de Comunicação Social da Fundação. Ela partir de 2011, quando foi aprovado no ainda era estudante de Jornalismo na Uni- primeiro edital de seleção do PCCT. No versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ano seguinte, passou a atuar como editor quando se interessou pelo jornalismo de MINAS FAZ CIÊNCIA. Sua estreia foi científico e decidiu atuar na área. “Come- na edição nº 43, cuja reportagem de capa cei a pesquisar projetos que trabalhassem tratava da dengue – tema que continua a com essa temática e descobri a revista. Eu assombrar os mineiros, em função do au- me tornei assinante, gostei muito da pro- mento do número de casos no Estado. O posta e mandei uma carta, algo comum na trabalho como editor começou na edição época, para a então editora responsável, de nº 51, e segue até hoje. A iniciativa busca disseminar e me apresentando como candidata a um “Lidar com ciência, jornalismo e tex- popularizar a ciência, a tecnologia estágio”, relembra. tos de revista tem forte relação com minha e a inovação (CT&I) no Estado. O Foi só depois de ter se formado, no caminhada profissional anterior, e, hoje, PCCT fomenta e desenvolve voca- entanto, que Vanessa recebeu uma ligação com minha prática docente. Fui assessor ções na área da difusão das ciên- da editora, Karina Almeida, para fazer par- de comunicação na UFMG, mas, ainda cias, com a concessão de bolsas te da equipe. “Vim à FAPEMIG para atuar, como estudante de Jornalismo, já tinha de incentivo à formação de profis- principalmente, na revista, como jornalista. me apaixonado pela divulgação das ciên- sionais dedicados à cobertura na Depois de produzir reportagens sobre as cias. Antes mesmo de integrar o grupo de área, de modo a ampliar o espaço pesquisas desenvolvidas em Minas Gerais, profissionais do PCCT, conhecia e admi- dedicado à ciência em veículos da eu me encontrei profissionalmente e, mais rava a publicação. Quando me candidatei, grande mídia e divulgar projetos tarde, me tornei servidora na Fundação”. vislumbrei a possibilidade de aprender e e programas desenvolvidos com Seu nome apareceu pela primeira vez colaborar com a proposta, também como o apoio da FAPEMIG. Leia a deli- na revista nº 12; cinco edições depois, já pesquisador e professor”, comenta, ao fri- beração que aprovou o programa, assinava como editora. “Foi um grande sar que ser editor de uma revista de divul- de agosto de 2010, em http://bit.ly/ desafio, pois a função exige que se pense gação científica é motivo de orgulho, por pcctfapemig. a revista como um todo, com a definição tudo o que ela representa: “Principalmente,

28 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 como locus de discussão de uma ciência leitor como dotado de inteligência menor. que permite às pessoas ter experiências Além dos 25 mil exemplares im- Por isso, ao conceber a revista MINAS FAZ singulares de leitura e apreensão de textos pressos, distribuídos gratuitamen- CIÊNCIA infantil, em 2015, elaboramos um e narrativas”, define. te pelo Brasil, a revista MINAS FAZ projeto que buscava dialogar com as crian- CIÊNCIA está disponível, para lei- ças, considerando a complexidade dessa MINAS FAZ CIÊNCIA tura, em sua versão digital, no en- missão”, conta. são muitas dereço http://bit.ly/revistasMFC. Para Maurício Guilherme, a propos- “A revista propõe leituras que podem ta de falar com o público infantil levou a ser fragmentadas, mas têm a própria frag- equipe a estudar e a aprender muito: “Cha- mentação como potência, com diversidade As edições especiais temáticas, por mamos autores de livros infantojuvenis e de olhares e de possibilidades de imersão. exemplo, apresentaram-se como desafio especialistas, como o escritor Leo Cunha, É bonito acompanhar os desdobramentos desde a primeira experiência, que surgiu da para dialogar; promovemos conversas dessa trajetória, as transformações visuais, demanda de evento científico que seria rea- com mães e pais para avaliar a recepção; e, as mudanças gráficas, as propostas de ex- lizado no Estado. “Por um tempo, a ideia da mesmo hoje, quando produzimos a quinta perimentação desenvolvidas nos últimos edição especial foi abandonada, mas havia edição infantil, seguimos aprendendo so- anos. E ver MINAS FAZ CIÊNCIA se meta- temas muito salientes nas discussões sobre bre formatos e linguagens”. morfoseando, de acordo com dinâmicas so- CT&I, como a importância da internacio- Um dos desdobramentos da revista ciais que atravessam a prática do jornalismo nalização das pesquisas, o que motivou a MINAS FAZ CIÊNCIA infantil foi o podcast científico”, analisa Maurício. Tal processo criação de uma edição anual, extra, capaz de abordar os assuntos de maneira mais pro- de transformação e adaptação pode ser no- As edições especiais e as revistas funda”, relembra Vanessa. tado, por exemplo, no passeio pelas capas MINAS FAZ CIÊNCIA infantil po- Havia, no entanto, o antigo desejo de todas as edições publicadas, ininterrup- dem ser acessadas em suas ver- de conversar com o público infantojuve- tamente, ao longo dos últimos 20 anos. sões digitais no link http://bit.ly/ nil, em idade escolar. “Falar com crianças Para Vanessa Fagundes, um dos MFCEspecial. motivos da relevância da revista é o fato não é simplificar a linguagem, nem tratar o de a FAPEMIG ter se comprometido a dar publicidade e a ampliar o conhecimento da sociedade sobre o que é feito em laborató- rios, salas de aula e grupos de pesquisa mi- neiros. Ela também destaca a estratégia da divulgação científica ampliada, focada não só em um produto, mas, sim, nas múltiplas possibilidades de diálogo com pessoas de diferentes perfis, a partir da diversidade de O podcast Ondas da Ciência linguagens e formatos, e, até mesmo, de surgiu em 2011, antes mesmo eventos que proporcionam imersão em ati- que o consumo de informações vidades científicas e debates sobre o tema. neste formato virasse tendência “Neste sentido, o PCCT fortaleceu a no Brasil. Já são mais de 225 intenção de diversificar as ações de divul- programas gravados e disponí- gação, porque a chegada de profissionais veis nas principais plataformas, com diferentes habilidades permitiu, tam- como Spotify, Apple Podcasts, bém, que trabalhássemos em novas pla- Google Podcasts, Castbox, Ihe- taformas de publicação, como podcasts, art, Anchor, SoundCloud, Spre- vídeos e outras ações na internet, quando aker, Podbean e Podcast addict. as redes sociais e os blogs estavam apenas Ouça também pelo site: http:// começando a se estabelecer”. bit.ly/OndasDaCiencia. Muito antes de as palavras “transver- salidade” e “transmídia” estarem em voga, o projeto “Minas Faz Ciência” já sinalizava que a multiplicidade de produtos e experi- ências possíveis de contato com as ciências era um caminho promissor para projetos bem-sucedidos de divulgação científica.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 29 “Viagem de Tiê”, idealizado e produzido reunidos para pensar pautas e reportagens, pela jornalista Luiza Lages e lançado como reconhecemos a importância de manter a Além da revista impressa, hoje, o material complementar à edição de 2018. versão impressa em circulação, e, também, projeto “Minas Faz Ciência” con- a necessidade de ampliar o diálogo com templa dois sites, um deles dedi- A marca outros territórios. Tudo está integrado, para cado ao público infantojuvenil, um Em função da multiplicidade de abor- que haja ampliação narrativa, transmídia, canal no YouTube, o podcast “Ondas dagens, Maurício Guilherme defende que com engajamento de novos públicos nes- da Ciência” e perfis nas principais MINAS FAZ CIÊNCIA é mais do que uma ses outros espaços e ambientes”. plataformas de redes sociais: somos revista impressa: “Somos uma marca de A estratégia passa, primeiramente, @minasfazciencia no Instagram, no narrativa jornalística, que recebe interferên- por um investimento institucional da Fun- Facebook e no Twitter. cias externas e internas muito ricas, capazes dação, além do perfil do grupo de jorna- de ampliar suas potencialidades. Devemos listas que compõem o PCCT nos últimos de outras partes do Brasil. “A chegada da falar não só de um produto impresso, mas anos, o que possibilita, também, fazer ci- versão física à casa das pessoas transforma de uma trajetória de pensamento de divul- ência por meio da revista, pelo incentivo à a relação da ciência no dia a dia. Uma capa gação científica, que culmina com a versão produção de artigos e de análises sobre o de revista impressa, hoje, no meio de uma impressa da revista e outras materialidades campo da comunicação pública da ciência. sala, num quarto de estudos, estimula a a compor esta narrativa”. Um dos valores compartilhados pela relação material de diversas pessoas com A marca MINAS FAZ CIÊNCIA é, as- equipe é a de que as estratégias de todo aquele produto. Os leitores do impresso sim, cambiante: amplia-se e se expande o projeto editorial precisam ser pensadas não são únicos: nós, potencialmente, atin- em outros suportes, como o ambiente di- e repensadas continuamente e, no caso gimos muito mais do que 25 mil assinan- gital, sem perder sua essência, conforme tes”, destaca Maurício. destaca o editor. “A revista reposiciona sua de MINAS FAZ CIÊNCIA, a possibilidade Além disso, o público de estudantes marca o tempo todo, não sem considerar de fazer a revista circular de mão em mão, nas séries iniciais do ensino fundamental estratégias de persuasão e construção para seus 25 mil assinantes, é vista como desenvolve, desde muito cedo, novas rela- narrativa colaborativa. Enquanto estamos um diferencial estratégico para ampliação de públicos. Atualmente, a publicação é ções com a ciência, mediadas pela revista. distribuída a assinantes individuais, e a “Recebemos relatos do impacto desse mo- Para ouvir os programas da escolas municipais de Belo Horizonte, ins- mento de contato com a revista, que é vista série, acesse http://bit.ly/Via- tituições de ensino e pesquisa, bibliotecas pelas crianças quase como um presente, gemDeTie. e jovens pesquisadores de todo o Estado e mesmo entre aquelas já acostumadas a

Todo mundo tem uma pauta, uma entrevista, uma capa e uma reportagem especial favorita. Rapidinhas! Conheça as preferências de quem está à frente da revista MINAS FAZ CIÊNCIA:

Edição predileta Capa preferida

M – Todas as capas in- Maurício – Gosto muito da fantis são esteticamente discussão sobre o corpo, bonitas, e sempre apre- que fizemos na edição nº 62. sentam uma pergunta, uma provocação.

Vanessa – Me tocou muito a discussão sobre suicídio, na edição nº 63. O resultado V – A primeira capa em que usamos uma metáfora vi- da abordagem foi fantástico, sual, a de nº 49, com um Davi, de Michelangelo, em apesar do tema delicado. proporções distintas da obra original, para falar sobre obesidade.

30 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 consumir informação na internet. Há uma qua os textos ao estilo e à linha editorial da conta de todo o processo ligado à discussão vivência, uma experiência muito diferen- revista. Segue-se, assim, à diagramação, da ciência. É preciso pensar cada novo nú- te, que deve ser valorizada por quem quer que vai muito além de mera técnica para mero em seu tempo, e com os desafios de despertar o interesse, a curiosidade e a organizar textos no espaço: o objetivo é cada período, para, então, refletir sobre o futura vocação em carreiras tecnológicas e oferecer informação visual sobre a pesqui- conjunto”, completa. científicas”, completa Vanessa. sa em questão. “As ilustrações e imagens são também criações, e servem à divulga- Bastidores da produção Os próximos 20 anos ção científica, não estão ali só para enfei- Tanto a diretora de redação quanto O processo de produção da revista tar", pondera Vanessa. começa com dois meses de antecedência o editor-chefe acreditam que a publicação representa a história da instituição e da ci- da data de circulação, em encontros coor- Desenvolvimento mineiro denados por Maurício Guilherme, em que ência em Minas, além de revelar a própria A trajetória da publicação constrói são debatidas sugestões recebidas de pes- evolução dos profissionais envolvidos na caminhos narrativos para a ciência no quisadores, de outras instituições, temas equipe. “É interessante ver como questões Estado: “Quando olhamos uma revista iso- factuais e, ainda, pesquisas do banco de que antes não nos tocavam aparecem mais lada, talvez isso não seja tão perceptível, dados da FAPEMIG. “Temos preocupação mas, ao observarmos o conjunto dos últi- forte agora, o que demonstra nosso cresci- com a variedade de fontes que nos che- mos 20 anos, vemos a história da ciência mento como pesquisadores da área, e, tam- gam, e, também, em equilibrar as áreas em Minas naquelas páginas. Ao revisitar bém, nosso compromisso ético com pautas do conhecimento, pesquisadores e pes- as publicações, me marcou muito a abor- que começaram a mobilizar a comunidade quisadoras, a diversidade das instituições dagem sobre o novo marco legal da ciência acadêmica no século XXI”, conta Vanessa e regiões de Minas Gerais, que devem ser e da tecnologia, algo de nossa história re- Fagundes, em meio às reflexões sobre os igualmente contempladas”, detalha. desafios da inclusão e da diversidade, por Definidas as pautas, os jornalistas da cente que mudou a perspectiva da produ- equipe partem para o trabalho de pesquisa ção científica para pesquisadores do Brasil exemplo. Ela acredita que o projeto “Minas e apuração juntos aos cientistas. “Aspecto inteiro. MINAS FAZ CIÊNCIA não deixou Faz Ciência” construiu a história de uma importante desse momento é que as repor- de debater cada um de seus aspectos, equipe, que já teve diversos colaboradores tagens não se restringem ao momento da como a inclusão da inovação como eixo ao longo dos anos: “Cada um deixou sua entrevista com o pesquisador; é necessário fundamental do desenvolvimento científico marca nas páginas da revista”, diz. estudar e entender o tema, previamente, e as demais dificuldades legais enfrentadas Para Vanessa, duas décadas é uma para fazer as melhores perguntas”, observa pelos cientistas. Construímos essa história marca a ser intensamente comemorada, a diretora de redação, Vanessa Fagundes. com as abordagens jornalísticas, por meio Maurício Guilherme, cuja trajetória além de representar a oportunidade para de nossas escolhas e do movimento das de pesquisa está no campo dos estudos repensar o significado da divulgação cien- instituições”, observa Vanessa. literários, resgata o conceito de trans- tífica e de seus públicos: “Hoje, é muito Maurício Guilherme explica que, do criação para descrever esse processo de raro encontrar um projeto com essa his- ponto de vista jornalístico, é importante construção das reportagens: “Há muitas tória, que mantenha sua característica ori- que haja clareza sobre diferentes níveis relações na construção de textos jornalísti- ginal, como revista distribuída a qualquer cos. A transcriação diz de um território de de entrelaçamento entre sensibilidades, interessado, em qualquer parte do Brasil. convivência dos públicos com os pesqui- significados da ciência e modos de experi- Isso diz de uma estratégia maior da ins- sadores, com a ciência e os jornalistas. É mentação: “Não podemos ignorar as espe- tituição, de realmente compartilhar o que uma mistura. Não fazemos tradução literal cificidades de um jornalismo também ins- e direta do discurso dos cientistas, o que titucional, que se vincula ao modo como o está sendo produzido e investir na divulga- seria impossível. Assumimos o lugar de Estado lida com suas políticas de ciência e ção do conhecimento. É algo a ser festeja- uma ‘criação outra’, de um diálogo que suas relações nacionais e internacionais”. do, mas que também nos leva a refletir: por parte do pressuposto de que todos pode- que queremos comunicar ciência? Qual a mos construir esse texto, a partir de nossas Revisitar as páginas dos 20 anos de relevância do trabalho que fazemos? Para experiências individuais, em diálogo com MINAS FAZ CIÊNCIA é, também, pensar quem direcionamos nossos esforços? Essa o que a revista nos apresenta. Não é o dis- como o próprio jornalismo foi imaginado e curso dos cientistas, nem da ciência; tam- como as sensibilidades se concretizam em visão do que é a ciência contribui para o bém não é uma aula. Trata-se, antes, de um narrativas que tratam da ciência no Estado, desenvolvimento social e científico? São convite: vamos conversar sobre ciência? É, em sua relação com a história do conheci- temas em constante discussão no grupo, enfim, uma antiaula: vamos ter dúvidas?” mento no Brasil e no mundo. “É como fa- que alimentam e valorizam o projeto ‘Mi- Depois de prontas, as reportagens lar da gota para discutir o oceano, mas de nas Faz Ciência’. Avançamos a partir des- passam pelo processo de edição, que ade- maneira muito rica. Uma só edição não dará ses questionamentos”, destaca.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 31 ECONOMIA

Pesquisa avalia evolução dos custos “tarifários” e “não tarifários” do comércio entre o Brasil e 178 países

Luiza Lages

32 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 “Se o mundo fosse livre de imper- – principalmente, aves – de 20 fábricas feições, um produto exportado pelo Brasil brasileiras que tinham autorização para chegaria, a qualquer país importador, pelo exportar aos países europeus. O embargo mesmo preço. A diferença de valor, nor- foi justificado por argumentos de que exis- malmente, inclui custos de transporte e tiam deficiências no controle de salmonela uma série de outras medidas e restrições”, do frango exportado. A medida é fruto de diz Orlando Monteiro da Silva, professor desdobramento das investigações da Polí- do departamento de Economia da Uni- cia Federal à BRF, companhia do ramo de versidade Federal de Viçosa (UFV). No alimentos. passado, o comércio internacional foi mar- A empresa foi implicada na operação cado pelas barreiras tarifárias. A taxação Carne Fraca, com a alegação de que bur- de produtos importados funcionava como lava os padrões de segurança alimentar. A ação protecionista, para dar vantagem ao BRF, por sua vez, argumentou que a decisão produtor interno. Tal tipo de tarifa impacta da Comissão Europeia não se baseou em no preço final de mercadorias e serviços, e questões sanitárias, e se configurava como leva o consumidor a buscar o que é feito no medida de proteção ao mercado local. próprio país, com preços menores. Orlando Monteiro da Silva lembra que Também eram comuns, no comércio o embargo à BRF não é um caso isolado. entre nações, restrições quantitativas, cha- Nos últimos anos, diferentes fábricas e pro- madas de “cotas”. Governos determinavam dutos brasileiros sofreram restrições de co- limites de importação sobre determinados mercialização, com países diversos. “Essas produtos. Com o limite da quantidade de medidas levaram a uma queda drástica das entrada de mercadorias, o preço unitário importações e exportações de alimentos, e, do produto subia, levando à menor compe- especificamente, de carnes. Tais situações titividade no mercado externo. “As tarifas e chamam, e continuarão a chamar, a atenção cotas geravam distorções de preços entre do comércio internacional. Isso ficou claro os países, e, consequentemente, redução em nosso trabalho: se um país quiser expor- do comércio internacional”, explica Silva. tar com mais intensidade, terá que observar, O pesquisador coordenou estudo muito bem, questões sanitárias e fitossani- sobre os custos do comércio internacio- tárias dos produtos que comercializa”, afir- nal brasileiro. Foram selecionados 178 ma o professor. países, em recorte temporal entre 1995 e A necessidade de cumprir normas 2013, com dados já atualizados até 2015. sanitárias para viabilizar a exportação de Analisou-se a diferença de preço entre os produtos eleva os custos de produção produtos exportados pelo Brasil e seus e, consequentemente, do produto final. parceiros comerciais. A pesquisa mostrou “Se, para se adequar a essas condições, que, ao longo dos anos, os custos tarifá- não é possível trabalhar com custos bai- rios foram reduzidos. xos ou aumentam-se os gastos, perde- Surgiram, então, as medidas não tari- -se competitividade”, diz Silva. Questões fárias, como as sanitárias e fitossanitárias, técnicas, como rotulagem, embalagem e sobre produtos agrícolas. “Os custos tari- adequações às características culturais fários, considerados transparentes, dimi- dos países, também são fatores significa- nuíram, por causa da visibilidade e da con- tivos, hoje, para o aumento dos custos do testação que geram. O que vai substituí-los comércio internacional. são as barreiras não tarifarias”, completa o pesquisador. O estudo procurou calcular Blocos econômicos o tamanho de tais barreiras sobre o preço Em função da heterogeneidade asso- dos produtos, além de entender do que são ciada aos países avaliados, a pesquisa da constituídas e como evoluíram. UFV teve foco no comércio internacional do Brasil com grandes blocos econômi- Barreiras não tarifárias cos. “Fez-se a pergunta: será que estar em No início de 2018, a União Europeia um bloco econômico reduz custos? Os pa- embargou a entrada de produtos de carne íses, normalmente, juntam-se para reduzir

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 33 as barreiras comerciais entre eles, e para com produtos agrícolas brasileiros, na fron- realizar integração comercial”, explica Or- teira com o Rio Grande do Sul. A liberação lando Monteiro da Silva. Calcularam-se, demorava tanto que as remessas eram per- então, os custos do comércio brasileiro didas. “A perecibilidade das mercadorias com Mercosul, Comunidade Andina, Nafta, fazia com que o custo do comércio com a União Europeia e Asean. No período, mais Argentina fosse maior”, conta. de 80% do comércio do País foi feito com nações pertencentes aos cinco blocos. Custos estruturais Segundo a análise, os produtos fo- Os 178 países estudados foram di- ram divididos em “agrícolas” e “manufatu- vididos em países ricos, de renda média rados”, ou “industrializados”. Os resulta- e baixa. “Vimos que o comércio do Brasil dos mostram que o custo do comércio dos com nações de alta renda tem custo menor. manufaturados tem diminuído, principal- Isso ocorre em função da infraestrutura e mente, em função da queda das tarifas ao da tecnologia daqueles países, que facili- longo do tempo. O mesmo não acontece tam o comércio”, explica o pesquisador. A com os itens agrícolas. De maneira geral, estrutura também afeta a relação comercial o custo do comércio do Brasil com os pa- com nações próximas, fronteiriças. “Espe- íses do Mercosul é mais baixo, em função ra-se que o custo de comércio com esses da menor distância entre os integrantes do países seja mais baixo, pois a distância en- bloco. Esses valores, porém, aumentaram tre eles é menor. Isso, porém, nem sempre no período. é verdadeiro”, esclarece. “Um bloco de integração como o A pesquisa mostrou que pode ser Mercosul, que seria tão importante para o mais caro comercializar com países da Brasil, tem sido prejudicado por deficiência Comunidade Andina (Bolívia, Colômbia, de infraestrutura, de exigências sanitárias e Equador e Peru), por exemplo, do que da de fronteiras, além de uma série de outras Europa ou da América do Norte. “Apesar medidas não tarifárias, inclusive, institu- de estarem próximos ao Brasil, tais nações cionais e de procedimento alfandegário”, não têm boas estradas ou portos, e acaba afirma Monteiro. O pesquisador lembra que sendo mais caro comercializar com eles”, a Argentina barrava caminhões carregados completa Monteiro.

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIG PROJETO: Os custos do comércio internacional brasileiro: trajetória recente e efeitos sobre o crescimen- to do comércio bilateral COORDENADOR: Orlando Montei- ro da Silva INSTITUIÇÃO: Universidade Fede- ral de Viçosa (UFV) CHAMADA: Universal VALOR: R$ 50.400

34 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 HISTÓRIA

O tabagismo no tempo

Pesquisa da UFMG apresenta retrospectiva e realiza projeções sobre os efeitos do consumo de cigarros no País

Alessandra Ribeiro

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 35 Nos últimos 30 anos, o Brasil assistiu As principais fontes de dados consul- à queda vertiginosa do número de fuman- tadas foram a Pesquisa Especial de Tabagis- tes. Em 1989, a Pesquisa Nacional sobre mo (2008), incluída na Pesquisa Nacional Saúde e Nutrição – primeiro levantamento por Amostra de Domicílios (Pnad); os cen- a incluir informações sobre o tabagismo sos demográficos de 1980, 1991, 2000 e no País –, revelou que 34,8% da popula- 2010; e estimativas do Sistema de Informa- ção adulta brasileira eram fumantes. Entre ções sobre Mortalidade (SIM), do Ministé- os homens, o índice chegava a 43,3%, e, rio da Saúde, e da Divisão de População da no que tange às mulheres, a 27%. Dados Organização das Nações Unidas. mais recentes, apurados em 2013, na Pes- No mesmo ano em que o tabagismo foi quisa Nacional de Saúde, mostram que incluído, pela primeira vez, numa pesquisa 14,7% do total da população fumam. O nacional sobre saúde no Brasil, em 1989, atual percentual é de 18,9% na população também implementou-se o Programa Nacio- masculina e de 11%, na feminina. nal de Controle do Tabagismo, com adoção “O Brasil é referência no que diz de uma série de medidas subsequentes: ba- respeito ao combate à epidemia do taba- nimento da propaganda do tabaco em todos gismo. De 1989 a 2013, houve redução os tipos de mídia; criação de mensagens de de mais de 50% na prevalência. Nos paí- advertência nas embalagens dos produtos ses desenvolvidos, a diminuição foi mais de tabaco; proibição de fumar em lugares lenta”, observa Cristiano Sathler dos Reis, fechados; aumento de impostos e preços dos autor da pesquisa que traça a história do produtos de tabaco, dentre outras. tabagismo no Brasil. Sua tese de douto- Em março de 2019, o Governo Fede- rado foi defendida, em fevereiro de 2019, ral criou um grupo de trabalho, no âmbito junto ao Programa de Pós-graduação em do Ministério da Justiça e Segurança Pú- Demografia da Universidade Federal de blica, para avaliar a possibilidade de dimi- Minas Gerais (UFMG). nuir a tributação dos cigarros fabricados no Brasil. Uma das justificativas seria a possível redução do consumo de produtos estrangeiros contrabandeados e de baixa qualidade. Na avaliação do pesquisador, se implementada, tal medida iria “na contra- mão” dos países desenvolvidos. “As pes- quisas que observam os efeitos das políti- cas públicas de combate ao fumo mostram que o imposto no preço do cigarro influen- cia a redução da prevalência do tabagismo, Pesquisa publicada na revista PLoS e, consequentemente, a mortalidade dos Medicine, em 2012, avaliou o efeito indivíduos nas nações”, destaca. das políticas antitabagistas implemen- Nos termos usados pela pesquisa tadas no Brasil, entre 1989 e 2010. Os de Cristiano Sathler dos Reis, os estudos resultados apontam que a medida sobre “a epidemia do tabagismo” começa- mais importante para a redução da ram com atraso no Brasil, em comparação prevalência do tabagismo foi a polí- a outros países. Segundo a retrospectiva tica de aumento de impostos (48%), traçada por ele, a primeira pesquisa do gê- seguida por leis de ambiente livres de nero foi publicada em 1939, na Alemanha, fumo (14%), restrições de comerciali- e mostrou que parcela significativa de pes- zação (14%), programas de incentivo soas com câncer de pulmão (32%) eram de cessação (10%), avisos de saúde usuárias do tabaco. Em 1950, começaram (8%), campanhas de publicidade e a ser publicados estudos em outros terri- propaganda (6%) e maior restrição tórios, como Inglaterra e Estados Unidos. ao acesso de tabaco entre os jovens “No Brasil, em relação aos países desen- (inferior a 1%). volvidos, a epidemia começou mais tarde. Não tínhamos dados sobre isso”, explica.

36 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 A pesquisa masculina. Comparativamente, observou-se Primeiramente, fez-se a reconstrução atraso de pelo menos 15 anos na propagação da história do tabagismo no Brasil, com da epidemia entre as mulheres. base nas seguintes variáveis: coorte, ou A tendência não é uma particularida- seja, grupo de pessoas com uma mesma de brasileira: também se observou maior característica (nascidos entre 1929 e 1983); consumo de tabaco entre os homens, ao idade (15 a 79 anos); e período (1948 a longo do tempo, em países como Alema- 2008). “A pesquisa disponível era a PNAD, nha, Espanha, EUA e Japão, o que se ex- de 2008; nela são feitas perguntas sobre o plica por motivos socioculturais. Estudos histórico de consumo de tabagismo de cada citados na pesquisa atribuem o menor pessoa. Os mais velhos que captei tinham consumo de tabaco entre as mulheres à de 75 a 79 anos. Em 1948, esse grupo etário desaprovação social e ao status socioeco- tinha de 15 a 19 anos”, detalha. Os critérios nômico mais baixo. foram observados entre homens e mulheres, Nos Estados Unidos, mais de 50% pertencentes a dois grupos de escolaridade: da população jovem masculina fumou “ensino superior completo e incompleto”, e cigarros em 1920, enquanto, entre as mu- “sem instrução”. lheres, as maiores prevalências foram atin- Também foram produzidas estimati- gidas em 1950. Na Itália, o crescimento da vas de mortalidade atribuível ao consumo prevalência revelou-se significativo entre de cigarro no País, para a população adul- nascidas a partir de 1960. ta, com idade a partir de 35 anos, entre O pico da prevalência do tabagismo 1980 e 2015. Para tanto, consideraram- no Brasil se deu entre homens com menor -se a taxa de mortalidade por câncer de escolaridade, na faixa etária de 30 a 34 pulmão e as estimativas do risco relativo anos, em 1963 – 68,4% eram fumantes. de morte de fumantes em comparação ao No caso das mulheres brasileiras, o ápice de não fumantes. Com base nessas infor- ocorreu entre aquelas que tinham de 25 a mações, pôde-se realizar projeção dos 29 anos, em 1988 – 40,6% fumavam. No efeitos do tabagismo sobre a mortalidade período de 1980 a 2015, o tabagismo foi brasileira até 2030. responsável por 6,5 milhões de mortes no País: 4,7 milhões entre os homens e 1,8 milhão entre as mulheres. Sexo e cigarro Segundo as projeções realizadas por A história do tabagismo no Brasil mos- Cristiano Sathler dos Reis, para o período tra que o padrão de consumo do cigarro é di- de 2015 a 2030, se excluída a mortalidade ferente entre os sexos. Independentemente da atribuível ao tabagismo, a expectativa de idade e do período analisado, a prevalência vida adulta é maior em relação à do total do hábito de fumar é superior na população da população em todo o período analisado.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 37 Para os homens, os ganhos seriam de 3,9 a idade fértil (dos 15 aos 39 anos), aquelas anos, para o conjunto de todas as causas, que desejam engravidar podem ter motiva- e de 1,1 anos, excluída a mortalidade atri- ções mais fortes para evitar o consumo do buível ao tabagismo. Os ganhos na expec- tabaco em relação aos homens. tativa de vida entre as mulheres seriam, respectivamente, de 1,9 anos e 1,6 anos.

Melhor saber A escolaridade é outro fator com forte influência no consumo do tabaco, es- pecialmente para os homens, em todas fai- xas etárias analisadas: indivíduos menos escolarizados tendem a fumar mais. Entre as mulheres, a relação se revelou mais fra- ca, sobretudo, entre as nascidas de 1934 a 1948 (subdivididas em coortes de quatro anos), e de 1954 a 1958. Embora a tese não seja conclusiva so- bre a associação entre nível educacional e tabagismo, há indícios de que o acesso à in- formação, sobre os efeitos nocivos do vício para a saúde, seja uma variável importante. Um modelo de evolução da epidemia do ta- baco na Europa, por exemplo, usado como referência para a tese de Reis, mostra a in- trodução do hábito de fumar, primeiramen- te, entre médicos, em razão da maior renda disponível. No entanto, à medida que os riscos do tabaco tornaram-se conhecidos, os mesmos profissionais foram os primei- ros a reduzir o consumo. O comportamento se repete na população em geral, quando as Estudo realizado em 2016, a partir dos dados da Pes- pessoas começam a se conscientizar acerca quisa Especial de Tabagismo, incluída na Pnad 2008, - dos malefícios do tabagismo. mostra que as influências familiares (pais, mães e ir Outro estudo demonstra que a ini- mãos) sobre a iniciação do tabagismo são importan- ciação ao hábito de fumar na adolescência tes. Os efeitos parentais variam de acordo com o sexo está relacionada à falta de compreensão de pais e filhos. As mães exercem maior influência mais apurada sobre os riscos associa- sobre as filhas, enquanto os pais, sobre os filhos. A dos ao consumo do tabaco. A iniciação é relação entre irmãos (e irmãs), no entanto, tem mais crescente nesse período da vida, e rara em importância para a iniciação do tabagismo entre os jo- idades mais avançadas, quando a cessação vens do que a relação entre pais e filhos – sobretudo, torna-se mais comum. “Os jovens estão na entre pares de irmãos do mesmo sexo. fase de iniciação ao tabagismo. Os primei- ros grupos etários que começam a fumar vão dos 15 aos 24 anos. É muito raro que pessoas depois dos 30 anos comecem a fumar”, observa o pesquisador. Há evidências científicas de que a idade tem influência sobre o hábito do tabagismo, associada a processos bio- lógicos e sociais de envelhecimento dos indivíduos. Isso se aplica, por exemplo, no início da fase adulta das mulheres. Durante

38 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 MEDICINA

Mensageiros do fim

Estudo desenvolvido por pesquisadora da Fiocruz-MG mostra que, apesar de frequente nos hospitais de emergência, a morte se revela um tabu até mesmo para os médicos

Mariana Alencar

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 39 A finitude da existência é uma das Souza, afinal, integrou projeto mais amplo como adversidade: o pior desfecho, a má poucas certezas da humanidade. A emoção da Fiocruz, intitulado “Vidas em risco: uma notícia”, comenta. relacionada à morte, entretanto, apresenta- abordagem antropológica sobre as repre- -se como fenômeno subjetivo, atrelado a sentações da morte entre médicos que tra- Falar X Agir contextos socio-históricos. Ou seja, muitos balham em setores de urgência”. A pesquisadora relata, ainda, que, não sabem lidar com “o fim”, mesmo cien- Dessa forma, o primeiro passo da in- no contexto do hospital de emergência, a tes de sua inevitabilidade. Tal dificuldade, vestigação foi a coleta de dados, por meio cultura institucional predominante é in- aliás, não é problema exclusivo de quem da etnografia, realizada pela antropóloga tervencionista, ancorada no paradigma perde entes queridos. O dilema atinge, tam- Janaína de Souza Aredes. Durante nove biomédico. Cabe ao profissional da saúde bém, a comunidade médica, cujo propósito meses, ela entrevistou e acompanhou 43 lutar contra a morte e silenciar suas emo- reside nos cuidados com a vida humana e médicos que atuavam junto a pacientes ções diante dos familiares e dos colegas. a quem cabe o difícil papel de comunicar, a graves, com risco de morte em um hospital “O médico vivencia reações e emoções por familiares e amigos, as piores notícias. de pronto-socorro, referência em trauma ser o portador ‘oficial’ da comunicação da Nos hospitais de emergência, por na América Latina, localizado no hipercen- morte. E, embora tente lidar com ela de exemplo, embora a morte seja um evento tro de Belo Horizonte, Minas Gerais. modo a não afetar sua vida pessoal, intera- frequente, devido à gravidade dos casos “Com o intuito de compreender o ge com o familiar que sofre, é tocado pela atendidos, os médicos percebem a vivência contexto em que os dados da etnografia fo- reação do outro e lida com suas limitações, de comunicá-la como uma das mais árduas ram coletados e produzidos, também reali- confrontando-se com o sofrimento próprio tarefas de seu fazer profissional. Isso acon- zei visita técnica ao hospital. Após a leitura e alheio”, reflete Souza. tece porque a função vem acompanhada por exaustiva das entrevistas e do diário de O estudo constatou que os signos e os dificuldades culturais, éticas, políticas, am- campo, iniciei a categorização dos dados significados correlacionados ao paradigma biguidades e falta de preparo com o tema. de interesse para o estudo, assim como biomédico apresentam a morte como tabu Tal dificuldade cotidiana da comuni- as análises. A pesquisa foi desenvolvida ou fracasso, enquanto, em suas ações, o dade médica inspirou a psicóloga Gislai- segundo a abordagem qualitativa guiada fim e a interação intersubjetiva revelam-se ne Alves de Souza, doutoranda em Saúde pela Antropologia Interpretativa”, detalha terreno obrigatório de emoções – as quais, Coletiva pelo Instituto René Rachou – Fio- Gislaine de Souza. por vezes, são escondidas pelo profissional. cruz Minas, a desenvolver a dissertação de A análise dos dados coletados mos- Isso porque a forma de pensar e agir, con- mestrado “Comunicar a morte em um hos- trou que a relação com a família, usual- forme cultuada em um hospital de emergên- pital de emergência: a significação da ex- mente, é rápida e impessoal. Além disso, cia, deixa transparecer que, na comunicação periência na percepção do médico”. Com a comunicação ocorre sem conversas pré- da morte, não está em jogo a naturalidade especialização em programa de residência vias, de maneira a conciliar a atenção aos da finitude dos seres vivos, mas a impossi- integrada multiprofissional em Saúde do parentes à própria dinâmica das emergên- bilidade médica de salvar o paciente, além Idoso, a maior parte de sua carga horária cias. Observou-se que, mesmo com a exis- da subjetividade de todos os envolvidos. deu-se na assistência hospitalar. tência de diretrizes que apontam formas de Dentre os resultados da pesquisa, o “No mestrado, elegi como proposta comunicar a morte, os médicos anunciam que mais surpreendeu Gislaine Alves de aprimorar e aprofundar os estudos sobre o falecimento de modo indireto, com uso Souza foi a contradição entre a fala e a ação a comunicação da morte em um hospital de eufemismos e metáforas por veem a dos médicos. Ela conta que, mesmo que de emergência. Devido ao impacto do fe- morte como tabu e fracasso. nômeno nos envolvidos, e às implicações Em outros termos, eles fazem uso de no cotidiano da assistência à saúde, inte- mecanismos defensivos, enfatizam a gravi- Método de investigação, por ex- ressei-me por discutir a temática”, explica. dade clínica e informam, progressivamen- celência, da Antropologia. De te, sobre o agravamento do quadro, para ampla abrangência, une técnicas Análise de dados que a morte seja aguardada pela família e de coleta de dados e incorpora, Além de inquirir o modo como os se encaixe na rotina da emergência. “Trata- na análise, elementos observados médicos lidam com a necessidade de -se de comunicação pensada nos moldes e obtidos no campo. Na Saúde comunicar o falecimento de pacientes às do modelo informacional, mas que, na prá- Coletiva, o mecanismo auxilia a famílias, a pesquisa buscou compreender tica, é dinâmica e traz à tona significados compreensão das ações de pro- as relações do médico com os limites en- envoltos por aspectos afetivos e sociocul- fissionais e pacientes, a partir do tre vida e morte. O estudo de Gislaine de turais. Via de regra, a morte é interpretada contexto em que estão inseridos.

40 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 alguns deles aleguem não ter dificuldades de comunicar a morte, de modo contrário, na ação de comunicar a morte evidenciam que o processo não é fácil. Os médicos, ainda que se demostrem frios, interpretam esse posicionamento como máscara para não interagir com o familiar que sofre, ad- ministrar seus afetos e minimizar a sobre- carga emocional de sua profissão. Acabam por se emocionar escondido no hospital, em outros ambientes e durante as entrevistas. Os setores de urgência e emergência hospitalar configuram-se como lugares onde se luta pela vida. Além disso, comu- nicar é uma prática social: “Existem cons- truções sociais sobre a morte que impos- sibilitam a neutralidade do fenômeno. As dificuldades estão envoltas por questões que não se referem às informações técnicas e ao repasse da notificação do óbito bioló- gico, mas a ações que agregam aspectos humanos, intersubjetivos, psicossociais e culturais. Inicialmente, as perspectivas de interpretação dos médicos do hospital me eram distantes, mas a abordagem etnográ- fica do ofício me possibilitou compreender que existe diferença entre ‘o que dizem e o que fazem’”, alega. A pesquisadora conta que um novo artigo está em desenvolvimento. Nele, serão analisados os elementos que in- fluenciam a comunicação da morte, em um hospital de emergência, conforme as características do paciente, a circunstância da ocorrência, o contexto de cuidados, a religião, o preparo para o fim e a formação médica. Outra ação resultante do estudo será a devolutiva aos participantes: “Con- sidero que as dificuldades com a morte, em cascata, influenciam as habilidades interpessoais e comunicacionais, assim como o próprio cuidado”, conclui Souza.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 41 FÍSICA

Cem anos atrás, Sobral, no Ceará, foi palco de expedição que revolucionou a ciência moderna Há exatos 100 anos, um eclipse solar levou o Brasil ao centro de uma observação astronômica que impactou a história da ciên- Luiza Lages cia. Em maio de 1919, dois astrônomos in- gleses chefiaram uma expedição científica em Sobral, no Ceará. A missão era fornecer dados para comprovar a Teoria Geral da Relativida- de, publicada, em 1915, por Albert Einstein. Nela, o físico alemão lida com a gravidade e argumenta que tal fenômeno é provocado pela deformação do espaço e do tempo nas proxi- midades de um objeto material.

“Uma das previsões da teoria é que O que um eclipse a luz de uma estrela distante, quando pas- tem a ver com a sasse próxima a um corpo de grande mas- sa, sofreria curvatura em sua trajetória”, diz Teoria Geral da Domingos Savio de Lima Soares, profes- Relatividade? sor do departamento de Física da Univer- sidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Uma das formas de comprovar a curvatura provocada pela gravidade seria observar o céu em um eclipse solar total. Durante o eclipse, a lua bloqueia o Sol. A “noite” em pleno dia permite aos cientistas medir as posições relativas das estrelas cujos raios luminosos passam nas imediações do Sol. Ao comparar com me- dições feitas durante a noite, seria possível verificar se essas estrelas apresentam o deslocamento aparente previsto por Eins- tein, provocado pela massa do Sol.

42 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 No dia 29 de maio de 1919, um eclipse total do Sol acon- teceu e foi visível em faixa que incluía todo o Nordeste brasileiro e parte do continente africano. Arthur Eddington, influente astrô- A faixa do nomo inglês, organizou duas expedições científicas para obser- vação do eclipse: uma no Brasil; a outra, na Ilha do Príncipe, na Eclipse costa ocidental da África. Os astrônomos Andrew Crommelin e Charles Davidson chefiaram a expedição em Sobral, município recomendado, aos ingleses, por astrônomos do Observatório Nacional do . Além de estar localizada na região onde seria visível o eclipse, a cidade fica próxima a Fortaleza, o que facilitaria a co- municação e o transporte de equipamentos. Por que Sobral?

A expedição em Sobral

A equipe de astrônomos ingleses trouxe dois instru- mentos para realizar as medições: uma câmera astro- gráfica, de Greenwich, e um telescópio irlandês, com lente de dez centímetros de diâmetro. Os astrônomos fizeram as medidas durante o eclipse, ao meio dia.

(Um mês depois...)

Depois de pouco mais de um mês, os ingleses retorna- ram a Sobral e fizeram novas medições das estrelas, à noite. Com uma média das marcações obtidas em So- bral e na Ilha do Príncipe, a equipe anunciou ter com- provado a Teoria da Geral da Relatividade.

Incerteza Evidências da curvatura Os resultados obtidos em Sobral foram, e ainda são, espaço-tempo alvo de críticas. “Não havia condições técnicas para obter a medida do deslocamento das estrelas com a Segundo Domingos Soares, outros experimentos confirmaram a precisão necessária”, critica Soares, ao explicar que, teoria de Einstein. “Posteriormente, comprovou-se a deflexão não devido a problemas com equipamentos, à dificuldade da luz visível, mas de ondas de rádio”, conta. Ondas emitidas de controlar condições externas e à tecnologia disponí- por quasares, objetos distantes no Universo, também defletem vel, seria muito difícil, à época, obter o nível de certeza ao passar pelo Sol. Hoje, o desvio luminoso é observado em inú- necessário à comprovação do deslocamento estelar. meras fotografias dos telescópios orbitais, como o Hubble, nos chamados efeitos de lentes gravitacionais.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 43 EDUCAÇÃO

Educar pela ciência

Laboratórios da UFMG buscam ampliar conexão com as escolas públicas e privadas

Lorena Tárcia

44 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 Serviços personalizados, bilíngues, Pisa, prova realizada em 70 países, põem com equipes de professores doutores qua- o País na 63º posição no que se refere ao lificados e disponíveis a atuar em parceria ensino de Ciências. com as escolas de Belo Horizonte – e, até A solução proposta pelo “Science mesmo, do exterior. Eis alguns dos dife- School” envolve práticas científicas para renciais de três laboratórios integrantes do aprendizagem ativa, interessante e enga- Programa Outlab, parceria da Fundação de jadora, a partir de espaço físico adequado Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) e insumos laboratoriais diferenciados. As com a Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG imersões dos estudantes nestes ambien- (PRPq/UFMG), com vistas a estreitar as tes podem acontecer na própria escola, relações entre a classe científica, o ecos- na UFMG, ou de forma híbrida. Também sistema de inovação e a sociedade. existe a possibilidade de oficinas de férias, Segundo o pró-reitor de pesquisa da no formato summer school, e cursos de UFMG, professor Mario Fernando Monte- atualização em ensino de ciências para os negro Campos, os resultados das pesqui- professores. sas têm grande potencial. “A Universidade “A proposta vai além da interface da conta com ampla e diversa infraestrutura UFMG com a educação básica. Nosso de- laboratorial, por meio da qual são condu- safio é possibilitar a imersão do estudante zidas pesquisas na fronteira do conheci- na ciência realizada na Universidade, em mento. Resultados dessas investigações viés de divulgação científica”, pontua Ma- científicas, frequentemente, apresentam rina Poletini, ao destacar tal ponto como grande potencial de se tornar produtos ou importante diferencial. serviços inovadores, e com expressivo im- pacto social”, explica. Interação Dentre os 25 laboratórios selecio- Outro laboratório dedicado à cone- nados para a primeira etapa do pro- xão entre universidade e ensino básico é grama, três se dedicam a ampliar as o Núcleo de Educação e Comunicação em conexões com escolas, e a trabalhar Ciências da Vida (Neducom), do Instituto a inovação nos processos de ensino de Ciências Biológicas (ICB). Por meio do e aprendizagem. O projeto “Science projeto “Interagir”, a equipe de professores School”, proposta coordenada pe- e alunos oferece às escolas parceria para las professoras Sílvia Guatimosim e capacitação de educadores e educandos Maristela Poletini, atua com escolas no âmbito da saúde. Oficinas destinadas de Belo Horizonte desde 2015. “Ini- aos estudantes abordam quinze temáticas, ciamos tudo de forma tímida, sob como drogas, educação sexual e viagem ao o nome ‘Educa com ciência’, uma corpo humano. Já a formação de professo- forma de dar oportunidade para que res passa por oito assuntos, dentre os quais, alunos de pós-graduação exer- depressão, ansiedade e transtorno do déficit cessem a docência e a divul- de atenção com hiperatividade (TDAH). gação científica, no ambiente As interações integram ações teóri- da educação básica”, conta co-práticas, com uso de jogos, dinâmicas Poletini. e equipamentos médicos. Ao lidar com A equipe interdisciplinar identificou peças anatômicas reais, ou, até mesmo, fragilidades no ensino de ciências no en- cadáveres, o projeto também pretende sino básico e, a partir daí, oferece soluções contribuir com o despertar vocacional criativas para que as escolas melhorem dos estudantes. “Trabalhamos com obje- seu desempenho. Alunos entediados, fal- tos educacionais disponíveis somente em ta de fôlego dos professores em ampliar universidades”, destaca a coordenadora, o escopo de atividades e e estrutura la- Rafaellla Cardoso Ribeiro. boratorial precária são itens presentes no Além disso, “o contato com os moni- diagnóstico do estudo, que reflete a reali- tores de diversos cursos da área da saúde dade de boa parte das escolas de Minas e facilita o engajamento dos estudantes, que, do Brasil. Como consequência, dados do muitas vezes, deixam de fazer determina-

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 45 dos tipos de questionamento a seus pro- de aprendizagem diferenciadas, conectadas Desafios fessores, principalmente, sobre assuntos aos anseios de alunos e professores. Para o pesquisador e professor Alfre- relacionados à educação sexual”, pontua. A A coordenadora, professora Geane do Gontijo de Oliveira, presidente da Fun- equipe multidisciplinar do laboratório é for- Alzamora, considera esta conexão uma dep, “transformar as pesquisas científicas mada por professores doutores das áreas de importante maneira de ampliar as rela- em produtos comercializáveis é um pro- Anatomia, Genética, Fisiologia e Histologia. ções entre a academia e a população. “A cesso longo, que envolve diversas etapas e Com abordagem ampliada, o Labora- universidade pode contribuir muito com o muitos riscos”. O programa Outlab, segun- tório de Conexões Intermídia (Labcon), da processo de ensino e aprendizagem, nas do ele, foi idealizado a partir da identifica- Faculdade de Faculdade de Filosofia e Ci- dimensões social, cultural e política, pois, ção de entraves nessa fase de transforma- ências Humanas, trabalha a interface entre nelas, são desenvolvidas pesquisas de ção, com a proposta de ajudar a capacitar comunicação e educação, na construção de ponta em áreas de interesse das escolas, e os laboratórios da UFMG no processo de narrativas em múltiplas plataformas, capa- não apenas do ponto de vista da didática, aproximação com o setor empresarial. zes de incorporar, à didática e aos projetos mas, também, da socialização”, destaca. A maior dificuldade dos três labora- pedagógicos, as habilidades midiáticas No caso do Labcon, as pesquisas tórios, ao se avizinhar do mercado, segun- características dos jovens estudantes do enfatizam a visão crítica dos estudantes do as coordenadoras, está na conexão com ensino médio. Por meio de metodologia em relação àquilo que consomem nos as escolas privadas. Ou seja, a identifica- própria, dentro de dinâmicas conhecidas meios de comunicação de massa. “O que ção e a captação de possíveis parceiros. como transmidiáticas, o projeto Transmedia nos mobiliza é compreender o consumo “Vimos, no Outlab, uma oportunidade para Education desenvolve de materiais didáticos midiático estudantil fora da sala de aula, e profissionalizar nosso trabalho, de forma diferenciados a projetos de imersão nas es- como este hábito pode ser aproveitado nos mais efetiva, neste sentido”, conclui Ma- colas, para construção coletiva de soluções processos escolares”, ressalta Alzamora. ristela Poletini.

Para saber mais

Outlab: www.programaoutlab.com.br

Contatos com os laboratórios:

Science School: [email protected] Interagir: [email protected] Transmedia Education: [email protected]

46 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 DEMOGRAFIA Pelo direito de decidir Relatório do Fundo de População da ONU revela que milhões de mulheres ainda não têm autonomia sobre sua fecundidade

Alessandra Ribeiro

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 47 Em 1969, as mulheres tinham, em Vinícius Monteiro se refere ao plano média, 4,8 filhos. Dentre as casadas, ape- elaborado com a participação de 179 pa- Casamento infantil: estima-se que nas 24% usavam algum método contra- íses, em 1994, no Cairo, durante a Con- 800 milhões de mulheres vivas, ceptivo para retardar ou evitar a gravidez. ferência Internacional sobre População hoje, casaram-se quando eram Nos países menos desenvolvidos, onde e Desenvolvimento. As metas previam crianças. somente 2% usavam algum método con- o desenvolvimento sustentável baseado traceptivo, o número de filhos por mulher nos direitos, nas escolhas individuais e chegava a 6,8. Naquela época, o movi- na conquista da saúde sexual e reprodu- mento de emancipação feminina lutava por mundial 2019: um trabalho inacabado”, tiva para todos. Em 2016, com a inclusão igualdade de acesso à educação, de opor- documento publicado anualmente, desde do acesso universal ao atendimento e aos tunidades de emprego e de remuneração, 1978, pelo Fundo de População das Na- serviços de saúde sexual e reprodutiva na pelo direito ao divórcio e, até mesmo, à ções Unidas (UNFPA, na sigla em inglês). “Agenda 2030 de Desenvolvimento Sus- propriedade de imóveis. Oficial de programa para População e tentável”, novos objetivos foram traçados: Passados 50 anos, a liberdade e os Desenvolvimento do Fundo de População zerar as mortes maternas evitáveis e os ín- direitos reprodutivos tornaram-se realida- da ONU no Brasil, Vinícius Monteiro, mes- dices de violência ou prática nociva contra de para muitas mulheres. Ao mesmo tem- tre em Demografia pelo Centro de Desen- mulheres e meninas, além do atendimento po, em relação a outras, persistem desafios volvimento e Planejamento Regional (Ce- a 100% das demandas de contracepção. que impedem o exercício pleno desses di- deplar) da UFMG, justifica o subtítulo da reitos. Centenas de milhões ainda enfren- publicação. “Metas estabelecidas pela co- Métodos anticoncepcionais tam barreiras econômicas, sociais, insti- munidade internacional, há 25 anos, ainda No Brasil, a população saltou de 92,9 tucionais, dentre outras, que as impedem não foram completamente cumpridas. O milhões, em 1969, para 212,4 milhões de tomar suas próprias decisões sobre relatório destaca, por exemplo, que mais em 2019, segundo dados do Fundo de quando, com que frequência e de quem en- de 200 milhões de mulheres querem evitar População da ONU. Neste período, a taxa gravidar. Esta é a principal constatação do a gravidez, mas ainda enfrentam barreiras de fecundidade (estimativa de filhos por “Relatório sobre a situação da população para concretizar esse desejo por meio de mulher) caiu de 5,2 para 1,7 – abaixo da métodos contraceptivos”, diz.

Marcos para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres

1970 1971 1973 1975 1979 1984

Conselho de População da Legalização do aborto Primeira transferência ONU estabelece o Comitê nos Estados Unidos de embrião de uma Internacional para a Pes- mulher a outra resulta Abertura da Década das Mulhe- quisa em Contracepção em um nascimento vivo res, instituída pela ONU

Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres (Cedaw) é adotada O Dispositivo Intrauterino (DIU) Dalkon Shields entra no mercado

48 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 média global, de 2,5 filhos. “A taxa de fe- (78%). Costa Rica e Nicarágua apresen- aproximam-se das registradas naquelas cundidade do Brasil, hoje, está abaixo do taram índices semelhantes ao brasileiro com legislação mais permissiva. A dife- que chamamos de nível de reposição, de (77%). O relatório do UNFPA destaca que rença é que, quanto mais restritivo o con- 2,1 filhos por mulher. Se a média for man- as taxas de prevalência de contraceptivos texto legal, maior a proporção de abortos tida ao longo do tempo, a tendência é que são, geralmente, mais baixas entre os 20% inseguros, que varia de menos de 1% (nos a população se estabilize, pare de crescer. mais pobres da população, e mais altas en- países menos restritivos) a 31% (mais res- Abaixo disso, há tendência de declínio, em tre os 20% mais ricos. No caso do Brasil, tritivos). Em todo o mundo, apenas 55% médio e longo prazos”, explica o demógra- apesar do índice elevado, há fortes diferen- dos abortos são seguros e contam com fo do UNFPA. ças regionais, também influenciadas por método recomendado, administrado por Hoje, 77% das brasileiras casadas, fatores como raça, cor, idade, nível socio- profissional capacitado. ou em qualquer tipo de união, na faixa etá- econômico e escolaridade. “Observamos Vinícius Monteiro lembra que a ria dos 15 aos 49 anos – a chamada idade que, no meio urbano, as mulheres têm nú- questão foi tratada na Conferência Interna- reprodutiva –, usam algum método con- mero de filhos mais próximo ao que gos- cional sobre População e Desenvolvimen- traceptivo moderno (esterilização, DIU ou tariam de ter, enquanto, no ambiente rural, to, em 1994. À época, os países concorda- pílula) para retardar ou evitar a gravidez. O não conseguem controlar sua fecundidade ram que, em nenhuma hipótese, o aborto percentual supera os índices de contracep- da maneira que gostariam”, compara. poderia ser promovido a método de plane- ção em nível mundial (58%) e na América jamento familiar. Os países, porém, teriam Latina (70%). “Isso representa avanços Aborto autonomia para decidir em que situações que o Brasil conquistou nas últimas déca- Segundo o relatório do Fundo de ele seria legalizado ou não. “A prevenção das, principalmente, com o Sistema Único População da ONU, 42% das mulheres em da gravidez indesejada deve ser sempre de Saúde, o SUS, que oferece oito tipos de idade reprodutiva vivem nos 125 países tratada como prioridade pelos países, para métodos contraceptivos à mulheres que de- onde o acesso ao aborto seguro é altamen- evitar a necessidade de aborto. Indepen- sejam evitar a gravidez”, analisa Monteiro. te restrito. No entanto, os dados sugerem dentemente da causa, nos casos em que A adesão aos chamados contracepti- que a frequência da prática não é significa- isso acontecer, é necessário fornecer apoio vos modernos só é maior na China (82%), tivamente impactada por restrições legais: amplo, além de todo o acesso aos serviços no Reino Unido (79%) e na Finlândia as taxas em nações com leis restritivas de saúde”, esclarece.

1985 1986 1987 1995 1997 2007

África do Sul retira 4ª Conferência Mundial das UNFPA lança Programa o banimento a casa- Nações Unidas Sobre Mulheres Global de Insumos para a mentos inter-raciais Saúde Reprodutiva

Primeira criança nascida de Divórcio é legalizado na uma mãe de aluguel sem República da Irlanda relação com os pais Lançamento da Iniciativa Maternidade Segura

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 49 Gravidez na adolescência sobre HIV/AIDS (Unaids) indicaram a exi- Outro dado que chama a atenção gência de consentimento dos pais para que Do controle à saúde refere-se à gravidez precoce. No mundo, menores de 18 anos possam acessar servi- O Fundo de População das Na- ços de saúde sexual e reprodutiva. o número de filhos para cada mil meninas ções Unidas (UNFPA) foi criado em Mesmo quando o objetivo da legis- entre 15 e 19 anos chega a 44. Entre as 1969, quando a população mundial lação é proteger os menores, isso pode brasileiras, são 62, mesmo número apu- alcançou a marca de 3,6 bilhões de desencorajar adolescentes a buscar apoio rado entre as jovens latino-americanas. habitantes. O número representava profissional especializado. As jovens são as “Apesar de ter reduzido a taxa de fecundi- um aumento de cerca de 1 bilhão principais afetadas, já que sofrem as conse- dade, a gravidez na adolescência é um de- quências sociais e físicas de uma gravidez de habitantes, em apenas 17 anos. A safio muito significativo, no caso do Bra- não intencional. “É necessário avançar nas preocupação era que o crescimento sil, e na América Latina, como um todo”, causas que chamamos de ‘determinantes populacional prejudicasse o progres- aponta Monteiro. indiretos’. Tudo se relaciona ao serviço so econômico e o meio ambiente. O relatório revela que, apesar da am- de saúde e à informação, mas, também, a O Fundo passou a apoiar pro- pla evidência de que muitos adolescentes questões de gênero. Muitas vezes, a adoles- gramas nacionais de população, que não casados são sexualmente ativos, nor- cente tem acesso à camisinha, e sabe da im- distribuía contraceptivos em escala mas sociais e, até mesmo, impedimentos portância do preservativo, mas, na hora da sem precedentes. Isso acabou por legais podem limitar ou proibir discussões relação sexual, não consegue negociar com estimular políticas de controle popu- sobre saúde sexual e reprodutiva, ou acerca o parceiro. É necessário trabalhar o empo- lacional nas décadas de 1970 e 1980. de sexualidade entre os jovens. Em 2017, deramento da mulher e o conhecimento dos Com financiamento e incentivo de 68 dos 108 países que enviaram dados ao homens, para que haja impacto nos indica- países doadores e fundações, alguns Programa Conjunto das Nações Unidas dores”, destaca o pesquisador. países implementaram programas que coagiam ou forçavam casais a usar contraceptivos ou a limitar o ta- manho de suas famílias – inclusive, com incentivos financeiros. Anos mais tarde, com a pressão de movimentos feministas e defenso- res da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, houve mudança de pa- radigma. O foco, antes voltado a ques- tões populacionais e à redução da fecundidade, passou a ser os direitos dos indivíduos e dos casais de pre- venir ou retardar a gravidez, além de alcançar a saúde sexual e reprodutiva. 2009 2012 2013 2016 2017 Para além dos métodos con- traceptivos, a saúde e o bem-estar sexual e reprodutivo das mulheres passaram a englobar outros fatores, como a capacidade de prevenir e Pílula do dia seguinte Assembleia Geral da ONU Milhões de pessoas administrar complicações do aborto é aprovada pelo órgão adota resolução sobre a em 168 países inseguro; sua capacidade de evi- americano Food and prevenção à mutilação unem-se à Marcha tar ou tratar infecções sexualmente Drug Administration genital feminina das Mulheres transmissíveis, o que inclui o HIV; e (FDA) para uso por ado- os cuidados que recebem durante a lescentes de 17 anos gestação e o parto. A prevenção e o Comissão da ONU sobre o Status Acesso universal ao atendimento manejo da infertilidade e do câncer de Mulheres exige que os estados e aos serviços de saúde sexual e ginecológico também foram defini- ponham fim à prática de casamento reprodutiva é incluído nas Metas dos como partes da saúde sexual e infantil, precoce e forçado de Desenvolvimento Sustentável reprodutiva feminina.

50 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 SAÚDE MENTAL

A falta castiga,

o excesso destrói

Estudo busca avaliar como inundações e secas impactam a saúde mental de crianças e adolescentes

Mariana Alencar

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 51 Na literatura acadêmica, a estimati- va é de que, em média, ocorra, a cada dia, um desastre ambiental – que pode ser de- finido como evento imprevisível, capaz de causar danos enormes, como destruição e sofrimento humano. De modo específico, as tragédias naturais são provocadas por desequilíbrios da natureza, sem atuação hu- mana, embora possam ser potencializados por ela. Ao redor do Planeta, ano após ano, é possível notar aumento de tais catástrofes, principalmente, relacionadas ao desequilí- brio climático, a exemplo de tempestades, ciclones e temperaturas excessivas. No Brasil, as secas e as inundações são os desastres naturais mais frequen- tes. De acordo com a Agência Nacional das Águas (ANA), só em 2017, ao menos 40 milhões de brasileiros foram atingi- dos por um dos dois fenômenos. Dentre os impactos das tragédias na sociedade, destacam-se problemas à saúde mental dos atingidos, efeitos, por vezes, maiores que os danos físicos. Ainda que as vítimas consigam se recuperar ao longo do tempo, muitos passam a apresentar queixas diag- nósticas como “transtornos mentais”. Diante deste cenário, Sabrina de Sousa Magalhães investiu no trabalho “De- sastres decorrentes de eventos climáticos extremos: impacto na saúde mental e acom- panhamento prospectivo de sintomas em crianças e adolescentes”, tese de doutorado defendida junto ao Programa de Pós-Gradu- ação em Medicina Molecular da Universida- de Federal de Minas Gerais (UFMG). O principal objetivo da investigação foi avaliar a saúde mental de indivíduos entre 6 e 18 anos, expostos à seca e às inundações. “A pesquisa teve caráter ex- ploratório. No contexto de mudanças cli- máticas, queríamos ver como isso se dava no Brasil, em relação, principalmente, a um público pouco estudado: as crianças”, conta Magalhães. A escolha de trabalhar com os pe- quenos e pequenas, além dos jovens, foi influenciada, justamente, pela escassez de estudos similares. Além disso, crianças e adolescentes são mais vulneráveis do que os adultos aos impactos de estressores ambientais. Outros trabalhos já mostraram que a vivência de tais desastres, durante

52 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 a infância, afeta a pessoa de forma signi- inclusão: ter entre 6 e 18 anos; estar ma- ficativa. Os sintomas de ansiedade podem triculado em escola da região; ter autoriza- acompanhar a vítima até a vida adulta. Daí a ção do responsável e interesse próprio em importância da pesquisa no auxílio precoce participar da pesquisa. “O primeiro contato a problemas que podem surgir mais tarde. com os jovens foi via Secretaria Munici- Outro elemento que motivou Sabrina pal de Educação ou da Saúde. Depois de Magalhães diz respeito ao caráter multi- realizado o convite, deslocamo-nos para disciplinar do estudo, e à convergência os locais, em equipe com três ou quatro com sua trajetória acadêmica. “Ainda na pessoas. Com todos os documentos de graduação, fiz iniciação cientifica na área autorização e assentimento assinados, en- de Neuropsicologia do envelhecimento, na trevistamos, primeiramente, os pais e, em Universidade Federal do Paraná (UFPR). seguida, os jovens”, conta a pesquisadora. Depois me formei em Psicologia, e fiz mestrado na área. À época, tive contato Métodos adaptados com um professor da UFMG, que me in- Para a realização das entrevistas, centivou a fazer o doutorado”, conta. recorreu-se a dois instrumentos comuns Na Universidade mineira, já existia da Psicologia: o questionário chamado um projeto, coordenado por Marco Aurélio “Inventário de comportamentos da infância Romano-Silva, que precisava de alguém e da adolescência”, respondido por pais que o levasse adiante. “Por conta do ca- ou responsáveis pelos jovens; e a escala ráter interdisciplinar da proposta, senti-me “Children Revised Impact of Event Scale confortável em assumir o desafio. Trata-se, (Cries)”, que avalia os sintomas de Trans- portanto, de trabalho que aborda aspectos torno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) da Medicina, Psicologia e da Geografia, em crianças e adolescentes. além de contar com grande aplicabilidade O TEPT ocorre quando uma pessoa social”, frisa a pesquisadora. é exposta a episódio concreto de ameaça de morte, lesão grave, ou, ainda, ao tes- Região Norte temunhar acontecimento traumático com O primeiro passo para realização da outros indivíduos. Tais quadros impactam pesquisa referiu-se à escolha dos locais de diretamente no funcionamento social e ação. Cogitaram-se São Paulo, Rio Grande educacional das vítimas. Alterações de hu- do Sul e Paraná, mas foi na capital do Acre mor, intrusão de lembranças angustiantes que Magalhães e sua equipe encontraram e fuga de estímulos que remetem ao episó- as condições ideais para entrevistar crian- dio traumático são sintomas comuns nos ças e adolescentes expostas às inunda- casos ligados ao Transtorno. ções. Por se situar no Norte do País, Rio Para a pesquisa, foi necessário, Branco apresenta clima equatorial chuvo- ainda, que Magalhães e sua equipe adap- so. Isso significa que, por ali, praticamente tassem a escala Cries para a realidade da não há estação seca. Além disso, trata-se população infantil brasileira. Feito isso, de área com maior nível pluviométrico o contato com os jovens permitiu que os anual da nação. pesquisadores extraíssem o máximo de in- No que diz respeito à seca, o local formações, para que a saúde mental fosse escolhido foi o Norte de Minas Gerais, ou, precisamente avaliada, sob vários aspec- mais especificamente, a cidade de Francis- tos. co Sá. A região apresenta clima semiárido, “A partir do contato com as crianças com baixas taxas pluviométricas. Dife- e os adolescentes, avaliamos dados de rentemente das inundações, a aridez foi saúde mental, variáveis cognitivas, como considerada, na pesquisa, como desastre inteligência, atenção e memória, e reali- ambiental crônico, pois a população está zamos tarefas qualitativas, para ver como constantemente exposta a ela. elas vivenciaram os desastres. Também re- Todos os jovens que participaram alizamos a coleta de materiais biológicos, do estudo foram recrutados em escolas como sangue e cabelo. Isso tudo para que públicas, a partir do seguinte critério de a saúde mental pudesse ser analisada sob

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 53 diversos âmbitos: molecular, comporta- diações social e familiar foram importantes mental e cognitivo”, detalha. Na inundação, 57,4% das crianças e nestes contextos”, reflete. 94,7% dos adolescentes foram ras- Surpresas treados positivamente para TEPT. Já Frentes de pesquisa Os primeiros resultados apresentaram na seca, 16% das crianças e 23,5% O percurso da pesquisa e os resulta- discrepância entre relatos dos pais e dos dos adolescentes foram positiva- dos obtidos instigaram Sabrina Magalhães mente rastreados para TEPT. jovens. Segundo a pesquisadora, os depoi- a aplicar a metodologia em outras regiões. A mentos das crianças e dos adolescentes fo- pesquisadora pretende investigar desastres ram mais efetivos para a avaliação do que o No processo, observou-se que, em ambientais fortemente influenciados pela comportamento relatado pelos responsáveis. geral, a maioria dos sintomas apresentou ação humana, como no caso dos desaba- mentos das barragens de Bento Rodrigues A partir da coleta dos dados, obser- remissão ao longo do tempo. Contudo, no e Brumadinho. “Cogitamos realizar a pes- vou-se que a maioria das crianças, tanto ambiente de seca, os sintomas relativos quisa nestes locais, mas ainda não há equi- aquelas expostas a inundações quanto as ao TEPT e à ansiedade foram mantidos, pe para abrir nova frente de trabalho. Isso que vivem em condições de seca, não de- ou mesmo aumentaram, neste período. está no horizonte. Temos a hipótese de que senvolveram o TEPT. A pesquisa, entretanto, “O resultado foi surpreendente para mim, desastres causados diretamente pela ação – mostrou que alguns dos sintomas relatados pois acreditava que os jovens submetidos ou omissão –, humana possuem impacto podem ser relevantes para o funcionamento à seca já estavam adaptados àquele am- mais intenso do que os naturais”, comenta. social e educacional dos indivíduos. biente. Houve remissão dos sintomas na Ainda que não tenha sido possível Após a realização da primeira coleta população exposta às inundações porque expandir o estudo a outras áreas, a pesqui- de dados, os pesquisadores realizaram o as condições foram reestabelecidas após o sadora acredita na relevância da proposta, e, acompanhamento prospectivo dos jovens desastre”, explica Magalhães, ao lembrar também, do que já foi realizado: “Os estudos que participaram da pesquisa. Para o gru- que, em relação à aridez, a condição é crô- contribuem com o aumento da conscienti- po da inundação, os questionários foram nica. “Além disso, no caso da inundação, zação da comunidade científica e do poder aplicados 14 meses após a primeira entre- as famílias apresentavam resiliência muito público acerca das consequências de de- vista. Em relação ao da seca, o novo conta- grande, o que, acreditamos tenha permi- sastres naturais, principalmente, ao desen- to foi feito depois de 17 meses. tido a diminuição dos sintomas. As me- volvimento de crianças e adolescentes”.

54 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 HIPERLINK

Lorena Tárcia Ciência inbox O projeto “Minas Faz Ciência” agora tem newsletter. Quer re- ceber notícias sobre o universo mineiro das ciências? Entre no minasfazciencia.com.br e logo Recursos educacionais I aparecerá o quadro para você se Escola Digital é um portal gratuito e aberto, com mi- cadastrar. lhares de recursos digitais mapeados. São vídeos, áudios, games, livros digitais, aplicativos e outras ferramentas que podem ser usadas dentro ou fora do ambiente escolar. O usuário pode fazer buscas genéricas – apenas pelo nome da disciplina ou pelo Curiosidades científicas I tipo de mídia de interesse – ou mais específicas, da Perguntamos a nossos seguidores do Instagram: “O seleção de conteúdos envolvendo temas transversais que você gostaria de saber sobre as pesquisas cien- a recursos multidisciplinares. Também é possível se tíficas produzidas em Minas?” Recebemos várias e cadastrar para aproveitar todos os recursos de intera- ótimas respostas, a serem transformadas em repor- ção e criação, além de participar do curso a distância, tagens para nossos sites e para a revista. Os mineiros disponível, gratuitamente, para professores e gesto- querem saber, por exemplo, se existem programas de res escolares: https://escoladigital.org.br. incentivo para aproximar estudantes do ensino médio com a ciência, e se há pesquisas sobre a redução do consumo de plástico e uso de bioplástico nas gran- des cidades. Também quer contribuir? Envie sua su- gestão para [email protected] ou converse conosco Recursos educacionais II em nossas redes sociais (Face, Instagram e Twitter). Outro repositório online de recursos para uso em sala de aula é o Instituto Net Claro Embratel. Há recursos para ensinar, aprender e se inspirar. É possível pesquisar por nível de ensino ou por Curiosidades científicas II área de conhecimento. No campo de ciências, Você tem ideia de quais palavras-chaves mais levam por exemplo, há planos de aula sobre como pessoas a nosso site infantil? As pesquisas que mais construir átomos e material detalhado para auxi- direcionam são “telescópio caseiro”, “por que feve- liar o professor a explicar a febre amarela, dentre reiro tem 28 dias?” e “minhocuçu”. Já no site MFC, outros tantos recursos gratuitos. Acesse: http:// eis as temáticas campeãs: “respiração das plantas”, bit.ly/recursosgratuitosmfc. “química forense” e “cobra coral verdadeira”.

Curiosidades científicas III O que é uma estrela cadente? Como passear por Mar- te por meio da tela do computador? Qual a duração do dia nos outros planetas do Sistema Solar? Essas curiosidades são respondidas no Blog do Espaço!, mantido pelo Espaço do Conhecimento UFMG. Aces- se lá: http://bit.ly/blogespaco.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 55 CONTEMPORÂNEAS Sob novas funções

No ano em que completa 20 anos, plataforma Lattes se moderniza para facilitar integração do currículo a outras bases de dados

Em abril de 2019, começou a circular nas redes sociais a notícia de que a plata- forma Lattes estava prestes a acabar. A in- formação, entretanto, era falsa. Na ocasião, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Mariana Alencar Científico e Tecnológico (CNPq) não só desmentiu o boato, como anunciou a mo- dernização do serviço. Criada em 1999, a ferramenta é, hoje, responsável por integrar, em um único sis- tema de informação, bases de dados de currículos, grupos de pesquisa e institui- ções. Trata-se do mais importante conjunto de informações acadêmico-científicas do País, com cerca de seis milhões de docu- mentos cadastrados. A importância da plataforma vai além da quantidade de currículos cadastrados. Sua dimensão engloba, também, ações de planejamento e gestão de agências de fomento federais e estaduais, fundações de apoio à ciência e à tecnologia, instituições de ensino superior, institutos de pesquisa, além do próprio CNPq. Trata-se, ainda, do instrumento que auxilia ações de órgãos governamentais e políticas estabelecidas pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). “Nesses 20 anos, o principal fenô- meno resultante da criação da plataforma foi a capilarização a partir da adoção do currículo, o que aconteceu em 16 de agos- to de 1999. Hoje, quase tudo no mundo acadêmico envolve informações do cur- rículo Lattes, que, ao longo do tempo, foi reconhecido como espaço para registro da vida acadêmica do pesquisador”, comenta Vinícius Medina Kern, professor de Ciên-

56 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 cia de Informação da Universidade Federal responsabilidade do pesquisador. Ou seja, Burocracias e dificuldades de Santa Catarina (UFSC). cabe ao usuário o fornecimento de dados, Em duas décadas de existência como o que acaba por aumentar o risco de frau- banco nacional de currículos acadêmicos, Modernização anunciada des e erros. Com a integração ao Orcid, a a plataforma Lattes é referência nas uni- Em dezembro de 2018, o CNPq certificação dos dados será refinada, posto versidades. Hoje, mesmo alunos de gra- anunciou o plano de modernização da pla- que se torna mais fácil cruzar as informa- duação, no início da trajetória acadêmica, taforma. Com o intuito de tornar o sistema ções com outros identificadores. precisam ter seus currículos registrados na mais eficiente, a proposta deve repensar o Segundo Kedma Duarte, pesquisa- ferramenta, para que possam desenvolver posicionamento estratégico do Lattes. A dora membro da Comissão de Gestão da trabalhos de iniciação científica. ideia é aprimorar as tecnologias e a qua- Plataforma Lattes (ComLattes), a proposta Ao longo dos anos, a plataforma pas- lidade das informações, por meio da cor- de modernização visa a transformá-la em sou por diversas transformações. Vinícius reção de falhas identificadas na ferramenta. sistema essencialmente digital. “Até então, Kern destaca a mudança que aconteceu A principal mudança, já implemen- há dificuldade para o pesquisador estran- ainda nos primeiros anos de existência do tada, é a integração da plataforma com o geiro se cadastrar. Com a integração ao Lattes: “Em 2003, houve imensa perda sis- Orcid (Open Researcher and Contributor Orcid, isso ficará mais fácil. Todos poderão têmica. As mudanças de governo, à época, ID), um código identificador amplamente integrar seu currículo ao de outros países. criaram dificuldades. Até 2002, o CNPq usado no meio acadêmico, sobretudo fora Além disso, as informações de outros cur- envolvia várias instituições de ensino e pes- do Brasil, para identificação de autores rículos internacionais poderão ser impor- quisa na evolução do Lattes. Essas institui- de trabalhos científicos. O preenchimento tadas automaticamente”, explica. ções expunham suas demandas sobre o que das informações no currículo Lattes é de Atualmente, ao menos 120 mil pes- era importante mudar no currículo”, lembra, quisadores brasileiros adotam essa assina- ao comentar, ainda, que a grande virtude tura digital única. Isso faz com que o Brasil disso era que, mesmo que não fosse aten- ocupe a sexta posição no ranking de países dida, a comunidade saberia que o currículo a usar o identificador. Com a integração ao iria mudar em determinada direção. “Isso permitia que as instituições se adaptassem Lattes, a expectativa é que o número aumen- às mudanças. Em 2003, com a ruptura, a te e o retrabalho de inserção de dados em participação acabou. Hoje, as universidades sistemas diversos seja minimizado. sabem das mudanças apenas por meio da Nesse sentido, outra mudança, im- observação”, relembra o pesquisador. plementada aos poucos, é a integração As transformações pelas quais a com bases de dados nacionais. Kedma plataforma passou revelam que o atual Duarte explica que, com a alteração, o processo de modernização não indica a pesquisador poderá importar as informa- obsolescência do sistema. Trata-se, na ções para pesquisa do Instituto Brasileiro verdade, de ação necessária, que visa de Informação em Ciência e Tecnologia acompanhar as mudanças tecnológicas (IBICT). O plano de modernização do e informacionais das últimas décadas. Lattes prevê, também, integração com a “Vejo com bons olhos que a base curricu- plataforma Sucupira, da Coordenação de lar e a plataforma, que é uma coisa viva, Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su- precisam progredir. Entretanto, há outros perior (Capes), que trata da avaliação da pontos a serem adaptados, mas que não pós-graduação estão previstos na modernização. Há, por “O coordenador poderá importar, exemplo, falta de definição sobre o que de uma vez só, todos os currículos dos significam as informações e categorias a docentes envolvidos no trabalho. Isso, serem preenchidas”, destaca. hoje, é muito trabalhoso, pois também há Como exemplo, Kern pergunta: informações duplicadas. As mudanças “O que é um projeto de pesquisa?”. “Na são a oportunidade de aproximação com plataforma, precisamos informar sobre pessoas fora da comunidade acadêmica. ‘projetos’ e ‘projetos de pesquisa’. Algu- O CNPq trabalha, também, no desenvolvi- mas definições tornam-se confusas para mento de um aplicativo, para que os pes- pessoas que têm contato pela primeira vez quisadores possam acessar o Lattes pelo com o sistema. Tal situação, inclusive, dá celular. Haverá ainda outros apps para margem a acusações de fraude. Por vezes, tomada de decisão das universidades”, porém, trata-se, simplesmente, de preen- detalha Kedma Duarte. chimento malfeito”, completa.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 57 VARAL Abner Barbosa

O conhecimento e seus iluminares. Videomaker e fotógrafo, social media w eb designer , com experiência em produção de conteúdo audiovisual, Abner Barbosa é bacharel Jornalismo pelo Centro Universitário Belo Horizonte (UniBH), formação em cinema documentário, pela Escola Livre de Cinema Belo Horizonte.

58 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2019 59 PARA USO DOS CORREIOS

MUDOU-SE DESCONHECIDO RECUSADO FALECIDO AUSENTE NÃO PROCURADO END. INSUFICIENTE CEP NÃO EXISTE Nº INDICADO INFORMAÇÃO ESCRITA PELO PORTEIRO OU SÍNDICO

REINTEGRADO AO SERVIÇO POSTAL EM ___/___/______/___/______RESPONSÁVEL

Avenida José Cândido da Silveira, 1500 Bairro Horto Belo Horizonte (MG) CEP: 31 035-536 Contatos: [email protected] Site: minasfazciencia.com.br www.facebook.com/minasfazciencia www.twitter.com/minasfazciencia/ www.instagram.com/minasfazciencia/

60 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2019